Unidade I - Artigo Nutrigenômica e Nutrigenética
Unidade I - Artigo Nutrigenômica e Nutrigenética
Unidade I - Artigo Nutrigenômica e Nutrigenética
Até 1885, praticamente todos os estudos sobre nutrição eram realizados no oeste
europeu e o maior interesse se concentrava na necessidade energética e proteica. Essa linha de
pesquisa continuou por mais alguns anos, porém se expandiu para outras partes do
planeta, onde importantes investigações foram desenvolvidas. Fato esse que promoveu o
entendimento sobre as necessidades nutricionais dos indivíduos (CARPENTER, 2003b).
Embora nos anos 40, praticamente todos os nutrientes que se conhecem hoje em dia e
suas respectivas deficiências tinham sido descobertos, as carências nutricionais permaneciam,
mesmo com o conhecimento de preveni-las e curá-las (ORDOVAS; CARMENA, 2005).
OBJETIVO
Para o presente trabalho, foi realizada uma extensa pesquisa bibliográfica nos principais
bancos de dados eletrônicos científicos PubMed e Medline, utilizando artigos científicos de
1975 a 2007, por meio dos descritores Nutrigenomic, Nutritional Genomics e Nutrigenetic.
Também foram consultados livros e sites da internet, a fim de se complementar e conceituar
alguns termos. O acesso a alguns textos de suma importância somente foi possível pelo contato
direto, via email, com os principais pesquisadores da área, como Jim Kaput do Centro de
Excelência em Genômica Nutricional da Universidade da Califórnia – Davis e Jose M.
Ordovas do Laboratório de Nutrição e Genômica da Universidade de Tufts
– Boston, aos quais a autoria dos textos também pertence.
A partir de então, pôde-se estudar e delinear melhor o trabalho, baseando-se também nas
referências citadas pelos artigos científicos colocados à disposição.
REVOLUÇÃO GENÔMICA
O Projeto Genoma Humano foi fundamental para os estudos da interação entre gene e
meio ambiente, visto que cada ser humano sendo único, possui um fenótipo diferente dos
demais. Portanto, sua interação com o meio em que vive, certamente, mostra-se distinta
também (STOVER, 2006).
Uma das descobertas desse projeto foi a identificação da diferença genética na
sequência dos genes que, por sua vez, resulta nas variadas respostas individuais diante de
fatores ambientais, como a própria alimentação. Tais diferenças genéticas são denominadas
“single nucleotide polymorphisms” (SNP, pronuncia-se snips). O conhecimento e identificação
integram a nutrigenômica (FOGG-JOHNSON; KAPUT, 2003). Além dos SNPs, podem
ocorrer outras alterações na sequência de nucleotídeos, como a substituição de bases, a
inserção e a deleção de um ou mais nucleotídeos, os quais constituem tipos de mutação
(PIERCE, 2005).
Sabe-se que muitos casos de obesidade, doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e
outras doenças crônicas estão associados às interações entre diversos genes com os fatores
ambientais (KAPUT; RODRIGUEZ, 2004).
Tanto os nutrientes quanto os demais compostos dos alimentos, da dieta e do estilo de
vida constituem fatores que podem alterar a expressão gênica, resultando em modificações nas
funções metabólicas (RIST; WENZEL; DANIEL, 2006).
O conceito de meio ambiente é bastante complexo, sendo por vezes associado aos
hábitos individuais, como o fumo, consumo de medicamentos, exposição tóxica, educação e
aspectos socioeconômicos. Porém, o alimento é um fator ambiental que merece destaque, visto
que todos nós somos permanentemente expostos e por isso, podemos adoecer ou não em
função dele. Por essa razão e por serem capazes de modular a expressão gênica, os hábitos
alimentares são os fatores que mais merecem atenção (ORDOVAS; CORELLA, 2004).
A identificação de que os nutrientes têm a capacidade de interagir e modular
mecanismos moleculares essenciais nas funções fisiológicas dos organismos sugere uma
revolução no campo da nutrição (MUTCH; WAHLI; WILLIANSON, 2005).
Atualmente, sabe-se que o genoma humano possui de 30.000 a 35.000 genes, um
número muito menor daquele pensado antes (KAUWELL, 2005). Conforme Mead (2007), a
tecnologia atual permite identificar um número superior a 500.000 polimorfismos por pessoa.
Alguns deles podem afetar as funções das proteínas, bem como suas interações com outras
proteínas e substratos (DAVIS; HORD, 2005).
MECANISMOS EPIGENÉTICOS
Embora o passado e o presente das diretrizes dietéticas não possuam grandes diferenças
nas respostas perante as mudanças da ingestão de um determinado nutriente, essas mudanças
podem afetar a eficácia das recomendações sob o nível individualizado (ORDOVAS;
CORELLA, 2004).
Nesse aspecto, a nutrigenômica tem potencial futuro, a fim de se modificar tais
diretrizes dietéticas e aperfeiçoar a recomendação personalizada. Já a nutrigenética
possibilitará através das bases genéticas individuais, ou seja, do mapa genético pessoal uma
recomendação dietética totalmente personalizada (ORDOVAS; CORELLA, 2004).
