Entro, de novo, naquele elevador com espelhos em todos os lados e lá estou eu, outra vez, repetido numa infindável sucessão de reflexões até perder de vista. Uma multidão de mãos que se levantam, uma multidão de cabelos que se ajeitam, uma multidão de roupas que se compõem, tudo sincronizado na mais perfeita exactidão…
Vejo-me e revejo-me neste caleidoscópio que me mostra o mesmo “eu” que me mostra qualquer outro espelho vulgar, mas que me mostra, também, outras formas, outros ângulos deste mesmo “eu”… vejo-me de frente, de lado, de costas… há até reflexos em que o “eu” reflectido levanta o braço direito quando eu levanto o braço direito, ao contrário de outros reflexos que teimam em levantar o esquerdo, nessa mesma falta de originalidade comum a todos os outros espelhos vulgares…
Dou por mim a imaginar o que aconteceria se estes espelhos fossem perfeitos, se não fossem, a cada reflexão, distorcendo a imagem reflectida e roubando um pouco da radiação que a constitui… continuaria a minha imagem a saltitar de espelho em espelho, transportada à velocidade de 300 mil quilómetros por segundo, numa sucessão infindável, prisioneira dessas quatro paredes?…
Mas não, as imagens começam a escapar-se para fora do elevador mesmo antes de eu iniciar a minha saída pela porta, que ainda não abriu o suficiente para eu sair, mas já deixou escapar as imagens que eu tanto queria deixar prisioneiras atrás de mim… os últimos vestígios dos “eu” reflectidos desvanecem-se por completo mesmo antes de a porta se voltar a fechar.
Ainda bem!... quem entrar a seguir não terá a possibilidade de me ver nem de frente, nem de lado, nem pelas costas…