A Ordem de Aviz

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A Ordem Militar de Avis

revisitada
(1515-1538)
Um alheado entardecer
FICHA TÉCNICA

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José Carlos Ramalho

Impressão e encadernação
Várzea da Rainha Impressores, S.A.

Boblioteca Nacional
Depósito Legal nº 451537/19

© reservados os direitos do Autor


Manuel Lamas de Mendonça

A Ordem Militar de Avis


revisitada
(1515-1538)
Um alheado entardecer

Fonte das Somas


Benavente
2019
SYNOPSIS
On the subject of the (incomplete) registry of the assets of the Order of Avis carried out from 1364, at the
time of the death of its Master D. Martim do Avelar, I shall have the opportunity to reflect on the
manpower, weapons and military capability of the Order of Avis in the second half of the 14th century.
My manpower estimate was buttressed by the fact that Luís Filipe de Oliveira, in his doctoral dissertation,
arrived at similar results by other routes. In that chapter, in partial agreement with that historian, it seems
possible to raise doubts on the militia’s military might such as it is generally referred to in the
historiography that I have consulted.

Those doubts on the subject, as far as the second half of the 14th century is concerned, will become
certainties as regards the first half of the 16th century, as I think is sufficiently evident from the analysis
of the data on military buildings contained in the sources that I have studied. With the summary
description of six fortresses and a vault belonging to the Order of Avis between 1519 and 1538, one
concludes that only Fronteira castle and the relatively unimportant vaults at Figueira had been subjected
to recent repairs, and these especially in the living quarters, with all the remaining sites in several stages
of ruin in their walls, towers, or rooms. It is also clear that instructions for the maintenance of buildings
inside the fences never apply to the fortresses themselves. If the inspectors of 1519 still mention the non-
existence (or obsolete scarcity) of artillery and weapons, those of 1538 do not even allude to such matters
any more.

The Avis militia of the first half of the 16th century, not involved in the overseas expansion, still showed
the formal structure of an order, but was not even concerned any more in keeping the appearance of one.

It cannot be excluded that, in the political area, and bearing in mind the possible – and foreseeable –
consequences of the full execution of John II’s testament, his sucessor will have actively encouraged the
military emptying of Avis, thus seeking to neutralise the Master D. Jorge as a potential latent threat. With
John III, priorities were already of a different nature and the Order of Avis was, in all likelihood, not
among the king’s concerns.

Other factors of a generic type, both structural and circumstancial, will have determined the

transformation of this military order into a civil lordship provided with spiritual jurisdiction, but it is
difficult to conceive that a political design was not lurking behind it. One can detect an order that was
now only military in its name and formal symbolic traces. Seeking analogies in the current translation of
similar structures and behaviours, one would be inclined to consider it a kind of ‘family foundation’ with
a respected CEO (Master), dedicated executives, and suitably in tune with corporate-institutional
interests. But, through its very nature, instead of a corporate strategy, this institution aimed solely at the
perpetuation of the model itself. And this model, sleep-walking, inefficient and parasitic, has lost contact
with outside reality.

There remained a medium-sized land-owning dominion, if compared with its peers, that went on
compensating through fiscal means the inevitably mediocre results of a rentist exploration. Besides, it was
managed, as a rule, on behalf of ‘non-executive members of a board’ that had come to accomodate
themselves to the delegation of powers. And to cede the comendas in ‘franchising’ to tenants whose
elbowing room the excutives tried to discipline.

It is rather clear that its generally non-executive administrators (comendadores) combined inability with
lack of commitment. But one should bear in mind that this was a modest ‘foundation’ that did not
monetarily reward mere attendance, and whose recruitment pool had been severely impaired by the
comparative ‘career’ opportunities afforded by the Order of Christ, and even by the Order of St. James.

Besides, life was led in a bucolic and pastoral indifference to the tensions of the Reformation, the
Counter-Reformation and the maritime expansion, while keeping a prudent distance from the manueline
administrative ‘revolution’. A lingering anachronism, temporarily tolerated in a changing world.

Of these studies, attention is drawn to the Ph.D. dissertations presented at the Faculty of Letters of the
University of Porto in 1998 (Silva 2002) and 1999 (Costa 1999/2000: 3-592) (Pimenta 2001: 3-600)
(Mata 2007). Besides these studies, there are also two other Ph.D. dissertations, the first defended at the
Faculty of Letters of the University of Porto, in 2004 (Ferreira 2004) and the second presented at the
Faculty of Human and Social Sciences of the University of the Algarve, in 2006 (Oliveira, 2006).

SINOPSE

A propósito do tombo (incompleto) de bens da Ordem de Avis efectuado a partir de 1364 por ocasião da
morte do Mestre D. Martim do Avelar, teremos ensejo de reflectir sobre os efectivos, armamento e
capacidade militar da Ordem de Avis na segunda metade do século XIV. A nossa estimativa de efectivos
foi confortada pelo facto de Luís Filipe de Oliveira, na sua dissertação de doutoramento, ter chegado por
outras vias a resultados semelhantes. Nesse capítulo, em parcial sintonia com esse historiador, parece
existir ensejo de serem levantadas dúvidas sobre o poderio militar da milícia tal, como esta se encontra
geralmente referido na historiografia consultada.

Aquilo que sobre esta matéria, eram dúvidas no que concerne à segunda metade do século XIV, vai
converter-se em certezas no que toca à primeira metade do século XVI, como julgamos que ressalta com
suficiente evidência da análise dos dados sobre património militar edificado contidos nas fontes por nós
estudadas. Descritas que ficam sumariamente seis fortalezas e uma casa-forte da Ordem de Avis entre
1519 e 1538 constata-se que apenas o castelo de Fronteira, e a pouco significativa casa-torre de Figueira,
havia sido objecto de reparações recentes, preferencialmente executadas nas respectivas áreas
residenciais, encontrando-se todas as restantes em diversos graus de ruína nas muralhas, torres, ou
aposentos. Verifica-se ainda que, sendo ordenada a reparação de edifícios situados no interior das
respectivas cercas, essas determinações não abrangem nunca as fortalezas propriamente ditas. Se os
visitadores de 1519 ainda referem a inexistência (ou arcaica escassez) de artilharia e de armamento, os de
1538 já nem sequer fazem alusão a essas matérias.

A milícia de Avis da primeira metade do século XVI, permanecendo alheada da expansão ultramarina,
apresentava ainda a estrutura formal de uma Ordem, mas já não estava sequer preocupada em manter a
aparência de uma Ordem Militar.

Não é de excluir que, no plano político, e tendo presentes as consequências possíveis – e previsíveis – da
cabal execução do testamento de D. João II, o seu sucessor tivesse encorajado activamente o
esvaziamento militar de Avis, procurando neutralizar o Mestre D. Jorge como potencial ameaça latente.
Com D. João III as prioridades eram já diversas e a Ordem de Avis não se integrava certamente entre as
preocupações do monarca.

Outros factores de ordem genérica, tanto de enquadramento como conjunturais, terão determinado a
transmutação desta Ordem Militar num senhorio civil dotado de jurisdição espiritual, mas é difícil
conceber que, por detrás, não coexistisse um desígnio político.

Vislumbramos uma Ordem que, de militar, apenas conservava a designação, e vestígios simbólicos
formais. Tentando encontrar analogias, mediante a tradução actual de estruturas e comportamentos
semelhantes, seríamos levados a considerá-la um simulacro de “fundação familiar” com
um CEO (Mestre) respeitado, executivos dedicados e em adequada sinNOPSIStonia com o interesse
corporativo-institucional. Mas, pela sua própria natureza, ao invés de uma estratégia empresarial esta
instituição visava apenas a perpetuação do próprio modelo. E este modelo, sonâmbulo, ineficaz e
parasitário, tinha perdido o contacto com a realidade envolvente.

Restava um médio senhorio fundiário, se comparado com as instituições congéneres, que ia suprindo por
via fiscal, os resultados, inevitavelmente medíocres, de uma exploração rentista. Além do mais, por via de
regra, era gerido em nome de “membros não executivos dum conselho de gestão” que se haviam
acomodado a delegar poderes. E a ceder as comendas em franchising a rendeiros cuja margem de
manobra a vigilância dos executivos tentava disciplinar.

Transparece com nitidez que os administradores geralmente não executivos (comendadores) aliavam a
incapacidade à falta de empenho. Mas é necessário ter presente que se tratava de uma “fundação”
modesta, que não pagava senhas de presença, e cujo universo de recrutamento fora severamente limitado
pelas oportunidades comparativas de “carreira”, proporcionados pela Ordem de Cristo e, mesmo, pela
Ordem de Santiago.

De resto vivia-se num bucólico e pastoril alheamento das crispações da Reforma, contra-Reforma e
expansão marítima, e guardando prudente distanciamento da “revolução” administrativa manuelina.
Um anacronismo sobrevivo, temporariamente tolerado no mundo em mudança.

Agradecimentos
Dedico o fruto destes cinco anos de trabalho à Maria João, minha Mulher, trave-mestra da casa,
que susteve esforçadamente os telhados e o quotidiano com cúmplice devoção, enquanto eu
nadava, abstrato e alheio a tudo, num oceano de fontes, e também naturalmente ao nosso
esforçado e corajoso filho Fernão que, entretanto, se ia fazendo homem.

Ao meu correligionário e camarada José Carlos Ramalho que colocou generosamente a sua
longa e profunda experiência na Indústria das Artes Gráficas e Transformação do Papel ao
serviço desta edição feita com a prata da casa.

À Professora Doutora Paula Pinto Costa, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,


cumprimentamos e agradecemos um exemplo de verticalidade e profissionalismo no tratamento
desta paixão comum que levou um velho soldado como eu até ao universo das Ordens Militares

À Professora Doutora Mafalda Soares da Cunha, da Universidade de Évora, agradecemos uma


presença que em muito me honrou, e permito-me sublinhar que tanto a sua obra como a do Prof.
Doutor Nuno Monteiro, embora incidindo maioritariamente sobre cronologias mais tardias,
fazem parte das nossas obrigatórias e frequentes consultas.

À Professora Doutora Fernanda Olival, da Universidade de Évora, agradecemos a presença que


muito nos honra. Gostaríamos de realçar a dívida contraída em relação à sua pessoa por todos
aqueles que, como nós, conhecem os limites do campo de investigação, e encontram nos seus
trabalhos a lúcida disciplina metodológica e a exigente procura de conceitos que nos permitem
avaliar as linhas de força.

Finalmente, à Professora Doutora Maria Cristina Pimenta, Investigadora do Centro de Estudos


da População, Economia e Sociedade, e coorientadoras da dissertação que esteve na origem
desta obra. Encontrámos na sua pessoa uma paciente e empenhada capacidade de debate das
nossas dúvidas e hesitações, capaz de nos franquear rasgadamente o acesso aos seus
cartulários, e aberta a um diálogo de anos que, frequentemente, se prolongou até à madrugada
de tantas noites de trabalho

E, last but not the least, ao Professor Doutor Luís Adão da Fonseca, da Universidade do Porto e
da Universidade Lusíada do Porto, responsável científico por este trabalho.
Índice
Sinopse.......................................................................................................................................................... 5
Agradecimentos ............................................................................................................................................ 7
Indice ............................................................................................................................................................ 9
Resumo........................................................................................................................................................ 13
Abstract ....................................................................................................................................................... 14
Palavras-chave............................................................................................................................................. 15
Siglas e Abreviaturas ................................................................................................................................... 15
Fontes e Bibliografia.................................................................................................................................... 16
PARTE I ..................................................................................................................................................... 37
Ao encontro da Ordem de Avis, séculos XII-XVI ................................................................................... 37
Introdução.................................................................................................................................................... 39
1. O processo de fundação da Ordem Militar de S. Bento de Avis (séculos XII-XIII) ..................................42
1.1. A conjuntura político-militar geradora da criação da milícia dos cavaleiros de Évora...........................45
1.2. A situação peculiar da praça de Évora
no contexto da " guerra de fronteira" na época da criação da milícia............................................................47
1.3. O papel crucial da praça de Badajoz......................................................................................................52
1.4. As razões da criação da milícia dos cavaleiros de Évora........................................................................58
1.5. O alargamento do âmbito territorial da intervenção da milícia e o serviço do rei...................................64
1.6. As primeiras deslocações de efectivos dos freires de Évora...................................................................65
1.7. A coroa portuguesa e a sua difícil convivência com os poderes regionais emergentes...........................72
1.8. Os Cavaleiros de Évora e a diocese: um conflito secular.......................................................................75
1.9. De Évora a Avis: a sedimentação da milícia. A emergência dos Espatários............................................86
1.10. A Coroa, o centralismo régio e os freires de Avis (1258 -1329)...........................................................92
2. A Ordem de Avis no século XIV..............................................................................................................111
2.1.D. Pedro I e o governo da Ordem de Avis: ingerências. O caso de um diploma
fundamental de 1364-1366..........................................................................................................................115
2.2. O espólio inventariado por morte do Mestre D. Martim do Avelar.......................................................126
2.3. O "peso militar" da ordem de Avis à luz dos dados registados em 1364.
Um poder militar declinante ou uma situação generalizada?......................................................................127
2.4. A elevação do bastardo régio D. João a Mestre de Avis: uma solução intencional...............................142
2.5. A ordem de Avis e a crise dos anos 1383-1387: as cisões internas.......................................................147
2.6. O Mestre D. João, um percurso ambíguo: interrogações sobre uma "conspiração"opaca.....................150
3. A Dinastia de Avis e a Ordem Militar......................................................................................................167
3.1. A primeira fase do processo de incorporação da Ordem de Avis na coroa portuguesa –o
Infante de Tânger (1434 – 1439) .....................................................................................................167
3.2. O Regente D. Pedro e o Condestável, duas trajectórias peninsulares. A Ordem de Avis como
instrumento das políticas externas. (1439-1466).........................................................................................176
3.3. Da fase post-regência à batalha de Alfarrobeira...................................................................................184
3.4.. O exílio castelhano do Condestável D. Pedro, Mestre da Ordem de Avis...........................................186
3.5. A gradual reinserção de D. Pedro na corte e no governo do Mestrado.................................................191
3.6. A Ordem de Avis na "aventura catalã"..................................................................................................196
3.6.1. Os cavaleiros portugueses que combateram na Catalunha................................................................199
3.7. Notas sobre o Condestável D. Pedro, governador do Mestrado de Avis...............................................205
4. Reestruturação de Avis na antecâmara do Mestrado de D. Jorge (1466-1491)........................................211
4.1. A morte dum príncipe-herdeiro que "não era para ser rei"..................................................................221
4.2. O jovem D. Jorge e a frustrada "candidatura" a herdeiro do trono......................................................236
4.2.1. A sombra dos Habsburgo: a ingerência dos Reis Católicos na sucessão do trono português.............239
5. D.Manuel, Rei de Portugal:"uma herança armadilhada".........................................................................249
5. 1. D. Jorge e o Rei...................................................................................................................................255

PARTE II...................................................................................................................................................261
A Ordem de Avis no século XVI: o triângulo Alto-Alentejano entre as bacias do Tejo, Sado e Guadiana......261
1. Considerações prévias.............................................................................................................................263
1.1. A estrutura das Fontes..........................................................................................................................263
2. Divisão do Mestrado de Avis em duas comarcas.....................................................................................273
3. As determinações gerais: um modelo de apresentação temática..............................................................280
4. As Visitações à Ordem de Avis no século XVI (1º ciclo - 1515-1519)....................................................296
4.1. Visitação à comenda do Alandroal.......................................................................................................349
4.1.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................350
4.1.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................359
4.1.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................361
4.2. Visitação à comenda de Mora...............................................................................................................369
4.2.1.Dimensão Religiosa...........................................................................................................................370
4.2.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................375
4.2.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................379
5. As Visitações à Ordem de Avis no século XVI (2º ciclo - 1538).............................................................380
5.1. Visitação à vila de Avis........................................................................................................................381
5.1.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................381
5.1.2. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................381
5.2. Visitação à comenda de Cabeço de Vide..............................................................................................391
5.2.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................392
5.2.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................397
5.2.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................399
5.3. Visitação à comenda de Alter Pedroso..................................................................................................399
5.3.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................399
5.3.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................400
5.3.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................400
5.4. Visitação à comenda de Sousel.............................................................................................................401
5.4.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................402
5.4.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................406
5.4.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................407
5.5.Visitação à comenda de Fronteira..........................................................................................................408
5.5.1.Dimensão Religiosa...........................................................................................................................409
5.5.1. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................414
5.5.2. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................417
6. Análise comparativa das visitações de 1519 e 1538 ás vilas do Cano, Figueira, Seda e Galveias ....................424
6.1. Primeira visitação à comenda do Cano..............................................................................................426
6.1.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................426
6.1.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................436
6.1.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................437
6.2. Segunda visitação à comenda do Cano..............................................................................................443
6.2.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................443
6.2.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................448
6.2.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................450
6.3. Primeira visitação à Vila de Figueira.................................................................................................452
6.3.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................453
6.3.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................458
6.3.3. Dimensão patrimonial.......................................................................................................................460
6.4. Segunda visitação à comenda de Figueira.........................................................................................466
6.4.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................466
6.4.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................473
6.4.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................476
6.5. Primeira visitação à comenda de Seda..............................................................................................476
6.5.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................477
6.5.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................487
6.5.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................488
6.6. Segunda visitação à comenda de Seda..............................................................................................497
6.6.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................497
6.6.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................505
6.6.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................508
6.7. Primeira visitação à Comenda das Galveias.........................................................................................514
6.7.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................515
6.7.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................521
6.7.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................523
6.8. Segunda visitação à comenda das Galveias..........................................................................................526
6.8.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................527
6.8.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................533
6.8.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................536
7. Os homens da Ordem de Avis: um estudo de caso..................................................................................538
7.1. Os Furtado de Mendonça, ascendência materna do Mestre D. Jorge....................................................540
7.2. Do genearca Afonso Furtado até aos tios de D. Ana de Mendonça......................................................541
7.3. O estatuto sócio-económico dos filhos de Afonso Furtado de Mendonça............................................559
7.4. As ligações ás ordens militares em geral..............................................................................................562
7.5. Comendas detidas pelos Furtado de Mendonça....................................................................................567
8. Considerações Globais............................................................................................................................591
8.1. A Ordem de Avis: acercamentos políticos (1175-1550)........................................................................591
8.2. A Ordem de Avis e a sua implantação territorial: um ponto de chegada...............................................595
8.2.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................598
8.2.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................623
8.2.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................626
9. Conclusões..............................................................................................................................................665
9.1. A história de uma Ordem: momentos decisivos....................................................................................665
9.2. Avis no século XVI: um alheado entardecer........................................................................................670
Resumo
A presente dissertação tem como objectivo revisitar algumas das questões das problemáticas em
aberto no respeitante à Ordem Militar de S. Bento de Avis, desde a sua fundação até ao Mestrado
de D. Jorge, a última fase autónoma desta milícia, precedendo a sua anexação à Coroa
portuguesa.
No entanto esse acompanhamento do percurso secular da Ordem mais não visa do que tentar
configurar o lento e penoso esforço de adaptação, procura de identidade e razão de ser, ao longo
de sucessivas conjunturas político-militares, mas também socio-económicas, e a quadros
conceptuais - plásticos e deslizantes - por sua natureza intrínseca.
A Ordem de Avis foi fundada num determinado segmento temporal para responder a questões
específicas – e temporalmente confinadas - de orientação política e estratégia militar,
correspondentes a uma sociedade peninsular ainda fluida, e profundamente embebida num
choque de culturas.
Todavia, à luz do tempo longo, e mesmo à escala da sobrevivência da instituição, essa conjuntura
fundacional rapidamente deu lugar a um entrecortado esboçar de uma gravitação em torno da
monarquia que, em brevíssimos três séculos, se converterá numa órbita regular, adveniente da
sua absorção pela Coroa.
A investigação realizada, analisando exaustivamente o conteúdo dos quase mil fólios que
integram os Livros do Convento da Ordem de Avis: n.º 13, 14 e15 (visitações efectuadas a
comendas), permitiu uma abordagem multifacetada a um território correspondente a cerca de
30% do quantitativo de senhorios da milícia, precisamente aqueles que estavam situados no
coração do seu domínio.
Estas fontes, aparentemente áridas e repetitivas, uma vez prensada a "azeitona miúda" da
multidão de factos e eventos que vão registando, irão dar "um azeite menos corrente", por ser
graduado, quantificado, e classificado de acordo com padrões.
A história rural, tal como a ensaiaram os mestres que seguimos, não permite que o quotidiano, o
sociológico e o espiritual se evaporem, deixando apenas ao leitor um resíduo concentrado de
economicismo.
Este olhar atento sobre a primeira metade do século XVI, período final da autonomia de uma
Ordem Militar, destinou-se a esboçar a paisagem física e humana, a quantificar escalas e
hierarquias do que existia, quem possuía o quê, para produzir quanto, valorizado em tanto. E
também como se repartiam esses tantos e quantos, de acordo com a Regra, Estatutos e
Ordenações do reino, no campo do legislado. Ou, de acordo com a natureza humana profunda, e
com quadro de mentalidades prevalecente, qual era o ângulo de desvio entre o determinado e o
executado, esse invariável meio de diagnóstico do viço e pujança, ou desagregação e aluimento
das sociedades e das instituições que as integram.

Abstract
The present dissertation has the purpose of revisiting some of the more relevant questions and
outstanding issues concerning the Military Order of São Bento de Avis, from its foundation till
Dom Jorge’s tenure as Master, the latter corresponding to the last autonomous phase of this
militia prior to its annexation to the Portuguese Crown.
This overview of the secular journey of the Order, however, has as its aim an attempt at drawing
the Order’s slow and hard effort at adjustment, quest for identity and raison d’être against
successive political and military, but also socio-economic, backgrounds, as well as varying
Zeitgeists, by their very nature fluid and elusive.
The Order of Avis was founded at a specific period of time to answer particular and temporally
limited questions of political orientation and military strategy, characteristic of a peninsular
society still in flux and deeply embroiled in a clash of cultures.
However, in the long run, and even in the time-scale of the institution’s life-span, this
foundational background was quickly replaced by a hesitating gravitation towards the monarchy
which, in three very short centuries, became a regular orbit as a consequence of its absorption by
the Crown.
The investigation undertaken, with minute analysis of the contents of the almost one thousand
folios included in the Livros do Convento da Ordem de Avis: nos. 13, 14 and 15 (reports on
comenda audits) made possible a many-sided approach to a territory corresponding to about 30%
of the militia’s fiefdoms, placed at the heart of its domains.
These apparently arid and repetitive sources, once the “small olives” have been pressed from the
multitude of facts and events which they record, will yield a “less commonplace olive oil” as it is
graded, quantified and classified according to standards.
Rural history, such as attempted by the masters whose inspiration is followed herein, prevents the
evaporation of everyday events and sociological and spiritual traits, thereby not solely leaving
the reader with a concentrated, economics-minded, residue.
This look at four decades of the final autonomous period of a Military Order has attempted to
sketch the physical and human landscape, as well as to quantify scales and hierarchies of what
existed, who owned what, to produce how much, valued at such and such an amount. And also to
determine how such quantities were shared in accordance with the Rule, statutes, norms and the
kingdom’s Ordinations, in the legislative field. Or, in accordance with deep human nature and
prevailing mentalities, what deviation there was between a decision and its actual practice, that
invariable means of diagnosing the liveliness and strength or, conversely, the crumbling and
foundering, of societies and their institutions.
Palavras-chave
História de Portugal; Ordens Militares; Ordem de Avis (séculos XII-XVI); estruturas políticas,
administrativas, económicas e sociais; visitações; estatutos e normas.

Key-Words
Portuguese History; Military Orders; Order of Avis (XII-XVI centuries); political, economical
and social approaches, visitações(audits), statutes and rules.

Siglas e Abreviaturas
ACA: Anales de la Corona de Aragon
AHP: Archivo Historico Portuguez
AHS: Arquivo Histórico de Sintra
AHNM: Archivo Histórico Macional de Madrid
AHPL: Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa
BNL: Biblioteca Nacional de Lisboa
BPE: Biblioteca Pública Municipal de Évora
CDAV: Crónica de D. Afonso V
CDF: Crónica de D. Fernando
CDJI: Crónica de D. João I
CDJII: Crónica de D. João II
CDJIII: Crónica de D. João III
CDMI: Crónica de D. Manuel I
CDPI: Crónica de D. Pedro I
CNCDP: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses
CSIC: Consejo Superior de Investigacion Cientifica
DP: Descobrimentos Portugueses
FLUL: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
FLUP: Faculdade de Letras da Universidade do Porto
IAN/TT: Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo
IN/CM: Imprensa Nacional/Casa da Moeda
JNICT: Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica
LL: Livro de Linhagens do século XVI
MH: Momumenta Henricina
PMH: Portugaliae Monumenta Histórica
Provas: Provas da Historia Genealogica da Casa Real Portuguesa
cap. - capítulo
Cfr. - confronte
cx. - caixa
doc. - documento
ed. - edição
Fl/fl./Fls/fls - fólio - fólios
liv. - livro
maç. - maço
ms. - manuscrito
n.º - número
op cit. - obra citada
p. - página
pp. - páginas
publ. - publicado
ref. - referido
res. - Reservado
ss. - seguintes
t. - tomo
tít. - título
v. - verso
vol. - volume

Fontes e Bibliografia
I. Fontes Manuscritas

Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo

1.Fundos Gerais

Chancelarias
Chanc. de D. Afonso III, Livro I
Chancelaria de D. Dinis
Chancelaria de D. Manuel, Livro 4

Corpo Cronológico
Livro 1

Leitura Nova
Místicos, livro 2 e livro 4
Mestrados
Direitos Reais, livro 1 e livro 2
Inquirições, livro 2

Núcleo Antigo
Livro nº274

Gavetas
Gaveta 12

Série Preta (casa Forte)


n.º 3700
Regra da Cavalaria e Ordem Militar de Avis, Lisboa, 1631.
Livraria
Ms n.º 1396
Definições do Abade de Murimundo à Ordem de Calatrava, 1468.

2.Fundos Específicos

Ordem de Avis
Ordem de Avis, maços 1, 10, 11, 12, 13 e 14
Livros do Convento da Ordem de Avis : n.º 13, 14,15, 19, 20, 25 e 35

Outros Fundos
Cabido da Sé de Coimbra
Mosteiro de S. Dinis de Odivelas
Mosteiro de Arouca
Mosteiro de Lorvão
Mosteiro de S. Vicente de Fora
Mosteiro de Santos-o-Novo
Colegiada de Sta. Marinha do Outeiro de Lisboa
Colegiada de S. Salvador de Santarém
Colegiada de S. Julião Frielas
Convento de Chelas
Ordem dos Frades Menores. Província de Portugal. Convento de Sta. Clara de Santarém
Ordem dos Pregadores. Convento de S. Domingos de Lisboa

Biblioteca Nacional de Lisboa

Códice 106
Francisco Xavier do Rego. Descripção geographica, chronologica, histórica e critica da villa e
real Ordem de Avis.

Res. n.º 1185v e Res. n.º 102A


Regra da Cavalaria e Ordem Militar de S. Bento de Aviz, Lisboa, 1631.

Fundo Geral, nº 2638


Registo de cortes do Reino.

Colecção Pombalina
Ms. 23
ROMAN, Frei Jerónimo, Historia de la Ínclita Cavalleria de Avis en la Corona de Portugal.

Biblioteca Pública Municipal de Évora

Res. 232
Regra e Estatutos de Avis, Almeirim, H. de Campos, 1516.
Arquivo do Cabido, liv. III das Composições
II. Fontes Impressas

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nova edição, preparada e dirigida por Damião Peres, vol. IV, Porto, Portucalense Editora, pp. 90
– 114.
Alvaro Lopes de Chaves. Livro de Apontamentos (1438-1489). 1984. Introdução e transcrição de
Anastácia Mestrinho Salgado e Abílio José Salgado, Lisboa: IN\CM.
Anals De la Corona de Aragon compuestos por Jerónimo Çurita Chronista do dicho Reyno.
1610. Impressos en Çaragoça, en el Colégio de S.Vicente de Ferrer, por Lourenço de Robles,
impressor del mismo reyno.
Anedotas Portuguesas e memórias biográficas da corte quinhentista e histórias e ditos galantes
que sucederão e se disserão no Paço. 1980. Leitura do texto, introdução e notas de Cristopher L.
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Cortes Portuguesas. Reinado de D. Fernando (1367-1383), 1990. Lisboa: IN/IC.
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Marcelino Pereira, Coimbra: Universidade de Coimbra.
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Fernando Jasmins Pereira, vols.I a III, Lisboa, Resistência, 1980-86.
Dicionário de História de Portugal. 1961-1971. Direcção de Joel Serrão, vols. I a IV, Lisboa,
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IV. Estudos
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ALBUQUERQUE, Martim de. 1992. Portugal e a Ordem de Malta (Aspectos da Europa),
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Reconstituição a partir de fontes descritivas e instrumentais, Lisboa: Centro de Estudos
Geográficos, Área de Investigação de Geo-Ecologia.
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PARTE I
Ao encontro da Ordem de Avis, séculos XII-XVI
Introdução
Como constatou OLIVEIRA, se no guia (incompleto) publicado em 1976 por Derek W. Lomax
sobre as Ordens Militares na Península Ibérica escasseavam os estudos efectuados em Portugal,
essa situação alterar-se-ia significativamente a partir de 1993, ano em que, num novo reportório
bibliográfico, se inventariavam já mais de 120 títulos portugueses. Este momento de viragem que
se pode inscrever num interesse despertado pelas temáticas do mundo rural e urbano alargou-se
rapidamente à analise dos bens e das vilas do senhorio das ordens, e fora precedido da tese de
Luís Adão da Fonseca sobre o Condestável D. Pedro na qual se procedia uma primeira tentativa
de sistematizar a evolução institucional da Ordem de Avis, complementada por uma análise do
respectivo património, considerada como indispensável para a compreensão do peso político que
a milícia adquirira no panorama complexo da política externa do reino ao longo do período em
apreço. Em boa verdade essa obra reflectia, e consagrava, uma nova abordagem na perspectiva
com que passariam a ser encaradas como objecto de estudo, as Ordens Militares "procurando
reconstituir o modo de vida dos seus membros, esclarecer a sua organização interna, conhecer a
distribuição das comendas, ou caracterizar a acção dos mestres que as dirigiam".
Essa nova área temática ganharia um novo alento e projecção com a internacionalização dos
Encontros de Palmela e, a partir de 1997, com uma publicação inteiramente dedicada às Ordens
Militares cujos números sucessivos passaram a integrar, também, contributos de investigadores
estrangeiros, permitindo, no nosso entender, reforçar a cooperação entre alguns dos mais
importantes historiadores e autores que desenvolviam regularmente contributos decisivos nesta
área temática.
É certo que ao longo destas duas últimas décadas o acento tónico tem sido preferencialmente
colocado na evolução política das Ordens Militares até à Idade Média Tardia, com uma menor
proeminência para as questões patrimoniais e para o relacionamento com a monarquia
portuguesa, desenhando-se ultimamente uma tendência para complementar estes enfoques com
trabalhos sobre o ambiente social e os protagonistas das diversas milícias.
As características das fontes por nós tratadas, dezasseis visitações a Comendas da Ordem de Avis
efectuadas entre 1516 e 1538, embora incidentes sobre uma única milícia, e circunscritas a um
período cronológico que, mais uma vez, se situa num segmento da Idade Média Tardia,
desenvolvendo-se num insuspeitado clima de pré-Reforma que elas não traduzem, permitem no
entanto aprofundar alguns aspectos, em jeito de adenda, da investigação efectuada por Maria
Cristina Pimenta sobre o Governo do Mestre D. Jorge. Isto porque as referidas fontes se inserem
no decurso do Mestrado deste filho de D. João II, e na antecâmara da assumpção das Ordens
Militares pela Coroa portuguesa. Situando-se naquele que talvez possa considerar-se como um
dos mais metodicamente estudados períodos da existência secular da milícia poderão, no entanto,
carrear informações que não se limitem ás questões patrimoniais, e, partindo do seu
aprofundamento, esclarecer outras dimensões da vida desta ordem.
Mas, tal como esta autora, também nós, na presente dissertação, nos sentimos profundamente
devedores de um volume considerável de investigações já realizadas que merecem da nossa parte
um tratamento especial. Referimo-nos, como é óbvio, à evolução do historial desta Ordem, tema
basilar para estudos elaborados quer por autores portugueses quer por autores estrangeiros. Esta
circunstância explica, a nosso ver, o sentido que pretendemos dar à divisão desta dissertação em
duas partes claramente diferenciadas, mas que, como se compreenderá ao longo do trabalho, se
constituem como duas parte de um todo que se pretende apresentar da forma mais clara possível.
Ou seja, partindo de um suporte documental que, maioritariamente, assenta em três imensos
códices com o registo de visitações e tombos de propriedade de certas comendas desta Ordem,
datados dos anos centrais da primeira metade do século XVI, era inevitável a elaboração de um
larguíssimo ponto prévio (a parte I) através da qual a generalidade da evolução de Avis é
apresentada ao leitor. Estamos em crer que qualquer outro a quem tivesse sido distribuído um tal
conjunto de fontes para analisar não poderia ter trilhado outra opção.
Assim, sempre que nos preocupamos em revisitar temas ou assuntos já estudados em
profundidade por outros, tentamos fazer sobressair dos seus trabalhos as diversas dimensões que,
de uma forma mais directa, serviriam, depois, de pontos de apoio para explicar algumas das
realidades mais tardias que as nossas fontes nos apresentam. A única excepção a esta abordagem
acontece com o século XIV, século que de uma forma estritamente relacionada com a Ordem de
Avis pouco ou nada havia sido trabalhado e no qual se inscreve a redacção de um precioso tombo
ordenado por morte de um dos mestre de Avis, D. Martim do Avelar (1364-1366). A sua consulta
exaustiva permitiu fornecer uma primeira tentativa de melhor entender o papel desta Ordem no
quadro de uma cronologia tão importante quanto esse século de todas as crises.
Por fim, é ainda de justiça que se faça uma reflexão sobre o tratamento dado às fontes em apreço.
Para além de ter constituído uma das nossa principais preocupações a sua transcrição na íntegra
(situação que se observa no vol. II - ANEXOS), certamente que um manancial de informação
dessa natureza merecia um tratamento exaustivo e cuidado, aliás a única abordagem para se
poder fazer uma ideia precisa daquilo que a Ordem de Avis realmente representava antes da
incorporação na órbita real.
Neste sentido, as nossa opções regeram-se, em primeiro lugar, pela estrutura das próprias fontes,
circunstância que resultou no seguinte:
1. Apresentação pormenorizada do conteúdo de cada um dos códices em análise.
2. Análise dos dados por ordem cronológica, integrados em ciclos:
a) Visitações 1515-1519 – ordenadas na sequência do capítulo geral da Ordem de 1515.
b) Visitações de 1538 – ordenadas na sequência do capítulo geral da Ordem de 1538.
3. Análise comparativa das comendas alvo de inspecção nos dois ciclos: Cano, Seda, Figueira e
Galveias.
4. Finalmente, em posse de toda esta informação foi possível elaborar um extenso balanço sobre
a evolução desta Ordem em diferentes níveis de actuação, dando-se conta da sua real tradução
quando a sua história encontra cronologias de Quinhentos. Aí, nas páginas finais desta
dissertação, os dados até então parciais de cada ciclo e comenda, adquirem um novo significado
fruto da sua apresentação conjunta em que sobressai uma comparação em termos evolutivos. As
conclusões encerram este caminho, abrindo portas a outros investigadores.
Em volume separado, inserem-se os anexos a este trabalho, constituídos pelos seguintes núcleos
documentais:
1. Excerto actualizado do "Tombo de certos bens entregues em Avis por Gonçalo Esteves,
provedor dos bens do Mestre [Martim do Avelar], a Estêvão Domingues que fez de mordomo"
(IAN/TT., Ordem de Avis, nº 595, fl. 6v-7v).
2. Levantamento parcial da população da vila de Avis em 1538 (IAN/TT., Livros do Convento da
Ordem de Avis, nº14, fl. 1-47).
3. Transcrição integral do "Tombo das comendas e igrejas em Elvas, Juromenha e Alandroal,
1515", (IAN/TT., Livros do Convento da Ordem de Avis, nº13).
4. Transcrição integral da "Visitação das Igrejas e tombo das propriedades, foros, direitos e
medições que a Ordem tem em Figueira, Cano, Seda, Galveias e Mora, 1519", (IAN/TT., Livros
do Convento da Ordem de Avis, nº15).
5. Transcrição integral da "Visitação das Igrejas e Comendas de Avis, Cabeço de Vide, Galveias,
Seda, Figueira, Cano, Sousel e Fronteira, 1538", (IAN/TT., Livros do Convento da Ordem de
Avis, nº14).

• O processo de fundação da Ordem Militar de S. Bento de Avis


(séculos XII-XIII)
As instituições surgem, organizam-se e são regulamentadas para darem respostas adequadas a
exigências a problemáticas e a situações concretas presentes nos tecidos sociais que as
originaram.
Mas as sociedades são, por natureza, fluidas e sujeitas a uma evolução permanente.
Complexificam-se à medida que se organizam e vão revendo permanentemente os pressupostos
em que estão assentes. Exigem constantemente novas respostas a novas problemáticas dimanadas
de sucessivas conjunturas em diferentes contextos.
Geradas em determinados segmentos temporais para responderem aos problemas e questões de
sociedades específicas, em conjunturas particulares, as instituições que sobrevivem mais tempo
são precisamente aquelas cuja natureza incorpora a resposta a necessidades duradouras e a
plasticidade necessária para evoluírem em consonância com as sociedades que as originaram.
Ao logo deste processo, a hierarquia dos valores fundacionais, o escalonamento dos objectivos e
as características da organização interna sofrem mutações compreensíveis e inevitáveis, tal como
se constata nas ordens militares ao longo da sua história multissecular.
Mas estas mesmas ordens militares, como observa AYALA MARTÍNEZ, são "instituciones que,
en um marco temporal muy amplio, son capaces de sintetizar no pocas de las líneas
argumentales que explicam la compleja realidad medieval". Ou, como reconhece MOLERO
GARCIA, "Las Ordenes militares son posiblemente las instituciones más representativas de la
época feudal, ya que supieron combinar el ideal caballeresco y guerrero con el espíritu religioso
militante propio del plano medievo".
E, como se constata frequentemente, concentraram em si a simbologia de valores e gestos
próprios de uma época evocadora que, a despeito de todas as mudanças e rupturas, impregnaram
o imaginário da Europa Moderna chegando até nós com persistente vivacidade.
Nesta primeira parte revisitaremos a conjuntura político-militar em que surgiu a comunidade
castrense dos freires de Évora e tentaremos abrir algumas janelas sobre as circunstâncias
envolventes que formataram os primeiros anos da sua evolução.
No caso específico desta milícia, tentaremos distanciar-nos da habitual dicotomia entre os
nascimentos que se pretendem filiar exclusivamente num programa universal pontifício, ou
limitar a instrumentos que as monarquias manejavam no âmbito de programas nacionais.
Procuraremos, por exemplo, compreender que condicionalismos foram determinando a
implantação territorial da ordem de Avis, num posicionamento geográfico que, decorrendo
embora de uma conjuntura específica, não será estranho à definição da sua vocação ulterior.
Na segunda parte continuaremos a seguir o quadro político em que se inscreveu a evolução da
milícia. Mas tentaremos reflectir sobre os efectivos, armamento e poder militar da Ordem de
Avis. Não obstante a importância fulcral da questão trata-se de uma problemática pouco estudada
que as, embora limitadas, informações contidas no "Tombo parcial de bens da Ordem de 1364"
permitirão relançar.
Revisitaremos ainda a evolução do seu relacionamento com o poder real e os conflitos com as
dioceses e os concelhos até ao primeiro quartel do séc. XVI, e tentaremos caracterizar a
conjuntura em que D. Fernão Rodrigues de Sequeira organizou a Mesa Mestral da Ordem de
Avis.
Finalmente, abordaremos o projecto do rei de boa memória de controlo das ordens militares
portuguesas e tentaremos inventariar alguns dos seus desvios no "tempo dos infantes". Iremos
passar em revista o conturbado governo do Condestável D. Pedro, filho do Regente, e a evolução
subsequente da Ordem militar de S. Bento de Avis, que conduzirá à conjuntura em que se
inscreveu o mestrado de D. Jorge, período a que respeitam as fontes em que se baseia este
trabalho.
É certo que Avis constitui apenas uma, e talvez não a mais relevante das milícias que, a seu
modo, e com vocações que se foram diferenciando em termos de missão e implantação no
quadro de um sistema ofensivo (e necessariamente defensivo) protagonizaram a definição e
organização do Portugal medieval. Mas o seu estudo, articulado, sempre que possível, com o das
outras ordens militares, ajuda a compreender algumas das linhas de força que foram estruturando
a realidade portuguesa desta época medieva.
Em 1989 CUNHA constatava no seu estudo pioneiro que: "o conjunto documental de Avis até
finais do século XIV é passível de ser dividido em duas partes: efectivamente podemos
considerar a existência de um primeiro bloco, maioritariamente composto por bulas, doações e
outros documentos que nos indicam claramente que, até ao fim do primeiro quartel do século
XIV, a ordem de Avis vive uma fase de organização, a nível da estrutura interna e da
propriedade". No atinente ao segundo conjunto de diplomas esta autora considera que ele
testemunha a continuação de uma política de rentabilização e aumento do seu património, uma
vez que as fontes abundam em emprazamentos e disputas pela posse de prédios .
Em geral assim é, embora uma leitura analítica e contextualizada das fontes possa indiciar alguns
dos condicionalismos, razões e eventos de natureza global que determinaram "ab initio" o seu
tipo de organização, implantação e missões, e mais tarde, algumas das opções de natureza
económica.
Embora revista e ampliada por interpretações mais recentes a síntese efectuada por CUNHA ,
aliás na esteira de outros autores, admitia ser possível detectar dois grandes períodos distintos na
história medieval das ordens peninsulares.
Um primeiro tempo, abarcando os séculos XII e XIII, durante os quais estas milícias
permanentes, hierarquizadas, disciplinadas e especializadas prefiguram, passe o anacronismo, as
modernas "forças especiais" reforçando e completando os efectivos "convencionais" empenhados
na longa tarefa da Reconquista e definição do território dos reinos peninsulares.
E uma segunda fase da vida destas instituições, parcialmente coincidente com os processos de
centralização régia, durante a qual - uma vez atingida uma determinada massa crítica de poderio
económico, volume demográfico dos seus dependentes, preponderância militar em zonas
estratégicas e capacidade de mobilização rápida de efectivos - as ordens passariam a ser
encaradas pelos monarcas, não já apenas como um conjunto de forças ao seu exclusivo serviço,
mas também como ameaças potenciais susceptíveis de, num segundo momento, tenderem a
converter-se em contra-poderes.
Ao longo do supracitado primeiro tempo, tal como nas modernas "forças especiais"parte da sua
superior eficácia decorreria de uma preparação militar mais cuidada e continuada, da permanente
"disponibilidade operacional", e da submissão a um "código de conduta e disciplina" que, no seu
caso específico, era a o espírito de cruzada e a severa normativa de inspiração monástica.
Mas embora se sublinhe a justo título o peso e a importância do papel desempenhado pelos
cavaleiros de Évora, mais tarde designados por ordem de Avis, na chamada reconquista, o facto é
que subsistem importantes lacunas no conhecimento dos efectivos de que dispunham, do
armamento utilizado, de como se articulariam os diferentes contingentes dispersos pelo território,
qual o nível de prontidão dos seus combatentes, como funcionava a respectiva rede logística,
enfim todo aquele somatório de conhecimentos susceptíveis de caracterizar uma ordem militar,
pelo menos ao nível daquilo que se conhece sobre as milícias criadas, e operando, no território da
Terra Santa.
É certo que as fontes conhecidas susceptíveis de nos esclarecerem, mesmo pontual e
sectorialmente sobre estas questões, são escassas, muito parcelares e disseminadas, a dificultar
uma proposta de síntese de estado da questão. E os riscos de extrapolação a partir de elementos
tão fragmentários aconselham a uma avisada prudência.
Mesmo assim seria com dificuldade que admitiríamos revisitar aspectos gerais da evolução da
ordem de Avis omitindo esta problemática que, tratando-se precisamente de uma ordem militar,
surge como incontornável. Deliberadamente correremos o risco de abordar os dados disponíveis
sobre o armamento inventariado em três depósitos da ordem, referidos num tombo de bens
redigido por ocasião da morte do Mestre D. Frei Martim do Avelar, a partir de 1364, para aflorar
estas questões.
Mas a própria comparação do papel desempenhado pela milícia de Avis com aquele que incumbe
a um moderno corpo de tropas de intervenção é, certamente uma analogia grosseira, e limitada a
uma fase inicial da sua existência durante o período da "Reconquista".
Na ausência de um estado centralizado, financeiramente responsável pela manutenção e
equipamento das ordens militares, os monarcas peninsulares optaram por lhes confiar as
propriedades fundiárias, rendimentos, privilégios, isenções e direitos julgados adequados ao
financiamento da prossecução das missões que lhes iam sendo confiadas.
Muitos investigadores têm encarado as doações régias ás ordens militares numa perspectiva
quase exclusiva de recompensa por serviços prestados, e nalguns, ou mesmo muitos casos, assim
teria sucedido.
Mas importa não perder de vista que durante a referida primeira fase de implantação, e sempre
que surgiam missões novas, em novos territórios, essas doações funcionariam ex-ante como uma
espécie de dotação susceptível de assegurar a autarcia dessas forças militares permanentes e
convenientemente equipadas, que se esperava fossem capazes de assegurar a sua auto-suficiência
vivendo no e do terreno. E que, num segundo momento, fossem capazes de participar no
reordenamento do território e no povoamento, com todas as implicações daí decorrentes.
Naturalmente que a sucessiva acumulação de bens em instituições que os não dispersavam em
cada geração, ao sabor de heranças, e as melhorias introduzidas no seu aproveitamento e
administração, viabilizadas pelo aperfeiçoamento da organização interna e pelo gradual
abrandamento das exigências exclusivamente militares, converteram gradualmente as ordens
militares em autênticos "potentados". Primeiro regionais, e depois nacionais. E os seus mestres
em peças importantes do "xadrez militar" e da diplomacia e política.
Esta preponderância tornaria o cargo de mestre de uma ordem militar particularmente apetecível,
e alvo natural das "estratégias familiares" da "alta nobreza" que, por essa via, aumentaria
influência e poder real.
Mas, ao invés do que aconteceu com outras milícias, noutros reinos peninsulares, a alta nobreza
não se incorporou na Ordem de Avis de modo sistemático, constatando-se que, desde muito cedo
(meados do século XIV) os seus mestres pertenceram, ou estiveram proximamente federados, à
Casa Real, embora na segunda fase protagonizando algumas das fracturas internas da mesma.
Aliás, na antedita segunda fase da vida destas instituições, a neutralização daquilo que teria sido
encarado pelos monarcas como uma ameaça potencial foi resolvida pelos soberanos portugueses
em dois tempos distintos. Num primeiro, confiando os mestrados aos filhos, ou parentes
próximos dos soberanos. Num segundo, ligando os mestrados à Coroa que passava, não apenas a
controlar as ordens militares, mas também a utilizar directamente os seus recursos, de acordo
com uma lógica e objectivos que foram divergindo daqueles que tinham presidido e determinado
a sua criação numa conjuntura político-militar já bem distante.
A milícia dos freires de Évora nas suas diversas etapas seguiu, como teremos ensejo de ver,
quase exemplarmente este programa régio. Muito embora nos pareça que só pontualmente, e no
quadro alargado de conjunturas específicas, possa ter sido considerada uma ameaça para os
desígnios régios, nunca chegou a perfilar-se como um declarado risco de contra-poder.
Subsistem no entanto zonas obscuras e dificuldades específicas, decorrentes da composição do
seu Arquivo que nos impedem de quantificar, caracterizar, definir e interpretar satisfatoriamente
amplos segmentos do seu percurso. Feita esta abordagem inicial, vejamos, em pormenor a
evolução da referida Ordem Militar.

• A conjuntura político-militar geradora da criação da milícia dos cavaleiros de Évora.


É conhecida a conjuntura em que virá a ser criada a milícia dos cavaleiros, ou freires de Évora. A
progressão de Norte para Sul da expansão do território asturiano permaneceu centrada na cidade
de Coimbra, sede episcopal e, desde 878 sede do Condado de Coimbra, o mais setentrional
território então ocupado pelas forças cristãs na faixa ocidental da Península.
Este território, que esteve sob controlo das forças muçulmanas entre 715-716 e 878, regressou à
posse das forças cristãs com a presúria de Hermenegildo Guterres (878) e manteve-se na alçada
da monarquia asturiana durante mais de uma década até ás investidas de al- Mansur, em 986-987,
que inauguraram uma segunda fase do domínio muçulmano no centro de Portugal.
Como se sabe, esta segunda fase prolongou-se até à reconquista definitiva de Coimbra em 1064.
É certo que, quase um século mais tarde, Tavira e Silves, em 1156, e Mértola, no ano imediato,
viriam a ser submetidas pelas forças almóadas das segundas taifas, originadas pela revolta
conduzida por Ibn Quasi, mas importa não perder de vista que a eficácia militar muçulmana só
atingirá um patamar verdadeiramente inquietante a partir de 1163 com a chegada de reforços
marroquinos mobilizados pelo califa Abu Yaqub Yusuf, al-Sahid (1163-1184). E, mesmo assim,
esses novos contingentes enfrentaram um período inicial caracterizado por uma série de
insucessos face aos exércitos cristãos.
Com efeito D. Afonso Henriques, logo após os sucessos militares obtidos no final da década de
quarenta (conquista de Lisboa em 1147), terá aproveitado um período de acalmia para
reorganizar os novos territórios sob sua jurisdição. Entre a tomada de Lisboa e a conquista de
Alcácer do Sal, em 1158 o monarca assinou dez cartas de couto e onze cartas de foral (ou
confirmações).
O concurso dos cavaleiros do Templo, tanto na vertente militar como no subsequente
ordenamento do território, passou a ser mais efectivo a partir do momento em que se conseguiu
apaziguar o litígio que, sobre os direitos eclesiásticos de Santarém, opunha o bispo de Lisboa aos
templários. Tornou-se pacífica a expansão da influência templária que alastrou da região inicial
de Soure para a área circunvizinha do Castelo de Ceras.
Mas a fronteira, na sua permanente mobilidade tinha-se afastado cada vez mais destas paragens.
Se primeiro se tinha fixado um pouco ao Sul de Soure, depois avançou para a zona de Leiria, e
finalmente com a conquista de Santarém e de Lisboa atingiu o vale do Tejo.
Neste contexto, rapidamente se torna imperativo falar da origem daquela que viria a ser a Ordem
militar de Avis. Com efeito, há já cerca de meio século AZEVEDO formulou uma hipótese que,
em termos genéricos, continua a recolher um relativo sufrágio geral. Segundo este autor, que
analisou a evolução política e militar do reino nesse segmento temporal, em 1169 esta freiria não
se encontrava ainda constituída e o primeiro monarca português contava apenas com o apoio
militar dos templários. Quatro anos decorridos, quando o rei procedeu à distribuição dos
territórios conquistados nas campanhas precedentes, designadamente em 1172 e 1173, se a
milícia de Évora se encontrasse constituída seria lógico que a tivesse contemplado, procurando
dotá-la com uma base patrimonial adequada a sua manutenção.
Argumento lógico mas não totalmente determinante, que pode ser parcialmente fragilizado se
admitirmos, como hipótese, a possibilidade de terem existido outras doações, ou outro tipo de
"subvenções", que não chegaram até nós.
AZEVEDO considera que terá sido durante o período intercalar de tréguas firmadas com o já
anteriormente referido califa Ysuf I que o monarca português terá tido ensejo de impulsionar a
fundação e implantação da comunidade de "milites" regrantes de Évora.
Objectivando este entendimento a primitiva ordem militar de Évora terá sido criada por D.
Afonso Henriques entre (Março de) 1175 e (Março de) 1176 para dotar a cidade com uma
instituição do tipo religioso-militar, a exemplo daquilo que se fizera, anos antes, para os reinos
de Leão e Castela nas praças-fortes de Calatrava e Uclés . Ou, de acordo com MATTOSO,
inspirando-se na criação, em 1173, da ordem de S. Julián del Pereiro, na vizinha Cáceres, cuja
fundação se inscrevia na mesma conjuntura .
E, acrescentaremos, talvez inscrita no mesmo contexto histórico e na mesma ordem de razões e
objectivos que teriam determinado Afonso II de Aragão a entregar, precisamente em 1174 , à
abadia de Santa Maria de la Gran Selva e ao seu prior em Ejea, Raimundo de Tharz, o castelo de
Alcalá, referindo na respectiva " acta fundacional da nova ordem ", que o fazia …ad honorem
Dei et ad bonum christianitatis et destruccionem sarracenorum et ad servicium fidelitatem mean
meorumque succesorum per secula cuncta ámen.
Observa a este respeito AYALA MARTINEZ " La fórmula empleada por el monarca, aunque
indirectamente nos remite a la donación de Calatrava al monasterio de Fitero que el rey
castellano Sancho III realizara 14 años antes, resulta en el caso aragonés mucho más contundente
y precisa descubriéndonos de manera patente sus intenciones". Intenções das quais ressaltam os
interesses político-militares do monarca aragonês, mas igualmente uma vontade de a vincular
directamente à sua dinastia
Confrontada com a inexistência de uma "acta fundacional" respeitante à milícia de Évora, a certo
passo do desenvolvimento da sua proposta CUNHA, interrogava-se " parece-nos pertinente
perguntar qual seria o principal objectivo do monarca ao criar a milícia de Évora. Ou seja, D.
Afonso Henriques estava interessado em promover um grupo militar organizado, fiel ao seu
serviço e que de algum modo " tapasse a brecha deixada por Geraldo Sem Pavor", como sugeriu
R. Pinto de Azevedo? Ou, por outro lado, não seria possível que o rei pretendesse fomentar a
implantação de monges cistercienses em território conquistado ? ".
Salvo melhor doutrina as duas hipóteses formuladas por CUNHA completam-se de tal modo que
se torna difícil não ver nelas dois tempos de um mesmo desígnio estratégico.

1.2. A situação peculiar da praça de Évora no contexto da " guerra de fronteira" na época
da criação da milícia.
De facto, em 1175-1176 a praça de Évora constituía o bastião mais avançado na progressão
Norte/Sul da chamada reconquista cristã na Península . Considerando a sazonalidade do tipo
operações militares que se desenrolavam no território português durante o período em apreço,
tendo presente as características dos efectivos envolvidos, as limitações da logística, as
dificuldades dos itinerários de penetração, e o carácter aleatório e a morosidade das
comunicações, somos confrontados com movimentos de fluxo e refluxo em que a manutenção
das zonas de influência na "frente de batalha" assume uma importância tanto ou mais relevante
quanto a conquista territorial em si mesma.
Situamo-nos claramente num contexto duma guerra de fronteiras em que por vezes se utilizam
acidentes geográficos para marcar, em certos momentos da história do conflito entre a
Cristandade e o Islão, a linha divisória entre contendores. E assim nos referimos geralmente no
que respeita ao território português, num período até ao século XII, aos três momentos do avanço
territorial : a conquista da "linha do Douro" até ao século IX ; a conquista da "linha do
Mondego" no século XI; e, finalmente, a conquista da "linha do Tejo", no século XII.
Mas, como bem sublinhou BARBOSA quando se fala deste tipo de "guerra de fronteira",
existem dois aspectos que importa definir: o da fronteira e o de guerra de fronteira no momento
da chamada "reconquista".
Habituados a essa abstracção convencionada pelos Estados, e apenas real ao nível da cartografia,
que são as fronteiras, bem ou mal delimitadas, e mais ou menos estáveis, da maior parte dos
Estados da Europa moderna, temos uma compreensível dificuldade em conceber essa realidade
como uma região de contornos fluidos e intermutáveis, com variações de maior ou menor
profundidade consoante a mobilidade das conjunturas e a distância entre as praças inimigas.
Praças essas que, como sucedia em Évora, marcavam o início do território controlado e
organizado pelas formações em confronto .
É o conceito de "fronteira móvel", de importância vital para toda a compreensão do diálogo (quer
diplomático quer militar) entre as unidades político-militares em conflito. Estamos em presença
de espaços amplos, ora em expansão, ora em retracção, de acordo com os equilíbrios, e
desequilíbrios, prevalentes nas sucessivas conjunturas.
Expansão, se à necessidade de espaço vital correspondiam as necessárias capacidades de
ofensiva bélica e o vigor de uma comunidade dotada com as reservas demográficas para gerar
grupos de colonos-soldados cuja missão seria ocupar espaços vazios e, se possível expandir-se e
alastrar para lá desses confins .
Defesa, se existia uma consciência de ameaça de agressão exterior ou respeito (militar) pela
potência vizinha. Momentos em que, num aparente paradoxo, ambos estes tipos de
características se entre misturavam.
Daqui decorria que as zonas de separação entre "Estados" não eram constituídas por linhas
estáveis e de "paragem duradoura", mas sim de momentos de paragem temporária à falta de
condições para uma maior penetração em território hostil.
Eram, igualmente, regiões onde, devido à indefinição instalada, os dois poderes interferiam, com
todas as implicações daí decorrentes.
Uma das formas principais que caracterizaram o desenrolar da guerra entre a Cristandade e o
Islão no espaço ibérico foi a permanente hostilidade fronteiriça através de fossados, algaras e
presúrias.
Estes três tipos de conflito sazonal e localizado eram naturalmente mais frequentes do que as
grandes ofensivas que se podem englobar dentro da designação geral de "hoste". Sendo que este
último conceito, na sua complexa realidade de convocação de efectivos e organização de toda a
logística subjacente, não se encontrava geralmente ao alcance de iniciativas individuais ou
grupais desgarradas até porque, bem pelo contrário, pressupunha uma direcção centralizadora.
E não parece temerário admitir-se que, atenta a rarefacção e dispersão de efectivos militares, ou
mesmo de combatentes ocasionais, a concentração de uma hoste pudesse implicar que se
desguarnecessem ou fragilizassem áreas mais ou menos vastas.
Na documentação coeva a grande maioria das praças fortes sobre as quais repousava a teia de
"diálogos" a que temos vindo a reportar-nos surge designada como castrum ou castellum , que, a
aceitar a interpretação de GARCIA de VALDEAVELLANO, corresponderiam a duas
designações de uma mesma realidade, salvaguardadas as dimensões e características que os
diferenciariam entre si.
Fortificações militares por excelência, onde de modo mais frustre ou consolidado seriam
empregues as técnicas de construção defensiva e se concentrariam os "profissionais da guerra".
Considera BARBOSA que estes castelos podiam ser encontrados isolados na paisagem ou
associados a fortificações de defesa das populações. Assim seria, embora tenhamos algumas
dificuldades em conceber fortificações isoladamente implantadas nestas áreas de "fronteira
móvel" completamente desligados de qualquer tipo de população e apenas ocupados por
guarnições "profissionais" cuja subsistência teria de ser assegurada por qualquer tipo de estrutura
que não refere, e da qual não encontramos menção que não pressuponha a sua articulação com
castros mais ou menos adjacentes.
Aos castelos estaria cometida a função de defesa de pontos estratégicos vitais e de organização
do espaço militar numa escala intermédia entre o território e a área dependente dos castros.
O mesmo autor faz corresponder os "castros" a sistemas defensivos que envolviam povoações e
se caracterizavam por sistemas defensivos menos complexos. Considera inclusivamente que
alguns destes últimos poderiam corresponder a uma utilização temporária em período de ataque
inimigo, mantendo apenas uma guarnição de segurança nos períodos de acalmia.
Outro problema, que se prende com o papel desempenhado pelos castelos e "praças fortes" como
eixos de organização e apoio da rede viária, foi estudado por ANDRÉ BAZZANA, que adverte
todavia " Il convient donc de se méfier de la tendence trop génerale qui consiste à lier la route et
le chateau. On sait bien, et Gabriel Founier le rapelle avec insistence, "que la route médiévale
návait pas un tracé fixe, elle évoluait selon le relief et selon les conditions locales du
peuplement".
Mas precisamente, tendo presente a morfologia do território que circundava Évora, e a
rarefacção do povoamento a partir desse "enclave", é difícil de afastar a convicção de que a praça
funcionaria como um eixo nevrálgico de organização da rede de "estradas" e caminhos de
penetração. Daí decorrendo que uma das funções da "guarnição" da milícia consistisse na
manutenção da fluidez e segurança do respectivo tráfego, indispensável tanto ao povoamento
como à logística militar.
É certo que iremos encontrar alguns cavaleiros da milícia de Évora, ao longo da sua primeira
fase, vinculados exclusivamente à reconstrução e guarnição de castelos, sendo que o povoamento
do respectivo termo, ou alfoz, permaneceria uma atribuição e responsabilidade régia, por razões
a que regressaremos oportunamente. Isto, sem prejuízo da convicção de BARROCA de acordo
com a qual "ao longo dos séculos XI e XII, a conquista do castelo era sinónimo da conquista de
um território". Voltamos a sublinhá-lo: teremos ensejo de constatar que, naquilo que
consideramos uma especificidade funcionalmente característica, castelos recém-conquistados
serão entregues à milícia de Évora (ou já de Avis) sem que, ao menos num primeiro tempo, a
essa responsabilidade corresponda a de organizar o território e a comunidade.
Não sendo esta a ocasião para retomar o velho debate historiográfico sobre a natureza e alcance
do feudalismo peninsular, nem tão pouco para nos determos sobre as peculiaridades que este
sistema assumiu em cada um dos reinos hispânicos, abordamo-lo aqui no seu sentido mais lato:
na acepção político-institucional entendendo-o como o resultado de uma cadeia de vínculos de
natureza pessoal entre os vários grupos dirigentes da sociedade. No que respeita às relações
socio-económicas, como aquilo que usualmente se designa como regime senhorial, através das
relações que se estabeleciam entre senhores, no nosso caso as Ordens militares e o campesinato
dependente, e que, no caso dos freires de Évora, parece ter sido um processo subsequente a uma
primeira fase de implantação castrense.
Neste período os castelos detidos pelos freires, pela sua própria dimensão, estrutura e
características não seriam talvez ainda "o símbolo do grupo social dominante" , embora os seus
muros, mesmo rudimentares, oferecessem protecção e segurança e tivessem uma "função
propagandística" da garantia do serviço militar prestado pela milícia.
Este sistema defensivo genérico completava-se com torres e atalaias, sendo que, no caso das
primeiras, estas acabariam por vezes por constituir o núcleo, ou ser integradas em fortificações
mais complexas.
Existiriam obviamente outras formas menos importantes de defesa estática, mais difíceis de
despistar nas fontes, mas que a mais elementar lógica obriga a admitir. Referimo-nos aos
aglomerados de habitações camponesas dispondo certamente de primitivos e/ou sumários
sistemas de defesa que, na maioria dos casos se resumiriam a muros de pedra, adobe ou madeira
cercando o aglomerado habitacional, e tendo adjacentes, ou integrados, recintos de protecção de
gados, reservas e alfaias.
Chegamos a este ponto de um sumaríssimo aflorar do início do enquadramento da "guerra de
fronteiras" com um propósito: o de fornecer alguns tópicos sobre a "sociedade militarizada"que a
protagonizou e no seio da qual se geraram, num momento específico, e respondendo a
problemáticas concretas, os freires regrantes de Évora.
Dentro dos autores que, com perspectivas nem sempre coincidentes, se detiveram sobre esta
problemática, procuraremos seguir aqueles que, em nosso entender, melhor ajudam a
compreender esta questão numa abordagem tão clara e sintética quanto possível, numa tentativa
de ir um pouco mais além do que as clássicas controvérsias sobre o "acto do príncipe", a
obrigatória tramitação "burocrática" a que obedeceria, no contexto preciso a criação de uma
milícia militar, e as divergências e conflitualidades inevitáveis entre o programa universal da
Santa Sé e os reis que se viam confrontados com um outro programa, esse de "universalidade
circunscrita", e que consistia na individualização soberana de um território e no lento, complexo
e multifacetado processo de refundir uma sociedade, de estruturar um Estado e de impor uma
autoridade central.
Questões que, por si só, justificariam um trabalho aprofundado, transbordando muito para lá do
objecto desta dissertação. Mas que, no entanto, nos acanhados limites deste enquadramento
genérico nos sentimos obrigados a tocar ao de leve, quanto mais não seja para podermos ter uma
noção aproximativa das circunstâncias em que nasceram os cavaleiros de Évora e das sucessivas
adaptações e reorientações do seu programa que foram ocorrendo até ao período que antecede
imediatamente a sua absorção pela Coroa portuguesa.
Já FERNANDES tendo presente a necessidade de caracterizar os protagonistas directos da
"guerra de fronteiras", os milites (referidos, desde o foral dado por Afonso I a Santarém em 1095,
e presentes nos diplomas semelhantes concedidos aos escassos centros urbanos do Baixo Vale do
Tejo) salienta que o facto de serem designados como cavaleiros não ilude o seu estatuto de
dependência que, a justo título, considera de resto adequado à sua função militar.
A sua existência justifica-se pelo serviço prestado ao senhor da terra no âmbito da sua vocação
específica e, para que o exercício dessa função seja possível são-lhe atribuídas herdades, fonte de
subsistência e consumação do povoamento do termo. Especialmente relevante parece a
associação entre o "serviço militar" e a cessão dos direitos sobre uma herdade e os
correspondentes laços de dependência que acabam por remeter para um contexto feudo-vassálico
entendido como um sistema de relações homem a homem que se prolongam num complexo de
direitos sobre a terra.
Quase nos atreveríamos a aventar a hipótese de que, no caso quanto a nós específico dos freires
regrantes de Évora o rei vai reproduzir o "modelo", alternando-o com o intuito e a vantagem de
eliminar as indesejáveis intermediações. E detectaríamos, logo no dealbar da milícia, um vínculo
especial e particular entre o monarca e estes cavaleiros que, apesar de tudo, permanecem Milites
Christi.
Subsistia igualmente a questão das "cavalarias" atribuídas como préstamo àqueles que se
considerava serem susceptíveis de prestar serviço militar a cavalo e que, como observou
MATTOSO, tanta perplexidade causaram nos historiadores das instituições .
Passemos agora a contrastar esta referência aos cavaleiros mencionados num acervo foraleiro
precoce, característico da orla regional a partir da qual se aprofundará e virá a desenvolver o
conflito militar até ao último quartel do século XII, período que assistirá ao nascimento da
milícia eborense, e o figurino jurídico que enquadrará os milites nos forais progressivamente
atribuídos ás terras entre o Tejo e o Odiana.
Ora nesta zona de "nova fronteira" já não nos encontramos perante indivíduos privilegiados,
ocupando de forma indiscutível o topo da pirâmide social urbana, e admite-se, embora careça
confirmação, que essas novas elites urbanas não lhes tivessem ainda consagrado um papel
nuclear no seio dum, ainda proteico, sistema social urbano. O que seria válido tanto para a
segunda metade do século XII como ainda na primeira metade do século XIII . A militarização
do sistema social estaria ainda incompleta, situação melindrosa uma vez que se reportava à zona
nevrálgica dos conflitos da "guerra das fronteiras".
Esta constatação surge como paradigmática no tocante a Évora. E isto porque o respectivo foral
foi particularmente precoce no contexto dos outros núcleos urbanos implantados entre o Tejo e o
Odiana, uma vez que as ofensivas de Yusuf I e, sobretudo as de al Mansur permitiram aos
almóadas recuperar quase todos os castelos e cidades perdidos durante o tempo privilegiado da
actuação dos cavaleiros de Santarém e de Geraldo Sem Pavor, e desarticular a, ainda incipiente,
rede de povoamentos em fase de implantação.
A precocidade da intervenção régia na concessão do foral de Évora poderá explicar-se pela
complexa conjuntura militar que se vivia nessa cidade e que passaremos a aflorar, não sem antes
havermos assinalado a intensa desertificação da urbe e respectivo termo.
É que toda a situação envolvente torna relevante a observação dos seus milites
compreensivelmente erigidos em elemento nuclear no sistema social da fronteira.
Recuando um pouco, para enquadrar, relembremos a síntese de CONDE "…as regiões
fronteiriças de al Andalus, na época omíada tinham conhecido dispositivos e formas
organizadoras adequados a um esforço consistente e contínuo no sentido da "guerra santa".
Pelo contrário, os membros da dinastia califal não teriam obtido sequer um controlo político
duradouro sobre os poderes assentes na periferia, que eram refractários à colaboração com o
poder central e não tinham escrúpulos em concertar alianças com os monarcas cristãos seus
vizinhos.
Só com o hâjib Al-Mansur, que desencadearia 56 fulminantes expedições num quarto de século
(977-1022), é que encontramos uma concepção de jihâd dinâmica e expansiva (…) rompendo
com o tradicional desempenho omíada e com a própria concepção de guerra que este supunha:
enquanto as actividades bélicas conduzidas pelos omíadas pretendiam pressionar os reinos do
Norte para manter o status quo, a poderosa e cara máquina de guerra criada por Al-Mansur
tinha em vista o aniquilamento dos poderes cristãos.
A morte do hâjib interromperia, porém, essa terrível dinâmica e a ftna. As fronteiras das taifas
não eram, visivelmente, espaços de jihâd. A faceta ofensiva da "guerra santa" só viria a ser
retomada a partir de finais do século XI, sob o novo e radical impulso de ideologias de origem
africana, já que os almorávidas, e depois os almóadas, mobilizariam numerosos voluntários
para a guerra com os reinos cristãos".
Em meados do século XII alterara-se a estruturação das duas sociedades, hispano-muçulmana e
leonesa. Emergira uma maior atenção ao espaço – tanto próprio, como ocupado pelo Outro – aos
meios humanos e materiais e à concepção e desenvolvimento de estratégias, tanto militares como
de povoamento, visando o seu domínio.
De ambos os lados, progressivamente, estruturavam-se sociedades organizadas para a guerra.
No campo cristão essa militarização viria a exigir a profissionalização dos guerreiros que,
libertando-se das funções produtivas, deveriam garantir eficazmente a protecção do território e
das suas gentes.
Este processo inscreveu-se no quadro da "renovação feudal" a que corresponderia uma nova
nobreza. Mas, embora comprovadamente eficaz, no tocante às guerras desenvolvidas em
determinados teatros e conjunturas, esse estamento não correspondia integralmente ás questões e
necessidades das áreas fronteiriças, designadamente com o desenvolvimento a expansão
tanstagana, decorrendo parcialmente daí a necessidade da estruturação em concelhos de
comunidades autónomas, ou semi-autónomas.
Essa instituição concelhia foi também adoptada, e rápida, ou mesmo apressadamente, como
veremos, formalizada na reestruturação pós-reconquista da região eborense.
A participação das milícias concelhias na guerra (ofensiva e defensiva) foi da maior importância
durante os séculos XI e XII, mas veio a revelar-se ineficaz, como teremos ensejo de voltar a
referir no quadro específico da região eborense, perante a envergadura e amplidão das violentas
incursões almóadas. De certo modo poderia considerar-se que a milícia de Évora veio
complementar, se não mesmo substituir com vantagem, uma parte das atribuições que
anteriormente cabiam ás milícias concelhias, libertando-as para áreas de actuação mais adequada
aos seus condicionalismos.
Face à generalização e amplificação dos conflitos e à radicalização dos antagonismos, a ameaça
de incursões cíclicas foi crescendo a dificuldade em angariar o sustento de combatentes e não
combatentes através de uma regular exploração agrícola.
E foi neste quadro que se procedeu à "importação" do modelo das comunidades de monges-
guerreiros a cujas capacidades organizativas e capacidade operacional, já amplamente testadas
noutros teatros operacionais, se aliava a um teor de motivações que reforçava a sua coesão e
determinação militar.

1.3. O papel crucial da praça de Badajoz


De acordo com as fontes portuguesas e castelhanas, bem como uma história dos Almóadas
relativa ao período de 1159 a 1184, escrita no fim do século XII por Abd al Malik ben Sahib
Asala, de que se serviu MATTOSO para reconstituir as campanhas que, de um modo geral sob o
comando de Geraldo Sem Pavor, tiveram lugar a Sul do Tejo entre 1165 e 1173, a conquista de
Évora pode integrar-se numa série de ofensivas iniciadas antes de 1 de Dezembro de 1162 com o
assalto a Beja efectuado com o apoio de efectivos reunidos pelos cavaleiros de Santarém.
Seguiram-se, em 1165 , as conquistas de Trujillo, Évora e Cáceres e, logo no ano seguinte,
Montánchez, Serpa e Juromenha.
Apesar do modo sincopado e sinuoso como se desenrolaram as operações, da progressão
geográfica parece ressaltar evidente a prossecução de um plano estratégico que, ainda de acordo
com MATTOSO, visaria " ocupar sucessivamente os pontos de apoio militar que rodeavam
Badajoz e asseguravam a sua defesa, para, finalmente, isolar esta cidade".
O ataque a Badajoz ameaçava directamente o poderio muçulmano uma vez que, desde o período
califal, esta praça constituía o centro nevrálgico do seu sistema militar nesta zona da fronteira. E
também os interesses de Fernando II de Leão que, em 1153, assinara em Shágun um acordo com
seu irmão Sancho III, reservando para si a zona do Alentejo e do Algarve. Esta tentativa de
partilha justificaria que o rei leonês tivesse auxiliado o emir de Badajoz a suster a ofensiva de
1169, conduzida por D. Afonso Henriques contra a sua cidade.
Mas para se ficar com uma noção mais precisa da importância militar de Badajoz convirá
recordar o que sublinha FERNANDES ao referir que "…a partir do momento em que os
portugueses controlam a margem direita do Tejo, está aberto o caminho para uma ofensiva em
direcção ao interior, que só é travada de uma forma sólida em Badajoz, quase vinte anos mais
tarde", e que a reconquista cristã nunca conseguiu estabilizar uma segura zona ocupada a Sul do
Tejo até ás ocupações de Cáceres e Badajoz, respectivamente em 1227 e 1229.
Ilustrando os fluxos e refluxos deste ciclo da reconquista cumpre destacar o exemplo
paradigmático de Beja. MATTOSO refere no mesmo passo que, segundo os "Anais de D.
Afonso", a conquista desta cidade teria ocorrido no último dia de Novembro de 1162 sob o
comando de Fernão Gonçalves, tendo como efectivos os homens do rei e alguns cavaleiros
vilãos.
A praça de Beja, juntamente com Évora, Moura, Serpa e Juromenha, onde, ainda segundo Ibn
Sahib, Geraldo Sem Pavor se instalaria a partir de 1166, integravam uma cintura defensiva que
protegia Badajoz a Oeste e Sudoeste.
Fracassada a tentativa de assalto a essa praça levada a efeito por D. Afonso Henriques em 1169,
o monarca português recuou para a zona de Coimbra enquanto Geraldo Sem Pavor se via
coagido a restituir as praças em seu poder, talvez com excepção de Juromenha.
Beja, que entretanto tinha sido evacuada pelas forças cristãs, não resistiu a uma nova incursão de
Geraldo Sem Pavor e foi pilhada, incendiada e arrasada pelas tropas do caudilho que a
abandonaram novamente no começo de Janeiro de 1173.
No Outono desse mesmo ano D. Afonso Henriques e o conde Nuno de Lara, tutor de Afonso
VIII, filho de Sancho III, negociaram a supracitada trégua de cinco anos com Abu Yaqub Yusuf I,
o segundo califa almóada de Marrocos, enquanto Geraldo Sem Pavor abandonava o campo
cristão passando, com as suas tropas, ao serviço do califa, em Sevilha até 1176, e depois em
Marrocos, donde não regressaria.
No Inverno de 1174 e durante a Primavera de 1175 Yusuf I mandou repovoar Beja e iniciar a
reconstrução das suas muralhas.
Parece aceitável depreender-se que existissem fundados receios de que a contra-ofensiva
muçulmana tivesse Évora como seu lógico objectivo imediato. E também considerar que as
recém-acordadas tréguas permitissem ao monarca português um fôlego de reorganização.
Daí que importa, igualmente, não descurar aspectos como os que estão na base da rapidez da
concessão do foral de Évora, uma vez que esta circunstância nos inclina a considerar que a
preocupação dominante não se centraria tanto na satisfação dos interesses de grupos previamente
instalados, como na tentativa de aliciar e criar condições para a fixação de um adequado núcleo
de povoadores, tentando, em simultâneo, convertê-los num corpo de fronteira militarmente
operacional. Ora este intuito, na conjuntura em apreço e com os meios disponíveis, estaria votada
a um sucesso muito relativo.
A este respeito sublinhou FERNANDES : "contrastando com outro tipo de forais, como o de
Salamanca, em que o carácter orgânico do diploma, enquanto emanação da capacidade das
cidades de fronteira de construir em torno de si um ordenamento jurídico próprio, ficam patente
desde logo na epígrafe her est carta quam fecerunt boni homines de Salamanca ad utilitatem
civitatis de maioribus et minoribusas repercussões no sistema social e nas modalidades de
organização do espaço".
Com efeito, logo no parágrafo de abertura do foral em apreço procede-se a uma como que
regulamentação táctica dos fossados " (…) duas partes dos caualeiros uadant in fossado et tercia
pars remanest in ciuitate et una uice faciant fossado in anno.Et qui non fuerit a ffossado pectet
pro foro V sólidos pro fossadeira . Procura acautelar-se uma cuidadosa disseminação dos
cavaleiros no território, assegurando a segurança do centro urbano, ao mesmo tempo que se
consagram instrumentos legais que tornam a permanente continuidade da actividade militar de
razzia e saque independentes da iniciativa e livre-alvedrio dos seus protagonistas, ao mesmo
tempo que se cria uma obrigação anual e o pagamento da fossadeira.
Tendo presente a economia peculiar deste núcleo isolado procura incentivar-se o ingresso
periódico do fluxo de bens e capital que alimentam a guerra de fronteira, quer através do quinto
do saque, quer através da já referida imposição remissória que é a fossadeira.
A presença do apelido é também assegurada mediante o recurso ás coimas e regulamentam-se,
com assinalável realismo prático, como abaixo veremos, as condições de solvência do quinto
régio .
Porquê a ênfase posta nos fossados? Estas actividades bélicas constituíam, juntamente com o
apelido, que também se regulamenta aqui, os principais tipos de incursões guerreiras das
comunidades raianas. E, nunca será demais enfatizá-lo, era deles que tanto uns como os outros
dos contendores em presença acabavam por retirar uma parte importante, se não mesmo a mais
importante, dos seus proventos.
As expedições predatórias efectuadas pelos cavaleiros (e não só) das fronteiras, a exemplo do
que sucedia com as expedições militares de maior envergadura, tinham características de
sazonalidade e só eram exequíveis em determinadas épocas do ano, como é fácil de compreender
por razões climatéricas, de transitabilidade e relação com o ciclo agrícola e as colheitas.
Sem entrar nas controvérsias remanescentes sobre estas questões, boa parte dos autores admite
que nos fossados participariam não apenas os cavaleiros mas também um número muito
significativo de peões. Estas expedições, lançadas a partir de acampamentos já situados em
território inimigo, e que serviam de base operacional temporária, funcionariam como centro de
armazenamento após a recolha dos saques.
Esta realidade parece ressaltar do texto do foral de Évora (1166) de que nos temos vindo a
socorrer na passagem em que o texto refere "(…) omnes milites qui fuerint in fossado uel in
guardia, omnes cavaleirosqui si perdiderint in algara uel in lide, primus erectis eos sine quinta
et postea detis nobisquintam directam".
Não parece arriscado, pelo menos no que respeita à cidade de Évora durante o período
imediatamente anterior ao surgimento dos seus freires regrantes, falar de um povo em armas.
Povo escasso e armas inadequadamente insuficientes para a manutenção do território.
Com uma, seguramente reduzida, mão-de-obra, disponível apenas em tempo parcial-sazonal,
arredada a hipótese da manutenção de redes de troca viáveis, os moradores do quase enclave de
Évora, comprimidos na lógica depredadora de uma "interminável" guerra de fronteira, não
dispunham, nem podiam dispor, das condições mínimas para ultrapassar o patamar da
sobrevivência, acumular excedentes economicamente comercializáveis e encarar hipóteses de
crescimento.
Isto sem levar em conta que os proventos advenientes dos saques periódicos tenderiam a
assumir uma cada vez menos atractiva relação custo-benefício.
Com alvos cada vez mais distantes, mesmo que a situação dos equilíbrios macro-regionais
variasse, permaneciam circundados por uma zona de terra de ninguém, caracteristicamente
desprovida de recursos, que não cessaria de se alargar, donde decorreria também que a logística
necessária ás expedições se tornaria cada vez mais problemática.
Com efeito a mobilidade e a rapidez eram essenciais, a recolha dos saques e o seu transporte
exigiriam o concurso de um considerável contingente de peões auxiliares. É certo que um dos
mais apetecíveis produtos das rapinas seria constituído por gado – parte do qual constituído por
equídeos indispensáveis à remonta – mas as forragens, cereais, leguminosas, produtos
manufacturados e, inclusivamente matérias-primas, exigiriam adequado acondicionamento e
"estiva" em carroças pesadas e lentas que obrigatoriamente transitariam em zonas sem rede
viária. Ou, no caso de saques mais aligeirados, a dorso de muares ou asininos.
Assim, a actuação ofensiva da cavalaria vilã e da peonagem combatente, mesmo quando bem
sucedida, acabava por se desdobrar na montagem de sistemas de segurança preventiva de contra-
ataques e na escolta e protecção do comboio das rapinas.
Este conjunto de problemas, sobejamente bem conhecidos, mas progressivamente agravados na
conjuntura a que nos reportamos, levou inclusivamente BARBOSA a admitir que os peões se
deslocariam, tanto quanto possível, no dorso de animais, fossem eles mulas, asnos ou cavalos
"sarreiros" e insuficientemente adestrados para o combate, ou inaptos para ele.
A guerra de fronteira exigia toda uma infra-estrutura considerável, e pesada, se tivermos em
atenção o quadro específico que se vivia na praça de Évora .
Importaria conhecer minimamente o armamento utilizado pelos diversos tipos de participantes
nas expedições ofensivas e na defesa do casco urbano e das pessoas e bens situados do termo da
cidade.
Admite-se geralmente que o armamento da peonagem seria, quantitativamente e
qualitativamente inferior ao que utilizariam os cavaleiros-vilãos e, por maioria de razões àquele
que equiparia as tropas regulares, especialmente os das mesnadas senhoriais e régias, nas
ocasiões certamente insuficientes em que estas se encontrariam presentes.
Convenhamos em que a arma mais habitualmente utilizada, e susceptível de produção local, seria
a lança, nas suas diversas tipologias. A neurobalística, representada pelo arco simples, estava
presente, mas não possuímos elementos sobre a importância da sua utilização. Ao contrário de
uma ideia generalizada, mas sobre a qual nos não deteremos aqui, o uso da espada ainda não
conhecia a utilização generalizada das centúrias seguintes, sendo que a escassa iconografia
utilizável sugere o emprego de armas ofensivas improvisadas e, inclusive, de certos tipos de
alfaias agrícolas adaptáveis a fins militares.
Lorigas e lorigões, capelos e capelinas rareavam, e as protecções defensivas privilegiavam os
escudos, muitos dos quais circulares, e elaborados em couro e/ou madeira .É incontestável que,
apenas com este tipo de combatentes, limitados a esta panóplia de armamentos, e sufocados pela
conjuntura envolvente a queda de Évora seria uma questão de tempo.
Nessa cidade de Évora asfixiada pelos almóadas o acesso à qualidade de miles, combatente não
inteiramente profissional, nem integralmente dedicado a uma vocação castrense, assentava, antes
do mais, numa diferenciação económica expressa no controlo de uma unidade produtiva e os
meios de produção que permitiriam a sua exploração, na maioria dos casos um jugo de bois de
arado, ou um burro (utilizado como meio de transporte), e os pequenos rebanhos - tudo a
evidenciar uma vocação económica que articulava a exploração do ager e do saltus.
FERNANDES considera que, neste terceiro quartel do século XII, não será ainda possível
atribuir uma preeminência demasiado evidente a um sistema de exploração e de rentabilização
do espaço de base ganadeira face a um outro que fosse predominantemente cerealífero.
E aquilo que virá a designar-se como "autonomia concelhia", crítica quando era imperioso
decidir rápido e bem, cingia-se a um fenómeno complexo assente na base tripla da débil
capacidade polarizadora dos "poderes do centro" nesta sociedade de fronteira claramente frouxa,
na constituição de agrupamentos de guerreiros voláteis e organizados de acordo com
ordenamentos jurídicos individualizadores, e na teia emaranhada de exercícios negociais entre as
instituições e instâncias presentes, ou acessíveis.
Nada, neste tipo de estruturas e práticas parece configurar um tipo de comunidade estavelmente
auto-suficiente e apto a garantir a permanência da "praça-forte" como cunha extrema cravada no
extremo setentrional do território cristão.
Maus anos agrícolas, podendo obrigar à organização de vulneráveis colunas de abastecimento,
vitais para a manutenção do enclave estratégico, não deixariam de adensar sobre a cidade um
clima de desalentada apreensão.
A colonização desenvolvida a partir do Médio Tejo revestiu, imediatamente após a ocupação
cristã do território, um carácter semi-espontâneo que se perdeu a partir de 1159, tornando-se
insustentável em 1174.
A importância estratégica da zona passou a ser avaliada pelo poder central, numa
necessariamente ampla perspectiva político-militar, que considerava a sua valia tanto na defesa
do espaço já adquirido, como na preparação de novas ofensivas em direcção ás planuras
meridionais.
Doravante além de se considerar a necessidade do aproveitamento das terras, pretendia-se aí
estabelecer uma população numerosa e organizada, dotada dos meios necessários para o
cumprimento da sua missão estratégica .
Tinha terminado uma fase de colonização protagonizado por presores particulares, mas as
tentativas de criação – e manutenção – de estruturas susceptíveis de garantir a definitiva
integração do território eborense no reino, e a organização dos espaços e das comunidades
capazes de servir esses propósitos tinham acabado de provar a sua insuficiência, evidenciando os
casos de sucesso protagonizados pela actividade pioneira da ordem do Templo no Médio Tejo, ao
institucionalizar as primeiras entidades concelhias viáveis. E que, por acréscimo, conciliavam o
municipalismo e o regime senhorial . Em Abrantes, outro baluarte decisivo, na manobra régia, tal
como em Évora, fora seguido o modelo de Ávila, concelhos plenos progressivamente
consagrando uma ligação directa à Coroa que se via obrigada a concentrar em si mesma uma
parcela cada vez mais importante das iniciativas inelutáveis.
Neste cenário talvez não seja totalmente anacrónico considerar que aquilo que CUNHA designa
por "tapar a brecha deixada por Geraldo Sem Pavor" (ao passar para o campo muçulmano) possa
corresponder ao objectivo táctico de estabelecer uma "testa de ponte" indispensável para a
estabilização de uma base operacional viável e a prossecução da reconquista.
Essa testa-de-ponte iria permitir que se implantasse uma guarnição e se acumulassem os
suprimentos indispensáveis à sua manutenção. Reunidos os meios que permitiriam fixar a
guarnição esta poderia cumprir duas missões complementares. Em primeiro lugar a de assegurar
tanto tempo quanto possível a manutenção da zona de influência, não apenas da praça-forte mas
também do seu termo e territórios adjacentes. Em segundo lugar a de utilizar esta "testa-de-
ponte" como base operacional de apoio para futuros movimentos ofensivos destinados a ampliar
e aprofundar a "frente de batalha" da reconquista, a progressão no terreno.
Dentro deste entendimento, ao movimento táctico seguir-se-ia um segundo movimento, este
estratégico: a consolidação da conquista através do repovoamento, evitando mais uma repetição
do caso de Beja.
Quer-nos parecer que estes dois tempos de uma estratégia podem corresponder ás interrogações
aparentemente alternativas formuladas por CUNHA, e que se encontram por nós já referidas
senão vejamos:
A criação e implantação de uma ordem religiosa-militar em Évora, nesse preciso momento da
reconquista cristã, permitiria ao monarca, em primeiro lugar, dispor de um contingente militar
permanente, coeso e disciplinado, cuja operacionalidade não dependeria da boa vontade dos
cavaleiros de Santarém, nem das disponibilidades sazonais das mesnadas senhoriais, nem
dispersaria os parcos efectivos da hoste régia, normalmente empenhadas em frentes diversas .
Recém criada, a milícia de Évora estaria ainda relativamente isenta do cunho supranacional
fortemente enraizado nas ordens militares já solidamente implantadas no reino, embora pelas
características que lhe adviriam da sua filiação próxima na normativa de Calatrava (esta última
filiada na regra e espírito da Ordem de Cister) fosse admissível que a recém-criada milícia se
enraizasse na fronteira daquele teatro de operações vivendo em autarcia progressiva, sem
depender integralmente das vulneráveis e problemáticas colunas de reabastecimento, nem dos
saques e razias em território inimigo, pouco com pagináveis com as necessidades de uma
pequena guarnição permanente .
Embora, como a sucessão dos acontecimentos posteriores deixará transparecer, não se pudesse
esperar que os freires juntassem desde logo à sua vocação militar uma especial aptidão para as
tarefas do repovoamento.
E afinal esta mesma solução tinha sido adoptada, cinco anos antes, por Fernando II de Leão ao
apoiar a fundação da ordem militar de Santiago da Espada, precisamente em Cáceres que, como
vimos acima, constituía uma importante posição estratégica associada a Badajoz.
E é provável que não existissem ainda dados testados, concretos e probatórios sobre a eficácia
da actuação dos espatários quando, em 1172, apenas dois anos sobre a sua criação, o primeiro rei
português permitiu, ou encorajou, a passagem da ordem de Santiago a Portugal, onde, como
aponta PIMENTA "se viria a constituir como uma das províncias que ramificaram da sede, já em
Uclés," integrando rapidamente o conjunto de forças a utilizar pela monarquia lusitana no seu
movimento de expansão territorial.
Perfila-se aqui uma questão abordada em estudos que incidiram sobre a fundação ou introdução
das milícias em Portugal, suscitada pela necessidade de esclarecer, no tocante à Ordem de Avis,
se esta teria obedecido a uma fundação nacional ou se, pelo contrário, se poderia considerar
apenas uma extensão da Ordem de Calatrava.
Menos estudada tem sido a conjuntura político-militar em que essa mesma fundação se veio a
inscrever. Conjuntura que, afinal, não deverá ser dissociada da primeira fase da evolução dessa
comunidade.

1.4. As razões da criação da milícia dos cavaleiros de Évora


Existiram certamente razões que determinaram a que se implantasse em Évora, logo após o
repovoamento muçulmano de Beja efectuado entre 1174 e 1175, uma pequena confraria de
cavaleiros, cuja acção era tutelada por um mestre. Acresce que o perfil da sua fundação, em
articulação com o entronque na normativa de Calatrava suscitam, entre outras questões
polémicas, que nos interroguemos sobre os motivos pelos quais a missão de instalar uma "base
operacional" permanente em Évora não foi confiada à Ordem de Santiago, cuja presença em
Portugal se aceita pacificamente remontasse já a 1172.
Admitimos como postulado que a instalação de uma "base operacional" em Évora configurasse
um caso específico, enquadrado na ameaça do repovoamento muçulmano de Beja e na
instabilidade das áreas sucessivamente ocupadas e perdidas, embora fazendo parte integrante da
estratégia concebida para um teatro de operações particularmente fluído e instável que, nesse
momento, era objecto de uma ofensiva almóada.
Em 1176-1177 a Ordem de Santiago, a quem fora doado o castelo de Arruda em 1172, tinha
ainda a sua sede no convento de Santos -o - Velho, em Lisboa, e não iniciara a intervenção
sistemática no Alentejo. Porventura a sua organização embrionária talvez não aconselhasse,
nessa fase da sua vida, uma deslocação para Évora, que implicaria uma verdadeira refundação.
Por outro lado, a escassez de efectivos dos espatários talvez não permitisse, sem colocar em risco
o seu próprio projecto, o destacamento dos cavaleiros indispensáveis para constituir a guarnição
de Évora. Abordando esta temática da quantificação dos efectivos militares das milícias, AYALA
MARTÍNEZ, que trata a questão em termos genéricos das Ordens Peninsulares, e restritos ao
núcleo selecto dos freires cavaleiros, refere que os números documentados em fontes credíveis,
são comparativamente modestos, frequentemente na ordem das dezenas ou, mais raramente, de
escassas centenas .
Outros autores, como COSTA , sublinharam já que a capacidade evidenciada pelos Miles Christi
na participação em campanhas militares assentava na organização de que dispunham, e não tanto
no quantitativo de combatentes que integravam esses contingentes.
E não parece de excluir liminarmente que o primeiro rei de Portugal, a exemplo da actuação
recente dos monarcas peninsulares de Castela, Leão e Navarra, não visasse a criação de uma
milícia constituída de raiz por iniciativa ou patrocínio seu.
Embora, neste caso, a sua preocupação determinante pudesse ser a de dotar o dispositivo militar
com uma peça-chave e não tanto, nem talvez imediatamente, como aventa CUNHA no passo
supracitado " fomentar a implantação de monges cistercienses em território conquistado". A
ligação a Cister era mediata, através de Calatrava, e essa ordem atravessaria um período de
gradual procura de um tipo sustentável de relacionamento com a abadia-mãe em particular e com
Cister em geral que, como veremos, conhecerá vicissitudes até ao final do Séc. XII .
Mas, em contrapartida, existiam características e similitudes na missão que os freires de
Calatrava tinham sido chamados a desempenhar desde a sua fundação que poderiam aconselhar
D. Afonso Henriques a procurar estabelecer uma relação entre eles e a milícia de Évora.
A problemática da filiação, neste caso, seria recorrente uma vez que o geral das ordens militares
da Península foi "gerada", ao menos no tocante à normativa e espírito, por uma permanente
"quase cissiparidade" a partir de instituições Religiosas preexistentes noutros reinos.
Vemos com dificuldade a criação ex-nihil de uma comunidade militar de cavaleiros regrantes
que, a prazo, dispensasse o recurso à experiência organizacional e normativa, bem como a
legitimidade advenientes da filiação numa ordem militar já estabelecida e reconhecida. E ordens
militares já entrosadas e actuantes só existiam fora do território nacional.
Por outro lado a reconquista, em cujo âmbito inequivocamente se inscreve a conjuntura militar
portuguesa de 1175-1176, é um processo transnacional, prosseguido no âmbito genérico da
respublica christiana, quaisquer que fossem os objectivos específicos e as rivalidades e atritos
que dividiam as monarquias peninsulares. E o reconhecimento e legitimação das ordens de
cavalaria tinha, em última análise, a sua sede na Santa Sé.
Deste mesmo âmbito transnacional nos dão aliás conta PIMENTA e CUNHA ao constatarem a
participação da ordem de Avis na conquista da Andaluzia.
Neste contexto a fundação de uma comunidade militar de cavaleiros regrantes assumiria
fatalmente as características de um processo híbrido em que se conjugariam a iniciativa e apoio
activo e interessado de um determinado monarca e a articulação com o universo das ordens
militares preexistentes.
A compreensão deste processo dual encontra-se patente no seguinte excerto de OLIVEIRA: " os
nossos primeiros reis referem tudo ao mestre e freires de Évora e sua Ordem sem nunca
mencionarem Calatrava "Enquanto os papas, exceptuando 1201 (…) só reconhecem a ordem de
Calatrava".
Estamos em crer que o acento tónico posto no aprofundamento de determinadas temáticas tem
uma relação directa com as grandes questões e as correntes de opinião que, num dado momento,
percorrem transversalmente as comunidades científicas. Neste entendimento o ênfase posto na
exclusividade portuguesa da fundação da Ordem de Avis, tal como foi sustentado, por exemplo,
pelo mesmo OLIVEIRA , talvez se encontre datado e fazendo ressonância com o conceito de
nacionalismo prevalecente à época. Para este conceito de nacionalismo existiria como que uma
fixação no "acto fundacional do príncipe" que subalternizaria o facto, que consideramos
evidente, de se tratar de um processo com fases subsequentes "obrigatórias".
Mas, embora não seja inteiramente seguro atribuir ao primeiro monarca português o mesmo
entendimento sobre as relações entre a Coroa e a ordem que o seu descendente D. Dinis clara e
reiteradamente enunciou no começo do século XIV "a Ordin de Avis he cousa minha e dos reys
que forom ante de mim e que depois de mim am de viir pera mandarmos sobrelos beens della e
sobrelas e sobrelas Comendas", verifica-se que, pelo menos desde a génese do processo de
centralização da monarquia se constatava uma tentativa de "apropriação" da ordem como
instituição régia.
Subsiste uma zona de relativo silêncio das fontes, estendendo-se desde a fundação da milícia de
Évora até 1214, ano em que o sumo pontífice, como adiante veremos, reconhece expressamente
através de uma bula os serviços prestados pelos cavaleiros e os coloca sob a sua protecção. Ora é
na inscriptio preambular desse documento que tomamos conhecimento de que os freires de
Évora eram professos na Ordem de Calatrava .
Chamamos uma vez mais à colação a conjuntura específica da contra-ofensiva almóada dentro
da qual se inscreve a fundação e primeiros anos de vida da milícia de Évora.
Pode considerar-se que foi ainda neste período de pouco mais de duas décadas, em que se
assistiu, designadamente, ao repovoamento muçulmano de Beja e à razia em que o castelo de
Coruche foi destruído e os campos do termo de Évora foram talados, que o exército de Afonso
VIII de Castela sofreu, em Julho de 1195 um completo desbarate na batalha de Alarcos. Na
sequência destes acontecimentos a ordem de Calatrava perdeu o convento fortificado e uma
importante parcela do seu senhorio, sofrendo baixas que lhe reduziram consideravelmente os
efectivos.
Não nos parece arriscado admitir que logo após os primeiros vinte anos de actividade dos freires
de Évora, no final do século XII, estes se tenham consciencializado de uma fase de acentuado
declínio que atravessava a Ordem de Calatrava. A tal ponto esta última terá perdido a identidade
original que, pouco depois da tomada da praça de Salvatierra, ocorrida entre Dezembro de 1196 e
Maio de 1198 se instala nessa nova localidade passando a documentar-se (temporariamente
embora) como ordem de Salvatierra.
Mas a partir de 1198 a recuperação desta milícia será relativamente rápida. Logo no ano
seguinte procuram reanimá-la sendo-lhe concedida uma nova Regra em documento subscrito
pelos abades de Cister e das abadias de La Ferté, Pontigny, Claraval e Morimond, e dirigido ao
mestre e freires do convento de "Calatrava sive de Salvaterra".
Parece digna de realce a preocupação evidenciada neste escrito refundacional em que se sublinha
um vínculo de união entre duas fases distintas na vida de uma comunidade que quase tinha
corrido o risco de extinção " Porque as coisas do passado se apagam com o esquecimento, com o
presente determinamos recomendar à memória que vos recebemos, não como familiares, mas
como verdadeiros fratres e a vossa solicitação vos damos este estatuto que regulamenta a vossa
forma de viver (vivendi instituta) " .
Calatrava-a-Velha viria a ser definitivamente reconquistada em 30 de Junho de 1212 embora os
freires acabassem por se instalar, cinco anos depois, cerca de oito léguas a Sul, em posição mais
favorável que passaria a ser designado por Calatrava-a-Nova.
Mas em 1210 o abade Guy de Morimond tinha-se deslocado à Península numa visitação
destinada a reanimar o ânimo dos cavaleiros nessa fase de provação. Esta deslocação, como
observa REIS, indicia que o, já aflorado, conflito pela supremacia com o convento de Echelle
Dieu teria sido resolvido num capítulo geral anterior.
Não se trataria no entanto de uma pacificação definitiva nas relações de abadias e conventos da
ordem de Cister com Calatrava, uma vez que, já em 1234, o abade Guy de Morimond teve de
regressar à Península para refutar as pretensões do abade de S. Pedro de Gumiel que tinha
pretendido substituir-se à abadia-mãe, usurpando-lhe a hegemonia espiritual.
Dentro do contexto que acabamos de aflorar parece legítimo que nos interroguemos sobre o
contributo concreto que a recém-instalada ordem de Santiago ou a atribulada ordem de Calatrava
– cujas preocupações são bem anteriores a 1195 - poderiam ter dado á milícia de Évora durante
os anos que medeiam entre a sua fundação e o final do século. XII.
A ausência de documentação esclarecedora impede que se afaste totalmente a hipótese de que os
freires de Évora, a exemplo do que sucedera com os de Calatrava entre 1158 e 1163, possam ter
vivido algum tempo seguindo Regra reformada de S. Bento, mais austera no atinente aos
costumes, como poderá deduzir-se da primeira doação outorgada à milícia eborense em 1176
pelo primeiro rei de Portugal que, referindo-se ao Mestre D. Gonçalo Viegas de Lanhoso e aos
seus freires os designa como "Ordinem Santi Benedecti…tenentibus", especificando no tocante
aos objectivos da mesma " considerans salutatem anime et utilitatem christianis et defensionem
regni".
Considera CUNHA que a referência por D. Afonso Henriques à presença da Ordem de S. Bento
na supracitada doação pode ser encarada como sinónimo de norma beneditina (de Calatrava). É
um entendimento que respeita a um autor a quem muito se ficou a dever no aprofundamento
desta questão, mas, em tese, poderá não ser o único possível.
Desde logo parece um pouco especioso que o rei, para designar Calatrava escolhesse uma
alegoria "genealógica" que remontasse à fonte primeira da normativa, omitindo a menção a
Cister, que era mais directa. As fontes posteriores confirmam que os monarcas referem "regra
beneditina" e freires de Évora e o papado coloca o acento tónico na filiação em Calatrava.
E talvez existissem razões concretas para essa "clarificação". No caso de a monarquia portuguesa
entender revogar doações e privilégios, ou colidir com direitos e isenções outorgadas aos freires
de Évora, uma inequívoca filiação a Calatrava só facilitaria a tramitação processual da reacção
da Santa Sé.
Registe-se que, em 1211, com o início do reinado de D. Afonso II, se inicia um relativamente
bem sucedido processo de reforço da autoridade do Estado. E também que, como teremos ensejo
de ver adiante, em 1214 o papado, sublinhando a filiação da milícia de Évora na Ordem de
Calatrava, confirma – sem os discriminar dos pertencentes a esta última – bens doados pelos
monarcas portugueses à freiria de Évora.
Regressamos assim ao peso determinante que a iniciativa do primeiro rei português poderia ter
assumido no que concerne à fundação e primeiros anos de vida da milícia eborense.
É certo que CUNHA refere que "só chegaram aos nossos dias uns poucos documentos
comprovativos de doações afonsinas (aos freires de Évora) e referentes a bens que podemos
considerar modestos: vinhas e casas em Évora e casas em Santarém". A única excepção é o
castelo de Coruche, doado em Abril de 1181, graça que, no entanto não incluía o senhorio
daquela localidade: por essa razão em 1182 é o monarca, e não a ordem, quem concede a carta de
foral aos seus habitantes".
Por seu turno VARGAS , a propósito de uma inquirição realizada no reinado de D. Afonso II, em
1220, refere bens da ordem de Calatrava que aparentemente coincidem com alguns daqueles que
adiante iremos encontrar referidos no inventário de bens da ordem de Avis realizado em 1366,
por ocasião da morte do mestre D. Frei Martim do Avelar.
Para efeitos práticos passaremos ao lado da questão do de cujus das propriedades em apreço,
considerando-as como parte integrante do acervo patrimonial da milícia de Évora – Avis.
De acordo com este autor, que se estriba em AZEVEDO, os bens da então ainda milícia
eborense deveriam remontar ao primeiro mestre, D. Gonçalo Viegas (1176-1195), baseando-se
no facto deste cavaleiro ter sido alcaide de Lisboa durante o biénio 1171-1173, recebendo em
1179 a tenência da cidade sem que, por esse facto, tivesse abandonado o mestrado. Segundo ele
"…parece legítimo supor que os freires de Calatrava tivessem então casas em Lisboa (…)". Estas
casas, mas também herdades e vinhedos, seriam confirmadas por sucessivas bulas de Inocêncio
III, em 1199, " Malfora et casas Ulixbona cum vineis et aliis pertinentis suis" em 1201, e em
1204 .
Na supracitada inquirição de 1220 referem-se umas boas casas na freguesia de Santiago,
enumerando-se vinhas em Alvalade, Castanheiro de Alvalade e Arroios. É certo que a vinha de
Alvalade havia sido doada pelo próprio D. Afonso II ao mestre D. Fernando em 1218 ,constando
da respectiva carta de doação que a mesma fora plantada pelos freires de Évora a mando de D.
Sancho I (1185 – 1212) . Em boa verdade ignoramos se algumas das outras propriedades
constantes das bulas de Inocêncio III, se encontravam já integrando o acervo patrimonial da
milícia eborense em data anterior à morte do primeiro rei de Portugal, embora pareça aceitável
que, efectivamente, a posse das casas pudesse remontar ao tempo de D. Gonçalo Viegas que, por
inerência das funções exercidas, teria residido em Lisboa.
Mas, a confirmar-se este facto, continuaríamos em presença de propriedades urbanas e, quando
muito, alguns hipotéticos bens peri-urbanos.
Mesmo que à data da morte de D. Afonso Henriques o cômputo dos bens da milícia pudesse ser
superior aquilo que se depreende da documentação avulsa que chegou até nós, a alegada
"modéstia" das propriedades e fontes de rendimento consignadas nesta interpretação poderia
indiciar um menor empenhamento do rei em garantir a autarcia dos cavaleiros de Évora.
Desinteresse que colidiria com as razões acima aduzidas para tentar compreender a conveniência
da instalação de uma milícia autónoma em Évora, e justificar a criação dos freires de Évora
como resposta a uma situação específica.
Mas, mais recentemente, FERNANDES , reportando-se à mesma doação de Coruche, viria a
escrever : "Dez anos depois, em 1176 , o opido, com os seus termos, é entregue aos cavaleiros
que pouco antes se tinham regrado em Évora. A doação que destaca no seu primeiro lugar esta
concessão, inclui ainda as casas, "com o seu Alcácer velho", que o rei tem em Évora, a vinha
com sua horta que está ao pé delas, e as casas do rei no arrabalde do Seserigo, em Santarém".
Quer-nos parecer que, factualmente, faria todo o sentido que o castelo de Coruche tivesse sido
doado à milícia de Évora em Abril de 1181 na sequência da sua destruição pelas tropas de Ibn
Wanudin, que algumas fontes situam na Primavera de 1181, como adiante veremos.
Ora, estribado sobre a mesmíssima doação este último autor retira uma conclusão diferente
daquela que CUNHA apontava: "… Procura-se por este meio obter uma base patrimonial fiável
para a nova comunidade de milites regrados, dando-lhes o alcácer eborense que havia sido de
Ibn Wasir e do governador que o rei de Badajoz sempre tivera em Évora e casas na cidade cristã
mais próxima".
E prossegue: "A triangulação Santarém/Évora/Coruche, com termos que sabemos na centúria
seguinte serem contínuos, desenha um horizonte vital para os freires e enuncia os termos da sua
actuação".
Segundo o mesmo FERNANDES os objectivos da criação dos freires de Évora passariam pela
constituição de um núcleo avançado e com alguma mobilidade, capaz de intervir nas
confrontações fronteiriças, acorrendo a uma pluralidade de núcleos, atento ás mais eminentes
probabilidades de evacuação de alguns dos castelos, a exemplo da missão cometida, algumas
décadas mais tarde, aos freires de Calatrava nos territórios situados entre Toledo e o Guadiana.
Pode considerar-se ambicioso, face à conjuntura militar e aos efectivos e recursos de que disporia
a recém-criada milícia eborense, um tal conjunto de tarefas.
E de facto parece transcender a missão de estabelecimento de uma "testa-de-ponte", evoluindo
para a implantação de uma guarnição militar, auto sustentada e permanente, destinada a
assegurar a manutenção da zona de influência e a apoiar operações ofensivas e defensivas de
maior envergadura, tal como temos vindo a propor.
Mas, no essencial, os objectivos enunciados pelo referido historiador não se afastam muito
daqueles que temos vindo a inventariar. E os acontecimentos supervenientes parecem confirmar
os receios que julgamos terem sido suscitados pela actuação do califa de Marrocos Abu Yacub
Yusuf I, tal como acima ficou apontado.
Cerca de cinco anos decorridos sobre a fundação da milícia eborense, na Primavera de 1181, ou
no ano anterior, Ibn Wanudim, um comandante militar do Al-Andaluz, Sevilha, raziou a fronteira
de Entre Tejo e Guadiana com um contingente de tropas regulares em que se incorporavam as
guarnições de várias praças-fortes.
O objectivo final desta ofensiva era a cidade de Évora cujo termo foi saqueado e talado, tendo o
exército invasor – que comboiava as manadas de gado capturadas – prosseguido a sua marcha até
ao castelo de Coruche, que foi tomado com perdas consideráveis para os defensores ou, de
acordo com a versão do Chronicom Lusitanum, o castelo de Coruche teria sido derribado e todos
os habitantes mortos ou reduzidos a cativeiro.
Esta incursão permite destacar dois pontos: não consta das fontes que a cidade de Évora tenha
sido tomada, a fixação de uma guarnição de cavaleiros regrantes terá cumprido a missão,
embora, como é natural pela sua natureza e dimensão provável dos efectivos, não tenha podido
evitar a devastação dos territórios adjacentes.
E em segundo lugar estes factos parecem apontar para que, com alguma probabilidade, na esteira
do que escreveu CUNHA, a doação do castelo de Coruche aos freires de Évora tenha
efectivamente ocorrido em Abril de 1181, no rescaldo dos acontecimentos que temos vindo a
sumariar.
O seu sucesso na defesa e manutenção da cidade de Évora, pode ter aconselhado a que lhes fosse
confiada uma importante posição na sua retaguarda, reforçando uma capacidade articulada de
defesa do interland.
A milícia eborense recebia assim um "presente envenenado". Uma fortaleza em escombros e um
território despovoado e com os campos talados.
Parece lícito que nos interroguemos sobre se esta situação não teria determinado que D. Afonso
Henriques se visse obrigado a chamar a si a tarefa do repovoamento, como o comprovaria a
concessão do foral régio de 1182 a Coruche .
Este foral, que seguia o costume de Évora, (recordemos que inspirado no modelo do de Ávila)
correspondia ás necessidades de um posto "fronteiriço", consagrando, entre outras várias
disposições, o primado dos milites na comunidade que se pretende reconstituir de novo. A
amplitude da tarefa global ficava evidenciada no seu proémio: " uolumos restaurare atque
populare Coluchi que a sarracenis abstulimus"
Aos freires de Évora, no entanto, incumbiriam somente objectivos de estrita natureza castrense,
os mais consentâneos com a sua natureza, recursos e efectivos, numa missão de âmbito mais
vasto .
E, indo um pouco mais longe, se o facto de as primeiras doações feitas pelo monarca aos freires
de Évora, em Abril de 1176 e 1181, terem incidido quase exclusivamente sobre casas e
propriedades intramuros, esta situação não se terá ficado a dever à necessidade de assegurar
imediatamente aos cavaleiros as rendas que eventuais bens fundiários situadas em territórios
ermos e periodicamente devastados só a prazo poderiam fornecer?
Razão evidentemente pragmática, que nada ficaria a dever a uma maior ou menor generosidade,
ou interesse activo do soberano português, no sentido que lhe é dado por AZEVEDO e por
CUNHA.

1.5. O alargamento do âmbito territorial da intervenção da milícia e o serviço do rei.


Se a documentação relativa ao reinado de D. Afonso Henriques, no tocante ás intenções que
terão presidido à fundação da milícia eborense, apenas adianta - na já mencionada doação de
1176 que - foram consideradas razões de natureza religiosa genérica (salutem anime et utilitatem
christianis),bem como os imperativos da defesa do reino, as fontes correspondentes ao período
de D. Sancho I pouco ou nada adiantam sobre esta matéria.
Mas existe um acento tónico que começa a evidenciar-se com alguma nitidez: o serviço do rei
em frentes diversificadas e num período particularmente atribulado, cuja prossecução justificaria
as doações feitas neste reinado.
Serviço esse cujas repercussões são implicitamente admitidas no reconhecimento pela Santa Sé
da importância da sua actividade, como teremos ensejo de constatar.
Neste segundo período da vida da ordem temos pela primeira vez indicação clara de que a
actuação dos freires de Évora ultrapassou a tarefa de defesa do território onde se implantou o seu
convento e o termo de Coruche, e que a sua missão se diversificou, ou teve ensejo de se alargar.
Trata-se ainda de informações fragmentárias, umas lacónicas outras de fiabilidade ou
interpretação duvidosas em que apenas podemos tentar alicerçar interpretações indiciárias
equilibradas sobre escoras esparsas e frágeis. As estratégias de territorialização, o povoamento, o
papel dos poderes regionais emergentes, as suas relações entre si e com o poder central, a
articulação com outras milícias começam, no entanto, a emergir do Arquivo
Foram agitados os primeiros dez anos do reinado de D. Sancho I, cuja ascensão ao trono não terá
sido pacífica, nem isenta de conflitos internos que se reacenderam esporadicamente ao longo do
reinado.
A implantação de um novo império muçulmano em Marrocos, reorganizado por Ibn Tumart,
inicia um período de acção militar activa, agressiva e intolerante, que, alastrando à Península,
resultou na absorção de alguns reinos taifas do al Andaluz, e em choques com os reinos de Leão ,
Castela e Portugal. O reino muçulmano de Múrcia, que tinha vindo a resistir a todas as tentativas
hegemónicas berberes, após a morte de ibn Saad ibn Mardanish, designado nas crónicas cristãs
como o "rei lobo", ocorrida em 1172, optou por se submeter ao califa de Marrocos Abu Iaqub
Yusuf I.
Na sequência destes eventos os almóadas asseguravam, pela posse de Cáceres, não apenas uma
importante zona de pastagens como a posição de Badajoz que, como tivemos ensejo de ver,
controlava militarmente a zona ocidental do al Andaluz.
Logo no Verão de 1178, a despeito da incapacidade física de seu pai, o ainda infante Sancho
organizou uma incursão, apoiada num significativo corpo de tropas, que penetrou profundamente
em território inimigo a ponto de raziar a margem direita do Guadalquivir.
A natureza da guerra, pela vastidão dos territórios em jogo, bem como pelo carácter esparso e
pouco seguro das linhas de fortalezas que o marginavam, compadecia-se cada vez menos com o
tipo de efectivos que, até aí, tinham vindo a ser recrutadas pelo rei de Portugal, como acima
aflorámos.
Acompanhando a linha do Tejo, há cerca de vinte anos que os templários, ocupando um arco de
pontos fortes no vale do Zêzere, contribuíam para a defesa de Lisboa. A implantação dos freires
de Évora, em meados da década de setenta, permitiu, como já vimos, assegurar a posse da sua
zona de influência. A defesa da Beira interior será, logo após, confiada aos espatários, que se
viram envolvidos no reacender das hostilidades entre Cáceres e Castelo Rodrigo, a ponto de não
conseguirem assegurar com eficácia a defesa dos castelos de Abrantes e Monsanto, doados pelo
rei entre 1172 e 1173, cuja guarnição o monarca voltaria a assumir.

1.6. As primeiras deslocações de efectivos dos freires de Évora.


Durante o período em análise parecem detectar-se as primeiras deslocação de efectivos da freiria
eborense. De acordo com MATTOSO em 1179, o mestre D. Gonçalo Viegas foi chamado a
reforçar a defesa da cidade de Lisboa, vítima de incursões marítimas que se repetiriam em anos
subsequentes. Como atrás ficou referido, AZEVEDO recua a ocupação da alcaidaria de Lisboa
pelo mestre da milícia de Évora para o biénio de 1171-1173, adiantado que a tenência da cidade
lhe foi confiada em 1179, possivelmente após a tomada de Silves.
Esta deslocação de efectivos, depois das baixas certamente sofridas pela milícia de Évora no
decurso da já mencionada incursão de ibn Wanudin em 1181, deram azo a que o monarca
decidisse reforçar a defesa da sede do seu convento com tropas sob o comando de Mem Soares
Estrema, governador militar de Santarém.
Os conflitos externos serão marcados pelo reacendimento das operações militares impulsionadas
por Yaqub al-Mansur, califa que havia sucedido, em Agosto de 1184 a Yosuf I, morto no início da
retirada de Santarém que viria a marcar o final da ofensiva almóada de desse ano, que o califa
dirigira pessoalmente.
As incursões de contingentes andaluzes e berberes tinham determinado um êxodo das populações
fronteiriças em direcção ao Norte. A morte de D. Afonso Henriques, em 6 de Dezembro de 1185,
ocorre, não obstante o fracasso da invasão almóada de Ysuf I, num período particularmente
conturbado.
Mas anteriormente tinha eclodido já um conflito suscitado pelo repúdio de Fernando II de Leão
de Urraca Afonso, irmã do monarca português, e pela disputa do território de Ribacoa. Este
repúdio da infanta portuguesa originaria uma longa questão centrada nos domínios leoneses que
ela havia recebido como dote, e no destino das suas arras.
Entre 1177 e 1178 o rei de Leão teve que se defender de uma incursão almóada e de um ataque
desencadeado pelo seu sobrinho Afonso VIII de Castela contra a terra de Campos. O alegado
enfraquecimento de Fernando II, a braços com dois ataques sucessivos, pode ter determinado
Sancho I de Portugal a iniciar hostilidades contra o reino de Leão, precisamente em Santa Maria
de Aguiar, em Ribacoa. O ataque português viria a saldar-se por uma pesada derrota na batalha
de Arganal, e pelo abandono temporário de Ribacoa.
Apenas a morte de Afonso II, em 22 de Janeiro de 1182, bem como os acontecimentos que se
seguiram, permitiram alimentar a esperança de uma normalização colaborante nas relações luso-
leonesas, e reforçar, com maior segurança a resistência contra os muçulmanos.
Todavia as relações entre os soberanos peninsulares continuaram tensas. Sucederam-se os
conflitos, as alianças e os embates militares que alastraram até à Beira Alta onde, cerca de 1198,
na sequência de uma invasão leonesa, se travou uma batalha junto a Pinhel em que, entre as
perdas avultadas, pereceram numerosos membros da nobreza de D. Sancho I. Não obstante este
desastre militar o monarca português reorganizou as suas tropas e, no ano seguinte, cercou
Cidade Rodrigo.
Este assédio parece relevante para demonstrar a participação das ordens militares nos conflitos
intra peninsulares uma vez que nele morreu Lopo Fernandes, mestre dos templários. Mas, nas
fontes consultadas, não encontramos referência à presença dos freires de Évora nos combates
entre os reinos da Península. Não deduzimos daqui que essa participação não tenha existido,
apenas não a documentamos.
Regressando aos finais da década de oitenta, começos da década de noventa, o califa al Mansur
encontrava-se nessa ocasião em África, a braços com revoltas mas ilhas Baleares e a disputa do
trono liderada por membros da sua própria família. Nessa ocasião um evento aparentemente
remoto e indepedente das guerras peninsulares iria inverter a temporária supremacia militar dos
muçulmanos: a queda de Jerusalém em Outubro de 1187.
Disseminara-se rapidamente por todo o ocidente cristão a notícia da tomada da Cidade Santa por
Saladino, e o cativeiro do seu rei. No Inverno de 1187-1188 o papa Gregório VIII endereçava
missivas a todas as autoridades cristãs encorajando a libertação da "Terra Santa das mãos dos
gentios".
D. Sancho I optou por romper as tréguas com os Almóadas, sensivelmente na mesma época em
que zarpavam as primeiras frotas com destino à Cidade Santa. Enquanto a maioria dos cruzados
se dirigiu por terra para os portos mediterrânicos, onde tencionavam embarcar, os escandinavos e
os homens de algumas cidade mercantis do Norte da Europa preferiram a rota atlântica, fazendo
arribar aos portos portugueses sucessivas levas de combatentes em trânsito para a Palestina.
Dentro do quadro destas movimentações aportou a Lisboa, na Primavera de 1189, uma armada
de cruzados frísios e dinamarqueses a que se juntaram tropas portuguesas numa expedição
marítima conjunta contra o castelo de Alvor, junto a Silves, que tomaram de assalto e destruíram,
privando a cidade do acesso fácil de reforços chegados directamente por via marítima. A escala
em portos do reino de "francos motivados para combater os muçulmanos, e ávidos de saque,
constituía uma oportunidade para o monarca português. Os cruzados receberam nessa ocasião,
por intermédio de marinheiros portugueses, notícia de que uma outra armada nórdica, chegada
dois meses antes, obtivera importantes despojos ao saquear a costa algarvia. Deduzimos que
essas novas se reportassem ao ataque a Alvor, e que possam ter estado na origem da expedição
conjunta que visaria Silves, situada próximo do litoral e que era a maior cidade do Andaluz
ocidental, simultaneamente centro administrativo e base naval, que contava com uma guarnição
regular de militares almoâdas.
Tendo presente que, desde há uma década, um contingente de freires de Évora reforçava a
guarnição de Lisboa, e a sua subsequente presença no assalto à cidade de Silves, não repugna
admitir que tivessem sido os efectivos da milícia eborense acantonados na futura capital do reino
que tivessem embarcado, com outras forças portuguesas, na incursão ao al Gharb.
Á primeira armada, entretanto regressada do Alvor a Lisboa, juntaram-se cruzados alemães,
ingleses, flamengos e bretões. Esta esquadra, conjunta, consideravelmente reforçada, zarpou do
porto de Lisboa em 14 de Julho de 1189.
Aliadas de circunstância, também elas divididas por barreiras culturais e objectivos divergentes,
as hostes " francas" e portuguesas deixaram nas fontes rastos de desavenças e tensões. Estas
divergências preanunciavam de certo modo desentendimentos futuros. Silves rendeu-se em 3 de
Setembro desse mesmo ano, e os cruzados prosseguiram a sua derrota para a Terra Santa
enquanto o monarca português regressava a Lisboa. O moral da guarnição portuguesa deixada
por D. Sancho I não seria elevado. E a "estirada" linha de abastecimentos que os separava das
bases operacionais não facilitava a tarefa daqueles que deviam assegurar a manutenção da
cidade. Existiam dificuldades tanto no fornecimento de trigo, como na obtenção de feno ou ração
para as montadas, e existiam muitas reservas quanto à utilidade da expedição e manutenção da
praça. Alem do mais os graves diferendos entre o rei e as ordens militares recentemente
ocorridos podem estar relacionados com os murmúrios descontentes que assinalam os textos
coevos. Mesmo uma fonte claramente favorável ao rei, o texto recolhido na Crónica de 1419,
refere com alguns pormenor descordos entre o monarca e os seus homens
Para mais tinham ficado a assegurar a manutenção de Silves neste contexto Mendo Gonçalves de
Sousa, como governador, o clérigo flamengo D. Nicolau, como bispo designado pelo monarca, e
uma guarnição que integrava freires de Évora, templários, hospitalários e cavaleiros do Santo
Sepulcro.
Mas a breve trecho, e sem que se saiba exactamente porquê, mas presumivelmente no quadro das
suas supracitadas disputas e conflitos com o irmão D. Fernando Afonso , e algumas das ordens
militares o rei D. Sancho I decidiu expulsar de Silves os hospitalários e os templários. No que
respeita a cavaleiros das milícias ficavam apenas a integrar a guarnição da insegura cidade de
Silves uns quantos freires do Santo Sepulcro e o contingente da milícia de Évora.
O ano seguinte, 1190, assiste ao desenhar de uma crise que se prolongará até meados do século
XIII e que será desencadeada por duas sucessivas contra-ofensivas almóadas, a primeira ainda
nesse ano e a outra em 1191, que devastaram todo o território a Sul do Tejo.
O último grande espasmo deste avanço almóada iniciado em 1191 verifica-se em 1195, quando o
exército comandado por Afonso VIII de Castela é esmagado em Alarcos pelas forças do califa
Abu Yakub. O contingente castelhano integrava forças das ordens militares e, entre elas,
cavaleiros da milícia eborense, uma vez que nessa batalha morreu, entre outros militares
portugueses, Gonçalo Viegas de Lanhoso, o primeiro Mestre da Ordem dos freires de Évora, e
Rodrigo Sanches a quem, como teremos ensejo de ver, D. Sancho I tinha entregue, em 1189, o
comando da recém-conquistada praça de Silves.
Este desastre militar sofrido pelas forças da cristandade não terá sido alheio ao período de
relativa acalmia das operações militares que parece ter caracterizado a governação posterior de
D. Sancho I.
Suceder-se-ão, provavelmente desde antes de 1202, até depois de 1210, uma série de maus anos
agrícolas e subsequentes surtos de fome, agravados por cataclismos naturais, como a violenta
granizada que, em 1207, assolou Coruche e a região de Santarém e Évora. Esta zona, que
coincidia, ao menos parcialmente, com a área de implantação da milícia eborense parece ter sido
flagelada novamente com graves intempéries em 1216 e 1218.
Foram repelidos dois primeiros ataques a Silves e Évora, em cuja defesa se distinguiram os
freires da última cidade. Mas o próprio al Mansur comandaria um exército que fez render Torres
Novas, cercou os templários em Tomar, que não caiu, e cercou a Santarém onde o rei se
entrincheirara, reforçado, ao que parece, por um contingente de cruzados anglo-normandos.
Esta primeira invasão de al Mansur não tinha obtido os resultados que o califa esperava, razão
pela qual retirou para Sevilha, onde preparou cuidadosamente uma nova expedição.
No Verão seguinte de 1191 os almóadas conquistaram Alcácer do Sal e marcharam em direcção
aos castelos de Palmela e Almada que, tendo sido evacuados pelos espatários, foram derribados.
O califa, desta feita, teve a precaução de não se internar profundamente em território inimigo.
Reconstruiu Alcácer do Sal, reconvertido em base de lançamento de incursões particularmente
virulentas, e dirigiu-se para Silves que acabou por capitular em 10 de Julho, sendo poupada a
vida dos sobreviventes, entre os quais se contariam membros da milícia eborense.
No Verão de 1191 Yaqub al Mansur regressou a Sevilha deixando o território português
consideravelmente reduzido uma vez que, das posições a Sul do Tejo, restava apenas uma com
indiscutível valor estratégico, Évora, agora isolada, em situação idêntica aquela em que se
encontrava quando D. Afonso Henriques patrocinara a fundação da comunidade dos freires de
Évora.
A situação da fronteira meridional estabilizou-se neste retrocesso até à contra-ofensiva cristã em
direcção ao sul desencadeada em 1212, a partir da batalha de Navas de Tolosa, e, a ocidente,
depois da conquista de Cáceres por um exército leonês em 1227.
O território português sofreu ainda novos ataques muçulmanos, mas de menor envergadura do
que aquele que esmagou, em 1195, as forças de Afonso VIII de Castela na já referida batalha de
Alarcos, último espasmo da ofensiva muçulmana no período em apreço.
A agressividade das forças almóadas foi enfraquecendo até se acantonar numa atitude defensiva
determinada pela decadência do califado de Córdova e do império almorávida, que voltaram a
estar na raiz de um novo período de fragmentação política com a independência dos últimos
reinos taifas.
Mas o reino de Portugal encontrava-se profundamente enfraquecido e continuava a braços com
outros conflitos militares que dividiam os reinos cristãos da Península. Durante as quatro décadas
de regência e reinado de D. Sancho I as questões militares e diplomáticas assumiram sempre um
papel primacial, parecendo legítimo deduzir que as tarefas de povoamento e organização do
território representassem uma faceta subsidiária, decorrente de imperativos tácticos e
estratégicos.
Quando falamos em actividade subsidiária pretendemos sublinhar o carácter decorrente desta
preocupação. Confrontado com as ameaças permanentes de incursões leonesas ou muçulmanas o
monarca recorreu à concessão de forais e à tentativa de atrair gente para as zonas fronteiriças do
seu território. Privilegiou naturalmente a linha fronteiriça com o reino de Leão, sobretudo a Este,
e reforçou pontos nevrálgicos a Sul.
Constata-se que grande parte dos forais concedidos antes da invasão de 1190 beneficiava
povoações do interior, a Norte do Tejo, como Gouveia, Avô, ou Viseu. Mas após a queda de
Silves, na fronteira meridional, contemplariam postos fronteiriços ameaçados como Torres
Novas e Almada, ambos no rescaldo dos desastres de 1190-1191.
É importante assinalar que, pouco depois, a acção de repovoamento se deslocou para os logos
próximos de Évora que tinham um papel a desempenhar na defesa desta última praça, como
Marmelar (1194) ou Montemor-o-Novo (1203). E para o Ribatejo, contemplando povoações
relevantes para a protecção de Santarém, como Pontével (1194), e Povos (1195).
E os freires de Évora iriam, a seu modo, inscrever-se nestes ciclos de objectivos.
Regressando alguns anos atrás, em Janeiro de 1187, quando as circunstâncias não denunciavam
ainda a provável iminência de um novo ataque almóada, o rei tinha outorgado aos freires de
Évora o castelo de Alcanede, a vila de Alpedriz e o castelo de Juromenha.
As duas primeiras a NO de Santarém, protegendo o acesso a Leiria, representavam a deslocação
das responsabilidades da milícia para áreas bem a Noroeste do vale do Tejo. A última, situada a S
de Estremoz e SE de Elvas, ficava a cavalo na fronteira, pouco acima do paralelo de Évora, em
cujo perímetro defensivo se integrava.
Esta última doação era curiosa. Juromenha ainda não tinha sido conquistada, como
expressamente se reconhece no texto da doação "si mihi eum Deus dederit ", e foi cedida com a
condição de " ut mihi semper et universo semini meo in regno succedenti cum eis fideliter
seruiatis". É certo que se tratava de uma preocupação que surge em documentos coevos, e
mesmo noutras doações feitas aos cavaleiros, mas tratando-se da milícia eborense, já com provas
concretas de serviço, esta promessa, condicionada à manutenção de fidelidade à jovem dinastia,
podia transcender a banalidade do formulário. Sobretudo por ter sido escrita no começo do
reinado de D. Sancho I, cuja ascensão ao trono não foi isenta de contestações.
Considera GOMES que nestas doações D. Sancho I outorgava aos freires de Évora os direitos de
jurisdição, e que estes naturalmente redundariam em direitos de domínio sobre as populações que
viviam nas, e das terras. Escassos anos volvidos Inocêncio III viria a reconhecer, e ("confirmar"),
o privilégio jurisdicional da milícia eborense sobre as duas primeiras doações em 1199 e 1201.
No caso das doações respeitantes à zona de Leiria parece existir, pelo menos na óptica da
recompensa, que não exclui um pensamento militar projectado no futuro, uma ligação efectiva ao
auxílio prestado pelos freires de Évora na defesa do castelo de Porto de Mós durante a ofensiva
almóada de 1178-1180.
Teria sido testada neste biénio a utilidade dos freires de Évora como forças de defesa da espinha
serrana Aires/Candieiro (protecção dos itinerários Santarém/Coimbra), e do acesso litoral de
Lisboa a Alcobaça, por Alenquer, na retaguarda dos portos marítimos de S. Martinho do Porto e
Pederneira.
Afinal uma missão semelhante aquela que tinham vindo a desempenhar – a de criar zonas-
tampão em itinerários vitais e particularmente vulneráveis - exercida num cenário de actuação
com características bem diversas .
A deslocação (precoce?) de efectivos da freiria, por pequenos que fossem, para uma zona a NO
de Santarém, após a colocação de um primeiro destacamento em Lisboa, representava certamente
um enfraquecimento da sua capacidade operacional no território eborense, e obedeceria a uma
dificuldade sentida pelo monarca em guarnecer, com contingentes fiáveis, as, ainda esparsas,
linhas de fortalezas que flanqueavam itinerários sensíveis, como acima deixamos apontado.
Funcionaria a promessa condicionada de uma futura doação de Juromenha como um mecanismo
compensatório a acenar com o reforço das posições dos freires de Évora na sua primitiva zona de
implantação?
Pouco tempo decorrido, em 1189-1190 a, ainda milícia de Évora, participou nos ataques
desferidos pelas tropas de D. Sancho I contra Alvor, Silves e outras praças algarvias. E, em 5 de
Janeiro de 1193, foi-lhe confiada a defesa do castelo (opidulum, como escreve um cronista) da
vila de Mafra. Como se depreende, sensivelmente nos mesmos termos em que fora encarregada
de missão idêntica em Coruche.
Da similitude destas duas últimas situações parece deduzir-se que os freires de Évora, a despeito
de terem participado já em expedições na frente de batalha, continuavam a ser encarados como
um núcleo castrense especialmente vocacionado para a defesa de pontos sensíveis, ou pouco
consolidados.
Mas deve sublinhar-se que esta função defensiva terá começado neste período a complementar-se
com responsabilidades administrativas e de povoamento. Isto mesmo parece depreender-se do
facto dos povoadores de Benavente terem recebido, em 25 de Abril de 1200, uma carta de foral
dada pelo provável segundo mestre, D.Paio, e pela condição, expressa em doação de 30 de Junho
de 1211, de povoarem o logo de Avis, onde, é certo, deveriam edificar um castelo.
Não nos parece que se possam retirar mais ilações do que as imediatamente evidentes das razões
que o rei invoca como motivo desta doação "Pro bono servicio quod nobis fecistis et faciatis". A
fórmula é de uso corrente e não denota em si mesma nenhuma circunstância fora do ordinário.
Mas esta tónica de serviço régio, tendo extravasado já a primitiva zona de actuação, não se vai
circunscrever apenas ao teatro de operações situado em território nacional.
Isto mesmo se verifica com a morte do primeiro mestre, D. Gonçalo Viegas de Lanhoso, ocorrida
na zona de Toledo, no decurso da mesma batalha de Alarcos que, em Julho de 1195, iria
determinar um eclipse no peso e operacionalidade da ordem de Calatrava.
Embora, em boa verdade, não tenhamos conseguido distinguir claramente se a participação de D.
Gonçalo Viegas neste conflito se terá ficado a dever a imperativos da "política peninsular" de
Sancho I , ou se obedeceria a uma acção concertada com a ordem de Calatrava, precisamente no
âmbito geral da reconquista.
A filiação da comunidade dos freires de Évora constata-se no conteúdo da, já acima referida,
bula de 1201, e pela bula de Inocêncio III, Quotidiens a nobis, de 20 de Maio de 1214, que
subsiste no IAN/TT, integrando o acervo documental da ordem de Avis. Com efeito, na
"inscriptio" inicial daquela primeira bula refere-se, tanto quanto alcançámos pela primeira vez,
que os freires da milícia de Évora são professos na ordem de Calatrava, atribuindo-lhes o direito
de fruir de todas as suas liberdades, isenções e imunidades. Registe-se que neste documento é-
lhes confirmada a posse de bens situados em Portugal, e doados pelos seus reis.
Na segunda bula reconhece-se expressamente o papel desempenhado pelos freires de Calatrava,
em termos de encómio e encorajamento, confirmando a Regra, a posse dos bens que lhe haviam
sido doados (entre os quais se encontram incluídas propriedades dos freires de Évora) e
confirmando o direito ao gozo dos privilégios e isenções já anteriormente concedidos à Ordem.
Alargando e aprofundando de modo directo o ascendente já implicitamente estendido sobre a
ordem em crise, o papado toma-a sob a sua directa protecção, admitindo e reconhecendo nesse
passo, a transferência da sede dos freires de Calatrava-a-Velha "prefatum locum de Calatrava et
locum de Salvaterra in quod ad serviendum Deo divino estis obsequio mancipati".
Na primeira parte desta bula, entre várias outras disposições regulamentares, inclui-se a
supracitada confirmação dos bens adquiridos pela ordem. E, nesta, inclui-se uma listagem de
bens situados em Portugal, em discordância, pelo menos aparente, com o conteúdo da bula de
1201, mas que configura um claro entendimento da filiação de Évora em Calatrava.
Este alargamento do espectro de missões incumbidas à milícia de Évora só era possível se, no
curto espaço de três décadas, os seus efectivos e meios de acção tivessem crescido
proporcionalmente. Estamos em crer que cresceram, mas não poderemos assegurar que, em
termos quantitativos e qualitativos, esse crescimento tenha sido adequado, e dimensionado ás
novas solicitações. Quase seguramente tendo em mente as necessidades destes freires para fazer
face a responsabilidades que não tinham cessado de aumentar D. Sancho I contemplou-os no seu
testamento de Outubro de 1210 com 5000 maravedis, cavalos, mulas de sela e azémolas de
transporte.
Mas, já anteriormente, se tinha vindo a manifestar a preocupação de ampliar o património
fundiário da milícia, como tivemos ocasião de referir a propósito de boas casas e vinhas em
Lisboa confirmadas por sucessivas bulas de Inocêncio III e que serão inventariadas na inquirição
de 1220, efectuada já no reinado de D. Afonso II.

1.7. A coroa portuguesa e a sua difícil convivência com os poderes regionais emergentes.
Na última fase do reinado de D. Sancho I aos surtos de fome e focos de pestilência vieram
somar-se requisições forçadas de mantimentos, revoltas, afluxo de populações rurais a centros
urbanos que não dispunham de estruturas para os integrar, e, concomitantemente, uma grande
parte dos factores que definem um clima pré-inssureccional. O monarca tentou, é certo, reagir e,
pelo menos, atalhar algumas das arbitrariedades.
Mas a sua incapacidade de acudir em simultâneo a todas as frentes e em todo o território parece-
nos por demais evidente, tanto mais que a monarquia não dispunha, ainda, de um quadro
coerente de instrumentos de intervenção, adequados a uma crise desta natureza.
Aos litígios entre abadias, mosteiros e poderes concelhios, ou famílias da aristocracia terra
tenente, que atravessavam transversalmente o território, vinham juntar-se os conflitos entre o
monarca e os bispos.
Não nos deteremos nesta época de efervescência geral, que aqui deixamos apenas aflorada como
constatação de um período de ajuste e definição.
Período em que as diversas instâncias de poder entraram em fricção generalizada, deixando
antever a necessidade urgente de uma reorganização e de clarificação das fronteiras entre a
floresta de jurisdições conflituais.
Mas importa directamente ao objecto deste estudo que nos detenhamos um pouco nas relações
conflituais entre os monarcas e as hierarquias da igreja portuguesa que, por arraste natural,
acabariam por envolver a Santa Sé e prolongar-se ao longo das várias fases da vida da Ordem,
por vezes de forma recorrente.
Em boa verdade não dispomos de elementos comparativos suficientes que nos permitam concluir
com segurança terem sido estas o mais importante factor de perturbação neste crepúsculo de
reinado. Mas, em contrapartida, o facto de se encontrarem minuciosamente registadas nas fontes,
bem como a existência, entre vários estudos que de algum modo abordaram esta temática, de um
trabalho de VILAR que analisa em profundidade as relações entre o bispado escalabitano e
outros poderes concorrentes, entre os quais a Ordem de Avis, permite-nos acompanhar este longo
conflito com alguma segurança. E, por outro lado, servem um pouco de pano de fundo ao choque
que vai eclodir entre os interesses e jurisdições do alto clero e os religiosos regrantes em geral, as
ordens militares em particular e, no caso vertente, entre a diocese de Évora e os freires de Avis.
A própria estrutura interna da igreja portuguesa atravessava neste momento, em sincronia com o
tecido social envolvente, uma das suas periódicas fases de ordenamento, tanto no alçado das
competências respeitantes ao espiritual, como no que respeitava à origem e distribuição dos seus
recursos económicos e ao relacionamento inter eclesiástico e com entidades terceiras.
Só alguns decénios antes destas ocorrências, e após a codificação do Decretum de Graciano,
começariam gradualmente a separar-se as jurisdições civis e eclesiásticas, razão pela qual
numerosos privilégios, que depois viriam a ser considerados como especificamente clericais,
eram ainda amalgamados e confundidos pelos prelados e dignitários eclesiásticos, que os
interpretavam como direitos senhoriais, e entravam em rota de colisão com o entendimento da
cúria régia.
Como frequentemente sucede um dos detonadores da crise interna ligava-se a problemas de
origem e repartição de recursos económicos e financeiros. A distribuição das rendas da diocese e
do cabido do Porto – que tinha provocado um arrastado esgrimir de argumentações, envolvendo
o próprio arcebispo de Braga – estava em vias de acordo em 1200.
A tendência centralizadora timidamente esboçada no seu reinado assumiu particular relevo
durante o governo do seu sucessor.
A despeito de uma sucessão tumultuosa, e da saúde vacilante do novo rei cuja incapacidade
militar suscitou forte contestação, no curto reinado de D. Afonso II (1211-1223), foram ensaiadas
inovações de natureza política e administrativa que se podem considerar como avançadas,
determinadas e conclusivas em relação a muitos reinos do ocidente cristão onde predominavam
ainda (e continuariam vigentes) concepções feudais do exercício e repartição do poder.
É certo que a conjuntura em que Portugal se encontrava mergulhado exigia medidas rápidas e
eficazes, mas a orientação seguida reflectia, como é óbvio, não apenas a vontade do soberano
mas também, e talvez sobretudo, as concepções de um círculo de conselheiros áulicos que
representava um corte transversal dos estamentos sociais representativos, e de interesses
diversificados.
A documentação permite reconstituir com bastante segurança o perfil de muitos dos próximos
colaboradores da D. Afonso II.
O chanceler Julião Pais, cuja acção se documenta ao longo de três décadas, permaneceu no
exercício das suas funções até à morte, ocorrida em 1215. E terá tido ensejo de apoiar com a sua
autoridade e experiência algumas importantes medidas iniciais que as contradições internas do
reinado precedente não tinham permitido consumar.
Sucedeu-lhe um colaborador próximo, Gonçalo Mendes, que se manteve no exercício de funções
até 1228, ou seja: cinco anos após a morte de D. Afonso II. Esta estabilidade na prossecução de
uma linha de conduta foi determinante para desenvolver conclusivamente as reformas.
Este novo chanceler, cuja influência, partilhada, é certo com a do mordomo Pero Anes da Nóvoa
(irmão de Gonçalo Anes da Nóvoa que seria, precisamente, mestre de Calatrava entre 1218 e
1238), comprova-se pela referência inserida numa bula papal de 1220, onde se alega que ambos
conduziam D. Afonso II à impiedade. Este intransigente defensor de uma visão do primado régio
viria a ser excomungado pouco depois, em Janeiro de 1221, com a recomendação papal
endereçada ao monarca português de que o fizesse substituir por "homens prudentes e honestos".
Recomendação que, como tivemos ensejo de constatar, não produziu efeito.
Este núcleo duro tinha-se rodeado de uma equipa eficaz de colaboradores familiarizados com os
direitos canónico e civil que, em Roma, defenderam com sucesso os direitos régios em vários
litígios.
Destes jurisconsultos destacaremos mestre Silvestre, que viria a ocupar a posição estratégica de
arcebispo de Braga; e mestre Vicente Hispano que ascenderia sucessivamente as sédias
episcopais da Guarda e do Porto. Ambos tinham ocupado cátedras na universidade de Bolonha e
desenvolvido actividade geralmente reconhecida como comentadores das decretais do papa.
Ambos se encontravam persuadidos de que a coroa, cuja autoridade procedia de origem divina,
era soberana na sua esfera, e defendiam a separação de poderes sem, no entanto, contestarem
minimamente a soberania espiritual da Igreja.
Destas convicções, e de um novo espírito de rigor adveniente do respeito pela norma jurídica,
decorria que, em boa consciência e sem contradição, pudessem achar nociva a concentração
excessiva de bens fundiários na posse da Igreja. Posições que vinham emergindo desde o reinado
anterior e que, colidindo frontalmente com as teses papais, iriam obrigar Inocêncio III a fulminá-
las, como potencialmente heréticas, logo numa bula de Fevereiro de 1211, à qual se seguiria, na
Ad petitionem olim do mês de Outubro, a primeira interdição do reino, acompanhada pela
excomunhão do monarca.
Logo no início do reinado, ao que parece na cúria desse mesmo ano de 1211, era promulgada a
primeira lei contra a amortização dos bens da Igreja, pela qual se proibiam os mosteiros e ordens
religiosas de comprar bens fundiários. Equilibrada, em 1218, com a oferta dos dízimos dos
direitos régios a todas as dioceses do reino e a algumas ordens religiosas.
Mas no decurso do reinado as relações entre a Coroa e o clero, inicialmente pacíficas,
deterioraram-se profundamente. Este acentuar da política anticlerical do novo soberano
manifestou-se numa sistemática interferência nos assuntos eclesiásticos, com ênfase especial
para a derrogação de isenções e privilégios, o que suscitou uma encarniçada oposição por parte
do bispo de Coimbra D. Pedro Soares.
Mas o litígio mais representativo deste período colocou em confronto o rei e o influente
arcebispo de Braga, D. Estêvão Soares da Silva que, tendo aproveitado um surdo braço de ferro
entre o papado e o metropolita de Toledo terá induzido o sumo pontífice a expedir a
reconfirmação da importante bula Manifestis Probatum, em 11 de Janeiro de 1218, que
confirmava a D. Afonso II as graças anteriormente concedidas, e a tomá-lo, bem como ao seu
reino, sob a protecção apostólica.
Volvido um ano, em 1219, a situação de bom relacionamento inverteu-se numa escalada de
violência que levou o enérgico prelado a excomungar o soberano e a lançar o interdito sobre o
reino de Portugal. O litígio ascendeu até à Santa Sé e redundou em prejuízo de D. Afonso II e
dos seus conselheiros cuja política centralizadora foi condenada sendo o monarca aconselhado a
reparar os danos causados sob pena de incorrer em graves sanções.
Logo na primeira assembleia da cúria régia de D. Afonso II, reunida com todos os bispos do
reino, prelados, ricos-homens e vassalos o monarca terá determinado que fossem guardadas as
suas leis e as da Igreja de Roma, e que em caso algum pudessem ser invocadas normas, regras ou
direitos incompatíveis com estas duas instâncias, colocando a sua capacidade legislativa no
mesmo plano do que a do Sumo Pontífice.
Em vários diplomas promulgados neste reinado se constata a influência do direito de Justiniano
ou a existência de outras justificações doutrinais em que se procuram fundamentar e legitimar as
medidas adoptadas, o que constituía uma viragem tão radical como inovadora na prática
legislativa.
Esta sistemática fundamentação e ordenamento de um quadro jurídico auxiliar da afirmação da
soberania régia conduziria ás primeiras inquirições gerais de 1220, efectuadas com o intuito
implícito de repor uma ordem que se presumia subvertida à escala do território nacional.
É precisamente graças a estas primeiras inquisições que temos um mais pormenorizado
conhecimento de um conjunto de bens situados em Lisboa que, embora já referidos desde 1199,
integravam o património da milícia de Avis.
Mas o relacionamento deste monarca com as outras ordens militares ficou marcado pela
colaboração com o Prior do Hospital, e com os Templários então liderados por D. Pedro Alvites.
A importância do Hospitalário Mendo Gonçalves de Cerveira na cúria régia parece demonstrar-
se pelo facto de haver sido escolhido por D. Sancho I como um dos depositários do seu
testamento e, mais tarde, pela sua presença a testemunhar o juramento de D. Afonso II em 121.
No começo de 1218 o rei confirmar-lhe-ia as responsabilidades que lhe haviam sido cometidas
por seu pai D. Sancho I no que tocava ao depósito de dinheiros do erário régio.
No tocante ao tesouro real sabe-se ainda que, ao menos parcialmente, estaria confiado à guarda
da Ordem do Templo, e depositado em Tomar e Belver. Escolha que, aliás, se inscreveria numa
prática de outras cortes, designadamente a francesa, atento o papel de intermediação financeira
nesse período praticada pelo Templo, e que viria posteriormente a estar na origem do litígio com
Filipe o Belo, e da subsequente extinção desta Ordem.
As relações deste Prior dos Hospitalários com o rei devem ter-se deteriorado com a sua
participação, ao lado de D. Mafalda, no litígio que esta Infanta manteve com o soberano seu
irmão, mas, em 1217, essa tensão estaria em vias de se dissipar uma vez que, em 1218, de acordo
com a obra de Vasconcelos Vilar que temos vindo a seguir neste ponto, D. Afonso II confirmou a
Gonçalo Mendes de Cerveira privilégios anteriores.
Não menos significativa desta vontade de dotar o Estado de um corpo coerente de instrumentos
jurídicos foi a elaboração do primeiro registo oficial de diplomas régios, pressupondo um notável
acréscimo da organização interna e capacidade burocrática da sua chancelaria, bem como as
primeiras tentativas de implantação de uma rede de notariado. Esta rede permitiria o registo de
diplomas particulares redigidos com os requisitos formais indispensáveis para garantir a sua
validade jurídica.
O testamento deste monarca foi redigido em português, facto de inusitada modernidade se
tivermos em consideração que a língua vulgar só seria adoptada em documentos oficiais no final
desse século.

