quarta-feira, 31 de março de 2010

Hoje, um certo silêncio de vozes que descansam.

sábado, 27 de março de 2010

Para aqueles que crêem: amém. Para o que duvidam: procura. Para os que não acham: bater à porta. Abrir as janelas para que entrem. Sonhos, vida, emoção. A semana foi corrida para todos e o final de semana é uma janelinha nesse universo do trabalho e da ação. Quero mesmo é comer pipoca. Rever um filme francês. Sonhar com o impossível e sentir o sabor das probabilidades. Para aqueles que amam: ternura. Para os que buscam o amor: vontade. Para quem está de bem com a vida: meu abraço!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Pablo Neruda

A pessoa certa é a que está ao seu lado nos momentos incertos.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Desaparecer

Mas eu podia pensar em alguma coisa para dizer. Só por dizer, que fosse. Mas minha garganta travou, língua paralisada. E eu a ouvir Chico e Caetano Juntos. Ela me olhou com um olhar de ódio jamais visto por mim. Ela sabia sentir aquilo. Seus olhos eram ferrão. Eu, mel escorrendo. Mas a abelha rainha não se dava por satisfeita, queria me dissecar com seu ódio. Coisa imunda, pensei. Odiar assim. Mas essa era ela, a mulher que havia algum tempo compartilhava horas de amor comigo. Imaginei como a vida é incerta. Como somos tolhidos ou levados à frente. Como percebemos que ainda não sabemos o que somos, o que queremos. E, apenas quando alguém nos olha com essa intensidade azeda e arredia, nos confundimos e já não sabemos se é hora. Se é hora de dizer adeus, de tentar reconciliar, de simplesmente desaparecer. Gosto muito dessa palavra em inglês, disappear. É isso que sinto afinal nesse momento em que ela insiste em me olhar, reprovadora. Porém, vou dizer uma coisa: não falarei nada. Língua presa, garganta seca. Que ela se vá e não eu, que sou todo amor e discrição. Que ela pegue a mala mal feita e se retire enfim. Já não há o que dizer há algum tempo. A gente é que prorroga tudo. Enquanto a vejo sair pela porta da frente, Chico e Caetano cantam algo assim que "quando chego em casa, nada me consola". Sim, ela também estava sempre aflita, mas sem lágrimas nos olhos de cortar cebola. Ela não era dada a afazeres culinários. Agora que a porta se fecha num impulso brutal, percebo que o ar está menos denso, tudo de repente torna-se leveza e fico ouvindo a música e pensando na ironia que ela traz para mim nesse instante. Nunca entenderei como se odeia ou porquê. A mim bastam poucas coisas, como uvas, mel e casa arrumada.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Adélia Prado


Corridinho


O amor quer abraçar e não pode.

A multidão em volta,

com seus olhos cediços,

põe caco de vidro no muro

para o amor desistir.

O amor usa o correio,

o correio trapaceia,

a carta não chega,

o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor pega o cavalo,

desembarca do trem,

chega na porta cansado

de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,

pede água, bebe café,

dorme na sua presença,

chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:

é descuidar, o amor te pega,

te come, te molha todo.

Mas água o amor não é.

