Qualidade de Vida de Vítimas de Trauma Seis Meses Após A Alta Hospitalar

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Rev Saúde Pública 2009;43(1):154-60

Ana Laura A AlvesI


Qualidade de vida de vítimas
Francine M SalimI

Edson Zangiacomi MartinezII


de trauma seis meses após a
Afonso Dinis Costa PassosII alta hospitalar
Marysia Mara Rodrigues Prado
De CarloIII

Sandro ScarpeliniIV
Quality of life in trauma victims six
months after hospital discharge

RESUMO

OBJETIVO: O trauma ocupa o terceiro lugar dentre as causas de morte no


Brasil. Contudo, seu impacto na qualidade de vida dos sobreviventes tem sido
pouco estudado no País. O objetivo do estudo foi avaliar a qualidade de vida
de vítimas de trauma atendidas em unidade hospitalar de emergências, seis
meses após a alta hospitalar.
MÉTODOS: Foram incluídos 35 pacientes de unidade de emergência de
hospital universitário de Ribeirão Preto (SP), entre 2005 e 2006. Os pacientes
foram entrevistados em seus domicílios, seis meses após terem tido alta
hospitalar. Foi aplicado o instrumento World Health Organization Quality of
Life, versão breve, para avaliação dos domínios físico, psicológico, relações
sociais e meio ambiente. As associações entre os escores dos domínios e as
variáveis permanência hospitalar, idade, sexo e Injury Severity Score foram
exploradas por modelos de regressão linear.
RESULTADOS: Observou-se diminuição significativa na qualidade de vida do
grupo estudado, quando comparado a amostras de pessoas normais em estudos
nacionais e internacionais, em particular nos domínios físico, psicológico
e de meio ambiente. O domínio relações sociais apresentou a maior média
I
Curso de Graduação em Terapia
de escores, com 69,7 pontos, enquanto o domínio meio ambiente recebeu a
Ocupacional. Faculdade de Medicina de menor pontuação (52,4), ambos na escala percentual. As variáveis associadas a
Ribeirão Preto (FMRP). Universidade de São domínio físico foram permanência hospitalar (p=0,02), idade (p<0,01) e sexo
Paulo (USP). Ribeirão Preto, SP, Brasil
(p=0,03). Para os demais domínios, a análise não mostrou associação com as
II
Departamento de Medicina Social. FMRP-
variáveis estudadas.
USP. Ribeirão Preto, SP, Brasil
CONCLUSÕES: As vítimas de trauma apresentaram diminuição nos escores
III
Departamento de Neurociências e Ciências de qualidade de vida. Embora o aspecto físico tenha sido o mais atingido, há
do Comportamento. FMRP/USP. Ribeirão evidências de que os domínios psicológico e de meio ambiente permaneceram
Preto, SP, Brasil distantes das condições ideais esperadas para a população em geral.
IV
Departamento de Cirurgia e Anatomia.
FMRP-USP. Ribeirão Preto, SP, Brasil DESCRITORES: Ferimentos e Lesões, reabilitação. Traumatismo
Múltiplo, reabilitação. Assistência ao Convalescente. Reabilitação.
Correspondência | Correspondence: Qualidade de Vida. Questionários. Organização Mundial da Saúde.
Sandro Scarpelini
Centro de Estudos de Emergências em Saúde
R. Bernardino de Campos, 1.000, 2° andar
14015-130 Ribeirão Preto, SP, Brasil
E-mail: [email protected]

Recebido: 24/9/2007
Revisado: 21/2/2008
Aprovado: 8/4/2008
Rev Saúde Pública 2009;43(1):154-60 155

ABSTRACT

OBJECTIVE: Trauma is the third most important cause of death in Brazil.