No conceito geral de genômica nutricional, tanto o termo ‘nutrigenômica’ quanto
‘nutrigenética’ são utilizados. A nutrigenética estuda os efeitos da variação genética na
interação dieta-doença, o que inclui a identificação e caracterização do gene relacionado ou até
mesmo responsável pelas diferentes respostas aos nutrientes. O propósito da nutrigenética é
criar uma recomendação que possa apresentar os riscos e benefícios do consumo de dietas
específicas ou componentes dietéticos para cada indivíduo (ORDOVAS; MOOSER, 2004).
A nutrigenômica é uma ciência que estuda como os constituintes dos alimentos
interagem com os genes e seus produtos na alteração do fenótipo, isto é, na informação da
expressão gênica. Para tanto, é preciso se compreender a maneira pela qual os nutrientes e os
compostos bioativos atuam na modulação da expressão gênica (KAPUT et al., 2005).
Em 1999, DellaPenna publicou na literatura científica uma das primeiras definições para
este termo, classificando a genômica nutricional como uma abordagem geral do descobrimento
genético, aplicável nos compostos de importância nutricional que são sintetizados ou
acumulados pelas plantas e outros organismos, como por exemplo, vitaminas e minerais.
Dessa forma, o entendimento sobre como os nutrientes afetam o balanço entre a saúde e
doença pela alteração da expressão e/ou da estrutura do mapa genético individual, torna-se
fundamental (KAPUT; RODRIGUEZ, 2004).
Além da nutrição, a bioinformática, a biologia molecular e a genômica fazem parte da
abordagem metodológica da nutrigenômica (FOGG-JOHNSON; KAPUT, 2003). Observe a
figura 1 que mostra os princípios gerais da nutrigenômica.
Nesse contexto, faz-se importante considerar a dinâmica natural dessa interação, que
percorre durante toda a vida (ORDOVAS; CORELLA, 2004). Em função disso, existem os
níveis de interações. O primeiro está relacionado à fase fetal, em que mesmo no útero, a
criança possa ter sua primeira interação gene-nutriente; a segunda se refere a um erro
congênito no metabolismo, tornando a alimentação do primeiro ano de vida um fator
importante no estado de saúde ou doença; por fim, o terceiro nível de interação que ocorre
devido às doenças multifatoriais, em que por um longo período de tempo houve uma
exposição ao mesmo tipo de dieta (LEONG et al., 2003).
O emprego correto do termo nutriente pode contribuir para melhor analisar a interação
que há entre gene e dieta de cada um, propiciando bioindicadores específicos, uma vez que os
nutrientes podem influenciar ou regular processos como de transcrição do DNA (GO;
BUTRUM; WONG, 2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O conceito de interação gene – nutriente que resulta em uma enfermidade não é recente
e desde a primeira metade do século XX já se conhecia doenças de origem monogenética
(PISABARRO, 2006).
A fenilcetonúria é uma doença de origem genética que ocorre devido a uma mutação no
gene que codifica a enzima fenilalanina-hidroxilase, que é ativa no fígado e tem papel de
converter a fenilalanina (PHE) em tirosina (MONTEIRO; CÂNDIDO, 2006).
Desde a década de 70, muitas variantes da fenilcetonúria (PKU) foram descobertas, fato
que exigiu a frequência de exames laboratoriais adicionais para permitir o aperfeiçoamento da
diferenciação dos tipos, a fim de que o diagnóstico clínico e a prescrição do tratamento fossem
adequados (MIRA; MARQUEZ, 2000).
Dessa forma, a aplicação da nutrigenômica em doenças como essa pode fazer da terapia
personalizada um sucesso, ao se adequar os biomarcadores e as informações corretas nos
diferentes estágios da vida (ORDOVAS; CORELLA, 2004).
40
30
20
10
0
Populações
Figura 3 – Prevalência do genótipo MHTFR 667T/T em diferentes grupos étnicos
(STOVER, 2006 Adaptado).
Em estudo realizado com homens de genótipo MTHFR (5,10-metiltetrahidrofolato-
redutase) 677 TT, associada à uma ingestão adequada de folato, observou-se diminuição de
55% de risco para o desenvolvimento de câncer colorretal ao se comparar os riscos entre
homens de outras combinações genotípicas - CC e CT - (KAUWELL, 2005). Dessa forma,
pessoas que possuem o alelo TT para o gene MTHFR necessitam de maior ingestão de ácido
fólico (STOVER, 2006).
Guéant-Rodriguez et al. (2006) realizaram um estudo para comparar a relação entre o
alelo 677-T e o alelo 1298-C (menos estudado) com as concentrações de homocisteína
plasmática, folato e vitamina B12. Foi encontrada maior concentração plasmática de folato nos
mexicanos e italianos, ao contrário dos africanos. Observou-se ainda maior prevalência do
alelo 677-T nos mexicanos. Já a prevalência do genótipo 1298-C foi menor tanto nos africanos
e mexicanos e foi maior nos franceses.