1.8. Os Cavaleiros de Évora e a diocese: um conflito secular


Regressemos agora a Benavente, décadas atrás, para recordar que, como já foi aflorado, em
Dezembro de 1200 tinha sido celebrado um acordo, feito por intercessão de D. Sancho I, entre o
bispo de Évora D. Paio e o mestre e os freires de Évora sobre a divisão do dízimo, mortuárias e
direitos de colação da igreja de Benavente.
Trata-se do primeiro registo daquilo que será uma difícil convivência entre a ordem de Avis e a
diocese de Évora, mas não o único atrito documentado neste período entre os cavaleiros de Évora
e dioceses dentro de cujos limites aqueles possuíam bens, direitos e jurisdições.
Atrás, quando foram referidos os reconhecimentos por Inocêncio III dos bens doados à milícia
eborense em Alcanede e Alpedriz, omitimos propositadamente a bula Causam quam, de 1203.
Nesse documento o pontífice mandava efectuar inquirições, precisamente sobre os direitos
eclesiais de várias igrejas, entre as quais a de Alpedriz, disputados pelos bispos de Coimbra e
Lisboa.
Considera a este respeito GOMES que "não parece que a Ordem (de Avis) tenha levantado o
mesmo tipo de impedimentos e objecções ao reconhecimento dos direitos episcopais na vila que,
por exemplo, eram propugnados pelos templários para as suas povoações da Ega, Redinha e
Pombal".
E não o terá feito porque seguia a sua própria linha de rumo, orientação pragmática que, entre
outras componentes, levava em conta a conjuntura e a relação de forças em presença.
Ao longo conflito com a diocese de Évora não teria sido alheia uma alegada protecção papal à
ordem, consubstanciada numa bula de Gregório VIII de 1187. Nela o Pontífice confirmava a
posse de todos os bens que lhe haviam sido doados, proibindo a construção por quaisquer outras
entidades de capelas a erigir nos territórios conquistados pelos seus freires aos muçulmanos.
Este diploma viria a ser aparentemente contraditado pelo espírito e pela letra duma bula de
Inocêncio III que, em 1216, assegurava ao bispo de Évora a jurisdição sobre todo o território
povoado por cristãos entre os limites da sua diocese e os sarracenos (prova de que a reconquista
continuava a avançar em direcção ao actual Baixo Alentejo, quase seguramente com a
participação activa dos freires de Avis, cuja principal área de implantação se inscrevia nos limites
da diocese).
Efectivamente, este litígio teve início pouco depois da restauração da diocese e da instalação da
milícia de freires regrantes. Atravessou uma fase particularmente virulenta ao longo da centúria
de Duzentos e prolongou-se para lá dos limites cronológicos deste trabalho, com a peculiaridade
de se reanimar ciclicamente sob pretextos aparentemente diversos mas sempre centrados nas
mesmas divergências de fundo.
Em boa verdade a recuperação do burgo de Évora como sede de Bispado, decidida pelo primeiro
rei de Portugal no quadro da, já referida, conjuntura político-militar que antecedeu a criação da
milícia dos cavaleiros da mesma cidade, inscrevia-se num programa que visava recuperar a
primitiva rede de dioceses de origem suevo-visigoda com o intuito de "ressuscitar" uma malha
eclesiástica que contribuísse para o ordenamento do território.
Cerca de uma década mais tarde o monarca entalava no mesmo burgo a sede da Ordem dos
Cavaleiros de Évora, cuja base territorial seria talhada inicialmente dentro do território da
restaurada diocese. Essa coabitação forçada iria configurar apenas um exemplo das contendas
entre instituições similares, como aquela que envolveu a Sé de Coimbra e os templários, mas é
ilustrativo de um primeiro tipo de dificuldades de relacionamento que a Ordem teve de atravessar
anteriormente ao período de tensão com a monarquia iniciado, mais tarde, em 1258, já no
reinado de D. Afonso III.
Parece aconselhável uma tentativa de reflexão prévia sobre o quadro em que evoluiu esta
questão.
Foram afloradas atrás algumas das peripécias, fluxos e refluxos, perdas, abandonos e
preocupações que caracterizaram a situação política e militar da fronteira meridional da
reconquista desde o período em que foi restaurada a diocese de Évora (e, pouco depois,
implantada a milícia eborense) até meados do século XIII.
Referiu-se que, na sequência da invasão do califa al Mansur, em 1191, Évora regressou à posição
de bastião avançado da reconquista cristã na Península. E também que essa situação de
vulnerável isolamento só viria a ser gradualmente alterada a partir da grande ofensiva cristã de
1212.
Foram aflorados os sucessivos êxodos populacionais ocorridos neste período, a instabilidade, os
maus anos agrícolas e os surtos de fome.
Mencionaram-se alguns dos conflitos entre D. Sancho e a Igreja, os confrontos que opuseram
entre si algumas instituições religiosas, e o movimento de definição do papel do Estado e de
afirmação da soberania régia iniciado em 1211.
Talvez não seja temerário considerar que, ao longo de, pelo menos, o último quartel do século
XII e os primeiros decénios do século XIII, a diocese de Évora esteve assente sobre um território
retráctil. E que sobre essa base territorial e populacional em contínua mudança tentavam partilhar
jurisdições de vária natureza, mas todas vitais para os "actores em presença", a diocese, ordens
regulares e ordens militares, a Coroa e os poderes concelhios emergentes.
Este confronto "regional", que se nos afigura inevitável, inscrevia-se no quadro ainda mais
complexo das mutações políticas e administrativas que, a nível nacional, se iam desenvolvendo.
A política, melhor as políticas, prosseguidas pelos árbitros deste estado de coisas: o rei e o sumo
pontífice, não permaneciam imutáveis, antes seguiam o curso das visões específicas do interesse
conjuntural de ambas as fontes de direito que, por sua vez, se revelavam conflituais entre si em
muitos pontos.
A separação do direito civil e do direito canónico e a emergência de um quadro jurídico emanado
directamente do Estado, reivindicando uma mais clara esfera de soberania vigente em todo o
território, bem como a gradual definição de competências do "aparelho político" e de uma
máquina administrativa em construção, ocorreram neste período.
Por sua vez o entendimento da natureza e importância relativa da missão atribuível à ordem de
Avis, de que decorreriam doações, benesses, auxílio financeiro e logístico e apoio em
reivindicações e litígios, terá sido diverso ao longo dos reinados em que se inscreveu este
confronto.
E, finalmente, litígios desta natureza, ocorridos entre prelados diocesanos e ordens militares não
constituíam naturalmente apanágio exclusivo de instituições portuguesas, antes eclodiam por
toda a Península, sempre que situações semelhantes conduziam ao mesmo tipo de impasses.
Parece admissível que, na sequência da supracitada Bula Quotis a nobis o bispo de Évora tenha
conseguido fazer expor junto da Santa Sé a situação difícil em que se encontrava a sua diocese e
quão nocivas se revelavam, do seu ponto de vista, as sobreposições de jurisdição eclesiástica e as
sucessivas doações e privilégios concedidos aos freires de Avis e seus dependentes.
Tal como não repugna que as sucessivas confirmações da posse de bens doados, feitas pelos
monarcas portugueses e pela própria cúria romana, tenham sido motivadas por movimentações
de sinal contrário desenvolvidas pela milícia eborense.
Os freires não se encontravam desprotegidos, mas não é de afastar a hipótese de que, ao menos
num primeiro tempo, se pudessem encontrar numa situação de relativa desvantagem.
Ao primeiro bispo de Évora, D. Soeiro, sucedeu D. Paio, prelado que dispunha de autoridade e
influência, como se comprova pela sua intervenção activa no litígio fulcral que então opunha as
arquidioceses de Braga e Compostela sobre a indefinição das fronteiras arquidiocesanas,
prolongando-se até 1199. Essa mesma influência parece confirmar-se constatando que D. Sancho
I doou à diocese, durante o seu episcopado, os reguengos do Sobral e Montijo, bem como os
dízimos das portagens de Évora (rendimento importante numa vila que, apesar de tudo,
permanecia um nó de comunicações comerciais), além de o ter contemplado com mil maravedis
no seu testamento , quantia no entanto muito inferior aos cinco mil maravedis, cavalos e
azémolas de tiro deixados aos freires eborenses.
O mestre dos cavaleiros de Évora com o qual se iniciou a disputa com o episcopado eborense
sobre os dízimos e direitos da igreja de Benavente, também chamado D. Paio, e tanto quanto se
conhece, também ele a segunda personagem a dirigir a milícia , terá tido uma curta governação.
O seu Mestrado, e isso está patente nas fontes, foi necessariamente curto e dele não ficou menção
que nos ajude a ponderar o seu peso político e influência cortesã.
Para já, num contexto marcado pelos periódicos conflitos militares "de fronteira", a diocese
poderia ter necessidade de recorrer à milícia, enquanto esta, "entrincheirada" nos seus pontos
fortes, dificilmente teria algo a esperar de "possíveis" forças ao serviço do episcopado.
Ainda no mesmo contexto, no que toca aos monarcas, não restam dúvidas que reconheciam a
importância religiosa, e o papel de natureza politica, administrativa e de suporte do povoamento
cristão das sedes episcopais, como se comprova pela solicitude com que os reis se apressavam a
restaurar dioceses, e a outorgar-lhe doações e benefícios.
Mas, pelo menos em determinadas ocasiões e circunstâncias, a necessidade de contar com o
apoio dedicado dos efectivos militares da freiria, terá feito pender a balança a favor destes
últimos, nos confrontos com uma diocese bastante "virtual".
No que se refere a recursos arriscamo-nos a admitir que o provável modelo de exploração directa
das suas possessões, praticado pelas milícias regrantes na primeira fase da sua vida, as colocasse
relativamente ao abrigo das incertezas de uma agricultura incipiente.
Ao invés do que sucederia com a máquina mais pesada e repartida de uma gestão episcopal
exercida indirectamente por dignitários, e cuja capacidade de "cobrança fiscal" incidiria sobre
uma reduzida área urbana e peri-urbana.
E se este postulado viesse a revelar-se minimamente fundamentado, a já referida Bula de
Inocêncio III, embora já de 1216, arriscava-se a produzir quase exclusivamente efeito na
jurisdição eclesiástica.
Não excluímos no entanto, à partida, a leitura feita por CUNHA: " o Bispo de Évora foi
perdendo paulatinamente o seu domínio territorial, que apenas tinha "de direito", uma vez que de
"facto não o possuía, em favor da Ordem, sobretudo nos lugares em que Avis se estabeleceu".
A perda periódica de grandes parcelas do território episcopal e as insofismáveis dificuldades de
enraizar colonos para lá de um termo circunvizinho ao burgo eborense apontam nesta direcção.
No entanto o Arquivo não parece ter possibilidades de fornecer cadastros de propriedades ou
elementos quantificados fiáveis que sustentem devidamente, no concreto, esta hipótese.
Implantada sobre estes territórios recentemente conquistados, cujo povoamento seria, pelo
menos, esparso e desorganizado, a ordem de Avis (como, de resto, a de Santiago) necessitava de
reunir os recursos indispensáveis ao seu enraizamento e crescimento futuro.
Dilema presente à chegada de todos os pioneiros de todas as "novas fronteiras" ao longo de toda
a História.
Daí a sua necessidade de discutir, por vezes com a aspereza que a sobrevivência implicava, com
os outros poderes já instalados, ou em vias de se implantarem, áreas de influência, direitos e
rendimentos.
Tarefa tanto mais difícil e complexa quanto os direitos e rendimentos em causa, oriundos ou
alegadamente fundamentados, em costumes, doações ou quaisquer actos susceptíveis de
produzirem "adequados efeitos "jurídicos", tinham nascido casuisticamente, e sido acumulados
por "sedimentação," sem que os respectivos outorgantes possuíssem a visão de conjunto
necessária para os com paginar, repartir, delimitar e equilibrar.
Para compreender minimamente a série de atritos e conflitos que passaremos a abordar é
indispensável referir como eram partilhados e para quem revertiam esses direitos e imposições
fiscais, muito especialmente nos casos das igrejas da ordem. E também qual a sua importância
dentro do quadro geral da economia da mesma, e no âmbito restrito de cada "terra" ou, mais
tarde, comenda.
Verificaremos que, ao longo dos litígios sobre direitos e jurisdições verificados entre a diocese de
Évora e os freires desde antes de 1200, existe sempre uma constante, a divisão e apropriação dos
rendimentos obtidos a partir da rede das igrejas paroquiais.
Infelizmente não se conhece muito sobre os valores concretos envolvidos, nem tão pouco sobre a
variedade dos diversos direitos cobrados sobre as igrejas paroquiais , mas é lícito pensar que
encontrariam nos rendimentos resultantes dos respectivos patrimónios fundiários e na colecta do
dízimo as suas mais significativas fontes de receita.
Sendo extremamente difícil avaliar, no período em apreço, o peso que representariam no quadro
global da economia da ordem os rendimentos advenientes da exploração directa de bens
fundiários e aforamentos a terceiros, ou os ingressos encaixados através dos direitos, parece no
entanto depreender-se que os rendimentos provenientes das igrejas representavam uma parcela
importante do respectivo orçamento.
Embora tivesse sido sancionado pelos concílios de Latrão de 1123 e 1139, o pagamento do
dízimo, segundo Avelino Jesus da COSTA, só veio a tornar-se obrigatório a partir da segunda
metade do século XII, passando a constituir a principal fonte de receita das igrejas.
Mas a sujeição dos rendimentos régios ao pagamento do dízimo foi mais tardia, datando de 1218,
no reinado de D. Afonso II. No entanto parece admissível que a difusão plena do dízimo
obrigatório só se tenha acabado de concretizar já em pleno século XIII com incidência tanto
sobre os frutos da terra e dos animais como sobre a actividade humana.
A forma de apropriação e distribuição do produto desta fiscalidade variava sensivelmente, tanto
em função de locais como de períodos cronológicos, ou ainda – como será o âmago dos casos em
apreço em função de acordos específicos.
Na diocese de Évora, a terça episcopal, foi frequentemente transformada em quinta, como
teremos ensejo de ver, ou mesmo em décima, incidindo sobre o dízimo, as mortuárias e
procurações, quase sempre pagas em dinheiro.
Nesta diocese, ao invés do que sucedia com outras, situadas mais a Norte do território, a
capacidade de apropriação exercida pelo respectivo bispo sobre as igrejas não pertencentes ao
seu padroado era mais débil por concorrer com ordens militares cuja influência se encontrava
solidamente enraizada.
Com efeito, desde que Gregório VIII, (incluindo obliquamente a ordem de Avis na de Calatrava
ao confirmar-lhe como seus os bens dos freires de Évora em Portugal), reconhece todos os
privilégios outorgados pelos seus antecessores, estende automaticamente essas regalias aos
cavaleiros de Avis. Daí em diante assistia-lhes "de jure" o direito de edificar igrejas e provê-las
de priores nos lugares que lhes pertenciam. Mantinha-se no entanto um vínculo "hierárquico" à
diocese, a cujo prelado assistia o direito de os confirmar.
No seu relacionamento com as ordens militares estabelecidas no seio das suas jurisdições, e com
Avis em particular, as autoridades diocesanas foram
estabelecendo acordos sucessivos, frequentemente reformulados, sobre bens, direitos e
jurisdições.
No que se refere à diocese de Évora e aos cavaleiros de Avis, como deixámos apontado, os
litígios foram mais prolongados. Esta situação decorreu, estamos em crer, da particularmente
concentrada implantação da ordem dentro do território da jurisdição diocesana, verdadeiro
enquistamento de um poder concorrente na mesma área territorial.
E também do facto decorrente de os acordos nunca terem sido considerados integralmente
satisfatórios pelas partes, e como tal frequentemente incumpridos .
Este incumprimento decorria, parece evidente, da defesa das prerrogativas consideradas
essenciais por cada uma das partes.
A diocese pretendia naturalmente ver reconhecido o poder episcopal, mormente no que
respeitava aos tributos que entendia deverem ser-lhes prestados pelas igrejas dos cavaleiros de
Évora e ainda – ponto não menos importante – todos os direitos decorrentes do pleno acatamento
da supremacia da sua jurisdição.
Num primeiro tempo a disputa terá incidido sobre a definição dos tributos, e respectivos
montantes, bem como a aceitação do direito episcopal de confirmação dos párocos apresentados
pela milícia.
Num segundo tempo o litígio deslocou-se para a admissibilidade do lançamento de interditos e o
direito de visita, ameaças dirigidas ao coração da autonomia da milícia.
Como se depreende, em termos genéricos e simplistas, a diocese procurava limitar o exercício do
direito de padroado e garantir o reconhecimento da supremacia episcopal, a freiria procurava
preservar o cerne da sua autonomia severamente ameaçada.
No primeiro acordo sobre a igreja de Benavente o bispo de Évora reconhecia aos freires uma
espécie de salomónico direito de padroado sub conditione, à milícia caberia apresentar o clérigo,
mas este teria de ser confirmado pelo prelado da diocese. E ficava estipulada a reserva de um
quarto do dízimo e das mortuárias para o bispo e o seu cabido.
O conflito temporariamente sanado radicava-se claramente no que acima foi enunciado: os
freires pretendiam garantir o pleno exercício do direito de padroado, enquanto a diocese, à falta
de melhor, procurava inscrever esse direito no quadro da supremacia da jurisdição episcopal. E
essa supremacia exprimia-se, entre outros atributos, pela obrigatoriedade da prestação da terça
episcopal, no direito de visitação, da consagração dos óleos santos e dos altares.
Se esses desideratos fossem alcançados a diocese teria absorvido o corpo estranho enquistado no
seio do seu território, e os cavaleiros teriam perdido uma situação de excepcional autonomia
justificada pela missão específica e pela conjuntura na qual tinham sido criados, posteriormente
alicerçada de jure e consuetudinariamente. Ambas as partes tinham muito a ganhar ou a perder.
Julgamos que a consciência deste impasse terá norteado o carácter salomónico do acordo
arbitrado pelo monarca.
Pouco depois desta primeira concertação o bispo e o mestre acordavam o estatuto da capela
erigida pelos cavaleiros na alcáçova de Évora sob o orago de S. Miguel.
A este templo, que se deduz fosse destinado ao uso exclusivo da comunidade dos freires, e talvez
aos utentes da albergaria adjacente por eles administrada, era negado o estatuto de freguesia. Por
essa razão não lhe seriam adscritos fregueses sobre os quais pudesse ser lançado dízimo. Só era
autorizada a celebração de missa (pública?) por ocasião do dia do santo patrono.
Embora não pareça decorrer claramente do texto do acordo é admissível que aos freires
competisse a administração dessa capela de S. Miguel, com todos os encargos daí decorrentes.
Este primeiro acordo, que a milícia terá considerado insatisfatório, não foi cumprido. Isto mesmo
se deduz do facto do estatuto da capela ter sido objecto de nova concertação, já sob o mestrado
de D. Fernando Eanes.
A correlação das forças em presença teria, entretanto, sofrido um novo reequilíbrio, o quase total
silêncio das fontes sobre o mestre D. Paio foi quebrado com a emergência de D. Fernando Eanes
(1201-1227) que exerceu o cargo durante a conturbada segunda parte do reinado de D. Sancho I
e o período do segundo rei Afonso.
Mas o litígio viria a alargar-se e a assumir novas proporções com a intervenção da Santa Sé,
intervenção essa que admitimos possa ter sido desencadeada por iniciativa da inconformada
milícia eborense.
Durante o mês de Maio de 1201 o papa Inocêncio III dirigiu uma carta aos priores de Alcobaça e
de S. Vicente de Lisboa, ordenando que se efectuasse uma inquirição sobre ocupações de terras
pertencentes aos freires alegadamente perpetradas por ordem do bispo de Évora.
Mas, verosimilmente antes mesmo de conhecer o resultado dessas investigações, e ainda no
decurso do mesmo mês, o papa, certamente preocupado com a gravidade da situação, publicava
uma bula destinada a proteger a freiria de Évora e possessões suas localizadas em Benavente,
Coruche, Évora, Lisboa e Mafra.
Encontramo-nos perante uma abordagem diferente deste diferendo. Enquanto o monarca
português, actuando casuisticamente, parecia privilegiar cautelosamente soluções arbitradas,
susceptíveis de viabilizar uma coabitação pacífica e negociada das duas jurisdições conflituantes,
o sumo pontífice abordava a questão na sua globalidade, confirmando as possessões dos freires e
reafirmando as suas prerrogativas.
Como parece evidente esta "carta de conforto papal" se, por um lado, tinha o mérito de
resguardar a milícia na sua globalidade, por outro não podia descer à minudência de esmiuçar, ou
sequer pronunciar-se, sobre os desacordos pontuais entre a diocese e os freires, consequências
inevitáveis da persistência de um conflito que nem o monarca nem o papa poderiam encerrar em
definitivo.
Em 1214 D. Fernando Eanes e o sucessor do bispo D. Paio pareciam apostados em denunciar os
acordos teoricamente vigentes e partir para uma renegociação.
O mestre da ordem de Avis comprometia-se a deixar cair todas as acções que os freires
mantinham contra o bispo de Évora até o pretérito dia 2 de Abril de 1214, e renunciava aos
acordos feitos em 1200, que foram transcritos no texto deste compromisso.
A indicação de um dia preciso para a cessação das pendências em curso parece indiciar um
convénio prévio. Talvez mesmo o interesse da diocese em suster alguma, ou algumas, acções
concretas.
Mas a aparente cedência da ordem de Avis, que inclusivamente denunciava acordos anteriores,
deveria ter uma contrapartida negociada que substituísse os convénios ab-rogados. Mas não
encontramos nas fontes consultadas qualquer traço dessa contrapartida.
Muito pelo contrário, alguns anos mais tarde, existem referências sobre a vigência de partes dos
acordos de 1200, invocada e reafirmada tanto por D. Soeiro, novo prelado eborense, como pelo
mestre D. Fernando Eanes, VILAR admite que este documento fosse "elaborado na sequência
de uma apreciação feita pelo prior de São Tiago de Santarém e por um cónego de Coimbra (…)
talvez por mandado pontifício e no culminar provável de um anterior processo, do qual não
temos, porém, qualquer informação" .
Admitimos que o processo anterior a que a autora se refere possa ter sido, precisamente, a
renegociação, provavelmente inconclusiva, subsequente à renúncia aos acordos de 1200.
Estas referências, posteriores a 1216, a esses acordos de 1200 encontram-se inseridas num texto
longo onde se patenteia o alastramento do conflito que não se encontrava já confinado nos
mesmos termos a Benavente e Évora, e uma tentativa de enunciação de princípios genéricos.
Nele se estipula a obrigatoriedade do pagamento do quarto do dízimo e mortuárias em Benavente
e Avis, definindo-se o valor da colheita em cinco libras, mas no caso das igrejas de Avis, todos os
outros rendimentos por elas gerados ficariam pertencendo aos freires, a título de auxílio para a
construção do castelo a que estavam obrigados nos termos da doação régia de 1211.
Ficavam isentas de dízimo as terras detidas pela ordem à data do III concílio de Latrão e
exploradas pelos freires de Avis. A diocese aceitava também que os paroquianos que possuíssem
terras situadas fora dos limites da freguesia de residência pagassem o dízimo nesta, e não nas
outras localidades onde eram proprietários. Este princípio, que seria acatado em futuros acordos,
beneficiaria em certos casos os moradores em terras da freiria.
Fixava-se a obrigatoriedade dos clérigos dessas igrejas da ordem estarem presentes no sínodo
diocesano. Reafirmavam-se os direitos episcopais no tocante à confirmação dos clérigos
apresentados pela Ordem e à sagração das igrejas por ela edificadas. Mas nada se adiantava sobre
o direito de visita e o lançamento de interditos, temas da maior importância para a autonomia dos
freires.
Em termos gerais este conjunto de princípios representaria um equilíbrio pragmático, uma
espécie de "cristalização" da problemática.
Como admite VILAR "o modelo é o de uma conciliação entre poderes com interesses numa
mesma região, factor que obrigava ao respeito mútuo de prerrogativas e direitos específicos".
Sublinhe-se no entanto que o enquistamento de uma jurisdição com as características da de Avis
no seio de uma diocese como a de Évora levantava, e levantaria sempre, questões irreconciliáveis
que nem o recurso à arbitragem régia ou papal conseguiriam conciliar e apaziguar
definitivamente a contento das partes.
A deslocação para o al Gharb da fronteira meridional iria permitir à diocese de Évora fixar os
seus limites territoriais, beneficiar do surto de prosperidade comercial e crescimento demográfico
desenvolvido na segunda metade da centúria de Duzentos, e estender com gradual segurança o
alcance da sua jurisdição.
Mas a ordem de Avis permanecia ainda uma instituição sólida, cuja utilidade se espelharia na
multiplicação de doações régias e consequente robustecimento patrimonial. As igrejas sujeitas ao
seu padroado não deixariam de aumentar constituindo-se numa malha apertada a nordeste,
enquanto no sul crescia a influência da ordem de Santiago.
Pode afirmar-se que a diocese de Évora, não obstante a sua importância crescente, lutava para se
eximir à "compressão" que as duas ordens militares exerciam nos limites do seu território.
Existem referências dispersas que permitem, mais de meio século decorrido sobre a sua
fundação, considerar que os freires de Évora iam ocupando paulatinamente outras facetas da sua
vocação. Começa a assinalar-se, nesses longos territórios ermados, onde os pontos de apoio
escasseavam ainda, o seu papel de assistência a viandantes que, no período em apreço, seriam
sobretudo agentes comerciais.
E além de garantirem uma relativa segurança nas áreas circunvizinhas aos termos das suas
possessões, começava a desenhar-se, tal como tinha sucedido com outras ordens militares, tanto
na Terra Santa como em várias regiões da reconquista peninsular, essa sua actividade assistencial
através das albergarias e hospitais que iam fundando, gerindo e sustentando.
Tratava-se, é certo, de instituições frequentemente rudimentares e espartanas (com estas
características as iremos encontrar ainda do começo do século XVI), mas eram, também,
entidades prestadoras de serviços insubstituíveis, e perfeitamente adequadas ás expectativas e
padrões da época, desde que a sua gestão fosse periodicamente reavaliada e corrigida, como viria
a suceder em sucessivas visitações que teremos ocasião de analisar.
Por outro lado, a necessidade de conseguir uma autarcia económica e financeira, de rentabilizar
as suas possessões, povoando-as e criando tecidos produtivos, conduziria ao incentivo da
pastorícia, ao fomento da criação de equídeos e bestas de tiro e carga, ao estabelecimento de
pólos artesanais no "sector" têxtil, aproveitando a lã e o linho, ao desenvolvimento das culturas
oleaginosas, cerealíferas, vinícolas e silvícolas , e certamente o fomento de actividades ligadas à
metalurgia.
Aos conflitos que, certamente, não deixaram de eclodir e de se desenvolver dentro deste quadro
não correspondem informações abundantes nas fontes.
Não é de excluir que esse silêncio se tenha ficado a dever, ao menos parcialmente, a uma
conjuntura diocesana, marcada por uma crise episcopal que, iniciada nos anos trinta do século
XIII se prolongará até à confirmação do bispo D. Martinho em 1246.
Apenas em 1236 se documenta um novo acordo, incidindo desta feita sobre as igrejas de Seda e
de Fronteira.
O mestre de Avis, D. Fernando Rodrigues Monteiro, reconhecia a subordinação das duas igrejas
ao bispo de Évora, obrigando-se ao pagamento de um quinto dos dízimos do pão, vinho, linho,
bois, cavalos e gado miúdo, bem como de cinco maravedis de procuração .
Por seu turno o bispo D. Fernando de Évora declarava "desistir" do seu direito à terça
eclesiástica, contentando-se com um quinto do dízimo, sob a alegação de assim contribuir para o
financiamento dos encargos suportados pela ordem na sua actividade militar contra os
muçulmanos.
O reduzido montante fixado neste acordo correspondia ao mínimo habitualmente estipulado
como pagamento na área de jurisdição diocesana de Évora, e correspondia sempre a situações
excepcionais como a instalação em zonas consideradas perigosas, ermas ou inóspitas, ou em
conjunturas de menor capacidade negocial por parte da diocese .
No caso vertente admitimos que, mais do que um contributo voluntário para as despesas da
guerra, ou compreensão das dificuldades do povoamento o, relativamente modesto valor do
tributo, estivesse relacionado com uma diminuição de capacidade negocial decorrente do período
particularmente atribulado que o bispo D. Fernando atravessava .
As, já referidas, duas décadas e meia de conflitos intra-diocesanos inscreviam-se num clima de
turbulência geral que assolava o país, como a seu tempo referiremos.
Não é de excluir a hipótese de que a Ordem de Avis tenha procurado beneficiar da instabilidade
reinante distanciando-se da diocese e tentando converter incumprimentos em práticas
consuetudinárias. O Arquivo permite levantar essa probabilidade, embora a fonte seja
ligeiramente posterior e já inscrita na prelatura do bispo seguinte .
Com o advento do bispo D. Martinho Pires (1246-1266) a diocese de Évora iria reencontrar uma
estabilidade indispensável para um novo período negocial visando a conciliação entre os poderes
que compartilhavam o seu território.
Contemporâneo de D. Afonso III, com cujo apoio contou, retribuindo-o, este prelado reorganizou
uma diocese em expansão, afectada por todas as condicionantes que temos vindo a referir. A
estas circunstâncias vinha acrescentar-se um facto novo: durante a sua prelatura, à "compressão"
exercida a nordeste e sul do território diocesano pelas ordens de Avis e Santiago somava-se agora
um novo conjunto de instituições eclesiásticas e centros de poder laico cuja instalação e
desenvolvimento tinham sido incentivadas e protegidas pelo próprio monarca .
Situação que, naturalmente, aconselhava uma política de relacionamento cauteloso e negociado
com as diversas instituições em causa.
D. Martinho Pires gozava da protecção do rei que, certamente consciente da fragilidade
patrimonial da sua diocese, lhe fez algumas doações e constata-se uma sintonia entre a política
régia de pacificação do reino e a linha de rumo seguida pelo prelado eborense .
Quatro anos após a confirmação do novo prelado, em 1250, temos notícia de uma nova
conciliação pontual entre as autoridades diocesanas e a ordem de Avis, no caso vertente incidindo
sobre as igrejas de Estremoz .
Inscreve-se na linha de alguns daqueles que o precederam e, nele, o mestre Martinho Fernandes,
limita-se ao habitual compromisso de aceitação da confirmação episcopal para os clérigos
apresentados pelos freires para as sobreditas igrejas.
Do mesmo modo, no atinente à repartição tributária, a diocese volta a contentar-se com o quinto
do dízimo.
Em 1255, D. Martinho Fernandes, mestre de Avis, comprometia-se a prestar à diocese e cabido a
terça dos dízimos do pão, vinho, azeite e gado, bem como as oblações em dinheiro feitas à igreja
de Coruche . Teria ainda de pagar às autoridades episcopais vinte e quatro maravedis por cada
visitação ás igrejas de S. Pedro e S. João.
Os párocos destas igrejas não estavam obrigados a participar presencialmente no sínodo
episcopal de Évora, podendo nomear um seu representante.
Parecia estar a encerrar-se um período em que, sopesando os acordos até ali celebrados, teriam
existido razões para a convicção expressa por CUNHA , e perfilhada por VILAR segundo a qual
na generalidade destas composições a balança pendia a favor dos cavaleiros de Avis.
Mas já em Agosto de 1256 é detectável a confirmação de uma ligeira inflexão nesta tendência. A
composição em apreço refere-se ás igrejas de Azóia e Gualdim, no termo de Santarém, de cujo
dízimo a Ordem de Avis passará a receber a metade.
Dez anos volvidos, e reportando-se ás igrejas de Borba, de Estremoz (estas últimas já haviam
sido objecto do supracitado convénio de 1250) e Alandroal, é conhecido um novo acordo .
Esta concertação inclui o formal reconhecimento, por parte do bispo de Évora, dos privilégios da
ordem de Avis e o compromisso de os respeitar.
Em contrapartida, em vez do quinto acordado em 1250, o bispo e o cabido de Évora passam a
receber o quarto do dízimo e mortuárias das igrejas de Estremoz. Registe-se que, no que se refere
ao Alandroal, as autoridades diocesanas conseguiram fazer aceitar a desejada tributação da terça
episcopal. No atinente ás igrejas de Borba segue-se a regra do quarto do dízimo.
Não é desejável retirar conclusões genéricas tendo como base um único acordo mas parece-nos
de assinalar que os negociadores de D. Martinho Pires conseguiram neste convénio, a troco de
um compromisso genérico de respeito de privilégios (que talvez apenas formalizasse uma
situação de facto), substanciais aumentos tributários, e um acordo adicional sobre a confirmação
diocesana dos clérigos apresentados e a sagração dos templos, mas desta feita extensivo a todas
as igrejas que a ordem viesse a construir.
Não se exclui a hipótese de que nos encontremos de facto no limiar de um novo ciclo em que a
diocese começaria a inverter uma já longa tendência, começando a reequilibrar as condições
estipuladas nos convénios.
A relação das forças em presença tinha sido balanceada após uma intervenção de Urbano IV, que
reagia a novas queixas apresentadas pelo bispo e cabido de Évora que denunciavam a edificação
de igrejas, objectivamente em Veiros e no Alandroal, pela ordem de Avis, sem a prévia
autorização diocesana, prática que suspeitamos tenha sido reiterada no ciclo antecedente.
Esta tendência para um paulatino reequilíbrio no ordenamento das relações entre os dois poderes
confrontantes acentuar-se-ia durante a prelatura do bispo D. Durando Pais, que herdaria de D.
Martinho, uma sé episcopal assente sobre alicerces mais sólidos.
Estão documentados, no final do mês de Maio de 1279, vários autos de posse respeitantes ás
igrejas de Alter Pedroso, Avis, Cabeço de Vide, Fronteira, Seda e Veiros .
Subscritos por Abril Peres, na qualidade de procurador do bispo, respeitavam à terça episcopal e
mortuárias e contemplavam alguns valores de colecta mais elevados do que aqueles que tinham
ficado consignados em acordos anteriores já referidos.
Deste facto parece lícito depreender que terão existido outras concertações em que alguns
valores teriam sido renegociados com vantagem para a diocese, e na sequência dos quais as
autoridades do bispado teriam iniciado a colecta tributária nas localidades em apreço.
Pouco depois, em Junho desse mesmo ano, deparamo-nos com um acordo de âmbito muito mais
vasto uma vez que contempla assuntos vários, tal como o provimento dos clérigos, benefícios,
dízimas e direitos diversos respeitantes a um conjunto de igrejas de que destacaremos as de Avis,
Alter Pedroso, Santa Maria de Beja, Benavente, Benavila, a capela de Borba, Cabeção, Cabeço
de Vide, Cano, Coruche, Santa Maria e São Tiago de Estremoz, Fronteira, Juromenha, Pedroso,
Seda, Sousel, Veiros e Vila Viçosa.
Trata-se de um conjunto patrimonial já bastante próximo daquele que será objecto de análise em
capítulos posteriores, e revela uma preocupação de ultrapassagem dos convénios casuísticos em
benefício de uma regulamentação globalizante abarcando o universo patrimonial e jurisdicional
da ordem de Avis.
E evidencia a preocupação da diocese de expandir inequivocamente a sua implantação no quadro
de uma homogeneização tributária e de uma clarificação jurisdicional .
As partes reconheceram expressamente que todas as igrejas dos freires de Avis ficavam sujeitas à
terça episcopal e ao pagamento anual da visitação . O remanescente, bem como as primícias e as
oblações permaneceriam na posse da Ordem. O prelado eborense comprometia-se a respeitar, nos
termos da supracitada disposição de Inocêncio III, a isenção do dízimo que incidiria sobre os
terrenos directamente explorados pelos freires.
Era reconhecido à ordem o direito de padroado, salvaguardando a confirmação episcopal dos
clérigos apresentados.
Um verdadeiro salto quantitativo e qualitativo, que ocorre cerca de duas décadas antes do final
do século XIII.
Observa CUNHA, a este propósito: "A extensão territorial sobre que esta composição incide faz-
nos pensar que os conflitos anteriores resultaram numa situação de compromisso,
consubstanciada agora numa carta, pois são apenas igrejas não abrangidas neste diploma que
vão ser objecto de composições posteriores" .

1.9. De Évora a Avis: a sedimentação da milícia. A emergência dos Espatários.


Encerramos aqui um bosquejo, necessariamente superficial e selectivo, de alguns aspectos
considerados relevantes para a evocação do quadro de conjuntura em que se inseriu a
transferência, em 1211, dos freires de Évora para a sua vila de Avis. Marco cronológico que,
coincidindo com o início do reinado de D. Afonso II, parece duplamente simbólico.
Tivemos ensejo de constatar que, com a excepção de Benavente, tinha vindo a existir como que
um padrão nas doações régias feitas à milícia eborense. Num primeiro tempo era-lhes confiado o
castelo e os encargos de defesa da povoação adjacente, e só num segundo tempo o senhorio da
mesma.
Vimos também que, no caso de Coruche, se explicava e justificava a directa intervenção régia na
coordenação de um povoamento problemático, e que no atinente a Mafra circunstâncias
particulares tinham retardado a concessão do senhorio. Mas, no caso de Avis , as explicações
para a repetição do padrão não parecem tão evidentes.
CUNHA deu-se conta disto mesmo ao escrever "há apenas mais uma doação régia, por sinal
importante: trata-se da zona de Avis, com a condição dos freires aí construírem um castelo e
povoarem o lugar. Três anos mais tarde a milícia cumprira já o acordado mas, ao contrário do
que se poderia supor, não é ela quem tem a jurisdição: tal como acontecera com Coruche e
Mafra, quem concede o foral aos moradores de Avis é o rei ".
Salvo melhor opinião estaremos perante um caso que talvez se possa explicar pelas já referidas
características de afirmação da autoridade do Estado e recuperação da soberania do monarca que
caracterizaram o reinado de D. Afonso II.
Apontámos já que a situação da fronteira meridional se encontrava estabilizada desde 1191, e
esta doação ocorre precisamente na altura da primeira cúria solene de D. Afonso II, pouco antes
da ofensiva cristã de 1212. E, em seu tempo, mencionamos um refluxo das populações rurais em
direcção ao Norte e aos centros urbanos, primeiro ocasionado pelas invasões almóadas e, depois,
pelas fomes e tumultos do reinado de D. Sancho I.
Não repugna admitir que o desígnio do rei doador tivesse sido o de assegurar, antes do mais, a
segurança militar da zona, provavelmente ermada, sem perder de vista os imperativos de um
povoamento desenvolvido no quadro de um foral régio que marcasse ex-ante o primado da
iniciativa real e a regulamentação desse mesmo povoamento no quadro jurídico do Estado
português.
Se CUNHA apenas depreendeu que os freires de Évora tinham cumprido o estabelecido na
doação três anos depois apenas baseada na data da carta de foral, a presunção pode não ser
segura. Ainda neste período são conhecidos exemplos de fortificações apressadamente
improvisadas e que apenas muitos anos decorridos começam a oferecer as garantias mínimas de
segurança. Como abundam testemunhos da relativa lentidão com que se processava o
povoamento cristão.
Uma vez que a transmissão do domínio para a milícia só se efectuou em data posterior a 1218
inclinamo-nos a aceitar que apenas neste período se considerou que o núcleo inicial de
povoadores se encontrava já razoavelmente enraizado , permitindo que o segundo foral fosse já
outorgado pelo mestre e convento da ordem de Avis .
Recapitulando; no início do século XIII os freires de Avis possuíam bens pelo menos em Évora,
Coruche, Santarém, Benavente, Lisboa, Alcanede, Mafra, Oriz e Panóias, configurando uma
distribuição espacial que consta do mapa seguinte:

Mapa nº1
Implantação da Ordem de Avis no século XIII
Fonte: Os dados para a elaboração deste Mapa foram retirados da obra de PIMENTA, Maria Cristina, "As Ordens de Avis e de
Santiago na Baixa Idade Média: O Governo de D. Jorge", Militarium Ordinum Analecta, nº 5, Porto: Fundação Engº António de
Almeida, 2001.

A este acervo vieram juntar-se, no reinado de D. Afonso II, outras possessões advenientes de
doações particulares , efectuadas no quadro de disposições a bem da salvação das almas dos
doadores, e também de aquisições , mas estamos perante bens pouco significativos e
geograficamente dispersos, que em muito pouco viriam a alterar a implantação territorial da
ordem.
A despeito de manifestações de apreço e protecção que, obliquamente, poderiam indiciar
sobretudo a reafirmação de uma forma de relação de dependência em relação à Coroa , D.
Afonso II não doou à ordem mais bens de particular relevancia. Limitou-se, como vimos, a
reafirmar a posse de uma vinha em Alvalade Menor, que os mesmos freires haviam feito por "de
mandato patris mei inclite memorie" e a confirmar a posse de bens anteriormente recebidos.
Segundo o cronista da Ordem de Avis , ROMAN, dois anos antes da eclosão plena do processo
de fragmentação política do império almorávida conhecido como "as terceiras taifas", e pouco
depois da conquista de Alcácer do Sal, o monarca teria concedido autorização ao mestre D.
Fernando Eanes para construir uma fortaleza junto à fronteira com os mouros.
Hermenegildo FERNANDES refere que durante o reinado de D. Sancho II se manteve de forma
consequente o objectivo de intervir na área fronteiriça. No respeitante aos forais nortenhos
sucessivamente concedidos parece descortinar-se um propósito de reforço demográfico e
estruturação administrativa em territórios durienses que se aproximavam, sem no entanto a
atingir, da fronteira leonesa. Precisando a área em apreço acrescenta este autor: "(…) essa
intervenção meridional incide sobre uma área de marca por excelência e onde à limitação com
Leão se vem juntar a fronteira com o Al-Andalus".
Como tivemos ensejo de aflorar a propósito da sociedade eborense e sua adaptação a uma
situação de guerra de fronteira, durante o primeiro período da existência da Ordem dos
Cavaleiros de Évora, não se documentava aí a existência de ricos-homens ou prestameiros, antes
uma total ausência de intermediários feudais entre os cavaleiros que defendiam esse território
dilatado e de fronteira móvel e o seu longínquo senhor, o rei, cuja autoridade se exerceria de
forma intermitente e com menor grau de adequação aos seus problemas específicos.
O extenso território entre Tejo e Guadiana que era objecto da preocupação de D. Sancho II – tal
como o fora dos reis seus antecessores encontrava-se delimitado "seguindo o traçado
longitudinal da orientação Noroeste-Sudeste da serra de S. Mamede, que articula o território
como se de uma coluna dorsal se tratasse, o que quer dizer que neste traçado ela não serve de
limite, devendo este colocar-se mais a Leste, na serra de S. Pedro, em terras que serão depois do
reino de Castela/Leão. A reconstrução cartográfica aproximada do termo (de Elvas) feito por
Ruy de Azevedo pode dar-nos uma ideia da sua dimensão mas apenas na vertente ocidental, hoje
portuguesa".
Solidamente ancorada em Évora, a milícia transferiria formalmente a sua sede para Avis no
mesmo ano em que D. Afonso II subia ao trono mas, como deixámos atrás, parece admissível
que essa nova base só se encontrasse perfeitamente operacional cerca de 1220, pouco antes da
morte desse rei. Decorreria menos de uma década até ao arranque da capanha alentejana de D.
Sancho II, iniciada com a expedição a Elvas, que ilustrava a intenção do monarca de intervir
numa área situada para lá da antedita serra de S. Mamede, mais precisamente no território de
Marvão que se situava dentro do cone de influência leonesa constituído por Albuquerque e
Valência de Alcântara.
No entanto esta campanha pode considerar-se como representando a continuação do –
anteriormente referido - antigo desígnio estratégico de controlar Badajoz, e foi desenvolvida de
modo concertado com o monarca leonês Afonso IX, que visava a conquista desta última praça
com o concurso da Ordem de Alcântara .
É conhecido o insucesso final desta expedição a Elvas de D. Sancho II, bem como o momento de
fragilidade externa e de dúvidas internas que esse desastre fez pairar sobre o reinado e o futuro
da dinastia portuguesa. FERNANDES aponta inclusivamente o abandono a que o jovem
monarca foi votado por parte dos magnates que tinham constituído a sua base de apoio, embora
salientando a emergência de uma nova clientela constituída por pelos representantes do poder
régio a nível local . Mas estrutura administrativa, substancialmente aperfeiçoada durante as
décadas precedentes, viria a resistir, e permitiria ao rei ultrapassar o seu relativo isolamento
político, e reforçar uma autoridade que obstaria a que os poderes senhoriais degenerassem em
poderes incontroladamente discricionários. Na expressão de FERNANDES "(…) falhada em
termos imediatos a hipótese de expansão territorial para o interior, o rei volta-se para os centros
urbanos e portuários do litoral". Envolvendo-se simultaneamente num longo braço de ferro com
os poderes eclesiásticos em que acaba por se confrontar com as apetências hegemónicas duma
Santa Sé que aproveitava o clima de anarquia prevalecente para reforçar a sua intervenção num
ocidente peninsular que permanecia em luta contra as comunidades islâmicas do Sul.
Mas D. Sancho sobreviveria política e militarmente como o demonstram a conquista de
Juromenha, em 1230, e a de Serpa e Moura dois anos mais tarde quando, obedecendo ás mesmas
razões que haviam determinado a deslocação dos freires de Évora para Avis, os cavaleiros do
Hospital iniciaram o povoamento do Crato.
O retomar da ofensiva foi acompanhado por uma complementar política de reordenamento do
território desenvolvida directamente pelo monarca, ou indirectamente, com recurso a entidades
terceiras. E dentro destas últimas, avultava o papel desempenhado pelas ordens militares que, de
um modo mais perceptível, eram chamadas a coadjuvar a organização dos novos espaços e
populações.
Com efeito, durante a década de vinte documentam-se 16 forais, sendo que 14 se ficaram a dever
à iniciativa régia e os 2 restantes à Ordem de Avis. Mas no período imediato a intervenção
organizativa do rei esbateu-se uma vez que se registam apenas 7 forais, todos devidos à iniciativa
privada, que, no caso do Alentejo, pertencia iniludivelmente às ordens militares. Paralelamente,
na perspectiva das normas concelhias, a preponderância das mesmas ordens surge de modo
flagrante .
Como faz ressaltar o autor que temos vindo a seguir, no respeitante aos destinatários dos
diplomas emanados da chancelaria régia no período compreendido entre o começo e o último
ano da década de vinte, as ordens militares representam apenas 6%, a partir de 1242 e até ao final
do reinado os diplomas que visavam essas milícias ascenderão até 37% do total, configurando
uma situação em que "(…) as ordens se transformaram no principal interlocutor político de
Sancho".
Neste ponto do trabalho parece oportuno justificar a utilização de estudos que, à data em que
escrevemos, constituem abordagens incontornáveis das questões em apreço: tal como aliás temos
feito, e voltaremos a fazer, no que respeita a obras fundamentais, estudos específicos, e sínteses
elucidativas que nos ajudaram a acompanhar aspectos particulares ou circunstâncias envolventes
dos diferentes períodos da vida da Ordem de Avis. Convirá ter presente que, em analogia com
uma parcela das intenções das visitações Quinhentistas, cuja análise constituirá o cerne quase
exclusivo da nossa investigação, também nós nos limitamos - ao longo da primeira parte desta
dissertação - a proceder a um inventário, necessariamente sucinto, do trabalho daqueles que nos
precederam. Mesmo admitindo que tal fosse possível nas presentes circunstâncias, investigar
directamente cada uma das etapas da vida desta milícia, durante quatro séculos, excederia
manifestamente os objectivos a que nos propusemos.
E o supracitado aspecto fulcral deste período, durante o qual 10, dos 18 diplomas respeitantes ás
ordens militares saídos da chancelaria de D. Sancho II, consistem em doações, é o sublinhar da
ocorrência duma mutação particularmente significativa e reveladora da emergência das (ainda
prematuramente) chamadas "ordens nacionais", até então relegadas para um papel relativamente
secundário face ás chamadas "ordens internacionais".
Com efeito se anteriormente o Templo e o Hospital tinham sido beneficiárias da maior parte dos
actos de munificência régia, essas mesmas milícias, carregadas de historial e alavancadas pelas
suas ligações e apoios peninsulares e transpirinaicos, que haviam ajudado ao parto difícil do
reino de Portugal, irão presenciar o crescente protagonismo da Ordem de Santiago face à
paulatina sedimentação de Avis no seu papel de organizadora e defensora do alto Além-Tejo.
Mas esse novo protagonismo de Santiago mais não faz do que reflectir duas situações.
Primeiramente a prioridade de que se reveste a penetração pelo vale do Sado em relação ao eixo
do Guadiana. Em segundo lugar a crise que atravessam, a nível global, tanto os templários como
os hospitalários, instituições cuja vocação e objectivos teriam que ser reavaliados e reorientados
devido à nova conjuntura político-militar entretanto verificada na Terra Santa.
A estas razões de ordem geral FERNANDES acrescenta motivos ligados ao relevo e à orografia,
bem como de natureza estritamente militar.
Enquanto, defronte do seu castelo de Alcácer, a Ordem de Santiago não tinha a esperar, com a
possível excepção do hisn implantado junto à futura Santiago do Cacém, nenhuma resistência
muçulmana significativa até à serra algarvia, o eixo de penetração pelo vale do Guadiana após a
tomada de Juromenha permanecia bloqueado, abaixo da serra de Portel, por três importantes
praças-fortes: Mértola, Serpa e Moura.
Mas estes dois últimos castelos caíram, como apontamos, em 1232. Em tese poderia considerar-
se que uma parte considerável dos obstáculos que se opunham a uma ofensiva pelo Sudeste havia
sido removida. Esta investida de forças de D. Sancho II, que precedeu em cerca de três anos o
arranque espatário em direcção à serra algarvia, poderia denotar alguma hesitação sobre a
escolha do eixo de progressão das forças cristãs, simples descoordenação entre a iniciativa do rei
e os desígnios de Santiago, ou dificuldades de concertação com o vizinho reino de Leão, também
ele interessado no vale do Guadiana.
No entanto estamos em crer que, não obstante a admissível persistência de outros factores
condicionantes, a imparável arrancada dos Santiaguistas em direcção ao al-Garb, terá ficado a
dever-se primacialmente à débil rarefação do dispositivo militar muçulmano a Sul do Sado que o
novo Mestre D. Paio Peres Correia, ao longo da sua prévia carreira peninsular, teria tido ensejo
de conhecer, talvez mesmo através de informações leonesas potencialmente interessadas em
desviar para ocidente a expansão portuguesa. Nem de outro modo se torna fácil entender a fácil
rapidez com que, a partir de uma primeira ocupação do termo de Aljustrel em 1235, os espatários
progrediram em direcção ao litoral algarvio. É certo que os dados genéricos sobre os efectivos
das ordens militares que a seu tempo afloraremos são posteriores à segunda metade de Duzentos,
mas não é de crer que a escala dos contingentes potencialmente mobilizados directamente por
esse protagonista - quase solitário - da progressão a Sul do vale do Sado que foi a Ordem de
Santiago se tivesse expandido desmesuradamente nessa ocasião.
De facto apenas a extrema debilidade do dispositivo militar inimigo parece explicar a penetração
fulgurante de um contingente de espatários que, atentos os (embora escassos) dados
comparativos que possuímos para épocas posteriores, não deveria atingir uma centena de
cavaleiros, e um corpo relativamente reduzido de tropas auxiliares. Em paralelo a milícia de Avis
surge prematuramente acontonada no seu núcleo do alto além-Tejo sem protagonizar um
movimento de flanqueamento pelo Sudeste que, articulado com a progressão espatária a Oeste,
fechasse o al-Garb entre os dois braços de uma tenaz.
Julgamos ser possível detectar algum anacronismo nesta nossa reflexão. Com efeito, perante a
dimensão exígua do efectivo estimável dos cavaleiros de Avis, agiganta-se a escala do território
que se prolongava até à serra algarvia, tornando pertinente uma dúvida em torno da capacidade
de um tão reduzido número de cavaleiros poder levar a efeito um flanqueamento tão extenso e
fechar um segundo braço de tenaz. A guerra de fronteiras, a despeito da sua elevada mobilidade,
não se processava de acordo com o programa e meios de uma qualquer blitzkrieg, mas
geralmente apenas como o somatório da exploração das oportunidades casuísticas verificadas no
terreno.
De momento fica-nos a constatação de que, enquanto os espatários de Alcácer lideram a
expansão Sul/Sudeste, os cavaleiros de Avis não esboçam qualquer iniciativa militar própria,
permanecendo ancorados em torno da organização dos territórios e da definição dos respectivos
direitos e jurisdições, e a situação que caracteriza o segundo quartel de Duzentos irá definir uma
hierarquia entre as duas milícias e decantar a evolução das respectivas missões.
D. Sancho II fez redigir dois testamentos, do primeiro desconhece-se a data, mas o último foi
lavrado no Inverno de 1248. Nesse segundo diploma encontram-se evidenciadas as preocupações
do Capelo sobre o evoluir da situação interna do reino, e salienta-se o lugar destacado que
ocupam, ao invés do ocorrido nos testamentos de seu pai e avô, os legados dirigidos ás ordens
militares. Primeiro Avis e Santiago (ordens peninsulares), que recebem 300 morabitinos cada, e
só depois Templo e Hospital, cada uma contemplada com 500 morabitinos. Embora todas as
ordens militares sejam destinatárias de somas iguais ou superiores às dos bispados, Avis e
Santiago partilharão entre si as azémolas do rei, enquanto o Templo receberá 20 lorigas.
De acordo com o autor que temos vindo a seguir, esta hierarquia na distribuição dos legados
régios "(…) não se afigura fruto do acaso e parece remeter para duas conclusões. Primeiro uma
preponderância das ordens militares tout court, que se deverá ao crescente papel que mantêm na
sociedade e que continuará mesmo após o eclipse da fronteira - enquanto não se encontra o
caminho para novos Algarves , os de além-mar, mas que estará nos anos 20 de Duzentos prestes
a atingir um climax".
A segunda conclusão proposta pelo mesmo autor consiste na constatação do protagonismo dos
cistercienses, quer através de uma ordem não combatente, a de Cister, quer através dos monges
guerreiros que são os cavaleiros de Avis, cuja acção relevante na consolidação do Alto Alentejo
implicitamente se reconhece.

1.10. A Coroa, o centralismo régio e os freires de Avis (1258 -1329).


No ponto antecedente tivemos ensejo de aflorar alguns aspectos da evolução do relacionamento
entre a ordem de Avis, o bispo e cabido de Évora até aos alvores do século XIV. Diocese em cujo
território, e sob cuja jurisdição episcopal, se encontrava implantada a parte mais significativa do
património e a maior concentração de influência dos freires eborenses. Tratava-se, embora
inscrita numa problemática bem mais vasta, e com recurso frequente à arbitragem do soberano e
do Papa, de uma questão primacialmente regional.
Passaremos agora a observar as consequências do centralismo régio no olhar mais atento e
interveniente que os monarcas irão dispensar à freiria.
Embora parcialmente radicada em razões que tinham pontos de contacto com a problemática
anterior, esta questão tem uma dimensão de escala nacional. O reino de Portugal necessitou do
concurso de múltiplos poderes para se destacar autonomamente e conseguir sobreviver e afirmar-
se, para talhar fronteiras, organizar o território, regulamentar as relações intra e inter-
comununitárias e iniciar a expansão. Mas, "de entre esses poderes, sobretudo do senhorial,
procurará destacar-se um, para todos dominar, o poder régio "Trata-se de uma constante que
logrou impor-se mercê da persistente actuação de sucessivos reis que para afirmar a soberania
régia queriam tutelar os demais poderes que desejavam ver como coadjutores, seus delegados,
jamais poderes concorrenciais".
Datam do reinado de D. Afonso III os primeiros documentos reveladores de um novo
relacionamento, plasmado numa crescente tensão, que irá evoluir no sentido apontado por
PIMENTA e SILVA como tendo sido pautada por "um comportamento régio que, nos séculos
XIV e XV, visava estabelecer o equilíbrio entre a centralização do poder prosseguida pelo
monarca e o poder centralizado das ordens militares, resultado da colaboração destas com a
monarquia no processo da reconquista e organização territorial ao longo dos séculos XII –
XIII".
O conjunto de diferendos entre os freires de Avis e a diocese de Évora ainda não tinha atingido
uma concertação generalizada quando, em 1258, se discutem os "términos e departimientos de
Avis", e, logo dois anos depois, os termos de Borba, Estremoz e Juromenha. O, aparentemente
intempestivo, suscitar desta vontade de inquirição régia colocava a milícia entre dois fogos.
CUNHA suscitou, a propósito desta cronologia, uma hipótese que iremos revisitar. Segundo esta
autora, o Bolonhês teria ficado agastado com a posição de aparente neutralidade assumida pela
ordem de Avis por ocasião da definição da jurisdição do Algarve, uma vez que essa contenda
assumia uma importância que transcendia, como se depreende, os contornos de um simples
diferendo regional.
Neste entendimento, apenas os imperativos da resolução da "questão algarvia" poderiam
justificar o súbito interesse do soberano pela milícia de Avis, e explicar uma alegada política
régia de captação dos favores da ordem de Avis, que esta autora entende estar patente numa série
de manifestações de boa vontade do soberano para com a milícia.
Vamos tentar resumir muito sucintamente a conjuntura em que se inscreveram estas ocorrências
e procurar e enquadrar nela o que, de substancial e documentado, chegou ao nosso
conhecimento.
A maioria dos autores que estudaram o reinado de D. Afonso III, e tiveram ensejo de aprofundar
as circunstâncias da sua ascensão ao trono, e o lento trabalho de pacificação e imposição da sua
autoridade, convergem na aceitação de que uma das razões em que se radicaram os resultados
que obteve foi, precisamente, o pragmatismo da sua "realpolitik". E a "questão algarvia" ilustra
bem esta trave-mestra da sua acção.
Aquele que viria a ser o reino do Algarve coincidia, sobretudo na sua parte ocidental, com o
reino de Niebla. Depois da conquista de Sevilha, em 1248, este território manteve a sua
autonomia, tendo como soberano Ibn Mahuft na situação de vassalo do príncipe Afonso de
Castela.
Entre 1249 e 1250 registaram-se escaramuças e ataques provocados por D. Afonso III de
Portugal contra praças-fortes situadas nesse reino de Niebla.
Estas ofensivas desencadearam os mecanismos adstritos ao "código de assistência mútua entre
suseranos e vassalos", provocando o protesto de Afonso de Castela junto da cúria romana sob a
alegação de que D. Afonso III de Portugal se teria apoderado de "castelos seus" no al Gharb.
Depreende-se que seria incómoda a arbitragem solicitada ao sumo pontífice sobre um litígio
entre dois príncipes peninsulares, centrado num reino muçulmano em pleno território da
reconquista, mas ligado por laços de vassalagem a um dos contendores.
Não espanta pois que Inocêncio IV tenha feito publicar em Outubro de 1250 uma bula bastante
evasiva sobre este assunto, e que em nada contribuiu para aclarar a situação.
Pouco depois, em 31 de Maio de 1252, a morte de Fernando III em Sevilha deixa Afonso X de
Castela com as mãos livres para conduzir esta questão.
Neste mesmo período, entre Abril de 1252 e Março de 1253, as lacunas que se verificam na
reconstituição do itinerário de D. Afonso III permitem admitir que o "Bolonhês" se encontrasse a
dirigir operações na fronteira sul, em território algarvio.
Afonso X de Castela tinha optado, nessa ocasião, por uma abordagem diplomática do diferendo.
Tendo em vista o exercício efectivo da sua soberania sobre o "Algarve ocidental" dirigiu-se
novamente ao pontífice romano, desta feita pedindo a restauração do bispado de Silves, ou talvez
a sua repristinação, visto que a restauração fora obtida em 1189, sendo nela provido como
efémero bispo o clérigo flamengo D. Nicolau, como já foi referido.
O papa acedeu a esta solicitação em finais de 1252, encarregando o bispo de Cartagena de
proceder à restauração da diocese de Silves. E Afonso X não perdeu tempo, nomeando um
prelado para a diocese de Silves, que dotou imediatamente com o senhorio de Lagoa e bens na
mesma Silves e em Albufeira, Faro e Tavira.
Ainda no mês de Janeiro de 1253, com perfeita consciência de tudo o que poderia decorrer do
rumo que o litígio tomava, o papa Inocêncio IV sossegava o soberano português afiançando que
de modo algum era sua intenção prejudicar os seus eventuais direitos sobre o al Gharb, e
exortando os dois monarcas peninsulares a encontrarem uma solução pacífica para o diferendo.
Só um ano depois, já em 1254, o rei de Portugal – que não tinha contestado a "restauração" da
diocese de Silves – viria a protestar publicamente, em plena Sé de Lisboa, e perante o bispo D.
Aires Vasques, contra a actuação unilateral de Afonso X de Castela.
O rei de Portugal tinha todo o interesse em resolver esta importante questão sem a fazer depender
dos resultados de um perigoso recurso às armas e, nesse sentido, teria proposto um acordo ao
monarca castelhano .
A solução encontrada foi uma proposta de casamento, nos termos da qual o soberano português
se aliaria a Afonso X de Castela desposando, D. Beatriz, filha bastarda deste último e de D.
Maria Guilhém de Guzman, que ainda não tinha atingido a idade núbil .
É sabido que a proposta terá sido efectuada durante a vigência do matrimónio do monarca
português com a condessa Matilde de Bolonha, muito embora seja de admitir que não
coabitassem há anos. E tem sido sublinhado o carácter inusitado desse proposto "casamento
morganático" uma vez que a aliança de um soberano com a filha bastarda de outro monarca, era
geralmente considerada, na época, como humilhante para o noivo, embora alegadamente honrosa
para o sogro.
Por outro lado a "prática feudal" conhecia numerosos exemplos em que uma "homenagem" era
simbolicamente sancionada pelo casamento do vassalo com uma filha do senhor. Neste
entendimento, D. Afonso III terá entendido a importância do casamento com com a bastarda de
Afonso X, não hesitando em prestar vassalagem pelo reino que viria a completar a fronteira sul
do seu território.
Como admite MATTOSO as alusões tardias a este convénio, bem como os comportamentos
ulteriores dos seus intervenientes, apontam no sentido de que o rei de Portugal tenha conseguido
celebrar um acordo com várias leituras possíveis.
Segundo este autor Afonso X entenderia o convénio como configurando um feudum oblatum
pelo qual teria cedido o direito de soberania mediante a concessão do mesmo território como um
feudo sujeito ao concessionário, mas que ele interpretava como uma enfiteuse. Afonso X teria
passado a considerar-se senhor feudal do Algarve.
Mas D. Afonso III, no entanto, parece ter reclamado para ele o domínio alto, cedendo apenas o
domínio útil, como se deduz de documentos posteriores que referem um outorgamento de D.
Afonso III ao sogro, aliás a única situação que justificaria a reivindicação do domínio alto por
parte do monarca português.
A tradição prevalecente, indirectamente plasmada na "Crónica de 1419", legitima a conquista
portuguesa do Algarve reconhecendo que o respectivo senhorio pertencia de direito ao monarca
castelhano, que o veio a transmitir aos reis de Portugal na sequência do casamento de D. Afonso
III com D. Beatriz, celebrado em Chaves, em Maio de 1253.
Matilde de Bolonha, a – ainda – mulher de D. Afonso III tardou a reagir e acabou por conseguir
que o rei de Portugal fosse citado para comparecer, no prazo de quatro meses, perante a cúria
romana afim de ser julgado por bigamia. O monarca não acatou, nem essa, nem outras
intimações ocorridas em 1256 e 1258.
Entretanto, a morte de D. Matilde, viria a encerrar este processo de modo favorável aos
interesses da Coroa portuguesa, que em Outubro de 1261, com o nascimento do infante D. Dinis,
tinha já um herdeiro varão.
Em Fevereiro de 1262 o sogro de D. Afonso III conquistaria Niebla ao seu vassalo Ibn Mahuft,
abrindo caminho a uma revisão da "questão algarvia" . Nesse sentido foi criada, em Abril de
1263, uma "comissão" encarregada de encontrar uma solução definitiva para o diferendo
subsistente, comissão essa de que fazia parte o mestre da ordem de Santiago D. Paio Peres
Correia .
Esta arbitragem terá desempenhado a sua missão com inusitada celeridade uma vez que, pouco
mais de três meses depois, se celebrava um acordo entre os dois monarcas.
BALLESTEROS, um pouco sumariamente, classificou este Espatário como "varon discreto, mal
administrador, descuidado en su gestion económica, siendo su preocupación constante la
política del del reino, el engrandecimiento de su Orden y los brillantes hechos de armas".
Afinal, um português, cuja fulgurante carreira militar só parcialmente explicará a sua ascensão a
comendador-mor da sua ordem, foi mais tarde alcandorado à posição estratégica de comendador
de Uclés, e daí a mestre de Santiago. Não parece provável que tivesse ocupado o topo da
hierarquia santiaguistasem conseguir reunir o beneplácito das cortes portuguesa e castelhana,
bemcomo o parecer favorável do papa , como aliás o seu desempenho anterior indicia e a acção
ulterior confirmaria.
Tendo o seu mestre como interlocutor das partes em presença e integrante da "comissão de
arbitragem" do diferendo, a ordem de Santiago, que além do seu peso peninsular se encontrava
fortemente implantada em pontos-chave do território algarvio, entre os quais sobressaíam
Aiamonte, Cacela e Tavira, era certamente uma instituição que D. Afonso III de Portugal
procuraria tornar receptiva à sua posição.
Em contrapartida, a ordem de Avis, cuja influência era inegável a nordeste, entre o Tejo e o
Guadiana, embora tivesse desempenhado um papel nãonegligenciável, mas que não consta fosse
determinante, na conquistaportuguesa do Algarve, em cujo território de encontrava relativamente
pouco implantada, parecia mais afastada de um papel preponderante nesta questão.
E, como procuraremos ver, nada de muito evidente parece apontar para uma "tentativa de
aliciamento" desenvolvida pelo rei de Portugal e dirigida, objectiva e intencionalmente, aos
freires de Avis.
O facto de se ter alcançado este consenso sobre a questão algarvia no curto espaço de um
trimestre, sendo certo que o diferendo se arrastava há longos anos, deixa entrever, não apenas
uma conveniência partilhada em encerrar o litígio, mas a necessidade imperiosa de regulamentar
questões práticas urgentes. E, entre estas últimas, não seriam despiciendas as que se prendiam
com a legitimação da concessão de terras algarvias ás ordens militares que haviam sido
outorgadas por cada um dos monarcas. De acordo com o entendimento alcançado, ao rei de
Castela caberiam as seguintes regalias: distribuição dos bens da Coroa no Algarve Ocidental,
concessão de forais, confirmação das doações anteriormente efectuadas e receber a apelação dos
tribunais regionais.
Tratava-se, inequivocamente, da titularidade superior do senhorio e não apenas do entendimento
do domínio útil, alegadamente perfilhado por D. Afonso IIII, como, a este respeito, já fizera notar
Herculano. Mas Afonso X enfeudava o Algarve a seu neto D. Dinis, com a obrigatoriedade
"simbólica" de que este auxiliaria o suserano com um esquadrão de cinquenta lanças, sempre que
para tal fosse solicitado. Esta situação sofreu evoluções posteriores podendo considerar-se que,
apartir de 16 de Fevereiro de 1267, se encontrava legitimada a integração do Algarve em
Portugal, situação que, a seu tempo, veio clarificar a forteimplantação regional da ordem de
Santiago, sem todavia alterar significativamente a zona de influência dos freires de Avis. Temos
vindo a aflorar, muito sumariamente, um processo complexo cuja fase mais aguda se inscreve no
período compreendido entre 1250 e 1267. Recorde-se que CUNHA explica um súbito interesse
de D. Afonso III pela ordem de Avis como integrando uma política de captação da boa vontade
ecompreensão dos freires em relação ás posições que defendia no tocante à "questão algarvia", e
atribui as inquirições efectuadas a mando destemonarca sobre os limites dos termos de certas
terras da ordem a uma retaliação motivada por uma alegada "neutralidade" por ela assumida. De
acordo com esta autora seriam demonstração dessa "política de boa vontade" a entrega dos
padroados de Coruche , Borba , Beja e Estremoz , as compensações oferecidas pelo rei quando
a ordem lhe entregou o Alcácer Novo de Évora , bem como uma intercessão favorável, reagindo
a uma queixa do mestre de Avis contra o concelho de Monforte que procurava negar, ou cercear,
os direitos dos povoadores da ordem, designadamente confirmando o direito dos habitantes de
Vila Queimada de cortar lenha e apascentar gados no termo de Monforte.Salvo melhor doutrina
estes exemplos podem não configurar tão irrefutavelmente como seria desejável uma deliberada
política defavorecimento. Desde logo a entrega pela ordem ao rei do Alcácer Novo de Évora ,
com a obrigação daquela construir casas fora da cidade, mesmo com uma compensação de 1.000
libras, pedra, madeira e teiga, dificilmente se entende como um favor prestado pelo monarca aos
freires.
Acresce que, quatro anos mais tarde, a ordem de Avis se viu na contingência de vender bens em
Santarém para custear as supracitadas obras, donde depreendemos que, ou o monarca não
cumprira o estipulado, ou a compensação régia se revelara insuficiente .
Depois, a concessão do padroado de Coruche, inscrevia-se, como tivemos ensejo de ver atrás,
num processo bem anterior e não surge evidente a sua conexão com o "problema algarvio".
Por sua vez a delimitação dos direitos dos habitantes de Vila Queimada no tocante ao
concelho de Monforte aponta para uma concertação entre a interpretação do disposto no
foral concedido por D. Afonso III em 1257 e os privilégios dos povoadores da Ordem de
Avis, nada que se não possaqualificar de um acto administrativo de rotina.
Sublinhe-se que, em começos de 1261, ano de abundante produção legislativa, ainda antes das
cortes de Coimbra, D. Afonso III regulamentou os direitos que os padroeiros poderiam exigir das
respectivas igrejas e emitiu uma solene proibição dos abusos das ordens militares sobre o direito
de montado que, frequentemente, prejudicava os criadores de gado que se não encontravam sob a
alçada dessas mesmas ordens. Restam as concessões dos padroados de Beja, Borba e Estremoz,
dois datados de 1260 e outro de 1270, quando o litígio algarvio se encontrava já sanado e que,
no tocante à última, naturalmente, nada tinha a ver com ele. É certo que o laconismo do
Arquivo induz frequentemente a procurar razões imediatamente inteligíveis para os "actos dos
príncipes", interpretando eventos a partir de pistas reconhecidamente escassas.
Mas detenhamo-nos, por exemplo, no caso concreto da supracitada delimitação de termos de
terras da ordem (1258-1260), onde CUNHA parece discernir uma retaliação régia contra a
alegada neutralidade da ordem de Avis, mas onde a estratégia dos freires, integrada na conjuntura
do reino, poderá sugerir uma lógica integrada de conjunto.
Com efeito, os esforços administrativos e de ordenamento dos territórios da freiria pareciam
dirigir-se do seu centro de influência para nascente, para a raia castelhana, em meados deste
século XIII; facto que pode não ser tão neutro quanto possa parecer.
Antes do mais importa realçar que, após a concessão sucessiva de dois forais régios, a ordem
conseguiu finalmente ser ela a outorgar a Avis o seu terceiro foral, o de 1253 . A Coroa, após
acerca de quatro decénios, decidia-se finalmente a ceder a jurisdição plena aos cavaleiros
povoadores e edificadores do respectivo castelo.
Neste mesmo movimento se podem inscrever a carta de povoamento de Travancinha e o foral
de Seda
O esforço de povoamento nesta região de fronteira evidencia-se ainda no acordo celebrado cerca
de 1259 entre o Mestre da ordem de Avis e o Mestre templário castelhano com o intuito de
acertar os termos de Alconchel e Odiana. Tendo discutido e acordado com os templários
castelhanos alguns termos fronteiriços ao redor de 1259, não nos parece inusitado que a ordem
tivesse discutido com a Coroa, em 1258 e 1260 os termos de Avis, Borba, Estremoz e
Juromenha.
O rei tinha vindo a acumular paulatinamente desde 1258 informações reunidas pelos seus
inquiridores sobre abusos senhoriais, do alto clero e das ordens militares. E nas cortes de 1261
viria a receber, por exemplo: nos capítulos dos concelhos de Coimbra e Montemor-o-Velho,
queixas sobre abusos de funcionários régios. Toda essa massa de dados, reunida e estudada, viria
a estar na origem da legislação promulgada entre 1261 e 1272. E de intervenções da Coroa
arbitrando litígios entre a milícia de Avis e os concelhos, como sucedeu em 1269 no que
respeitava à delimitação dos termos de Elva e Juromenha.
Tendo presente o quanto somos, como muitos outros, tributários da obra pioneira de CUNHA,
que neste ponto se coloca na óptica do problema de Albufeira, confessamos que talvez possa não
ressaltar dos eventos acima sumariados qualquer razão sólida, e estranha ao normal
desenvolvimento da conjuntura política, que permita estribar a assumpção expressa por esta
autora de que o rei D. Afonso III interagia com a ordem de Avis tendo como exclusivo pano de
fundo a chamada "questão algarvia" . No final do século XIII, estendendo-se depois pelo começo
da centúria seguinte, começa a evidenciar-se um período em que documentação espelha os
inevitáveis conflitos de interesses entre a ordem e os concelhos, bem como o recurso frequente à
arbitragem régia.
Estava encerrado o capítulo português da reconquista peninsular, encetava-se o povoamento
"sistemático e planeado".
Conquistado o Algarve retomou-se a emigração para o sul, e D. Afonso III outorgava, em 32
anos, 61 forais, enquanto os senhores, tanto laicos como eclesiásticos e as ordens militares
concediam mais 21 forais no mesmo lapso de tempo .
Já referimos o "precoce" foral dado pelos cavaleiros de Évora a Benavente em 1200, mas será
necessário esperar quase três décadas pela concessão de um outro à Ericeira , e mais de duas pelo
terceiro foral de Avis , e outras duas pelo de Seda .
Entrementes a ordem de Avis, a despeito de haver terminado o seu primeiro ciclo de missão,
iniciava uma reconversão que a iria deslocar para um papel específico na defesa do reino e que
passava pela edificação, melhoramento e manutenção de uma linha de praças-fortes.
Esse conjunto de castelos, povoações, e logos fortificadas, com os bens direitos e jurisdições que
lhe foram sendo adstritos ao longo do tempo, as respectivas guarnições e as populações delas
dependentes, foram deixando de constituir "ilhas de povoamento" que pontuavam um mar de
territórios - ao menos parcialmente - ermados por séculos de conflitos intermitentes. Os
resultados do esforço de reconversão da actividade duma milícia que “recolhia a quartéis” para
se organizar, e garantir protecção na sua zona de influência, não tardou muito a ser posto à prova.
Em pleno ocaso do século XIII, mais precisamente em 1295, a Crónica de D. Dinis regista a
incapacidade da milícia de Avis em barrar com eficácia a penetração de incursões armadas, desta
feita já no quadro dos conflitos entre os reinos peninsulares não só regista essa incapacidade,
como lhe avança uma explicação: a penúria de efectivos da ordem de Avis. Essa acção militar
desenvolveu-se na sequência da penetração de forças do rei lavrador nas comarcas de Cidade
Rodrigo e Ledesma, em Castela, “alguns capitães e senhores de Castela, dos quais era D.
Afonso Pires de Gusmão, se ajuntaram, não para dar batalha a el-Rei D. Dinis, mas para entrar,
como entraram com muitas gentes da Andaluzia e da sua frontaria, da qual entrada mataram e
cativaram de Portugal muitos homens e mulheres (...). Ao encontro do qual saiu o Mestre de
Avis, com as gentes que pôde, e houveram ambos dura peleja, em que houve muitas mortes e
danos de ambas as partes, no fim da qual foi o mestre vencido por as menos gentes que tinha, e
muitos dos seus foram mortos, e novecentos cativos” Temos por relativamente seguro que o
número de cativos adiantado pela crónica em apreço, reflecte o habitual empolamento do número
de combatentes (e seus acompanhantes) envolvidos nestas escaramuças e razzias, andando mais
próximo da realidade se fosse reduzido a um décimo. Caso reflectisse uma situação real,
demonstrando a participação massiva de homens sob sua jurisdição, mas não pertencentes à
milícia, esse número de prisioneiros, equivalente a uma sangria demográfica (mesmo a título
transitório) susceptível de abalar, em simultâneo, vários lugares da ordem.
Uma doação de 1303, feita pelo rei D. Dinis, espelha a noção que o monarca teria, da
oportunidade e conveniência de compensar e amparar uma ordem depauperada por mais de um
século de conflitos militares "galardoando vos em algua cousa o serviço que mi fezestes e
fazedes cada (vez) que a mi faz mester ou aa mha terra e por o fazimento daquelas cousas que
perdestes en meu serviço e en deffendimento da mha terra e a mantiimento dos logares que
murastes e castelastes" .
Parece evidente que o acervo patrimonial reunido pela ordem ao longo de mais de um século de
existência atribulada, e esmagadoramente situado a sul do Tejo, necessitasse de ser reorganizado
e objecto de uma exploração mais cuidada.
Durante o reinado deste monarca, mais precisamente em 1329, os freires de Avis aumentaram o
seu património ulissiponense mercê de um escambo efectuado com o meirinho-mor D. João
Simão, que lhes cedeu bens em Lisboa e no Lumiar, recebendo em troca propriedades em
Santarém .
Registe-se que mais de 21% do património adquirido por doação era constituído por direitos de
padroado e outros direitos, 23% por casais e quintas e 14% por casas .
Não é difícil de compreender os problemas de confrontações, foros, rendas e direitos
conflituantes, entre muitos outros, que o apertar das malhas urbanas, a progressiva
regulamentação dos concelhos e a afirmação das jurisdições eclesiásticas não deixaria de
suscitar.
O Arquivo passa a fornecer um considerável número de documentos relacionados com os litígios
protagonizados pela freiria de Avis, tanto em relação ao monarca como a outras entidades.
Um ano após a morte de D. Afonso III o novo soberano, D. Dinis, tomou sob a sua directa
protecção uma parcela do património dos freires de Avis . Mas, ante multiplicação dos conflitos,
as posições defendidas pela ordem não foram, nem talvez pudessem ser, permanentemente
respaldadas pela autoridade régia. Mal tinham decorrido quatro anos quando a freiria recebeu
sentença desfavorável no tocante a um diferendo que a opunha ao concelho de Alcanede . Em
1298 o rei proíbe os freires de "extorquirem" donativos aos moradores de Estremoz
Mas, quase uma década antes, na sequência das inquirições de 1290, D.Dinis tinha ordenado que
11 casais situados em Tourais, e a vila de Tazem (Seia), pertencentes à ordem, ficassem devassos,
e neles entrasse o mordomo régio .
Continuam a ser episódios isolados que, registe-se, apenas num dos casos referidos ocorrem no
coração da zona de influência dos cavaleiros de Avis.
Estribada nestas mesmas ocorrências, CUNHA aventa a hipótese de estaremos perante uma
tentativa (a primeira claramente enunciada) de controlo da ordem pelo monarca Acrescentando
todavia que esta hipotética tentativa deverá ser encarada no quadro do conjunto de medidas
tendentes à centralização régia que o mesmo rei desenvolveu relativamente aos outros sectores
da sociedade de então.
Dentro deste entendimento devem enquadrar-se os documentos de 1322 através dos quais o
monarca torna inválidos os privilégios que anteriormente havia concedido aos mestres e priores
das ordens militares no atinente aos respectivos ouvidores , aos quais tinha sido permitido dar
cartas de seguro e cumprir justiça .
Efectivamente parece deduzir-se, no quadro desta conjuntura, que o rei procurava cercear alguma
da autonomia conflituante com a jurisdição régia no tocante ás ordens militares em geral. E que,
coerentemente com a sua função de monarca medieval, procurava garantir a justiça, e certamente
proteger os direitos e interesses dos homens bons dos concelhos.
Com efeito, nas povoações de fronteira e zonas estrategicamente sensíveis, o monarca tinha que
poder contar com comunidades fortemente estruturadas e dominadas por uma oligarquia de
cavaleiros-vilãos com as quais foi necessário pactuar, reconhecendo-lhes privilégios e uma
efectiva autonomia .
E convirá ter presente que, com D. Dinis, tinha-se acentuado a tendência para julgar em tribunal os
protestos dos concelhos que, em épocas anteriores, tendiam a ser resolvidos casuisticamente .
Mas não julgamos que esta acção fosse particularmente dirigida contra a Ordem de Avis em si
própria, muito pelo contrário, desde que a milícia se mantivesse indissoluvelmente ligada ao
serviço da Coroa. Os conflitos apenas surgiram, e não cessaram de se avolumar, quando o
soberano deu início a uma gradual e sistemática intromissão na vida interna dos freires de Avis,
estribado numa concepção das relações entre a comunidade dos cavaleiros e a Coroa que, levada
ás últimas consequências, equivalia a transformar a ordem num mero instrumento da política
régia, tendencialmente privado de qualquer autonomia real.
Caberá aqui uma referência ao caso exemplar do processo movido contra a Ordem do Templo
por Filipe-o- Belo de França e o modo extremamente hábil como a monarquia portuguesa,
precisamente pela mão de D. Dinis, conseguiu reconverter – sob os auspícios, e dentro da linha
de orientação da Coroa – os templários que se encontravam em Portugal ao tempo da supressão e
desamortização da Ordem no reino de França. Com efeito, uma vez que o papa Clemente V, em
22 de Março de 1312, no decurso de uma sessão plenária do XV Concílio Ecuménico dissolvera
a Ordem do Templo, o rei de Portugal poderia, em tese, retirar as consequências mais óbvias
dessa decisão em sintonia com o procedimento do monarca francês que, a coberto da entrega de
uma parcela do património templário à Ordem do Hospital, na realidade integrou no erário régio
a parte mais substancial dos bens remanescentes. Mas não foi esse o entendimento do rei
Lavrador. Não só evitou hostilizar os templários residentes no reino, a despeito das instruções
papais, como se escorou numa argumentação destinada a provar a excepcionalidade configurada
pelo caso português, reino próximo de Granada e cuja costa algarvia se encontrava exposta à
pirataria muçumana. Razões "facilmente enquadráveis na política desenvolvida pela Santa Sé no
âmbito da ideia de Cruzada". Só numa fase ulterior deste processo D. Dinis iria aproveitar o
património assim disponibilizado para sobre ele erguer – de raiz – uma nova Ordem Militar
portuguesa, concebida, no entender de PIMENTA como uma milícia nascida no seio da
monarquia e que deveria servir de Modelo e exemplo para o procedimento das outras.
Considera a mesma autora que se devem procurar os indícios das grandes mudanças que se vão
operar na fisionomia das ordem militares, a partir da aproximação do termo da reconquista, no
reinado de D. Dinis; mais concretamente na época que medeia entre o final do século XIII e o
termo do primeiro quartel do século XIV. Período em que, atenuadas por razões evidentes o
ritmo e a intensidade com que se tinha empenhado até aí nas suas funções especificamente
militares, a milícia de Avis, entra rapidamente, utilizando a própria expressão desta autora "numa
fase de plena consciencialização daquilo que, em termos de presença senhorial, representava no
conjunto do reino".
De acordo com a hipótese que adianta, PIMENTA admite que esta situação não tardaria a
despertar nos responsáveis políticos em geral, e no rei em particular, uma sensação de
incomodidade que teria estado na origem de soluções práticas visando um entendimento que
conciliasse os interesses das ordens militares com uma monarquia cada vez mais centralizadora.
E adianta que, em seu entender, D. Dinis na globalidade dos seus comportamentos em relação ás
ordens iniciou essa tarefa de uma forma exemplar .
De facto parece comprovar-se que, ao menos durante a fase conturbada do período pré-dionisino,
as ordens militares não terão necessariamente perdido a sua importância militar. Em termos
esquemáticos apenas mudaram de objectivos, o que se comprovará recordando o papel que D.
João Lourenço, Mestre de Cristo, desenvolveu na guerra civil em que alinhou,
compreensivelmente, pela parcialidade do rei D. Dinis.
Em vez de prosseguirem a sua actividade coadjuvante da reconquista, combatendo um inimigo
externo, tornaram-se forças assim participantes ou activamente envolvidas nesse conflito, como
se comprova por exemplo: pela resistência oferecida pelo mestre da Ordem de Cristo que, em
1321, fechou Tomar ás tropas do infante D. Afonso
Necessariamente aliciadas, ou hostilizadas pelas partes em confronto, de acordo com as escolhas
e decisões que terão sido obrigadas a fazer. E internamente divididas e dilaceradas por essas
mesmas escolhas, a exemplo do que sucedia com as instituições mais representativas da
sociedade portuguesa .
Se no caso de Santiago a politica de relacionamento dionisina registou sucessos que evidenciam
os objectivos do monarca para com a Ordem (separar para centralizar), designadamente no que
respeita à separação do braço português desta ordem militar em relação à casa-mãe de Uclés
(embora este processo só tenha terminado em 1452), a actuação do rei-lavrador nas suas
relações com a Ordem de Avis poderá ser encarada com alguma reserva, à luz do peculiar
entendimento centralizador que o monarca sempre manifestou em relação a esta milícia, e que
adiante termos ensejo de precisar.
Parece seguro que a freiria de Avis foi dirigida durante grande parte deste reinado por mestres
que gozavam da confiança do rei, e nalguns casos de uma confiança que, talvez a justo título, foi
considerada excessiva por uma fracção dos seus cavaleiros.
Como teremos ocasião de referir, o monarca parece ter tentado impor alguns desses mesmos
mestres provocando, ou acirrando, divisões internas que, ao menos parcialmente, coincidiriam
com as linhas de fractura que dilaceraram a sociedade portuguesa desse período.
Este peculiar entendimento dionisino da ordem de Avis como mera instituição régia apenas terá
logrado parcialmente os seus objectivos e contribuiu certamente para uma fase tumultuosa que a
milícia atravessou.
Mas, em contrapartida, algumas vantagens patrimoniais terão advindo à comunidade dos
cavaleiros, através da actuação de mestres dedicados à causa do rei, e aos quais este,
reiteradamente, deixou expresso um inequívoco reconhecimento nos preâmbulos das mercês que
o mesmo D. Dinis lhes foi concedendo.
Ilustrativa desta gratidão, e reconhecimento da actividade do Mestre D. Lourenço Afonso e dos
seus cavaleiros, é a passagem seguinte, de 1308, "esguardando o serviço que mi fizeram os
Maestres da Ordim d’Avis e os freires e estremadamente o Mestre dom Lourenço Afonso e seus
freyres, e outrossy o serviço que mi ham de fazer de todalas cousas que am e catando o que ata
aqui senpre servirom bem e lealmente assi com os corpos come com todalas coussas que
ouverom e que lhy foram dadas pelos meus antecessores e per mi ata aqui".
Ou por esta outra, de 1317, que é em si mesma todo um programa, em que se patenteia a perspectiva
do monarca sobre o nexo de ligação entre a autonomia económica da milícia e a sua capacidade de
serviço obrigatoriamente prestado à Coroa "vendo como ha Orden de Cavalaria d’Avis foy sempre e
he feitura e mercee dos reys onde nos vimos que ante nos forom (…) e entendo que quanto a dita
Ordin mays rica e melhor parada for tanto se acrecenta no nosso serviço e dos reys que depois nos
veerem em Portugal a cujo serviço a Ordim he teuda" .
Sublinhe-se que, foi durante o mestrado deste D. Lourenço Afonso (1296-1310) que esta ordem
militar deu ao rei D. Dinis com conselho e por outorgamento do convento de Avis o herdamento
que tinham junto à torre de Lavar na sequência de uma doação feita à milícia por D. Pedro, prior
da igreja de S. Pedro de Coruche.
Se sempre tinham estado na ordem lógica das coisas as doação outorgadas pelos monarcas ás
ordens militares, já não eram usuais as doações feitas pelas ordens militares aos monarcas. Esta
doação prosseguia um desígnio régio de povoamento em zona estratégica, como se comprova
pelo conteúdo da "carta de dõaçom do termho que o concelho de Montemayor deu al rey pera a
pobra de Lauar".
Entrementes a milícia de Avis foi recebendo sucessivas doações por parte da família real, das
quais se destacam os padroados das igrejas de Santa Maria de Alcanede , Santa Maria da
Alcáçova de Elvas , Santo Ildefonso de Montargil , Santa Maria de Olivença (e um terço das
rendas das igrejas) , o castelo e padroado de Paderne , o padroado da igreja de Santa Maria do
Castelo, em Portalegre e o padroado de Vila Viçosa , bem como a vila e termo de Noudar,
posição de evidente sensibilidade estratégica dada a sua implantação geográfica, se tivermos
presente o, ainda recente, litígio luso-castelhano sobre as fronteiras dos dois reinos , e as dízimas
da Póvoa de Pavia. Ainda durante este mestrado, o infante D. Afonso doou à ordem vários bens
em Linhares e S. Vicente da Beira .
Tudo aponta para que D. Dinis, para lá das evidentes motivações de utilização da milícia como
coisa própria, sua, na sua função de guarnecer, fortificar e proteger o povoamento de logos
estrategicamente situados, tivesse também em mente a dimensão religiosa da milícia, Isso
mesmo parece depreender-se de uma constante que se encontra presente nas razões que aponta
para lhe outorgar doações: as de estas mercês contribuírem para a remissão dos seus pecados.
Trata-se, é certo, de formulários de certo modo ritualizados. Mas tendo presente a mentalidade, e
a profunda religiosidade que impregnava este período, não sofrerá contestação o verificar-se que
o monarca se encontrava convicto de que ao efectuar doações à ordem de Avis estava, não só,
mas também, a praticar uma obra pia direccionada para uma instituição que o monarca e a
sociedade do seu tempo inequivocamente considerariam de mérito e relevo religioso suficientes
para que as mercês que lhe fossem outorgadas funcionassem como um contributo eficaz para a
remissão das faltas terrenas do monarca .
Mas o ritmo muito rápido com que vários cavaleiros se sucederam, ocupando a cadeira mestral
durante um período que parece configurar alguma agitação interna, permite que nos
interroguemos sobre a eventualidade de não terem sido pacíficas, e nem sempre eficazes, as
eventuais tentativas levadas a cabo por D. Dinis no sentido de colocar à frente desta milícia
cavaleiros em que depositasse confiança. A confirmar-se esta hipótese, ela configuraria uma fase
precoce das tentativas de ingerência régia no processo eleitoral da milícia, questão aliás cíclica e
que só viria a extinguir-se com a incorporação na Coroa.
A D. Lourenço Afonso, (22 de Outubro de 1296 – 12 de Agosto de 1310) sucedeu, o mestrado
comparativamente breve (14 de Abril de 1311- 8 de Agosto de 1313) de D. Garcia Peres do Casal
cuja escolha parece resultante de uma intervenção directa de D. Dinis, efectuada depois de uma
eleição internamente contestada.
É o que depreendemos da alusão do monarca : à gran descordia que era antre os freires e que
justificaria que o monarca tivesse fundamentado a sua intrusão no processo eleitoral da ordem
utilizando uma argumentação recorrente, mas muito ilustrativa "porque a Ordin de Avis he cousa
minha e dos reys que foram ante de mim e que depos de mim am de viir pera mandarmos
sobrelos beens della e sobrelas Comendas".
No espírito do soberano, sendo a milícia uma instituição da Coroa, era legítimo, e conveniente,
pôr termo à agitação interna da freiria designando, como mestre da ordem de Avis Garcia Peres,
que, segundo a lógica, seria um "homem do rei"
Resulta evidente que a tentativa de "apropriação da Ordem de Avis pela Coroa" que poderá ter-se
começado a desenhar-se ao longo da guerra civil de 1319-1324, efectuada de um modo
sistemático, deliberado e fundamentado, remonta, pelo menos, ao reinado de D. Dinis
directamente empenhado no acrescentamento do poderio da milícia. Assistiremos, ao longo das
duas centúrias seguintes, a diferentes entendimentos e práticas conducentes à realização plena
deste desígnio. Essas abordagens e práticas, reflectirão conjunturas diversas, a personalidade dos
protagonistas intervenientes e a evolução das mentalidades e concepções do exercício do poder.
Mas a evolução subsequente não se afastará do "programa" enunciado por D. Dinis com pristina
clareza.
Como observava MATTOSO, a partir de 1250 os soberanos procuraram por todos os meios
controlar efectivamente a política em todo o país, exercer a autoridade mesmo a nível local,
tomar posse da administração da justiça, aumentar o património régio, multiplicar os seus
rendimentos, criar uma legislação e aplicá-la.
Fica-nos todavia uma dúvida sobre a concepção dionisina das relações entre a Coroa e a milícia
de Avis. Até que ponto ela se estribava com base num entendimento tradicional ab origine dos
monarcas portugueses, desde a fundação dos freires de Évora. E quais as alterações subsequentes
que terão formatado, e de que modo, uma eventual nova percepção régia desse relacionamento
que decorria da "necessidade de reformulação dos objectivos que presidiram à sua existência",
na perspectiva do centralismo régio.
Parece seguro que os cavaleiros de Avis, e naturalmente a casa mãe de Uclés, não se resignaram
passivamente à intromissão do rei na eleição do novo mestre. Os cavaleiros, pela flagrante
violação da sua autonomia, consubstanciada, neste particular, pelas normas da eleição dos
mestres, deliberada na presença de todo o convento pelo órgão colegial constituído pelos treze
cavaleiros do número que (segundo Deus e sas conciiencias que fizessem sua enliçom), após
convocatória do Capítulo Geral efectuada pelo comendador-mor. É certo que o eleito deveria ser
um cavaleiro julgado idoniio pera o estado da meestraria . E essa idoneidade, necessariamente
subjectiva, em épocas de "partidarização da sociedade" deixaria uma porta aberta para a
intromissão régia.
Calatrava, pela consciência de uma politica que, prosseguida com tenaz pertinácia, conduziria
finalmente, em 1452, à já referida bula Ex apostolice sedis, de Nicolau V, que reconhecia a
separação da milícia de Avis da ordem de Calatrava. O documento que nos restitui o desacordo e
a resistência da milícia de Avis e da ordem de Calatrava é ambíguo.
Lavrado em 1316, reporta-se à decisão duma visita a efectuar por Calatrava à ordem portuguesa
devido à "discórdia que entre elles havia sobre ellection del Maestre". Ignoramos, como sublinha
CUNHA se esta discórdia se refere ainda à designação de D. Garcia Peres do Casal (que para ser
válida careceria da confirmação do mestre de Calatrava) ou se tinha como objectivo apoiar, ou
confirmar, a eleição do "efémero" Mestre D. Gil Martins (4 de Agosto de 1316 – 11 de Agosto de
1319) que, como veremos, poderá ter sido um "candidato interno e provisório" indigitado para
conseguir uma acalmia da situação, mas a quem o monarca terá auxiliado a sanear as finanças da
Ordem, perdoando-lhe todas as dívidas à Coroa.
A oposição das ordens militares à intrusão de D. Dinis poderá ter sido coroada de sucesso se
interpretarmos literalmente uma carta de quitação dionisina a D. Gil Martins, três anos posterior,
na qual o rei refere expressamente "o Meestre Dom Lourenço Affonso seu antecessor".
Esta menção, saída da chancelaria régia, pode não configurar um lapso, nem uma imprecisão
generalizante. Não é suficiente como prova, mas deixa campo para admitir, conjugada com a
inusitada brevidade do mestrado atribuído a D. Gil Peres, que D. Dinis não logrou impor a sua
designação, ferida desde logo pela nulidade adveniente da ausência de confirmação pelo mestre
de Calatrava. E tenha acabado por se resignar à eleição de um novo mestre em termos que
permitissem a pacificação interna e a anuência das partes envolvidas.
Esta situação terá empenhado o monarca português em libertar a eleição do mestre da ordem de
Avis da condicionante confirmação de Calatrava. Objectivo atingido pouco depois da sua morte
quando, pela primeira vez, D. Gil Peres do Casal (19 de Março de 1330 – 6 de Junho de 133), o
sucessor do mestre D. Vasco Afonso (3 de Abril de 1320 – 5 de Dezembro de 1329.), foi
confirmado pelo Arcebispo de Braga, que para esse efeito havia recebido autorização papal.
Sublinhe-se que o Mestre D.Vasco Afonso, tal como sucedera com João Lourenço, Mestre da
Ordem de Cristo que renunciara em 1326, era um homem da confiança de D. Dinis, e suscitou tal
oposição que se viu obrigado a reconhecer em Janeiro de 1322 que havia quem o pretendesse
"despoer da onrra e do stado que tem" . Mas o seu afastamento não estava próximo, e só viria a
delinear-se em finais de 1329, na sequência do envio à corte pontifícia de acusações formais que
davam conta de um clima de generalizada degradação no seio da milícia de Avis.
Confirmando a continuação de fortes turbulências internas, também não terá sido longo o
mestrado de D. Afonso Mendes (18 de Abril de 1334. – 21 de Abril de 1334), cavaleiro que surge
como mestre da ordem de Avis a seguir a D. Gil Peres do Casal. A estabilização proporcionada
por um mestrado relativamente longo parece ter sido apenas atingida com D. João Rodrigues
Pimentel (15 de Novembro de 1343 – 14 de Fevereiro de 1351). Comprovadamente já falecido
em 1351.09.07, o Mestre Pimentel conseguiu manter-se quase uma década na cadeira mestral.
Regressando ao sucessor de D. Garcia Peres alegado homem de confiança do rei D. Dinis, e
fautor de instabilidade, também não conhecemos indícios de conflituosidade entre este D. Gil
Martins (4 de Agosto de 1316-18 de Novembro 1319) e a Coroa.
Pelo contrário, CUNHA infere que devia tratar-se de um cavaleiro da confiança do
monarca, e ao qual se ficaram devendo as primeiras constituições desta nova milícia
(1321),considerando que o soberano o viria a escolher para chefiar a recém-criada ordem de
Cristo(em 14 de Agosto de 1318, uma vez que o teor da sua bula de nomeação para este novo
cargo deixa clara e expressamente referida a sua anterior condição de Mestre de Avis).
Mas o conteúdo das fontes poderia eventualmente indiciar que este D. Gil Martins, que ascende a
Mestre da milícia de Avis em 1316, e o rei D. Dinis escolhe dois anos mais tarde para liderar a
recém-criada Ordem de Cristo, tivesse sido, não tanto um hipotético"cavaleiro da confiança do
rei", como um dignitário que fez carreira burocrática no seio da Ordem de Avis. Mais
precisamente o mesmo individuo que se documenta como Gil Martins escrivão de cartas
emitidas em nome do Mestre e Convento da Ordem entre os anos 1307e 1308 e possível
continuador (ou colaborador) de Afonso Domingues que, em Outubro de 1297, era escrivão do
Mestre D. Lourenço Afonso.
Baseados na proximidade cronológica, na sua pertença ao Convento de Avis e na relativa
singularidade do nome Gil (reconhecida e documentada para este período por NOGUEIRA), que
o refere apenas cerca de 1316, cremos que anteriormente à sua elevação ao Mestrado) somos
levados a admitir que aquele Mestre da freiria de Avis tivesse sido anteriormente este escrivão,
que posteriormente seria indigitado pelo rei para a chefia de Cristo. E esta escolha régia revestia-
se de uma importância adveniente do facto de D. Dinis ter escolhido como primeiro Mestre da
sua Ordem de Cristo (a já referida Ordem Modelo) um hipotético "letrado" que teria feito a sua
carreira no seio da milícia de Avis, o que equivalia a reconhecer a "boa prática" desta última
Ordem.Acresce que a Ordem de Cristo pela bula de fundação e de nomeação de D. Gil Martins
ficava na dependência do mosteiro cisterciense de Alcobaça o que, de acordo com MORGADO
"substituía de certa forma a abadia de Morimond – também ela da Ordem de Cister - casa-mãe
da Ordem de Calatrava em que Avis se filiava. Sublinhe-se também que a primeira sede da
Ordem de Cristo, o castelo de Castro Marim", estava estrategicamente implantado no estremo
Sudeste do al-Garb português, a configurar o braço de tenaz que a milícia de Avis não
desenvolvera para completar a penetração dos espatários
E, isto sem embargo de poder ter protagonizado uma solução interna provisória no âmbito de
Avis, cujo Mestrado teria abandonadonum contexto de grande agitação, mas reintegrando-se na
mesma milícia após a sua passagem por Cristo, retomando o seu percurso interno na Ordem de
origem onde viria a assumir as funções de celareiro.
Registe-se que a substituição de D. Gil Martins por D. Vasco Afonso ocorreu em plena guerra
civil de 1319-1324 coincidência que, a priori, parece apontar para nova intervenção do soberano
no sentido de, pelo menos, influenciar a escolha do novo mestre da cavalaria de Avis. Ou pelo
menos manobrar no sentido de que a eleição recaísse sobre uma personagem afecta ao monarca.
E recorde-se que Mestre D.Vasco Afonso, tal como sucedera com João Lourenço, Mestre da
Ordem de Cristo que se veria coagido a renunciar em 1326, era um homem da confiança de D.
Dinis, e suscitou tal oposição que se viu obrigado a reconhecer em Janeiro de 1322 que havia
quem o pretendesse "despoer da onrra e do stado que tem" . Mas o seu afastamento não estava
próximo. e só viria a delinear-se em finais de 1329, quatro anos após a morte do seu protector, na
sequência do envio à corte pontifícia de acusações formais que davam conta de um clima de
generalizada degradação no seio da milícia de Avis. O papa viria a dar crédito ás denûncias,
ordenando ao arcebispo de Braga que efectuasse uma reforma geral da Ordem de Avis, sem
excluir o seu Mestre que, nessa precisa ocasião, se encontrava em aceso litígio com os concelhos
de Avis, Veiros e Fronteira. Mas, antes de abordarmos o afastamento definitivo deste partidário
do rei Lavrador, regressemos ao postulado da sua subordinação ao monarca.
Reforçando esta presunção existem dois pormenores que, tal como os interpretamos, sugerem
que existiria um vínculo de confiança pessoal entre D. Dinis e D. Vasco Afonso, o novo mestre
da milícia de Avis.
Em primeiro lugar o facto de que no rol das testemunhas daquilo que PIZARRO considera "um
dos actos mais dramáticos do conflito", no rol das testemunhas que, em Maio de 1321,
confirmam as acusações do soberano contra o infante rebelde, figure, imediatamente após os dois
bastardos régios e D. João Afonso de Lacerda, genro do soberano, este D. Vasco Afonso, mestre
de Avis.
Em segundo lugar, como atrás tivemos ensejo de referir, uma das doações outorgadas por este rei
à milícia de Avis respeitava a Noudar, posição fronteiriça que cobria os acessos imediatos a
Moura, Serpa e Mourão, povoações cujo padroado, direitos e parte das rendas das igrejas haviam
sido doados à ordem de Avis por este mesmo rei entre 1307 e 1320 como ficou apontado.
FONSECA, que estudou esta questão, admite que a supracitada doação pudesse "de algum modo
filiar-se na dinâmica de separação imposta pelo Tratado de Alcanices (e na dificuldade da
aplicação in loco das directizes diplomáticas acordadas) (…)".
Em 16 de Janeiro de 1322, em plena situação de guerra civil, e menos de três meses antes das
forças reais terem avançado sobre Coimbra, desguarnecendo a fronteira alentejana e o acesso a
Lisboa, o rei fez lavrar um diploma curioso.
Nele recordava que já havia doado o lugar à ordem de Avis, sob a condição de a mesma aí
edificar um castelo e "…conhocessem d’el rei sempre senhorio e que o dessem e entregassem a
mim ou a meu mandado". E acrescenta, referindo-se ao mestre D. Vasco Afonso, nesse preciso
momento da guerra civil em que a balança não pendia ainda decisivamente em favor do rei, e
existiam exemplos recentes de deserção para o "partido do infante D. Afonso": "poderia seer
tempo que alguuns que lhi queren mal pólo meu serviço e pola minha vontade que el cumpriu".
O diploma não aponta especificamente que o rei tema que a fidelidade do mestre D. Vasco
Afonso possa suscitar hostilidade e oposição no seio da própria ordem, mas prossegue
salientando que, no intuito de evitar que lhe pudessem "fazer mal no corpo e de o despoer da
onrra e do stado que tem" lhe é feita a doação de Noudar (mas desta feita não à Ordem como em
1307 mas a título pessoal). A povoação e fortaleza, saliente-se, não são entregues à ordem e
convento de Avis – porque já o tinham sido em 1307 - mas à pessoa de D. Vasco Afonso (que
ocupa o cargo de mestre dessa milícia), tendo como objectivo especificado que "aynda que en
alguum tempo lhi tolhessem o meestrado de Avis que lhi nom possam tolher o castelo e o
senhorio de Noudar".
Da análise destas passagens podem retirar-se algumas ilações. Vestibularmente que o castelo de
Noudar, mesmo que não estivesse ainda concluído, com a forte muralha e o Alcácer erguido no
interior do recinto, como estipulava a doação de 1307, representaria uma praça-forte susceptível
de acolher e dar guarida eficaz a um importante partidário do rei no caso deste chegar a uma
situação em que temesse pela sua segurança pessoal.
Em segundo lugar que o monarca não contava que a ameaça contra o mestre da milícia de Avis
viesse de Castela. A praça de Noudar, embora separada por uma importante linha de água do
território do reino vizinho, e estrategicamente implantada no alto de um outeiro de onde se divisa
todo um termo circundante de suaves ondulações de terreno e trânsito fácil a muitas léguas de
distância, permanecia um quase enclave, mais afastado da linha de fortalezas em poder dos
freires de Avis do que das povoações castelhanas adjacentes.
Em terceiro lugar que o monarca deveria ter presente o caso ocorrido meses antes com D.
Geraldo Domingues, bispo de Évora, seu fiel seguidor que em 1317 fora encarregado de
excomungar os adversários do soberano , e acabaria por ser assassinado junto à igreja de Santa
Maria de Estremoz, bem dentro da área de maior implantação da ordem de Avis, em 20 Março de
1321 por dois membros da sua própria comitiva que seguiam o infante D. Afonso.
Tendo presente o clima de profunda divisão que os textos afiançam ter reinado na ordem de Avis
desde o início da segunda década de Trezentos até ao final da guerra civil, e o agravamento
dessas fracturas que as sucessivas intervenções régias parecem ter provocado, admitimos que
uma parcela não despicienda dos cavaleiros de Avis possa ter apoiado o infante D. Afonso.
E, se foi efectivamente esse o caso, a doação da povoação, castelo e senhorio de Noudar ao
mestre D. Vasco Afonso - a título pessoal - estaria relacionada com a garantia que este cavaleiro
representava da manutenção dessa importante fortaleza no campo do rei. E, subsidiariamente,
com a necessidade de amparar um partidário fiel, tentando garantir-lhe a possibilidade de um
asilo relativamente seguro na eventualidade de este vir a perder, total ou parcialmente, o controlo
da ordem que dirigia.
Registe-se que, no decurso do ano de 1320, o mesmo em que, muito provavelmente, D. Vasco
Afonso terá acedido ao mestrado de Avis, e na sequência da outorga de Noudar à pessoa daquele
cavaleiro, o rei D. Dinis doou a essa milícia o padroado, todos os direitos e um terço das rendas
das igrejas de Serpa, Mourão e Moura. E seis meses mais tarde o padroado das igrejas de Pavia .
Tendo presente a situação geográfica de Serpa Mourão e Moura, que cobriam os itinerários que,
a partir de Noudar, se encaminhavam para Évora, não se deve afastar a hipótese de que o rei
quisesse reforçar a jurisdição e os rendimentos de D. Vasco Afonso num como que "baluarte-
tampão" que circundava a praça de Noudar.
Em nosso entender pode não ser inteiramente seguro que estejamos perante um caso de
consideração excepcional, adveniente da importância e prestígio do mestre D. Vasco Afonso,
como CUNHA parece admitir , mas talvez face a uma prova indirecta do relativo insucesso de D.
Dinis na sua tentativa de amputar em proveito próprio a secular autonomia dos cavaleiros de
Avis.
Em termos gerais, MATTOSO e PIZARRO já tinham formulado um juízo matizado sobre os
resultados do processo de centralização régia, tal como a conduziu D. Dinis "acontecimentos que
em boa parte fazem duvidar da solidez da política anti-senhorial, por ele conduzida com tanto
vigor e persistência, e que mostram também, pelas humilhações a que sujeitaram um rei antes
disso tão orgulhoso pelo triunfo do seu poder, a relativa fragilidade dos seus sucessos
anteriores".
Reconhecem todavia os supracitados autores que, se D. Afonso IV conseguiu impor à nobreza e
ao clero ousadas inquirições ás respectivas jurisdições sem ter sofrido qualquer contestação
significativa, ficou a devê-lo a seu pai e antecessor.
Menos severo para a acção de D. Dinis no seu relacionamento com as ordens militares é o
julgamento de PIMENTA, que sublinha a forma irrepreensível como este rei conduziu o processo
de extinção da ordem do Templo, e recorda igualmente que terá sido graças à sua herança
política - na qual se integrava a criação da Ordem de Cristo - que a Coroa acabou por conseguir
importantes reforços da sua autoridade .
D. Frei Vasco Afonso sobreviveu temporariamente aos sobressaltos da política dionisina e à
morte do rei , como deixámos atrás e, em 2 de Agosto de 1326.08.02, seria ele a conceder carta
de foral ao concelho do Alandroal, estabelecendo as regras do uso da coutada da Mouta da Mó e
do Sobral de Elvas, no que se referia ao pastoreio do gado e recolha de lenha seca A sua queda
só viria a delinear-se em finais de 1329, quatro anos após a morte do seu protector, na sequência
do envio à corte pontifícia de acusações formais que davam conta de um clima de generalizada
degradação no seio da milícia de Avis. Desconhece-se a origem do libelo acusatório, o que deixa
campo a especulações de natureza contraditória. Teria sido inspirado pelo novo monarca,
possível instigador dos litígios com os concelhos. E se o tivesse sido, contaria com o apoio
interno de uma facção da Ordem de Avis, mais precisamente aqueles que, desde 1322 o queriam
despossar da sua honra e estado.Neste caso tratar-se-ia de "aliados objectivos" cujos interesses
convergiam apenas a curto prazo. O rei pretendendo libertar-se de um Mestre no qual não podia
confiar, a facção visando substituir um Mestre primeiro submisso, e depois incómodo, na
expectativa de assim poder recobrar alguma da sua antiga autonomia.
O certo é que o papa viria a dar crédito ás denúncias, ordenando ao arcebispo de Braga que
efectuasse uma reforma geral da Ordem de Avis, sem excluir o seu Mestre que, nessa precisa
ocasião, se encontrava em aceso litígio com os concelhos de Avis, Veiros e Fronteira.
Desconhecemos em que termos teria decorrido a referida reforma mas, em Junho de 1330, no
decurso de um capítulo reunido na vila que era cabeça do Mestrado, D. Frei Vasco Afonso viria a
resignar perante o arcebispo de Braga, declarando expressamente que o fazia sem ser coagido e
de consciência tranquila. Esse clima de aparente tranquilidade transpirou sobre a eleição do seu
sucessor, o até então, Comendador-mor Gil Peres. Este último, que necessariamente privara com
o seu antecessor, tendo perfeito conhecimento dos factores que poderiam conduzir a cisões
internas, bem como das ameaças à autonomia representadas pela Coroa, terá tido um governo
curto, mas apaziguador das antigas tensões. Pelo menos D. Afonso IV não teve razões de queixa ,
como parece depreender-se do facto de o monarca o ter apontado, quatro anos decorridos, como
exemplo ao seu sucessor, o novo Mestre Afonso Mendes.
Mas o governo de Gil Peres não foi suficientemente longo para que se pudesse atingir uma
desejável estabilidade, uma vez que, à testa da Ordem de Avis, sucederam três Mestres até ao
primeiro ano da década de quarenta do século XIV, com exercícios que não ultrapassaram, no
caso do Mestrado mais longo, os cinco anos de governo.
Salvo melhor doutrina, nem sob D. Dinis, nem nestes anos iniciais do reinado de D. Afonso IV,
se constatou a nítida consubstanciação do conceito de que a Ordem de Avis "era coisa do rei",
nem se conseguiu que a milícia conhecesse um período de sustentada estabilidade e reforma que
apaziguasse uma, pelo menos aparente, instabilidade interna. O paradigma da Ordem de Cristo
não terá extravasado imediatamente sobre esta milícia o seu espírito e prática de milícia da
Coroa.
Por seu turno, e no respeitante à questão da delimitação do reino, MARQUES constata "Foi toda
a política de D. Dinis (e do seu sucessor) na negociação com os seus homólogos castelhanos,
incidindo essencialmente no Guadiana e em Riba-Côa, um processo em que as ordens militares
("Hospitalários e o Templo na região de Moura, e a Ordem de Santiago mais a sul") detiveram
algum protagonismo. E foi também neste quadro que, entre 1290 e o segundo quartel do século
XIV, assistimos à delimitação de Moura, Mourão, Serpa e Noudar (…)"
Estamos em crer que esta, e outras constatações terão induzido PIMENTA a reconhecer que a
criação da ordem de Cristo talvez tenha constituído o melhor exemplo ilustrativo dos propósitos
da monarquia no seu relacionamento com ordens militares ao menos parcialmente renitentes.
Esta milícia, inquestionavelmente nascida no seu seio num momento de contestação e divisão
interna da milícia de Avis, constituiria a Ordem Modelo, aquela que serviria de exemplo ao
procedimento das outras .
E é possível constatar que turbulência que se terá verificado no seio da Ordem de Avis por
ocasião da guerra civil que eclodiu durante a década de vinte não terá alastrado
generalizadamente, a ponto de colocar em risco, como temia D. Dinis, a pessoa do Mestre D.
Frei Vasco Afonso ou a coesão da milícia. Mas do que fica acima parece lícito concluir que o
monarca terá encontrado dificuldades em fazer aceitar pacifica e literalmente a sua concepção de
que "ha Orden de Cavalaria d’Ávis foy sempre e he feitura e mercee dos reys onde nos vimos que
ante nos forom (…) e entendo que quanto a dita Ordin mays rica e melhor parada for tanto se
acrecenta no nosso serviço e dos reys que depois nos veerem em Portugal a cujo serviço a Ordim
he teuda" . Os obstáculos radicados numa prática tradicional de uma certa forma de governo
interno da Ordem e as dificuldades encontradas em superar as problemáticas geradas pela sua
filiação geraram os atritos que tivemos ocasião de aflorar, contribuindo talvez para alertar o
monarca para a conveniência de aproveitar a janela de oportunidade criada pela extinção do
Templo para criar de raiz – e portanto expurgada de consuetudos indesejáveis – uma nova ordem
inteiramente devotada ao seu serviço, e ao dos reis que lhe sucedessem.
Mas torna-se forçoso reconhecer que, se D. Dinis não logrou "formatar" a milícia de Avis à
imagem e semelhança do "modelo" da Ordem de Cristo, lançou as bases de uma evolução que se
iria desenhando ao longo dos reinados dos seus sucessores que teremos ocasião de acompanhar.
A partir de D. Afonso IV os protagonistas do governo da milícia deixarão paulatinamente de
emergir do obscuro seio da Ordem para serem substituídos por homens que denotam já a sua
pertença a um círculo próximo dos monarcas, como se verificará com o sucessor do Mestre
Gonçalo Vasques, o bem conhecido João Rodrigues Pimentel, e D. Frei Martim do Avelar, ambos
vassalos régios.
• A Ordem de Avis no século XIV
Contando cerca de um milhão e meio de habitantes antes da grande pandemia de 1348, Portugal
viria perder cerca de um terço da sua população durante este período . O ritmo de recuperação, a
fazer fé naquilo que se tem constatado na demografia do antigo regime, terá sido lento,
prolongando-se por cerca de cento e cinquenta anos. Durante o século XV assistiu-se ao efeito
cumulativo de sucessivos períodos de maus anos agrícolas, conflitos armados e instabilidade
social.
Um reino com densidades populacionais que, em termos gerais, rondavam os 17hab/km2 iria
assistir a uma brutal diminuição dos seus efectivos que, nos picos da crise, terá chegado aos
10hab/km2.
Estes números têm que ser entendidos à luz da constatação de que, a repartição regional das
densidades demográficas, muitíssimo desigual logo que se abandonava a fachada atlântica, o
Entre Douro e Minho e os pólos urbanos, deverá ter sentido efeitos que aproximaram de um
relativo ermamento muitas das zonas de tradicional implantação da Ordem de Avis, com
particular destaque para o Alentejo.
A escassez de mão-de-obra, a concomitante elevação dos salários, a desarticulação das redes
comerciais e a depreciação das rendas, no já referido quadro da crise da produção agrícola, não
deixaram de se repercutir na economia das ordens do clero e da nobreza que, todavia, não
ultrapassariam 2% da população total do reino.
A ordem de Avis, na sua qualidade de proprietária fundiária que, em regra, não explorava
directamente as suas terras, terá sido particularmente afectada pelo período atribulado em que o
campesinato se encontrava mergulhado. Muito embora não tenha sido desenvolvida uma análise
comparativa do peso demográfico dos dependentes desta milícia, do seu real poderio económico
e militar, os elementos recolhidos levam-nos a admitir que a ordem não tivesse atingido um
patamar equivalente ao de outras ordens militares, antes se situando numa modéstia relativa.
E não parece que as suas tradicionais áreas de influência se tenham expandido significativamente
pela incorporação de novos e significativos núcleos patrimoniais durante o período em apreço. Antes
parece configurar-se uma relativa estagnação.
Este período caracteriza-se, como tem sido assinalado, por uma reconstrução da sociedade fruto
de um complexo conjunto de circunstâncias que tornaram a ordem antiga rapidamente
desajustada e incapaz de responder à amplitude da crise. Mas não foi, nem poderia ser, uma
reconstrução linear, antes um entrecruzar conflituante de interesses e concepções no âmbito de
uma nova mobilidade e capilaridade social.
A emergência e progressiva afirmação de novos estamentos sociais claramente desenhada
durante a revolução de 1383, mergulha as suas raízes nos anos subsequentes à grande peste de
1348. Este fenómeno decorre, ao menos parcialmente, de transformações do aparelho produtivo,
cuja evolução tinha sido lenta e entrecortada durante as centúrias precedentes, e ao qual a
plurisectorialidade da crise, a necessidade urgente de encontrar novas alternativas, a gradual
organização do Estado, e a progressiva afirmação de uma monarquia centralizante, foram
impondo uma – ainda tímida – reestruturação.
Trata-se de uma verdadeira vaga de fundo que percorre transversalmente a sociedade portuguesa.
E dela parecem decorrer tanto um acréscimo da conflitualidade entre dignitários da milícia e
representantes das populações das terras controladas pela ordem, como períodos de efervescência
interna.
Esta agitação e fragmentação em facções parece corresponder, entre outras causas possíveis, a
sucessivas ingerências dos monarcas na vida interna da milícia de Avis. Daí decorrendo uma
quebra de independência e coesão internas protagonizadas pela, cada vez mais evidente,
imposição de Mestres – e provavelmente outros dignitários – da confiança dos monarcas.
Os freires deixam gradualmente de constituir a única força aglutinadora a garantir a ordem, a
direcção e a autoridade exercidas sobre territórios incipientemente povoados.
Comprimidos entre as resistências dos concelhos, a reactividade episcopal e o poder régio vão
entrar paulatinamente, e sem que se tenham constatado rupturas verdadeiramente dilacerantes, na
órbita da monarquia.
Mas estamos perante um contínuo de transformações que se verificam durante um tempo longo
em que é difícil periodizar, e caracterizar, os ajustamentos internos da milícia.
O período da vida dos freires de Avis que corresponde ao reinado de D. Afonso IV não tiha sido
ainda objecto de investigação aprofundada como, a seu tempo, constatou PIMENTA ao efectuar
a síntese do que se conhece sobre esse lapso temporal compreendido entre 1325 e 1357. De
acordo com a mesma autora, exceptuando "alguns ecos da política prosseguida por D. Afonso IV,
nada mais, que saibamos, foi investigado no sentido de clarificar as relações das ordens com
este monarca ou com o seu filho D. Pedro, ou mesmo durante o reinado de D. Fernando e o
processo de crise política que se lhe seguiu".
Todavia, muito recentemente, os homens que integravam as duas ordens que um dia se reuniriam
sob o governo conjunto do Mestre D. Jorge, foram objecto de investigação por parte de
OLIVEIRA, que "procurou contribuir para uma caracterização sociológica das ordens no
período compreendido entre 1330 e 1449".
Este historiador veio preencher uma parte substancial da lacuna a que acima nos referíamos, com
efeito, identificou os Mestres e os Comendadores de Avis e de Santiago compreendidos entre as
supracitadas balizas cronológicas, retirando duma total, ou relativa, obscuridade cerca de 14
Mestres/administradores, e 204 Comendadores, 102 para cada ordem. De acordo com o mesmo
autor, em termos gerais, apenas cerca de um terço desses 204 Comendadores eram fidalgos
documentados, e, quase sempre, oriundos de famílias menos prestigiadas. De acordo com o
mesmo autor, entre os restantes, predominavam os cavaleiros e proprietários urbanos, os
mercadores (3 comendadores descendem de mercadores), alguns tabeliães, vários oficiais
letrados ou fiscais da Coroa e até algum peão mais abastado.
Este valioso contributo, de que somos tributários, suscita desde logo uma questão difícil, será
possível assumir que todos os não-identificados no universo remanescente eram de facto não-
nobres? Muito embora o historiador assuma esse postulado, não parece totalmente de afastar que,
apesar de tudo, nos encontramos perante argumento ex absentia que poderá ser ulteriormente
desenvolvido.
E, por outro lado, ao adoptar como unívoco e auto-explicativo o conceito de "nobre", poderemos
correr o risco de tornar cronologicamente polissémica a referência a um estamento que, em nosso
entender, se caracteriza pela volatilidade das premissas que o configuram, designadamente em
períodos de transição, como aquele que ocorreu na sequência da revolução de 1383.
Mas existem argumentos indicadores de que, tal como os numerosos efectivos bem armados e
em estado de prontidão para o combate de que nos ocuparemos adiante, se esbate assim o mito
aristocrático das ordens militares em Portugal, que julgamos resultante dum "contágio
precipitadamente analógico" com a situação castelhana. Os ditos "freires nobres" só ganharão
maior peso durante o século XV, sem se tornarem no único grupo social presente entre os freires,
enquanto os comendadores de Avis se resumirão, nesse mesmo século, a uma pequeníssima
oligarquia reduzida a uma meia dúzia de linhagens secundárias, exceptuando talvez os Henriques
e os Mendonça, cuja ascensão social se documenta desde o século XV.
Neste trabalho, limitamo-nos a constatar que, inscrita no quadro de um processo de progressivo
fortalecimento do poder real, a preponderância regional da ordem de Avis, alicerçada na relativa
extensão dos seus senhorios, na rede geograficamente coerente das suas praças-fortes e igrejas, e
na massa populacional constituída pelos seus dependentes aparece, dentro da respectiva escala,
como uma questão incontornável para o centralismo régio.
E os seus mestres, peças de relevo político e militar suficiente para justificar tentativas de
imposição directa, ou influência exercida sobre o respectivo processo eleitoral, alegadamente
perpetradas pelos reis ao longo de um processo gradual que culminaria com a "ocupação" do
mestrado por membros da família real.
Temos vindo a registar uma série de doações outorgadas pelos monarcas à milícia de Avis em
circunstâncias várias e sob diversas alegações.
Aflorámos também a problemática dos conflitos com a diocese de Évora e o alegado peso da
personalidade dos bispos e mestres na evolução dessas disputas.
Seria aliciante avaliar, mesmo em termos relativos, qual o poder efectivo de que dispunham os
mestres da cavalaria de Avis; a sua real capacidade de constituir um instrumento relevante de
potencial serviço da Coroa ou, pelo contrário, um embaraço e um estorvo que urgia neutralizar,
eliminar ou absorver.
Considera PIMENTA que, no atinente à governação de D. Afonso IV, durante a qual se destacam
numerosas medidas tendentes ao fortalecimento do poder do rei, seria de esperar que esta
orientação se reflectisse também ao nível das ordens militares. E admite que assim terá sucedido,
inventariando cartas de sentença menos favoráveis escambos em favor da Coroa e localidades
que interessavam ás respectivas ordens, e por renovadas intervenções régias na escolha de
mestres.
Mas documentam-se também intervenções deste monarca, interpelando entre outros freires, o
então comendador-mor de Avis, Vasco Martins Pimentel, e corrigindo alegados abusos de João
Rodrigues e Vasco Esteves Ferraz, igualmente comendadores-móres de Avis, e de simples
comendadores, designadamente Vasco Esteves, comendador de Figueira.
Vasco Martins Pimentel, que era acusado de abusar do direito de pousada, hospedando-se, ou
fazendo aboletar os seus homens em casa dos homens bons, quando tinha casas suas no logo, e
oprimindo os moradores, deixando que se apoderassem das suas roupas e vitualhas, tinha
insultado Gonçalo Domingues, alcaide da vila de Figueira chamando-lhe, perante testemunhas
(entre as quais Diogo d’Ares, procurador do concelho e outros homens do dito logo), "vilão
prejudicial". A discussão surgira após frei Vasco Martins ter sido confrontado com sentenças do
monarca em que aquele defendia que pousassem nas casas dos moradores, fazendo delas
estrebarias, e tomassem roupas e outras coisas (o que devia ser observado pelo comendador e por
aqueles que, depois dele o viessem a ser) O alcaide pediu a frei Vasco Martins que cumprisse as
determinações do rei, ou respondesse (explicando porque o não fazia).
O comendador-mor pediu traslado dessas cartas e acusou o alcaide de haver mentido ao
monarca, proibindo-o de se ausentar durante três meses.
Posteriormente instado por João Domingues, tabelião d’el Rei, a contraditar as acusações do
alcaide, e a explicar a sua conduta, o comendador-mor argumentou que dissera tais palavras (14
de Novembro de 1346.) porque nesse mesmo dia escudeiros seus se haviam queixado de que o
alcaide os havia doestado com muito más palavras tendo ele, frei Vasco Martins, dito já ao
alcaide que sempre que alguns escudeiros seus prevaricassem o informassem para que ele,
comendador, os pudesse corrigir. Alegou ainda que os abusos em apreço respeitavam a
comendadores passados e não lhe diziam respeito, tanto mais que apenas se hospedava em casa
dos moradores porque as suas casas eram pequenas e insuficientes .
Este episódio, que descrevemos com alguma minudência, serve para ilustrar o grau de
interferência deste rei, ao lados dos homens bons dos concelhos, naquilo que os cavaleiros de
Avis de porventura considerariam "diferendos internos". Mas não passa disso mesmo, um
simples episódio integrado numa longa série de escaramuças em que o monarca
sistematicamente interveio em favor da oligarquia do concelho.
A situação em apreço encontra-se como que resumida na quase totalidade das suas vertentes
numa carta de 1346 em que D. Afonso IV deu respostas aos agravos que o concelho de Figueira
dizia receber do comendador-mor da ordem de Avis .
O documento é bem conhecido, e a sua leitura atenta permite inventariar um leque amplo dos
tipos de abusos e vexames a que os moradores teriam alegadamente estado sujeitos por parte dos
comendadores da ordem de Avis, fornecendo, ao mesmo tempo, uma autêntica regulamentação
das relações entre o concelho e o comendador-mor de Avis.
Nele o rei passa em minuciosa revista os pontos de conflito decidindo sobre cada agravo,
chegando ao pormenor do tabelamento dos preços de certos géneros. Prevendo retaliações,
antecipadas pelos homens bons do concelho, o monarca assumia-se como garante das suas
pessoas e bens.
Mas o problema que subjaz à eficácia real das medidas que constam no excerto transcrito é o de
saber até que ponto as deliberações do rei se traduziam em efeitos práticos. Entende no entanto
PIMENTA que esta política do monarca se esbatia, perdendo acutilância, sempre que se tornava
necessário conciliar os interesses do reforço do poder real com os imperativos da defesa do
território nacional.
E cita como exemplo casos de conjuntural vulnerabilidade da fronteira com Castela, onde
emergia o posicionamento estratégico das posições detidas pelos cavaleiros de Avis, ou de
ofensivas contra o remanescente das posições muçulmanas na Península, de que é exemplo
emblemático a batalha de Salado.
Adiante teremos ensejo de manifestar a nossa perplexidade em relação ao significado, e
representatividade, dos raríssimos elementos que conseguimos coligir no que toca a um cálculo
dos efectivos e equipamento militar da milícia de Avis. E de intuir que constituiria objecto de
uma desejável investigação específica, a inventariação e cálculo do peso militar efectivo
representado pelas ordens militares em geral e pela ordem de Avis em particular. Apesar da
escassez e, em muitos casos, da duvidosa fiabilidade das informações disponíveis sobre a
origem, volume e características dos efectivos mobilizáveis pelos monarcas portugueses em
casos de conflitos militares com os reinos vizinhos, ou ameaça islâmica.
• D. Pedro I e o governo da Ordem de Avis: ingerências. O caso de um diploma
fundamental de 1364-1366.
São escassos os diplomas respeitantes às ordens militares da governação de D. Pedro I, e
irregularmente distribuídos pelo período entre 1357 e 1367, com picos correspondentes a 1357,
1358, 1359 e 1361. Sendo que este último ano poderia ter correspondido à conjuntura peculiar da
"declaração de Cantanhede" sobre o casamento do rei com D. Inês de Castro que, cindindo
transversalmente a sociedade portuguesa, teria obrigado o monarca a precaver e acautelar a
fidelidade das ordens militares.
Sem esquecer que, nas cortes realizadas precisamente em Elvas, nesse mesmo ano de 1361, os
delegados dos concelhos apresentaram agravos, queixando-se de que as ordens militares não
curavam dos seus castelos e que estes caíam em ruínas. Queixas que, se outras fontes de
informações não existissem, bastariam para alertar o monarca para a necessidade de um controlo
mais apertado de milícias em "crise de identidade".
A despeito da confiança depositada no mestre D. Martim do Avelar (18 de Março de 1358 – 27
de Dezembro de 1363) a cavalaria de Avis, em termos comparativos, não terá sido das milícias
aparentemente mais favorecidas pelas benesses de D. Pedro I, sendo de recordar que, em 1365, o
rei decidiu contra as pretensões da ordem, concedendo aos moradores de Olivença isenção do
pagamento de portagem em Juromenha, comenda que pertencia à milícia.
O mestre Avelar já tinha morrido e há cerca de um ano que o seu sucessor era o próprio bastardo
régio D. João, filho do monarca e de Teresa Lourenço. Esta situação não impediu que
imperativos de mais largo âmbito tenham induzido o rei a "ultrapassar" os alegados direitos da
freiria de Avis e a interferir, pela primeira vez directa e continuadamente, na sua governação,
como testemunha de forma inequívoca o tombo de bens da ordem que referiremos em seguida.
PIMENTA admite que este monarca tenha conseguido, ao menos pontualmente, conduzir uma
política de sucesso no atinente ás relações com as ordens militares em geral. E recorda um
pormenor, a que a seu tempo regressaremos, que, no contexto, parece premonitório.
Concretamente o facto de ter confiado o já referido bastardo régio D. João, ainda insuspeitado,
fundador da segunda dinastia portuguesa, à tutela do mestre da Ordem de Cristo Nuno Freire de
Andrade, passando depois o supracitado Infante D. João a ocupar a dignidade mestral em Avis.
Face ás dificuldades que esta época ainda encerra, torna-se indispensável a consideração de um
diploma fundamental. Trata-se do bem conhecido, mas ainda não totalmente meditado, tombo
parcial de bens da Ordem de Avis, iniciado em 1364, na sequência da morte do Mestre D.
Martim do Avelar através do qual se pode avaliar a extensão do poder económico e militar
directamente alocado à figura dos mestres de Avis no período imediatamente antecedente à
ascensão ao mestrado de um filho bastardo de D. Pedro I.
Este mestre D. Martim constitui já, em nosso entender, um claro representante dos dignitários
com inequívocas ligações à corte que dirigiram a milícia até à fase imediata de preenchimento do
cargo por membros da família real.
E no caso particular do seu mestrado que, como tivemos ensejo de referir, antecede
imediatamente a primeira ocupação do cargo por um filho de rei, este é protagonizado por uma
verdadeira personagem de transição que exerce essas funções durante a última fase do processo
conjuntural que conduziria a cavalaria de Avis a aproximar-se, mais do que todas as restantes
ordens militares, da função de coadjuvante da Ordem de Cristo na prossecução das políticas da
Coroa.
Em 14 de Abril de 1305, documenta-se um Martim do Avelar, cavaleiro que, com o bispo de
Lisboa D. João representam o rei D.Dinis num instrumento de escambo e emprazamento feito
entre o monarca e João Fernandes de Lima e sua mulher perante o público tabelião de Lisboa
Lourenço Eanes . Hoje é possível, não apenas identificar este cavaleiro como pai do futuro
Mestre D. Martim, como seguir a carreira deste último, que só apenas numa fase relativamente
tardia da sua vida terá ingressado na Ordem de Avis. E essa carreira virá efectivamente confirmar
que estamos em presença de uma personagem que frequentou a corte e era depositário da
confiança do monarca e da rainha.
Com efeito, este Mestre pertencia a uma família que beneficiou nos últimos anos de uma
particular atenção dos investigadores, tendo-se tornado possível estabelecer com segurança no
casal Martim Esteves do Avelar e sua mulher D. Maria, os progenitores deste Martim [Martins]
do Avelar, posteriormente conhecido como o Mestre D. Martim do Avelar. Seu pai, Martim
Esteves do Avelar era proprietário de bens no Julgado de Vouga, em Rio de Mouro (termo de
Sintra) e instalado em Valverde, sendo conhecido como cavaleiro, mordomo-mor e vassalo de D.
João Fernandes de Lima e de D. Maria de Aboim.
O futuro Mestre havia iniciado o seu percurso nos elencos camarários do começo do reinado de
D. Afonso IV, quando foi escolhido para ocupar o alvaziado-geral em 1326-1327, repetindo essa
exercício do cargo, cinco anos mais tarde. Presença ocasional no concelho, o seu último
desempenho nos elencos concelhios data de 1344-1345, ano em que foi escolhido para alvazil do
crime, como veremos adiante.
Ligado a uma família muito próxima da família régia no período afonsino, não causa surpresa
que ele tenha sido escolhido pelo monarca como juiz por ele na cidade de Lisboa em 1335.
Depois do seu ingresso na Ordem de Avis, Martim do Avelar assumiria ainda cargos de
importância na Casa da rainha D. Beatriz, na sequência do desaparecimento de seu irmão
Lourenço Martins do Avelar, que havia sido copeiro-mor dessa última. É dessa forma que ele
surge designado em 1354, passando, depois do falecimento de D. Rodrigo Eanes, Mestre de
Cristo, para o cargo de mordomo-mor da rainha. Em termos políticos, recebeu a menagem do
infante D. Pedro, aquando das pazes com seu pai em 1355, desenvolvendo ainda actividade
diplomático-militar através da sua deslocação a Aragão, à frente de um contingente de 500 ou
600 cavaleiros enviado pelo rei D. Pedro.
Encontra-se referido como vassalo de D. Afonso IV, cavaleiro e morador em Lisboa, onde
possuía casas, provavelmente a par do Rossio ou em Valverde, onde o seu pai tinha bens, como
já vimos. O Livro de Linhagens nomeou-o, também, como morador na cidade, facto confirmado
por outra documentação de arquivo . Aí exerceu, em 1326 e em 1331, o supracitado cargo de
alvazil geral , sendo designado juiz da cidade pelo monarca, em 1335 e ocupando, anos depois,
em 1344, as funções de alvazil do crime, um ofício em regra desempenhado por cidadãos, e não,
note-se, pelos cavaleiros da cidade . Outros diplomas atestam, contudo, o seu estatuto de
cavaleiro e a sua presença assídua em Lisboa.Conforme admite OLIVEIRA, Martim do Avelar
deve ter professado em Avis depois de Agosto de 1345. Para a explicação do percurso do futuro
Mestre D. Martim são ainda de inegável préstimo os registos da sua criação feita pela rainha D.
Beatriz, de quem foi um dos testamenteiros, assim como da sua relação com a oligarquia
olisiponense, personificada na pessoa de D. Maria de Aboim, de quem ele será igualmente
testamenteiro, antes desta senhora ter revogado as suas disposições testamentárias em 24 de
Agosto de 1337, continuando assim uma relação que, como vimos, já vinha de seu pai.
Não se conhece seguramente o que terá originado o seu ingresso na Ordem de Avis, mas é
provável que fosse influenciado pela associação da sua família às ordens militares, evocada pelo
sobrenome do seu pai (Martim Freire) e pela presença de um parente entre os freires de Avis em
1321, ou atestada por via da profissão do seu irmão, João do Avelar, na ordem de Santiago. Seja
como for, o monarca dificilmente seria alheio a tal opção de vida, e, sobretudo, à sua posterior
condução ao governo da milícia, ocorrida já perto do fim do reinado. A sua eleição representava,
com efeito, a entrega do mestrado a um vassalo do rei de origem fidalga, mas que estava bem
familiarizado com o estilo de vida e com os costumes urbanos, dado o estatuto de vizinho de
Lisboa e a experiência que tinha acumulado durante os anos que participara na administração da
cidade. Ignora-se a data em que foi eleito, embora esteja documentado como Mestre de Avis
desde Março de 1357
A fazer fé em OLIVEIRA, não viveu a maior parte do tempo no convento de Avis. Diversas
cartas atestam, com efeito, a sua presença noutras vilas da ordem, e as funções que cumpriu, seja
como testamenteiro da rainha Beatriz, seja como capitão do séquito enviado a Aragão, seja,
ainda, como embaixador de Pedro I,também o afastaram do convento. A par dos prazos e dos
préstamos, por vezes feitos a servidores da Coroa, caso do escrivão da puridade, Gonçalo
Vasques, a sua acção ficou sobretudo ligada à valorização do património militar da ordem. Em
Fevereiro de 1359, há notícia de o ouvidor do mestre estar mandatado para lançar finta e talha
em S. Vicente da Beira para reparar os castelos da milícia, conhecendo-se o valor da contribuição
do concelho de Figueira nessa ocasião e sabendo-se que tal saca "nas terras da ordem"fora
autorizada pelo monarca. Ainda que só esteja documentada a intervenção feita no castelo de
Albufeira, financiada pelo mestre e pelo concelho, é provável que se tivesse feito obra noutras
fortificações, dadas as dívidas acumuladas pelo mestre e registadas em diplomas posteriores.
Foi herdeiro de bens na zona de origem da sua família, na Terra de Santa Maria, a sua inserção
na Estremadura justifica que ele os tenha escambado a sua irmã Teresa Martins pelo quinhão dos
bens que ela havia comprado e herdado de sua avó, D. Teresa, em Rio de Mouro, termo de
Sintra. Ele teve ainda emprazada a quintã de Lançada, da colegiada de Sta. Marinha do Outeiro
de Lisboa e diversos bens aforados à capela de D. Constança, mãe do futuro rei D. Fernando.
Relativamente à sua Casa, registamos a existência de um criado, denominado Martim Vicente e
de um seu homem, Gonçalo Eanes.
Contraiu matrimónio sucessivamente com Constança Esteves e depois com Teresa Fernandes,
tendo ainda descendência de Maior Mendes, mulher casada.Os seus irmãos partilharam com ele
a inserção no mundo eclesiástico e da Corte. Como tivemos ocasião de referir, Martim do Avelar
teve um irmão que ingressou na Ordem de Santiago, enquanto Lourenço Martins do Avelar (I)
foi copeiro-mor da rainha D. Beatriz, mulher de D. Afonso IV. Documentam-se igualmente como
suas irmãs Joana Martins e Teresa Martins. À semelhança de seu irmão Lourenço Martins,
Martim do Avelar teve larga descendência, parte da qual permaneceu ligada ás ordens militares.
Ainda que praticamente nada se saiba sobre Leonor Martins, Vasco e João, é conhecido o papel
de Gil Martins do Avelar como sucessor de seu pai nos bens emprazados pertencentes à
Colegiada de Santa Marinha do Outeiro de Lisboa. Casado com Francisca Peres, este escudeiro,
e depois cavaleiro, natural dos mosteiros de Grijó e de Pedroso, tinha bens na Churrasqueira,
termo de Alenquer e um colaço denominado Afonso Lourenço. Para além da descendência
legítima, Martim do Avelar teve de Maior Mendes, mulher casada no tempo do nascimento, um
filho chamado Lourenço Martins do Avelar (II), legitimado por carta de Outubro de 1387. Este
último identifica-se, sem qualquer dúvida, com o Lourenço Martins do Avelar, cavaleiro e
vassalo de D. Fernando, e mais tarde, homem da maior confiança do Mestre de Avis D. João,
futuro D. João I, como teremos ocasião de verificar. Este último Lourenço Martins era natural
dos mosteiros de Pedroso e de Grijó, e foi casado com Maria Eanes, enterrada em S. Francisco
de Lisboa, e depois com Sancha Dias – neta de Estêvão da Guarda – encontrando-se também
mencionado como primo de Sancho Gomes do Avelar , o qual escolheu sepultura antes de 1378
na capela onde jaziam o seu avô e bisavô no convento de Santa Clara de Santarém. Seriam seus
filhos Sancha Martins e Lourenço Martins do Avelar, o Moço, naturais de Grijó, este último
certamente o genro do oligarca olisiponense Lopo Martins da Portagem .
A carta relativa às supracitadas obras no castelo de Albufeira, datada de 20 de Julho de 1363,
constitui, de resto, a última notícia segura que dele se conhece. Poder-se-ia avançar essa
cronologia até finais de 1363, já que há duas cartas, pelo menos, saídas de um capítulo geral
presidido por Martim do Avelar e com data expressa de 27 de Dezembro de 1363. OLIVEIRA
diverge de Maria Helena COELHO ao observar sobre estas cartas de finais de Dezembro,
observando; "Elas devem datar, no entanto, de Dezembro de 1362, pois, como se sabe, era
comum usar o Natal para marcar o início de um novo ano. A sugestão pode ser, aliás,
confirmada através da procuração que então se deu ao comendador de Santarém e de Torres
Novas, Diogo Garcia, para administrar os bens da sua comenda, que seria usada, em Outubro
de 1363, para que este tomasse posse, em nome da ordem, de uma vinha em Valada".
Estamos em crer Mestre D. Martim terá morrido em inícios de 1364,enquanto o primeiro
documento conhecido emanado em nome do novo mestre D. João – a nomeação do comendador
Diogo Garcia como seu procurador em Santarém e Torres Vedras - tem a data de 18 de Maio de
1364.
O inventário parcial de bens da Ordem, redigido após a sua morte suscita algumas questões
preambulares sobre os objectivos que terão presidido à sua elaboração, e também sobre o
estatuto dos bens – de natureza vária – que nele se encontram compilados. Se nos ativermos á
designação inicial do seu conteúdo - livro de papel em que andavam escritos os bens que a dita
ordem tem- teríamos que concluir, dada a ausência de referência ao património que a Ordem
documentadamente possuía noutras localidades, estarmos em presença de um fragmento de uma
compilação mais vasta do que aquela que subsiste e constitui essencialmente uma recolha
efectuada sob a autoridade de Gonçalo Esteves, que o texto refere como provedor do Mestrado,
por um tabelião da vila de Fronteira entre 6 de Maio de 1366 e 7 de Abril de 1367 , embora nele
se contenham verbas posteriormente anotadas , algumas ainda durante o ano de 1367 e outras
lançadas no mês de Fevereiro de 1425. Parece inequívoco que nos encontramos em presença de
um inventário realizado após a morte do Mestre D. Frei Martim do Avelar, durante a menoridade
do seu (ainda nominal no tocante ao exercício) sucessor, o bastardo régio D. João. Mas a questão
que se coloca é de outra natureza: os bens neles contidos reportar-se-iam apenas ao espólio
pessoal do falecido D. Martim (inequivocamente averbados no texto em apreço) e ao acervo
patrimonial que lhe fora alocado na qualidade de Mestre, configurando já uma primitiva Mesa
Mestral. Ou, pelo contrário, trata-se de um fragmento de uma compilação geral dos bens próprios
da Ordem efectuada na menoridade do Mestre D. João e que justificaria anotações
(actualizações) que chegam a 1425.
A intenção cautelar de salvaguarda dos interesses da Coroa parece-nos evidente, a denotar uma
possível iniciativa régia. Iniciativa aliás contrastante com aquela que havia sido assumida por seu
pai, o rei D. Dinis, que por carta régia feita em Santarém a 26 de Abril de 1319, determinara que
ao Mestre de Avis, D. Gil Martins (4 de Agosto de1316-18 de Novembro de1319) e aos seus
antecessores fossem perdoadas todas as dívidas da Ordem, deixando assim ao seu sucessor, o
bem conhecido Mestre D. Vasco Afonso, uma tesouraria saneada (ao menos no tocante às dívidas
com o erário régio).
. Ora, nesse supracitado tombo, deparamos com a menção expressa de uma dívida do Mestre de
Avis ao erário régio. E inclinamo-nos para que essa mesma dívida tivesse sido contraída por D.
Martim do Avelar, uma vez que por ela responderiam, não os bens e receitas da ordem, mas
apenas os rendimentos directamente atribuídos ao seu mestre. E ainda porque no tombo em
apreço claramente se menciona "a dívida que lhe devia D. Martim do Avelar".
Com efeito, refere-se que, em 8 de Maio de 1364, a propósito da parte do mestre de Avis nas
dizimas de Vila Viçosa "a qual parte do Mestre está arrendada agora por novecentas libras por
este ano que se acaba em São João da Era de 1403 (1365) os quais direitos há de receber o
almoxarife do rei na dita vila que el rei manda aí receber para si para haver a dívida que lhe
devia o Mestre D. Martim do Avelar fora quarenta e sete libras e meia que há de haver delas o
prior das cem libras que há de haver do seu priorado porque as cinquenta libras tem por S.
Fraústo e cinquenta soldos pela renda duma horta que a Ordem tem".
O mesmo documento dá uma dimensão global do montante dessa dívida contraída, ao que
depreendemos directamente pelo mestre D. Martim junto do erário régio mencionando que, no
castelo do Alandroal, aos 25 do mesmo mês e ano, Gonçalo Esteves, provedor dos bens do
mestre de Avis, deixou a Domingos Fortes, mordomo do Alandroal, um stromento de como el Rei
mandou tomar ao Mestre as rendas de Moura, Serpa, Beja e Vila Viçosa.
Estamos perante uma dívida de dimensões relativas, que ascenderia, quando muito, a alguns
milhares de libras. Testemunho indirecto do montante escasso que representariam as rendas de D.
Martim do Avelar, e justificativo das dificuldades financeiras que obrigariam este Mestre a deixar
empenhados objectos de uso pessoal.
Salvo melhor doutrina parece pouco plausível que D. Pedro I tivesse acedido a financiar
despesas, pessoais e/ou institucionais do mestre D. Martim. É certo que a participação da milícia
de Avis no conflito que opunha as forças do rei de Castela contra efectivos militares aragoneses,
num teatro de operações distante, implicando o correspondente esforço logístico, teria obrigado a
despesas para as quais a ordem poderia não ter reservas financeiras suficientes.
Mas se a dívida em apreço dizia respeito ao financiamento dessas operações militares,
inequivocamente ao serviço da política externa do rei, porque motivo responderiam por ela
apenas rendas do mestrado, e não as da ordem no seu todo?
Teriam sido dispendidos esses milhares de libras nas despesas de viagem, estadia e
"representação" do mestre D. Martim, e respectivo séquito, por ocasião da viagem a Navarra,
onde, como tivemos ensejo de ver, firmou em 1361 as tréguas entre Castela e Aragão em nome e
por procuração de D. Pedro I?
Trata-se, como é evidente, de uma simples hipótese que nenhuma outra fonte documental
conhecida suporta. Mas se um dia ela viesse a confirmar-se teríamos de concluir que, já neste
período, o rei de Portugal não apenas utilizava a benefício da sua política peninsular os serviços
do mestre de Avis como se limitava a adiantar-lhe, para se ressarcir a posteriori, os
indispensáveis recursos financeiros. Afinal um entendimento um pouco leonino da "inevitável
colaboração entre o rei e as ordens militares" a que aludia PIMENTA, entendimento leonino
esse que as fontes documentam, como veremos adiante.
A esta série de interrogações talvez possamos acrescentar uma mais: no ano de 1365 em que
encontramos documentado que o rei mandou tomar ao mestre de Avis as rendas das quatro vilas
referidas ocupava já esse cargo o bastardo régio D. João.
Sucede que o primeiro documento que data do novo mestrado de D. João (lavrado em Benavente
em 4 de Dezembro de 1372) é precisamente uma ordem para que os juízes, almoxarifes e
escrivães do rei em Moura, Serpa e Beja, fizessem entrega a João Fernandes, escrivão do rei em
Moura, de todos os direitos e novidades pertencentes ao Mestre e à ordem e sitos nesses lugares,
em virtude de dívidas contraídas por D. Martim do Avelar.
Num período em que se abandonava a exploração directa e se impunha o modelo rentista
contratualizado com foreiros e rendeiros a crise do século XIV implicou uma baixa generalizada
na renda senhorial.
A diminuição da população e a fuga dos trabalhadores do campo para a cidade deixaram muitas
terras sem cultivo ou com um cultivo insuficiente que se traduziu no cercear dos rendimentos .
O ano da morte do Mestre D. Frei Martim do Avelar ocorrera depois dos anos de seca de 1331 e
1333; 1354-1356, o próprio ano de redacção parcial do tombo (1366) foi um ano de fome. Não
dispomos para as zonas de implantação da ordem de Avis, da mesma abundância de estudos e
resultados que se efectuaram e obtiveram no tocante a outras áreas do reino, mas estamos perante
um fenómeno global.
A Peste Negra grassou por todo o território entre 1348 e 1349, seguiram-se surtos de pestilência
designadamente em 1356 e 1361-1363. Sabemos no entanto que, por exemplo: a população de
Veiros, Aljustrel, e de um modo geral, todos os territórios circundantes foram duramente
atingidos.
Verificaremos que o próprio tombo de 1366 reflecte o abandono de terras e instalações, uma
geral desertificação. O Mestre e o convento da ordem de Avis atravessavam um período de
penúria que a ilusória extensão e diversidade das suas fontes de receita não restitui directamente.
Pois, despeito de um entendimento geral de que o modus vivendi dos cavaleiros de Avis teria sido
marcado por uma relativa austeridade até cerca de 1413 o provável inventário de pertenças
inventariadas por ocasião da morte do mestre D. Martim revela-nos um espólio pessoal
constituído por um conjunto de bens móveis cuja natureza, volume e qualidade apontam, sem
dúvida, para um estilo de vida perfeitamente equiparado ao dos segmentos mais opulentos da alta
nobreza (estamento social a que D. Martim do Avelar pertenceria por nascimento, como
descendente de ricos-homens).
Não é desejável ignorar, no entanto, que numa visitação efectuada em 1342 se recordava que a
primeira coisa que os cavaleiros deviam superar era o orgulho, o amor da vanglória. Fortes,
longe de todas as futilidades, "jamais penteados, raramente lavados, barba hirsuta, cheirando à
poeira, magoados pelo arnês e pelo calor, assim os exaltou S. Bernardo no Louvor da nova
cavalaria". E que o mesmo autor precisava que o vestuário de Calatrava e de Avis consistia no
escapulário e na capa, capuz ou capelo, que em conjunto constituíam o hábito religioso
propriamente dito, ao qual (no Inverno, como admite REIS) se juntava um manto forrado de pele
de carneiro. E adianta que apenas nas bragas, ou ceroulas ("femurales"), a sua única peça de
vestuário interior, era permitido o uso do linho, o que é corroborado por Cunha.
Parece-nos lícito constatar, perante o espólio do Mestre D. Martim, que ou estamos perante um
retrato idílico, ou existia uma clara destrinça entre os mestres e os simples cavaleiros, ou o
despojamento idealizado por S. Bento apenas terá sido respeitado (se é que o foi) durante um
período de "ascetismo" inicial. Todavia o espírito que presidia a essa vontade de despojamento
persistiu – ao menos como voto pio – uma vez que na supracitada visitação de 1342, Frei
Lourenço Anes recomendava ainda "que nenhum freire trouxesse manto senão de calcil ou
estamenha ou de pano pardo de Toledo ou de Tortosa ou del Verde ou de sarja, e que essa sarja
fosse branca", e também que "nenhum freire trouxesse pontas no manto senão redondo"
acrescentando que "se aquele que infringisse essa recomendação fosse comendador, o prior lhe
tomasse esse manto e o cortasse e entregasse ao comendador-mor para distribuir pelos freires
do convento". Mas se fosse apenas freire (o prevaricador) seria chamado a cabido, “tomaria
disciplina e seria posto a pão e água naquele dia e lhe fizessem cortar as pontas ". E adiantava
que "nenhum freire entrasse da porta do convento para dentro sem manto nem andasse sem ele ,
e, não o fazendo, seria chamado a capítulo, onde tomaria disciplina e permaneceria 3 dias a pão
e água em ligeira culpa".
Pois a despeito de integrar peças de incontestável valor, em flagrante contradição com o que
acima foi recordado, não existe qualquer menção de que os oficiais régios tenham tomado
providências de retenção do espólio do Mestre D. Martim para amortizar a divida ao rei.
Providências essas que, em última análise, poderiam aliviar um pouco a "pesada herança" que D.
Martim deixava ao filho de D. Pedro I de Teresa Lourenço. Mas o monarca não sentiu
necessidade de se enredar em formalismos dessa natureza uma vez que, como veremos, terá
assumido directamente a gestão de assuntos patrimoniais da ordem de Avis.
É certo que o sucessor do mestre Avelar, que havia nascido em Lisboa em 11 de Abril de 1357
contaria apenas sete anos quando o seu tutor D. Nuno Freire de Andrade, mestre da ordem de
Cristo, pediu para ele o mestrado de Avis ao rei seu pai, em episódio relatado pela cronística em
termos que, como veremos adiante, poderão suscitar algumas dúvidas. Isto sem embargo de
darmos como relativamente seguro que D. Pedro I tivesse procurado colocar Teresa Lourenço,
mãe do bastardo régio D. João, a residir no coração do Mestrado que seu filho nominalmente
dirigiria, talvez há aproximadamente um ano . Com efeito, já em 21 de Junho de 1365, foi feita
doação "à mãe de D. João Mestre da Cavalaria da Ordem de Avis”, (na ocasião com oito anos)
de três casas nessa vila, uma delas na Rua da Mouraria, uma courela em Pedro Fuscã, uma terça
parte da herdade chamada do arcediago, 50 vacas e 30 cabras, além de roupas e utensílios
(domésticos ou de lavoura?) que haviam pertencido a Fatos, mulher de Azamede, mouro
residente em Avis, e respectivos netos, que se haviam ausentado do reino sem licença régia.
Estamos perante um "dote" susceptível de assegurar a subsistência da mãe do Jovem Mestre, e
não seria humanamente de estranhar que D. João, ao menos ocasionalmente, frequentasse a casa
de Teresa Lourenço sempre que permanecesse na vila que era cabeça do seu Mestrado.
D. Pedro I, de acordo com essa versão, terá acedido, armando o filho cavaleiro e obtendo do
papa confirmação com dispensa da idade. O oportuno pedido de D. Nuno Freire de Andrade
pode ter sido espontâneo ao aproveitar a vacatura do Mestrado de Avis, mas dava ao rei o ensejo
de, simultaneamente, dar estado ao seu filho bastardo (que prima pela ausência ou subalternidade
nos textos que mencionam o infante D. Fernando ou os filhos de Inês de Castro), e pretexto
adicional para intervir directamente nos negócios internos da cavalaria de Avis.
Esta intervenção teria ocorrido em plena crise. A Coroa, por seu lado, estaria certamente
consciente de que a milícia de Avis se encontraria economicamente fragilizada, financeiramente
exausta, militarmente depauperada, muito possivelmente com efectivos reduzidos pelos
sucessivos surtos de pestilência. Uma conjuntura que, à partida, diminuiria a combatividade de
eventuais reacções a uma tutela claramente exercida pelo monarca. E, por outro lado, este
sentiria a importância de escorar uma milícia castrense, cuja importância estratégica permanecia
relevante. A conjugação destas duas ordens de razões parecem-nos bem mais consentâneas com a
solução engenhosamente adoptada, do que a alegada iniciativa "espontânea" do Mestre da ordem
de Cristo avançada pela cronística.
A administração dos bens da ordem de Avis não era certamente assegurada por um novo mestre-
criança e, no campo das hipóteses, o vazio assim gerado, durante um período particularmente
difícil, pode ter dado azo a más práticas de gestão e conflitos internos desencadeados pela
aparente ausência de uma eleição regular. Situação que, em certa medida, poderia legitimar a
intrusão do monarca nos assuntos internos da milícia.
D. Pedro I não deixou fugir a ocasião, como teremos ensejo de constatar através do tombo em
apreço, não apenas através da referida retenção das rendas de vilas da ordem, mas também
verificando que o provedor, Gonçalo Esteves, iria aforar propriedades do mestrado, acobertado
pelo poder que lhe conferia uma carta régia, assinada pelo punho do monarca e selada com o seu
selo redondo.
O mesmo Gonçalo Esteves que, tendo ordenado a Lourenço Mendes, alcaide do castelo de
Veiros, que lhe entregasse armaria diversa, e outros itens guardados na fortaleza, ouviu responder
que " el-rei lhe mandara que não desse nem deixasse tirar por ninguém nada do que estivesse no
dito castelo". Na sequência dessas instruções do monarca o Corregedor régio mandou que
voltassem a colocar tudo o que o provedor Gonçalo Esteves mandara reunir e inventariar nas
dependências do castelo de Veiros de onde tinham sido retiradas .
A vila de Veiros não se contava entre aquelas cujas rendas tinham sido embargadas pelo rei, nem
encontrámos qualquer indicação de que se tratasse de bens directamente pertencentes ao
mestrado que o soberano procurasse acautelar durante a menoridade do filho. Acresce que
Gonçalo Esteves, que era procurador dos bens desse mesmo mestrado, ignorava, segundo parece
depreender-se, as ordens do monarca.
A propósito do inventário de uma herdade situada na Ribeira do Casal (que incorporava os bens
da ordem de Avis) encontra-se no tombo de 1366 a seguinte a menção "Estas coisas acima
escritas ficaram já escritas no começo do conto de Martim Vivas. As quais coisas mostrou
escritas num instrumento que tomaram quando João Lourenço, porteiro d’el-rei sequestrou os
bens da dita casa".
Estas situações parecem indiciar que D. Pedro I não terá permitido que a hierarquia da ordem de
Avis assegurasse directamente alguns, todos, ou grande parte dos assuntos da gestão patrimonial
da milícia de Avis durante a menoridade do seu filho D. João.
Restaria ainda saber se a organização do próprio tombo de bens da Ordem de Avis inventariados
em 1366 não teria partido da iniciativa régia que procuraria compilar num único livro, para
avaliação global e complementar dos elementos em posse do provedor dos bens do mestrado,
traslados de documentação que andaria dispersa. Registe-se, a propósito de uma provável
dispersão dos arquivos da ordem de Avis em meados da centúria de Trezentos que, no documento
em análise, ao proceder-se ao inventário dos bens móveis existentes no castelo do Alandroal
expressamente se refere uma ucha longa com escrituras.