However, its impact on survivors’ quality of life has been scarcely studied in
this country. This study aimed to assess trauma victims’ quality of life, cared
for in an emergency hospital unit, six months after discharge.
METHODS: A total of 35 patients from the emergency unit of a university
hospital in the city of Ribeirão Preto, Southeastern Brazil, were included in
this study, between 2005 and 2006. Patients were interviewed in their homes,
six months after hospital discharge. The short version of the World Health
Organization Quality of Life (WHOQOL-BREF) instrument was applied to
assess the physical, psychological, social relationships, and environmental
domains. Associations between domain scores and hospital stay, age, sex and
Injury Severity Score variables were analyzed with linear regression models.
RESULTS: Significant reduction in quality of life was found in the group
studied, when compared to samples of normal people in national and
international studies, especially as regards the physical, psychological, and
environmental domains. The social relationships domain revealed the highest
mean scores, with 69.7 points, whereas the environmental domain received the
lowest score (52.4 points), both on the percentage scale. Variables associated
with the physical domain were hospital stay (p=0.02), age (p<0.01) and sex
(p=0.03). The analysis did not show association with the variables studied for
the remaining domains.
CONCLUSIONS: Trauma victims showed a reduction in quality of life scores.
Even though the physical aspect was the most affected, there is evidence that
the psychological and environmental domains remained far from the ideal
conditions expected for the general population.

DESCRIPTORS: Wounds and Injuries, rehabilitation. Multiple Trauma,


rehabilitation. Aftercare. Rehabilitation. Quality of Life. Questionnaires.
World Health Organization.

INTRODUÇÃO

Em 2004 foram notificados 127.470 óbitos causados Para tentar avaliar a qualidade de vida em diferentes
por lesões externas no Brasil. Este número coloca o países a OMS organizou, em 1991, um grupo de tra-
trauma no terceiro lugar dentre as principais causas balho cujo objetivo foi desenvolver um instrumento
de mortalidade. Em 2006 foram internados 791.826 de avaliação com aspectos multiculturais.21 Como
pacientes com o mesmo diagnóstico nos hospitais do resultado, o “World Health Organization Quality Of
Sistema Único de Saúde (SUS). As repercussões do Life - 100” (WHOQOL-100), e sua versão abreviada
WHOQOL-BREF, são recomendados pela OMS para
trauma nas condições físicas, psicológicas e sociais
avaliação da qualidade de vida.20 Estes instrumentos
dos sobreviventes são pouco estudadas no Brasil,3,4,22
foram adaptados, aplicados e validados para o Brasil e
mas não nos países desenvolvidos.1,9,15,17
outros 25 países.6,7,19
Instrumentos para a avaliação da condição de vida têm O objetivo do presente estudo foi avaliar a qualidade
sido estudados visando mensurar as repercussões dos de vida de vítimas de trauma atendidas em um hos-
agravos à saúde.12,13 Diferentes definições de qualidade pital universitário de emergências, seis meses após
de vida têm sido sugeridas em diversos países e diferen- a alta hospitalar.
tes culturas. A Organização Mundial de Saúde (OMS)
define qualidade de vida como “a percepção da pessoa
MÉTODOS
sobre sua posição na vida dentro do contexto dos siste-
mas culturais e de valores nos quais ela vive e em relação Realizou-se estudo descritivo do tipo levantamento
a suas metas, expectativas pessoais e preocupações”.21 epidemiológico, em Ribeirão Preto (SP), 2005/2006,
156 Qualidade de vida de vítimas de trauma Alves ALA et al

