terça-feira, 2 de novembro de 2010

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Violência, coronelismo e cotidiano nos
tempos de José Fabrício das Neves



Detalhe de foto onde aparecem José Fabrício e seus
homens. Acervo: Reinaldo Antunes (Pinhão-PR).


Violências nos sertões

“O mundo do sertão do Contestado”, observa Monteiro (1972, p. 21), “é unanimemente descrito como um mundo de violência. Violência por questões de honra, violência por questões políticas, violência por questões de terra”. De certa forma, segundo o autor, essa violência era “consagrada nos costumes e as virtudes heróicas do campeador decantadas e transformadas em legenda”. Se a disputa era por terras, entram em jogo os interesses de grandes famílias e parentelas. No caso da honra, “agressor e vítima eram vítimas de um destino, que podia levar alguns à morte, lançando outros no banditismo como modo normal de vida: a honra ofendida e defendida constituem patrimônio de um grupo”.

No caso da violência política, a luta era travada em torno de chefes e interesses locais muito concretos, nunca em “torno de princípios ou de interesses materiais estranhos ao universos do sertanejo”. O crime propriamente dito no sertão era o de furto, particularmente o de gado, enquanto “o bandido solitário, que iniciava sua carreira a partir de um homicídio de honra e podia tornar-se um matador profissional, não sofria condenação moral – era vítima do destino”.

Nesse mesmo sentido, o chefe de uma grande família, que “comandava uma vasta clientela, era honrado, mesmo que suas posses de fundamentassem na violência expropriadora contra chefes rivais”, quando “a violência contra adversários políticos estava nos costumes”. Nada disso era crime, ou moralmente condenável. O autor diferencia esse tipo de violência, “costumeira”, com a inovadora, irrompida durante o conflito do Contestado – “se a violência costumeira faz-se entre homens que se representam no nível ideológico como iguais ou potencialmente iguais, ou entre homens efetivamente beneficiados por uma autonomia necessária, a violência inovadora surge como ruptura da consciência do nivelamento” (MONTEIRO, 1972, p. 28).

Fabrício e seu estado-maior. Catanduva-SC, 1919.
Acervo: Cecília Talim (Concórdia-SC).


Coronelismo

Falamos em coronelismo segundo o conceito clássico de Victor Nunes Leal, observados alguns reparos feitos por outros autores, citados adiante, e as conclusões da pesquisa empírica realizada. Para Leal (1997, p. 40), o coronelismo é, “sobretudo”, um “compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras”. Resulta de uma “superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada”, não sendo “mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno típico de nossa história colonial”. Estamos diante de uma “forma peculiar de manifestação do poder privado”, ou uma “adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa”.

O autor situa as bases do fenômeno na estrutura agrária brasileira, que sustentam as “manifestações de poder privado ainda tão visíveis [1949] no interior do Brasil” (LEAL, 1997, p. 40). Privatismo alimentado pelo poder público, destaca o autor, sob um “regime representativo, com sufrágio amplo, pois o governo não pode prescindir do eleitorado rural, cuja situação de dependência ainda é incontestável” (LEAL, 1997, p. 41). A principal crítica a esse modelo, feita por autores como José Ibarê Dantas, entre outros, e adotada por Machado (2004, p. 90-104), está na pouca importância que o processo eleitoral teria para o coronelismo. Ou seja, mais do que investir em eleições em que poucos votavam, e cujos resultados podiam ser alterados, os coronéis preferiam investir em milícia armada, na capacidade de mobilizar homens em armas em curto espaço de tempo.

No caso de José Fabrício das Neves, observamos que ele se aproxima do processo eleitoral através de assessores (expressão de Antônio Martins Fabrício das Neves em suas entrevistas). Sabemos que ele acompanha a movimentação eleitoral, mas não aparece como candidato ou dirigente partidário, o que ainda pode ou não ser confirmado com novas pesquisas. Como veremos, seu poder estava realmente em mobilizar tropas armadas.

Outra característica do coronel é a liderança, segundo Leal (1997, p. 41) aspecto que “salta aos olhos”. Segundo o autor, “dentro da esfera própria de influência, o ‘coronel’ como que resume em sua pessoa, sem substituí-las, importantes instituições sociais”, e cujos detalhes empíricos específicos do estudo relacionamos anteriormente.