domingo, 14 de março de 2010

Os sapatos de Van Gogh


Lembrava os sapatos de Van Gogh. Havia sonhado com eles, assim como era recorrente sonhar com outros sapatos, os de sua infância. Mas havia só um pé e não o par. Intrigava-o a unidade. Uma vez ela lhe falara que sonhar com sapatos tinha a ver com a morte. Calçar os sapatos no sonho era uma premonição. Nunca calçava. Mas estavam sempre por lá. Caídos, arrumados, tortos, novos... Sapatos, enfim. Deu de se perguntar pelo outro pé. Quando criança costumava guardar os sapatos em suas respectivas caixas. Mania que a mãe aderiu. Era mais seguro deixá-los assim. Mais higiênico, mais bonito. Cada vez que abria uma caixa era como a surpresa do sapato novo. Mas essa noite, os sapatos de Van Gogh e isso lhe deixava curioso. Eram os mesmos, estavam lá, mas não pintados. Realmente estavam lá. Podia sentir-lhes a textura. Como é bom sentir texturas em sonho. Já experimentou? Perguntaria a ela mais tarde. Mas, não. Ela só sonhava em preto e branco. Era daltônica. Não sentia cheiros nem sabores. Isso fora dos sonhos também. Ele olhou para ela um instante, sorriu. Da próxima vez, disse, quero calçar os sapatos de Van Gogh mesmo que meu pés sejam grandes demais para eles. Ela riu e afagou o cabelo dele. Não havia, pensava ela, meio de se calçar a arte.

sábado, 13 de março de 2010

Cícero

Cìcero o livro folheou. Sentiu as rimas e o espaldar da poesia. Sorriu tímido, de uma timidez inventada há anos. Era mais para cativar as pessoas. Cícero leu em voz alta. E era bela sua voz, mais que o poema. Naquele instante, entende? O poema ficou menor porque a voz de Cícero era intensa e grave. Feito locutor de rádio. Cícero o livro tornou a folhear. Escolheu novo poema e descobriu-se nele. Isso é que era o bom da poesia, a gente encontrar-se nela. Cícero escrevia seus versos de insônia. Madrugadas esquecidas pelo Lexotan. Agora só pontua versos à luz do sol e quando chove fica mais inspirado. Olha o livro mais uma vez e sabe que podia ser qualquer poeta, mas é Cora Coralina. Então, desfaz os nós dos cadarços. Tira o tênis, retira as meias e caminha pelo tapete colorido. Se um dia tiver uma filha, resolve que se chamará Cora Coralina. Porque é nome diferente, de poetisa. Enfeita o olhar com uma premonição vaga do futuro: ele e sua Cora lendo poesia no jardim que ainda não existe. Gosta da ideia. Gosta de imaginar. É dado a devaneios. Cícero caminha e respira fundo enquanto ouve música de feng shui. Toca o tapete de leve, quase como se dançasse. Amanhã terá visita e poderá ler seus poemas. Ela se chama Vitória e ele pensa nela como conquista.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Distração

Me veio. Foi assim, cautelosamente. Não era ideia de se ter no repente. Depois, ficou tudo nublado no meu cérebro e foi aí que caí. De posse de uma ideia, caí. Fiquei atormentada porque me veio e se foi na brusquidão da queda. Alguém me socorreu e agradeci depois de acordar. Um susto apenas, disse-me o desconhecido. Levantei com vagar: a ideia tinha sumido! A tontura repentina a fizera fugir, como quando sonhamos e perdemos o conteúdo do sonho num acordar abrupto. Fiquei eu parada na esquina, vexada porque as pessoas olham para a gente quando a gente cai como se fosse uma coisa do outro mundo. Sabia que me olhavam. Fiquei parada na birra de querer achar ali mesmo a ideia tão valiosa. Sumiu, caiu, perdeu-se... Recolhi a dignidade e fui andando sem pressa. Tem vezes que tombo assim, do nada. Talvez eu devesse procurar um médico. Talvez eu devesse apenas saber quando vou cair. Não há anúncio. É uma tontura e já estou no chão. Meu cachorro fica me lambendo nessas horas, ele que está sempre comigo porque é difícil para mim atravessar ruas, principalmente. A cegueira veio cedo e não me queixo. O que desgosto é esquecer ideias. E, isso tem sido frequente. Mas não esqueço das lembranças, dos cheiros, dos sabores. Vou tateando com meu cachorro pelas ruas do centro até encontrar o espaço ideal para sentar e tomar sol. Quando voltamos para casa, algumas quadras daqui, sinto-me renovada. Por certo terei nova ideia... O que faço com elas? Coleciono. É preciso se ter uma distração nessa vida.