onde a variável de interesse foi a qualidade de vida de domínios da vida do entrevistado: físico, psicológico,
pacientes vítimas de traumas fechados. Foi escolhida relações sociais e meio ambiente. Os escores desse
para o estudo uma unidade de emergência de um hospi- instrumento podem ser apresentados em valores bru-
tal universitário, que é um serviço de referência terciário tos, em escalas de 4 a 20 ou de 0 a 100. Escores mais
para o atendimento às vítimas de trauma grave da cidade elevados indicam maior qualidade de vida.
e região. Possui equipes de cirurgia de urgência, neu-
rologia, neurocirurgia e ortopedia disponíveis in loco A análise estatística foi realizada no programa de
24 horas por dia, além de outros profissionais, como computador R.10 A associação entre os escores dos
psicólogos e fisioterapeutas trabalhando em conjunto domínios físico, psicológico, relações sociais e meio
com as equipes médicas e de enfermagem. O hospital ambiente do WHOQOL-BREF e as variáveis perma-
atende cerca de 1.500 vítimas de trauma por ano, sendo nência hospitalar, idade, sexo e ISS foram exploradas
cerca de 20% desses considerados de alta gravidade. por modelos de regressão linear. No ajuste desses
modelos, o coeficiente de determinação (R2) fornece
Para calcular o tamanho amostral, não se dispunha de uma estimativa da proporção da variabilidade de cada
estimativas de percentuais esperados de perda de qua- domínio explicada pelo conjunto de variáveis estuda-
lidade de vida, tanto geral quanto específica a cada um das. Comparações dos escores médios dos domínios
dos domínios estudados. Em função disso, assumimos dos questionários entre os sexos masculino e feminino
que tal percentual se situe em 50%, valor que maximiza e valores do ISS <9 e ≥9 foram feitas com o auxílio do
o tamanho amostral em levantamentos epidemiológicos teste t de Student. Em todos os testes de hipóteses, foi
e permite chegar a valores conservadores. Utilizando- adotado um nível de significância de 5%.
se o procedimento clássico para determinação do “n”
A consistência interna das respostas foi avaliada pelo
em tal modelo:
coeficiente de fidedignidade de Cronbach, e os valores
>0,70 foram considerados satisfatórios.2
A pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética do Hos-
onde: Zα = 1,96; P = 50%; Q = (1-P) = 50%; d = di- pital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
ferença entre a prevalência real e aquela que se deseja Preto da USP, e o termo de consentimento livre e escla-
determinar pelo levantamento. recido foi obtido antes do início de cada entrevista.
Optou-se por trabalhar com um valor de “d” relativa-
mente amplo, da ordem de 15%, devido a possíveis RESULTADOS
recusas na participação, deslocamento da equipe, não
A média de idade foi 36,1 anos (dp=11,7), sendo 27
localização do paciente; resultando em tamanho amos-
(77%) pacientes do sexo masculino e 8 (23%) do fe-
tral igual a 40 participantes.
minino. Os principais mecanismos de trauma foram:
Durante o segundo semestre de 2005 e o primeiro queda (n=13, 37%), acidentes motociclísticos (n=6,
semestre de 2006 foram selecionados 40 pacientes 17%) e atropelamentos (n=5, 14%) casos. A média do
atendidos na unidade de emergência, vítimas de trau- ISS foi 8,1 (dp=2,8), com 24 casos (69%) apresentando
mas fechados ou contusões – definidos como lesões ISS menor que 9. Apenas um paciente apresentou ISS
provocadas por forças mecânicas externas sem perda acima de 16. Todos os pacientes apresentaram escala de
da integridade da pele. coma de Glasgow 14 ou 15 na chegada, caracterizando
o grupo como formado por indivíduos com trauma neu-
Foram incluídos pacientes que tiveram permanência
rológico mínimo ou ausente. A permanência hospitalar
hospitalar maior ou igual a 24 horas e que finalizaram
variou de um a 35 dias, com média de 6,3 dias (dp=7,1
todo o tratamento na unidade de emergência, residentes
dias) e mediana de quatro dias.
em Ribeirão Preto, com idade entre 16 e 65 anos, e que
apresentavam, à admissão, escala de coma de Glasgow Os resultados encontrados para os quatro domínios
≥10 e escala de gravidade de lesões (“Injury Severity avaliados pelo questionário WHOQOL-BREF são
Score” – ISS) ≥6. apresentados na Tabela 1. Foram utilizadas as três
Os dados clínicos e demográficos foram obtidos a partir formas de apresentação: índices brutos, em escala de 4
do banco de dados da unidade de emergência. a 20 e em escala de 0 a 100. O domínio relações sociais
apresentou a maior média de escores, com 69,7 pontos,
Seis meses após a alta hospitalar, os pacientes foram enquanto o domínio meio ambiente recebeu a menor
contatados por telefone para agendamento de visitas pontuação (52,4), ambos na escala percentual.
domiciliares. Após anuência ao termo de consen-
timento, 35 pacientes foram orientados quanto ao A consistência interna das respostas foi avaliada pelo
preenchimento do questionário WHOQOL-BREF, coeficiente alfa de Cronbach, tendo apresentado resul-
seguindo as recomendações da OMS. O WHOQOL- tados satisfatórios para todos os domínios, com valores
BREF procura avaliar, com 26 questões, quatro entre 0,75 e 0,80.
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Tabela 1. Médias e desvios-padrão dos escores para domínios WHOQOL-BREF em pacientes vítimas de trauma fechado
após seis meses de alta. Ribeirão Preto, SP, 2005-2006.
Domínio do WHOQOL-BREF Média (dp)
Escore Físico Psicológico Relações sociais Meio ambiente
Índices brutos 23,7 (5,8) 21,0 (4,9) 11,4 (3,2) 24,8 (5,9)
Escala 4 a 20 13,6 (3,3) 14,0 (3,3) 15,2 (4,3) 12,4 (2,9)
Escala 0 a 100 59,7 (20,9) 62,5 (20,4) 69,7 (26,9) 52,4 (18,4)