2.2. O espólio inventariado por morte do Mestre D. Martim do Avelar.


Passemos agora em revista o conjunto de objectos e pertenças entregue na vila de Avis, entre 23
de Março e 25 de Maio de 1364 pelo provedor dos bens do mestrado de Avis a Estêvão
Domingues que, na ocasião, fez de mordomo.
Trata-se de um acervo heteróclito que abrange mais de três dezenas de peças de prata, ou prata
esmaltada, ou dourada, a maioria de serviço de mesa, mas também selaria e armas (algumas
ostentando a heráldica da ordem de Avis), e alfaias litúrgicas, pesando cerca de dezoito
quilogramas .
Neste vasto conjunto encontram-se, designadamente, vestimentas de igreja, peças de tecido,
sedas, estofos lavrados, perfumes, especiarias, cintos tauxiados, esporas douradas, tabuleiros de
jogo, o que nos parece constituir um conjunto de capela ou oratório, livros, um adereço de cama
(com seus lençóis, mantas, colchas e almadraques), correame para bestas e cães, utensílios de
montaria, dinheiro em dobras castelhanas, e objectos de uso pessoal. Entre algumas peças de
valor e estofos de preço surge no entanto um numero considerável de objectos e vestimentas de
qualidade medíocre ou revelando muito uso.
Esta mistura de profano e de sagrado, de alguma ostentação e de escassez rústica, parece
configurar o cenário relativamente requintado (o inventário reporta-se ao período de crise de
meados de Trezentos) de adereços e objectos de uso quotidiano em que se movia um mestre da
cavalaria de Avis reunindo em si as vertentes religiosas , castrense e senhorial.
Sublinhe-se a menção a uma dívida ao mestre que o Corregedor cobrou coercivamente a um João
Gomes que o texto refere ter vivido com uma Maria Martins do Avelar que, atento o patronímico,
poderia tratar-se de uma filha natural deste mestre da ordem de Avis.
Ora, o registo, em pormenor que se apresenta em Anexo a esta dissertação, permite admitir que o
mesmo pertenceu, ou foi usufruído, por D. Martim do Avelar facto que pode ajudar a caracterizar
todo um "estilo de vida". Já no que concerne as rendas e direitos que no seu tempo, e de acordo
com o tombo em apreço, integravam aquilo que viria a ser designado como a Mesa mestral.

2.3. O "peso militar" da ordem de Avis à luz dos dados registados em 1364. Um poder
militar declinante ou uma situação generalizada?
Suscitam alguma perplexidade as informações sobre armaria e palamenta militar que nos fornece
este tombo de bens de 1364, cujo conteúdo temos vindo a estudar.
Tenhamos presente que MONTEIRO, (cuja consideração levanta questões incontornáveis),
referindo-se à situação em que se encontrariam os arsenais espalhados pelas fortalezas do reino
num período ligeiramente mais tardio, a contrasta, de certo modo, com aquela que se verificaria,
hipoteticamente, em alegados depósitos à guarda das ordens militares. Adianta este autor "Pelo
menos o já mencionado inventário dos bens da ordem de Avis, efectuado após a morte de D.
Martim do Avelar, revela a presença de muitas e boas armas (defensivas e ofensivas) nas
fortalezas visitadas…Em todo o caso não seria apenas nos depósitos situados no interior das
fortalezas das ordens militares que se encontravam armas em quantidade e bom estado ".
MONTEIRO regressaria a esta questão em obra mais recente ampliando o julgamento acima
referido nos seguintes termos: "Relativamente ás ordens militares (de Avis, de Cristo, do
Hospital e de Santiago), será bom começar por advertir o leitor para o facto do termo da
Reconquista e a delimitação quase definitiva das fronteiras do território português que se lhe
seguiu, em finais do século XIII, não terem significado um esvaziamento total da sua função
militar. De facto, durante muito tempo, as ordens continuaram a ter uma intervenção essencial
ao nível, por exemplo, da arquitectura militar (coisa que já aqui foi claramente demonstrada) e,
por conseguinte, também no plano da vigilância e da defesa das fronteiras do reino.
Paralelamente mantiveram, para além do final da Idade Média, uma notável preocupação com a
forma como os seus freires cavaleiros se encontravam armados e encavalgados, prevendo
mesmo – como tivemos oportunidade de assinalar – normas rigorosas acerca da conservação do
equipamento militar, guardado no interior das fortalezas que os Comendadores tinham debaixo
da sua tutela".
Em boa verdade, se a subsistência do protagonismo militar das ordens religiosas, uma vez
terminada a Reconquista e a fixação das fronteiras, parece pacificamente indiscutível, já a
caracterização do armamento dessas mesmas milícias e a assumpção de que a gestão e
conservação dessa mesma palamenta era efectuada debaixo de normas rigorosas, poderá
eventualmente suscitar alguma perplexidade, pelo menos no que respeita à Ordem de Avis no
século XIV.
Mas é necessário reconhecer que essa mesma perplexidade se articula numa problemática vasta,
ingrata e evanescente. Tivemos ensejo de salientar anteriormente que, a despeito das
recomendações de visitações dos meados de Trezentos estipularem a contenção no trajar de
freires e comendadores de Avis, fazendo recair sobre eventuais faltosos os rigores da disciplina, o
espólio dos bens do Mestre D. Martim do Avelar, inventariado em 1364, se encontra recheado de
artigos sumptuários onde nem mesmo faltam as jóias, os perfumes e as baixelas. Admitimos de
bom grado que tivessem existido desideratos de reequipamento e normas rigorosas sobre a
conservação da palamenta militar pertencente à freiria. Mas, uma vez que os únicos testemunhos
concretos e palpáveis de que temos conhecimento parecem apontar noutra direcção, atrevemo-
nos a questionar até que ponto essas boas regras corresponderam efectivamente a boas práticas.
Isto porque as normas são desejos de realizar, mas não a realidade em si mesma.
O mesmo historiador refere, numa outra passagem, que a gestão dos arsenais implicava um corpo
de funcionários e artífices especializados. Cita, a este propósito Claude Gaier, "um dos grandes
especialistas europeus em hoplolgia medieval", que considera que "os dois grandes perigos que
então ameaçavam as armas eram, por um lado a corrosão, e, por outro, o apodrecimento”.
Riscos que, integrados num contexto de edificações insuficientemente adaptadas ou, mesmo,
improvisadas, obrigavam a um cuidadoso, frequente e metódico trabalho de reparações,
lubrificação, desenferrujamento, pintura e envernizamento, entre outras. Para não falar já das
tarefas inerentes a uma "gestão, das existências", tanto das armas e respectivas peças como (no
caso das bestas e restante neurobalística) das respectivas "munições".
Em jeito de conclusão MONTEIRO sublinha uma constatação do mesmo Gaier:"os trabalhos de
manutenção e reparação ocupam um lugar considerável na gestão dos armamentos.Este
fenómeno implica forçosamente a existência de um serviço administrativo desenvolvido e de
pessoal abundante, senão qualificado, tudo elementos que depõem a favor de um certo sentido
de organização".
Com efeito, a partir do terceiro quartel do século XIV a Coroa vai desenvolver esforços
persistentes no sentido de criar essa organização, nem sempre com resultados adequados ou
duradouros, mas o esforço constata-se, como reflectem os exemplos aduzidos, entre outros, pelo
próprio MONTEIRO.
Já em 4 de Outubro de 1387, (21 anos e muitos conflitos militares após a elaboração do tombo
em apreço) é feita referência à torre do armazém de Lisboa, onde estaria depositada grande parte
dos 1500 arneses (completos) que o conselho de D. João I teria determinado que existissem no
reino. Dentre as várias entidades que estariam encarregadas de fornecer os ditos arneses, um
terço caberia à Coroa, 50 ao Condestável, e a D. Afonso, futuro duque de Bragança, obrigação
essa que se estendia aos arcebispos de Lisboa e Braga, aos bispos de Coimbra e Évora, e aos
Mestres de Cristo e Santiago. Ao Mestre da ordem de Avis caberiam 40 arneses, 30 ao marechal
Gonçalo Vasques Coutinho e 20 ao prior do Crato.
Não existe a certeza de que a determinação do conselho régio tivesse sido integralmente
executada, e ignoramos a quem caberiam os 350 arneses cuja proveniência não fica clara na
enumeração completa da listagem supra, no entanto o que nos interessava focar era que estamos
presente arneses completos.
Que é, precisamente uma das características que se não verifica no armamento depositado nos
armazéns da ordem de Avis. Talvez porque o seu uso não se encontrasse ainda generalizado, mas
permanece o carácter aparentemente desirmanado dos equipamentos. E, a despeito de
MONTEIRO se referir ao acervo como "muitas e boas armas (ofensivas e defensivas)", quer-nos
parecer que existe uma flagrante desproporção entre armas defensivas (estas mesmas
frequentemente não compagináveis entre si) e ofensivas.
Teremos ainda ensejo de verificar adiante que a tipologia dos equipamentos aí presentes
apresentava características relativamente arcaizantes.
Talvez não seja de todo temerário admitir, a título de hipótese, que as armas referidas nos
armazéns em apreço não atingiam quantitativos notáveis, nem apresentavam uma qualidade e
estado de conservação merecedoras de tantos encómios. A própria listagem e descrição dos
equipamentos dispensaria mais comentários.
Finalmente, se aceitarmos o postulado de que a ordem de Avis se encontrava em crise, minguada
de efectivos e recentemente sujeita à tutela real, teremos dificuldade em admitir a existência do
pessoal abundante e qualificado que os especialistas consideram imprescindível à boa gestão de
um arsenal.
Desembocamos, involuntariamente, numa questão vasta porquanto, no quadro da investigação
sobre as ordens militares ibéricas em geral, e decorrentemente no âmbito mais restrito das
milícias portuguesas, e, se nos permitem, no que concerne a essa milícia peculiar que é a ordem
de Avis, a questão da avaliação do efectivo poderio bélico dessas mesmas ordens, do respectivo
peso regional, nacional e peninsular permanece muito longe de se poder considerar satisfatória.
Situação um tanto irónica se tivermos em consideração que sobre estas milícias militares desde o
seu surgimento, se conhece mais sobre os topoi da normativa e funcionamento orgânico, a
espiritualidade, a influência cultural, a evolução do relacionamento institucional e a organização
económica – em boa parte compartilhadas com o que caracteriza outras instituições regulares
monásticas com uma genealogia semelhante – do que aquilo que tem vindo a ser penosamente
apurado sobre o topos da sua organização castrense, precisamente a mais característica faceta da
sua funcionalidade que as distingue, separa e individualiza em relação à generalidade das outras
ordens religiosas.
Desta evidente lacuna tinha perfeita consciência FONSECA quando, em análise preambular
daquelas que poderiam ser as grandes linhas orientadoras do presente trabalho, mas tendo
presentes as limitações das fontes sobre as quais iríamos trabalhar, nos recomendava que
tentássemos proceder à avaliação possível do peso regional, demográfico, económico e social da
milícia de Avis.
Questão ingrata, como disse acima, porque as fontes que sobreviveram tendem a ignorar, ou
referir muito episodicamente, e ainda por cima de forma fragmentária e sucinta tudo o que se
assemelhe a inventários de equipamentos militar. Ou são constituídas em boa parte por textos
regulamentares, em que se procura determinar qual deverá ser, no futuro, o armamento-tipo de
uma, ou de várias categorias de combatentes, sem que se conheça o respectivo grau de execução.
Fora desta categoria, conhecem-se, referidas ao período em apreço, listagens desgarradas,
elaboradas com intuitos precisos, que reportando-se a conjuntos de armamento frequentemente
desmembrados, deslocalizados ou reconstituídos teriam um significado restrito, e
corresponderiam a conjunturas específicas.
Produto de iniciativas avulsas dum aparelho administrativo incipiente, e de actos de
administração não sistemática, raramente permitem visões de conjunto. E é necessário ter em
conta que, em termos genéricos, os textos conhecidos que se referem a equipamentos militares
subentendem conhecimentos e informações que, sendo consideradas adquiridas e evidentes nos
períodos a que se reportam, permanecem para nós obscuros e opacos, inviabilizando uma
caracterização minimamente fundamentada do tipo de equipamentos efectivamente utilizados
por cada tipo de combatentes.
Se outros tipos de fontes, como uma iconografia relativamente abundante e elucidativa, nos
permitem reconstituir com razoável fiabilidade como se armava a cavalaria pesada, os arqueiros,
os besteiros, e os peões é insuficiente o conhecimento disponível sobre o armamento da
peonagem portuguesa no período antecedente às "guerras fernandinas", mormente daquela que
integraria as mesnadas senhoriais e, mesmo, os aquantiados, e os efectivos concelhios.
Armamento que, diga-se de passagem, raramente corresponderia a padrões sistemáticos e ás
tipologias estereotipadas, tais como actualmente as concebemos. Mas, não obstante todas as
dificuldades, não é possível escamotear a problemática da efectiva avaliação da importância
militar das ordens militares em geral, e da milícia de Avis em particular.
E arriscamo-nos mesmo a admitir que uma das constantes que iria determinar o relacionamento
entre a coroa e os cavaleiros de Avis se radicaria, ao logo de boa parte das sucessivas conjunturas
político-militares, na efectiva importância militar da ordem.
Sem esta avaliação comparativa a questão permanece evanescente porque a articulação do poder
central com os poderes e jurisdições territoriais, eclesiais, senhoriais e concelhios, sendo um
processo dinâmico e decorrente de quadros conjunturais fluidos não pode ser analisado quando
um dos vectores em análise permanece insuficientemente avaliado.
Muito embora BARROCA considere que os "cavaleiros procedentes da nobreza e das ordens
militares, formavam o que poderíamos designar por "exército ofensivo", parece ressaltar com
alguma nitidez que a milícia de Avis, uma vez terminada a reconquista do Algarve, surge
acantonada em missões tácticas e estratégicas centradas numa região precisa. Teremos ocasião de
a acompanhar no seu envolvimento fracturante na guerra civil iniciada em 1319, numa
participação pouco empenhada nas "guerras fernandinas", nas divisões geradas em virtude do
posicionamento assumido pelo seu próprio mestre na "revolução" de 1384. Mas, com excepção
da "aventura catalã" parecem escassas, ou mal conhecidas, outras eventuais participações em
conflitos de âmbito peninsular, e não a referenciamos a desempenhar um papel determinado nas
ilhas atlânticas, no Norte de África ou no Oriente, a exemplo do que sucede com outras ordens
militares portuguesas.
Tirando uma avaliação sumária do efectivo de cavaleiros desconhecemos o volume dos seus
outros combatentes, como eram recrutados e formados, que tempo de serviço prestavam, qual o
seu grau de prontidão militar, a sua organização logística, o tipo de armamento de que
dispunham.
Em tese as informações de natureza militar que é possível extrair deste tombo são tão
desenquadradas, esparsas e fragmentárias que é licito duvidar da sua representatividade, e valor
quantitativo e qualitativo. São sobremaneira evidentes as dúvidas que podem, e devem, suscitar
quaisquer tentativas de propostas sobre a caracterização dos efectivos a que se reportam.
A cronística medieval, contaminada pela sua natureza frequentemente apologética, nem sempre
restitui com fiabilidade as dimensões e características dos contingentes militares que
alegadamente se digladiavam na história-batalha. E será parcialmente responsável pela noção
anacrónica que nos ficou das ordens militares entendidas como instituições que dispunham de
corpos dotados com numerosos efectivos coesos, bem preparados e armados, cuja disciplina e
prontidão as tornava incontornáveis e decisivas quando, de acordo com Clausewitz, era
necessário "prosseguir a política por outros meios ".
A investigação recente sobre essa questão e os dados fornecidos por disciplinas como a
arqueologia, em investigação sobre fortalezas, acampamentos e campos de batalha, têm vindo a
aconselhar uma prudente reavaliação de noções que eram, à falta de novos dados, pacificamente
aceites. Esta posição cautelar, um tanto mitigada, encontra-se reflectida, por exemplo, em
AYALA que opina: "Como es obvio, al hablar de un ejército movilizado por una orden militar
estamos aludiendo a un heterogéneo conjunto de elementos, de los quales solo una peqeña parte
– aunque eso sí la más importante desde el punto de vista cualitativo – la componíam los freires
caballeros(…) Finalmente hay que aludir al contingente de vassallos de la jurisdición de cada
orden movilizados mediante los mecanismos propios de la leva feudal. Este procedimiento fue
especialmente utilizado en la Península Ibérica".
Admitindo, como hipótese, que em termos relativos e comparativos essas características, de
importante corpo de elite ao menos no que se reporta exclusivamente à milícia de Avis, se
pudessem aplicar aos conflitos da reconquista, será que esse peso determinante terá permanecido
tão decisivamente relevante a partir de meados do século XIV?
O tombo em apreço respeita a um período específico. Situa-se apenas dezoito anos após a
chegada da peste negra a Portugal e dez anos após a pandemia de 1356, imediatamente seguida
de novo surto de peste em 1365.
Não nos alongaremos, já que será um tema de enquadramento recorrente, sobre as consequências
demográficas, sociais, e económicas, bem como sobre a decorrente desarticulação da sociedade
que caracterizou este bem conhecido segmento da crise do século XIV.
Nem tão pouco sobre o tumultuoso contexto político que antecedeu o relativamente pacífico
interregno do curto reinado de D. Pedro I. Bastará ter presente que o códice foi compilado no
contexto de uma profunda crise geral cujas repercussões na ordem de Avis emergem com
suficiente nitidez neste inventário de bens compilado a um ano da morte do rei Justiceiro, e a
escassos sete anos de mudanças radicais introduzidas pelo rei D. Fernando I no equipamento dos
efectivos militares portugueses, ou, talvez com maior precisão, no equipamento dos efectivos
directamente dependentes da Coroa.
Desde logo é possível constatar que muito embora o provedor dos bens do mestrado de Avis
tenha recolhido informações sobre terras da ordem e propriedades da mesma em Alandroal,
Alcanede, Alenquer, Beja, Benavente, Borba, Casal, Coruche, Fronteira, Juromenha, Lisboa,
Mangualde, Moura, Mourão, Noudar, Pavia, termo de Santarém, Serpa, Seia, S. Martinho, S.
Vicente da Beira, Veiros, Vila Viçosa, Vila Chã e Vinhó, apenas no Alandroal, Juromenha,
Noudar e Veiros é referenciada a existência de "depósitos de armaria e equipamentos militares".
Muito embora reconhecendo as insuficiências das fontes, o seu carácter fragmentário e a sua
irregular distribuição pelos três primeiros séculos da nacionalidade, somos insensivelmente
induzidos a procurar avaliar e caracterizar, mesmo grosseira e aproximativamente, os efectivos
combatentes da milícia de Avis, no período correspondente ao início do mestrado de D. João,
filho do rei Pedro I.
Como é sabido investigadores hispânicos verificaram que, no tocante à ordem de Calatrava, mais
propriamente no respeitante à jurisdição do Campo de Calatrava, precisamente aquela que mais
analogias quantitativas poderá apresentar, com o núcleo de implantação da ordem de Avis, se
encontram, a partir de 1392, cerca de 37/40 comendas, sendo que os respectivos Comendadores
representavam cerca de 50% do numero de cavaleiros. Estes números parecem apontar para
efectivos superiores a 70 e inferiores a 80 cavaleiros. Esta tentativa de numeramento não será
contraditada pelos textos normativos do século XIV, a ordenação da Ordem de Cristo do século
XIV de 1326 e o Estabelecimentos de Santiago no ano seguinte. No primeiro caso a Ordem de
Cristo contaria com 76 possíveis combatentes, Santiago não disporia de mais de 61 cavaleiros.
Admitindo que é possível transpor, mesmo em termos aproximativos, este tipo de relação para a
Ordem de Avis em 1364-1366 estaremos em presença de uma milícia militar cujos cavaleiros não
ultrapassariam a meia centena, podendo totalizar, quando muito, setenta combatentes
efectivamente mobilizáveis.
Este tipo de analogias, embora rodeadas de cautelas, podem no entanto apontar algumas
confirmações provisórias. Com efeito, se tivermos presentes os quantitativos dos efectivos das
ordens militares a que chegou Oliveira MARQUES, verificamos que os números adiantados por
este autor não divergem grandemente daqueles que acima propusemos, nem das ordens de
grandezas que tentaremos retirar do armamento referido em 1366. Ao abordar o clero, no quadro
dos grupos sociais, tal como estes se apresentavam durante a crise dos séculos XIV e XV este
autor adianta "Não se esqueçam os religiosos militares: freires de Avis, Cristo, Hospital e
Santiago. O sistema era idêntico para todos eles: um quadro de freires cavaleiros, assistidos por
freires clérigos e freires sergentes, hierarquicamente seus subordinados. A ordem de Cristo, a
maior, tinha em 1321 84 freires no máximo (69 cavaleiros e 15 dos outros), número este
aumentado, cinco anos mais tarde, para 86 (71+15). A de Santiago, em 1327, tinha 61 freires
cavaleiros. No conjunto, portanto, as ordens religioso-militares não contariam mais de 300
freires, de qualquer categoria". Acresce que, muito recentemente, OLIVEIRA chegou a
estimativas que se aproximam significativamente das ordens de grandeza que perfilhamos.
Já AYALA MARTINEZ, comparando os contingentes das milícias empenhadas na Terra Santa
com os efectivos das ordens peninsulares em geral (e seríamos tentados a alargar essa
constatação mais em concreto aquelas que actuavam em Portugal especificamente, e à Ordem de
Avis em particular) reconhecia que "La estimación de cifras en lo que se refiere a órdenes
militares ubicadas en la Península Ibérica resulta necessariamente más modesta, y no tanto en
cuanto a numeros absolutos se refiere, como al papel que los freires asumen en la actividad
militar frente al islam, sin duda mucho menos significativo que en Oriente. Es probable que a
princípios del siglo XIV hubiera cerca de 200 caballeros hospitalarios en los domínios del rey de
Aragón (…) Sim embargo, sabemos que Jaime II sólo se atrevió a solicitar en 1303 la
colaboración de 60 freires hospitalarios y de un centenar de templarios para rechazar un ataque
granadino, y también sabemos que de estos últimos, y tras sucessivos llamamientos, el rey
obtuvo únicamente la ayuda de 20 ó 30 caballeros. Estas modestas cifras de participación
efectiva se repiten con frecuencia ".
Tendo perfeita noção de que a escala dos contingentes que passaremos a referir, embora apenas
distanciado um quarto de século do período em apreço se inscreve já num enquadramento
político-militar completamente diverso (não obstante a demografia permanecer praticamente
inalterada) não deixaremos de sublinhar que no início do século XV se tentou organizar um
"exército fixo" para a defesa do reino. E este contaria com 3200 lanças, sendo 500 dos capitães
(isto é, da grande nobreza), 2360 de escudeiros de uma só lança e 340 fornecidas pelas ordens
militares (Cristo – 100); Santiago – 100); Avis – 80; e Hospital – 60) .
Parece licito constatar que um pouco menos de um terço das lanças seria fornecida pela grande
nobreza e ordens militares, e que a estas últimas corresponderiam apenas menos 160 lanças do
que as dos capitães.
Já MONTEIRO, ao procurar enquadrar internacionalmente esta situação, sublinhava
oportunamente a percepção de especialistas ingleses, como Charles Oman, de acordo com o qual
toda a força do exército castelhano trecentista residia na cavalaria ligeira dos ginetes, eficaz
contra corpos de infantaria sem atiradores, ou contra a cavalaria desmontada, mas de todo em
todo impotente quando obrigada a enfrentar combinações de arqueiros e cavaleiros. No
respeitante à cavalaria pesada – por esses mesmos especialistas considerada como decisiva nas
guerras da época – esta encontrar-se-ia nos finais da década de 1360 (precisamente o período em
análise), sensivelmente na mesma condição da cavalaria feudal inglesa ou francesa de há cerca
de meio século atrás: lenta a adoptar a armadura pesada, teimosa em apresentar nos campos de
batalha montadas mal protegidas, e ignorante dos novos dispositivos do combate apeado (ou
seja, propensa a repetir as velhas fórmulas das cargas em massa não apoiadas
O mesmo historiador recorreria a Ferdinand Lot (autor de uma obra clássica acerca da arte
militar medieval, na Europa e no Próximo Oriente) para observar que, do ponto de vista este
especialista francês, na Península Ibérica, entre as batalhas do Salado (1340) a Toro (1476) não é
possível assinalar nada de especialmente relevante para o historiador militar, excepto a
constatação do carácter arcaico dos exércitos ibéricos, nomeadamente dos castelhanos.
Finalmente Phlipe Contamine (que Monteiro, entre outros, considera como a maior autoridade
em história militar medieval) aborda de um modo superficial (lacunar e impreciso) o contexto
ibérico durante o período em apreço, evidenciando um menosprezo que não recolhe o sufrágio
universal, como se verificou numa áspêra recensão crítica efectuada por Gaultier Dalché.
Destas leituras MONTEIRO conclui: "Creio, em suma, que não será descabido sugerir que se
faça uma nova e diferente avaliação da qualidade dos exércitos ibéricos medievais e que esses
exércitos configuram corpos extremamente heterogéneos".
Pela nossa parte, sopesando tudo o que acima ficou exposto, proporemos que se aceitem
preambularmente dois postulados decorrentes do que ficou acima:
1 – A ordem militar de Avis contaria, ao redor de 1366, com mais de 40 cavaleiros, e menos de
sessenta. Ignoramos quantos mais combatentes poderia mobilizar, e por que categorias se
distribuiriam.
2 – O peso militar representado pelas ordens militares ter-se-ia mantido relevante no início do
século XV, equivalente, ou apenas um pouco abaixo do contributo directo da grande nobreza. De
acordo com MONTEIRO, nos inícios de Quatrocentos, teriam a responsabilidade de cerca de
10% do equipamento militar pesado de todo o reino.
Esta petição, vai enquadrar as referências que adiante faremos a algumas interrogações
pertinentemente colocadas por MONTEIRO, e ajudará a situar os dados que nos são fornecidos
pelas existências dos "depósitos militares" da ordem de Avis referidas no tombo de bens de 1366.
Mas são de tal modo díspares as "existências" registadas em cada um dos três supracitados
depósitos que se não detectam hipóteses de inventariar atondos individuais nem de conjuntos de
armamento que possam corresponder a unidades precisas.
Ou, por outras palavras, sendo conhecido que, por exemplo, no início do séc. XV, cada besteiro
deveria dispor de um cento de virotesque utilizaria a um ritmo de dois disparos/minuto,
relacionando o número de bestas e virotes deveria ser possível avaliar o número de besteiros
servidos pelos depósitos. Mas veremos que tal é praticamente impossível com os dados que nos
fornece este tombo.
Fernão Lopes, comentando a impressão causada pelo armamento moderno da chamada
"companhia branca" de mercenários franceses que, na segunda guerra fernandina (1371-1372)
apoiaram o monarca castelhano, dá-nos a conhecer a decisão de reformular o armamento militar
português tomada, em 1373 por D. Fernando I, possivelmente um esforço inédito na Europa da
sua época.
Dessa decisão régia fica-nos uma ideia bastante precisa da preocupação de homogeneizar os
equipamentos individuais, substituindo determinadas peças de armaria, que se indicam, por
outras, mais modernas e eficazes, que são enumeradas. Mas não alcançámos em fontes primárias
qualquer tipo de elementos quantificados susceptíveis de permitir avaliar a dimensão dos corpos
militares efectivamente abrangidos por esse esforço de renovação à escala do reino.
De qualquer modo é possível retirar desta passagem do cronista a noção que uma parte
importante dos diversos tipos de armas defensivas inventariadas nos três depósitos da ordem de
Avis coincidem com aquelas que D. Fernando considera antiquadas ou menos eficazes,
procedendo à sua substituição como se constata na passagem que transcrevemos:
"As armas mandou el-Rei mudar a esta guisa: de cambais mandou que fezessem jaque; e da
loriga, cota; e da capelina, barvuda com camalhom; e os que eram bem armados haviam de ter
barvuda com seu camalho e estofa e cota e jaque e coxotes e canelleiras franceses e luvas e
estoque e daga e grave. Os homeens de pee de viinte anos acima aviam de teer funda e lança e
dous dardos, por seer escusado o escudeiro do Paaço, pois tragia azcuma ou lança, de non
trager dardos. Outros homeens de pee avia hi fundeiros, que havia cada huu de teer duas fundas
fustes, que chamavom de manguella, e outras duas fundas de mãao".
Ora, como veremos, as lorigas e capelinas que D. Fernando pretende substituir são, precisamente
as peças de armaria defensiva mais características dos três depósitos da ordem de Avis. É certo
que se referem caneleiras coxotes, mas o seu número permanece comparativamente pouco
elevado, em relação ás protecções de cabeça e tronco, a dificultar a individualização de
"atondos" e, logo, dos arneses (se é que estes existiam já, eventualmente distribuídos
individualizadamente aos freires) correspondentes número de cavaleiros a que os equipamentos
se destinariam.
Claramente, a tipologia das armas defensivas depositadas nos três armazéns em apreço aproxima-as
daquelas que utilizariam correntemente os cavaleiros aquantiados no período a que respeita o
inventário, como se depreende desta referência datada do reinado de D. Pedro I:
"…e as armas que cada huu dos aquantiados há de teer seiam cambays e loriga ou solhas
(protecções do tronco constituídas por lâminas, ou solhas, de metal cravadas sobre uma base de
tecido resistente, ou couro. Estas protecções, mais evoluídas, também conhecidas com
"brigandines"estavam já disseminadas em 1361, como comprovam as escavações realizadas por
Bengt Thordeman no local onde se travou a batalha de Wisbye encontram-se amplamente
documentadas na iconografia coeva) capellina ou bacinete e coyxotes, canelejras…".
Não enxergamos, na descrição destes equipamentos nada que os distinga como pertencentes a
modelos e tipologias mais avançados do que aqueles que seriam utilizados pelas "forças
convencionais", muito pelo contrário.
Referiremos todavia um pormenor que, em nosso entender, se reveste de alguma importância, a
presença nos depósitos da milícia de Avis de adargas, escudo bi-oval disseminado pelos
contingentes de cavalaria ligeira muçulmana que estribando curto ("à gineta", com as pernas
flectidas, e não "à brida", com as pernas estendidas e ligeiramente esticadas para diante,
permitindo a utilização da lança longa fincada sobre o braço, como a cavalaria pesada cristã)
utilizavam técnicas de combate onde se privilegiava a mobilidade e as evoluções tácticas no
terreno e não o choque frontal.
A tipologia de algumas das esporas referidas, e a menção a uma espada "gineta"e a uma
"estribeira "gineta", podem confirmar que a milícia de Avis teria adoptado, a partir da sua
experiência de combate com forças muçulmanas, técnicas de cavalaria ligeira que poderiam
coexistir com as práticas usuais da cavalaria pesada, e isso poderia, em certos contextos,
representar uma "modernidade".
Em termos quantitativos importará referir que, cotejando o número de armas depositadas nos três
armazéns da milícia de Avis com aquelas que se mencionam, cerca de século e meio antes, na
"Notícia do Torto", verificamos que na torre de Lourenço Fernandes da Cunha estavam
depositados cerca de 40 escudos, capelos de ferro e armas defensivas e ofensivas em número
suficiente para equipar uma mesnada de cerca de 50 combatentes. Ou seja, no início do século
XIII, este nobre acontiado, cuja fortuna não o deveria incluir no grupo exclusivo dos próceres
mais poderosos, poderia responder ao apelido do rei com forças correspondentes a cerca de um
terço dos efectivos a que parecem corresponder os equipamentos da milícia de Avis de que nos
vimos ocupando.
GOMES refere uma passagem de um nobiliário galego no respeitante à casa e estado de Fernão
Peres de Andrade, precisamente o poderoso e bem-sucedido irmão do tutor do bastardo régio D.
João (futuro Mestre de Avis) nestes termos: "Tinha bons quarenta escudeiros, estes eram da terra,
trazia contínuos vinte ou vinte e cinco, e pelo menos quarenta ou cinquenta peões".
Mais tarde, quase vinte anos após o inventário de armas e aprestos militares pertencentes à
ordem de Avis de que nos vimos ocupando, mais precisamente em 1384, o concelho do Porto
reagia ao ataque do arcebispo de Santiago à comarca de Entre-Douro-e-Minho. MONTEIRO
forneceu alguns números respeitantes aos efectivos apressadamente mobilizados para o efeito.
Segundo este autor as forças concelhias, eram constituídas por 700 "homens de armas", 300
besteiros e 1500 homens de pé, que integravam efectivos do conde D. Pedro (que trazia consigo
15 escudeiros bem armados e 40 homens de pé) e de Aires Gonçalves da Feira (que controlava o
castelo de Gaia, com 40 escudeiros convenientemente equipados).
Mais tarde, pouco tempo antes da batalha de Aljubarrota, (a 10 de Julho de 1385), D. João I veria
chegar a Alenquer (onde se encontrava) o comendador-mor da ordem de Avis Fernão Rodrigues
de Sequeira, desempenhando as funções de fronteiro-mor de Lisboa, "com as gentes que hi tijnha
e mais as da cidade, que eram cem lamças, contando vinte e huuma de jngreses que vinham com
ellas".
Por sua vez em Fevereiro de 1386, respondendo a pedidos de auxílio do monarca, mesteirais e
cidadãos de Lisboa reuniram 210 "lanças" bem corregidas (10 das quais de Sintra),250 besteiros
e 200 homens de pé .
MONTEIRO, reconhecendo muito embora o contributo prestado pelas ordens militares no período
da Reconquista, sublinhado e enfatizado pelo geral dos medievalistas, coloca já a questão da
necessidade de entender até que ponto o termo da luta contra os muçulmanos terá correspondido –
como pretende a generalidade dos historiadores - ao esvaziamento quase total da função guerreira
desses freires cavaleiros ou se, pelo contrário, as ordens militares continuaram a desempenhar, em
Portugal e nos finais da Idade Média, um papel militar com alguma relevância.
A alternativa, equacionada nestes termos dicotómicos, poderia ser fraccionada, ordem a ordem, e de
conjuntura em conjuntura, sendo que já atrás nos pronunciamos pela manutenção desse peso militar,
e no decurso deste trabalho iremos constatando que o papel militar da ordem de Avis se irá prolongar,
embora com um importância e uma relevância variáveis e sempre difíceis de avaliar, pelo menos até
à incorporação na Coroa que marcará uma nova adaptação funcional.
Referimo-nos especificamente aos freires de Avis, não apenas por eles constituírem o objecto desta
tentativa de ponderação, mas também por estarmos convictos de que, desde início, mas claramente a
partir de meados de Quatrocentos, esta milícia se irá diferenciar das restantes ordens militares
presentes no território português, uma vez que, terminada a aventura catalã do Condestável D.
Pedro, a freiria de Avis não participará de modo sustentado na expansão ultramarina, cantonando-se
no seu papel de "potência regional" a quem estava cometida a salvaguarda de uma zona-tampão
destinada a "aferrolhar" os itinerários de invasão pelo Alto Alentejo.
Neste ponto preciso, e face à evanescência dos dados com que trabalhamos, interessa-nos tentar
compreender até que ponto o reinado de D. Pedro I poderá ter coincidido com uma fase de
"esgotamento e cansaço" do poderio militar da Ordem.
Ou, sob outra perspectiva, se este monarca terá consumado o seu efectivo controlo sobre a milícia em
virtude dessa potencial situação de um certo esvaziamento da sua capacidade militar, eventualmente
admitindo já a sua reorientação para um reforço das funções de enquadramento de territórios e
populações bem como da conservação e guarnição de praças-fortes implantadas numa zona contínua
e homogénea.
Reflectindo esta preocupação, observou a este respeito BARROCA, embora a sua constatação se
estenda também a fortificações edificadas por outras milícias, a edificação dos castelos transtaganos
pelas ordens militares apresenta as primeiras características inovadoras do "gótico-militar".
O, contrastadamente pacífico, decénio de Pedro I, teria permitido sintetizar as lições de decénios
anteriores com uma consciência reflectidamente mais aguda da importância político-militar do
Mestrado de Avis em todos os momentos de agitação interna ou de ameaça de invasão, como agente
federador e coordenador, articulando uma teia de castelos, fortalezas, comendas e burgos fortificados
cobrindo uma área precisa que permanecerá estratégica ao longo dos séculos.
No campo especulativo das hipóteses essa consciência do monarca, porventura aliada a um período
de debilidade económico-financeira (evidenciada nas receitas e dívidas mencionadas no tombo de
1366) e esvaziamento do poderio militar dos freires de Avis poderia ter contribuído para uma decisão
pioneira que julgamos apenas sua: a de "tomar por dentro" o poder da Ordem de Avis.
E, uma vez que nos reportamos novamente mais à aparente constatação de indícios de
enfraquecimento de capacidade bélica, estes sinais poderão coincidir com o juízo formulado por
MONTEIRO: "Finalmente gostaríamos de sublinhar que a importância do papel militar das Ordens
portuguesas no final da Idade Média também têm de ser ajuizados em função da quantidade e da
qualidade do equipamento guerreiro que estas conservavam em seu poder" .
Sensata ponderação, a evidenciar a dimensão das nossas lacunas de conhecimento, e a escassa "carne
de informação" que temos conseguido retirar do osso das fontes respeitantes aos séculos XII, XIII e
grande parte do XIV.
É unânime e pacífica a atribuição ab initio pelo geral dos medievalistas de características específicas
que conferiam uma superioridade da capacidade bélica das ordens militares, em comparação com o
geral das outras forças "convencionais", presentes nos teatros de operações da Reconquista
portuguesa.
Algumas dessas características, decorrentes de um "peculiar espírito de corpo"e da disciplina
normativa surgem quase com a força das evidências. Mas o certo é que, no que respeita à quantidade
e qualidade do equipamento possuído e utilizado por esses Milites Christi no período em apreço
estamos bastante mais em presença da convicção de um postulado, do que de conhecimentos
sistematicamente documentados.
MONTEIRO irá referir elementos valiosos sobre esta questão ao longo da sua importante obra,
infelizmente a quase totalidade deles reporta-se à época post-fernandina. Permanecemos assim em
perplexa solidão perante o valor e representatividade a atribuir ao testemunho isolado do conteúdo
dos três depósitos de armamento referidos no tombo de bens de 1366.
Estaremos em presença de armamento respeitante apenas ao equipamento de eventuais corpos
combatentes que se encontrassem directamente sob as ordens do mestre. Uma espécie de "guarda do
mestre", ou corpo de intervenção rapidamente mobilizável em caso de emergências? BARROCA é
formal no ponto seguinte : "No caso das ordens militares o atondo era propriedade da ordem e não
do freire. A Regra dos Templários é clara ao prescrever que nenhum freire pode ter cota ou malha
«em propriedade»".
A sua aparente exiguidade para aí poderia apontar. Mas embora pouco representativo – quantitativa e
qualitativamente – e por certo propriedade da Ordem, este acervo não corresponde ao tipo de
equipamentos que esperaríamos encontrar num corpo de intervenção rápida. Até porque a
disparidade entre equipamentos destinados a cavalaria, tanto pesada, como ligeira (gineta), e
besteiros e peonagem suscita a já referida perplexidade. Tendo presente que este tipo de paralelismos
comporta riscos, mormente quando se confrontam instituições de escala e implantação geográfica tão
díspares como as Ordens de Avis e do Templo talvez se deva referir que a Regra desta última milícia,
escudada no voto de pobreza, recomendava que cada cavaleiro possuísse apenas 3 cavalos Esta
limitação indiciaria que esse numero de montadas por cavaleiro (ignoramos se alguma delas
destinada a um hipotético escudeiro) estaria longe de constituir uma excepção no que tocava aos
cavaleiros templários. Ora os arreios referidos ao longo do tombo parcial de bens que temos vindo a
analisar, estão longe de fornecer indicações seguras sobre as dimensões e características da
"cavalaria" mobilizável pela Ordem de Avis.
E além disso, tratando-se de um único corpo de tropas sob a chefia directa do mestre porque motivo a
sua palamenta se encontraria dispersa por três depósitos? A este propósito convirá referir que, pelo
menos, Veiros e o Alandroal são habitualmente referidas como localidades pertencentes à Mesa
Mestral, o que poderia indiciar que os equipamentos em apreço se encontrassem exclusivamente
adstritos a terras sob directa jurisdição do Mestre da Ordem de Avis.
Parece improvável que existisse (em Avis?) como que um "depósito central" dessa mesma armaria e
equipamentos militares da Ordem de Avis sem que, a cada povoação fortificada, a cada sede de
comenda, a cada guarnição, fosse atribuída uma dotação de armas e equipamentos adequada ás
dimensões, características e implantação geográfica de cada uma delas.
Mas, se estas dotações existiram não temos notícia dos seus hipotéticos livros de carga, notícia do
local onde se guardariam e que critérios teriam presidido à sua distribuição e utilização.
Os cavaleiros e homens de armas receberiam individualmente os respectivos equipamentos ficando
pessoalmente responsáveis por eles?
Tanto quanto conseguimos alcançar, esta prática, salvo o caso particular dos aquantiados, limitava-se
em casos pontuais, temporalmente limitados e justificados por circunstâncias excepcionais, não
sendo corrente na tradição castrense ocidental. E existem motivos óbvios, tanto de segurança e
controlo, como de manutenção e logística que o desaconselham. Daí decorria que a legislação
procurasse diferenciar a detenção do efectivo porte de armas.
Assim sendo, e mesmo admitindo-se que, efectivamente, pudesse ter existido um depósito central
(que tanto poderia situar-se em Avis como em qualquer outro lugar mais aconselhável para o efeito)
verificamos que, documentadamente se encontravam activos em meados do século XIV, pelo menos,
três depósitos de armas e equipamentos.
A completa ausência de informação sobre a existência o número e as características de outros
hipotéticos armazéns da armaria pertencentes à Ordem de Avis compromete, como já referimos, o
valor estatístico e a representatividade para o universo desta cavalaria das armas e equipamentos
inventariados neste tombo.
Por esta, e outras razões decorrentes, é necessária uma avisada prudência nas extrapolações e
tentativas de interpretação que, sobre este acervo escasso, possamos ser induzidos a indiciar. De
qualquer modo a informação em si tem o mérito de entreabrir esta questão no que se refere ao
universo da Ordem de Avis e, mais tarde, o de tentar coligir dados comparativos extensivos a outras
ordens militares. Vejamos, pois o conteúdo de cada um dos depósitos de armaria e respectivos
equipamentos militares.

Quadro nº 1
Veiros
Tipologia Quantidad
e
Bestas 21
Cambaises 18
Caneleiras 5
Capelinas 5
Capelos de ferro 50
Coifas 14
Coxotes 5
Elmo 2
Escudos grandes 136
Escudos pequenos e Adagas 7
Espadas 2
Gorjeiras 35
Gorjeiras 3
Jubetes 2
Lanças 2
Lorigas 8
Lorigas de corpo 8
Lourigões 6
Luvas 1
Maça de armas 1
Maça de ferro 1
Machado 1
Perneiras 2
Selas 3
Setas +1100

Quadro nº 2
Alandroal
Tipologia Quantidad
e
Arca de verga 1
Arcos de besta quebrados 2
Bacinetes 19
Bestas 2
Bragueiro 1
Cabeçadas de cavalo 1
Catormel 1
Colonha mourisca 2
Elmo 3
Escudos 22
Esporas douradas 3 pares
Gorjeiras 15
Sapatos de ferro 3 pares
Setas +1100
Sobresinais 1

Quadro nº 3
Juromenha
Tipologia Quantidade
Caixas de setas 3
Cambaises 2
Capelos em ferro 2
Cintos 4
Escudos 4
Gorjeiras 19
Talha de azeite 1
Torno 1

Em Portugal a adopção do arnês completo ocorreu apenas nos finais do séc. XIV e ao longo das
primeiras décadas do Séc. XV, a despeito do esforço de renovação do armamento desenvolvido,
apenas sete anos depois da redacção deste tombo, por D. Fernando I. No entanto esta situação
coexistia com uma utilização mais precoce do mesmo. Isto mesmo nos é confirmado pela
iconografia e por alguns textos como um documento do mosteiro de Pendorada, de 1359, sete
anos antes da redacção do tombo em apreço:
"Ficou a Gil, pelo costume do Porto, o cavallo do dito Vasco de Sousa, seu padre,e huma
espada, e huma lança, e uma loriga de cavallo, e duas ffalhas [solhas?] e huum elmo com sseu
camalho, e uns braçaaes, e uns mosequinrs, e humas luvas d’aço, e huuns coxotes, e caneleiras
velhas de coiro, e huum escudo e çapatos de ferro huuns" .
Parece ressaltar antes de mais nada que no acervo tombado se verifica uma desproporção entre
escudos grandes (135), capelos e capelinas (55) e gorgeiras (35).
Encontramos apenas cinco elmos, possivelmente "great helm, ou elmos em tonel", cujo uso foi
desaparecendo a partir dos finais do primeiro quartel de Trezentos, e estes eram inequivocamente
peças exclusivamente utilizadas pela cavalaria pesada, provavelmente correspondendo ás duas
lanças (longas?), e a peças de equipamento de boa qualidade armoriadas com as insígnias
heráldicas da ordem.
(Registe-se a propósito da comprovada utilização, como sinalética militar distintiva, da heráldica
de Avis que, a fazer fé em Fernão Lopes, em 1385, entre as forças portuguesas presentes em
Aljubarrota não se encontrava disseminado (ao invés do que sucedia, por exemplo: em França e
na Grã- Bretanha) o uso da heráldica : "Ally nom avya cotas darmas per que o Comde nem
outros fidalgos fossem conhecidos, ca aimda estonce nom eram en usso". Esta constatação, que,
ao menos parcialmente, poderia ter- se ficado a dever ás circunstâncias verdadeiramente
excepcionais em que fora recrutado e equipado esse exército, conflitua com testemunhos mais
antigos. No Livro de Linhagens, quando se procede à descrição do rapto de D. Mécia, revela-se
que o rei D. Sancho II, dirigindo-se a Ourém :
"…levava seu perponto vestido de seus sinaes e seu escudo e seu pendom ante si".
Mas é possível que, no que respeita a este acervo de armamento da milícia de Avis, não nos
encontremos perante um conjunto de atondos, e ainda menos de arneses completos destinados a
equipar de modo análogo um determinado número fixo de cavaleiros. E que nem todos os peões
se equipassem do mesmo modo, como tivemos ensejo de constatar atrás, mas nos encontremos
antes perante um conjunto heteróclito, possivelmente acumulado ao longo dos anos e das
circunstâncias. A que corresponderia um equipamento bastante díspar e algo improvisado dos
combatentes mobilizáveis.
Sendo, nunca é demais sublinhá-lo, extremamente arriscado, com os dados sobre os quais
trabalhamos, tentar avaliar com um mínimo de rigor as dimensões e características do
contingente susceptível de armar com os equipamentos depositados neste armazém, arriscamo-
nos no entanto a avançar algumas suposições a título meramente indicativo, admitindo que a
nossa ideia de equipamento individual rigorosamente padronizado incorra em anacronismo face
ás práticas adoptadas na época em apreço e ás dificuldades de aquisição de um número elevado
de equipamentos idênticos ou mesmo similares.
1 – Existiriam pelo menos 21 besteiros, possivelmente encarregados da defesa das fortificações
de Veiros, mas não se referem os virotes e/ou virotões armazenados para municiar as bestas. No
atinente à neurobalística não são mencionados arcos nem setas.
2 – Os escudos grandes em depósito permitiriam equipar o "equivalente actual" aproximado a 4
pelotões, ou uma companhia de homens de armas. Não se encontram em número significativo
lanças longas, nem tão pouco piques de combate apeado, nem fundas ou dardos e ascumas, nem
outras armas ofensivas susceptíveis de complementar o equipamento destes combatentes. A
escassez de arreios completos, e mesmo desirmanados, não nos permite especular sobre o
percentual de cavaleiros e peões.
Nem os equipamentos em depósito permitem levantar a hipótese de que, coexistindo com os
cavaleiros pesadamente armados e a cavalaria ligeira "gineta", se encontrassem os cavaleiros "de
huum escudo e huma lança, referidos no Livro de Linhagens, como sendo de "nom de gram
fazemda", que, no caso vertente, poderiam corresponder a uma espécie de "cavaleiros-vilâos"
recrutados nos senhorios da ordem. Ignoramos mesmo se a ordem esperava que os peões de
Veiros combatessem com armas próprias ou distribuídas.
3 – Os capelos de ferro e gorjeiras em depósito permitiriam que cerca de um terço dos cerca de
130 dos peões (?) acima referidos se apresentassem relativamente bem equipados em termos de
armas defensivas, talvez constituindo o corpo de efectivos "regularmente mobilizáveis".
4 – O número de capelinas, coxotes, perneiras, lorigas, lorigões e lorigas de cavalo, escudos
pequenos e adargas permitiria equipar convenientemente um mínimo de 5 e um máximo de 8
cavaleiros. Mas as peças de arreios (de combate?) mencionados parecem corresponder a parcelas
desirmanadas. Será de admitir que os cavaleiros da ordem de Avis tivessem distribuídos, e em
sua posse, os respectivos arreios, uma vez que no depósito, além dos suadoiros, se encontravam
apenas algumas peças de arneses e coberturas de cavalo, algumas das quais ostentando as cruzes
verdes da heráldica de Avis.
Referem-se apenas um machado e uma maça de armas, duas lanças, e duas espadas de cavaleiro,
uma das quais, mencionada como gineta (que tanto poderá corresponder a uma simples espada
de cavaleiro como a uma arma adaptada a um tipo de combate de cavalaria ligeira, inspirada nas
práticas mouriscas, em que o cavaleiro estribava mais curto do que na brida e evoluía com maior
mobilidade do que aquilo que se praticava nas cargas de cavalaria pesada).
5 - Algumas destas peças de armadura, nomeadamente uma das espadas e um par do coxotes
esmaltados e com folhas de prata, não parecem de fabrico local, antes provavelmente importadas,
e em conjunto com as lorigas compridas de cavalo e com outras peças armaria elaborada que se
encontram divisadas com os sinais da ordem parecem confirmar que Veiros poderia dispor, como
corpo de cavalaria, de cerca de oito lanças razoavelmente equipadas de acordo com os padrões
da época.
6 - Resumindo uma abordagem, necessariamente ligeira e simplista, arriscar-nos-íamos a admitir
que Veiros dispusesse de um contingente de tropas combatentes que, aproximadamente, pudesse
atingir uma vintena de besteiros, até oito lanças de cavalaria pesada, cinquenta peões regularmente
equipados e outros tantos combatentes eventualmente recrutáveis entre os moradores, no total um
corpo oscilando entre 100 e 150 homens.
Não parece arriscado constatar que este acervo não sufraga necessariamente a tal quantidade e
qualidade dos equipamentos guerreiros dos freires das ordens militares, pelo menos no
respeitante à milícia de Avis durante o reinado de Pedro I. Mas, tentando ordenar novamente as
existências dos supracitados depósitos, abstraindo de peças dificilmente identificáveis e
restringindo-nos a uma percepção dos homens que, hipoteticamente embora, se poderiam armar
com o respectivo conteúdo obteríamos as propostas seguintes:

Quadro nº 4
Alandroal
Tipologia Quantidade
Arca 1
Elmo de cavalo 1
Elmos, bacinetes e capelos 23
Escudos 26
Gorjeiras 15
Jineta 1
Setas +1100
Virotes ?

Parece poder depreender-se que no depósito do Alandroal se encontrava apenas equipamento


destinado a menos de 26 homens de armas, um eventual cavaleiro e "munições" para um número
indeterminado de arqueiros e besteiros.

Quadro nº 5
Castelo de Juromenha
Tipologia Quantidade
Aprestos de bestas 5
Caixa de setas 3
Capelos 2
Escudos 4
Tina de azeite 1

Não existe qualquer compatibilidade entre os equipamentos inventariados, o que impede


qualquer tentativa de avaliação dos efectivos militares aos quais seriam destinados.

Quadro nº 6
Torre de menagem do castelo de Noudar

Tipologia Quantidade
Bestas 15
Capelos e bacinetes de ferro 29
Cintos para armar bestas 13
Escudos novos 30
Gorjeiras de armazém, cobertas de pano de linho 30
Gorjeiras de solhas 30
Virotões não especificada
Este núcleo, que assim disposto assume contornos perfeitamente coerentes, representa
armamento bastante para equipar uma trintena de combatentes, dos quais cerca de uma metade
seriam besteiros.
De tudo o que ficou acima parece indispensável retirar um ensinamento prudente que
entendemos formular em duas alternativas possíveis:
• Ou nos encontramos, por razões advenientes da lógica da organização deste tombo, e que nos
escapam, perante um levantamento muito parcelar da armaria da milícia de Avis. E,
consequentemente, os equipamentos referidos não são representativos do potencial militar da
ordem.
• Ou estamos perante uma organização militar que, mesmo para os parâmetros da época, revela
indícios de sub equipamento, pouca organização e, mesmo, alguma incúria.
Se estivéssemos perante a 2.ª hipótese, e não estamos em condições de a admitir na íntegra ou
rejeitar formalmente, seria necessário reavaliar a capacidade e peso militares da milícia de Avis,
para já em meados de Trezentos.

2.4. A elevação do bastardo régio D. João a Mestre de Avis: uma solução intencional.
O ano de 1364 não coincidiu apenas com a indigitação fortuita para Mestre da Ordem de Avis de
um primeiro membro da família real portuguesa. A historiografia, mesmo no tocante a muitos
dos autores mais recentes, aborda este acontecimento um pouco como se de um facto desgarrado
se tratasse, o produto acidental de uma sugestão que D. Pedro I teria julgado oportuno aceitar e
promover. E nalguns casos parece depreender-se que o episódio é encarado como uma inopinada
sugestão feita a um bonus pater famílias que, alertado para uma oportunidade, descobre de súbito
uma via adequada para dar estado a um filho.
Os filhos de reis são, por via de regra, peças com utilidade política no complexo xadrez dos
interesses em que se movem. E a ascensão do filho de Teresa Lourenço ao mestrado de Avis não
representou tanto o aproveitamento de uma feliz coincidência como o planeado começo de uma
nova etapa no processo de gradual absorção pela Coroa das ordens militares portuguesas.
Como já referimos, as fontes relatam que D. Nuno Freire de Andrade, mestre da ordem de Cristo,
aproveitando a vacatura aberta por morte do mestre D. frei Martim do Avelar terá sugerido a D.
Pedro I, que se encontrava na Chamusca, o "preenchimento da vaga" por D. João, filho bastardo
do monarca . Nascido em 11 de Abril de1357, D. João contaria então seis para sete anos e esta
indigitação não parece tão linear como é apresentada pela cronística.
De acordo com o relato de Fernão Lopes o monarca teria acolhido a sugestão com alegria e,
nessa mesma ocasião, armou cavaleiro este filho cingindo-lhe a espada e beijando-o.
Já PIMENTA, na esteira de Teresa Amado, de João Monteiro Gouveia e de António José Saraiva,
teve ensejo de apontar a coerência do discurso do cronista ao longo da trilogia formada pelas
crónicas de D. Pedro I, D. Fernando I e do próprio D. João I, sendo que as duas primeiras podem
ser encaradas quase como um prólogo da última, verdadeira apoteose da refundação dinástica e
do seu principal protagonista.
Dentro desta interpretação o relato do episódio em apreço preanuncia de certo modo um destino
manifesto deste bastardo do Justiceiro, providencialmente legitimado ex-ante pelo alegado sonho
do monarca em que lhe havia sido revelado que um seu filho chamado João "viria a montar
muito alto e por ele o reino de Purtugal (havia de haver) mui grande homra".
Existe a tentação de reconhecer que a aura envolvente de uma constante que viria a designar-se
por sebastianismo não apenas encerra a dinastia como também a precede.
Esta convicção de que o cronista "encenou" o episódio em apreço, adaptando-o
convenientemente aos propósitos da mitologia fundacional da Casa de Avis, não repousa sobre
nenhuma nova fonte documental, mas nem por isso deixará de ser admissível, como tentaremos
evidenciar.
À data da indigitação do bastardo régio tinham decorrido apenas seis anos desde que havia sido
decidida a mudança da sede da Ordem de Cristo da posição "fronteiriça" de Castro Marim para
Tomar. Desta nova fase da vida da Ordem, aparentemente desligada de um primacial papel de
vigilância fronteiriça, resultaria uma intencional maior proximidade da Ordem em relação aos
centros do poder que, de certo modo, transparece na carta de confirmação desta milícia emitida
por D. Pedro I.
Nuno Freire de Andrade, que de acordo com a bula de fundação da Ordem teria prestado
juramento e menagem ao rei, era uma personagem cuja dedicação a este monarca se patenteia
desde que, em Canaveses, havia testemunhado o juramento de concórdia entre o então infante D.
Pedro e o monarca seu pai.
Cerca de três anos antes do episódio ocorrido na Chamusca D. Pedro I, a exemplo do que
praticou com outros mestres de ordens militares, por uma carta de 12 de Setembro de 1361 havia
legitimado Rui Freire, filho deste mestre de Cristo que, também ele, acabaria por integrar uma
das milícias, dado que viria a ser cavaleiro da Ordem de Santiago. Política de geral bom
relacionamento mas que, no caso vertente, representa a recompensa de uma antiga dedicação
respeitante a um colaborador presumivelmente envolvido numa campanha militar no exterior.
No estado actual da questão admite-se que o futuro mestre D. João tenha sido entregue a um
honrado cidadão de Lisboa, Lourenço Martins, morador na praça dos Canos, junto da Sé de
Lisboa, junto do qual teria vivido os primeiros anos da sua infância.
COELHO, limitada pelo silêncio das fontes sobre os primeiros anos de vida dos reis de Portugal
durante o período em análise, unicamente indica que "logo depois ficou entregue ao cuidado de
D. Nuno Freire de Andrade, mestre da Ordem de Cristo, o que parecia indiciar um futuro
eclesiástico". Mas acrescenta que o mestre de Cristo conversou com o comendador-mor da
ordem e com outros membros sobre os seus intententos (de alcandorar D. João a mestre da
ordem de Avis), e que, reunido o cabido de Avis, os comendadores e os freires propuseram que o
mestre de Cristo indigitasse alguém para os reger. E vai mais longe ao adiantar que, "como era
de prever pelas prévias conversações, de pronto foi aceite".
Remata esta autora a sua interpretação deste processo concluindo que "desde então, como teria
sido intencionalmente gizado, a monarquia e a milícia de Avis se aproximaram, num controlo da
Coroa sobre a ordem, que muito servia a politica régia face a Castela". Na mesma passagem
COELHO havia reconhecido que "do defeito da ilegitimidade e da idade só o papa o poderia
dispensar, o que, como afirma Fernão Lopes, sem provas, também aconteceu".
De facto a falta de provas estende-se não apenas ao episódio relatado como ás próprias
circunstâncias envolventes, e não parece descabido que nele nos detenhamos um pouco já que,
deslocando a iniciativa para o mestre de Cristo, alegadamente motivada pela petição, com
inusitada transferência de competências por parte de um indocumentado capítulo da ordem de
Avis, e reduzindo o papel de D. Pedro I à simples anuência, poderá escamotear, adulterando-o, o
fundo da questão.
Têm sido abordados as questões relacionadas com a educação dos filhos das casa reais
peninsulares, mormente no que respeita ao período que se seguia ao afastamento da influência da
amas e entorno feminino, iniciando-se o período de formação que deveria estar concluída por
volta da idade da rébora. Não parece despiciendo recordar, a este propósito, e com intuito de
estabelecer etapas nesse mesmo processo, aquilo que recomendava – e parecia corresponder a
uma prática que se generalizava - o próprio Afonso X de Leão e Castela, o Sábio, escrevendo
sobre a educação dos infantes e filhos de imperadores "desde que passarem de cinco anos em
diante, devem começar pouco a pouco a mostrar-lhes a ler, mas com agrado e sem prema".
Estes cinco anos são precisamente a idade que a inscrição tumular de D. João I marca como
início da sua ligação à milícia de Avis, e, correspondendo à data provável em que terá passado da
casa de Lourenço Martins para a tutela de D. Nuno Freire de Andrade, mestre da Ordem de
Cristo, antecedem em cerca de dois anos a morte do mestre de Avis D. frei Martim do Avelar,
ocorrida durante o primeiro trimestre de 1364.
Não foi certamente por mero acaso circunstancial que Rodrigo Eanes renunciou ao mestrado de
Cristo uma vez que o seu sucessor indicado por D. Pedro I veio a ser o supracitado Nuno
Rodrigues Freire de Andrade, leal partidário do ainda infante D. Pedro durante o conflito que o
opôs ao seu real pai. Como, muito oportunamente, sublinhou PIMENTA, "…esta substituição,
para além da intervenção directa do monarca num assunto tradicionalmente exclusivo da decisão
da ordem em capítulo geral, vingava, ainda, a oposição de Rodrigo Eanes ao então infante D.
Pedro na sua chegada ao Porto para defrontar o pai, em 1355, tomando ares de ajuste de contas" .
Em 30 de Novembro de 1357, o novo Mestre Freire de Andrade tornou-se procurador
plenipotenciário da Ordem e seu convento por outorgamento do Comendador-mor Frei Vasco
Martins, do vigário geral de Tomar e de Santiago de Santarém, do prior do convento, do
sacristão, comendadores e freires da milícia. Cronologicamente a mudança da sede da ordem foi
imediatamente posterior, tendo-se reunido um capítulo geral com a presença do abade de
Alcobaça. Regularizada deste modo a situação, D. Pedro I podia confirmar a Ordem de Cristo, o
que veio a suceder em 1358 e demonstra que esta nova etapa da milícia se iniciou, desenvolveu e
completou por iniciativa, e sob os auspícios do monarca, através de um homem da sua confiança.
É certo que D. frei Martim do Avelar havia sido ao longo da sua carreira, como tivemos ensejo
de sublinhar, um próximo colaborador de D. Pedro I.
Mas não é menos certo que, meio século antes, a intervenção directa de D. Dinis na ascensão de
D. Garcia Peres do Casal ao mestrado da ordem de Avis havia gerado profunda controvérsia
entre os membros daquela milícia e dado azo a um período de instabilidade generalizada e
prolongada no seio da ordem, o que não terá sucedido com a actuação do Justiceiro em relação à
ordem de Cristo, por natureza menos arreigada a uma longa tradição de lutas pela sua própria
independência.
Mas, como vimos, D. Pedro I havia acabado de reter uma parcela das rendas da Mesa Mestral de
Avis como garantia do ressarcimento de alegadas dívidas à Coroa contraídas por D. Martim do
Avelar e, embora compreensivelmente não tenhamos conhecimento de qualquer reacção do
muito jovem Mestre de Avis, acabado de ascender ao cargo, a uma decisão régia que podia
consubstanciar mais uma intrusão em assuntos que a milícia consideraria como internos, parece
admissível considerar que o "clima" de relações entre o rei e os freires de Avis não estaria no seu
ponto mais alto.
É provável que em 1362 não fosse ainda previsível a morte de um D. Martim do Avelar que a
documentação evidencia activo e interveniente em Dezembro de 1363. Daí decorrendo que,
mesmo que o Justiceiro acalentasse o desígnio de legitimar, apaziguando o seu exercício, o
controle régio sobre as ordens militares através do recurso da elevação ao mestrado de um
membro da Casa Real, não se perspectivasse a milícia de Avis como objectivo prioritário, ou
imediato.
E também, a confirmar-se a existência de algum possível clima de tensão entre D. Pedro I e o
mestre e milícia de Avis, este último não seria o tutor ideal para um "infante" destinado ao papel
de "cavalo de Tróia".
Ao invés do que ocorreria com o mestre de Cristo, criatura e parcial do rei.
Temos como pacífico, e já atrás o procuramos evidenciar, que desde, pelo menos, D. Dinis que
existia um propósito claro por parte da Coroa portuguesa de gerir, como coisa sua, própria, as
ordens militares. E daí, e dos actos de gestão directa dos assuntos da ordem, constantes do tombo
de bens da ordem de Avis de 1366, retiramos a conclusão lógica que este projecto continuou a ser
desenvolvido por D. Pedro I.
Uma vez que, nos projectos de D. Pedro I se encontrava excluído da possibilidade de dar corpo a
este desígnio o herdeiro do trono, D. Fernando, e prosseguindo o atribulado processo de
legitimação dos filhos havidos em D. Inês de Castro, que no ano anterior havia sido recusada
pelo papa Inocêncio VI na carta Nuper per certos, e que eram ainda motivo de discórdia, o
membro da família real a quem poderia vir a ser confiada a missão de articular directamente uma
ordem militar e a Coroa provocando menos efeitos colaterais era seguramente o filho de Teresa
Lourenço.
Tendo presente esta conjuntura, e os delicados equilíbrios em que ela repousava, D. João terá
sido confiado em 1362 à tutela de um reconhecidamente fiel colaborador de D. Pedro I que,
cumulativamente, era mestre da ordem de cavalaria mais próxima da monarquia e o espelho
daquilo que os reis considerariam como modelo a seguir pelas demais milícias. A sua
proximidade em relação monarca passaria pelo papel que desempenhou na vertente militar da
política externa do Justiceiro, prolongar-se-ia até 17 de Janeiro de 1367, data em que
testemunharia o testamento do rei que viria a morrer em Estremoz no dia seguinte. Já sob D.
Fernando I, e embora continuando como mestre da Ordem de Cristo, ascenderia a Chanceler-mor
desse monarca e prosseguiria uma longa e influente carreira apenas interrompida, pouco antes da
sua morte em 1372, com a caída em desgraça alegadamente resultante da sua actuação durante as
"guerras fernandinas".
A morte de D. Martim do Avelar não terá passado, em nosso entender, de um acontecimento
superveniente a abrir uma janela de oportunidade para iniciar uma nova fase dum processo que
há meio século se vinha desenvolvendo.
Parece extremamente improvável que o fiel D. Nuno Freire de Andrade, por sua exclusiva e
espontânea vontade, desligado de qualquer concertação prévia com um monarca que, ainda em
vida, mas sobretudo logo após a morte de D. Martim do Avelar, se documenta a intervir na gestão
quotidiana da ordem da Avis, irrompesse sem aviso prévio pela Chamusca a propor a esse
mesmo rei a elevação ao mestrado de Avis do seu principesco pupilo. Por muito que se
interessasse pela sorte do seu, ainda recente, tutelado, ou por muito que esperasse aproveitar com
a iniciativa cortesã de ir de encontro aquilo que suspeitaria serem os íntimos desígnios do rei,
não parece viável uma tão grande premeditação.
Na hipótese mais enviesada terá aproveitado a oportunidade da, aparentemente inesperada,
vacatura do mestrado para dar voz (e corpo) aquilo que sabia ser a intenção-projecto do
soberano, chamando a si uma iniciativa que, de outro modo, não deixaria de ser interpretada
como uma nova – e mais forte – ingerência do rei nos assuntos internos da ordem de Avis.
Na hipótese menos subtil teria pura e simplesmente obedecido a instruções de D. Pedro I, como
já teria acontecido no respeitante à ordem de Cristo.
Que o processo conducente ao episódio da Chamusca, tal como o descreve COELHO nas
passagens acima transcritas, (desde logo a improvável solicitação dos freires de Avis ao mestre
de Cristo para apresentar um candidato à chefia da sua ordem) tenha seguido a tramitação
prescrita na normativa, com a paulatina geração de um consenso interno ex-ante que,
posteriormente viria a ser ratificado em capítulo Geral, parece pouco plausível. Nem para tal
teria havido tempo, no curto período que medeia entre Dezembro de 1363 e a Primavera de
1364 .
E, como veremos adiante, o Mestre D. Nuno encontrar-se-ia ausente do reino, integrando as
forças portuguesas que auxiliavam Pedro I de Castela, de 1359 até 1363. Durante este lapso de
tempo a sua assistência pessoal e presencial ao pupilo D. João, bem como a sua participação na
defesa dos interesses pessoais do jovem tutelado deveria ter sido, no mínimo intermitente, uma
vez que não é plausível que D. Nuno tivesse permanecido em Castela todos os quatro anos que
durou a campanha, e teria de se encontrar no reino quando, em 1362, ao que supomos, lhe foi
confiado o bastardo régio.
É certo que já em Agosto e Setembro desse ano de 1363 parece documentar-se a sua presença em
Portugal, actuando através do seu procurador Afonso Peres, no atinente ao conhecido e arrastado
processo dos direitos da ordem de Cristo sobre os dízimos da igreja de Santiago de Santarém.
Concretamente, nessa ocasião, a milícia de Cristo receava que, pertencendo todos os dízimos do
arcediagado de Santarém a D. Lourenço, bispo de Lisboa, este prelado, através dos seus vigários e
procuradores procurasse interferir na cobrança dos supracitados dízimos .
Como já foi aflorado o Mestre de Cristo não poderia ter tido conhecimento da morte de D. Frei
Martim do Avelar antes de Janeiro de 1364, sendo seguro que o nome de D. João, já na qualidade
de Mestre de Avis, surge num documento de Maio desse ano, o que permite admitir que a sua
elevação ao cargo possa ter ocorrido antes, talvez em Abril.
Todo o processo conducente à sua elevação ao mestrado deve ter sido desenvolvido ao longo de
três curtos meses. Tempo manifestamente escasso para que tivessem sido desenvolvidas
prudentes e longas tentativas de aliciamento dos freires e dignitários da ordem de Avis.
E, salvo melhor opinião, seria arriscado abrir a caixa de Pandora das divergências internas num
difícil percurso de conciliação das omnipresentes facções, e mais fácil e eficaz consolidar um
facto consumado. O que, diga-se de passagem, não exclui uma forte probabilidade de que, num
curto período imediatamente antecedente, tenham sido feitas discretas diligências para assegurar
apoios no seio da milícia.
D. João viria a ascender a mestre da ordem de Avis não apenas como resultado de um qualquer
interesse táctico conjuntural determinado por tensões pontuais nas relações luso-castelhanas
desse momento, como admite COELHO, mas também no desenvolvimento coerente de um
projecto estratégico de absorção pela Coroa das ordens militares portuguesas que seu bisavô D.
Dinis havia iniciado, e seu pai aprofundou.
Aliás, ainda recentemente, PIMENTA teve ensejo de constatar que no reinado de D. Pedro I,
intervalo de paz no contexto belicista da primeira dinastia, se privilegiou sempre uma política
externa de distanciamento e gestão prudente dos diferendos envolventes. Durante esse período
nunca se verificaram ameaças iminentes de conflito militar com o reino vizinho, muito embora
contingentes de forças portuguesas tenham sido mobilizadas de 1359 a 1363, no âmbito do
auxílio prestado a Pedro I de Castela, e neles se tenha incorporado o Mestre da ordem de Cristo
que se ausentou de Portugal durante os anos que durou esta campanha.
Todavia a supracitada historiadora chama a atenção para que existia " uma inevitável colagem
(no contexto em que se inscrevia esta fase do reinado do "Justiceiro") de todos estes
acontecimentos ao conflito bélico que assolava uma parte da Europa, pelo que estas questões,
peninsulares, entre Aragão e Castela, passavam a estar rotuladas com conotações internacionais
de diferente nível, onde Castela servia os interesses ingleses e Aragão os interesses franceses.
Nestas condições, os antagonismos tinham tudo para continuar; ou seja, não seria possível, nos
meados da década de sessenta, permanecer fiel ao acordado em 1363" , quando os acordos de paz
de Murviedro travaram momentaneamente os confrontos entre Castela e Aragão. Esta
constatação permite à mesma autora salientar que " Assim, a deslocação dos mestres de Cristo e
Avis a Castela e a viagem do mestre de Avis a Aragão só podem significar duas coisas de
extrema importância: a inevitável colaboração rei-ordens militares e uma notável jogada de D.
Pedro I, tentando conciliar as duas faces do conflito".
Em 1364 a intervenção portuguesa tinha entrado na sua fase final mas permaneciam as razões de
fundo à luz das quais se deve compreender a afirmação de COELHO segunda a qual o controlo
da ordem de Avis servia, nesse exacto momento, os interesses da política régia em relação a
Castela.
Embora seja evidente que a implantação regional desta milícia militar a alcandorava, em termos
genéricos, a uma posição necessariamente importante no quadro da defesa da fronteira alentejana
e de alguns dos mais utilizados itinerários de invasão e acesso a Santarém e Lisboa, como viria a
demonstrar o subsequente empenhamento das ordens de Santiago, Cristo e Avis no decurso das
guerras fernandinas contra Castela .

2.5. A ordem de Avis e a crise dos anos 1383-1387: as cisões internas.


De entre as escassas efemérides relevantes que nos chegaram da adolescência e começo da idade
adulta de D. João, Mestre de Avis, COELHO retira indícios que a inclinam a entrever uma
próxima intimidade entre este e o infante D. João, filho de D. Inês de Castro, facto que a
actuação posterior do Mestre de Avis virá a confirmar. São conhecidas as vicissitudes
minuciosamente descritas por LOPES que levaram aquele infante, meio-irmão e rival pertinaz do
rei D. Fernando I, a exilar-se nas suas terras da Beira, donde partiria para Castela, onde, já desde
1372, o haviam precedido no exílio os irmãos D. Dinis e D. Beatriz. Mas não ficou registo que
permita deduzir que o Mestre de Avis se tenha deixado envolver decisivamente nesta fase da
complexa trama familiar e dinástica que se ia desenhando.
Quando, em 1367, D. Fernando I subiu ao trono arrastava-se já há três décadas um gravíssimo
conflito feudo-vassálico entre a Grã-Bretanha e a França . Uma das componentes dessa disputa,
que acabaria, atentos os interesses estratégicos em jogo, por assumir uma dimensão europeia,
centrava-se na luta pela hegemonia no Atlântico e mar do Norte, por cujas margens se
distribuíam os pontos nevrálgicos do comércio ibérico.
E bastaria a natureza desta componente do conflito para que as ondas de choque acabassem por
se repercutir na Península em geral e num reino português que, penalizado pela sua situação
periférica de extrema fachada ocidental, desde há séculos procurava um difícil equilíbrio da sua
balança de trocas, compensando importações de alto valor acrescentado com exportação de
matérias-primas e produtos de baixa incorporação de mão-de-obra, tirando partido dos fretes de
torna-viagem.
O directo envolvimento de Portugal ocorreu numa fase desta longa guerra em que Carlos V de
França (1364-1380) recuperava de uma série de desastres militares e diplomáticos, em boa parte
herdados dos seus antecessores.
O monarca francês viria a beneficiar dos acontecimentos que, por altura de meados da década de
sessenta, começavam a desenhar-se na Península Ibérica, para onde se deslocou uma parcela dos
combates, na sequência de outro conflito dinástico que opunha o controverso Pedro I de Castela
ao seu meio-irmão bastardo Henrique de Trastâmara.
O primeiro contava com o apoio francês materializado por forças comandadas pelo prestigioso
condestável Du Guesclin e, pelo jogo compensatório das alianças, segundo tinha conseguido
obter auxílio britânico protagonizado por um forte contingente chefiado pelo não menos famoso
Príncipe Negro.
O advento da nova dinastia castelhana dos Trastâmaras foi internamente rejeitado por uma
facção legitimista originando uma nova fase desta outra crise dinástica.
O duque de Lencastre, João de Gante (1340-1399), quarto filho de Eduardo III de Inglaterra,
enviuvando de sua prima Branca, da qual havia herdado o ducado em 1361, veio a casar pela
segunda vez com D. Constança, filha herdeira do assassinado Pedro I de Castela .
O duque de Lencastre já havia acompanhado o seu irmão primogénito, príncipe de Gales (o
Príncipe Negro que atrás havíamos mencionado como comandante do corpo expedicionário
britânico que acorreu em defesa do rei de Castela contra a revolta do seu meio-irmão bastardo
Henrique de Trastâmara, revolta respaldada pelas forças francesas do condestável Du Guesclin) a
Castela em 1369.
Dois anos depois, na sequência do seu casamento com a filha mais velha de Pedro o Cruel e
herdeira suportada pelo partido legitimista, assumia como próprios os direitos que lhe advinham
pela mulher intitulando-se rei de Castela.
Dada a multiplicidade de candidatos ao trono de Castela impunha-se, preambularmente, uma
concertação prévia contra o usurpador Trastâmara que, apoiado pelos franceses, reinava de facto
no país vizinho. As partes interessadas: o também candidato à sucessão – como atrás referimos –
D. Fernando de Portugal e João de Gante realizaram efectivamente um tratado de aliança em
Novembro de 1372.
Foi no quadro desta conjuntura D. Fernando I, rei de Portugal, decidiu assumir os seus direitos
hereditários na qualidade de bisneto (legítimo) de Sancho IV de Castela, perfilando-se como
candidato ao trono do país vizinho, talvez sem se dar ainda conta de que, automaticamente, a sua
participação no conflito peninsular acabaria por o arrastar para o cenário, regionalmente global,
da guerra europeia como aliado britânico.
Não é este o lugar para nos alongarmos desnecessariamente sobre as chamadas "guerras
fernandinas" que, apesar de tudo, constituem o pano de fundo do período que acabará por elevar
o bastardo D. João de Mestre da ordem de Avis até ao trono português, trajectória que, a título
simbólico, se pode iniciar com a sua participação na resistência à incursão castelhana de 1372-
1373.
Ao tentar aprofundar formalmente a "inevitabilidade inglesa", porque a realidade do quotidiano
comercial e as "permanências" estratégicas se tinham encarregado de manter os contactos e
trocas a flutuar, D. João, Mestre de Avis, mais não faria do que retomar uma política recebida do
pai que, por sua vez também a havia herdado parcialmente.
Só mais adiante, e cerca de 14 anos mais tarde, a pretexto do desembarque do duque de
Lencastre regressaremos centradamente ao cerne desta questão, que inevitavelmente
afloraremos, de passagem mas sempre que seja relevante para a temática do nosso trabalho, ao
logo da crise iniciada em 1383.
Em Maio de 1381, dentro do quadro alargado de conflito europeu, que acabámos de esboçar,
iniciava-se a terceira guerra fernandina. Pequenos contingentes sob o comando do Mestre
castelhano de Santiago penetravam no Alentejo realizando incursões que, a partir de Elvas,
alastram a Veiros, Cano e Sousel (em direcção a Avis), deparando com o pouco empenho posto
por João Fernandes Andeiro, conde de Arraiolos na defesa da "frontaria" alentejana.
Fernão Lopes deixará transparecer o escasso entusiasmo com que D. João, aliás desde o início da
invasão do Alentejo, teria coadjuvado esse fronteiro galego que, de acordo com a tese que
perfilhamos, desde há anos era considerado pelo Mestre de Avis, como um "homem a abater".
Mas permanece ainda por aprofundar se esse desinteresse não teria sido "agravado" pela
necessidade sentida pela Ordem de proteger os seus territórios e moradores, bem como os
respectivos bens, simultaneamente contra o inimigo invasor e contra as depredações dos aliados
ingleses. Existem indícios de que o Formoso teve o cuidado de tomar medidas que, por
constituírem provas de inequívoco favorecimento, de algum modo, pudessem cimentar a ligação
do Mestre de Avis à sua política externa e justificar o empenhamento militar da milícia por ele
governada.
Ficou-nos o testemunho indirecto do papel (meramente complementar ou supletivo?) que, nesta
conjuntura regionalmente crítica, teria acabado por ser prestado ao rei pela Ordem de Avis, e os
seus respectivos dependentes, na defesa daquilo que, afinal, constituía o núcleo patrimonial e
esfera privilegiada da influência da milícia de que era Mestre D. João.
Não se encontra referenciado o ano do documento que o suporta, mas parece de aceitar que tenha
sido redigido em 1382, cerca de um ano após o começo das hostilidades, e através dele são
isentos do pedido de auxílio financeiro lançado pelo monarca os criados casados por D. João
que, com suas bestas e armas, serviam juntamente com o Mestre de Avis.
2.6. O Mestre D. João, um percurso ambíguo: interrogações sobre uma
"conspiração"opaca.
D. João, o filho bastardo de D. Pedro I que ascendera ao mestrado de Avis, contava então 25,
relativamente obscuros, anos quando D. Fernando I o mandou prender, juntamente com Gonçalo
Vasques de Azevedo, no castelo de Évora, ambos confiados à guarda de Vasco Martins de Melo.
O episódio é – parcialmente – conhecido e relevaria da mais característica intriga, iniciando-se
com um quadro de maledicência cortesã e resvalando para revelações comprometedores
configurando alta traição.
O relato, tal como Fernão Lopes caracteristicamente o desenvolve, coloca o leitor perante dois
acusados: um, Gonçalo Vasques de Azevedo, cujas culpas ficam subentendidas. O outro, o
Mestre de Avis, alegadamente vítima de mais uma das tramas urdidas por D. Leonor Teles, diz
desconhecer sequer os motivos pelos quais se encontra preso .
Mas esta versão dos acontecimentos não suscita, hoje, uma unanimidade pacífica. ARNAUT, já
contemporâneo do desenvolvimento de estudos que tendem a reinterpretar a figura de Leonor
Teles, dá conta deste episódio encerrando-o com este comentário " …compreendemos que
algumas vezes se possa duvidar de culpas atribuídas a D. Leonor, inteligente e astuciosa. Mas
temos de acreditar em Fernão Lopes".
Já FONSECA, e MARQUES perfilham claramente a hipótese de que o Mestre de Avis, tal como
Gonçalo Vasques de Azevedo, estivessem implicados numa conspiração, provavelmente dirigida
contra João Fernandes Andeiro e o clã dos Teles de Meneses, embora o segundo admita,
referindo-se à alegada conspiração, que os seus : " pormenores nos escapam hoje".
Pela nossa parte suscitam-nos alguma curiosidade as razões que terão levado o cronista a
intercalar na narrativa principal da alegada conspiração um sub-episódio que consiste no
encontro do Mestre com um criado de seu pai, e anadel-mor dos besteiros do seu real irmão. Esta
personagem, de seu nome Afonso Furtado, curiosamente, apenas decorrido cerca dum ano sobre
o episódio narrado, mas já numa conjuntura crítica e pré-revolucionária, seria nomeado pelo
concelho de Lisboa, (leia-se oligarquia concelhia ulissiponense) juntamente com Estêvão
Vasques Filipe, meirinho encarregado do policiamento da cidade .
E não será despiciendo recordar que estes dois cidadãos de Lisboa e partidários da primeira hora,
irão servir pelas armas, com todo o empenho e sem quaisquer hesitações, o fundador da dinastia
de Avis até ao final das respectivas vidas.
LOPES situa a acção em Évora, no paço dos Estaus, junto à praça grande da cidade, onde o
Mestre se encontrava preso. E faz avançar o escudeiro e vassalo régio Afonso Furtado (futuro
capitão-mor do mar, mas que, já nessa ocasião, exercia o cargo de anadel-mor dos besteiros do
conto de D. Fernando , o qual voltaria a exercer no reinado de D. João I) que se teria aproximado
do prisioneiro para lhe dizer ; "Senhor um grande e bom quando é preso não o é senão por
grande coisa, e posto que vós não saibais porque sois preso, e entendeis que o sois sem causa,
parece-me bem que não aguardeis o fim deste feito (…)".
Mesmo não estranhando que um simples escudeiro, admissivelmente recém-chegado ao paço
onde o Mestre se encontrava detido, tivesse de antemão conhecimento de que este ignorava as
razões porque se encontrava preso, não podemos deixar de estranhar que o anadel-mor dos
besteiros de D. Fernando, nesta precisa conjuntura, fizesse um verdadeiro apelo à resistência
activa que terminava com uma oferta de serviços.
A fala, relatada na íntegra, revela que Afonso Furtado conheceria o Mestre de Avis,
provavelmente desde a infância de ambos, dado que tinham quase a mesma idade e Afonso
Furtado havia sido criado na corte de D. Pedro I (como ele próprio se encarrega de recordar, pela
pena de Fernão Lopes, justificando o preito de lealdade ao Mestre e a traição implícita ao rei D.
Fernando de quem era, recorde-se, anadel-mor dos besteiros), mas ignoramos que tipo de
relações poderiam existir, nessa data, entre os dois homens, e se o próprio Afonso Furtado não
estaria, também ele, implicado na conjura. É certo que, como escreve Arnaut, devemos acreditar
em Fernão Lopes, mas este episódio não deixa de permitir algumas suspeições.
Como também não fica claro em que circunstâncias, e porque motivos, D. Fernando I teria
acabado por ilibar o Mestre de Avis , a quem se fora juntar na prisão outro dignitário de Avis, o
vedor Lourenço Martins , alegadamente na sequência de uma intercessão a seu favor efectuada,
nada mais e nada menos do que pelo próprio conde de Cambridge
Personagem incessantemente recriado ao longo das variações de uma historiografia
inexoravelmente tributária a Fernão Lopes, e a seu filho e sucessor, D. Duarte, mas com
sucessivas leituras datadas, como teve ensejo de sublinhar COELHO , que assim o caracteriza , a
partir do final desta fase do seu percurso "A metamorfose em D. João I é um caso singular. Há no
decurso da sua vida momentos visíveis em que ela ocorre, qual crisálida, quando Mestre e
regedor e defensor do reino, para atingir a maturidade como D. João I e, no devir, ganhar aura de
rei fundador".
Destino em crisálida que um emaranhado conjunto de causas e circunstâncias, nem sempre
integralmente conhecidas, acabariam por fazer eclodir pouco tempo depois.
A despeito de todas as boas intenções racionalistas e deterministas o conjunto de razões
subjacentes à maioria das decisões e escolhas que, todos nós, tomamos e adoptamos ao longo da
vida está longe de se circunscrever à superfície confortante das coisas.
O Mestre de Avis, como todos os protagonistas salientes da História, escapa a tentativas
redutoras, mas subsistem constatações ás quais é impossível fugir no âmbito de um trabalho
sobre a evolução da ordem de Avis.
FONSECA sintetizou numa passagem incisiva, (que transcreveremos na íntegra para
enquadramento) muito do que se adivinha e depreende de uma leitura cruzada dos relatos
cronísticos, das fontes primárias e dos estudos impressos: "D. João, filho natural de D. Pedro I,
clérigo, encontra-se à frente da ordem de Avis. Tanto quanto Fernão Lopes dá a entender, vive à
sombra do meio-irmão, homónimo, filho de Inês de Castro. Nos últimos tempos do reinado de D.
Fernando, o Mestre de Avis aparece silenciosamente ao lado da monarquia quando esta
concretiza a opção castelhana. Está presente nas cortes de Novembro de 1376, onde é jurado o
contrato matrimonial de D. Beatriz com o filho de Henrique II de Castela, Fradique.
Acompanha também Leonor Teles no encontro de Elvas de Maio de 1383; é conhecido o
comentário da rainha a respeito da masculinidade do rei de Castela, dirigido precisamente ao
Mestre de Avis que cavalga a seu lado «que o homem queria que eu fosse mais homem». E, se
em 1381, durante a campanha alentejana o Mestre de Avis actua como um dos fronteiros, é o
próprio Fernão Lopes quem alude ao pouco entusiasmo demonstrado por ele e pelos outros
fronteiros. Quando, logo após a morte de D. Fernando, a intriga do conde Andeiro se prepara
para reforçar os nossos laços com a Inglaterra, é ele, Mestre de Avis, que se encarrega de
assassinar o valido. Não se chega mesmo a pensar, pelo que se lê no capítulo 25 da Crónica de
D. João I, em casá-lo com a própria rainha-viúva Leonor Teles? Em face disto, não parece
ousado afirmar que, pelo menos até finais de 1383, o Mestre assume uma posição, no mínimo,
pouco clara".
Por outro lado, embora não se tivesse deixado arrastar pela trama que tinha acabado por impelir
ao exílio o infante D. João, ninguém tinha esquecido, nem o próprio Mestre a dissimularia em
todas as ocasiões, a íntima ligação de amizade mantida desde a adolescência com esse filho de
Inês de Castro.
A recordação dessa proximidade, conjugada com a sua actuação, teria radicado a convicção
generalizada de que ele actuaria, em nome, ou por conta, ou no interesse deste seu meio-irmão
que, como "providência cautelar" se encontrava prisioneiro em Castela desde a morte de D.
Fernando I.
FONSECA, que temos vindo a seguir, recorda que o próprio Fernão Lopes expressamente refere
que o Mestre, ao aceitar o título de regedor e defensor do reino, o faz (a título provisório?) na
expectativa de que o meio-irmão se consiga libertar da prisão castelhana e regresse ao reino de
Portugal " para que o pudesse cobrar e ser senhor dele". E sublinha, em seguida uma referência
do castelhano Ayala , que, de acordo com o mesmo autor, é , neste contexto, – aparentemente
perturbadora - De acordo com aquele cronista, o primeiro português a convidar o rei de Castela
depois da morte do monarca português teria sido precisamente o Mestre de Avis :"E o primeiro
homem do reino de Portugal que lhe escreveu informando como o rei D. Fernando era finado e
que tomasse o seu caminho de ir tomar o reino de Portugal que pertencia de direito à rainha D.
Beatriz, sua mulher, foi Dom João, mestre de Avis, irmão do rei Dom Fernando de Portugal, que
depois se chamou rei".
FONSECA opta por não questionar a veracidade desta menção, efectivamente perturbante, mas
que não deixará de ser questionável no contexto em que terá sido redigida, pela boa e simples
razão de que ela faz sentido no quadro da sua leitura da actuação do Mestre.
Deixando de parte as considerações habitualmente expendidas sobre as causas e objectivos das
eventuais duplicidades e paradoxos de um percurso sinuoso, este autor perspectiva-se numa
análise do quadro conjuntural em que se estaria movendo aquele que, de momento, era ainda, e
tão-somente, o Mestre de Avis.
Como se depreende, esta abordagem é a que mais interessa considerar no âmbito de um trabalho
centrado sobre a milícia de Avis.
Parece pertinente admitir que a ordem, (os interesses institucionais dela, e a conveniência, por
parte do seu Mestre, de manter o controlo possível sobre eventuais facções internas) da qual D.
João permanecerá dirigente máximo até Março de 1385 (cortes de Coimbra) tenha condicionado,
até certo ponto, as sucessivas tomadas de posição que temos vindo a aflorar.
É difícil de admitir que a milícia de Avis no seu todo, e os comendadores e cavaleiros em
particular, tivessem logrado manter-se alheados de questões e escolhas que agitavam todos os
estamentos e ordens da sociedade envolvente. E, numa segunda fase, que tivessem permanecido
coesos e impassíveis quando o seu próprio Mestre protagonizava uma rebelião contra o poder
legítimo, deslizando faseadamente para uma posição de candidato ao trono. Já em finais de 1373,
nas justas efectuadas em Évora para celebrar a atribuição do condado de Viana a João Afonso
Telo, tinha ocorrido um conflito armado de certa gravidade (Fernão Lopes, que o relata, designa-
o como "arruído") entre alguns cavaleiros da ordem de Avis, chefiados
pelo comendador-mor Vasco Porcalho, e a parcialidade dos Teles de Menezes, familiares da
rainha D. Leonor e alegados alvos potenciais da conspiração de 1382, a que já aludimos.
O Mestre D. João intrometeu-se, a proteger o seu comendador-mor, e o infante D. João (de
Castro), " que jazia doente numa cama" levantou-se e participou na refrega ao lado do Mestre de
Avis.
Embora, como veremos, conduta posterior do comendador-mor de Avis Vasco Porcalho possa
ter-se caracterizado por flagrantes ambiguidades e hesitações até um alinhamento final com a
facção castelhana, neste episódio parece transparecer um "primitivo alinhamento" de, pelo
menos, uma parcela dos cavaleiros de Avis contra o "partido da Rainha" e a ostensiva adesão do
chefe de facção dos filhos de Inês de Castro a essa "sensibilidade".
Nesse universo de umas escassas dezenas de cavaleiros reflectir-se-iam, e disso ficaram alguns
indícios, as fracturas de lealdades, convicções, interesses, receios e ambições que atravessavam o
seu estamento social, e as próprias ordens militares.
Como de costume não é fácil interpretar essoutra conversa, que chegou até nós, mais uma vez,
através do relato de Fernão Lopes. Segundo o cronista a rainha D. Leonor Teles, praticando com
o Mestre de Avis após a libertação deste, na sequência do episódio da conjura, ter-lhe-ia dito
sibilinamente: "Irmão-amigo (…), bem sabeis que aos maldizentes nunca lhes mingua que
digam, e alguns cavaleiros da vossa Ordem que convosco andam, especialmente o comendador-
mor Vasco Porcalho fez entender a el-rei meu senhor que vós queríeis ir para Castela para o
Infante Dom João, em deserviço deste Reino".
FONSECA, que também transcreve esta passagem, admite expressamente que Leonor Teles
tivesse alguma parcela de razão. Ou seja, dito por outras palavras, que um dos presumíveis
delatores da alegada conjura tivesse sido o próprio comendador-mor da ordem de Avis, mais
precisamente mesmo Vasco Porcalho que nas justas de Évora se envolvera no "arruído" contra a
parcialidade dos Teles de Menezes e fora socorrido pelo seu Mestre e pelo próprio infante D.
João (de Castro). Se assim aconteceu permanecem obscuras as motivações do comendador-mor.
Não será de excluir (e o retrato que Fernão Lopes traça dessa rainha, que pela sua pena ficaria
durante séculos estigmatizada como uma astuciosa "lavradora de Vénus", anti – Penélope,
urdidora de todas as tramas do reinado, admite-o) que Leonor Teles procurasse com esta
denúncia provocar, ou alargar, fissuras no seio da hierarquia da ordem de Avis, minando a base
de apoio do seu Mestre.
Como também parecesse admissível que a rainha, tendo presente o declínio físico do rei seu
marido, e consciente da conveniência de separar este cunhado do chefe da facção dos Castro,
captando-o para a sua órbita (não foi o próprio cronista que referiu ter existido um projecto de
casamento entre D. Leonor Teles e o mestre D. João?), procurando escorar a sua projectada
regência e a posse futura de todas as terras que lhe haviam sido doadas por D. Fernando,
estivesse a dar provas de boa vontade prestando-lhe um efectivo serviço.
Se esta última hipótese fosse correcta, e o comendador-mor Vasco Porcalho tivesse sido o delator
da alegada conjura, não estaríamos perante simples fissuras no seio da hierarquia dos cavaleiros
de Avis, mas confrontados com verdadeiras fracturas.
É certo que, tanto quanto foi possível apurar, a maioria deles não pertenceria às linhagens mais
afectadas pelos afastamentos, exílios e condenações, bem como pelo confisco de bens que D.
Fernando continuou a praticar até ao quase final da sua vida . Mas é difícil que alguns deles não
mantivessem relações familiares, ou indirectamente clientelares com linhagens directamente
envolvidas, ou prejudicadas pelos acontecimentos em curso.
Bastará lembrar a expulsão de Gomes Lourenço do Avelar "sobrinho" do anterior Mestre de
Avis, e guarda-mor do rei D. Fernando, referido como tendo, não apenas combatido tenazmente
contra o rei Henrique II de Castela, como ainda participado numa missão diplomática na Grã-
Bretanha.
Se este dignitário, de algum modo, em algum momento, veio a evidenciar uma sensibilidade pró-
britânica, a sua opção não deve ter recolhido grandes consensos no interior da ordem de Avis.
Estariam ainda frescas na memória dos seus cavaleiros, e no geral dos moradores, as recordações
da passagem pelos senhorios da ordem no Alto Alentejo (1381-1382) dos mercenários ingleses
ao serviço do conde de Cambridge, que agiam como se encontrassem em território inimigo .
Na sequência de abusos e depredações de vária ordem, que foram ocorrendo durante o Verão e
Outono de 1381 e, depois, na Primavera de 1382, e que originaram documentadas retaliações por
parte de moradores desesperados, as forças de mercenários britânicos destacados por D.
Fernando I para as zonas de Vila Viçosa (onde assentara arraiais Edmundo, conde de
Cambridge), Estremoz Évoramonte, Borba, Monsaraz e Redondo revoltaram-se – como
geralmente ocorria em situações similares – perante o atraso dos soldos em débito pela Coroa
portuguesa, e enviaram a Lisboa emissários portadores de uma intimação em que, lembrando que
não tinham recebido o formalmente estipulado, ameaçavam que, em caso de incumprimento
continuado " …ils se payeront du vôtre .
Existiriam motivos de âmbito geral mais do que suficientes para que se pudesse compreender
que o Convento de Avis, na sua globalidade, aspirasse à rápida instauração de um clima de
estabilidade propício à pacificação social e à retoma do crescimento económico.
O "período revolucionário" de 1383/85 radica-se, também, numa conjuntura de generalizada
crise económica e social verificada na sequência do período de recessão europeia cujos efeitos se
faziam sentir em Portugal desde o final do reinado de D. Dinis .Como reconhece TAVARES o
culminar dos confrontos entre os privilegiados e a heterogénea maioria dos não-privilegiados
coincide com os anos de 1983/84, na fase em que o Mestre de Avis necessitava de garantir uma
adesão sustentada da população lisboeta. Como esta historiadora refere no mesmo passo "a carta
de privilégio concedida aos naturais de Lisboa em 1 de Abril de 1384 (…) acolhia reivindicações
de igualdade de todos os habitantes "ricos e grandes por poderosos que sejam" no pagamento de
fintas, talhas, serviços e peitas lançadas no presente e no futuro".
O supracitado diploma coroava toda uma situação de mal-estar generalizado que se radicava no
recrutamento forçado de mão-de-obra camponesa para a guerra, no crescimento desmesurado da
carga tributária e num ritmo descontrolado da inflação. Neste quadro sombrio importará referir
que as pandemias dos anos 60 e 70, traduzindo-se num decréscimo demográfico que desde 1348
não cessava de se agravar, geravam uma falta generalizada de braços para a agricultura, a
inerente subida dos salários, e um crescendo de população flutuante que, entre agitações e
tumultos, deixando os campos desertos, afluía sem cessar aos centros urbanos.
Existia uma conciência generalisada da necessidade urgente de conter " o abandono dos campos,
a carestia, o alteamento dos salários " , cujas consequências se abatiam directa e
preferencialmente sobre os proprietários rurais. A despeito da revogação da lei fernandina que
prendia os trabalhadores rurais à terra eclodiam – a exemplo do sucedido além-fronteiras -
revoltas rurais violentas, algumas das quais tiveram o seu epicentro na área de implantação
preferencial da Ordem de Avis, tal como sucedeu em Sousel, Estremoz e Vila Viçosa.
Com efeito este estado de coisas vinha determinando que os senhorios se fossem imiscuindo
progressivamente nas comunidades concelhias. Eles próprios, ou no caso da milícia de Avis os
seus representantes, viviam embebidos nos próprios territórios e a sua simples presença avivava
os diferendos e "encarniçava-se a luta dos moradores dos municípios – basicamente na defesa
das suas terras comunais e dos seus espaços de pastagem… "
Mas, concomitantemente com esta situação geral, outras ordens de razões, e estas directamente
ligadas ao tipo de economia em que se baseavam as explorações da ordem de Avis podem ter
originado o alinhamento de uma parcela dos cavaleiros desta milícia.
A ordem de Avis era uma "potência económica" agrária de cariz rentista, "continental" pela sua
implantação geográfica e pelos circuitos comerciais em que se integrava. Nada tinha de comum
com a estratégia mercantil das zonas marítimo-portuárias de Lisboa e Porto, ou mesmo de outras
ordens militares com uma "frente-marítima", como a de Santiago. Seria admissível a sua
eventual insensibilidade aos argumentos do bloco pró-inglês.
É ainda FONSECA, no prosseguimento da reflexão que temos vindo a acompanhar, quem
primeiro formula a hipótese de que certos cavaleiros e dignitários da ordem, a exemplo do que
sucedia com outros senhorios da mesma região transtagana, dependessem em grau significativo
da exploração da pecuária . Pois, como caracterizou COELHO a parcela mais significativa das
terras sob jurisdição da milícia de Avis inscreviam-se
"…num Portugal concelhio fronteiriço - muito preocupado com a sua defesa e possível guerra ,
os intercâmbios comerciais castelhanos e galegos (tornavam) candente aqui a problemática do
contrabando de gado na fronteira beirã e alentejana ".
Tinha decorrido apenas um quarto de século desde a situação de debilidade económico-
financeira evidenciada no tombo de bens da ordem de Avis de 1366, e inscrita na conjuntura de
depressão económica dos anos que o antecederam. Embora inscritas no âmbito geral das
convulsões sociais da época, registaram-se tumultos e uma agitação generalizada na zona de
implantação da ordem, designadamente em Portel, Sousel e Vila Viçosa , agravando as carências
e indisponibilidades uma mão-de-obra camponesa cerceada pelas perdas demográficas.
O aumento provável da extensão das pastagens, ocorrido ao longo dos séculos XIV e XV, tinha
tido a sua origem na mesma crise. A criação de gado, requerendo muito menos mão-de-obra do
que a agricultura, apresentou-se por toda a Europa (e particularmente nas zonas, como o Alto
Alentejo, em que as condições naturais do relevo, solo, clima e cobertura vegetal, aliadas a um
decréscimo populacional acentuado a tornavam quase que a única solução viável) como um dos
modos de compensar a baixa dos rendimentos – que se repercutia com particular intensidade nos
senhorios, já afectados pelas sucessivas desvalorizações da moeda ocorridas entre 1369 e 1373,
numa depreciação que foi oficialmente reconhecida como tendo atingido os 300% - uma vez que
a forragem dos animais era mais fácil de obter nos campos anteriormente cultivados .
A criação de gado bovino reunindo manadas consideráveis que se iam movimentando em torno
de pastos exclusivos era uma realidade testemunhada pela multiplicação de abusos e conflitos de
que se encontra eco abundante na documentação coeva. Em particular à zona de Ourique,
acorriam manadas não só do Alentejo e Algarve como da própria Castela , testemunhado uma
permeabilidade complementar das zonas raianas.
As numerosas imposições fiscais e coimas impostas aos carneiros, ovelhas, cabras e porcos na
região de Évora, respeitantes ao final do século XIV e estudadas por PEREIRA dão testemunho
indirecto da vitalidade do sector durante o período em apreço.
Importância especial adquiria a transumância organizada do gado ovino, fenómeno de
reconhecido relevo na economia castelhana, e repercussões nas manufacturas centro-europeias
de tecelagem, mas com itinerários que se internavam em território português. Ás pastagens
alentejanas ocorriam dezenas de milhar de ovinos de toda a Meseta , sendo que uma das entradas
mais concorridas tinha as suas canadas em Olivença e Noudar, de onde seguiam para os termos
de Elvas e Marvão .
Finalmente, a multiplicação das coutadas ocorrida no reino durante o período tardo-medieval, muitas
das quais explicitamente destinadas à criação de equídeos , foi um factor determinante no fomento da
criação cavalar. A ordem de Avis, para a qual a remonta, assumia a importância que se compreende,
participava documentadamente nesse surto desde o seu início. Já, por exemplo, em 1364 se
recenseava na coudelaria do Alandroal a existência de 44 equídeos, incluindo um cavalo reprodutor e
14 potros do ano, bem como 100 vacas e 1 touro. .
Portugal, já então penalizado pela sua situação periférica, não dispunha de canais próprios
através dos quais comercializasse a sua produção pecuária. Encontrava-se à mercê das trocas
transfronteiriças. Designadamente no que respeitava à lã dependia na íntegra do escoamento
proporcionado pela transferência dos campos alentejanos para o circuito das canadas
castelhanas.
Os estudos mais recentes sobre a origem das receitas da ordem de Avis – e no capítulo dedicado
às visitações do começo do século XVI teremos ensejo de o comprovar – evidenciam que, por si
só, e independentemente dos proventos directos, as imposições sobre a circulação dos gados
constituíam uma parcela significativa dos seus ingressos.
FONSECA com o intuito de ilustrar a circulação de efectivos pecuários no âmbito da ordem de
Avis, durante o período em apreço refere uma incursão chefiada por Pedro Rodrigues, alcaide do
Alandroal, que regressou ao reino com um saque de 700 novilhos, 1400 vacas e 26 éguas. Pouco
tempo decorrido, o mesmo alcaide conseguiria, apenas com uma única "operação", capturar
5.000 ovelhas e 1.500 caprinos .
É certo que se tratou de um tipo específico de "circulação", mas não deixa de evidenciar o
volume das reservas pecuárias existentes e a importância e vitalidade do sector.
Neste contexto não repugna admitir que a eternização de um conflito militar com Castela
pudesse representar, pelo menos para alguns comendadores e outros dignitários, a ameaça de
asfixia de um sector que representava uma percentagem significativa das suas receitas.
E que a esses sectores, previsivelmente influentes, conviesse um tipo de sucessão dinástica
portuguesa situado num quadro pacificado das relações luso-castelhanas, personificado (pelo
menos antes do contrato de casamento entre a infanta D. Beatriz e o rei de Castela, concertado
em 1383 em Salvaterra de Magos), na solução do infante D. João, filho de Inês de Castro.
Registe-se que, posteriormente ao supracitado contrato, o mesmo tipo de preocupações poderia
encontrar uma resposta adequada na sucessão de D. Beatriz, efectuada nos termos do acordo
matrimonial.
Se a cronologia dos acontecimentos e algumas fontes adicionais o permitissem confirmar, o
conhecimento do projecto do casamento de D. Beatriz, certamente discutido meses antes da sua
efectivação, poderia ter induzido alguns membros desses sectores influentes (entre os quais o
Comendador-mor Vasco Porcalho) à convicção de que, afinal, a sucessão protagonizada pelo
infante D. João de Castro, acabaria por reacender o conflito com o reino vizinho. E justificar-se-
ia assim, tanto a mudança de "partido", como a denúncia do alegado envolvimento do Mestre
numa conspiração de sinal contrário.
Embora esta hipótese da existência de motivações de natureza económica no posicionamento
político de sectores influentes da milícia de Avis (certamente entre muitas outras) careça ainda de
um estudo aprofundado, que não cabe na natureza deste trabalho, apresenta-se como uma achega
plausível e tem a virtualidade de ajudar a compreender melhor o itinerário do Mestre até aos
começos de 1384.
FONSECA vai mais longe, admitindo que poderia explicar, entre os meandros desse percurso, a
oposição do futuro D. João I à doação do condado de Ourém a João Fernandes Andeiro, visto
como agente do duque de Lencastre e dos interesses ingleses em Portugal, bem como a sua
eventual participação na conjura atrás referida.
Mas este autor acrescenta à sua abordagem desta questão uma segunda perspectiva, de teor
diplomático, do acontecimento que iria fazer detonar a crise; a conspiração que levaria ao
assassinato do conde Andeiro, perpetrado pelo próprio Mestre, em 6 de Dezembro de 1383.
Esta segunda vertente obrigar-nos-á a regressar à supracitada passagem do cronista Ayala sobre a
apressada participação ao monarca castelhano da morte do rei D. Fernando I e subsequente
convite a que assumisse uma sucessão que lhe vinha Jus uxoris.
Procurando não se envolver nas controvérsias de matiz sociológico sobre as origens da revolta,
nem no problema de determinar se o Mestre de Avis foi um elemento determinante na génese e
eclosão da revolta das camadas urbanas (protagonizada ab initio por sectores da oligarquia
concelhia e mercantil, bem como por uma facção da nobreza) de Lisboa contra João Fernandes
Andeiro, este historiadoror vê no episódio, independentemente de todas as motivações pessoais
dos conjurados, uma "medida anti-inglesa".
É admissível que uma parcela significativa da nobreza cortesã também entendesse que seria
desejável eliminar fisicamente João Fernandes Andeiro com o intuito de libertar a rainha do seu
principal mentor político, criando assim espaço para outras influências no quadro de novas
perspectivas cuja iminência se adivinhava.
FONSECA considera que apoiar o Mestre de Avis nesse último trimestre de 1383 representaria
(ainda) jogar a favor da solução dinástica representada pelo infante D. João de Castro. Esta
convicção, de acordo com aquele autor, teria feito confluir a burguesia urbana e o "partido"do
filho de Inês de Castro, reunidos em torno do apoio prestado à figura do Mestre de Avis.
Tratar-se-ia, no entanto, de um consenso circunstancial e não impeditivo de que os diferentes
grupos de pressão, continuassem a desenvolver diplomacias paralelas, já tentadas no ocaso do
período fernandino, mas agora especialmente compreensíveis em face, não só das incógnitas da
conjuntura, mas também dos interesses e solidariedades que cada um deles defendia e
prosseguia.
A leitura da magistral narrativa feita por LOPES do dia e horas que precederam a morte do
conde Andeiro restitui-nos as compreensíveis hesitações de um Mestre de Avis que, "apertado"
pelas circunstâncias, vê a sua margem de manobra estreitar-se e pondera os custos-riscos e as
eventuais vantagens.
Em 5 de Dezembro de 1383, numa reunião com a rainha e o fidalgo galego em que foi
reconhecida a ameaça de que D. João I de Castela viesse a quebrar os " trautos ", hipótese
possivelmente trazida à colacção pelo pró-inglês Andeiro, admitiu-se a necessidade de preparar a
defesa do reino. Organizaram-se as "frontarias", cabendo ao Mestre de Avis as terras do seu
mestrado.
Presente envenenado em que se aliava um "desterro" afastado dos centros de decisão, com o
corte abrupto com a sua base de apoio nesse momento crucial. Subentende-se que o Mestre não
pode recusar a indigitação.
Nessa mesma noite, pernoitando à aldeia de Santo António (a cerca de três horas de jornada de
Lisboa), tomaria consciência de que, aceitando o seu afastamento para o Alto Alentejo, ficaria
indefeso perante a inevitável divulgação de uma conjura que era quase pública. Entendeu que já
não era possível recuar.
Mandou então regressar à corte o seu fiel vedor Lourenço Martins (do Avelar), que já o havia
acompanhado noutras horas amargas, partilhando a prisão de Évora, com a incumbência de
comunicar à rainha que, tendo ficado ainda questões por debater na reunião desse dia ele, Mestre,
não se sentia " desembargado como compre (ia)" e desejava voltar ao paço para se avistar com
ela.
No dia seguinte, seis de Dezembro, estava consumada a tragédia. A despeito das explicações e
desculpas fornecidas pelos conjurados, que para esse efeito se haviam deslocado ao Paço, a
rainha mudava-se para a sua vila de Alenquer com todos os fidalgos, oficiais e criados da sua
casa. Lisboa era a cidade amaldiçoada por todos os da sua companhia : " que maao fogo a
queimasse, e que (ela) aimda a visse estroida e arada toda a bois".
No clima difuso criado pela morte do "Formoso" , mais precisamente no espaço de tempo
compreendido entre 22 de Outubro de 1383 e o mês de Dezembro seguinte, Portugal encontra-se
na situação de vazio de poder que, irremediavelmente, preanuncia a queda do poder na rua. Uma
situação pré-insurrecional durante a qual, ontem como hoje, alastra progressivamente por todo o
território o sentimento de insegurança, circulam rumores desencontrados, se "contam as armas" e
se procuram apoios internos e externos.
Cada uma das facções, ou proto-facções está consciente de uma "equação com três incógnitas" :
a necessidade de evitar um pronunciamento pró-castelhano ou pró-inglês, e a urgente
conveniência de neutralizar o grupo enquistado em torno de Leonor Teles. Tripla preocupação
que se desenvolve numa atmosfera de explosiva instabilidade social, de resto integrada no clima
de insurreições que alastrara um pouco por toda a Europa. O reino de Portugal tinha deixado de
ser apenas a remota fachada ocidental da Península desde que convertera num peão das
convulsões que, à escala continental, preparavam o parto de uma nova Idade.
As hipóteses de pronunciamento, ou golpe militar, eram activamente fomentadas de acordo com
a orientação de cada parceria, e compreensivelmente temidas pela facção adversa, mas ambas
tinham em comum o desejo consensual de evitar que o poder caísse na rua.
Inscreve-se neste contexto o envio, ainda em finais de 1383, de uma embaixada a Ricardo II de
Inglaterra com o propósito deliberado de recrutar mercenários "por solldo aa sua voomtade " e,
se possível, suscitar a solidariedade activa do monarca.
Em Salisbúria os embaixadores Lourenço Anes Fogaça (que entretanto abandonara a comitiva da
rainha D. Leonor em circunstâncias a que regressaremos oportunamente) e D. Fernando Afonso
de Albuquerque, Mestre de Santiago, obtiveram permissão para contratar " quaaes quer gemtes
darmas que por seu solldo em ajuda de Portugall lhes prougesse viinr ". Muito embora as
consequências práticas deste recrutamento só viessem a concretizar-se na Páscoa de 1385, os
embaixadores contraíram pesados empréstimos caucionados pela penhora de todos os navios e
mercadorias portuguesas que se encontravam nos portos britânicos. Não tendo conhecimento de
reacções a esta ocorrência parece de admitir que o arresto tenha ocorrido com o assentimento da
comunidade mercantil portuguesa e, se assim tiver sucedido, esta estaria em sintonia com os
objectivos da embaixada.
Provavelmente algum tempo antes, numa ocasião em que os apaniguados de D. Leonor fugiam já
da região de Lisboa, abandonando os seus haveres, a facção pró-castelhana enviava outra
embaixada ao reino vizinho com os mesmos propósitos .
Até porque D. João I de Castela, assim que teve conhecimento da morte de D. Fernando,
estribado nas cláusulas do acordo de Salvaterra, exigiu o cumprimento dos tratos e a aclamação
de sua mulher, D. Beatriz, como rainha o que se cumpriu, ao menos no respeitante a uma
importante parcela da alta nobreza de corte, que a reiterou por ocasião do solene saimento ao rei
do mês ao rei, promovido por Leonor Teles. Registe-se que, a fazer fé em Fernão Lopes a adesão
de alguns segmentos da nobreza lusitana foi, pelo menos, cautelosa.
Como providência cautelar simultânea o monarca castelhano mandou encarcerar o infante D.
João de Castro (em nome do qual o Mestre de Avis continuava a admitir que agia), e o conde de
Gijón e Noronha, seu meio-irmão e casado com D. Isabel, filha bastarda de D. Fernando,
neutralizando os dois presumíveis candidatos à Coroa portuguesa que se haviam acolhido ao seu
território.
Pouco depois, ainda em Dezembro de 1383, D. João de Castela encontrar-se-ia já em território
português, mais precisamente na cidade da Guarda
Estas movimentações, simultaneamente pró-castelhanas e pró-britânicas, pareceriam
perfeitamente lógicas não fora o facto do Mestre de Avis ter caucionado ambas e,
inclusivamente, se haver deslocado a Inglaterra, como relatará Fernão Lopes, mas também a
Castela, como refere Ayala , aliás numa possível linha de coerência com o seu alegado
chamamento ao rei do país vizinho, anteriormente narrado pelo mesmo cronista .
Mas, quaisquer que tenham sido os contactos efectivamente concretizados ao longo do primeiro
semestre de 1384 a situação interna evoluía com rapidez, alterando-se a correlação de forças,
designadamente, pois é isso que nos ocupa, no atinente à relação à natureza e aprofundamento
das relações luso- britânicas.
É este o momento azado para sublinhar que a ordem de Avis, tal como a temos vindo, e viremos
a acompanhar, só indirecta e colateralmente encaixa neste contexto, como passaremos a tentar
evidenciar.
Uma vez terminada a crise detonada em 1383 regressará a um alheamento daquelas questões que
FONSECA geometrizou como meridianas e verticais, regressando ao seu papel continental-
horizontal de instituição que, não obstante as vicissitudes decorrentes da sua evolução,
permanecerá "ancorada" entre a fronteira político-militar castelhana, e a fronteira natural que
descia para as planuras do Sul. Tão continental como a comprimida estreiteza da faixa lusitana o
permitia.
A aproximação com a Grã-Bretanha era uma antiga inevitabilidade, decorrente de condicionantes
estruturais, que se vinha desenvolvendo desde a década de quarenta do século XIV mas à qual o
pacto entre a França e Castela, celebrado nos anos sessenta, conferia outro peso e dimensão.
Tendo partido de um contexto de boas relações comerciais, que uma politica acertada reforçara
gradualmente, inscrevia-se na redescoberta das potencialidades geoeconómicas de um espaço
atlântico, primeiro estirado verticalmente ao longo das costas francesas até ao mar do Norte.
Mas a abertura, ainda no século XIII, dos circuitos que, através do estreito de Gibraltar, ligavam
progressivamente os pólos das economias-mundo emergentes do centro europeu ás prósperas e
dinâmicas republicas italianas que hegemonizavam o espaço mediterrânico, veio, afinal situar no
mapa e dar sentido útil à costa portuguesa, libertando-a de um secular isolamento.
Mas essa nova respiração, essa descompressão vertical, não libertou o reino português da pressão
horizontal do abraço castelhano que o envolvia. E a necessidade permanente de sustentar
delicados equilíbrios no quadro de uma Península em construção foi obrigando a uma instável
estratégia de contrapeso, e aos oscilantes e ambíguos alinhamentos (alteradamente pró-
castelhanos e pró-ingleses) das políticas régias.
Como observou COELHO , na esteira de FONSECA, esta diplomacia dupla manter-se-á ainda
no período em que o Mestre actuava como regedor e defensor do reino, sendo que a balança só
pendeu inequivocamente para a adesão pró-britânica após a invasão de D. João I de Castela,
atentas as ligações da fulcral base de apoio social representada pela burguesia mercantil.
Torna-se evidente que a aliança inglesa "firmada durante o governo joanino e corporizada no
Tratado de Windsor de 1386, não surge como um acto isolado ou circunstancial, mas se enraíza
numa adensada estratégia político-diplomática e geoeconómica da monarquia portuguesa" .
Em concreto, do supracitado acordo fernandino de 1372 não tinham resultado consequências
práticas assinaláveis, mas, precisamente nesse primeiro semestre de 1384, desencadeava-se nova
ofensiva do duque de Lencastre em território castelhano.
Neste quadro, a situação interna portuguesa que temos vindo a aflorar, surge como um
potencialidade de multiplicação das frentes de conflito a que D. João de Castela (sucessor de
Henrique de Trastâmara) tinha de fazer face, com a consequente divisão e enfraquecimento dos
seus recursos financeiros, logísticos e militares.
Situação providencial que, como reconhece FONSECA , vem facilitar os esforços que o Mestre
tinha vindo a desenvolver no sentido de obter a cooperação britânica.
E oportunidade que surge no contexto da invasão castelhana em Portugal que, atento o modo
como ocorreu , tinha acarretado consequências negativas, tanto no plano político como jurídico,
uma vez que não só inviabilizava a solução prevista no acordo de Salvaterra de Magos, fazendo
ressuscitar – ao menos no âmbito teórico – a solução dinástica protagonizada pelos filhos de Inês
de Castro, como, em termos práticos, vindo a converter o Mestre de Avis na única oposição
minimamente credível à integração de Portugal no reino de Castela, hipótese de jure
salvaguardada e excluída nos termos dos acordos de Salvaterra.
De tudo isto decorria que, tendo presentes as suas conhecidas limitações, era necessário e
urgente para o regedor e defensor do reino conseguir – e obter em termos reais – uma efectiva
cooperação com os ingleses que, por seu lado, tinham toda a conveniência em sustentar esta nova
frente de conflito, reunidas que estavam as condições que sustentam que "um bom negócio"
necessita de representar vantagens evidentes para todas as partes implicadas.
Mas importa registar, e a evolução subsequente virá a demonstrá-lo em conjunturas que não
teremos ensejo de abordar, que em termos globais os interesses portugueses e os objectivos
ingleses – sobretudo no respeitante à Casa de Lencastre – eram inversos no respeitante ao
domínio de Castela, e essa circunstância, aliás de fácil constatação, terá pesado nos juízos de
valor de todos aqueles que, no concreto da situação, se viram coagidos a tomar partido.
A despeito dos erros táctico-políticos em que o rei de Castela teria incorrido, a adesão à causa
representada pelo crescente protagonismo do Mestre de Avis permanecia uma questão difícil para
muitos de quantos viviam este período.
À medida que a ambiguidade da sua actuação se ia desvanecendo por força das circunstância
desenganavam-se todos aqueles que o tinham inicialmente encarado como mero representante
benévolo da solução dinástica protagonizada pelo, ainda por cima encarcerado, infante D. João
de Castro.
E outros tantos, para quem abraçar um partido implicava colocar em risco vida, cargos,
prebendas, dignidades e haveres, tenderiam a inclinar-se para a facção que, no entender de cada
um, apresentaria maiores probabilidades de triunfar. O que, neste preciso período, não
significaria necessariamente abraçar a causa do Mestre.
Julgamos admissível que esta ponderação de situações, bem como as tomadas de decisão, dela
necessariamente decorrentes, ao dividir transversalmente toda uma sociedade, se repercutisse
também no seio de uma ordem de Avis que, no seu todo, como instituição que, neste período
ainda se poderia caracterizar como regendo-se por uma normativa conservadora, e com
interesses vitais a preservar, tinha tudo a recear de um envolvimento directo do seu Mestre neste
conturbado processo, e todas as razões para temer represálias individualizadas em caso de um
admissível insucesso.
É certo que as fontes nos restituem apenas casos isolados e nunca transmitem os contornos e
profundidade das dissidências que fatalmente terão ocorrido. Mas, sopesando tudo o que chegou
até nós, não é possível evitar a constatação de que os comendadores e cavaleiros de Avis, a
exemplo do tecido social de que faziam parte integrante, não terão reagido como um todo coeso,
pelo menos durante uma primeira parte deste longo processo.
Tanto mais que as primeiras acções militares desenvolvidas por Nuno Álvares Pereira, e a
subsequente continuação dos combates, tiveram como teatro de operações territórios e
localidades que pertenciam à jurisdição da ordem, ou delas ficavam muito próximas, como foi o
caso de Estremoz; de Monsaraz, reconquistada graças a um estratagema; de Portel, que se rendeu
ao condestável; ou Vila Viçosa que resistiu permanecendo do lado de Castela até se entregar, já
no rescaldo de Aljubarrota, juntamente com Monforte e Marvão . Ou ainda de Noudar e
Olivença, restituídas à Coroa portuguesa (e decorrentemente à ordem de Avis) na sequência da
trégua de seis anos ratificada por D. João I de Portugal já em 21 de Dezembro de 1389, ocasião
em que, por exemplo, o prior do Hospital permanecia ainda alinhado com Castela.
No caso específico da milícia de Avis, e tratando-se de freires-cavaleiros que integravam uma
complexa cadeia de jurisdições, a questão religiosa, particularmente a conjuntura coeva da igreja,
não pode ser dissociada das problemáticas condicionantes das tomadas de decisão. Por essa razão
devemos procurar, também aí, algumas explicações para o posicionamento da Ordem.
Desde 1378 coexistiam dois papas em confronto: Urbano VI em Roma e Clemente VIII em
Avinhão, apoiado pela França. Em causa um litigio religioso ampliado e fomentado pelas
potências intervenientes na chamada Guerra dos Cem Anos ás quais directamente interessava a
manutenção do cisma.
D. Fernando I de Portugal tergiversou, ao sabor da posição francesa conexa com os
acontecimentos castelhanos, ou das perspectivas de aliança com os ingleses, entre todas as três
hipóteses possíveis: neutralidade, reconhecimento do papa de Avinhão, ou alinhamento com o
pontífice romano .
Mas, uma vez que em Maio de 1381, na catedral de Salamanca D. João I de Castela se decidiu
inequivocamente pelo alinhamento com Clemente VII, a evolução dos acontecimentos viria a
determinar que Portugal optasse pelo pontífice romano.
A cisão religiosa tinha repercussões políticas justificativas da acção do Mestre de Avis uma vez
que as forças da dinastia vizinha dos Trastâmara passavam a ser, cumulativamente, invasoras,
usurpadoras, cismáticas e heréticas. E é conhecido como a coloração religiosa pode contribuir
para extremar os campos e radicalizar as posições.
Ainda nas vésperas da batalha dos Atoleiros há quem se mantenha indeciso mesmo entre aqueles
que se disponibilizam para acompanhar o condestável: é o caso de Estêvão Eanes que, de acordo
com o cronista, se arrepende do oferecimento, mostrando " que mais o fizera por vergonha do
que por vontade de o fazer", e de Gil Fernandes, contra-parente do comendador-mor de Avis .
Outros partidários da facção joanina parecem reconhecíveis, entre as fileiras da milícia de Avis:
Fernão Àlvares, Comendador de Sousel, , Fernão Álvares de Almeida, vedor da casa do Mestre
D. João, Fernão Nunes Homem, Comendador do Casal, testemunha da aclamação de D. João I e
patrão duma galé portuguesa durante o cerco de Lisboa.
Contrastando com o alinhamento precoce do Mestre da Ordem de Cristo, D. Lopo Dias de Sousa,
que nessa arrancada inicial, e combatendo pelo ainda Mestre de Avis, já havia tomado Ourém
quando foi derrotado e levado para Santarém como prisioneiro uma facção, de que é exemplo
mais vincadamente saliente o comendador-mor Vasco Porcalho, passou-se para a facção do rei de
Castela no Outono de 1384. Permanecem para nós obscuras as hesitações tanto deste
Comendador-mór, como do seu Mestre D. João em relação a ele, apenas explicáveis tendo em
atenção a falta de linearidade dos percursos políticos (e pessoais) de ambos, numa época de
escolhas difíceis. Nestes períodos, ditos revolucionários, o vale cavado pela história onde correm
os eventos estreita-se e quebra-se de rápidos numa aceleração tumultuosa.
Em 19 de Julho de 1383, este mesmo Vasco Porcalho, estando em Vila Viçosa, testemunhou a
procuração passada pelo respectivo concelho para se jurar D. Beatriz como herdeira do trono
português, o que parece natural já que o seu Mestre havia dado pressurosamente o exemplo, e a
opção sustentava-se não apenas em fundamentação jurídica mas também conveniências
implícitas. Mas ainda não tinha decorrido um ano, em 22 de Março de 1384, Vasco Porcalho,
estando em Fronteira, fora reunir-se com Nun’Álvares Pereira após a batalha dos Atoleiros A
fazer fé em Fernão Lopes em 22 de Abril de 1384 a facção do Mestre de Avis ainda confiava na
sua lealdade, pois o havia nomeado Alcaide-mór de Vila Viçosa em substituição de Garcia Peres
do Campo, tendo-lhe sido doadas as rendas e direitos daquela localidade para manutenção das
gentes com que servia na guerra. Mas, julgamos que pouco depois, Pêro Rodrigues e Álvaro
Coitado, acusavam-no de manter contactos com Pêro Rodrigues da Fonseca, afastando-o da vila.
Não obstante, era ainda confirmado pelo Mestre como Alcaide-mór da antedita vila.
Confessamos a nossa perplexidade perante o episódio seguinte uma vez que, se a cronologia de
Fernão Lopes estiver inteiramente ajustada aos factos, em data posterior àquela em que o
Comendador-mór tinha sido objecto de explícitas acusações de traição por parte dos supracitados
Pêro Rodrigues e Álvaro Coitado, o cronista refere Vasco Porcalho, desta feita como compadre
deste último Álvaro, que acabaria por fazer juz ao apelido, uma vez que o Comendador-mór de
Avis teria escolhido a cerimónia de baptismo dum filho deste para o prender, e tomar
publicamente voz por Castela . Vasco Porcalho acabaria por ser novamente confirmado como
Alcaide-mór de Vila Viçosa, mas desta feita por D. João, rei de Castela, organizando uma
expedição contra o Alandroal, onde existia uma fortaleza da Ordem de Avis que albergava um
depósito de material de guerra cujas existências em equipamento militar tivemos ensejo de
referira a propósito do tombo (parcial) de bens da Ordem iniciado em 1364. A reacção do Mestre
de Avis terá sido rápida desta vez pois, em 9 de Outubro desse ano de 1384 o monarca doava a
Afonso Furtado, seu capitão do mar, uma quintã no Lumiar que Vasco Porcalho trazia da Coroa,
como teremos ensejo de referir adiante, na biografia deste genearca dos Furtado de Mendonça
portugueses.
Outros, como um Afonso Eanes, que FONSECA admite que possa identificar-se como sendo o
comendador de Oriz, "discursando em pleno Alentejo na qualidade de delegado do Mestre em
Fevereiro de 1384, embora acusando a rainha de querer matar o Mestre e extinguir a
descendência de D. Pedro I, tem palavras elogiosas para os infantes D. João e D. Dinis de Castro.
Arenga bicéfala que suscita adesões entre os cavaleiros mais idosos.
E, finalmente, a completar o leque de posições, encontravam-se os parciais do Mestre. Alguns de
inteira e indefectível confiança, como era o caso do, tantas vezes referido escudeiro Lourenço
Martins (de Avelar), vedor do Mestrado, que inclusivamente se terá oferecido para matar Vasco
Porcalho, e seguramente contribuiu para arrecadar o avultadíssimo subsídio que saiu "dos cofres"
do Convento de Avis, e será nomeado tesoureiro-mór do reino depois de ter assumido a encargo
espinhoso da alcaide de Leiria. Vasco Lourenço, criado do rei e seu meirinho-mor , que era filho
de Frei Lourenço, freire da Ordem de Avis e prior do Alandroal, e de Maria Esteves, mulher
solteira.
Ou ainda o antigo colaborador do Mestre, e recém-nomeado comendador-mor de Avis, Fernão
Rodrigues de Sequeira . Não obstante o acréscimo de informação resultante do levantamento dos
Comendadores e Mestres da Ordem de Avis, entre 1330 e 1449, que foi recentemente efectuado
por OLIVEIRA, já após a conclusão deste capítulo, permanece ainda por realizar – e as fontes
disponíveis irão dificultar esse trabalho - um eventual levantamento prosopográfico dos
cavaleiros de Avis existentes nas duas últimas décadas de Trezentos que permita evidenciar mais
circunstanciadamente as cesuras internas da ordem ocasionadas pela crise despoletada em 1383.
Mas, desde já, e com os dados disponíveis, algumas evidências parecem difíceis de alterar.
A ordem de Avis, actuando como um todo coeso e hierarquicamente estruturado, não surge
referenciada como uma força autónoma à qual tenham sido atribuídas missões militares
específicas ou objectivos precisos e concretos no quadro da crise de finais de Trezentos.
Nem sequer a sua tradicional vocação de garantir uma linha de praças-fortes susceptível de
assegurar que a fronteira setentrional e os acessos a Santarém e Lisboa permanecessem
inviolados foi cumprida de modo sustentado e coerente.
Fracturada a sua cadeia de filiações e ligações de natureza religiosa, e temporariamente desligada
de um vínculo inequívoco com uma dinastia, viu reflectidas no seu seio as fracturas que
atomizaram toda a sociedade envolvente.
O seu Mestre, D. João, que acedera ao mestrado de uma milícia fragilizada contando cerca de
sete anos, e atingiria os 21 na década de oitenta, a escassos três anos da eclosão duma crise
nacional que protagonizaria, e na qual se encontrava mergulhado desde há anos atrás, não dispôs
do tempo necessário, nem das circunstâncias adequadas à sedimentação de solidariedades
inabaláveis nem tivera ensejo de impor uma liderança incontestada e claramente direccionada.
Num dos períodos mais cruciais da "revolução", quando, na sequência das cortes de Coimbra de
1385, o recém-sufragado rei se viu confrontado com a necessidade de se substituir no Mestrado
de Avis a sua escolha, é certo que condicionada por factores que a ela não respeitavam
directamente, não se dirigiu imediata e naturalmente a uma solução interna.
O que poderia ter sucedido se contasse à partida com o apoio inequívoco de uma facção coesa e
fiável a respaldar a sua escolha, efectuada entre um número de candidatos susceptíveis de reunir
consensos alargados.
O seu primeiro intento, embora enquadrado numa política de recompensa de serviços e captação
de fidelidades foi confiar o Mestrado a Mem Rodrigues de Vasconcelos (ao qual devia
importantes apoios militares).
Mas as directrizes da normativa colocavam na pessoa do Comendador-mor, que, como
assinalámos, era na altura Fernão Rodrigues de Sequeira, a responsabilidade das providências a
tomar para que fosse escolhido um novo Mestre . Como admite PIMENTA, "… terá sido o
próprio D. Fernão Rodrigues de Sequeira a convocar a reunião que conduziria à sua eleição " .
Muitos dos procedimentos deste processo são conhecidos , tal como se conhece o teor das
relações que o novo Mestre mantivera com o - agora rei - desde o período antecedente a 1383-
1385, e continuaria a manter no decurso de uma convivência que se prolongou por 46 anos.
Razões que nos movem a admitir que tivesse existido qualquer tipo de acordo prévio entre
ambos. Este acordo, sobre o qual depreendemos que o monarca tivesse "devolvido" a iniciativa à
ordem, auto colocando-se perante um alegado "facto consumado" que formalmente o desligaria
da promessa feita a Mem Rodrigues, pressupunha reconhecer que Fernão de Sequeira teria já
capacidade para conduzir, e levar a bom termo, um processo eleitoral cujo desfecho coincidisse
com os interesses da Coroa, e talvez com as suas próprias expectativas.
O estratagema, se de facto existiu, não parece ter convencido o Vasconcelos que "ficou anojado"
originando um curioso efeito de ricochete. Para compensar o seu fiel seguidor D. João I confiou-
lhe o Mestrado da ordem de Santiago. Desafortunadamente os respectivos freires já tinham eleito
Rui Freire para essa dignidade, o que obrigou o monarca a conseguir a anulação do acto e a
garantir a respectiva confirmação papal, completadas com uma medida compensatória que
consistiu na entrega a Rui Freire das rendas de Palmela e a comenda de Arruda .
Não foi fácil, nem pacífica, a imposição desta determinação régia, registando-se resistências,
como o parece comprovar o conteúdo de uma carta que, no ano imediato, o rei dirigiu aos
santiaguistas e a Rui Freire, obrigando-os a obedecer a Mem Rodrigues e a respeitarem a sua
bandeira, como haviam feito com os mestres anteriores .
Trata-se de um exemplo claro dos resultados do processo de desagregação interna a que esta
ordem tinha estado sujeita, e que viriam a justificar, em nosso entender, a especial solicitude com
que o monarca se viu obrigado a amparar o Mestre por ele imposto até cerca de 1415.
Podíamos encarar este encadeado de episódios como simples incidentes de um percurso
atribulado, não fora o cumulativo do rocambolesco processo que se seguiu à substituição do prior
do Hospital, Álvaro Gonçalves Camelo. Apesar de haver prometido a Nuno Álvares Pereira que
entregaria o cargo a Lourenço Esteves de Góis (comendador de Vera Cruz de Marmelar) o rei
acabou por o confiar a Fernando Álvares de Almeida (ao tempo aio dos infantes).
O Condestável não aceitou a troca e, após uma acesa disputa, e acabou por forçar uma eleição de
que saiu vitorioso Lourenço Esteves.
Episódios que demonstram, não apenas o quanto os mestrados eram objecto de disputa, como
também as condicionantes que tolhiam o livre arbítrio régio nestas matérias, ao menos durante
um período de consolidação inicial.
A despeito das diferentes obediências das ordens religiosas e das limitações que, aqui e além, nos
vão sendo restituídas pelas fontes, é forçoso constatar que, tanto as guerras com Castela como o
cisma, contribuíram para a "nacionalização" de algumas delas.
Os Franciscanos – particularmente activos no apoio à facção do Mestre primeiro, e do monarca
depois, tinham conseguido separar a Província de Portugal desde 1384. No que respeita aos
Dominicanos a autonomia tardou bastante mais e só se viria a consumar, entre 1416 e 1417, já o
cisma havia terminado. A comunidade dos eremitas de Santo Agostinho que se havia
estabelecido no reino como uma espécie de distrito à parte, governado por um prior geral, apenas
em 1447 se constituiu em Província .
O contexto duplo do conflito com o reino vizinho e a fractura de obediência ao papa criaram as
condições para que as ordens militares portuguesas se conseguissem destacar das suas tutelas
castelhanas seculares.
Eram necessários reajustamentos, bem como reformulações nas cadeias de comando que
assegurassem uma efectiva ligação à nova dinastia, e garantissem o serviço das ordens militares.
Na ordem do Hospital, como tivemos ensejo de verificar, Frei Álvaro Gonçalves Camelo
abandonaria as suas anteriores tergiversações assegurando uma indispensável pacificação interna
da milícia.
Na ordem de Santiago, e após os acidentes de percurso que já referimos, D. João I acabaria por
conseguir fazer prevalecer o seu valido Mem Rodrigues de Vasconcelos.
A ordem de Cristo foi talvez um caso paradigmático uma vez que, sob o Mestrado de D. Lopo
Dias de Sousa, (iniciado ainda durante o reinado de D. Fernando I) se manteve coesa em torno da
causa de D. João I. Foi-lhe atribuído um papel de destaque no projecto de Ceuta, iniciando-se a
dupla estratégia religiosa e militar da freiria que a viria a constituir como parte integrante da
política de expansão marítima.
Muito embora D. João I, ao longo de todo o seu reinado, tivesse mantido – como veremos - uma
estreita ligação e manifestado protecção à sua ordem de origem, praticamente não recrutou de
entre os seus membros quaisquer dos quadros, civis, eclesiásticos ou militares sobre os quais
assentaria o seu aparelho de Estado.
Apenas o velho e constante companheiro, Fernão Rodrigues de Sequeira, manteve um valimento
e assegurou uma confiança de tal ordem que, por ocasião da ausência do rei motivada pela
expedição a Ceuta, o monarca lhe confiou o governo do reino
Á "nova ordem" da dinastia de Avis, salvaguardados raros casos de fidelidade e confiança
pessoais, pouco ficava a dever, em concreto, à ordem de Avis, a não ser ter-lhe cedido o seu
Mestre para reinar!

• A Dinastia de Avis e a Ordem Militar

• A primeira fase do processo de incorporação da Ordem de Avis na coroa portuguesa


– o Infante de Tânger (1434 – 1439)
O Mestre D. Frei Fernão Rodrigues de Sequeira viria a falecer em 31 de Agosto de 1433, apenas
14 dias depois da morte de D. João I. Era sómente o fim de uma geração, visto que uma nova
época para as ordens militares se havia iniciado cerca de três décadas antes, em sintonia com um
processo evolutivo similar que redefinia por toda a Península as relações entre casas reais e estas
milícias.
Com efeito PIMENTA comparando as similitudes de percurso e consequências dos mestrados de
Mem Rodrigues de Vasconcelos e D. Frei Fernão Rodrigues de Sequeira, ambos escolhidos por
D. João I nas circunstâncias difíceis que anteriormente abordamos, os dois objecto da
preferencial atenção do monarca, e os dois últimos responsáveis pelo governo das ordens
militares de Santiago e Avis que não pertenciam à família real, deixa a interrogação "se não nos
encontraremos perante um quadro antecipador, uma espécie de ensaio geral da situação
ulterior".
Esta questão obriga-nos a tentar situar, ao menos aproximativamente, a época em que começa a
tornar-se perceptível o desígnio régio de passar a uma nova fase do controlo da Coroa sobre estas
duas ordens em geral, visto que apenas o invulgarmente longo mestrado de D. Frei Fernão
Rodrigues terá "atrasado" a aplicação do mesmo modelo à milícia de Avis.
Regressemos pois a um período antecedente ao ano de 1415.
Perante a constante ameaça de guerra por parte de Castela, e confrontado com um corte que
dividia transversalmente a sociedade portuguesa D. João I cedo verificou a necessidade de
praticar uma política de captação de fidelidades que permitisse consolidar um "partido" cuja
instável volatilidade vinha a constituir um risco permanente. O novo soberano teve de confiar em
apaniguados cuja adesão fiável passava pela concessão de extensos senhorios, mercês avulsas e
vários tipos de privilégios. E não parece de excluir que durante essa fase inicial do seu reinado o
rei se tenha sentido genuinamente agradecido em relação aos homens a quem devia o trono,
como expressamente reconhecia na "introdução justificativa" de algumas mercês que tivemos
oportunidade de referir.
Como seria de esperar, o governante cedo se viu confrontado com a necessidade de arrepiar
caminho, tentando recuperar quanto fosse possível de um património que as circunstâncias
tinham levado o pretendente a dispersar.
Logo nas cortes de Évora, em Abril de 1408 aproveitou o pretexto que lhe oferecia a necessidade
de organizar as casas senhoriais dos filhos mais velhos (o primogénito, D. Duarte, contava 17
anos) para lançar mão a algumas dessas terras, outorgadas, por via de regra, de juro e herdade e
sem as precauções que viriam a estar consignadas na Lei Mental, promulgada apenas por D.
Duarte mas há muito projectada pelo "rei da Boa Memória".
Rapidamente, em Agosto desse ano, o rei chegou a acordo com o Condestável D. Nuno Álvares
Pereira de quem recebeu terras ao redor de Coimbra " muy cumpridouras, mays que as outras
rendas e lugares que lhe nos per ello damos no dicto scambho, que som muy spalhadas e incritas
e em comarcas perijgosas em guerra e em outros mesteres . E em seguida utilizou um
procedimento semelhante com o seu escrivão da puridade, Gonçalo Lourenço, libertando assim
amplas zonas de território contínuo em comarcas que geograficamente se encontravam afastadas
dos lugares fronteiriços .
Se os territórios de Coimbra serviram para erigir um ducado em favor do secundogénito D.
Pedro, para o infante D. Henrique foi necessário organizar-lhe a Casa Senhorial de modo mais
disperso em torno de Lamego Guarda e Viseu. Esta fase do processo ficou concluída em 7 de
Abril de 1411 ficando este último infante desde logo senhor de uma boa parte da comarca da
Beira.
Ora, nesse preciso ano de 1411, estando D. João I a desenvolver o processo de recuperação
patrimonial a que temos vindo a aludir, o papa João XXIII veio determinar que ás ordens
militares incumbia cooperarem com o monarca em todas as "guerras justas". Admitimos que esta
explicitação sobre o papel a desempenhar pelas milícias possa ter auxiliado o rei a conceber um
plano de missão a atribuir no futuro a cada uma das ordens militares, no quadro dos objectivos da
monarquia.
O mestre de Santiago, Mem Rodrigues de Vasconcelos viria a morrer cerca de 1415 e o governo
da ordem ficará vago durante algum tempo, o que se compreende tomando em consideração que
essa vacatura terá coincidido durante os preparativos finais (ou mesmo durante) da expedição a
Ceuta. Expedição que – recorde-se – deu azo a que, na ausência do monarca o governo do reino
tivesse ficado entregue ao Mestre de Avis D. Frei Fernão Rodrigues.
Mas, significativamente, temos conhecimento, através de uma carta régia de 18 de Fevereiro de
1416, que quem administra as rendas da milícia durante este interregno é o regedor e governador
da ordem de Cristo o infante D. Henrique, e que estas são destinadas à recém-conquistada praça
de Ceuta.
No ano da morte do mestre Vasconcelos o infante D. João, que lhe viria a suceder no governo da
milícia santiaguista, contaria apenas 15 anos e o monarca seu pai, se entendeu que era prematuro
integra-lo no corpo expedicionário que partia para o norte de África (razão pela qual o deixou
entregue à tutela do vedor da fazenda Álvaro Gonçalves de Freitas) e teria sobejas razões para
considerar que não era ainda tempo de encetar as diligências que culminariam com a sua
ascensão ao governo desta ordem militar.
Mas já em 1418, o monarca, alegando o desgoverno económico-financeiro dos mestres das
ordens militares, envia ao papa Martinho V uma súplica em que solicita o governo de Santiago
para o seu filho, o infante D. João.
Num contexto, e com pretextos diversos dos utilizáveis em 1387, perante a necessidade urgente
de prover o governo duma ordem militar (naquele caso a de Avis), recorria-se agora outra vez
directamente a Roma para preencher a vacatura ocasionada pela morte do mestre Mem
Rodrigues de Vasconcelos.
Mas desta feita não para ultrapassar a dependência castelhana, e com o intuito de obter
confirmação dos resultados de um acto eleitoral, mas sim com o objectivo explícito de prescindir
dele.
Certamente consciente de que o seu pedido violava as regras de eleição dos mestres da milícia –
e também do teor da "pedagogia" expendida sobre as necessidades da expansão que, muito
embora incorporassem uma vertente do programa global de defesa do mundo cristão, deixavam
entrever a prossecução da política africana da monarquia portuguesa - D. João I não solicitou
para o filho o cargo de "Mestre" - apenas uma nomeação como mero delegado do poder real.
E, efectivamente, na sua anuência, o papa utilizaria o termo "Administratori" em vez de
"Magister" e determinaria que os rendimentos da ordem deveriam ser integralmente aplicados na
cruzada do Norte de África.
Esta medida cautelar revelava que a Santa Sé teria consciência de que o rei poderia vir a dar
destino diverso aos bens de Santiago e tentava garantir que esta ordem militar permanecesse
primacialmente empenhada num tipo de missão que decorresse e se integrasse na sua vocação
fundacional.
Compreensivelmente, o infante D. João, ao longo de um esforço para se libertar de uma pesada
interferência real, viria a procurar exercer funções de Mestre. Para tanto necessitava da
representatividade legítima de uma eleição. Não a tendo, recorreu ao expediente de se fazer
passar uma procuração de poder pelos Treze que, deste modo, assinaram em 1422 a sua própria
sentença. O processo repetir-se-ia com o infante D. Fernando, mas noutro quadro e com
resultados diversos.
O interesse da Coroa não coincidia necessariamente com os interesses destes novos
governadores das ordens militares. O plano concebido pelo carismático rei de "Boa Memória" no
quadro virtual de uma "Ínclita Geração" que nunca logrou a desejada coexistência pacífica entre
os seus membros, e muito menos uma unânime aceitação do "programa dinástico", esbarrava na
interpretação particular dos seus designados executores.
Em 1434, após um processo comparativamente célere que beneficiou dos precedentes
acumulados, o mestrado de Avis viria a ser confiado ao infante D. Fernando.
No curto espaço de cerca de 20 anos as três principais ordens militares portuguesas reuniam-se
nas mãos dos filhos de D. João I. Como observou PIMENTA "não teria sido com certeza difícil a
D. João I e a D. Duarte, respectivamente em 1418 ou mais tarde em 1434, encontrar duas
personagens dos seus círculos mais próximos de relacionamento para liderar os destinos destas
instituições. Não o fizeram. Optaram pela família, pelos Infantes. Ao proceder desta forma,
sublinha-se a importância da relação familiar, perante a qual seria quase impossível antever
infidelidades ".
Contrariamente à imagem estereotipada que nos transmitiu uma determinada historiografia
descendente do panegírico brilhante da cronística e do retrato ético e programático traçado pelo
próprio D. Duarte, foram inquestionavelmente vincadas as divergências entre os filhos de D.
João I. E talvez não seja de todo especulativo admitir que esse clima de discórdia fosse
perceptível desde 1417, pelo menos no atinente ao infante D. Pedro, duque de Coimbra, que
tendo deixado Portugal num clima de tensão com o monarca seu pai, veio a aceitar a elevação a
Markgraf de Treviso, "senhorio" que lhe foi concedido em 1418 por Segismundo rei da Hungria.
Estamos em crer que o programa joanino em relação ao governo "familiar" das ordens militares
possa não se ter ficado a dever tanto a uma hipotética fidelidade garantida pelo bom
entendimento entre os infantes e subsequente colaboração com a Coroa, mas antes a uma
tentativa de atenuar as razões de desacordos previsíveis.
Acresce que a fórmula anterior, pelo menos durante o período joanino, parece ter-se revelado
adequada, tanto numa perspectiva da manutenção de um simples status quo, como na óptica da
preparação de uma nova fase ulterior
Tendo-se verificado uma alteração radical na titularidade do governo das ordens militares, ela
não terá ficado a dever-se à falência do modelo anterior de coexistência com a Coroa. Mas antes,
estamos em crer, à prossecução de três ordens de objectivos adiante enunciados, dentro de um
quadro conjuntural onde avultavam a pacificação interna do reino, a legitimação da nova
dinastia, finalmente aceite e reconhecida no plano internacional, e a conquista de Ceuta
coincidindo com a emergência da ameaça turca, circunstâncias que viabilizavam a anuência da
Santa Sé, bem como uma pacífica aceitação por parte das instituições visadas.
Propomos que essa situação constituísse o culminar de um processo desenvolvido
intencionalmente desde finais da primeira década de Quatrocentos com um triplo objectivo:

1. Colocar as ordens militares sob um ainda mais próximo controlo da Coroa: se, pelo menos
desde o reinado de D. Dinis, os monarcas tinham geralmente conseguido impor como mestres
personagens cujos comportamentos apontavam para uma inequívoca fidelidade ao rei, o monarca
saído da ordem de Avis iria consagrar a prática da designação dos governadores das ordens
militares como teóricos alter egos.
2. Redefinir o projecto funcional dessas mesmas ordens no quadro do programa da coroa. Cristo
e Santiago terão um papel (distinto) a desempenhar na expansão atlântica, Avis permanecerá
como uma instituição puramente "continental".

