quinta-feira, fevereiro 28, 2008

Oferenda

"Ai, amar é uma viagem..."
Pablo Neruda

Concede-me, amor
de tuas mãos,
o sol no meu corpo,
desfeito e morno.

Concede-me o tempo
de abarcar teus sonhos,
na sabedoria dos meus perfumes.

E me entrego,
imito estrelas,
e desarmo as dores que
em seu peito dormem.

Imagem: Matisse

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Sonhos perdidos


Agora, o que vejo no espelho é o traçado longo
dos caminhos por onde andei
e as marcas (tantas) do amor que imaginei e
que não sendo, doeu e ainda dói.

Como dói esse amor inventado
quando a mais funda solidão se muda da alma
para a pele, para os dedos, para os olhos...

Nada distrai o lamento pelo que julguei ser amor
e foi apenas uma senda onde me perdi
por entre espinhos e poucas flores.

Trago as cicatrizes no corpo e, na alma, as dores.

Agora, vivo na semiluz dos solitários,
conversando com o espelho
e esta face estranha
que me impede de esquecer os sonhos.

Imagem: Frank Dicksee

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Destino


(Se houvesse uma música,
se a solidão se aventurasse
e seus desajeitados pés,
em fuga de se soltar,
enfim pisassem o cálido lugar
onde algum amor dorme esquecido
e eu o despertasse...)

Por tantas vezes, quis desistir
da procura do amor e descansar feliz,
como se a vida fosse ausência de angústia.
Em vão.
O amor é fio, o chão,
é o destino onde busco abrigo.

Se morro desta busca,
se meus pés, nus, encontram apenas
a pedra, a poça
e se perco o rumo...
do amor, para sempre distante,
ainda assim, teimosamente,
procuro o morno ninho, o molhe,
o assombro de quem enfim,
é amada
e amante.

Imagem: Ruth Silverman

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Ilucidez

O amor jaz cansado
em sua caixa de cores desfeitas.
À comoção, por mais breve,
-um reflexo de alguma luz,
a música,
ou um jeito de enlaçar -
mais se quer esmorecer.

E definha e volta a viver.

Num minuto de ilucidez
contamina com seu perfume
todos os desiludidos de amar.

...Um vento,
é só um vento
e parte.

Cansado, o amor não quer se prender.

Imagem: Rosalba Carriera

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

Voando...



Hoje estou em vôo, falando em um leve fim.

Venha voar comigo.

domingo, fevereiro 10, 2008

O cruel viajante


Já tive a rosa do amor
- rubra rosa, sem pudor.
Cecília Meireles

De todo amor que se vai,
fica o gosto,
a arder no céu da boca,
ficam os dias lentos,
cansados dos atos de desfazer
os laços.

Todo amor que se vai
deixa os retratos tortos
(ou talvez apenas buracos)
desgarrados de suas paredes,
como o mesmo coração
de quem ficou.

Todo amor quando se vai,
deixa vazias as madrugadas
e a alma fria.
cessa a melodia,
enche a noite de silêncios
e as gavetas de cartas fechadas.

Imagem: Da Vinci

terça-feira, fevereiro 05, 2008

És tanto...


Na voracidade do teu pouso,
oh! poderoso pássaro,
perturbam-se meus seios,
como se neve os ornasse.
(entretanto, queimam).

Da leve sonata que tuas mãos
inventam em meu corpo,
oh! fugacíssimo mágico,
eis que no jardim antes adormecido,
desvela-se a ardente rosa.

No ritual arquétipo dos sentidos,
oh! gentilíssimo feiticeiro,
abrem-se os olhos do dia,
despertado, em pêlo,
pela melodia dos nossos ais.

És tanto de amor,
que refizeste o caminhar das horas.
Na cotidiana espera, sinto que se demoram
(mais, cada dia mais).

sábado, fevereiro 02, 2008

Do amor, quem sabe?


Quem sabe o amor seja um rio
e suas pontes
levando,
de um lado
para o outro lado,
a solidão, o vazio
de quem se cansou
de só ser?

Quem sabe o amor seja uma queixa
e sua fonte
derramando dos olhos
o que antes fora
a certeza
de para sempre ser?

Quem sabe do amor,
quem sabe?


Imagem: Mike Jones