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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

DOS VÁRIOS FINS DE MUNDO


O fato é que morri muitas vezes e renasci, dito melhor, reencarnei, nesta minha vida. Lembro-me de quando era jovem, um rapaz tímido tentando encontrar o próprio lugar no mundo (como se fosse fácil, e nem sempre é). Foi uma vida de percalços e dores, além do mar e das traquinagens. Até quando descobri o naturismo, fui ao Chile, vivi por lá um pouco, descobri dentro de mim uma força e uma coisa selvagem capaz de correr pelas encostas da cordilheira, rolar nas serras e saltas pelas pedras no rio Clarillo (perto de El Arrayan). O tempo passou e construí e desconstruí muitas coisas.

Aos quarenta anos, uma noite me veio uma dor abdominal extrema. Foi atroz e eu não entendo até hoje de onde veio (nem para onde foi). No dia seguinte viajei para Salvador e não conseguia entender porque as pessoas continuavam conversando comigo como se eu fosse a mesma pessoa. Não era. Havia morrido e agora reencarnara no mesmo corpo que, por sua vez, passara também por um trânsito difícil.
Esta nova encarnação foi mais plácida, e nela ocorreu aos poucos uma ascensão de uma racionalidade capaz de eclipsar em alguma medida aquilo em mim capaz de loucuras, conquanto o meu lado selvagem (e tantas vezes infantil) tenha sabido perturbar a calma de um mundo como um lago nas montanhas. 

Agora estou de volta às voltas com a morte e o mundo se acabou. Em 2012 meu mundo se acabou. Não foi de uma vez, foi aos poucos e de repente desabou, como uma ponte comida pela ferrugem e que uma brisa mais forte faz tornar-se farpas e bagaços. Caiu. As lágrimas presentes são apenas mais um elemento de corrosão. As lágrimas são como o mar, cuja maresia reforça o intemperismo dos ventos e das ondas. Por isso quando choro, nas vezes que choro, sei que o mundo está mudando mais rápido.
Agora , confesso que com um certo quê de diversão, vejo as pessoas me tratando como se eu fosse aquele mesmo de há alguns meses, apenas porque me vêm saindo para trabalhar e voltando todos os dias. Creem e enganam-se os olhos. Não sou mais o mesmo e noto em mim sensações e sentimentos que retornam de uma outra encarnação passada. Impulsos e forças, sensações para além da pele, pulsões, impressões cutâneas e corporais, como se o mundo lá, decidisse avisar-me de que está cá. Abraços e sorrisos, tudo muito dentro e profundo. Ininteligível.

Olho para o novo momento e não sei bem o que vai acontecer, coisa que não me preocupa demais a ponto de perder o sono, até porque sei que continuarei a tomar banho no rio todas as manhãs e amando atender em consultas a minha adorada gente. A única coisa que me faz falta é sabedoria. Neste instante seria muito bom se contasse com sabedoria.

Pergunto-me, como agiria um homem com 60 anos, como eu, percebendo-se recém-nascido, sentindo em todo o corpo as vibrações, a curiosidade e as interrogações de um recém-chegado sendo ele dotado de sabedoria. Como seria para ele? Esta é uma pergunta para a qual não tenho resposta.
Em 28/12/12.