Está demonstrado, dizia ele, que as coisas não podem ser de outra maneira: pois, como tudo foi feito
para um fim, tudo está necessariamente destinado ao melhor fim. Queiram notar que os narizes foram
feitos para usar óculos, e por isso nós temos óculos. As pernas foram visivelmente instituídas para as
calças, e por isso temos calças. As pedras foram feitas para serem talhadas e edificar castelos, e por isso
Monsenhor tem um lindo castelo; o mais considerável barão da província deve ser o mais bem alojado; e,
como os porcos foram feitos para serem comidos, nós comemos porco o ano inteiro: por conseguinte,
aqueles que asseveravam que tudo está bem disseram uma tolice; deviam era dizer que tudo está o
melhor possível.
Assim falava Mestre Pangloss, o maior filósofo da
província, e por conseguinte de toda a terra, na sua demonstração de que não há causa sem efeito e que tudo está encadeado e que há uma razão suficiente para todos os acontecimentos.
Mas polémicas filosóficas à parte, hoje o Xaile de Seda quer rosas, meus amigos. Rosas e lírios, mais exactamente, ou mesmo quaisquer flores. E verão o porquê deste desejo, mais abaixo.
Para já, apresento-vos o outro Poema, versando o tema Rosas e Lírios, também atribuído a Álvaro de Campos, de que vos falei num post de há dias:
Dai-
Dai-me Rosas e LíriosDai-me flores, muitas flores
Quaisquer flores, logo que sejam muitas...
Não, nem sequer muitas flores, falai-me apenas
Em me dardes muitas flores,
Nem isso... Escutai-me apenas pacientemente quando vos peço
Que me deis flores...
Sejam essas as flores que me deis...
Ah, a minha tristeza dos barcos que passam no rio,
Sob o céu cheio de sol!
A minha agonia da realidade lúcida!
Desejo de chorar absolutamente como uma criança
Com a cabeça encostada aos braços cruzados em cima da mesa,
E a vida sentida como uma brisa que me roçasse o pescoço,
Estando eu a chorar naquela posição.
O homem que apara o lápis à janela do escritório
Chama pela minha atenção com as mãos do seu gesto banal.
Haver lápis e aparar lápis e gente que os apara à janela, é tão estranho!
É tão fantástico que estas coisas sejam reais!
Olho para ele até esquecer o sol e o céu.
E a realidade do mundo faz-me dor de cabeça.
A flor caída no chão.
A flor murcha (rosa branca amarelecendo)
Caída no chão...
Qual é o sentido da vida?
E tudo isto porque o dito Xaile completa nove aninhos. Não é razão para festejos mas, pronto, gosto de assinalar a data. Quanto mais não seja para eu própria proceder a uma reflexão sobre a utilidade ou não da sua existência.
Grande abraço a todos os que me visitam.
Boa quarta-feira.
Boa quarta-feira.
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-O título do post retirado de: aqui
Texto de Rousseau
-Excerto - Candide ou l'optimisme
Voltaire
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Poema - daqui
s. d.
Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direcção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).
- 150.Álvaro de Campos?Imagem: pixabay