3. Dotar os infantes com o usufruto de uma influência, propriedades e rendas que o acanhado do
reino e situação do património régio dificilmente proporcionaria noutras circunstâncias.
A prossecução destes três desideratos desde o final da primeira década de Quatrocentos ajudaria a
explicar o relacionamento entre o rei e as ordens militares que caracteriza o período joanino, e o
vigor com que a monarquia se opôs em 1436 e 1437 à pretensão castelhana de repristinar o direito
de visita de Santiago e Calatrava sobre as suas congéneres portuguesas .
Como que a desmentir a interpretação que via na elevação dos filhos de D. João I ao governo das
ordens militares uma garantia de "fidelidade acrescida", aos conflitos entre os infantes da Ínclita
Geração – a que já aludimos – desde muito cedo se vieram somar tensões verificadas entre o
monarca e o seu filho D. João, que governava a ordem de Santiago.
Este infante que, por hipótese, não teria do cargo uma neutra visão de Estado que o colocaria na
posição de mero delegado régio, reagia ao controlo apertado a que o monarca seu pai entendia
submeter a ordem. E logo que ascendeu o cargo procurou libertar-se da interferência real,
assumindo-se como mestre da milícia. Em 1422, embora cumprindo uma prática usual nos seus
antecessores, dirigiu uma carta ao papa Martinho V pedindo-lhe que reconhecesse que a ordem e
os seus membros e todos os seus bens móveis e imóveis eram matéria eclesiástica e, por essa
razão dependiam exclusivamente da igreja. Donde resultaria que ninguém, exceptuando a própria
hierarquia da milícia, poderia interferir civil ou criminalmente nela. Na prática, este desiderato
colocaria a instituição fora do alcance de todo e qualquer poder laico que a pretendesse submeter
à sua jurisdição.
Mas, como já tivemos ocasião de aflorar, entende BARBOSA que "reconhecido este privilégio
pela Santa Sé, punha-se a este infante um outro problema do foro interno da ordem, e que
decorria do próprio conceito do cargo de administrador ".
Com efeito os mestres, por inerência da função, representavam as ordens e respondiam por elas,
tendo jurisdição social, espiritual, militar e política sobre a globalidade dos seus membros. O seu
poder era apenas limitado pela Norma à qual os próprios se encontravam sujeitos.
Mas esta jurisdição e prerrogativas eram-lhes conferidas pelos Treze no acto da eleição.
Mas, no seu caso, como no caso dos outros infantes a quem fora confiado o governo das ordens
militares, o acto eleitoral interno fora substituído por provisão e, na prática, o cargo de mestre
havia sido intencionalmente abolido, situação que os freires se tinham visto compelidos a aceitar
por imposição regia. Acrescendo que os infantes providos não eram cavaleiros professos, o que
implicava que o poder interno tinha passado a ser exercido por laicos que, de acordo com o
programa joanino, funcionariam como meros delegados de um poder exterior ás estruturas das
ordens.
Esta situação conflituava directamente com o disposto na Regra, e, em tese, feria de
ilegitimidade os novos governadores e administradores.
O infante D. João tinha forçosamente que solucionar esta problemática. E, com efeito, em
capítulo geral realizado em Alcácer do Sal em 1422 os Treze de Santiago viriam a passar – lhe
uma procuração em que eram enumeradas todas as situações em que o Administrador
representava a ordem, e se definiam todas as suas obrigações . Transferiam-se assim para o
infante todos os poderes que eram reconhecidos aos mestres, figura jurisdicional que, através
deste expediente, deixava de ser necessária.
Embora tivesse como objectivo, em última análise, consumar uma convergência entre a figura do
Administrador e a jurisdição e prerrogativas dos mestres este supracitado expediente tinha
repercussões de vária natureza:

1 - Frustrava a situação de mero delegado do poder régio do Administrador, tal como havia sido
delineado no programa joanino, readquirindo-se uma nova forma de autonomia das ordens que
não decorria do exercício do "livre arbítrio" das suas estruturas internas, nem correspondia a uma
margem de manobra adveniente da prossecução de uma missão específica de que a monarquia as
tivesse encarregado.
Mas, por outro lado, constituindo um precedente jurídico, não deixaria de facilitar a vida a
futuros membros da casa real colocados em circunstâncias análogas .
O que veio a verificar-se, logo após a morte deste infante D. João, na sequência das diligências
efectuadas pelo regente D. Pedro junto do papa Eugénio IV em 1442 no sentido de conseguir que
a administração e regência da ordem passasse para o infante D. Fernando, irmão mais novo de D.
Afonso V, e sucessor do Infante D. Henrique. Mas este infante, tal como o seu antecessor,
desenvolveu esforços coroados de sucesso para conservar a ordem de Santiago relativamente
autónoma do poder civil.

2 – Terminava a exclusividade da figura jurisdicional do mestre como detentor dos poderes,


jurisdições e prerrogativas que lhe permitiam representar legitimamente a ordem e responder por
ela. E com efeito, de todos os infantes da casa de Avis que se sucederão no governo das ordens
militares, apenas o Senhor D. Jorge irá repristinar a figura do mestre.
Mas este último era, embora legitimado, um bastardo régio em relação ao qual D. Manuel I
manteve tutela e negou o cumprimento do estipulado no testamento do seu antecessor que lhe
destinava o governo da ordem de Cristo. Parece legítimo que nos interroguemos sobre o facto de
D. Jorge ter sido mestre (o que como já vimos em nada acrescentava ou diminuía a sua
legitimidade e poderes) admitindo que tal escolha (se vier a confirmar-se que não foi da livre
escolha do próprio) pudesse ter constituído uma "diferença" intencional para o distinguir
formalmente dos infantes legítimos, seus antecessores.

3 – Decorrendo da obnubilação da figura do mestre, o respectivo processo eleitoral e o papel


interveniente dos Treze e do convento das milícias, com tudo o que isso representava em termos
de auto-governo (mesmo formal) ficava suspenso, e acabaria por se atenuar.

4 – É forçoso concluir que, mesmo que administrações como a dos infantes D. Henrique e do seu
sucessor D. Fernando (prosseguida pela sua enérgica viúva, D. Beatriz), do príncipe herdeiro D.
João (futuro D. João II) ou a do seu filho, o senhor D. Jorge, se tenham revelado positivas, na
perspectiva de alguns dos interesses do Estado, e mesmo das ordens militares por eles
governadas, a preponderante prossecução dos interesses próprios da maioria dos seus
administradores, nos coloca perante um desvio perverso do programa joanino que não resultou
globalmente, como se esperava, numa maior e pacífica subordinação das milícias à monarquia, e,
em última análise, terá acabado por determinar a incorporação pura e simples das ordens
militares na Coroa.
Parece talvez um pouco incompleto o que observa a este respeito BARBOSA, embora referindo-
se exclusivamente à ordem de Santiago e ao mestrado de D. Jorge (análise que, em boa verdade,
poderia ser extrapolada para a ordem de Avis):"A última administração da Ordem, antes da sua
anexação definitiva à coroa por D. João III, foi marcada por uma tentativa de reestruturação
interna baseada nas normas tradicionais. Curiosamente, D. Jorge, apesar de nomeado, usou o
título de Mestre e comportou-se como tal. Redigiu estatutos e reformou costumes, mas nada
disso alterou o destino da Ordem". Acrescentaríamos que esta análise, parcialmente ajustada à
realidade, omite todavia que esta trajectória se ficou a dever à falência da fase intercalar contida
no programa joanino.
O tempo dos infantes não coincidiu com um governo de simples delegados do poder régio que
tivessem redefinido e reajustado em tempo útil o projecto funcional das ordens militares no
quadro dos grandes objectivos programáticos da monarquia portuguesa.
Mas antes num retrocesso anacrónico em que estes "grandes senhores do reino" prosseguiram
estratégias próprias e familiares que no geral eram diversos daqueles que decorreriam de uma
clara subordinação a uma "visão de Estado".
Esta situação comprova-se, em nosso entender, na incapacidade de D. Afonso V fazer confirmar
em sede própria a confiscação do governo do Mestrado de Avis ao Condestável D. Pedro, filho
do Regente Duque de Coimbra. Situação que terá induzido, como veremos, o Infante D.
Henrique a quem o rei tinha confiado a Ordem de Avis, a encontrar uma "saída airosa" para essa
situação, rogando ao monarca a sua "devolução" a D. Pedro, o que efectivamente veio a suceder.
E, decorrendo desta constatação, e das suas consequências, a anexação chegou demasiado tarde
para que as ordens militares pudessem conservar qualquer veleidade de autonomia
correspondente a uma drástica actualização das respectivas estruturas em função de uma missão
específica de que tivessem sido oportunamente incumbidas. A monarquia tentará ainda, e terá um
sucesso parcial, reorientar estas instituições, mas já no âmbito de uma conjuntura mais tardia e
que transcende os limites deste período.
Esta nossa proposta, parcialmente coincidente com a supracitada posição de Isabel Lago
Barbosa, não é no entanto perfilhada por PIMENTA, estamos em crer por razões que se prendem
com o enfoque diverso que esta autora privilegiou. Tendo analisado os fundos da ordem que
integram diplomas do longo mestrado de 24 anos deste infante (o "mais velho de entre os filhos
mais novos de D. João I", esta historiadora compilou documentação essencialmente constituída
por prazos, sentenças reguladoras do alcance jurisdicional da instituição e as tradicionais cartas
de privilégio concedidas pelos monarcas. E, deste acervo documental, em quase tudo semelhante
ao de outros mestrados, concluiu pela normalidade que teria norteado a actuação deste
governador.
Reforça ainda essa sua convicção constatando que (não obstante o percurso acima evidenciado) o
futuro Regente continuou a usufruir da mercê do pai, e depois do irmão D. Duarte, e que na fase
derradeira do seu governo da ordem, o infante D. João terá dado provas de uma grande
aproximação em relação a posições da regência do seu irmão D. Pedro.
Destas considerações retira que, se esta normalidade se não tivesse verificado, "não se tinha
mantido a política de entregar os mestrados a membros da família real, o que, como se sabe, foi
a opção tomada ao longo de todo o século XV".
Com o cativeiro do infante em Africa, em resultado do frustrado ataque Tânger, a administração
da ordem foi entregue ao infante D. Pedro, segundo notícia de Novembro de 1438, talvez pela
mesma ordem de razões que determinara que fosse o infante Fernando a administrar os seus bens
quando D. Pedro se ausentara do reino. As responsabilidades que este assumiria, pouco depois,
na regência do reino, determinaram que o governo do Mestrado fosse entregue ao infante João
em data que se ignora, mas anterior a Junho de 1441. São escassos os testemunhos dessa
administração, a qual não se exerceria, de resto, por muito tempo, dada a morte do infante em
Outubro de 1442. Pouco mais sobreviveria o governador titular, o infante D. Fernando, falecido
em Junho do ano seguinte, ficando assim vago o Mestrado da Ordem de Avis.
Ora, numa perspectiva política, teremos ensejo de ver que, pelo menos, tanto a estreita
colaboração do Infante D. João (em funções no governo da Ordem desde 1418) à testa da milícia
de Santiago, como o futuro provimento do Condestável D. Pedro no governo da Ordem de Avis,
se inscrevem já no quadro peculiar da regência do infante D. Pedro, e têm forçosamente que ser
analisadas à luz das circunstâncias específicas desse período, o que em nosso, entender poderia,
em tese, autorizar uma abordagem que até certo ponto divergiria da supracitada argumentação.
A ruptura com o ciclo político joanino poderia situar-se, no plano simbólico, com o desrespeito
de um dos pontos capitais do testamento de D. Duarte no qual se estipulava que sua mulher, a
rainha D. Leonor de Aragão, "ficasse in sólido como testamenteira e regente" até à maioridade
de D. Afonso V. Julgamos depreender que assim o terá subentendido FONSECA que, ao
proceder a uma minuciosa análise das diferentes fases do "ciclo de Alfarrobeira" constata o novo
equilíbrio de forças que se foi estabelecendo no seio da Ínclita Geração. Julgamos ser na esteira
deste último historiador que constataremos que o período da regência, embora não tenha
acarretado nem uma travagem nem um cancelamento da política de expansão iniciada em Ceuta,
implicou uma rotação das prioridades da diplomacia portuguesa e ficou marcado por uma série
de alianças internas em termos de conquista e manutenção do poder, bem como de sucessivos
alinhamentos efectuados dentro de uma lógica peninsular necessariamente distinta do contexto
que caracterizou o período durante o qual D. João I teria concebido o projecto relativo ás ordens
militares portuguesas.
A normalidade detectada por PIMENTA, bem como a sobrevivência da prática da entrega de
mestrados a membros da família real existiram de facto, mas integradas, e ao serviço de uma
nova – e profundamente diversa - orientação política, que não julgamos possa ser considerada o
normal prolongamento lógico das grandes orientações da política joanina.
Esse ciclo longo, cujas consequências se prolongaram pelo governo do Africano, determinou que
a Ordem de Avis, secularmente vocacionada para a organização e defesa de uma zona-tampão
destinada a vedar os itinerários de invasão do território que passavam pelo Alto Alentejo, se
visse, pela única vez na sua vida como instituição, "arrastada" para um tipo de missão que lhe era
estranha: o empenhamento num conflito internacional que decorria na "fachada mediterrânica"
da Península.
E se é certo que o Príncipe Perfeito caucionou a prática, tornada consuetudinária, da sucessão de
membros da família real à testa dos mestrados, é difícil ignorar que, num primeiro tempo, herdou
uma situação que o próprio desvirtuar do "plano joanino" tornava especialmente ameaçadora
para a coroa, vendo-se obrigado a corrigi-la drasticamente num segundo tempo. São, do nosso
ponto de vista, menos evidentes as razões que o moveram a retomar a prática da sucessão nos
mestrados na pessoa dum príncipe-herdeiro sobre cuja capacidade como governante viria a
manifestar, como será referido adiante, as maiores reservas póstumas. Mas em contrapartida,
uma vez ponderadas a razões que na prática o impediram de fazer suceder no trono o senhor D.
Jorge, retirou da sua própria experiência a convicção de que a melhor maneira de o proteger após
a sua morte, criando em simultâneo um contrapeso à previsível hegemonia dos Bragança/Beja,
consistiria em concentrar nas suas mãos a maioria do poder representado pelas ordens militares.
D. Manuel I disso teve perfeita consciência ao eximir-se de cumprir na íntegra o testamento do
seu antecessor.
Descendo do geral ao particular regressemos à ordem militar de Avis. Verificámos já as
circunstâncias em que o infante D. João ascendeu, em 1418, ao governo da ordem militar de
Santiago, e como a morte do mestre D. Fernão Rodrigues de Sequeira, ocorrida pouco depois da
do próprio D. João I, determinou que a vacatura do mestrado de Avis apenas se tenha verificado
no Verão de 1433.
Contrastando com o longo e, quanto a nós, subversivo, governo do irmão que durante 24 anos
administrou a milícia de Santiago, o "infante Santo" (1402-1443) terá apenas permanecido à
frente da milícia de Avis entre 1434 e 1443, embora apenas formalmente desde 1437, ano em que
este infante inicia o seu cativeiro em Fez, no Norte de África .
O Infante D. Fernando foi nomeado regedor e governador do Mestrado de Avis pela Bula Sincere
deuotionis de 9 de Setembro de 1434, emitida pela chancelaria do pontífice Eugénio IV. Como
observou OLIVEIRA, na esteira de outros, "a negociação desta bula não foi uma tarefa fácil e
obrigou mesmo a o compromisso de utilização de navios da coroa e de um dos irmãos do
monarca num projecto de cruzada inspirado por Roma". Aquele primeiro autor reconhece que
ignoramos a natureza da argumentação desenvolvida na súplica, bem como o teor das objeções
que terão sido levantadas pela Santa Sé, uma vez que o conhecimento deste processo repousa
apenas nos relatos epistolares que fr. Gomes, abade de Florença, endereçou ao rei e ao próprio
Infante D. Fernando nos começos de 1435. Nós, pessoalmente, interpretamos estas
condicionantes no quadro da política de um maior envolvimento das ordens militares
portuguesas no conflito com os otomanos que vinha a ser prosseguida pela Santa Sé.Terá ido
igualmente no começo desse ano de 1435 que D. Fernando iniciou o seu governo do Mestrado.
Meses decorridos, em Agosto, conhecem-se duas confirmações de privilégios a um comendador
e ao Comendador Mor, a nomeação de um Chaveiro e uma sentença pela qual se regulamentava
o pastoreio do gado na comenda de Coruche.
Dois anos apenas tinham decorrido sobre o provimento de D. Fernando quando, em Julho de
1436, o mestre de Calatrava dirigiu uma súplica ao papa Eugénio IV solicitando a repristinação
do direito de visita ás ordens de Alcântara, Avis e Montesa .
Esta diligência da ordem castelhana não visava exclusivamente a milícia de Avis e inscrevia-se
numa tentativa de retoma de prerrogativas que, por razões diversas, directa ou indirectamente
ligados ao longo período de conturbação que Castela tinha vindo a atravessar, haviam deixado de
ser exercidas. Mas, no atinente ao reino português, como assinala PIMENTA, o acordo de paz
celebrado entre as duas monarquias em 1431, poderá ter dado azo a uma interpretação de acordo
com o qual os calatravenhos julgassem oportuno recuperar o, de há muito disputado, status quo,
que teria vigorado antes de 1383.
Essa repristinação era politicamente inaceitável na nova conjuntura portuguesa, e estribava-se em
sucessivos diplomas papais que, primeiro, haviam autorizado a dispensa da confirmação
castelhana do mestre de Avis, e depois dando directo provimento ao novo governador, avocando
não apenas a tutela de Calatrava, mas também, de certo modo, as competências e prerrogativas
dos órgãos internos da ordem, acedendo a solicitação dos soberanos portugueses.
Na prática esta problemática transcendia a ordem militar de Avis, inscrevendo-se no quadro
diplomático das relações entre a Santa Sé e a monarquia portuguesa respeitantes ás ordens
militares o que – como reconhece PIMENTA – justificaria amplamente que D. Duarte tomasse
em mãos a condução desta matéria.
Esta autora admite, embora a mero título de hipótese, que as sucessivas diligências
desenvolvidas por esta ocasião pelo infante D. Fernando no sentido de participar no processo de
expansão portuguesa no Norte de África, pudesse constituir " a melhor resposta que poderia ser
dada pela Ordem e pelo seu máximo responsável, ás pretensões dos calatravenhos".
Com efeito uma parte da, já referida, argumentação desenvolvida por D. João I para justificar o
provimento dos infantes como governadores das ordens militares, na sequência de bula de João
XXIII que as autorizava a participar em "guerras justas", bem como a afectação dos rendimentos
da ordem de Santiago à praça de Ceuta durante o período intermédio em que o infante D.
Henrique administrou aquela milícia, bem como as preocupações da Santa Sé com a ameaça
turca, poderão indiciar que as movimentações do governador da ordem de Avis no sentido de
participar em expedições ás praças norte-africanas tivessem, entre outras motivações, o intuito de
inscrever Avis no quadro da expansão portuguesa, justificando a singularidade de uma situação e
o corte com a tutela de Calatrava.
Se, de facto, esse desiderato existiu, o desastre de Tânger não terá conseguido inflectir o destino
continental da milícia de Avis e redundou numa situação ambígua em que o seu mestrado,
embora nominalmente ocupado, seria de facto exercido pelo infante D. João, mestre de Santiago,
e após a morte de D. Duarte, pelo infante D. Pedro que, por ocasião da sua entrada em Lisboa,
em 31 de Outubro de 1439, foi instalado pelo infante D. João e notáveis ulissiponenses nas casas
do mestre de Avis, junto à Sé de Lisboa .
3.2. O Regente D. Pedro e o Condestável, duas trajectórias peninsulares. A Ordem de Avis
como instrumento das políticas externas. (1439-1466).
D. Pedro continuaria a governar a ordem de Avis sendo já Regente do reino . A sua confiança no
irmão mestre de Santiago, apoiante da primeira hora (provavelmente extensiva à milícia de Avis,
como o parecem demonstrar os acontecimentos subsequentes), evidencia-se na conjuntura crítica
provocada pela fuga de Santarém para Almeirim e Crato da rainha viúva D. Leonor, quando era
admissível uma invasão organizada pelos infantes de Aragão, com a investidura do infante D.
João, Condestável do reino, como fronteiro da comarca de Entre-Tejo-e-Guadiana em 9 de Maio
de 1440 .
No final desse mesmo ano a situação agravara-se pelo que o duque de Coimbra deu como
iminente essa mesma invasão, e, em 26 de Dezembro de 1440, partiu de Santarém, dirigindo-se
para Avis.
Precisamente a meio do trajecto entre essas duas localidades, talvez em 27 de Dezembro como
refere MORENO, “encontrou-se com os emissários enviados à Santa Sé que traziam de regresso
a bula que libertava os mestrados de Santiago e Avis da sua subordinação a Calatrava”.
Encerrava-se assim o atrás referido processo, detonado em 1436 pela súplica que o mestre de
Calatrava enviara ao papa Eugénio IV. “De Avis o infante D. Pedro dirigiu-se ao arraial da
ribeira da Seda, também ele montado em terras da ordem de Avis, onde chegou em 29 de
Dezembro para conferenciar com o infante D. João e dar início à sua campanha pessoal contra
os redutos do priorato do Crato”. Mas nesse mesmo dia foi avisado por alguns partidários seus
residentes no Crato de que D. Leonor, receando uma ofensiva das forças do duque de Coimbra,
partira com os seus seguidores para a vila de Albuquerque, em Castela. Outros emissários tinham
sido enviados ao Comendador Mor de Avis, e capitão em Alter do Chão, Garcia Rodrigues de
Sequeira (filho do falecido mestre D. Frei Fernão Rodrigues de Sequeira ) para que viesse
apoderarse da vila do Crato, o que o Comendador Mor executou, enviando recado do sucesso aos
infantes que permaneciam junto a Benavila, ainda em terras de Avis.
Mas se a vila do Crato fora ocupada o castelo resistia ainda e é admissível que cavaleiros da
ordem de Avis integrassem o contingente de 12.000 homens que obteve a sua rendição cerca de
17 de Janeiro de 1401.
Talvez seja relevante para o problema das dúvidas que levantamos sobre uma eventual menor
transparência do comportamento do Comendador Mor de Avis por ocasião da campanha do Crato
constatar que antes das cortes de Évora de 1442 o Regente D. Pedro, que – recorde-se – já havia
nomeado seu irmão, o mestre da ordem de Santiago e Condestável do reino, fronteiro de Entre-
Tejo-e-Guadiana, entendeu que haveria a maior conveniência em nomear fronteiros encarregados
de zonas mais restritas de grande vulnerabilidade. Duas dessas 5 "sub-regiões", Estremoz e
Castelo de Vide, eram terras da ordem de Avis, mas para elas foram designados como fronteiros
respectivamente o conde de Odemira e Vasco Martins de Melo, cavaleiro da Casa Real.
É certo que a extracção social de um, e os serviços de ambos, os avantajariam em relação a
Garcia Rodrigues de Sequeira mas, estamos em crer que neste particular da nomeação destes
fronteiros, o critério da escolha passaria mais pela confiança e "curriculum" militar.
E, é facto, foram nomeados para terras da ordem, fronteiros que a ela não pertenciam.
De facto a ascensão de Garcia Rodrigues de Sequeira a Comendador Mor de Avis, deve ter-se
ficado a dever, não tanto à sua "folha de serviços castrenses", de que não se encontrou rasto nas
fontes, mas à "estratégia familiar" prosseguida pelo mestre seu pai com a anuência implícita do
rei, hipótese que levantámos atrás.
E, no atinente, à confiança que o Regente D. Pedro depositaria no Comendador Mor da ordem
de Avis, o seu comportamento potencialmente ambíguo, no decurso da campanha do Crato
parece confirmado pelo facto de ter feito carreira durante o reinado de D. Afonso V, sublinhando-
se as suspeitas sob a sua fidelidade que a ausência de referências a contributos prestados pela
Ordem de Avis durante os conflitos ulteriores do período da regência permitirá levantar, bem
como a franca hostilidade que, como teremos ocasião de referir, o Condestável D. Pedro lhe
manifestou desde o início do seu governo da Ordem de Avis.
Se estas suspeitas forem encaradas na perspectiva dos interesses da milícia de Avis, tendo
presente que era ao Comendador Mor que caberia, em termos estatutários, governar a ordem na
ausência do mestre ou regedor, e que esta prerrogativa parece ter sido ignorada, existiriam razões
para um distanciamento em relação à facção do infante D. Pedro.
Como parece legítimo que Garcia Rodrigues de Sequeira tivesse optado por uma posição dúplice
entre o poder "de facto" e uma interpretação literal do disposto no testamento de D. Duarte.
A História ensina que, independentemente de considerações éticas, existem apostas políticas
ganhadoras e apostas políticas que, sendo erradas, acarretam consequências indesejáveis, tanto a
nível pessoal como institucional. E não restam dúvidas de que, ao menos a nível pessoal, o
Comendador Mor de Avis adoptou um posicionamento que o favoreceria a médio prazo.
Se outro mérito não tivesse, esta suspeita contribuiria para explicar – mesmo parcialmente, pois
outras razões existiriam – que na sequência da morte do infante D. Fernando em 1443, o Regente
tenha decidido colocar à frente da ordem de Avis o seu próprio filho primogénito.
É certo que FONSECA sublinha que esta escolha se insere na lógica do programa joanino de
designação de membros da Casa Real para administradores das milícias, mas tendo o cuidado de
referir que "determinadas circunstâncias de momento – as lutas internas em Castela, de maneira
geral, e, em particular, o ocorrido com a questão do Prior do Crato em Portugal, e com a
nomeação do mestre de Calatrava em Castela certamente reforçaram o propósito de colocar à
frente das Ordens Militares personalidades da sua confiança".
A ocasião era propícia, no espaço de um ano tinham morrido não apenas o prior do Crato mas
também os administradores das ordens de Avis e Santiago.
Ao que parece o Regente teve alguma dificuldade em conseguir que Henrique de Castro
preenchesse a vaga aberta pelo falecimento de Nuno Gonçalves de Góis, mas aquele acabou por
receber o priorado do Crato por uma bula do papa Eugénio IV datada de Março de 1443. Meses
decorridos, em 19 de Junho, o Regente mandava entregar a Henrique de Castro, fidalgo que fora
da casa do Infante D. Henrique, as fortalezas da Amieira, Crato e Flor da Rosa
Por morte do infante D. João, conselheiro e colaborador do duque de Coimbra, deveria ascender
ao governo de Santiago seu filho D. Diogo (assim o admite FONSECA, citando uma passagem
da CDAV ). Mas colocado perante a morte repentina deste seu sobrinho, ocorrida em começos de
1443, D. Pedro terá iniciado diligências para que este Mestrado viesse a ser entregue a D.
Fernando, o ainda muito jovem irmão de D. Afonso V, que efectivamente o veio a receber por
bula papal de 23 de Maio de 1444.
Note-se que o período durante o qual o Regente D. Pedro terá diligenciado obter o Mestrado de
Santiago para o irmão mais novo do seu régio sobrinho coincide com o reacender da guerra civil
em Castela, seguida com compreensível preocupação pelo duque de Coimbra que, em
1443.10.24., abandonou as terras do seu ducado em direcção a Évora, onde permaneceria até 28
de Abril de 1444.
Esta larga estadia na capital alentejana estava ligada à situação político-militar no reino vizinho
onde D. Lopo Barrientos, Bispo de Ávila, e o Condestável D. Álvaro de Luna discutiam com
vários magnates castelhanos a constituição de uma Liga contra os Infantes de Aragão, enquanto,
do lado oposto, o Infante D. Henrique, secundado pelo Conde de Arcos levavam a cabo uma
campanha militar bem sucedida na Andaluzia .
A celebração das cortes de Évora de 1444 insere-se neste quadro e destina-se fundamentalmente
a preparar a intervenção militar portuguesa de socorro à Andaluzia, uma vez que a organização
de um corpo expedicionário dependia de um indispensável apoio financeiro.
Da cidade de Évora partiu efectivamente uma expedição de socorro constituída por seiscentos
cavaleiros comandados pelo Mestre de Alcântara, D. Gutierre de Sotomaior, que se juntou ás
forças castelhanas determinando o levantamento do cerco de Sevilha uma vez que "O Iffante
dom Emrrique sabida a ajuda dos portugueses a descercou".
O bom êxito da expedição portuguesa permitiu ao Regente D. Pedro - que tivera o cuidado de
enfatizar que o socorro português se tinha realizado a pedido do rei de Castela e com o intuito de
garantir a segurança das fronteiras portuguesas - abandonar o Alentejo em finais de Abril,
regressando a Coimbra, onde se encontrava já em 23 de Maio de 1444.
Data do ano de 1433, no âmbito da conjuntura político-militar acima aflorada, a nomeação de D.
Pedro, primogénito do Regente, para o cargo de Condestável E, no ano seguinte, a sua colocação
à frente da Ordem de Avis, sancionada pelo papa Eugénio IV através da bula Dum atri sanguinis,
de 29 de Março de 1444.
Eventos que, no entender de FONSECA "não constituem dois acontecimentos isolados,
susceptíveis de serem meramente explicados pelo desejo do duque de Coimbra de beneficiar o
seu primogénito, antes devem ser enquadrados num conjunto mais vasto, ao lado de outras
medidas similares tomadas pelo Regente, e relacionadas com as necessidades e interesses
políticos da regência".
Se bem compreendemos concorriam para esta concentração de poder militar nas mãos do filho
mais velho do duque de Coimbra duas ordens de razões e uma oportunidade propícia.
Primeiramente motivos que se prendiam com a conjuntura peninsular, uma vez que era
imperioso evitar a derrota política (e militar) de D. Álvaro de Luna personagem a cujo destino
estava ligado o do próprio D. Pedro, duque de Coimbra, em virtude de uma antiga e arriscada (no
quadro da sempre volátil situação interna castelhana e aragonesa) cooperação entre ambos. Este
imperativo impunha a concentração do máximo possível de capacidade militar nas mãos do
Regente. E, com efeito, como refere SOUSA, logo em 1445 o Regente enviaria o seu
primogénito (que era já o IV Condestável do reino, cargo no qual sucedera, como vimos, a seu
tio, o Infante D. Fernando) em socorro de D. João II de Castela
A regência tinha criado numerosos anti-corpos, e adensava-se uma fortíssima oposição interna
que, apenas um ano mais tarde, levaria à consumação da ruptura com o meio-irmão D. Afonso,
conde de Barcelos e primeiro duque de Bragança, ruptura essa de que existiriam já abundantes
sinais prenunciadores.
Entendemos que a colocação dum irmão de D. Afonso V à frente da Ordem de Santiago
representava uma manobra conciliatória em relação ao jovem rei, ao mesmo tempo que permitia
evitar – de modo irrecusável – que essa poderosa milícia caísse em mãos declaradamente
adversas. E, simultaneamente, no âmbito da partilha do poder entre os descendentes de D. João I,
abria espaço para que o Regente pudesse colocar o filho à testa da Ordem de Avis com maior
"legitimidade", e suscitando menos protestos e aproveitamento político por parte dos seus
opositores.
Tanto o muito jovem Infante como o primogénito do Regente, que contava apenas 15 anos
incompletos, eram demasiado novos para as suas responsabilidades e susceptíveis de ser
tutelados.
No atinente ao Infante D. Fernando a manobra que o alcandorara ao governo da Ordem de
Santiago comportava riscos uma vez que poderia ser captado para o "partido" dos seus parentes
Bragança, ou ser influenciado por seu irmão D. Afonso que, a escassos dois anos de atingir a
maioridade e assumir o governo, demonstraria já divergências em relação a pontos concretos da
política da regência.
Em contrapartida o Condestável D. Pedro seria ainda um instrumento dócil nas mãos de seu pai
que o utilizou, como reconhece FONSECA, num primeiro tempo para neutralizar o cargo de
Condestável, ambicionado pelos Bragança, e num segundo tempo, para assegurar directamente o
governo da estratégica Ordem de Avis cujo Comendador Mor, como tivemos ocasião de referir,
não ofereceria garantias de uma inquebrantável fidelidade ao Regente.
O duque de Coimbra teria manifestado a intenção de comandar pessoalmente o corpo
expedicionário português em auxílio de D. Álvaro de Luna, tendo sido dissuadido deste
propósito pelo seu conselho reunido em Tentúgal. Mas ficou decidido que o comando destas
forças militares seria confiado ao Condestável D. Pedro. Este último, que contava 15 anos de
idade, foi nessa ocasião armado cavaleiro pelo seu tio, o Infante D. Henrique que, para esse
efeito, se deslocou propositadamente de Lagos até Coimbra.
Tinha peso simbólico, no quadro dos delicados equilíbrios internos entre os filhos de D. João I
esta anuência do Infante D. Henrique em armar cavaleiro o sobrinho, efectuando um longo e
penoso percurso para esse efeito? Estamos em crer que sim, sobretudo se tivermos presente que o
governador da Ordem de Cristo reiteradamente desempenhou um papel conciliador em diversas
pendências que fracturaram a família real portuguesa. De uma só assentada "legitimava" o jovem
D. Pedro no cargo de Condestável e, também, o seu comando da força expedicionária que partia
em auxílio de D. Álvaro de Luna, sancionando assim, indirectamente, a política peninsular do
Regente.
Ora, como salientou FONSECA, esta expedição sob o comando do Condestável D. Pedro
configurava uma inequívoca ingerência nos assuntos internos do país vizinho tão injustificável
quanto D. Leonor, viúva de D. Duarte exilada em Castela, já tinha morrido e, nesse preciso
momento, Portugal muito pouco tinha a recear dos Infantes de Aragão. Tratou-se de um acto
político através do qual o Regente, através do seu filho, Condestável de Portugal, pretendeu
marcar posição na expectativa da derrota dos seus inimigos.
Decisão arriscada e de pesadas consequências se a sorte das armas tivesse determinado outro
desfecho, como à partida era possível. E existem indícios suficientes para que se possa
considerar que no tocante à política castelhana seguida pelo Infante D. Pedro entre 1455 e 1457
são detectáveis precipitações e riscos desnecessários, fruto de uma deficiente avaliação da
conjuntura.
Mas uma vez que a batalha de Olmedo resultou num reforço da posição do privado D. Álvaro de
Luna as consequências imediatas desta tomada de posição vieram a revelar-se favoráveis ao
Infante D. Pedro, tanto no plano externo como na política interna. Em 1466 tiveram início as
negociações oficiais do casamento de D. João II de Castela com D. Isabel de Portugal, irmã de
D. Afonso V que se celebrou em 22 de Junho de 1447.
Coroando, aparentemente, uma série de manobras que visavam alcançar uma pacificação de
dissidências internas latentes o duque de Coimbra conseguira casar nesse mesmo ano a sua
própria filha com D. Afonso V.
No caso do Regente D. Pedro viria a confirmar-se que "o Capitólio ficava junto da rocha
Tarpeia".
Como sublinhou FONSECA "Constitui quasi um lugar comum dizer-se que o segundo
casamento de D. João II de Castela foi o principio da queda do privado D. Álvaro de Luna"
personagem na qual, um tanto inconsideradamente, o duque de Coimbra tinha apostado
demasiado, a ponto de ligar o seu percurso ao do Condestável de Castela. O que permitirá que,
em 1449, D. Afonso V – dando voz ao pensamento de muitos – venha a acusar o tio de ter
subordinado a política externa (e a interna) da regência aos seus interesses pessoais, e, "ao
tornar-se um inimigo político – ao nível da política interna castelhana – dos adversários de D.
Álvaro, vai fazer com que a ordenação das forças alie e aproxime novamente D. João de Navarra
e os seus partidários aos que em Portugal procuravam" apeá-lo da regência.
O percurso do Condestável D. Pedro fica obnubilado neste período em que se antevê já, e tudo se
conjuga para o ocaso da "carreira política" de seu pai. Mas ainda durante o ano de 1448 era
possível vaticinar-lhe um destino invejável no caso – improvável, dados os cargos que ocupava –
de não vir a ser demasiadamente atingido pelas ondas de choque provocadas pela queda do
Regente.
Fora provido como governador do Mestrado, pouco depois de haver completado 14 anos por
Bula de Eugénio IV, datada a 29 de Março de 1444, em simultâneo com uma outra Bula do
pontífice informado os freires de Avis do provimento. Não é seguro, contudo, que fosse ele, à
data, o condestável do reino. Como sublinhou OLIVEIRA, "ao contrário do que se tem dito, a
carta de 7 Janeiro de 1443 respeita, ainda, ao condestável anterior, o filho do infante João, o
qual está documentado, pelo menos, até Julho desse ano. Sem se conhecer a data da sua morte,
não é possível estimar quando o jovem Pedro foi designado condestável do reino, já que a
primeira notícia que se conserva é apenas de 16 de Fevereiro de 1445,quase um ano depois de
lhe ter sido entregue o mestrado de Avis"
Em Fevereiro de 1445, o Condestável deverá ter reunido um capítulogeral em Avis no qual
recebeu procuração dos freires para administrar os bens da Mesa Mestral e para representar a
ordem em preitos e demandas, Permaneceu algum tempo na Cabeça do Mestrado, sub-
estabelecendo a procuração recebida no comendador-mor, Garcia Rodrigues de Sequeira, a quem
confiou a administração dos bens da Mesa Mestral.Apenas no Verão do ano imediato se
comprova uma intervenção sua, dirimindo uma contenda entre o Chaveiro e o concelho de
Coruche, e o interesse manifestado na escolha dos raçoeiros de S. Maria de Beja.
Em contrapartida, não espantará que se deduza da documentação que chegou até nós que a sua
atenção se focou nas praças-fortes e castelos detidos pela ordem fronteira castelhana, tanto no
respeitante à sua conservação e apetrechamento, como no tocante às garantias que ofereceriam
(na perspectiva da política paterna) os respectivos alcaides. Esse especial cuidado deu
inclusivamente azo à compilação de um "Caderno das menagees dos castellos da ordem", no qual
se registaram as homenagens prestadas pelos respectivos alcaides. No antedito caderno e durante
o período entre Dezembro de 1445 e Fevereiro de 1449, conservam-se cinco cartas com as
homenagens prestada pelos alcaides de Mourão, da Guarda, de Serpa e de Elvas
A sua situação de jure coloca-o entre o número restrito dos mais poderosos senhores do reino.
Mas a concentração do poder militar que, teoricamente embora, detém entre as suas mãos
converte-o num alvo a abater pela coligação dos inimigos do pai.
Administrador da Ordem militar de Avis e Condestável do reino era também, desde 24 de
Fevereiro de 1446, alcaide do castelo da Guarda . Residiria junto à Corte, nas casas de Lisboa
que lhe tinham sido doadas por Leonor Rodrigues da Pedra- Alçada. Em 1448, ainda durante a
regência do pai, recebeu o reguengo de Carnaxide, no termo de Lisboa, bem como a adega
existente na judiaria grande, bens que haviam integrado o património da já referida Leonor da
Pedra-Alçada .Possuía ainda, entre outros, bens no termo de Salvaterra de Magos e uma herdade
de pão na Azambujeira.
A sua posição, reforçada com o casamento da irmã com o rei de Portugal, justificava
naturalmente que o monarca aragonês quando, em Abril de 1448, enviou a Portugal um seu
arauto de nome Catalunha para assistir aos festejos do casamento de D. Afonso V, o tivesse
incluído entre os destinatários das cartas de recomendação enviadas ás principais
individualidades portuguesas " Don Pedro commestabulo Portugallie" .
Durante os dez meses que decorreram entre o fim da regência de seu pai e a batalha de
Alfarrobeira, período correspondente a uma primeira parte do ciclo de Alfarrobeira (Julho de
1448- Fevereiro de 1450), tal como o entende FONSECA o Condestável e governador da Ordem
militar de Avis irá desempenhar o papel previsível de simples peça da acção política e militar do
duque de Coimbra.
O Infante D. Pedro encontrava-se em Évora quando começaram a observar-se acontecimentos
indicadores do termo da regência. Testemunha-o uma carta do próprio duque de Coimbra
dirigida ao Conde de Arraiolos em 1448.12.30., na qual se inventariam as razões que, na
perspectiva do seu redactor, teriam induzido os seus adversários a pedir a D. Afonso V que
pusesse fim ao governo de seu tio.
Mas Rui de Pina também analisa a situação, tal como se apresentaria em finais de 1448, começos
de 1449, chega à conclusão de que o duque de Bragança e o conde de Ourém (os membros com
maior acesso de entre a facção oposta ao duque de Coimbra) se haviam reunido secretamente
com o jovem rei , persuadindo-o de que o duque pretendia continuar a governar sozinho,
protelando o acesso de D. Afonso ao exercício do poder, e demonstrando-lhe a urgente
necessidade de lhe retirar a Regência. O duque de Coimbra teve noção do que se tramava e,
numa jogada de antecipação, reiterou a sua disponibilidade para abandonar a Regência,
sublinhando que, se a exercia ainda era porque tal lhe havia sido imposto, mas que era sua
opinião que o rei, estava em idade de casar e, simultaneamente, avocar a si o poder.
MORENO admite que D. Pedro se tenha conservado na posse do regimento do reino até 8 de
Junho de 1448, data em que assinou o último documento na qualidade de Regente.
Este período caracteriza-se por uma série de movimentações, avanços e recuos, condimentados
com as inevitáveis intrigas descritas por MORENO. Registe-se no entanto o relato feito pelo
duque de Coimbra ao conde de Arraiolos em 1448.12.30., cerca de meio ano após ter
abandonado a regência, e na qual afirma que quando entregou ao rei, definitivamente, o
regimento do reino, " elle me disse em Santarém que me queria dar outra tal carta doutorga e
aprouação a qual feita elle teue em seu poder bem dez dias " .
Ou seja, salvo melhor opinião, apesar do seu alegado contentamento em abandonar a regência do
reino o Infante D. Pedro mantinha alguma expectativa de que a sua destituição não fosse
inevitável. D. Afonso V, por seu turno, embora fortemente pressionado, hesitaria ainda entre uma
redução do âmbito dos poderes outorgados ao Regente e a sua destituição pura e simples.
A segunda hipótese prevaleceu mas o jovem monarca ainda reconheceu os serviços prestados
pelo tio e, de acordo com a rainha e o Infante D. Fernando – quiçá das últimas influências com
que o ex-Regente poderia contar - doou ao duque de Coimbra e seus herdeiros as vilas de Aveiro
e Mira, com as respectivas rendas e direitos, que lhe haviam sido outorgadas por D. João I e D.
Duarte. Já depois do Infante D. Pedro ter abandonado a corte e regressado aos seu ducado, em 16
de Agosto de 1448, o rei ainda lhe confirmou uma carta outorgada por D. João I, em 10 de
Fevereiro de 1421, na qual lhe era reconhecida a faculdade de se apropriar das herdades que não
fossem "abertas" e se encontrassem encravadas nos seus reguengos dos campos do Mondego e
em Vila Nova d’Anços.

3.3. Da fase post-regência à batalha de Alfarrobeira.


A fase que se segue à regência iria caracterizar-se por uma série de movimentações e eventos
denunciadores da sofreguidão com que os inimigos do Infante D. Pedro procuravam alargar, e
tornar irreversível, o fosse que o separava do rei. São bem conhecidos os acontecimentos que
estiveram na origem da batalha de Alfarrobeira e da morte do duque de Coimbra, ocorridas em
20 de Maio de 1449, mas o que particularmente nos interessa, é procurar registar o papel que o
Condestável D. Pedro, governador da Ordem de Avis, neste período terminal da vida de seu pai.
No começo de Abril de 1449 assiste-se a um progressivo aumento da tensão entre os "partidários
de D. Afonso V" e os seguidores de seu tio, o duque de Coimbra consubstanciado no aumento
das exigências formuladas por ambas as facções.
A intercepção por parte do duque de Coimbra de um correio real, seguida da divulgação do
conteúdo da mensagem de que era portador, bem como as afirmações que lhe foram atribuídas
pelo interceptado João Rodrigues de Carvalho, e de acordo com as quais a cidade de Lisboa
seguia o seu partido, dispunha de forças militares suficientes e contava com auxílio castelhano
forneceram à facção do monarca o pretexto final para a ofensiva.
A cronística coincide no relato de que o ex-Regente contava efectivamente com a cidade de
Lisboa e esperava auxílio castelhano, em retribuição dos socorros que ele próprio enviara a D.
Álvaro de Luna em 1441, 1444, e 1445. Contava o duque de Coimbra que esse propagandeado
auxílio externo tivesse um efeito suspensivo da arrancada das forças reais? Não é de descartar
esta hipótese que explicaria o facto de, como reconhece FONSECA, o Infante D. Pedro, nesse
momento em que já não era admissível qualquer recuo, não tenha procurado melhorar a sua
situação militar e política passando imediatamente à ofensiva.
De acordo com RUI de PINA, uma das hipóteses operacionais que foi ponderada pelos
conselheiros de D. Pedro consistia em que " se saysse de Coymbra, e passasse o Doiro, honde
naquellas com arcas teria a gente das terras de Lopo d’Azevedo, e de Martjm Coelho, e Ruy da
Cunha, e D’Aires Gomez, e doutros muytos com que seguraria sua pessoa e daquelles que o
seguyssem, q que dally poderia tornar Abeira, e passarse a riba do Diana, e andar pellas terras do
Condestabre seu filho" .
Com efeito, no Alentejo, o governador da Ordem militar de Avis entrara já em rebelião aberta ao
impedir que corregedor enviado pelo monarca a Elvas cumprisse as instruções que o rei lhe havia
dado.
Em 8 desse mesmo mês de Abril D. Afonso V reagia, procurando limitar a capacidade de
manobra do Condestável D. Pedro que, entretanto, procedia a um recrutamento militar, proibindo
que alguém se alistasse sob o comando do filho do ex-Regente, e intimando quantos o tivessem
já feito a abandoná-lo no prazo de quatro dias.
A zona de implantação privilegiada da milícia de Avis reassumia uma vez mais a sua importância
estratégica, uma vez que se tornava provável que qualquer incursão de tropas castelhanas se
efectuasse pela comarca de Entre-Tejo-e-Odiana, contígua à zona dominada por D. Gutierre de
Sotomaior, Mestre de Alcântara e antigo comandante da expedição que partira de Évora para
socorrer Sevilha durante a regência. E uma vez chegada a território nacional essa possível
incursão contaria com o apoio da rede de praças-fortes e os recursos dos cavaleiros de Avis.
Situação bem mais vantajosa do ponto de vista logístico e militar do que aquela com que
deparariam se a invasão se efectuasse pelas Beiras, e muito mais cómoda e menos arriscada do
que um trajecto que passasse pelo Além-Douro, zona sob o controlo do Duque de Bragança.
Nesta antevisão o governador da Ordem de Avis não teria permanecido inactivo. A fazer fé no
que se escreve numa carta posterior de D. Afonso V, o Duque de Coimbra teria instruído
expressamente o filho para que este abastecesse e armasse os castelos (da milícia) e os que tinha
pelo rei, recrutasse tropas e, contando com auxílio externo, participasse nos combates que se
avizinhavam. O que o governador da Ordem militar de Avis terá cumprido, tanto quanto as
circunstâncias lho permitiram.
Tanto mais que, sem o auxílio empenhado das fortalezas alentejanas e das tropas acantonadas
pelo Condestável, qualquer socorro enviado por D. Álvaro de Luna, para obter algumas garantias
de eficácia na sua intervenção teria de assumir uma escala que, naquela precisa conjuntura
castelhana, ultrapassava as capacidades do valido.
Nesta situação o rei não podia limitar-se ás proibições e medidas de dissuasão acima
mencionadas. Tornava-se urgente neutralizar o Condestável ou, pelo menos, arrebatar-lhe as
praças que facilitariam a esperada incursão de forças castelhanas aliadas do ex-Regente e
reduzir-lhe drasticamente os efectivos já reunidos e aqueles que poderia ainda vir a recrutar.
É neste contexto, e provavelmente com conhecimento de que se estaria a organizar a esperada
incursão castelhana, existindo já elementos infiltrados no Alentejo, que o monarca português
encarrega D. Sancho de Noronha, Conde de Odemira, de guarnecer e defender a comarca
alentejana, expulsando nesse mesmo movimento as forças entretanto reunidas pelo Condestável.
De acordo com a Crónica de Rui de Pina face ao avanço das forças chefiadas pelo Conde de
Odemira, o Governador da Ordem Militar de Avis furtou-se ao contacto, retirando para a praça
de Marvão, situada a cavalo na fronteira, e dali para Valência de Alcântara, onde aguardaria que
se lhe fosse reunir o socorro castelhano que lhe permitiria defrontar vantajosamente a hoste régia
e criar alguma acrescida liberdade de manobra na Beira para as forças do pai.
A fazer fé na mesma Crónica de D. Afonso V foi mal recebido em Valência de Alcântara, e essa
recepção desanimadora, contra todas as expectativas, explicar-se-ia de acordo com FONSECA
porque " o privado de D. João II, a braços com graves problemas internos, e em face da manobra
preventiva de D. Sancho de Noronha, não pode prestar o auxílio previsto ".
Não deparando com a esperada resistência o Conde de Odemira regressou, reunindo-se ao grosso
das forças reais ainda a tempo de participar na batalha de Alfarrobeira.
Facto que parece demonstrar que a situação em que encontrou o Alentejo (e, dentro dele, a zona
sob jurisdição da milícia de Avis) era tão pouco ameaçadora que não justificaria a sua
permanência naquela comarca. E também que D. Afonso V, tendo notícias do fracasso da
propalada incursão castelhana, entendeu que o poderia chamar sem risco de deixar desguarnecida
essa frente potencial.
O jovem Condestável estava neutralizado, podia iniciar-se o último acto do drama com a rapidez
necessária para evitar que, verificando- se uma hipotética reviravolta política em Castela, D.
Álvaro de Luna acabasse por concretizar o prometido socorro.
O Condestável D. Pedro, que acompanhamos durante o período crítico que antecedeu o ajuste de
contas final, deve ter permanecido -na expectativa, ou indeciso – na raia castelhana onde lhe terá
chegado a notícia da derrota e morte do pai.

3.4.. O exílio castelhano do Condestável D. Pedro, Mestre da Ordem de Avis.


Provavelmente no período compreendido entre as notícias do desastre de Alfarrobeira e o
conhecimento de que, pela carta régia de 27 de Maio de 1449. lhe tinha sido retirado o governo
da Ordem de Avis (que fora confiado, embora a título provisório, ata que o santo padre (…)
detremine o que sua sanctidade prouuer açerqua da prouisom e rregimento do dito
meestrado a seu tio, o infante D. Henrique, que permanecia à frente da Ordem de Cristo), D.
Pedro terá tomado a decisão de se refugiar na corte do monarca do país vizinho, e "foysse sem
todo escândalo a casa del Rey dom Johão de Castella, diziedo que os feitos de Deus e do Rey se
non deviam contradizer … e andou em guerras com el Rrey dentro no rreyno que ele avia com el
príncipe dom Enrrique seu filho".
Também são conhecidas, e foram objecto de estudo aprofundado pelos autores que temos vindo a
seguir, toda a panóplia de medidas expurgatórias (confiscação de bens e exoneração de cargos)
que se abateram sobre os seguidores do derrotado ex-Regente.Enquanto o rei prossegue o seu
processo de ajuste de contas, mondando a sociedade, no plano externo pratica-se uma política de
desanuviamento que, em última análise, vai procurar despartidarizar a diplomacia privilegiando
as relações de Estado a Estado, não obstante o reforço conjuntural da posição do Condestável
Luna, interlocutor e aliado preferencial do derrotado ex-Regente, e a neutralização momentânea
dos seus adversários.
Como refere FONSECA "a grande habilidade e tacto diplomáticos revelados pelos dirigentes
portugueses nestes meses permitiram-lhes não só encontrarem os apoios internacionais
indispensáveis à consecução do seu programa político, mas também… libertarem-se de uma
excessiva subordinação ás lutas internas dos reinos vizinhos para, daí em diante, poderem
manobrar diplomaticamente da melhor maneira na defesa dos interesses nacionais".
Este posicionamento iria tornar incómodo para a política portuguesa o empenhamento alinhado
do ex-governador da Ordem de Avis nos assuntos internos do reino vizinho onde, por força das
circunstâncias e herança da política paterna, participava em campanhas militares ao lado do
privado D. Álvaro de Luna. Isto no preciso momento em que os interesses portugueses dessa
conjuntura aconselhavam uma recusa sistemática de tudo o que pudesse ser interpretado como
uma opção por qualquer dos partidos que se digladiavam em Castela.
Do ponto de vista dos governantes de Portugal tornava-se necessário, por razões que
transcendiam já o simples ajuste de contas e um desejado golpe de misericórdia, neutralizar o
filho primogénito do Duque de Coimbra e aqueles seus compatriotas que, seguindo-o,
continuavam a militar em Castela na facção anti-aragonesa.
Neste sentido foi enviada a todo o país uma ordem régia proibindo que alguém se fosse reunir
em Castela ao filho do ex-Regente. Não é conhecido o texto deste diploma que, no entanto, é
inequivocamente referido em Agosto de 1450 pelo rei de Portugal, a propósito do confisco dos
bens de um alegado seguidor do Condestável que com ele se encontraria no reino vizinho.
E, através desta medida, que dificilmente teria como objectivo estancar um mais que improvável
fluxo de apaniguados do jovem filho do derrotado de Alfarrobeira, D. Afonso V dava provas
públicas de uma posição contrária à participação de portugueses nos conflitos intestinos
castelhanos.
Mas durante os anos de 1451 e 1452 existem razões para crer que o Condestável D. Pedro,
embebido nas questões internas do reino que o havia acolhido, continuava a actuar por sua conta
e risco, totalmente à margem da política praticada pela Coroa portuguesa.
A única reacção do monarca lusitano que se encontra documentada neste período data de Julho
de 1452: uma carta régia pela qual se confisca a D. Pedro a já referida herdade de pão da
Azambujeira, no termo de Castelo de Vide, que é doada a sua irmã, a rainha D. Isabel.
Tinha passado o período de maior virulência das sanções que atingiam os seguidores do ex-
Regente em geral, e D. Pedro em particular, e o teor do diploma que formalizava o confisco
assumia o tom neutro, deliberadamente não punitivo, de transferência de património no seio da
mesma família, em face da ausência do primogénito do Duque de Coimbra, cuja natureza era
oficialmente ignorada pela Coroa portuguesa.
Como observa FONSECA: "Trata-se de uma atitude muito vantajosa para D. Afonso V, porque
nestes momentos, D. Pedro combatia em Navarra ao lado do rei de Castela e contra D. João de
Navarra".
Enquanto decorria o entrecruzar de movimentações descritas por FONSECA, a situação do
Condestável D. Pedro em Castela ia-se modificando à medida que as relações luso-castelhanas
caminhavam para a normalização.
Em meados de 1449 as ligações pessoais herdadas do pai e as movimentações dos partidos
tinham determinado o seu alinhamento na facção do privado Luna, precisamente no campo
oposto àquele que era apoiado pelo rei de Portugal.
Em 1451, fruto da aproximação entre o Condestável de Castela e o príncipe herdeiro D.
Henrique, e entre este último e D. Afonso V, tinha-se desvanecido o cunho de rebelião e oposição
à política do monarca português que tinha assumido a sua actividade, pelo que a sua participação
nas campanhas de Navarra, em 1451 e 1452 não tinham assumido relevância particular,
evidenciando apenas que o primo e cunhado do rei de Portugal continuava a circular na órbita do
monarca castelhano.
Com a evolução da conjuntura e o ultimar dos pormenores complexos dos ajustes matrimoniais,
a presença na corte castelhana em 1453 de um familiar próximo do soberano português, parente
chegado da rainha de Castela, como era precisamente o caso de D. Pedro, passaria a revestir-se
de uma utilidade potencial para as duas casas reinantes.
Apesar de a documentação conhecida o não registar, FONSECAadmite que já no referido
encontro de Março desse ano, onde foi abordada a situação de aristocratas portugueses exilados
no reino vizinho, possa ter sido contemplada a delicada situação do ex-governador da Ordem
Militar de Avis. Isso mesmo parecem indiciar as mudanças que, logo em seguida, se verificam na
vida de D. Pedro.
Ainda em 31 desse mesmo mês de Março foi-lhe entregue o rendimento da cidade fronteiriça de
Badajoz. E, o que no nosso âmbito mais importa, na sequência da empenhada intercessão de sua
irmã, a rainha de Portugal, e a requerimento do próprio D. Pedro, apoiado por sectores da família
real , o soberano português " consijrando alguas rrazões justas e rrazoadas que nos a ello
demouem; com prazimento do jffante dom Henrique (tio do impetrante), nosso mij prezado e
amado tio, o quall ora per nossa autoridade, tijnha rregimento do dicto meestrado " restituía-lhe
o governo do Mestrado de Avis no dia 30 de Maio.
Atrás tivemos oportunidade de abordar o desvio do plano joanino que se verificou desde que, em
1422, o Infante D. João, governador da Ordem de Santiago, dirigiu uma carta ao papa Martinho
V pedindo-lhe que reconhecesse que a ordem e os seus membros e todos os seus bens móveis e
imóveis eram matéria eclesiástica e, por essa razão dependiam exclusivamente da igreja. Donde
resultaria que ninguém, exceptuando a própria hierarquia da milícia, poderia interferir civil ou
criminalmente nela. Na prática, este desiderato colocaria a instituição fora do alcance de todo e
qualquer poder laico que a pretendesse submeter à sua jurisdição, o que efectivamente veio a
suceder, como parece ter-se verificado nesta situação concreta.
Não vemos razões para duvidar da veracidade do relato de RUI de PINA, quando este cronista
escreve " E (D. Afonso V) tinha dado ao Infante Dom Anrrique o Meestrado d’Avis que tinha
Dom Pedro Filho do Ifante Dom Pedro. Mas o Papa nunca lho quis conceder, dizendo que se
nom podia confiscar nem elle o perder como as outras cousas".
Parece natural que, no calor do ajuste de contas que se seguiu a Alfarrobeira, o rei tenha decidido
aproveitar a ocasião para confiscar o governo do Mestrado ao filho do ex-Regente, reunindo as
ordens de Santiago e Avis nas mãos de seu tio, o Infante D. Henrique. Mas terá esbarrado na
oposição da Santa Sé, que se estribava na doutrina oportunamente formulada a instâncias do
Infante D. João para se eximir a confirmar essa nomeação.
Governador de facto do Mestrado de Avis, o Infante D. Henrique nunca terá alcançado a
legitimidade adveniente da confirmação de Roma, encontrando-se numa situação delicada, de
que terá saído airosamente ao solicitar ao rei seu sobrinho a "restituição" do governo da milícia
ao seu detentor que – à luz da doutrina pontifícia – nunca dele teria sido desapossado de jure,
pesassem embora todos os confiscos efectuados pelo poder laico.
Esta interpretação permitirá compreender porque razão se "restituiu" a D. Pedro o governo da
Ordem de Avis antes de o mesmo haver sido ilibado das graves acusações que sob ele
impendiam, e da restituição de quaisquer bens ou dignidades.
Isto mesmo se poderá depreender da hipótese adiantada por FONSECA, e segundo a qual " a
restituição do Mestre de Avis e o possível regresso de D. Pedro foram, desde o início, separadas
no tempo pela coroa portuguesa". E, numa primeira fase, a supracitada "restituição formal" do
governo do Mestrado de Avis, permitiria retirar à estadia de D. Pedro em Castela o seu carácter
incómodo de exílio político.
Esta "reintegração" do filho do Duque de Coimbra deve aliás ter sido feita sob condição expressa
do abandono prévio da facção de D. Álvaro de Luna, como aliás o próprio D. Pedro reconhecerá
perante o régio sobrinho: " Pero todavia yo affirmo los sus (do Condestável de Castela)
insoportables crimines ser dignamente punidos, no por juhisio del rey terrenal, mas del Rey de
los reys, delante el qual ningud mal imonido nin bien inremunerado queda ".
Se, valha a verdade, o Condestável D. Pedro demorou tantos anos a tomar consciência dos
"crimes insuportáveis" de D. Álvaro de Luna, a sua "oportuna deserção" valeu-lhe, além das
citadas mercês, não ser arrastado, ou pelo menos envolvido, na queda do mesmo Luna.
È de presumir que, face ao que fica atrás o, de novo governador do Mestrado de Avis tenha
deixado de ser uma figura incómoda, passando a ser reconhecido pelos dois reinos de acordo
com a sua elevada jerarquia e utilidade potencial.
No entanto o rei de Portugal, apesar da restituição do governo da Ordem, não fez preceder esse
diploma, como já sublinhamos acima, de uma ilibação das graves acusações que tinham sido
formuladas contra D. Pedro, nem tão pouco lhe restituiu as rendas confiscadas (recordemos que,
para seu sustento, o soberano de Castela, certamente com o acordo do monarca português, lhe
havia concedido as rendas da cidade de Badajoz) nem o reintegrou nas honras de que tinha sido
exautorado. Nem tão pouco o governador da milícia de Avis regressou a Portugal nesse ano de
1453.
A explicação da permanência em Castela que nos é fornecida por Rui de PINA não parece
convincente. Admitimos que o Duque de Bragança, para lá de todas as razões emocionais de
ressentimento pessoal, tivesse o maior, e mais compreensível, interesse em procurar evitar o
regresso de D. Pedro e uma receada reconstituição, em torno da pessoa do senhor D. Pedro, da
casa ducal de Coimbra. Mas não nos parece evidente que o rei e os seus conselheiros fossem de
tal modo tributários aos interesses da casa de Bragança, e dos seus apaniguados, que pautassem o
planeamento da resolução desta situação (simultaneamente do foro interno e da política
peninsular) de acordo com uma promessa plausível, mas certamente não vinculativa em face dos
altos interesses do Estado.
No entanto parece admissível que, se um "prematuro" regresso a Portugal do exilado D. Pedro se
arriscava, entre outros problemas jurídicos e administrativos, a exacerbar quezílias ainda não
cicatrizadas, a sua permanência no reino vizinho podia ser utilmente reconvertida.
Considera FONSECA que D. Pedro pode ter desempenhado junto da Corte castelhana, a partir de
1453, um papel semelhante àquele que, em Portugal, vinha sendo desenvolvido pelo Conde de
Benavente, o de delegado oficioso dos interesses portugueses, tanto políticos como económicos,
como o demonstraria uma referência à feira de Medina del Campo, à qual concorriam
habitualmente numerosos negociantes oriundos do seu país natal.
As relações luso-castelhanas atravessavam efectivamente um momento de alguma delicadeza. A
enorme demora nas negociações da aliança matrimonial entre as duas casas reinantes, iniciada
oficialmente, como já vimos, em Março de 1453 teve como consequência que estas só vieram a
concluir-se em Janeiro de 1455. De permeio, não obstante todas as diligências entretanto
desenvolvidas, fora necessário ultrapassar momentos de tensão suscitados pela conflitualidade
gerada pela exploração atlântica, designadamente o reacender da questão das ilhas das Canárias,
uma das razões que evidenciava a necessidade de se alcançar um clima de concórdia susceptível
de permitir uma solução negociada para o problema das explorações na costa africana.
E esta última questão suscita-nos uma pergunta: até que ponto a necessidade de obter o apoio de
Roma para as posições portuguesas não terá pesado na resolução do diferendo sobre a Ordem de
Avis, consubstanciada na cordata "restituição" do seu governo ao exilado D. Pedro?
Tenha-se presente que o principal visado pelas reclamações (e mesmo ameaças implícitas) do rei
de Castela era, precisamente, o Infante D. Henrique, governador da Ordem de Cristo, cargo que,
de facto, acumulava com a polémica direcção da milícia de Avis. Infante que, inclusivamente,
coadjuvado pelo rei de Portugal, enviara o seu confessor em missão possivelmente explicativa e
apaziguadora ao rei de Castela e à rainha de Aragão.
Era absolutamente necessário evitar quaisquer atritos com o Sumo Pontífice que, um ano antes
desse evento, através da bula Dum Diversas tinha vindo a resolver eventuais dissidências sobre
esta matéria que cindiriam o conselho régio português, podendo, em simultâneo, constituir "um
artifício diplomático para dar carta branca a Portugal e colocar eventualmente Castela perante
o irremediável facto consumado", como admite DE WITTE.
Aliás o peso da Santa Sé ao longo de todo este momento específico do relacionamento luso-
castelhano era de tal ordem que FONSECA lhe consagra esta significativa passagem: "… em 21
de Julho de 1454, com o novo rei Henrique IV, os preparativos diplomáticos do casamento (da
Infanta portuguesa com o soberano de Castela) entram na sua fase final. Teria o novo monarca
cedido na questão africana, por na perspectiva portuguesa disso depender a efectivação do
matrimónio? Assim parece, tendo em consideração que a assinatura dos capítulos matrimoniais
…é antecedida pela bula pontifícia Romanus pontifex…a qual outorgou e reservou aos
portugueses as navegações marítimas para além do cabo Bojador".
O governador do Mestrado de Avis, cuja situação financeira desde 1453, como vimos, lhe
permitia viver condignamente em Castela, a partir do ano seguinte passou a dispor de meios
substanciais advenientes do rendimento anual do crédito do Comum do Monte de Florença, que
os filhos do ex- Regente tinham herdado do pai. Em complemento deste novo desafogo
Henrique IV de Castela contemplou-o com várias mercês adicionais.
Parece notório que se tinha ultrapassado a situação de exílio e posicionamento indefinido no
reino vizinho, cuja corte frequentaria, acompanhando a prima D. Joana nesses seus primeiros
tempos como rainha de Castela.
A ser da sua autoria o Razoamento de despedida dirigido à princesa D. Joana de Portugal, como
admite FONSECA, datando esse escrito da antevéspera do seu casamento com o rei de Castela,
D. Pedro demonstrava um profundo conhecimento da situação interna no reino vizinho, e das
facções e personagens da sua corte, e algumas das advertências e conselhos que prodigalizava à
prima, quase evidenciavam uma antecipação de muitos dos acontecimentos futuros.
Em Julho de 1455 tomou parte, e foi ferido em combate, no decurso da última campanha contra
o reino de Granada que se efectuou nesse ano.
Por essa altura uma carta de D. Afonso V nomeava curadores do príncipe D. João (futuro D. João
II) os Infantes D. Henrique e D. Fernando aos quais eram concedidos poderes para, em nome do
rei, prestarem e receberem preitos e homenagens do clero, nobreza e povo. Ora entre essas
homenagens figura a do primogénito do Duque de Coimbra, que se fez representar por um
cavaleiro da sua casa chamado Fernão Gil.
No mês seguinte eram ilibados todos os partidários do ex- Regente.
A irmã do Condestável, a rainha D. Isabel, viria a morrer em 12 de Fevereiro de 1455, num
momento em que a reconciliação que tanto desejara se encontrava já praticamente consumada,
ou, pelo menos, D. Pedro tinha o caminho livre para o regresso.

3.5. A gradual reinserção de D. Pedro na corte e no governo do Mestrado.


Efectivamente, no começo de 1456, entre 12 de Fevereiro e 3 de Março, após quase sete anos de
exílio em Castela, o governador da Ordem de Avis regressava a Portugal. Como sublinha
FONSECA tinha passado a fronteira num momento de tão exacerbada tensão entre os dois reinos
peninsulares que a todo o momento se aguardavam conflitos militares, regressava agora numa
conjuntura em que D. Afonso V e o seu genro Henrique IV atravessavam um período de
excelentes relações a todos os níveis.
Contando na ocasião 27 anos o jovem revoltoso exilado de 1449 era nesta ocasião um homem
maduro e temperado por anos de sobrevivência na adversidade. "Reintegrado" na família real
portuguesa, que procurava o seu parecer em questões fulcrais, D. Afonso V restituir-lhe-à
gradualmente, com a confiança política e militar, vários bens que haviam pertencido ao Duque de
Coimbra, seu pai.
Em 24 de Abril de 1456 documenta-se a sua presença à frente da milícia de Avis. E, alguns anos
volvidos, em 23 de Setembro de 1461, D. Afonso V entrega-lhe a "villa de Penella com seu
castello e termo, rendas, beens e foros, dos quaaes alguus ouve o dicto meu avoo dalguuas
pessoas, e o rregueemguo de Canpores e o rregueemguo do Rrabaçal, e Villa Nova dAnços, e
Buarcos e a villa e castello de Temtugual". No ano seguinte, em Março de 1462, foi-lhe doada a
vila de Abiul.
Como recorda FONSECA, Damião de Góis escreveu que, com esta última doação o rei de
Portugal "acabou de dar aho dito dom Pedro todalas terras que el Rei dom Ioam primeiro e ha
Rainha donna Phelippa sua mollher, e el Rei dom Duarte deram aho Ifante D. Pedro".
Mas talvez não convenha ignorar uma passagem de SOUSA, na qual este autor recorda que o
senhor D. Pedro ficava assim "…restituído de tudo excepto da elevada dignidade de Condestável
que D. Afonso V tinha dado ao Infante D. Fernando seu irmão".
O administrador da milícia de Avis, reempossado de bens e honras, ocupando o lugar que lhe
competiria na ordem hierárquica do reino irá encontrar-se ao lado do seu primo e cunhado D.
Afonso V tanto na expedição a Alcácer, como na de Tânger.
Aparentemente nada faria prever, neste momento marroquino, a trajectória futura do governador
da Ordem militar de Avis. Mas, como relata Sousa, D. Pedro encontrava-se em Ceuta quando
"foi chamado pelos catalães", "início" de uma alteração da trajectória pessoal que, como
veremos, o levará a partir em 1464 para Barcelona na situação de "rei intruso de Aragão".
A política externa portuguesa apresenta, durante o período em apreço, uma prioritária dimensão
castelhana. Mas, a esta eterna e omnipresente questão estruturante, é necessário adicionar novos
vectores, e o primeiro relacionava-se com a expansão. A historiografia lusitana contemporânea
tem-se ocupado das diferentes correntes de opinião – e interesses – que dividiam a sociedade
portuguesa desde a preparação da conquista de Ceuta e logo em seguida, a propósito da
expedição a Tanger em tempo de D. Duarte. Existe hoje uma noção bastante clara do que
representavam, para os diferentes segmentos da sociedade as questões relativas ao interior
peninsular, as explorações da costa ocidental africana, Marrocos e o Mediterrâneo.
Parece importante referir a afirmação de FONSECA, segundo a qual, até ao reinado de D. João II
"a coroa portuguesa não se identificou com a actividade dos descobrimentos, nem durante a
vida do Infante D. Henrique (e do Regente D. Pedro), nem posteriormente ".
Esta informação é importante por afrontar, cingindo-se ao factual, o "mito" da concertação entre
a Coroa portuguesa e as actividades exploratórias e mercantis do Infante D. Henrique.
Mas esquece que, ocupando embora uma prioridade subalterna nas prioridades do Regente, se
ficou devendo ao duque de Coimbra o início do povoamento efectivo das ilhas dos Açores,
designadamente entre 1443 e 1447, período em que actuava como Regente, e não como simples
particular. Ilhas que, até aí, haviam sido apenas episodicamente aflorados pelos homens do
governador da Ordem de Cristo.
A segunda ordem de factores, acima referidos, relaciona-se com o incremento dos contactos com
o reino de Aragão que se verifica a partir de 1456, e que, em última análise, acabariam por
arrastar o Condestável D. Pedro, bem como efectivos e recursos da Ordem de Avis, para a
"aventura catalã".
De acordo com a síntese efectuada por FONSECA D. Afonso V "encontrava-se dividido entre
duas opções: por um lado, o alargamento da presença lusitana no Norte de África, por outro o
desenvolvimento das negociações com Aragão, que pelo caminho que levavam conduziriam
fatalmente a enfrentamentos com Castela. Enquanto o Infante D. Fernando se mostra inclinado
para a continuação das negociações matrimoniais, o Marquês de Vila Viçosa criticava
acerrimamente a política de alianças praticada por D. Afonso V, e, finalmente, o Condestável D.
Pedro limitava-se a mostrar o seu desacordo perante a hipótese de uma expedição a Marrocos".
Enquanto se debatiam estas questões o rei de Portugal adoeceu com gravidade, esteve em risco
de vida e recuperou com alguma lentidão. Como se compreende, durante este período - e talvez
igualmente porque neste intervalo se tinha complicado a conjuntura interna em Aragão, agravada
pela prisão do Infante Carlos de Viana ordenada pelo seu pai D. João II – a atitude expectante da
monarquia portuguesa acabou por revelar-se positiva para os interesses nacionais.
Na sequência dos conflitos internos em Aragão, e do seu aproveitamento por parte de Henrique
IV de Castela, em Maio de 1461 foram interrompidas as negociações conducentes a um
projectado casamento da Infanta D. Catarina, irmã de D. Afonso V, com o príncipe herdeiro de
Aragão.
Se existem "males que vêm por bem", este deve ter sido um deles, tais os riscos de conflito com
Castela que a inconclusiva abertura aragonesa tinha acarretado. Mas a estratégia de D. Afonso
V em relação a Marrocos e ao Mediterrâneo ocidental saíra abalada e Portugal regressava à
situação diplomática de 1456. A despeito de tudo, pouco tempo depois, em 1462, registar-se-ia
uma renovada intensificação do interesse régio na questão marroquina que desembocará na
expedição de 1463.
Não é fácil reconstituir quais teriam sido as posições do governador do Mestrado de Avis perante
o evoluir da conjuntura que, muitíssimo superficialmente, temos vindo a aflorar. E, afinal, são
elas que nos interessam primacialmente e ajudarão a compreender a sua evolução futura que
julgamos vir confirmar a nossa reafirmada convicção de que o projecto joanino em relação ás
ordens militares, consubstanciado no período a que chamámos "o tempo dos infantes" se terá
desviado dos objectivos inicialmente programados de subordinação integral das milícias aos
interesses da monarquia, passando a oscilar ao sabor dos interesses, perspectivas e trajectórias
pessoais de alguns desses mesmos Infantes e das resistências ou adesões dos mais influentes
membros da família real no tocante ás oscilações da política do Africano.
FONSECA admite que D. Pedro estaria ligado ao sector português que preconizaria uma abertura
lusitana em direcção ao interior da Península. Esta posição explicaria o seu desacordo em relação
a possíveis expedições militares no Norte de África, bem como a supracitada atitude pró
intervencionista em relação a Castela que lhe atribuiu o Marquês de Vila Viçosa, designadamente
no respeitante a um projecto de auxílio a Henrique IV, compreensível até pelos laços de
proximidade e gratidão que o ligavam ao soberano do reino vizinho. Mas é forçoso atentar em
que parte destes desígnios lhe eram atribuídos pelo herdeiro dos Bragança, tradicionais
adversários da sua família, e poderão ser questionado como oriundos duma fonte tendenciosa, e
não inteiramente credível, mormente nas razões que aponta subjazerem-lhe.
De qualquer modo esta focalização do interesse de D. Pedro nos assuntos peninsulares iria
evoluir de acordo com as sucessivas fases do confronto entre Henrique IV de Castela e João II de
Aragão.
Não nos deteremos na génese e desenvolvimento da revolta da Catalunha, nem nas peripécias
que parecem apontar no sentido da influência da grande potência transpirinaica que era a França
no desfecho da questão da disputa deste Principado que saiu da conferência de Baiona. Mas
registaremos que, na sequência deste encontro entre o monarca francês Luís XI e Henrique IV,
realizada em Abril de 1463, aquele último acabaria por renunciar ás suas pretensões na
Catalunha. É lícito interrogarmo-nos, como o faz FONSECA, sobre as vantagens que o rei de
Castela esperava obter com esta sua renúncia.
Parece pacífico admitir que não existiam relevantes convergências de interesses entre Henrique
IV e os revoltosos catalães. Mas, como sublinhou FONSECA, a manutenção da sua candidatura
não o obrigava a mais do que o investimento financeiro numa reduzida ajuda militar e a
manutenção do navarro João de Beaumont num governo do Principado da Catalunha exercido
em nome do monarca castelhano, e por ele subscrito.
Por seu turno o opositor na disputa deste Principado, João II de Navarra, tinha a possibilidade de
reavivar as dificuldades internas que lavravam no interior da Península, ao mesmo tempo que a
sua aliança com Luís XI de França, que tinha interesses nessa região fronteiriça, podia, em
última análise, resultar numa Liga dirigida contra Castela.
A ponderação destes riscos reais, bem como o inventário dos hipotéticos benefícios advenientes
da manutenção da sua candidatura terão estado na origem das decisões do monarca castelhano
Em termos estratégicos a saída ideal para Henrique IV implicava conciliar dois requisitos
aparentemente contraditórios
Negociar com o rei de Aragão a retirada das suas forças estacionadas na Catalunha contra o
abandono por João II das posições que este detinha em território castelhano, e que utilizava como
base das suas incursões no interior da Península.
Contribuir para manter, apesar da sua renúncia ao trono do Principado, a agitação catalã – com
tudo o que isso representava de preocupação para o aragonês – sem que fosse possível assacar-
lhe responsabilidades políticas directas na manutenção da revolta.
O resultado do encontro de Baiona permitiu que o monarca castelhano atingisse os primeiros
requisitos, João II abandonou as possessões e rendas que detinha no seu território, entregando as
respectivas escrituras.
Os segundos requisitos eram, obviamente, inalcançáveis apenas por via diplomática. Mas já em
Janeiro de 1463 Henrique IV tinha proposto a Luís XI o casamento do "delfim" de França com a
sua irmã Isabel e a entrega da Catalunha ao casal. Embora esta abordagem não tenha tido
qualquer tipo de sequência, evidencia a intenção do monarca castelhano de conseguir alcançar
esses segundos objectivos através da diplomacia.
Mas o candidato ao trono do Principado da Catalunha que efectivamente sucederia a Henrique
IV seria D. Pedro, o governador do Mestrado de Avis que, de acordo com FONSECA, já estaria
escolhido na Primavera de 1463, por ocasião do acordo de Baiona.
Entende este autor que a abdicação de Henrique IV, verificada nessa mesma cimeira, tinha
constituído uma decisão política, corolário de um acordo diplomático entre os reis de Portugal e
Castela, do qual ambos os soberanos pretendiam retirar vantagens. E também que a candidatura
de D. Pedro, ligado por vínculos pessoais de vária índole aos dois monarcas, não teria
constituído apenas uma iniciativa pessoal de um príncipe português "deslumbrado pelo poder
que uns longínquos laços familiares lhe ofereciam".
Para compreender, da perspectiva portuguesa, as possíveis vantagens desta candidatura será
necessário recordar que, entre 1462 e 1463, as duas linhas mestras da política externa portuguesa
se centravam em Castela e Marrocos.
No tocante à primeira, desde 1456 que se estabilizara a aliança preferencial com o reino vizinho
que apresentaria a desvantagem duma excessiva dependência unilateral. Tendo surgido
circunstanciais favoráveis, D. Afonso V tentaria romper esse exclusivo eixo Portugal-Castela
através da negociação de uma aliança matrimonial com o herdeiro do trono de Aragão. Como
vimos essas diligências resultaram infrutíferas e a diplomacia portuguesa regressou ao
isolamento em que se encontrava anteriormente.
A derrota e morte do Regente e, posteriormente, a desaparição do Infante D. Henrique,
fragilizaram a opção ultramarina materializada no reconhecimento da costa ocidental africana e
no povoamento das ilhas atlânticas, permitindo, em simultâneo, o reforço da facção que
propugnava a intensificação das operações em Marrocos. No entender de FONSECA, a frustrada
abertura aragonesa, para lá das razões apontadas, estava intimamente ligada à opção marroquina
e ás suas implicações mediterrâneas.
Neste quadro, a possibilidade de D. Pedro se candidatar ao trono catalão com apoio duma
Generalidade que se revoltara com João II de Aragão representava uma renovada possibilidade
de acesso a uma presença portuguesa no Mediterrâneo.
Por um lado, na continuada perspectiva da aliança castelhana servia os supracitados interesses de
Henrique IV, mas fora da subordinação aos interesses da potência vizinha – que desse modo se
mantinha - comportava uma oportunidade potencial de D. Afonso V obter finalmente uma
plataforma de influência mediterrânica.
Não espantará pois que subsistam indícios de apoio da monarquia portuguesa à candidatura
catalã do Governador da Ordem de Avis. E a primeira manifestação conhecida do apoio
português a esse projecto remonta a finais de 1462, (sendo portanto anterior à cimeira de Baiona)
ano em que o filho do ex-Regente enviou a Barcelona o jurista Mendo Afonso com o desígnio de
apresentar a sua aspiração ao trono . D. Afonso V não ignorava que o Principado era dirigido, em
nome de Henrique IV, pelo seu delegado João de Beaumont, pelo que se torna difícil admitir não
apenas que D. Pedro actuasse por sua conta e risco, como também que o rei de Portugal tivesse
permitido essa diligência exploratória sem concertação prévia com o monarca castelhano, ambos
interessados em propagandear a existência de um candidato alternativo.
A resposta negativa dos Deputados catalães a esta diligência era previsível mas não unânime, e
parcialmente consentânea com o apoio oficial que o soberano português continuava a prestar a
João II de Aragão em Março de 1463.
Mas a presença de João Fernandes da Silveira, embaixador de Portugal em Castela, no encontro
que reuniu em Baiona os reis de França e Castela e teve como consequência a renuncia de
Henrique IV ao trono catalão, evidencia o interesse com que D. Afonso V seguia esta questão e, a
fazer fé na interpretação de FONSECA, "revela-nos que nessa altura já estava acordada por
Henrique IV e D. Afonso V a entrada em cena de D. Pedro" no momento em que o rei de Castela
se retirasse.
É certo que a renuncia castelhana podia permitir uma tentativa de preencher o vazio assim criado
por iniciativa do rei de França, que terá chegado a encarar a hipótese.
Mas um dos parágrafos do acordo de Baiona revela com nitidez a manobra castelhana: se, no
prazo (improvável) de 3 meses, a Catalunha não acatasse a obediência ao monarca aragonês,
Henrique IV retiraria as suas forças, desligando-se da obrigação de transmitir o poder a João II.
No entanto, o rei de Castela, embora oficialmente afastado da guerra civil catalã, permite que o
governo do Principado continue a ser feito em seu nome até 15 de Janeiro de 1464,
significativamente 6 dias antes da chegada do pretendente D. Pedro a Barcelona.
Precisamente nesse mês de Setembro de 1463 em que os embaixadores catalães em França
escreviam a carta citada na nota 195 infra, registava-se a presença em Barcelona de um enviado
de D. Afonso V, que mantinha uma postura aparentemente conciliadora entre as partes
directamente envolvidas. A missão oficial alegada pelo emissário consistia, nada mais, nada
menos do que convencer os revoltosos a aceitarem o seu monarca legítimo (João II).
Em contradição aparente, mas cumprindo este trajecto dúplice, apenas quase três semanas
volvidas, o governador do Mestrado de Avis renovava a sua candidatura num contexto de tal
desorientação geral que os catalães decidiriam oferecer-lhe o trono do Principado antes mesmo
da chegada da carta do Condestável.

3.6. A Ordem de Avis na "aventura catalã".


No início de 1464, quando D. Pedro se encontrava já a caminho do Principado, os catalães
escreviam-lhe, recomendando que se apressasse.
Depois de ter zarpado a frota que transportava D. Pedro, em Janeiro de 1464, os reis de Portugal
e Castela reuniram-se em Gibraltar, aparentemente para fazer o balanço da situação, abordar o
estado das relações entre os dois reinos e as alianças matrimoniais em projecto subsequente.
Deste atribulado processo, que se desenvolveu em vários planos e em que as posições oficiais
mais não faziam que ocultar as intenções reais e ganhar o tempo necessário para explorar as
situações e deslocar as peças em jogo, retirou FONSECA a seguinte conclusão: "D. Pedro
aparece como rei intruso de Aragão – na realidade, rei da Catalunha – em consequência de um
processo diplomático e político ao qual é em grande parte estranho. Por outro lado, os
revoltosos da Generalidade, no fundo são obrigados a escolher voluntariamente o monarca que
se lhes apresenta. Por outro lado o Condestável aparece como uma peça no xadrez político de
D. Afonso V" .Peça que, em nosso entender, será abandonada à sua sorte pelo monarca português
como inútil e comprometedora, como termos ensejo de constatar muito antes de se desenhar com
inteira nitidez a evolução posterior dos acontecimentos.
Não respeitam directamente aos objectivos deste trabalho os sucessos verificados depois da
chegada de D. Pedro a Barcelona, e estão estudados por FONSECA os vários aspectos da sua
curta e atribulada permanência à testa do Principado da Catalunha até à sua morte, ocorrida em
Granollers, a 29 de Junho de 1466.
Mas é relevante para a compreensão do papel da Ordem de Avis, nesta conjuntura em que é
utilizada, mediatamente, por D. Afonso V, como instrumento duma política peninsular, ter a
noção de que, logo no segundo semestre de 1464, D. Pedro deixa de poder esperar auxílio de
Henrique IV. Desde Setembro desse ano o rei de Castela vê-se mergulhado em dificuldades
crescentes e a sua prioridade máxima de momento é a defesa da legitimidade da sua filha D.
Joana.
Essa defesa implica concessões, enquanto os seus adversários lhe tolhem qualquer tipo de
iniciativa respeitante ao casamento da sua outra filha, Isabel (futura Isabel, "a Católica").
No atinente a Portugal entende FONSECA que "reconhecendo-se as necessidades de D. Pedro
em Barcelona, procura-se aumentar o património do Condestável para que melhorem as suas
disponibilidades financeiras. Assim deve ser entendida, a nosso ver, a doação que D. Afonso V
lhe faz dos moinhos de Anobra, em 31 de Outubro de 1464 ".
Com o respeito que é devido a este autor, (que aliás temos vindo a seguir, e que estudou também
a origem e aplicação dos fundos de D. Pedro na análise económica e financeira do seu efémero
reinado) a doação dos moinhos de Anobra, mesmo que feita por D. Afonso V com o intuito que
refere, poderá parecer algo um pouco áquem das necessidades de liquidez financeira imediata do
soberano intruso de Aragão que, nesse preciso momento, se encontrava isolado
diplomaticamente e mergulhado numa escalada das operações militares que conduziria à batalha
de Calaf .
Além do mais, João II, tivera a precaução de construir em torno dos revoltosos catalães um
"cordão sanitário" de entendimentos diplomáticos e alianças que filtrava todos os auxílios e
apoios que estes tentavam captar. Apesar de D. Pedro rapidamente se ter apercebido da situação
em que se encontravam na segunda metade de 1464 vai desenvolver-se um enorme esforço
visando a obtenção do apoio da França e da Borgonha . Enquanto o ducado correspondeu com
algum auxílio, também ele bastante reduzido em face da magnitude das necessidades, o efémero
soberano do Principado da Catalunha, não conseguiu superar a desconfiança do frio analista que
era Luís XI, nem tão pouco minorar a sua oposição; algo de semelhante ocorrendo em Roma,
onde a corte pontifícia não evidenciava a disposição de apoiar a causa do príncipe português , e
onde – como veremos - desde o fim do Verão desse ano se desenvolvem diligências visando
substituir o governados do Mestrado de Avis.
No seu isolamento diplomático D. Pedro conceberá, em Setembro, algumas esperanças fundadas
na passagem pelo Mediterrâneo de uma esquadra borgonhesa comandada por António, filho
bastardo do duque Carlos, o "Temerário", cuja colaboração tentaria desesperadamente assegurar.
Mas, com o sucesso muito relativo desta diligência, a sua correspondência, a partir do Outono
desse ano, revela descrença em alianças e confederações, centrando-se as instruções dadas aos
seus enviados na necessidade premente de conseguirem auxílios concretos, materializados no
envio de homens de guerra, armamento e montadas.
Dataria deste período a diligência efectuada junto da Grã-bretanha, ou pelo menos, a primeira
sondagem sobre a possibilidade de aí efectuar uma aliança matrimonial. O ano de 1465 não trará
consigo nenhum contributo significativo que permitisse ao príncipe português quebrar o cerco
diplomático ou granjear os auxílios de que, tão desesperadamente, necessitava.
João II de Aragão há muito compreendera que a presença de um rei intruso na Catalunha, mais
do que o seu eficiente cerco diplomático, o obrigava – no caso de pretender solucionar a
integralmente o problema – a aumentar a sua pressão sobre Castela. Tanto mais que a situação
interna neste reino evoluíra para uma rebelião declarada contra Henrique IV.
A aposta da monarquia portuguesa na candidatura de D. Pedro, já de si oblíqua e pouco
empenhada, resvalava rapidamente para um impasse, ante a possibilidade de se ver abertamente
envolvida num conflito que, directa ou indirectamente, ameaçava alastrar a toda a Península.
D. Afonso V viu-se perante a necessidade de alijar o seu envolvimento teórico na distante revolta
da Catalunha e de enveredar por uma clara intervenção no reino vizinho, o que sucedeu na forma
sintetizada por FONSECA:
1 – Em primeiro lugar o encontro realizado na Guarda entre D. Afonso V e sua irmã, a rainha de
Castela, durante o qual D. Joana pediu ao rei de Portugal que interviesse a seu favor na política
interna castelhana;
2 – Em segundo lugar a carta régia de 1465.06.05., através da qual se procedia ao confisco de
todos os bens do Condestável em Portugal;
3 – Em terceiro lugar os indícios de que a orientação adoptada pelo monarca não correspondia
ao sentimento unânime de toda a sociedade portuguesa.

De acordo com o temperamento e modo de agir que muitos autores julgam discernir em D.
Afonso V, e tendo presente o tipo de acusações formuladas contra a rainha sua irmã, não é de
afastar que razões de índole emocional – para mais contextualizadas na época em que este evento
decorreu – possam ter influído na decisão do monarca português. Aliás essa possibilidade pode
ter integrado o conjunto de razões que ditaram o comportamento subsequente do rei de Portugal
em relação à Beltraneja, acção que nem sempre é fácil de compreender à luz da simples e
ponderada lógica política. E também a (minoritária?) decisão unilateral de um monarca que se
aconselhava e pedia pareceres sobre outras questões cruciais da política externa do reino.
Fosse como fosse, o rei de Portugal, ao decidir-se por uma intervenção directa na política interna
castelhana, viu-se na contingência de abandonar D. Pedro à sua sorte, opção traduzida na
supracitada carta régia de Junho de 1465. Esta colocação do Condestável numa situação de
proscrito proclama a ruptura com os revoltosos da Catalunha. E afasta, uma vez mais, o rei de
Portugal da política mediterrânica (e dos seus defensores no conselho régio), reforçando, num
novo contexto, é certo, a componente estritamente peninsular da sua acção.
De qualquer modo a trajectória futura de D. Pedro (e com ele, o destino da revolta da Catalunha)
estaria traçada de antemão. O corte do sincopado e restrito apoio oficial português não teria sido
determinante na evolução posterior dos acontecimentos.
E, visto isoladamente, dentro de uma lógica maquiavélica, deixar cair em tempo oportuno um
candidato votado ao insucesso corresponderia a uma tentativa de evitar ser atingido e "arrastado"
na sua queda. E também desresponsabilizar-se em tempo oportuno por uma candidatura que o
monarca português não se limitara apenas a sancionar. Mas, como é de regra, não poderemos
considerar isoladamente os benefícios do abandono de D. Pedro.
E não é certamente este o momento adequado para ponderar as consequências deste novo rumo a
que, adiante, seremos obrigados a regressar.

3.6.1. Os cavaleiros portugueses que combateram na Catalunha


Importa referir que se documentam, nesses trinta meses que decorreram entre a chegada a
Barcelona e a morte de D. Pedro, participações directas de cavaleiros portugueses nas renhidas
operações militares desenvolvidas durante o biénio em questão e, entre eles, de personagens
ligadas à Ordem de Avis.
De entre os compatriotas de D. Pedro envolvidos nessas campanhas muitos tinham participado,
ao lado do ex-Regente na batalha de Alfarrobeira, ou tinham laços de parentesco com os
combatentes nesse embate e poucos pertenciam à Casa Real portuguesa, ou são referenciados
como tendo combatido ao lado de D. Afonso V contra o Duque de Coimbra. Alguns outros, antes
de passarem à Catalunha, tinham combatido em Marrocos sob as ordens de D. Duarte de
Meneses. Ironicamente todos estes portugueses de procedência diversa tinham uma característica
comum: uma total ignorância dos assuntos catalães e uma não menor incompreensão daquilo
que, encontrando-se em jogo, transcendesse a necessidade de se empenharem na defesa militar
da candidatura do príncipe português .
Com efeito, da abundante e variada documentação sobre estes portugueses na Catalunha que
FONSECA teve oportunidade de consultar, os membros desse núcleo aparecem apenas como
criados e familiares de D. Pedro ou como oficiais do seu exército.
A conjugação dos dois factores acima apontados resultou numa reconhecida incapacidade de
integração social. Acresce que a utilização crescente das tropas lusitanas como forças de choque,
sistematicamente empenhadas em situações extremas revelou-se com frequência conflituante
com normas e costumes vigentes no Principado e incompatível com as características das
missões que lhes eram cometidas.
D. Pedro, na sua qualidade de soberano intruso, encontrava-se numa situação difícil, dividido
entre os novos súbditos e os compatriotas. Algumas vezes defendeu estes últimos com um
empenho proporcional à sua importância militar, como foi, designadamente, o caso de Fernando
da Silva, que o soberano da Catalunha sustentou apesar das insistentes e pesadas acusações que
lhe eram imputadas pelos Deputados.
Noutras ocasiões entendeu necessário curvar-se perante os protestos das autoridades catalãs,
como sucedeu em finais de 1465 com o castelo de Hostalrich, comandado por Pedro Eanes de
Azambuja, precisamente um cavaleiro directamente ligado ao Regente e, indirectamente, à
Ordem de Avis.
MARTINEZ FERRANDO, analisado por FONSECA a propósito do seu estudo sobre a
participação portuguesa na guerra contra Fernando II de Aragão, já se tinha apercebido do
carácter singular dos elementos que nela se integraram. E suscitou a possibilidade de que esse
contingente constituísse em boa parte um agregado de "familiares, parentes e dependentes" da
casa ducal de Coimbra, ou da facção que combateu pelo ex-Regente em Alfarrobeira, cimentado
por relações de "fidelidade senhorial" ou pessoal.
Já o historiador português inclina-se para que essa hipótese não restitua uma imagem fidedigna
do núcleo português que, nessa ocasião, combateu na Catalunha. E argumenta: "…parece-nos
que neste caso, mais do que uma questão de fidelidade a uma casa determinada – que pelo que
conhecemos da história contemporânea aragonesa, castelhana e portuguesa, era uma realidade
pouco frequente na Península do século XV–nos encontramos perante um exemplo notável de
permanência e relativa coesão de um grupo social".
Na sequência do seu raciocínio o autor interroga-se sobre a questão de apurar se as casas
senhoriais, as ordens militares e, inclusivamente, determinadas empresas político-militares não
teriam nesta época uma expressão sociológica própria. Pondera que a circunstância de se
referenciarem na Catalunha, neste biénio e nesta conjuntura, uma maioria de intervenientes
portugueses que, na década de quarenta, portanto 20 anos antes, se encontrava ligada ao Infante
D. Pedro, conjugada com a total ausência de membros da casa do Infante D. Henrique, constitui
um dado com certo interesse.
Estas considerações são expendidas com base na convicção de que a ida do governador do
Mestrado de Avis para Barcelona se inscreveu numa linha política e diplomática pro-castelhana
(que também entendemos ter norteado grande parte da trajectória do filho do ex-Regente, aliada
a um posicionamento de oposição à expansão norte-africana assumido pelo Condestável em
1449-1456 e 1460), conjugada com a orientação continental reconhecidamente prosseguida
durante a Regência; tudo isto configurando a hipótese da existência de uma corrente de opinião
mais sensibilizada para os problemas peninsulares que os atlânticos no Portugal de meados do
século XV.
Fonseca vai mais longe ao interrogar-se se essa corrente de opinião não se identificaria com uma
realidade sociológica que, nas circunstâncias da época, se traduziria em termos institucionais, na
ligação a uma determinada casa senhorial (ducado de Coimbra) ou a uma determinada Ordem
Militar (Avis).
No fundo, tal como se encontra formulada, esta interessante hipótese não exclui, antes
desenvolve, as constatações de MARTINEZ FERRANDO.
E, quanto a nós, suscita outra interrogação, de certo modo dela decorrente. Até que ponto a
política de apaziguamento e reintegração praticada pelo "Africano" em relação aos familiares,
criados e apaniguados do derrotado de Alfarrobeira, exaustivamente explorada na perspectiva
formalmente jurídica por Baquero Moreno na Batalha, e que consensualmente se dá com tendo
sido concluída, como vimos, no Verão de 1455, correspondeu a uma paralela e efectiva
reintegração social, política e militar de muitos dos, oficialmente perdoados, partidários do
Duque de Coimbra.
Seria interessante constatar que, ressalvadas algumas notórias excepções, não é frequente
reencontrá-los, referenciados a ocupar cargos relevantes no aparelho de Estado, entre os
participantes da política marroquina ou nos intervenientes na exploração da costa norte-africana,
nem sequer entre os povoadores das ilhas atlânticas, a cujo desbravamento inicial o Regente
tinha prestado especial atenção. Que oportunidades, que redes de solidariedade activa, podiam
aguardar e sustentar na sociedade portuguesa do reinado de D. Afonso V, os formalmente
perdoados, mas talvez não reintegrados, seguidores e familiares da casa senhorial do Duque de
Coimbra?
E até que ponto o apoio da monarquia portuguesa à candidatura catalã do governador de Avis,
que, como vimos, parece inquestionável e consistente até à chegada de D. Pedro a Barcelona,
não constituiu apenas uma das várias tentativas frustres ensaiadas por D. Afonso V com o
objectivo de conseguir um ponto de apoio mediterrânico? Empenhamento que não parece ter-se
prolongado significativamente para lá do encontro com o rei de Castela, em Gibraltar, no ano de
1464. Ou apenas isso mesmo, mas inserido numa subordinação aos interesses da política
peninsular castelhana.
Parece evidente que o envolvimento português num auxílio eficaz ao efémero rei da Catalunha
na sua (previsível) guerra contra João II de Aragão comportava riscos no tocante ao equilíbrio
peninsular, e um pesado investimento em termos militares. Mas esse pesado investimento foi
repetidamente efectuado pelo "Africano" em termos de expedições marroquinas e, ao que parece,
nem sequer ensaiado no que à Catalunha dizia respeito.
Ou, no escalonamento de prioridades da política externa global de D. Afonso V o vingar da
candidatura catalã de D. Pedro ocupava uma posição secundária face à opção marroquina – e daí
o tortuoso e dúplice processo diplomático conduzido por um soberano que não podia (nem
queria) empenhar-se a fundo e abertamente. Ou, no quadro da política diplomática apenas
peninsular, onde sobressaía a inevitabilidade de cedências a Henrique IV com o objectivo de
manter a estabilidade das relações luso-castelhanas, prevaleceu o interesse castelhano em não
tornar extensivo à globalidade da Península uma guerra de "alta intensidade", mas perfeitamente
circunscrita.
Fosse como fosse, a trajectória do príncipe português catapultado a soberano intruso de Aragão é
um percurso solitário em que tanto ele, como o seu reduzido núcleo de portugueses, irão "beber
sozinhos o cálix até ás fezes".
Mas importa salientar que, tal como as vemos, tanto a trajectória pessoal de D. Pedro como o
quadro político, diplomático e militar dentro da qual ela se inscreve e desenvolve, podem
considerar-se como fazendo parte de uma conjuntura peninsular global onde interagiam os reinos
de Portugal, Castela e Aragão que, circunstancialmente, colidiam com interesses nevrálgicos
franceses ou britânicos.
Esta peninsularidade de uma trajectória pessoal pertence a uma personagem que,
cumulativamente, foi governador do Mestrado de Avis, ordem militar que, como tivemos ensejo
de salientar, se caracterizou por uma vocação continental, e que – à sua escala - prestou na guerra
da Catalunha um inusitado, mas assinalável contributo em homens, e em recursos.
FONSECA,analisando esta participação da milícia no conflito catalão, escreveu que "…através
do Condestável, a Ordem se viu envolvida numa empresa político-militar à primeira vista
completamente alheia à sua razão de ser [na qual] a presença de D. Pedro em terras catalãs
representou para a Ordem de Avis um esforço considerável em homens e dinheiro, utilizados na
defesa da causa do pretendente à coroa aragonesa".
A utilização de "à primeira vista" na supracitada passagem deste autor não é fortuita. Com efeito,
uma vez que é este mesmo autor, no seu incontornável estudo sobre a figura de D. Pedro, o
primeiro a sublinhar a imediata instrumentalização do Condestável, posto ao serviço de uma
vertente mediterrânica da política externa da monarquia portuguesa, e mediatamente, da Ordem
militar de Avis, de que o instrumentalizado Condestável era governador , existem reflexões a
fazer.

1 – Não detectamos, até agora, ao longo deste trabalho nenhum indício de que a "razão de ser" da
milícia de Avis se tenha desviado de uma missão estratégica continental-peninsular objectivada
na defesa e estabilização de uma zona fronteiriça e de itinerários de invasão localizados no Alto
Alentejo. Muito embora os contextos político-militares nos quais se inscrevia essa missão
tenham evoluído de acordo com as conjunturas envolventes.
2 – Tivemos ocasião de ir constatando que uma das constantes do relacionamento entre a coroa
portuguesa e a milícia de Avis, pelo menos a partir do fim da chamada "Reconquista", é a
tentativa continuada por parte da monarquia de assumir um controlo crescente desta ordem
militar, com o objectivo de a reconverter num instrumento da sua política.
3 – Admitimos, aliás na esteira de uma já referida hipótese, oportunamente formulada por
PIMENTA, que o Mestrado de D. Frei Fernão Rodrigues configura uma espécie de período
vestibular, ou "ensaio geral", de um projecto joanino de subordinação mais estreita da milícia à
monarquia, através da mediação de Infantes-governadores que, em teoria, deveriam actuar como
alter egos dos monarcas. E admitimos que esse mesmo projecto joanino acabaria por ser
adulterado ab initio por esses mesmos Infantes-governadores.
4 –A utilização, por D. Afonso V, da Ordem de Avis como braço armado ao serviço de uma fruste
política peninsular da monarquia surge como um "pírrico regresso" à missão subjacente ao
projecto joanino: a Ordem ao serviço da coroa.

Inscrita numa sociedade portuguesa dividida, tanto inicialmente em relação ao empenhamento na


revolta catalã, como, posteriormente, no tocante ao abandono de D. Pedro e dos revoltosos, a
Ordem de Avis não iria reagir – uma vez mais – com unânime acatamento à missão que lhe fora
destinada. E isto mesmo ressalta com nitidez do texto duma carta dirigida pelo Condestável à sua
tia duquesa de Borgonha, em 19 de Setembro de 1464, no momento em que já se perfila a
hipótese de lhe ser retirado o governo do Mestrado: "por algunos poço attendientes a lo que es
nuestra voluntat e serviçio se faze instancia summa en corte de Roma e com nuestro Sancto
Padre es procurado que el Maestrado de Avis sea en outro transferido. Lo qual por muchos e
dignos respectos nos viene molesto e dannoso, e entre los otros por quanto toviendo aquel
tenemos alguna forma de haver portugueses e gentes dalla a nuestro servicio, e no teniendo
cessa aquello, e algunos bienes que en el dicho Maestrado complir teniamos deliberado non
podra haver su effecto" .
Deste excerto parece-nos possível concluir:

1 – Pelo menos desde Setembro de 1464, decorrido pouco mais de meio ano sobre a chegada de
D. Pedro a Barcelona, e provavelmente desde quase um ano antes da carta régia de 5 de Junho de
1465 pela qual D. Afonso V determinava que todos os castelos, vilas, lugares e coisas que o
Condestável tinha no reino fossem remetidos à posse do rei de Portugal , já se desenvolviam
esforços visando a sua neutralização. Designadamente através da tentativa de o substituir no
governo do Mestrado de Avis, fonte primacial – como o próprio D. Pedro reconhece – de "haver
portugueses e gentes de dalla". Este excerto fornecendo, desde logo, uma ideia do apoio militar e
financeiro alegadamente prestado por D. Afonso V à causa catalã, e da importância do contributo
da Ordem militar de Avis.

2 – Dificilmente se admite que essas, tão prematuras, diligências de substituição pudessem ser
desenvolvidas, a nível da corte pontifícia, sem o conhecimento e, pelo menos, acordo tácito –
senão mesmo iniciativa - do rei de Portugal.

3 – Estas manobras, que em nosso entender envolvem a monarquia portuguesa, desenvolvem-se


na sequência da cimeira de Gibraltar, onde se reuniram os soberanos luso e castelhano, numa
fase em que o Condestável, se encontrava já isolado diplomaticamente, mergulhado numa
escalada das operações militares que conduziria à batalha de Calaf, e antecedem a doação dos
moinhos de Anobra (Outubro de 1364), mercê alegadamente praticada com o intuito de
contribuir para a liquidez da sua tesouraria…
Registe-se que as diligências que visavam a substituição – ao nível da Santa Sé - de D. Pedro no
governo do Mestrado de Avis, a despeito da reconhecida hostilidade da Santa Sé em relação à
revolta catalã, da pressão exercida sobre a corte romana por João II de Aragão, das propostas de
renúncia do próprio Condestável, não terão qualquer efeito prático, uma vez que apenas em
1468, depois da morte de D. Pedro, o papa Eugénio IV virá a reconhecer um novo governador da
Ordem de Avis. Posição aliás consentânea com a linha seguida por Roma, que já anteriormente
recusara sancionar de jure a substituição de facto do, então exilado Condestável, pelo seu tio, o
Infante D. Henrique.
Estes são os factos que, no plano da política e da diplomacia, parecem reforçar a nossa convicção
de que, apesar de apenas formalmente consubstanciado oficialmente o abandono de D. Pedro no
Verão de 1465, este já teria sido encarado por ocasião da cimeira de Gibraltar (1464), e de que, a
partir daí, a monarquia portuguesa desenvolvia um jogo dúplice no atinente à candidatura catalã
por ela mesma encorajada e apoiada inicialmente.
No que respeita ao plano interno da Ordem, e na sequência de dissidências antigas, uma outra
carta do efémero rei da Catalunha permite concluir que as diligências romanas que visavam a sua
substituição como governador da milícia de Avis (diligências essas que teriam sido iniciadas
antes de 1459), recolhiam, desde Abril de 1464, o acordo (e a participação activa?) de uma
facção mais alargada dessa ordem militar encabeçada por alguém que, desde início, optara por
uma posição dúbia em relação ao Regente D. Pedro: nada mais, nada menos do que o próprio
Comendador-mor ,Garcia Rodrigues de Sequeira, cujo poder no seio da milícia de Avis – como
adiante veremos - fora posto em causa no capítulo da Ordem realizado em 1445, muito
provavelmente por indicação do próprio Duque de Coimbra. O que nos permite constatar que, a
exemplo do ocorrido em crises anteriores, o núcleo social constituído pelos Comendadores e
cavaleiros de S. Bento de Avis, se fraccionava, apenas volvidos 4 anos sobre o antedito Capítulo,
ao longo de linhas de ruptura de acordo com uma lógica de equilíbrios e preponderâncias
internas. Ignoramos se é relevante, mas não deixamos de apontar que as primeiras denúncias
formuladas por D. Pedro visando a facção de Garcia Rodrigues de Sequeira surgem pouco depois
da supracitada cimeira de Gibraltar.
Não é alheio a esta última questão o facto de ser possível detectar algumas alterações a nível
socioeconómico e normativo, na Ordem militar de Avis no decurso do período que medeia entre
a morte do Mestre D. Frei Fernão Rodrigues de Sequeira e o fim do governo do primogénito do
Regente. Tivemos ocasião de acompanhar atrás a campanha desenvolvida contra o Priorado do
Crato pelo Duque de Coimbra, a partir das terras sob jurisdição da Ordem de Avis e com a
colaboração desta milícia, e de referir as dúvidas que nos suscitou a actuação do seu
Comendador Mor, dúvidas que, em nosso entender, o decurso dos acontecimentos apenas viria
reforçar.
Terminado este conflito, a escolha feita pelo Regente de colocar à testa dessa ordem militar o seu
próprio filho primogénito terá assente, entre outras, já referidas, razões determinadas pela
política interna da regência, na necessidade de inserir na milícia um alter ego que, em
simultâneo, lhe permitisse controlar a ordem e, através desse controlo, garantir a prossecução da
sua missão estratégica no quadro da vertente castrense da política peninsular do Regente. Com
efeito, é à luz deste entendimento que se compreenderá que a milícia de Avis tenha vindo a
desempenhar durante o período do governo do Condestável o papel de um instrumento da
estratégia peninsular da monarquia portuguesa, tal como foi desenvolvida pelos seus sucessivos
interpretes.

3.7. Notas sobre o Condestável D. Pedro, governador do Mestrado de Avis


O Condestável D. Pedro, na sua vertente de governador deste Mestrado, não é uma personagem
fácil de descodificar, nem a sua obra pessoal, comprimida entre tutelas e desígnios que o
transcenderiam, é fácil de individualizar.
Nascido em 1429 e tendo assumido em 1444 o governo ainda muito jovem (teria cerca de 15
anos) parece admissível que, durante uma primeira fase que termina abruptamente com o exílio
castelhano em 1449, tenha sido um instrumento dócil dos desígnios paternos. O seu tio, o Infante
D. Henrique, asseguraria a administração interina da Ordem de Avis, formalmente desde que
para tanto foi mandatado, por carta régia feita em Lisboa, a 26 de Maio de 1449, como escreve
SOUSA "enquanto o papa não aprovava" , até à "restituição" do governo do Mestrado, por carta
redigida em Évora, a 30 de Maio de 1453, mas, na prática, muito provavelmente até uma data
próxima de 24 de Abril de 1456, altura em que se documenta o regresso de D. Pedro à
administração da milícia.
Parece-nos que, atentas as circunstâncias em que se verificou, a assumpção plena do governo do
Mestrado se tenha efectuado de uma forma gradual durante esta segunda fase. E, já durante um
período relativamente longo, possivelmente situado a partir do ano de 1462, e que se
intensificaria até ao seu desembarque na Catalunha no início de 1464, o governo da Ordem
militar de Avis terá constituído para o Condestável mais um instrumento da sua candidatura ao
trono de Aragão do que um fim em si mesmo. Isto sem embargo de, já ocupando o trono do
Principado, designadamente em Agosto de 1464, ainda se poderá eventualmente continuar a
considerar que, em seu nome, continuariam a ser praticados actos de governo do Mestrado, que
podem ter-se prolongado até Junho de 1465.
Em suma um governo entrecortado, certamente muito pouco autónomo durante os primeiros 4/5
anos, interrompido por uma queda em desgraça e uma reinserção complexa, e assombrado por
outras prioridades na última fase do segundo período de cerca de oito anos.
E precisamente um governo entrecortado, e parcialmente sob tutela, que se iniciou quase na
sequência de um interregno, e sob os auspícios de um clima reformista que abrangia a totalidade
das ordens militares portuguesas .
Não espanta pois que, tanto por imperativos reformistas gerais quanto por motivos de "balanço
interno post- vacatio", logo em 1445, um escasso ano decorrido sobre a chegada de D. Pedro à
governação do Mestrado, se tenha reunido um Capítulo em Avis.
Nessa reunião capitular, de acordo com o que escreveu o historiador da Ordem Frei Jerónimo
Roman, "…se trató como se havia de reformar la Ordem, por haver estado algum tiempo sin
Maestre y caveça quando el Infante D. Fernando estuvo cautivo.". Este mesmo autor fornece
algumas pistas sobre as questões abordadas:"El fin para que se celebro este capitolo se saca de
los actos capitulares que fué para tomar cuenta como se posceion las encomiendas, y que
montava la renta de la Ordem, porque esto andava pervertido desde el Maestre Don Fernando
Rodrigues de Siqueira, el qual havia dado muchos bienes de la Ordem como por juro o heredad
a sus parientes" .
Esta passagem, confirmada pela acta da reunião vem confirmar aquilo que atrás havíamos
assinalado sobre os vários objectivos prosseguidos pelo Mestre Sequeira com a sua política de
redistribuição do património da Ordem, efectuada com a complacência de D. João I. Mas, sob
outra perspectiva mais objectiva e concreta, poderia visar directamente os interesses da rede de
solidariedade familiar e apoio interno do herdeiro directo do Mestre D. Frei Fernão Rodrigues,
seu filhoo Comendador-mor Garcia Rodrigues de Sequeira, que constataremos no capítulo de
1469 haver sido esbulhado de (todos, ou alguns dos seus?) bens, e cujo comportamento recente,
durante a campanha dirigida pelo Regente contra o Prior do Crato, teria dado azo ás dúvidas
sobre a sua fidelidade, e que viria a encabeçar a facção que se oporia ao governo de D. Pedro.
Essa oposição do novo governador da Ordem de Avis não terá resultado num cerrar de fileiras
dos Sequeira, que logicamente se poderiam, em tese, ter constituído num bloco coeso de
opositores que defendessem interesses duma rede familiar. Pelo menos assim julgamos poder
depreender da anterior presença na Catalunha, ao lado do Condestável, de Fernão Rodrigues de
Sequeira, filho do Comendador-mór D. Garcia Rodrigues e Comendador de Juromenha, bem
como de Fernão Vasques de Sequeira, primo do antecedente
Mas, sob outra perspectiva mais objectiva e concreta, poderia visar directamente os interesses da
rede de solidariedade familiar e apoio interno do Comendador-mor Garcia Rodrigues de
Sequeira, que constataremos no capítulo de 1469 haver sido esbulhado de (todos, ou alguns dos
seus?) bens, e cujo comportamento recente, durante a campanha dirigida pelo Regente contra o
Prior do Crato, teria dado azo ás dúvidas sobre a sua fidelidade a que atrás fizemos referência, e
que viria a encabeçar a facção que se oporia ao governo de D. Pedro. Essa oposição do novo
governador da Ordem de Avis não terá resultado num cerrar de fileiras dos Sequeira, que
logicamente se poderiam, em tese, ter constituído num bloco coeso de opositores que
defendessem interesses duma rede familiar. Pelo menos assim julgamos poder depreender da
ulterior presença na Catalunha, ao lado do Condestável, de Fernão Rodrigues de Sequeira e de
Fernão Vaz de Sequeira..
A estas razões, já de si suficientes para que fosse aconselhável e oportuno efectuar um "balanço
de contas e situações" vinha acrescentar-se a constatação de que os imediatos sucessores de D.
Frei Fernão Rodrigues (o Infante D. Fernando e, possivelmente, o próprio Regente) haviam
procedido a "algumas mudanças" nas "câmaras e rendas que a Mesa Mestral pertencem",
mudanças essas que teriam consistido em doações do património da Mesa.
No atinente ás doações efectuadas pelo Condestável a documentação, como reconhece
FONSECA, não fornece directamente muitas indicações sobre o assunto. Muito embora é
conhecido que, em 1460, Alter Pedroso foi entregue a Diogo de Azambuja, um dos fiéis do
Regente que, integrando a Ordem de Avis, servirá o Condestável na Catalunha, e regressando à
milícia após a sua morte, prestará assinaláveis serviços a D. Afonso V e D. João II, transmitindo
a comenda a seu filho.
O mesmo sucedendo, pelo menos, com a quintã do Paço do Mestre, na Telhada (Alenquer) cujas
rendas pertenciam ao Mestre desde o século XIV, como já vimos, e que foi aforada em 5 de
Junho de 1456 a Gonçalo Teixeira, cavaleiro da Casa Real, e almoxarife da portagem de Lisboa.
Já tivemos oportunidade de passar em revista a localização do património da Ordem e
constatamos - na sequência do inventário das rendas alocadas aos Mestres no governo de D. Frei
Martim do Avelar – que se tinha verificado uma concentração do património da Ordem nas mãos
dos seus Mestres uma vez que, das 38 localidades da Ordem então inventariadas, 18 tinham
passado a integrar a Mesa Mestral, Ora, tendo em conta a descrição sumária das terras sob
jurisdição de Avis, que efectuaremos adiante, na parte 5 deste trabalho, será possível depreender
que, posteriormente à morte do Mestre Sequeira, dessas 18 localidades da Mesa Mestral, 9
haviam sido alienadas a particulares.
Algumas dessas doações e aforamentos, a exemplo do sucedido com Alter Pedroso e a quintã da
Telhada, verificaram-se durante o governo de D. Pedro, e algumas ocorreram seguramente no
decurso do período que designamos por "tempo dos infantes", fase durante a qual consideramos
ter sido desrespeitado o "programa joanino" relativo ás ordens militares, numa deriva de
"retrocesso medievalizante" inscrita no primeiro ciclo de Quatrocentos .
É licito considerar que o enfraquecimento do património da Mesa Mestral, podendo corresponder
a uma prática de recompensa ou captação praticada por senhores laicos, que talvez entendessem
a Ordem militar de Avis apenas como uma das vertentes dos seus propósitos pessoais, não terá
contribuído para reforçar um tipo de poder no interior da instituição que, afinal, redundaria numa
coesão hierarquizada.
Talvez por esse motivo, na conhecida reunião capitular efectuada no convento de Santa Maria da
Graça de Avis, em 26 de Janeiro de 1469, se tenha acordado reintegrar no património da Mesa
todas as comendas, lugares e rendas que lhe pertenciam ao tempo da morte de D. Frei Fernão
Rodrigues de Sequeira. Resolução essa que, todavia, não teve efeitos práticos, como se
comprova, designadamente, pelos casos de Santa Maria de Beja, Cabeço de Vide e Moura.
Esta inexecução do acordado pode suscitar a hipótese de D. Afonso V não pretender que o seu
herdeiro levasse a efeito essa reconcentração patrimonial, quiçá por ter em mente outros
projectos para a milícia e/ou para responder ás solicitações formuladas pelos dignitários da
Ordem e enumeradas por PIMENTA , dentre as quais destacaríamos :
" – Que as alcaidarias dos castelos da Ordem passassem a ser entregues aos respectivos
comendadores, fazendo cessar a prática de nelas serem providos alcaides leigos.
- Que se retomasse a prática, entretanto desrespeitada, de eleger o claveiro entre os membros
mais antigos e respeitados da milícia.
- Que se procedesse a uma distribuição equitativa das comendas, tendo presente a existência
simultânea de cavaleiros que acumulavam várias comendas, enquanto outros apenas detinham
uma, e de fraco rendimento, bem como a concessão de comendas a noviços, em prejuízo de
cavaleiros professos a quem não fora concedida nenhuma benesse.
- Que se restituíssem os bens ao – ainda – Comendador-mor Garcia Rodrigues de Sequeira.
- Que se restituísse ao comendador de Juromenha o castelo do Alandroal, alegadamente
confiscado sem ele fazer cousa por que o devesse perder."
Esta historiadora salienta o modo evasivo com que D. Afonso V respondeu a estes pedidos
"quase invariavelmente colocando na futura acção do seu filho a responsabilidade das decisões a
tomar face à extensa lista de problemas, alguns de gravidade e a exigir resolução concreta" . O
rei não só ganhava tempo como, ao adiar, dava azo a que o príncipe-herdeiro pudesse tomar
decisões consentâneas com o seu próprio entendimento da Ordem de Avis
Á primeira vista poderiam ter coexistido várias ordens de razões que teriam estado na origem de,
mais uma, cisão interna da Ordem de Avis:

1 – Sancionado, ou implicitamente admitido por D. João I, D. Frei Fernão Rodrigues de


Sequeira, no decurso do seu longo governo, ao mesmo tempo que concentrava quase 50% do
património da milícia nas mãos do Mestre, teve o cuidado de proceder à colocação da sua "rede
familiar" em posições estratégicas na hierarquia da Ordem.
2 - Um seu filho bastardo, Garcia Rodrigues de Sequeira, que ascendera a Comendador-mor,
logo por ocasião da campanha do Crato, baseada pelo Regente em terras da Ordem, manteve um
comportamento dúbio.
3 - A sua duvidosa fidelidade terá reforçado as razões que presidiram ao ataque que contra o
núcleo familiar dos Sequeira foi desenvolvido durante o Capítulo de 1445. Como já constatamos
esse ataque, que terá estado na origem do ulterior confisco de bens ao Comendador-mor Garcia
Rodrigues, pode ter fragmentado a coesão da rede familiar de interesses protagonizada pelos
descendentes e parentes do Mestre D. Fernão Rodrigues de Sequeira, alguns dos quais
acompanharam o Condestável à Catalunha.
4 - Desconhecemos até que ponto a supracitada reunião capitular teve, efectivamente,
consequências gravosas para o conjunto dos apaniguados de Garcia Rodrigues de Sequeira, ou
para o equilíbrio interno do poder na Ordem, mas é seguro que o Comendador-mor de Avis, em
1449, viria a coadjuvar D. Sancho de Noronha, Conde de Odemira, na campanha que este, por
mandado de D. Afonso V comandou, e que era dirigida contra os castelos da própria Ordem de
Avis, bem como os efectivos eventualmente arregimentados pelo seu governador, o Condestável.
E que "sobreviveu", incólume, à morte e substituição de D. Pedro, tendo sido ele a encabeçar –
como lhe competia, dado que mantinha o cargo - a procuração de 1469.01.17 a favor do Infante
D. Fernando, e mesmo posteriormente quando, no capítulo iniciado em 26 desse mesmo mês,
sendo ainda Comendador-mor, pediu a restituição dos seus bens, como tivemos ocasião de ver.
5 – O contributo da milícia para a campanha da Catalunha representou um esforço considerável
em homens e dinheiro, utilizados na defesa da causa do filho do Regente, sabendo-se que uma
parcela da Ordem de Avis o tinha hostilizado, fora atacada pelo seu filho, e o traíra durante a
campanha do Conde de Odemira. A queda do Regente, o governo interino do Infante D.
Henrique e o exílio castelhano do Condestável devem ter permitido um reagrupamento e
reorganização dos seus adversários.
6 - Uma vez regressado a Portugal é admissível que o Condestável tivesse tentado beneficiar a
sua facção de apoio, inclusivamente deixando-a instalada em pontos nevrálgicos da cadeia
hierárquica quando, em fins de 1464, embarcou para a Catalunha. Mas, aparentemente, não teve
capacidade para substituir Garcia Rodrigues de Sequeira do seu posto de "governador in
absentia", nem de neutralizar a oposição interna.
7 – As diligências comprovadamente desenvolvidas em Roma para substituir o Condestável, e
nas quais terá participado activamente a facção encabeçada pelo Comendador-mor contaram, em
nosso entender, com o apoio de D. Afonso V, desde cedo empenhado em se demarcar da causa
catalã.
8 – A este conjunto de factos e circunstâncias deverá acrescentar-se o crescente
descontentamento interno motivado pela oposição ao empenhamento da milícia na guerra da
Catalunha com tudo o que isso representava (de esforço inútil, uma vez que a própria monarquia
portuguesa abandonava D. Pedro à sua sorte).
Mais uma vez caberia ao próximo governador do Mestrado alcançar uma desejável pacificação
interna, e a "acentuar progressivamente a entrada da Ordem na área de influência do poder
régio".
Uma outra vertente da actuação do Condestável D. Pedro como governador do Mestrado de Avis
que importa referir é, precisamente, o seu papel como responsável por uma milícia castrense
detentora de praças-fortes. Ressalve-se no entanto que as obras de reparação e ampliação de
castelos da Ordem de Avis a que iremos referir-nos respeitam ao período da regência, durante o
qual é difícil destrinçar se as iniciativas caberiam directamente ao Infante D. Pedro ou ao seu
filho, o governador deste Mestrado.
Mesmo antes do Condestável ter assumido a direcção do Mestrado os representantes concelhios
de Elvas expuseram que, durante a revolução iniciada em 1384, o alcaide do castelo da vila tinha
negociado com a rainha D. Beatriz de Castela a entrega da praça-forte. Tomando conhecimento
desse acordo os moradores de Elvas assaltaram a fortaleza, que foi tomada pela força.
O maior obstáculo encontrado pelos moradores durante o assalto foi uma "barbacã de porta". O
Condestável, a quem tinha sido feita mercê desse castelo, por mandado de D. Afonso V (que para
o efeito lhe escreveu), fez derrubar essa barreira, bem como dois lanços do muro da alcáçova e
impediu a construção de uma torre de reforço, cuja edificação já se havia iniciado. Acção
desenvolvida a requerimento do Concelho, com o intuito alegado de evitar que, no caso de um
outro alcaide se revelar desleal, fosse mais fácil tomar o castelo.
Admitimos que, compreensivelmente, esta iniciativa pudesse colidir directamente com o
interesse estratégico da Ordem de Avis, e indirectamente com a visão de Estado durante o
conturbado período da regência. A comprová-lo estará o facto de que, pouco depois, Diogo
Lopes de Sousa, alcaide-mor dos castelos de Arronches e Elvas, ter reedificado a barbacã, mais
forte do que anteriormente. A obra foi concluída por iniciativa do Regente.
Entre 1442 e 1443, período que coincide com a nomeação pelo Duque de Coimbra de fronteiros
para o Alentejo e o reacender da guerra civil em Castela, foi executado um vasto plano de
reparações que abrangeu castelos das ordens militares de Avis e Santiago. No atinente à primeira
dessas milícias a frente de obras estendeu-se ás fortificações de Noudar, Alandroal, Elvas, Serpa
e Castelo de Vide.
Mas no regresso do exílio fixou-se em Avis, cabeça do seu Mestrado, onde em 7 de Junho de
1456 fez redigir, e subscreveu, uma carta de mercê a Frei Lopo Dias de Brito, Comendador de
Coruche e claveiro da Ordem autorizando-o a dar terras de sesmaria na sua Comenda e em
Agosto de 1457 emprazou a Rui Vasques, seu criado e escrivão da puridade a quinta do Paço dos
Mestres, no Lumiar, termo de Lisboa . Nesta vila residiu o tempo suficiente para reedificar a
torre de menagem do respectivo castelo, que mandou ornamentar interiormente com pinturas a
fresco, ampliar e beneficiar a igreja conventual e respectivo coro, remodelar parcialmente os
paços dos Mestres, onde ainda hoje se conserva um poço ostentando a sua divisa Paine Pour
Joie.
Parece oportuno reproduzir aquilo que, sobre a sua visão como construtor de obras militares,
escreveu PEREIRA DA COSTA "D. Pedro sabe quanto vale o castelo de Avis para a defesa do
Alto Alentejo. Se as lutas com os mouros terminaram, se as lutas de independência com Castela
ficaram resolvidas pela espada de seu avô, lutas internas entre os grandes senhores espreitam a
toda a hora: assim encosta a torre de menagem aos seus aposentos voltados ao Norte, sobre a
ravina onde corre a ribeira (…) abre passagens interiores que ligam os aposentos à torre, ao
refeitório e ao coro da igreja que, por sua vez tem passagem para a casa do D. Prior e a
Alcaidaria. Para o Levante passará o seu guarda-roupa e escritório, no qual manda pintar
fuguras de alguns filósofos (algumas ainda aí estão), e junto do qual ficará a tribuna sobre o
alta-mór onde poderá assistir ás solenidades religiosas isolado dos freires que, no coro,
entoavam os cânticos. Por baixo da sala ficavam as estrebarias e ainda lá está o bebedouro,
transformado em lavabo e a passagem reduzida a metade por um arco que dava para o
pomar.Debaixo do guarda-roupa ficava uma casa pequena com duas lojas que, de acordo com a
tradição, seria a casa do capítulo(…) formou-se então um páteo fronteiro a estas dependências e
construíram-se celeiros no jardim do convento quue tinha cisterna e um cano que captava as
águas e passando por debaixo da muralha ia alimentar o lagar extra-muros".

4. Reestruturação de Avis na antecâmara do Mestrado de D. Jorge


(1466-1491)

Em 10 de Setembro de 1468 através da bula de Paulo II, Cessant Nuper, o príncipe herdeiro D.
João sucedia formalmente ao Condestável D. Pedro no governo do Mestrado de Avis. Desde o
primeiro quartel desse século XV que a chefia das ordens militares sistematicamente passava
pelas mãos de príncipes da família real, mas é esta a primeira vez que o governo será exercido
pelo herdeiro da coroa, o qual também virá a chefiar Santiago, pelo menos a partir de 1477.
No entanto, por ocasião da morte, em 1470, do Infante D. Fernando, irmão do rei D. Afonso V, o
monarca adoptaria, no tocante à sua sucessão nas ordens militares, um critério diferente dos
anteriormente seguidos pela coroa. Esta ruptura mereceu algumas reflexões que nos abstemos de
reproduzir, uma vez que a questão se encontra enquadrada.
Recordaremos apenas que existiu uma linha de continuidade iniciada entre 1418 e 1434 (em que
o governo dos Mestrados foi confiado a Infantes, filhos de D. João I) ao longo da qual as milícias
nunca mais saíram do âmbito da família real; mas à medida que os Mestrados vão vagando
começa a denotar-se a tendência de associar Santiago e Cristo. Primeiramente nas mãos do
Infante D. Fernando, depois nas de seus filhos D. João e D. Diogo.
Poderia deduzir-se desta prática que a monarquia portuguesa, em nosso entender contrariando o
programa joanino relativo ás ordens militares, encarava a hipótese de constituir um grande bloco
senhorial de que estas duas milícias seriam o núcleo. Mas em 1472 este "programa" foi
abandonado, Cristo permaneceu na descendência de D. Fernando, enquanto Avis e Santiago eram
transferidas para a tutela directa do herdeiro da coroa, que – repita-se – as transmitiu ao seu
primogénito.
FONSECA, que se apercebeu desta mudança de paradigma, procurou contextualizar a inflexão
de rumo. Considera este autor que desde meados de Quatrocentos, e até 1470 (inclusive), D.
Afonso V se empenhou a fundo numa política de aproximação castelhana que, em boa verdade,
embora em conjunturas diversas, tinha sido uma constante (imposta por razões evidentes) a
constranger (de princípio a fim) a política externa dos governantes da Casa de Avis
Ao mesmo tempo que prosseguia como objectivo prioritário a sua acção mediterrâneo-
marroquina, admitiria nesse período que, no respeitante à dimensão atlântica e ao
reconhecimento da costa africana, esta vertente poderia – dentro de uma óptica de continuidade –
ser conduzida pela Casa Ducal Beja-Viseu, herdeira do Infante D. Henrique. Mas, para garantir
que esse objectivo pudesse ser eficazmente assegurado e desenvolvido, parecia adequado que
essa grande casa senhorial se reforçasse, constituindo um poder capaz de reforçar a vocação e
capacidades da Ordem de Cristo associando-lhe o poder económico e a dimensão humana da
milícia de Santiago.
Sucede que, em Outubro de 1469, Isabel, a irmã de Henrique IV de Castela, casou com
Fernando, rei da Sicília e herdeiro do reino de Aragão. E este acontecimento viria a alterar
radicalmente a curto prazo todo o, já de si precário, equilíbrio peninsular e a obrigar a uma
inflexão que se pretende ajustada da tradicional diplomacia portuguesa.
D. Afonso V – e o seu conselho – estavam suficientemente informados para se darem conta dos
previsíveis efeitos que a monarquia dual dos futuros Reis Católicos iria produzir a nível dos
apoios portugueses em Castela. E da necessidade de reformular – intensificando-o – o
empenhamento político e militar no reino vizinho.
O, embora frágil e acidentado, equilíbrio peninsular tinha-se alterado de tal forma que a
monarquia portuguesa se via obrigada a concentrar recursos na previsão duma ameaça.
E neste novo quadro não existia espaço político nem económico que justificasse o alienar de
poder régio que implicaria a consolidação da casa ducal Beja-Viseu ou a manutenção da situação
de excepcional preponderância que tinha vindo a usufruir a casa de Bragança.
Acresce que estas duas, dificilmente controláveis, casas senhoriais se encontravam
incomodamente próximas em termos de parentesco entre si, e com os Reis Católicos, cercando a
família real com a sua rede de alianças, e mantendo os contactos "e cumplicidades" advenientes
dos laços que as uniam.
PIMENTA, ao analisar o comportamento da monarquia portuguesa em 1470 (manutenção de
Cristo, apesar de tudo, associada a Santiago) e em 1472 (ano em que as duas milícias são
separadas) adopta uma interpretação muito semelhante ao formular as seguintes questões:
A contenção a observar para com o pontífice tratando-se da concentração de dois mestrados num
só titular, levanta dúvidas a esta historiadora, que se interroga : "se esta contenção existiu em
1470, será um factor determinante em 1472 "
A necessidade de um contrabalanço em relação a Santiago (em 1470) numa altura em que o
príncipe-herdeiro D. João, era já governador do Mestrado de Avis, aquele que pelo seu carácter
marcadamente fronteiriço, valeria a pena chamar à órbita mais directa da casa real, não fosse a
conjuntura ibérica – nomeadamente após o reconhecimento de Isabel como herdeira de
Henrique IV – exigir ao Africano alguma intervenção em terras de além-fronteiras? ".
A possibilidade de uma tentativa de apaziguamento de D. Afonso V face à Infanta D. Beatriz,
nomeando seu filho para Santiago, dada a proximidade desta com Isabel, futura Rainha Católica?
De acordo com esta autora Trata-se de uma hipótese possível em 1470, mas, pessoalmente, não
me parece ter sido a mais provável; de qualquer modo em 1472 já não esteve presente e, em
1481, muito menos.
Parece-nos deduzir (ou coincide com o ângulo segundo o qual abordamos a questão) que, de
todas as hipóteses afloradas, Pimenta se acaba por render ao senso comum, numa asserção mais
simplista, a situação em termos de desgaste económico e humano (bem como as dissidências
internas também decorrentes da aventura catalã do Condestável D. Pedro) a exigir uma chefia
mais directamente relacionada com a casa real?".
Com efeito, esta última interrogação de PIMENTA não se nos afigura simplista, antes
concordante com uma situação real. No já referido Capítulo de 1469 a questão da reconstituição
da Mesa Mestral da Ordem de Avis foi suscitada por Diogo Soares de Albergaria, aio e
procurador do governador do Mestrado (que contava na ocasião 14 anos), e portanto em seu
nome, (embora, em tese, se pudesse colocar a questão de apurar se a iniciativa teria partido dele,
ou apenas sido aconselhada), mas já preanunciando uma linha de rumo futura, que se nos antolha
inevitável atento o desgaste humano e patrimonial da milícia. E também a necessidade de
pacificação interna e de reconstituição duma cadeia hierárquica dócil, objectivos apenas
alcançáveis através de uma chefia forte e dotada dos necessários poderes coercivos.
A interpretação que temos vindo a acompanhar ajusta-se aos critérios seguidos na conjuntura de
1470 mas justifica também a atitude que, em 1481, D. João II entenderá adoptar perante uma
iniciativa da viúva do Infante D. Fernando. Com efeito, de acordo com a narrativa do secretário
Álvaro Lopes de Chaves, D. Beatriz solicitou, logo após a morte de D. Afonso V, a entrega do
governo do Mestrado de Avis a seu filho D. Manuel (futuro D. Manuel I). Tratava-se de uma
diligência perfeitamente compreensível, se analisada à luz dos antecedentes próximos. Com a
subida ao trono de D. João II o governo da Ordem de Avis ficaria vacante, justificando-se que a
duquesa viúva se apressasse a solicitá-lo para o filho.
Não se referia ao Mestrado de Cristo uma vez que este se encontrava nas mãos de D. Diogo, seu
filho mais velho. Mas não é fácil entender porque razão pedia Avis, e não o Mestrado de
Santiago, como seria aparentemente mais lógico, uma vez que o marido tinha acumulado os
governos de Cristo e Santiago, e uma diligência nesse sentido corresponderia a reconstituir uma
situação já anteriormente verificada. A menos que se admita que a milícia de Avis, reorganizada
por D. João II, continuava, no entender da Infanta, demasiadamente "contaminada" por
fidelidades sólidas à pessoa do monarca, e que para um conveniente controlo das ordens
militares, na perspectiva da Casa de Viseu, conviria inflectir o mais cedo possível essa situação.
Parece oportuno recordar que a manutenção do governo da Ordem de Cristo constituía um
objectivo primacial para os duques de Viseu, uma vez que lhes assegurava, não apenas pingues
rendimentos, mas também uma acrescida influência político-militar. Isto porque, beneficiando da
vintena de todo o trato africano, incluindo o do ouro, esta milícia tinha garantidas receitas anuais
avultadas e que iam crescendo no mesmo ritmo e proporção com que prosperavam os negócios
conduzidos pela Coroa. E o seu governador " dispunha de um capital considerável (de renovação
anual garantida) com que podia agraciar os seus apaniguados. As tenças concedidas com base
nestes rendimentos poderiam assim multiplicar-se na proporção do acréscimo das receitas do
comércio ultramarino, aumentando o número dos beneficiados dependentes da Casa ducal, logo a
clientela da mesma.
COSTA sumariou o papel da Duquesa viúva D. Beatriz no governo da Casa de Viseu. Recordou
este autor que os quatro filhos menores que ficaram por morte do Duque D. Fernando
aguardavam que D. Afonso V os protegesse assegurando-lhos um estatuto adequado à sua
condição. Por morte do irmão o Africano transferiu para o sobrinho primogénito, D. João, o
título de Duque de Viseu e o governo da Ordem de Santiago. Dentro dos mecanismos
compensatórios que, na época, se praticavam com o intuito de manter um equilíbrio precário
entre a descendência do fundador da dinastia, entregou finalmente o, há tanto solicitado, cargo de
Condestável à Casa de Bragança, fazendo, no entanto, na pessoa de D. João, secundogénito do
Duque de Bragança. Embora o cargo fosse confiado a esta mesma linhagem, fraccionava a Casa,
engrandecendo a linha secundogénita e evitando a concentração de poder na linha principal. No
mesmo movimento estratégico retirou o novo Duque de Viseu o governo da Ordem de Cristo,
que, por carta de 1 de Fevereiro de 1471, foi confiada a D. Diogo, o filho mais novo da Casa de
Viseu. Tendo presente a menoridade de D. Diogo esta medida ganhava ainda outro alcance uma
vez que o exercício do respectivo governo ficava sob o controlo do monarca que, já em 1468,
tinha entregue o governo da Ordem de Avis ao Príncipe-herdeiro D. João.
Mas a morte prematura do há pouco nomeado governador de Cristo, minou a intenção desta
manobra e D. Afonso V viu-se na contingência de ter de movimentar o governo da ordem dentro
da Casa de Viseu, confiando-a a , por carta de 4 de Agosto de 1471 a seu irmão D. Diogo, que
veio a suceder no ducado de Viseu, acumulando assim o que se pretendera cindir. Ora, uma vez
que estes seus dois filhos eram menores, a tutela de ambos recaía na duquesa viúva, a Infanta D.
Beatriz, figura cimeira, enérgica e influente, tanto na Casa Real portuguesa, de quem era
cunhada, como na Castelhana, uma vez que era tia, escutada e apreciada, de Isabel de Castela.
Como se não bastasse, era sogra do herdeiro da Casa de Bragança, de quem era prima, bem como
de seus irmãos, entre os quais se incluía D. Álvaro, chanceler-mor de Portugal que, um dia, D.
Manuel I, converteria em sogro do senhor D. Jorge. Esta influente senhora, que desempenhou um
papel de relevo na reorganização e administração patrimonial da Casa de Viseu, viria a
encontrar-se no centro das negociações de Alcântara, em Maio de 1479, na sequência de
diligências sigilosas que, desde o começo desse ano, vinha mantendo com Isabel de Castela
sobre o alcançar da paz e concórdia entre o rei de Portugal e Fernando e Isabel. Mas, como
reconhece COSTA, "o protagonismo de D. Beatriz nas negociações de paz esbateu-se nos meses
seguintes, e foi o príncipe D. João que dirigiu a sua conclusão". Sem, todavia, conseguir evitar
que a Duquesa de Viseu, atenta a sua extensa rede de parentescos e influências, se convertesse,
após a assinatura do tratado, no principal garante da paz. O Príncipe Perfeito, conseguiria
neutralizar temporariamente a sua preponderância política, mas pagaria caro essa "obnubilação"
uma vez que a Duquesa de Viseu seria uma das peças determinantes do inviabilizar da
legitimação do senhor D. Jorge, como adiante veremos.
Regressamos, então, ao pedido formulado por D. Beatriz no sentido de que D. João II entregasse
o governo da Ordem de Cristo a seu filho D. Manuel.
O novo rei escreveu-lhe a justificar a sua (inesperada?) recusa de modo tão evasivo que nessa
missiva não é possível detectar as, todavia óbvias, razões subjacentes rei alegava que só não
acedia de imediato ao pedido da Infanta devido às grandes dificuldades financeiras que a Coroa
atravessava e que ainda decorriam das guerras com Castela. E mais tarde voltaria a manifestar
vontade de entregar o governo do mestrado de Avis a D. Manuel, e o de Santiago ao seu próprio
filho, o príncipe D. Afonso, logo que a situação do erário régio o permitisse. Estamos em crer
que esta manifestação da vontade real previa a hipótese de vir a ser obrigado a deferir de algum
modo a pretensão de D. Beatriz, uma vez que contemplava a entrega do governo da ordem mais
poderosa (Santiago) ao príncipe-herdeiro, contemplando D. Manuel com uma milícia menos
relevante, e na qual a sua governação tinha introduzido quadros da confiança pessoal do
monarca.
Deste modo, para tentar contextualizar a decisão de D. João II, torna-se necessário regressar ao
reinado de seu pai e à, já referida, interpretação do processo sucessório do marido e do filho,
respectivamente em 1470 e 1472.
O novo monarca português pretendia controlar directamente – para já – as duas milícias de Avis
e Santiago e, logo que o ensejo se proporcionasse, substituir o governador do Mestrado de Cristo.
Perante uma reviravolta da conjuntura peninsular, de que decorria uma nova situação interna, o
Príncipe Perfeito tentava corrigir os desvios do projecto joanino consubstanciado no tempo dos
Infantes, que se tinha justificado aceitando a premissa de que a delegação do governo das ordens
militares em príncipes da família real seria uma forma adequada de mediar a subordinação das
milícias aos interesses do Estado. Tinha começado o período vestibular de anexação à coroa.
Por essa mesma razão são bem conhecidas e têm sido minuciosamente estudadas as diferentes
fases do afrontamento entre D. João II e as casas ducais de Bragança e Beja-Viseu. No que se
reporta ao processo das ordens militares em geral, seria necessário esperar por 1484, ano da
execução de D. Diogo, filho de D. Beatriz, para se poderem considerar atingidos os primeiros
objectivos do Príncipe Perfeito.
Todavia, mesmo após a sua subida ao trono, ocorrida em finais de 1481, numa conjuntura
particularmente sensível da situação interna do reino, e confrontado com instantes prioridades
peninsulares, tanto políticas como diplomáticas, o monarca português não optou por devolver ao
Comendador-mor a iniciativa de convocar eleições que visassem sufragar um novo Mestre da
Ordem de Avis; nem por designar um sucessor no governo do Mestrado que viesse a ser
legitimado por bula papal.
Antes convocou o capítulo da ordem em 7 de Junho de 1482, cerca de 13 anos após a primeira
reunião capitular efectuada sob a sua égide. Não se conhece a acta desse capítulo e,
decorrentemente, permanecemos na ignorância sobre o teor das questões que aí terão sido
abordadas, lapso tanto mais lamentável quanto ocorre em seguida ás cortes de 1481 e antes de
1483, período nevrálgico para uma inteira compreensão de alguns dos eventos ocorridos no
reinado de D. João II, tanto no decurso desse lapso de tempo, como posteriormente.
É apenas mediatamente, através de um diploma de 29 de Agosto de 1482, que se toma
conhecimento, não somente da data de realização do supracitado capítulo, mas também de que,
nele, D. João II havia delegado o governo do Mestrado num triunvirato de personagens bem
posicionadas dentro da hierarquia da Ordem, e que, no entender do monarca, garantiriam a
prossecução do governo da milícia de acordo com as directrizes por ele mesmo definidas. As
razões dessa delegação pareciam resumir-se, de acordo com o invocado nesse mesmo diploma, "
…pellos ardos grandes continuados negócios e regimento dos (?) nossos regnos que sobre nos
carregam, nom podemos particularmente entender nas cousas do espirituall e temporall do dicto
mestrado e hordem…".
Integravam esse triunvirato o chaveiro da ordem, Lopo Vasques de Azevedo, D. Pedro da Silva,
comendador de Seda, e o comendador de Albufeira Lopo da Cunha.
O primeiro triúnviro, Lopo Vasques de Azevedo, que entendemos poder identificar-se com o
"Lopo Vaaz Monge", que é dado como filho de Gonçalo Gomes de Azevedo, o primeiro
almirante desta família, terá sido cavaleiro professo na Ordem de Avis e chaveiro da mesma. Em
1 de Agosto de 1483, recebeu a comenda de Juromenha com a respectiva alcaidaria ,embora de
acordo com o Livro de linhagens do século XVI, tenha sido comendador de várias comendas (não
especificadas) e, apesar de não poder casar, teve filhos naturais, pelo menos um dos quais morreu
na Índia sem geração, e uma das suas duas filhas casou com Luís Mendes de Vasconcelos, de
Elvas.
O segundo triúnviro, D. Pedro da Silva, referido por PIMENTA, irmão de D. Lopo de Almeida,
2.º conde de Abrantes, pertencia a uma conhecida família de servidores da monarquia, com
ligações à Ordem de Avis desde, pelo menos, 1384, ano em que seu avô Fernand’Àlvares fora,
como escreve SILVA "feito, (ou confirmado?) cavaleiro dessa Ordem (…) e comendador de Vila
Viçosa e Juromenha",e encontrava-se estreitamente ligada a D. João II, que, entre outras provas
de confiança, lhes confiou o Priorado do Crato, a "custódia" temporária de D. Ana de Mendonça
e a tutela provisória de D. Jorge, o filho bastardo que tivera desta última senhora. Esta
personagem encontra-se documentada em 28 de Março de 1478 como Frei Pedro da Silva,
fidalgo da casa do príncipe D. João e comendador de Seda. Em Janeiro de 1481 figura entre
aqueles que testemunharam, no âmbito das chamadas "terçarias de Moura" a troca da Infanta D.
Isabel por parte de Castela e do Infante D. Afonso por Portugal, que dava cumprimento ao
estipulado no Tratado das Alcáçovas. Em 1484 o seu nome encontra-se incluído (tal como os
seus dois irmãos mais velhos) numa relação dos cavaleiros do conselho de D. João II, referindo-
se que tinha 4.472 reis de moradia. Em 1486, quando recebeu da Ordem de Avis umas casas em
Estremoz ainda teria de esperar cerca de cinco anos para ascender à dignidade de Comendador-
mor daquela milícia. Por ocasião do acidente ocorrido com o príncipe herdeiro D. Afonso,
episódio a que regressaremos, foi um daqueles que fizeram voto de ir em peregrinação a
Jerusalém se o Infante não morresse. Em 1492, no mesmo biénio em que, como veremos
oportunamente, D. Ana de Mendonça foi recolhida no Mosteiro de Santos e o seu filho, D. Jorge,
apresentado na corte, onde passou a residir, foi enviado pelo monarca a Roma para, em nome do
rei, prestar obediência ao papa Alexandre VI, recentemente eleito. Nessa missão reuniu-se a seu
irmão D. Fernando, à data bispo de Ceuta, e ao bispo do Porto, que já se encontravam na cidade
eterna.
Ignoramos se lhe teriam sido confiadas quaisquer incumbências específicas no âmbito das
diligências que se desenvolveram nessa ocasião junto da corte romana para tentar legitimar D.
Jorge, mas não podemos deixar de referir que, depois do advento do reinado de D. Manuel I a
sua carreira poderia ter declinado, uma vez que, como refere SILVA, "Apenas temos notícia da
sua participação nos festejos do casamento deste monarca, em Março de 1498, figurando entre
os «senhores muy principais?»". Não obstante, o mesmo autor dá conta da sua participação nas
negociações realizadas em Sintra, a 18 de Setembro de 1509, nas quais Portugal e Castela
discutiram questões relacionadas com Africa.
E, complementarmente, parece oportuno recordar a opinião parcialmente discordante de COSTA
quando escreveu que "(…) à semelhança de seu pai foi um dos homens que beneficiou da
benevolência régia (de D. Manuel I), pois em 1495 recebeu um padrão de 100.000 reais e, em
1499, o castelo da vila de Torres Novas, embora estas doações só pudessem surtir efeito prático,
após a morte do pai. De qualquer modo, temos notícia de que, em meados desse mesmo ano, se
sentia agravado do rei, possivelmente por questões relacionadas com a sucessão do priorado do
Crato, a que talvez se julgasse com direito pelos serviços prestados, e pelo facto de ser uma
dignidade que pertencera a seu irmão D. Diogo Fernandes de Almeida, anos depois da frustrada
indigitação do antedito seu avô Fernand’Álvares para este priorado por parte de D. João I, a qual,
como narra Fernão Lopes, tinha acabado por esbarrar na intransigente oposição de D. Nuno
Álvares Pereira .A despeito desses atritos, e talvez a título de compensação, D. Manuel I viria a
nomeá-lo, em 3 de Março de 1510, a escassos dois anos da sua morte, guarda-mor do Infante D.
Fernando. Conjugando todos estes factos talvez seja admissível mitigar o declínio de carreira que
lhe atribuiu SILVA.
Finalmente Lopo da Cunha, que já era comendador de Albufeira quando, em 4 de Junho de
1483, recebeu a respectiva alcaidaria, e depois do Seixo, Casal, Moura e Serpa na Ordem de Avis
era filho natural de Gil Vaz da Cunha , Comendador do Pinheiro na Ordem de Cristo, e foi
Trinchante do rei D. João II.
Constata-se que este triunvirato de governadores era compreensivelmente constituído por
personagens próximas do monarca, possíveis colaboradores seus ao longo dos 13 anos que
governou o Mestrado, e por ele estrategicamente colocados na hierarquia da ordem.
Compreende-se que, ao invés do sucedido nas Ordens de Santiago e de Cristo,não se registem
entre os membros da milícia de Avis defecções em relação à causa do rei.
Aliás, passados os tempos de maior tensão do seu reinado, a despeito da delegação de poderes,
os diplomas da milícia (embora maioritariamente constituídos por cartas de emprazamento feitas
por diversos comendadores) registam mercês que tanto podem representar recompensas, como
serem
Destinadas a "repovoar"a ordem, mesmo ao nível dos cargos administrativos, com fiéis ao
monarca . E também a utilização da capacidade e experiência comprovadas de alguns membros
salientes da milícia em missões de grande responsabilidade, mesmo em áreas estranhas à habitual
actuação dos cavaleiros de Avis, como sucedeu com a nomeação, logo em 1482, do
experimentado Comendador Diogo de Azambuja, para coordenar a edificação do castelo de S.
Jorge da Mina.
Mas o acompanhamento do governo da milícia de Avis por parte de D. João II não parece ter-se
limitado apenas a mercês. Incidia também – caracteristicamente – sobre diligências que visavam
recuperar, ou assegurar, direitos e jurisdições da ordem, em acções que recomendavam o peso da
intervenção directa do rei. Estava neste caso a nomeação feita pelo monarca, em 13 de Maio de
1484, de D. Diogo, Prior mor desta milícia, para se deslocar a Placência com o objectivo de, em
nome do soberano, solicitar ao Mestre de Alcântara os documentos que este possuísse
reportando-se a quaisquer negociações anteriormente desenvolvidas entre as duas instituições,
designadamente sobre a jurisdição de Valhelhas.
Valha a verdade que esta diligência seria seguida, no atinente a Santiago, pelo envio, em 1488, de
Luís Pires, Prior de Santiago do Cacém, a Castela com a missão de se informar sobre os
procedimentos que a normativa aconselhava a seguir.
Refere a este propósito PIMENTA: "Se já não é fácil perceber o que leva D. João II a enviar
emissários a Uclés para se informarem sobre os procedimentos normativos aí em vigor, esta
decisão para com a Ordem de Alcântara enquadra-se perfeitamente numa liderança forte e
atenta que não se inibe em reafirmar os direitos de que a Ordem poderia usufruir".
A preocupação com a normativa das milícias (e escrevemos no plural porque, de facto, nesse
momento Avis e Santiago funcionam já como vasos comunicantes) foi estudada por Isabel do
Lago Barbosa que se debruçou sobre o direito particular da Ordem de Santiago durante a
transição do século XV para o século XVI, chamando a atenção para o facto de que o respectivo
processo de secularização das ordens militares (indispensável para a sua reconversão em
instituições autónomas ao serviço da monarquia) foi acelerado pela bula Romani Pontifici, de
Inocêncio III (16 de Agosto de 1486). Este diploma pontifício, que originariamente se destinava
apenas à Ordem castelhana de Santiago, o que justificaria a diligência do Prior de Santiago do
Cacém, absolvia infracções à regra e aos votos em que teriam incorrido os respectivos cavaleiros,
legislando também sobre o regime testamentário. Um segundo diploma, de 14 de Outubro,
renovando a absolvição incidente sobre as faltas à regra, e "liberalizando" usos e costumes,
autorizava o Mestre a corrigir a regra, juntamente com os Treze, em reunião de capítulo.
Sintomaticamente, pouco mais de um ano volvido, em Março de 1488, reunir-se-á um novo
capítulo geral da ordem de Avis. Iniciado no convento de Avis só viria a terminar em Almada,
onde foram redigidas as deliberações, provavelmente durante o Verão desse mesmo ano, altura
em que o monarca se encontrava na localidade. Não nos inclinando para que pudesse ter-se
tratado para uma simples coincidência, torna-se forçoso admitir que D. João II pretendeu
acompanhar os trabalhos e, talvez mesmo, participar, ou "corrigir" a redacção das actas finais,
uma vez que apenas conhecemos as questões debatidas através de um diploma meio ano
posterior que, para todos os efeitos, funciona como a acta – postergada – do capítulo.
Com efeito, pouco mais de um ano depois da redacção do texto supra, D. João II viria a ordenar
(em Março de 1490) ao Prior Mor da Ordem de Santiago que se deslocasse ao Convento de Avis
a fim de pedir uma cópia das referidas deliberações que passariam a aplicar-se – também – a
Santiago, como efectivamente veio a suceder.
Ponderando embora o risco do encómio sistemático que habitualmente precede, ou subjaz, ás
apreciações expendidas sobre a acção do Príncipe Perfeito, quer-nos parecer que, no caso da
Ordem de Avis, nos encontramos perante uma administração bem sucedida. E, correndo o risco
de nos aproximarmos neste ponto da visão romântica e nacionalista que erigia a Ordem de Avis
em paradigma de fidelidade à dinastia – o que já constatamos não corresponder integralmente à
materialidade dos factos – somos levados a admitir que, embora desde finais de setenta o
governo das duas milícias tenda para uma unificação administrativa, a realização do capítulo
geral de 1488 (cujas determinações serão extrapoladas para ambas as ordens) no convento de
Avis poderá ter sido intencional.
Com efeito tratava-se de uma milícia menos numerosa, mais concentrada e controlada, desde há
muito sob tutela atenta do monarca e que dera as suas provas de fidelidade. Não será de afastar
que o rei a considerasse terreno pacífico e propício a um debate mais consensual, bem como um
campo de ensaio mais fiável para futuras alterações.
Quer-nos parecer que FONSECA sublinha uma faceta importante da personalidade deste
monarca que, aos olhos da historiografia moderna, continua a ser retratado como um paradigma
de modernidade. Admite-se que a sua actuação tenha estado na génese de muito do viria a
caracterizar os reinados posteriores, e a marcar o "destino manifesto" do reino, o que lhe confere
características de percursor. Mas não se pode esquecer que se tratou de um homem que viveu
tempos novos num "mundo materialmente circunscrito,"como o atestam os seus já referidos
itinerários, e circundado por um punhado de fiéis testados e comprovados.
Esse mundo circunscrito tinha o seu epicentro naquele mesmo Alentejo onde a Ordem militar de
Avis permanecia um bastião que o monarca governou desde os 14 anos, recuperando-o de uma
situação de enfraquecimento institucional, e no seio da qual recrutou alguns dos seus mais
confiáveis colaboradores.
Ora, como refere o supracitado historiador: "No trabalho historiográfico, os conceitos só têm
valor compreensivo se também forem vivenciados pelos homens sobre os quais nos debruçamos.
Se assim não for, podem ser utilizados, mas com uma finalidade pedagógica. Servem para
melhor comunicar com quem nos lê ou nos ouve. Neste caso, D. João II, rei moderno? Para o
homem de hoje talvez seja. Para D. João II e a sua geração, certamente que não… na sua acção
política, ele é, antes de tudo, o soberano que quer garantir a segurança do reino. E fá-lo a partir
dos instrumentos e dos quadros sociais que herdou. O seu mundo não é só, mas é em grande
parte, também o universo das ordens militares".
Com efeito, nos momentos de exacerbada tensão que se verificam no seu reinado – e são vários –
encontram-se sempre, alinhados num segundo plano silencioso, as testemunhas presenciais dos
homens das milícias. Assim sucede em Setúbal, nesse dia de viragem de Agosto de 1484 em que
o duque D. Diogo, governador da Ordem de Cristo, primo e cunhado do rei, foi convocado às
casas que foram de Nuno da Cunha, onde seria executado pelo rei perante uma assistência muda.
São apenas cinco as testemunhas desse acto, entre todos terrível. Um deles é Pedro d’Eça,
alcaide de Moura e homem da Ordem de Avis. Outro é o nosso conhecido Diogo de Azambuja,
um dos mais notáveis cavaleiros dessa milícia que acabara de renunciar à comenda de Moura,
mantendo-se em Cabeço de Vide e Alter Pedroso. Um terceiro, o escrivão do auto que, sobre o
ocorrido, será formalmente lavrado, dá pelo nome de Gil Fernandes e bem poderia tratar-se do
cavaleiro de Avis, mais tarde referido como escrivão da chancelaria da ordem.
Com efeito, o então príncipe herdeiro, recebera, contando apenas 14 anos, o governo duma
ordem militar que, saída da orientação nepotista do Mestre D. Fernão Rodrigues – e do
decorrente "enquistamento" dos Sequeira em pontos-chave do património e orgânica interna
milícia - tinha atravessado sucessivos períodos de vacatura (Infante D. Fernando e Condestável
D. Pedro) favorecedoras de abusos relaxamentos e indisciplinas. Ordem que, como se o que fica
aflorado não bastasse, sofrera uma considerável sangria em homens e recursos durante a aventura
catalã, alienara bens alocados à Mesa Mestral e se cindira em facções que se digladiavam, não
apenas nas terras sob sua jurisdição mas também nas antecâmaras de Roma.
Duas décadas volvidas sobre esta situação e, os indícios existentes parecem confirmá-lo, existiu
uma primeira fase de intervenção directa disciplinadora, e um segundo período no qual, a
despeito de uma delegação de poderes num triunvirato de cavaleiros da sua confiança, o rei
continuou a acompanhar e a intervir o governo da milícia.
Se recordarmos que o rei de Portugal esteve presente em Avis, uma boa parte desse mês de
Março de 1488, em que decorria nessa vila alentejana a primeira parte do capítulo geral da
ordem, tudo se pode tornar, ainda mais claro, como aliás já tinha focado PIMENTA.
Completa este raciocínio o facto que a segunda parte dessa reunião capitular decorreu em
Almada, sem outra justificação conhecida que não fosse a vontade do monarca – que nessa
ocasião se encontrava nesta segunda vila – de acompanhar de perto os respectivos trabalhos.
Não esquecendo que a redacção da acta final do conclave foi postergada, admissivelmente para
dar azo a ser revista pelo monarca, parece admissível que se conclua:
- As determinações saídas do capítulo geral iniciado no convento de Avis, em 1488,
correspondiam e ajustavam-se de tal modo ás preocupações de D. João II em relação ás ordens
militares, que o rei determinou que elas fossem utilizadas também pela milícia de Santiago. Esta
visão conjunta não emergira somente nesta ocasião, como o parece demonstrar o facto de que,
desde à quase duas décadas, os Códices de Santiago incluíam indistintamente diplomas
respeitantes às duas milícias, prática que prosseguiria sob o Mestre D. Jorge, como veremos nas
partes V e VI deste trabalho.
Das matérias debatidas no supracitado capítulo geral, e que julgamos corresponderem a
problemas estruturais/administrativos e conjunturais detectados pelo soberano e seus
coadjuvantes, e que não correspodem áqueles que foram apresentados a D. Afonso V por ocasião
do capítulo anterior, relembramos, na esteira de PIMENTA:
- A definição de uma posição de intolerância em relação ás intromissões dos vigários dos
Bispos nas Igrejas da Ordem.
- Definição da obrigatoriedade da existência de Priores em todas as Igrejas da Mesa Mestral,
nas Comendas e outros lugares da ordem, estipulando-se o respectivo mantimento.
- Definição do número de freires que o convento deverá albergar, bem como os mantimentos e
vestuário correspondentes a cada dignidade.
- Definição do processo da entrega dos dízimos ao celeireiro do convento.
- Define-se a obrigação do celeireiro e o escrivão registarem as receitas e despesas do convento
em " livros encadernados limpos e sem vícios", de cuja escrituração será dada conta semestral
ao contador do mestrado.
- Define-se a dotação da cozinha conventual, bem como conjunto de "servidores" considerados
adequados ao bom funcionamento do convento.
- Define-se a quantidade de cera considerada necessária para a celebração dos ofícios divinos.
O final da década de Oitenta, começo da década de Noventa, constituiu talvez a última
oportunidade encontrada pelo Príncipe Perfeito para se debruçar sobre a regulamentação de
aspectos considerados oportunos e urgentes da administração das duas milícias.
Outras preocupações absorventes perfilavam-se no horizonte, com destaque para o início das
delicadas negociações do casamento do príncipe herdeiro D. Afonso com D. Isabel, filha dos
Reis Católicos. Este processo, coincidente com o reconhecimento da maioridade de D. Afonso,
determinaria que, na sequência da prática iniciada pelo Africano, o monarca procedesse à entrega
do governo destes dois mestrados ao seu primogénito.
A documentação não permite no entanto determinar com precisão a data desta passagem de
poderes, tanto mais que não é conhecida a bula de nomeação. É mesmo admissível que este
diploma pontifício não tenha chegado a ser expedido se tivermos presente, como faz Agostinho
Manuel de Vasconcelos, que isso terá ficado a dever-se a que "…la brevedad de su muerte no se
expedieron Bulas desta gracia….
Parece, portanto, de aceitar o que, sobre este assunto, escreveu PIMENTA:
"Por isso cremos que o mais lógico será acreditar que D. João II fez menção de entregar estes
mestrados a D. Afonso por ocasião do casamento deste".
Seria efectivamente uma ocasião simbólica, adequada a realçar o estatuto do príncipe e a vincar
os laços que, na pessoa do herdeiro, uniam estas ordens militares à monarquia. Ignoramos
todavia se assim terá sucedido, mas, como referimos, existem provas documentais de que D.
Afonso exerceu actos de administração nas ordens militares em apreço.
A morte inesperada do primogénito D. Afonso, em 1491, viria a representar – a prazo – uma
profunda inflexão em boa parte das políticas prosseguidas pelo Príncipe Perfeito, entre elas o
regresso ao valimento dos Bragança e a subida ao trono de um mais que improvável sucessor: o
último representante dos Beja-Viseu.
Respondendo a membros do conselho régio que, por ocasião da morte de D. Afonso, o tentavam
confortar, D. João II teria respondido, de acordo com o relato de Garcia de Resende a que
regressaremos neste particular:
"Eu vos certifico que de uma só coisa estou de alguma maneira confortado. Que é parecer-me
que Nosso Senhor Jesus Cristo se lembra da gente destes reinos, porque o meu filho não era para
ser rei deles".
Nunca saberemos se o outro filho do Príncipe Perfeito, o bastardo D. Jorge, reuniria em si as
características e qualidades que o monarca entendia necessárias para ser rei dos portugueses.Com
efeito, a componente mais relevante da sua acção viria a restringir-se a uma parcela da herança
possível: – precisamente o governo das ordens militares de Avis e Santiago.

