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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

MOMENTOS DIFÍCEIS no fim do ano

Entre o Natal e os primeiros dias de 2011 vivi momentos angustiosos; meu pai foi internado, com dores insuportáveis e, em uma tentativa de salvar-lhe a vida, os médicos optaram por lhe amputar a perna esquerda. Aqueles que me lêem ou ouvem sabem que tenho lutado por uma melhoria da relação médico/paciente. Em alguns artigos usei exemplos do que vivenciei em hospitais e outros lugares onde as pessoas doentes foram tratadas de forma inadequada. Desta feita, apesar da enorme dor pela qual passei, devo registrar que fiquei feliz com a forma como toda a equipe do Hospital Santa Isabel cuida daqueles que precisam dos serviços daquela casa.
Quando cheguei a Salvador, encontrei-o consciente e, logo que me viu, brincou perguntando se o chapéu que eu usava não era o dele. Notei que estava mais falante do que de costume, e interpretei que isso era por causa da ausência da dor que o acompanhara por meses, lancinante, na perna recentemente amputada. No dia seguinte de manhã mostrava grande cansaço, mas ainda assim pôde manifestar a minha mãe, que o visitava, sua gratidão e amor por ela (foram mais de 60 anos de casados). Naquela tarde piorou e aos poucos o quadro foi piorando, culminando com a morte no dia 30 de dezembro de 2010. Os dias vividos na UTI, antes da sua morte foram de muita angústia para todos os parentes e amigos. Cada exame revelava apenas más notícias e a conduta médica hospitalar, conquanto pautada em muito cuidado, revelou-se frustra. Em dado momento, meu sentimento foi de que deveríamos parar de tentar e permitir-lhe encontrar o destino final de todos nós em paz. Apesar de me ter desvanecido em choro intenso, tive uma sensação de alívio no momento em que o médico da UTI me disse que já não havia mais nada a fazer senão aguardar a morte, pois já haviam tentado todas as possibilidades sem sucesso. A partir daí estabeleceu-se uma espécie de silêncio e uma espera tranqüila pelo momento final, que chegou aos poucos até o momento final. Não posso deixar de anotar a forma como o pessoal do Hospital Santa Isabel se portou naquele então. Uma auxiliar de enfermagem sumamente discreta e a uma distância respeitosa vigiava, enquanto aguardávamos o momento especial da passagem e procurávamos manter um ambiente espiritualmente agradável. A auxiliar registrou o momento da morte, porém ninguém se aproximou enquanto eu pronunciava em voz baixa minha despedida, manifestando minha gratidão por tudo que ele me deu e por tudo o que representou e ensinou para mim. Apenas quando eu mesmo solicitei a presença de alguém, uma enfermeira veio e me disse que o médico estava pronto para vir constatar o óbito. Em alguns escritos publicados e em palestras tenho registrado e criticado a forma desumanizada com que o pessoal da saúde tantas vezes trata àqueles que sofrem. Já tive uma briga feia (contra minha habitual maneira de atuar com os colegas) com um médico em um hospital por sua postura absolutamente negligente para com meu pai e tempos depois, com outro em outro hospital pela sua maneira ríspida, inumana e mercenária. Na maioria das vezes em que ele foi internado notei a pouca atenção e despreparo humano no atendimento. Porém o Hospital Santa Isabel mostrou-se radical e agradavelmente diferente. Vi todos os funcionários, desde médicos até os auxiliares da limpeza, passando pelo pessoal de enfermagem e burocrático, quando solicitado a prestar uma informação responder com presteza, e mesmo alegria. Alguns deixavam momentaneamente suas tarefas para deslocar-se indicando um caminho ou um lugar. O pessoal de enfermagem portou-se discreta e cuidadosamente. Os médicos foram respeitosos, passavam confiança e mostraram-se cuidadosos. Com o risco de ser injusto com os demais, mas mesmo assim, cito o Dr. Barral na UTI cirúrgica, por sua postura muito humana e pela sua disposição de explicar sua conduta em detalhes, apesar do avançado da hora e do fato de que já não era o horário definido para isso. Quero agradecer às diversas pessoas que compõem a equipe deste hospital pelo seu comportamento e quero ademais incentivar a que se mantenham desta maneira, pois honram suas profissões e representam belo exemplo para os demais.
Enquanto o ano fechava suas portas, no dia 31 de dezembro, um número razoável de pessoas (aquelas que pudemos contatar, já que os problemas de telefonia nesta passagem do ano em Salvador impediram muitos contatos) muitas desconhecidas entre si, porém ligadas pelo amor a Aureão (assim os próximos o chamavam), despediam-se dele, com lágrimas, palavras de saudade e louvação das suas enormes qualidades, silêncios significativos e risos aflorados por lembranças prazenteiras. Tantas vezes lamentei que a morte dos idosos aqui do Vale do Capão implica em perda de um cabedal de conhecimento (no sentido bíblico – de quem viveu aquilo que sabe) e agora, junto com meus parentes, queremos que o que ele foi e representou mantenha-se aceso entre nós. Já começamos a contar-nos a nós aquelas passagens que em algum momento configurarão as lendas da família e que em algum momento lá na frente contribuirão para a formação de outras gerações. Minha mãe, com seus noventa anos, beijou-lhe a testa e ao afastar-se, em um momento de ternura suprema, voltou-se, olhou-o e acenou um leve adeus...
Em 6/1/11, recebam meu abraço saudoso. Aureo Augusto.