Porto com pluma é Porto cidadão!
É já amanhã (sábado) a 2.ª Marcha de Orgulho Lésbico, Gay, Bissexual e Transgénero no Porto, e é para levar muita garra tripeira! A concentração é às 15h30 na Praça da República. Mais informações aqui.
Orgulho em Madrid
Domingo de manhã em Madrid. Deixei o hotel para encontrar uma cidade fantasma e semi-embriagada. No dia anterior, a convocatória para o Europride chamara às ruas um milhão e meio de pessoas. Muita pluma e convicção, política e alegria de mãos dadas, uma grande nação LGBT. "Então que fazes na vida?", ouvi um homem dizer a outro, ambos abraçados a caminhar pela avenida da grande urbe. Ainda se ouviam tambores e já chegara a hora dos respigadores que Agnés Varda tão bem retratara, a recolher beatas e restos de álcool em garrafas abandonadas. Desci para o Metro e fechei os olhos para rever a imagem de dois outros homens na marcha, com uma criança que passava do colo aos ombros, mimada com cremes solares, iogurtes, bolachas e carícias no cabelo. Revi outros beijos e gritos de revolta, nesse grande rio de gente que desaguou na Plaza de España. O avião devolveu-me melancólico ao Porto e ao reinício dos trabalhos.
En Soap
Um filme dinamarquês em cartaz é sempre motivo pertinente para uma ida ao cinema. Faz-me pensar que se alguma coisa boa veio com o Lars von Triers foi o ter dado alguma projecção à produção cinematográfica deste cantinho do mundo. O filme 'En soap' (traduzido para um obtuso "Sexualidades"), é a estreia na realização da também argumentista Pernille Fischer Christensen, e é uma pequena peça de câmara feita a duas vozes, femininas (questão central), dentro de um prédio indistinto de um subúrbio que podia ser de uma qualquer cidade europeia. Charlotte decide viver sozinha após 4 anos de matrimónio entediante, mas o apartamento desarrumado e as caixas que guardam ainda os seus haveres revelam a sua hesitação e espelham uma agitação interior; no apartamento em baixo vive Veronica, que recebe visitas de homens seus clientes e é fã de novelas americanas (daí o título original, que se aplica também à estrutura por episódios do próprio filme), enquanto aguarda pacientemente pela operação de transição de sexo. Algumas circunstâncias vão permitir a sua aproximação, num agitado duelo de diálogos e corpos que as despe progressivamente dos papeis que desempenham perante os outros, revelando as verdades que ocultavam até de si próprias (e esta é a verdadeira especialidade do cinema nórdico, se nos lembrarmos de Bergman). A novidade surge na abordagem, sobretudo pela forma como os personagens são confrontados com os seus preconceitos e nos 'transportam' para uma reflexão interessante, reveladora do zeitgeist do modo como a solidão, a intimidade e a sexualidade moldam (aprisionam e expandem) a nossa identidade neste início de milénio.
O Reino Interdito
Lido muuuito lentamente (ao ritmo de quem tem como prioridades actuais ensaios, estudos e artigos científicos), lá conseguir terminar por fim "O Reino Interdito", um interessante romance de Rose Tremain. O reino interdito do título (na sua versão traduzida), a avaliar pela melancolia geral das histórias que se entrelaçam, é o da felicidade dos personagens. Mas há uma beleza nobre na forma como cada uma persegue o seu sonho, e não conseguimos deixar de nos enternecer pela sua luta, com um destaque especial para a história de Martin, que nasceu Mary. Fica um excerto de uma das conversas entre ele e o terapeuta a quem recorre para iniciar a transição.
"-É uma coisa que já observei na maior parte das pessoas que ajudei. Quase sempre em homens que querem tornar-se mulheres, mas também num caso como o seu. Tem a ver com o facto de permanecer sempre um pouco exterior ao mundo. Quando se vive fora de qualquer coisa, é mais fácil julgá-la com sabedoria.
- Mas eu não quero viver «fora do mundo». Foi isso o que senti toda a minha vida.
- Só por sentir-se dividida, separada de si própria, se quisermos pôr a questão nesses termos. Em breve os seus dois «eus» irão integrar-se melhor, mas o seu estatuto no mundo continuará a ser especial porque já viu o mundo sob duas perspectivas diferentes. Não preciso de lhe lembrar que isso não é possível para a maioria das pessoas."