Ele, o coronel, também exerce ampla “jurisdição sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenças e proferindo, às vezes, verdadeiros arbitramentos que os interessados respeitam”. Além disso, controlam “com ou sem caráter oficial, extensas funções policiais, de que freqüentemente se desincumbe com a sua pura ascendência social”, e que “eventualmente pode tornar efetivas com o auxílio de empregados, agregados ou capangas” (LEAL, 1997, p. 42). Também nesse caso, as evidências factuais foram relatadas nos capítulos precedentes.

Preocupado com a proliferação do uso do conceito desenvolvido por Leal, José Murilo de Carvalho discute a “imprecisão e inconsistência” com que é referido, muitas vezes confundido com mandonismo e clientelismo, que são característicos do coronelismo. “O coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos”, sendo um fenômeno datado. Surge na “confluência de um fato político” (o federalismo implantado pela República no lugar do centralismo do Império) numa “conjuntura econômica” específica, se extinguindo na década de 1930. Com a República, continua o autor, surge a figura do governador, “novo ator político”, eleito “pelas máquinas dos partidos únicos estaduais”, arregimentando as “oligarquias locais, das quais os coronéis eram os principais representantes” (CARVALHO, 1997, p. 1).

A conjuntura econômica a que se refere Carvalho, discutida inicialmente por Leal, era a de decadência dos grandes fazendeiros e o conseqüente enfraquecimento do poder político dos coronéis. Para manter esse poder, exigem a presença do Estado, que amplia a influência “na proporção em que diminuía a dos donos de terras”. Desse modo, o coronelismo surgiu da “alteração na relação entre os proprietários rurais e o governo e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel” (CARVALHO, 1997, p. 1-2).

Monteiro (1972, p. 10), observa que o poder dos chefes locais ou coronéis, “começa a ser crescentemente utilizado como instrumento do poder público encarnado pelas oligarquias estaduais”, e indiretamente de empresas “nacionais e estrangeiras envolvidas na implantação de projetos econômicos”. De acordo com Leal (1997, p. 64), o coronel usa o prestígio próprio, acrescido do que lhe é emprestado pelo poder público. “Sem a liderança do coronel – firmada na estrutura agrária do país –, o governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reciprocidade, e sem essa reciprocidade a liderança do coronel ficaria sensivelmente diminuída”.

Tudo isso esclarece que existiram dezenas, talvez centenas de coronéis Fabrícios em todo o país, e que José Fabrício das Neves não foi um fenômeno isolado, nem alguém que inventou de mandar. Entretanto, devemos observar que o personagem surge em condições peculiares, através de um processo conturbado, sempre movido por um “ideal”, como analisado anteriormente. Por esse motivo, não analisamos até agora as relações entre quem manda e aquele que obedece. “É difícil caracterizar a relação de subordinação entre pecuaristas e seus peões e agregados”, constata Machado (2004, p. 95), questionando o uso generalizado do conceito de “relação patriarcal”.

No planalto catarinense, em especial no caso de José Fabrício, o “costume tradicional” era “balizado religiosamente pelos ensinamentos do monge João Maria como se fossem mandamentos para uma boa vida no sertão”, tendo por base “valores como o respeito, a defesa da vida e da honra, a lealdade, a sinceridade e o equilíbrio”. Ele nunca abandonou por completo os ideais de antigo maragato de luta pela “liberdade”, e continuou adepto da religiosidade cabocla dominante na região. Encarnou o papel de caudilho e coronel por ser a opção mais prática, talvez a única, no tempo e no espaço em que viveu.

Ilustração de Clóvis Medeiros.
O Estado (Florianópolis-SC), 24.7.1983.

Referências

CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Dados. Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 229-50, 1997. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52581997000200003&script=sci_arttext. Acesso em: 12 abr. 2007.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

MONTEIRO, Duglas Teixeira. Os errantes do novo século: um estudo sobre o surto milenarista do Contestado. 1972. 283p. Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1972.





