Capà Tulo 1
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Capà Tulo 1
DM - FCUL
2022/2023
Introdução
Avaliação
O aluno tem à sua escolha dois modos de avaliação: testes (dois) e
exame final. Qualquer avaliação é realizada sem consulta.
O 1.o teste será realizado durante o período de aulas e o 2.o teste em
conjunto com o exame da 1.a época. A avaliação por testes será feita de
acordo com as ponderações: 1.o teste - 40%; 2.o teste - 60%, sendo
condição necessária para a avaliação por testes atingir, em cada um, o
valor mínimo de 35% (por exemplo, 7,0 em 20).
Data do 1.o Teste: 15 de abril de 2023.
Susana Duarte Santos Geometria I / Geometria
Introdução
Programa
Neste capítulo:
Recuamos até ao século III a.C., com o impulsionador da teoria dos
sistemas axiomáticos: Euclides!
Saltamos para o século XIX, dando destaque à descoberta da geometria
hiperbólica, pelas mãos de Lobachevsky, Bolyai, Gauss e Beltrami.
Permanecendo ainda no século XIX, destaque agora para David Hilbert,
que propôs um grupo de axiomas para a geometria euclidiana que elimina
as lacunas existentes na teoria de Euclides.
No decorrer desta viagem no tempo, a teoria moderna dos sistemas
axiomáticos, inspirada na obra Elementos de Euclides, será apresentada.
Definições
Definições descritivas Definições de termos geométricos utilizados, tais como:
(1) Um ponto é o que não tem partes;
(2) Uma linha é um comprimento sem largura;
(3) As extremidades de uma linha são pontos;
(4) Uma linha reta é uma linha que assenta igualmente sobre todos os
seus pontos;
(5) Uma superfície é o que só tem comprimento e largura;
(7) Uma superfície plana é uma superfície que assenta igualmente sobre
todas as linhas retas;
(8) Um ângulo plano é a inclinação mútua entre duas linhas num plano
que se encontram e que não estão numa mesma linha reta;
(9) E quando as linhas contendo o ângulo são linhas retas, o ângulo é
chamado retilíneo.
Nota: o termo linha reta é o que chamamos hoje segmento de reta.
Estas definições, no entanto, recorrem a outros termos ainda não definidos;
tentando defininir esses termos, vamos obter outros que exigem definição.
Susana Duarte Santos Geometria I / Geometria
Os Elementos de Euclides: uma breve referência
Nesta tentativa de definir tudo, entramos numa regressão sem fim ou num
círculo vicioso. De qualquer modo, Euclides nunca utiliza as definições
descritivas para justificar quaisquer passos.
Como vamos ver, a forma de evitar este problema é permitir que existam
termos que não estão definidos, hoje chamados termos não definidos ou
primitivos. Neste caso, por exemplo, seria conveniente considerar, entre
outros, ponto e reta como termos não definidos. Uma vez que não vão ter
significado preestabelecido, podem adquirir diversas interpretações.
Definição 10
É na Definição 10 que Euclides usa pela primeira vez a palavra “iguais” para
relacionar objetos da mesma natureza. Por exemplo, entre ângulos ou entre
linhas retas, percebe-se, pelo contexto dos Elementos, que “igualdade” é no
sentido de terem o “mesmo tamanho”. Mas sem recorrer a números! E
porquê? Porque para os gregos antigos, número significava número natural ou,
quando muito, quociente de números naturais, e os seguidores de Pitágoras
descobriram que a relação entre os comprimentos de uma diagonal e um lado
de um quadrado não pode ser dada através √ do quociente de números naturais;
em linguagem moderna, descobriram que 2 é um número irracional.
Susana Duarte Santos Geometria I / Geometria
Os Elementos de Euclides: uma breve referência
Postulado 5
Estas noções comuns vão ser utilizadas por Euclides em objetos da mesma
natureza, que possam ser comparados, somados ou subtraídos.
A noção comum 5 é colocada em causa no final do século XIX se se pensar
em cardinalidades de conjuntos infinitos, embora não exista problema algum
no contexto de Euclides.
Postulado de Playfair
Proposição I.1.
Eventuais interseções
Susana Duarte Santos Geometria I / Geometria
Os Elementos de Euclides: uma breve referência
Proposição I.4
A geometria axiomática (ou sintética) tem assim início com Euclides, uma
geometria desenvolvida a partir de um sistema axiomático. E o que é um
sistema axiomático?
Um sistema axiomático é um sistema composto por:
1 Termos não definidos ou primitivos São termos técnicos que não têm
definição. As suas propriedades essenciais vão ser depois descritas nos
axiomas. Em geral, um termo não definido é um objeto, uma relação ou
uma função. Por exemplo, ponto (objeto), estar entre (relação) e
distância (função).