Fait divers pascoais
No fim-de-semana pascal, duas estreias para as orquídeas: o primeiro dia de praia (praia, mesmo, com as peles ao léu), num rápido mas regenerador périplo pela costa galega e, no regresso, a primeira vez que mudámos um pneu após um furo em plena auto-estrada (não consigo esconder algum orgulho por poder desmistificar assim um dos estereótipos 'maricas' com os quais eu me julgava mais identificado: a inaptidão para o trabalho manual).
A propósito de estereótipos, parece que as forças de (in)segurança pública da invicta andaram para aí a tentar espalhar a ideia de que a hospitalidade tripeira é só para alguns, de preferência muito machos e adeptos de futebol.
Posto isto, acho que vou fazer como as mulheres no último mês de gravidez: ter preparada uma malita com os recursos necessários para poder abalar a qualquer momento para o país de nuestros hermanos.
Trans-power!
Uma bela foto de Carla Antonelli, transexual activista que há 30 anos tem batalhado aqui no país vizinho pelos direitos da população 't', aqui retratada como leoa das Cortes para a capa da edição de Março da revista Zero. Este ano bem pode ter razões para estar contente, com a aprovação em Espanha da lei de identidade de género, documento que possibilita doravante que qualquer cidadão possa aceder sem obstáculos à alteração da sua identidade de género em termos formais. No nosso país, a realidade da população transexual é ainda bastante desconhecida e alvo de múltiplas descriminações e incompreensões (incluindo da parte do próprio movimento LGBT). Não existe um enquadramento legal do processo de transição identitária, pelo que o indivíduo que pretenda fazê-lo se depara com um conjunto de obrigações de procedimentos que fariam as tarefas de Hércules parecerem um simples campeonato de caricas. A ILGA publicou no início deste ano um documento que sintetiza de forma bastante clara o diagnóstico e reivindicações fundamentais para que também estes cidadãos possam ver reconhecidos os seus direitos como pessoas plenas, e desta forma combater na realidade a profunda e inadmissível discriminação de que são alvo, a prova mais irrefutável de que o regime de género (e sexualidade) dominante é uma das formas mais brutais de dominação. A hora 'h' já começou. Agora está na hora 't'!
Dizem eles. dizemos nós
"Diferente entre diferentes: orientação sexual e deficiência". Ou como se sobrepõem exclusões, num debate promovido pelo GRIP.
Dia 3 de Março, às 15h.
Etiquetas: cidadania, desenhos, LGBT
Publicado por Major Tom - sexta-feira, março 02, 2007 à(s) 23:37 1 comentáriosUma boa notícia e mais trabalho por fazer
A ILGA-Europa, juntamente com com dois dos seus membros - a LBL (Dinamarca) e a LSVD (Alemanha), ganhou o estatuto consultivo no concelho das Nações Unidas, algo pelo qual já se vinha a lutar há vários anos. Pode tratar-se de um novo patamar de batalha e é indubitavelmente um reconhecimento merecido por uma das lutas mais justas que me ocorre lembrar. Ao mesmo tempo, está a circular uma petição dirigida precisamente à ONU no sentido de aumentar a pressão internacional para a descriminalização universal da homossexualidade. A petição já foi assinada por figuras mediáticas como Meryl Streep ou o português José Saramago e por organizações de todo o mundo (com pouca mas significativa presença africana e a ausência asiática). É para assinar e divulgar aqui.
Entre invicta e augusta
Uma semana de férias... do emprego. Acho que a ideia inicial era alinhavar coisas do foro académico, mas isso ficou para outras calendas. Aproveito para uma dobradinha na bracara augusta. Em representação da ILGA, participei num colóquio organizado pelo curso de Sociologia da Universidade do Minho. Ocasião para tentar cumprir o meu papel e relembrar também o meu próprio percurso em frente a uma plateia de jovens imberbes mas ainda assim aparentemente interessados (a avaliar pelo debate que se seguiu). Falou-se das dinâmicas e contradições entre perspectivas essencialistas e construtivistas em relação às questões LGBT. Procurei destrinçar um caminho que evitasse visões simplistas, mas nisto de falar com novatos nas matérias há sempre que recuar em linguagem e reflexão (senão também não tinhamos lugar ali, é verdade). A ideia era tentar sensibilizar aquela juventude, massa crítica em potência, para a necessidade de explorar e conhecer realidades provavelmente pouco exploradas na sua formação e alertar para a importância de utilizar e até conceber novos instrumentos para as analisar. Falamos, ouvimos, trocamos ideias. Não era assim que devia ser sempre?