Na Tabela 2, a análise de regressão linear múltipla no domínio físico. Indivíduos com ISS≥9 tinham idade
mostra que as variáveis com maior associação com o mais avançada (média de 40,7 anos, contra um valor de
domínio físico foram permanência hospitalar (p=0,02), 32,7 anos para os pacientes com ISS<9, p=0,03) e maior
idade (p<0,01) e sexo (p=0,03). O coeficiente para o tempo de permanência hospitalar (média de 8,5 dias,
tempo de permanência hospitalar foi negativo: quanto contra 4,7 dias para os pacientes com ISS<9, p=0,05).
maior a permanência, menor tende a ser o escore do Observa-se coeficiente de determinação maior para o
domínio físico. A relação inversa foi observada para ida- modelo de regressão ajustado para o domínio físico
des maiores, que também mostram tendência à redução (R2=0,54), ou seja, as variáveis permanência hospitalar,

Tabela 2. Modelo de regressão linear múltipla entre características dos pacientes de trauma fechado após seis meses de alta e
quatro domínios psicométricos avaliados. Ribeirão Preto, SP, 2005-2006.
Variável Coeficiente p R2
Domínio físico 0,54
Constante 88,3264
Permanência hospitalar (em log) -7,8227 0,02
Idade -0,6634 <0,01
Sexo 14,4745 0,03
ISS -11,2536 0,06
Domínio psicológico 0,19
Constante 80,5419
Permanência hospitalar (em log) -2,3346 0,56
Idade -0,5263 0,10
Sexo 8,2085 0,36
ISS -5,1697 0,50
R2 = 0,19
Domínio relações sociais 0,14
Constante 65,7895
Permanência hospitalar (em log) 4,0929 0,36
Idade 0,0731 0,83
Sexo 7,8875 0,41
ISS -13,9269 0,12
R2 = 0,14
Domínio meio ambiente 0,14
Constante 67,6354
Permanência hospitalar (em log) -2,7061 0,47
Idade -0,4049 0,19
Sexo 5,8187 0,48
ISS -3,5324 0,63
R2 = 0,14
R2: coeficiente de determinação (proporção da variabilidade da variável resposta, explicada pelo conjunto de variáveis do
modelo).
ISS: Injury Severity Score
158 Qualidade de vida de vítimas de trauma Alves ALA et al