4.1 A morte dum príncipe-herdeiro que "não era para ser rei"
É por demais evidente a minúcia com que RESENDE descreve a tarde de terça-feira, dia 12 de
Julho de 1491, relatando os mínimos passos e gestos de D. João II e do príncipe-herdeiro D.
Afonso até ao cair da noite, momento em que se verificou um incidente na aparência trivial. O
rei escusou-se a cavalgar com o filho invocando o adiantado da hora, D. Afonso, tendo-se
quebrado o loro do estribo da mula em que estava montado, subiu para um cavalo e insistiu com
D. João de Meneses para fazerem uma carreira. D. João, ciente da vontade do príncipe acedeu, e
partiram.
O desenlace desta tarde, aparentemente rotineira, verificou-se instantes depois. Com a súbita
queda da montada o príncipe ficou por debaixo do cavalo, imóvel e sem fala. No atordoamento
do desastre fugiu D. João de Meneses, e o príncipe D. Afonso foi levado em braços para um
casebre de pescadores que ficava próximo do local do acidente, onde se foram reunindo
cortesãos e membros da família real.
O mesmo cronista, homem muito próximo do rei, passa a relatar o estado de espírito de D. João
II, entretanto chegado ao sítio onde o filho jazia "E quãdo achou hum soo filho que tinha, que
criara com tãto amor tanto receo tanto contentamento por ser o mais singular Príncipe que no
mundo se sabia, em que se el rei revia & queria tão grande bem que hum so dia nam podia estar
sem o ver, nem tinha outro descanso, se nam sua muyto estima da vista, & conuersaçam ficou em
tam grande estremo triste & desconsolado, que senam pode dizer nem cuydar, dizendo sobre o
filho tantas lastimas & palauras de tanta dor & tristeza que, que o nam podia ouuir ninguém sem
muytas & tristes lágrimas".
Não terá demorado muito a chegar notícia do ocorrido à rainha-mãe, à princesa mulher do
moribundo que, recebendo-a, "sahiram como desatinadas a pe & em mulas alheas que acharão
& o senhor dom Iorge, filho del Rey com ellas". Registe-se que, num momento de desorientação
geral, durante o qual os cortesãos presentes faziam rezas e organizavam procissões, chegando
Pedro da Silva, Comendador-mor de Avis, a fazer voto de uma peregrinação a Jerusalém pelo
restablecimento de D. Afonso, o cronista anotava que "El Rey per cima de tanta tristeza fez logo
ajuntar os físicos todos, & com muyta segurança esteve com elles ordenando-lhe quantos
remédios sabiam".
Na madrugada da quarta-feira seguinte, quando tinha acabado de recolher-se nas casas de Vasco
Palha, próximas do local onde ficara D. Afonso, o monarca foi recebeu recado de que o príncipe-
herdeiro tinha morrido. RESENDE, sempre meticuloso, aponta em seguida que o finado vivera
16 anos e 20 dias, mas parecendo no corpo, na barba, no saber, siso & sossego um homem mais
velho.
Acompanhando a minuciosa narração dos eventos traçada pela pena do "fiel" cronista áulico
Resende, tivemos ensejo de verificar que o herdeiro D. Afonso, embora contando apenas 16 anos
quando morreu, aparentava 25 no saber, siso e compostura, e também que era o mais singular
príncipe de que havia conhecimento, no qual se revia o rei seu pai.
Esse mesmo pai que "Estando (…) asi anojado depois de passarem algus dias (o funeral tinha
tido lugar em 25 de Agosto) em que já entrauam com elle certos senhores, & pessoas principaes
do conselho (…) respondeo. Eu verdadeiramente per cima de tãta tristeza, tanto nojo &
desconsolação dou muitas graças a Deos, pois elle foy seruido de me assi leuar meu filho, que
elle so sabe o que faz, e nos não podemos saber, nem alcançar seus secretos & escondidos
juyzos: & vos certefico que de hua cousa soo estou em alguma maneira confortado, que he
parecerme que nosso Senhor IESU Christo se lembra da gente destes Reynos, por que meu filho
não era para ser Rey delles".
RESENDE, tinha consciência da, pelo menos aparente, incongruência deste comentário do
Príncipe Perfeito, registado na sequência dos encómios (do estilo?) escritos sobre a pessoa do
falecido herdeiro D. Afonso, e do ênfase posto no registo de que o rei lhe queria tão grande bem
que hum so dia nam podia estar sem o ver, nem tinha outro descanso, se nam sua muyto estima
da vista, & conuersaçam, pelo que se sentiu obrigado a acrescentar uma "explicação":
"(…) dizia el Rey isto, por que o Princípe era muito cheio de branduras, & prezauase muyto de
sua gentileza,& vistiase sempre de tabardos, & com martas ao pescocço forradas de cetim, &
goarnecidas douro, cousa mais de molheres que de homens, & não queria trazer capas abertas,
nem espada, de que el Rey recebia muyta payxam, & também de ver as pessoas com que folgaua,
que nam eram as que el Rey desejaua, & queria, senão homens delicados & brandos, & com
quanto o reprendia & amoestava, & com muito amor ensinaua, nam lhe podia tirar seu natural,
que el rey auia que nam era pera a cõdiçam destes reinos".
Constatado um possível conflito de gerações, cuja profundidade e extensão não estamos em
condições de avaliar, à primeira vista nada, nas preferências vestimentárias de D. Afonso,
extravasa as modas que nos são restituídas pela iconografia da época. E parece poder depreender-
se apesar do formalismo das fontes, que existia um genuíno afecto da jovem Isabel de Castela
pelo príncipe-herdeiro de Portugal, sentimento que talvez datasse das "terçarias", mas certamente
desenvolvido ao longo dos escassos e incompletos 8 meses que durou esse casamento. Pelo
menos admitindo que os cronistas que relatam as manifestações de dor da princesa, evidenciadas
por ocasião da morte do marido, não tivessem feito relatos convencionais, ou propositadamente
exagerados.
Embora redigida em termos especiosamente dúbios esta parte da "explicação" fornecida pelo
cronista RESENDE, em jeito de justificação do "inesperado" (ao menos no contexto) comentário
de D. João II sobre as eventuais capacidades governativas dum príncipe-herdeiro quase
adolescente, se considerada de modo isolado, não se nos afigura susceptível de justificar o severo
juízo régio.
Mas existem argumentos de outra índole que foram igualmente adiantados por RESENDE e que
talvez possam estar ligadas ao contexto das "pessoas com as quais D. Afonso folgava e que não
eram aquelas que o rei desejava". E continua: " …claramente o Príncipe era mais inclinado as
cousas del rey dom Afonso seu auo que as del rey seu pay, e era mais brando, & mascio do que
compria, que se isto nam fora, segundo o grande amor que lhe tinha el rey morrera de nojo, &
paixam de sua morte" .
São sobejamente conhecidas, e têm vindo a ser reiteradamente analisadas, as diferenças de
carácter pessoal, e da visão e condução da política que separaram os reinados de D. Afonso V e
de seu filho D. João II, bem como as circunstâncias nas quais este último monarca consegui
inflectir um período de debilidade da autoridade monárquica consolidando o centralismo régio,
construindo com os Reis Católicos, após o fracasso de Toro e a inútil viagem a França do
"Africano", um laborioso entendimento diplomático-matrimonial que lhe permitiu recuperar uma
posição no reino vizinho há muito perdida.
Tendo presente a conjuntura que se vivia não surpreende que o Príncipe Perfeito encarasse com
apreensão um herdeiro do trono, ademais peça fulcral do entendimento castelhano, "mais
inclinado ás coisas do avô do que ás do rei seu pai". No que se refere ás "pessoas com as quais
D. Afonso folgava e que não eram aquelas que o rei desejava", talvez não fosse de todo casual a
referência expressa feita por RESENDE de que "A este tempo chegou o Duque seu tio, que de
Tomar acudiu a triste noua, o qual em extremo ao Príncipe amaua, porque sempre se criaram
ambos em hua mesa, & e hua cama, & fazia tamanho pranto com tam grande sentimento &
tristeza, que com quanto elle ficaua entam por herdeiro destes Reynos, deixara naquella hora
outra mayor socessam pella vida & saúde do Príncipe. E logo el Rey se foy dalli a pé (…)" .
O cronista, escrevendo antes de 1533, não hesitou em considerar que, nesse preciso momento em
que D. Afonso agonizava, o Duque de Beja ficava por herdeiro do reino. Não restam dúvidas de
que era uma hipótese, certamente a única no espírito da rainha D. Leonor e da restante parentela
das casas Beja-Viseu e de Bragança respectivos apaniguados. Mas seria essa a sucessão
intimamente desejada por D. João? A pergunta é apenas retórica, como o demonstrou o evoluir
da situação.
Em Agosto de 1481, nascera em Abrantes um filho do príncipe D. João e de D. Ana de
Mendonça, "donzella da casa de D. Joana, a Excelente Senhora". Como o Príncipe Perfeito tinha
casado em 1473 – contando apenas 15 anos de idade - com sua prima D. Leonor, filha de seu tio
paterno, o Infante D. Fernando, (matrimónio de que tinha nascido, logo em 1475 um filho varão,
e de que seria lícito esperar mais dilatada descendência), o recém-nascido, que baptizaram como
D. Jorge, era um bastardo ao qual, em teoria e por ocasião do seu nascimento, não se
vislumbravam quaisquer hipóteses de entrar na linha sucessória da Casa Real portuguesa.
Considera PIMENTA, historiadora que aprofundou a biografia de D. Jorge, que o casamento do
príncipe seu pai com a prima D. Leonor "tinha tudo para dar certo, ao mesmo tempo que também
fazia prever alguns, senão muitos, dissabores". RESENDE resume com linear cortesania aquilo
que foi, de facto, uma complexa e ponderada aliança matrimonial quando escreve que "Polla
muito grande fama que por muitas partes corria das virtudes, saber, manhas & perfeições do
Príncipe El Rey dõ Anrique de Castella mandou muytas vezes cometer a el Rey dom Affonso, que
casasse o Príncipe com a Princesa dona Iona, sua filha. El Rey dom Afonso por querer muyto
grande bem a ho Infante dom Fernando seu irmão, & por lhe fazer mercê por auer muyto, que
lhe pedia nam quis concertar, nem fazer o casamento com a Princesa herdeira de Castela".
Juntamente com o trono D. João II herdara todos os problemas e todos os conflitos gerados na
sociedade portuguesa que, por não terem sido satisfatoriamente solucionados, se tinham vindo a
acumular ao longo dos três primeiros quartéis desse século XV. Designadamente o
posicionamento de primazia da Casa de Viseu, já solidamente resguardado no campo
patrimonial, senhorial, jurisdicional e militar tinha sido expressamente reconhecido por D.
Afonso V que, numa reunião do conselho régio tinha estabelecido a hierarquia dos
assentamentos e precedências entre os "grandes", a coberto de uma evidência que talvez fosse
"desnecessário" ser tão claramente vincada pelo próprio Africano "por ser tão chegada à herança
e sucessão destes reinos".
Dentro dessas fontes de conflito latente avolumavam-se duas problemáticas subjacentes à
escolha da noiva que lhe tinha sido destinada. No plano interno salientaremos a formação de
"poderes paralelos" que, embora gerados no seio da família real, no decurso do seu processo de
crescimento, tinham assumido uma lógica própria que, em última análise, condicionava os
monarcas e comprimia o espaço de manobra da monarquia. Referimo-nos ás grandes casas
ducais criadas a partir de 1401 que, na sequência dum processo que já afloramos, tinham
anexado à sua órbita algumas das ordens militares instaladas em Portugal. E, no plano externo, a
"constante castelhana" desenvolvera novas, e preocupantes, facetas nos anos imediatamente
precedentes ao noivado português do príncipe-herdeiro D. João que coincidiram com a
conjuntura ocasionada pelo nascimento da única filha alegadamente gerada no 2.º casamento de
Henrique IV de Castela com D. Joana, irmã de D. Afonso V.
Uma princesa (exactamente a mesma D. Joana acima referida no excerto de RESENDE) que, de
acordo com a perspectiva das facções, ora era considerada a legítima "Excelente Senhora", ora a
"Beltraneja", filha espúria de D. Joana de Portugal, esteve na origem, ou foi pretexto, da
guerra civil que assolou Castela até meados da década de Setenta, envolvendo
duradouramente, não tanto apenas no conflito como, sobretudo, nas respectivas
consequências, D. Afonso V, o príncipe (e depois rei) D. João II e as monarquias de Castela e
Aragão.
Esta brevíssima incursão em duas problemáticas sobejamente conhecidas e estudadas visou
apenas lembrar antes do mais que, vedada que se encontrava, na conjuntura em que poderia
ocorrer, a hipótese recorrente dum casamento castelhano, a escolha – política, como todos os
noivados régios – da mulher do Príncipe Perfeito deverá ter obedecido a uma lógica interna.
Embora a cronística assim a descreva, a escolha feita, não se terá ficado a dever tanto à amorável
benevolência manifestada por D. Afonso V para com os desejos de uma aliança vantajosa (na
perspectiva da casa de Viseu, que repetia assim a "manobra" concebida pelo seu odiado tio, o
Regente D. Pedro para tentar controlar, tanto quanto possível a Coroa, casando uma filha com o
príncipe-herdeiro)
Muito embora essa hipótese possa ter sido insistentemente proposta por D. Fernando, duque de
Viseu, terá constituído uma escolha do soberano, sopesadas as vantagens e desvantagens que
poderiam acarretar para a monarquia eventuais alternativas similares, protagonizadas por outros
ramos de descendentes do fundador da II dinastia.
Nenhum cálculo de probabilidades verosímeis anteciparia, à data da tomada dessa decisão
matrimonial, os caminhos sinuosos através dos quais passariam as sucessivas "vitórias" do
Príncipe Perfeito, e muito menos prever a "derrota" final daquelas que seriam as suas
expectativas pessoais. Mas ficaram registos que atestam que essa aliança matrimonial,
possivelmente "morna" desde o seu começo, teria esfriado com o passar do tempo, sobretudo, e
de uma maneira evidente, após a morte do príncipe-herdeiro D. Afonso, precisamente na
conjuntura em que D. João II terá começado a avaliar a estratégia mais adequada para a sucessão
do trono português.
Regressando ás "terçarias de Moura", que constituem, em simultâneo, espelho e nó das tensões
deste período, em 18 de Agosto de 1482 o bispo de Calahorra recebeu de Isabel a Católica
poderes para receber D. Manuel por troca do primogénito, o Duque D. Diogo que, aliás, tinha
entretanto regressado a Portugal de motu próprio, interrompendo abruptamente o seu acidentado
e controverso percurso castelhano (durante o qual, como vimos, seduzira uma cunhada de
Fernando de Aragão) cujos sucessivos incidentes o tinha tornado "incómodo". E, em 5 de
Setembro de 1483, D. João II concedia a Duarte Furtado de Mendonça(tio da mãe de D. Jorge e
comendador do Torrão na Ordem de Santiago) poderes para entregar D. Manuel aos enviados da
rainha de Castela, o que se concretizou em Moura, a 8 do mesmo mês. O filho mais novo da
Casa de Viseu, que contava então 13 anos, acabou por permanecer naquela vila até 15 de Maio
de 1483 e, durante esses quase nove meses residiria com o príncipe-herdeiro D. Afonso de
Portugal e com a Infanta D. Isabel de Castela. Não parece temerário admitir-se que datasse dessa
estadia a sua futura intimidade (que, segundo os cronistas, D. João II poderia ter achado
"excessiva") com D. Afonso e, também, com a Infanta D. Isabel, sucessivamente mulher de um e
de outro, que, no entanto, o futuro Duque de Beja só voltaria a encontrar 7 anos depois, por
ocasião do matrimónio dela com o príncipe-herdeiro português. Por seu turno o Príncipe Perfeito
só recuperaria a tutela de D. Afonso após 2 anos de separação. A morte prematura do príncipe-
herdeiro, ocorrida num período culminante do reinado de seu pai teve, é certo, repercussões de
âmbito bem mais dilatado do que a simples fractura exposta e definitiva entre o Príncipe Perfeito
e sua mulher, a rainha D. Leonor. A seu tempo afloraremos o modo como o Duque de Beja
atravessou, mercê do cálculo do monarca, mas também devido à prudência com que sempre
evitou expor-se minimamente, no decurso dum período em que outros trabalhavam em seu favor,
as "execuções" do primo e do irmão, os exílios de familiares, e todas as lutas, subterrâneas ou
declaradas, que se travaram em torno da sucessão da Casa de Avis.
Teremos também ensejo de regressar ás consequências do casamento de D. João II com uma
filha do Duque de Viseu no que respeitou à antedita sucessão ao trono em geral e,
particularmente, no tocante ao destino do Senhor D. Jorge mas, de momento, façamos referência
à mãe desse filho bastardo do Príncipe Perfeito.
Embora as fontes sejam escassas, raramente directas e nem sempre fiáveis, a referência à sua
linhagem materna é importante, atento o papel que ela veio a desempenhar como elemento
estruturante das ordens militares de Avis e Santiago durante o longo Mestrado de D. Jorge.
PIMENTA, faz eco de uma tradição de acordo com a qual o jovem príncipe-herdeiro terá
encontrado pela primeira vez D. Ana de Mendonça em Toro "por alturas da aventura castelhana
de D. Afonso V, à qual se juntou o Príncipe em 1476 " . Trata-se de um marco cronológico a
partir do qual é possível iniciar uma abordagem. Nesse ano de 1476 D. Ana de Mendonça já seria
órfã do pai, Nuno Furtado de Mendonça, o qual, como aposentador-mor de D. Afonso V
"acompanhou este monarca, (juntamente com seu irmão Pedro de Mendonça, que se documenta
haver estado na batalha de Toro, em 1475) na expedição a Castela e lá morreu em serviço".
Quando ficou órfã, contava apenas 11/12 anos e não é de excluir que tenha sido nessa ocasião – e
circunstâncias - que foi integrada, como "donzela", na casa da Excelente Senhora. Nessa
qualidade, é perfeitamente admissível que se contasse entre as jovens do séquito da Princesa D.
Joana de Castela nos últimos dias de Janeiro desse ano de 1476, (e portanto meses depois do
"casamento" desta senhora com D. Afonso V, celebrado em Plasência perante muitos senhores
castelhanos dentre os quais se destacavam os duques de Arévalo, o marquês de Vilhena e o conde
de Ureña, e após a partida do Africano e da Excelente Senhora de Zamora para Toro), em que o
príncipe-herdeiro D. João se juntou finalmente ao que restava das forças apoiantes de D. Afonso
V. Aí, durante o mês de Fevereiro, embora "submerso num mar de preocupações", o futuro D.
João II teria tido oportunidade de "reparar" na pré-adolescente D. Ana de Mendonça,
distinguindo-a entre as outras donzelas do séquito. Se isso aconteceu efectivamente ninguém o
poderá garantir, mas a tradição é plausível. Embora a percamos momentaneamente de vista, D.
Ana reaparecerá, meses volvidos sobre estes acontecimentos, numa situação de menor
turbulência, quase seguramente na sequência das movimentações registadas por PIMENTA que
permitem constatar uma estadia prolongada do Príncipe Perfeito na vila de Abrantes, onde se
encontravam a Excelente Senhora e o respectivo séquito durante o Verão de 1476.
Ressaltam do citado itinerário seguido por D. Joana de Castela, que PIMENTA certeiramente
transcreveu, uma data e duas localidades. A data é o mês de Junho de 1476, as localidades são as
vilas de Miranda e Abrantes. E o nexo entre elas que pretendemos sublinhar é o seguinte: "D.
Lopo de Almeida, alcaide-mor de Abrantes (…) mordomo-mor, contador-mor, chanceler-mor da
Excelente Senhora, governador das suas terras e seu escrivão da puridade (…) foi criado com
as devidas cerimónias 1.º conde de Abrantes em Miranda do Douro no dia do Corpo de Deus de
1476, isto é, a 13 de Junho".
Concorrem assim na mesma época e local os principais protagonistas da trama que conduzirá ao
nascimento do bastardo D. Jorge. D. Lopo de Almeida, o principal dignitário da casa da
"Beltraneja", era já, simultaneamente, conde e alcaide-mor da vila de Abrantes em cujo paço da
alcáçova e dependências anexas, terá aboletado não apenas o príncipe real e a a Excelente
Senhora, mas também os respectivos acompanhantes, durante essa pausa de repouso que se
seguia ao atribulado primeiro semestre de 1476. Se o príncipe D. João não tivesse tido ocasião de
"reparar" na jovem D. Ana de Mendonça durante o mês de Fevereiro pretérito, teve amplo e
azado ensejo de o fazer ao logo desse "veraneio abrantino". Ocasião que se terá prolongado, e
repetido, uma vez que, como observou PIMENTA, durante o lapso de tempo que decorreu entre
o Verão de 1476 e o início da materialização das consequências advenientes das resoluções das
Alcáçovas-Toledo, firmadas em Castela no início de Março de 1480, "acredita-se que (D. Joana -
e o respectivo séquito - ) tenha realmente vivido no castelo de Abrantes". Essa estadia ter-se-à
prolongada até se completarem todos os dolorosos preparativos que precederam o recolhimento
da princesa em Santa Clara de Santarém, um processo necessariamente concertado com o conde
de Abrantes, que se terá arrastado quase até ao final desse ano de 1480.
D. Afonso V, cujo fim se aproximava, pode ter delegado no príncipe-herdeiro as penosas
disposições finais, pessoalmente comunicadas à Excelente Senhora. Uma vez que essa princesa
professou em meados de Novembro desse ano, as donzelas da sua comitiva terão ficado
desamparadas, e D. Ana terá permanecido em Abrantes, "confiada" à guarda de D. Lopo de
Almeida e sua mulher, a condessa D. Brites da Silva, que fora camareira-mor de D. Joana de
Castela. Acreditamos que estas presunções repousam sobre uma probabilidade muito elevada, até
porque, cerca de nove meses depois, nascia o senhor D. Jorge.
Essa efeméride foi posteriormente registada por RESENDE em termos que justificam a sua
transcrição:" (…) Naceo o senhor dom Iorge filho del Rey, que sendo Príncipe & casado ouue de
Dona Ana de Mendoça, molher muyto fidalga, e moça fermosa de mui nobre geração".
Comecemos por sublinhar que o cronista refere sem margem para dúvidas que o nascimento
ocorreu antes de 23 de Agosto de 1481, (morte de D. Afonso V) sendo o pai ainda príncipe-
herdeiro. De seguida registemos a dupla e enfática referência à extracção familiar da mãe do
bastardo régio. Na nossa perspectiva seria normal que o cronista mencionasse que D. Ana era
"mulher fidalga", ou mesmo "muito fidalga" este último reforço caso ela pertencesse à nobreza
titulada, ou descendesse daquilo que restava das linhagens reconhecidamente marcantantes já no
decurso da primeira dinastia.
Mas não era esse o caso, a família de D. Ana como já tivemos ensejo de apontar, surgira na corte
apenas na geração de seu bisavô, tinha ascendido da categoria de simples escudeiros e vassalos
régios, exercendo embora os importantes cargos militares de capitão-mor do mar e o de anadel-
mor dos besteiros de conto (qualidade de escudeiro na qual se documenta ainda o capitão Afonso
Furtado, apenas cerca de 35/40 anos antes do nascimento do pai de D. Ana), a fidalgos em 1450,
e a partir daí, ascendendo meteoricamente ao conselho régio (casos de Afonso e Duarte Furtado
de Mendonça, ambos posteriores a 1460), a cargos palatinos e a comendas nas ordens militares
(aposentadores-mores desde, pelo menos, 1466, e Comendadores do Torrão na Ordem de
Santiago e, já depois do nascimento de D. Jorge (em 2 vidas, por carta de 1486), senhores de
Vilalva.
Para não nos alongarmos demasiado sintetizaremos que, em termos gerais, os Furtado de
Mendonça portugueses, a cujo tronco pertencia D. Ana, estavam já implantados na chamada
nobreza de corte no terceiro quartel do século XV, mas com muito menos destaque do que outras
famílias em ascensão desde o início da dinastia, e sem terem iniciado ainda alianças
matrimoniais com a nobreza titulada. Estamos em crer que essa relativa subalternidade na
hierarquia cortesã poderá ter estado na origem do enfático reforço do cronista Resende que, após
ter caracterizado D. Ana como "mulher muyto fidalga" sentiu a "conveniência" de acrescentar
ainda "de muy nobre geração", como "convinha que fosse a mãe de um bastardo régio que,
temporariamente embora, teria estado indigitado como hipotético herdeiro do trono português,
como a seu tempo veremos.
Parece desnecessário comentar o alegado "escândalo" e os comentários que os cortesãos – a fazer
fé em autores tardios – não terão deixado de fazer mas que, obviamente, não se encontram
referidos nos textos coevos, nem sequer nas colectâneas de anedotas de corte quinhentistas que,
todavia, são pródigas em maledicências de carácter intimista e que, narrando embora – como
teremos ensejo de ver - com complacente minúcia, alguns casos menos abonatórios sobre D.
Jorge, curiosamente nunca lhe beliscaram a ascendência materna...
Esse discreto silêncio, tombando sobre a juvenil mãe do bastardo régio, recolheu eco favorável
na historiografia romântica, muita da qual citada por PIMENTA, autora que teve a elegante
amabilidade de sobre ela recordar as palavras escritas por um seu longínquo parente colateral, o
3.º conde de Sabugosa "Era uma amorosa. Não era uma intrigante." . Constatação que o erudito
fidalgo poderá ter bebido em fontes, como se verá.
Sucede que esse silenciamento, convindo certamente aos interesses da "candidatura" de D. Jorge
à sucessão no trono paterno, poderia interessar também à influente casa dos condes de Abrantes,
assunto cujos indícios (reais ou ficcionais) nunca despertaram a curiosidade de ninguém, apesar
de terem escapado "à censura" alguns, embora lacónicos, possíveis "fiapos" de informação. Com
efeito Alão de MORAES, genealogista considerado probo e informado, aliás o único a referir o
nome correcto da mulher do bisavô de D. Ana de Mendonça, e o primeiro a emitir fundadas
dúvidas sobre a "ascendência mítica" unanimemente emprestada à sua família, deixou escapar –
certamente por o considerar relevante – este aditamento sobre a mãe de D. Jorge "D. António de
Mascarenhas, no títº dos Almeidas, diz que D. Pêro Fernandes de Almeida, Prior do Crato,
tivera na mãe do Mestre D. Jorge a D. Estêvão de Almeida, D. Brites e outra."
Á partida parece, desde logo, detectar-se uma imprecisão na supracitada nótula. O membro desta
família que, durante o período em apreço, ascendeu à dignidade de prior do Crato, na Ordem do
Hospital, foi D. Diogo Fernandes de Almeida que recebeu esse priorado pouco depois de 12 de
Abril de 1492, dia em que o senhor D. Jorge, (de quem passaria a ser aio por nomeação régia do
feita no mesmo mês) foi jurado Mestre das ordens de Avis e Santiago.
Se estivermos correctos esta menção a um "D.Pedro" pode ter resultado de confusão com o seu
irmão do mesmo nome de que nos ocupamos já, mas que se documenta usando o nome de D.
Pedro da Silva, embora seja de estranhar que o Doutor D. António Mascarenhas que, como
adiante veremos deveria conhecer bem este assunto, tivesse incorrido em erro tão grosseiro. E
parece um tanto "rebuscado" admitir que o tenha feito intencionalmente, com o intuito de
"confundir as pistas" sobre a verdadeira identidade do pai destes alegados filhos de D. Ana de
Mendonça.
Quanto a estes últimos filhos, MORAES refere efectivamente um D. Estêvão de Almeida,
clérigo, mas que este autor, não obstante aquilo que citou, na nota em que D. António
Mascarenhas atribui a D. Ana um filho com esse mesmo nome, menciona apenas um homónimo,
mas dando-o como filho bastardo do 2.º conde de Abrantes (irmão do Prior do Crato e de D.
Pedro da Silva), nascido de uma Leonor Lopes . Por sua vez Felgueiras GAYO navega em águas
semelhantes ao apontar efectivamente como filhos, mas desta feita legítimos, do 2.º conde de
Abrantes um D. Estêvão de Almeida, bem como uma D. Brites, e uma D. Maria, que foram
freiras (curiosamente as únicas 2 filhas atribuídas a este casal que não fizeram honrosas alianças
matrimoniais).
Mas, não menos curiosamente, consultando o Livro de Linhagens do Século XVI, seremos
obrigados a comprovar algo de aparentemente insólito. Esta obra é criticamente considerada
como tendo sido redigida entre 1549 e 1555, menos de meio século após a morte do Prior do
Crato D. Diogo Fernandes de Almeida, falecido em Almeirim, a 13 de Maio de 1508.Nela se
trata das famílias de corte quinhentistas numa época em que estariam vivos descendentes
directos de D. Diogo Fernandes de Almeida, 6.º Prior do Crato, e não fazendo, é certo, qualquer
menção explícita à D. Brites, referida por D. António Mascarenhas como filha daquele Prior do
Crato, havida em D. Ana de Mendonça, senhora que julgamos corresponder à mesmíssima D.
Brites que GAYO não hesitou em incluir (juntamente com uma D. Maria) entre os filhos de seu
irmão, 2.º conde de Abrantes, titular ao qual o antedito Livro de Linhagens não aponta filhas,
contém o seguinte:
"Dom Diogo Fernandez de Almeida filho do conde Dom Lopo e jrmão do conde Dom João foy
prior do Crato (e) não casou. Ouue bastardos Dom Pedro e Dom Lopo e Dom Esteuão que foi
bispo he uma filha que fez freyra".
Estaremos perante "discrepâncias" que poderiam dar que pensar.
Alão de Moraes e Felgueiras Gayo, autores "modernos", referem D. Estêvão de Almeida, clérigo,
como filho de D. João de Almeida, 2.º conde de Abrantes. Por outro lado, tanto D. António
Mascarenhas como o Livro de Linhagens do Século XVI, mencionam-no como filho bastardo do
Prior do Crato D. Diogo, sem qualquer referência a sua mãe, sendo que o Doutor Mascarenhas a
nomeia, designando-a como D. Ana de Mendonça, mãe do senhor D. Jorge.
Da confrontação destas fontes parece evidenciar-se a hipótese de estarmos perante dois primos
chamados Estêvão, um filho bastardo do 2.º conde de Abrantes, outro, igualmente filho bastardo,
mas de seu irmão, o Prior do Crato. Aceitamos este postulado uma vez que MORAES trata, com
alguma minúcia, estes dois descendentes do 1.º conde de Abrantes.
Segundo este autor, D. Estêvão, clérigo, filho bastardo de D. João de Almeida, 2.º conde de
Abrantes, teria nascido de Leonor Lopes, e dele apenas se sabe que foi pai de um filho natural,
D. Manuel de Almeida, que morreu solteiro e sem geração.
Quanto ao primo homónimo, filho de D. Diogo Fernandes de Almeida, Prior do Crato, o mesmo
MORAES (que, como deixámos acima, transcreveu a propósito de D. Ana de Mendonça a nótula
de D. António de Mascarenhas que a dá como tendo tido desse mesmo Prior um D. Estêvão, uma
D. Brites, e outra filha que não nomeia) depois de apontar minuciosamente que o Prior teve de
"N… que era irmã da mulher de Álvaro Maldonado, que era natural de Alegrete, da família dos
Velezes" os filhos bastardos D. Pedro de Almeida, que foi Alcaide-mór de Torres Novas, e D.
Lopo de Almeida, ambos com geração conhecida, adianta:
"Teve mais, de outra mulher (que não nomeia), D. Estêvão de Almeida, a quem uma memória faz
meio irmão deste Prior. Foi Clérigo e, servindo a Imperatriz D. Isabel, foi bispo de Astorga, e
depois de Cartagena, por Castela, que ordenou os estudos do Colégio da Companhia de Jesus
de Murça, no ano de 1563, ajudando muito a fundação dos de Medina e Placência".
Ora o supracitado Livro de Linhagens do Século XVI, que menciona dados biográficos sobre D.
Pedro e D. Lopo, (os filhos que MORAES refere haverem sido gerados pelo Prior do Crato numa
senhora natural de Alegrete e pertencente à família dos Velezes), é completamente omisso sobre
o D. Estêvão, terceiro bastardo de D. Diogo Fernandes de Almeida mencionado inequivocamente
como tal na mesma obra, e que terá sido bispo de Astorga e de Placência, em Castela, na
mesmíssima altura em que foi redigido esse Livro de Linhagens.
Ou seja: por coincidência, Alão de MORAES, que dispunha de informações sobre a obscura mãe
dos dois primeiros bastardos do Prior do Crato, sobre o terciogénito, o bispo D. Estêvão, embora
lhe refira a biografia, apenas sabe que nasceu doutra mulher. E, por sua vez, o Livro de
Linhagens do Século XVI, reconhecendo embora que o antedito D. Estêvão, fora, tal como D.
Pedro e D. Lopo, filho bastardo do Prior do Crato, refere dados biográficos sobre os dois últimos,
passando em completo silêncio o primeiro, não obstante este encontrar-se vivo, e prosseguindo
uma notável carreira eclesiástica ao serviço da imperatriz D. Isabel, mulher de Carlos V, no
preciso momento em que esta obra era redigida.
A memória referida por Alão de MORAES, e segundo a qual o bispo D. Estêvão de Almeida
seria meio-irmão do Prior do Crato, apresenta, desde logo, problemas de cronologia dado que,
como vimos já, o Prior, se encontra documentado desde 1462, ano em que vencia 1200 reis de
moradia como moço-fidalgo da Casa de D. Afonso Ve morreu em 1508, enquanto o seu alegado
meio-irmão terá falecido ao redor de 1570. E, como também referimos, não se conhece (entre a,
verdadeiramente complicada, e muito questionável, descendência de Fernand’Álvares de
Almeida) nenhum filho do 1.º conde de Abrantes que se tivesse chamado D. Pêro Fernandes de
Almeida, como escreveu o Doutor D. António Mascarenhas, mas a própria referência à
supracitada memória só reforça a convicção de que os genealogistas tinham fundadas dúvidas
sobre a ascendência do bispo D. Estêvão de Almeida.
Acresce que. aquele D. António Mascarenhas, fonte da informação transmitida por Alão de
MORAES, segundo a qual o bispo D. Estêvão de Almeida seria filho do Prior do Crato e de D.
Ana de Mendonça, não é exactamente mais um obscuro linhagista tardio; trata-se dum colegial
do Real Colégio de S. Paulo, onde entrou em 15 de Outubro de 1613, Doutor em Teologia
formado em Coimbra, filho de D. Nuno Mascarenhas, alcaide de Castelo de Vide, viveu entre os
finais do século XVI e o termo da primeira metade do século XVII e foi autor dos volumes de
Famílias do Reino de Portugal que se conservaram na biblioteca dos Duques de Lafões. E talvez
tivesse tido acesso a informações privilegiadas sobre os Mendonça uma vez que tinha casado
com uma sua prima (por Castros), D. Isabel de Mendonça que era, precisamente, filha de um dos
primos de D. Ana de Mendonça, António de Mendonça, Comendador de Veiros na Ordem de
Avis, e senhor da quinta da Marateca.
Ignoramos em absoluto que razões teriam estado na origem da "informação" que prestou, e
também desconhecemos o grau de fiabilidade da fonte onde a terá ido beber. Mas talvez seja
relevante mencionar que a mulher deste autor, em virtude da morte de seu irmão primogénito,
Luís de Mendonça, ficou herdeira da quinta da Marateca e restante casa de seu pai, e alguns dos
bens herdados podem ter ocasionado, como era frequente em casos análogos, litígios no seio dos
Furtado de Mendonça. Ou poderemos encarar a hipótese de que D. António Mascarenhas fosse
apenas um genealogista escrupuloso, com acesso a "informações privilegiadas" que entendeu
pertinente não ocultar.
O certo é que a "informação" registada pelo Doutor D. António Mascarenhas não constitui o
único rumor sobrevivente sobre a – eventualmente movimentada – juventude da mãe de D.
Jorge. Disso mesmo se deu conta PIMENTA que conscienciosamente registou uma significativa,
embora dúbia (na verdade não julgamos que se reportasse apenas ao assunto melindroso que
constituía o nascimento do bastardo régio), passagem de Frei Agostinho de SANTA MARIA que
julgamos relevante transcrever: "(…) D. Anna de Mendonça…que depois foi commendadeira de
Santos, donde soube melhor acodir ás obrigações do seu nascimento em a velhice que na
mocidade."
Mas parece seguro que o esclarecimento cabal – admitindo-o como possível – de tantas alusões
oblíquas, dúvidas, divergências e silêncios genealógicos sobre uma parte (por outras vias bem
documentada) da descendência do Prior do Crato Diogo Fernandes de Almeida permitiria
certamente concluir se D. Ana teria sido alvo de calúnias.
Ou, em última análise, rever a versão tradicional de que foi apenas mãe do bastardo régio D.
Jorge. Se esta última hipótese viesse a confirmar-se, constituiria (mais) um contributo para o
estudo do conhecido e relevante papel que estes Almeida, da família dos condes de Abrantes,
desempenharam na vida do Mestre de Avis e Santiago, e também no destino de D. Ana, antes, ou
mesmo depois, de professar em Santos, já que o facto de não ter criado D. Jorge nos não
surpreende, por ser usual no caso de muitos bastardos régios.
É difícil admitir que, sendo D. Diogo de Almeida tão íntimo de D. João II desde a juventude de
ambos, tão devotado servidor, e objecto de tal confiança que um dos últimos actos do rei foi
nomeá-lo seu testamenteiro, pudesse ter "traído" essa mesma confiança, a ponto de haver gerado
filhos na mãe do bastardo régio D. Jorge.
Essa mesma D. Ana que o Príncipe Perfeito, à hora da morte, contemplou com uma doação
destinada ao "seu casamento". Seria uma – por enquanto virtual - ligação entre o Prior do Crato e
D. Ana conhecida, consentida e aprovada pelo real moribundo? Se o foi, explica-se a diligência
efectuada por D. Jorge ao indagar quais seriam as consequências que adviriam para uma
comendadeira de Santos que viesse a casar. Matrimónio que, nessa ocasião, já não prejudicaria
as, entretanto abandonadas, aspirações à sucessão na Casa Real do Mestre de Avis e Santiago,
mas que, não tendo chegado a efectuar-se, poderia justificar o renitente constrangimento dos
genealogistas em tornar publico o nome da mãe do duque de Coimbra como o sendo também de
filhos que teria tido de Prior do Crato, dentre os quais avulta a personalidade do bispo D. Estêvão
cuja carreira eclesiástica castelhana, supomos, nunca foi estudada.
Infelizmente a pesquisa desta questão em fontes primárias ultrapassa os limites do presente
trabalho, o que nos deixa apenas a alternativa desta referência inconclusiva, mas perturbadora,
pelo contexto familiar do autor da "informação" e cumulativamente pelo acumular de aparentes
erros e imprecisões, bem como de flagrantes omissões genealógicas em que surge.
Uma vez que, por ora, não nos encontramos em condições de aprofundar esta controversa
problemática retomemos o fio da narrativa sobre o percurso ulterior da mãe do recém-nascido D.
Jorge, exactamente nos mesmos termos em que o faz PIMENTA:
"Depois do nascimento (…) possivelmente continua a usufruir da amizade dos Almeidas, de
cujos paços provavelmente só sairá quando ingressar no Mosteiro de Santos, onde D. Violante
Nogueira, sua tia, era então Comendadeira. Precisar a data da sua entrada neste Mosteiro da
Ordem de Santiago não é tarefa fácil".
Com efeito, a fazer fé na primeira e últimas referências documentais aduzidas por MATA sobre
as donas do Mosteiro de Santos seríamos levados a concluir que Violante Nogueira (ou de
Mendonça, como este autor também a menciona) se encontra aí referenciada entre 13 de
Novembro de 1497 e 19 de Novembro de 1500. No entanto o mesmo autor permite-nos recuar o
ingresso desta dona no supracitado mosteiro uma vez que refere um criado dela, Bernardim
Eanes, documentado em Santos já em 10 de Junho de 1495 Dispomos todavia de uma fonte
complementar que permite confirmar que Violante Nogueira – comendadeira de Santos desde
1486 (admitimos que tivesse ingressado no mosteiro cerca de 1475), governava a comunidade
em 5 de Setembro de 1490, ano da morte da Infanta D. Joana, a quem estivera confiada a guarda
do senhor D. Jorge, uma vez que o cronista RESENDE expressamente a menciona como
comendadeira nessa data, por ocasião da trasladação da comunidade do mosteiro de Santos-o-o
velho para o novo edifício, mandado fazer de novo por D. João II em Santa Maria do Paraíso,
entre os mosteiros de Santa Clara e da Madre de Deus.
Embora saibamos apenas que D. Ana de Mendonça sucedeu a sua tia Violante Nogueira, como
comendadeira de Santos, possivelmente em 1508, ano da morte desta última dona, não temos
conhecimento de qualquer fonte que invalide o admitir-se que, mesmo que não tivesse
imediatamente cumprido o noviciado regulamentar e professado, se "tivesse recolhido" nessa
casa religiosa em data anterior. Ou mesmo que o seu ingresso no Mosteiro pudesse remontar a
um período muito próximo do início do ano de 1490, durante o qual, mais precisamente em 15
de Junho, D. João II fez apresentar na corte o bastardo D. Jorge, após "negociação" prévia com a
rainha D. Leonor. O monarca teria entendido que a reclusão da mãe, ao fim de 14 anos de
presumível residência em Abrantes, e a confirmarem-se as supracitadas hipóteses, só podia
beneficiar a imagem e o futuro do seu filho ilegítimo e, quem sabe, a sua própria dignidade e
"atmosfera" conjugal. Aliás o destino de futura comendadeira de Santos (inicialmente sob a
tutela de uma tia) tinha um precedente de peso, Inês Pires, "amiga" de D. João I e genearca da
Casa de Bragança, aí tinha encontrado abrigo e ascendido à chefia da comenda no início desse
mesmo século XV.
Encerramos esta digressão pelas circunstâncias e estimativa da data provável do ingresso de D.
Ana de Mendonça no Mosteiro de Santos com uma interrogação: porque razões em 1508, muito
depois da morte do Rei, seu pai, (e quando documentadamente a mãe, que pouco passaria dos 40
anos, exercia já o cargo de Comendadeira ) D. Jorge consultou o Mestre castelhano de Santiago,
perguntando, entre outras coisas "si las comendadoras se pueden casar e casadas si les quedan
las encomiendas" ?
Justificamos esta interrogação tendo presente o facto de que, à data, a única Comendadeira da
Ordem de Santiago em Portugal, e portanto a única senhora a quem esta questão poderia
interessar era, precisamente, D. Ana de Mendonça. E recordando que, nas disposições
testamentárias de D. João II o monarca havia estipulado em 1495 que "…D. Ana, Madre de D.
Jorge meu filho aja em todolos dias de sua vida em cada hum ano duzentos mil reis… pera
suportar sua honra ou pera seu casamento (…)". A este propósito convirá recordar que o Livro de
Linhagens refere uma D. Joana, meia-irmã bastarda da rainha D. Leonor Teles, que "foy
comendadeyra de Santos e depois foi casada com João Afonso Pimentel alcayde e senhor de
Bragança que depois em Castela foy conde de Benavente" . Tivemos ensejo de salientar o
importante papel de intermediação política desempenhado por este conde de Benavente no
reinado de D. Afonso V, apenas algumas décadas antes da consulta de D. Jorge. Se esta
informação do LL fosse exacta (e não vemos razões para contestar uma notícia de conhecimento
geral à data da sua redacção) não repugna que o Mestre tivesse em conta este precedente ao
efectuar a supracitada consulta.
Com efeito, se as nossas hipóteses fossem minimamente ajustadas aos factos, a mãe do Mestre
de Avis e Santiago só teria professado tarde, talvez mesmo já depois de ascender a comendadeira,
como julgamos poder depreender da conhecida passagem de Frei Agostinho de SANTA MARIA
em que este autor relata o que teria sucedido por ocasião da profissão desta senhora quando o
filho, já Mestre de Avis e Santiago em exercício, pretendeu beijar-lhe a mão, significativa
deferência que ela tentou evitar " … e disse-lhe o Mestre que lhe queria beijar a mão não como
Mestre mas como filho ao que ella logo respondeo; engana-se Vossa Alteza porque eu nunca fui
casada, de que o mestre ficou suspenso e desestio da pretenção venerando muito mais dalli por
diante a sua mãy ". Este excerto, a ser verídico, e se não constituiu, tal como – obliquamente – o
outro que citamos da mesma autoria, uma parte do "processo de reabilitação" de D. Ana, poderá
ter-se verificado depois de 16 de Março de 1509, data em que D. Jorge foi feito Duque de
Coimbra, com todas as insígnias, honras e preeminências… outorgadas aos Títulos de Duques,
mas entre as quais não vislumbramos o tratamento de "Alteza" que lhe é atribuído na transcrição
supra e que apenas documentamos em relação aos monarcas . Teria casado sigilosamente D. Ana,
apaziguando honra e consciência? As fontes conhecidas permanecem mudas a este respeito que,
a ter-se efectivado, constituiria o precedente de outros controversos casamentos sigilosos,
alegadamente realizados pela sua descendência directa?

4.2. O jovem D. Jorge e a frustrada "candidatura" a herdeiro do trono.


Tanto quanto seria aparentemente possível PIMENTA debruçou-se já sobre os primeiros 8/9 anos
da vida de D. Jorge, período compreendido entre Novembro de 1481 (durante o qual viveu no
Mosteiro de Jesus, em Aveiro, entregue à tutela da tia paterna a Infanta D. Joana), e a sua
apresentação à corte, em Évora, em meados do mês de Junho de 1490. De igual modo são
conhecidas, e foram comentadas, as escassas referências feitas em fontes coevas sobre a vida do
bastardo régio durante os meses em que viveu junto à família real. Já não é tão frequente a
referência a um evento simultâneo, e de natureza semelhante. E esse acontecimento tem a ver
com o nascimento em Castela, provavelmente nesse mesmo ano de 1481, de um filho de D.
Diogo, Duque de Viseu, (que, à data contaria apenas 16 ou 17 anos e residia no reino vizinho de
acordo com o estipulado no Tratado das Alcáçovas/terçarias de Moura). Esse filho havia sido
gerado por uma senhora de elevada jerarquia, e casada com um meio-irmão de Fernando o
Católico, circunstância que emprestava uma acrescida sensibilidade política ao destino desse
filho natural do jovem Duque de Viseu que, aparentemente, não tinha hesitado em seduzir uma
cunhada do próprio rei Católico Essa criança veio para Portugal pouco depois do seu nascimento
e, D. João II que havia encarado a hipótese de "neutralizar" D. Diogo, casando-o com a própria
irmã D. Joana (que desse projecto se poderia defender com a alegação de se encontrar devotada à
criação do senhor D. Jorge), compreendeu imediatamente a importância de uma directa
intervenção régia neste assunto delicado. Essa intervenção foi referida por Góis, Soares de
Alarcão e Pedro Abarca, todos, alias, referidos por SOUSA que transcreve a versão ligeiramente
divergente do primeiro dos anteditos cronistas "…logo depois q. ElRey D. João matou o Duque
D. Diogo, mandou poer em grã segredo este D. Afonso em Portel, em guarda de Antam de Faria
seu Camareiro, e guarda roupa, e Alcayde mor da mesma Villa, mandoulhe que o criasse como
filho dalgum lavrador, sem se saber quem era, mas tanto que ElRey D. João Faleceo a Infante
Dona Beatriz, mai do Duque D. Diogo, sua avó mandou por elle a Portel, e o criou em sua
Caza, como convinha a seu neto ".
A divergência radica-se no facto de outros autores referirem que a criança veio para Portugal
logo após o seu nascimento, versão que nos parece mais ajustada, tanto mais que a mãe não só
não era viúva, como referem pudicamente, alguns cronistas como terá tido ainda de seu idoso
marido, o Duque D. Afonso de Aragão, Mestre da Ordem de Calatrava, pelo menos uma filha.
Esta situação aconselharia que a criança filha de D. Diogo, e nascida de D. Leonor de Sotomaior
e Portugal, tivesse sido trazida rápida, e discretamente, para território português.
Com o correr do tempo, desenhando-se o litígio entre D. João II e as Casas de Bragança e de
Viseu, revestir-se-ia de alguma importância que o monarca português tivesse sob seu alçado, em
Portel, e como que na situação de "refém", o filho natural do Duque D. Diogo, enquanto o seu
próprio bastardo se encontrava resguardado debaixo da tutela da Infanta D. Joana. Este D.
Afonso, de acordo com a política de "limitação dos desgastes desnecessários" praticada pelo
Príncipe Perfeito sobreviveu à queda da Casa de Viseu, e viria a ser reconhecido por D. Manuel I
como seu sobrinho, passando a estar confiado à avó paterna, a Infanta D. Beatriz, até que este
último monarca lhe concertasse um bom casamento e lhe concedesse o invejado cargo de
Condestável, mas morreria jovem e sem descendência.
Mas, embora se trate de matéria sobejamente conhecida, não nos podemos dispensar de
regressar ao mais minucioso dos cronistas que relataram o reinado do Príncipe Perfeito no ponto
em que este refere as disposições tomadas em relação a D. Jorge por D. João II na sequência da
morte do príncipe-herdeiro D. Afonso, e significativamente intitulado "Da Mvdança Do Senhor
dom Iorge". Escreve RESENDE:"El Rey depois da morte do Pincipe deu logo carrego do Senhor
dom Iorge seu filho a dõ Ioam Dalmeida Conde de Abrantes, & por tirar paixam a raynha sua
molher com a vista do senhor dom Iorge, lembrandolhe a morte do Príncipe seu filho, ouue el
rey por bem que por então não viesse a sua casa, & em caso que o el rey fizesse com fundamento
honesto, & virtuoso, a raynha ouue disso desprazer (…)". São falíveis, e eivadas de
subjectivismo, as tentativas de exegese de passagens deste jaez que, aliás, antes de escritas terão
passado já por um cauteloso crivo de "auto-censura", mas parece-nos que não seria totalmente
descabido distinguir três tempos distintos neste relato:
1 – Um primeiro tempo, subsequente à concertação efectuada entre os régios consortes, e durante
um momento de exaltação em que se preparava o fecho da abóbada diplomática, em parte
construída com o concurso de D. Leonor, tia de Isabel a Católica, que seria o casamento do
herdeiro do trono de Portugal com a herdeira de Castela, em que a rainha acedeu a receber D.
Jorge, então mero filho bastardo do marido. Os tempos felizes predispõem, como é sabido, à
magnanimidade.
2 – Um segundo momento, que se segue à inesperada morte de D. Afonso, e à derrocada de todas
as esperanças laboriosamente tecidas em seu torno, durante o qual D. João II toma consciência
de que a presença de D. Jorge na corte, pode – não apenas exacerbar a dor e frustração da rainha
– como também dificultar o seu, necessariamente rápido, mas discreto, processo de legitimação e
subsequente elevação à categoria de herdeiro do trono. D. Leonor, que ainda se não teria
inteirado da globalidade das razões subjacentes à decisão régia protestou, não via necessidade de
afastar o batardo D. Jorge sob a alegação de a poupar à recordação, de qualquer modo sempre
presente, da morte do filho legítimo.
3 – Finalmente a tomada de consciência: a rainha apercebe-se de que os desígnios do rei não
passam pela casa de Viseu de que ela procede, antes se direccionam para o bastardo, fruto da
infidelidade de D. João II com uma, pelo menos obscura, ex-donzela da Excelente Senhora. Este
último momento é relatado pelo mesmo cronista de modo transparente, senão enfático "(…)&
tanto que depois que el rey lho requereo, & muito apertadamente lhe pedio q o tornasse a
recolher a sua casa, foi nisso tam dura & tam contraria, que recebendo por isso del rey muytos
disfauores nunca em vida del rei o quis ver nem recolher".
Com efeito era impossível manter sigiloso um processo que, se outras inconfidências se não
verificassem (e as cortes sempre foram esruturas pouco azadas à manutenção deste tipo de
segredos) ao longo do da sua incontornável tramitação pelas chancelarias não deixaria de ser
transmitido a Isabel a Católica e à parentela da casa de Viseu. Ora, a posição e proceder do
monarca português não deixavam margem para duvidas, como refere o mesmo RESENDE "O
que el rei com muito desejo procurava com alguma imaginação e desejo, que depois mostrou de
ver se poderia legitimar & habilitar ho dito senhor dom Iorge seu filho para sua socessam (e,
atento a época em que escrevia, o cronista tranca ortodoxamente o parágrafo), que ao Duque (de
Beja) direitamente pertencia" .
Também as baldadas diligências desenvolvidas por D. João II com o duplo intuito que o cronista
acima mencionou, bem como a pertinaz oposição da rainha sua mulher e a ruptura que esse
antagonismo provocou no casal régio, são conhecidas e foram objecto de atenção,
designadamente da "historiografia romântica", empenhada em sublinhar o espiritual desapego da
rainha D. Leonor e a trajectória cristã e sofredora da sua biografia.
Mas FONSECA, revendo esta série de encómios, decantados e pressurosamente sedimentados
num específico quadro ideológico, procurou relançar o debate sobre a conjuntura determinante
do posicionamento da rainha perante a sucessão do trono, formulando interrogações que
julgamos actuais e pertinententes: "Será possível pensar o seu reinado (de D. João II) como uma
governança em que a rainha, sua mulher, se interessa e protagoniza um projecto alternativo? Será
admissível pensar que D. João e D. Leonor, em termos políticos, apenas se encontram na
oposição desta ao desejo do marido de que lhe suceda D. Jorge, o filho ilegítimo? Será aceitável
ver nesta mulher, protagonista tão activa em tantos aspectos da sociedade portuguesa do seu
tempo, ser, no espaço político, apenas uma vítima sofredora e silenciosa ? (…)" .
Sucede que, atentos os propósitos deste trabalho, nos interessam as respostas a estas questões,
que podem estar subjacentes ás razões, e modus operandi do rei, bem como as consequências
que, para D. Jorge, daí advieram ao longo da sua vida e governo das ordens de Avis e Santiago.
Nesta medida, para entender melhor o futuro da Ordem de Avis que D. Jorge governará, e
mantendo a linha que nos move desde o início, acreditámos ter interesse olhar de perto para esta
questão delicada da sucessão de D. João II, a despeito, naturalmente, do muito que já se escreveu
sobre o tema.
4.2.1. A sombra dos Habsburgo: a ingerência dos Reis Católicos na sucessão
do trono português.
Uma vez neutralizada a ameaça representada pela Casa de Bragança, a sombra projectada pelo
remanescente da Casa de Viseu, a ela estreitamente aparentada, bem como à rainha D. Isabel de
Castela, irá ensombrar os últimos anos do reinado de D. João II, mercê do fracasso da tentativa
de "domesticação" tentada por D. Afonso V através do casamento do príncipe-herdeiro com uma
filha do duque D. Fernando. FONSECA analisou pormenorizadamente as diferentes fases do
processo - a que chama o projecto alternativo da casa de Viseu - que conduziu a esta situação,
inventariando os esforços intentados já por D. Afonso V, mas também pelo Príncipe Perfeito,
com o objectivo de evitar, e mesmo cercear, a excessiva concentração de poder acumulada pelo
Duque D. Fernando e respectiva descendência, bem como minimizar as consequências da
actuação da sua eficaz rede familiar de solidariedades e conivências estendidas para além das
fronteiras do reino .
E foi levado a concluir que a rainha D. Leonor, a despeito de ter sido mulher de um rei
particularmente cioso da sua autoridade, e das prerrogativas da monarquia, soube encontrar uma
via para se constituir num dos elementos polarizadores da sociedade portuguesa da sua época,
constituindo, em simultâneo, a fazer fé no cronista RUI DE PINA, o grande apoio do sobrinho D.
Manuel, Duque de Beja, no debate da sucessão MENDONÇA foi ainda mais longe, ao
considerar que "nenhum movimento de oposição aconteceu na Corte entre 1493 e 1495, que não
fosse alimentado pelo ódio…D. Leonor, movida pelo desespero e pelo despeito, encabeçou desde
cedo o grupo que pretendeu oferecer o trono português a D. Manuel, Duque de Beja".
Fossem quais fossem as razões do foro pessoal e de natureza política (e não repugna aceitar que
as duas ordens de razões coexistissem no ânimo de D. Leonor desde a morte do irmão D. Diogo)
que terão incitado a rainha a empenhar-se tão a fundo na questão sucessória começaremos por
registar que a determinação do rei parece indiscutível. No nosso entender a formação da decisão
do monarca terá sido muito rápida, como nos parece depreender do juízo por ele emitido sobre a
alegada incapacidade governativa de D. Afonso, que os cronistas referem como muito (ou
demasiado) próximo da parentela materna, e logo, de Castela. Estamos em crer que terá sido uma
decisão a frio, ditada pela necessidade urgente de viabilizar uma alternativa sucessória
susceptível de evitar, não apenas uma previsível inflexão da sua obra política, mas também a
concretização do "plano alternativo" dos Beja-Viseu. Ignoramos se, desde início, D. João II teria
tido consciência da força das oposições com que depararia, uma vez que elas apenas virão a
ganhar a sua expressão plena a partir de 1492/1493, mas parece seguro que, desde começo, gizou
– e fez executar – um plano cuidadosamente elaborado. Estamos em crer que esse projecto, que
se desenrolou entre o Verão de 1491 e o Outono de 1495, visava, em primeira instância, uma
como que equiparação, no plano simbólico, entre o falecido príncipe D. Afonso e o, sobrevivo,
senhor D. Jorge. A bastardia deste último era, à partida, um obstáculo, mas, hipoteticamente
ultrapassável, como o demonstravam numerosos exemplos, a começar pelo próprio D. João I, o
fundador da dinastia.
No entanto, uma vez que a conjuntura na qual decorria o projecto do Príncipe Perfeito era bem
diversa da situação "revolucionária" de 1383-1385, tornava-se aconselhável cuidar de todos os
pormenores, como veremos, já em seguida, a propósito de um rasto detectável do trabalho de
"legitimação" simbólica ab initio do senhor D. Jorge.
Todas as fontes citadas por PIMENTA que referem a passagem de destino manifesto que a seguir
se transcreve convergem num mesmo autor, Frei Nicolau Dias, religioso dominicano e partidário
de D. António, Prior do Crato, que publicou a Vida da Sereníssima Princesa D. Joana, filha de
el-rei D. Afonso o quinto de Portugal em 1586, obra em que, segundo cremos, pela primeira vez
este episódio é mencionado: "Estando D. Afonso V doente, deitou a bênção ao Príncipe D. João
e a dois netos, filhos do dito Príncipe, hum legítimo… e outro bastardo que nasceu estando ele já
doente e muito mal e quando lhe levaram as novas do seu nascimento não pode mais por sua
grande fraqueza que levantar a mão direita e deitar-lhe a bênção" .
Julgamos não ser indispensável uma refutação formal desta passagem, a escassa verosimilhança
do seu conteúdo nas circunstâncias alegadas, o facto de se não conhecer nenhuma outra fonte que
registe o episódio, o período e a conjuntura nacional em que terá sido escrita, bem como a
"orientação política" do seu autor não a abonam.
Demasiado tardia para ter servido os propósitos de "legitimação" do proposto candidato à
sucessão, parece reflectir no entanto uma anterior e cuidadosa efabulação da "campanha"
desenvolvida nesse sentido após a morte do príncipe-herdeiro D. Afonso, ocorrida, como vimos,
em Julho de 1491, e terá sido bebida em relatos quase um século anteriores que, no entanto não
chegaram até nós.
Paralelamente a este trabalho de "propaganda" informal o monarca desenvolvia junto da Santa Sé
iniciativas que visavam, não apenas a legitimação de D. Jorge, mas também a concessão dos
mestrados de Avis e Santiago. MENDONÇA atribui a celeridade com que o soberano obteve do
Sumo Pontífice a satisfação deste último desiderato à "influência que o rei de Portugal
conseguira na corte de Inocêncio VIII". E PIMENTA aponta, quanto a nós certeiramente,
comentando que essa nomeação, complementada com outros bens que haviam pertencido ao
príncipe-herdeiro "… "acontece fruto do paralelo que o Rei pretende traçar entre este bastardo e
seu filho legítimo, há pouco falecido". Estamos convictos que era essa a linha de actuação lógica,
e o seu primeiro sucesso evidente, mas apenas parcial, porquanto D. Jorge permanecia na
situação de filho ilegítimo. Com efeito, não somente morrera entretanto Inocêncio VIII (1492),
sucedendo-lhe, nesse mesmo ano, o valenciano Rodrigo de Borja, o controverso papa Alexandre
VI,como "a rainha D. Leonor" entendera que era essa a oportunidade mais azada para actuar por
todos os meios ao seu alcance.
Sem pretender traçar uma meridiana de apaziguamento entre as posições (entretanto corrigidas)
de autores como FREIRE e a linha defensiva de D. Leonor, iniciada pelo 3.º Conde de Sabugosa,
somos obrigados a convir – como o faz PIMENTA – que "as conspirações da década de 80
colocaram perante o rei, numa posição muito incómoda todos aqueles que tinham ligações ou
pertenciam directamente ás famílias envolvidas na conjura. Era o caso do Duque de Beja…pese
embora (…) um enorme (e realista) desejo de paz por parte do rei de Portugal" . Desejo esse
que, ponderados os custos e benefícios que adviriam de uma obstinada manutenção da
candidatura de D. Jorge, irá determinar – apesar de tudo - a final aceitação do Duque de Beja
como herdeiro do trono. E talvez seja conveniente não esquecer ainda que, embora abstendo-se
de uma ingerência directa na política interna portuguesa, os Reis Católicos auxiliaram
activamente os participantes nas conjuras que se haviam refugiado em Castela, como ressalta
claramente, entre outros, do trabalho de GIL que tivemos ocasião de referir.
Passando sobre o papel, talvez importante, mas possivelmente não decisivo, que nesta conjuntura
terá desempenhado o cardeal D. Jorge da Costa, "antigo inimigo de estimação" do monarca
português, e sobre os apoios internos da rede clientelar dos Beja-Viseu que D. Leonor teria
conseguido mobilizar, interessa-nos reter que, num contexto em que a sua influência junto da
Santa Sé tinha aumentado consideravelmente, os Reis Católicos, seguramente pressionados pela
rainha de Portugal e pela sua mãe, a activa e influente Duquesa viúva de Viseu, mas actuando no
quadro dos seus interesses políticos próprios, decidiram intervir.
Com efeito, embora tivessem continuado a pressionar directamente o monarca português, como o
fizeram através duma embaixada que D. João II recebeu em Setúbal, em meados de 1493, já
teriam iniciado as suas movimentações em Roma, preocupados com as possíveis consequências,
tanto internas como externas que, poderiam advir no caso de se confirmar a indigitação de D.
Jorge como sucessor. E chegaram a acenar com a ameaça velada, que adiante veremos
corresponder também a uma "preocupação justificada", de que, caso o Príncipe Perfeito
consumasse a indigitação, Maximiliano I de Habsburgo, neto do rei D. Duarte de Portugal, a
viesse a contestar, fazendo valer os seus direitos sobre o trono português.
Com efeito, tanto o poderio crescente do chefe dos Habsburgo como as suas ligações à península
italiana, preocupavam Isabel, mas talvez sobretudo Fernando de Aragão, e estiveram certamente
na origem da aliança negociada entre o casal real e o Imperador consolidada no casamento de
Joana de Castela com o herdeiro, Filipe de Habsburgo. Este matrimónio, que constituiu a raiz da
preponderância espanhola no mundo durante boa parte do século XVI, ilustra a atenção prestada
por Fernando e Isabel à trajectória desta família, e poderá efectivamente justificar que o receio de
que Maximiliano I pudesse, mesmo eventualmente, ascender ao trono português, constituindo-se,
assim, como uma das razões – embora reconheçamos que outras, de conjuntura favorável e de
natureza familiar, pudessem existir – que estiveram na origem da inopinada, e até aí
cuidadosamente evitada, ingerência dos Reis Católicos na política interna portuguesa.
O ano de 1492, marcado pela eleição (concertada em boa parte pelo cardeal D. Jorge da Costa,
então no seu período mais influente) do novo Papa Borja, coincidiu igualmente com uma
intensificação de " las relationes entre los países del centro de Europa y la Península Ibérica".
Maximiliano I fora eleito rei dos romanos pelos príncipes eleitores em 1486, e, em 1492, era
lícito esperar que, de acordo com o consuetudo, o Sumo Pontífice o coroasse como Imperador do
Sacro Império o que – no plano simbólico – lhe daria preeminência sobre Fernando e Isabel. Ora
a "vitória dinástica" da Casa de Áustria ocorreu quando as relações dinásticas entre as Casas de
Habsburgo e de Avis eram mais antigas do que as ligações entre os Habsburgo e os Trastâmara.
Maximiliano não só era filho da princesa D. Leonor de Portugal como, ao casar pela primeira vez
com Maria de Borgonha, bisneta de D. João I, veio a estreitar essas relações de parentesco. Essa
ligação familiar não estava esquecida porquanto em 1488 D. João II havia recebido, através de
Diogo Fernandes, feitor na Flandres, cartas em que seu primo Maximiliano dando-lhe conta do
andamento do seu conflito com o rei de França, lhe pedia que interviesse nas negociações de paz,
ao que o monarca português acedeu de várias maneiras.
Não obstante as ligações portuguesas, no plano económico e político, Castela e Borgonha tinham
importantes pontos de contacto: não apenas mantinham, desde há décadas, importantes relações
comerciais, como, no decurso do último quartel do século XV, e a despeito da vigência formal
dum tratado de aliança, as tropas de Maximiliano I estiveram a ponto de saquear uma frota
espanhola, no ano de 1485. Quando, em 1492 terminou a guerra da sucessão da Borgonha,
Maximiliano I recebe grande parte da herança borgonhesa de Carlos o Temerário e, assim, como
futuro Imperador, tinha de se concentrar com os feudos imperiais em Itália, numa conjuntura em
que a invasão da Península Italiana por Carlos VIII de França, ameaçava não apenas as
possessões do Sacro Império mas também as de Fernando de Aragão. Acresce que o rei dos
romanos seguia com particular interesse os descobrimentos portugueses e espanhóis e, desde a
morte do Príncipe-herdeiro D. Afonso, ocorrida em 1491, passara a acalentar algumas esperanças
de vir a herdar os territórios sob jurisdição da coroa portuguesa. Parecem óbvias as preocupações
comuns (rivalidade com a França, protecção das possessões italianas, sucessão no trono
português) que determinaram que, em 1492, se tenha verificado uma aproximação entre as casas
de Habsburgo e Trastâmara que, a seu tempo, viria a ter consequências globais.
Esta percepção do papel determinante duma candidatura alternativa dos Habsburgo, netos de D.
Duarte, ao trono português não escapou a COSTA que adianta : "Maximiliano, que sucedeu a seu
pai como imperador, em 1493, era neto por via materna do Eloquente. Ao ter conhecimento da
morte de D. Afonso, Maximiliano enviou uma embaixada a D. João II em que assumia a
pretensão de ser o herdeiro de Portugal, e fez chegar outra aos Reis Católicos em qua apenas
pretendia que estes o reconhecessem como herdeiro de Portugal se D. Manuel não viesse a ter
filhos varões".
Estes últimos monarcas, que já estariam inclinados à sucessão do Duque de Beja, seu próximo
parente, um candidato possivelmente mais dócil para os interesses da potência emergente,
receavam ainda que D. João II procurasse separar-se de D. Leonor, tendo em vista a obtenção de
herdeiros legítimos.
Tanto para a legitimação de D. Jorge, como para a anulação do casamento com D. Leonor a sede
própria de decisão era a Santa Sé, onde os Reis Católicas (título que, em boa verdade, só virão a
receber da corte pontifícia em 19 de Dezembro de 1496 ) se tinham começado a movimentar. A
evolução do seu relacionamento com os pontífices romanos, na sequência da morte de Inocêncio
VIII, não foi tão linear como pode parecer á primeira vista . Como relata NIETO SORIA,
estribado numa carta de Pedro Mártir de Angleria, " …el estado de ánimo de los reys al mês
siguiente de la elección del pontifice (Alexandre VI) tras conocer su resultado "ha causado grave
disgusto a mis Reys la muerte del Papa Inocencio y que el pontificado haya recaido sobre
Alejandro, a pesar de se súbdito suyo. Temem en efecto, que su ambición, liviandad y
debilidadpor los hijos – que és lo mas grave – arraste la ruina a la religión cristiana". Mas,
apesar das apreensões inicialmente suscitadas, outros aspectos justificariam uma atitude mais
confiante, uma vez que o novo Papa manifestava um justificado interesse em desanuviar a
atmosfera inicial, como se comprova pela nomeação, logo em 14 de Novembro de 1492 de D.
Francisco de Prats com primeiro núncio permanente nas Espanhas.
Importa, assim, reter que, aproveitando o clima de "desanuviamento", e mesmo cooperação com
Alexandre VI, os Reis Católicos enviaram a Roma, precisamente em 1493, uma importante
embaixada chefiada por Diogo López de Haro, coadjuvado pelos bispos de Cartajena e de
Badajós. Esta missão diplomática foi coroada de sucesso uma vez que obteve, entre outros
resultados tangíveis, as chamadas "bulas alexandrinas de 1493" sobre os direitos espanhóis
respeitantes aos territórios ultramarinos. Parece admissível que, nesses outros resultados
tangíveis, se incluísse um entendimento sobre a inconveniência de despachar favoravelmente,
tanto a legitimação do senhor D. Jorge, como um possível pedido de anulação do casamento de
D. João II. E, nessa linha de raciocínio, faria todo o sentido a insistência com que os
embaixadores dos Reis Católicos que nesse mesmo ano se deslocaram a Setúbal, procuraram
obter uma entrevista particular com a rainha D. Leonor, ou para lhe darem conta das diligências
em curso, ou para lhe comunicarem resultados já conseguidos.
Esta suspeita reforça a nossa convicção de que D. Jorge não ascendeu ao trono apenas devido à
actuação preponderante da rainha D. Leonor, que se moveria como uma peça de tabuleiro de
xadrez onde outras ocupavam também os seus respectivos lugares, alicerçando as convicções nos
seus bem fundados ressentimentos pessoais. Por isso, este e os outros procedimentos devem ser
entendidos como a actuação concertada de uma liga de família encabeçada, não apenas por uma,
mas por três mulheres oriundas da Casa de Viseu: as rainhas de Castela e Portugal e a Duquesa
viúva de Viseu, que actuaram - mais uma vez -, e desta feita dentro da conjuntura favorável do
papado de Rodrigo de Borja, tendo como pano de fundo a grande política europeia e os
interesses e preocupações da potência emergente que era Aragão-Castela.
Chegámos à altura em que se torna aconselhável retomar, numa perspectiva comparada, o, já
aflorado, papel desempenhado pela rainha D. Leonor ao longo duma dilatada primeira fase
processo sucessório que se encerra com a morte de D. João II. Até este momento inclinámo-nos
para a corrente perfilhada pelos autores que a retrataram como uma peça fundamental na
inviabilização da "candidatura" de D. Jorge e da ascensão ao trono do seu irmão mais novo, D.
Manuel, Duque de Beja. Tivemos ocasião de sugerir que não actuou sozinha na liderança da
facção triunfante, antes se integrando numa tríade de senhoras descendentes da Casa da Viseu, e
contando com uma prudente e avisada actuação do próprio D. Manuel que, no decorrer de todo
esse processo parece não ter cometido imprudências nem actos irreflectidos ou decisões
comprometedoras, preservando-se assim para um desfecho que, quer-nos parecer, esteve como
que suspenso, pelo menos até ao gradual desvendar do provável conteúdo do testamento do
Príncipe Perfeito.
Mas esta interpretação não reúne o consenso unânime dos autores.Valha a verdade que, desde a
historiografia romana, se cultivou a hagiografia e o panegírico com intuitos apologéticos. O caso
da rainha D. Leonor limita-se a constituir um caso recente dessa historiografia, que se apropria
das personagens históricas, "lendo-as" à luz de uma perspectiva selectiva que visa esbater os
contrastes para que ressaltem, devidamente ampliadas e sublinhadas, as facetas que se
enquadram no retrato exemplar de acordo com uma corrente de pensamento.
No que se refere à rainha D. Leonor parece-nos constituir um exemplo ilustrativo desta "técnica"
o trabalho de MATOS, intitulado "A Senhora do Povo".
Este autor inventaria os sucessivos enfoques, predominantes ao longo de todo um segmento
diacrónico que, partindo dos retratos delineados pela cronística e historiografia sobre a figura de
D. Leonor desde o absolutismo régio até à actualidade, vai evoluindo e "recuperando" as facetas
mais relevantes desta rainha, na óptica dos quadros de mentalidades nos quais se situam os seus
"biógrafos". Não cabe nos nossos propósitos a tentativa de reavaliação desta personagem no
âmbito das suas múltiplas actividades, interesses e intervenções. Mas parece aconselhável que
nos detenhamos nos pontos que evidenciam uma abordagem que, embora não perfilhemos na
íntegra, sintetiza de algum modo um outro olhar (como se escrevia na época), sobre D. Leonor.
Com efeito, MATOS ao analisar as representações heráldicas escolhidas por D. Leonor para a
igreja de Nossa Senhora do Pópulo, nas Caldas da Rainha, formula um postulado que, estamos
em crer, se radica num entendimento diverso das relações entre D. João II e a rainha D. Leonor:
"Através de todos estes indícios que a sua intervenção social e cultural nos fornece, D. Leonor
surge-nos em perfeita sintonia com seu marido, completando a sua acção no campo das
instituições e tomando iniciativas no artístico, marcadas por uma deliberada vontade de
renovação do gosto decorativo e das opções estruturais…D. Leonor deixou bem expressa na
abóbada do Pópulo a sua íntima ligação ao monarca através da disposição muito cuidada das
armas que decoram os seus três fechos…"
É certo que este autor seleccionou, para fundamentar a sua petição, um campo específico da
actuação da rainha, e um segmento do seu percurso de "mecenato artístico" que surge axial
àquilo que verdadeiramente nos importa. Como também parece evidente – e isto aplica-se
indiscriminada e geralmente – que o "grau de valorização de uma determinada amostra"
influencia os termos em que se formulam as propostas de interpretação.
Permita-se-nos que recordemos uma evidência: tudo o que une, cinde.
Descendentes que eram os dois cônjuges do mesmíssimo tronco da descendência de D. João I,
também se poderia estranhar a disposição muito cuidada, e em ostensivo paralelo, "ou
confronto?", dos símbolos heráldicos da Casa de Viseu e da Casa Real. Acresce que, no exemplo
trazido à colação por MATOS, as armas da Casa de Viseu, tanto podem considerar-se
ostensivamente colocadas na chave da abóbada da capela-mor dessa igreja de Nossa Senhora
do Pópulo, nas Caldas da Rainha, como "dialogando" com as armas do reino que se inscrevem
no centro da nave do templo, flanqueadas pelo " pelicano, emblema do rei, e o camaroeiro,
emblema dela própria",para utilizar a descrição deste autor.
E, além do mais, o próprio MATOS, na mesma passagem, refere um terceiro escudo com as
armas de D. Leonor, sublinhando que estas, ao invés de se inscreverem na lisonja,
consuetudinariamente utilizada para representar as senhoras, fossem elas rainhas ou simples
damas, se apresentam num escudo partido com as armas do reino e as da Casa de Viseu (ou do
Duque D. Fernando, pai da rainha).
Não nos deteríamos naquilo que outros especialistas da heráldica talvez pudessem considerar
uma simbologia, pelo menos ambígua, se este autor não tivesse retirado dos signos em apreço
uma interpretação que lhe permitiu concluir: " Assim se conta uma história, se resume uma vida
e se traça um destino, com uma certeira carga política que aponta para a fusão que ela
representa dos ramos da casa de Avis".
É certo, assim se conta uma história e, eventualmente, uma outra, mas de sinal contrário.
Prossegue este historiador apreciando o comportamento político de D. Leonor, " sobretudo o
acontecimento que mais polémica tem gerado: o afastamento do rei no momento da sua morte".
Perdoe-se a extensão do texto que passamos transcrever, compreendendo que a argumentação
utilizada de certo modo se pode aplicar ao comportamento adoptado, na mesma altura, local e
circunstâncias, ao futuro D. Manuel I, irmão da rainha, e envolve directamente D. Jorge, Mestre
das ordens de Avis e Santiago.
"Depois de se despedir do rei em Viana do Alentejo D. Leonor segue para Alcácer, aí
aguardando os acontecimentos que a doença do rei prognosticavam graves. Foi aí, sobre o
Sado, em pleno território da Ordem de Santiago, que D. Leonor se quedou. Nunca ocorreu a
ninguém que, se fosse de facto chefe da facção opositora ao rei D. Leonor se teria
entrincheirado por detrás das muralhas de uma das suas terras fortificadas, como Sintra,
Óbidos, Torres Vedras ou Alenquer. Mas não. Vinda de Viana, onde D. João II ditou o seu
testamento, D. Leonor ficou-se por Alcácer, em terra pertença do Mestrado de Santiago, de que
era titular o bastardo régio D. Jorge, e vila de que era Alcaide-mor Fernão Martins de
Mascarenhas, capitão dos Ginetes do rei e um dos seus mais íntimos privados. No entendimento
dos defensores das animosidades entre marido e mulher este comportamento não faz sentido:
caso não estivesse muito segura, a rainha não se entregava à tutela dos seus fictícios inimigos. E
é em Alcácer do Sal, vila de Santiago, que o Mestre de Cristo, D. Manuel, se vem juntar a sua
irmã, para aí receber o testamento de D. João II, que o designava como herdeiro do trono. E é
D. Leonor que como tal o proclama, numa atitude de força política e indiscutível legitimidade".
É, indiscutivelmente, uma constatação que suscita perplexidades e justificaria uma investigação
autónoma.
Ninguém terá dúvidas de que esta decisão de aguardar em Alcácer a morte do rei, não aconteceu
de improviso, antes decorrendo tanto da conjuntura geral como de eventos imediatamente
antecedentes, tanto mais que D. Leonor é retratada pelo "insuspeito" MATOS como "pragmática,
fria como uma mulher de negócios". Do mesmo modo parece ser geral o consenso sobre o
prudente calculismo com que, o então ainda Duque de Beja, deixou "amadurecer até ao momento
oportuno" as questões importantes, sendo que esta conjuntura era crucial para o futuro dos seus
principais intervenientes.
Mas, das fontes consultadas, não nos fica a sensação de que a permanência da rainha e do Duque
de Beja em Alcácer do Sal tenha partido de uma iniciativa concertada entre ambos, quiçá
dependendo de um plano previamente estabelecido. Nem a rainha nem D. Manuel se "terão
entregue à tutela de inimigos", fictícios ou reais, como admite MATOS na passagem acima
transcrita. Julgamos depreender que, ao menos até ao agravamento do estado de saúde do rei, se
limitaram a seguir as instruções régias e, em seguida foram adaptando a respectiva conduta à
evolução subsequente dos acontecimentos.
Também não parecem fáceis de interpretar as razões que terão levado o rei moribundo a
deslocar-se das Alcáçovas, depois de ter ditado o seu testamento em Viana do Alentejo, para
Messajana, Panóias e Colos, até chegar a Monchique e Alvor, no Algarve, nos começos de
Outubro de 1495, acompanhado apenas por um núcleo duro de privados e pelo filho bastardo. É
certo que D. João II e D. Leonor tinham chegado ás Alcáçovas utilizando itinerários diversos. "o
rei foi por Vila Nova do Alvito e a Rainha por Viana, onde se encontraria com a mãe e a irmã "
que por comprazer a ElRey procuravam que a raynha quisesse ver o Senhor dom Jorge e sevirse
delle"". Na mesma passagem MENDONÇA recorda que PINA registou no entanto as desavenças
verificadas nessa estada na vila de Viana do Alentejo entre o Príncipe Perfeito e a rainha e que
tiveram como motivo a continuada recusa de D. Leonor em aceitar a presença do senhor D.
Jorge. Independentemente da verosimilhança de uma intervenção da Infanta D. Beatriz e da
Duquesa de Bragança (se é que a ela alude o cronista) em favor de uma atitude mais conciliatória
de D. Leonor em relação ao bastardo régio, poderá admitir-se que, em vésperas do testamento de
D. João II, poderá ter ocorrido um derradeiro conflito entre o casal régio, ainda ocasionado pela
situação do filho de D. Ana de Mendonça.
RESENDE, testemunha presencial dos eventos subsequentes, deixa claro o seguinte "El Rei
assentou em yr ao Algarve aforrado & levar cõsigo o senhor dom Iorge seu filho & que a
Raynha, & e o duque se fossem logo a Alcácer do Sal e ahi o esperassem" . De acordo com o
cronista, tanto a rainha como D. Manuel, receberam do rei claras instruções para aguardarem o
regresso do soberano na vila do Sado, para daí partirem todos em direcção a Santarém. Parece
evidente que o facto de que D. Leonor (por ser mal desposta) e o Duque de Beja se quedaram em
Alcácer, num primeiro tempo, cumprindo indicações de D. João II. Mas, num segundo tempo, e
agravando-se sensivelmente o estado de saúde do rei, que estava em Alvor, em casa de Álvaro de
Ataíde, "desejou muito ver a rainha sua molher, o Duque seu primo, & a por a Rainha ser mal
desposta (talvez mal refeita da doença grave que sofrera um ano antes em Setúbal, e situação que
já se verificava quando o rei lhe havia determinado que permanecesse em Alcácer e, de acordo
com mesmo cronista, teria levado a que se planeasse o seu trajecto por via fluvial até Setúbal, e
daí para Alcochete, em direcção a Santarém) lhe pareceo que não poderia vir, & escreveo ao
Duque, & lhe rogou muito que o viesse ver".
Tudo isto sucedia num período em que, sentindo-se o rei cada vez pior, e já sem se conseguir
levantar, "o senhor dom Iorge o veyo ver duas vezes,& no mais, & sempre dambas tornou a
dormir a Villa noua (de Portimão), & logo pareceo a muytos que El Rey tinha o Duque seu
primodeclarado por rei por pollo verem ficar em Alcácer tã afastado, & el Rey ver tam poucas
vezeso filho". É difícil admitir que D. Manuel não se encontrasse ao corrente da situação. A
confirmar-se a morte anunciada do monarca, e a serem verdadeiros os rumores que o davam
como herdeiro do trono, O Duque de Beja nada tinha a ganhar com a viagem ao Alvor. Sendo
que, se os rumores fossem infundados, ou intencionais, de acordo com os antecedentes
familiares, poderia correr o risco, embora improvável, de ser atraído a uma armadilha. De acordo
com a sua proverbial prudência deixou-se ficar. "& porque o Duque tardava lhe mandou el Réu
outro recado por António de Mirandae depois outro por dom Martinho de Noronha, & o Duque
vindo já para Alvor,& estando no lugar de Colos, (a cerca de um terço do caminho até onde o
monarca jazia) foi aconselhado que nam fosse mais adiante,& com recados, cartas que disse
receber da Rainha , em que o mandava chamar à pressa para vir ver el Rei se tornou para
Alcácer".
Assim, num segundo tempo, e após ter sido reiteradamente instado por D. João II, o Duque de
Beja não tinha outra alternativa que não fosse "encenar" um acatamento ás ordens do soberano.
Mas essa aparente obediência interrompeu-se a cerca de um terço da viagem. Por decisão sua, ou
em virtude de um alegado chamamento da irmã. Não encontramos razões para duvidar que esse
"recado urgente", porventura previamente combinado, tivesse de facto existido. Pelo menos, e
isto parece evidente, D. Manuel invocava um pretexto aceitável para o seu regresso a Alcácer – o
chamamento da irmã, que alegadamente o quereria acompanhar na visita ao rei moribundo – ao
mesmo tempo que se "desembaraçava" do capitão dos Ginetes, conhecido pela sua fidelidade ao
monarca, enviado a D. João II como portador da notícia do seu "atraso imprevisto".
Muitas das razões subjacentes a esta decisão devem ter assentado sobre a escolha de possíveis
itinerários e redes viárias que permitissem adequada circulação de mensageiros portadores de
informações sobre o evoluir do estado de saúde e das decisões do rei ao longo dos seus últimos
dias, bem como das notícias sobre o que se passava em seu torno. Mas também do envio de
instruções e mensagens dirigidas à, quanto a nós, -real, e não fictícia - rede de apoio da sua
facção. Se D. Leonor – tão ostensiva e oportunamente fragilizada de saúde - alguma vez encarou
a hipótese de se deslocar ao Algarve não ressalta, nem parece natural que pudesse ressaltar, com
inequívoca nitidez das fontes disponíveis. Limitamo-nos a recordar que MATOS a caracterizou
com "pragmática, fria como uma mulher de negócios", e a admitir que, entrementes (se é que
todos estes acontecimentos não foram todos antecipadamente concertados entre D. Leonor e o
irmão), a rainha pudesse ter recebido novas que justificassem o considerar desaconselhável (e
inútil) a deslocação de D. Manuel ao Algarve. E também que, devidamente legitimada a sua
ausência, o Duque de Beja tivesse ocasião de aguardar à distância um desenlace que se previa
rápido.
As fontes não são taxativas sobre a existência de uma situação de morte anunciada, inevitável e
muito próxima do monarca por ocasião da assinatura do testamento de D. João, muito embora o
estado de saúde do rei inspirasse cuidados há muito tempo. O facto do monarca ter ditada a sua
última vontade a Frei João da Póvoa, chamado para o efeito ás Alcáçovas, pouco depois do
supracitado conflito com a rainha em Viana do Alentejo pode não ser "inexplicável", como o
considerou MENDONÇA, antes decorrente da certeza finalmente adquirida pelo monarca de que
a rainha nunca cederia no seu posicionamento em relação ao bastardo régio. Admitimos, a título
pessoal e meramente hipotético, que o objecto da disputa entre o casal régio pudesse ter-se
centrado, não já na sucessão propriamente dita, - sobre a qual não existiria conciliação possível -
mas sobretudo na situação presente e futura de D. Jorge. E também que uma absoluta
intransigência da rainha tivesse movido D. João II a fazer redigir imediatamente um testamento
cautelar onde o monarca procurava com paginar um entendimento realista da razão de estado
com a salvaguarda do futuro dum filho que a inabalável renitência de D. Leonor parecia ameaçar.
A rainha e seu irmão, o Duque de Beja, tiveram conhecimento imediato do testamento, mas não
terão tido acesso imediato e seguro ao seu conteúdo. E essa incerteza, aliada às notícias sobre a
evolução do estado de saúde do monarca e sobre os rumores que lhes foram chegando, teriam
estado na raiz dos dois tempos de actuação adoptados por D. Leonor e D. Manuel durante o
episódio de Alcácer do Sal.
Dando aqui por terminada a interpolação sobre a perspectiva apologética sobre a rainha D.
Leonor, que não perfilhamos, regressemos à conjuntura na qual D. João II, que mantinha
"agentes infiltrados" no partido da rainha e informadores na corte de Roma, teria tomado
consciência do cerco que se apertava em torno da candidatura de D. Jorge e, "…apesar de depois
de 1493 ter interiormente desanimado em conseguir a tão ansiada autorização de legitimação,
apesar de se ter sentido impotente para fazer vingar a sua vontade, tanto no estrangeiro como na
própria corte, apesar de ter percebido que o partido que se lhe opunha e agigantava, continuou…
e lutou até ao fim".
A despeito da conjuntura desfavorável, continuou a desenvolver uma tenaz actividade
diplomática, desta feita centrada sobre um ponto nevrálgico dos interesses do reino: a expansão
marítima, actividade essa que conduziria à assinatura do Tratado de Tordesilhas. E, como que
confirmando a hipótese atrás formulada sobre as causas políticas globais do "inesperado"
alinhamento dos reis de Castela e Aragão com o "partido" dos Beja-Viseu, celebrou, em 1494,
um acordo de paz e amizade com Maximiliano I e com o seu filho, Filipe de Habsburgo.Estamos
em crer que este acordo, mais do que uma (demasiado tardia) tentativa de neutralização das
hipotéticas pretensões dos Habsburgo à sucessão do trono português, representaria um
contrapeso destinado a tentar equilibrar a situação criada pelo, à altura já projectado, casamento
entre a herdeira dos Reis Católicos e o primogénito de Maximiliano.
Mas, no plano interno, parece ajustada a síntese dos argumentos que, entre 1494 e 1495 terão
pesado no espírito de D. João II, de acordo com BARATA: "como poderia o rei sujeitar o reino
aos perigos de uma guerra civil – que fora o estigma do reinado de seu pai - e a causadora da
morte de seu avô o Infante D. Pedro? Como poderia o rei dar pretexto para a intervenção
directa das coroas peninsulares (numa réplica, em sentido contrário, da campanha de Toro), do
poder de Fernando e Isabel, solicitados pela rainha D. Leonor e pela grande nobreza
portuguesa, a apoiar o herdeiro na linha de sucessão monárquica legítima?".
Certamente pressionado pelas circunstâncias, limitado na sua actuação pela força das oposições
internas e externas, com a saúde debilitada e, não é de excluir, sentindo que o fim se aproximava,
o Príncipe Perfeito tomou consciência da futilidade dos seus esforços e resignou-se a uma outra
forma da Razão de Estado. E dizemos precisamente uma outra forma porquanto, a manter-se a
conjuntura prevalecente durante o pontificado de Inocêncio VIII, e a neutralidade dos Reis
Católicos em relação a uma questão que poderia continuar a ser encarada como um assunto
interno de uma potência vizinha, mas estrangeira, também seriam defensáveis razões de
coerência política que militavam, em nome da mesma Razão de Estado, para manter os Beja-
Viseu arredados da sucessão. Mas é sabido que o devir histórico se constrói através de uma
selecção das alternativas possíveis e, por todas as razões afloradas, a alternativa configurada por
D. Jorge constituía, nas últimas fases da conjuntura em que ocorreu, mais um conjunto de riscos
e ameaças do que uma hipótese de oportunidade sensatamente admissível.
Mas aceitar o Duque de Beja, representante directo do inimigo interno, como herdeiro do trono
significaria – prazo – sacrificar o próprio filho D. Jorge, expondo-o a uma previsível retaliação
por parte de uma "nova situação" que acarretava consigo uma pesada herança plena de
memórias.

5 D.Manuel, Rei de Portugal:"uma herança armadilhada".


Os cronistas referem que, aparentemente, a questão sucessória se manteve em suspenso até ao
último momento. E, abonando esta tese, RESENDE dá conta que o próprio Duque de Beja não se
sentiria plenamente confiante, se é que não permanecia mesmo receoso, quanto ao sentido da
decisão final. Em 29 de Setembro de 1495 quando o rei, que se encontrava nas Alcáçovas, ditava
a sua última vontade " chegou o Duque à porta & perguntou que fazia el Rey, & eu lho disse, &
perguntey se queria sua senhoria que dissesse a elRey como elle ahí estava e disse q. não & se
assentou na casa de fora, que estava de todo despejada com só Ayres da Sylva e Antão de Faria,
& elRey sentio que viera alguém, chamou, & perguntoume quem era, & eu lhe disse que o
Duque & que me perguntara que fazia sua Alteza, & eu lho dissera & perguntaralhe se queria
que disse a sua Alteza como elle estava ahi & elle me dissera q. não, & se fora assentar, & elRey
me respodeo. Bem fez, & bem fizeste".
COSTA, interpreta como revelando o carácter hesitante de D. Manuel, o facto de o rei, sentindo-
se morrer, ter chamado insistentemente o primo que iniciou a viagem para o Algarve, mas
deixando-se ficar por Alcácer do Sal, Vila da Ordem de Santiago onde é admissível que pudesse
contar com núcleos de apoio. Ignoramos as razões desta decisão, mas tendo presente os
antecedentes familiares, e o conhecimento que o Duque de Beja poderia ter de que o rei estivesse
ao corrente do papel, directa ou indirectamente por ele desempenhado na liga familiar que tinha
procurado com tanto afinco inviabilizar da legitimação do senhor D. Jorge, e ignorando ainda a
escolha final do monarca, esta medida cautelar pode surgir como apenas prudente…
Como unanimemente referem os cronistas, após o seu regresso das "terçarias" de Moura, o
jovem D. Manuel passou a residir na corte, junta de sua irmã e do seu real cunhado que, no dizer
dos mesmos, o recolheu e criou, com ele partilhando cama e mesa, como era frequente na época
em situações semelhantes. Apesar da apregoada solicitude régia ficava por definir se o mais novo
dos filhos do Duque D. Fernando viria a receber o governo do mestrado de Avis ou um título,
nesse período que antecedia a criação do Ducado de Beja, "nascido" da determinação do rei em
apagar as Casas de Bragança e Viseu no rescaldo das conjuras fracassadas. Que o assunto não
estava esquecido ressuma dos relatos coevos, e nem a rainha D. Leonor nem a Infanta D. Beatriz
o permitiriam, apostadas que estariam em assegurar rapidamente a D. Manuel um futuro
condigno. Mas o Príncipe Perfeito ia retardando qualquer decisão sobre esses assuntos, ao
mesmo tempo que o mantinha debaixo de uma atenta e directa tutela.
Na sequência dos eventos que ocorreram em Setúbal, a 30 de Maio de 1484, todos os ramos da
Casa de Bragança foram suprimidos no reino e os respectivos representantes executados ou
exilados. Mas a Casa de Viseu, que, como deixámos registado, assumira um – ainda maior -
protagonismo durante o "processo de paz luso-castelhano" plasmado na acção da Infanta D.
Beatriz, ao mesmo tempo que consolidava, através de um hábil e persistente "jogo de
bastidores", a posse dos senhorios que, durante décadas, lhe haviam vindo a ser concedidos pela
Coroa, permanecia demasiado influente e poderosa.
COSTA considera que esta Casa teria chegado a uma tal proximidade do poder absoluto que
"tudo indicia que o Duque D. Diogo tentou, de facto, alcançá-lo". Não ressalta claro se o
procedimento adoptado por D. João II em relação ao Duque de Viseu depois da "aniquilação" da
Casa de Bragança foi ditada pelo receio de um afrontamento imediato, ou pela espera calculada
do momento mais adequado. As nossas dúvidas sobre as razões subjacentes a esta decisão de D.
João II radicam-se na constatação de que o, nem sempre prudente e avisado D. Afonso V, tinha
evitado a concentração de poder nos chefes das Casas de Bragança e Viseu, distribuindo estes, e
outros cargos semelhantes, a ramos secundários destas famílias. Se, nesse período crítico, o
Príncipe Perfeito tivesse seguido a mesma linha de rumo, teria confiado a D. Manuel, e não ao
primogénito D. Diogo, as anteditas responsabilidades militares. É certo que D. Manuel era menor
mas, existindo precedentes, essa situação, conjugada com a tutela próxima que exercia sobre o
futuro Duque de Beja, acabaria por jogar a favor do monarca que, ao confiar-lhe os cargos,
poderia adiar o respectivo exercício. E, no entanto, por alguma razão não procedeu assim.
Alguns autores ponderam que o rei acreditava que a severidade da punição infligida aos
Bragança servira de advertência exemplar. Outros opinam no sentido de que a proximidade entre
os Viseu e a Casa Real era tão inextrincavelmente íntima que o monarca pretenderia acima de
tudo assegurar a manutenção da paz no seio do seu núcleo familiar. Todas essas razões teriam
perpassado pelo espírito do Príncipe Perfeito, sem que, no entanto, o governante pudesse
esquecer que o impetuoso Duque de Viseu detinha, directamente, 17 fortalezas e o governo de
uma florescente ordem militar. E também que, por muito que Isabel a Católica o pudesse
admirar como "concorrente", a sua verdadeira interlocutora no seio da Família Real portuguesa,
era sua tia, a duquesa-viúva de Viseu.
São conhecidas as circunstâncias da morte de D. Diogo, Duque de Viseu, e delas decorreu que,
no principio de Setembro de 1484, D. Manuel, que aparentemente tinha atravessado como
simples espectador, a série de convulsões que lhe haviam dizimado a família, se viu na situação
de herdeiro dos direitos e senhorios dos Viseu. Casa simbolicamente extinta, mas renascendo,
qual Fénix, sob o título de ducado de Beja, apenas com a amputação das praças de Serpa e
Moura que, ao contrário dos restantes senhorios que integravam o núcleo patrimonial do extinto
ducado, se revestiam de particular importância estratégica pela sua situação fronteiriça.
A reforçar o seu esforço de apaziguamento D. João II, ao partir para o Sabugal em 10 de
Setembro de 1484, deixando a corte em Setúbal, confiou formalmente a regência do reino a D.
Manuel. Poderia admitir-se que o tivesse feito por motivo de tensões alegadamente existentes
entre o monarca e a rainha. Mas essa hipótese não colhe por se constar que foi D. Leonor quem,
durante essa ausência, assinou os documentos da chancelaria régia.
Em seguida ao casamento do príncipe-herdeiro D. Afonso o duque de Beja "tomou casa à parte
da d’el Rei e da do príncipe" mas, como sublinha COSTA "Não se encontra estudada
sistematicamente a vida do ducado de Beja entre 1484 e 1495 mas os elementos disponíveis
indiciam que D. Manuel, mau grado o seu estatuto social e político elevadíssimo, não dispôs da
autonomia que caracterizava, em regra, os dignitários de tal título (…) viveu quase sempre na
corte e a documentação já publicada deixa adivinhar alguma interferência excessiva da coroa nos
assuntos internos da casa de Beja".
Permanecendo solteiro D. Manuel demonstraria submissão à política régia, para a qual não
existiria qualquer vantagem, e menos urgência, no nascimento de um herdeiro que assegurasse a
sucessão da Casa de Beja.
E esta tenção era de tal modo evidente que, numa carta régia de 19 de Maio de 1491, D. João II
prometia formalmente que, caso D. Manuel viesse a morrer sem herdeiros, a coroa confirmaria
todas as doações feitas pelo Duque de Beja, designadamente as tenças e dotes de casamento, e
protegeria os criados e membros da sua Casa.
Se existem destinos incontornáveis o do Duque de Beja é paradigmático. O facto de se ver
obrigado a permanecer solteiro acabaria por resultar em (mais uma) vantagem política a seu
favor.
Finalmente D. João II viu-se obrigado a abdicar da candidatura do filho em favor do seu
cunhado. Mas não desistiu de tentar proteger D. Jorge. E, mais do que isso, de impor o
enquistamento no seio da monarquia de um contra-poder pelo menos dotado de capacidade
autónoma de autodefesa, além de disposições testamentárias destinadas a colocar o bastardo na
linha de sucessão ao trono pela via matrimonial.
Projecto ambicioso e que, curiosamente, nos trás inevitavelmente à memória o processo de
concentração orgânica que convertera em ameaça para a "antiga monarquia" as Casas de
Bragança e Beja-Viseu. Em boa verdade tudo se conjuga para que sejamos levados a admitir que
o Príncipe Perfeito se limitou a reverter um processo cujas consequências, ele, melhor do que
ninguém, estava em condições de avaliar. Tentemos surpreender essa analogia através duma
análise das disposições testamentárias de D. João II, redigidas até 29 de Setembro de 1495:
1 – A repristinação da Casa Ducal de Coimbra.
Para apreender na íntegra todo o alcance desta disposição testamentária justifica-se uma extensa
citação de Góis "Que a dom George seu filho deixava de juro, e herdade pera todo o sempre,
pera elle, e para todos seus descendentes per linha direita ou transversal da maneira , que o ho
el Rei dom Ioão seu bisavô dera ao Infante dom Pedro seu avô, ha sua cidade de Coimbra, em
Ducado e ha vila de Monte mor o velho com todo seu senhorio, e Penela com todo seu termo, e
outros bens da Coroa contheudos no testamento, qua aqui não ponho, por todos estarem por
extenso nas doações que lhe El rei dom Emmanuel delles fez, e de todolos bens que deixou a dom
George, reservou o dito Rei dom Ioão has sizas pera Coroa, declarando que era direito que
somente pertencia ao Rei, e não a outra pessoa, do que se manifestamente vê ser muito contrário
à verdade ho que alguns dizem, que el Rei dom Ioão fez hum codeçilho, em que pedia a el Rei
dom Emmanuel, que soltasse hás sisas por ser direito mal levado, mas este codecilho eu ho não
pude nunca achar, nem pessoa queme delle soubesse dar recado(…). E quomo isto que aqui digo
seja verdade, se confirmará ao diante dos Capítulos das Cortes … de M.CCCCC.VIII " .
Antes do mais gostaríamos de vincar que, em nosso entender, nada se passa por acaso neste
"resumo político" do testamento de D. João II efectuado pelo funcionário régio Damião de Góis.
Não encontramos registada em SOUSA essa clara intenção de abandonar ao livre arbítrio do
testamenteiro e sucessor a parte substantiva das últimas vontades do Príncipe Perfeito, e
inclinamo-nos que ela tenha sido "introduzida" pelo cronista, quiçá como justificação de
inexecuções de cláusulas testamentárias. De igual modo, a abreviação das doações do testador a
seu filho D. Jorge, sob a alegação de que elas se encontrariam por extenso nas doações feitas por
D. Manuel I, pode parecer suspeita se tivermos presente que a omissão pode ocultar os eventuais
incumprimentos, como suspeito é o espaço dedicado ao "codicilo" referente à questão das sisas, e
a prolixidade dos testemunhos invocados sabendo-se que, se essa disposição tivesse alguma vez
existido, a sua oportuna desaparição teria ocorrido antes da nomeação de António Carneiro para
a secretaria de D. Manuel I. E, mesmo que António Carneiro, hipoteticamente, dela tivesse tido
notícia não poderia ser matéria confiável a cronistas. Sabemos que algo sucedeu, relativamente à
questão das sisas, em período anterior ás cortes de 1508, e não ignoramos a importância desta
matéria fiscal, tratada nas referidas cortes mas no âmbito deste trabalho limitamo-nos a registar a
surpresa com que observamos a negação da existência deste codicilo tão veemente negada
precisamente num ponto que contempla as doações a D. Jorge.
Mas regressemos à repristinação do ducado de Coimbra.
1 - D. Jorge nunca foi legitimado e na sua titulatura designar-se-á sempre, e apenas, como filho
do rei dom João. Mas, no plano da representação simbólica, a sua ascensão a este ducado, nos
termos em que é feita, fora da Lei Mental e correndo por linha direita ou transversal, nos mesmos
termos em que a doação fora efectuada inicialmente a D. Pedro, coloca-o no plano dos Infantes,
com diferença da Casa dos Condes de Barcelos, que só em período ulterior, e fora do ciclo da
criação das casas senhoriais dos Infantes de Avis, ascenderá à dignidade ducal.
2 – Transcende os limites deste trabalho, mas quer-nos parecer que D. João II pretendeu de facto
reconstituir o senhorio da Casa ducal de Coimbra o mais próxima possível da sua primitiva
extensão e implantação territorial, nos termos em que a descrevemos atrás "libertando assim
amplas zonas de território contínuo em comarcas que geograficamente se encontravam afastadas
dos lugares fronteiriços". O ducado de Coimbra constituiria um extenso enclave, dotado de
fachada marítima, que de certa forma "dividia a meio" o reino, e se encontrava relativamente
afastado dos itinerários habituais de invasão castelhana.
Esta doação não foi feita num contexto em que D. João II abandonava a D. Manuel I a decisão
final segundo "aquilo que tivesse por bem e bem lhe parecesse", como pretende Góis, pelo
contrário, o testador é muito explícito quanto ao cumprimento integral da doação "pera a qual
cousa hei por revogada a ley mental e todas e quaisquer outras lex ordenações grosas oppiniões
de Doctores que hy haja ou haver possa em contrairo as quais ey e quero e mando que seião
havidas por de nenhum valor como se todas e cada hua dellas aquy e por mim fossem
declaradas e cassadas e anuladas o que tudo lhe dou com seus castellos reguengos e Padroados
de igrejas e dadas de officios e com todallas outras cousasda dita Cidade, villas e lugares e
rendas que à coroa destos meus regnos pertenção ou possam pertencer por qualquer modo e
maneira que seja sem embargo da ley mental e por aquela forma e maneeira que tudo deu o dito
Rey D. João… ao Infante D. Pedro meu Avoo … ressalvando as sisas somente porque he Dereito
que pertence ao Rey e não a outra pessoa… as quais cousas contheudas no dito capitullo do meu
Testamento quero e mando ao dito Duque meu Primo que per meu falecimento as cumpra loguo
todas porque o contheudo no dito capitullo ey por firme e valioso como se fossem cartas
asinadas por mim e aseladas do meu selo de chumbo…". Como se verifica, esta doação é de tal
modo taxativa, precisa e fundamentada que o próprio D. Manuel a ela se não conseguiu furtar.
3 – Ainda no que se refere ao posicionamento do filho - que não conseguira legitimar em sede
própria - no quadro da hierarquia da Casa Real portuguesa, o Príncipe Perfeito contorna o
problema, suprindo-o através da adopção, e de um posicionamento inequívoco na linha da
susseção ao trono: "Outro sym ao dito Duque … rogo mando e encomendo que ao dito D. Jorge
meu muito amado e prezado filho receba por seu filho em tal guiza que nom lhe dando Nosso
Senhor fijos lídimos …lhe fique seu Herdeiro e o faça jurar e dar as obediências e menagens
(…)". Mas a minúcia da previsão das alternativas possíveis por parte de D. João II fez
acrescentar ainda uma outra cláusula cautelar na qual se estipula que no caso que D. Manuel I
viesse a ter filhas "que elle case a Major que tiver com o dito D. Jorge (…)"
Temos assim que, de acordo com o disposto e ordenado no testamento de seu pai, D. Jorge –
desde 1492 Mestre das ordens de Avis e Santiago – receberia por morte de D. João II o Ducado
de Coimbra com a respectiva jurisdição, extensos senhorios e posicionamento estratégico. Já
aqui, acrescentando-lhe a adopção por parte de D. Manuel I e o posicionamento na linha da
sucessão monárquica, D. Jorge ficava numa posição de preponderância que nunca chegara a ser
alcançada pela Casa dos Duques de Viseu. Mas, não contente com isto, o testador acrescentava
ainda esta cláusula leonina "…recomendo muito ao dito Duque meu primo que suplique ao Santo
Padre que proveja ao dito D. Jorge meu filho do Mestrado de Cristo que elle dito Duque agora
them que o possa ter com o de Avjz e Sanctiago que já them" .
Aqui o Príncipe Perfeito, que na sequência da afectação do bloco Avis-Santiago ao Príncipe-
Herdeiro (em 1472) sempre tentara restituir a Ordem de Cristo ao seu primitivo desígnio de
ordem militar essencialmente devotada à monarquia, subverte esta lógica, procurando concentrar
o conjunto destas três ordens militares no contra-poder representado por D. Jorge. O filho
bastardo ficaria assim com o ducado de Coimbra, com o controlo do Alto Alentejo, da fachada
marítima de Setúbal, da ilha da Madeira – ponto de apoio para os dois Atlânticos (Oeste e Sul) -
e das possessões do Oeste alentejano e do Algarve que pertenciam a Santiago, bem como com o
controlo directo da força senhorial, das receitas financeiras e do poderio militar da Ordem de
Cristo.
Poderia desenvolver-se o significado económico, militar e estratégico deste verdadeiro contra-
poder que D. João II pretendeu enquistar no seio da monarquia herdada pelos Beja-Viseu, mas
ele é de tal modo evidente e flagrante que, ao menos no quadro deste trabalho, nos dispensamos
de o aprofundar.
CUNHA sublinhou a precariedade com que D. Manuel deu cumprimento a parte das disposições
testamentárias de D. João II e, na sua esteira, PIMENTA, comenta que, "no que se refere a D.
Jorge, essa precariedade é muitíssimo flagrante", constatando, ainda, que este filho de D. João II
"não só não casou com uma sua filha, como tardou na confirmação dos senhorios que D. Jorge
havia recebido do pai, ou, ainda mais grave, porque sintomático, não lhe entregou o mestrado
de Cristo".
São factos, mas caberá perguntar: se D. Manuel I tivesse dado cumprimento integral e imediato a
todas as disposições testamentárias de 1495, materializando aquilo que considerámos já "uma
herança armadilhada" pela construção de um claro contra-poder disseminado por todo o reino,
teria sido possível a coexistência pacífica do novo monarca com a Casa de Coimbra, ou
emergiria, pelo menos a prazo, uma situação semelhante àquela que fora protagonizada pela
ameaça projectada pelas casas de Bragança e Beja-Viseu sobre o reinado de D. João II?
E dizemos a prazo porque, os Bragança/Beja-Viseu tinham demorado gerações a tecer as
alianças consecutivas que lhes permitiram criar a sua rede internacional de apoios familiares,
enquanto D. Jorge ascenderia solitariamente à posição de contra-poder, uma vez que não tinha
irmãos, e a sua parentela materna se confinava a uma linhagem secundária, cuja projecção futura
a ele próprio se ficaria a dever em boa parte. Casá-lo com uma filha primogénita de D. Manuel I
seria, precisamente, de algum modo repetir o erro cometido por D. Afonso V ao consentir a
aliança do Príncipe-herdeiro com a filha primogénita dos Beja-Viseu.
É nossa convicção, aliás em sintonia com PIMENTA, como teremos ensejo de ver, que para D.
Manuel I era uma clara questão de sobrevivência política não só diferir no tempo algumas das
disposições testamentárias do seu predecessor, como também não dar cumprimento a outras.
Gestão melindrosa que o Venturoso efectuou com sucesso e equilíbrio, como o decurso ulterior
dos acontecimentos viria a demonstrar. E, afinal, tudo se passou como se Góis, ao invés de ter
iniciado a sua Crónica d’El-Rei D. Manuel com o testamento de D. João II, em jeito de velado
libelo acusatório, como pretendem alguns autores, se tivesse limitado a justificar a materialidade
dos factos ao escrever "erradamente" que D. João II deixara ao livre arbítrio do testamenteiro e
sucessor que "quanto às outras fizesse nellas aquillo que lhe parecesse bem e por bem tivesse".
Extinguiu-se em Alvor, no dia 25 de Outubro de 1495, um homem que, tendo um dia escrito a
sua mulher que "a principal coisa a que todos devemos olhar é saber bem morrer", quando, já
moribundo, "e dandolhe a asinar hum padrão de certa renda que deixou a dona Anna de
Mendoça, mãy do senhor dom Iorge seu filho, tendo a pena na mam pera o asinar, & deixou
cayr, & começou de chorar muyto, & porque o confortauam disse. Não me conforteis que eu fuy
tam mão bicho que nunca me acenaram que nã mordesse, & com muytas lágrimas o assinou" .
Embora tivesse chegado a hora do exame de consciência que a igreja prescrevia aos viandantes
que encetavam a última jornada, e o rei tivesse cumprido a via dolorosa ritual, e por escrito
mandado "pedir perdam a Raynha sua molher, & a Infanta dona Breatiz sua sogra, & ao
Cardeal dom Iorge da Costa… a clerezia, caualleiros e pouos de Portugal, com conhecimento de
alguas cousas que fizera como nam devia", mantivera-se, como reconhece FONSECA, de uma
serenidade fria, por vezes assustadora, foi só nesse preciso momento que a emoção o traiu.
Que remorso íntimo o assaltou com a recordação de D. Ana, o recolhimento forçado em Santos
para expurgar o caminho da sucessão de D. Jorge, o abandono em nome da Razão de Estado, ou
a simples recordação de um afecto? Meras conjecturas, que o rei levou consigo, "à hora do
poente e com a chegada da maré", tal como havia previsto ao bispo de Tânger.

• 1. D. Jorge e o Rei.
O relacionamento entre estes dois homens poderia resumir-se na constatação de que D. Jorge,
entre 1491 e 1521, ano da morte de D. Manuel não foi, nem perseguido, nem afastado, mas
simplesmente gerido e tutelado, enquanto Mestre de duas ordens militares.
E os reflexos desta evidência fazem-se sentir desde cedo. Senão vejamos.
Enterrado em Silves o corpo do monarca, D. Jorge, que tinha integrado o relativamente reduzido
séquito presente durante a agonia e morte do Príncipe Perfeito, partiu para Montemor o Novo
"& foy beijar a mão a el Rey que o recebeo cõ muito grade agasalhado, & mostrãças de muyro
amor (…) E o Prior do Crato seu aio, por lho assi ter mandado el Rey seu pai, tomou o señor
dom Iorge polla mão, & ambos com os joelhos em terra o entregou a rl Rey seu tio, & sobre isso
fez hua fala alta a el Rey (…) e pedio mercê & acrescentamento pera o senhor dom Iorge (…) e
aconselhou que sempre muyto bem & lealmente o servisse e amasse ", tendo inclusivamente
entregue o Mestre à guarda do novo monarca para que este como filho o tratasse, como relata
GÓIS.
Este primeiro encontro entre o novo rei e o Mestre de Avis e Santiago terá, pois, corrido da
melhor forma, o que não espanta uma vez que, como observa PIMENTA, não era esse o local
nem o momento para ferir susceptibilidades . A D. Jorge restava esperar para ver com que
celeridade e amplitude iriam ser cumpridas as disposições testamentárias de de seu pai, mas
também em que grau de independência iria exercer o mestrado das duas ordens militares. As
fontes não nos permitem acompanhar o trajecto pessoal de D. Jorge nos anos imediatamente
subsequentes e que correspondem ao início do reinado de D. Manuel I.
É certo que, embora não tenha recebido ainda o Ducado de Coimbra nem o Mestrado de Cristo,
no plano estritamente formal tudo parece bem encaminhado, uma vez que, reconhecendo
implicitamente o seu lugar entre os príncipes do sangue o novo monarca o integrou na comitiva
que acompanhou a importante viagem efectuada pelos reis de Portugal a Castela a partir de
Março de 1498. Não se tratou de uma qualquer deslocação régia uma vez que, na mesma ocasião
em que se celebravam em Valência de Alcântara as bodas de D. Manuel I com a Princesa Isabel
de Castela, morria em Salamanca seu irmão D. João, o Príncipe-Herdeiro de Castela, sucedendo-
lhe a rainha de Portugal. Os Reis Católicos, prosseguindo sem hesitações a sua estratégia
peninsular, não perderam tempo e pediram insistentemente aos recém-casados que "fossem logo
a Castella, pera lá serem jurados por Príncipes herdeiros de todos seus reynos & Senhorios"
Essa ida não foi pacífica e sobre ela D. Manuel I se aconselhou longamente, até que partiram, no
já referido mês de Março, deixando a regência de Portugal confiada à rainha-viúva D. Leonor.
No séquito dos reis de Portugal figura, referido em primeiro lugar, tanto por RESENDE, como
por GÓIS , o Mestre D. Jorge que, deste modo, parece ocupar o lugar cimeiro na rigorosa
ordenação coeva das precedências da corte, antes mesmo dos membros da Casa de Bragança,
sobrinhos de D. Manuel.
A despeito desta distinção já comentada por PIMENTA, D. Jorge, que andaria pelos 18 anos,
"idade na qual, ao menos em termos estatutários das ordens poderia governar sem a intervenção
de terceiros" e, embora as referências de época o descrevam como intelectualmente dotado,
qualidade que o futuro não virá desmentir, é, de facto, um jovem inexperiente que D. Manuel
parece tutelar no atinente ao governo das ordens de Avis e Santiago. É neste sentido que interessa
lembrar os formulários de algumas cartas das ordens, emitidas pelo Mestre, e datadas deste
período da última década do século XVI nas quais se refere terem sido escritas com o
"consentimento do rei que ora administra os mestrados ".
Pessoalmente não vemos nada de extraordinário nesta precaução régia, tratar-se-ia de actos
administrativos e concessão de dignidades, cargos e mercês, o monarca pretenderia, não apenas
supervisionar a "gestão", mas também filtrar a escolha dos destinatários dos referidos cargos e
dignidades. Outro tanto, e mais, havia feito o seu remoto antecessor D. Pedro I durante a
menoridade do futuro D. João (de quem, no entanto, nada teria a recear), intervindo directamente
no governo da milícia de Avis. Mesmo assim é necessário esclarecer que este paralelismo peca
unicamente por um detalhe: se D. Pedro I era efectivamente pai de D. João I (como D. Afonso V
de D. João II), D. Manuel I não é pai do Mestre D. Jorge, o que faz toda a diferença no cariz da
referida interferência. A intervenção de D. Manuel I era suposta ao rei de Portugal, até então,
num contexto de relação pai - filho, relação essa a que o reino se encontrava habituado, mas que,
neste caso, assumia uma natureza diversa.
No entanto, e a despeito desta situação é hoje reconhecido que na "… documentação [que] se
circunscreve na sua grande maioria aos fundos das ordens militares de Avis e Santiago durante
o mestrado em causa, não é muito fácil encontrar exemplos flagrantes de mau (ou mais
precário) relacionamento entre a chefia dessas ordens e o Rei de Portugal ", embora se
depreenda que um e outro não andassem de mãos dadas, como também já se escreveu.
Em jeito de encerramento desse período de tutela directa, o monarca reconheceria, em 27 de
Maio de 1500, que o Mestre teria atingido a "maioridade" e considerava que "… elRey Dom
Joam …nos tratou como próprio filho…. como delle não ficou outro filho senão D. Jorge Duque
de Coimbra, o qual nos elle deixou muito encomendado ele seja em idade para lhe devermos de
dar casa e fazenda em que elle se possa manter, e servir-nos como quem é". Tal como já vinha
sucedendo no respeitante às precedências, D. Manuel I faz questão de sublinhar a elevada
jerarquia de D. Jorge e de "justificar" porque só agora lhe concede alguma autonomia. Dir-se-á
que se tratava de uma época tardia (o Mestre tinha 19 anos) para "dar casa e fazenda" a um
membro da família real, e que D. Jorge aguardava há quase 5 anos pelo cumprimento do
estatuído no testamento paterno. Sem entrar em comparações - dificilmente conclusivas, diga-se
de passagem - sobre a idade em que os Infantes recebiam habitualmente a sua casa, e o Mestre
não era – apesar de tudo – Infante, note-se que D. Manuel seguiu uma estratégia gradual,
possivelmente "ajustada ao desempenho" do jovem D. Jorge.
Primeiramente, em finais de Maio de 1500, far-lhe-ia doação, dentro da área do actual distrito de
Coimbra, dum acervo patrimonial que D. António Caetano de SOUSA designou por Doação da
Casa de Aveiro,uma vez que correspondia ao núcleo duro daquele futuro ducado, e era
constituído pelas vilas de Aveiro, Montemor-o-Velho, Penela e todo um conjunto de lugares,
rendas, direitos e jurisdições que, é forçoso reconhecê-lo, constituíam uma substancial parcela do
senhorio do Ducado de Coimbra, tal como ele se encontrava "desenhado" no testamento de 1495,
salvaguardando apenas para a Coroa 3 padroados na vila de Montemor e lugar de Pereira " que
nós em ellas havemos ".
Embora nesta prudente doação o senhor D. Jorge receba o tratamento de "D. Jorge, Duque de
Coimbra, meu muito amado e prezado sobrinho", o monarca fica apenas no plano simbólico do
tratamento formal visto que a cidade de Coimbra não é doada, circunstância que o monarca
sublinha expressamente.
Com efeito a monarquia portuguesa, na sequência do plano concebido e executado pelo
Venturoso, embora não possa eximir-se a reconhecer o ducado de Coimbra ao senhor D. Jorge,
manifesta a maior incomodidade implícita ao ver esse antigo ducado, originariamente atribuído
ao Infante D. Pedro, avô comum do rei e do Mestre, "retomado" e confiado a uma descendência
bastarda de "não-Infantes".
Não nos parece que tenha sido devidamente enfatizado o alcance desta primeira doação, que é a
da Casa de Aveiro, a uma personagem à qual se dá, nessa ocasião, o tratamento formal de Duque
de Coimbra. Com efeito, subtilmente e sem violência aparente, ou coacção a suscitar protestos de
que se encontrem ecos, a Coroa conseguirá que o ducado de Coimbra, que no testamento de 1495
surge inequivocamente "de juro e herdade, fora da lei mental, e para correr por linha direita ou
transversal" apenas seja usado por D. Jorge, já que os seus descendentes usarão apenas o "título
novo" de duques de Aveiro, marqueses de Torres Novas, claramente inferior ao estatuto
atribuível ao ducado de Coimbra, associado à qualidade de Infante.
Este pormenor – que hoje nos pode parecer despiciendo – não o era na época, pois através desta
troca de um titulo tradicionalmente associado à pessoa de Infantes, por um título ducal
inteiramente novo, o rei subtraía à descendência bastarda de D. João II um ducado que
tradicionalmente pertenceria apenas à Casa Real, trocando-o por um ducado bem mais recente
que o de Bragança, a linha bastarda "mais antiga" da dinastia de Avis..
É certo que os escândalos matrimoniais protagonizados tanto por um serôdio D. Jorge, como
pelo seu primogénito, vieram suscitar desnecessários atritos, que aplanaram o caminho à
monarquia neste processo de paulatina despromoção dos descendentes de D. João II.
Mas a premeditação que julgamos surpreender no cuidadoso faseamento com que D. Manuel I
foi dando o cumprimento que entendeu conveniente ao disposto nas cláusulas testamentárias do
seu predecessor, parece manifestar-se num segundo diploma, da mesma data, pelo qual o rei faz a
D. Jorge "doação da vila de Torres Novas com todo seu Senhorio, e com seu Castelo, Reguengo,
e padroados de igrejas, dada de ofícios, e com todas as rendas, direitos, foros, censos e
prazamentos, tributos pensoins e frutos". Registe-se que Torres Novas, vila não demasiado
distante de Lisboa, cujo Alcaide-mór era precisamente o aio do Mestre, D. Diogo Fernandes de
Almeida, não estava incluída nas doações estipuladas por D. João II, pelo que a sua entrega
pertencia à exclusiva iniciativa do novo monarca que, assim, marcava não estar a dar
cumprimento ao testamento régio, mas sim a praticar um acto de munificência real pelo qual se
poderia entender que compensava eventuais atrasos e omissões.
Esta doação seguia o mesmo paradigma do condado de Alcoutim, criado para o herdeiro da Casa
de Vila Real, uma vez que este senhorio era entregue ao " … dito Duque em sua vida, contanto
que as não possa dar, nem doar, vender nem empenhar, nem em testamento deixar em todo, nem
em parte. E falecendo o dito Duque, havendo filhos lídimos, que o filho barão lídimo que for
mayor entre os varões aja, e herde só para si…e que nenhum outro filho, posto quehos y haja,
não herdem, nem hajam delles parte". O diploma regulamentava ainda minuciosamente a
sucessão na linha da primogenitura varonil, com exclusão de todas as possíveis linhas
transversais, colocando-a dentro do âmbito de aplicação da lei mental, preludiando assim a
elevação, em 27 de Março de 1520, desta vila em marquesado, na pessoa de D. João de
Lencastre, primogénito de D. Jorge, que seria também o 1.º Duque de Aveiro
Apetece recordar que GÓIS caracterizou D. Manuel I como tendo sido "…sempre em todos seus
negócios vigilante " porque, três dias depois, o Venturoso fechava este pacote fazendo celebrar o
contrato de casamento do nominal Duque de Coimbra, não com uma filha sua, como fora desejo
expresso de D. João II, mas com D. Beatriz de Vilhena, filha de D. Álvaro, irmão mais novo de
D. Fernando, o 3.º Duque de Bragança, decapitado em Évora.
Mais uma vez estamos perante uma escolha hábil pois marcava a aliança entre uma sobrinha do
Duque executado, e o filho do rei que o mandou executar. Mas, registe-se, essa aliança era
consubstanciada num ramo menos relevante da Casa de Bragança, uma vez que D. Álvaro,
embora irmão do Duque, do Marquês de Montemor-o-Novo, e do Conde de Faro, não herdara
nenhum título dessa família, restituídos nesse mesmo ano de 1500 todos os seus ancestrais
direitos e prerrogativas.
D. Manuel I casava assim o filho bastardo de D. João II com a mais subalterna das descendentes
da linha bastarda de D. João I.
Mas tratava-se de uma escolha inatacável. Desde logo cumpria a regra implícita da endogamia
praticada entre os descendentes de D. João I, e depois o sogro, muito embora não fosse titular, ao
invés do sucedido com todos os netos primogénitos de D. Fernando, Duque de Viseu, andava
longe de ser apenas um apagado descendente colateral.
Com efeito, o sogro do senhor D. Jorge, D. Álvaro, havia casado com D. Filipa de Melo, herdeira
do condado de Olivença, título que D. Manuel I teve o cuidado de não renovar, preferindo elevar
em 1504 o cunhado primogénito de D. Jorge a conde de Tentúgal.
O casamento dos sogros do duque de Coimbra (ratificado por D. Afonso V em 1480 e que, entre
outras benessses, continha a promessa da Alcaidaria-mor de Olivença) foi confirmado pelo
Venturoso . Para o efeito o monarca viu-se na contingência de negociar a posse do castelo de
Olivença com Rui de Melo, à data Alcaide-mor daquela vila raiana e sua mãe, que deixaram à
Coroa os seus direitos e cargos por escambo com outros, análogos, mas em Elvas, (o que obrigou
à troca pelas receitas de Torres Vedras das rendas anteriormente auferidas por D. Martinho de
Castelo Branco em Elvas) e a compensação de uma renda adicional de 10.000 reais. Por seu
turno D. Martinho de Noronha viria a receber outras rendas, avaliadas em 258.318 reais por
trocas daquelas que recebia da vila do Cadaval e quinta do Gradil, que este último D. Martinho
cedera ao sogro do senhor D. Jorge.
Estas negociações tinham sido precedidas, logo em seguida ao regresso a Portugal de D. Álvaro,
pela confirmação do seu assentamento, que ascendia a cerca de 259.000 reais, de várias isenções
concedidas por D. Afonso V e, possivelmente, pela recuperação do seu posto de desembargador
da Casa da Suplicação, bem como pela reassumpção do cargo de Chanceler-mor, do qual viria a
prescindir em 26 de Maio de 1500, sendo compensado com as jugadas do pão de Torres Vedras e
parte do seu termo.
Ainda na sequência do seu regresso a Portugal D. Álvaro vira ser-lhe confirmada a doação de
todas as rendas e direitos da vila de Beja (cabeça do ducado de que D. Manuel fora titular) e
respectivo termo, nos mesmos termos em que as percebia seu pai, o 2.º Duque de Bragança, ás
quais foram acrescentados novos benefícios cujo total ascenderia a mais de 300.000 reais por
ano. Como se tudo isto não bastasse, a posse da vila do Cadaval foi-lhe reconhecida em 23 de
Agosto de 1496, após anuência de D. Jaime e D. Dinis, seus sobrinhos, filhos do 3.º Duque.
Finalmente, em 19 de Setembro desse mesmo ano, o rei doava-lhe a renda da portagem de Beja
(que ascenderia a mais de 60.000 reais) e, posteriormente, as rendas e direitos vila do Rabaçal,
mediante indemnizações concedidas aos seus anteriores beneficiários .
O desafogo financeiro, bem como o espírito empreendedor do sogro de D. Jorge comprovam-se,
por exemplo, através do facto de ser co-proprietário (juntamente com os destacados mercadores
italianos residentes em Lisboa Bartolomeu Marchioni e Jerónimo Sernigi) da nau Nossa Senhora
da Anunciação que, integrando a armada de Pedro Álvares Cabral, naufragou no Atlântico Sul.
Este rápido inventário de cargos e mercês inclina-nos a considerar que esta noiva negociada pelo
rei para D. Jorge, fosse apenas a menos boa das escolhas que D. Manuel I poderia legitimamente
conceber.
O Mestre de Avis e Santiago, senhor de Montemor-o-Velho e de Torres Novas, teria que aguardar
ainda cerca de nove anos (14, contados desde o testamento de D. João II) até que D. Manuel I
entendesse oportuno "dar substância jurídica e material" ao tratamento de Duque de Coimbra, há
quase um decénio prodigalizado formalmente ao senhor D. Jorge.
Com efeito, por carta régia de 16 de Março de 1509,o rei recordava, mais uma vez, e sempre com
imperturbável serenidade, com quanto amor e afeição havia sido criado por D. João II como seu
próprio filho e ainda, reconhecendo que, do falecido predecessor, não tinha ficado senão um só
filho, D. Jorge, e ele, rei, "por folgarmos de lhe lhe fazer honra mercê e acrecentamento nos
prouve de lhe dar título de Duque, e queremos e nos praz que elle se chame Duque da nossa
Cidade de Coimbra…Outro sy por esta presente Carta nos praz lhe fazer doaçam e mercê do
Castello e Alcaydaria-mor da dita nossa Cidade…com todas as rendas direitos foros e pertenças
da dita Alcaydaria-mor ordenados e que de direito lhe pertencem e assy mesmo dos Padroados
da Igrejas que na dita Cidade e seu termo tevermos e nos pertençam por qualquer guiza que seja
e dos Taballiaes da dita Cidade e termo dela e peçoes delles ficando a nossa confirmação dos
ditos Taballiaes e serem assentados nos livros da nossa chancelaria segundo costume todo assy e
tam inteiramente como nos pertence e de direito …".
Confrontando o disposto no testamento de D. João II com as doações e mercês efectivamente
recebidas pelo senhor D. Jorge, é impossível não constatar que o monarca procurou cumprir, de
acordo com a sua própria agenda, uma parte substancial do clausulado.
Mas também que evitou cumprir tudo aquilo que pudesse equipará-lo a um Infante, robustecer as
suas alianças familiares, consumar a hegemonia sobre as ordens militares ou, de qualquer modo,
contribuir para o transformar num contra-poder multi-regional enquistado no reino, e susceptível
de constituir ameaça para a Coroa.
O próprio D. João II não teria, talvez, encontrado uma forma de gerir uma "herança armadilhada"
que, revelando-se de uma total eficácia, suscitasse tão poucos efeitos colaterais. Em qualquer
caso, será ao bastardo de D. João II que caberá governar, para além do mestrado de Santiago,
uma outra ordem, a de Avis, da qual nos ocuparemos de seguida.
PARTE II
A Ordem de Avis no século XVI:
O triângulo Alto-Alentejano entre as bacias do Tejo, Sado e Guadiana.
• Considerações prévias

1.1. A estrutura das Fontes


O núcleo documental sobre o qual se efectuou este trabalho assenta em três livros de visitações,
no âmbito das quais estão identificadas e registadas visitações efectuadas ao Mestrado da Ordem
de S. Bento de Avis entre 1515 e 1538. Como é do conhecimento de todos, estas fontes,
disponíveis no IAN/TT, não integram a totalidade dos dados relativos ao património total
controlado pela Ordem. No entanto, a partir delas é já possível esboçar uma ideia do perfil desta
instituição na primeira metade do século XVI. Para uma mais fácil apreensão dos referidos
documentos, afinal, a base essencial em que assenta este trabalho, passamos a apresentar a sua
identificação e localização geográfica nos seguintes Quadros e Mapa.

Quadro nº 7
IAN/TT, Livros do Convento de Avis, n.º 13

DATA LOCALIDADES DISTRIBUIÇÃO PARCIAL DOS


VISITADAS FÓLIOS
1515.11.18 Alcáçova de Elvas 2-168
1516.06.08 Juromenha 174-259
1516.06.21 Alandroal 260-327

Quadro nº 8
IAN/TT, Livros do Convento de Avis, n.º 15
LOCALIDA
DISTRIBUIÇÃO PARCIAL
DATA DES
DOS FÓLIOS
VISITADAS
1519.02.10 Cano I 1-44v
1519.03.01 Figueira I 67-112
1519.03.08 Seda I 114-199
1519.03.29 Galveias I 202-248
1519.04.07 Mora 251-284

Quadro nº 9
IAN/TT, Livros do Convento de Avis, n.º 14

LOCALIDAD
DISTRIBUIÇÃO PARCIAL
DATA ES
DOS FÓLIOS
VISITADAS
Sem Data Avis e termo 1- 44v
1538.09.18 Galveias II 69- 90v
1538.10.23 Cabeço de 47-90v
Vide
1538.09.23 Seda II 94- 162
1538.10.02 Figueira II 164- 179
1538.10.04 Cano II 181-204
1538.10.08 Sousel 205- 222
1538.10.10 Fronteira 224-278v

Mapa nº 2
As Visitações em estudo
Fonte: Os dados para a elaboração deste Mapa foram retirados da obra de PIMENTA, Maria Cristina, "As Ordens de Avis e de
Santiago na Baixa Idade Média: O Governo de D. Jorge", Militarium Ordinum Analecta, nº 5, Porto: Fundação Engº António de
Almeida, 2001.