2 Termos definidos São termos técnicos perfeitamente definidos através
dos termos não definidos e dos termos definidos já estabelecidos. Os
termos definidos não são estritamente necessários, mas tornam a
exposição da teoria mais eficiente. Por exemplo, na geometria euclidiana
plana, o termo “(duas) retas paralelas” é um termo definido, que
substitui “(duas) retas que não se intersetam”.
Um sistema axiomático vai surgir como uma estrutura que permite descrever
um determinado conhecimento (não necessariamente no campo da geometria)
de uma forma organizada, sistemática e lógica. Já viram alguma teoria
organizada desta forma? Sim, por exemplo, em Álgebra Linear!
Dado um sistema axiomático S, note-se que cada teorema de S vai então ser
válido em qualquer interpretação (uma atribuição de significado) dada aos
termos primitivos que verifique os axiomas, já que os teoremas são
consequências lógicas dos axiomas e essa interpretação satisfaz os axiomas.
Definição
Um modelo de um sistema axiomático é uma interpretação dada aos termos
primitivos que satisfaz os axiomas.
Exemplos de representações de M
Susana Duarte Santos Geometria I / Geometria
Sistemas Axiomáticos
Definição
Um sistema axiomático diz-se consistente se não existirem no sistema dois
axiomas, um axioma e um teorema, ou dois teoremas que se contradigam.
Definição
Um axioma de um sistema axiomático diz-se independente se não puder ser
provado a partir dos restantes axiomas. Se todos os axiomas de um sistema
axiomático forem independentes, então diz-se que o sistema axiomático é
independente.
Dicas para a independência dos 3 axiomas da geometria dos 4 pontos (há várias
possibilidades)
E agora, como não poderia deixar de ser, surge a formalização da ideia de dois
modelos serem “cópias fiéis” um do outro.
Definição
Dados modelos M1 e M2 de um certo sistema axiomático, M1 e M2
dizem-se isomorfos se para cada tipo de objeto primitivo, existir uma
correspondência bijetiva entre os objetos desse tipo de M1 e os objetos desse
tipo de M2 de tal forma que as relações e funções primitivas são preservadas.
Um sistema axiomático S diz-se categórico se quaisquer dois modelos de S
forem isomorfos.
Exemplo
Consideremos o seguinte sistema axiomático:
Termos não definidos: Aa, Ee, incidência
Axioma 1: Existem exatamente três Aas distintos
Axioma 2: Dados dois Aas distintos, existe um único Ee incidente com ambos
Axioma 3: Dados dois Ees distintos, existe pelo menos um Aa incidente com
ambos.
Verifiquemos a consistência (relativa) deste sistema axiomático.
Pensando em linhas e estações de metro de Lisboa, tentemos construir
um modelo deste sistema axiomático.
Os modelos já apresentados são isomorfos?
Este sistema axiomático é categórico?
Susana Duarte Santos Geometria I / Geometria
A Axiomática de Hilbert
Neste modelo, será que dada uma reta r e dado um ponto P não incidente
com r , existem retas incidentes com P que sejam paralelas a r ? Sim. Além da
existência, conseguimos mesmo provar a unicidade. Esta interpretação é um
modelo da chamada geometria afim plana, que consiste na geometria de
incidência plana em conjunção com o chamado postulado euclidiano de
paralelismo: dada uma reta r e dado um ponto P não incidente com r , existe
uma e uma só reta incidente com P e paralela a r .
Disco de Beltrami-Klein
Será que destes três últimos modelos, há dois que sejam isomorfos? Não.
Porquê?
Susana Duarte Santos Geometria I / Geometria
A Axiomática de Hilbert
De forma a estar sempre presente que ponto, reta e plano são termos não
definidos, é de mencionar o que Hilbert uma vez disse: temos sempre de ser
capazes de substituir “pontos, retas e planos” por “mesas, cadeiras e canecas
de cerveja”!
{(x , y , z) ∈ R3 : ax + by + cz + d = 0 ∧ a0 x + b 0 y + c 0 z + d 0 = 0},
Temos que:
Cada classe de equivalência é designada por semirreta aberta de origem
O e suporte r ;
◦
a classe de equivalência de um ponto A será denotada por OA e
designada por semirreta aberta de origem O que contém A;
• ◦
o conjunto OA := {O} ∪ OA será designado por semirreta de origem O
que contém A, tendo-se
•
OA = OA ∪ {P ponto : O ∗ A ∗ P}.
• •
Se A 6∼ B, então OB diz-se a semirreta oposta a OA.
•
Axioma III4: Dados um ângulo ∠BAC , uma semirreta A0 B 0 e um semiplano
• •
cuja aresta é o suporte de A0 B 0 , existe uma única semirreta A0 C 0 contida nesse
semiplano tal que ∠BAC ≡ ∠B 0 A0 C 0 . Todo o ângulo é congruente consigo
mesmo.