Um caso ilustrativo

Cecília Boroski (Borowski) Talim, filha de José Fabrício e residente em Concórdia-SC, ouviu repetidas vezes de sua mãe, Josefa, alguns momentos do início da colonização de Itá. O atual município, cuja antiga sede está sob o lago da hidroelétrica, ganhou inicialmente um salão para a realização de missas, com a ajuda do caudilho, que abriu o primeiro armazém. Também construiu uma residência, pois “quando precisava ficar lá, ele ia pra outro lugar lá ele tinha outra, ficava lá, ele sempre teve casa... Não precisava ficar na casa dos outros”, diz.

Por esse tempo, a filha de um dos colonos pioneiros, de origem italiana, engravidou. “Éra uma coisa muito feia uma moça se perder antes de casar, assim os véio contavo”, explica dona Cecília. “Ele diz que ele se perdeu, botaro fora uma moça lá, não sei o que foi, mas foi a primeira vez que foi um escrivão no Ita”, acrescenta. “O meu falecido pai foi buscar e levaram lá, mas só os véio Fabrício que sabia”, e família da moça, “porque que haviam levado esse escrivão lá”. Segundo ela, “ninguém sabia que a moça tava desse jeito e aí ficava tudo escondido. Isso a mãe que cansou de contar, mas depois que eu era casada”.

O objetivo era realizar o casamento, mas faltava o padre. “A mãe conta que foram buscar”, e “aí fizeram uma festa grande lá, que deu três dias de festa. A noiva foi mantida em casa, sob o argumento que estava de dieta, enquanto a irmã do noivo, com o rosto coberto pelo véu, compareceu para a cerimônia. Terminada a encenação, o casal arrumou as roupas e uma tropa, seguindo para a cidade de Aratiba-RS. “Vê como é que o véio Fabrício aprontava as coisa... ele é que dava essas aula!”, comenta dona Cecília. O sobrenome da família, citado na entrevista, é omitido.



ESPECIAL

Trabalho produzido por Guilhermina Telles,
residente no Rio de Janeiro, encaminhado
para o Fragmentos do tempo.
(Clic na imagem para ampliar e se quiser imprima)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Genealogia (parcial) dos Fabrício das Neves

A caminho de Pinhão-PR em busca
dos parentes de José Fabrício das Neves.



Primeiro um alerta: vamos voltar a falar do velho José Fabrício das Neves, não do José Fabrício das Neves nosso personagem. O primeiro pode ter sido padrinho e tio do segundo.

Agora a informação: esse velho José Fabrício era casado com Francisca Soares de Miranda (filha de Floriano João Soares), falecida em 8 de novembro de 1925. No Processo do Irani ela é citada como viúva (1912) com 61 anos de idade. Tivemos a oportunidade de apresentar aqui o seu depoimento no Processo do Irani (Palmas-PR, 1912).

Não conseguimos até agora outras informações a respeito desse velho José Fabrício. Ele e dona Francisca Soares de Miranda tiveram os seguintes filhos, pelo que conseguimos apurar:

* João Damas Fabrício das Neves (pai do citado Antônio Martins Fabrício das Neves, aqui citado freqüência). Nasceu em 31 de maio de 1887 no Rio Grande do Sul. Casado com Gertrudes Martins de Lima (filha de Salvador Inácio Cardoso e Emília Martins de Lima). Tiveram ao todo 11 filhos, entre eles o citado Antônio (nascido em 5 de junho de 1922), Sebastião (Bastião, nascido em 1924, afilhado do “nosso” José Fabrício das Neves), Francisca Martins Fabrício, casada com Vicente Lemos das Neves (pais de Elvira Dalla Costa, residente em Palmas), Cezário (tinha 13 anos em 1920), Leopoldino (tinha 11 anos em 1920), José (7 anos em 1920), Pureza (cinco anos em 1920), Emília (três anos em 1920), Gabriel (três meses em 1920).
Informações do Livro 2, Casamentos, Cartório do Irani e entrevistas de Elvira e Antônio.

* Leopoldino Fabrício das Neves, casado com Conceição Lemos da Silva. Filhos: Vicente Lemos das Neves, casada com a prima-irmã Francisca Martins Fabrício (filha de João Damas). Informação de Elvira Dalla Costa (Palmas-PR) que precisa ser confirmada.