Como acabamos de verificar, no conjunto das visitas em estudo, as 13 comendas em apreço


nestes três livros, se consideradas no contexto das 44 que inventariamos em 1532, correspondem
a qualquer coisa como 29,5% do universo das comendas da Ordem Militar de S. Bento de Avis.
É evidente que este percentual não pode ser entendido, nem extrapolado, por si só, atenta a
localização geográfica e as características quantitativas e qualitativas das comendas alvo de
estudo, como correspondendo a quase 30% daquilo que constituiria a Ordem de Avis no
segmento temporal compreendido entre 1515 e 1539. Mas parece inegável o interesse potencial
representado por este conjunto de informação relativa a quase um quarto de século, e distribuído
por estas 13 localidades da Ordem, sobre as quais passaremos a debruçar-nos.
Estamos inclusivamente em crer que o conjunto de informações extraídas dos três livros de
visitações que constituem as nossas fontes, precisamente pelo volume e caraterísticas do vasto
leque de dados neles contidos, não esgotará a sua utilidade potencial no tratamento, de certo
modo vestibular, que lhes é dado neste tipo de trabalho.
A sua gradual integração no âmbito global do estudo das ordens militares em Portugal, com
cruzamento adequado dessas mesmas informações com muitas outras, novas ou já publicadas,
mas ainda não integradas num banco dados alargado, poderá contribuir para que investigadores
futuros se abalancem a retratos comparativos cada vez mais fundamentados e aproximativos
destas milícias, não apenas em Portugal como num âmbito peninsular. Designadamente através
do desenho comparado das suas similitudes e especificidades em relação ás congéneres que
desenvolveram a sua actividade no Ocidente transpirinaico e no Oriente.
Dentro da mesma linha de pensamento, e embora limitando-nos ao segmento temporal em que
nasceram, se desenvolveram e estabilizaram, até à inevitável reorientação das suas vocações e
funcionalidades, as ordens militares cristãs representam apenas metade do binómio de confronto
que as originou. Tal como tem vindo a suceder com a temática geral das cruzadas, um dia, a
inevitabilidade do amplo movimento de reflexão que integra e tenta converter a dicotomia dos
olhares sobre uns e outros, na tentativa de síntese que é o olhar sobre nós, irá desenvolver o
estudo e comprensão das comunidades guerreiras islâmicas, cujos ribats começam a ser
inventariados e estudados no Al Gharb.
Síntese essa que poderá assumir como linha orientadora uma tentativa de compreensão do modo
como as diferentes sociedades e culturas de raiz monoteista se organizavam (e organizam) para
dar resposta aos confrontos que as antagonizam. Estamos em crer que esse esforço eucuménico,
distanciado, objectivo e humanista acabará fatalmente por integrar as disciplinas que os decisores
políticos terão de levar em consideração num futuro próximo, evidenciando a utilidade real do
conhecimento histórico.
Regressando ao âmbito restrito dos três livros de visitações sobre os quais incide este estudo,
convirá relembrar preambularmente aquilo que PEREIRA escreveu a propósito duma visitação
ligeiramente mais recuada, a uma comenda da Ordem de Santiago. Este historiador considerava
que as visitações efectuadas no âmbito das ordens militares, bem como as visitações paroquais,
constituíam uma fonte de inegável interesse para a história, atento o conjunto de informações,
notícias e contactos directos com as populações. E o mesmo autor, ao referir exemplos de
possíveis metodologias utilizadas na abordagem deste tipo de fontes resumia do seguinte modo o
esquema de análise das mesmas proposto pelo sociólogo, historiador e jurista LE BRAS, sem,
no entanto, deixar de sublinhar que esta proposta genérica, não se aplicando alínea por alínea a
todas as visitações, constituía apesar de tudo um bom guia de investigação.

I – Estado dos edifícios


• a) a igreja e seus anexos
• b) o cemitério: área, disposição, usos
• c) as capelas rurais (as ermidas)

II – O clero:
• o pároco: nomeação, origem, residência, cultura, costumes
• coadjutores
• capelães e clero residente: denominação, modo de vida (cultura, costumes)

III – Culto e magistério:


• patrono
• mobiliário: imagens, quadros, ornamentos, vasos sagrados, livros litúrgicos
• cerimónias: pessoal, liturgia, festas, procissões, peregrinações
• homilia, catecismo, pregações

IV – Rendimentos:
• dons e legados, fundações, taxas
• origem: terras, casas, móveis
• administração: fábrica da igreja, prestação de contas, orçamentos

V – Outros edifícios:
• a) mosteiros e conventos
• b) hospitais, hospícios
• c) escolas

VI – Sociedade:
• demografia
• hierarquia, senhores, pessoas notáveis
• associações: confrarias, irmandades

VII – Estado espiritual e moral:


• crenças: superstições, bruxarias
• prática: assistência à missa, abstenção do preceito pascal
• costumes: virtudes sociais (caridade, entre-ajuda) vícios dominantes, concubinato, roubos,
querelas, má fé, danças
Por seu turno PIMENTA efectuou uma síntese do processo inerente a cada visitação, resumindo-
o do modo, que reproduzimos quase na íntegra, uma vez que restitui fielmente o esquema que os
três livros de que nos ocupamos ilustram com toda a nitidez:
" Eleição dos visitadores e respectivo mandato.Perfil dos visitadores (um clérigo e um cavaleiro,
acompanhados de, pelo menos um escrivão e outro pessoal menor)
Cerimónias previstas na chegada ás localidades
Alojamento dos visitadores
Início da visitação, geralmente com celebração de missa na igreja matriz
Informações recolhidas junto do Comendador, não se tratando de terras da Mesa Mestra,l e
dando-se o caso de este se encontrar presente.Caso não estivesse a falta era anotada.
Informações junto do Prior, Beneficiados e, ocasionalmente, outros membros do clero local que
se encontrassem no desempenho de funções relevantes
Visitação da igreja matriz, Capelas, Ermidas e Hospitais
Disposições gerais referentes ao apurado nos passos antecedentes
Referências ás propriedades, bens, jurisdições e direitos da Ordem (geralmente com elaboração
de tombo dos bens)
Ofícios, rendas e numero de vizinhos
Disposições gerais finais "

Parece necessário que nos detenhamos um pouco sobre aquilo que PIMENTA engloba no
conceito genérico de Disposições, e que nos textos por nós estudados, surge em geral referido
como Determinações dos visitadores. Trata-se, na realidade, dos capítulos da visitação nos quais
os enviados do Mestre transmitiam, no âmbito dos poderes que lhes tinham sido delegados,
orientações e normativas, geralmente de observância, ou cumprimento e execução obrigatórias,
passíveis de denûncia, e sob pena de sanções compulsivas.
Estas determinações, tanto de índole espiritual como temporal, dividiam-se em determinações
gerais, cuja aplicação abrangia a generalidade das comendas e localidades sobre jurisdição da
Ordem, e determinações particulares, incidentes sobre casos específicos ou conjunturais
respeitantes a cada comenda ou localidade visitada. Assim:
a) Determinações Gerais
Independentemente da sua natureza espiritual ou temporal, tendiam a ser estereotipadas e
repetitivas, embora pudessem apresentar ligeiras variações na sua formulação, algumas delas
relevantes, uma vez que podiam compreender precisões esclarecedoras em relação ás fómulas
anteriormente utilizadas.
Compreender-se-á a inutilidade de sobrecarregar este trabalho com a transposição repetitiva das
mesmas Determinações gerais em cada uma das visitações, razão pela qual elas apenas se
encontrarão integralmente referidas na primeira e segunda das visitas por nós estudadas
(Alcáçova de Elvas e Juromenha) que apresentam diferenças assinaláveis entre si, passando,
depois, a ser apenas e unicamente enumeradas em todas as visitações seguintes.
De um modo genérico quando incidem sobre matéria espiritual aludem às obrigações dos priores
e capelães, às orações que estes deveriam ensinar aos fregueses, cuidados a ter com a lavagem
dos ornamentos dos templos, a arrumação e conservação dos santos óleos, o direito ao acesso aos
testamentos para averiguação dos encargos de missas, o cuidado a observar no tanger das Ave-
Marias, o modo de rezar as horas canónicas, os procedimentos a adoptar na marcação de faltas
das missas obrigatórias, e a recomendação de que encomendassem aos fregueses que orassem
pela saúde e bom governo do Mestre. Tudo isto, aliás, de acordo com o estabelecido pela Regra e
Estatutos da Ordem de Avis de 1516.
Outras respeitavam à recolha e gestão dos dinheiros destinados à fabrica dos templos e ao culto,
e encontravam-se nesta categoria as determinações que contemplavam os cargos de manposteiro
e recebedor da fábrica. Algumas, ainda, reflectiam preocupação com a gestão financeira das
confrarias, tal como sucedia com a prestação de contas pelos mordomos em fim de mandato.
Outras, referiam-se à guarda dos ornamentos das ermidas.
Também eram salvaguardadas a prerrogativas dos clérigos da Ordem, tal como sucedia com a
proibição dos administadores das capelas mandarem rezar os encargos de missas por sacerdotes
alheios à Ordem. Agumas destas Determinações tinham por objecto matérias do ritual e liturgia,
tal como se verificava com o saimento sobre as sepulturas ás segundas-feiras, ou a festa do
patrono S. Bento. Os fieis eram, por sua vez, objecto de Determinações incidentes sobre o
cumprimento dos preceitos da Igreja, e isso sucedia com as obrigações de confissão e comunhão,
o comportamento dentro das igrejas, o modo de assistir à celebração eucarística, e a proibição de
construir ermidas (que proliferavam, frequentemente em mau estado de conservação) sem
licença prévia do Mestre.
Entidades terceiras eram objecto de determinação, encontrando-se neste caso, o tratamento a dar
aos frades e clérigos vagabundos que se encontrassem nas terras sob jurisdição da Ordem sem
licença dos respectivos prelados, ou a publicação de cartas de prelados que se revelassem lesivas
dos direitos e interesses da Ordem de Avis.
Como era natural, as Determinações gerais sobre o temporal reflectiam preocupações senhoriais
e administrativas tais como a obrigação de demarcação dos bens próprios da Ordem, a sua
delimitição com marcos autorizados e a fixação de lindes, a fiscalização da cobrança dos dízimos
e o pagamento daqueles que tinham sido sonegados, a regulamentação da dada de terras em
sesmaria, a proibição incidente sobre os priores, visando impedir que estes se intrometessem em
matéria de dízimos sem comissão especial do Mestre, a isenção de portagem, ou as posturas do
concelho que, respeitando a interesses da Ordem, fossem publicadas sem prévia notificação ao
Mestre.

b) Determinações Particulares
Incidiam sobre assuntos específicos de cada localidade visitada e geralmente evidenciavam a
ponderação dos visitadores que avaliavam as situações, escalonavam prioridades, tomavam
providências, ordenavam aquisições e reparações, fixando os respectivos prazos, fazendo um
balanço da compatibilidade entre a urgência das situações e carências com os recursos
financeiros de cada comenda.
Disciplinadoras e apontadas para a resolução de conflitos, as determinações particulares
procuravam alcançar uma, nem sempre fácil, harmonização entre o interesse público dos
moradores e os direitos e prerrogativas da Ordem.
Como se verificará a respeito de todas, e cada uma das visitas que estudámos, este conjunto de
trâmites, mais complexo do que aparenta, implica a análise, frequentemente minuciosa, de
realidades tão diversas como as de carácter religioso-comportamental: a observância da Norma,
o desempenho do clero local, o cumprimento por parte dos vizinhos/paroquianos das regras
preceitos e obrigações determinadadas pela Igreja, os comportamentos individuais e colectivos,
agravos e conflitos. Mas também a inspecção do património edificado sacro e respectivo
conteúdo (ornamentos, paramentos litúrgicos, objectos de culto e livros sacros) avaliação do
respectivo estado de conservação, imputação da responsabilidade financeira inerente à adopção
das medidas adequadas ao respectivo restauro ou recuperação (substituição ou reparação nos
casos do património móvel) e fixação de prazos de execução e implementação das medidas e
providências deliberadas e ordenadas pelos visitadores.Com natural ênfase colocado no
património fundiário da Ordem, sua descrição, foros e rendas (verificação actualização e
renovação), confrontações e demarcações. Outras edificações, casas e construções de apoio ás
actividades económicas, respectiva descrição, foros e rendas fazem também parte do seu
conteúdo, bem como o levantamento, ou actualização, dos direitos e jurisdições, cargos e ofícios,
suas cartas de provimento e tributação, avaliação do número de vizinhos e do rendimento de cada
Comenda.
Um universo de informações, já de si rico, heterógeneo e complexo.
Mas, no caso respeitante ás visitações de que nos ocupamos, a natureza e amplitude dos direitos
e jurisdicões das ordens miltares nos seus territórios, e a minúcia e rigor colocados pelos
visitadores no registo de determinadas temáticas, permitirá ampliar, e mesmo aprofundar as áreas
de incidência das análises, como se verificou, por exemplo, entre outras investigações sobre este
tipo de fontes.
Dentro do mesmo entendimento da necessidade introdutória de caraterizar sumáriamente as
fontes que tratámos convirá recordar alguns dos trabalhos que, de algum modo, têm vindo a
reflectir preocupações sobre a génese e enquadramento das visitações das ordens militares
portuguesas. Assim torna-se forçoso reconhecer que, a montante das propostas metodológicas de
análise deste tipo de fontes, se encontram os próprios Regimentos dessas mesmas visitações.
Como observou BARBOSA "deverá entender-se por Regimentos de Visitações um corpo de
normas relativas à organização e ao funcionamento das visitações", que de acordo com a Regra
das ordens, e nalguns casos de acordo com as respectivas bulas de fundação deveriam realizar-se
anualmente aos membros das milícias e aos bens que aqueles possuíssem destas, com a
finalidade evidente de corrigir as situações que o exigissem, inventariar dados susceptíveis de
integrar instrumentos de gestão, e reparar irregularidades detectadas. Estes regimentos incluíam a
definição das competências dos visitadores e orientações sobre a actuação dos mesmos,
provavelmente acordados nos capítulos gerais em que, como teremos ensejo de constatar, eram
definidas áreas a visitar e prioridades, bem como se elegiam os freires que deveriam efectuar
essas mesmas visitas.
No que se refere aos espatários, o mais antigo destes Regimentos data de 1478, período em que
D.João II (nesse ano ainda príncipe herdeiro) administrava a Ordem de Santiago. Já durante o
Mestrado de D. Jorge foi redigido um outro, na sequência do capítulo geral efectuado em
Palmela, no mês de Outubro de 1508 no qual foram eleitos quatro Definidores encarregados de
organizar, em capítulos particulares ou a sós, uma reforma da Ordem, que a adequasse à nova
conjuntura e ao conteúdo de duas bulas de Inocêncio VIII que, em 1486, abriam caminho a uma
maior secularização da milícia. Como refere BARBOSA, no longo Regimento elaborado nessa
época "…foi consideraao com bastante pormenor toda a normativa que dizia respeito ás
Visitações, quer no aspecto da actuação dos visitadores, quer no conteúdo dos questionários a
que teriam de sujeitar-se os visitados" Por seu turno PIMENTA sublinhou que este munucioso
inventário de situações, competências, responsabilidades e procedimentos se radicava nas
necessidades geradas pela situação de que "…Gerir um território como aquele que albergava as
Ordens de Avis e de Santiago,significava, antes de mais, legislar, no sentido de garantir o
alcançar de dois grandes objectivos: fazer chegar às populações que lhe estavam dependentes,
com o máximo de rigor, a Palavra de Deus e, garantir no território, a obtenção da maior
rentabilidade possível".
As "actualizações e reformulações" da norma das ordens de Avis e Santiago seguiram um
processo paralelo, contíguo e onde é possível (e compreensível) detectar casos de diálise
justificados pelo seu governo unificado. É um movimento cuja inicitiva, conforme referimos já
parece remontar a D. João, príncipe herdeiro e governador da Ordem de Avis, e que será
prosseguido pelo seu sucessor D. Manuel I, e pelo Mestre D. Jorge.
Conjugando as análises feitas a estes regimentos com o conteúdo das fontes a que nos
reportamos, é admissível que no seguimento das deliberações do Capitulo Geral de Avis reunido
no convento do Espírito Santo de Setúbal em 1515, no decurso das quais ficou decidida a edição
de 1516 da Regra e estatutos dessa milícia, será possível deduzir-se que a regra de 1509, no
respeitante ás visitações de Santiago não apresenta diferenças significativas em relação ao
quadro normativo que, depois de 1515 – que é, recorde-se, o ano em que se iniciam as visitações
de Avis sobre as quais incidirá este trabalho -, terá passado a enquadrar as competências e
procedimentos dos visitadores desta última milícia. E, nesse entendimento, dispensamo-nos de o
reproduzir.
Também não poderemos eximir-nos, uma vez que as fontes trabalhadas as vêem confirmar, a
referir as observações formuladas a este respeito por PIMENTA. Regista esta última historiadora,
a propósito da importância as visitações no âmbito do conjunto de fontes documentais dos
fundos próprios das Ordens de Avis e Santiago, que "Se, como é óbvio, as preocupações de
natureza administrativa para com o senhorio…podem ser detectadas aos mais variados níveis
da tipologia dos diplomas trabalhados, é também verdade que desse conjunto ressaltam com
uma dimensão mais acentuada os livros de visita que em ambas as milícias foram ordenados, até
porque, individualmente e no seu conjunto, constituem, possivelmente, um dos mais interessantes
núcleos informativos para a compreensão de muitos aspectos da vida nestas instituições" .
É evidente que a autora, embora acentuando a importância destas fontes a nível económico-
jurisdicional, tinha presente a dimensão religiosa e os comportamentos, bem como a dimensão
patrimonial e arquitectónica, como posteriormente viria a confirmar-se em trabalhos por ela
orientados. Mas no caso deste seu trabalho, a distribuição geográfica implicou um tratamento
distinto daquele que, nesta nossa dissertação, poderemos vir a apresentar. De facto, considerando
unicamente a vertente da Ordem de Avis no século XVI estudada por PIMENTA, é inegável que
a distribuição das localidades sob controlo da Ordem atingem uma proporção mais elevada como
nos pareceu útil sublinhar através deste mapa que se segue.

Mapa nº 3
A Ordem de Avis no século XVI
Fonte: Os dados para a elaboração deste Mapa foram retirados da obra de PIMENTA, Maria Cristina, "As Ordens de Avis e de
Santiago na Baixa Idade Média: O Governo de D. Jorge", Militarium Ordinum Analecta, nº 5, Porto: Fundação Engº António de
Almeida, 2001.

Em face do exposto, e centrando agora a nossa atenção nas informações que as fontes traba-
lhadas nos revelam, cumpre explicitar que, cada uma das localidades visitadas será analisada
numa perspectiva tridimensional: dimensão religiosa, dimensão senhorial e dimensão
patrimonial. A primeira destas dimensões compreenderá uma análise dos clérigos e dignitários
com funções de natureza religiosa, ou ligados à orgânica funcional das igrejas e ermidas, bem
como as associações de índole espiritual, como as confrarias, ou de natureza assistencial, caso
dos hospitais e misericórdias.
Serão descritas as respectivas funções, atribuições, responsabilidades, remunerações e
privilégios, bem como o seu eventual contributo para a gestão temporal das comendas a que
pertenciam, e as incompatibilidades que por vezes se geravam no confronto entre o exercício da
missão espiritual e as preocupações com a administração do temporal. O universo representado
pelos fiéis moradores nas comendas e terras da Ordem será contemplado nos seus
comportamentos de paroquianos, membros de confrarias e participantes na administração de
instituições de natueza assistencial.
A dimensão senhorial comtemplará as matérias respeitantes aos bens, direitos, e jurisdições da
Ordem em cada uma das comendas estudadas, mas também os respectivos oficiais, os contratos,
os tombos de propriedades, algumas características da exploração da terra e da organização
tributária, as receitas e a população.
A dimensão patrimonial será abordada na vertente do património edificado sacro (igrejas,
ermidas e capelas), mas também da construção habitacional (casas aforadas, casas de morada dos
Comendadores, edificações de apoio à agricultura, tais como palheiros, currais e adegas),
construções de natureza defensiva (castelos, fortalezas e fortificações), instalações artesanais
(moinhos, pisões, azenhas, açougues, olarias e lagares). Mas, se escasseiam elementos sobre o
património móvel que constituiria o "recheio" das habitações, e a palamenta militar que equiparia
as fortificações, em contrapartida são abundantes e minuciosas as informações sobre ourivesaria,
vestimentas, ornamentos, livros e alfaias litúrgicas, bem como imagens, retábulos e pintura
mural.
Se as visitações da Ordem de Avis tivessem sido efectuadas com a cadência anual prevista nos
textos normativos, e abrangessem, de cada vez, a integralidade das cerca de 40 localidades onde
a Ordem, no século XVI, ostentava a sua influência, mesmo admitindo o extravio ou destruição
de muitos dos respectivos livros de registo, o volume dos remanescentes excederia muito
provavelmente o número inventariado. Com efeito, ao longo dos três livros em apreço, teremos
ensejo de constatar remissões para tombos que não chegaram até nós, e a visitas concretas que,
todavia, deconhecemos. Só com um inventário específico, efectuado sobre a totalidade das
visitas que "sobreviveram" seria possível ficar com uma noção mais aproximada do número de
visitas em falta de que existe menção expressa nos textos que chegaram até nós.
Embora não seja possível confirmá-lo plenamente, pudemos constatar que, desde o início das
fontes por nós trabalhadas – praticamente coincidentes com as deliberações do Capítulo Geral de
Setúbal de 1515 - se sucedem nos proémios justificativos das visitas, as menções a partes do
Mestrado que há muito não eram visitadas, daí resultando que os bens, possessões, jurisdições e
direitos da Ordem andassem muy enleados, e também a muyta njcycidade d aver mjster
coregimentos e Reformaçam nas pessoas dos cavaleyros e freyres da dita ordem.
Até certo ponto poderia admitir-se que a frequência destas justificações correspondesse a um tipo
de "formulário estereotipado", mas bastará verificar o escasso número de visitas registadas no
supracitado gráfico dos ritmos das visitações realizadas entre 1492 e 1515, para se ficar com a
noção de que o número daquelas que tinham sido efectivamente realizadas ás duas milícias, nas
duas décadas precedentes, era inferior ao quantitativo global das Comendas da Ordem. Esta
situação aponta claramente para aquilo que, sem risco de incorrer em anacronismo, poderemos
classificar como um défice de controlo administrativo que, não obstante o alegado
"empenhamento da hierarquia dirigente no zelar pela gestão do território " a impederia de
desenvolver uma gestão inteiramente adequada, não apenas de acordo com os padrões da Idade
Moderna, mas tal como era praticada por outras instituições que revelaram uma especial aptidão
para gerir os respectivos patrimónios.

2. Divisão do Mestrado de Avis em duas comarcas

Não obstante a distribuição geográfica das localidade e terras sob administração da cavalaria de
Avis - se comparada com a maior amplitude e dispersão dos territórios sob jurisdição das Ordens
de Cristo e Santiago - se apresentar concentrada num núcleo principal, ao qual se acrescentava
apenas um pequeno número de localidades excêntricas, no Capítulo Geral daquela primeira
milícia reunido em S. Luís de Lisboa a 27 de Fevereiro de 1538 foi decidido "…Repartyr o
mestrado em duas comarcas" sob a alegação de que, com essa repartição, as visitações
decorreriam melhor e " pêra em mays breue tempo se poder acabar a vysytaçam" . O que, em
termos práticos, parece apontar para que, decorridos cerca de 23 anos sobre o Capítulo Geral
antecedente, e as visitações que logo após se iniciaram, em Novembro de 1515, esse órgão
colegial tomava consciência da necessidade de adoptar medidas administrativas que permitissem
uma mais eficaz e célere execução das visitas.Aparentemente existia uma noção antiga e clara da
existência de muitas situações indesejáveis, uma vez que, já en finais de 1515, os visitadores que
se deslocaram à Alcáçova de Elvas constatavam terem encontrado (em visitações anteriores que,
todavia, desconhecemos) muitas terras baldias e desaproveitadas em muitas Comendas de que "a
ordem recebe muyta perda e dano" . Não parece de excluir que já anteriormente à formalização
das duas divisões administrativas do Mestrado se houvessem ensaiado soluções dessa natureza.
Pelo menos é o que julgamos poder depreender-se da seguinte passagem de 1519 " … visitadores
em outro lugar desta parte do mestrado"
A mesma fonte, ao referir expressamente a parte do Mestrado que cabia aos visitadores eleitos
por esse colégio, Francisco Coelho, cavaleiro da Ordem, e Frei André Dias, prior de Avis,
configura a composição de uma das anteditas comarcas, o que, por contraposição com as
Comendas da Ordem referidas na lista de 1534, poderá restituir, ao menos parcialmente, a 2.ª
comarca de visitações deliberada no Capítulo de 1538.

Quadro n.º 10
Divisão do Mestrado de Avis em Comarcas
na sequência do Capítulo Geral de 1538

1.ª Comarca 2.ª Comarca


1.ª Coruche 1.ª Alcáçova de Santarém
2.ª Mora 2.ª Oriz
3.ª Cabeção? 3.ª Rio Maior
4.ª Avis 4.ª Pernes
5.ª Galveias 5.ª Alpedriz
6.ª Cano 6.ª Casal
7.ª Figueira 7.ª Seixo
8.ª Fronteira 8.ª Meimoa
9.ª Cabeço de Vide 9.ª Penela
10.ª Alter Pedroso 10.ª Aveiro
11.ª S. M. de Portalegre 11.ª S. Vicente da Beira
12.ª Olivença 12.ª S. Tiago da Várzea
13.ª Moura 13.ª Montargil
14.ª Mourão 14.ª Seixo Amarelo
15.ª Serpa 15.ª Espirital e Granja
16.ª Noudar 16.ª Alenquer
17.ª Beja
18.ª Estremoz
19.ª Veiros
20.ª Sousel
21.ª Juromenha
22.ª Alandroal
23.ª Terena
24.ª Borba
25.ª Vila Viçosa
26.ª Seda
27.ª Albufeira
28.ª Elvas
29.ª Évora

Esta decisão de dividir o Mestrado de Avis em duas comarcas de distintas, mais de quatro décadas após o
início do governo de D. Jorge, obriga a alguma ponderação.
Independentemente das razões de natureza logística e administrativa que lhe terão estado
subjacentes, não pode desligar-se das dimensões e características específicas da componente
humana da Ordem de Avis, bem como da distribuição dos territórios sob a jurisdição da Ordem.
Teremos ocasião de verificar na maioria das fontes sobre as quais trabalhámos que, durante o
período em apreço, uma parcela significativa da hierarquia dirigente da Ordem, pelo menos no
respeitante aos Comendadores, talvez em virtude da sua origem social e da natureza familiar que
evidenciam, se caracterizava pelo absentismo, e deixava adivinhar uma relação pouco
empenhada na a gestão presencial das suas Comendas, cujas receitas eram normalmente
arrendada, não se constantando a existência generalisada de "reservas úteis" em regime de
exploração directa, ou sequer que tenham ficado registadas nas fontes consultadas iniciativas
desses mesmos dignitários que tivessem como objectivo o aumento sustentado da rentabilidade
das respectivas Comendas, ao contrário do que se verifica com os visitadores.
A despeito de numerosos casos de intervenção directa do Mestre, encontram-se casos de
usurpação das suas competências específicas, designadamente no que toca ao provimento de
cargos e ofícios, efectuadas por parentes próximos de D. Jorge. O estado de conservação das
igrejas e ermidas, bem como dos paramentos, objectos de culto e livros litúrgicos, é no geral
medíocre, a exploração económica está, na maioria dos casos, longe de restituir uma imagem de
empenhamento activo, continuado e eficaz no máximo aproveitamento do potencial representado
pelo património da milícia, e, como já foi referido, a recolha das rendas, direitos e receitas fiscais
previstas pelas jurisdições da Ordem encontrava-se delegada em arrendatários.
Nas suas determinações gerais os visitadores, como já afloramos, retratam e evidenciam este
tipo de situações, ordenam medidas correctivas, fixam os prazos de execução das mesmas e
estipulam as coimas aplicáveis em caso de incumprimento, remetendo para o Mestre e/ou
respectiva chancelaria os casos que transcendessem as suas próprias competências.
De um modo geral, e de acordo com o que julgamos depreender das fontes por nós trabalhadas,
parece admissível que, no caso de ser regular, continuada e efectivamente obedecida, a
actividade dos visitadores pudesse constituir um instrumento de controlo administrativo da maior
relevância para o eficaz governo da Ordem.
Embora se torne necessário ponderar que essa irrupção, de certo modo intempestiva, no
acomodado quotidiano da vida das Comendas, representando inevitavelmente uma "ingerência"
que vinha sacudir e perturbar os interesses instalados, não deixaria de suscitar resistências
surdas, ou conflitos mais evidentes que, obviamente, este tipo de fontes não espelha.
Interrogamo-nos sobre a possibilidade desses atritos poderem ter contribuído, ao menos
subsidiariamente, para que a cadência fixada na Normativa acabasse por nunca ter sido
integralmente cumprida. E desse incumprimento decorrendo que o carácter interpolado e não
sistemático das visitações estudadas torna difícil, senão impossível, uma avalição do impacto
efectivo das anteditas determinações, bem como dos seus efeitos no aperfeiçoamento da gestão
económico-financeira, na melhoria das condições de vida das comunidades que habitavam nos
territórios da milícia de Avis, e no ministério espiritual de a Ordem estava incumbida.
Para tentar compreender as razões que poderiam justificar o ritmo inadequado das visitações, e a
necessidade da divisão do Mestrado em 2 comarcas, tentemos proceder a uma avaliação sumária
do esforço que as visitações poderiam exigir ao "aparelho administrativo" da Ordem de Avis.
O "primeiro ciclo" das fontes em estudo, correspondendo ao final de 1515 e Verão de 1516, tem
o seu início cerca de um trimestre depois do já referido Capítulo Geral da Ordem realizado no
convento do Espírito Santo de Setúbal, em 13 de Agosto desse primeiro ano de 1515, o 2.º
reunido sob o governo do Mestre D. Jorge, 12 anos depois do primeiro que – recorde-se – tivera
lugar na mesma vila em 2 de Agosto de 1503.
Como se contém no proémio da primeira visita efectuada neste antedito primeiro ciclo, após um
período de 12 anos decorridos sobre o Capítulo Geral anterior foram eleitos visitadores "pêra
avermos de visitar certa parte do mestrado que avia muytos annos que nom fora visytado e tinha
muyra njcicidade d aver mjster coregimentos e Reformaçam asy nas pessoas dos cavaleyros e
freyres da dita ordem como nos beens e posiçõesjurdições dereytos della que ao presemte
amdavam muy enleados"
Se interpretada literalmente, a referência limititativa a certa parte do mestrado poderia indiciar
que a situação evidenciada se reportava apenas a uma parcela das terras sob jurisdição da ordem.
E, a fazer fé nas fontes que trabalhámos, a região que necessitava de intervenção urgente estava
bem circunscrita e era limitada, visto que esse primeiro arranque fiscalizador e reformador,
desenvolvido entre Novembro de 1515, e os meses de Junho e Julho do ano seguinte incidiu
apenas sobre uma "corda" de três localidades fronteiriças: a cidade de Elvas, que distava de
Juromenha cerca de 3 léguas, o Alandroal, a outras 3 léguas desta última vila, sendo de realçar
que essa ordem de distâncias, mesmo na época a que nos reportamos, não era de natureza a
impedir que, terminada a visitação de Juromenha no dia 20 de Junho de 1516, as fontes refiram
que os visitadores se encontravam já no Alandroal no dia seguinte.
Mas suspeitamos que a ausência de uma reacção mais empenhada do que aquela que julgamos
entrever nas fontes estudadas não tenha ficado a dever-se à limitada circuncrição das áreas
problemáticas, mesmo tendo em atenção o facto de que nos debruçamos apenas sobre os
fragmentos de Arquivo que sobreviveram.
Se, um trimestre após o Capítulo Geral de 1515, em pleno Inverno, o que parece poder denotar
uma vontade de resposta institucional bem determinada, se inicia, logo em 18 de Novembro, a
visita à Alcáçova de Elvas, tal urgência pode ter-se prendido com o facto da Comenda se
encontrar vaga, e portanto sem "administrador em exercício" por morte de Diogo Velho que della
foy ultimo comendador ao tempo que se fez a dita visitação .
Embora se conheça que esta última personagem ocupava já a dignidade por ocasião do Capítulo
Geral de 1503, ficamos na ignorância do lapso de tempo decorrido desde o seu falecimento, e
ficamos cientes de que o provimento de um novo Comendador pode ter sido relativamente lento,
uma vez que Henrique Henriques de Miranda (precisamente um dos visitadores de 1515, o que
pode não ter sido coincidência)) só parece documentar-se como estando investido da dignidade
de novo Comendador da Alcáçova de Elvas em data um pouco anterior a 1 de Setembro de 1517
quando assinou ter recebido os 71 fólios que constituíam o texto da visitação que havia efectuado
cerca de dois anos antes.
A fonte sobre a qual trabalhamos (que refere uma visitação anterior, provavelmente ocorrida
entre 1503 e 1515 que, todavia, desconhecemos), fazendo embora menção da data do início da
visita ora em apreço, é omissa sobre o seu termo, e deixa-nos na ignorância acerca da respectiva
duração. Mas, embora com a necessária cautela, admitimos que tenha sido breve.
O novo Comendador Henriques de Miranda regista que recebeu os 71 fólios (na nossa fonte este
número não ultrapassam o inventário das vinhas aforadas pela Ordem) correspondentes à sua
anterior visitação; ora na fonte sobre a qual trabalhámos essa mesma visita ocupa 168 fólios,
sendo que apenas 28 respeitam à visitação propriamente dita, e os restantes 140 constituem o
tombo dos Reguengos e possessões que a ordem tem nesta cidade (de Elvas) e seu termo. É certo
que o texto em apreço constituiu como que uma "espécie de palimpsesto", visto encontrar-se
interpolado por referências a uma outra visitação (e a outro tombo) realizada em Abril de
1539 .Mas, cremos que do que fica exposto não parece inadmissível que os 71 fólios
correspondentes à versão da visita que Henriques de Miranda assinou em 1517 contivessem
apenas a visitação e, quando muito, um primeiro inventário de bens e possessões,
necessariamente mais sucinto do que aquele que se alonga por 140 fólios. na fonte por nós
trabalhada. E, se assim fosse, a visitação efectuada em Novembro de 1515 à Alcáçova de Elvas
poderia não ter execedido a duração média de 13 dias correspondente ás 2 visitas subsequentes
de 1516.
Ou seja: embora rápida na reacção aos problemas detectados, ou apenas novamente
inventariados por ocasião do 2.º Capítulo Geral do Mestrado em apreço, a actividade de visitação
terá ocupado apenas dois visitadores: (Henrique Henriques de Miranda, referenciado como
Comendador de Santa Maria do Castelo de Portalegre, e Alcaide-mor de Fronteira, e Frei Tristão,
precisamente o prior da igreja da Alcáçova de Elvas, e um escrivão, Brás Gato, escudeiro da
Casa do Mestre D. Jorge, que terão demorado, como aventámos acima, cerca de 12 dias na
Alcáçova de Elvas).
De acordo com as fontes estudadas essa actividade só seria retomada no Verão seguinte, mais
precisamente em 8 de Junho de 1516, dia em que a mesma "equipa" iniciou a visitação da
Comenda e heranças da vila de Juromenha que terminaria 12 dias mais tarde, a 20 do mesmo
mês.
A última visitação deste ano de 1516, sempre realizada pela mesma "equipa", iniciou-se a 21 de
Junho, dia imediato ao termo da visita antecedente (o que implicaria uma jornada de cerca de 2,5
léguas), encerrando-se 13/14 dias mais tarde, em 5 de Julho desse ano.Mais uma vez o texto por
nós estudado no livro 13 de visitações, embora referindo que a versão original se limitava a 34
fólios, abrange 67 onde se contêm anotações efectuadas em Abril de 1539 pelos mesmos
anteditos visitadores Francisco Coelho, cavaleiro da Ordem e por Frei André Dias, prior de Avis,
que incluímos já numa 2.ª fase dum 2.ª ciclo de visitações, iniciado em 1538.
Estas constatações levam-nos a admitir que as fontes em apreço possam ter resultado de um
processo "sedimentar" de deposição de sucessivas "actualizações", cujo percurso não
conseguimos reconstituir, embora se comprove que, no caso de se não terem efectuado outras
visitações intercalares, das quais, pelo menos, não temos notícia, possam ter decorrido cerca de
23 anos entre as duas séries de visitações à Alcáçova de Elvas, Juromenha e Alandroal que se
encontram referidas nas fontes em apreço.Hiato temporal bem diverso da cadência anual
consagrada na Norma e, convenhamos, demasiado alongado para uma gestão eficiente e
actualizada.
O que, resumidamente, indica que um conjunto de 2 visitadores e um escrivão, correspondendo à
urgência das situações retratadas no Capítulo Geral de 1515, visitaram entre o Inverno desse
último ano e o início de Julho de 1516 uma parcela correspondente a 3 das localidades que
integravam uma "cortina de postos fronteiriços" controlada pela Ordem e que se estendia desde a
cidade de Elvas, que fechava o secular itinerário de invasão a partir de Badajoz, a Olivença,
Juromenha, Alandroal, Terena, Mourão, Moura e Serpa.
Uma equipa de 3 quadros da Ordem dispendera cerca de 38/39 dias para visitar 3 localidades da
Ordem, todas elas muito próximas, o que se afigura exíguo e inadequado, tanto no respeitante
aos "recursos humanos" envolvidos, como ao aproveitamento do tempo (uma vez que,
aparentemente, outras visitas poderiam ter-se efectuado nesse espaço de muitos meses,
trabalhando e viajando ao mesmo ritmo) e ao produto final dessa tarefa, se comparada com a já
referida constatação do Capítulo de que essa " parte do mestrado avia muytos annos que nom
fora visytado e tinha muyta njcicidade d aver mjster coregimentos e Reformaçam".
Agravando a situação descrita, as fontes trabalhadas omitem visitações intercalares,
possivelmente efectuadas em 1516/1517, e seguramente em 1518, como se depreende do
conteúdo de uma carta de poder de finais de Outubro de 1518, que abaixo transcrevemos
parcialmente, e apenas no começo de Fevereiro de 1519 voltamos a ter conhecimento directo da
prossecução do esforço iniciado em meados de Novembro de 1515, com uma segunda série de
visitas que iriam encerrar este 1.º ciclo.
Uma nova equipa de visitadores seria encarregada desta tarefa, o bacharel D. Frei Nuno
Cordeiro, cavaleiro da Ordem, Prior-mor do convento e cavalaria de Avis e prior e beneficiado da
igreja de S. João de Coruche,
e Frei João Rolão, prior de Vila Viçosa. O escrivão das visitações, directamente nomeado pelo
Mestre foi Álvaro Eanes Pinheiro " nosso escudeiro e esprivam do almoxarifado davis que é
pêra isto bem alto suficiente e o fará beem e como se deve a nosso serviço cumprir".
Embora seja de admitir que este conjunto de membros de Avis possa reflectir uma escolha
ponderada por parte de D. Jorge, visando seleccionar gente com perfil adequado para a missão,
ele não corresponde todavia à proposta inicial, como se depreende do conteúdo de uma carta de
concessão de poderes assinada pelo Mestre, e selada com o seu selo, que Pêro Coelho escreveu
em Setúbal a 26 de Outubro de 1518, e que transcrevemos parcialmente:
"Dom Jorge etc…fazemos saber (…) que perquanto Lopo dazevedo que tínhamos ordenado a ele
e a dom frei Nuno Cordeiro pryor moor do nosso convento d'Avis por visitadores pera visitarem
certa parte do mestrado que per nossa carta levavam e o dito Lopo d'Azevedo tem outras
ocupações em nosso Serviço por que nom pode acabar a dita visitaçam Per esta cometemos e
damos poder ao Dicto Dom pryor que elle com frei Jhoam Rolam, pryor de vila viçosa faça e
acabe a dicta visitaçam asy nos lugares que jaa foram começados de visitar com o dicto Lopo
dazevedo como nos outros lugares que lhe tínhamos limitado que estam per visitar…"
Como vimos, Lopo de Azevedo, após um período em que, conjuntamente com o Prior mor D.
Frei Nuno, efectuou visitações documentadas, foi designado pelo Mestre D. Jorge para o
desempenho de outras missões entre Fevereiro e Outubro de 1518, sendo a "equipa" de
visitadores reconstituída com o prior de Vila Viçosa, e mantendo-se o mesmo escrivão.
Com excepção da Comenda de Albufeira, não alcançámos saber quais teriam sido os lugares que
jaa foram começados de visitar, nem temos uma noção, ao menos aproximativa, de quais
tivessem sido os outros lugares que lhe tínhamos limitado que estam per visitar. Mas, em
contrapartida, ficámos a saber que o Mestre queria que esse plano de trabalhos, fixado para a
dupla inicial de visitadores, ficasse integralmente cumprido até 24 de Junho de 1519 e também
que, efectivamente, foram realizadas, pelo menos, cinco visitações entre o começo de Fevereiro e
meados de Abril desse último ano.
Esses quase dois meses e meio de trabalho correspondem a um circuito de localidades centrado
em Avis, e realizado no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, com um raio máximo
correspondente a 4 léguas (Mora) e um raio mínimo inferior a 2 léguas (Figueira),
geograficamente uma parcela daquilo que talvez se pudesse considerar o "coração do Mestrado".
Esta parte final do "ciclo" iniciado em 1515 teve lugar na Comenda do Cano, no dia 9 de
Fevereiro de 1519, e prolongou-se por cerca de duas semanas, até 24 do mesmo mês. Uma
semana mais tarde, no dia 1 de Março, os visitadores davam início à visita da vizinha localidade
da Figueira, onde se demoraram apenas durante uma semana de trabalho dando a visita por
concluída a 8 desse mês. Mais uma vez somos confrontados com a relativa celeridade com que
se efectuavam as deslocações destas comitivas de dignitários da Ordem ao constatar que, ao cair
da noite do mesmo dia em que as fontes registam o termo dos trabalhos realizados na Figueira, (8
de Março) os visitadores se encontravam já na vila de Seda (quase 5 léguas), dando começo à
visitação desta última Comenda na manhã do dia 9. Permanecem na vila de Seda 19 dias, dando
os trabalhos – mais extensos que os precedentes e que correspondiam inicialmente a 70 fólios –
por encerrados em 28 de Março.
Recomeçaram a jornada, tendo chegado ás Galveias (um pouco menos de 4 léguas) no final do
dia imediato, dando início a esta penúltima visitação em 30 de Março. Permaneceram outra
semana na Comenda das Galveias, dando os trabalhos por terminados em 6 do seguinte mês de
Abril (46 fólios).
A despeito de terem pela frente uma deslocação superior a 4 léguas encontravam-se já em Mora
no dia seguinte (7 de Abril), no qual encetaram a derradeira visita deste ciclo, encerrada 10 dias
depois, a 17 desse mesmo mês, que ficou escrita em 36 fólios.
Ignoramos se estes visitadores se limitaram às cinco visitas contidas no livro em análise,
cumprindo assim o prazo fixado pelo Mestre, ou se vieram a afectuar-se outras visitas que as
fontes em apreço não contêm, as quais – se efectivamente ocorreram – podem ter, ou não,
decorrido até à data limite de 24 de Junho que lhes tinha sido determinada.
Quadro n.º 11
Quadro cronológico das 16 visitações estudadas

Localidade Data Fonte


Alcáçova de
18 Novembro 1515 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 13, fls. 2-168
Elvas
Juromenha 8 de Junho de 1516 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 13, fls. 174-259
Alandroal 21 de Junho de 1516 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 13, fls. 260-327
10 de Fevereiro de
Cano IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 15, fls ls 3-64
1519
Figueira 1 de Março de 1519 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 15, fls. 67-112
Seda 8 de Março de 1519 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 15, fls. 94-162
Galveias 29 de Março de 1519 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 15, fls. 202-248
Mora 7 de Abril de 1519 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 15, fls. 251-284
Avis ? 1538 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 14, fls. 1-44
18 de Setembro de
Galveias II IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 14, fls 69-90v
1538
23 de Setembro de
Seda II IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 14, fls. 94-162
1538
Figueira II 2 de Outubro de 1538 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 14, fls. 164-179
Cano II 4 de Outubro de 1538 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 14, fls. 181-204
Sousel 8 de Outubro de 1538 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 14, fls. 205 -222
Fronteira 10 de Outubro de 1538 IAN/TT., Livros do convento da Ordem Avis, nº 14, fls. 224-278v
Cabeço de Vide 23 de Outubro de 1538 IAN/TT., Livros do convento da Ordem de Avis, n.º 14, fls. 47-90v

O detalhe de informação que estes três códices da Ordem de Avis nos permitiu conhecer, merece
agora uma apresentação que tentaremos fazer com o rigor que as referidas fontes permitem.

3. As determinações gerais: um modelo de apresentação temática


No ponto anterior tivemos ensejo de propor a divisão das determinações gerais em duas grandes
dimensões: a espritual e a senhorial, tendo aflorado nessa ocasião a subdivisão dessas grandes
áreas nas temáticas que traduziam, evidenciando as preocupações genéricas mais salientes da
Ordem de Avis que os delegados do Mestre condensavam em normas incidentes sobre o universo
geral das comendas.
Em tese, poderíamos ser levados a crer que, abarcando um período de vinte e três anos, e
correspondendo ás grandes temáticas que teriam sido objecto de debate em dois capítulos gerais
separados por quase um quarto de século, as determinações gerais contidas nos dois ciclos em
que iremos dividir as visitações em estudo, diferissem sensivelmente do primeiro (1515-1519)
para o segundo dos supracitados ciclos (1538).
Levados pelo anacronismo de admitir que os processos de planeamento e controlo da execução
do planeado, de acordo com uma gestão por objectivos, seriam algo de intemporal e incrito numa
matriz metodológica e processual quase imutável nas suas grandes linhas, admititíamos (como
efectivamente admitimos a priori) que a génese e evolução destas determinações gerais tivesse
seguido um roteiro linear.
Iniciado o já referido processo de reforma da Norma, que se tinha começado a desenhar ainda no
reinado de D. João II, mas essencialmente desenhado e executado ao longo do Mestrado de D.
Jorge, primeiramente sob D. Manuel I e, posteriormente, sob D. João III, parecia admissível que
as Definições de Avis de 1503 tivessem saído de um período de consulta e reflexão sobre a
doutrina estatutária que deveria balizar a actuação dos clérigos da Ordem de Avis (priores,
capelães, beneficiados, tesoureiros e ajudadores). Como oportunamente salientou PIMENTA a
inexistência de dados sistemáticos sobre a preparação destes mesmos clérigos impede-nos de
formular juízos sobre a sua aptidão para o cabal desempenho das suas obrigações de missas,
sacramentos, festas, procissões, ensino religioso e actividade pastoral, coordenação da reparação
e manutenção das respectivas igrejas, ermidas e confrarias (em colaboração com os
manposteiros, recebedores da fábrica e mordomos), bem como o seu papel de intermediários e
interlocutores, mais próximos dos fregueses do que a maioria dos titulares das Comendas,
encarregados da divulgação das normas e preceitos da Igreja em geral, e da Ordem em particular,
bem como da respectiva interpretação e esclarecimento.
Analisando o elenco dos freires cavaleiros da Ordem de Avis e comparando-o com o estamento
social de origem dos Comendadores referidos nas fontes em estudo talvez seja possível concluir
que, nestes últimos, ressalta com clara evidência a sua exclusiva pertença aos escalões superiores
da sociedade. Origem essa que podendo indiciar capacidades de comando militar não implicaria
automaticamente a sua aptidão para as tarefas de natureza administrativo-financeira que
IZQUIERDO e BLANCO consideram "próprias de homens da sua condição". Ora o exercício de
efectivos comandos militares (a não ser nominalmente) por parte dos Comendadores de Avis não
é objecto de referências conclusivas nas fontes em apreço, sendo, em contrapartida, evidentes
algumas dificuldades, ou incapacidades intrínsecas, demonstradas nas funções administrativo-
financeiras.
Num período em que a reorganização da administração régia e a expansão ultramarina abriam
mais vastas e atraentes oportunidades de carreira para a nobreza, e a evangelização reclamava
quadros eclesiásticos, não espantará que os militares mais activos, os quadros administrativos
mais ambiciosos e capazes e os clérigos mais impregnados de zelo pastoral, pudessem encarar o
desempenho de cargos e dignidades no seio de uma ordem militar com as características daquela
que nos ocupamos, apenas como uma segunda escolha, ou uma ocupação subsidiária.
Uma das formas de suprir uma relativa escassez de quadros dedicados, assegurando um nível de
eficiência aceitável, consistiria precisamente na clara e inequívoca regulamentação das
respectivas funções e na fiscalizaçãos periódica dos desempenhos.
Tanto essa regulamentação de funções, como a capacidade de manter uma actividade
fiscalizadora regular, dotada com o necessário discernimento e poderes efectivos,
pressupunham a reorganização dos diversos escalões e instâncias da hierarquia funcional da
Ordem, e a colocação de homens de confiança nos seus postos-chave.
Sob o Mestrado de D. Jorge, com incidência a partir de 1503 como salientámos acima, mas
prolongando-se por todo o período em estudo, foram dados passos importantes para o
preenchimento destes requisitos prévios, mas não nos iremos deter neles, uma vez que se
encontram estudados.
Retomaremos antes o nosso propósito inicial de sublinhar que as determinações gerais constantes
na primeira parte das fontes em estudo surgem na sequência do Capítulo Geral da Ordem
efectuado em 1515 e apenas a visitação a S.ta Maria da Alcáçova , em Elvas, antecedeu as
supracitadas Regra e Estatutos de Avis, de 1516 na qual se continha aquilo que poderia
considerar-se como uma regulamentação processual das visitações. Registe-se que, na ocasião
em que se deu início á única visitações que sabemos ter sido efectuada no final desse mesmo ano
de 1515, ocupava já o cargo de Comendador-mór da Ordem de Avis D. Luís de Lencastre, filho
do próprio Mestre , a que acresce o facto de se ter realizado num quadro de urgência, motivada
pela vacatura ocasionada pela morte do respectivo Comendador, e provavelmente antes da
redacção final da Regra de 1516 que consagravam a antedita regulamentação processual das
visitações, poderá explicar algumas discrepâncias entre as determinações gerais nela constantes
e as registadas nas visitas subsequentes de 1516 e 1519. Mas, tendo presente a data da sua
realização, parece aceitável que os visitadores agissem já dentro do quadro de objectivos e
prioridades que, necessariamente, teriam sido definidos, escassos meses antes, no decurso do
Capítulo Geral desse ano.
Essas preocupações e objectivos, que irão acompanhar a cronologia do governo de D. Jorge,
encontram-se já retratados nas determinações gerais constantes na visitação à comenda de
Juromenha (Junho de 1516), plasmando um paradigma que se repetirá, quase de verbo ad
verbum até ao final desse ciclo, representado pela visitação à comenda de Mora, efectuada em
Abril de 1519.
Embora fosse legítimo esperar que, gradualmente, as visitações subsequentes fossem espelhando,
não apenas uma evolução das "políticas" e objectivos da Ordem, mas também a incorporação
correctiva dos feed baks decorrentes de anos sucessivos de visitações, mas tal não viria a
verificar-se.
Depois de quase duas décadas de hiato viremos a deparar-nos, ao longo de todo o ano de 1538,
com a repetição inalterável do paradigma de determinações gerais dimanadas da Regra e
Estatutos de 1516, plasmada num formulário em tudo idêntico aquele que ficara consagrado na
visitação desse ano, já longínquo, à comenda de Juromenha.
Entretanto havia morrido D. Manuel I, e o seu sucessor reinava há dezassete anos, quase tudo
mudara na política externa e na economia, eram substanciais as alterações ocorridas na
administração dum reino que, na ocasião, se encontrava já em plena pré-Reforma, a um ano o
início da actividade do Santo Ofício, e a dois da chegada dos jesuítas a Lisboa.
Impassível, monolítica na perspectiva contemporânea, a Ordem de Avis quase não tinha mudado
uma vírgula das suas determinações gerais permanecia encasulada num tempo paralelo, seu.
Uma vez que este conjunto de determinações gerais, ou mistas, não integrava os feed backs das
visitações antecedentes, nem incorporava novas preocupações que poderiam ter emergido ao
longo de vinte e três anos de inspecções periódicas, concluímos que espelhava, mais ou menos
fielmente, o quadro de objectivos saído do Capítulo Geral de 1515, quadro esse considerado
satisfatório e válido para uma conjuntura interna da Ordem que abarcou quase um quarto de
século.
Neste entendimento iremos reproduzir na íntegra a versão destas mesmas determinações gerais
precocemente plasmada na visitação de 1516 à comenda de Juromenha.
As determinações gerais constantes nesta visitação da comenda de Juromenha, incluíram áreas e
temáticas que não se encontravam na visitação precedente a S.ta Maria da Alcáçova, em Elvas,
cidade que não se encontrava sob jurisdicção da Ordem de Avis, e localidade onde, sob
circunstâncias peculiares, no final de 1515, se organiza a primeira das inspecções periódicas por
nós estudadas, e que constitui um caso singular no quadro das fontes em apreço.
Verificaremos que essa primeira visita de inspecção omitia determinações que constavam já na
visitação à comenda da vila de Juromenha, como era o caso, no atinente ao espiritual, do cargo
de manposteiro da fábrica de igreja, da guarda dos ornamentos das ermidas, da prestação de
contas pelos mordomo velhos aos mordomos recém-eleitos, da proibição de construir ermidas
sem licença do Mestre e da situação dos chamados "clérigos vagabundos".
No que respeitava ao temporal: a regulamentação da dada de terras em sesmaria era objecto de
uma regulamentação mais analítica e minuciosa, e das oito determinações gerais sobre o
temporal registadas nesta visitação, seis não constavam na visita à Comenda da Alcáçova de
Elvas com que iniciámos este trabalho.
Por essa razão, e tendo presente, não apenas o que sobre esta matéria ficou dito nas
considerações prévias deste capítulo, mas atendendo também a que este conjunto de
determinações contidas va visitação a Juromenha configura um modelo incessantemente repetido
naquelas com que viremos a deparar-nos futuramente, decidimos erigi-lo em paradigma,
anotando depois, e em cada visitação subsequente, os eventuais acréscimos e precisões
relevantes que cada uma delas registar.
Como teremos oportunidade de verificar, de uma maneira geral, os assuntos versados no
conjunto de documentos analisado incidem sobre dois grandes apanhados temáticos:

a) Sobre o espiritual
Como é habitual nestas inspecções periódicas ás ordens militares encontramo-nos perante um
conjunto de disposições respeitantes à prática religiosa que incidem sobre o comportamento e
obrigações dos clérigos da Ordem, dos fiéis em geral, ou associados em congregações, ao
património sacro edificado, à origem e aplicação dos fundos destinados à respectiva conservação
e dotação, aos paramentos, ornamentos dos templos, suas alfaias e vasos litúrgicos.
No entanto as dezanove disposições sobre matéria espiritual que geralmente seguem o paradigma
escolhido incidem sobre um âmbito relativamente mais vasto de assuntos, mas não se encontram
"arrumadas" na fonte de acordo com qualquer critério perceptível que tenha presidido à sua
enumeração sequencial.
Com efeito, as duas primeiras matérias abordadas respeitam aos Santos Óleos e à lavagem
periódica de corporais, palas e outros ornamentos litúrgicos,assuntos certamente pertinentes, mas
que embora não configurando as mais prementes precupações de índole espiritual que
poderíamos supor terem sido debatidas no Capítulo Geral antecedente, viriam a emergir como
uma das constantes destas visitações. È forçoso reconhecer o carácter eminentemente pragmático
destas disposições, mais ajustadas ao quotidiano da prática litúrgica das localidades a que se
dirigiam, do que a grandes debates teológicos ou a um esforço de inovação reflectido nos textos
normativos.
Agrupar as restantes por categorias nem sempre se torna fácil e evidente. Se admitimos que a
regulamentação das penas aplicáveis aos fiéis que se não confessassem nem comungassem, o
cumprimento do preceito de missa dominical, a enumeração das orações que os priores ou
capelães deviam ensinar aos fregueses, a encomendação do Mestre pelos fiéis e, talvez, a
celebração do santo patrono S. Bento se poderão enquadrar numa categoria genérica que tinha
nos paroquianos o seu destinatário final, já outras espelham preocupações de índole diversa.
A regulamentação do rezar da horas canónicas, do sair sobre as sepulturas às segundas-feiras e
do tanger das Ave-marias destinam-se inequivocamente a regulamentar e homogenizar
determinadas práticas do ritual em todo o Mestrado.
Por seu turno a determinação sobre o apontamento das faltas e incumprimentos dos priores
apresenta uma conotação marcadamente disciplinar à qual, sublinhe-se, não corresponde
qualquer medida paralela incidente sobre os incumprimentos dos Comendadores que, como
veremos, eram por via de regra responsáveis pelo pagamento do mantimento dos clérigos e
obrigados a uma parte leonina das obras, conservação, reparação e dotação das respectivas
igrejas, matérias geralmente remetidas para as determinações particulares.
Já as determinações gerais que impunham aos administradores das capelas que fizessem celebrar
as missas por clérigos da Ordem, ou a proibição de publicar cartas de prelados cujo conteúdo
fosse lesivo dos interesses da milícia de Avis e, de certo modo, a regulamentação da actividade
dos chamados frades e clérigos vagabundos que se encontrassem em terras do Mestrado poderão
incluir-se numa política de protecção das prerrogativas da Ordem.
Finalmente a proibição de edificar capelas ou ermidas sem autorização prévia do Mestre,
explicitamente referida pela norma, a criação e regulmentação das funções e privilégios dos
manposteiro, o direito à consulta dos testamentos por parte dos priores, a supervisão das contas
dos mordomos das confrarias eram medidas de natureza administrativa que visavam evitar
situações de desgoverno das estruturas que asseguravam o normal funcionamento da dimensão
espiritual.
Seríamos levados a considerar quase trivial, desgarrado e pouco ambicioso, este conjunto de
determinações gerais sobre o espritual que nortearam a Ordem Militar de Avis entre 1515 e 1538,
tendo presente a conjuntura religiosa europeia em que se inseriam, e as consequências
advenientes para a generalidade do mundo cristão, se o seu confronto com as determinações das
ordens militares de Cristo e Santiago não espelhassem, ao menos aparentemente, uma situação
de generalizado alheamento, em relação com as grandes questões que, nessa precisa ocasião,
dilaceravam a cristandade.

b) Sobre o temporal
Passando em revista as oito determinações gerais incidentes sobre matéria temporal verificamos
que 50% delas incidiam sobre matéria fiscal, mais concretamente sobre os dízimos, cujos
incumprimentos são analisados sob uma dupla perspectiva. Primeiramente na óptica da
intromissão dos priores que, depreende-se, algumas vezes, tendo presentes as frequentes
ausências dos Comendadores se viam colocados na posição de "diginitários mais graduados" da
Ordem presentes no terreno, sendo chamados – ou erigindo-se – em decisores sobre importantes
questões tributárias. Ou ainda, embora no âmbito do seu munus pastoral, absolveriam os
tributados que de algum modo se teriam eximido ao cumprimento integral do estipulado, e
interpretariam casuisticamente as penas em que estes teriam incorrido, encaminhando o produto
das coimas para outros fins que não os previstos na leitura que a Ordem fazia do direito
canónico.
Nas perspectiva dos tributados contemplavam-se expressamente alguns dos subterfúgios e
expedientes mais frequentemente utilizados pelos lavradores para se eximirem ao cumprimento
integral da obrigação de dízimo, como ocorria com o modo com que efectuavam "cachos", ou se
levantava ou cereal das eiras sem a fiscalização prévia da parcela correspondente ao dízimo.
Por sua vez as determinações sobre as isenções do direito de portagem e as posturas concelhias
que fossem publicadas sem atempada notificação ao Mestre poderão entender-se como medidas
cautelares de salvaguarda da jurisdição e prerrogativas senhoriais da Ordem.
A minuciosa regulamentação da dada de terras não aproveitadas, recordando os objectivos
prosseguidos pela longínqua lei fernandina das semarias, explicita quais os mandatários da
Ordem susceptíveis de receberem poderes delegados para a afectuar, descrimina várias hipóteses
de titularidade de propriedades não aproveitadas, e a tramitação processual que deveria observar-
se em cada um dos casos , fixa prazos e penas por incumprimento, ao mesmo tempo que espelha
o antigo e generalizado conflito entre a agropecuária, a pastorícia, e as vinhas, pomares, courelas
de horta, levadas de moinhos, e mesmo terras de pão. Conflito esse de que teremos ocasião de
abordar, por ocasião da visitação a Fronteira em Outubro de 1538, um caso paradigmático que
opunha o fidalgo Brás Palha, proprietário de uma uma eguada, e os lavradores do concelho.
Finalmente, a determinação referente ás demarcações dos bens próprios da Ordem, que os
Comendadores deveriam efectuar periodicamente, bem como a sua sinalização com marcos
autorizados, e a fixação de lindes separatórias nas extremas, reflecte a necessidade de manter
actualizado o respectivo cadastro, e mimimizar as hipóteses de conflitos entre lavradores
confinantes entre si ou entre os bens da Ordem e herdamento na posse de terceiros.
Terminada esta sumaríssima introdução passaremos a elencar na íntegra, respeitando a ordem
constante na fonte, as determinações da visitação de 1516 a Juromenha, por nós consideradas
como um exemplo paradigmático para todas as outras localidades, as quais, apenas com ligeiras
variações ocasionais, os delegados do Mestre registaram nas restantes localidades visitadas.

• Aspectos religioso-comportamentais

1. Ácerca dos três óleos santos


A obtenção, conservação e correcto acondicionamento dos Santos Óleos, imprescindíveis para a
administração de alguns sacramentos, sagrações e bênçãos, colocava problemas que começavam
na sua recolha, que deveria ser efectuada anualmente por um clérigo de ordens sacras na sede
episcopal, no domingo de pascoela subsequente à respectiva bênção, efectuada na quinta-feira
Santa. Essa recolha e transporte colocavam dificuldades, por vezes intransponíveis, como a seu
tempo teremos ensejo de constatar. De igual modo o acondicionamento dos Santos Óleos em
ambulas de estanho ou prata, devidamente fechadas, e colocadas numa caixa própria e em local
determinado dos templos, estava longe de ser geralmente observado nas igrejas da Ordem, como
também veremos. A determinação geral que a seguir se reproduz espelha essa situação.
Era ordenado ao prior, ou ao capelão, que tivesse permanentemente o santo óleo, o de crisma e
o óleo de ungir os enfermos, requerendo aos juízes e oficiais que os mandassem buscar por um
clérigo de ordens sacras no domingo de pascoela, como era obrigação deles.

2. Do lavar dos ornamentos


A preocupação com a pureza ritual, que percorre transversalmente as religiões monoteístas,
encontra-se patente nesta determinação em que se amalgamam os compreensíveis cuidados de
higiene, com a simbologia da pureza e da sacralidade dos ornamentos utilizados na celebração do
santo sacramento, cuja lavagem periódica, incumbia exclusivamente aos priores, capelães ou
clérigos de ordens sacras.
O cuidado posto na limpeza e conservação dos ornamentos espelhava a importância prestada a
todos os objectos ligados ao culto, cujo esplendor e dignidade seriam prejudicados pela sujidade
ou estado de degradação.
Neste entendimento determinava-se que os corporais, palas e todos os outros ornamentos que era
costume lavar, o fossem, pelo menos uma vez por mês, ou mais, recomendando-se ao Prior que
desta matéria se ocupasse com diligência, lavando-os por si, ou mandando-os lavar por um
clérigo de ordens sacras.

3. Penas para aqueles que não se confessassem nem comungassem .


Na religião católica, a confissão dos pecados próprios, feita a um sacerdote, é uma das três
condições necessárias para receber de maneira eficaz o sacramento da penitência, sendo as outras
duas a contrição e a reparação obrigatória do prejuízo causado ao próximo, ou da injúria feita a
Deus pelo pecador. O quarto concílio de Latrão (1215) estipulava que a globalidade dos fiéis, de
ambos os sexos, que tivessem atingido a idade da razão se confessassem pelo menos uma vez por
ano e comungassem pela Páscoa, sob pena de excomunhão e privação de sepultura cristã post
mortem.
Por sua vez a comunhão é, de acordo com a doutrina eucarística, o acto pelo qual os cristãos
recebem o corpo e o sangue de Jesus Cristo no sacramento da eucaristia.
Muito embora as primeiras contestações à eucaristia católica tenham sido formuladas em Leipzig
por Martinho Lutero em 1519, e mais tarde radicalizadas por Calvino, seria prematuro e
descontextualizado atribuir à influência da Reforma a preocupação manifestada pelos visitadores
de 1515- 1538 (e, já em 1476, pelo arcebispo de Lisboa D.Jorge da Costa) com o cumprimento
das obrigações de confissão e comunhão .
Que a situação de incumprimento desta determinação axial dos preceitos da prática cristã estaria
generalizada, e assumiria contornos de alguma gravidade, parece depreender-se da inusitada
severidade da pena que implicava prisão e pagamento de uma coima.

4. Que os administradores das capelas não mandassem rezar missas por clérigos de fora .
A prática de instituir capelas desenvolveu-se sobretudo após as leis de desamortização que
visavam dificultar a concentração de património fundiário na posse das igrejas.Foram adoptadas
no reinado de D. Dinis medidas destinadas a limitar abusos e restringir as possibilidades de
aquisição de novas propriedades por parte da Igreja. Dentre estas medidas aquela que
especialmente nos interessa era proibição de legados pios, excepto sob a forma de aniversários e
capelas, cujos bens seriam deixados a um leigo que mandaria cantar as missas estipuladas e
pagaria os tributos régios e concelhios "Mais tarde, em resposta a um dos artigos que lhe foram
submetidos pelo clero no decurso do seu reinado, D. Afonso V reafirmaria que podiam ser
deixadas propriedades a leigos a título de aniversários ou capelas"
Julgamos que capela neste contexto se estenderia aos, por vezes designados, morgados
eclesiásticos com administadores leigos. D. Manuel I distinguiu os morgados das capelas
esclarecendo que nos morgados existia um rendimento certo para o encargo, e todo o
remanescente era destinado ao administrador, enquanto nas capelas se encontrava fixado um
rendimento certo para o administrador, ficando o remanescente consignado ao custeio dos
encargos pios. Os intituídores das capelas dotavam-nas com determinados bens cujo rendimento
global, exluída a "remuneração" do administrador, deveria custear certos encargos pios que
incluíam geralmente a obrigação de missas, a celebrar em determinadas ocasiões de acordo com
a intenção dos instituidores , geralmente por um clérigo exterior à igreja, e preferencialmente
pertencente à linhagem dos fundadores. Estes leigos (no caso os administradores de capelas)
encarregar-se-iam de pagar com o produto da exploração desses mesmos bens, as missas e outras
formas de culto ligadas ao ofício dos defuntos , que, como acima referimos, eram geralmente
celebradas por clérigos exteriores à igreja, e preferencialmente pertencentes à linhagem dos
instituidores. Fosse por economia de gestão da capela, ou por preferência dada a parentes, ou por
deleixo dos sacerdotes pertencentes à instituição constata-se que os clérigos da Ordem de Avis se
sentiam descriminados.
Encontramo-nos assim perante uma medida destinada a salvaguardar direitos, tanto mais que
alguns dos administradores de capelas instituídas em localidades sob jurisdição de Avis eram eles
próprios clérigos, talvez descendentes dos instituidores, mas que não encontramos referênciados
como fazendo parte desta ordem militar
5. Sobre o rezar das horas.
As horas canónicas constituíam uma obrigação fundamental do prior e dos raçoeiros. De acordo
com BOUUAERT o seu objectivo era o seguinte : "…d’assurer, sous un triple aspect,
l’éxécution dês obligations du chrétien envers Dieu: d’abord, le devoir de prière, ensuite, les
devoirs de la prière vocale; enfin, celui de la fréquence journalière de la prière". Em número de
oito (laudes, prima, tercia, sexta, noa, vésperas, completas e matinas) essas horas canónicas
foram sendo aligeiradas para o clero secular. No século XIII, foi criado em Roma um breviário
que reunia, de modo sucinto, todas as obras necessárias ao culto. Nele estavam contidos ofícios
mais curtos do que as horas canónicas até aí rezadas e que foi rapidamente adoptado. Estas
orações começavam a ser rezadas pelo prior e raçoeiros antes do despontar do dia, prosseguindo,
com interrupções mais ou menos prolongadas, até ao tombar da noite. O prior e os raçoeiros
deviam comparecer também à missa capitular, celebrada depois da hora de tércia .Tendo sido
salientada a importância da presença ás horas canónicas, como veremos rezadas dentro da igreja,
restava ainda uma questão de dignificação, atitude e indumentária adequada, nesta determinação
materializada pela recomendação geral do uso de sobrepeliz . Louvamo-nos na opinião de
RODRIGUES que considera que havia frequentes infracções a esta regra (do uso da sobrepeliz)
o que prejudicava a solenidade dos ofícios e a compustura dos clérigos Acrescentaremos apenas
que a menção ao rezar das horas "no domicílio" inviabilizaria qualquer tentativa de fiscalização
efectiva dessa obrigação, tudo preocupações constantes na determinação que a visita inclui.
Muito embora as infrações fossem extensivas aos raçoeiros, documentadamente existentes, por
exemplo: na comenda da Alcáçova de Elvas, estes encontravam-se sob jurisdição episcopal, logo
não abrangidos pelas determinações dos visitadores.

6. Do sair sobre as sepulturas à segunda-feira .


"Ir sobre as sepulturas com a cruz e água benta", prática, inicialmente apenas contida nas
disposições de alguns testadores, e levada a cabo após o soterramento, acabou por ser
generalizada pela Igreja, que a tornou obigatória às segundas-feiras, e extensivo a todos os
finados, e não apenas aqueles que tivessem deixado bens destinados à sua realização . Em 1982
Maria Ângela Beirante escrevia: " está por fazer a história da morte em Portugal" . Desde essa
época a lacuna apontada tem vindo a ser preenchida , salientando-se, no que respeita à incidência
deste trabalho, o contibuto de MATA que sublinhava a propósito "A ritualização e persistência
das práticas que plasmam o acontecimento fúnebre, num período onde a incerteza da vida era
marcada pela certeza da morte, mas de uma morte quase sempre (fatalmente) antecipada, não
abandonou o homem; faz parte do seu ambiente sociológico e mundovivencial" A relação entre
os vivos e os finados interpenetrava-se de modo a atingir uma diálise e um equilíbrio em que os
valores, e a entreajuda, entre esses dois "universos" era ritualmente pontuada por práticas
destinadas a manter uma relação de "solidariedade" entre uns e outros. Na sua tarefa de
incorporação das celebrações do pranto pagão dos vivos a Igreja procurou converter os actos
fúnebres em acontecimentos cristianizados, rituais de passagem para uma outra vida.
Mas pretendia-se também que a memória dos mortos permanecesse " no seio da comunidade dos
vivos, não como manifesto metafísico, mas antes como construção real, ordenada e visível,".
Neste contexto, que é ainda o da época de que nos ocupamos, existia uma associação de
próximidade física entre o lugar sagrado do templo, depositário de relíquias dos santos, que
confortava os fiéis e os levava a procurar sepultura no interior da igreja ou, ao menos, no adro
adjacente, numa espécie de associação grupal favorecedora da salvação eterna, viabilizada
através de uma espécie de aliança entre vivos e mortos estabelecida por uma relação de
reciprocidade.

7. Como deveriam ser apontadas as faltas do prior.


Quer se tratasse de um priorado ou de uma simples capelania o ministro titular tinha funções de
cura das almas que implicava residência, administração de sacramentos e e celebração de missas
pro populo. Assim, O prior seria informado de todas as missas a que era obrigado, e por cada
missa que falhasse no domingo ou festas , pagaria por ela 20 reais. Os pontos e faltas que o prior
tivesse feito seriam dados aos oficiais do concelho.

8. Do manposteiro
Personagem que deveria ser eleito em cada Igreja com a função específica de pedir uma
contribuição todos os domingos para a fábrica,o que faria juntamente com o Comendador, no
caso deste se encontrar presente.
Para os que desempenhassem tal função, o Mestre escusava dos encargos do concelho.

9. Que se não publicassem cartas de nenhum prelado contra a Ordem.


Os visitadores ordenaram ao prior que não publicasse, em consentisse que alguém o fizesse,
cartas de nenhuns prelados contra a Ordem, ou susceptíveis de prejudicarem os seus direitos, sob
pena de ser preso e castigado.

10. Sobre quem guardaria os ornamentos das ermidas.


Ficou determinado que todos os ornamentos das ermidas (ouro, prata,b e roupa) fossem
entregues aos mordomos delas, mediante inventário, perante o escrivão da câmara, que os
responsabilizaria pela entrega..
Nas ermidas onde não existissem mordomos, caberia ao Prior esta função.

11. Os mordomos novos deveriam pedir contas aos velhos.


Os mordomos das confrarias e das ermidas conservavam em seu poder os fundos delas e, quando
prestavam contas, ficavam a dever dinheiro, com o consentimento dos oficiais e mordomos
novos.. Por esta razão determinaram que sempre que algum mordomo terminasse o seu tempo,
tivesse vinte dias de prazo para prestar contas ao novo mordomo perante os oficiais, e que tudo
aquilo que ficasse em dívida, o fizessem logo entregar, sob pena de o pagarem de suas casas.

12. Proibição de edificar ermidas sem licença do Mestre.


Como verificaremos ao longo das visitações em estudo eram demasiado numerosas as ermidas
edificadas em localidades sob jurisdição da Ordem de Avis, já que a maioria delas não possuía
quaisquer bens ou rendas próprias. È certo que uma parte delas se mantinha por devoçãos dos
fiéis que as conservavam e, nalguns casos, chegavam a reedificá-las, algumas eram centro de
romarias, ou objecto de especial devoção. Mas uma percentagem elevada jazia em ruínas, ou
encontrava-se em mau estado de conservação, sem paramentos nem alfaias litúrgicas, sendo
altamente provável que a maioria destas últimas não se encontrasse aberta ao culto. A
determinação em apreço constituía uma medida profiláctica destinada a suster a proliferação de
situações análogas ás descritas.

13. Sobre os frades e clérigos vagabundos.


Era sabido que muitos frades e clérigos chegavam ao Mestrado de Avis sem licença dos seus
prelados, e se deixavam ficar, celebrando na situação de excomungados, com grande dano das
respectivas consciências. Querendo atalhar esta situação os visitadores ordenaram ao prior que
não desse guisamento a nenhum frade ou clérigo para celebrar, nem tão pouco o consentisse, a
menos que fosse exibida licença do Mestre ou do D. prior.

14. Sobre os que não estivessem ao domingo dentro da igreja.


De acordo com o direito, os fregueses eram obrigados a ouvir missa inteira aos domingos e
festas, o que muitos não faziam, antes saíam do templo e ficavam, na própria expressão dos
visitadores, " a palrar e a murmurar", escassamente regressando ao interior da igreja no momento
da elevação, o que era considerado" sinal de pouca fé e devoção".
Querendo corrigir esta situação os visitadores determinaram que qualquer freguês que não a
assistisse a toda a missa do dia, e saísse fora da igreja enquanto esta se encontrasse a ser dita,
fosse condenado em cinquenta reais, metade para o alcaide, e metade para quem o acusasse.
Tendo consciência das dificuldades que enfrentariam os fregueses residentes no termo da vila em
cumprir o determinado sobre esta matéria, os enviados de D. Jorge optaram por uma pedagógica
moderação, como se infere da passagem seguinte "O prior, ou cura, deveria admoestar os seus
fregueses para que aos domingos e festas principais viessem à igreja. De cada casa marido e
mulher, mas no tocante áqueles que habitavam o termo, num domingo o marido, e no outro a
mulher"
Mas na hipótese (aliás provável) de que a admoestação não fosse universalmente cumprida o dito
prior, ou cura, faria um rol com todos os faltosos e entregá-lo-ia ao mamposteiro para que este
cobrasse aos faltosos as supracitadas penas.

15. Da festa de S. Bento.


Os visitadores consideraram ser muito justificado que a festa do patrono S. Bento se celebrasse
honradamente, uma vez que era a cabeça da Ordem. Nesse sentido ordenaram ao prior que
anualmente, no dia do santo padroeiro, dissesse as vésperas e missa cantada, contanto que
dispuzesse de clérigos para o fazerem. E também que, antes da missa se realizasse uma procissão
que percorreria as ruas principais da vila, com os juízes e vereadores e a gente que aí se
encontrasse, regressando à igreja para a missa cantada. Foi recomendado ao prior que isto fosse
feito com a maior solenidade possível.

16. Das orações que o prior devia ensinar nas estações.


Uma vez que todo o fiel cristão era obrigado a saber o pater noster, Ave Maria e o credo ym deum
e os priores e curas estavam obrigados a ensiná-los aos fregueses, os visitadores mandaram que
aos domingos do advento, septuagéssima e quaresma dissessem na estação estas oraçõeso de
modo a que todos pudessem aprender bem.

17. Da vista dos testamentos.


Parece admíssivel que os legados pios nem sempre fossem expressamente declarados, e
cumpridos, pelos herdeiros. De igual modo sucedia que a intenção ligada a certos bens das
igrejas tivesse acabado por cair no esquecimento dos clérigos ou dos familiares dos legatários,
por negligência ou "amnésia intencional". Nesta eventualidade, para dissipar dúvidas ou para
restaurar a vontade dos supracitados legatários, era recomendada a consulta aos livros ou tábuas
de aniversários, onde se encontravam registadas as propriedades a eles vinculadas, o seu
rendimento e, ocasionalmente, o nome dos lavradores que os cultivavam no momento da
respectiva redacção. Já os testamentos se encontravam na posse dos tabeliães, o que justificaria
uma ordem que tivesse por objectivo a acessibilidade aos cartórios dos mesmos com um intuito
semelhante. A este propósito observa certeiramente MATA "Não será tanto a questão espiritual,
ou se o é, o património deixado à Igreja também é essencial. É desta forma que a Igreja vê
aumentar as suas propriedades fundiárias e ao mesmo tempo, através da multiplicação de ofícios
divinos enquadram os fiéis numa lógica do ritual da morte" E, pela nossa parte seríamos tentados
a acrescentar que as receitas cobradas pelos celebrantes das missas, aniversários, e ofícios, talvez
não fossem de todo despiciendas.
Os delegados do Mestre ordenaram ao prior que requeresse aos juízes e tabeliães que lhe
facultassem a consulta de quaisquer testamentos que ele quisesse ver em razão de alguns
encargos de missas ou aniversários que os defuntos pudessem ter deixado e que o prior deveria
fazer cumprir.Os mesmos visitadores recomendaram que esta determinação fosse
escrupulosamente cumprida, sob pena de os supracitados juízes e tabeliães perderem os seus
ofícios.

18. Sobre o tanger das Ave-marias.


Verificou-se que alguns priores do Mestrado eram negligentes no mandar tanger as ave-marias, o
que parecia demonstrar pouca devoção, e querendo corrigir isto, os visitadores ordenaram a
todos os priores e tesoureiros que todos os dias tangessem as Ave-Marias ás horas habituais do
cair da noite, sob pena de pagarem por cada vez (que o não fizessem) cem reais, metade para a
fábrica, metade para quem acusasse. E mandaram ao escrivão da câmara, sob pena de privação
do ofício, que tivesse o encargo de apontar por cada vez que o prior e o tesoureiro falhassem,
tansmitindo essas faltas aos oficiais para lhes descontarem nos mantimentos, cem reais por cada
vez, e os oficiais transmitiriam o rol das faltas ao Comendador para se concretizar o dito
desconto E, quando não fossem acusados, não pagariam
Foi recomendado aos sobreditos que, na derradeira badalada, tangessem um pouco o sino para
que se soubesse que tinha sido dada a ave-maria

19. Que o prior encomendasse ao povo na estação o senhor Mestre.


Os visitadores rogaram e encomendaram ao prior que nas suas estações encomendasse sempe ao
povo que todo ele rogasse pela vida e estado do Mestre, e que deus lhe desse a entender como
virtuosamente poderia reger o Mestrado a seu serviço e bem de todos os moradores.

a) Aspectos de gestão senhorial

1. Da demarcação que o Comendador deveria fazer.


Com o intuito de que as propriedades da Ordem andassem sempre em bom recado, e sem se
poderem "enlear" foi ordenado ao Comendador que nos primeiros seis meses seguintes fizesse
demarcar com marcos autorizados os reguengos e propriedades da Comenda com autoridade da
justiça, e fizesse um auto da dita demarcação em público, o qual seria enviado pessoalmente aos
visitadores, ficando com o original em sua posse, Essa demarcação seria efectuada pelas
confrontações e medidas das propriedades que ficavam no cabo da visitação, de tal modo que das
medidas apuradas não faltasse nada.

2. Isenção da portagem
Sendo conhecido que algumas pessoas se escusavam de pagar portagem, alegando para tal
privilégios, situação que ocasionava muitas dúvidas e diminuição nas rendas da Ordem, os
visitadores determinaram que, daí em diante, ninguém fosse escusado de pagar portagem, mesmo
que exibisse privilégio para isso, porquanto o Mestre detinha um privilégio do rei no qual se
delarava não ser intenção do monarca ocasionar prejuízos acarretados pelas isenções de algumas
pessoas.

3. Sobre o levantar o pão nas eiras.


Verificava-se que alguns lavradores, sem temor de deus e com dano das suas consciências,
levantavam o pão das eiras e o recolhiam, e só depois pagavam o dízimo, mas como queriam, e
não como deviam. Para atalhar estas situações foi ordenado que nenhum lavrador, uma vez que
tivesse o pão limpo o levantasse da eira sem informar primeiro o mordomo ou dizimeiro para que
este viesse, no prazo de três dias durante o qual os lavradores seriam obrigados a esperar que
viessem partir e dizimar. No caso desse prazo haver expirado poderiam então os lavradores
dizimar o seu pão perante duas ou três testemunhas, deixando o dízimo na eira.
Este procedimento observar-se-ia sempre qua algum lavrador pretendesse malhar ou debulhar
alguns feixes, a que se costumava chamar mosto, para ajudar a recolher o seu pão. Neste último
caso não o poderiam levantar da eira sem chamar previamente o mordomo ou dizimeiro, sob
pena de o perderem.
Os visitadores pretendiam que esta determinação fosse igualmente aplicável aos gados e a todas
as outras coisas sujeitas ao dízimo: que nada fosse dizimado sem avisar previamente o mordomo,
e onde fosse costume aguardar mais dias do que os três, ordenaram que esse costume fosse
mantido.

4. Sobre os cachos.
Fora apontado por alguns Comendadores do Mestrado que muitos lavradores que não queriam
pagar inteiramente o seu dízimo, faziam muitos cachos dos quais se não dizimavam, sem
embargo de que , em sinal de universal senhorio, tinha sido ordenado por nosso senhor que
inteiramente se pagasse o dízimo de todos os frutos que a terra dava.
Perante esta infracção os visitadores ordenaram que, de aí em diante,os lavradores se dizimassem
também dos ditos cachos, e os orçamentassem de acordo com os alqueires que eles poderiam
representar para que, de acordo com esse orçamento fosse pago o dízimo.Em alternativa
poderiam os mesmos lavradores pagar o dízimo pelos ditos cachos no caso de os não quererem
orçamentar.

5. Das posturas do concelho.


Verificando-se que, por determinação régia, os concelhos do Mestrado não podiam fazer posturas
nem acordos sem se encontrar presente um representante da Ordem, os visitadores proíbiram este
concelho e seus oficiais de fazer acordos ou posturas na sua câmara que respeitassem à dita
Ordem e suas rendas e direitos sem o notificarem ao Mestre, caso este se encontrasse presente no
lugar e, não estando, o notificassem ao mordomo em exercício.

6. De como se haviam de dar terras em sesmaria.


Esta determinação, que consta na precedente visitação a S.ta. Maria da Alcáçova de Elvas,
encontra-se sensivelmente ampliada na presente versão, que corresponde ao texto mais elaborado
das respectivas normas com que iremos deparar em visitações subsequentes. Por este motivo, a
partir desta visitação, limitar-nos-emos a anotar a sua presença, sem a reproduzir na íntegra.
Tendo encontrado em numerosas comendas muitas terras baldias e desaproveitadas, situação de
que a Ordem recebia muita perda e dano. E tendo em conta que essas mesmas terras não tinham
sido dadas a quem as aproveitasse devidamente, tornava-se necessário corrigir essas situações e
acautelar o futuro, de modo a que as propriedades fossem trabalhadas e a Ordem não perdesse os
seus direitos.
Assim, durante todo o período em apreço foi repetidamente ordenado aos Comendadores que,
daí em diante, dessem essas mesmas terras em sesmaria, ou, não o fazendo pessoalmente,
delegassem essa faculdade numa pessoa da Ordem que as distribuísse convenientemente,
salvaguardando-se os coutos dos concelhos uma vez que eram necessários para o pasto dos gados
dos moradores desses mesmos concelhos. Muito embora o princípio geral fosse o da não
distribuição de terras no interior das demarcações desses mesmos coutos, não se excluía
totalmente a hipótese de dar terras no interior deles para fazer hortas e pomares. Mas com a
condição de que aqueles a quem essas mesmas terras fossem distribuídas as vedassem
convenientemente na presença e com conhecimento de homens bons. E encontrando-se deste
modo protegidas e tapadas passariam a ser defesas e coimeiros.
Em todos os outros locais onde as terras a distribuir fossem próprias da Ordem o Comendador
(ou os seus delegados, ou ainda o prior na ausência dele, ou dos respectivos delegados) as
poderia aforar explicitando nos contratos que, no prazo de um ano, esse aforamento deveria ser
objecto de confirmação por parte do Mestre, sem a qual confirmação o contrato não seria válida.
Essas sesmarias seriam concedidas observando as solenidades que as Ordenações e Capítulos do
reino prescreviam para tais situações, de tal modo que se pudessem fazer as respectivas cartas em
forma. Mas antes que os sesmeiros mandassem fazer as ditas cartas iriam ver pessoalmente as
terras em causa na companhia do escrivão e de um homem bom do concelho
Essas últimas cartas seriam assinadas pelo Comendador, ou seu mordomo, ou o prior, e feitas por
tabelião público, tomando-se nota nos livros do escrivão. E nessas mesmas cartas se conteria
expressamente que as terras em causa tinham sido dadas em sesmaria com a condição de que não
impedissem os gados dos moradores dos concelhos de pastar nas ditas terras, nem beberem
àguas, nem cortar lenha, ou tirar carvão, pedra ou barro e outras coisas necessárias ao povo.
Muito embora, em contrapartida, esses mesmos gados não devessem danificar as searas de pão,
vinhas, pomares, hortas e todas as outras benfeitorias, tal como valados, levadas e moinhos.
No caso de, indevidamente,os sesmeiros tentarem impedir o pastio dos gados e as outras
utilizações acima consignadas, pagariam de pena mil reais por cada vez que tal sucedesse,
metade para a chancelaria, e a outra para quem acusasse , ficando essas mesmas terras devolutas.
Recomendava-se que tivessem em atenção não dar mais terra de sesmaria do que aquela que
vissem que a pessoa que pedira a dada fosse capaz de aproveitar. Encontrava-se prevista a
hipótese de poderem vir a ser pedidos em sesmaria bens que jazessem perdidos e dsaproveitados
há dez, vinte, trinta, quarenta, sessenta ou mais anos, e viesse a apurar-se que os bens em questão
pertenciam a capelas. Nessas situações, aqueles a quem tinha sido delegado o poder de dar terras
em sesmaria, deveriam requerer aos administradores das ditas capelas que aproveitassem os bens
em apreço, fixando para tanto um prazo de tempo que parecesse conveniente e, no caso de não
serem aproveitados dentro do prazo fixado, o fariam saber ao Mestre para que este sentenciasse
de acordo com o serviço de deus e bom proveito da terra .
De igual modo, se estivessem em causa bens de igrejas ou de mosteiros, mandariam requerer aos
priores e guardiães dos ditos mosteiros que se os não quisessem aproveitar o fariam saber ao
Mestre, tal como acima fora dito
E no caso de se tratar de bens de órfãos requereriam aos juízes dos órfãos que constrangessem os
respectivos tutores, ou a quaisquer outras pessoas que tivessemm o encargo desses mesmos bens
a que as aproveitassem dentro de determinado prazo, e não o fazendo, dar-se-ia também
conhecimento ao Mestre.
Se fossem bens de homiziados que andassem ausentes notificariam as respectivas mulheres para
que lhes comunicassem, por auto que disso se faria, que as deviam aproveitar dentro de um
determinado prazo. E se não tivessem mulheres deveria inquirir-se se existia alguém que tivesse
o encargo delas, notificando-o para que as aproveitasse dentro de um determinado prazo. E não
tendo mulheres, nem pessoas encarregadas desses mesmos bens, notificar-se-iam parentes ou
amigos, fazendo-lhes saber que os deveriam aproveitar. E esta notificação seria feita de tal modo
que, não aproveitando os bens em causa no prazo que lhes fora fixado, seriam dados em sesmaria
a quem os pedisse .
Na eventualidade de se encontrarem algumas terras já dadas em sesmaria, sem serem
aproveitadas, se aqueles a quem tinham sido dadas lavravam apenas parte delas, e deixavam
outra parte por lavrar e aproveitar, em tal caso requereriam a estes últimos que as lavrassem por
folhas segundo o costume da terra, marcando-lhes o prazo que fosse justo para as lavrar e
aproveitar. Se fossem encontradas algumas vinhas ou olivais cheios de mato requereriam aos
respectivos donos que os aprveitassem dentro do prazo de dois anos, fazendo auto disso. E não as
aproveitando dentro do do tempo fixado, as dariam de sesmaria, procedimento que também se
aplicaria às terras onde fosse costume dar sesmarias sem foro .
Deveria ser concedida licença aos que quiserem fazer moinhos de água com a condição de que
pagassem algum foro à Ordem, além do dízimo ou conhecença a que estivessem obrigados, e
nesses casos o aforamento seria dado em fatiota para sempre.
7. Que o prior não se ocupasse dos dízimos sem especial comissão do Mestre.
Tendo sido conhecido que alguns priores se intrometiam nas demandas sobre os dízimos que os
seus Comendados traziam perante eles, os delegados do Mestre consideraram este procedimento
coisa muito odiosa para as partes, porquanto os ditos priores eram pagos dos seus mantimentos
pelos mesmos Comendadores, e este procedimento ocasionava assim alguma suspeição. Para
evitar este e outros inconvenientes os visitadores proibiram os priores de se ocuparem destas
matérias sem comissão especial do Mestre. E, caso assim não procedessem, as suas sentenças
seriam havidas por nulas, e ficariam obrigados a pagar ás partes todas as custas e danos, uma vez
que os Comendadores podiam requerer ao Mestre cuja sentença lhes daria provisão sobre o
assunto

8. Sobre o pagamento dos dízimos sonegados.


Como tivemos ensejo de constatar anteriormente o correcto pagamento dos dízimos constituía
uma das prioridades da Ordem, tanto mais que, como se comprova pela disposição que a seguir
se refere, alguns dos priores do Mestrado, por ignorância ou interpretação divergente do
estatuído sobre o assunto, concorriam para uma multiplicidade de critérios de cobrança julgada
lesiva dos interesses da Ordem.
Os visitadores haviam sido informados de que alguns priores do Mestrado, não temendo a deus
nem as penas e censuras que por direito eram impostas aos que tal coisa fizessem, com grave
dano dano das suas próprias conciências, bem assim como das dos fregueses, ás vezes os
absolviam por não se haverem dizimado correctamente, e lhes mandavam pagar o mal dizimado
para outra obra, de acordo com o seu entendimento. Sendo certo que o procedimento correcto
consistiria em lhes mandar pagar e restituir, inteiramente e nos termos estipulados, os tais
dízimos que não tinham satisfeito, a quem de direito.
No intuito de corrigir estas práticas os delegados de D. Jorge decidiram que os priores que tal
fizessem incorressem em graves penas e censuras por direito. E em relação ás almas tanto as
deles, priores, como as daqueles que deste modo tinham sido mal abolvidos seriam condenados
ao fogo do inferno por nosso senhor.
Pelos supracitados motivos mandavam aos ditos priores, sob pena de privação de benefícios, que
tal não fizessem, mas antes nas confissões, estações e pregações ao povo, lhes encomendassem e
mandassem pagar o dízimo correctamente, e não absolvessem ninguém sem lhe mandar fazer
inteira restituição. Isto porque, segundo Santo Agostinho, aquele que mal se dizimava retirava
uma das dez partes que nosso senhor havia de lhe dar dos seus frutos, e mais, seria condenado
com a décima ordem dos maus espíritos que por sua soberba e desobediência haviam caído no
inferno.
Não se dando por satisfeitos com a explicitação dos fundamentos em que se baseavam, nem com
a enumeração dos gravíssimos riscos espirituais e penas temporais em que incorreriam os
prevaricadores, os delegados do Mestre terminavam esta determinação dirigindo-se aos priores
faltosos, a quem reafirmavam enfaticamente que seriam privados dos seus benefícios e
castigados muito gravemente como membros desobedientes ás determinações da santa madre
igreja e dos seus prelados.

4. As Visitações à Ordem de Avis no século XVI (1º ciclo - 1515-1519)


Quadro n.º 12
1.º Ciclo de visitas post- Capítulo Geral de 1515 (1515-1519)

Localidade Datas limite da visitação N.º de dias N.º de fólios Nº de fólios abrangidos
referidos na fonte
Alcáçova de Elvas 18.11.1515 -? ___ 76 Correspondendo a 168fls
Juromenha 8.6 - 20.6 de 1515 12 42 Correspondendo a 86 fls
Alandroal 21.6 - 5.7 de 1515 14 48 Correspondendo a 67 fls.
Cano 9.2 - 24.2 de 1519 15 56 Correspondendo a 64 fls.
Figueira 1.3 - 8.3 de 1519 7 46 Correspondendo a 46 fls.
Seda 9.3- 6.04 de 1519 19 70 Correspondendo a 85 fls.
Galveias 30.3 - 6.4 de 1519 7 46 Correspondendo a 42 fls.
Mora 7- 27.4 de 1519 20 36 Correspondendo a 33 fls.

A primeira constatação a retirar deste 1.º ciclo de visitações é a de que, exceptuando a efectuada
na alcáçova de Elvas, Comenda que, como vimos, se encontrava vaga por morte de Diogo Velho,
e exigiria um urgente "balanço" anterior ao provimento de um novo Comendador, todas as
restantes incidiram sobre vilas e localidades da Ordem, abrangendo 50% das terras que
pertenciam à milícia de Avis na comarca, mas apenas 27,48% dos moradores residentes na
globalidade das localidades da Ordem situadas na referida comarca, de acordo com os dados
retirados do Numeramento de 1532. Talvez seja possível detectar uma prioridade dirigida, em
primeira instância, para as vilas e lugares plenamente integrados no "património" da milícia de
Avis, relegando para uma fase ulterior as visitas ás cerca de 30 Comendas situadas em
localidades que não pertenciam à Ordem.
Com efeito, exceptuando a Comenda da Alcáçova de Elvas, que constituía uma excepção já
justificada, mas próxima do Alandroal, que pertencia à Mesa Mestral e ficava adjacente a
Juromenha, tornando lógica a sequência das primeiras visitas, as segundas, incidindo sobre as
localidades de Mora, Galveias, Seda, Figueira, e Cano que formavam um anel envolvente em
redor da vila da Avis, cabeça da Ordem, e eram, sem excepção, terras sobre as quais a Ordem
detinha jurisdição temporal e, portanto, um mais amplo controlo. Do nosso ponto de vista
justificava-se essa metodologia irradiante de "arrumar a casa"começando pela periferia imediata
de Avis nas localidades onde a Ordem detinha uma mais ampla jurisdição que, logicamente,
exigiria um maior controlo, justificado inclusivamente por um conhecimento próximo das
respectivas necessidades.
Se as razões desta prioridade se radicavam no desiderato de conseguir reforçar o controlo sobre
um "núcleo duro" do património, não é de excluir que outras razões tivessem presidido à escolha
das terras visitadas. Juromenha e Alandroal eram praças fronteiriças, sendo que a última, como
dissemos, pertencia à Mesa Mestral e justificava um interesse especial por parte de D. Jorge. Já
as quatro localidades visitadas em 1519 inscreviam-se no circuito periférico da vila de Avis,
cabeça da Ordem, e a sua selecção tanto pode ter obedecido aos critérios metodológicos acima
apontados, como a razões de natureza logística. Mas não é possível a fastar a hipótese de terem
existido outras visitações no mesmo período, e que estas tenham sido efectuadas noutras
localidades, obedecendo a critérios diversos.
Admitindo, como postulado, que a 1.ª visitação deste ciclo tenha tido uma duração equivalente à
média da soma dos dias empregues nas 7 visitas seguintes obteremos que nas 8 visitações
subsequentes ao Capítulo Geral de 13 de Agosto de 1515 tenham sido "investidos" 96 dias de
trabalho de uma equipa de 2 visitadores e 1 escrivão, ao longo de um lapso de tempo
compreendido entre 18 de Novembro de 1515 e 27 de Abril de 1519.
Ou seja: um pouco mais de 3 meses úteis para visitar cerca de 19% das localidades do Mestrado,
todas integrando o número daquelas que virão a constituir a 1.ª comarca, ao longo de um lapso
de tempo correspondendo a cerca de 41 meses.
É certo que existem referências a, pelo menos uma, ou possivelmente 2, visitas suplementares. E
não será de excluir a hipótese de se terem efectuado outras de que, todavia, não temos notícia.
Mas, mesmo assim, para uma milícia cuja componente humana se avizinhava do meio milhar de
membros efectivos (apesar de termos presente que apenas uma parcela destes últimos teria as
capacidades e qualificações indispensáveis para desempenhar as funções de visitador ou
escrivão), distribuídos por aproximadamente meia centena de localidades nas quais detinha
detinha possessões, ou os "recursos humanos" empregues e o lapso de tempo ao longo do qual se
arrastou um processo saldado por 8/10 visitações incidindo sobre duas áreas geográficas
limitadas, reflecte dificuldades de outra natureza, que não apenas as decorrentes da logística, ou
ainda um muito medíocre empenhamento e capacidade de resposta ás situações detectadas, e
inequivocamente mencionadas nas fontes acima referidas.
Verificando-se geralmente que este tipo de constatações raramente fica a dever-se a uma causa
única, não é – apesar de tudo - fácil de afastar a sensação de que o "aparelho administrativo" da
Ordem de Avis poderia estar condicionado, nesse primeiro quartel do século XVI, por aquilo que,
sem receio de incorrer em anacronismo, poderíamos caracterizar como "uma considerável massa
de inércia".
Constataremos existirem no conjunto das 15 visitações trabalhadas, diferenças, por vezes
flagrantes, outras menos evidentes, nas áreas de enfoque preferencial, na minúcia das análises e
no carácter revelador das intenções e prioridades que se patenteiam nas determinações dos
visitadores, diferenciando de algum modo as visitas efectuadas entre 1515-1519 e aquelas que
foram efectuadas em 1538.
Acresce que as primeiras tiveram lugar no contexto do reinado de D. Manuel I, e as segundas se
desenrolaram no quadro da administração de D. João III. Embora as comendas visitadas não
coincidam integralmente nos dois períodos, Cano, Seda e Figueira foram objecto de duas visitas,
separadas por quase duas décadas, o que permitirá avaliar, não apenas a evolução verificada
como o grau de cumprimento e eficácia de algumas das determinações contidas nas primeiras
visitas. Estas razões leváram-nos a dividir o conteúdo das fontes nos dois ciclos distintos (1515-
1519 e 1538), a que se acrescenta o núcleo constituído por Cano, Seda e Figueira, terras que,
pela repetição, exigem uma análise comparativa.
Por fim, e ainda antes de uma conclusão final, faremos um apanhado síntese dos dados
recolhidos pela nossa investigação, afinal, a única forma de poder ter uma noção avalizada para
responder ao desafio deste trabalho, a caracterização possível da Ordem Militar de Avis na
primeira metade do Século XVI.

4.1. Visitação de Santa Maria da Alcáçova: uma excepção na cronologia


O padroado da igreja de Santa Maria da Alcáçova de Elvas foi, como tivemos ensejo de referir,
concedido à milícia de São Bento de Avis em 26 de Março de 1303, em reconhecimento dos
serviços prestados pela ordem, designadamente na defesa do reino . Posteriormente temos
conhecimento de um acordo (composição) entre D. Afonso V e o bispo e cabido da cida de Évora
pelo qual o rei " ouue o padroado das igrejas de S. ta Maria da villa de Beja e S. ta Maria
dÁlcaçoua d’Eluas, e o bispo ficou com a igreja d’Arraiolos, e do Vimieiro, e das Alcaouas, e
com a herança de Monteagraço, e outras" Admitimos que esta composição tenha sido efectuada
ao redor de 1468, agindo o monarca em nome do governador da ordem, que era o príncipe-
herdeiro. Em termos práticos, e uma vez que o monarca agiria em seu nome e na qualidade de
responsável pelo governo da Ordem a alcáçova de Elvas permanece sob tutela de Avis
È possível que o facto de se tratar da primeira visita efectuada na sequência do Capítulo Geral de
1515 de que temos conhecimento possa ter-se ficado a dever, como já admitimos, à situação de
vacatura da Comenda por por morte do anterior titular. Mas talvez não seja totalmente deslocado
considerar-se que a urgência dum balanço sobre a igreja de Santa Maria da Alcáçova e respectivo
património pudesse estar de algum modo ligada ao interesse pela cidade manifestado pela
administração manuelina.
Interesse este, que aconselharia o Mestre D. Jorge a demonstrar uma célere solicitude, posta
primeiro na avaliação da situação local e, depois, no provimento de um novo Comendador. Este
último viria a ser, precisamente, Henrique Henriques de Miranda que, como visitador em finais
de 1515, ficaria com uma noção bastante clara dos problemas que iria defrontar na sequência do
seu provimento, decorrido pouco mais de um ano.
Com efeito, Elvas foi elevada a cidade por carta régia de D. Manuel I datada de 3 de Abril de
1513, e o mesmo rei tinha-lhe concedido foral novo em que se confirmavam os seus antigos
foros e privilégios em 1 de Junho de 1512. A nova cidade tinha voto em cortes com assento no
2.º banco.Verificando-se que não existia intramuros mais água potável do que a que era fornecida
pela nascente que alimentava o poço de Alcalá os procuradores desta cidade requereram nas
cortes de Lisboa de 1498 um subsídio para reparação do antedito poço. O monarca deferiu a
pretenção, tributando em 1 real cada arrátel de carne e peixe, e cada quartilho de vinho
consumidos em Elvas, constituindo assim o primeiro imposto do real d´agua a ser criado no
reino. A medida veio a revelar-se insuficiente, dando azo, logo em 1500, à edificação de um
aqueduto destinado a abastecer a praça com água do manancial da ribeira da Amoreira, a cerca
de 6 Kms da cidade. Mas a obra decorreu com lentidão e, apesar dum chafariz provisório junto à
cidade, que entrou em funcionamento logo em 1520, a água só viria a correr pela primeira vez no
interior de Elvas em 1622. Foi igualmente por iniciativa do Venturoso que a antiga igreja matriz
de Santa Maria dos Açougues foi reedificada no início de Quinhentos, com risco de Francisco de
Arruda, ampliando-se para três naves, com tal dignidade que veio a converter-se posteriormente
em Sé episcopal, considerando alguns autores que, embora só viesse a concretizar-se no reinado
de D. Sebastião, D. Manuel tinha já em mente a elevação da cidade de Elvas a sede de um
bispado.

4.1.1. Dimensão religiosa


Pouco mais de dois meses separaram a eleição, no Capítulo Geral realizado em Setúbal, a 13 de
Agosto de 1515, de Henrique Henriques de Miranda, Comendador de Santa Maria do Castelo de
Portalegre, e Alcaide-mor de Fronteira, e de Frei Tristão, prior da igreja da alcáçova de Elvas
como visitadores de certa parte do mestrado e o início da visitação desta mesma igreja de Santa
Maria da Alcáçova de Elvas, realizada em 18 do mês de Novembro seguinte. Não era habitual
que um dos visitadores fosse, precisamente o prior da igreja visitada, mas as circunstâncias em
que se dava começo aos trabalhos justificavam a ocorrência.
Tendo presente que Henrique de Miranda viria a ser provido nesta comenda em data anterior ao
Verão de 1517, parece admissível que o Mestre D. Jorge o tivesse enviado como visitador,
acompanhado por um dignitário que, em principio, teria um razoável conhecimento dos assuntos
da comenda, mais concretamente o respectivo prior.O futuro Comendador ficaria desde logo com
uma ideia clara da situação e seria auxiliado no seu levantamento por alguém que se encontraria
ao corrente das questões mais delicadas, ou a exigirem providências imediatas.
Trata-se de uma mera suposição, mas esta hipótese parece reforçada pela existência de alguns
dos habituais conflitos de jurisdição com a diocese de Évora, como se poderá verificar
constatando que o tesoureiro de S.ta Maria da Alcáçova " he posto pelo prior e benefyciados"
que lhe pagavam metade do mantimento além de, como veremos, estes terem obrigações bem
determinadas, por exemplo, na conservação e reparação da fábrica do templo. Sucedia que
também os raçoeiros se recusavam a exibir perante os enviados de D. Jorge os títulos das
respectivas rações e a declinar as suas obrigações, alegando encontrarem-se sob a jurisdição do
bispo de Évora, que os visitava.
Por seu turno, o estado da igreja de S.ta Maria da Alcáçova, nesse final de ano de 1515 em que
docorriam as obras do aqueduto da Amoreira e as de reedificação de S.ta Maria dos Açougues,
por iniciativa régia e com plano do mestre Francisco Arruda, não podia considerar-se de modo
algum satisfatório.
Assim, presumivelmente na manhã do dia 18 de Novembro de 1515 os visitadores
compareceram na igreja de S.ta Maria da Alcáçova, onde se encontrariam reunidos para os
receber moradores e raçoeiros, registando-se a ausência do titular da Comenda, por falecimento,
e não tinha sido ainda designado o seu sucessor.
Pelo registo feito foi possível verificar que, encontrando-se Frei Tristão na posição de visitador,
não se efectuou a costumeira visitação do prior, tendo os enviados do Mestre optado para pedir
aos raçoeiros da igreja os títulos das respectivas rações.
Estes últimos negaram-se a apresentá-los, respondendo que não eram obrigados a mostrá-los,
nem tão pouco a declararem as obrigações que tinham, senão ao seu prelado por quem eram
visitados Responderam apenas que tinham apresentado as ditas rações ao prior, e que estas
haviam sido confirmadas pelo bispo de Évora .
Desempenhava nessa ocasião as funções de tesoureiro da igreja António Bacias, clérigo de
ordens sacras, nomeado pelo prior e beneficiados, que recebia anualmente de mantimento 9,1
hectolitros de trigo, metade dos quais pagos pelo Comendador, e a outra metade pelos
beneficiados. O tesoureiro António Bacias recebia ainda as ofertas dos baptismos bem como o
prémio por dobrar os sinos pelos defuntos, estando obrigado a tanger as horas, armar e
ornamentar os altares e a própria igreja, a fornecer as hóstias e assegurar todos os outros serviços
da igreja, incluindo a guarda dos ornamentos e prata do templo.

A Igreja
Os visitadores depararam-se com um templo relativamente amplo, cerca de 365 metros
quadrados de superfície , contando 5 naves armadas sobre vynte oyto mármores (colunas de) de
duas varas (2,20 m de altura) cada mármore a qual lhe calçada de pedra como Rua e em muytas
cales defeyta. Sobre as naves a igreja estava madeirada de castanho e telhada de telha vã mas
choue nella muyto esta mall acafelldo com muytos buracos pellas paredes e arcos. Em
contrapartida, a ousia (capela-mor) era feyta de abobada redomda de pedra e call , com cerca de
20 metros quadrados de superfície, e ladrilhada, mas encontraram-na danificada e também aí
chovia. Ao altar-mor, construído em alvenaria de pedra e cal, com 2,75m de comprimento por
1,10 m de altura, acedia-se por 3 degraus e, nele, os visitadores encontraram hua imagem
emcorporada de nosa senhora do pramto mytyda demtro na parede e na parte do avamgelho hua
jmagem de sam Pedro, enquanto do lado da epístola ficava hua imagem de sam bernardo casy de
todo despymtadas. A sacristia ficava do lado do evangelho, onde se abria a respectiva porta na
capela-mor. Era um compartimento com cerca de 18 metros quadrados, e nele existia um
lavatório de pedra e ficavam duas arcas onde se guardavam as vestimentas e utensílios do
culto.Encontrava-se coberta de telha vã, que assentava sobre um travejamento e forro de madeira
velha, e possuía umas portas boas e ferolho e fechadura. A inexistência de um sacrário detectada
na visita à sacristia ficou desde logo anotada, com remissão para as determinações particulares.
O templo dispunha de três portas, a principal, virada a Poente, e duas travessas, a Norte e a Sul,
sendo que a porta travessa Norte tinha huas portas muyto uelhas e quebradas.
Entrando pela porta principal da igreja os visitadores depararam-se, à direita, com um arco donde
partia a escada de acesso para o campanário, que jazia derrubado no chão ao longo de três arcos
de uma das naves. Sobre esse arco, o tecto encontrava-se madeyrado per cyma de madeyra
muyto velha e roto em que chove muyto. Do lado esquerdo de quem entrava pela porta principal,
encontrava-se uma pia baptismal em pedra com hua cobertura de maddeira com três degraos
mall concertados. Existiam ainda 2 pias de àgua benta, uma junto à porta travessa Sul e a outra
próxima da capela mor
Na parede do cruzeiro do templo encontravam-se 3 altares, o de Nossa Senhora, cerrado com
grades, um outro, dedicado a Santa Catarina, e ainda o de S. João. Metido num arco, inscrito na
cinta murária Norte, ficava um altar de S. Sebastião em que se celebrava missa cantada da
confraria aos domingos. Agremiação que, não dispondo de outros recursos que não fossem as
esmolas que se pediam pela cidade, utilizava para o efeito os paramentos e alfaias litúrgicas da
igreja.
Existiam no templo duas capelas: a de S. Bento, com cerca de 11 metros quadrados e abóbada de
cantaria, onde ficava hum muymemto de pedra, da qual era administrador Nuno Nunes da
Silveira que tinha a obrigação de mandar dizer anualmente 100 missas rezadas. A antedita capela
detinha uma herdade no termo de Campo Maior, um olival que rendia de foro 41,4 litros de
azeite para a lâmpada dela, e recebia em foros de casas na cidade 400 reais por ano. O
remanescente dos rendimentos, uma vez pagas as missas estipuladas, ficava na posse do
padroeiro.
A outra capela, de reduzidas dimensões (cerca de 3 metros 2), era dedicada a Santa Ana.S.ta Maria
da Alcáçova tinha uma torre sineira quadrangular, construída com pedra e cal, com 2 sinos, que
atingia mais de 13 metros de altura por 4 metros de perímetro (em quadra).
Conhecem-se, ainda, as dimensões do adro desta igreja que, medido desde a porta principal até
ás casas de Estêvão Margalho, que lhe ficavam defronte, tinha cerca de 15,4 metros de comprido
e, de largura, entre as casas de Álvaro de Mesquita e as casas da igreja, 40,7 metros. E da parte
do Sul, de Levante a Poente, mais de 38 metros e, de Norte a Sul, 5 metros. Da parte do Norte a
igreja não tinha adro, mas dispunha de uma muito boa cisterna de abóbada de cantaria que media
15,4 metros de comprimento por 11 metros de largura. Finalmente, da parte do Levante da
capela-mor, o adro media cerca de 6,6 metros de comprido por 22 de largura.

Quadro nº 13
Pinturas e imagens da igreja de Santa Maria da Alcáçova

Tipologia Características Localização


1 imagem de Nossa Senhora do Pranto De vulto, encorpada Metida dentro da parede sobre o altar-
mór
1 imagem de S. Pedro Quase totalmente despintada No altar-mór, da parte do evangelho
1 imagem de S. Bernardo Quase totalmente despintada No altar-mór, da parte da epístola
Outras jmagens despymtadas que julgamos Na parede do cruzeiro do templo
corresponderem a pintura mural encontravam-se sobre os 3 altares
1 imagem mal pintada Na capela de Santa Ana

Quadro nº14
Prata da igreja de Santa Maria da Alcáçova

Tipologia Características Peso (gramas)


1 cruz de prata branca de obra romana, lavrada com a prata que o rei devia à 1 840
igreja
com uns esmaltes azuis na maçã e 2 cruzes verdes de
1 cálix grande, inteiramente dourado esmalte na patena, dádiva de Rui de Oliveira, 575
Comendador que tinha sido da dita igreja
1cálix de prata, com a respectiva patena com a borda dourada e esmaltes azuis na maçã 460
com o pé e a maçã dourados e umas letras douradas no
1cálix de prata 345
vaso
230
1cálix de prata velho, com pé e maçã douradas

1cálix de prata, com a respectiva patena pequeno e quebrado 230


1cálix, de prata branca com a respectiva
com umas letras na maçã 340
patena
Galhetas de prata branca novas, lavradas de obra romana 258,7
Peso total destas 8 alfaias
TOTAIS PRATA (Kg)
de prata: 4,278 (kg)

Quadro nº 15
Vestimentas da igreja

Tipologia Características
Com um savastro de argimtyaria (sic), com as quinas del rei e cruzes de
1capa de damasco branco
S. Bento , franjada de retrós carmezim branco e azul forrado de pano de
linho, oferecida por Rui de Oliveira, usada
1 manto de damasco branco
Com um savastro de folhagem de seda verde sobre seda azul, usado

Com um savastro de damasco branco franjado de


retróz verde e amarelo com uma alva de linho e
1 vestimenta de damasco carmezim estola e manípulo do mesmo damasco,
pagas pelo comendador e
beneficiados
Com sua alva de pano, a estola e o manípulo do
1 vestimenta de chamalote preto mesmo chamalote, velha

Com alva de linho, estola e manípulo da mesma sobra.


1 vestimenta de sobra preta (sic)

1 vestimenta de zarzangania (sic) Usada


2 vestimentas de pano de linho Com cruzes azuis do mesmo pano, novas
2 dalmáticas de fustão branco
Quadro nº16
Roupa e ornamentos da igreja

Tipologia Características
2 frontais de lambel Listados de cores feitos na terra
2 frontais godomieys (sic) de brocado, que deu Rui de Melo, novos
1 frontal de Arraz De ervagem, novo
1 frontal listado De lã de cores, novo
2 frontais godomieys(sic) Oferecidos por D. Guiomar, mulher de Rui de Melo, velhos
Umas cortinas do altar-mor, De sarja vermelha e verde, velhas
4 cortinas brancas De linho, muito velhas
3 alcatifas Velhas
1 almofada godomieys(sic) ___
9 toalhas pintadas Lavradas de seda de cores
11 mantéus dos altares De linho
8 toalhas francesas Usadas

Quadro nº17
Arame e estanho da igreja

Tipologia Características
2 castiçais Grandes.
2 castiçais Médios
2 castiçais Pequenos, quebrados
2 turíbulos Pequenos
1 bacio de oferta
1 lâmpada Com sua bacia e cadeias
2 castiçais De ferro, pequenos e velhos
4 galhetas De estanho
1 caldeira para àgua benta.. Pequena de cobre

Quadro nº18
Livros da igreja

Tipologia Características
1 missal místico De forma, em papel, roto
1 missal místico De pena e pergaminho
1 missal de missas votivas De pena e pergaminho
1 missal de orações e evangelhos de todo o ano De pena e pergaminho
1 missal de canto Em pergaminho
2 saltérios De pena e pergaminho
1 livro de baptizar, ungir e encomendar, Velho
Os três óleos santos encontravam-se em três âmbulas de estanho, cada uma com seu óleo,
colocados numa boceta grande de madeira que estava devidamente cerrada.
A documentação permitiu ainda verificar que na altura da visita não existia mais cera do que a
necessária para a missa, e esta era dada pelo Comendador e beneficiados.
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja, as suas necessidades imediatas,
poderão avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador e
beneficiados que resumiremos da seguinte forma:
1 - O Comendador ficava obrigado a financiar metade dos encargos decorrentes da conservação e
reparação da igreja, bem como da respectiva dotação, a saber: ornamentos e vestimentas, cera e
incenso.
2 - Ficava também obrigado a suportar metade dos encargos decorrentes da visitação do bispo e
tesoureiro.
3 - Estava igualmente obrigado à conservação da ermida de Santiago. As custas envolvidas
nestas obrigações encontravam-se repartidas em partes iguais entre os beneficiados da igreja e o
Comendador, embora este último pagasse na íntegra o ordenado ao prior .
4 – O prior, Frei Tristão, ficava obrigado a ministrar todos os sacramentos e a dizer as seguintes
missas: todas as festas de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, as dos doze apóstolos e as da cruz;
nos dias de S. João Baptista, Santa Catarina e S. Nicolau, quarta-feira de cinzas, e todos os
domingos da quaresma e semana santa.
Era ainda obrigado a estar continuamente presente em todos os ofícios divinos da igreja .
5 - Os fregueses da igreja não ficavam obrigados em nada para a conservação da mesma .
6 - A primeira das determinações particulares relativas a obras, benfeitorias e aquisições para esta
igreja incidia já sobre uma questão que verificaremos ser recorrente em visitações posteriores e
que, à primeira vista, poderá parecer surpreendente: a constatação de que a existência de um
sacrário não se encontrava ainda generalisada nas igrejas sob jurisdição da Ordem de Avis nos
primeiros decénios do século XVI. Depreendemos que essa situação, podendo não ser exclusiva
dos templos da milícia, constituía uma preocupação diocesana, e objecto de reiteradas
advertências por parte do bispo. Que a construção do sacrário não obedeceria, na ocasião, a
regras geralmente divulgadas, e seguidas, parece depreender-se da minúcia das instruções sobre
o respectivo modus faciendi que os vistadores deixaram estipuladas, como passamos a relatar:
Uma vez que se tinha verificado não existir sacrário na igreja, e tratando-se de uma coisa julgada
necessária ao serviço de Deus, e necessidade do povo, ao qual deviam ser ministados os
sacramentos quando deles necessitassem, e tendo isto sido tantas vezes recomendado pelo bispo
que, na ocasião, governava a diocese de Évora, os enviados do Mestre ordenaram ao
Comendador e beneficiados que mandassem fazer um sacrário até à próxima Páscoa da
Ressurreição sob pena de dois mil reais, um terço para os captivos, outro terço para a fábrica da
igreja, e o remanescente para quem acusasse.
Esse sacrário deveria ser feito desta maneira: na parede da capela-mor, da parte do evangelho,
um armário em um buraco de pedraria lavrada rebocado por dentro que seria de tabuado da parte
de fora, por causa da humidade, com as portas pintadas e fechadas com chave.
Far-se-ia uma caixa quadrada coberta de veludo, com uma fechadura e sua chave dourada para
nela ficar o santo sacramento. Diante do sacrário colocarão uma corrediça com fechadura e,
diante do sacrário, uma lâmpada grande de arame com sua bacia que esteivesse
permanentemente acesa
7 - Não existia na igreja da Alcáçova de Elvas nenhuma custódia em que se levasse o Senhor aos
enfermos, como sucedia em todas as outras igrejas, razão pela qual os visitadores ordenaram ao
Comendador e beneficiados que mandassem fazer, no prazo de um ano, uma custódia de prata
com o tamanho e peso da custódia da igreja de Santa Maria da Praça Nova, sob pena de 4.000
reais, um terço para os captivos, um terço para a fábrica e o remanescente para quem acusasse.
Teremos ensejo de verificar ao longo dos dois ciclos destas visitações que a existência de uma
custódia em todas as igrejas sob jurisdição da Ordem, longe de constituir uma regra, configurava
uma excepção, perfeitamente inteligível, tendo em conta que se tratava de uma alfaia
dispendiosa, verificando-se por via de regra a existência de prioridades mais urgentes a
enquadrar nos orçamentos .
8 - Foi ordenado ao Comendador e beneficiados que mandasssem acasellar e apincelar a
capela-mór e mandassem pintar o boarco em que estava Nossa Senhora, bem como as imagens
que estavam no altar-mór, o que eram obrigados a fazer no prazo de um ano, sob pena de dois
mil reais, um terço para os captivos, outro terço para a fábrica e o remanescente para quem
acusasse .
9 – Os enviados do Mestre mandaram aos sobreditos que fizessem ladrilhar a igreja, bem como
rebocar e caiar, telhando-a de modo a que existissem canos que lançassem a água na cisterna. Do
mesmo modo deveriam fazer uns degraus de pedraria que dessem acesso à porta principal, tudo
isto igualmente no prazo de um ano, sob pena de dois mil reais, metade para os captivos, e a
outra para o Convento .
10 – Os visitadores ordenaram que fossem feitas umas portas de castanho para a porta travessa
que dava para a cisterna, até ao próximo dia de S. João, sob pena de quinhentos reais, metade
para a fábrica da igreja e a outra para quem acusasse .
11 - Ficou determinado que o Comendador e os beneficiados mandassem consertar a pia
baptismal, de modo a que esta não vertesse mais água, como na altura sucedia, e a mandassem
cerrar com fecho e chave até à Páscoa seguinte, sob pena de quinhentos reais para a fábrica da
igreja .
12 - Mandaram ao Comendador e beneficiados que fizessem rebocar e caiar o coro e ladrilhá-lo
de modo idêntico ao da igreja ao redor de uns poyãees (sic) em que se assentam os clérigos a
rezar, porquanto se não podiam fazer cadeiras por o coro ser pequeno. Igualmente se faria, do
lado da porta principal, uma rede de ladrilho que fosse da porta ao coro para entrar claridade.
Madeirar-se-ia o mesmo coro por cima e assoalhar-se-ia de novo, colocando umas portas na
escada que dava para o campanário, tudo feito no próximo ano de quinhentos e dezasseis, sob
pena de mil reais, um terço para os captivos, outro terço para a fábrica e o remanescente para
quem acusasse .
13 - Determinaram aos sobreditos que se fizesse ladrilhar o tesouro que seria rebocado, caiado, e
madeirarado de novo, e telhá-lo e forrá-lo de ripas e canas, isto durante o ano de quinhentos e
dezasseis, sob pena de mil reais, um terço para os captivos, outro terço para o convento e o
remanescente para quem acusasse .
14 – De igual modo ficou ordenado ao Comendador e beneficiados que se mandassem pintar as
imagens dos altares do cruzeiro, a saber: os altares de Santa Catarina e S. João, durante o ano
quinhentos e dezasseis, sob pena de mil reais, um terço para os captivos, outro terço para a
fábrica e o remanescente para quem acusasse .
15 - Determinaram aos sobreditos que mandassem cobrir a torre dos sinos, de modo a que não
entrasse àgua que depois escorreria para o coro, durante o ano quinhentos e dezasseis , sob pena
de quinhentos reais para os captivos.
16 – Os enviados de D. Jorge verificaram que o adro da dita igreja tinha, não se encontrava
delimitado por paredes e tinha um pendor tão acentuado que os enxurros arrastavam a terra que
se encontrava sobre os finados, de tal sorte que o mesmo adro se encontrava juncado com os
ossos deles, situação que os visitadores consideraram inadmissível. Dada a evidente necessidade
de remediar esta ocorrência foi ordenado ao Comendador e beneficiados que mandassem fazer
uma parede no extremo do adro que ficava junto ás casas da Comenda, atravessando-o de lado a
lado, por forma a conter a terra. Levantando um murete idêntico a partir do Poente para baixo,
mas de modo a que não tolhesse a serventia da rua. Igualmente se construiria uma outra parede
desde o começo da rua que ia da porta principal da igreja para o castelo, o que deveria ser feito
no próximo Verão, sob pena de dois mil reais, metade para os captivos e a outra metade para a
fábrica da igreja.

As Ermidas
1. Ermida de Santiago
Estava situada dentro da cidade, e era anexa à igreja da Alcáçova. Tinha 14,3 m de comprimento
por 7,15 m de largura (medidos da capela-mor até à porta principal), e cerca de 102 m 2 de
superfície.
O corpo era de três naves, armadas sobre oito pilares de cantaria lavrados.Encontrava-se
ladrilhada e rebocada por dentro e por fora, madeirada de castanho e telhada de telha vã. Tinha
dois altares na parede do cruzeiro, naquele que ficava situado do lado do evangelho,
encontravam-se pintadas as imagens de S. Sebastião e S.ta Margarida, e, no outro, a imagem de
S. Nicolau.
A capela-mor, com 5,5m de comprimento por 4,95 de largura, tinha uma superfície aproximada
de 27 m2 e encontrava-se cercada por grades pintadas e fechadas com chave. O altar-mor, para o
qual se subia por dois degraus, tinha 2,20m de comprido por 1,10m de altura. No meio dele
encontrava-se uma imagem de Santiago, do lado do evangelho S. Senhora do Pranto e, do lado
oposto, outra de Cristo na coluna. Ao redor destas imagens uma pintura de obra romana, nova,
que ocupava toda a parede. Esta capela-mor encontrava-se toda pavimentada com tabuado de
pinho.
Na cinta muraria Sul da ermida encontrava-se uma capela feita de novo, medindo 3,30m de
comprimento por 4,40 de profundidade (14,5 m2), com abóbada de tijolo e um arco de ladrilho, e
um altar a levante, que estava cerrada com grades. Tinha sido edificada pela viúva de Pedro
Aires, cavaleiro da Ordem de Santiago, o qual aí se encontrava sepultado.
A ermida de Santiago dispunha de duas portas, a principal e uma porta travessa, do lado do
Norte, onde ficava uma pia pequena de àgua benta, ambas novas e com ferrolho e fechaduras.
Encontrava-se dotada de um sino pequeno que era tangido através de uma cadeia de ferro do
interior do templo.
No meio da capela ficava uma sepultura com uma campa grande, de Joane Mendes do Rio, a
qual sepultura lhe havia sido dada pelo Comendador Diogo Velho e beneficiados, para ele e sua
mulher Constança de Brito, bem como todos os seus descendentes, sem que nela pudesse ser
sepultado mais ninguém, com a condição que o casal e respectivos herdeiros sempre sempre
provessem a capela de tudo o que fosse necessário, como de facto já haviam feito, e a corejam de
novo, como estáva.
Os beneficiados da igreja de S.ta Maria da Alcáçova deviam rezar-lhe anualmente, no dia de
Santiago um aniversário que lhes seria pago por 231,5 reais e uns foros de vinhas, situadas no
termo da cidade, em Alpedrede, segundo se continha num instrumento feito por Aires Gomes,
tabelião em Elvas.Além desta, o prior e os beneficiados tinham a obrigação de rezar na ermida
duas missas cantadas, oficiadas pelo prior, uma pelo dia de Santiago e a outra pelo dia de S.
Nicolau.
O adro desta ermida, medido desde a porta principal até à parede fronteira, tinha 14,3 m. de
comprido por 40,7 de largura. E da porta travessa Norte até ás casas que foram de Gonçalo
Rodrigues Gramaxo 20m., de Levante a Poente 39,6m.Da banda do Sul, ao longo da ermida,
25,3 m. de comprimento por 11 de largura.

Quadro nº19
Pinturas e imagens da ermida de Santiago

Tipologia Características Localização


Duas imagens de S. Sebastião e S.ta Pintadas Nos dois altares da parede do cruzeiro
Margarida do lado do evangelho e,
no outro, a imagem de S. Nicolau,
do lado da epístola
Uma imagem de Santiago, do lado Sobre o altar-mór
do evangelho S. Senhora do Pranto
e, do lado oposto, outra de Cristo na
coluna..
Ao redor das supracitadas imagens Pintada Sobre o altar-mór
uma pintura de obra romana, nova,
que ocupava toda a parede

Quadro nº20
Sepulturas da ermida de Santiago

Sepultado Localização
Pedro Aires, cavaleiro da Ordem de Numa capela feita de novo na cinta
Santiago muraria Sul da ermida
Joane Mendes do Rio, dada pelo No meio da capela ficava uma
Comendador Diogo Velho e sepultura com uma campa grande
beneficiados, para ele e sua mulher
Constança de Brito, bem como todos
os seus descendentes.
2. Ermida da Madalena Velha.
Pertencia à Ordem e, por carta feita por Pedro Coelhoem Setúbal, aos 30 de Março de 1515,
assinada por D. D. Jorge, e selada com o seu selo pendente, encontrava-se nela instalada
(enquanto durasse) a confraria da misericórdia. O corpo do templo media 8,25m de comprimento
por 6,5 de largura dimensões a que acresciam os 5m de comprido por 4,4m de largo da capela-
mor, perfazendo uma suoperfície de 135m2. Encontrava-se ladrilhada, rebocada, caiada e
madeirada de novo com castanho. A capela-mor também se encontrava ladrilhada e, por cima,
forrada de taboado. Por debaixo do arco existia uma grade de madeira pintada com fechadura.
O altar-mor media 3,30m de comprimento por 1,10 de altura e, por detrás do mesmo encontrava-
se um retábulo de seis tábuas, dourado, com a seguinte disposição: nas três tábuas do cimo e na
do meio a imagem do cruxifixo, à direita a ressurreição e à esquerda o batismo de Cristo. Nas de
baixo, ao meio, Nossa Senhora da Misericórdia, ladeada, à direita, pela anunciação e, à esquerda,
a visitação. Tudo rematado por um guarda-pó pintado de de azul com estrelas douradas, tudo
cercado de trabalho de marcenaria também dourado. E ainda outro retábulo dourado, novo, de
Nossa Senhora do Pranto.Dispunha de um tesouro com 19m2 de superfície, madeirado de
castanho e com ameias por cima, divisória inteiramente construída pela Misericórdia, à qual
pertenciam a prata e os ornamentos e utensílios litúrgicos.
A ermida tinha duas portas, a principal, e uma travessa, orientada a Sul. Adjacente um
campanário com um sino pequeno.
Esta ermida da Madalena velha não tinha propriedades que para ela rendessem, a respectiva
conservação estava primitivamente a cargo do Comendador, mas tinha passado a fazer parte das
obrigações da Misericórdia.

Quadro nº21
Pinturas e imagens da ermida da Madalena

Tipologia Características Localização


Um retábulo de seis tábuas, dourado Com a seguinte disposição: nas três Atrás do altar-mór
tábuas do cimo e na do meio a
imagem do cruxifixo, à direita a
ressurreição e à esquerda o batismo
de Cristo.
Nas tábuas de baixo, ao meio,
N.Senhora da Misericórdia, ladeada,
à direita, pela anunciação e, à
esquerda, pela visitação.
Um retábulo de N. Senhora do Dourado e novo
Pranto

3. Ermida de Nossa Senhora da Graça


Anexa à igreja de Santa Maria da Alcáçova, estava situada fora da cidade, no uteiro de S.
Domingos. A sua capela fora edificada por devoção do licenciado João Lopes dos Bugios. Estava
cercada por um cerrado com oito oliveiras, quatro figueiras, cinco amendoeiras e dois ciprestes.
O corpo do templo encontrava-se derrubado, estando iniciada a respectiva reconstrução à custa
de esmolas. A capela, para a qual se subia por três degraus, era de abóbada, com os arcos de
ladrilho, e media 4,40 de comprido por outros tantos de largura, rebocada e caiada, encontrando-
se nela um altar com 2,75 m de comprido por por 1,10 m de altura.
Tinha, anexa, uma pequena cisterna e as casas do ermitão, o qual era designado pelo prior e
beneficiados de Santa Maria da Alcáçova.
Nestas ermidas, exceptuando a da Madalena, não existiam confrarias nem obrigação de missas,
salvo aquelas que, por devoção se mandavam celebrar, e as mesmas eram tão antigas que não se
conservava memória de quem, inicialmente, as fizera construir.

Determinações gerais sobre o espiritual


Tal como tivemos ensejo de referir há pouco, as determinações gerais constatantes nesta
visitação a S.ta Maria da Alcáçova, configuram uma versão mais reduzida e menos
pormenorizada do aquelas que, com base na versão da visita à comenda de Juromenha,
decidimos erigir em paradigma. Daí que passamos unicamente a referir os pontos que, neste
caso, diferem do modelo adoptado.

1. Licença do prior para os paroquianos se confessarem.


Foi ordenado ao prior que desse licença a qualquer pessoa que lha pedisse para se confessar a
qualquer sacerdote apto para isso.

2. Sobre o dinheiro das sepulturas .


Verificaremos que tanto o preço pago pelas sepulturas, bem como a respectiva cobrança, e o
destino a dar a essa receita, variavam de acordo com o consuetudo local e davam origem a
litígios frequentes que os visitadores procuravam harmonizar através de regulamentação,
tornando-se por vezes necessária a intervenção directa do Mestre.
Os visitadores constataram que na igreja (de S.ta Maria da Alcáçova), em vez de existir um preço
fixo pelas sepulturas, cada um pagava somente aquilo que queria dar, costume que lhes pareceu
mal. E por isso ordenaram que, daí em diante, as pessoas que se quisessem fazer enterrar na
igreja passassem a pagar o seguinte: na capela-mor um marco de prata, ou alguma peça para
ornamento da dita igreja que o valesse, e no corpo da igreja quinhentos reais pela mesma
maneira.
Dinheiro esse que deveria ser entregue, como dinheiro das sepulturas, ao recebedor da fábrica,
perante o escrivão dela, para ser gasto na mesma fábrica, e não em coisas profanas.
O pagamento dessas receitas, que passariam a ser exclusivamente destinadas à fabrica da igreja,
tinha vindo a originar atritos, uma vez que não eram pagas como, e quando se deveriam,
gerando-se demandas sobre tais questões, razão pela qual os visitadores determinaram que daí
por diante se procedesse da seguinte maneira: o prior não daria covas dentro da igreja sem que
estas fossem previamente pagas, entregando-se de penhor um marco de prata para construir e
ladrilhar as ditas sepulturas, penhor, ou penhores, que seriam entregues ao recebedor, perante o
escrivão da fábrica. E mais, que se o prior não cumprisse esta determinação, pagasse tudo isso da
sua casa, ficando metade para quem o acusasse e metade para a fábrica.

4.1.2. Dimensão Senhorial


.

A presença da Ordem de Avis como entidade senhorial ficava marcada pela recepção de rendas
que usufruía na cidade de Elvas. A este respeito encontram-se enumeradas na fonte as seguintes
indicações :o dízimo do pão, o dízimo do vinho,o dízimo do azeite,o dízimo do linho,o dízimo
dos gados, o dízimo dos queijos,o dízimo das bestas: poldros e burros e mulatos, o dízimo da lã,
dízimo das cebolas e alhos em réstea e o dízimo das favas e tremoços e grãos.
Embora a fonte não o mencione, o rendimento orçamentado para esta comenda, cerca de duas
décadas mais tarde, oscilaria entre os 200 e os 400.000 reais
Para garantir o cumprimento dos preceitos relacionados com este vertente, as fontes apontam
algumas directrizes importantes que deveriam ser tidas em consideração. Assim:

Determinações gerais sobre o temporal

1. Sobre o pagamento dos dízimos sonegados .


Esta determinação teria subjacentes divergências de critérios entre o estipulado sobre a matéria
em sede de direito e a interpretação pessoal que disso fariam alguns dos priores do Mestrado, que
vivendo quotidianamente no seio das populações, teriam inclinação para considerar casos
individuais, ultrapassando a rigidez do universalmente legislado. Convivência difícil entre o
munus pastoral e as regras do senhorio. A extenção dos fundamentos, bem como a severidade das
penas invocadas, também recorrente as longo das visitações futuras, poderá indiciar que a
determinação se não dirigia apenas a casos esporádicos.
Os visitadores haviam sido informados de que alguns priores do Mestrado, não temendo a deus
nem as penas e censuras que por direito eram impostas aos que tal coisa fizessem, com grave
dano dano das suas próprias conciências, bem assim como das dos fregueses, ás vezes os
absolviam por não dizimarem correctamente, e lhes mandavam pagar o mal dizimado para outra
obra que ales parecia, havendo de lhes mandar pagar que inteiramente restituíssem os tais
dízimos que não tinham satisfeito daquilo a que estes pertencessem e a quem de direito. E os
visitadores, querendo corrigir estas situações, declararam que os priores que tal fizessem
incorressem em graves penas e censuras por direito e emlaçam (sic) as almas dos que assim mal
a solvem, sem perfeita restituição, e faziam com que eles bem como aqueles que deste modo
pagassem fossem por nosso senhor condenados ao fogo do inferno. Por estas razões mandavam
aos ditos priores em virtude da obediência, e sob pena de privação de benefícios, que tal não
fizessem, mas antes, em suas confissões, estações e pregações que ao povo fizessem lhes
encomendassem e mandassem pagar o dízimo direitamente, e não absolvessem ninguém sem lhe
mandar fazer inteira restituição porque, segundo Santo Agostinho, aquele que mal se dizima tira
uma parte das dez que nosso senhor havia de dar dos seus frutos, e mais, será condenado com a
décima ordem dos maus espíritos que por sua soberba e desobediência caíram no inferno, sendo
certos de que, se o contrário fizerem, serão privados dos seus benefícios e castigados muito
gravemente como membros desobidientes ás determinações da santa madre igreja e dos seus
prelados.

2. Da demarcação que o Comendador deveria fazer .


Estamos em presença de uma obrigação de cadastro e demarcação, essencial para a eficácia do
trabalho dos visitadores que, por razões óbvias, devia contituir não apenas um exercício
periódico, mas também uma preocupação constante.

3. De como se haviam de dar as sesmarias .


Esta regulamentação, embora menos analítica do que aquela que se encontra no paradigma das
determinações gerais, retrata alguns dos procedimentos da Ordem no que respeitava à dada de
terras em sesmaria, prevendo já diferentes situações e alternativas, referentes tanto ao delegado
concessionário como ao recepiente sesmeiro.

4.1.3. Dimensão patrimonial

Propriedade urbana .
Uma vez que a Ordem não detinha jurisdição sobre a praça de Elvas, não se encontram referidas
na fonte quaisquer dados sobre a respectiva fortaleza. A cidade encontrava-se edificada numa
elevção que dominava uma vasta campina, fértil em trigo, azeite e vinho. A parte mais elevada da
cidade era cercada por muralhas robustas flanqueadas por torres ameadas, as ruas do casco
urbano eram, em geral, estreitas mas regulares, articulando-se ao longo delas o espaço urbano,
familiar ou doméstico .
Perfilhando a concepção de que, constituindo a rua o elemento dinâmico da morfologia das
cidades, as casas constituiriam o seu elemento estático , como observou ALVES, para o estudo e
compreensão destas últimas " é necessário ter em atenção o gupo doméstico que as ocupava, bem
como a sua maneira de viver e de estabelecer relações com o exterior – a rua e o interior- a casa".
No tocante ao estatuto social dos proprietários das casas urbanas da Ordem de Avis em Elvas
sabemos apenas que numa delas habitaria o Comendador, noutra o prior da igreja da Alcáçova,
residindo nas outras foreiros da Ordem, e que todas elas se situariam dentro do núcleo antigo do
casco urbano, provavelmente numa zona circunvizinha à própria Alcáçova.
Não será fácil, com base nos dados fornecidos pela fonte estabelecer relações rua/casa. Desde
logo iremos deparar-nos com um problema recorrente nas análises efectuadas sobre este tipo de
informações: a interpretação dos vocábulos utilizados para descrever estas casas . A terminologia
utilizada na documentação sobre a qual se baseia o presente trabalho gira em torno da
polissémica casa -"casas"; "casinha pequena"; "casa térrea"; "casa dianteira", "recebimento com
casa térrea" ;"câmara (sobradada ou ladrilhada)"; "casas sobradadadas", "madeiradas", "casas
forradas de ripa e cana". Designações que, uma vez inseridas no respectivo contexto, parecem
não se referir apenas a habitações como um todo individual, como a dependências ou
compartimentos internos, pisos e tipologias de construção.
Por outro lado, os estudos consultados respeitam primacialmente sobre períodos anteriores ás
primeiras duas décadas do século XVI, e incidem prioritariamente sobre localidades situadas a
Norte do Tejo. As fontes em que nos baseamos reportam-se à área relativamente circunscrita que
previamente delimitámos e, na sua esmagadora maioria, fornecem informações sobre construção
corrente numa zona rural periférica do Além-Tejo interior. Mas estamos em crer que reproduzem
técnicas construtivas materiais, tipologias, repartimentos e dimensões que não terão sofrido
profundas alterações em relação ás informações recolhidas pelos autores dos supracitados
estudos. De um modo genérico encontramo-nos em presença de habitações construídas em
profundidade, (rectangulares) com a porta de entrada virada para a rua, escassa ou nula
fenestração, sem menção de lareiras ou chaminés, cujas funções seriam exercidas por duas ou
três telhas levantadas, com pavimento de terra batida, e apenas dois repartimentos: a casa
dianteira e o celeiro, de quando em vez complementadas, ou substituídas, por palheiros ou,
nalguns casos, estrebarias. Os alicerces parecem ter sido geralmente construídos em pedra, as
paredes em pedra e barro, mais raramente taipa, e geralmente cobertas por telha vã disposta
sobre travejamentos de madeira e respectivos caibros e ripas do mesmo material. Não existindo
informações sobre a configuração dos telhados admitimos que tivessem sido em regra de uma ou
duas águas, com a possível excepção dos casos em que se menciona expressamente a existência
de cisternas. Na sua generalidade, mesmo no caso das localidades muradas, o espaço
correspondente aos talhões edificados não seria de tal modo escasso que contrangesse ao
alteamento das construções, e constataremos a ocorrência, relativamente frequente, de quintais
cuja dimensão média se inscreve nos padrões da época. São raras as menções a repartimentos, ou
construções independentes expressamente destinados a animais domésticos (com exepção das
estrebarias) constatando-se, em contrapartida, a ocorrência de currais do concelho, comunitários
portanto, e coutadas destinadas ao pastio dos bois de arado.
Os portais em cantaria de pedra, tal como a fenestração, a referência a cozinhas, lareiras e
chaminés, bem como uma nítida diferenciação funcional constituem uma diferenciação que
ocorre quase exclusivamente nas casas de morada dos Comendadores e priores, sendo
indiscutível que algumas das habitações reservadas aos primeiros configuram, como teremos
ensejo de verificar, autênticas residências senhoriais que obedeceriam aos padrões deste tipo de
construções na época em estudo.
Neste entendimento a casa de pousada dos Comendadores da Alcáçova de Elvas, implantada
numa área urbana, poderia ter dois pisos edificados sobre aquilo que hoje designamos como rés-
do-chão, no qual ficariam um recebimento e uma sala térrea Neste mesmo piso do recebimento
(ou térreo) existia 1 corredor para o quintal com 4,95 de comprimento por 1,10. à entrada deste
corredor, do lado direito, ficava a cozinha, com 1 chaminé muito grande, medindo essa cozinha
13,6 m2, e sendo telhada de telha vã. No mesmo corredor, mas à esquerda, outra divisória situada
por debaixo de uma das câmaras do andar superior medindo 14,5 m2.
Se estivermos correctos este conjunto de divisões do piso térreo corresponderia a uma área de
implantação habitacional de cerca de 96m2.
Á saída do mesmo corredor ficava um curral com 43,5 m 2, onde se abria uma porta para outra
casa térrea, com 19 m2 coberta de telha vã e, à direita deste curral, uma estrebaria com 41m2, que
era foreira à igreja em 50 reais por ano. Adjacente 1 quintal com 103 m 2, onde ficava 1 cisterna
pequena e, sobre o muro, uma torre pequena desmanchada e existiam 7 laranjeiras, 2 limoeiros e
2 pereiras.
Parece-nos depreender que, neste este piso térreo (no andar do recebimento) se encontrava uma
sala principal com 45 m2, ladrilhada, e com 2 janelas grandes e uma chaminé, que se encontrava
madeirada de castanho e forrada de ripa e cana.
Desta sala (principal) partia uma escada de ladrilho que dava acesso a 1 câmara com 21 m 2, que
tinha 1 janela grande e 1 lareira, encontrando-se forrada de ripa e cana. No mesmo andar que esta
ficava outra câmara, também forrada de ripa e cana, com 1 janela sobre o recebimento e media
14,5 m2, e ainda outra câmara nesse mesmo andar, igualmente forrada de ripa e cana, com 1
janela grande, medindo 13,6 m2. Sobre esta sala ficava 1 sótão ladrilhado, forrado e pintado, com
1 janela de foros pequena, que media 24,5m2. Mas nesse segundo andar, além do antedito sótão,
ficava ainda outra divisória com 13,6 m 2; Todas estas divisões estavam rebocadas e caiadas, com
suas portas, ferrolhos e fechaduras.
Teríamos assim uma área residencial que, no piso térreo, contava um recebimento, uma sala e
outra sala principal, bem como um corredor de acesso ao quintal que dava, à esquerda, para a
cozinha e,à direita para outro compartimento.
Da sala principal do piso térreo partia uma escada em ladrilho que conduzia ao primeiro piso,
desembocando numa das três câmaras deste primeiro piso. No segundo piso ficariam um sótão e
uma outra divisória.
Provavelmente flanqueando o espaço do quintal ficavam um curral, uma estrebaria e uma
arreacadação, estando o espaço remanescente do dito quintal cercado com um muro ao qual se
adossava uma torrinha arruinada. O quintal propriamente dito continha uma cisterna pequena e
nele se encontravam onze árvores de fruto.
De acordo com os padrões da época estaríamos perante um complexo habitacional relativamente
amplo e cuidadosamente edificado, num razoável estado de conservação, bem iluminado,
ventilado e aquecido, com abastecimento autónomo de água, que se desenvolvia com clara
separação de áreas funcionais.
As restantes cinco casas da Ordem (unidivisionais,ou com dois repartimentos, um dos quais
designado como celeiro, mas possívelmente multifuncional ) tinham em média 30m 2 de área
edificada e um único piso, encontrando-se construídas com pedra e barro e cobertas com telha vã
correspondendo assim aos materiais tradicionalmente utilizados no sul do reino. Apenas uma
delas possuía um celeiro anexo e um portal de cantaria, como veremos. Á exígua rusticidade
destas habitações correspondiam foros que, comparados com os dados disponíveis para outras
localidades do reino, se afiguram relativamente modestos.

Quadro n.º 22
Tipologia dos prédios urbanos

Medidas

Tipologia do prédio Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensões Áreas
(varas)
(metros) (m2)
Recebimento com casa térrea 1 sala 47-47v.
N/S 16,5 18,15
Casa dos Comendadores 659 ladrilhada, 2 janelas, 1 chaminé, 1
L/P 33 36,3
sotão
Casa defronte das casas de 4,95 __ 48
4,5x 2,5 13,7
Manuel Calça 2,75
2 repartimentos. madeirados de 49
4x4, casa 4,4x4,4 casa 19casa
Casa com celeiro na Alcáçova castanho, forrados de telha vã, com o
5 x 2,5 celeiro 5,5x2,75 celeiro 15 celeiro
portal de cantaria
Madeiradas de madeira velha, 50
Casa na rua do prior 4x4 4,4 x 4,4 19
Telhadas de telha vã
Casa à Porta do Bispo 8x8 8,8 x 8,8 77 ____
51
Madeiradas de madeira velha, 52
Casa na Alcáçova 7,5 x 2,5 8,25 x 2,7 22
telhadas de telha vã

Quadro nº 23
Contratos sobre prédios urbanos

Tipologia do Titular Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas Fólio
prédio Emprazamento Numerário(reai Aves
(vidas) s)
Casa do Comendador __ __ 47-
__
Comendador 47v
Casa em frente Fernando Afonso 10 ou 1 frangão 48
das casas de 3
Manuel Calça
Casa na Domingos Nunes __ 30 __ 49
Alcáçova
Casa na Rua do O Prior __ __ 50
__
Prior
Casa à porta do Isabel Vaz 40 2 galinhas 51
3
Bispo
Casa na Álvaro Mesquita 30 52
3
Alcáçova

Propriedade rústica
Quadro nº 24
Herdades

Medidas
Tipologia do prédio Descrição/
Sistema Decimal Fólio
Localização Medievais Cultivo
Dimensão
(varas) m2
(metros)
Terra de pão, tem umas casas boas 29
L/NS19 216
P/NS 396 396
Herdade da Ratuja 58,5
S 560 616
L/P 3080 3.338

Terra de pão 30
N/S 750 825
L/P 645 709,5
Herdade da torre da ovelheira 65
N/S 380 418
L/P 136 149,6

N/S 560 616 Terra de pão, tem casas muito velhas 35


Herdade da Figueira 150
L/P 2213 2434 quase no chão
Terra de pão, tem umas casas muito 36
Herdade do Freire, termo de N/S 3200 3520
85 velhas, a maior parte em mato
Juromenha L/P 2200 2420
maninho, o restante terra lavradia
1 pomar grande com 1 fonte 37
15 nogueiras
20 figueiras
3 laranjeiras
4 cidreiras
2 limoeiros
N/S 1900 2090 100 ameixoeiras
Herdade da Moreira, termo de Elvas 216
L/P 940 1034 20 macieiras
20 pereiras
3 amoreiras
10 pessegueiros
60 freixos
1 azinhal novo muito bom
2 moradas de casas velhas.
Quadro nº 25
Contratos sobre Herdades

Tipologia de Tipologia do contrato


Titular Tipologia das rendas Fólio
prédio/Localização
Arrendamentos
Herdade da Ratuja Comendador X Dízimo do pão 29
Herdade da torre da ovelheira Comendador X dízimo 30
Herdade da Figueira Comendador X Dízimo do pão 35
Herdade do Freire, termo de X Dízimo do pão e gados em 36
Comendador
Juromenha solto
Herdade da Moreira, termo de X Dízimo do pão e gados em 37
Comendador
Elvas solto

Quadro nº 26
Courelas

Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 41 45
Courela na ribeira de Carom 4 __ 31
L/P 830 913
N/S 46 50,6
Courela na ribeira de Carom 4,6 __ 32
L/P 830 913
N/S 205 225,5
Courela à Torre do Azeite 9,6 Terra de trigo 33
L/P 390 429
N/S 104 114 Metade em pão para 20 alqueires
Courela na Caiola 12,2 34
L/P 980 1078 de semeadura, e a outra em mato

Quadro nº 27
Contratos sobre Courelas

Tipologia de Titular Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas Fólio
prédio/Localização Emprazamento Trigo Galinhas
(vidas) (alqueires)
Courela na ribeira de Comendador __ __ __ 31
Carom
Courela na ribeira de Comendador __ __ __ 32
Carom
Courela à Torre do Lopo 3 22 2 33
Azeite Gonçalves
Garo
Courela na Caiola João 3 15 2 34
Fernandes

Quadro nº 28
Azenhas

Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
1 nogueira
N/S 54 59,4 6 ameixoeiras
Azenha na ribeira da Amoreira 9.163 38
L/P 140 154 2 marmeleiros
1 figueira.
N/S 8 8,8 __
Azenha no ribeiro de Chinchas 67, 7 39
L/P 7 7,7
Ribeira de Odiana, um ferido do braço __ __ __ __
167
do freire

Quadro nº 29
Contratos sobre azenhas

Tipologia de Titular Tipologia dos Tipologia das rendas fixas Fólio


prédio/Localização contratos
Emprazament Trigo Galinhas
o (alquieres)
(vidas)
Azenha na ribeira da Álvaro Cordeiro 50 3 38
Amoreira Tabelião em Elvas 3
Azenha no ribeiro de Leonor Mendes, filha de 65 2 39
Chinchas Álvaro Cordeiro 3
Ribeira de Odiana, um Fernão Rodrigues Lobo ___ 20 2 167
ferido do braço do freire

Quadro nº 30
Hortas

Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Uma casa pequena,
poço, nora e tanque
9 nogueiras
116 amendoeiras 23
N/S 106 116
Horta no ribeiro de Chinchas + de 5.869 romanzeiras 40
L/P 46 50,6
11 figueiras
4 pessegueiros
5 marmeleiros
2 macieiras
1 casa térrea velha,
poço, tanque e nora
70 ameixoeiras
19 romanzeiras
N/S 57 62,7 12 figueiras
Horta no ribeiro de Chinchas + de 5.241 41
L/P 76 83,6 7 nogueiras
2 marmeleiros
3 macieiras
1 pereira

Horta no ribeiro de Chinchas N/S 93 102,3 7.540 60 ameixoeiras 42


L/P 67 73,7 4 macieiras
7 nogueiras
15 romanzeiras
2 marmeleiros
2 figueiras
1 casa pequena
poço, nora e tanque.