Observações:
1 Os primeiros 2 axiomas implicam que a congruência de segmentos é uma
relação de equivalência. A congruência de ângulos também vai ser uma
relação de equivalência, embora esse facto não seja imediato neste
momento;
2 Deste modo, concluímos que a congruência de triângulos também vai ser
uma relação de equivalência;
3 O Axioma III5 é quase o (já conhecido) critério LAL de congruência de
triângulos; nas condições do axioma, vamos conseguir provar a
congruência de lados em falta. É preferível que nos axiomas apareçam
somente as propriedades indispensáveis!
Demonstração.
Considerando o triângulo 4A0 B 0 C 0 , com A0 = B, B 0 = A e C 0 = C , temos que
os triângulos 4ABC e 4A0 B 0 C 0 satisfazem CA ≡ C 0 A0 (porque AC ≡ BC ),
CB ≡ C 0 B 0 (porque BC ≡ AC ) e ∠C ≡ ∠C 0 (porque são iguais e qualquer
ângulo é congruente consigo mesmo). Recorrendo ao Axioma III5, temos
∠A ≡ ∠A0 (e ∠B ≡ ∠B 0 ), i.e., ∠A ≡ ∠B (e ∠B ≡ ∠A).
Demonstração.
Tendo em conta o Axioma III5, sabemos que ∠B ≡ ∠B 0 e ∠C ≡ ∠C 0 .
Resta-nos provar que BC ≡ B 0 C 0 . Pelo Axioma III1, existe um único ponto,
•
digamos C 00 , em B 0 C 0 tal que BC ≡ B 0 C 00 . Considerando os triângulos 4ABC
e 4A0 B 0 C 00 , temos AB ≡ A0 B 0 , BC ≡ B 0 C 00 e ∠B ≡ ∠B 0 , pelo que
∠BAC ≡ ∠B 0 A0 C 00 (Axioma III5). (continua)
Demonstração (cont.).
Mas também temos ∠BAC ≡ ∠B 0 A0 C 0 (por hipótese). Por outro lado,
•
∠B 0 A0 C 0 e ∠B 0 A0 C 00 partilham o lado A0 B 0 , e C 0 e C 00 são pontos incidentes
com o plano determinado por A0 , B 0 e C 0 que estão do mesmo lado
• •
relativamente à reta A0 B 0 a (Porquê?), o que implica que A0 C 0 e A0 C 00 estão
ambas contidas no semiplano de aresta A0 B 0 que contém C 0 (Porquê?).
• •
Recorrendo ao Axioma III4 (unicidade), sai que A0 C 0 = A0 C 00 . Logo,
•
C 00 ∈ A0 C 0 . Temos então que as retas distintas A0 C 0 e B 0 C 0 incidem com os
pontos C 0 e C 00 , pelo que C 0 = C 00 (Axioma I1). Portanto, BC ≡ B 0 C 0 .
a
Dados pontos distintos P e Q, denotemos por PQ a única reta incidente
com P e Q (ter em conta o Axioma I1).
Observações finais:
1 Os restantes critérios de congruência também podem ser estabelecidos,
assim como o recíproco do Teorema do triângulo isósceles.
2 Dois ângulos dizem-se suplementares se tiverem um lado em comum e os
outros dois lados são opostos. Cada ângulo tem, portanto, dois ângulos
suplementares, que se prova serem congruentes.
3 Um ângulo diz-se reto se for congruente com um seu suplementar.
Prova-se que um ângulo congruente com um ângulo reto é reto e que
quaisquer dois ângulos retos são congruentes (Euclides considera este
último resultado como axioma).
4 Duas retas r e s incidentes com um ponto O dizem-se perpendiculares se
o ângulo formado por duas semirretas com origem O, uma de suporte r e
outra de suporte s, for reto.
5 Prova-se que dada uma reta r e dado um ponto P não incidente com r ,
existe uma única reta incidente com P e perpendicular a r .
6 Prova-se que dada uma reta r e dado um ponto P incidente com r , para
cada plano α incidente com r , existe uma única reta incidente com α que
é incidente com P e perpendicular a r .
7 E assim, obtemos o importante resultado: dada uma reta r e dado um
ponto P não incidente com r , existe pelo menos uma reta paralela a r a
incidir com P. Justificação?
E mais:
1 Na geometria euclidiana plana (ou espacial), é possível introduzir
sistemas de coordenadas cartesianas que permitem identificar os pontos
com os pares (ou ternos) ordenados de números reais, e desenvolver a
geometria euclidiana analiticamente, tal como foi descoberto por
Descartes e Fermat no século XVII.
2 A geometria euclidiana plana (resp., espacial) é categórica, qualquer
modelo é isomorfo a R2 (resp., R3 ), com as interpretações já referidas!
3 Vamos optar por continuar o estudo da geometria euclidiana plana (resp.,
espacial) através do estudo da geometria no modelo R2 (resp., R3 ),
estando disponíveis, em particular, as ferramentas que aprenderam em
Álgebra Linear.