Paulo Betti nasceu e foi criado no interior de São Paulo, numa cidade chamada Sorocaba. Filho de família pobre e numerosa, cresceu entre as histórias de sua cidade, e o sincretismo religioso da região. Lembro de uma entrevista dele no programa do Jô Soares, onde ele contava sobre histórias de sua cidade, sua infância, a kardecismo fervoroso da mãe, em contra ponto, ao catolicismo de outros membros da família. Essa mistura de credos, se deve muito aos fatos narrados em seu primeiro filme, em que roteiriza e dirige junto com Clovis Bueno.
Cafundó nos conta a história verídica de um ex-escravo, um tropeiro alforriado, vivido por Lazaro Ramos (sempre ele),da região onde nasceu Betti, no final do século 19. João de Camargo era este homem. Acompanhamos sua vida, suas desventuras, até que ele num sonho, percebe ter uma missão: fundar uma igreja, em que elementos do candomblé, umbanda,espiritismo e catolicismo se fundem numa só fé. Sua igreja logo se tornou conhecida e resiste até hoje na cidade, mas foi quando o fundador estava em vida, que ela teve seu apogeu, sendo procurada não só por pessoas da região, como de outras cidades e capitais.Esse jeito novo, trouxe muitos problemas para ele, que durante sua vida inteira foi perseguido pela igreja e pela polícia, sendo presos diversas vezes, acusado sempre, de charlatão ou bruxo.
Uma história riquíssima e esquecida, que só por ser mostrada ao grande público já merece mais que aplausos. Vemos a questão do negro recém alforriado, e principalmente vemos a complexa ligação de fé e religiões, ligadas ao povo brasileiro. O catolicismo herdado dos portugueses; o kardecismo que veio da França; e principalmente a Umbanda e o Candomblé; vindos da África, através dos negros escravos. João de Camargo mesclou estas religiões, e cumpriu sua missão, sendo respeitado, e até hoje lembrado em sua região. Pode-se dizer, que ele foi uma espécie de pré- Chico Xavier, do século 19.
Já há algum tempo que Paulo Betti tentava levar esta história para as telas de cinema, ele nutre grande carinho por ela e pelo seu personagem real, que desde menino, sempre ouviu falar e respeitar. Seu feito é louvável. Um olhar precioso e necessário para o interior da Brasil, seu povo simples, e sua fé.
Mas a impressão que fica é a de que essa história mereceria uma mão mais tarimbada na direção,para ser mais bem contada, tamanha complexidade. Para quem não conhece (a grande maioria) as religiões descritas, certas cenas são difíceis de serem compreendidas, como nas cenas em que aparecem santos como Xangô, Ogum ou até mesmo o Exu, que vem cobrar João; pois quem pratica o bem (na linguagem da Umbanda) não deve nunca se esquecer de prestar suas oferendas ao lado mal, pois tudo pode desandar. Ou mesmo os cortes de tempo, que são muito abruptos, e não deixam os personagens, principalmente o de Lazaro, se desenvolvem da melhor forma. Fora o enquadramento, muito focado nos personagens (será que é porque o filme é dirigido por um ator?), nos atores, não deixando espaço para se mostrar melhor o que estava ao redor dos personagens, e isso realmente chega a incomodar.
Há diretores iniciantes que já começam com tudo. Outros vão se desenvolvendo conforme os trabalhos aos quais se dedicam, e vão ficando melhores com o passar do tempo. Espero, sinceramente que Paulo Betti faça parte do segundo grupo. Um grande ator, e um grande brasileiro, com opiniões fortes e politizadas, que às vezes não é compreendido, como no caso recente em que declarou que todo político tem que meter a mão na merda.