Quadro nº 31
Contratos sobre hortas

Tipologia de Titular Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas Fólio
prédio/Localização Emprazamento Numerário
(vidas) (reais)
Horta no ribeiro de Inês Nunes 3 500 40
Chinchas
Horta no ribeiro de Inês Álvares 3 300 41
Chinchas
Horta no ribeiro de Diogo Velho 3 300 42
Chinchas

Quadro nº 32
Olivais

Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
42 oliveiras
N/S ? 2 romanzeiras
Olival em Gil Navalha __ __
L/P 167 4 figueiras 53
1 pereira
36 oliveiras
+ 15 enxertos
N/S 112 123,2
Olival ao Poço das Pias 8.402 15 figueiras 56
L/P 62 68,2
15 romãzeiras
1 álamo
N/S 98 107,8
Olival no Pendão 1,1 61 oliveiras 57
L/P 98 107,8
N/S 89 97,9 3 oliveiras
Olival no caminho da Caiola 4.209 58
L/P 39 43 3 enxertos
6 oliveiras
N/S 134 147,4 30 enxertos
Olival no termo da cidade, ao Pendão 6.809 61
L/P 42 46,2 3 figueiras
3 romãzeiras
N/S 140 154 30 oliveiras
Olival na vinha da Ordem 6.098 59
L/P 36 39,6 14 enxertos
N/S 126 138 70 oliveiras
Olival na vinha da Ordem 2,12 60
L/P 140 154 10 enxertos
56 oliveiras
12 enxertos
N/S 154 169,4
Olival, ao Pendão 1,5 16 figueiras 63
L/P 84 92,4
4 romanzeiras
2 ameixoeiras
42 oliveiras
N/S 24 26,4
Olival em Papelos 4065 4 enxertos 64
L/P 140 154
2 figueiras
22 oliveiras
25 enxertos
N/S 66 4 figueiras
Olival ao Pendão __ __ 65
L/P ? 4 romanzeiras
2 ameixoeiras
2 marmeleiros
N/S 140 154
Olival ao Pendão 1,4 __ 66
LP 84 92,4
N/S 116
Olival, ao Pendão __ __ __ 67
L/P ?
N/S 130 143
Olival, ao Pendão 1,32 __ 68
L/P 84 92,4
15 oliveiras
N/S 44 48,4
Olival, ao Pendão 0,5 8 enxertos 69
L/P 96 105,6
4 romãzeiras
N/S 84
Olival, ao Pendão __ __ __ 70
L/P
N/S 116 127,6 26 oliveiras grandes, 6
Olival, ao Pendão 1,2 59
L/P 86 94,6 enxertos

Quadro nº 33
Contratos sobre os olivais

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do Azeite
Titular Emprazamento Aves Fólio
prédio/Localização (alqueires/
(vidas) (galinhas
quota fixa)
Olival em Gil Navalha Diogo Velho 3 3 53
¼ da
Olival ao Poço das Cristóvão
3 azeitona 56
Pias Lopes
¼ da fruta
Pêro Eanes
Olival no Pendão 3 3 57
Colaço
Olival no caminho da
Pêro Delgado 3 1 58
Caiola
Olival no termo da
Isabel Álvares 3 0,5 61
cidade, ao Pendão
Olival na vinha da
Rui Coelho 3 3 59
Ordem
Olival na vinha da Pêro
3 1 5 60
Ordem Fernandes
Olival, ao Pendão Catarina 3 1/3 da 63
Fernandes azeitona ao
Pomares pé da oliveira
e ¼ da fruta
4 alqueires
de azeite
Olival em Papelos Florença Gil 3 64
pagos no
lagar
João
1 alqueire de
Fernandes,cria
Olival ao Pendão 3 1 azeite no 65
do do
lagar
Almirante
2 alqueires
Francisco
Olival ao Pendão 3 1 de azeite no 66
Brasto
lagar
1 alqueire de
Olival, ao Pendão Beatriz Perxe 3 azeite no 67
lagar
1/2alqueire
Cristóvão
Olival, ao Pendão 3 1 de azeite no 68
Gonçalves
lagar
1 alqueire de
Margarida
Olival, ao Pendão 3 azeite no 69
Lourenço
lagar
Álvaro 1/2alqueire
Gonçalves, de azeite
Olival, ao Pendão 3 70
filho da " forro de todo
meloa " o custo
1 alquei
Bastião Lopes Re de azeite
Olival, ao pendão 3 159
o garganta forro de todo
o custo
Quadro nº 34
Vinhas

Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 137 150,7 8 figueiras
Vinha, na vinha da Ordem 7459
L/P 45 49, 5 2 oliveiras 71
6 figueiras
N/S 87 95,7
Vinha, ao ribeiro de Varche 6316 2 oliveiras 72
L/P 60 66
1 figueira
N/S 68 78,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 1552 18 figueiras 73
L/P 18 19,8
5 figueiras
N/S 48 52,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.840 1 amendoeira 74
L/P 135 148,5
1 pereira
N/S 43 47,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.619 5 figueiras 75
L/P 108 118
N/S 90 99
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.940 2 figueiras 76
L/P 27 29,7
N/S 90 99
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.138 __ 76
L/P 38 41,8
N/S 18 19,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.532 2 ameixoeiras 78
L/P 108 118,8
N/S 76 83,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.356 3 figueiras 79
L/P 80 88
N/S 63 69,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.668 __ 80
L/P 35 38,5
N/S 17 18,7 10 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.275 81
L/P 62 68,2 1 macieira
N/S 54 59,4 1 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.881 81
L/P 108 118,8 4 amendoeiras
8 figueiras
N/S 66 72,6 2 nogueiras
Vinha, ao ribeiro da Láge 4.386 83
L/P 55 60,5 10 romanzeiras
6 macieiras
N/S 80 88
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.744 12 ameixoeiras 84
L/P 80 88
N/S 56 61,6 3 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.743 85
L/P 70 77 1 amoreira
N/S 110 121
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.327 __ 86
L/P 25 27,5
NS 58 63,8 3 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 6316 87
LP 90 99 5 amoreiras
NS 64 70,4 1 nogueira
Vinha , ao ribeiro de Varche 1.161 88
LP 15 16,5 1 canavial
N/S 60 66
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.808 1 amoreira 89
L/P 80 88
N/S 78 85,8 1 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.698 90
L/P 18 19,8 1 amoreira
NS 86 94,6 1 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.705 91
LP 26 28,6 1 pereira
N/S 17
Vinha, ao ribeiro de Varche __ __ __ 92
L/P ?
N/S 125 19 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche __ __ 93
L/P ? 1 pereira
N/S 20 22
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.74,4 __ 94
L/P 32 35,2
N/S 140 154
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.235 __ 95
L/P 25 27,5
N/S 26 28,6 4 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.415 96
L/P 45 49,5 4 amendoeiras
N/S 33 36,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.515 __ 97
L/P 63 69,3
7 figueiras
N/S 93 102,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 6.751 3 ameixoeiras 98
L/P 60 66
1 pereira
N/S 76 3 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche __ __ 99
L/P ? 3 ameixoeiras
N/S 90 99 1 figueira
Vinha, ao ribeiro da Láge 4.900 100
L/P 45 49,5 1 ameixoeira
N/S 40 44 8 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.113 101
L/P 23 25,3 1 pereira
Vinha, ao ribeiro de Varche N/S 44 48,4 4.259 __ 102
L/P 80 88
6 figueiras
N/S 68 74,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 822 2 nogueiras 103
L/P 10 11
1 amoreira
N/S 30 33
vinha, ao ribeiro de Varche 3.267 __ 104
L/P 90 99
1 figueira
N/S 90 99
Vinha , ao ribeiro de Varche 3.702 2 ameixoeiras 105
L/P 34 37,4
1 pereira
10 figueiras
N/S 54 59,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.789 5 ameixoeiras 106
L/P 58 63,8
1 pereira
N/S 18 19,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 392 __ 107
L/P 18 19,8
N/S 70 77 4 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.811 108
L/P 45 49,5 1 pereira
N/S 17 18,7
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.221 __ 109
L/P 108 118,8
N/S 86 94,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.954 __ 109
L/P 38 41,8
N/S 49 2 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche __ __ 111
L/P ? 1 pereira
N/S 59 64,9
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.354 __ 112
L/P 61 67,1
N/S 130 143 3 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.617 113
L/P 23 25,3 1 pereira
NS 140 154 5 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.235 114
LP 25 27,5 1 pereira
N/S 104 114,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.146 __ 115
L/P 25 27,5
8 oliveiras
N/S 112 123,2
Vinha, na vila fria 9.079 4 ameixoeiras 116
L/P 67 73,7
5 figueiras
N/S 90
Vinha, ao ribeiro de Varche ? ? 22 figueiras 117
L/P ?
Vinha, ao N/S 20 22 1 estacada de oliveiras
2.904 118
Vale do enfernon L/P 120 132 1 pereira
N/S 90 99 3 ameixoeiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.722 119
L/P 25 27,5 1 pereira
N/S 28 30,8 8 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.236 120
L/P 66 72,6 4 ameixoeiras
N/S 74 81,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.954 __ 121
L/P 33 36,3
N/S 45 49,5 2 figueiras, 1
Vinha , ao ribeiro de Varche 7.623 122
L/P 140 154 amendoeira
N/S 28 30,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.236 __ 123
L/P 66 72,6
N/S 63 69,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.811 5 figueiras, 1 pereira 124
L/P 50 55
6 ameixoeiras, 12
N/S 19,5 21,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.247 amoreiras, 1 nogueira, 125
L/P 53 58,3
1 romãzeira
N/S 80 88
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.323 __ 126
L/P 24 26,4
N/S 45 49,5 2 figueiras, 1
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.623 127
L/P 140 154 ameixoeira, 1 pereira
N/S 17 18,7
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.275 __ 128
L/P 62 68,2
N/S 80 88 20 amendoeiras, 1
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.744 129
L/P 50 55 pereira
N/S 46 50,6 1 pereira
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.899 130
L/P 106 116,6 1 nogueira
N/S 60 66
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.808 __ 131
L/P 80 88
N/S 42 2 amendoeira
Vinha, ao ribeiro de Varche ? 132
L/P ? 1 pereira
N/S 63 69,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.981 __ 133
L/P 26 28,6
N/S 7 7,7
Vinha, ao ribeiro de Varche 872,4 __ 134
L/P 103 113,3
4 figueiras
N/S 25 27,5 10 oliveiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.722 135
L/P 90 99 1 romanzeira
1 pereira
1 figueira
N/S 17,5 19,25
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.286 1 amendoeira 136
L/P 108 118,8
1 pereira
N/S 56 61,6 1 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.388 137
L/P 50 55 1 pereira
N/S 110 121 7 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.327 138
L/P 25 27,5 1 pereira
N/S 82 90,2 6 amendoeiras
Vinha , ao ribeiro de Varche 6.647 139
L/P 67 73,7 1 pereira
9 amendoeiras
N/S 38 41,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.540 3 figueiras 140
L/P 77 84,7
1 pereira
N/S 67 73,7 5 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.648 141
L/P 45 49,5 1 pereira
N/S 77 84,7 2 amendoeiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.540 142
L/P 38 41,8 1 pereira
N/S 61 67,1 5 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.100 143
L/P 42 46.2 1 pereira
N/S 16 17,6 2 amendoeiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.742 144
L/P 90 99 1 pereira
N/S 34 37,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.632 __ 145
L/P 64 70,4
N/S 22 24,2 4 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.650 146
L/P 62 68,2 1 pereira
5 figueiras
N/S 106 116,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.565 1 nogueira 147
L/P 20 22
1 pereira
N/S 80
Vinha, ao ribeiro de Varche ? ? __ 148
L/P ?
Vinha, ao ribeiro de Varche N/S 16 17,6 1.936 1 pereira 149
L/P 100 110 1 nogueira
12 amendoeiras 6
ameixoeiras
N/S 80 88
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.323 2 figueiras 150
L/P 24 26,4
1 nogueira
1 romãzeira
N/S 20 22
Vinha, ao ribeiro de Varche 532 1 pereira 151
L/P 22 24,2
N/S 25 24,2 8 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.194 152
L/P 120 132 1 pereira
11 figueiras
N/S 136 149,6 2 nogueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.265 153
L/P 32 35,2 2 romanzeiras
1 pereira
N/S 82
Vinha, ao ribeiro de Varche __ ? 4 figueiras 154

N/S 77 84,7 1 figueira,


Vinha, ao ribeiro de Varche 2.515 155
L/P 27 29,7 1 pereira
N/S 20 22 2 figueiras
Vinha , ao ribeiro de Varche 2.420 156
L/P 100 110 1 pereira
N/S 80 88
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.904 __ 157
L/P 30 33
N/S 60 66
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.630 __ 159
L/P 50 55
1 figueira
N/S 40 44
Vinha, ao ribeiro de Varche 580 1 amendoeira 160
L/P 12 13,2
1 pereira
8 figueiras
N/S 140 154
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.404 3 romanzeiras 161
L/P 26 28,6
1 pereira
N/S 90 99
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.445 8 amendoeiras 162
L/P 50 55
N/S 36 39,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 958, 3 2 oliveiras 163
L/P 22 24,2
N/S 36 39,6
Vinha, na Bugalha 2.613 __ 164
L/P 60 66
N/S 36 39,6 Chão com vinha
Vinha, ao ribeiro de Varche 958 165
L/P 22 24,22 cercado de oliveiras

Quadro nº 35
Contratos sobre as vinhas

Tipologia das
Tipologia dos contratos
Tipologia do rendas fixas
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Vinho
(vidas) (almudes)
Leonor Lopes,
Vinha, na vinha da
viúva de Pêro 3 4,5 71
Ordem
Mendes
Vinha, ao ribeiro de João Gomes,
3 4 72
Varche almocreve
Vinha, ao ribeiro de Rui Lopes 3 1,5 73
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Bastião Lopes 3 3,5 74
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Pêro Delgado 3 4 75
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Bartolomeu Vaz 3 2 76
Varche
Vinha, ao ribeiro de António
3 4 77
Varche Fernandes
Vinha, ao ribeiro de
Diogo Velho* I 3 5 78
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Diogo Velho* II 3 2,5 79
Varche
Vinha, ao ribeiro de Afonso de
3 1 80
Varche Vargas I, oleiro
Vinha, ao ribeiro de Afonso de
3 1 81
Varche Vargas II, oleiro
Vinha, ao ribeiro de Gonçalo
3 4 82
Varche Afonso*
Álvaro
Vinha, ao ribeiro de
Fernandes, 3 5 83
Varche
tabelião
Vinha, ao ribeiro de
Afonso Eanes 3 2 84
Varche
Vinha, ao ribeiro de Pêro Afonso dos
3 4 85
Varche logios
Vinha, ao ribeiro de Domingos
3 3 86
Varche Martins
Vinha, ao ribeiro de
Gião Vaz __ 4 87
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Isabel Lopes __ 1,5 88
Varche
Vinha, ao ribeiro de Bartolomeu
3 3 89
Varche Pires Giraldo
Vinha, ao ribeiro de Gonçalo Gomes
3 1 90
Varche Amado
Vinha, ao ribeiro de
Lopo Pardo 3 3 91
Varche
Vinha, ao ribeiro de Brás Gonçalves
3 1,5 92
Varche Calaforano
Vinha, ao ribeiro de Cristóvão de
3 3 93
Varche Baião
Vinha, ao ribeiro de Gonçalo de
3 0,5 94
Varche Baião
Vinha, ao ribeiro de
Garcia Coelho* 3 3 95
Varche
Vinha, ao ribeiro de João Lopes
3 1,5 96
Varche Baião
Vinha, ao ribeiro de
Beatriz Caiola I 3 2,5 97
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Beatriz Caiola II 3 3 98
Varche
Vinha, ao ribeiro de Francisco
3 2,5 99
Varche Madeira
Vinha, ao ribeiro da Álvaro da
3 1,5 100
Láge Mesquita* I
Vinha, ao ribeiro de Álvaro da
3 0,5 101
Varche Mesquita* II
Vinha, ao ribeiro de
Diogo da Parga 3 2 102
Varche
Vinha, ao ribeiro de Manuel
3 4 103
Varche Fernandes*
Álvaro
Vinha , ao ribeiro de
Fernandes 3 1,5 104
Varche
clérigo*
Vinha , ao ribeiro de
Inês Rodrigues 3 2,5 105
Varche
Vinha, ao ribeiro de
João Sardinha 3 2 106
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Luís Lopes 3 2,5 107
Varche
Vinha, ao ribeiro de Bastião Vaz
3 2 108
Varche Cordeiro
Vinha, ao ribeiro de
Leonor Gomes 3 2,5 109
Varche
Vinha, ao ribeiro de Estêvão
3 3,5 110
Varche Rodrigues
Vinha, ao ribeiro de
Manuel Lopes 3 1 111
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Soeiro Eanes 3 2 112
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Martim Afonso* 3 3 113
Varche
Álvaro
Vinha, ao ribeiro de
Fernandes 3 2 114
Varche
o "lodolho"
Vinha, ao ribeiro de
Bastião Alvares 3 3,5 115
Varche
Cristóvão
Vinha, na vila fria 3 __ 116
Lopes*
Vinha, ao ribeiro de
Catarina Vaz 3 7,5 117
Varche
Vinha, ao Pêro Anes
3 118
Vale do enfernon Beirarom
Vinha, ao ribeiro de Martim Afonso
3 2 119
Varche II
Vinha , ao ribeiro de Gaspar
3 3 120
Varche Rodrigues
Vinha, ao ribeiro de
João Domingues 3 2 121
Varche
Vinha , ao ribeiro de
Pêro Lourenço 3 4 122
Varche
Vinha, ao ribeiro de Gaspar
3 3 123
Varche Fernandes
Vinha, ao ribeiro de
Fernão Lobo* 3 3 124
Varche
Vinha, ao ribeiro de Álvaro
3 7,5 125
Varche Rodrigues
Vinha, ao ribeiro de Gaspar
3 1,5 126
Varche Rodrigues II
Vinha, ao ribeiro de Pêro Lourenço
3 4 127
Varche II
Vinha, ao ribeiro de André
3 1 128
Varche Rodrigues
Vinha, ao ribeiro de
Fernão Delgado 3 4 129
Varche
Vinha, ao ribeiro de Manuel de
3 4 130
Varche Sequeira
Bartolomeu
Vinha, ao ribeiro de
Pires 3 3,5 131
Varche
Giraldo
Vinha, ao ribeiro de
Fernão Gil Selas 3 1,5 132
Varche
Vinha, ao ribeiro de Constança
3 2,5 133
Varche Martins Tibelas
Vinha, ao ribeiro de
Manuel Pires 3 2 134
Varche
Vinha, ao ribeiro de Pêro Aires
3 1,5 135
Varche Cacho*
Vinha , ao ribeiro de Álvaro Eanes
3 2,5 136
Varche Gulo
Vinha, ao ribeiro de João Fernandes
3 2,5 137
Varche Barbas
Vinha, ao ribeiro de
Miguel Martins 3 2 138
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Vasco d’ Évora 3 2 139
Varche
João Gomes,
Vinha, ao ribeiro de
filho de Vasco 3 2 140
Varche
d’Évora
Vinha, ao ribeiro de
Diogo Lopes 3 3 141
Varche
Vinha, ao ribeiro de
João Lopes 3 1,5 142
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Aires Martins 3 2 143
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Lopo Garção 3 1,5 144
Varche
Vinha, ao ribeiro de João Gonçalves
3 3 145
Varche Marchão
Vinha, ao ribeiro de Bartolomeu
3 3 146
Varche Gonçalves
Vinha, ao ribeiro de
Mem Pegado 3 1,5 147
Varche
Vinha, ao ribeiro de Afonso 2,5 148
Varche Rodrigues
sapateiro
Vinha, ao ribeiro de
Lourenço Anes 3 2 149
Varche
Vinha, ao ribeiro de Domingos
3 1,5 150
Varche Fernandes
Vinha, ao ribeiro de Álvaro Anes
3 1,5 151
Varche Valejo
Vinha , ao ribeiro de João Pires
3 3 152
Varche Torchão
Vinha, ao ribeiro de
Manuel Mendes 3 2 153
Varche
Vinha, ao ribeiro de Álvaro
3 4 154
Varche Fernandes
Vinha, ao ribeiro de
Pêro Fernandes 3 4 155
Varche
Vinha, ao ribeiro de Lourenço Pires
2 156
Varche Cabreirinha
Domingues
Vinha, ao ribeiro de
Anes 3 2 157
Varche
Valejo II
Vinha, ao ribeiro de
João de Torres 3 2 158
Varche
Martim
Vinha, ao ribeiro de
Rodrigues 3 1,5 160
Varche
Valejo
Vinha, ao ribeiro de Manuel
3 3,5 161
Varche Borralho
Vinha, ao ribeiro de Diogo Gomes
3 4 162
Varche Cacho
Vinha, ao ribeiro de
Lopo Vaz 1,5 163
Varche
Vinha, na Bugalha António Lopes 3 2 164
Pêro Anes
Vinha em Varche ? 2 165
Valejo

Quadro nº 36
Chãos e quintal

Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
1 nogueira
N/S 11,5 12,6 1 figueira,
Chão na rib.ª de Chinchas 554
L/P 40 44 1 ameixoeira, 143
1 pereira
N/S 40 44 3 figueiras,
Chão, á quinta de João Álvares Godinho 2.178 44
L/P 45 49,5 1 ameixoeira
N/S 89 97,9 3 oliveiras e
Chão no caminho de Caiola 4.199 45
L/P 39 42,9 3 enxertos
N/S 40 44 3 figueiras,
Chão, á quinta de João Álvares Godinho 3.811 62
L/P 45 49,5 1 ameixoeiras
2 figueiras,
N/S 10 11 1 pereira,
Quintal dentro da cidade 97 109
L/P 8 8,8 1 lanjeira,
1 limoeiro

Quadro nº 37
Contratos sobre os chãos e quintal

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do
Titular Emprazamento Aves Numerário Fólio
prédio/Localização
(vidas) (galinhas) (reais)
Chão na rib.ª de Simão de
3 ___ 60 43
Chinchas Montariol
Chão, á quinta de João
João Ouregãos 3 ___ ___ 44
Álvares Godinho
Chão no caminho de
Pêro Delgado 3 1 ___ 45
Caiola
Chão, á quinta de João João Ouregãos
3 2 ___ 62
Álvares Godinho II
Quintal dentro da cidade Manuel Calaça 3 ___ 20 46

4.2. Visitação da comenda de Juromenha

Muito embora tenha ficado patente o tom de urgência posto na realização de visitações durante o
Capítulo Geral de 1515, após a visita à Comenda da Alcáçova de Elvas, ainda efectuada em
finais desse mesmo ano, e de que já nos ocupámos, aparentemente só cerca de seis meses mais
tarde a tarefa das visitas seria retomada. A essa interrupção não terá sido alheio o facto de que os
meses de invernia dificultariam, chegando mesmo a impedir, a realização de todas as actividades
de medições e confrontações, imprescindíveis nos casos de elaboração de tombos de bens
próprios da Ordem.
A equipa de visitadores permanecia idêntica, Henrique Henriques de Miranda (que, entretanto,
fora nomeado Comendador de Santa Maria da Alcáçova de Elvas), o respectivo prior, Frei
Tristão e, como escrivão, o escudeiro Brás Gato, precisamente os mesmos que encontramos a
iniciar a visitação a Juromenha em 8 de Junho de 1516 .
Situada a três léguas a Sul da cidade de Elvas a vila de Juromenha tinha uma légua de termo até
confontar com o daquela cidade. A Levante ficava a vila de Olivença de que distava duas léguas,
e o respectivo termo estendia-se por uma légua até confrontar com o de Olivença. A Poente
ficava a vila do Alandroal, de que distava três léguas, e o respectivo termo estendia-se por duas
léguas e meia até confrontar com a vila do Alandroal. A Noroeste da vila de Juromenha, à
distância de três léguas, ficava Vila Viçosa, com cujo termo confrontava decorrida meia légua
Nessa ocasião a comenda da Juromenha estava na mão de Frei António de Azevedo, Almirante
do reino e chaveiro da Ordem de Avis que, por se encontrar na corte ao tempo desta visitação,
não pôde ser visitado.

4.2.1. Dimensão religiosa

Igreja
O prior da igreja matriz da Juromenha era, nessa altura, Bastião Cordeiro, Freire conventual, ao
qual os visitadores perguntaram se era professo, respondendo afirmativamente. E, sendo
inquirido sobre o título do priorado mostrou, tanto a apresentação do Mestre, como a
confirmação do bispo de Évora, e ambos os diplomas referiam que essa apresentação pertencia in
solidum ao Mestre da Ordem de Avis, qualquer que fosse a via através da qual se verificasse a
vacatura deste priorado.
O prior Frei Bastião Cordeiro declarou receber de mantimento anual seis mil reais de cura, mais
quatro mil reais de cantar quotidianamente na capela, a que se juntavam 16,56 hectolitros de
trigo, e 12,42 hectolitros de cevada, tendo besta. Explicou que não tinha o livro da Regra da
Ordem porque, até esse dia, não lhe havia sido dado.
Depois do juramento habitual, os juízes e vereadores da vila afiançaram que o Prior era bom
homem e honesto no seu viver, que servia bem a igreja e o povo, dizia missa quotidiana, dando
sempre os sacramentos a quem lhos pedia, razões pelas quais estavam satisfeitos com o seu
desempenho. Os visitadores encontraram João Cortes exercendo as funções de tesoureiro da
igreja (cargo cuja nomeação pertencia ao Comendador).
O corpo desta igreja foi medido tendo-se encontrado, desde as grades da capela-mor até à porta
principal 11m de comprimento e, de largura, entre as portas travessas Sul e Norte, 108,9m 2. Por
seu turno a capela-mor tinha, da parede até ás grades 36,3m 2. Estas medidas indicavam que a
área total da igreja era da ordem dos 145m2.
O templo era de pedra e cal por dentro, encontrando-se rebocado e caiado por fora. A capela-mor
estava pavimentada com lages de pedra e tinha grades de madeira novas.
O altar-mor estava encimado por um tríptico, que ao meio, representava Nossa Senhora. Tudo
sobrepujado por um guarda - pó com as armas do Almirante Lopo Vaz, que o tinha oferecido. Os
visitadores constataram que, tal como já havia sucedido em Santa Maria da Alcáçova, em Elvas,
não existia sacrário.
Na parede do cruzeiro encontravam-se dois altares, cada um dos quais encimado por um
retábulo. A sacristia deste templo era uma divisória que sobressaía da parede do lado do
Guadiana, edificada com taipa sobre alicerces de pedra e cal. Estava madeirada de novo e telhada
com telha vã. O adro da igreja não excedia uma área da ordem dos 45 m 2. A igreja dispunha de
dois sinos, postos num cubelo que ficava na parede do lado do Guadiana, e duas campainhas de
levantar a Deus, uma grande e outra pequena.

Quadro nº 39
Pinturas e imagens

Tipologia Localização
Tríptico, com os seus 3 painéis que, no central, representava Nossa Senhora,
No altar-mór, ao centro
ladeada por S. Bento e S.Tiago
O 2.º painel representava os reis magos No altar-mór do lado do evangelho
O 3.º painel, o espírito santo. No altar-mór do lado da epístola
Retábulo com Santa Luzia e S. Bartolomeu Num dos altares da parede do cruzeiro
Retábulo com S. Brás e Santa Catarina No outro altar da parede do cruzeiro
Cofrexo de madeira representando, de um lado Nossa Senhora e, do outro, S.
No cimo da parede do cruzeiro
João

Quadro nº40
Prata da igreja

Peso
Tipologia Características
(gramas)
Dourado, oferecido pelo "almirante novo"
Cálice com sua patena 460
Frei António de Azevedo
Cálice de prata branca, com sua patena Oferecido por Inês Fernandes 345
488,7
Cálice de prata branca Com o pé dourado e letras douradas no vaso

TOTAL PRATA (Kg) 1,293 Kg

Quadro nº 41
Vestimentas da igreja

Tipologia Características
Vestimenta de tafetá catasoll Com o savastro de cetim azul e alças de ouro, com as armas do
Almirante que a tinha oferecido. Era franjada de retróz colorido e
trazia consigo uma alva com regarços e botões de veludo
carmesim, nova
Vestimenta de chamalote preto Com savastro de damasco branco com as armas do Almirante que
a tinha oferecido. Era franjada de retróz colorido e trazia consigo
uma alva e duas almátegas do mesmo teor, com alvas, já usada

Vestimenta de metades Uma delas de cetim verde e a outra de damasco alcovado, com
savastro de brocado ostentando as armas do Almirante, que a
tinha dado, e a respectiva alva, já usada

Vestimenta de pano pintado da Índia Com a sua alva, também ela oferecida pelo Almirante

Vestimenta idêntica à anterior Oferecida pelo Almirante


Capa de damasco roxo Com savastro e capelo de veludo verde, franjada de retróz com
cores, nova

Quadro nº42
Roupa da igreja

Tipologia Características
4 frontais De Arras, um novo e três usados
4 toalhas Francesas, novas
4 manteus Uns novos e três usados
2 lençois pintados De cobrir os santos
Pano pintado Com vivos de ouro, que seria duma vara com que davam a paz
Toalha De seda lavrada
Almeyxzar (sic) azul Que andava na cruz

Quadro nº43
Arame da igreja

Tipologia Características
4 castiçais grandes Dois de bico e dois de cano
Cruz. De arame
2 tytolos De arame
Bacio de oferta.
Caldeira De cobre para àgua benta, nova
Galhetas De estanho, novas

Quadro nº44-A
Livros da igreja

Tipologia Características
Missal místico De papel, encadernado, novo
Missal de missas votivas Em pergaminho. usado
Livro de ofícios Em pergaminho, novo
Livro domingal Em pergaminho, velho
Livro santal Em pergaminho, velho
Breviário De pergaminho de pena
Livro místico Em pergaminho, velho
Livro de baptismo Em pergaminho

Quadro nº44-B
Cera da igreja

Peso
Tipologia Características
(gramas)
Círio pascal grande 1.377
2 círios de levantar a Deus 1.377
2 círios 3.213

Os visitadores encontraram os 3 óleos santos em âmbulas de estanho, dentro de uma caixa de


madeira fechada . Existia na igreja de Juromenha uma confraria de Nossa Senhora que mandava
dizer missa aos sábados. Não tinha bens e vivia das esmolas com que se pagavam as missas,
celebradas com os ornamentos da igreja, e se comprava a cera .
Os enviados de D. Jorge verificaram que a igreja matriz de Juromenha tinha a obrigação de duas
missas cantadas que deixára um Gonçalo Rodrigues Nobre, as quais eram rezadas por João Pires,
o clérigo ao qual o defunto encarregára de as celebrar, juntamente com mais cinquenta e oito
missas rezadas, e estas últimas o sobredito clérigo poderia rezar onde bem lhe aprouvesse,
embora o prior tivesse conhecimento de que o clérigo efectivamente as rezava. Para este efeito
tinham ficado os seguintes bens:
1 – Umas casas de João Caniçado.
2 – Um olival à Cabeça do Bispo que partia com o olival de
Martim Anes.
3 – Uma vinha na várzea que partia com a vinha de Afonso
Gouveia.
4 – Uma herdade sita em Val das Almoinhas que partia com
outra herdade dos frades de Vila Viçosa.
Os enviados do Mestre constaram ainda que a mesma igreja matriz tinha uma obrigação de dez
missas deixadas por Álvaro Anes Relegão que, para esse efeito tinha legado os seguintes bens:
1 – Umas casas dentro da vila que partiam de um lado com
Catarina Nunes Ouregãos e, do outro, com Martim Vaz.
2 – Um olival ao Poço Velho confrontando de uma banda com
Pedro Anes Alega, e, da outra, com Diogo Rodrigues.
3 – Uma herdade situada no Areeiro que partia com Gil Dias
Cansado e com Vasco Anes Alegão.

O prior demonstrou ter conhecimento de que esta obrigação estava a ser cumprida.
Apresentados os dados relativos à igreja matriz de Juromenha constatavam-se algumas
necessidades imediatas que podem ser avaliadas pelo seguinte:

1 – O comendador ficava obrigado a manter e reparar a dita igreja à sua custa, bem como ao
(fornecimento e conserto) dos ornamentos, cera, incenso e prata. Ficava igualmente obrigado a
custear a visitação do bispo e a remunerar o tesoureiro. Pagava igualmente o ordenado ao prior.
Este último estava obrigado a celebrar missa quotidiana e a administrar todos os sacramentos da
igreja ao povo .

2 – Quando se fazia alguma obra na matriz os moradores da vila de Juromenha e seu termo eram
obrigados a acarretar para o respectivo estaleiro pedra, água, tijolos e telhas que o Comendador
pagava. Estavam igualmente obrigados a fornecer o óleo para as candeias e lâmpadas, bem como
a cera dos círios.

3 - Uma vez que tinha sido constatado não existir sacrário na igreja, e tratando-se de uma coisa
que era considerada muito necessária ao serviço de deus, e do povo para lhe serem ministados os
sacramentos, ordenaram ao Comendador que o fizesse até à próxima Páscoa. Mas, talvez porque
ainda não se encontrassem suficientemente divulgadas na ocasião a normas que deveriam
presidir à construção dos sacrários, que como verificámos a propósito de Santa Maria da
Alcáçova ainda não existiam em boa parte das igrejas da Ordem, os delegados do Mestre
deixaram instruções sobre o modo como deveria ser feito: localizado na parede da capela-mor, da
parte do evangelho, um armário com um arco de pedraria lavrada e, de dentro forrado com
tabuado, por causa da humidade. Teria as portas pintadas e fechadas com chave.
Far-se-à uma caixa quadrada coberta de veludo por fora, e por dentro de cetim, com uma
fechadura e sua chave, para nela ficar o santo sacramento, e esta caixa seria colocada no interior
do antedito armário Diante do sacrário colocariam uma cortina com um céu de lenço branco
franjado e, uma lâmpada grande, com a respectiva bacia, que deveria manter-se
permanentemente acesa .

4 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse rebocar e cair a igreja de lado de fora .

5 – Foi ordenado ao Comendador que fizesse acabar o campanário e colocar nele os sinos,
mandando construir uma escada de acesso exterior

6 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse telhar a igreja e cintá-la com cal.
7 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse fazer um guarda-pó de tabuado sobre o crucifixo
do cruzeiro .

8 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse rasgar uma fresta no tesouro, caiá-lo e provê-lo
com um armário para se vestirem os clérigos,ficando cerrado com uma chave, para nele ficarem
guardadas as vestimentas que serviam quotidianamente na igreja.
9 – Foi ordenado ao Comendador que recolhesse a prata devida à igreja e, com a ajuda que ele,
em consciência, entendesse que deveria dar pessoalmente, mandasse fazer uma cruz para a
igreja, ficando esta última parte a cargo da sua virtude e consciência.
Todas estas determinações foram mandadas executar pelo Comendador, sob as respectivas penas,
por todo o ano vindouro de mil quinhentos e dezassete, com a excepção do sacrário em que
cumpriria o prazo que o obrigava a construí-lo até à próxima Páscoa.

1. Ermida de Ermida de Santiago


Ficava no arrabalde da vila mas era muito antiga e encontrava-se totalmente derribada. O
respectivo adro tinha 2.877m2 de área.

2. Ermida de S. Sebastião
Igualmente localizada no arrabalde da vila, ocupava uma área de cerca de 38 m 2. A capela estava
forrada de ripa e rebocada por dentro e por fora. O corpo da ermida era feito de taipa rebocada
por dentro e por fora. Fora construída por devoção dos moradores e de sy se corege.

3. Ermida de Santa Catarina


Também se encontrava no arrabalde da vila e ocupava uma área de cerca de 47 m 2. A capela
encontrava-se forrada de ripa e cana rebocadas e o corpo do templo estava construído em
taipa.Fora igualmente construída por devoção, e pela mesma devoção se mantinha.

4. Ermida de Santa Maria de Vila Real


Encontrava-se situada no termo da vila e media, desde o altar até ao arco da capela 6 m de
comprimento por 3,85m de lagura. Já o corpo da ermida, medido desde o antedito arco até à
porta principal, tinha 74,4 m2 de área total.
A capela encontrava-se forrada de cana e ripa, estando o corpo madeirado de novo com castanho.
Tinha um único altar e um frontal novo de Arras. Encontrava-se provida com seis toalhas novas,
cortinas brancas com sua franja e castiçais de arame novos. Junto à porta principal ficava uma
pia de pedra para água benta.
Tinha adjacentes duas casas pequenas em que habitava o ermitão (que era posto pelo Almirante)
cercadas por um cerrado com três pessegueiros e duas figueiras.

Quadro nº 45
Pinturas e imagens da ermida de
Santa Maria de Vila Real

Tipologia Características Localização


Cercado por uma moldura dourada e
Retábulo de Nossa Senhora com S.
encimado por um guarda-pó azul com No altar
José,
estrelas douradas

5. Ermida de S. Brás
Esta ermida, cujo primeiro edificador se desconhecia, encontrava-se construída no termo da vila
e tinha uma capela nova de abóbada de ladrilho, embora o corpo permanecesse destapado por se
encontrar a fazer de novo à custa de esmolas dadas pelo Almirante e outras pessoas. Tinha um
cercado com uma fonte no meio e árvores de fruto.
Rezava-se nela uma missa dominical, mandada celebrar por lavradores que viviam em seu redor.
O ermitão era posto pelo Almirante.
A ermida de S. Brás tinha uma terra de pão com 18 hectares que andava com a Comenda e
entestava a Norte com terra de João Cavaleiro, e do Sul e Levante com herdeiros do Gançoso, e
do Levante com Bem Dirás.

Determinações gerais.
As determinações gerais constantes nesta visitação da comenda de Juromenha seguem, na
íntegra, o modelo apresentado no início deste capítulo.
4.2.2. Dimensão Senhorial

A "capacidade senhorial" estendia-se desde o auferir de determinadas rendas e direitos até à


intervenção na organização administrativa e judicial dos territórios. No que se refere ás
primeiras, grande parte daquelas que se encontram contidas nas fontes em estudo provinham de
contratos agrários levados a cabo pela Ordem de Avis, sendo provenientes dos foros pagos por
aqueles que haviam estabelecido tal tipo de relações com a instituição. Estes contratos, eram
preferencialmente celebrados em vidas, com particular relevo para aqueles que contemplavam
três vidas, prática que se encontrava expressamente contemplada nos textos normativos das
Ordens . A esmagadora maioria das excepções à "regra das três vidas" que se encontram referidas
nas fontes em estudo respeitavam a mortórios , terrenos com pouca aptidão agrícola, ou
longamente abandonados, jazendo em matos que implicavam penosos trabalhos de recuperação
que justificariam a sua alienação teoricamente perpétua. E dizemos teoricamente uma vez que,
de jure, poderiam apesar de tudo ser alienados em determinadas circunstâncias e condições .
A jurisdição do cível e do crime na vila e seu termo pertencia à Ordem de Avis, enquanto a dada
de ofícios cabia ao respectivo Mestre . Na sequência deste registo as fontes descriminam,
localidade a localidade, o rol dos ofícios sustentados pela Ordem.
Quadro nº46
Ofíciais da Ordem na vila de Juromenha

Nome Ofício
Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre, feita
Simão Bernaldes
por Gil Fernandes em Torres Vedras em 29 de Setembro de 1496
Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre feita
Fernão Lopes
em Benavente por Manuel da Mota em 1 de Fevereiro de 1507
Escrivão da câmara, dos órfãos e da almotaçaria, nomeado por
Filipe Vasques carta de mercê por 3 anos dos ditos ofícios do Mestre, feita em
Setúbal por Manuel Álvares a 16 de Maio de 1516,
Juiz dos órfãos, nomeado por carta de mercê do Mestre, por três
Diogo Figueira anos, do dito ofício, feita em Setúbal por Manuel Álvares, aos 16
de Maio de 1516
Diogo Figueira Inquiridor e contador dos feitos, nomeado por carta do Mestre
redigida por Antão Luís em Setúbal aos 3 de Setembro de 1505.

Quadro nº47
Vereação da câmara de Juromenha em 1516

Nome Cargo
João Garcia juíz
Garcia Lourenço juíz
João Pires vereador
Manuel Rei vereador
procurador do concelho
João Pires

O senhorio da Ordem de Avis na vila de Juromenha abrangia um largo espectro de direitos e


imposições fiscais, extensivas à esmagadora maioria das matérias tributáveis, implicando a
recepção do quinto de certos moinhos e azenhas, e forosde outros, como adiante veremos no
tombo de bens próprios, o pé d’altar, a pensão paga por cada um dos tabeliães, que montava a
180 reais por cada um, as carceragens, as penas d’armas, e as bestas do vento.Outra vertente das
suas atribuições senhoriais era o recebimento das rendas.
Nesta matéria a fonte descriminava as seguintes: o dízimo do pão, do vinho, do linho, dos
frangãos, dos enxames, do gado, da lã, dos queijos, de toda a fruta e hortaliça, bem como de
todos os legumes. Recebia igualmente a Ordem o dízimo das poldras e das outras bestas, tal
como o dízimo de todas as outras coisas que, de acordo com o direito, se encontravam sujeitas a
dízimo. Com a particularidade de que, a partir da ribeira de Odiana, em direcção a Olivença, a
mesma Ordem recebia todos os dízimos em sólido sem qualquer parte do bispo ou cabido.
Encontramos nesta visitação, a exemplo daquilo que se verificará em visitas subsequentes,
referência referência à Alcaidaria e rendas dela.
Pertenciam igualmente à Ordem a portagem da vila e as receitas da respectiva barca, bem como
o conhecimento das telhas e ladrilhos. Em termos de organização da propriedade na comenda, a
fonte informa que a concessão de terras em sesmaria estava a cargo da Ordem, nos termos em
que ficava referida na minuciosa determinação que a regulamentava.
Nesta vila e seu termo residiam, de acordo com a fonte, 200 vizinhos, sendo 15 de cavalo, mas
não havia besteiros nem espingardeiros. Não se encontra na mesma fonte qualquer estimativa do
montante das rendas, embora tenhamos conhecimento de que, nas já referidas 1534, estas se
encontravam orçamentadas em 500.000 reais.

Fortaleza de Juromenha
Ao contrário do que se verificava na precedente visitação à comenda de Santa Maria da
Alcáçova, na cidade de Elvas, a vila de Juromenha encontrava-se sob jurisdição da Ordem
Militar de Avis que detinha a respectiva Alcaidaria-mor, nessa altura em mão do Almirante
(António de Azevedo), seu Comendador. Todavia, como tivemos ocasião de constatar no início
da presente visita, este Comendador e Alcaide-mór não se encontrava presente na ocasião,
circunstância pela qual não foi possível que os visitadores vissem o respectivo título da
alcaidaria, nem conferissem o inventário das coisas que lhe haviam sido entregues e pertenciam à
fortaleza.
Não obstante os enviados de D. Jorge consideraram pertinente anotar que, nesta última fortaleza,
não havia armas nem artilharia, e que ela se encontrava muito danificada, tanto no que respeitava
à fortaleza propriamente dita, como aos muros e torres doareyras (sic) salientando
elucidativamente que seria necessário um grande esforço para se repararem esses mesmos muros
e torres. Acrescentavam que a própria torre de menagem necessitava de ser reparada por dentro,
encontrando-se igualmente danificada.

4.2.3. Dimensão patrimonial


Deparamo-nos pela primeira vez nesta visitação à vila e comenda de Juromenha com moinhos e
azenhas que, conjuntamente com os lagares, açougues e fornos de pão a Ordem procurava
rendibilizar. Neste caso concreto das azenhas aproveitando os cursos de àgua que pertenciam ao
senhorio.

Propriedade urbana
Quadro nº 48
Prédios urbanos

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Titular Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)

Casa dos Comendadores 310


247- 248
Casa junto da igreja, servia de 7 7,7
33,8 249
celeiro 4 4,4
Casa junto da igreja, servia de 7 7,7
25,4 249
celeiro 3 3,3
6 6,6
Dois pardieiros 17,8 249
2,5 2,75
Casa, na cerca da vila na rua de Francisco
18 232
Diogo Figueira Rodrigues
Propriedade rústica

Coutos do concelho

O concelho desta vila tinha duas coutadas para pasto dos seus gados, um exclusivamente
reservado para os bois de arado e vacas que lavravam, e o outro não.
A primeira coutada ficava para lá da ribeira de Odiana, partindo com esta última e com o ribeiro
de Benalcaide, com a herdade de Mem Rodrigues Carapinha, com a herdade dos Cansados, com
a herdade de Afonso Vaz o velho e com a estrada que ia para Olivença.
A segunda situava-se no Murtalha, que era de herdeiros, e somente os bois de arado do concelho
e dos ditos herdeiros pasciam nela. Partia com o caminho de Elvas, com a herdade de Gernão
Gomes, ribeiro de Mures, com a herdade de Arouca e com outros.

Quadro nº 49
Defesas da Ordem

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 1310 1.441
Várzea Redonda, no termo da vila 307
L/P 1938 2.131 200
Várzea do chafariz, no termo da N/S 1134 1.247
60 201
vila L/P 532 585

Quadro nº 50
Herdades

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 589 648
Zambujal 100
L/P 1930 2.130 202
N/S 560 616
Val de Rate 25 203
L/P 440 484
N/S 2060 2.226
As Avessadas 150 204
L/P 720 792
Quadro nº 51
Courelas

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 164 180,4 205
1 courela no Alfornel 1
L/P 53 58,3
N/S 114 616
1courela no Alfornel 30 206
L/P 95 484
N/S 306 336
1 courela no Amendoal 7,8 207
L/P 213 243
N/S 77 84,7
1 courela, também no Amendoal 1 208
L/P 128 140,8
1courela nos barros de Joana N/S 416 457
18 209
Miguel L/P 360 396
N/S 36 39,6
1courela no Poço do Clérigo 2,2 210
L/P 520 572
N/S 282 310
1courela no Vale de Loam 10 211
L/P 300 330

Quadro nº 52
Ferragiais

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 102 112
Ferragial junto a S.ta Catarina 7.850
L/P 70 77 212
N/S 29 319
Ferragial junto a S.ta Catarina 772 213
L/P 22 24,2
Ferragial entre caminho do N/S 60 66
1.960 214
concelho e ribª de Odiana L/P 27 29,7
N/S 74,5 82
Ferragial junto à vila 1.984 215
L/P 22 24,2
Ferragial junto ao Outeiro da N/S 35 38,5
9.444 216
Forca L/P 223 245

Quadro nº 53
Contratos sobre moinhos e azenhas
Tipologia das
Tipologia dos contratos
Tipologia do rendas fixas
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Trigo
Arrendamento
(vidas) (hectolitros)
Afonso
Moinho na ribª de Lourenço,
X 5,52 216
Odiana morador em
Vila Viçosa
Nuno Álvares,
Moinho no Porto das
morador em X 2,76 218
Bestas, ribª de Odiana
Vila Viçosa
João Álvares,
Moinho na ribª
morador em X 1,3 219
d’Asseca
Juromenha
João Martins,
Moinho na Pena de
morador em X 82,8 220
Gato, na ribª de Odiana
Elvas
Mor Pires
Moinho no ribº de Condessa,
X 2 221
Mures, ao castelo velho viúva, morª em
Juromenha
Moinho no ribº de Rui Vaz, morº
X 2 222
Mures em Juromenha
João Álvares
Moinho no Porto de
Penteado,
Val Longo, na ribª de X 2,7 223
morador em
Odiana
Juromenha
João Álvares
Moinho no ribº de Penteado,
X 2 224
Mures morador em
Juromenha
Martim
Mendes,
Moinho no ribº de
morador em 3 82,8 225
Mures
Vila Viçosa

João de
Moinho na Pena de Barbudo,
X 2 226
Gato, na ribª de Odiana morador em
Elvas
Moinhos no Moinho do João Tarinho,
Pedreiro, na ribª de morador em X 4 252
Odiana Olivença

Quadro nº 54
Vinhas

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 21 23 227
Vinha, na ribª de Mures 1.016
L/P 20 44
N/S 13,5 14,8
Vinha, ao ribeiro de Mures 1.306 228
L/P 80 88
N/S 14 15,4
Vinha, em Mures 2.371 229
L/P 140 154
N/S 22,5 52,8
Vinha, ao ribeiro de Mures 8.131 230
L/P 140 154
N/S 9 9,9
Vinha, em Mures 871 233
L/P 80 88
234
Vinha, em Mures __ __ __

N/S 92 101
Vinha, ao ribeiro de Mures 1,5 235
L/P 140 154
N/S 13,5 14,8
Vinha, em Mures 2.116 236
L/P 130 143
N/S 16 17,6
Vinha, em Mures 1.548 238
L/P 80 88
N/S 11,5 12,6
Vinha, ao ribeiro de Mures 1.113 239
L/P 80 88
N/S 11,5 12,6
Vinha, ao ribeiro de Mures 1. 113 240
L/P 80 88
N/S 10 11
Vinha, , em Mures 968 241
L/P 80 88
N/S 10 11
Vinha, em Mures 968 243
L/P 80 88
N/S 16 17,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.872 244
L/P 200 220
N/S 21 23,1
Vinha, ao ribeiro de Mures 2.032 245
L/P 80 88
N/S 5 6,1
Vinha, ao ribeiro de Mures 536,8 246
L/P 80 88

Quadro nº 55
Contratos sobre vinhas

Tipologia dos Tipologia das


Tipologia do
Titular contratos rendas fixas Fólio
prédio/Localização
Arrendamento Galinhas Frangão
Diogo Figueira,
Vinha, na ribª de Mures morador em X 2 227
Juromenha
Vinha, ao ribeiro de
João Garcia X 1 1 228
Mures
Vinha, em Mures Afonso Lourenço X 2 229
Vinha, ao ribeiro de Belchior Rebelo,
X 6 230
Mures órfão
Vinha, em Mures Lopo Vaz Perdigão X 1 233
Vinha, em Mures Rui Vaz Ribeiro X 2 234
Vinha, ao ribeiro de
Comendador __ 235
Mures
Vinha, em Mures Tomé da Silva X 1 236
Vinha, ao ribeiro de
Maria Soeiro X 2 238
Mures
Vinha, ao ribeiro de Martim Afonso
X 5 239
Mures Nobre
Vinha, , em Mures Bento Vaz X 1 240
Vinha, em Mures Tomé Lourenço X 1 241
Vinha, ao ribeiro de Diogo
X 1 243
Varche moço órfão
Vinha, ao ribeiro de João Loução
X 2 244
Mures moço órfão
Vinha, ao ribeiro de Álvaro Lopes
X 2 245
Mures Cainho
Vinha, ao ribeiro de
André Vaz X 1 246
Mures

Quadro nº 56
Olivais

Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 140 154 20 oliveiras e 4 231
Olival na vila velha 8.300
L/P 49 54 enxertos
N/S110 121 3,1
Olival ao Outeiro da Horta 150 oliveiras 250
L/P 240 264

Quadro nº 57
Contratos sobre olivais

Tipologia dos Tipologia das


contratos rendas fixas
Tipologia do prédio/Localização Titular Fólio
Azeite Azeitona
Arrendamento
(litros) (litros)
Pedro Anes
Olival na vila velha X 13,8 27,6 231
abegão
Rui Gonçalves
Olival ao Outeiro da Horta X 27,6 __ 250
Cinzeiro
Quadro nº 58
Pomar

Medidas

Sistema
Fóli
Tipologia do prédio/Localização Medievai Decimal
o
s Áre
Dimensão
(varas) a
(metros)
(m2)
N/S 198 217 237
Pomar e horta na ribeira de Mures 2,4
L/P 63 69,3

Quadro nº 59
Contrato sobre pomar

Tipologia do prédio/Localização Titular Tipologia dos Tipologia das Fólio


contratos rendas fixas
Arrendamento Numerário
(reais)
Pomar e Horta na ribeira de Mures Isabel Esteves Marava X 200 237

4.1. Visitação à comenda do Alandroal


A vila do Alandroal pertencia à Ordem de Avis em cuja Mesa Mestral se encontrava integrada.
Distava três léguas de Estremoz e tinha de termo, ao Norte, para esta vila uma légua. A Nordeste
ficava a uma légua de Vila Viçosa, tendo de termo para esta banda três tiros de besta. Três léguas
a Levante desta localidade ficava Juromenha, e o Alandroal tinha de termo nesta direcção meia
légua. A Sul partia com o termo de Terena, situada a uma légua. No tocante a confrontações com
o reino vizinho, em direcção à vila de Alconchel, a cinco léguas de distância, o seu termo
acabava no Guadiana medindo duas léguas e meia para este lado. Distava ainda três léguas da
vila de Cheles e o seu termo estendia-se igualmente até ao Guadiana a duas léguas e meia .
Na manhã 21 de Junho de 1516, apenas um dia depois do escrivão da câmara de Juromenha,
Filipe Vaz, ter assinado o livro em que ficara registada a visita á vila, os visitadores, juntamente
com o escrivão Brás Gato haviam terminado uma jornada de três léguas em direcção à vila do
Alandroal, em cuja igreja de Santa Maria do Castelo compareceram. Aí se encontrariam reunidos
para os receber moradores e dignitários, e perante estas individualidades terá sido lida a carta do
Mestre.

4.1.1. Dimensão Religiosa

Igreja
Na ocasião era prior da igreja Frei Rodrigo Soeiro, clérigo professo da Ordem de Avis, o qual
mostrou a carta de apresentação do Mestre, a quem esta igreja pertencia in solido, feita por
Manuel da Mota em Benavente aos 8 de Novembro de 1506. De igual modo exibiu a
confirmação do bispo.
Constatou que era obrigado a rezar missa quotidiana e a ministrar os sacramentos da igreja.
Tinha de ordenado anual de 8.800 reais e 1.656 litros de trigo, bem como 1.242 litros de cevada,
no caso de ter besta, recebendo, ainda o pé do altar. Este prior desempenhava também as funções
de tesoureiro da igreja, pelas quais recebia mais 414 litros de trigo, 281 litros de vinho e
duzentos reais em dinheiro. No dizer dos responsáveis da localidade, servia o povo e celebrava
as missas ordenadas. Uma vez que acumulava as funções de tesoureiro, o prior Frei Rodrigo
Soeiro tinha o encargo de todo o serviço da da dita igreja, incluindo o fornecimento das hóstias e
do vinho para a missa.
O povo era obrigado a dar a prata necessária para o serviço da igreja e mandá-la consertar
quando se danificasse. Essa prata deveria ser guardada na arca do concelho.
O corpo do templo correspondia a uma área total da ordem dos 154m 2. Por seu turno o altar-mor
media 2,75m de comprido por 1,10 de largo apresentava sobre ele uma imagem de Nossa
Senhora. A capela-mor estava forrada de olivel e, junto ao arco, com ladrilho. O sacrário,
construído em mármore, era muito bom, tinha portas novas pintadas e, sobre elas, cortinas
brancas. No seu interior estava um cofre fechado à chave onde se encontrava o Santo
Sacramento. O corpo da igreja, telhado de telha vã, e madeirado de castanho, encontrava-se
rebocado e caiado, por dentro e por fora e nele existiam um púlpito de ladrilho, uma pia
baptismal e uma pia de água-benta.
No arco do cruzeiro ficavam dois altares. Esta igreja tinha duas portas travessas e uma principal.
A sacristia era uma divisória telhada de telha vã.
Os santos óleos encontravam-se dentro de umas ambulas pequenas e velhas, colocadas numa
boceta de madeira velha e rachada.
Brás Gato, o escrivão, mediu depois o adro do templo que tinha, de Norte a Sul, 22m, e pela
banda do Sul, de Norte a Sul, outros 22m, e de Levante a Poente, pela parte do Norte, 53 m,
enquanto de Levante a Poente não excedia os 20m.
Nessa altura existia na igreja de Santa Maria do Castelo uma confraria de Nossa Senhora que
todos os sábados mandava celebrar uma missa cantada, com seus círios brancos, ofício litúrgico
que se fazia utilizando uma vestimenta de damasco branco que pertencia à dita confraria.

Quadro nº 60
Pinturas e imagens

Tipologia Características
Imagem de N. Senhora do Pranto Localizada num dos altares do arco do cruzeiro
Imagens de S. Bento e Santa
Localizada num dos altares do arco do cruzeiro
Catarina

Quadro nº 61
Prata da igreja

Tipologia Características Peso


(gramas)
Cálice Dourado ,com sua patena 354,3
Cálice Este de prata branca, com sua patena 374
Cálice Com a respectiva patena 345
Cruz De prata branca 690
Custódia 660
TOTAL PRATA (Kg) 2, 423 Kg
Quadro nº62
Vestimentas da igreja

Tipologia Características
Vestimenta de damasco aleonado Com o savastro de brocado pedrado, com sua alva,
estola e manípulo do mesmo damasco
franjado de retróz colorido
Vestimenta de chamalote preto Com a alva, estola e manípulo
do mesmo chamalote, muito velha

Capa de chamalote preto Com o savastro de brocado de imagens


franjado ao redor de retroz de cores.

Capa de chamalote preto Com o savastro de brocado de imagens


franjado ao redor de retroz de cores.

Vestimentas de pano branco de linho Com as alvas, estolas e


manípulos do mesmo pano,
muito velhas

Quadro nº63
Roupa e ornamento da igreja

Tipologia Características
3 bancais De arvoredo, velhos
6 manteus Usados
Cortinas de sarja Verde e azul, velhas

Quadro nº64
Arame e cobre da igreja

Tipologia Características
2 castiçais Em arame e de bico, velhos
2 campainhas Pequenas da comunhão
Caldeira de àgua-benta Em cobre
Bacio de oferta Em cobre, grande
6 galhetas De estanho
Turíbulo De arame, muito velho
Cruz De arame
Candeeiro De ferro, grande
Campanário Com duas campanas pequenas

Quadro nº65
Livros da igreja
Tipologia Características
Livro de ofícios de ponto De pergaminho, muito bom
Saltério De pergaminho, velho
3 missais De papel, desencadernados e velhos
Missal de missas votivas De pergaminho, desencadernado mas muito bom
Lvro de baptismos De pergaminho, velho
3 santais De pergaminho, muito velhos

Quadro nº66
Cera da igreja

Tipologia Destino
2 tochas de domingo Que se acendiam quando da elevação
2 círios grandes Que serviam à comunhão

A igreja de Santa Maria do Castelo, pertencente à Mesa Mestral, apresentava alguns problemas
estruturais e funcionais que observaremos de seguida, mas aparentava encontrar-se em bom
estado de conservação dispondo, até, de um sacrário executado em mármore que os enviados de
D. Jorge consideraram muito bom, assim como uma custódia de prata, associada à exibição do
Santíssimo Sacramento, e uma cruz do mesmo metal. O Mestre entendia assim dar o exemplo no
tocante à preocupação, reiteradamente manifestada, de dotar com sacrários adequados as igrejas
da Ordem, e promover o culto do Santíssimo Sacramento. Curiosamente, essa preocupação não
era extensiva aos santos óleos, que se encontravam notoriamente mal-acondicionados.
Já o conjunto de alfaias litúrgicas, ornamentos e vestimentas, embora em quantidade, variedade e
qualidade aparentemente medianas na sua globalidade, acusavam alguma vontade de renovação,
dado que se constatava a existência de apenas quatro items considerados velhos, ou muito velhos
.
Dos dez livros sacros apenas três eram em papel, mas encontrava-se desencadernados e velhos, e
os restantes em pergaminho, dois dos quais considerados muito bons, e sete velhos, ou muito
velhos. Tanto quanto é possível depreender, apesar deste núcleo de livros sacros parecer
sufuciente e diversificado, não tinha sido objecto de substituição recente. No tocante ás imagens,
a sua descrição sucinta não permite apurar com segurança se seriam de vulto, ou pintura mural,
mas repetiam uma iconologia já encontrada em visitações antecedentes, designadamente S.
Bento, Santa Catarina e Nossa Senhora do pranto.
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja de Santa Maria do Castelo, as
suas necessidades imediatas, reveladas pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Mestre que resumiremos da seguinte forma:
De acordo com o anotado pelos visitadores, por motivos seguramente ligados com a necessidade
de alteamento da capela-mór da igreja, os visitadores registaram que o Mestre da Ordem de Avis
era obrigado à edificação dessa mesma capela-mór da igreja de S.ta Maria do castelo, bem como
à sua reparação, sempre que tal fosse necessário. Já no tocante à incumbência da edificação do
corpo da igreja os enviados de D. Jorge encontrararam uma dúvida entre os entendimentos
perfilhados pelo Mestre e pelo povo, questão que haveria de ser posteriormente determinada pelo
dito senhor.
O Mestre era ainda obrigado a prover a igreja com as vestimentas e ornamentos necessários ao
serviço da igreja.
Os enviados de D. Jorge, ao longo da sua visita de inspecção ao templo, incumbiram as seguintes
reparações, benfeitorias e aquisições:

1) Tendo presente que o corpo do templo tinha 4,95m de altura, e a capela-mór apenas 3,75,
decidiram ser necessário altear o corpo da igreja, bem como o altar-mór que, no seu entender, se
encontrava demasiado baixo. Se, como ficou acima, não existiam dúvidas sobre quem recaía a
incumbência da edificação e reparação da supracitada capela-mor, já as obras preconizadas para
o corpo do templo poderiam, teoricamente, ser incluídas nas obrigações de reparação que
recaiam sobre o povo do Alandroal. Segundo parece depreender-se esse último entendimento
teria sido compreensivelmente perfilhado pelos enviados de D. Jorge, mas teria provocado a
oposição do povo que, tratando-se de obras ocasionadas motivadas por um defeito estrutural da
capela-mór, e não de uma reparação de rotina, entenderia que a responsabilidade das mesmas
deveria recair sobre o Mestre, a quem competiam as obras da capela-mór. Não se tendo chegado
a acordo sobre este ponto os visitadores optaram por levá-lo directamente à decisão de D. Jorge.
2) Os visitadores determinaram ser necessário colocar no altar-mór um retábulo com o seu
respectivo guarda-pó.
3) Ordenaram que se ampliasse a sacristia, que consideraram ser muito pequena e baixa, e fosse
dotada com armários em que se guardassem os ornamentos e se vestissem os clérigos.
4) Mandaram que se rebocasse e caiasse a igreja por dentro e por fora, e construisse um alpendre
na porta principal.
5) Mandaram tapar a (porta?) travessa da trazeira da igreja aonde ficava o sacrário.
6) Determinaram que se adquiririssem um pontifical inteiro de seda, e 3 frontais bons (já que
todos os existentes foram considerados demasiado velhos), a saber: 2 de chamalote de cores e 1
de seda.
7) Mandaram colocar guarda-pós sobre os altares do cruzeiro, e um outro sobre o cruxifixo.
8) Determinaram que se colocasse uma cortina corrediça no sacrário. E que o mesmo fosse
provido com uma lâmpada, para cujo combustível seria constituída uma reserva de 110 litros de
azeite.
9) Mandaram adquirir ns ferros para fabricar hóstias, e 1 pálio de seda para as festas.
10) Finalmente mandaram reparar a escada do campanário.
Todas estas obras, reparações e aquisições deveriam ser efectuadas pelo Mestre até à Páscoa de
1519.

• Ermida de São Bento


Ficava junto da vila, aos olivais, e o corpo do templo perfazia uma área total de 59,2m 2. Esta
última capela era forrada de ripa e cana, cerrada por grades velhas. Existiam 2 altares na parede
do cruzeiro. A ermida era rebocada e caiada por dentro e telhada de telha vã. Tinha uma pia de
água-benta de pedra e um alpendre novo, com arcos de ladrilho, madeirado também de novo com
castanho, que media 18,15m2. A porta estava emoldurada por um portal de pedraria, também ele
novo. Adjacentes as casa do ermitão, com 43,5m2. Existia ainda uma outra casa da banda do
Norte, em pedra e barro, com 21m 2. Esta ermida fora construída com esmolas e habitava nela
como ermitão Frei Gomes, o frade, que tinha carta do Mestre.
Detinha o seguinte património fundiário:
1 – Um chão dado de esmola, que tinha 1 fonte e media de NS 24,2m, e de LP 83,6m, totalizando
uma superfície de 2.023 m2.
2 – Outro chão, igualmente oferecido de esmola,junto à estrada que ia para Olivença, e partia a
Poente com a vinha de Frei Gomes, ermitão da ermida, e media de NS 27,5m, e de LP, 61,6m,
totalizando uma superfície de 1.694 m2.

Quadro nº67
Pinturas e imagens da ermida de S. Bento

Tipologia Características
Imagem de N. Senhora da Graça Localizada num dos altares da
parede do cruzeiro
Imagens de S.to António e S.to Localizada no outro altar da parede
André do cruzeiro

2. Ermida de Nossa Senhora da Ourada


Igualmente situada junto à vila esta ermida tinha uma capela de abóbada rebocada e caiada por
dentro e por fora, com um arco de ladrilho e o altar em azulejo, com uma imagem de N. Senhora
do Pranto e um cruxifixo por cima, encontrando-se esta capela, que media 5,5m x 4,9m (27m 2),
cerrada com grades novas. Fora mandada edificar por Diogo Lopes de Sequeira e o respectivo
corpo ainda se encontrava em construção.

Quadro nº68
Pinturas e imagens da ermida de Nossa Senhora da Ourada

Tipologia Localização
Imagem de N. Senhora do Pranto Sobre o altar
Um cruxifixo por cima da supracitada
imagem

3. Ermida de Nossa Senhora das Ervas


Também estava erguida junto da vila, a capela era quadrada, com 77m 2 e encontrava-se forrada
de olível, tinha um arco de ladrilho, uma imagem de N. Senhora das Ervas e encontrava-se
cerrada com grades de madeira. Na parede do cruzeiro encontravam-se 2 altares, um com a
imagem de Santo André e o outro com a imagem de Sta. Catarina e um cruxifixo.Encontrava-se
madeirada com castanho novo, telhada com telha vã, tinha o portal de ladrilho, com portas novas
e uma pia de àgua-benta. O corpo do templo media 7,7m x 5,5m o que, acrescentado à superfície
da capela, representava uma área total de 113m2.

Quadro nº69
Pinturas e imagens da ermida de Nossa Senhora das Ervas

Tipologia Localização
Sobre um dos altares da parede do
Imagem de Santo André
cruzeiro
Imagem de Santa Catarina e um
Sobre outro dos altares da parede do
cruxifixo por cima da supracitada
cruzeiro
imagem
4. Ermida de São Sebastião
De igual modo situada nas imediações da vila, esta ermida tinha uma capela forrada com olível,
com uma área de 10,9m2, onde se encontrava um altar, cerrada com grades de madeira novas. O
arco era de ladrilho, e o corpo do templo, medindo 7,7m x 6,6m (61,7m2 de área total),
encontrava-se madeirado de novo com castanho e telhada de telha vã.A ermida tinha sido
edificada à custa de esmolas.

Quadro nº70
Pinturas e imagens da ermida de São Sebastião

Tipologia Localização
Imagens de S. Sebastião, S. Brás e
Sobre o altar
S. Nicolau
5. Hospital do Alandroal.
Ficava no canto da rua Direita da Fonte, estava a cargo do concelho, que era responsável pelo seu
provimento e conservação. Um mordomo, eleito anualmente pela câmara, recolhia os foros e
rendas que dispendia naquilo que ao dito hospital era necessário.

Quadro nº 71
Bens do Hospital

Tipologia dos Tipologia das rendas


contratos fixas
Tipologia do
Titular Numerári Fólio
prédio/Localização Trigo
Aforamento o
(litros)
(reais)
Vasco Martins de Faria, morador
Courela de terra X 138 266
em Vila Viçosa
Vinha João Moreno, da vila X 50 266v
Vinha António Gomes Bispo X 50 266v
2 vinhas Aires Afonso X 50 266v
Olival Mulher de João de Bragança X 180 266v
Ferragial Diogo Lopes de Sequeira X 12 266v

Determinações gerais.

Difere do modelo adoptado (Juromenha), unicamente nos seguintes pontos:

1. Sobre o dinheiro das sepulturas.


A inumação nos espaços sagrados, tanto no interior dos edifícios de culto, como nos adros e
espaços adjacentes, tinha começado inicialmente a ser praticada pela nobreza, generalizando-se
gradualmente depois a todos os que dispusessem dos meios necessários para adquirir uma
sepultura no interior das igrejas paroquiais. Este depósito dos corpos no interior e no adro da
igreja estava associado a uma série de mitos e receios, naturalmente imaginados enquanto
membros do mundo dos vivos. Como parece evidente, salvaguardados os clérigos e os
eclesiásticos, não estava ao alcance de todos os defuntos garantir uma inumação no interior dos
templos, e a desaparição das clivagens sócio-económicas que a vida eterna garantiria a todos por
igual resumia-se ao espírito, uma vez que o invólcuro terreno do corpo permanecia sujeito ás
mesmas diferenciações que tinha conhecido em vida, e submetido a um posicionamento
hierárquico ainda temporal.
Esta questão, potencialmente geradora de atritos, foi objecto de regulamentação por parte do
Mestre D. Jorge, daí resultando uma clara distinção entre os encargos em que incorreriam
aqueles que pretendessem ser sepultados no espaço "nobre" da capela-mór e os paroquianos que
desejassem ser enterrados no corpo do templo.
Inquiridos homens antigos provou-se ser costume nesta igreja que aqueles que se quisessem
fazer enterrar na capela-mor pagassem um marco de prata, e se pretendessem ser sepultados no
corpo da igreja, pagariam outro tanto. Este costume foi aprovado pelos visitadores que
ordenaram a entrega do dinheiro das sepulturas, ao recebedor da fábrica, perante o escrivão e o
almoxarife, para ser gasto na fábrica, e não em coisas profanas. Mas, como o Mestre tinha
ordenado posteriormente, manteve-se o marco de prata para os covais na capela-mor, limitando-
se todavia a 1.000 reais as sepulturas no corpo da igreja.

2. Da obrigação de missas do prior.


Esta versão da vigilância e controlo sobre o efectivo cumprimento da obrigação de missas por
parte do prior é ainda mais rigorosa do que a constante na visitação precedente. O prior seria
avisado que deveria celebrar missa todos os domingos e festas como adiante se declararia nas
determinações particulares, e por cada missa que falhasse ao domingo pagaria vinte reais e, além
da dita pena, diria noutro dia dia a missa que não tivesse rezado, tendo sido rdenado ao escrivão
da câmara que apontasse as faltas do prior, sob pena de perder o ofício, e ele mesmo receberia
anualmente declaração ajuramentada do prior. E os pontos e faltas que o dito prior fizesse seriam
entregues aos oficiais do concelho, os quais requereriam ao almoxarife que lhe não pagasse as
ditas faltas e essa soma fosse empregue na fábrica da igreja.
3. Sobre o manposteiro da fábrica da igreja.
Nesta determinação contempla-se, não apenas o privilégio inerente ao exercicício do cargo, mas
também o modo como ele deveria ser passado pela chancelaria e assinado pelo Mestre.
Nas outras igrejas visitadas tinha vindo a ser ordenado que fossem postos manposteiros para a
fábrica das ditas igrejas, e aos homens para o efeito designados o Mestre concedia o privilégio de
serem escusados dos encargos do concelho. Os visitadores, seguindo esta determinação,
ordenaram que houvesse nesse lugar um manposteiro que pedisse para a fábrica todos os
domingos, juntamente com o almoxarife, no caso deste se encontrar presente. No fim de cada
ano as contas eram conferidas, destinando-se o apuro ao que se entendesse necessário fazer para
melhorar a igreja.

4. Sobre os frades e clérigos vagabundos.


Esta determinação constituía um reforço daquela que, sobre a mesma matéria, tinha sido redigida
na visitação anterior. Era sabido que muitos frades e clérigos chegavam ao Mestrado de Avis sem
licença dos seus prelados, e se deixavam ficar, celebrando, na situação de excomungados, com
grande dano das respectivas consciências. Querendo atalhar esta situação os visitadores
ordenaram ao prior que não desse guisamento a nenhum frade ou clérigo para celebrar, nem tão
pouco o consentisse, a menos que fosse exibida licença do Mestre ou do D. prior. E se,
porventura trouxesse licença do prelado poder-lhe-ia ser dado guisamento para apenas três dias,
até que estivesse em condições de apresentar a restante documentação.
O prior fora avisado para que não desse guisamento, nem consentisse que nenhum clérigo
celebrasse missa na igreja (matriz), com excepção daquele que nessa mesma igreja ajudasse a
servir nas horas e missas dominicais e festivas que aí se oficiam. Por isso fora ordenado ao
tesoureiro, sob pena de perder o seu mantimento durante um ano, que fizesse tudo o que o prior
determinasse sobre o serviço da igreja.

5. Sobre o tanger das Ave-Marias.


Em relação à determinação sobre este mesmo assunto constante na visitação a Juromenha
constata-se um acréscimo de severidade, presente na obrigação de anotar os incumprimentos do
prior, e a cominação de penas incidentes sobre os intervenientes.
" Verificou-se que alguns priores do Mestrado eram negligentes no mandar tanger as ave-
marias, o que parecia demonstrar pouca devoção, e querendo corrigir isto, os visitadores
ordenaram (…) que todos os dias tangessem as Ave-Marias ás horas habituais do cair da noite,
sob pena de pagarem por cada vez [que o não façam] cem reais, metade para a fábrica, metade
para quem acusar. (…). E quando da derradeira badalada tanjeriam um pouco o sino para que
se saiba que já eram dadas as ave-marias".
6. Da demarcação que o almoxarife faria com os oficiais.
Tratando-se de uma localidade integrada na Mesa Mestral competia ao almoxarife a realização
das demarcações e o envio do respectivo auto aos visitadores.
"…por ser lugar da Mesa Mestral,que nos primeiros seis meses seguintes demarcassem com
marcos autorizados os reguengos e propriedades da Ordem com autoridade da justiça, e fizesse
um auto da dita demarcação em público que enviaria pessoalmente aos visitadores, ficando com
o original em sua posse, Essa demarcação seria efectuada pelas confrontações e medidas das
propriedades que ficavam no cabo dessa visitação, de tal modo que das medidas apuradas não
faltasse nada .

7. Sobre o levantar o pão nas eiras.


Esta determinação alargava e explicitava o âmbito de incidência do modelo corrente.
Verificava-se que alguns lavradores, sem temor de Deus, levantavam o pão das eiras e o
recolhiam, e só depois pagavam o dízimo como queriam, e não como deviam. Para atalhar estas
situações foi ordenado que nenhum lavrador, uma vez que tivesse o pão limpo não o levantasse
da eira sem informar primeiro o mordomo ou dizimeiro para que este o viesse dizimar, no prazo
de três dias. No caso desse prazo haver expirado poderiam então os lavradores dizimar o seu pão
perante duas ou três testemunhas, deixando o dízimo na eira.
Este procedimento observar-se-ia sempre que algum lavrador pretendesse malhar ou debulhar
alguns feixes a que se costumava chamar mosto para a judar a recolher o seu pão, nestes casos
que o não levantassem da eira sem chamar previamente o mordomo ou dizimeiro sob pena de o
perderem.
Os visitadores pretendiam que esta determinação fosse igualmente aplicável aos gados e a todas
as outras coisas sujeitas ao dízimo: que nada fosse dizimado sem avisar previamente o mordomo,
e onde fosse costume aguardar mais dias do que os três, ordenaram que esse costume fosse
mantido.

8. Sobre os cachos.
Em relação à determinação homóloga da visitação anterior apresentam-se alternativas que nela se
não encontravam previstas.
Tendo sido apontado por alguns Comendadores do Mestrado que muitos lavradores que não
queriam pagar inteiramente o seu dízimo, faziam muitos cachos dos quais se não dizimavam,
sendo que por nosso senhor, em sinal de universal senhorio, foi mandado que inteiramente se
pagasse o dízimo de todos os frutos que a terra dava, os visitadores ordenaram que, de aí em
diante,os lavradores se dizimassem também dos ditos cachos, e os orçamentassem de acordo com
os alqueires que eles poderiam representar para que, de acordo com esse orçamento fosse pago o
dízimo, ou poderiam os mesmos lavradores pagar o dízimo pelos ditos cachos no caso de os não
quererem orçamentar.

9. Regulamentação sobre a dada de terras em sesmaria.


Em relação ao regulamento constante na visitação de Juromenha registamos a seguinte precisão
respeitante à concessão de moinhos de àgua, que seria, por regra, efectuada em fatiota: " (…)
dariam lugar e licença aos que quiserem fazer moinhos de água com a condição de que
pagassem algum foro à Ordem, além do dízimo ou conhecença que houvessem de pagar,
e seria dado em fatiota para sempre, e onde houver salgado se pagará o dito foro, além do
dízimo ou conhecença ".
4.1.2. Dimensão Senhorial.

Nesta, como em tantas outras localidades, a Ordem de Avis, detinha a jurisdição do cível e do
crime na vila e seu termo, pelo que se conhecem os seguintes oficiais:

Quadro nº72
Ofíciais da Ordem na vila do Alandroal
Nome Ofício
Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre, feita em Lisboa por Manuel da Mota
João Lourenço
aos 8 de Maio de 1511
Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre feita em Lisboa por Antão Luís , aos 24
Álvaro de Paiva
de Maio de de 1499
Contador dos feitos nomeado por carta do Mestre assinada por Diogo da Silveira , sendo vedor da
Álvaro de Paiva
Fazenda, feita em Lisboa por Álvaro de Lisboa aos 7 de Novembro de 1499
Escrivão da câmara, dos órfãos e da almotaçaria nomeado por carta do Mestre feita por Manuel
Álvaro Dantas
Fernandes em Setúbal aos 13 de Outubro de 1503
Prioste nomeado por carta do Mestre, feita por Manuel Álvares em Lisboa aos 9 de Outubro de
Gomes Rodrigues
1513
Partidor e avaliador dos órfãos nomeado por carta do Mestre feita por Manuel da Mota em Setúbal
João Gonçalves
aos 17 de Março de 1508
Juiz dos órfãos, apresentou uma carta em que o Mestre lhe ordenava que servisse no dito ofício,
Álvaro Afonso enquanto Álvaro Pires, ao qual pertencia, andasse homiziado, feita por Pero Coelho , em N.
Senhora da Piedade no ano de 1512
Ascenso Gonçalves Escrivão do almoxarifado nomeado por carta do Mestre, feita em Setúbal por Leonel Àlvares aos
17 de Agosto de 1514

Como entidade senhorial que era, usufruía de rendas, foros e direitos na vila do Alandroal e seu
termo, encontrando-se enumeradas na fonte as seguintes indicações: o dízimo do pão, do vinho,
do azeite, do linho,de todos os legumes,da fruta e hortaliça, do mel e dos enxames, dos frangos e
patos, dos queijos, da lã, dos gados, dos poldros e burros, das pensões dos tabeliães (180 reais
por cada um). Encontra-se também referidas as dízimas das sentenças, as carceragens e pensões,
e as penas das armas, normalmente associadas à Alcaidaria.
A portagem pertencia à instituição, bem como as vendas, a açougagem os direitos de pesca, o
terço da renda dos lagares, um terço dos fornos de cozer pão, e 180 reais do montado.
É no texto da presente visitação que, pela primeira vez, se encontram referidos na fonte os
direitos sobre as águas da vila, especificando-se que esses mesmos direitos abrangiam tanto as
águas nativas como de enxurrada, e as do termo e ribeira de Odiana, em cujo curso não se
poderiam fazer nenhuns engenhos sem se pagar à Ordem aquilo que fosse concertado. Como
frequentemente sucedia, andava com os direitos sobre as águas o dízimo do pescado que morria
nelas, quaisquer que fossem as armadilhas com que fosse capturado. No entanto, na altura da
visitação em estudo, este direito andava enleado e não se pagava nada à Ordem.
Pertencia também à Ordem um terço dos proventos decorrentes da utilização dos fornos de telha,
cal, tijolos e louça, indicação que aponta para a instalação na vila de um incipiente sector
secundário que, até agora, não tinha sido objecto de menção nas visitações precedentes, mas que,
sintomaticamente, também andava enleado, e não era pago.
Os enviados do Mestre não efectuaram qualquer estimativa da renda golobal da comenda,
resultante do valor agregado destas rendas, nem temos conhecimento de que, em 1534, esse valor
se encontrasse orçamentado.
De acordo com o recenseamento efectuado pelos visitadores nessa ocasião, na vila do Alandroal
e seu termo residiam 300 vizinhos, dos quais 12 de cavalo, não existindo besteiros nem
espingardeiros.

Fortaleza do Alandroal
Nessa ocasião era Alcaide-mór da fortaleza do Alandroal António de Aguiar que mostrou aos
enviados de D. Jorge uma carta de D. João II, confirmada pelo Mestre por outra carta, feita em
Lisboa por Fernão Lopes aos 27 de Julho de 1492.No dizer da fonte, tratava-se de uma fortaleza
boa de muros, torres e barreiras, mas o aposento encontrava-se muito danificado nos telhados,
sobrados, janelas e escadas, embora as paredes continuassem em bom estado.
Na fortificação não existiam armas, nem mais artilharia do que 4 bombardas velhas.

4.1.3. Dimensão Patrimonial

Propriedade urbana

Quadro nº 73
Tipologia dos prédios urbanos

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Telha vã com 2 esteios de pedra no meio,
Casa na vila que servia de adega da 11x 6,5 madeirada de madeira velha, muito danificada
12,1x7,1 86,5 290
Ordem s/ portas nem janelas.
Tinha 8 talhas de ter vinho
Madeirada de castanho sobre 2 esteios de pau,
Casa , junto à igreja, servia de
8 x 6,5 8,8x7,1 63 telha vã, paredes de pedra e barro. Portas, 291
celeiro da Ordem
ferrolhos, fechaduras e cadeado
Sobradada, a câmara forrada de ripa e cana
4x4 4,4x4,4
Casa dianteira, sótão e câmara junto c/lareira e cantareira, madeirada castanho
4x2,5 4,4x2,7 56 292
à igreja e ao celeiro novo, telha vã, rebocada e caiada, portas,
4x2,5 4,4x2,7
ferrolhos e fechaduras
Casa do prior Telha vã, madeirada de madeira muito velha,
4x2 4,4x2,2 9,68 293
junto ao adro da igreja porta, ferrolho e fechadura
___
Casa situada junto à antecedente 4x3 4,4x3,3 14,5 294

Casa térrea dianteira 5,5x4 6x4,4 72 Madeiradas castanho, telha vã, portas, 296
2 casas térreas 4x3,5 4,4x3,8 ferrolhos e fechaduras
3x2,5
2 câmaras junto à adega da Ordem e 3,5x3,5
3x2
ao adro da igreja 4,4x3,8
4x3,5
Casa dianteira 5,5x4 6x4,4
2 casas térreas 3,5x3 3,8x3,3
64 Telha vã, madeiradas de castanho 297
sobre uma delas 1 câmara 3,5x3 3,8x3,3
junto à igreja e ao celeiro 3,5x3 3,8x3,3
Casa dianteira
4,5x4 4,9x4,4
Celeiro 38 300
4,5x3 4,9x3,3
junto ás casas da Ordem
6x3 6,6x3,3
Casa descoberta 3x3 3,3x3,3
junto à Rua Pública, com 3,5x2 3,5x2,2
61,5 323
5 divisões 3,5x2 3,5x2,2
3x2,5 3,5x2,2
2,5x2,5 2,7x2,7

Quadro nº 74
Contratos sobre casas

Tipologia do Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


prédio/ Titular Arrendament Emprazamento Numerário Fólio
Frangões
Localização o (vidas) (reais)
Casa na vila que
seve de adega da ___ ___ ___ ___ ___ 290
Ordem
Casa junto à igreja,
servia de celeiro da ___ ___ ___ ___ ___ 291
Ordem
Pedro Nunes
Casa junto à igreja 3 20 292

Casa do prior
junto ao adro da O prior 3 15 293
igreja.
Álvaro
Casa junto â
Afonso 3 17 294
antecedente

Casa junto à adega


296
da Ordem e ao adro Rui Bentes 3 1
da igreja
Lourenço
Casa junto à igreja
Bentes 3 1 297
e ao celeiro
Beatriz
casa na vila junto
Morena 3 50 300
ás casas da Ordem

Fernão
casa na vila junto à
Álvares de X 30 323
Rua Pública
Machos

Propriedade rústica

Coutos do concelho para pastagem dos bois de arado


O concelho da vila dispunha dum couto para a sua boiada, sito no Cabeço da Atalaia e Rodeios
Velhos que partia com João Camarinho, do Cabeço do Congeito, e acompanhava o atalho do
Redondo até à Ribeira dos Machos entestando no ribeiro da vila até à dos Gansosos.
Depois seguia para a Cruz Velha, confrontando com os herdeiros de Constança Afonso, passava a
estrada para Terena e corria água abaixo até ao charco das pedras. Daí continuava em direcção ao
fornilho (no outeiro), partindo com Lourenço Rodrigues, abarcando todas as lombas do Cabeço
de Gil Lourenço, entestando com André Lopo e herdeiros de Gonçalo Sanches, até desembocar
no caminho que ia para o camarão, que seguia até à Fonte Santa, aí tomando duas direcções:
pelos lombos altos, partindo com Gonçalo Sanches e com os Gansosos, e pelo nogão, partindo
pelos coutos das cinhas até onde começava.

Quadro nº 75
Defesas da Ordem

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 2880 3168
Defesa da Moita da Mó 784 Pastagens e soveral 284
L/P 2250 2475
N/S 1520 1672
Defesa da Granja 198,6 284v
L/P 1080 1188

Quadro nº 76
Contrato sobre defesa da Ordem

Tipologia das
Tipologia do Tipologia dos contratos
rendas fixas
prédio/ Titular Fólio
Emprazamento Numerário
Localização
(vidas) (reais)
Defesa da Granja Dona Cecília 3? 900 284v

Quadro nº 77
Herdade

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Herdade ao porto da cerva, na rib.ª N/S1056 1161
204,3 Culturas cerealíferas 285
de Odiana L/P 1600 1760

Quadro nº 78
Contrato sobre herdade

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do Cereais
Titular Emprazamento Fólio
prédio/Localização (litros)
(vidas)
Trigo Cevada
Herdade ao porto da
Vicente Vaz, morador
cerva, na rib.ª de 3 414 138 285
em Terena
Odiana

Quadro nº 79
Courelas

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
73
N/S66,5
198 1,4 286
Courela nas Vinharias L/P 180 ___

N/S 21 23
Courela nas Vinharias 2.024 ___ 287
L/P 80 88

Quadro nº 80
Ferragial

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 30 33 ___
Ferragial nas trazeira da Rua da Mata 1.452 288
L/P 40 44

Quadro nº 81
Contrato sobre Ferragial

Tipologia do Titular Tipologia dos Tipologia das Fólio


prédio/Localização contratos rendas fixas
Emprazamento Numerário
(vidas) (reais)

Ferragial nas trazeira da Diogo Lopes de 3 30 285


Rua da Mata Sequeira

Quadro nº82
Hortas

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Horta do Mestre
N/S 180 198 2,1 Tinha 3 casas telhadas de telha vã com suas
junto da fonte da vila, 295
L/P 100 110 1,7 portas, ferrolho e fechadura, e 1 chão anexo
ao caminho de Terena

Quadro nº 83
Contrato sobre hortas
Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas
Tipologia do
Titular Emprazamento Numerário Fólio
prédio/Localização
(vidas) (reais)
Catarina Vaz, mulher
A horta do Mestre, de Francisco
junto da fonte da vila, Mesurado, 3 2.600 295
ao caminho de Terena almoxarife em
Estremoz

Quadro nº 84
Vinhas

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
88
N/S 80
Vinha ao Selão junto à rib.ª da fonte dos foreiros 110 9,680 305
L/P 100 ___

Tem dentro 1
N/S 170 187 pedaço de olival
Vinha, à fonte dos freires 4,3 313
L/P 210 231 com
8 enxertos

Quadro nº 85
Contratos sobre Vinhas
Tipologia dos Tipologia das
Tipologia do contratos rendas fixas
prédio/ Titular Fólio
Emprazamento Numerário
Localização
(vidas) (reais)
Vinha ao Selão
junto à rib.ª da João Vaz Bentinho 3 300 305
fonte dos foreiros
Vinha, à fonte dos
Fernão d’Aires 3 200 313
freires
Quadro nº 86
Chão

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
13,2
Chão junto à vila, nastraseiras da N/S 12
16,5 218 ___ 289
Rua da Mata L/P 15

Quadro nº 87
Azenhas

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
___
Azenha na ribeira da fonte ___ ___ ___ 299

302
Azenha no ribeiro da fonte ___ ___ ___ ___

Integra um pomar, a casa da azenha e outras


N/S 23 25,3
Azenha no ribeiro da fonte 835 casas derrubadas no arrabalde num total de 304
L/P 30 33
22m2
305
Azenha no ribeiro da fonte __ __ __ __

306
Azenha no ribeiro da fonte __ __ __ __

307
Azenha no ribeiro da fonte __ __ __ __

N/S 12,5 13,75


Azenha no ribeiro dos foreiros 605 Tinha 1 pomar 308
L/P 40 44
1 casa dianteira; 1 outra casa 14 e ainda outra.
A casa da azenha, aposento c/câmara
sobradada.
N/S 75 82,5
Azenha na fonte dos Freires 2 Todas de taipa e telha vã, com suas portas, 311
L/P 105 115,5
fechaduras e ferrolhos
Tinha 1 pomar , 1 chão com árvores à porta da
azenha e 1 terra mística com a azenha
314
Azenha na fonte dos Freires __ __ __ __

317
Azenha no ribeiro da fonte __ __ __ __

Um ferido de azenha no rib.º da 319


__ __ __ __
fonte
__
Azenha no ribeiro da fonte __ __ __ 321
Quadro nº 88
Contratos sobre azenhas

Tipologia das
Tipologia dos contratos
rendas fixas
Tipologia do prédio/ Fóli
Titular Emprazament Trigo
Localização Arrendament o
o Aves (litros
o
(vidas) )
João Fidalgo 1
Azenha na ribeira da fonte X 165,6 299
galinha
Azenha no ribeiro da fonte João Bentinho 3 __ 207 302
Artur Lopes, morador 1
Azenha no ribeiro da fonte 3 __ 200 304
em Portalegre frangão
Nuno Gonçalves
Azenha no ribeiro da fonte X __ 207 305

Álvaro Fernandes
Azenha no ribeiro da fonte X __ 207 306
Chicão
Vasco Lourenço
Azenha no ribeiro da fonte 3 __ __ 165,6 307

Azenha no ribeiro dos Fernão d´Alvares


3 __ __ 483 308
foreiros clérigo de missa
Fernão d’Aires
Azenha na fonte dos Freires 3 __ __ 483 311

Fernão Caldeira
Azenha na fonte dos Freires ___ ___ __ 207 314

Isabel Fernandes,
Azenha no ribeiro da fonte mulher que foi de __ X __ 345 317
Fernão Caldeira
Um ferido de azenha no rib.º Diogo Lopes de 138
___ ___ __ 319
da fonte ao Negrão Sequeira
Azenha no ribeiro da fonte Lourenço Bentes 3 207 321
Quadro nº 89
Contratos sobre pisões

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do
Titular Emprazamento Trigo Fólio
prédio/Localização Galinhas
(vidas) (litros)
Pisão na rib.ª de
Pardães, ao caminho de Álvaro Gil 3 83 2 309
"S. Brás"
Pisão na rib.ª de
João Fernandes
Pardães, junto à estrada 3 207 310
de Juromenha

Quadro nº 90
Contratos sobre moinhos

Tipologia do Titular Tipologia dos contratos Tipologia das Fólio


prédio/Localização rendas fixas
Emprazamento Trigo Aves
(vidas) (litros) (galinhas)
Moinho ao porto do João Lourenço,
macisso na rib.ª de morador em ? 207 __ 298
Odiana Olivença
Beatriz
Moinho na rib.ª de Luce Gonçalvez
3 165,6 __ 301
fece Cabaça, viúva
de Pêro Pinto
Moinho no rib.º de Pêro Anes
Martim Janeiro, à rib.ª Picoto, morador 3 207 __ 316
de Odiana. em Vila Viçosa
Moinho na rib.ª de Luce Afonso Dias
3 179 __ 318
fece
Moinho na Fonte dos 138
Álvaro Mendes 3 __ 320
Freires
Álvaro Dantas,
Moinho na garganta do escrivão da 1
3 165,6 322
pego de Milreu câmara

Moinho na rib.ª de Pêro Anes


Odiana, ao caneiro de Picoto, morador 3 165,6 __ 325
Martim Janeiro em Vila Viçosa
João Pardo,
Moinho na rib.ª de
Pedreiro,
Odiana no termo de __ __ __ 326
morador em
Juromenha
Vila Viçosa

4.2. Visitação à comenda de Mora.

A vila de Mora pertencia à Ordem de Avis e, nesta altura, encontrava-se na mão de António de
Azevedo, Almirante do Reino e chaveiro desta milícia, que era seu Comendador e Alcaide-mor.
Situada onze léguas a Sul da cidade de Santarém, com quem partia a Norte, tendo de termo para
esta banda uma légua e dois terças. Confrontava a Levante com a vila de Avis, de que distava
quatro léguas e, desta parte, o seu termo alcançava uma légua. Partia com a vila de Pavia, a 2
léguas de distância, e o seu termo, nesta parte, estendia-se por meia légua. Confrontava também
da parte do Sul com as Ageas, a uma légua e um quinto de distância, e o seu termo alcançava
uma légua.
Entestava a Poente com a vila de Coruche, a seis léguas, e o respectivo termo abarcava uma
légua para esta parte. E, finalmente, a Esnoroeste, confrontava com Erra, que ficava a quatro
léguas e meia de distância, estendendo-se nesta direcção o seu termo por mais uma légua.
Enquadrados no mesmo contexto que descrevemos nas visitas precedentes deste mesmo ano de
1519 o bacharel e chantre D. Frei Nuno Cordeiro, prior mor do convento de Avis, prior e
beneficiado de S. João de Coruche, e frei João Rolão, prior de vila Viçosa, acompanhados por
Frei Álvaro Eanes Pinheiro,escrivão da visitação, e Frei Duarte Pinheiro, seu coadjuvante,
chegaram à vila de Mora, procedentes do lugar das Galveias, na noite de 7 de Abril de 1519 e,
feita a oração na igreja da vila, recolheram a suas pousadas.
4.2.1.Dimensão Religiosa

Igreja
Na manhã do dia oito de Abril os visitadores regressaram à igreja de Santa Maria da Graça, onde
se encontravam, preparados para receber os enviados do Mestre, Jorge Vaz, juiz ordinário na dita
vila bem como João Coelho e Brás Rodrigues, vereadores, e Vasco Lopes, procurador do
concelho, e ainda muitos outros moradores de Mora. Perante estas individualidades foi lida a
carta do Mestre, e foram prestadas as obediências da praxe, após o que a visitação começou, na
ausência do Comendador, e sem que na dita vila existisse prior, nem outra pessoa da Ordem.
Deduzimos que esta igreja era, na altura, servida por um capelão dado que a fonte refere " era
costume que o capelão da vila dissesse uma missa em cada sábado em honra de Nossa Senhora,
recebendo em paga dela a esmola que o próprio mandava pedir pelas portas aos domingos, e
cada um dava um pão ou aquilo que podia, e quer a dita esmola fosse pouca ou muita, se dava
por pago ".
No entanto a contratação da existência de um capelão suscitou reparos dos visitadores, como se
verifica pelo teor da subsequente determinação:
Os juízes e oficiais da vila de Mora tinham tomado um capelão que não era do hábito da Ordem
de S. Bento, sendo do conhecimento geral que, em tais situações, era obrigatório dar
conhecimento dessa ocorrência ao Mestre, de acordo com os estatutos da Ordem nos quais, sobre
esta matéria, se continha um capítulo cujo teor era o seguinte:
"Mandamos aos concelhos das terras do mestrado que se algum clérigo aí for servir algum
benefício como cura que não seja pessoa do hábito que no-lo notifiquem logo, sob pena de os
oficiais pagarem 2000 reais para o convento E porque os concelhos e os oficiais deles não
possam alegar ignorância mandamos aos visitadores que o notifiquem aos concelhos e que o
traslado deste estatuto fique em cada lugar e se escreva no livro da câmara para ser a todos
manifesto".
Nos termos do capítulo dos estatutos os visitadores ordenaram aos ditos juízes e oficiais da vila
que tal cumprissem inteiramente, notificando-o a sua senhoria, sob a pena dos 2000 reais se não
o fizessem .
A visita começou pela capela-mór, na qual não encontraram sacrário, porque o templo se
encontrava apartado da povoação, o que os visitadores não estranharam, considerando que o
Santíssimo Sacramento não devia estar senão em lugares de muito acatamento. Seguidamente
dirigiram-se ao altar-mor que era de taipa, guarnecido com cal e pintado, onde se encontrava uma
imagem de pau, de vulto bem pintada, de Nossa Senhora com o menino nos braços sobrepujada
por um guarda pó de madeira pequeno. A capela-mór encontrava-se forrada de madeira de freixo
e de amieiro e ladrilhada. Tinha um arco de alvenaria cerrado por grades de pau de freixo. Media
5,6m de comprimento, por 3,3m de largura, perfazendo 18,4m2.
As paredes da igreja e capela-mór encontravam-se construídas de pedra e cal e o corpo da igreja
estava madeirado com asnas e coberto de telha vã, tendo dois portados de pedraria, a porta
principal e a porta travessa do lado Norte. Estavam dotadas de portas, a principal, que se fechava
por dentro, e a travessa que tinha ferrolho, ferradura e chave.
Esse corpo do templo media 33,8m2, o que deixa adivinhar uma área total (com a capela-mór) de
52 m2.
A pia de baptismal ficava junto à porta principal, do lada esquerdo de quem entrava, talhada
numa pedra burneira, mas sem cobertura. Existia na dita igreja uma outra pia, de água benta,
feita em mármore, sobre uma peanha de pedra burneira. E no canto da parede da igreja, à direita
da porta principal, um pouco mais alto do que o telhado, encontrava-se um sino pequeno,
colocado numa porca, que se tangia, o qual estava descoberto.
Os 3 óleos santos encontravam-se em 3 ambulas metidas numa buceta de pau, colocada num
buraco dentro da capela-mor da igreja. Os visitadores consideraram está situação má e desonesta,
deliberando prover sobre este assunto através da seguinte determinação particular: Tendo
constatado que os santos óleos andavam pelos buracos da igreja, os visitadores ordenaram que
fossem colocadas umas portas com fechaduras e chave no armário que estava na parte do
evangelho da capela-mór, no qual os mesmos ficassem fechados , guardando a respectiva chave o
capelão.

Quadro nº91
Pinturas e imagens

Tipologia Localização Características


Imagem de Nossa Senhora com o
No altar-mor De vulto, em madeira, bem pintada
menino nos braços
Imagem de Nossa Senhora do Rosário,
a imagem de S. Brás, bem como Na parede do altar-mor Pintura mural
outras imagens de santos
Muitas imagens de santos Sobre o altar Norte do cruzeiro Pintura mural
Imagens de S. Pedro e de Santo André Sobre o altar Sul do cruzeiro Pintura mural
Imagem do crucifixo e a imagem de
Na parede do cruzeiro, sobre o arco da
Nossa Senhora de uma parte, e da Pintura mural
capela-mor
outra, a imagem de S. João.
Havia ainda outras imagens de santos
Pelas paredes desta igreja Pintura mural
de muitas invocações.

Quadro nº92
Prata da igreja

Tipologia Características Observações


Cálice de prata branca Pequeno, com lavores de Pertencia ao concelho
folhagem no pomo

Quadro nº93
Vestimentas

Tipologia
Características Observações

De damasco preto, com savastro de veludo


Vestimenta preto com franja amarela e verde, toda Era do concelho
comprida
De pano de grã vermelha forrada de linho. Oferecida pelo Almirante
Vestimenta Não tinha alva, somente manto, estola e velho que deus haja (Lopo Vaz
manípulo do mesmo teor de Azevedo)
De pano azul toda comprida, com uma cruz
Vestimenta
de pano, também azul
Uns corporais Com sua pala

Quadro nº94
Roupa de Linho

Tipologia Características
6 toalhas Lavradas de ponto real
Umas toalhas Francesas
4 lençóis Um novo e 3 usados
Pano Da Índia Servia de frontal no altar-
mór.

Quadro nº95
Outros

Tipologia Características Observações


Era tão pequena que
Muito estreita, da largura de
não foi considerado
Pedra de ara uma mão travessa, posta numa
conveniente que nela
caixa de madeira
se dissesse missa.
Frontal De folhagem da Flandres

Quadro nº96
Livros

Tipologia Características
De letra de forma, em papel, com a
1 missal do costume de Évora encadernação queimada , muito
desconcertado
De letra de forma, em papel, encadernado
1 missal com tábuas cobertas de couro vermelho, já
usado
1 livro muito velho Tão desmanchado que se não aproveitava

Quadro nº97
Latão e coisas miúdas

Tipologia Características
Cruz de madeira forrada de latão e cobre Quebrada e com o cruxifixo despregado
2 castiçais de latão Altos e bons
1 ferro de hóstias Fazia 4 hóstias de cada vez
1 lâmpada de vidro Encontrava-se na capela-mór

Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja de Santa Maria da Graça de
Mora, as suas necessidades imediatas reveladas pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Comendador António de Azevedo e povo do concelho
que resumiremos da seguinte forma:

Obrigações do Comendador e beneficiados.


No tocante à fábrica da igreja e ao seu reparo a responsabilidade incumbia o Comendador e
beneficiados de Coruche, que, em partes iguais, a reparavam e davam provimento do que lhe era
necessário.
Foram os visitadores informados por homens antigos sobre quem dava cera para as candeias das
missas de domingo e festas, rezadas pelo povo, e quem dava o azeite para a lâmpada. Acharam
que ninguém era obrigado a dar as candeias, nem existia sobre isso nenhuma ordenança porque o
povo as dava, segundo sua devoção, e recebiam-se tantas que bem bastavam.
O azeite esmolava-o pela vila uma mulher que pela sua devoção o queria fazer, o que os
visitadores louvaram e aprovaram.

Obrigações do concelho.
O concelho encontrava-se obrigado ao corregimento do cálix, que era seu e andava sempre em
poder do procurador do concelho com todos os outros ornamentos da igreja, e estava obrigado a
dar contas anualmente e sempre que se procedia à entrega do cargo ao seu novo detentor.
E se o dito concelho quissesse um capelão que dissesse mais missas do que aquelas a que
estavam obrigados os beneficiados, pagaria à sua própria custa aquilo que concertasse com ele,
como na ocasião faziam com Francisco Colaço, que há certos anos tinham por seu capelão, e lhes
dizia missa dominical e certas festas principais pagando-lhe o concelho, além do que recebia dos
beneficiados de Coruche, 16,5 hectolitros de trigo.

Coisas necessárias à igreja.


1) Constatando-se que todos os fiéis cristãos eram obrigados a ouvir missa aos domingos e festas
dentro da igreja onde eram fregueses, sob pena de pecado mortal, não obstante, por a dita igreja
da vila de Mora ser pequena não cabia o povo nela, razão porque ficavam muitos de fora e, não
podendo ouvir missa nem ver a Deus. Neste entendimento os visitadores ordenaram que a igreja
de Santa Maria da Graça fosse aumentada em mais 4,4m de comprimento, contados a partir da
porta principal, sem se alterar a respectiva largura (+19,3 m 2, equivalentes a um aumento de
cerca de 37% da primitiva área do templo).
2)Mandaram também ladrilhar a igreja e fazer uma porta para o sino antes que caísse daquela
que na ocasião tinha, porque era velha, concertando-a com pregaduras e outras coisas
necessárias.
3)Verificando que na igreja não existia mais do que uma cruz quebrada com o crucifixo
despregado, situação que ocasionava grande escândalo e pouca devoção, ordenaram que se
colocasse na igreja uma boa cruz em folha de Flandres e se adquirissem também um par de
galhetas de estanho boas, uma alva e um amito que tivesse os regaços da mesma maneira que
tinha um manto vermelho que havia na igreja.
4)Mandaram comprar uns corporais e uma pedra de ara.
5)Ordenaram que se adquirisse um livro que tivesse os ofícios de baptizar, ungir e encomendar
os finados.
6)Determinaram que se comprasse um frontal de guadamecil ou de pano da Índia para o altar-
mor.
7)Mandaram comprar 1 bacia de arame para a oferta e se trocar a caldeira de água benta velha e
quebrada que estava na igreja por outra nova.
8)Ordenaram que a pia de água benta fosse deslocada para outro lugar, arrimada à parede, onde
não causasse transtorno. E também que se fizesse uma cobertura de madeira para a pia de
baptismal.
9)Mandaram encadernar o missal que estava na igreja.
10) Deram instrucções para a compra dum missal de missas votivas.

Entidades financiadoras das obras e aquisições destinadas à igreja.


Tendo presente que, de acordo com o costume, o Comendador e os beneficiados de S. João
Baptista de Coruche recebiam as rendas da dita igreja, e de direito se encontravam obrigados a
custear a manutenção fabrica, os visitadores determinaram que o Comendador que desse e
pagasse tudo o que coubesse à sua parte e, não o fazendo, o haveriam por condenado em 30
cruzados de ouro , revertendo para o Convento um terço, o outro para os cativos e o
remanescente para quem acusasse.
E ordenaram aos juízes e oficiais da vila de Mora que à custa do concelho mandassem o traslado
dos assuntos relativas ás obras e aquisições que haviam determinado que se fizessem na, e para a
igreja, ao bispo de Évora, dando-lhe conhecimento de que haviam obrigado o Comendador a
pagar a sua quota-parte, para que o prelado diocesano houvesse por bem que os beneficiados
custeassem aquilo que, por acta, coubesse à sua parte. Isto atendendo a que os visitadores não
tinham poder para constranger os beneficiados, por serem da jurisdição do bispo. No caso dos
juízes e oficiais não cumprirem esta última determinação ficavam condenados em 2000 reais
cada um, para a fábrica da igreja um terço, outro para o Convento e o remanescente para os
cativos.
O traslado a enviar ao bispo de Évora destas deliberações foi fixado com um prazo de um mês.
Na expectativa de que os beneficiados de Coruche assumissem a sua quota-parte do investimento
mandaram ao Comendador que, cumprisse a sua parte por inteiro.

Confraria de Nossa Senhora.


Existia na igreja uma confraria de Nossa Senhora que aceitava como confrade quem quer que
pretendesse fazer parte dela. Em cada ano, no dia de Nossa Senhora da Conceição, mandava
dizer uma missa oficiada, a qual se pagava à custa da confraria. E tinha sempre círios, em
número de 120, que os confrades acendiam nessa ocasião, e quando se admitiam novos
confrades.
Estes confrades mandavam dizer missa por qualquer um deles no dia do respectivo enterro, à
custa da confraria, durante a qual se acendiam todos os círios, sendo os irmãos obrigados a
comparecer em todos os enterros, e se o não fizessem, tendo sido para isso requeridos, ou sendo
sabedores, pagariam de pena 10 reais.
Tinham uma arca que se encontrava na igreja onde guardavam os círios que se faziam com cera
dada pelos confrades e que se comprava com o dinheiro da confraria.Verificou-se que a confraria
não possuía cálix nem vestimenta nem livro, as missas eram ditas com o que existia na igreja. E
também não possuía bens, nem fazendas, nem coisa alguma que para ela rendesse, somente as
esmolas dos confrades.
Na ocasião era seu mordomo André Fernandes Guondelim e juiz Gonçalo Rodrigues, os quais
eram eleitos pelos confrades.
Os enviados do Mestre verificaram que os confrades tinham o seguinte costume: quando um
confrade entrava de novo pagava pela admissão 230 gr. de cera e, daí por diante, 5 reais ou o dito
peso de cera, anualmente, segundo a sua devoção. Aos domingos pedia uma pessoa para os ditos
círios e, da esmola do peditório e com o que davam os confrades, se comprava a cera de que se
faziam não apenas os círios mas também um círio pascal e 4 tochas que, na ocasião, se
encontravam na igreja e se acendiam nas missas de Domingo e das festas principais quando
alevantavam a Deus. Os visitadores aprovaram estes costumes.

Ermida de S. Brinços.
Estava situada dentro da terra que a ordem tinha na aldeia de Martim Anes que andava com a
comenda de Mora.
Esta ermida era de pedra e barro e não tinha capela-mór, apenas um altar de pedra e barro,
guarnecido a cal, no qual se encontrava uma imagem de S. Brincos, de vulto de pau, encimada
por guarda-pó pequeno em madeira que cobria a dita imagem. Ao redor deste altar ficavam umas
grades de madeira de castanho e freixo. Das grades para dentro estava ladrilhado de tijolo e
madeirado de trouxa coberta de telha vã somente sobre o altar exisitia um fôrro de tabuado de
amieiro e freixo. Tinha uma portada de pedra chã com lumieiras de pau, mas não havia portas.
Estava provida com o seguinte: 2 mantéus de linho que estavam no altar e umas toalhas de ponto
real e 1 lençol de linho por cortina, e outro pedaço de pano de linho com que se cobriam os
santos na Quaresma e uma sarja vermelha que servia de frontal.
Tratava-se de uma ermida antiga não havendo memória de quem a houvesse fundado, e não tinha
vestimentas nem nenhuma outra coisa de guisamento, assim o capelão servia-se dos seus
próprios. Não possuía nenhuma renda. Tinham acabado de repará-la certos fregueses que a
conservam e guarneciam por sua devoção e vontade própria, fornecendo-lhe as roupas e outras
coisas escritas.
Tinha um cálice de prata novo, branco, que recentemente os fregueses haviam adquirido para
dizer missa. Era seu capelão João Rodrigues, clérigo de missa, natural que dizia ser de
Montemor-o-Novo, o qual celebrava missa quinzenalmente, confessava e dava comunhão, sendo
pago de acordo com o que concertava com os moradores. O cálix e coisas da dita ermida estavam
em poder de Vicente Rodrigues, morador no termo de Arroiolos
Os visitadores ordenaram a este capelão, que se encontrava presente, que desse o rol dos
confessados e comungados aos priores e curas das igrejas de cujos termos fossem moradores,
porquanto os ditos moradores eram fregueses no termo de Coruche, de Arraiolos e Montemor.

Quadro nº98
Pinturas e imagens

Tipologia Localização Características


De vulto de pau, encimada por guarda-
Imagem de S. Brincos, Encontra-se sobre o altar pequeno
pó em madeira, que a cobria

Ermida de S. Romão.
Também se encontrava situada dentro da terra da aldeia de Martim Anes que andava com a
comenda de Mora.
Com 12,7m2, tinha paredes de pedra e barro e um único altar, encontrando-se coberta de telha vã,
mas danificada nas paredes e telhado. Por ser antiga não restava da sua fundação e não possuía
herdades, nem renda.
Uma vez que a terra desta herdade era coutada da aldeia de Martim Anes e esta ermida bem
como a de S.Brinços estavam situadas dentro da demarcação da dita herdade, mandaram os
visitadores assentá-las nesta visitação porque estas ermidas não se encontram escritas na
visitação de Coruche em cujo termo a dita herdade estava situada.
Ermida de S. Gião.
Situada cerca da vila de Mora, encontrava-se danificada, com paredes derribadas em algumas
partes, outras levantadas, e toda descoberta. As paredes eram de taipa com alicerces de pedra, um
altar já desmanchado, e não tinha capela-mór. Em face desta situação, não foi medida,
constatando-se que não possuía qualquer rendimento. Não foi possível detectar nem a data da
fundação nem o responsável pela sua manutenção.

4.2.2. Dimensão Senhorial

Determinações particulares sobre o temporal


Encontra-se registada nesta visitação a justificação metodológica que vem ao encontro do nosso
próprio modelo de análise destas fontes. Com efeito, com o intuito de evitar a repetição de
determinações de âmbito genérico sucessivamente retomadas em cada nova visita, mandaram os
visitadores que "…quanto ás determinações gerais que ficam escritas na visitação do Cano que
se encontra no princípio deste livro não se puseram em cada um dos outros lugares por não ser
aqui mais necessário porque ficam todas nas visitações que ficam em cada um dos ditos lugares
visitados e mandam os visitadores que em todas se cumpram e se guardem como nelas se
contém... "..
Verificaremos que, ao longo das próximas linhas, será possível surpreender regulamentações e
iniciátivas que suscitam algumas interrogações sobre o papel dos Comendadores na
administração das respectivas comendas e, também, sobre a função de intermediação exercida
pelos visitadores enquanto enviados directos do Mestre, e detentores não apenas de poderes de
fiscalização, mas também de pôr em prática instuções específicas que desceriam até ao âmbito da
gestão. Assim:

Sobre as extremas e lindes, penas incidentes sobre quem arrancasse marcos


Embora fosse quase recorrente a preocupação com a inequívoca delimitação dos bens fundiários
da Ordem, dava-se conta nesta visita que, também na vila de Mora, se encontravam
insatisfatoriamente definidos os limites e confontrações entre as terras da Ordem e as
propriedades dos moradores, situação geradora de tensões e conflitos que foi regulamentada
Mas, no caso vertente, à incúria vinha juntar-se a constatação da prática (habitual?) de um delito
que poderia inculcar o exercício intermitente de uma autoridade distante, o arranque de marcos
divisórios. Perante a ocorrência deste tipo de delito os visitadores determinaram que qualquer
pessoa que arrancasse marcos, ou tivesse ficado provado que os tinha arrancado, pagasse 1000
reais para quem o acusasse, além de incorrer nas penas que o direito e ordenações do reino
faziam incidir sobre aqueles que assim procediam.

2. Sobre abusos praticados por sesmeiros.


Juízes, oficiais e homens bons da vila de Mora agravaram-se perante os visitadores dizendo que
muitas pessoas que tinham tomado terras de sesmaria no termo da vila e em cujos sesmos havia
muitos soverais, assim que as ditas terras lhes eram dadas, começavam a escava-los, vendendo a
casca e não aproveitavam a terra e, além do mais, defendiam a lande e montado aos moradores
da vila e termo.
E com o intuito de dar entender que faziam tenção de aproveitar essas terras lavravam uma
pequeníssima parte delas. Estre procedimento dava azo a que o povo fosse prejudicado, não
apenas por não ter onde criar os seus gados, que ficavam sujeitos a coimas arbitrárias, mas
também pelo facto de descascarem os soverais e os danificarem.
Os visitadores determinaram que, nessas condições, consideravam essas sesmarias como nulas e
devolutas ao senhorio, e as pessoas que tirassem a cortiça sem aproveitar a terra incorreriam nas
mesmas penas a que estariam sujeitas se o fizessem sem lhas terem sido dadas em sesmaria.
No respeitante ás terras que se encontravam aproveitadas, os sesmeiros não poderiam tolher
serventias nem impor coimas em nenhuns gados, com excepção daquelas que se encontrassem
cultivadas com pão, vinha e árvores de fruta, mas, mesmo estas, com a condição de se
encontrarem devidamente vedadas. Quem não cumprisse esta determinação ficava sujeito a uma
coima de 2000 reais por cada prevaricação, da qual coima metade revertia para os cativos, e a
outra para quem o acusasse.

3. Da demarcação que o Comendador deveria mandar fazer.


Como era habitual os visitadores ordenaram ao almoxarife ou feitor do Comendador que dentro
do prazo de seis meses demarcasse as terras e propriedades que a ordem tinha nesta vila e seu
termo, precisando, no entanto, que fosse incluída na demarcação a herdade da aldeia de Martim
Anes que, embora ficasse no termo de Coruche, andava anexa a esta comenda.

4. Drenagem do paul.
Os visitadores verificaram que entre o caminho que seguia para o Cabeço e as terras das várzeas
da Ordem se encontrava um grande pedaço de terra alagada e coberta de juncal, que estava
desaproveitada por não ter sido aberta e drenada, situação de que a Ordem recebia perda e dano.
Querendo atalhar este desperdício, de modo a que os lavradores recebessem proveito e a Ordem
não perdesse os seus direitos, determinaram que todo o lavrador que lavrasse nas referidas terras,
e que tivesse courela, ou courelas a entestar no caminho de Cabeção que atravessassem o juncal
ou terra alagada, alargasse e abrisse a sua courela pelo meio do dito paúl por onde a todos
parecesse que melhor se podia enxugar e escorrer para que toda a terra, desde a ribeira até o
caminho de Cabeção, se semeasse e aproveitasse.
E a qualquer um que assim não procedesse mandaram que a terra que lhe ficasse por semear por
não estar aberta, perdendo-se o respectivo o pão, que fosse estimada por dois homens bons e de
boas consciências, ajuramentados aos santos evangelhos toda essa dita área que ficara por
semear, bem como aquela se tinha alagado, perdendo-se o pão por não se não encontrar aberta, e
tudo o que estimassem que se tinha perdido o avaliassem. E os lavradores pagassem à Ordem o
seu direito sobre a área desaproveitada E mais lhes fosse tirada a dita terra e nunca mais a
lavrassem, e fosse dada a outro lavrador que a abrisse e bem aproveitasse.
E ordenaram também ao feitor do Comendador que tivesse bom cuidado com esta questão,
fazendo cumprir o determinado, e não perdoando a nenhum, sob pena de pagar o dito feitor que
não cumprisse 10 cruzados de ouro, um terço para as obras do Convento, outro para os cativos e
o restante para quem acusasse.

5. Sobre o foral.
Foi mostrado pelo concelho da vila de Mora um foral que comprovaria certas liberdades que o
concelho dizia que se encontravam nele escritas. Mas, por o dito foral não ter sido passado pela
chancelaria do Mestre, os visitadores não o aprovaram. Manifestaran, no entanto, interesse em
fazer a sua aprovação pelo que concederam um prazo de dois meses (até 16 de Junho seguinte)
para que o autenticassem. No caso de não cumprirem essa diligência dentro do prazo, mandariam
ao mordomo e feitor do Comendador que lançasse mão e tomasse para a Ordem todas as vinhas,
pomares e benfeitorias que se encontravam dentro da demarcação das terras das duas dizimas, e
as não tivesse mais ninguém sem pagar foro à Ordem.

Jurisdição, ofícios da Ordem, rendas e população.


A jurisdição do cível e do crime da vila e seu termo pertencia à Ordem e a eleição dos juízes e
oficiais fazia-se pelo ouvidor do Mestrado, mandatado para tal pelo Mestre. Os juízes ordinários
e oficiais eram confirmados pelo mesmo senhor. A vila elegia anualmente 2 juízes, 2 vereadores
e 1 procurador do concelho que depois, entre si, elegiam os almotacés como era o costume da
dita vila e Mestrado.
João Martins mostrou aos visitadores uma carta de tabelião das notas e do judicial assinada pelo
Mestre e passada pela sua chancelaria, desempenhando, ainda o ofício de escrivão da câmara e
dos órfãos e da almotaçaria.
A Ordem de Avis, como entidade senhorial usufruía de rendas, foros e direitos na vila de Mora e
seu termo, encontrando-se enumeradas na fonte as seguintes indicações: dizimo do pão, do
vinho, do azeite, do linho, das favas, tremoços e de todos os legumes, do mel e enxames, dos
frangãos e dos patos, dos gados, dos queijos e a obrigação de Coruche, de onde vinham os
dízimos para esta comenda.
A este rol, os visitadores ordenaram que se pagasse ainda o dízimo dos poldros e dos burros, dos
furões, da lã das ovelhas e carneiros. De todas as oblações e pé d’altar da igreja matriz e ermidas,
metade pertencia à Ordem, e a outra metade dos beneficiados. Pertencia igualmente à Ordem o
dizimo de todas as outras coisas que o direito canónico mandava pagar dizimo
Os visitadores ordenaram que as conhecenças dos oficiais e dos moinhos se arrecadassem como
se arrecadavam em Avis, que era cabeça do Mestrado porquanto em Mora não haviam
encontrado esse costume de se arrecadarem à razão de 10 reais por cada oficial, e de cada
moinho e engenho outros 10 reais .
A renda da alcaidaria pertencia à Ordem com todos os direitos que lhe eram inerentes, com os
gados e bestas do vento e pena das armas, bem como tudo o contido nas ordenações do Reino.
Os visitadores constataram ser costume da vila de Mora que o Comendador fosse obrigado a
apresentar aos juízes e oficiais em câmara uma pessoa que servisse de alcaide pequeno e de
carcereiro.
A portagem da vila era da Ordem e era arrecadada pelo Comendador. Valia a renda que a Ordem
tinha nesta vila e seu termo, com a obrigação de Coruche e a coutada da aldeia de Martim Anes,
em cada ano, 50.000 reais, correspondendo ao terço que pertencia ao Comendador.
As supracitadas rendas partiam-se em 3 terços, um que levava o bispo e cabido de Évora, outro o
Comendador e o outro os beneficiados de S. Jerónimo de Coruche.
Aí habitavam cerca de 80 vizinhos, e destes 10 eram de cavalo, e 5 besteiros privilegiados Em
1532 escontravam-se referidos 74 moradores, 41 dos quais, incluindo 7 viúvas e 1 clérigo na
vila, e 33 em casais dispersos pelo termo.
4.2.3. Dimensão Patrimonial

Proriedade rústica
Quadro nº 99
Horta

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Tipologia de contrato/renda Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S120 N/S 132
Emprazada a Fernando Eanes, em 3 vidas, com
Horta e chão no vale da Fonte do L/P 27 L/P 30
7.534 a renda anual de 2 galinhas e 24 ovos 272
Espinheiro N/S 28 N/S 31
L/P106 L/P 116

Quadro n.º 100


Contrato sobre moinho

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Tipologia de contrato/renda Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Um moinho na N/S120 N/S 132
Emprazada a Álvaro Afonso, em 3 vidas, com
Várzea que moía somente no Inverno L/P 27 L/P 30
24 a renda anual de 2 galinhas e 1 frangão 272
com as enxurradas do vale da Mieira N/S 28 N/S 31
Longa L/P106 L/P 116

Quadro nº 101
Terras

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Terra de pão na posse do Comendador que
Terra de pão grande que estava ao as dava a lavrar apenas aos moradores na
N/S 783 N/S 861
longo do rib.ª na demarcação das 2 364,6 vila. 273-274v
L/P 3850 L/P 4325
dízimas

Terra de pão e coutada da Ordem Na posse do Comendador que a tinha


N/S 4819 N/S 5300
chamada aldeia de Martim Eanes, 1.931,3 arrendada a Dinis Gonçalves 282-283v
L/P 3313 L/P 3644
termo de Coruche

Quadro nº102
Casais

Tipologia do Titular Tipologia Tipologia das Fólio


prédio/Localização dos rendas fixas
contratos
Aforament
Galinhas
o
Casal c assento de casas
Gomes Afonso e seus herdeiros.
junto à Fonte do X 3 279
pagavam comedia
Escudeiro
Casal dos Bilrretos Afonso Pires, morador na vila de Mora X 3 280
Casal da Mieira Longa João Martins tabelião X 3 281

5. As Visitações à Ordem de Avis no século XVI (2º ciclo - 1538)

Terminada em 17 de Abril de 1519 com a visitação à vila de Mora o 1.º ciclo das inspecções em
estudo, inicia-se o 2.º ciclo, cerca de 19 anos mais tarde, com uma série de visitasefectuadas por
Francisco Coelho, cavaleiro da Ordem de Avis, e Frei André Dias, prior de Avis.
Se, por um lado, estas visitas não ampliam tanto quanto poderia ser desejável o nosso "campo de
observação", uma vez que respeitam somente a algumas localidades já visitadas (Cano, Figueira
Seda e Galveias), por outro permitam analizar a evolução verificada ao longo de quase duas
décadas, e constatar o grau de eficácia e cumprimento de algumas das determinações respeitantes
a questões e problemáticas específicas dessas mesmas localidades, entre outro tipo de variações e
evoluções que teremos ensejo de referir.
Verificamos, ainda, que esta fonte se inicia com um tombo das heranças e propriedadas que a
Ordem tinha na vila de Avis e seu termo que, embora não se encontre datado, poderá, em face
das circunstâncias em que se inscreve nm tombo com registos de 1538, corresponder a esse
mesmo ano ou, pelo menos, a um período próximo.

Quadro n.º103
2.º Ciclo de visitas post- Capítulo Geral de 1538

Localidade Datas limite da visitação N.º de dias N.º de fólios Fonte


__
Avis ? - ? de 1538 43 fls. 1-44

Galveias II 18-20 de Setembro de 1538 2 21 fls.69-90v.


Seda II 23- 31 de Setembro de 1538 8 68 fls.94-162
Figueira II 2-3 de Outubro de 1538 2 15 fls.164-179
Cano II 4 - 7 de Outubro de 1538 3 23 fls.181-204
Sousel 8-9 de Outubro de 1538 2 17 fls. 205-222
Fronteira 10- 23 de Outubro de 1538 13 54 fls. 224-278
Cabeço de Vide/Alter Pedroso 23 de Outubro 9 de Novembro de 1538 15 43 fls.47-90v

5.1. Visitação à vila de Avis

Efectuado por Francisco Coelho, cavaleiro da Ordem, e frei André Dias , prior da igreja de Avis,
ao que supomos no decurso de uma visitação realizada entre a, elaboração de um tombo da
Ordem em 1517/19, (ao qual se alude frequentemente na fonte) e o ano de 1538, como parece
depreender-se numa passagem referente ao chão da ordem em Fica Joelho.
Avis, cabeça do Mestrado, pertencia à Mesa Mestral, cabendo a respectiva jurisdição e rendas ao
mestre D. Jorge. O rei tinha as sisas e terças do concelho. O cardeal auferia o terço dos dízimos e
o cabido da Sé de Évora um terço da parcela do referido prelado.
A vila e arrabalde tinha 320 moradores, e Benavila 83.

• Dimensão Religiosa

A visitação em questão não contempla indicações sobre a Igreja sede da Ordem uma vez que esta
estava integrada no convento de Avis, estrutura que determinou um tratamento particular por
parte do mestre D. Jorge. Com efeito e como é hoje conhecido, foi elaborado em Agosto de 1546,
um regimento do convento contendo todos os detalhes reslativos a esta Igreja bem como a muitos
outros aspectos de interesse para a vida da comunidade conventual. Por essa razão se entende
que, no caso da elaboração destes códices, as apreciações à sede da ordem sejam, neste
particular, omissas.

5.1.2. Dimensão Patrimonial

Propriedade urbana

Quadro nº 104
Tipologia dos prédios urbanos

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 5 N/S 5,5
Casa sobradada 24,8 3
L/P 4 L/P 4,5
Pardieiro com forno que partia ao Levante N/S 5 N/S 5,5
24,8 3
com rua pública da vila de Avis L/P 4 L/P 4,5
Casa, que partia a levante com as casas de
__ __ __ f3v
Álvaro Eanes Pinheiro e a Poente com a praça da vila de Avis
Casa situada na Rua das Cisternas __ __ __ 4
Casa situada atrás da igreja e casas do concelho __ __ __ 4v
Casa situada atrás da igreja e confinante com o adro da igreja e Rua da
__ __ __ 11v
Mouraria
Casa confinante com o arrabalde da
___ ___ 12 12
Rua dos Mercadores e com Rua Pública
Celeiro confinante com o arrabalde da
___ ___ 12 12
Rua dos Mercadores e com Rua Pública
Casa situada na Rua dos Mercadores __ __ __ 13v
Duas casas, uma térrea com forno de cozer pão na 17v
__ __ __
Rua Direita de Benavila, e outra junto ao Rossio da aldeia
Casa com celeiro danificado, situada em Benavila,
__ __ __ 18v
partindo a Sul com a Rua das Estrebarias e a Norte com a Rua Pública
Casa, com função de açougue, situada extra muros,
__ __ __ 25v
junto à Porta do Açougue
__
Casa defronte do adro da igreja de Avis __ __ 30

Pardieiro no final da Rua das Videiras, __


__ __ 30v
onde começava o arrabalde
Casa e quintal junto ao castelo de Avis, partindo
__ __ __ 33
com o seu chão e a cerca
Casa __ __ 12 12
Celeiro confinante com o arrabalde da Rua dos Mercadores
__ __ 12 12
e com Rua Pública

Quadro nº 105
Contratos sobre casas

Tipologia dos Tipologia das rendas


contratos fixas
Tipologia do Fóli
Titular Numerári
prédio/Localização Emprazamento o
o Aves
(vidas)
(reais)
Casa e forno que partia ao
Manuel Lopes,clérigo de
Levante com rua pública da vila 3 80 __ 3
missa, morador em Avis
de Avis
Casa, que partia a levante com
Catarina Cardoso
as casas de álvaro Eanes
Filha de Aldonça 3 300 __ 3v
Pinheiro e a Poente com a praça
Eanes
da vila de Avis
Casa , situada na
João Lopes, alfaiate 3 220 __ 4
Rua das Cisternas
Casa situada atrás da igreja e
Ana Calado, moradora na vila 3 40 __ 4v
casas do concelho
Casa situada por detrás do altar- Nuno Fernandes
mór e confinante com o adro da morador na vila 3 20 __ 11v
igreja. e Rua da Mouraria
Casa confinante com o arrabalde
Maria Batalha, órfã de Pêro 1 galinha
da Rua dos Mercadores e com 3 180 12v
Fernandes Canejo
Rua Pública
Casa situada na Rua Beatriz Fernandes, moradora 1 galinha
3 36 13v
dos Mercadores em Avis
Duas casas, uma térrea com
forno de cozer pão na Rua Gonçalo da Silveira, de
___ 300 __ 17v
Direita de Benavila, e outra Estremoz
junto ao Rossio da aldeia
Casa também situada em
Benavila, partindo a Sul com a Gaspar Domingues, morador
__ __ __ 18v
Rua das Estrebarias e a Norte em Benavila, ausente
com a Rua Pública
Casa situada da parte de fora do
muro da vila, junto à porta do Pertença da alcaidaria __ __ __ 25v
Açougue
Casa, defronte do adro da igreja
Gaspar Lopes 3 36 __ 30
de Avis
Pardieiro no final da Rua das
Videiras, onde começava o Jerónimo Fernandes 3 30 __ 30v
arrabalde
Isabel Varela, viúva de João
Casa e quintal junto ao castelo Álvares, por compra efectuada
de Avis, partino com o seu chão a Catarina Lopes, mulher de 3 130 1 frangão 33
e a cerca Álvaro Fernandes, morador
em Coruche
Propriedade rústica

Couto do concelho.
Mais uma vez a fonte remete para uma situação anterior a 1538, uma vez que alude a um couto
do concelho, localizado ao redor das vinhas e olivais que era coimeiro a todos os gados, dizendo
que o mesmo se encontrava descrito no tombo da Ordem, acrescentando, ainda que, por essa
razão foi desnecessário assentar qualquer outra informação adicional.

Quadro nº 106
Contratos sobre chãos

Tipologia das rendas


Tipologia dos contratos
Tipologia do fixas
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Aves Numerário
Aforamento
(vidas) (frangões) (reais)
Chão no vale da Lopo de
pereira com 3 Abreu,
X 3 20 1v
oliveiras e 1 contador do
azambujeiro Mestrado
Rodrigo
Chão e mato no Afonso,
X 30 22
azinhal morador em
Avis
Chão com pinheiro e Frei Gonçalo
pardieiros derribados, Soeiro,
1 26
no rossio da vila que capelão do
se chama o Hospital Mestre
Chão em Fica Joelho 28v

Quadro n.º 107


Contrato sobre cerrado
Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas
Tipologia do
Titular Emprazamento Numerário Fólio
prédio/Localização
(vidas) (reais)
Cerrado de horta e Fernando Afonso,
pomar que partia a Sul filho de Afonso
3 50 2
com o terreiro diante Anes do Pombal,
da fonte nova morador em Avis

Quadro n.º 108


Quintais

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Descrição Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Quintal muito pequeno que estava dentro
N/S 5 N/S 5,5
Quintal 18 de casa, metido dentro do seu quintal que 2v
L/P 3 L/P 3,3
ficava dentro da cerca da vila
Dentro da vila, junto à
Quintal e chão, chamado a mesquita __ __ __ torre de menagem, cercado com paredes de 13
taipa
Situava-se portas adentro de sua casa junto
Quintal __ __ __ 22v
à torre de menagem
Quintal no arrabalde da vila no
__ __ __ Quintal pequeno 28
caminho que ía para a fonte

Quadro n.º 109


Contrato sobre quintais

Tipologia dos Tipologia das


Tipologia do contratos rendas fixas
prédio/Localizaç Titular Numerári Fólio
Emprazamento Aves
ão Aforamento o
(vidas) (frangões)
(reais)
A mulher de mestre
Um quintal Jerónimo, físico, 3 40 2v
morador em Avis
Um quintal e
Brás Varela, tabelião
chão, chamado a 3 60 13
em Avis
mesquita
Rui Martins, escrivão
Um quintal da chancelaria do 3 1 22v
Mestrado
Um quintal Ana Soeiro X 5 28

Quadro n.º 110


Olivais

Tipologia de prédio/Localização Descrição/Cultivo Fólio

Olival e terra de pão situado no poço do tendeiro junto à estrada que ia de Avis para o
Olival e terra de pão 5
Ervedal
Olival que começava na rib.ª de Benavila, no canto do açude do moinho Olival com vinha 6
Olival que se chamava o Vieiro na rib.ª e pego do Sertainho até à foz do vale Olival 7v
Olival no azinhal ao longo do caminho para Benavila Olival 11
Olival na rib.ª acima da ponte da vila Olival com o seu chão 24

Quadro n.º 111


Contratos sobre olivais

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do
Titular Emprazamento Azeite Numerário Fólio
prédio/Localização
(vidas) (litros) (reais)
Olival e terra de pão
situado no poço do Lopo de Abreu,
tendeiro junto à estrada contador do 3 __ 70 5
que ia de Avis para o Mestrado
Ervedal
Olival com vinha que
Lopo de Abreu,
começava na rib.ª de
contador do 3 __ 290 6
Benavila, no canto do
Mestrado
açude do moinho
Olival que se chamava
o Vieiro na rib.ª e pego João Gonçalves,
3 __ 25 7v
do Sertainho até à foz morador em Avia
do vale
olival no azinhal ao
longo do caminho para Rodrigo Afonso 3 __ 180 11
Benavila
Olival de S. Domingos, Lopo de Abreu,
confinante com o contador do __ __ 23
Rossio da vila Mestrado
__
Olival na enfermaria 3 __ 23

Olival na rib.ª acima da Dr. João de Santiago, 3 13,8 __ 24


ponte da vila físico do
Mestre
Chão e oliveiras no
__ __ 44
vale da Gardina

Quadro n.º 112


Vinhas

Tipologia de prédio/Localização Fólio

Vinha em Fica Joelho 7


Vinha que entestava com outra do mesmo Álvaro Eanes Pinheiro 8
Vinha junto à azinhaga do concelho 8v
Um bacelo junto ao rib.º do Galego 9
Duas courelas de vinha juntas em Fica Joelho 9v
Vinha em Fica Joelho, próxima da azinhaga do concelho 9v
Vinha em Fica Joelho 10
Vinha junto ao poço da frandina 10v
Vinha junto ao rib.ª do Galego 26v
Vinha atrás da vinha grande da Ordem junto rib.º do Galego 29
Vinha junto ao rib.ª do Galego 39v.
Mortorio que foi vinha junto à vinha da Ordem que trás Álvaro
42
Eanes Pinheiro

Quadro n.º 113


Contratos sobre vinhas

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do
Titular Emprazamento Vinho Numerário Fólio
prédio/Localização
(vidas) (quota fixa) (reais)
António Rodrigues
Vinha em Fica Joelho Porcalho, morador 3 40 7
em Avis
Vinha que entestava
Álvaro Eanes
com outra vinha forra
Pinheiro, almoxarife 3 ¼ e o dízimo __ 8
do mesmo Álvaro
em Avis
Eanes Pinheiro
Vinha junto à azinhaga
Simão Pinto 3 __ 36 8v
do concelho
Bacelo junto ao rib.º do Rodrigo Afonso,
3 __ 15 9
Galego morador em Avis
Duas courelas de vinha
Gaspar Romeiro 3 __ 75 9v
juntas em Fica Joelho
Vinha em Fica Joelho,
próxima da azinhaga Nuno Gonçalves 3 __ 36 10
do concelho
Pedro Eanes, oleiro,
Vinha em Fica Joelho 3 __ 15 10v
morador em Avis
Vinha junto ao poço da João Fernandes,
3 __ 10 26v
frandina morador em Avis
Vinha atrás da vinha João Rodrigues
grande da Ordem junto Rufaxo, de Avis 3 __ 25 39
rib.º do Galego
Vinha junto ao ribeiro Baltzar Gonçalves,
3 __ 15 39v
do Galego morador em Avis

Quadro n.º 114


Contratos sobre moinhos

Tipologia dos Tipologia das


Tipologia do contratos rendas fixas
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Trigo
(vidas) (litros)
Pêro Eanes
Pinheiro,
Moinho, chamado
almoxarife, que
moinho do Porto, na
comprara o título a 3 1450 12v
rib.ª de Avis, abaixo
Gonçalo Vaz,
da ponte
cavaleiro da Ordem
de Avis
Moinho na rib.ª de
Diogo Gonçalves,
Avis chamada dos 3 345 40
morador no Ervedal
freires
Moinho danificado na
De cada 152 litros que
rib.ª de Sousel, à foz ___ ___ 40v
ganhasse a Ordem levava 13,8
da Favaqueira
Quadro n.º 115
Contratos sobre Coutadas e Defesas

Tipologia dos Tipologia das


Tipologia do contratos rendas fixas
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Numerário
(vidas) (reais)
Coutada do
Carvalho de terras de sobro e António Fernandes, tabelião em
3 500 14
montado, junto à estrada que Avis
ía de Avis para Montargil
Quinta que se chama os Anexa ao castelo e Alcaidaria-mór
Amarelos, defesa a todos os de Avis, na ocasião na posse de D.
? ? 25
gados, começa na rib.ª ao Luís de Lencastre, Comendador-
porto do telheiro mór e Alcaide de Avis
Coutada da Ordem, com
herdade de pão e azinhal,
defesa dos gados, situada na 1.000
Pêro Coelho, secretário do Mestre 3 29
terra do rib.ª de Bembelide,
com 5 courelas de terra
anexas à herdade
Henrique Henriques de
Quinta e defesa da Ordem que Miranda,Comendador de Santa __ 33v-
se chamava o Hospital Maria da Alcáçova de Elvas e __ 35v
Alcaide mór de Fronteira
Quadro n.º 116
Ferragiais

Tipologia dos Tipologia das


Tipologia do prédio/ contratos rendas fixas
Titular Fólio
Localização Emprazamento Numerário
Outros
(vidas) (reais)
Manuel Fernandes
Os quatro quintais de
verças que se De ração um
Ferragial que estava
encontravam dentro quinto de
junto à vila, 3 113 23
do ferragial, estavam quanto se
junto à porta de Évora
na posse de Lopo lavrava
Álvares e
Arabela.
Ferragial no covão,
___ __ __ __ 23
abaixo das ferrarias
Ferragial na enfermaria ___ ___ 23
Ferragial defronto da
porta do convento contra __ __ __ __ 23
o Rossio
Ferragial grande com
terras de pão que ficava __ __ __ __ 23
por detrás do Convento
Ferragial ao casal do
João Rebelo 3 36 __ 27
concelho
Ferragial no cabo do
Rossio da vila junto ao __ __ __ __ 27v
rib-ª da Gafa

Quadro n.º 117


Hortas

Tipologia dos Tipologia das


contratos rendas fixas
Tipologia do
Titular Numerário Fólio
prédio/Localização Emprazamento
(reais)
(vidas)

Bartolomeu Vaz,
Um pedaço de chão em horta
morador em 3 8 15v
junto à rib.ª de Benavila
Benavila
Horta junto à rib.ª de
Diogo Peres 3 8 16
Benavila
Catarina Peres,
Horta junto a Benavila 3 8 16v
viúva de Benavila
Horta junto a Benavila Pedro Eanes 3 8 17
Horta do chão junto ao O Convento ___ 24v
Rossio de de Avis
Avis por provisão do
Mestre
Várias hortas numa Lezíria Bartolomeu Vaz
da Ordem em Diogo Peres
8
Benavila, propriedades Catarina Peres, 3 36
(a cada titular)
de pouca substância, em viúva
posse de 4 foreiros Pêro Eanes
Várias pedaços de terra numa
lezíria da Ordem em Fernão Lopes 3 8 36
Benavila
Várias pedaços de terra numa
lezíria da Ordem em João Álvares 3 8 36
Benavila
Várias pedaços de terra numa
lezíria da Ordem em João Martins 3 8 36
Benavila
Várias pedaços de terra numa Jorge Afonso como
lezíria da Ordem em tutor de seu neto 3 8 36
Benavila Lopo Dias
Quadro n.º118
Herdades

Tipologia dos Tipologia das rendas


Tipologia do prédio contratos fixas
Titular Fólio
Localização Emprazamento Trigo
(vidas) (litros)
Herdade do Painho na
rib.ª de Seda, ao vale do
Bom Dia, incluindo 1 Pêro Coelho,
courela à Mogueira secretário do
3 414 36-38v
chamada vale do Amador, Mestre D. Jorge
bem como outra, no
mesmo local, chamada do
Gato

Quadro n.º 119


Terras

Tipologia das
Tipologia do prédio rendas fixas
Titular Fólio
Localização Numerário
Outros
(reais)
Terra de pão com uma oliveira,
chamada o Freixial que começava na A Ordem recebia o quinto da
__ __ 19v
rib.ª de Benavila até ao Porto dos colheita
Cantos
A Ordem tinha metade de
ração.Segundo a colheita
Terra entre as ribeiras de Seda e
__ pagava o quinto ou a Ordem __ 20
Nenavila que se chamava a Carrazola
levava metade do quinto e o
lavrador a outra metade
Terra do Rossio dos Canos além de __ Andava com a renda da __ 20v
Ordem e os rendeiros
Benavila, onde foi povoação
recolhiam os frutos
Uma terra de pão na Rib.ª de Avis, Das quais a Ordem levava
__ __ 23
junto ao Porto do Gato metade do quinto
Courela junto à rib.ª de Carrazola, em João Peres, freire
27,6 litros de trigo e o dízimo __ 21v
Benavila do hábito de Avis
Três courelas, a 1.ªe 2ª na Horta de Diogo Afonso de
__ __ 31
João Pascoal e a 3.ª partia com o rib.º S.to António
Terra de pão que foi vinha situada
em Pêro Cristóvão Mendes,
__ 20 41
Aguilhão e partindo ao Poente com a morador em Avis
estrada para Évora

5.2. Visitação à comenda de Cabeço de Vide

A visitação da vila e comenda de Cabeço de Vide foi levada a cabo por Francisco Coelho
cavaleiro da ordem de Avis e por frei André Dias, prior da igreja de Avis.
Esta decisão, tomada em Capítulo Geral de 1538, mais de quatro décadas após o início do
governo de D. Jorge, obriga a alguma ponderação. Independentemente das razões de natureza
logística e administrativa que lhe terão estado subjacentes, não pode desligar-se das dimensões e
características específicas da componente humana da Ordem de Avis, bem como da distribuição
dos territórios sob a jurisdição da Ordem a que já tivemos ocasião de aludir .
Infelizmente a primeira carta conhecida pela qual D. Jorge concede poderes aos visitadores da
comarca transtagana, no âmbito das deliberações do último Capítulo Geral, pouco se afasta do
formulário tradicional, embora refira expressamente a natureza e latitude dos poderes delegados
e, mais importante, circunscreva com precisão as localidades a visitar. Parece de realçar que, se
em visitações antecedentes por nós tratadas, se encontrava perfeitamente delimitado o prazo de
execução das visitações em causa, neste caso de Cabeço de Vide esse ponto encontra-se omitido.
Praticamente um mês após o Capítulo Geral da Ordem de Avis realizado no mosteiro de Santo
Elói, D. Jorge, que permanecia em Lisboa, fazia escrever pelo seu secretário Pero Coelho a carta
de poder, com a data de 30 de Março de 1538. Nela, como habitualmente sucedia, dava conta a
todos os Comendadores, cavaleiros, priores, freires da dita ordem de Avis e a todos os outros a
quem o direito pertencesse, que tinha escolhido como visitadores, Francisco Coelho, cavaleiro da
Ordem, e Frei André Dias, prior de Avis para visitarem uma certa parte do Mestrado. Participava
ainda que, no intuito de abreviar o tempo dispendido nestas visitações, tinha sido deliberado
repartir o dito Mestrado em duas comarcas, passando a constituir a parte que cabia aos referidos
visitadores um conjunto de 26 localidades :
Na sequência desta delegação de autoridade, os visitadores Francisco Coelho e frei André Dias,
comunicaram ao Comendador, prior e juízes e oficiais da vila e comenda de Cabeço de Vide,
bem como aos vassalos dela, que visitariam a dita vila, tanto no tocante à dimensão espiritual
como no respeitante à dimensão jurisdicional
A vila de Cabeço de Vide pertencia à Ordem de Avis e, nesta altura, encontrava-se na mão de
Diogo de Miranda que era seu Comendador e Alcaide-mor. Partia a Norte com o termo de Alter
Pedroso, de que distava dois terços de légua, a Sueste com o de Monforte, que ficava a duas
léguas, embora o termo da vila se limitasse a um quarto de légua.A Sul partia com Veiros, de que
distava três, tendo uma e meia léguas de termo para essa parte. Distava uma légua de
Fronteira,que ficava da banda do Sudoeste, embora o termo da vila se limitasse a meia légua.
5.2.1. Dimensão Religiosa

Igreja
Na manhã de 23 de Outubro de 1538 os referidos visitadores, juntamente com Frei Fernando,
escrivão da visitação, chegaram à igreja de Santa Maria da Graça, procedentes da vila de
Fronteira, onde se encontravam, preparados para receber os enviados do Mestre, a saber, o
Comendador, o prior e o tesoureiro da dita igreja. Perante estas individualidades foi lida a carta
do Mestre, e foram prestadas as obediências da praxe, após o que a visitação começou.
Na altura era Comendador da dita igreja e comenda Diogo de Miranda, fidalgo da casa do Mestre
D. Jorge e cavaleiro professo da Ordem de Avis, segundo mostrou pelo título da sua profissão. E
questionado sobre título da comenda apresentou uma carta do dito senhor pela qual o dava como
Comendador de Cabeço de Vide e Alcaide-mor da vila de Alter Pedroso.
No respeitante aos capítulos da Regra que tocavam à visitação, e que lhe foram lidos, disse que
os cumpria.
Acabada de visitar a pessoa de Diogo de Miranda foi-lhe ordenado que requeresse muito
inteiramente todos os direitos, heranças e coisas que pertencessem à Ordem e comenda, sem se
deixar levar por nenhuma afeição pessoal.
Na ocasião era prior da dita igreja frei Pêro Leborato, freire professo do hábito de Avis. Sendo-
lhe perguntado pelo título do seu priorado, hábito e profissão disse que os não tirara porque ainda
não era costume no tempo em que saíra do convento.
E questionado sobre título do seu priorado e benefício mostrou uma apresentação do Mestre e
uma confirmação de D. Afonso, Bispo de Évora, e quanto à apresentação do dito priorado para
tença a sua senhoria in sólido por qualquer via que vagasse.
Foi inquirido pelos capítulos da Regra e respondeu que os cumpria o melhor que podia, e quanto
estava ao seu alcance, e os visitadores assim lho recomendaram.
Tinha o dito prior de mantimento por ano 10.000 reais, 16 hectolitros de trigo e 12,4 hectolitros
de cevada.
Os enviados de D. Jorge informaram-no de que, desde o pretérito dia de S. João em diante,
receberia mais o pé de altar da dita igreja, por ter passado a ser dado aos priores da Ordem, com
início no referido dia de S. João, tal como ficára decidido no Capítulo Geral celebrado pelo
Mestre em Lisboa.
Foram seguidamente inquiridos os juízes, oficiais e alguns homens honrados que unanimemente
responderam que eram muito bem servidos pelo prior. E todos os dias celebrava missa pelo povo,
como era sua obrigação.
Era tesoureiro desta igreja Jerónimo Guterre, que tinha de mantimento por este cargo 4,1
hectolitros de trigo e 198 litros de vinho à bica.
Começaram por visitar o sacrário, que consistia numa caixa de madeira, fechada com chave,
destinada a ser clocada no retábulo que então se fazia para a dita igreja. Dentro dessa caixa se
encontrava-se um cofre de marfim, com sua fechadura e chave, e dentro no dito cofre estava o
santo sacramento, colocado nuns corporais, sobre a pedra de ara, que também aí se encontrava.
Defronte do sacrário estava perdurada uma lâmpada de vidro que ardia continuamente diante do
sacramento.
Os santos óleos, óleo, crisma e óleo perfumado, encontravam-se nas respectivas ambulas, dentro
de uma caixa de madeira num armário metido na parede da capela-mor do lado do evangelho.
Este armário tinha uma cercadura em pedra mármore e umas portas de pau pintadas com as
armas de Diogo de Azambuja. Era neste armário que costumava estar o sacramento.
Esta igreja matriz, tinha sido mandada fazer de novo pelo Comendador Diogo de Miranda, com
uma capela-mor com 31,5m2. Era de pedra e cal, abobadada e guarnecida por dentro e com
chaves de cantaria falsa. Estava ladrilhada de tijolo, e o altar-mor fora construído em alvenaria
com três degraus de pedra. O sobredito altar não tinha colocado nenhum retábulo porque aquele
que lhe estava destinado se encontrava a pintar naquela ocasião. O arco do cruzeiro era de
cantaria falsa. Na capela-mor, à direita, ficava um portal de pedra que dava para a sacristia, a
qual se encontrava a ser construída de novo em pedra e barro e media 19,3m2.
O corpo da igreja era de uma só nave, com paredes de pedra e cal, guarnecido por dentro, e tem 4
arcos de tijolo sobre os quais se encontrava madeirado de castanho telhado de telha vã. Na
parede do cruzeiro ficavam 2 altares de alvenaria.
A porta principal, bem como as 2 portas travessas, eram de pedra de gram e tinham todas portas
novas de castanho. Á entrada da porta principal, do lado esquerdo, ficava um arco grande na
parede, onde se encontrava metida a pia baptismal, também em pedra de gram, e cercada com
grades de madeira. O coro e o campanário ainda não se encontravam feitom, uma vez que ainda
se andava a trabalhar nos acabamentos dentro da igreja. O corpo desta igreja media 218m 2 o que,
acrescentando a superfície da capela-mór, perfazia uma área total de cerca de 250m2.
Diante da porta principal, a toda a largura do templo, ficava um tabuleiro a que se ascendia por
degraus.
O adro que rodeava o templo tinha sido demarcado e medido pela visitação passada.
Na dita igreja existia uma confraria de Nossa Senhora, que se tinha constituído como ficara
declarado na última visitação que, todavia, desconhecemos.

