Lá pelos idos da década de 30, começavam os primeiros concursos de escolas de samba e em praticamente nada eles se comparam ao que hoje vimos nos desfiles.
Nos primeiros concursos, as escolas desfilavam com mais de um samba, e a campeã do carnaval em geral era escolhida por conta da qualidade musical, e claro, do desempenho de seus componentes. Naquele início, os sambas eram livres, não se tinha uma temática pré-estabelecida, e foi nesse tempo que surgiram as primeiras pérolas de Cartola, Carlos Cachaça, Zé com Fome, e outros grandes nomes da Mangueira e da música brasileira.
Com o passar dos anos, e o desfile das escolas de samba foi ganhando proporções cada vez maiores, sambas-enredo começaram cada vez mais caiam no gosto popular , e em alguns momentos, chegavam a dividir espaço nas rádios e na mídia, com outras músicas “comerciais” por assim dizer. O primeiro samba-enredo a ganhar contornos e projeção nacional, foi o classico mangueirense para o desfile de 1967, “O mundo encantado de Monteiro Lobato”, que ganhou o país pela voz de Beth Carvalho. E na história mais recente, temos passagens como o hit da década de 80 “Tem xinxim e acarajé, tamborim e samba no pé!” (1986), “Me leva que eu vou, sonho meu, atrás da verde e rosa, só não vai quem já morreu!”(1994) e “Vou invadir o Nordeste, seu cabra da peste, sou Mangueira...” (2002) que ultrapassaram as fronteiras do mundo do carnaval e até hoje são cantados mesmo por quem só tem contato com a folia momesca uma vez por ano.
Em dois momentos marcantes da história brasileira, em que os desfiles foram temáticos, a Mangueira não se fez de rogada, e enquanto a maioria enaltecia as datas festivas, a escola de samba do morro lançava indagações, e mostrava que nem tudo eram flores em meio às festividades propostas:
No carnaval de 1988, quando estava sendo comemorado o centenário da abolição da escravatura, a Mangueira fez um desfile histórico, com um samba considerado por muitos como um dos melhores de todos os tempos, e ao invés de exaltar a libertação dos escravos, lançava um grande questionamento, fazendo a sociedade pensar profundamente na questão do racismo, que na verdade tomou ares de preconceito muito mais social.
“Pergunte ao criador
Quem pintou esta aquarela
Livre do açoite da senzala
Preso na miséria da favela”
E no ano de 2000, quando o Brasil comemorava 500 anos de descobrimento, a Mangueira do alto de sua importância histórica e cultural, não se resumiu a enaltecer as maravilhas do País, pelo contrário, lançava mais uma forte crítica social, com seu enredo e samba que mais uma vez, mostrava uma realidade que muitas vezes todos nós preferimos fingir que não existe:
“Dom obá II – Reis dos esfarrapados, príncipe do povo”
E a raça negra não viu
O clarão da igualdade
Fazer o negro respirar felicidade”
Portanto, quando ouvir um samba-enredo, fique atento, porque muito mais do que servir para ilustrar uma história que a escola mostrará na avenida ao longo de seu desfile, ele poderá trazer mensagens de esperança, de protesto, contar fatos históricos, mostrar detalhes da vida de pessoas homenageadas que poucas pessoas conhecem. Um samba-enredo serve para fazer a mulata requebrar, a baiana rodopiar, a arquibancada inteira cantar e mais: serve para mostrar que escola de samba tem compromisso sócio-cultural.