terça-feira, 9 de março de 2010

Ovelhas

Era para ser de pura lã, como as ovelhas. Sentiu que seus primeiros passos eram tortos e desajeitados. Pensava nas lãs e no resto. Bebeu o que mais não pode. Por isso o andar impreciso e a obsessão nas ovelhas. É que poderia jurar que as vira ali no pasto. Miragem. Não havia mais nada naquele lugar atravancado de lembranças. Parou por um instante e sentiu a primeira vertigem. Descansou. Olhou com os olhos encavados pela bebida e o excesso. Minguou nos próximos passos até cair desfalecido. Ninguém ao redor. Ficou ali, sabe-se lá o quê. Simplesmente tombado. Quando acordar vai ver o campo deserto e o cavalo encilhado. Nenhuma ovelha. Nenhuma tapera mais. Quando levantar vai sentir de novo o peso do corpo macilento. Vai querer água abundante e se jogará no córrego. Talvez morra afogado, talvez finalmente desperte.

domingo, 7 de março de 2010

Os dois

Alisa os meus cabelos e ri. Riso frouxo de criança levada. Brinca de enrodilhar os cachos entre os dedos. Porque meu cabelo é assim, cacheado. Minhas unhas vermelhas e ele a pedir um beijo. Beijo não se pede, já expliquei. Porém, apesar do riso largado, ele é tímido ainda. É que sou mulher madura e ele me desconhece por inteiro. A menina do outro lado da rua também sorri. Gosta de ver quando nos beijamos em silêncio de suspiros. São irmãos. Um dia olhei nos olhos fundos dela. Parecia uma gata. Ficou me fitando, assim marcadamente. Você já olhou assim para alguém? Entra na alma do outro e é perigoso. Como um rosnar de bicho acuado. Talvez eu me interesse mais por olhar a menina porque ela está em formação. Ele já é homem, está feito. Mas se nunca estamos prontos!! Para mim ele está. Não quero que mude nada. Que cuide de mim assim, tentando alisar meus cachos e me abrace apertado e me deixe uma folga porque não quero sufocar. Ontem olhamos o luar como dois adolescentes. Quietos. Fixos na lua sem nome. Amanhã vamos passear no Jardim Botânico. Faço umas coisas assim para contentá-lo porque ele é naturalista. Faço o que posso por esse relacionamento, mais não dá. E, enquanto o verão definha, espero as águas de março para partir. Sempre deixo alguém para trás. É como um desatino. Meu corpo se impele ao futuro, ao devir. Então, tomo o primeiro avião para algum lugar distante e deixo lágrimas nos olhos de alguém. Não faço por maldade. É por sobrevivência.

sábado, 6 de março de 2010

Encontro

As revistas desarrumadas. Ele olhou e leu as manchetes pela metade. Não estava interessado em ler. Havia uma tristeza, uma angústia. Precisava livrar-se disso e logo aquela porta se abriria e a terapeuta iria sorrir e mandá-lo entrar. Mas havia algo no ar. Quando deu por si estava conversando para dentro. Falando com Deus, assim em pensamento. Como a gente costuma falar outras coisas com a gente mesmo. Só que naquele instante, enquanto a música enlevava o lugar, ele sentiu o que disse ser a presença de Deus, então chorou mansamente. Pedia força, luz, alegria. Pedia como quem pede um pedaço de pão com manteiga. Tinha o rosto marcado pelo tempo. O corpo franzino e a boca pequena estava trêmula. Rogou um instante de paz. Quis abraçar aquele momento e torná-lo palpável. Sua prece, ou seja lá o que for, deixou-o aliviado. Tanto que quando ela abriu a porta com seu sorriso suave, ele tinha outro semblante. Lá dentro ela diria: "Você melhorou muito". Mais tarde ele ligaria o fato àquele momento diferenciado em que quis se aproximar daquilo que chamamos Deus.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Única