* Maria Fabrícia da Neves, casada com Miguel Soares do Espírito Santo.

* Gabriel Fabrício das Neves, natural do Rio Grande do Sul. Era Inspetor de Quarteirão na época do combate do Irani e providenciou o enterro do monge José Maria e de outros combatentes (caboclos e militares). Tinha 47 anos em 1925. Casado com Lúcia Maria Antunes (filha de Francisco José Antunes e Maria Antunes França). Filhos: Maria (nascida em 12 de dezembro de 1923), Antônio Antunes Fabrício (nascido em 6 de janeiro), Emílio Antunes Fabrício (pai de Agenor Antunes Fabrício, aqui entrevistado) e Orestes.


Thomaz e dona Elíbia (Irani-SC, meados da década de 1920).

* Elíbia Fabrício das Neves. Nascida em 30 de dezembro de 1882, no Rio Grande do Sul, tendo falecido em 23 de setembro de 1966. Casada com Thomaz Fabrício das Neves. Tiveram os seguintes filhos: Maria Fabrício (Nica, nascida em 5 de janeiro de 1900, falecida em 16 de março de 1967 na localidade de Passo Fundo, em Coronel Domingos Soares-PR, casada com o primo João Perão/Perón e não tiveram filhos); Dinarte (mais velho, casado com Doralina, espécie de contador dos negócios da família, falecido no interior de Coronel Domingos Soares-PR); Tervina (nascida em 13 de dezembro de 1911, casada com Sebastião Pelentier, casal sem filhos que adotou a sobrinha Elíbia); Cespina (nascida em 4 de março de 1914); Lauro (nascido em 6 de fevereiro de 1916); Domingos (nascido em 6 de dezembro de 1918, pai de Thomaz de Oliveira Neves, motorista de táxi em Palmas-PR, de José Valdomiro de Oliveira Neves, cabeleireiro em Coronel Domingos Soares, Elíbia, Gabriel e outros); Saturnino; Adolpho; Ardino (nascido em 27 de dezembro de 1920); Antoninho (pai de Amélia); Isaltino; Osório e Álvaro (Nenga, nascido no dia 9 de janeiro de 1926). Thomaz e dona Elíbia ainda criaram Saturnino Soares de Oliveira, casado com Maria Pelentier, irmã de Sebastão (casado com Nica).


Família de José Fabrício das Neves

José Fabrício (nascido em Soledade-RS) era casado Maria Crispina Antunes (também grafada Maria Crespina ou Cespina)

Filhos
Afonso. Nascido por volta de 1908. Os detalhes do destino de Afonso e seus descendentes serão tratados adiante.
Elíbia. Nascida (nascida c. 1910). Casada com Natálio Néri, com grande número de filhos. Morou na Argentina, onde deixou descendência com o sobrenome Oliveira.
Hortência. (c. 1911). Teve três filhos: Geraldo, Agnaldo e Jurema.
Domingos. (c. 1912). Caçula da família. Teve 18 filhos e muitos moram na região de Joinville e Jaraguá do Sul (SC) e nos municípios de Ibema e Guaraniaçu (PR).
(Fontes: Registro de óbito de José Fabrício das Neves, em 29 de janeiro de 1925. Cartório do Irani.
Fonte: Registro de Óbito de José Fabrício, Livro nº 1 (Cartório de Irani-SC), e Jurema Fabrício das Neves.


João Perone (Perão).

Os Perão (Perón)

Maria Joana Perão (Perón, sobrenome de procedência argentina, abrasileirado no Cartório do Irani).

Filhos
José Alves Perão (José Felisberto), Dezidério Alves Perão, Elizeu Perão, Antônio Alves Perão, João Alves Perão.

