terça-feira, novembro 28, 2006

Crónica do Demencial: Um dia com o Desemprego

Um dos resultados da grande politica governamental portuguesa é o que está a acontecer a um dos elementos do blog.

Desempregado à dois meses e após um ano e meio de trabalho entre estágios e contratos de trabalho temporário, com contactos e currículos enviados, a única solução é esperar e deparar-se com uma situação frustrante:

Não ter nada para fazer.

Como bónus, tem o computador avariado à 3 meses, enviado com garantia para a “grande superfície” de origem, que o enviou para arranjar em França faz já dois meses.

Rico panorama. Na época em que os governantes fazem bandeira sobre o decréscimo de desempregados (os trabalhadores em recibos verdes e com contratos precários em empresas de trabalho temporário não contam, claro) e incentivam os estudantes para não abandonar os estudos, não existe a mínima garantia de trabalho para as fornadas de licenciados que terminam os cursos anualmente e caiem no desemprego por habilitações a mais.

Esta é uma situação que afecta milhares de pessoas e tocou também a um de nós.

Este é o relato de um dia de um “número” inserido nos milhares que estão desempregados.

10h30 – Acorda calmamente e depois de ir à casa de banho liga a televisão num canal de notícias para ver as novidades. Interessante. Um jogo de futebol que correu mal, manifestações nas ruas, fechos de escolas em protesto contra coisas que nem os alunos sabem, fechos de fábricas, centenas de trabalhadores despedidos, OPA’s, novas reformas governativas estranguladoras para o pequeno contribuinte e representantes do governo a rir com o bom trabalho realizado. Enfim, um dia normal.

11h30 – depois de um belo pequeno-almoço de uma fatia de bolo e um pacote de leite com chocolate, toma banho, veste-se e dirige-se ao quiosque mais próximo onde compra o jornal “a bola” e lê os cabeçalhos de um dos muitos jornais da cidade. “Única cidade do país com aumento de orçamento para luzes de natal em relação ao ano de 2005” Bonito. Passaram de 15 mil para 35 mil euros. Ainda bem que a Câmara Municipal está em contenção de despesas. Depois de 32 mil euros gastos em dois pórticos de metal, é bom ver que a governação continua a manter a coerência.

12h30 – de volta a casa, a nova areia perfumada que comprou para a gata deu um resultado. Fez as necessidades no tapete da casa de banho. Toca a limpar. Se as coisas correm bem, porque haveriam de mudar?

13h00 – os restos do jantar do dia anterior dão um bom almoço. Vê os vários noticiários. Num canal, um jovem atira-se de uma ponte do rio Douro e morre, tudo devido a uma aposta, num outro, é escamoteado até ao limite todos os detalhes do jogo de futebol do dia anterior, e no que falta, um inquérito nas ruas de várias cidades do país mostra que a maioria das mulheres queria como prenda de natal por parte dos conjugues/namorados um automóvel ou uma viagem, ao que os respectivos reagiam com total estupefacção, mostrando que no séc.XXI os homens ainda não percebem as mulheres. “Pago-te uma viagem de transporte público” foi a resposta mais pragmática dada por um cônjuge.

15h00 – dirige-se ao antigo local de trabalho, onde à dois meses lhe dizem que querem que volte e que estão a tratar da elaboração do novo contrato. Nada de novo então. Ainda estão a tratar do assunto. Não sabem dizer em que ponto está o processo. Fica cada vez mais optimista no regresso ao trabalho.

15h30 – consulta os seus e-mails com esperança de ver alguma resposta a algum envio de currículo. Nada de novo. Muitas newsletters e mails de amigos com vídeos ou imagens cómicas. Não tem paciência para os ver. Fala com os antigos colegas de trabalho e fica a saber que as coisas não melhoraram no local e que há trabalho a mais para pessoas a menos.

16h00 – visita vários familiares onde põe a conversa em dia. Não tem novidades a dar. Volta para casa com um saco de fruta, queijo e algumas coca-colas. Pelo caminho, passa pelo shopping onde dá uma vista de olhos e encontra 5 lojas de roupa a necessitar de funcionários. Pensa que quem não gastou 5 anos a tirar um curso superior tem trabalho garantido. Pensa também que provavelmente é esse o destino de muitos licenciados e talvez o seu.

17h30 – chega a casa, onde depois de arrumar as coisas, fala pelo telefone com a mãe que emigrou para França à 13 anos e continua sem novidades para lhe dar sobre a sua situação.

18h30 – chega a casa a sua “cara metade” que está em estágio profissional numa Câmara Municipal a 40 km a fazer o trabalho de professores que não foram contratados por uma empresa de trabalho temporário de modo a assegurar os professores nas várias escolas, sendo impedida assim de trabalhar na sua área especifica.

Mais um dia de trabalho normal, complicado por professores, educadoras de infância que se pensam superiores a animadores culturais e até mesmo os pais das crianças que dificultam e condicionam o trabalho com os alunos.

19h00 - sem grandes motivos para boa disposição, é feito o jantar, janta-se, actualizam-se as noticias e arruma-se a mesa e a cozinha.

22h00 – sentam-se no sofá onde vêm um pouco de televisão e a cara metade vai-se deitar para acordar às 07h30 para ir trabalhar.

23h30 – sozinho no sofá, vê um filme pois não tem planos para o dia seguinte.

01h30 – vai-se deitar, com a única certeza de que amanhã é um novo dia.


(23.11.2006) Searaman & Blinkboy