Latro atirou mais uma peça de mobília à parede cinzenta suja, marcada, velha. Cimento e tijolo esfarelado caiu para o chão de alcatifa arrancada com raiva de ódio. Gotas inchadas de suor pela cara, testa sulcada, maxilares cerrados prendiam angústias, pensamentos estáticos pintavam o ar. No momento em que levantara a cadeira de baloiço no ar por cima da cabeça para ganhar balanço, no preciso momento em que o ia atirar, nesse milésimo de segundo, o tempo parou. Deixou de existir... Não o Latro, o Latro não parou. Não deixou de existir. O tempo. O tempo é que terminou. Latro nem sequer deu conta desse facto, desse desistir do tempo. E por isso continuou, concentrado, a atirar coisas contra a parede.
Teria parado algum tempo depois, teria tido tempo para pensar, teria dado um tempo a si próprio para ganhar folgo, para parar, para desistir, para decidir. Até teria dado tempo ao tempo. Mas o tempo tinha cessado. O tempo tinha parado e Latro não. Latro continuava. Continuava, ignorante desse facto. Preso por não ter tempo, preso fora do tempo, preso pela sua existência, preso simplesmente.
Latro ter-se-ia matado, mas não tinha tempo para morrer. Nem tempo para pensar nisso. Nem tempo para odiar a situação. Nem tempo, sequer.
Mas Latro amou... porque no preciso momento em que atirava a cadeira de baloiço contra a parede, amou. Nesse milésimo de segundo antes do tempo parar, Latro amou. Ele amou e o tempo parou quase em simultâneo. Se o tempo existisse, se não tivesse parado, Latro poderia ter afirmado amor eterno, nesse preciso momento poderia ter amado eternamente, mas não pôde. Latro pôde apenas ser atirado para um buraco negro, sugado para um infinito dionisíaco de amor. Amor... e móveis contra a parede.
B