O fato é que morri muitas vezes e renasci, dito melhor,
reencarnei, nesta minha vida. Lembro-me de quando era jovem, um rapaz tímido
tentando encontrar o próprio lugar no mundo (como se fosse fácil, e nem sempre é).
Foi uma vida de percalços e dores, além do mar e das traquinagens. Até quando
descobri o naturismo, fui ao Chile, vivi por lá um pouco, descobri dentro de
mim uma força e uma coisa selvagem capaz de correr pelas encostas da
cordilheira, rolar nas serras e saltas pelas pedras no rio Clarillo (perto de
El Arrayan). O tempo passou e construí e desconstruí muitas coisas.
Aos quarenta anos, uma noite me veio uma dor abdominal
extrema. Foi atroz e eu não entendo até hoje de onde veio (nem para onde foi). No
dia seguinte viajei para Salvador e não conseguia entender porque as pessoas
continuavam conversando comigo como se eu fosse a mesma pessoa. Não era. Havia morrido
e agora reencarnara no mesmo corpo que, por sua vez, passara também por um
trânsito difícil.
Esta nova encarnação foi mais plácida, e nela ocorreu aos
poucos uma ascensão de uma racionalidade capaz de eclipsar em alguma medida aquilo
em mim capaz de loucuras, conquanto o meu lado selvagem (e tantas vezes
infantil) tenha sabido perturbar a calma de um mundo como um lago nas
montanhas.
Agora estou de volta às voltas com a morte e o mundo se acabou. Em 2012
meu mundo se acabou. Não foi de uma vez, foi aos poucos e de repente desabou,
como uma ponte comida pela ferrugem e que uma brisa mais forte faz tornar-se
farpas e bagaços. Caiu. As lágrimas presentes são apenas mais um elemento de
corrosão. As lágrimas são como o mar, cuja maresia reforça o intemperismo dos
ventos e das ondas. Por isso quando choro, nas vezes que choro, sei que o mundo
está mudando mais rápido.
Agora , confesso que com um certo quê de diversão, vejo as
pessoas me tratando como se eu fosse aquele mesmo de há alguns meses, apenas
porque me vêm saindo para trabalhar e voltando todos os dias. Creem e
enganam-se os olhos. Não sou mais o mesmo e noto em mim sensações e sentimentos
que retornam de uma outra encarnação passada. Impulsos e forças, sensações para
além da pele, pulsões, impressões cutâneas e corporais, como se o mundo lá,
decidisse avisar-me de que está cá. Abraços e sorrisos, tudo muito dentro e
profundo. Ininteligível.
Olho para o novo momento e não sei bem o que vai acontecer,
coisa que não me preocupa demais a ponto de perder o sono, até porque sei que
continuarei a tomar banho no rio todas as manhãs e amando atender em consultas
a minha adorada gente. A única coisa que me faz falta é sabedoria. Neste instante
seria muito bom se contasse com sabedoria.
Pergunto-me, como agiria um homem com 60 anos, como eu, percebendo-se
recém-nascido, sentindo em todo o corpo as vibrações, a curiosidade e as
interrogações de um recém-chegado sendo ele dotado de sabedoria. Como seria
para ele? Esta é uma pergunta para a qual não tenho resposta.
Em 28/12/12.