* José Alves Perão, casado com Júlia Olímpia da Silva, pais de Isabel Olímpia da Silva, casada com Heleodoro Telles em 19 de agosto de 1909 (pais de Vicente Telles). Heleodoro era filho de Alexandre Telles da Rocha e Arminda Fabrício das Neves, pais também de Antônia Maria da Rocha (Quena), casada com Francisco Soares Fragoso (filho de Miguel Soares Fragoso e Maria Vieira Machado), pais de um filho também chamado Miguel, nascido em 1926.
Além de Isabel, José Felisberto e Júlia Olímpia da Silva, são pais de José da Silva Perão (Juca, residente em Coronel Vivida-PR)

* Elizeu Perão foi casado com Amélia Fabrício das Neves (Ninha) e morava no Rio do Mato (região da atual Celulose Irani). É possível que Amélia seja irmã de nosso personagem José Fabrício da Neves. Filhos: João Perão, casado com Maria Fabrícia (Nica, filha de Thomaz Fabrício das Neves, já citada); Jerônimo (padrinho de Vicente Telles) e Artidor Alves Perão (Doca, residente em Salto Veloso-SC).

Crédito
O esforço de reconstituição da árvore genealógica dos Fabrício das Neves e dos Perão contou com a participação decisiva de Margaret Grande. Tendo acompanhado boa parte das viagens, ela se encarregou das pesquisas em cartórios (sobretudo o de Irani-SC) e das indagações sobre parentescos com os entrevistados. A pesquisa prossegue. Quem puder ajudar nessa reconstituição, favor entrar em contato pelo e-mail [email protected].





terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Suspensão temporária das postagens

AVISO aos que acompanham o Fragmentos do tempo: as postagens voltam a ser feitas somente na quarta-feira de Cinzas, dia 25.2.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

José Fabrício das Neves (48)

Familiares de Afonso Antunes das Neves (segundo a partir da direita),
filho de José Fabrício. Acervo: Assis Antunes das Neves (Pinhão-PR).

A diáspora dos Fabrícios

Ao ser confirmada a morte de José Fabrício, teve início a expulsão dos caboclos da região do atual município de Concórdia. “Desprotegidos”, assinala Ferreira (1992, p. 79), os antigos moradores “ficaram sujeitos aos novos métodos adotados, restando duas opções: deixar suas posses ou tornarem-se empregados dos imigrantes que começavam a chegar”. Eram “a cobiça e a espoliação que vinham junto com o progresso”.

A empresa colonizadora Mosele, através de “seus encarregados pela segurança”, assegurou os despejos com métodos “geralmente violentos”. Assim, “a ferro e fogo, o Alto Uruguai Catarinense ficou ‘limpo’ para os imigrantes”. Por volta de 1925, segundo a mesma fonte, existiam entre dois e três mil caboclos, “alguns armados, não aceitando a demarcação dos lotes”, e outros “protegidos pelo acordo de Fabrício, conquistando legalmente suas terras junto a Brazil Development and Colonization Company”. Os “mais valentes dentre os caboclos”, como Fernando Osório Marques da Silveira, Brasil Bueno e Joaquim Barroso, “passaram a exercer o papel de capangas da Companhia”. Segundo Kurudz, os caboclos que até antes da morte de Fabrício se mostravam “humanitários e até mesmo infantis”, depois disso mudaram de postura. “Se tornara mais complicado após a morte de Fabrício [a relação com os caboclos], mesmo com a oferta de preços especiais, requerendo, sendo o entendimento da Companhia, medidas drasticamente mais fortes”, ou seja, a expulsão (FERREIRA, 1992, p. 80).

Um grupo desses caboclos, liderado por Teodoro Tristão, José Paulino e Vergílio Castilho, resolveu se deslocar para as regiões de Irani-SC e Pato Branco-PR. “Era impossível resistir. O sofrimento e as mortes do Contestado ainda estavam presentes em suas memórias”, enfatiza Ferreira (1992, p. 82).

Tropa formada por militares, capangas da Companhia Mosele e cidadãos para ‘caçar’ jagunços, antigos combatentes do Contestado.
1- Na porta da janela está Dogello Goss, Almerinda Goss, Jairo Goss e Djalma Goss.
2- Na janela levantando a cortina deve ser a empregada.
3- Sentado na escada, com o chapéu na cabeça é o João Estivalet Pires, então professor, depois secretário da prefeitura (gestão Dogello Goss), depois deputado estadual, presidente da Assembléia e conselheiro do Tribunal de Contas.
4- Abaixo do Pires, com a capa redonda está o Domingos Machado de Lima. (ex-prefeito de Concórdia).
5- Em pé no meio, parece que é o velho Crippa;.
6- Na escada com o chapéu na mão está o Dr. Arno Heschel, juiz de direito, futuro desembargador e nome de rua em Florianópolis.