Ela vai tendo ganas da vida. Queria um chocolate quente porque esfriou um pouco e dá aquele prazer outonal em pleno verão. Ela deixaria tudo por quem cometer loucuras, mas é dada ao esquecimento. Não levaria muito tempo e as coisas voltariam a ser como antes: um tanto ríspidas, um tanto sem cor. Ela passa as mãos pelos quadris um pouco largos e as recolhe ao peito, sob a seda. Basta olhar essa mulher na frente da vitrine para saber que é sozinha e feita para se lembrar dela. Porque mansa e lenta, carrega geneticamente uma carga, a de ser única. Ela não teve com quem dividir seus brinquedos, por isso olha atentamente para o mostruário da loja. Vai comprar mais uma boneca. Dessas de pano. São as que coleciona. Gosta do toque no tecido delas. Das florezinhas riscadas. Do aroma que exalam. E, nessas ganas da vida, ela queria um companheiro sim, contudo é tarde. Ela experimenta a sensação de que perdeu sua chance. Para ela havia uma só. O noivo que morreu há décadas. Fiel a ele, ainda usa a aliança. Fiel a ele, nunca mais outro homem. Fiel a ele, solidão. A boneca de pano é macia, usa tranças e um chapeuzinho. Vai levar, já está pagando no caixa. Em sua casa, as outras bonecas conversam entre si, distraídas...

terça-feira, 2 de março de 2010

A pedra, Drummond

Coragem é preciso sempre. Todo dia é um recomeço. Sempre há uma pedra no meio do caminho, Drummond, eu sempre me deparo com elas. Às vezes faço a pedra rolar com certa facilidade. Noutras, o pedregulho quase me impede de ver o que há pela frente. Pedra é pedra, você sabe. Vai lá com um martelinho e fica batendo pra ver se desmancha. Nunca de never. Fico então, tentando pular, passar de lado, empurrar... O melhor mesmo era implodir a danada. Mas tem vezes que o estrago ainda é maior. Coragem, dizemos. Vamos em frente, com ou sem obstáculo, Drummond. Invento modos de suportar o desalinho da existência. Eu que sou obssessiva. Cuido para que tudo esteja no lugar. Só a pedra não tem lugar determinado. Isso me deixa louca. Daí recomeço o dia fazendo minhas contas de quanto tempo vou levar para desalojar a pedra no meio do caminho...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Aceitação

Ando tão tonta de mim mesma que é quase um esgar de sentimentos. Procuro o inviolável e me vem fragmentos. Tudo já foi tocado, arrebatado, discutido. Ando às pressas quando meu vagar é que me move. Vagar também às pressas? Paradoxo. Reúno forças para enfrentar o dia, que será de trabalho sem diversão. Cubro os olhos com as mãos espalmadas para não ver o clarão dos raios. Não chove, só prenuncia. Ando tão afastada dos outros que tenho medo de chegar perto e ser mordida. Convulsiona-me a ideia. Os outros são tão fortes e eu... No meu vagar por aí, paraíso. No meu instante-decisivo, luz de flash que contamina. Sou ilustre desconhecida daqueles a quem vou ensinar. Sou apenas uma mulher em busca de albumina. Todos os sonhos são díspares. Os pés escolhem o chão, mas alma, essa quer o espaço luminoso. Andar tonta de si é como arremessar-se no interior da coisa. É como riscar os fósforos e fugir. Ando assim, alheia. Busco o meu feitiço para encarar tua frase. Faço-me fada madrinha e aceito. Vamos ludibriar o tempo e requisitar as horas perdidas, quando não se faz nada porque estar tonteando pela vida parece a única saída. Deixo os barcos no cais e agora sigo pela trilha estreita. Vagueio e me vejo descabelada, em desvario. Isso é tudo que se pode obter na lucidez de cada dia.