idade, sexo e ISS formam um conjunto de atributos com pulação.5 Nos últimos anos tem ocorrido um crescente
maior relação com este domínio que aos demais. Para reconhecimento de que o trauma traz conseqüências,
os demais domínios, a análise não mostrou associação em médio e longo prazo, com relação ao aumento das
com as variáveis estudadas. necessidades especiais e diminuição da qualidade de
vida das vítimas. Este impacto não é apenas relacio-
A análise dos resultados para os diferentes domínios se- nado às alterações anatômicas e fisiológicas iniciais,
gundo sexo não apresentou diferença estatisticamente sig- mas também aos aspectos psicológicos e sociais do
nificativa (Figura). A comparação entre dois grupos com atendimento agudo e da reabilitação.14 Desse modo,
diferentes níveis de gravidade (ISS<9 e ISS≥9) mostrou o objetivo principal do atendimento ao trauma passa
diferença significativa para o domínio físico, com menores a ser, além da manutenção da vida do paciente, o seu
índices para o grupo com ISS mais elevado (Figura). retorno à sociedade em condições de capacidade e
funcionalidade as mais próximas possíveis da sua
condição pré-trauma.
DISCUSSÃO
Muitos fatores podem influenciar a qualidade de vida
Diferentes abordagens podem ser utilizadas para se após o trauma, como a qualidade do atendimento ofere-
avaliar o impacto das lesões traumáticas. O estudo da cido pelo sistema de saúde, tipo e gravidade das lesões,
mortalidade tem sido mais freqüentemente utilizado, número de intervenções cirúrgicas, grau de seqüelas,
embora nem sempre produza uma visão completa da dor, acesso à reabilitação e condição socioeconômica,
realidade e da qualidade do atendimento prestado à po- entre outros. Dessa maneira, a avaliação da qualidade
de vida pós-trauma pode refletir a condição do atendi-
mento à saúde de uma determinada região, bem como
100 identificar as necessidades de equipamentos e serviços
institucionais para a reintegração psicossocial dos
Escore WHOQOL-BREF

80 sobreviventes.14
60
Uma das dificuldades para se estudar qualidade de vida
40 é a escolha do instrumento a ser utilizado, dentre o
grande número de métodos disponíveis,18 tendo discer-
20 nimento sobre seu uso de acordo com cada situação ou
0 aspectos estudados. Optamos pelo WHOQOL-BREF
Sexo M F M F M F M F por ser o instrumento desenvolvido pela OMS e por
Relações Meio possuir caráter global e multicultural para a avaliação
Domínios Físico Psicológico
sociais ambiente da qualidade de vida. Os domínios do WHOQOL
Teste t, p= 0,069 0,21 0,34 0,47 expressam características mais compatíveis com as
esperadas de pacientes vítimas de trauma. Além disso,
o instrumento mostrou bom resultados para validade
100 discriminante, validade de critério, consistência inter-
na e fidedignidade teste-reteste na sua validação para a
Escore WHOQOL-BREF