DOENÇAS CRÔNICAS
CÂNCER
Os hábitos alimentares, bem como o estilo de vida são as principais causas de mortes
por neoplasias, sua incidência deverá aumentar de 10 milhões (em 2000) para 15 milhões em
2020, sendo a dieta responsável por 30% dos óbitos em países ocidentais e 20% naqueles em
desenvolvimento (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE/ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 2003).
As políticas públicas de promoção à saúde são muito relevantes, visto o elevado número
de óbitos por ano, um exemplo é o Programa Nacional de Controle do Câncer, criado em 2002
pela World Health Organization, que se trata de uma estratégia global para a redução de risco,
prevenção, controle e diagnóstico precoce da doença.
Todavia, sendo a neoplasia uma condição patológica que gera um quadro inflamatório,
os principais SNPs estão envolvidos com a síntese e secreção de citocinas proinflamatórias,
como o fator de necrose tumoral (TNF) – α, que apresenta um polimorfismo na posição – 308
da região promotora que codifica essa citocina, representado pelo genótipo GA ou AA; a
interleucina (IL) 1β que possui um polimorfismo na região -511, representado pelo genótipo
CT ou TT, já a IL-6 possui um polimorfismo na região -174, com o genótipo associado ao
alelo G (KORNMAN; MARTHA; DUFF, 2004).
DOENÇAS CARDIOVASCULARES (DCV)
Interação
Alteração
Proteína Função Polimorfismos com Referência
funcional
alimento
Aumento de Mutch,
Alelo A PUFA
Apolipoproteína Transporte HDL +++ 2005
1 (APOA 1) de lipídios
Alelo G PUFA HDL normal ou
aumento + ↓ dos
níveis de adipo- Ordovas,
Modulação ADIPQ 276 G PUFA
nectina, estresse 2007
Adiponectina de processos oxidativo
metabólicos ADIPQ 276 T PUFA Mesmas
alterações - -
Risco de
IL - 1B (+3954) PUFA doença
Interleucina 1 cardiovascular
Mediador da Kornman,
(IL - 1) Mudança
inflamação 2006
na
IL - 1
PUFA atividade
RN (+
biológica
2018)
da IL - 1
Nota: Os sinais (+++) referem-se ao maior grau de intensidade do evento; (- -) referem-se ao grau intermediário; (+)
refere-se ao baixo grau de intensidade. Já o símbolo (↓) refere-se à redução.
Em estudo de revisão realizado por Davis e Uthus (2004), os autores listam alguns
componentes da dieta envolvidos com maior susceptibilidade do desenvolvimento de
câncer, dentre eles se destacam, a deficiência de zinco, de selênio e de vitamina C; o excesso
do consumo de álcool e de vitamina A; e a exposição aos metais pesados como o níquel.
Em contrapartida, uma dieta balanceada fornece as condições ideais para a manutenção
da saúde, pois além de nutrir o organismo, o alimento se torna uma fonte de compostos
bioativos, as quais atuam em etapas específicas do processo de transcrição.
A curcumina tem a capacidade de suprimir a ativação da quinase inibitória do Kappa B
(IKB) induzida pelo TNF-α, fato que inibe a fosforilação e posterior degradação dessa proteína
quinase, impedindo a translocação do fator nuclear kappa B (NF-kB) do citoplasma para o
núcleo da célula. Dessa forma, não ocorre a transcrição de genes com atividades
proinflamatórias (AGGARWAL; SHISHODIA, 2006). Além disso, em estudo realizado por
Han et al. (2002), a curcumina mostrou também suprimir a ativação de outro fator de
transcrição, a proteína ativadora (AP)-1, responsável pela transcrição de genes
relacionados à atividade inflamatória.
Outro estudo, avaliando o efeito do resveratrol, encontrado no vinho tinto, mostrou
que esse composto polifenólico é capaz de suprimir a ativação dos fatores de transcrição
NF-kB e AP-1 em células mieloides (U-937), linfoides e epiteliais (MANNA;
MUKHOPADHYAY; AGGARWAL, 2000).
A epigalocatequina galato (EGCG), encontrada na Camellia sinensis também mostrou
efeito inibitório sobre a ativação do fator de transcrição AP-1 pela inibição da ativação da
c-Jun N-terminal quinase (JNK) que contribui para a resistência periférica à insulina
(MAEDA-YAMAMOTO et al., 2003).
Roedores submetidos à dieta pobre em selênio e ácido fólico tiveram uma redução da
atividade enzimática da DNMT tanto no fígado quanto no cólon (DAVIS; UTHUS, 2003).
A suplementação de vitamina E em roedores resultou no aumento da expressão de IL-2
em células T jovens e maduras e na redução da expressão de IL-4 em células maduras, fato
que sugere que a idade celular tem efeitos na expressão gênica e que a vitamina E, atua
beneficiando o sistema imune (HAN et al., 2006).
Já as vitaminas A e D apresentam ações diretas ao ativarem receptores nucleares
específicos (RXR para ácido retinoico e VDR para vitamina D), podendo assim influenciar a
transcrição dos genes (KAPUT; RODRIGUEZ, 2004).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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