As informações encontram-se no verso da fotografia. Dogello Goss foi prefeito nomeado do município de Concórdia, para o período entre 30 de março de 1937 até 12 de dezembro de 1945. Domingos Machado de Lima foi vereador em Concórdia, pelo Partido Social Democrático - PSD entre 1951 e 1955, posteriormente, foi eleito vice-prefeito de Concórdia para o período entre 31 de janeiro 1951 até 31 de janeiro de 1956. Domingos Machado de Lima assumiu como prefeito eleito para o período de 31 de janeiro de 1961 até 31 de janeiro de 1966.

A foto e a legenda são cortesias de Carlos Comassetto para o Fragmentos do Tempo. Foto do arquivo particular Gil Goss (Concórdia S.C).


Rumo ao Paraná

Por outro lado, cerca de 30 famílias mais ligadas a José Fabrício, se juntaram à família do falecido em busca do exílio, formando a caravana da diáspora com muitos carroções abarrotados de pertences, homens montados ou a pé, todos no rumo da localidade de Patcho Velho, no atual município de Porto União-SC, na divisa com o Paraná, segundo relato de um neto de José Fabrício, Assis Antunes das Neves (filhos de Afonso).

A comitiva era liderada por Afonso Antunes das Neves, então com 17 a 18 anos de idade, mas homem formado, experimentado na companhia do pai desde cedo, quando ainda tinha por volta de 11 a 12 anos. Segundo relatos dos familiares, ele não gostava do que via e ouvia nas andanças com o pai, e por isso não guardou boas lembranças daquele tempo. Passou o resto de sua vida ocupado em cuidar da família, fazendo um esforço para esquecer o passado. “Meu pai era muito resguardado”, lembra Assis. Sua esposa, Marli Terezinha Antunes, 62 anos, filha do imigrante de origem ucraniana João Lichevicz, lembra que “ainda menino [Afonso] seguia o pai, via o pai correr risco de vida”. Talvez por isso continuasse o resto da vida “quieto, não era um homem alegre, bem sério”, diz dona Marli.

Afonso pode ter ficado um pouco desnorteado com a morte do pai, principalmente da forma como ela se deu. E por algum motivo, demorou para contar à mãe, Crespina Maria, o que havia ocorrido com Fabrício. “Foi o Thomaz que insistiu para que ele contasse”, destaca Assis. Não existem informações mais precisas sobre o tempo de permanência da família na região após a morte do caudilho, apenas que “o Marcelino Ruas mandou que meu pai sumisse e levasse a família junto”.

Antes de partir, Afonso e dona Crespina Maria reuniram cerca de 30 famílias de caboclos ameaçadas ou já expulsas de suas terras, aqueles que “ficaram sem o Fabrício”, observa Assis. Numa das carroças, Afonso empilhou diversas caixas de rifles e munição que pertenciam a José Fabrício. Elas poderiam ser úteis caso precisassem se defender, o que não foi necessário. Anos mais tarde, foram descartadas no rio da Barra, no município de Marquinho-PR. Afonso levou ainda um revólver que jamais usaria, mesmo no tempo em que todos andavam armados. “Deixaram o Irani sem nada. E eram gente muito rica. Vieram pobres”, acrescenta dona Marli, que conviveu e conversou muito com Afonso.

Dona Crespina, que se manteve todo o tempo ao lado do filho e demais parentes e não voltou a se casar, “via o sofrimento dele” desde os tempos em que acompanhava o pai. “Naquela época estava sempre de prontidão para sair ou se esconder”, segundo dona Marli. “Tinha muito medo”, diz, de origem incerta. E “respeitava bastante a Crespina”. Era comum que permanecesse “horas e horas olhando as coisas, sem falar nada”.

Segundo Assis, a jornada de seu pai e sua avó terminou na localidade de Patcho Velho, em Porto União-SC, onde Afonso se casou com Angelina Vera, com quem teve seis filhos: Antônio, Geraldo, Emílio, Assis, Hortência e Sebastião – os três últimos nascidos no município de Marquinho-PR. Depois que Angelina faleceu, na década de 1940, Afonso se casou com Jorgina Camargo (filha do tropeiro de José Fabrício, Ozires Marques), tendo dois filhos, Paulo Camargo Antunes das Neves, 60 anos, e Daniel.