80
língua portuguesa e para aplicação no Brasil.6,7
60
Algumas das características epidemiológicas encon-
40
tradas na amostra seguem o padrão descrito mun-
20 dialmente para vítimas de trauma, sendo composta
principalmente por jovens do sexo masculino. A mé-
0
dia de permanência hospitalar aproximou-se de uma
ISS
<9 9 ou + <9 9 ou + <9 9 ou + <9 9 ou +
semana, com índices de gravidade baixos (média de
Relações Meio
Domínios Físico Psicológico
sociais ambiente ISS igual a 8,1) e praticamente sem casos de lesões
Teste t, p= 0,0027 0,13 0,18 0,20
neurológicas centrais, podendo-se considerar que a
população estudada caracterizou-se por ter sofrido
lesões leves.16
Gráfico superior: segundo sexo (M: masculino e F: feminino)
Gráfico inferior: ISS - Injury Severity Score. De maneira geral, os pacientes apresentaram baixos
Os pontos escuros sobre os box-plots representam as valores para todos os domínios de qualidade de vida.
médias amostrais. Apesar dos reduzidos índices de gravidade, foi possível
No rodapé de cada gráfico, são exibidos os p valores do
teste t de Student (comparação de médias).
observar a relação do grau da lesão com o domínio
físico, em médio prazo após a alta. Menores índices
Figura. Relações entre domínios e sexo e entre domínios e de qualidade de vida no domínio físico foram igual-
gravidade das lesões (ISS). Ribeirão Preto, SP, 2005-2006. mente relacionados a idades mais avançadas, maior
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permanência hospitalar e ao sexo feminino, o que é de vida quando comparados ao padrão de normalidade
compatível com outros trabalhos da literatura.11 Esses da população geral australiana.8,23 Mais uma vez, como
dados permitem a identificação de grupos mais vulne- aspecto positivo, não houve diferença significativa no
ráveis, que poderiam se beneficiar de uma abordagem domínio das relações sociais entre a amostra estudada e o
especial, desde o início do tratamento. esperado para a população australiana em geral, sugerindo
que o suporte familiar entre os pacientes de Ribeirão Preto
A comparação dos dados da amostra com os valores possa ter se mantido em níveis adequados de atenção.
obtidos por Fleck et al,7 no Rio Grande do Sul, em 2000
mostrou uma diminuição significativa da qualidade de A principal limitação do presente estudo talvez tenha
vida em praticamente todos os domínios, exceto rela- sido o tamanho amostral, que pode não ser representati-
ções sociais. As questões relacionadas ao meio ambien- vo de todo o conjunto de vítimas de trauma atendidas na
te tiveram grande impacto na avaliação dos pacientes, unidade de emergência no período. Também a ausência
mesmo seis meses após o trauma. Pode-se aventar que, de pacientes vítimas de agressão interpessoal pode
mesmo para vítimas de lesões leves, a acessibilidade ter interferido nos resultados, devido ao forte caráter
e adaptação do meio ambiente não têm sido garantida psicossocial relacionado a este tipo de mecanismo de
no município de Ribeirão Preto. O mesmo perfil foi trauma. Além disso, deve ser reconhecido que o caráter
confirmado na comparação com a grande amostra de transversalidade da metodologia adotada impõe
estudada por Skevington et al19 (11.830 pacientes), em restrições ao estudo de causalidade de variáveis.
estudo multicêntrico patrocinado pela OMS, em 2004.
Contudo, a diferença nas relações sociais apresentou, Em conclusão, os achados do presente trabalho indi-
no grupo de Ribeirão Preto, melhores resultados do cam que o trauma pode estar relacionado a um grande
que na amostra de múltiplos países.19 Aparentemente, impacto negativo na qualidade de vida das vítimas em
a falta de suporte familiar parece não ter sido um fator médio prazo. Embora, em comparação com os padrões
central dentre as condições pós-traumáticas, por não ter nacionais e internacionais, o aspecto físico tenha sido
sido manifestada de forma expressiva pelos pacientes o mais atingido, há evidências de que os domínios
estudados na unidade de emergência. psicológico e de meio ambiente, após seis meses da
lesão, permaneceram distantes das condições ideais
Comparadas às vítimas de trauma estudadas por esperadas para a população em geral.
O’Donnell et al,14 na Austrália, é possível fazer consi-
derações sobre a qualidade de atendimento na cidade A experiência cotidiana indica que as abordagens
de Ribeirão Preto. Os valores dos domínios físico e clínicas oferecidas aos pacientes vítimas de trauma
psicológico das duas amostras foram semelhantes, na cidade de Ribeirão Preto não têm sido suficientes
embora a população estudada na Austrália possuísse, para restabelecer um padrão esperado de qualidade de
em média, índices de gravidade muito superiores à vida. Contudo, os dados do presente estudo não são
amostra de Ribeirão Preto. Talvez aspectos importantes suficientes para a identificação e confirmação definitiva
da abordagem integral ao traumatizado não tenham sido dessas deficiências. Portanto, são necessários estudos
postos em prática na população estudada em Ribeirão mais abrangentes, com amostras maiores e mais repre-
Preto, dificultando o retorno das vítimas às condições de sentativas da população, bem como o desenvolvimento
qualidade de vida esperadas para a população normal. de padrões nacionais e regionais de normalidade para
Ambos os grupos de pacientes, brasileiros e australianos, qualidade de vida baseados no WHOQOL-BREF, a
apresentaram grande impacto nos escores de qualidade exemplo do modelo australiano.
160 Qualidade de vida de vítimas de trauma Alves ALA et al

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ALA Alves é apoiada pela Fundação de Pesquisa Médica de Ribeirão Preto (bolsa de iniciação científica).

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