Em Marquinho-PR, Afonso se dedicou à lavoura, plantando milho e feijão e criando porcos, informa seu filho Paulo. Gostava muito de churrasco, sobretudo de costela gorda, tomava chimarrão com freqüência, mas não usava a indumentária gaúcha. Devoto de São Jorge e extremamente religioso, batizou todos os filhos e respeitava a Quaresma, época em que não se ouvia música, e “quem tinha instrumento em casa, guardava”, assinala Assis. O jejum nessa época era sagrado. Lia sempre a Bíblia, mas só ia à missa uma vez por mês, pois a capela da região era distante. Ouvia a rádio Gaúcha quase todos os dias e não perdia o programa “Farroupilha”, tendo sido fã de Teixeirinha.

Apesar de estar sempre amuado, triste, Afonso era “caprichoso”, segundo o filho Assis. Ou seja, “depois que a minha mãe morreu, ele não deixou os filhos se espalharem. Ficaram todos trabalhando na roça, derrubando a mata com machado”, assinala. As irmãs e o irmão de Afonso que vieram da região de Irani após a morte de José Fabrício, também se instalaram pela região. Hortência se casou com Rogério Vera, irmão de Angelina, primeira esposa de Afonso, tendo morado muitos anos no município de Cruz Machado-PR. Elíbia foi morar em Guarani-Açu depois de se casar. Domingos, que teve 18 filhos de seu casamento com Mantina Camargo, do grupo que veio de Irani, morreu no início da década de 1990. “Era animado, contador de casos, tocador de gaita”, lembra Assis.

Na época em que Afonso apresentou um ferimento na perna e precisou de tratamento, o filho Assis já estava morando em Pinhão, casado com Marli desde o início da década de 1960. Ele foi levado para lá. Mais tarde chegou dona Crespina, voltando para o lado do filho e assim permanecendo até perder a visão, quando retornou para a casa de Hortência, em Cruz Machado. Ali permaneceu até morrer por volta de 1961, tendo sido enterrada no cemitério da localidade de Palmeirinha-PR. Ela também não gostava de “comentar o passado, era quieta, pelo sofrimento que passou. Ela e o Afonso tinham muito medo. Havia alguma coisa que se viesse a público, relacionada com a vida que José Fabrício tinha levado... do que aconteceu com ele”, observa dona Marli.

Afonso continuou em Pinhão, morando na localidade de Faxinal dos Ribeiros, cuja casa ainda está de pé, ocupada por seu filho Daniel. Segundo relato de Assis, “a morte do meu pai foi a coisa mais linda”. Ele jantou, sentou para escutar a rádio Gaúcha como sempre fazia e foi se deitar. Já estava dormindo quando o filho Daniel ouviu um gemido vindo do quarto, se levantou para ver o que estava acontecendo e encontrou o pai morto. Afonso está sepultado no cemitério de Faxinal dos Ribeiros, no meio de pinheiros e campos de lavoura.


Referência

FERREIRA, Antenor Geraldo Zanetti. Concórdia: o rastro de sua história. Concórdia: Fundação Municipal de Cultura, 1992.


Assis e dona Marli no interior da fábrica de erva-mate (Pinhão-PR).

Familiares de Assis Antunes das Neves em dia de casamento.

Jurema F. das N. Zunker, neta de José Fabrício, filha de
Hortência, e Reinaldo Antunes (bisneto), em Pinhão-PR.


Hortência Antunes das Neves, filha de José Fabrício, entre as
noras Larissa e Irene. Cruz Machado-PR, 1977.
Acervo: Jurema Fabrício das Neves Zunker (Guarapuava-PR).

Hortência Antunes das Neves com familiares.
Acervo: Jurema Fabrício das Neves Zunker (Guarapuava-PR).


Paulo Antunes das Neves, neto de José Fabrício e residente em
Pinhão-PR, mostra a chaleira usada pelo avô para tomar chimarrão.