Quadro nº120
Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Tinha uma cercadura em pedra
mármore e umas portas de pau Situado na capela-mor, do lado do
Armário
pintadas com as armas de Diogo de Evangelho
Azambuja
No altar do lado do Evangelho da
Imagem de Santo António Em vulto, em pedra.
parede do cruzeiro
De ambos os lados da parede do
Dois altares Forrados de azulejos
cruzeiro

Quadro nº121
Prata da igreja

Tipologia Características Observações


Fora feito com a matéria-prima
Cálice de prata branca, com de outro, que havia na igreja e Era da Ordem, encontrando-se em poder do Capítulo
sua patena pertencia à Ordem, mas estava com a restante prataria
velho e quebrada
Três cálices de prata, com
Pertenciam ao Capítilo
suas patenas
Pertencia ao Capítulo e tinha sido assentada na
Custódia de prata branca Com partes douradas
visitação passada
Cruz de prata branca, grande
Com o seu crucifixo Pertencia ao Capítulo
e boa
Cruz Muito pequena Deixada por um defunto, valia 5.000 reais

Quadro nº122
Vestimentas da igreja

Tipologia Características
Capa De damasco com savastro de veludo carmezim
Vestimenta Em damasco carmezim, comprida
Vestimenta de chamalote preto Comprida e com savastro de veludo preto, franjado
Vestimenta de zarzagaia de seda Comprida
Frontal de chamalote vermelho Novo
2 vestimentas de linho que serviam de cotas Usadas
Pano de estante vermelho e franjado Pequeno
6 corporais de linho Bons

Quadro nº123
Ornamentos da igreja

Tipologia Características
4 pedras d’ara Com savastro de veludo carmezim
2 estantes de madeira Para os altares
Estante grande Para (os freires?)
__
2 caixas para os corporais das hóstias

Buceta de folha-de-Flandres Para as hóstias


Cruzeiro Das trevas
__
Roda de campainhas

3 campainhas 2 de comungar e 1 de levantar a Deus


Depositados no interior da igreja por o campanário não se
2 sinos grandes
encontrar ainda edificado
2 ferros de fazer hóstias Uns velhos e outros novos
__
Caldeira de água benta

__
Bacia de oferta

6 castiçais De latão

Quadro nº124
Livros da igreja

Tipologia Características
3 missais místicos Do costume de Évora
3 missais manuais Romanos
Baptistério De pergaminho
Livro de bênção e encomendação De pergaminho novo
Santal e domingal de vésperas De pergaminho novo
Oficial de missas, santal e domingal Já velho
Oficial místico de uma regra Velho
Baptistério Velho e desencadrenado
Livro de encomendação e unção Velho
Evangeliorum Velho
Epistoleiro Velho
Missal de pergaminho Velho
Saltério Velho

Quadro nº125
Roupa de linho da igreja

Tipologia Características
8 toalhas de mesa Usadas
4 toalhas de baptizar De seda lavrada

Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja matriz de Cabeço de Vide, as
suas necessidades imediatas, reveladas pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Comendador que resumiremos da seguinte forma:
1. Os visitadores ordenaram ao Comendador que adquirisse uma sobrepeliz para administrar os
sacramentos, e para o tesoureiro .
2.Ordenaram-lhe também que mandasse edificar o coro da igreja, erguer um campanário e
construir um púlpito, especificando que o coro deveria ser edificado de acordo com o modelo do
da igreja de Fronteira. Tudo isto no prazo de um ano sob pena de dez cruzados (4.000 reais) para
as obras do Convento de Avis.
3.Mandaram igualmente que Diogo de Miranda fizesse esculpir em pedra uma cruz da Ordem
que seria colocada sobre a porta principal da igreja no prazo de quatro meses.
4.Ordenaram ao antedito Comendador que adquirisse até ao próximo dia de S. João (27 de
Fevereiro) duas vestimentas compridas com decote: uma de chamalote colorido, e a outra de
pano de linho com savastro de pano azul, sob pena de 2.000 reais para o Convento.
5. Mandaram finalmente que fossem compradas três mesas de toalhas para os altares, e um
missal místico do costume de Évora, até ao Natal, por se tratar de coisas muito necessárias, sob
pena de 1.000 reais para o Convento

Ermida de S. Brás.
Esta ermida ficava na vila, logo abaixo da igreja matriz, e tinha sido descrita na passada
visitação, encontrando-se nela nessa ocasião a Confraria da Misericórdia por licença que o
provedor e irmãos tinham obtido do Mestre. Esta Confraria fora constituída segundo o regimento
delas, e como se costumava em outros lugares do reino em que as havia, e estava anexo à dita
Confraria o hospital da vila por provisão do rei, hospital esse que era tal como ficara assentado
na visitação passada O provedor e irmãos da Misericórdia o tinham a seu cargo proverendo-o de
camas e outras coisas necessárias. Para isso administravam e governavam os bens e heranças que
o hospital tinha.

Ermida do Espírito Santo.


Encontrava-se situada no Rossio da vila e era toda abobadada, não apenas o corpo da igreja mas
também as capelas, com seus arcos de pedraria e as respectivas chaves em tijolo. A capela-mor
estava lajeada, e o arco do cruzeiro feito em pedraria. Tinha um altar de alvenaria com 3 degraus
de pedra e um retábulo de pau-preto. Media, de comprido. 4,5m e, de largo 4, 5m, ou seja, 20m2.
A capela da parte do evangelho era da invocação de Nossa Senhora e abrangia uma área
de17,5m2.
A outra capela era da invocação da Trindade e, sobre o altar, encontrava-se a respectiva imagem
pintada na parede. Media 4,4m de comprido e, de largo, 3,8 (17m 2). Desta capela se passava,
através de uma porta de pedraria, até ao campanário por uma escada de caracol. Este era de
alvenaria e tinha um sino bom.
Na capela-mor ficava outra porta de pedraria por onde se passava para a sacristia que era de
abobada. A porta principal desta ermida era igualmente de pedraria. E, da parte do Sul, tinha
outra porta de pedra com as suas portas novas e boas. De comprimento media esta ermida de S.
Brás, no corpo dela, 20m, e de largo 5, 5 (110m2).
Pegadas com a dita ermida, da parte do Norte, encontravam-se principiadas as casas do hospital
dos pobres. Esta ermida era governada pelos mancebos solteiros da vila que de novo a tinham
fundado, encontrando-se anexa ao hospital do Espírito Santo de Roma, por bula que para isso lhe
foi concedida, e obtivera grandes indulgências de que a dita casa recebia muita esmola, que se
gastava na fábrica e nos ornamentos, bem como em esmolas a pobres e em missas que se rezam
todos os domingos e dias santos, e outros ainda, segundo ordenança dos mordomos e confrades.
Tinha a dita casa certos bens e fazendas de raiz, das quais existia um tombo. De igual modo tinha
prata e ornamentos que serviam na dita ermida.
Acharam os visitadores que, em cada ano, (os confrades) eram obrigados a dar à Câmara
Apostólica o dízimo que era enviado por barco.

Quadro n.º 126


Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Situado na parede da capela, do lado
Imagem de Nossa Senhora Pintada na parede do Evangelho, sobre o altar com essa
invocação
Imagem da Santíssima Trindade Pintada na parede No altar da capela do lado da epístola

Ermida de Santa Ana


A ermida de Santa Ana que, também ficava no Rossio da vila, encontrava-se tal como fora
descrita na visitação anterior, à excepção de ter sido lajeada de novo com lajes pretas.

Ermidas de S. Sebastião e S. Tiago


Estas ermidas encontravam-se tal como tinham sido descritas na visitação anterior, mas o corpo
da ermida de São Tiago encontrava-se todo no chão, restando apenas a capela, e ninguém tinha a
obrigação destas ermidas que se reparavam apenas com esmolas.
5.2.2. Dimensão Senhorial

Determinações particulares sobre o temporal

• Sobre a protecção da Defesa da Chancelaria

Os visitadores encontraram a coutada e defesa da Chancelaria danificada e cortada por muitos


gados, o que era proibido, tendo ordenado que durante os meses de Outubro, Novembro e
Dezembro, que eram de novidade, qualquer porco que fosse encontrado no interior da dita defesa
pagasse por cabeça 50 reais – e sendo rebanho que ultrapassasse as 50 cabeças – pagariam por
cada vez que aí fossem encontrados nesses meses 1000 reais. Esta mesma pena e coima se
pagaria pelo gado vacum, e os outros 9 meses do ano pagariam a coima pelo foral ou postura do
concelho.

2.Protecção do montado

Qualquer pessoa que cortasse sobreiro ou azinheiro pelo pé pagaria 500 reais. E cortando
qualquer ramo pagaria, por cada um, 100 reais.

3. Interdição aos ovinos e caprinos

Se fossem achados nesta coutada carneiros, ovelhas ou cabras por cada vez que fossem
encontrados pagariam 500 reais. E o pastor seria preso, e não seria solto até que a coima fosse
paga. Estas coimas destinar-se-iam os rendeiros e guardas desta dita defesa.

Jurisdição e rendas da Ordem na vila de Cabeça de Vide

Pertencia à Ordem a jurisdição do cível e do crime. A eleição dos juízes e oficiais era feita pelo
ouvidor do Mestrado, mas somente os juízes ordinários necessitavam de ser confirmados pelo
Mestre, e o respectivo mandato, a exemplo do que sucedia em todo o Mestrado, era trienal.

Quadro nº127
Ofícios da ordem

Nome Ofício Rendimento


Escrivão da câmara e almotaçaria, ___
Henrique de Paiva
nomeado por carta do Mestre
Inquiridor e contador e istribuidor, ____
Brás Rodrigues
nomeado por carta do Mestre
Partidor dos órfãos nomeado por carta ___
Nuno Gonçalves
do Mestre
Escrivão dos órfãos nomeado por carta ___
Vasco Rodrigues
do Mestre
Tabelião das notas e judicial nomeado ___
Duarte Ribeiro
por carta do Mestre
Igualmente tabelião das notas e ___
João de Matos
judicial nomeado por carta do Mestre
Manuel Rodrigues Escrivão dos órfãos nomeado por carta ___
do Mestre
Juiz da Ordem De mantimento, 4,1 hectolitros de trigo
Fernão Martins
anuais
Escrivão da Ordem Recebia pelo cargo, do bispo e do
Pêro Leborato, prior da vila
cabido 4,1 hectolitros de trigo anuais

A presença da Ordem de Avis como entidade senhorial ficava marcada pela recepção de rendas
que usufruía na vila de Cabeço de Vide. A este respeito encontram-se enumeradas na fonte as
seguintes indicações :o dízimo do pão, o dízimo do vinho,o dízimo do azeite,o dízimo do linho,o
dízimo dos gados de toda a sorte, dos frangãos e pavões, dos furões, dos enxames e do mel, da
fruta e hortaliça de toda a sorte, o dízimo de todos os queijos,o dízimo dos poldros e burros, o
dízimo da lã das ovelhas e carneiros, dízimo e o dízimo das favas e tremoços e todos os outros
legumes.
Para além das rendas citadas, detinha ainda a Ordem, todas as oblações e pé de altar da igreja
matriz e ermidas, com excepção das da ermida do Espírito Santo, que iam para essa mesma
ermida e para a fábrica dela, por disposição do Santo Padre.
De igual modo pertenciam à Ordem os dízimos de todas as outras coisas que o direito canónico
mandava pagar. Mas de todos estes dízimos levavam o bispo e o cabido a terça parte, da qual
pagavam à Ordem, de celeirada, 8,2 hectolitros de trigo e 4,1 de cevada, tirando deste dízimo o
dízimo das cebolas e alhos, por ser esse o costume.
De igual modo tinha a Ordem a conhecença de todos os moinhos e engenhos de água que
estivessem no termo da vila e na ribeira de Vide.
E recebia casuísticamente aquilo em que se concertasse por cada engenho com a Ordem, sendo
foreiros os que não ficavam em terra da mesma Ordem.
Igualmente recebia a Ordem a pensão dos tabeliães e cada um deles pagava por ano 180 reais, e
as conheçenças dos ofícios mecânicos, pagando cada um, anualmente, 10 reais (o equivalente aos
foros das hortas pequenas).
A portagem era da Ordem e arrecadava-se sempre com as outras rendas da Ordem, tendo-a nessa
ocasião o Alcaide-mor, Diogo de Miranda.
A Alcaidaria-mór desta vila, com seu castelo, e as rendas dela e as carceragens e dízimas das
sentenças era tudo da Ordem, e todos estes direitos pertencam à alcaidaria-mor, tal como se
encontrava declarado na última visitação. O alcaide-mor apresentava o alcaide pequeno de
acordo com a ordenação.
Residiam nesta vila e seu termo 400 vizinhos. Estimavam-se as rendas de Cabeça de Vide e de
Pedroso, todas juntas, para efeitos de arrendamento, em 460.000 reais em salvo para o
Comendador.

5.2.3. Dimensão Patrimonial

Castelo de Cabeço de Vide

O castelo da vila estava todo cercado de muro e Diogo de Miranda, o Comendador era Alcaide-
mor dele, bem como da vila de Alter Pedroso, por carta de sua senhoria que mostrou aos
visitadores. Todas as casas que ficavam da porta da cerca para dentro pertenciam ao dito castelo
e pousavam nelas os Comendadores e Alcaides-mores. Muitas delas encontravam-se nessa
ocasião feitas de novo e renovadas. Os visitadores não se deslocaram lá nem as assentaram por
se encontrarem pejadas e o visitador Francisco Coelho ter adoecido, abandonando a visitação.

5.3. Visitação à comenda de Alter Pedroso

5.3.1. Dimensão Religiosa

Igreja
Foi visitada a igreja de Santa Maria de Pedroso, onde os fiéis ouviam missa, que se encontrava
tal como se encontrava descrita na visitação anterior.
Os moradores neste povoado tinham um clérigo que lhes dizia missa aos domingos e festas ao
qual o Comendador dava mil reais e os fregueses 6,9 hectolitros de trigo em cada ano. Existiam
na dita igreja uma cruz e um cálice de prata deixados por defuntos, bem como a vestimenta com
que se dizia missa.
Terminada a visita da igreja de Santa Maria de Pedroso os visitadores entenderam que a igreja
tinha necessidade de algumas obras e de certos objectos destinados ao culto, pelo que ordenaram
ao Comendador que diligenciasse no sentido da sua aquisição ou reparação, nos prazos
indicados, e sob as pena de avultados pagamentos, como consta do quadro seguinte.

Quadro nº128
Aquisições e benfeitorias respeitantes a Alter Pedroso

Tipologia/descrição Prazo de realização Penas


O corpo da igreja de S.ta Maria de Pedroso encontava-se
derrubado por terra tornando necessário mandar erguer o referido Durante o ano de 4.000 reais para as obras do
corpo, telhá-lo, emadeirá-lo e colocar portas de modo a que 1539 Convento de Avis
ficasse coberto. A qual obra se faria de pedra e cal.
Na capela desta igreja mandariam revolver o telhado e cintá-lo e
Durante o ano de 4.000 reais para as obras do
guarnecê-la por dentro e por fora, e no campanário que
1539 Convento de Avis
permanecia erguido colocariam um sino meão.
Toalhas e mantas para o altar.
1.000 reais para as obras do
Um missal do costume de Évora e um baptistério. Dentro de 4 meses
Convento de Avis
A capela de S. Bento, que ficava dentro do castelo encontrava-se
muito danificado e já na visitação passada tinha ficado sobre ela
uma provisão que não fora cumprida pelo que ordenaram que
mandassem revolver o telhado da dita capela e cintá-lo e
2.000 reais para as obras do
guarnecê-la e calafetá-la por dentro. E as imagens que estavam Dentro de 6 meses
Convento de Avis
pintadas sobre o altar as tornasse a mandar pintar do modo que
estavam. E nas portas mandasse colocar fechaduras e ferrolhos de
maneira a que a dita capela estivesse fechada, limpa e bem
concertada. E no altar mandará por umas toalhas.
No decurso da visitação passada fora ordenado ao comendador
Não o cumprindo o
que telhasse e reconstruísse as casas que ficavam dentro do
Nos dois anos Comendador teria o
castelo (estrebaria, o palheiro, o forno e a atafona). O
seguintes rendimento da comenda
Comendador não o cumpriu e encontram-se agora muito mais
vedado
danificadas. os visitadores ordenarama feitura das obras.
Os visitadores encontraram derrubada uma parede duma ponte No Verão de 1539 2.000 reais para as obras do
que ficava a par do castelo, no miradouro além da cisterna, do Convento de Avis
lado do Crato, e porque se não se remediasse ficaria mais
arruinada, mandaram ao Comendador, uma vez que levava a
renda do verde sem dela haver a terça, como nos outros anos, que
mandasse levantar e fazer a dita parede de pedra e cal, igual à
outra.

Determinações particulares
Durante a visita foram lidas as determinações gerais contidas na última visitação passada da
Ordem, e por serem todas boas e necessárias os enviados do Mestre aprovaram-nas e mandaram
que se cumprissem sob as penas nelas contidas.

5.3.2. Dimensão Senhorial.

Os visitadores deslocaram-se ao castelo e vila de Pedroso, que era da Ordem, a qual tinha a
jurisdição do cível e do crime. Os seus juízes e oficiais eram eleitos pelo ouvidor do Mestrado
sendo o juiz confirmado pelo Mestre.

5.3.3. Dimensão Patrimonial

Castelo e fortaleza
Este castelo e as casas dele, bem como a ermida do padre São Bento, que também estava situada
no recinto dele, encontram-se tal como tinham sido descritos na visitação anterior.

Propriedade rústica

1. Azenha e horta

A Ordem tinha um quarto da azenha de Alter do Chão que trazia Diogo da Rosa, do Crato, e
pegada com a dita azenha, ficava uma horta da Ordem que lhe pertencia integralmente, sem
ninguém nela ter parte, tal como estava assentado no tombo da Ordem. Tendo-se constatado que
era necessário aclarar a situação do antedito Diogo da Rosa, na maneira que ele trazia a dita
azenha e horta, e o foro que de tudo pagava, porque nada disso provou na ocasião, os visitadores
mandaram recado ao Comendador para que mandasse imediatamente citar o supracitado Diogo
da Rosa para que lhe mostrasse o título das ditas heranças, e requeresse nisso a justiça a Ordem
até final da sentença, de modo a que as ditas heranças ficassem com título e foro certos, e as
fizesse assentar no livro dos próprios da ordem que se encontrava nesta vila .
O mesmo procedimento adoptariam com Gonçalo Barbudo sobre a horta da ordem que trazia,
sem título, na ribeira da Vide. Porquanto os visitadores tinham sido informados que de há pouco
tempo a essa parte pagava 30 alqueires de foro, e por ser coisa nova e que não se encontrava no
tombo da Ordem o Comendador ficava obrigado a fazer a diligência.

2. Heranças da Ordem

Constatou-se que, não obstante os enviados de D. Jorge se encontrarem há 15 dias na vila (de
Cabeço de Vide) em visitação, as pessoas abaixo declaradas não lhes tinham vindo mostrar os
títulos das heranças e propriedades da Ordem que traziam, apesar de ter sido apregoado e
notificado pessoalmente, sob pena de perderem as propriedades e ficarem devolutas para a
Ordem. Nestas circunstâncias os visitadores determinaram que o Comendador as pudesse aforar
a quem quisesse, mandando que as aforasse em pregão, segundo a forma da procuração que para
isso tinha do Mestre, e que os títulos de aforamento que delas fizesse se trasladassem no livro
dos próprios da ordem.

As pessoas eram as seguintes:


- António Pires, alfaiate, das propriedades que trazia
- António Fernandes, curtidor, da vinha que trazia
- Gaspar Fernandes, da vinha que trazia
- Baltazar Fernandes e Martim Fernandes, da vinha que ambos traziam
- Rui Gonçalves, o moço, da vinha que trazia
- Pero Martins, da vinha que trazia
- Álvaro Lopes, da vinha que trazia

E, no tocante a João de Matos e a Martim Gonçalves, de 2 hortas e vinha que traziam porque
sobre eles não tinha sido possível chegar a uma conclusão, o Comendador teria o cuidado de
examinar os seus títulos e lhes aforaria as ditas propriedades como visse que era bem. Os títulos
de aforamento que fizesse se trasladariam também no livro dos próprios da Ordem.

5.4. Visitação à comenda de Sousel.

A vila de Sousel era uma das dezoito alcaidarias da primitiva Casa de Bragança, não lhe tendo
sido outorgado qualquer foral, antigo ou moderno.Encontrava-se no caminho de Badajoz, entre o
Cano e Veiros, inscrito na face Sul dum quadrilátero compreendido a Noroeste, Norte e Nordeste
pelas localidades de Figueira, Fronteira e Monforte, e a Sudoeste e Sudeste flanqueado pelas
vilas do Cano e Veiros. De acordo com o cadastro populacional de 1527, residiam nesta vila e
seu termo 457 vizinhos
Embora seja expressamente referida nesta visita uma outra, anterior, mas sem tenhamos qualquer
indicação sobre a data em que se teria realizado, desconhecemos o texto de qualquer outra
visitação a esta comenda da Ordem de Avis que, no entanto, se encontrava referida no orçamento
de 1491, onde se estimava em 150.000 reais o rendimento de Sousel. A presente visitação foi
efectuada pela mesma equipe que liderava o ciclo de visitações de 1538.

5.4.1. Dimensão Religiosa

Na manhã do dia 8 de Outubro de 1538. os enviados de D. Jorge, que tinham termidado a


visitação à vila do Cano no dia anterior, chegaram à igreja matriz de Nossa Senhora da vila de
Sousel, não se encontrando referidas na fonte as individualidades presentes.
Nessa altura a comenda encontrava-se na mão de Manuel Machado, fidalgo da Casa Real e
cavaleiro professo da Ordem de Avis que, por não se encontrar presente, não foi visitado. O prior
era Frei Mendo, freire professo, que, sendo questionado pelos enviados de D. Jorge sobre o título
da sua profissão disse que o não tinha tirado, porque tal não era ainda habitual na época da sua
profissão.
Apresentou, no entanto, o título do seu benefício e priorado que consistia numa confirmação do
prelado diocesano feita à apresentação do Mestre.
Frei Mendo tinha de mantimento anual com o priorado 16,5 hectolitros de trigo, 12,4 hectolitros
de cevada e mais o pé d’altar da dita igreja matriz O mesmo prior era tesoureiro desta igreja,
como o tinham sido sempre os outros priores antecedentes, recebendo de mantimento anual por
este cargo 414 litros de trigo e 265 litros de vinho, pertencendo ainda à dita tesouraria os bolos
do baptismo e o peditório de dia de Janeiro e dinheiro de sinos e outros percalços. O
comendador e a Ordem pagavam o mantimento ao prior (sem se conhecer qualquer quantitativo.
As suas obrigações de missas recaíam no habitual modelo, ou seja, rezar missa pelo povo todos
os domingos e dias santos de guarda bem como 2 dias na semana, para além da administração
dos sacramentos. Celebrava com o manto branco que usava nma ocasião e declarou conhecer
bem a regra da ordem. Era coadjuvado por um raçoeiro, de nome Frei Francisco Velho que
apresentou o título da sua profissão assinado pelo D. prior. As sua obrigações passavam pelo
dizer missa pelo povo 4 dias na semana e pela ajuda dada ao prior a sacramentar, funções que se
intensificavam durante a Quaresma, altura em que deveria residir na vila ajudando ás confissões.
Tinha Frei Francisco Velho de mantimento anual, 16,5 hectolitros de trigo e 1000 reis em
dinheiro à custa do Comendador e Ordem, e outros 1000 reis do prior pela obrigação que se lhe
tinha tirado.
Frei Francisco foi também questionado pelos capítulos da Regra que lhe respeitavam,
respondendo que os cumpria e mostrando o livro da Regra e o manto branco.
Os juízes e oficiais bem como alguns homens honrados da vila, deram-se por bem servidos com
esta distribuição de funções entre o prior e o referido raçoeiro.

A Igreja
Esta matriz, encontrava-se derribada, uma vez que se procedia ao aumento do respectivo
comprimento e reconstrução da capela-mór. Toda essa obra estava já meia feita, edificada de
pedra e cal, e porque o templo se encontrava em estaleiro, e atravancado com pedra, terra e
madeira não foi medido nem sobre ele foi escrito mais do que acima fica dito.

Quadro nº129
Prata da igreja

Tipologia Características
2 cálices de prata branca com suas patenas
Cruz de prata branca com crucifixo

Quadro nº130
Vestimentas e ornamentos da igreja

Tipologia Características
Capa de cetim carmesim Com capelo de veludo verde, franjada
Capa de damasco roto Com capelo e barras de veludo verde
Vestimenta de damasco azul da Índia Com savastro de damasco amarelo de todo comprida
2 dalmáticas do mesmo teor. __
Manto de vestimenta de cetim aveludado Roto e muito velho
Vestimenta velha de pano de linho usada Com alva nova de todo comprida
Frontal de cetim vermelho Novo franjado de retrós
Palio de cetim azul e verde De três panos com suas franjas
3 panos pretos de quaresma Velhos
3 panos pretos de quaresma Novos.
3 toalhas de Flandres Que serviam nos altares
3 frontais de folhagem de Flandres Velhos

Quadro nº131
Alfaias de metal da igreja
Tipologia Características
__
4 galhetas

__
4 castiçais.

__
2 bacias de oferta

__
Uma caldeira de água benta

2 campainhas de comungar quebradas.


2 cruzes de latão pequenas.
__
Um turíbulo de latão

3 ambulas de estanho (com 3 óleos limpas e bem concertadas, metidas


santos, óleo, crisma e óleo infirmorum) numa caixa de pau

Quadro nº132
Livros da igreja

Tipologia Características
Domingal com o ofício das trevas De pergaminho
Santal de canto Novo de pergaminho com letra de mão
Santal Usado e desencadernado
Oficial Novo, escrito com letra de mão e canto em pergaminho
Oficial Velho, escrito em pergaminho
3 missais de forma Velhos
Missal místico do costume de Évora Novo
Saltério de pergaminho Velho
2 Baptistérios Uum de forma e o outro de pena e pergaminho

Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja de Nossa Senhora de Sousel as
suas necessidades imediatas, reveladas pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Comendador que resumiremos da seguinte forma:
1.O Comendador e a Ordem estavam obrigados a construir e reparar a igreja matriz e a dar todos
os ornamentos necessários ao serviço dela, assim como o azeite para a lâmpada do sacrário, bem
como toda a cera necessária para as missas e ofícios que nela se fizessem.
2.O concelho e povo desta vila possuíam os 2 cálices de prata branca que serviam na dita igreja,
tendo-os o procurador do concelho em seu poder, e o povo estava obrigado ao conserto deles.
3.A obra da capela-mor da igreja matriz encontrava-se a meio e, porque os visitadores tivessem
entendido ser coisa necessária de se acabar, para que nela pudesse dizer-se missa, e a igreja ser
limpa da madeira que a atravancava, ordenaram ao Comendador, sob pena de 4.000 reais para as
obras do Convento, que mandasse fazer, e terminar, a dita capela com abóbada, tal como estava
ordenado, com o seu arco de cruzeiro e mil réguas gradis de pau fechadas até ao dia de S. João
(27 de Fevereiro) do ano seguinte de 1539, de maneira a que, dentro de aproximadamente cinco
meses, ficasse tudo acabado e se pudesse celebrar nela.
Por serem reconhecidamente necessárias os enviados de D. Jorge ordenaram ao Comendador que
corrigisse diversas situações, executasse algumas obras e efectuasse compras:
1. Sob pena de 2.000 reais para as obras do Convento, no prazo dos 4 meses seguintes, mandasse
colocar na igreja as seguintes coisas: duas vestimentas de linho compridas para decote, dois
missais manuais, uma campainha para comungar e dois paus para as cruzes.
Ordenaram também que em cada ano se colocassem dois brandões de cera diante do sacramento
enquanto estivesse encerrado na semana santa, e estes fossem de 1,8 kg cada um. E que as velas
de trevas tivessem o mesmo peso.
2. Pareceu conveniente aos enviados de D. Jorge que se pusesse a cruz da Ordem sobre a porta
principal da igreja, bem como nas casas da Ordem para serem conhecidas como suas, como de
facto eram. E por isso ordenaram ao Comendador que dentro de 4 meses, contados a partir da
pulicação da presente visita, mandasse colocar as ditas cruzes, esculpidas em pedra, sob pena de
2000 reais para as obras do Convento.
3. Uma vez que a cruz de prata que servia na igreja era tão delgada que com qualquer coisa se
dobrava, encontrando-se por isso quase quebrada, ordenaram ao Comendador que no prazo de
um ano, contado após a data do fim das obras da capela (27 de Fevereiro de 1539), mandasse
consertar a dita cruz, tornando-a mais grossa e encorpada do pé para cima, e lhe mandasse por
mais prata, até 350 gr, o que parecesse necessário para que ficasse bem consertada. Isto sob pena
de 2.000 reais para o Convento.
4.Tal como já havia sucedido noutras visitações os enviados de D. Jorge constataram que o
dinheiro que se pagava das sepulturas, e era em princípio destinado para a fábrica da igreja,
andava a mau recado, em poder de uns e de outros. Por essa razão recorrente adoptaram o
procedimento usual, que consistia na eleição dum recebedor da fábrica o qual passasse a receber
o dito dinheiro das sepulturas, bem como o das disciplinas, perante o escrivão da Ordem que lhe
carregaria tudo em receita num livro que para esse efeito teria e no qual se assentaria também a
despesa que o recebedor fizesse, para por ele lhe serem tomadas contas. E ordenaram ao prior,
mordomo e rendeiros que não se intrometessem a receber coisa alguma da dita fábrica e
disciplinas, encomendando aos juízes e oficiais que elegessem na câmara o dito recebedor da
fábrica e lhe dessem juramento sobre os evangelhos para que bem e direitamente o pudesse
cumprir, fazendo um auto da eleição que seria apenso a esta visita.
5.Os juízes, oficiais e povo desta vila tinham-se agravado, alegando que o prior servia muito mal
o cargo de tesoureiro da igreja, tanto por ser velho como por o mandar servir por um homem
casado, e por moços que o não entendiam, nem podiam desempenhar o trabalho e serviço da
tesouraria De igual modo o mordomo e feitor do Comendador tinha requererido aos visitadores
que provessem sobre esta questão porque o comendador recebia perdas uma vez que os
ornamentos e livros e coisas da igreja se perdiam e danificam por estarem mal guardados e pior
tratados. Esta situação foi ponderada pelos enviados de D. Jorge, que tomaram informações de
pessoas honrados, e clérigos que serviam na dita igreja, devidamente ajuramentadas, tendo
concluído a veracidade das acusações.
E, tendo presente a necessidade e urgência de resolver o problema, mandaram que, de aí em
diante, servisse de tesoureiro Frei Francisco Velho, freire do hábito de Avis e raçoeiro da dita
igreja, por ser pessoa diligente. Este freire passaria a exercer pessoalmente o cargo, recebendo
todo o mantimento e percalços da dita tesouraria, retirando-se anualmente 1,4 hectolitros de trigo
para o prior, revertendo tudo o mais para frei Francisco Velho. Mas até ao próximo dia 27 de
Fevereiro não receberia trigo algum, tendo presente que fora já dado ao prior. Mandaram ao dito
frei Francisco que servisse o dito cargo sem se escusar disso, e ao Comendador e seus rendeiros
ordenaram que lhe acudissem com todo o mantimento da tesouraria e lho deixem servir,
encomendando aos juízes que fizessem cumprir esta determinação.
6.O prior informou que sempre lhe fora pago o trigo e cevada do seu mantimento pelo alqueire
que o carretador usava, mas nessa ocasião o rendeiro e o mordomo do comendador não lho
queriam dar pela dita medida, no que recebia agravo, e pediu aos visitadores que o provessem.
Estes verificaram que, efectivamente, o dito pão sempre lhe fora pago pela medida alegada e
ordenaram aos supracitados rendeiro e mordomo que por essa medida lhe pagassem, como, aliás,
sempre tinha sucedido, e do mesmo modo procedessem no tocante a frei Francisco, ajudador, em
relação ao trigo que haveria de receber. Ordenaram ainda aos juízes que fizessem pagar os
sobreditos mantimentos de acordo com a presente determinação.

Ermidas de Sousel.
Foram visitadas as ermidas de Nossa Senhora da Orada, São Pedro, São Sebastião, São Miguel,
São João, São Miguel e São Bartolomeu. Quase todas se encontravam tal como tinham sido
descritas na visitação passada. Apenas no respeitante à ermida de São Miguel, que se encontrava
toda derribada e jazendo por terra, algumas pessoas da freguesia tinham resolvido levantar e
refazer a dita ermida por sua devoção
Por sua vez a ermida de S. João, cujo corpo jazia igualmente por terra, encontrava-se agora
levantada.
Todas as ditas ermidas eram anexas à igreja matriz, levando o Comendador e a Ordem o pé
d’altar das mesmas, e a mesma Ordem colocava nelas os ermitões. Não obstante todas se
construíam e reparavam com esmolas que para isso eram pedidas pelo povo, não tendo a Ordem
nenhuma obrigação nesse domínio.

5.4.2. Dimensão Senhorial

Ofícios da Ordem na vila de Sousel.


O Mestre colocava nesta vila e comenda o escrivão dos dízimos e coisas da Ordem, cargo que na
ocasião era exercido por Álvaro Martins nomeado por carta de D. Jorge, e que tinha de
mantimento anual 8,2 hectolitros de trigo.
De igual modo o prioste das rendas da Ordem era nomeado pelo Comendador, exercendo o cargo
nessa altura Fernão d’Álvares que tinha de mantimento anual 8,2 hectolitros de trigo e mais, das
meunças e dízima, uma de cada de quinze partes (6,6%).

Rendas, população da vila e rendimento da comenda.


A Ordem de Avis, como entidade senhorial usufruía de rendas, foros e direitos na vila do
Alandroal e seu termo, encontrando-se enumeradas na fonte as seguintes indicações: os dízimos
do pão, do vinho,do azeite, do linho, das favas, dos tremoços, de toda a qualidade de legumes
hortaliças e frutas, do mel e dos enxames, dos queijos,da lã dos carneiros e ovelhas, dos gados,
dos poldros e burros, e dos furões. Recebia igualmente todas as oblações e pé d’altar da igreja
matriz e ermidas, e levava de celeiragem de todo Montemor-o-Novo 24,6 hectolitros de trigo. De
igual modo pertenciam à Ordem os dízimos de todas as coisas sobre as quais o direito canónico
mandava pagar dízimo
Conforme já referimos no início desta visitação, de acordo com o cadastro populacional de 1527,
residiam na vila de Sousel e seu termo 457 vizinhos. As rendas da Ordem na dita comenda foram
avaliadas em 130.000 reais anuais, em salvo para o Comendador . Tendo presente que, no
supracitado no orçamento de 1491, estas haviam sido estimadas em 150.000 reais,
consideraremos que, pelo menos em relação a esse último ano, em 1538 se verificaria um
decréscimo da ordem dos 13,4%.
5.4.3. Dimensão Patrimonial

Propriedade urbana
Quadro nº 133
Tipologia dos prédios urbanos

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
8 casas todas juntas, que serviam de celeiro e de adega e ficavam no
arrabalde da rua da Amêndoa, 2 que serviam de estrebarias e tinham
___ ___ ___
portal na rua de S. Miguel, e mais uma casa sobradada sobre a adega do 220
vinho
dianteira dianteira
NS 4 N/S 4,4
dianteira
LP 4 L/P 4,4
19,3
celeiro celeiro
Casas térreas novas na rua de S. Lourenço celeiro
N/S 4 N/S 4,4 221
com um quintal por detrás 9,6
L/P 2 L/P 2,2
quintal
quintal quintal
29
N/S 6 N/S 6,6
L/P 4 L/P 4,4
casa casa
N/S 5 N/S 5,5 casa
L/P 4 L/P 4,5 24,7
Casa térrea na rua Nova, com quintal 221v
quintal quintal quintal
N/S 10 N/S 11 60,5
L/P 5 L/P 5,5
dianteira dianteira
N/S 4 N/S 4,4 L/P
dianteira
L/P 3 3,3
14,5
celeiro celeiro
celeiro
Casas térreas com quintal e celeiro na rua Nova N/S 4 N/S 4,4 222
14,5
L/P 3 L/P 3,3
quintal
quintal quintal
33,8
N/S 7 N/S 7,7
L/P 4 L/P 4,4

Quadro nº 134
Contratos sobre os prédios urbanos

Tipologia dos
Tipologia das rendas fixas
Tipologia do contratos
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Numerário
Outros
(vidas) (reais)
8 casas na rua da
Amêndoa, das quais 2
serviam de estrebarias e
Comendador e
tinham portal na rua de S. ___ ___ dízimo 220
Ordem
Miguel, e mais uma casa
sobradada sobre a adega
do vinho
Casas térreas novas na rua João Lourenço,
de S. Lourenço morador em 3 25 ___ 221
com um quintal por detrás Sousel
Casa térrea na rua Nova, Gonçalo Martins, 3 25 ___ 221v
com quintal morador em
Sousel.
Casas térreas com quintal Bartolomeu 3 25 ___ 222
e celeiro na rua Nova Nunes, morador
em Sousel

5.5.Visitação à comenda de Fronteira.

Esta localidade era da Ordem de Avis, pertencendo à Mesa Mestral. Encontrava-se cercada de
muralhas e tinha um castelo de que era Alcaide-mór, em 1532, Henrique Henriques de Miranda.
Esta vila e comenda, situada no coração das terras da Ordem, partia com o termo de Alter
Pedroso (de que distava 2,5 léguas) ao Norte e tinha de termo, para esta parte, 1,5 léguas. A
Noroeste partia com a vila de Cabeço de Vide (que ficava a 1 légua de distância), e tinha de
termo para esta parte 0,5 légua. A Nordeste tinha de termo 2 léguas em direcção ao termo de
Monforte, com o qual não chegava a partir porque se metia de permeio o termo de Veiros. Partia
a Sudoeste com o sobredito termo de Veiros (que ficava a a 3 léguas) e tinha de termo nesta parte
1,5 léguas. Ao Sul partia com o termo de Sousel (a 3 léguas de distância) e para esta parte tinha
de termo 1,5 léguas. A sudoeste partias com o termo da vila do Cano (que ficava a duas léguas), e
tinha de termo para esta parte 1 légua A Poente partia com o termo de Avis (que ficava a 4
léguas), e tinha de termo para esta parte uma légua e um quarto. A Noroeste partia também com o
termo da vila da Seda(de que distava 3 léguas) e tinha de termo para esta parte 1,5 léguas.
A presente visitação, ao contrário das rápidas e sumárias visitas precedentes, tomou a Francisco
Coelho e Frei André Dias 13 demorados dias para que se efectuasse correctamente e para que
houvesse lugar para a elaboração dos dados para coligir o tombo de bens próprios da Ordem na
localidade.

5.5.1.Dimensão Religiosa

Igreja
Na manhã do dia 10 de Outubro de 1538 os enviados de D. Jorge, que tinham termidado a
visitação à vila do Cano dois dias antes, chegaram à igreja matriz de Nossa Senhora, não se
encontrando referidas na fonte as individualidades presentes.
O prior, Frei João Magro, professo da Ordem de Avis não exibiu o título da sua profissão, sendo-
lhe ordenado, como era usual nessas circunstâncias, que o tirasse do convento, no prazo de 3
meses. Possuía o título do seu benefício e priorado que consistia numa confirmação do cardeal,
como bispo de Évora, feita à apresentação do Mestre . Tinha de mantimento anial do priorado,
16,5 hectolitros de trigo, 12,4 hectolitros de cevada, 8.000 reais em dinheiro e mais o pé de altar
da igreja e ermidas. Este rendimento correspondia à obrigação de dizer missa pelo povo todos os
domingos e festas e dias de guarda e administrar os sacramentos aos fregueses.
Sendo tesoureiro da igreja, recebia, ainda, 414 litros de trigo e 187 litros de vinho branco, à bica,
e 2 cargas correspondentes a 30 e 200 reais em dinheiro, cada uma.
Nessa altura servia como ajudador da dita igreja o Mestre Frei Fernão Lopes, freire professo da
dita Ordem , e nomeado por carta do Mestre que, sendo inquirido pelos títulos do seu hábito e
profissão, os apresentou na devida forma. Tinha de mantimento 6.000 reais anuais e era obrigado
a dizer missa pelo povo todos os dias da semana que não fossem festas e dias santos, bem como a
ajudar o prior a confessar e a sacramentar.
Foram visitados o prior e ajudador, cada um por si, pelos capítulos da Regra que lhes cabiam,
tendo respondido que os cumpriam. Ambos mostraram os livros da Regra e os mantos brancos.
Os representantes da vila, atestaram pela vida do prior e ajudador considerando a sua acção
diligente e sem reprovação.
A inspecção ao espaço sagrado começou pela capela-mor, para a qual se subia por três degraus
de pedra, e que se encontrava edificada com pedra e saibro, lajeada, e madeirada de asnas de
castanho, e forrada com a mesma madeira de castanho. O altar era constituído por uma laje posta
sobre esteios de pedra e nela estava encaixada uma pedra d’ara. Esta capela encontrava-se
rematada por um arco de pedraria de ponto, sobre o qual estava pintada a imagem do crucifixo.
O arco do dito cruzeiro encontrava-se cerrado por umas grades de madeira novas e boas. Dentro
da capela-mór, da parte do evangelho, ficava um portal de pedra que dava para uma sacristia
edificada com paredes de pedra e barro madeirada de castanho, com telhado de uma só água
coberta de telha vã. Nessa sacristia ficava um poial de pedra e barro, forrado de madeira, sobre o
qual se revestiam os clérigos, e uma arca grande onde estavam guardados os ornamentos.
Tinha de comprimento 19m2. Do lado oposto da capela-mór, ficava um outro portal de pedra que
dava para uma casa pequena, atravéz da qual se acedia ao campanário por uma escada estreita.
Este campanário era de pedra e cal mas o estremo da torre sineira, onde se encontravam
colocados os sinos, era de pedraria. Tinha 2 sinos e uma garrida.
O corpo da igreja estava construído com paredes de pedra e cal e, nalguns lugares , de pedra e
saibro. Tinha 4 arcos de tijolo e sobre esses 4 arcos estava madeirada de castanho e telhada de
telha vã. Na parede do cruzeiro existiam 2 altares de alvenaria.
A porta principal desta igreja tinha sido construída pedraria com portas de castanho e, da parte de
fora, sobre ela, encontrava-se um alpendre de telha vã armado sobre esteios de pedra. As 2 portas
travessas também eram de pedraria com suas portas de castanho. Este templo tinha um coro
madeirado de pinho, armado sobre uns arcos de tijolo sobre 2 colunas de pedra, subindo-se para
ele por uma escada de tijolo e lajes.
No coro, com janela de pedra, encontravam-se umas cadeiras de pinho e castanho. Debaixo da
escada de acesso ao coro ficava uma capela de abóbada onde se localizava a pia baptismal, que
era de pedra, encontrando-se fechada com umas grades de pau.
O corpo da igreja, todo pavimentado com lajes e campas, tinha cerca de 26m de compridas, e de
largo 9 (234m2). A área da igreja totalizava assim 270m2, acrescidos de mais 19m2
correspondentes à sacristia.
O Santíssimo Sacramento encontrava-se na parede da capela-mor, junto com o altar, da parte do
evangelho. Estava colocado dentro de uma caixa de pau com suas portas e fechadura (na ocasião
fechada à chave), forrada de veludo carmesim, juntamente com uma pedra de ara e uns corporais,
tudo limpo e bem arranjado. Dentro deste sacrário, a uma ponta, estavam arrumados os 3 óleos
santos em 3 ambulas de estanho, tudo igualmente limpo e bem concertado.
No tocante ás relíquias do lenho e certos cabelos, e outras coisas de santa Maria Madalena que,
na visitação passada se dizia que estavam dentro do sacrário, constatou-se que, sendo noite,
tinham furtado e levado tudo, não ficando senão a caixa de prata pequena em que estavam. Sobre
esse furto tinha sido feita uma inquirição mas sem conseguir apurar quem roubara.
Quadro nº 135
Pinturas e imagens da igreja matriz

Tipologia Características Localização


De vulto e em pau, metida numa caixa
Imagem de Nossa Senhora com o
de madeira pintada com certas Altar da capela-mor
menino ao colo
imagens de santos.
Imagem do Espírito Santo bem como Altar do Espírito Santo, na parede do
Pintada na parede
a de outros santos cruzeiro, do lado do Evangelho
Imagem do crucifixo. Pintada na parede sobre o arco da capela-mor
Imagem de Santo António De vulto de pau Altar de Santo António, na parede do
e outras imagens de santos pintadas na parede cruzeiro, do lado da epístola

Novos ornamentos da igreja


Aparece menção a alguns ornamentos novos, facto que pressupõe uma visitação anterior, da qual,
como sabemos, não chegaram até nós registos documentais. No entanto, a informação tem
interesse pela novidade e interesse colocados no melhoramento da dotação da igreja. Assim:
Quadro nº136
Ornamentos novos

Tipologia Características
Pálio de damasco verde Com uma cruz de veludo carmesim pelo meio franjado de
retrós
Capa nova de damasco azul Com savastro e capelo de veludo carmesim
3 frontais para os altares De damasco branco franjados de retrós. O do altar-mor
tinha savastro de brocado e os outros, de veludo carmesim
Cortinas de sacrário De damasco azul com suas franjas.
Quadro nº137
Roupa de linho

Tipologia Características
6 toalhas de Flandres Que serviam nos altares
12 mantéus de lis Muito velhos
Toalha de seda lavrada Que servia na estante
2 beatilhas e um pano de cabeça de Nossa Senhora. __
2 camisas de Nossa Senhora Uma de linho e outra de Índia
12 corporais Bons

Quadro nº138
Coisas miúdas

Tipologia Características
1 cruz de latão __

6 castiçais de açofar Velhos


2 bacias de oferta __

2 bacias da lâmpada do sacrário __

6 galhetas de estanho __
2 ferros de obradeiras __

2 caldeiras de água benta De cobre


2 estantes de pau Uma grande e outra pequena
3 pedras de ara __

4 campainhas Pequenas

Quadro nº139
Livros da igreja

Tipologia Características
3 livros de canto, domingal e santal e um oficial de Escritos em pergaminho com letra de pena e cinco cordas
vésperas
3 missais místicos Do costume de Évora
Baptistério Do costume de Évora
Livro com os ofícios da unção e encomendação De pergaminho de letra de pena

Os quais ornamentos e outras coisas o prior, como tesoureiro, tinha em seu poder.
Era nesta altua recebedor da fábrica da igreja Mateus Afonso Garcia, nomeado por provisão do
Mestre, e foram-lhe tomadas contas pelos visitadores achando-se que tinha em dinheiro para
gastos 11.000 reais, fora a fábrica do ano passado que tinha terminado em 27 de Fevereiro desse
ano de 1538, e a fábrica ordenada à dita igreja ascendia a 10.000 reais por ano.
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja matriz de Fronteira, as suas
necessidades imediatas, tanto de obras e aquisições, como de resolução de problemas, reveladas
pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao
Comendador que resumiremos da seguinte forma:

a) Na capela-mor era necessário revolver o telhado uma vez que chovia nela, danificando o
madeiramento. Era necessário adquirir três frontais de bancais para servirem de cote nos altares.
E também uma vestimenta de damasco azul para a imagem de Nossa Senhora. Foi ordenado ao
recebedor da fábrica que mandasse fazer as ditas coisas e colocá-las na igreja dentro dos 4 meses
seguintes à publicação da presente visita sob pena de 1.000 reais para a fábrica.

b) Frei Fernão Lopes, freire professo da Ordem de Avis e ajudador da igreja da vila, agravou-se
aos visitadores dizendo que era muito mal pago do mantimento que tinha pelo cargo, porque o
rendeiro e os seus feitores lhe não queriam entregar as pagas ordenadas, e por essa razão andava
muitas vezes em requerimento.Aos enviados do Mestre esta retenção dos pagamentos pareceu
tanto mais mal feita quanto não era razão para que o ajudador se visse constrangido a andar em
demanda.Nesse entendimento ordenaram que aos rendeiros da renda da vila, ou seus mordomos
e feitores, daí em diante pagassem sempre sem delongas ao dito ajudador o seu mantimento
ordenado e as pagas do ano a que eram obrigados, sob pena de 2000 reais para a fábrica da
igreja. E, no caso de voltar a ser ultrapassado o prazo desses pagamentos, o almoxarife lhe
mandaria logo entregar tudo o que lhe fosse devido, fazendo para isso execução no pão do
celeiro ou em qualquer outra coisa da renda que melhor parada estiveese, com todas as custas
adicionais,pela dita pena dos 2000 reais para a fábrica da igreja, o que o dito almoxarife assim
faria, sob pena de o pagar da sua casa.
c) Tendo-se verificado que a ermida de Nossa Senhora da vila velha tinha uma bula que uma
mulher, por sua devoção, tinha impetrado de Roma há muitos anos. na qual contavam certos
perdões a quem desse esmola para a sua reparação e provimento, constatou-se que essa bula
estava nessa altura em poder de um Rui Lopes por mandado do almoxarife. E porque na ocasião
existia na dita ermida uma confraria de Nossa Senhora para a qual eram eleitos anualmente em
câmara três mordomos, aos quais competia ajudarem a consertar algumas coisas da ermida
quando era necessário, foi entendido ser adequado que eles tivessem a dita bula e arrecadassem
as esmolas dela. Neste sentido os enviados do Mestre ordenaram ao almoxarife que lha
entregassem para darem conta dela. E as esmolas que se recolhessem, seriam gastas pelos ditos
mordomos na fábrica da ermida segundo a forma da bula, e não em nenhuma outra coisa. O dito
almoxarife lhes tomaria contas anualmente das ditas esmolas e as despenderia com eles na dita
capela.
Do mesmo modo houveram por bem que os mordomos arrecadassem e recebessem qualquer
outra esmola, ou renda que a ermida tivesse, a qual se despenderia no corregimento e fábrica
dela, por parecer e ordenança do dito almoxarife. E não se gastaria em nenhuma outra coisa.

Casa da Misericórdia e hospital da vila de Fronteira.


A casa da Misericórdia, ocupando uma área de 25m 2, ficava pegada com a igreja. Era de
abóbada, tendo paredes de pedra e cal e encontrando-se pavimentada com lajes. Tinha um altar
de pedra e barro com um degrau de pedraria. Tinha um portal de pedraria com suas portas de
castanho e, sobre ele, um alpendre pequeno de abóbada.Nesta capela abria-se uma porta de
pedraria que dava para uma casa do cabido. Esta era de pedra e cal, ladrilhada de tijolo e
madeirada de uma só água, forrada de pinho, e era iluminada por uma janela de pedraria
ferradacontra o Norte.
Nessa ocasião era provedor da confraria da Misericórdia Henrique de Miranda, fidalgo da Casa
do Mestre.

Quadro n.º 140


Pinturas e imagens da Misericórdia

Tipologia Características
Imagem de Nossa Senhora Pintada na parede sobre o altar
Imagem de Nossa Senhora Pintada na parede na parede do alpendre, abaixo da abóbada

Os visitadores foram encontrar este hospital muito bem provido de camas e leitos em
abastança.Estava anexo à Misericórdia por provisão do rei e o provedor e irmãos dela forneciam-
lhe tudo o que era necessário, bem como aos pobres. Recebiam e arrecadavam igualmente o
rendimento das heranças e propriedades do dito hospital, as quais correspondiam áquelas que
tinham ficado assentadas na visitação passada
Os visitadores tinham tido informação que, desde antigamente, o dito hospital mandava dizer
uma missa de corpo de Deus com um responso cantado. A qual se dissera sempre até essa
ocasião, mas constataram que de há um ano ou dois tal se não fazia, o que parecia errado por se
tratar de uma missa ordenada pelas almas dos confrades e benfeitores do dito hospital, assim
como dos defuntos que lhe tinham deixado heranças, pelo que encomendaram e mandaram ao
provedor e irmãos da Misericórdiaa regulamentação desta situação.

Ermidas de Fronteira

1. Ermida de Nossa Senhora de Vila Velha


Foi visitada a dita ermida e casa do ermitão Domingos Eanes, o qual, de acordo com uma
provisão do Mestre que mostrou aos enviados de D. Jorge a carta de nomeação.

Quadro nº141
Prata e ornamentos

Tipologia Características
3 cálices de prata Com suas patenas
__
Coroa de prata branca nova

Coral grande, de pernas Encastoado em prata.


4 frontais Três de pano da Índia e um de chamalote verde.
Pano de púlpito Da Índia
Pano de estante Da Índia
Pano da Índia pintado Que servia nos altares
De todo compridas e franjadas duas delas e a outra é de
3 vestimentas de chamalote
pano de Inglaterra pintado.
4 opas de Nossa Senhora De cetim verde e uma de chamalote vermelho
4 saios de seda do Menino Jesus Dois verdes, 1 branco e o outro roxo
9 camisas de Nossa Senhora De pano da Índia
Camisa mourisca De Holanda, de Nossa Senhora
4 camisas do Menino Jesus De pano da Índia
6 toalhas De Flandres
4 mantéus __
21 toalhas lavradas De seda
2 frontais de toalhas lavradas Que estavam nos altares
Céu de cortinas
9 coifas Novas e velhas
2 beatilhas __
2 missais romanos Velhos
4 castiçais De açofar
2 bacias __

Nesta ocasião existia na ermida uma confraria de Nossa Senhora da vila que tinha a sua própria
cera para as missas que nela se celebravam.

2. Outras ermidas

Foram também visitadas as ermidas de São Pedro e São Sebastião e Santiago, que a fonte refere
como ficando junto da vila. As de Santa Catarina e São Miguel que ficavam no termo desta vila
encontravam-se ambas derrubadas no chão, e achou-se que ninguém tinha obrigação delas,
reparando-se com esmolas que para isso se pediam aos fiéis. Foi também visitada a ermida de
São Sadorninho que era de pedra e barro betumada com cal. A capela-mór era madeirada e
forrada de castanho, tinha um arco de tijolo e o altar de alvenaria com estantes de santos sobre
ele. O corpo da ermida era de pedra e barro, estando as paredes engalgadas e por cobrir. O portal
era feito de tijolo e estava ainda sem portas. Esta capela tinha uma área de cerca de 11m 2 e a
respectiva obra fazia-se de esmolas.
5.5.1. Dimensão Senhorial

Determinações particulares sobre o temporal

1. Sobre as vinhas da Ordem.

Foram vistas as vinhas que a Ordem tinha no termo da vila, e que se encontravam todas muito
danificadas e parte delas em mortório, por culpa dos foreiros e das pessoas que as traziam.
Colocados perante esta situação os enviados do Mestre ordenaram aos foreiros da Ordem que
trouxessem vinhas que, nos primeiros 3 anos seguintes à publicação desta visita as reparassem e
aproveitassem muito bem. De tal modo modo que fossem sempre melhoradas, e não piorassem,
sob pena de perderem as ditas propriedades. E se as aforarassem a outrem que, além disso,
pagassem de coima 2.000 reais para as obras do convento. E uma vez que estivessem todas elas
bem reparadas e aproveitadas que os juízes e oficiais da vila, sob a mesma pena, lhes
guardassem, e fizessem guardar inteiramente os privilégios que o Mestre e Ordem tinham
estipulado para os seus foreiros das vinhas.

2.Sobre a azenha da Ordem

Agravou-se aos visitadores Pero Vaz, cavaleiro da Ordem de Avis, alegando que recebia muita
perda na levada da azenha da Ordem que ele trazia aforada, dos gados que por ela passavam,
destapando-lhe a arrombando-lhe a dita levada. Os visitadores recolheram informações sobre
esta matéria e acharam que, de facto, assim sucedia e que já o Mestre prouvera sobre o assunto
por um seu alvará que, nessa ocasião não tinham presente. Por essas razões mandaram e
defenderam que nenhum gado passasse nem atravessasse a dita levada a não ser pelos portos do
concelho para isso ordenados. E todo o outro gado que passasse por qualquer outra parte da dita
levada pagaria de coima, por cada cabeça de boi, vaca ou besta 100 reais, e por cabeça de porco
20 reais e doutro gado miúdo 5 reais por cabeça. As quais coimas seriam repartidas em metade
para quem acusasse e a outra metade para o dito Pero Vaz, senhorio da dita azenha. E ao moleiro
que nela estivesse seria dado crédito, sob juramento, no atinente ás ditas coimas. Finalmente
mandaram aos Juízes que as executassem nas pessoas que nelas incorressem sob pena de 2.000
reais para os cativos.

3. Sobre as éguas de Brás Palha.

Foram informados os visitadores de que Brás Palha, fidalgo da Casa do Mestre , trazia no termo
desta vila muitas éguas dentro da coutada do concelho, bem como nas vinhas e olivais e terras
dos moradores desta vila, com as quais éguas o povo sofria muita opressão, e se perdiam e
destruíam as ditas vinhas, olivais, benfeitorias e também a dita coutada do concelho. Muitas
pessoas por este motivo tinham deixado perder as suas propriedades e não as aproveitavam.
Factos estes que algumas pessoas da vila juraram pelos evangelhos. Acabou por se constatar a
veracidade destas alegações e que as ditas vinhas e olivais, bem como a coutada do concelho, se
encontravam danificadas porque as ditas éguas andavam e pastavam continuamente nelas. Para
se evitarem os sobreditos inconvenientes, e por ser uma questão particularmente relevante, tanto
para povo e moradores da vila como para o serviço de deus e do rei, os enviados de D. Jorge
ordenaram ao dito Brás Palha que no prazo de um mês, contado a partir da publicação da
visitação em apreço, mandasse tirar as éguas da coutada do concelho, bem como dos coutos das
vinhas e dos olivais, e do limite que era dado para as éguas dos lavradores e as não trouxesse
mais neles, sob a avultada pena de 5.000 reais para o Convento.
Ordenarando ainda aos juízes e oficiais, sob a dita pena, que no caso de incumprimento por parte
de Brás Palha, fizessem um auto da ocorrência, e o enviassem ao Mestre para ele nisso prover
como fosse do seu serviço.

Jurisdição e rendas da Ordem.


A jurisdição do cível e crime da dita vila pertencia à Ordem e a eleição dos juízes e oficiais se
fazia-se pelo ouvidor do Mestrado, cada três anos, e os juízes ordinários eram confirmados pelo
Mestre, tal como era costume em todo o Mestrado.

Quadro nº142
Ofícios da Ordem

Nome Ofício
Diogo Pires Cardoso Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Rui Vaz Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Vasco Romano Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Francisco Pires Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Pero Fernandes Escrivão da câmara e couteiro das coutadas dos montes nomeado por carta do Mestre
Afonso Martins Escrivão da almotaçaria e dos órfãos nomeado por carta do Mestre
Lopo Garcia Ausente
Francisco Lopes Contador e inquiridor e distribuidor nomeado por carta do Mestre
António Correia e Fernão Partidores e avaliadores dos órfãos nomeados por carta do Mestre
Nunes
Gonçalo de Cáceres Almoxarife nomeado por carta do Mestre
Diogo Cardoso Escrivão do almoxarifado nomeado por carta do Mestre
Gil Vaz Homem do almoxarifado da vila nomeado por carta do Mestre

A Ordem de Avis, como entidade senhorial usufruía de rendas, foros e direitos na vila de
Fronteira e seu termo, encontrando-se enumeradas na fonte as seguintes indicações a Ordem
recebia os dízimos do pão, do vinho, do azeite, do linho, das favas, dos tremoços, de toda a
qualidade de legumes hortaliças e frutas, do mel e dos enxames, da lã dos carneiros e ovelhas,
dos gados, dos queijos, dos poldros e burros, dos frangãos e patos e dos furões. Recebia também
todas as oblações e pé de altar da igreja matriz e ermidas. De igual modo pertenciam à Ordem os
dízimos de todas as coisas sobre as quais o direito canónico mandava pagar dízimo. E de todos
estes dízimos levavam o bispo e cabido a terça parte, da qual pagavam à Ordem, de celeiragem,
8,2 hectolitros de trigo e outro tanto de cevada.
Pertencia igualmente à Ordem a conhecença dos moinhos e engenhos de água, tanto os existentes
na altura, quanto os que futuramente viessem a edificar-se no termo da vila. E de cada moinho,
azenha ou pisão se pagavam 1,9 hectolitros de trigo pelo dia de Páscoa.
Do mesmo modo pertenciam à Ordem as pensões dos tabeliães, e cada um pagava de pensão
anual 200 reais, enquanto a conhecença dos oficiais mecânicos se cifrava em 10 reais por ano de
cada um deles.
A portagem era da Ordem e sempre se tinha arrecadado com as outras rendas da Ordem, mas
nessa ocasião pertencia a Jorge Varela que a tinha com o hábito por carta de D. Jorge.
A Alcaidaria-mor da vila de Fronteira, com seu castelo, e rendas dela, bem como as carceragens
e dízimas das sentenças e açougagem tudo era da Ordem e todos estes direitos pertenciam à
Alcaidaria-mor, cujo Alcaide-mor apresentava o alcaide pequeno na câmara segundo a forma das
Ordenações.
Os enviados de D. Jorge estimaram que, nessa ocasião, as rendas da vila de Fronteira valiam,
para efeitos de arrendamento, 700.000 reais, 223 hectolitros de cevada e 1180 kg de cera, tudo
em salvo para o Mestre. Os mesmos visitadores concluíram que residiam na dita vila e seu termo
pouco mais ou menos 500 vizinhos, o que não divergia muito dos 578, que tinham sido
recenseados no numeramento de 1532.

5.5.2. Dimensão Patrimonial

Castelo e fortaleza de Fronteira.

Nesta ocasião era Alcaide-mor dele Henrique Henriques, fidalgo da Casa do Mestre e cavaleiro
professo da Ordem, e por não se encontrar presente não foi visitada a sua pessoa. No tocante ás
casas e torres do dito castelo quase tudo encontraram tal como estava descrito na visitação
passada. Somente a sala e a primeira câmara se tinham refeito de abóbada, estando ladrilhadas de
tijolo. Ambos sos repartimentos haviam sido forrados por cima com ripas e cana Também a torre
do pombal se tinha feito de novo, bem assim como a escada que ia do terreiro para a sala. E a
segunda câmara tinha sido ladrilhada com tijolo sobre o tabuado e forrada de ripa e cana.
Finalmente torre de menagem fora coberta com telha vã.
Os visitadores constataram que chovia pelos algerozes e canos na sala e primeira câmara do
castelo, danificando os frechais e madeiramentos, coisa que se poderia evitar com pouca despesa
e atalhando males maiores. Por essa razão ordenaram ao almoxarife que, antes da invernia, e com
o dinheiro das terças de que dispunha para reparações no dito castelo mandasse reparar
cuidadosamente os canos e algerozes dessas divisões de modo a que não chovesse nelas

Propriedade urbana

Quadro n.º 143


Contratos sobre casas

Tipologia Tipologia das Fólio


Tipologia do dos contratos rendas fixas
Titular
prédio/Localização Emprazamento Aves Numerário
Aforamento
(vidas) (reais)
Casas da Ordem no 265
Afonso
arrabalde da Rua Nova
Garcia,
com 5 divisões, as
cavaleiro, __ 3 __ 150
quais estavam
morador em
referidas no tombo
Fronteira
passado da Ordem
Joana de 266v
Casa térrea na rua de Gouveia,
João Gafo viúva, __ 3 __ 90
moradora em
Fronteira
Casas da Ordem com Simão Dias, __ 3 1 365 267
quintal que ficavam na morador em frangão
rua de Avis com cinco
divisões a saber; uma
dianteira e duas
câmaras, uma
sobradada e outra Fronteira
térrea, e uma estrebaria
medidas na visitação
passada, e um palheiro
além dela, com 11m2
Casa da Ordem que Maria Nunes,
2
ficava na rua que ía da moradora em __ 3 71 reais 268
frangões
praça para a igreja Fronteira
Casas e quintal da
Ordem que estavam
junto com a praça, na Afonso
rua dos Trigueiros, Fernandes,
eram, de portas sapateiro, __ 3 __ 180 268v
adentro 2 casas de morador em
morada e uma casa Fronteira
muito baixa, que servia
de alpendre
Bartolomeu
Casas da Ordem na rua Álvares,
__ 3 __ 180 269
da Cisterna morador em
Fronteira
Casas térreas da Francisco
Ordem na rua do Fernandes,
__ 3 __ 270 269v
Castelo e eram 3, de morador em
portas a dentro Fronteira
Mateus
Casas da Ordem na rua
Domingues,
do Castelo e eram, de
morador no X 1 galinha 20 270
portas adentro, 3 casas
termo desta
térreas.
vila
Casas térreas da
Fernand’Aires
Ordem na rua de Santa 2
, morador em __ 3 153 270v
Maria, 3 casas de frangões
Fronteira
portas adentro
umas casas térreas da Beatriz
Ordem na rua do Fernandes,
__ 3 270 271
Castelo, 3 de porta moradora em
adentro. Fronteira
Casas térreas da Afonso, órfão,
Ordem na rua da filho de
__ 3 2 galinhas 171,5 271v
Cisterna, 2 de portas Leonel
adentro. Rodrigues
Casas da Ordem na rua Manuel de
de Santarém e era casa Melo,
__ 3 150 272v
dianteira e celeiro e o morador em
celeiro é sobradado Fronteira
Casas da Ordem na rua António Viles, __ 3 120 272v
que foi judiaria, casa morador em
dianteira e celeiro, Fronteira
sendo o celeiro
sobradado
Casas térreas da Gonçalo
Ordem na rua dos Garcia,
2 galinhas
Cadeados, 7 de portas morador em __ 3 150 273
1 frangão
adentro com um Fronteira
alpendre e um quintal
Nuno 273v
Casas na rua do
Sardinha,
Castelo, uma __
morador em 3 36
sobradada e duas __
Fronteira
térreas

Nuno 273v
Três casas térreas na Sardinha, 2
__ 3 55
rua do Castelo morador em galinhas
Fronteira
Francisco 274
Casas da Ordem na rua
Vaz, o moço,
de Santarém: uma __ 3 70 reais
morador em
sobradada e 2 térreas
Fronteira
Casas térreas na rua de Joana 274v
__ 3 90
João Gago Fernandes
Filipa, mulher 275
preta forra
Casa térrea da Ordem 35 reais e 4
que foi de frei __ __ 2 galinhas
na rua da Cisterna ceitis
João, prior
desta vila
Duas moradas pegadas 275v
Frei João
uma com a outra com
Magro, prior X __ 1 frangão 403
um quintal por trás na
de Fronteira
rua de Santa Maria

Propriedade rústica

1.Coutada do Concelho.

O concelho desta vila tinha duas coutadas para bois e vacas de arado. As quais se encontravam
demarcadas no tombo passado da Ordem e eram coimeiras da maneira que nele se encontrava
declarado e assim se usava e fazia. Mas os visitadores de 1538 acresentaram que, da parte de fora
existia mais um pedaço de mato pegado com a coutada do vale da Seda, mato esse que começava
no carril que ía de Avis para Cabeço de Vide ao longo do caminho d’altar, contra a vila, até
entestar no caminho de Seda, e seguia o dito caminho de Seda até o carril de Benavila, onde
voltava pelo dito carril até uma lagoa que ficava junto a Cabeça Pelada, daí descendo por uma
vereda até dar no vale da Filgueira. A este mato os oficiais, juízes e povo desta vila tinham
coutado apenas o mato de sobro, azinho e carvalho, proibindo que o cortassem, sob certas penas
e coimas que tinha pelas posturas do concelho, e por aí eram julgadas. E do pasto, e tudo o mais,
permanecia baldio para todos os gados.
2.Celeiros de trigo e cevada.

A Ordem tinha uma casa grande que servia de celeiro de trigo e ficava na rua de Santarém,
partindo ao Norte com casas de Bento Alvares, e ao Sul com casas da Ordem que trazia
Francisco Vaz, o moço, e ao Levante com rua pública, e ao Poente com casas de António Mendes
e de Afonso Vicente. A qual casa de celeiro estava incluída no tombo passado da Ordem.
Possuía ainda a Ordem uma outra casa que servia de celeiro da cevada fiava junto com a porta da
vila que dava para a praça, partindo ao Norte com casas de Luís de Évora, e ao Sul com o forno
de João Álvares, e ao Levante com casas da Ordem que trazia Bartolomeu Álvares, e ao Poente
com rua pública, a qual casa também se encontrava anotada no dito tombo. E diante desta casa
ficava um cercado de parede com um portal de tijolo e portas de castanho, o qual chão, assim
cercado, era da Ordem e se lançava nele o linho e outras coisas, encontrando-se registado no
antedito no tombo.

3. Chão dentro da cerca da vila.

Este chão ficava dentro da cerca da vila, num espaço onde tinham existido casas, e partia ao
Norte com o muro do castelo e ao Sul com pardieiros e forno da Ordem que trazia Filipe Dias, ao
Levante com a cerca da vila e ao Poente com rua pública. Estava incluído dito tombo.

4. Coval com covas de armazenagem de cereais.

Um coval que continha muitas covas de guardar pão situado entre os muros da vila e as casas de
Fernão Vaz de Sequeira , encontrando-se demarcado e medido no tombo passado da Ordem.

5. Pardieiros, casas e forno.

Uns pardieiros que eram duas casas e forno da Ordem, na rua de Gonçalo Rodrigues que trazia
aforadas a Filipe Dias, tal como constava no tombo passado da Ordem, onde se encontravam
demarcados e divididos.

6. Ferragial pequeno.

Um ferragial pequeno junto com Nossa Senhora da vila Velha que trazia aforado João Gonçalves
e, na ocasião, o possuía a Ordem encontrando-se medido no tombo passado. Partia com o
caminho que ìa da vila para Nossa Senhora, e da outra parte com o adro, e das outras partes com
terras do bispo da Guarda.

7.Uma terra de pão .

Uma terra de pão que se chamava a de Lupe, e que se encontrava demarcada e medida no mesmo
tombo.

8. Chãos em Valbom e no Caminho das Várzeas

Tinha a Ordem 2 chãos, um com 2 oliveiras em Valbom d’álem do ribeiro, que começava na
borda dele e se encontrava registado no tombo passado da Ordem. Trazia-o na altura Heitor
Gonçalves, por lhe ficar de seu pai António Gonçalves, a quem fora aforado. Mas por não ter
nomeação, nem ele o querer, ficou devoluto para a Ordem. E o outro, no Caminho das Várzeas
encontrava-se todo em mato.Tinha sido vinha e o trazia aforado um Diogo Álvares, já defunto . E
por não ter ficado pessoa que o possuísse danificou-se, encontrando-se igualmente em
mato.Constava do tombo da Ordem. Os visitadores deixaram provisão ao almoxarife que os
metesse em pregão para se aforarem.

Quadro n.º 144


Contratos sobre olivais

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do Numerári
Titular Emprazamento Azeite Fólio
prédio/Localização Aves o
(vidas) (litros)
(reais)
Olival ao redor da
Brás Fernandes
ermida de S. Miguel, 1
Molam, morador em 3 20,7 __ 250v
cercado por valado e frangão
Fronteira
paredes velhas
Olival pequeno nas
Catarina Vaz 3 __ 100 251
Várzeas
Olival no Coval Velho, António Rodrigues,
1
a caminho de Cabeço moço órfão, neto de 3 __ 70 251
galinha
de Vide Gomes Dourado
Chão com oliveiras e
um caneiro na Várzea
1
Nogueira, junto à Bento Vaz 3 __ 90 252
galinha
azenha de António
Correia
Olival junto à ermida
Afonso Garcia ,
de S. Pedro, partindo
cavaleiro, morador 3 180 252v
com a estrada de
em Fronteira
Castelo de Vide
Olival grande e terra
de pão que se chamava Afonso Anes,
o olival da Ordem e morador em 3 20,7 252v
ficava no caminho de Fronteira
Nogueira

Quadro n.º 145


Contratos sobre hortas

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do
Titular Emprazamento Numerário Fólio
prédio/Localização Aves
(vidas) (reais)
Horta da Ordem Luís Pires, filho de 3 1 frangão 53.5 253
dentro da demarcação
da Coutada da João Luís, 1.ª pessoa
Cristaninha
Diogo Pires
Horta do Concelho Cardoso, morador
que ficava à Fonte do em Fronteira, 2ª
concelho e tinha pessoa por
árvores de fruto e falecimento de 3 __ 1400 253v
hortaliça e uma vinha Bartolomeu
dentro e umas casas de Cardoso, ao qual
taipa fora aforada e que
ainda era vivo

Quadro n.º 146


Contratos sobre vinhas

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do Emprazament Numerári Fóli
Titular Aforament Vinho
prédio/Localização o Aves o o
o (litros)
(vidas) (reais)
Afonso Garcia,
Vinha da Ordem na
cavaleiro, morador 3 1 frangão 70 254
Várzea
em Fronteira
Rui Lopes,
Vinha da Ordem na 254
morador em 3 1 frangão 70
Várzea v
Fronteira
António Dias,
Vinha da Ordem no
morador em 3 46,8 255
Carvalho
Fronteira
Brás Luís,
Vinha da Ordem no
morador em 3 46,8 255
Carvalho
Fronteira
Leonor Martins,
Vinha da Ordem mulher de Brás
que estava ao Fernandes, 3 1 galinha 240 256
Ribeiro das Hortas morador em
Fronteira
Vasco Fernandes,
Vinha da Ordem ao 256
morador em 3 1 frangão 80
Ribeiro das Hortas v
Fronteira
Diogo Martins,
Vinha da Ordem na
morador no termo 3 1 frangão 31 257
Lavrusca
de Fronteira
João Fernandes,
Vinha da Ordem ao
morador em 3 46,8 257
Carvalho
Fronteira
Marcos Dias,
Vinha da Ordem no
morador em 3 46,8 258
Carvalho
Fronteira
Vinha da Ordem no Bartolomeu 3 46,8 258
Carvalho Fernandes,
morador em
Fronteira
Vinha da Ordem no João Gil, morador
3 46,8 259
Carvalho em Fronteira
Duarte Saltão,
Vinha da Ordem no 259
morador em 3 46,8
Carvalho v
Fronteira
Luís Madeira,
Vinha da Ordem no
morador em 3 46,8 260
Carvalho
Fronteira
João Gomes,
Vinha da Ordem no
morador em X 46,8 260
Carvalho
Fronteira
2 vinhas da Ordem,
juntas, ambas ao Bacias Cabral,
Ribeiro da Hortas cavaleiro, morador X 2 galinhas 40 261
dentro na marcação em Fronteira
do olival da Ordem

Quadro n.º 147


Contratos sobre moinhos e azenhas

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do
Titular Trigo Fólio
prédio/Localização
Aforamento (litros)
Metade de um moinho
Diogo Álvares,
que se chama o
cavaleiro da Ordem de
Burrinho e era de duas X 221 264
Avis,, morador em
rodas sendo que uma
Fronteira
delas era da Ordem
Azenha da Ordem na Pero Vaz, cavaleiro da
ribeira da Vide, com Ordem de Avis,morador X 55,2 264
um pedaço de terra em Fronteira

Quadro n.º 148


Contrato sobre cova de pão

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas


Tipologia do
Titular Trigo Fólio
prédio/Localização Emprazamento
(litros)
(vidas)
Rui Vaz, tabelião em
Uma cova de pão 3 27,6 265v
Fronteira

Quadro n.º 149


Contratos sobre coutadas

Tipologia do Titular Tipologia das Fólio


Tipologia dos contratos
prédio/Localização rendas fixas
Aforamento Emprazament Trigo Cevada
(hectolitros
o (vidas) (hectolitros)
)
Uma coutada de terras Brás Palha,
de pão, no termo de cavaleiro
X 66,2 17 276
Fronteira, denominada professo da
Cristaninha Ordem
Uma coutada de terras Brás Palha,
de pão, no termo de cavaleiro
X 132 33 276
Fronteira, denominada professo da
Coutada do Carvalho Ordem
Henrique
Henriques,
Uma quintã e defesa, cavaleiro da
___ 1 ___ ___ 276v
denominada Granja Ordem e
Alcaide-mor
de Fronteira
Um reguengo grande Pertença das
denominado rendas da
___ ___ ___ ___ 277
Alvarinha, coimeiro Ordem na
aos gados vila

Quadro n.º 150


Contratos sobre ferragiais

Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas Fólio


Tipologia do
Titular Numerário
prédio/Localização Emprazamento
(reais)
(vidas)
Bacias Cabral,
Um ferregial atrás do
morador em 3 230 278
castelo
fronteira
Um ferragial da
Ordem, acima da
Fonte do Concelho, Diogo Pires __ 1400 278v
anexo a uma horta da
Ordem

6. Análise comparativa das visitações de 1519 e 1538 ás vilas do Cano, Figueira, Seda e
Galveias

Como foi oportunamente explicado decidimos dividir o conteúdo das fontes estudadas em dois
ciclos distintos (1515-1519 e 1538), a que se acrescenta, por fim, o núcleo constituído pelas
localidades do Cano, Seda, Figueira e Galveias, terras que, por terem sido objecto de visitações
em 1519 (1.º ciclo), e novamente em 1538 (2.º ciclo) permitem uma análise comparativa.
Como é óbvio, a metodologia adoptada para proceder à apresentação destas situações foi alterada
em relação ao que se tem vindo a fazer nesta dissertação. Com efeito, dada a possibilidade de
trazer a público a realidade de uma evolução balizada por 19 anos de diferença favoreceu que
tentássemos condensar os resltados comparativos entre as comendas alvo, apresentando sempre
esses resultados na descrição da segunda visitação. Partimos para esta experiência com a
apresentação, já habitualmente feita para comendas anteriores, de um Quadro referência onde
podemos localizar, em pormenor, as fontes que serviram de base para este capítulo.

Quadro n.151
Localidades visitadas em 1519 e em 1538.

LOCALIDADES
DATA FONTE
VISITADAS
10 de Fevereiro de 1519 Cano I liv. n.º 15, fls. 3-64
1 de Março de 1519 Figueira I liv. n.º 15, fls. 67-112
8 de Março de 1519 Seda I liv. n.º 15, fls. 94-162
29 de Março de 1519 Galveias I liv. n.º15, fls. 202-248
18 de Setembro de 1538 Galveias II liv. n.º 14, fl.69- 90v
23 de Setembro de 1538 Seda II liv. n.º 14, fl.94- 162
4 de Outubro de 1538 Cano II liv. n.º 14, fl. 181-204
2 de Outubro de 1538. Figueira II liv. n.º 14, fl. 164- 179

É certo que a localização destas vilas representava uma corda de povos a rodear a vila Cabeça de
Mestrado, constituindo como que uma cortina próxima de Avis. Seda duas léguas a Noroeste de
Avis, Figueira a três léguas, quase assente no paralelo da Cabeça do Mestrado, a duas léguas
pequenas a Oeste e o Cano a três léguas a Sudoeste. As Galveias, por seu turno, terra
recentemente destacada do termo de Avis, possivelmente por razões de índole administrativa,
passava a constituir uma comenda situada a Noroeste, mas situava-se sensivelmente à mesma
distância da Cabeça do Mestrado do que as restantes três localidades. Situação que, valha a
verdade, se reproduzia, de igual forma, mais próximo da fronteira castelhana, com as vilas de
Cabeço de Vide, Fronteira e Sousel, e, mais a Sul, já quase à beira do Guadiana, com Juromenha,
Alandroal e Terena.
Poderemos assumir que, durante séculos, esta cortina constituída pelas localidades de Cano,
Seda, Figueira, tenha constituído a última dessas duas anteparas defensiva da praça de Avis. Mas
é forçoso constatar que no período a que nos reportamos, com a generalidade das fortalezas da
Ordem parcialmente arruinadas, ou mal reparadas, praticamente desprovidas de guarnições
adequadas, artilharia, ou, sequer, armamento individual registado, as mesmas fontes apontam no
sentido de que as considerações de natureza militar dificilmente constituiriam uma prioridade do
Mestrado.
Nos casos do Cano e Figueira encontramo-nos na presença de localidades relativamente pouco
importantes, cuja população, respectivamente 120 e 180 habitantes praticamente se mantivera
estagnada durante os 19 anos que decorreram entre as duas inspecções, tal como as rendas das
comendas que se tinham mantido entre os 30.000 e os 35.000 reais/ano. Encontravam-se ambas
as rendas na mão dos respectivos Comendadores que o eram, também, de outras localidade
financeiramente mais apelativas, e em ambas tinham sido detectadas, logo em 1519,
irregularidades de natureza vária, e um considerável estado de degradação, ou inadequação, do
património edificado, que movera os visitadores a estipularem investimentos que, na prática,
absorveriam uma percentagem elevada das respectivas rendas. Poderíamos ser tentados a admitir
que as visitações de 1538 representassem uma fiscalização ao cumprimento das determinações
particulares de 1519 se, como teremos ocasião de verificar, não existissem indícios de, que nesse
período intercalar de quase duas décadas, se tinham efectuadas outras visitações que, todavia,
não se encontram nas fontes estudadas.
Seda, a terceira vila de que subsistiram duas visitações, difere da tipologia das antecedentes,
porque mais populosa, contando entre cerca de 700 e 800 residentes, entre os quais se
descriminam cavaleiros e besteiros privilegiados, era uma Comenda mais rendosa, o que talvez
explique a passagem de mãos entre o comendador Duarte de Almeida, titular em 1519, o filho de
D. Jorge, D. Luís de Lencastre, titular entre 1532 e 1534 e. D. Lopo de Azevedo, filho do
Almirante António de Azevedo, em funções na visita de 1538. Estes dois últimos personagens
eram membros de uma mais elevada jerarquia do que o, ainda pouco estudado, Duarte de
Almeida.
Em comum com as duas antecedentes, a Comenda de Seda apresentava um património edificado
em estado de degradação, e a necessitar de obras e investimentos urgentes, situação que, por
bastante disseminada, não bastava para a incluir numa tipologia comum que abarcasse Cano e
Figueira.
Dentro deste contexto não parece líquido que o facto destas três localidades serem as únicas de
que, nas fontes em estudo, se encontram visitas em 1519 e 1538 tenha ficado a dever-se a um
desígnio intencional. E, no caso ainda mais particular das Galveias (recém isoladas do termo de
Avis/ parte integrante do termo de Avis, a razão parece ainda mais óbvia).
É certo que desconhecemos a metodologia que terá presidido à "arrumação", no século XVI
deste conjunto de visitas incluídas nos três livros em apreço, sendo seguro, e como tal
documentado, que se realizaram, ao longo do período que medeia entre 1515 e 1539, outras
visitações que não chegaram até nós. Estamos perante uma fracção de Arquivo e, nesta
perspectiva, limitamo-nos a constatar que, certamente por razões de índole vária, apenas uma
parte dele parece ter sobrevivido. Aliás. a documentação avulsa (IAN/TT., Ordem de Avis, maços
10, 11, 12, 13 e 14) que consultamos na íntegra, não ajuda a preencher lacunas que os códices
apresentam nem muito menos oferece um número significativo de dados alusivos a estas
comendas que pudesse, eventualmente, alterar um poico o panorama registado.
O modelo de tratamento adoptado para estas fontes segue a cronologia das inspecções efectuadas
pelos enviados de D. Jorge iniciando-se com a primeira visitação à vila e comenda do Cano, que
se encontra no segundo dos livros de fontes em análise, inteiramente dedicado a visitas
efectuadas no ano de 1519.Depois, apresenta-se a segunda visitação a esta mesma localidade
(1538), altura em que se procede à elaboração de quadros comparativos entre as duas cronologias
para obter algumas conclusões. Como é evidente, o exemplo aqui mencionado para a vila do
Cano será seguido para as demais localidades em idênticas circunstâncias.

6.1. Primeira visitação à comenda do Cano.

Esta localidade partia a Norte com o termo de Avis (a 3 léguas de distância) e tinha de termo para
esta parte um quarto de légua. E mantinha-se em redondo este quarto de légua, salvo da banda do
Sul, que partia com o termo de Sousel (a 1 légua de distância) e tinha para lá (apenas) meia légua
ao Sudoeste.
Ao Sul partia com Estremoz (a 3 léguas de distância) e tinha para esta parte outra meia légua.
Estes dois últimos termos partiam com a vila de Cano em Aguilhões e de todas as outras partes
confrontava com o termo de Avis, lugar da Mesa Mestral

6.1.1. Dimensão Religiosa

O padroado da igreja da vila, cuja invocação era Santa Maria, pertencia à Ordem que apresentava
nela o prior a ser confirmado pelo bispo de Évora. Competia, ainda, à instituição a nomeação de
u tesoureiro e a concessão de licenças para a construção de ermidas.
A igreja
Os visitadores chegaram à Igreja de Santa Maria na manhã de 10 de Fevereiro de 1519, e foram
recebidos por Frei Diogo Nogueira , prior, André Figueiró, clérigo e vigário pedâneo pelo bispo
de Évora, Heitor Lopes, clérigo de missa e tesoureiro da igreja, Álvaro Figueiró e Gil Anes,
juízes, Gastão Lopes e João Gomes, vereadores, Duarte Saltão, escrivão da câmara da vila, João
Coelho, Alcaide-mor, em representação do titular António de Mendonça, e Lopo Álvares
Mortágua e João Fernandes Mexia, moradores na localidade.
Como se depreende, o comendador não se encontrava na vila, tendo os enviados do Mestre
ordenado a João Rodrigues Figueira, seu feitor, que o notificasse de que era necessário enviar ao
Convento o título de posse da comenda.
O Prior Diogo Nogueira recebera o hábito no capítulo de 12 de Abril de 1492, e professara no
Convento de Avis, época onde não constituía prática passar o título após a profissão dos freires.
Exibiu, no entanto, a carta de apresentação do Mestre e uma confirmação de Dom Afonso, bispo
de Évora.
Do conjunto das suas obrigações (missa quotidiana e a cura a todos os moradores da vila e seu
termo, posse da Regra e manto branco, que, aliás, vestia na ocasião). os juízes e oficiais da vila
responderam que servia bem a igreja e cumpria bem o ofício.
A fonte informa que o templo, que ficava fora da povoação , era de 3 naves, com paredes de
pedra e cal, madeirada sobre 4 esteios redondos de alvenaria. Por cima destes 4 esteios, da
parede da porta principal até à parede do cruzeiro, estavam lançadas traves grossas sobre as quais
se encontrava madeirada a igreja. A nave do meio encontrava-se madeirada de trouxa desde cima
até ao manto das silharias.
Esse corpo do templo media 12,65m de comprido por 7,15m de largo (90,4m 2). Tinha 3 portadas
de pedraria: a principal, a travessa, e a travessa do lado Norte, esta última com ferrolho,
fechadura e chave. A sacristia ficava à esquerda do altar-mor com paredes de pedra e, dentro,
ficava um altar de madeira no qual se vestiam os clérigos. Estava madeirada e coberta de telha
vã. Tinha uma portada com portão, ferrolho, fechadura e chave.
Subia-se para o campanário, que estava derribado, por uma escada situada no interior do templo,
feita de pedra e cal e ladrilhada. Eram visíveis dois sinos quebrados, um deles quase
completamente, e outro que começara a quebrar.
A capela-mór, edificada com paredes de pedra e cal, encontrava-se caiada por fora e coberta de
telha vã assente sobre madeira. Com cerca de 24,5m 2 elevava para cerca de 115m2 a área total da
igreja. O altar mor estava construído em alvenaria, e subia-se para ele por dois degraus de pedra
e cal igualmente ladrilhados. Não existia sacrário porque a igreja não se encontrava em lugar
honesto para o acolher, e porque estava situada fora da povoação.
Foi encontrada uma pia baptismal, à esquerda da porta principal, em pedra mármore, nova e com
cobertura de madeira.
A igreja era alumiada por uma lâmpada antiga de cobre, com suas candeias, bacia e copa e, junto
a ela, encontrava-se uma campainha pequena que se tangia quando na missa se levantava a deus,
e uma campainha de comunhão pequena.
Os santos óleos (crisma e perfumado) encontravam-se numa âmbula de estanho metida numa
barca de perfumes pendurada na sacristia, situação que os visitadores consideraram regular e
honesta.
Os visitadores passaram então ao adro da igreja o qual foi devidamente medido desde a porta
principal da Igreja.

Quadro nº152
Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Imagem de N. Senhora com o menino
Pintadas na cinta muraria, mas muito
ao colo, flanqueada pelas imagens de Na parede do altar-mór
velhas
S. Bento e S. Miguel
Imagem de S. Sebastião e outras Na parede do cruzeiro, sobre o altar de
Pintadas, todas muito velhas
imagens. S. Sebastião
Na parede do cruzeiro, sobre o altar de
Imagem de S.ta Catarina Pintada, muito velha
S.ta Catarina.

Quadro nº153
Prata

Peso
Tipologia Características
(gramas)
Pé quebrado. 373
Cálice de prata branca Ostentava as cruzes da ordem de Avis no pé, e outras
cruzes.
Cálice de prata branca com sua 380
Com os sinais de Ave Maria
patena
Turíbulo de prata com suas cadeias Com o pé quebrado, pertencia ao concelho 700
TOTAL PRATA (Kg.) 1,453 kg

Quadro nº154
Vestimentas e ornamentos

Tipologia Características
Com 2 bandas e capelo de cetim azul aveludado com
Capa de cetim de damasco arroxeado
franjas de retrós vermelho e amarelo, velha e rota
Frontal de pano de estopa De bandas verdes e vermelhas, com franjas de linho
De bandas verdes e vermelhas, com franjas de linhas
Umas quartinas (cortinas?) em pano de estopa,
verdes e amarelas, já velhas
Bancal De folhagem que servia de frontal no altar-mor
Frontal De pano da Índia pintado de roxo
Metade de cetim arroxeado, metade de branco aleonado
Véstia com manto com o savastro de cetim branco aveludado e franjas de
retrós vermelho e amarelo, forrado de estopa, já toda rota
Véstia com manto De pano de Flandres velha e rota
Duas véstias Compridas de pano de linho, novas, com cruzes azuis
Manto Velho e em pano de linho

Quadro nº155
Livros da igreja

Tipologia Características
Do costume de Évora, de moldes, mal encadernado,
Missal
velho e roto, coberto de couro preto com brochas
De letra de pena, em pergaminho, de bênção e
Breviário enterramento de finados, roto e feio, encadernado
com tábuas e coberto de couro preto
Quadro nº156
Latão e coisas miúdas
Tipologia Características
Cruz, Mal concertada e desmanchada no pé
Dois castiçais com os pés abertos e quebrados
__
Bacia de arame

__
Turíbulo de arame com umas cadeias

__
Caldeira de água benta

Estante De pau, alta, de pé


Estante de mão Pequena que servia no altar
Leito de pau Para levar os finados
Círio pascal Para quando levantavam a Deus e para a comunhão
Dois círios pequenos Para quando levantavam a deus e para a comunhão
Pedra d’ara Com que dizia missa o vigário André de Figueiró

Quadro nº157
Linhos da igreja

Tipologia Características
__
Duas cortinas brancas com seus cadilhos

Dois lencóis Um lavrado pelas bordas em ponto real e o outro chão


Um de três tramos, usado, outro de 2 tramos com uma
Dois lencóis cadeneta de seda vermelha pelo meio e pelas bandas e mais
2 tramos de lençol de linho
Duas toalhas de estante Lavradas
Toalhas de 2 tramos Uma branca, outras com lavores de sêda
Oito mantos Cinco de estopa, todos usados
Beca que servia quando davam a comunhão Velha e rota
__
Duas toalhas de flandres, do altar-mór

Como era hábito sempre que se pretendia obter uma informação sobre a qual não existia
memória unânime, ou confirmar um consuetudo, os visitadores perguntaram a certos fregueses
antigos quem era obrigado ao corregimento e reparação da igreja. A responsabilidade recaía da
Ordem, mas, se porventura caísse a igreja, ou alguma parede dela, o povo estava obrigado a dar,
de cada casa (para a reconstrução), um dia de serventia, "por sua vontade e devoção".
O prior costumava eleger uma mulher para candieira e esta pedia para as candeias e missas do
dia, bem como para uma missa de Nossa Senhora que se costumava dizer aos sábados na igreja.
A candieira pedia também azeite para a lâmpada, lavava a roupa da igreja (com excepção,
naturalmente, dos paramentos e ornamentos que competiam exclusivamente a clérigos de ordens
sacras) e tinha o cuidado de a varrer. Era também habitual o prior e o povo elegerem um homem
que pedia para o círio pascal e para as velas grandes com que davam a comunhão, e que se
acendiam quando levantavam a Deus.
Deparamos, pela primeira vez nestas fontes, com um templo da Ordem cujo estado de
inadequação e penúria tinha chegado a tais extremos que os enviados de D. Jorge se sentiram na
obrigação de fundamentar doutrinariamente medidas urgentes e severas sobre as obras,
reparações e aquisições consideradas imprescindíveis a curto prazo. Todavia, tendo presente que
o valor agregado do investimento preconizado excederia os rendimentos de uma comenda pobre,
os visitadores escalonaram em prioridades, divididas por mais de um quinqénio, um verdadeiro
programa de obras e aquisições, obrigando o Comendador, no caso António de Mendonça, que se
encontrava ausente, a dispender anualmente nele cerca de 20% da renda percebida
Com efeito, se numa primeira leitura, a descrição da igreja da vila do Cano, sucintamente
efectuada pelos enviados de D. Jorge, não deixa adivinhar, imediatamente, a extenção das
carências detectadas, a natureza das necessidades imediatas do templo pode ser devidamente
avaliada pelo teor das exigências impostas ao Comendador e ao povo do concelho, as quais se
apresentam de seguida:

1) O Comendador ficava obrigado a reparar e "prover" a igreja com tudo o que fosse necessário.
Apenas quando se reconstruiam as paredes dela o povo "dava a sacristia"
2) O Comendador era obrigado a pagar anualmente o mantimento do prior, tal como se
encontrava estipulado nas definições e estatutos da Regra, do mesmo modo que se encontrava
obrigado a pagar o mantimento combinado ao tesoureiro da dita igreja segundo lhe era ordenado
pelo Mestre.
3) O prior era reitor e cura de toda a vila e seu termo, obrigado a administrar os sacramentos e a
rezar quotidianamente uma missa pelo povo .
4) O concelho e o povo da vila do Cano e seu termo eram obrigados por costume a dar serventia,
quer se construísse de novo a igreja ou apenas se reparassem e refizessem as paredes.

Neste sentido, não espanta o detalhe com que a fonte apresenta o rol de determinações
particulares inerentes ao estado de degradação do local. Assim, na Igreja, certamente em virtude
da extensão e profundidade das obras necessárias, bem como pela natureza das aquisições
imprescindíveis a curto prazo, os enviados do Mestre sentiram a necessidade de fundamentar as
suas decisões atendendo a que segundo determinação dos sagrados cânones nenhum
Comendador podia gastar em seu proveito a renda da igreja que lhe é dada em encomenda sem
primeiro serem reparadas todas as coisas que a ela pertencem e ao serviço dela, em especial as
coisas que são necessárias para se celebrar o ofício divino e dar os santos sacramentos, e
manter sem penúria quem administra os sacramentos.
E porque os visitadores encontraram a igreja da vila de Cano muito desfalecida em todas as
coisas que pertencem ao serviço de Deus, e acharam que o Comendador era obrigado a elas,
[decidiram] que em cada ano se gastassem 6.000 reais (20%) da renda que ao Comendador
pertence até serem de todo feitas e acabadas as coisas adiante nomeadas E pelo facto de se
despenderem anualmente esses seis mil reis não significa que não permaneça (o Comendador)
adstrito ao mais a que o direito o obriga. E os ditos 6.000 reis seriam gastos a reparar e
adquirir as coisas que a seguir vão nomeadas.
Duas pedras de ara a colocar na igreja onde não existia nenhuma.
Um livro místico do costume de Évora.
Mais dois missais para as missas votivas.
Dois castiçais de estanho, ou de latão, para cada altar.
Um livro para se oficiarem as missas dos domingos e festas
Uma caixa de pau onde se colocassem os livros santos
Um armário em que estivessem fechados os livros, do qual o prior ficaria com a chave.
Uma arquinha pequenina onde ficariam as hóstias que estivessem para cercear, e as cerceadas
numa boceta.
Uma lanterna para quando levassem o corpo de deus aos enfermos, porque frequentemente o
vento impedia que fossem com tochas acesas .
Uma arca para guardar os ornamentos da igreja , a qual ficaria no tesouro com fechadura e
chave.
Duas galhetas novas e, simultaneamente, tocasse as velhas que se encontravam na igreja,para
perfazer dois pares.
A caldeira de água benta (que estava velha e quebrada) deveria ser trocada por uma nova.
Um púlpito móvel de madeira considerando que o pregador deveria estar em local mais alto do
que aqueles que ouviam a pregação.
Um dos sinos deveria ser feito de novo.
Um coro construído na nave do meio da igreja, sobre a porta principal, levantado em tramos ou
em arcos de tijolo, porque era desonesto e proibido estarem os clérigos e os leigos juntos quando
se celebrava o ofício divino. E, na escada para o campanário, António de Mendonça mandaria
abrir uma porta para o dito coro.
O cálice da Ordem deveria ser concertado, para não haver unicamente um outro do concelho
Retábulo a construir, de boa madeira, do tamanho do altar-mor da ousia, tendo pintadas as
imagens de Nossa Senhora e de S. Bento, pintada com hábitos pretos, porque o seu hábito era
preto, seria figurado com mitra, e na mão esquerda seguraria um vaso quebrado. Na outra banda
do retábulo fariam pintar a imagem se S. Jorge .
Uma capa de cetim ou damasco com bandas de veludo e franjas de retrós para a missa, porque
aquela que existia na igreja já estava velha.
Ampliação da igreja derrubando a parede da porta principal, e parte da parede do campanário, e
fariam um campanário para fora, sobre o alicerce que estava começado. O acrescentamento da
igreja seria de dez côvados o que correspondia à largura do campanário. E sobre a porta grande e
principal se faria um alpendre para não estarem (desprotegidos?) os que baptizavam e rezavam.O
arco da capela, tal como estava feito, tolhia a vista a grande parte do povo que estivesse no
templo pelo que mandaram que se derribasse e alargasse sessenta e seis centímetros de cada lado
e pela cimeira do arco. Depois de feito e acabado mandarão nele pintar imagens do crucifixo, de
Nossa Senhora e de S. João. E mandaram ao Comendador que a capela fosse sobradada com
madeira de castanho e grades de madeira de castanho com suas portas e fechaduras no arco da
capela.
Os sinos apenas se deveriam tanger ás missas do dia e os repicassem um pouco no começo das
missas das confrarias, para acentuar a diferença entre umas e outras.
Chamam, ainda, a atenção para va necessidade do Comendador pedir um traslado das
constituições do bispo para que o prior pudesse reger e ensinar os fregueses em conformidade.

Pelo menos numa prespectiva teórica, tal deveria ser cumprido com o maior dos rigores,
observando a ordem em que iam descritas, gastando nelas a referida renda de 6.000. E no ano em
que o Comendador não gastasse essa quantia estipulada, o tinham os visitadores como
condenado em 8.000 reais, um terço para as obras do convento, outro para os cativos e o restante
para quem o acusasse.

Ermidas e Hospital

No termo da vila, esta ermida tinha um altar de alvenaria coberto com uns pedaços de manto e
com uma toalha velha de linho. Na parede, sobre este altar, encontrava-se uma imagem de S.
Sebastião, bastante mal pintada, no entender dos visitadores.
A capela-mór encontrava-se madeirada de trouxa (sic), tendo de comprimento 3,85m por 3,3m
de largo( 12,7m2). O corpo do templo também estava madeirado de trouxa sobre uma madre, e
tinha um esteio de pau no meio. Edificada com paredes de pedra e barro, guarnecidas com cal,
encontrava-se coberta de telha vã e mal reparada. Media 5,4 m de comprimento por 5,5m de
largo (29,7m2) área que, somada à da capela-mór, totalizava cerca de 42 m 2 para a superfície
global da ermida.
Tinha uma portada de alvenaria de tijolos com porta de pau.
O povo reconstuíra esta ermida por sua devoção e reparavam-na aqueles que., igualmente por sua
devoção, o queriam fazer. Não tinha renda nenhuma, nem fazenda.

1. Ermida de Santa Catarina

Tratava-se de uma só edificação, sem capela-mór, com paredes de pedra e barro, madeirada de
tronxa sobre uma madre, e tinha um esteio de pau no meio da ermida, a qual se encontrava
coberta de telha vã. Media 26m de comprido e, de largo,5m (134,4m2).
Tinha um altar de pedra e barro sobre o qual se encontravam uma imagem de pau de santa
Catarina, e uma caixa de madeira pintada, com portas e armários, dentro da qual se encontrava
uma imagem pequena, de vulto e muito bem pintada e dourada, da mesma santa e, nas portas da
dita caixa, imagens pintadas com boas pinturas. Encontrava-se em cima do altar uma touca de
linho por cortina, bem como umas toalhas de linho e um mantéu, velhos.
O ermitão declarou que havia aí mais bens bons, que ele tinha dado a guardar, e tinha um (cofre,
contador ou armário) emprestado, de título Ave-maria (armoriado de Mendonça), com portas já
velhas, ferrolho e fechadura.
Adossada à parede Sul da ermida encontrava-se uma casinha pequena de paredes de barro e
pedra madeirada de tronxa e coberta de telha vã, com a madeira e o telhado danificados. Media a
Poente 3,57m, e do Norte a Sul 4,4 m (15,7m2) mas esta casa também se encontrava danificada.
A Norte, esta ermida ficava sobre um eirado, todo avaladado, que lhe pertencia, e logravam dele,
porquanto o tinha construído um ermitão que lá estivera, segundo deram fé Pedro Álvares
Mortágua e Lopo Álvares, seu irmão, homens antigos, dizendo que um ermitão fizera de novo o
dito pomar, e que o começara a plantar com um sacho de pau, e que quando viram a sua boa
determinação, e o quanto seria (útil) benfeitoria, o dito Pedro Álvares lhe dava feno, com o que
se plantou o dito pomar e cerrado. Afiançaram estes antigos que a ermida não possuía nenhuma
herança, nem propriedades, nem nenhuma outra coisa e que antigamente ali estava uma casinha
muito pequena e mal reparada e que um homem a quem chamavam por alcunha Orvalho a fez de
novo por sua devoção e, desde então, nunca mais fora reparada
Encontrava-se agora por ermitão da dita ermida Álvaro Afonso Monteiro, homem muito antigo e
pobre. E porque não mostrou aos visitadores carta do mestre lhe ordenaram que a obtivesse até
Santa Maria de Setembro seguinte deste ano, sob pena de ser lançado fora da dita ermida. E este
prazo lhe deram vendo a sua velhice e disposição.

Quadro nº158
Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Uma imagem de Santa Catarina De pau No altar
Uma caixa de madeira pintada, com
portas e armários, dentro da qual se
encontrava uma imagem pequena, de
vulto e muito bem pintada e dourada, ___ Sobre o altar
da mesma santa e, nas portas da dita
caixa, imagens pintadas com boas
pinturas.

2. Hospital
O edifício estava situado na rua da Malva. Aldonça Saltoa tinha deixado ao dito hospital as
respectivas instalações constituídas por celeiros com paredes de pedra e barro madeiradas de
tronxa e cobertas de telha vã.
Partia este hospital do lado Poente com casas de Álvaro Fernandes, e do Levante, com casas de
Lourenço Rodrigues, e do Norte com o quintal das covilhans e com o forno da ordem, e do Sul
com a rua da Malva em que se encontrava o hospital O "equipamento" do hospital em apreço
resumia-se a 1 almadraque usado, e cheio de lã e 1 chumaço de lã velho e uma manta da terra
velha e rota, bem como 2 cobertas usadas que havia deixado a supracitada Aldonça Saltoa.
Não tinha mais roupa, nem heranças, nem propriedades. Encontrava-se na altura por hospitaleiro
Henrique Álvares, juntamente com sua mulher Guiomar Dias, que tinham o encargo de varrer e
limpar as ditas casas, sem receber nada em troca.

Determinações gerais.

Sobre o espiritual

1. Da pena sobre os que se não confessassem e comungassem


Porque muitas vezes alguns fregueses eram renitentes a confessarem-se e comungarem, com
grande dano para as suas consciências, mandaram aos juízes, meirinhos e alcaides que todos
aqueles que figurassem numa lista elaborada pelo prior como não se tendo confessado e
comungado até 15 dias depois da Páscoa, que os prendessem e, da cadeia, pagassem 200 reis
cada um, metade para o alcaide ou meirinho que os prendesse, e a outra metade para a fábrica da
igreja, não ficando relevados das penas em que tivessem incorrido, da igreja ou do prelado.

Sobre o temporal

1. Sobre os cachos.
Da parte do comendador foi apontado aos visitadores que alguns lavradores traziam por prática
tirarem a semente que lançavam à terra sem dela pagarem dizima, e para isto faziam tantos
cachos que era o dobro. Provendo sobre isto segundo a disposição do direito, porque nosso
senhor depois de o grão (estar?) podre na terra o faz nascer e enverdecer e amadurecer, dando-lhe
para isso sol e chuva e os ares que são necessários, determinaram e mandaram os visitadores que
os ditos lavradores não tirassem as ditas sementes e (pagassem)os dízimos de tudo o que deus
lhes desse a bem da salvação das suas almas e receberiam grande acrescentamento das
novidades. E qualquer um que persistisse na prática condenada pagaria em dobro o que arredasse
e sonegasse, além da pena que tal caso merecesse.

2. Sobre os fornos.
Acharam os visitadores que na vila de Cano os fornos não se encontravam bem reparados, nem
eram tantos como seria desejável, e frequentemente não tinham forneiros para cozerem o pão em
tempo útil, originando muitos ruídos, escândalos e malquerenças que davam azo a muitos
inconvenientes e perigos, tanto materiais como espirituais, segundo os enviados do Mestre
tinham apurado através de certas informações. Daqui resultava que moradores do Cano, eram
obrigados a cozer nos dois únicos fornos da Ordem, o que se revelava insuficiente e tinha como
resultado que se perdia muitas vezes o pão, e os obrigava a amassar duas e três vezes, o que era
nefasto e evidenciava grande desordem.
Por esta razão ordenaram ao Comendador que mandasse fazer tantos fornos quantos bastassem
ao povo, mas efectivamente providos de forneiras e lenha, e de todas as outras coisas para o
efeito necessárias, E não sendo os ditos fornos em abundância, ou em caso que se viesse perder
algum pão por míngua ou negligência das forneiras, ou de quem tivesse o encargo de prover e
reparar os fornos, mandavam que quem quer que se apurasse ser o culpado pagasse a pena que
estava estipulada para aqueles que não queriam cozer nos fornos da ordem e iam cozer a outras
partes. E. além disso, pagassem ainda o pão que por sua negligência se viesse a perder.
E mandaram aos juízes da vila que sobre isto fizessem execução "porque não há razão nem justiça
em deixar perder o pão que as pessoas, para seu sustento, ganham com o suor do corpo ".

3. Sobre os olivais, vinhas, e outros cultivos abandonados.


Os visitadores foram encontrar na vila de Cano os olivais quase todos cobertos de mato, e em
bravio, por seus donos os não quererem aproveitar nem tratar.
Quiseram remediar esta situação, conforme ao serviço de deus e utilidade do povo, ordenando
que qualquer pessoa que tivesse olivais ou oliveiras as limpasse e desmatasse no prazo
compreendido entre a publicação da presente visitação e o final dos três anos seguintes. E não o
fazendo, ordenaram aos juízes da vila que os ditos olivais e oliveiras fossem entregues a quem os
quisesse aproveitar. E isto se entenderia também no respeitante às vinhas ou outras culturas que
se encontrassem perdidas e não aproveitadas, sendo primeiramente requerido aos donos das ditas
propriedades, e ouvidas as razões que tivessem para as não aproveitarem, e se justiça fosse se
atenderia às suas razões, sendo-lhes concedido o tempo suficiente para as aproveitarem, desde
que não ultrapassasse ano e dia para começarem, e não ultrapassassem os ditos 3 anos para
terminar.

4. Sobre o patrulhamento nocturno.


Acharam os visitadores que em razão da justiça não patrulhar a vila de noite, como se faz e deve
fazer, e como é hábito nos lugares bem regidos do reino, se fazem algumas desonestidades e
injúrias. Questionado por eles, o alcaide pequeno respondeu que não se atrevia a andar só,
correndo o risco de ser injuriado ou morto. Por esta razão ordenaram aos juízes que, de aí em
diante, sempre que lhes fosse requerido e vissem que era necessário, dessem um ou dois homens
com um (…) que andassem de noite com o dito alcaide, para evitarem as tais injurias e danos.
E se tal não fizessem seriam condenados em 10 cruzados, dando um terço para as obras do
Mestrado, um terço para os cativos e o outro terço para quem os acusasse, por cada vez que o
não cumprissem.

Determinações particulares

1. Sobre jóias de ouro e prata, e cera, que fossem oferecidas na igreja e ermidas.
Entenderam os visitadores que as jóias de ouro e prata, e a cera que se ofereciam na dita igreja e
ermidas, tal como cabeças, pernas, braços e outras, pertenciam à Ordem. E considerando que tais
coisas e as sobreditas jóias deveriam andar juntas com a renda da fábrica que se convertia na
reparação da dita igreja e ermidas, ordenaram que daí em diante as ditas jóias fossem para a
fábrica. E mandaram ao prior, em virtude da obediência, e também aos ermitões, que logo que
alguma jóia fosse oferecida na igreja ou ermidas, que logo nesse dia, ou no prazo de 3 dias o
mais tardar, entregassem a dita jóia ao recebedor da fábrica da igreja. E assim o cumprisse
também o tesoureiro, e os das ermidas as entregassem aos mordomos delas, perante o escrivão a
que pertencer, o qual assentaria logo, e carregaria em receita sobre o dito recebedor e mordomo
para haverem ambos recordação.
2. Sobre a eleição do recebedor da fábrica.
Os visitadores ordenaram aos juízes e oficias que elegessem na câmara um homem bom e
abonado para recebedor da fábrica e prata e ornamentos. Este recebedor não aceitaria coisa
alguma de penhor, excepto perante o escrivão da fábrica, que seria o escrivão do almoxarifado
porque tal era o costume, e onde não existisse escrivão do almoxarifado, fosse o escrivão da
câmara. E não fariam despesa alguma sem o conselho do prior. Quando tivessem ermida, ou
fossem obrigados a algum gasto importante que ultrapassasse os 2.000 reais o fariam saber ao
Mestre, salvo quando fossem despesas que os visitadores ou provedor tivessem mandado fazer.

3. Incompatibilidade do prior.
Porque nemo potest duobus segundo a doutrina evangélica e a determinação dos santos cânones,
nenhum clérigo nem monge devia ocupar-se em nenhum ofício secular, mormente quando era
contrário ao seu ofício, fôra achado nessa precisa situação Frei Diogo Nogueira, prior do Cano,
por ser rendeiro das rendas dessa comenda, o que não podia fazer. Além disso tinham concluído
por informações recebidas que por o mesmo prior arrendar as coisas que à dita rendiam e
pertenciam andava tão ocupado que não podia servir bem a igreja de que era reitor, nem dar os
sacramentos como era obrigado, originando muitos escândalos entre o prior e os fregueses e
outros inconvenientes com dano da sua consciência. Confrontados com esta incompatibilidade
tinham-no admoestado uma primeira e uma segunda vez, dando-lhe em cada admoestação o
prazo de 30 dias para desistir e abrir mão da dita renda, o que não sucedera. Desta feita
ordenavam-lhe peremptoriamente que desistisse, e abrisse mão da dita renda, e não tivesse mais
nenhuma contrária ao seu ofício, sob pena de o privarem do seu benefício e priorado passado o
dito tempo. E isto se entenderia por não haver provisão do Mestre sobre este assunto, mas
informaram-no de que, decorrido este último prazo sem acatamento, e sob pena de excomunhão,
o fariam saber ao Mestre.

6.1.2. Dimensão Senhorial

Jurisdição da Ordem.

De acordo com o numeramento de 1532 o rei tinha as sisas e terças do concelho, mas essas terças
estavam cedidas ao Mestre D. Jorge.
A jurisdição do cível e do crime da vila e seu termo era da Ordem e a eleição dos juízes e oficiais
fazia-se pelo ouvidor do Mestrado, ou por quem o Mestre para isso ordenava e dava lugar. E
eram confirmados por sua senhoria ou por quem para isso dele recebesse poder. Os oficiais de
que nos chega conhecimento são os seguintes:

Quadro nº159
Oficiais

Nome Ofício
Lopo Moniz Tabelião das notas e judicial
João Rodrigues Figueira Tabelião das notas e judicial
Álvaro Lourenço (…) dos dízimos
Duarte Saltão Escrivão da câmara
Juiz dos órfãos sem ter carta do Mestre, servia por autoridade de António de
Duarte Saltão
Mendonça
Duarte Saltão Juiz dos órfãos sem ter carta do Mestre, servia por autoridade de António de
Mendonça
Escrivão da almotaçaria, sem carta do Mestre por autoridade do
Duarte Saltão
Comendador
Juiz dos feitos da Ordem sem carta do Mestre servia por autoridade do
Duarte Saltão
Comendador.
Juiz dos órfãos por autoridade de António de Mendonça, sem ter carta do
Joane Mendes
Mestre.
Sesmeiro e dador de sesmarias na vila e seu termo, por autoridade do
João Coelho
Comendador sem ter carta do Mestre
Escrivão das sesmarias, por autoridade do Comendador e sem carta do
João Rodrigues
Mestre.
João Rodrigues Figueira Escrivão dos dízimos
João Rodrigues Figueira Inquiridor na dita vila por autoridade do Comendador e sem carta do Mestre.
Rui Dias Partidor dos órfãos por autoridade do Comendador e sem carta do Mestre.

Perante esta situação, onde se constatavam graves irregularidades ao nível das nomeações, os
visitadores consideraram que no tocante as todos os que serviam os ofícios da vila de Cano sem
terem cartas do Mestre, passadas pela sua chancelaria, de acordo com ordenança de D. Jorge,
muito embora os exerçessem por autoridade de António de Mendonça, que deviam ordenar a
todos eles em geral que, em 4 meses fossem tirar as suas cartas junto do Mestre.
E mais, que se não as tirassem dentro do dito tempo lhes mandariam que abandonassem os ditos
ofícios, sob pena de cada um pagar 8.000 reais, metade para o Convento e a outra metade para
quem acusasse.
A presença da Ordem de Avis como entidade senhorial ficava marcada pela recepção de rendas
que usufruía na vila do Cano. A este respeito encontram-se enumeradas na fonte as seguintes
indicações: o dízimo do pão, o dízimo do vinho,o dízimo do azeite,o dízimo do linho,o dízimo
dos gados, o dízimo dos queijos,o dízimo das bestas: poldros e bois, o dizimo das favas, o dizimo
dos tremoços, o dizimo de toda a qualidade de legumes, o dizimo do mel e dos enxames, o
dizimo de todas as oblações e pé de altar da igreja e ermidas, o dizimo dos frangãos e patos e,
inclusivamente, o dizimo dos furões.
Pertenciam ainda à dita Ordem, além daquelas que acima se individualizavam, todas as coisas
sobre as quais o direito mandava pagar dizimo.
No tocante ás conhecenças dos oficiais mecânicos e dos engenhos os visitadores ordenaram se
arrecadassem segundo a constituição do bispo e pelo costume antigo.
A alcaidaria-mor da vila pertencia à Ordem com as suas rendas designadamente os gados, bestas
do vento e coimas das armas,com todos os outros direitos conhecidos nas ordenações do reino.
Os visitadores acharam por costume da vila que o Alcaide-mor apresentasse em câmara, e
nomeasse nove homens, e dentre eles o concelho escolhia um, que servia de alcaide pequeno
A portagem do Cano pertencia igualmente à Ordem, e arrendava-se pela ordenação do reino e
pelos forais novos que o rei tinha outorgado à dita vila.
De igual modo as pensões dos tabeliães pertenciam à Ordem, pagando cada tabelião da vila cento
e oitenta reis de pensão por ano.
A fonte refere expressamente que a Ordem recebia o prémio das sepulturas daqueles que se
enterravam na igreja, fixando o respectivo custo genérico em quatro mil reais para a igreja, ou
uma boa peça de valor equivalente, mas não hierarquizava o respectivo posicionamento dentro
do espaço da templo, nem referia o custo das sepulturas no adro adjacente.
Coerentemente com aquilo que os visitadores tinham deixado expressamente contido nas
determinações particulares enfatizava-se que os fornos de cozer pão da vila pertenciam à Ordem
e que ninguém podia fazer forno, ou fornalha, para cozer pão sem autorização da mesma, em
cuja posse tinham estado desde sempre. E se porventura alguém os construísse, a mesma Ordem
os mandaria derribar.
De acordo com aquilo que foi orçamentado pelos visitadores a renda que a Ordem tinha
anualmente nesta vila e seu termo ascendia a trinta mil reais, encontrando-se na altura arrendada
por essa mesma quantia. Nessa ocasião existiam na vila para cima de cento e vinte moradores de
acordo com a visitação em apreço. Ou, de acordo com o numeramento de 1532, 114 vizinhos,
dos quais faziam parte 35 viúvas e três clérigos (estes últimos encontravam-se todos nomeados
no início da visitação). Dez dos moradores habitavam em casais situados no termo.
Destes moradores, dez eram de cavalo e seis besteiros privilegiados

6.1.3. Dimensão Patrimonial

Couto do concelho e respectiva demarcação.


Tinha o concelho da vila um couto para os seus bois de arado ao redor dela. Fora novamente
demarcado por ordem dos visitadores de acordo com homens antigos ajuramentados e as
demarcações eram as seguintes:
Começava no vale de Alcorreguo(?) partindo com terras da herdade do Ronco e dali seguia,
partindo com terras da dita herdade, até entestar com terras que antigamente se chamavam terras
do Vinagre e que agora eram de João Fernandes da Rija, e daí continuava pelo vale da Pipa
acima até confrontar com terras da Ordem que se chamavam de Santa Catarina, e assim ia
partindo com as ditas terras da Ordem, cercando-as ao redor por marcos e valado até volver ao
vale dos Marmeleiros. E daí seguia direito ao canto das Roças de Pratas, e daí continuava direito
ao caminho que ia do Cano para Estremoz, passando esse caminho, e ia partir com terra e
cerrado da Ordem que se chamava as Figueiras da Clara. E daí continuava, direito ao canto do
olival do Besteiro, até ao caminho que ia para o Monte das Figueiras, donde volvia por um
caminho velho, em direcção à fonte de Arão Viegas que ficava no vale da Pereira. Continuava
pelo vale da Pereira acima até ao caminho para Estremoz até chegar ao marco dos termos. Daí
virava pelo açeiro até o caminho de Sousel e, passando este caminho, continuava pelo dito açeiro
até o vale do Besteiro, continuando por esse vale a fundo até chegar ao sobredito vale do
Alcorreguo, e levava esse dito vale do alcorreguo a fundo até chegar ás terras do Ronco, onde
começára.
Tinha mais o dito couto, para pastagem dos anteditos bois de arado desta demarcação, contra a
vila de Cano, terra que o concelho alargava, guardando-a e coutando-a segundo a disposição dos
tempos para manutenção e recobro dos ditos bois. E nela se aplicavam coimas segundo as
posturas e acordos que o concelho fazia em câmara.
Se porventura se encontrassem dentro das ditas terras que assim se acrescentavam para comedia
dos ditos bois algumas benfeitorias, ou os donos das terras semeassem pão, estes últimos eram
obrigados a ter tudo tapado, de modo a que lhes não pudessem fazer dano E se os bois as
comessem, ou lhes causassem danos por não se encontrarem devidamente vedadas, os
proprietários dos ditos bois não ficariam sujeitos a qualquer coima. Mas, pelo contrário, caso se
encontrassem devidadmente vedadas sem malícia, então os donos dos supracitados bois
poderiam estar sujeitos a coimas, de acordo com as posturas do concelho. Nestas últimas terras
que eventualmente se coutavam e guardavam embora não fizessem parte integrante do couto do
concelho, tinham os sesmeiros da Ordem poder para darem sesmarias com as condições acima
ditas.
Dentro deste couto do concelho, bem como nas outras terras que assim se guardavam e coutavam
não poderiam entrar nem comer nenhuns gados exceptuando os bois de arado ou bestas que
serviam.
A fonte refere que tudo o que antecede foi determinado e celebrado por homens antigos pelo que
os visitadores o aprovaram.
Quadro nº 160
Tipologia dos prédios urbanos

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Casa na vila , na rua Direita em N/S 9,4 L/P 10,3
67
que está o forno de cozer pão 5,5 6 38
N/S 7,5 8.25
Casa de forno na Rua da Praça 67 39
L/P 7,4 8
Assento de 10 casas dos
__ __ 350 40-42
comendadores, no Terreiro

Quadro nº 161
Contratos sobre casas

Tipologia dos contratos


Tipologia do
Titular Emprazamento Fólio
prédio Arrendamento
(vidas)
Casa na vila ,
na rua Direita António de
X 38
em que está o Mendonça
forno de cozer
Casa , na Rua
António de
da Praça, com X 39
Mendonça
forno
Casas dos
dos
Comendadores
António de
no terreiro, 3 40
Mendonça
onde vivia o
alcaide João
Coelho

Quadro n.º 162


Chãos e quintais na posse do Comendador

Medidas
Fóli
Tipologia do prédio Sistema Decimal
Medievais o
Áreas
(varas) Dimensões (metros)
(m2)
N/S 50 55 42
Quintal grande por detrás das Casas da Ordem 2.692
L/P 44,5 49
N/S 50 55 43
Chão e cerrado junto ao Rossio do concelho 1.936
L/P 32 35,2
Chão e cerrado que se chama os Paços Velhos, N/S32 35,2 44
1.877
junto à azinhaga do concelho L/P48,5 53.3
N/S24,5 27 45
Chão e cerrado junto ao adro da igreja 475
L/P 16 17,6
Chão na vila, metido no quintal de Gregório de N/S 13 45v
Figueiredo L/P ?
N/S 30 33 47
Chão cerrado junto ao caminho para Sousel 1.306
L/P 36 39,6
Chão pequeno junto ao forno de cozer o pão Tem N/S 8 8,8 51
116
um poço de água. L/P12 13,2

Quadro nº 163
Contratos sobre chãos e quintal

Tipologia das rendas


Tipologia dos contratos
fixas
Titular Fóli
Tipologia do prédio Numerári
Aforament Aves o
Emprazamento o
o e derivados
(reais)
Quintal grande por detrás António de
42
das casas da Ordem Mendonça
Chão e cerrado junto ao Fernão Rodrigues
X 5 galinhas 43
Rossio do concelho Safra, ferreiro
Chão e cerrado que se
chama os Paços Velhos,
André Rodrigues 3 50 1 frangão 44
junto à azinhaga do
concelho
Chão e cerrado junto ao
Matias Fernandes 3 310 45
adro da igreja
Chão na vila, metido no
Gregório 1 galinha
quintal de Gregório de 3 45v
Figueiredo 12 ovos
Figueiredo
Chão cerrado junto ao João Álvares de
X 35 47
caminho para Sousel Paiva
Chão pequeno junto ao Álvaro de 2 galinhas
X 20 51
forno de cozer o pão Figueiredo 12 ovos

Quadro nº 164
Olival

Medidas
Tipologia do
Sistema Decimal Fólio
prédio/Localização Medievais
Dimensões Áreas
(varas)
(metros) (m2)
Quintal grande por detrás das N/S 80 88 48
1.450
Casas da Ordem L/P 150 165

Quadro nº 165
Contrato sobre Olival

Tipologia do Titular Tipologia dos Tipologia das Fólio


prédio/ contratos rendas fixas
Localização Numerário Azeite
Aforamento (reais) (litros)

Olival junto à Bartolomeu Pratas 40 221 48


vila no caminho X
para Sousel

Quadro n.º 166


Chão

Medidas

Tipologia do prédio Sistema Decimal Fólio


Medievais
Áreas
(varas) Dimensões (metros)
(ha)
Chão das Figueiras de Clara, junto ao caminho 49
N/S 117 643
para os Montes de Pratas. Tem azambujal em 4,3
L/P 122 671
mato

Quadro nº 167
Contrato sobre o Chão

Tipologia do Titular Tipologia dos Tipologia das rendas fixas Fólio


prédio/ contratos
Localização Galinhas
Arrendamento

Chão das Diogo Álvares


Figueiras de Figueiredo
Clara, junto ao
X 1 49
caminho para os
Montes de
Pratas

Quadro nº 168
Cerrado de vinhas

Medidas
Tipologia do
Descrição/
prédio/ Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
localização Dimensões Áreas
(varas)
(metros) (ha)
Cerrado de Vinhas antigas, destapado por muitas partes fl. 51-51v
vinha das com as vinhas perdidas e a necessitarem de
N/S 200 220
Lameiras, junto 5,8 ser substituídas.
L/P 242 266
ao caminho Os visitadores refazem a divisão do cerrado,
para Fronteira acrescentando foreiros
Quadro nº 169
Descriminação da divisão do cerrado das Lameiras

Tipologia do prédio/Localização Fólio

Courela no cerrado de vinha das Lameiras 52


Courela grande que se fez em 2 courelas 53v
Courela de vinha no cerrado das lameiras 55
Courela de vinha no cerrado das lameiras 57
Courela de vinha no cerrado das lameiras 58
Courela de vinha no cerrado das lameiras 59
Três courelas para vinha no mesmo cerrado 60
Duas courelas para vinha no mesmo cerrado 61

Quadro nº 170
Contratos sobre a nova divisão das courelas
no cerrado das Lameiras

Tipologia dos Tipologia das


Tipologia do prédio/ Titular contratos rendas fixas
Fólio
Localização Numerário
Aforamento (reais)
Courela no cerrado de vinha das
lameiras, junto ao caminho para Gregório Fernandes X 40 52v
Fronteira
Courela grande que se fez em 2
João Fernandes da Gançosa X 80 53v
courelas
Courela de vinha no cerrado das 40
Fernão Vaz X 55
lameiras
Courela de vinha no cerrado das
Domingos Garcia X 57
lameiras
Courela de vinha no cerrado das
Gregório Figueiredo X 58
lameiras
Courela de vinha no cerrado das Fernão Rodrigues
X 58
lameiras Safra
Três courelas para vinha no mesmo
Pêro Afonso X 59
cerrado
Duas courelas para vinha no mesmo
João Coelho 61
cerrado

Quadro nº 171
Herdade

Medidas

Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio


Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
Herdade ao redor de S.ta Catarina, e terras de
pão com um cerrado de vinha e pomar.
Demarcação onde ficava a ermida de S.ta N/S 569 626 4,1 62v-64
Catarina, com casa e pomar, cerrado de vinha L/P 596 666
e árvores de fruta, com fonte e tanque, casas e
muita terra por plantar

Quadro nº 172
Contrato sobre a herdade

Tipologia dos Tipologia das


Tipologia do contratos rendas fixas
Titular
prédio/ Fólio
Trigo
Localização Emprazamento Aves
(litros)
(vidas)
Herdade ao redor 2 galinhas 221 de trigo
João Coelho 3 62v-64
de S.ta Catarina 2 frangãos novo
6.2. Segunda visitação à comenda do Cano.

Decorridos cerca de 19 anos após a visita efectuada à vila e comenda do Cano novos enviados do
Mestre D. Jorge regressavam á localidade. Desta feita tratava-se de Francisco Coelho cavaleiro
da Ordem e Frei André Dias, prior da igreja de Avis, que realizavam essa inspecção na sequência
do Capítulo Geral de 27 de Fevereiro de 1538 .

6.2.1. Dimensão Religiosa

Igreja
Na manhã do dia 4 de Outubro de 1538 os enviados de D. Jorge, que tinham termidado a
visitação à vila de Figueira no dia anterior, chegaram à igreja de Nossa Senhora da Graça da vila
do Cano, não se encontrando referidas na fonte as individualidades para o efeito intimadas.
Permanecia ainda como Comendador António de Mendonça, certamente já idoso para na época,
porquanto se encontrava ligado à casa de seu sobrinho, o Mestre D. Jorge, há mais de 43 anos.
Este Comendador, que residia com sua mulher D. Isabel de Castro na freguesia de S. Gião, em
Setúbal, não se encontrava presente.. Não se encontra na fonte qualquer alusão que permita
constatar o cumprimento da determinação dos visitadores de 1519 que tinham ordenado a João
Rodrigues Figueira seu feitor, que o notificasse de que era necessário enviar ao Convento o título
da sua comenda.
O prior Frei Fernando de Meneses , professo da Ordem, ocupava o cargo desde 9 de Junho de
1535 unicamente apresentou o título do seu benefício.Tinha de mantimento anual 16,5
hectolitros de trigo, 564 litros de cevada e 10.000 reais em dinheiro, e ainda o pé de altar que,
como os restantes priores da Ordem, passára a receber desde o dias de S. João desse ano de 1538.
Era igualmente tesoureiro da igreja, como sempre haviam sido os outros priores que o tinham
antecedido, segundo escreveu frei Fernando, escrivão desta visitação. Afirmação não era exacta
porquanto em 1519 era tesoureiro Heitor Lopes, clérigo de missa, e não o prior.
Pelo cargo de tesoureiro recebia 414 litros de trigo (o equivalente a cerca de 1.000 reais) e 265
litrosde vinho à bica.Estes valores, na totalidade, eram pagos pelo Comendador e pela Ordem.
As obrigações litúrgicas continuavam norteadas pela missa quotidiana e pelo administrar dos
sacramentos aos fregueses. Nestas datas mais avançadas do século, começa a ser habitual, como
aconteceu neste caso, que exibissem o manto branco e a regra da ordem. Nesta ocasião, e ao
contrário do que havia acontecido em 1519 (quando a pergunta não se colocou), este homem foi
avaliado positivamente pelos responsáveis da terra.
O prior Fernando Mendes servia na matriz, igreja que se encontrava nas mesmas condições
registadas na última visitação por isso não o escreveram de novo, anotando somente que a pia
baptismal estava agora cercada de grades de madeira, novas e boas. Se recordarmos o programa
de ampliação e reconstrução parcial ordenado em 1519 parece lícito deduzir que se tivesse
realizado, pelo menos, uma visitação intercalar entre 1519 e 1538 na qual teria sido anotado o
cumprimento do programa de obras de remodelação da igreja, com excepção do gradeamento,
que só mais tarde fora colocado, e anotado na presente visitação. A despeito de ter sido ordenado
um extenso rol de alterações na igreja (a começar pela sua ampliação), mas tendo como base a
ausência de referências a quaisquer obras em curso na presente visita, quase duas décadas
posterior, parece admissível que o templo tenha sido efectivamente ampliado e remodelado de
acordo com as especificações dos visitadores de 1519, o que reputámos de notável.
Em 1519 os enviados de D. Jorge tinham registado que os santos óleos (na ocasião referem-se
apenas os óleos de crisma e perfumado) se encontravam numa âmbula de estanho metida numa
barca de perfumes pendurada na sacristia, parecendo coisa honesta.Dezanove anos volvidos (e
após, pelo menos, uma visitação intercalar) os os visitadores depararam com os 3 óleos santos
(santo óleo, crisma e óleo infirmorum), achando-os limpos e bem concertados, em 3 ambulas de
estanho encerradas numa caixa de pau. Mas já não se encontravam suspensos na sacristia, antes
andavam pela igreja, dependurados de um lugar para o outro, o que já não pareceu honesto e
adequado.
Os enviados de D. Jorge registaram ter encontrarado nesta igreja a mesma prata que se
encontrava por ocasião da visitação passada da Ordem, mas esta inspecção passada não se pode
referir, como dissemos acima, à visita de 1519, o que se confirma comparando a prata existente
em 1538 com aquela que os enviados de D. Jorge inventariaram no ano de 1519. Senão vejamos:

Quadro nº173
Prata (1519 e 1538)

Peso Peso
1519 1538
(gramas) (gramas)
Cálice de prata branca, com o pé Um cálice da ordem, todo de
quebrado. prata branca, com sua patena.
373 373
Ostentava as cruzes da ordem de Tem no pé um escudo de
Avis no pé, e outras cruzes armas com uns leões
Cálice de prata branca com sua
patena com os sinais de Ave 380. Um outro cálix, do concelho ___
Maria
Turíbulo de prata com suas
Turíbulo de prata que
cadeias, tinha o pé quebrado e 700 700
pertencia ao concelho
pertencia ao concelho

Situação lamentável era apresentada pelas vestimentas, ornamentos e livros, e outras coisas
miúdas, geralmente velhos e gastos que não serviam para o culto e com um nível médio de
recuperação. Por isso fizeram novo inventário do que existia, no qual constavam os itens
seguintes. Sublinhe-se que a despeito do programa de obras previsto para esta igreja em 1519, as
aquisições feitas revelam um esforço considerável, apesar de nem tudo se ter conseguido
substituir. Para melhor ilustrar esta realidade, elaborámos os quadros seguintes:

Quadro nº174
Vestimentas e ornamentos (1519-1538)
1519 1538
Capa de cetim de damasco arroxeado com 2 bandas e
capelo de cetim azul aveludado com franjas de retrós
Capa nova de cetim carmesim com savastro de veludo azul
vermelho e amarelo, velha e rota

Frontal de pano de estopa de bandas verdes e Vestimenta comprida metade de cetim roxo e a outra metade de
vermelhas, com franjas de linho damasco pardo com savastro de veludo branco, toda franjada
Umas cortinas em pano de estopa, de bandas verdes e
Vestimenta de pano da Guiné, pintada de lavores vermelhos e
vermelhas, com franjas de linhas verdes e amarelas, já
toda comprida
velhas
Vestimenta de pano de linho com savastro de sarja vermelha
Bancal de folhagem que servia de frontal no altar-mor
toda comprida
Frontal de damasco amarelo e cetim carmesim franjado de
Frontal de pano da Índia pintado de roxo
retrós
Véstia com manto estopa, já toda rota metade de cetim
arroxeado, metade de branco aleonado com o savastro Vestimenta de linho com savastro de sarja amarela toda
de cetim branco aveludado e franjas de retrós vermelho comprida
e amarelo
Vestia com manto de pano de Flandres velha e rota Vestimenta de bocassim verde adamascado, toda comprida
Duas véstias compridas de pano de linho, novas, com Frontal de damasco amarelo e cetim carmesim franjado de
cruzes azuis atrás e à frente retrós
Manto velho e em pano de linho Frontal de cetim falso verde e encarnado franjado de retrós.
Vestimenta nova e boa, toda comprida, de cetim carmesim com
2 cortinas brancas com seus cadilhos
savastro de cetim amarelo franjado
2 lencóis Palio de damasco da Índia azul todo franjado de retrós.
2 lencóis Seis panos pretos de Quaresma
2 toalhas de estante Três lençóis de linho
Toalhas de 2 tramos Toalha pequena, do tempo antigo, lavrada de seda.
8 mantos Toalha pequena, do tempo antigo, lavrada de seda.
Beca que servia quando davam a comunhão Três mesas de toalhas usadas
2 toalhas de flandres, do altar-mór Três mesas de mantéus usados.
__
Três mesas de mantéus novos

__
Mantéus rotos e velhos

__
Três frontais de toalhas lavradas de seda do tempo antigo

__
Pano da Guiné vermelho listado de branco

__
Caixa de corporais em que estão quatro d’Holanda

Quadro nº175
Livros

1519 Determinações 1519 1538


Missal, do costume de Évora, de
Comprar um livro místico do costume de
moldes, mal encadernado, velho e roto, Missal do costume de Évora
Évora
coberto de couro preto com brochas
Breviário de letra de pena, em Comprar dois missais para as missas votivas Missal romano usado
pergaminho, de bênção e enterramento
de finados, roto e feio, encadernado
com tábuas e coberto de couro preto
___ Mandar vir um traslado das constituições do Baptistério do costume de
bispo para que o prior pudesse reger e Évora
ensinar os fregueses

Quadro nº176
Latão, cobre, estanho e coisas miúdas

1519 Determinações 1519 1538


Bacia de arame Comprar duas galhetas novas para perfazer Seis galhetas de estanho
dois pares
Bacia de arame __ Bacia de oferta

Caldeira de água benta Comprar uma nova caldeira de água benta Caldeira de água benta
2 castiçais com os pés abertos e Comprar dois castiçais em estanho ou latão Quatro castiçais de latão
quebrados
Turíbulo de arame com umas cadeias __ Obradeiras de hóstias

Cruz mal concertada e desmanchada no __ Cruz de latão



Estante de pau, alta, de pé Comprar duas pedras d’ara Três pedras d’ara

Apresentada a estrutura geral da igreja e em presença de algumas melhorias, havia, ainda,


necessidades imediatas que a visitação revela as quais se podem avaliar pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Comendador:
Aceitando como postulado que a ampliação e reconstução parcial da igreja matriz da vila do
Cano tivesse sido cabalmente executada no quinqénio seguinte à sua determinação, poderá
parecer estranho que, pouco mais de um decénio depois, os visitadores se vissem já na
contingência de ordenar que se reparasse o respectivo telhado onde se revelasse necessário de
modo a que não chovesse no interior do templo.No entanto compreender-se-á, se tivermos
presente que as coberturas das igrejas das comendas pequenas eram geralmente feitas com telha
vã assente sobre travejamento de madeira, e que esse tipo de coberturas obrigava a trabalhos
periódicos de limpeza e retelhamento. Também parecerá natural que tivesse sido determinado
que se consertasse o cálix de prata da Ordem que tinha o pé quebrado pois, recorde-se, o cálix
referido em 1519 tinha-se "extraviado", tendo sido substituído por outro cálix da Ordem cuja
descrição inculcava não ter sido feito de novo. Sintomaticamente os enviados de D. Jorge
advertiram que as restantes coisas a adquirir para esta igreja eram, não apenas extremamente
necessárias, mas também baratas, consistindo numa arca onde se guardassem os ornamentos que
serviam continuadamente na igreja, e uma caixa para as hóstias, pelo que o Comendador as
deveria executar no prazo de 3 meses a partir da publicação desta visitação sob pena de 2.000
reais para as obras do Convento.
Ao longo deste segundo ciclo de visitações teremos ensejo de referir um acrescido intuito de
marcar simbolicamente edifícios pertences à Ordem de Avis com os seus sinais heráldicos.
Embora se trate de um campo insuficientemente estudado julgamos estar em presença de uma
expressão da "heráldica de domínio" que, desta feita, incidia sobre a vila do Cano, onde "pareceu
bem aos visitadores que se colocasse a cruz da ordem sobre a porta principal da igreja, bem
como nas casas e fornos da Ordem, para se saber a quem pertenciam. Neste entendimento os
enviados de D. Jorge ordenaram ao Comendador que, dentro do prazo de 4 meses, contados a
partir da publicação desta visita, mandasse colocar cruzes da Ordem, esculpidas em pedra, nas
casas e fornos da Ordem sob pena de 1.000 reais para as obras do convento".
Como já foi referido no ponto primeiro da visitação em estudo os enviados de D. Jorge tinham
encontrado os santos óleos na igreja, sem estarem fechados, sendo transportados de um lado para
o outro, e quiseram remediar a situação, ordenando ao prior que tivesse sempre os ditos óleos
fechados na arca que tinham mandado adquirir para guardar os ornamentos da igreja.

Hospital.
Em 1519, Aldonça Saltoa tinha deixado uma propriedade para o dito hospital constituída por
celeiros. Este estava sumariamente "equipado" com 1 almadraque usado cheio de lã, 1chumaço
de lã velho e uma manta da terra velha e rota, bem como 2 cobertas usadas, caridade da referida
benfeitora.
Em 1538 era hospitaleiro Henrique Álvares e sua mulher Guiomar Dias que tinham o encargo de
varrer e limpar os celeiros, sem receber nada em troca. Donde se poderá concluir que, a despeito
do seu despojamento, o hospital se mantinha activo.
Dezanove anos decorridos os visitadores tinham encontrado a estrutura do hospital derribada e
em pardieiro porque a pessoa que as tinha doado não deixára fazenda nem coisa alguma com que
se reparassem e mantivessem. Ressalta evidente que o esforço desenvolvido na ampliação e
dotação da igreja do Cano tinham constituído primeiras prioridades, constatando-se que, face à
exiguidade da renda da comenda do Cano, não teriam sobrado recursos para a manutenção da
actividade dum hospital que não possuía rendas suas. Restaria saber se, nesta decisão, não teriam
pesado também os resultados da centralização da actividade assistencial iniciada, ao menos
parcialmente, sob os auspícios da rainha D. Leonor, questão a que regressaremos em visitações
seguintes.

Ermidas.

1. Ermida de S. Pedro.
Foi visitada a ermida de S. Pedro, que não fora mencionada em 1519 porque o povo da vila a
tinha edificado de novo nessa ocasião no cabo do rossio do Cano. As respectivas obras ainda não
estavam terminadas, encontrando-se somente acabada a abóbada da capela, que tinha paredes de
pedra e barro e os cunhais de pedra e barro, e era ameada de anças de tijolo ao redor. Tinha já o
arco em tijolo, mas ainda não estava construído o altar nem colocadas imagens de santos.

2.Ermidas de S. Sebastião e de Santa Catarina.

A primeira destas ermidas, que ficava também no Rossio da vila, encontrava-se, de acordo com
os visitadores de 1538, tal como estava descrita na "última" visitação. A segunda, que ficava em
terra da Ordem, no termo da vila, encontrava-se também, como ficára descrita na última
visitação (que não corresponderia à inspecção de 1519, mas sim a uma outra, posterior, como
temos realçado). Esta ermida tinha casa de ermitão com o seu cerrado de árvores, já descritos em
1519, ocasião em que se encontrava por ermitão Álvaro Afonso Monteiro, homem muito antigo e
pobre. E porque não tinha mostrado aos visitadores carta do Mestre lhe tinham ordenado que a
obtivesse até Santa Maria de Setembro seguinte deste ano, sob pena de ser lançado fora da dita
ermida. E este prazo lhe tinha sido marcado tendo presentes a sua velhice e disposição.
Dezanove anos volvidos, nessa ermida não se encontrava nenhum ermitão, deduzindo-se que
Álvaro Afonso Monteiro morrera entretanto sem ser substituído, embora não exista informação
sobre o resultado das diligências que teria efectuado no sentido de obter carta do Mestre,
conforme lhe fora determinado.
Determinações particulares sobre o espritual.

1. Sobre o recebedor da fábrica.


Os visitadores tinham encontrado registada na visitação passada uma ordem para que na câmara
se elegesse um homem para recebedor da fábrica, o que até aí não tinha sido feito. E porque essa
nomeação era extremamente necessária mandaram aos juízes e oficiais que elegessem
imediatamente em câmara o dito recebedor, sendo pessoa abonada e capaz, ajuramentada sobre
os evangelhos. O qual recebedor recolheria todo o dinheiro não apenas das sepulturas mas
também de tudo o mais que fosse dado para a fábrica, como os 5 alqueires de renda que um Brás
Gonçalves deixára para a dita fábrica.
O escrivão da câmara lhe carregaria tudo em receita num livro que para isso faria e no qual se
registariam as despesas em que o recebedor incorresse para lhe serem tomadas contas. E todo o
rendimento da fábrica se gastaria na igreja, nas coisas mais necessárias, com parecer do
Comendador ou do seu mordomo.

2. Sobre o peditório da cera.


Tinha-se comprovado ser costume antigo que houvesse sempre na vila uma pessoa que pedia e
arrecadava esmolas para a cera da igreja. Dessas esmolas se retirava a dita cera, o que na ocasião
se não fazia já, pelo que os visitadores mandaram aos juízes e oficiais que na câmara elegessem
um homem para pedir e arrecadar essa esmola, como sempre se tinha feito. E a pessoa eleita teria
esse cargo enquanto o quisesse e fizesse bem. No caso de não quiser servir mais de um ano
eleger-se-ia outro que, enquanto tivesse o dito cargo, seria escusado dos encargos e serventias do
concelho e do Mestre. E a cera que faltasse comprararia o recebedor da fábrica com o dinheiro
dela.

6.2.2. Dimensão Senhorial

Determinações particulares

1. Sobre os fornos da Ordem na vila do Cano.


Tal como já ficara registado na visitação de 1519 os visitadores constataram que os juízes,
oficiais e povo de Cano continuavam a agravar-se porque se perdia muito pão dado que os dois
fornos da Ordem não eram aquecidos em simultâneo, nem sempre que tal era necessário.
Tratava-se de uma questão recorrente, que permanecia por resolver, e era extensiva a diversas
comendas, não obstante terem já sido redigidas determinações que descreviam
pormenorizadamente os procedimentos a adoptar, bem como as penas em que incorreriam
aqueles que os não cumprissem. Colocados perante esta situação os visitadores de 1538
ordenaram aos rendeiros e mordomos do Comendador (tal como já o haviam feito sem grande
resultado em 1519) que, de aí em diante, passassem a trazer ambas as casas dos fornos da ordem
providos de forneiras e lenha suficiente, de modo a que o povo fosse bem servido e não se
pudesse agravar, sob pena de pagarem os rendeiros ou mordomos do comendador, por cada vez
que tal não sucedesse, 500 reais para a fábrica da igreja. E mandaram aos juízes, sob a mesma
pena, que executassem os rendeiros e mordomos quando tivessem incorrido na pena.

2. Destino da renda do olival do Corpo de Deus.


Tinha sido comunicado aos visitadores pelos juízes e oficiais que na vila existia um olival que
ficava no caminho de Estremoz, há muito tempo conhecido como o olival do Corpo de Deus, de
que não havia memória a quem tivesse sido deixado, e que andava perdido e danificado nas mãos
de uns e de outros sem que ninguém pagasse nada por ele. E que eles (juízes e oficiais) tinham
feito e ordenado uma confraria de Nossa Senhora, à qual pretendiam aplicar esse olival, pelo que
pediam que os visitadores o aprovassem. Tendo tirado informação, e ponderado que era serviço
de deus dar esse destino ao dito olival, estes mandaram que o pusessem em pregão para se
arrendar a quem mais desse, revertendo essa renda para a dita confraria.

Jurisdição da ordem.
Tal como fora registado na visitação de 1519 a jurisdição do cível e crime desta vila e seu termo
pertencia à Ordem e a eleição dos juízes e oficiais fazia-se pelo ouvidor do Mestrado. E estes
juízes, de acordo com o costume, eram confirmados pelo mestre.Do mesmo modo a alcaidaria-
mor do Cano e a respectiva renda pertencia à Ordem com os gados, bestas do vento e penas de
armas, bem como todos os outros direitos contidos nas Ordenações do reino, e os consignados no
foral.
Por costume antigo desta vila o Comendador, como Alcaide-mor, apresentava em câmara nove
homens, dos quais o concelho escolhia um que servia de alcaide pequeno.
Também a portagem da vila pertencia à Ordem arrecadando-se pelas Ordenações do reino e foral
da vila
As pensões dos tabeliães pertenciam igualmente à Ordem e cada tabelião pagava de pensão 180
reais.
Mais uma vez, a exemplo do que sucedera já em 1519, tendo presentes os conflitos suscitados
por esta questão os visitadores não se limitaram a registar que os fornos de cozer pão pertenciam
à Ordem, sublinhado enfáticamente que ninguém podia construir forno nem fornalha e, se
alguém os fizesse, a Ordem os mandaria derrubar. E justificavam, rematando: "neste costume
antigo esteve sempre a Ordem".

Ofícios da ordem
Quadro nº177

Nome Ofício Rendimento


João Fernandes Figueiró Sesmeiro, partidor e avaliador dos Tinha como mantimento, de tudo o que
órfãos e prioste dois dízimos dizimava, uma de cada treze partes
João Dias Inquiridor e contador e distribuidor
João Dias Escrivão da Ordem e dízimos Tinha de mantimento anual 331 litros
de trigo e 41,4 litros de azeite, o qual
mantimento todo se tirava das rendas de
Montemór.
Pero Gomes Juiz dos órfãos __

André Figueiró Escrivão dos órfãos e da almotaçaria __

Bastião Rodrigues, filho de João Tabelião das notas e judicial


Rodrigues __
António Fernandes Tabelião das notas e judicial
__

Este Quadro, se comparado com o elenco de oficiais ao serviço em 1519 trás-nos a certeza de um
resultado positivo nas diligências feitas pelos visitadores, isto é, se em 1519, muitos dos oficiais
se apresentavam unicamente vinculados a uma nomeação do Comendador, já em 1538, todos
estes nomes que acima se apresentam foram devidamente nomeados por D. Jorge, tendo em mão
a respectiva carta de ofício.
Já no que se refere às rendas da Ordem no Cano, estas permaneciam idênticas áquelas que
haviam sido registadas anteriormente: estimada em 30.000 reais na visitação de 1519, tinha
diminuído 33% sendo estimada em 1538 em apenas 20.000 reais em salvo para o Comendador.
No entanto a população manifestara uma tendência oposta, se em 1519 se recenseavam 120
vizinhos, em 1538 este número aumentara para 150 em 1538 , registando-se um acréscimo de
20%.

6.2.3. Dimensão Patrimonial

Tombo das heranças e propriedades que a ordem tem na vila e comenda do Cano

Os bens da Ordem que a seguir se enumeram encontram-se descritos na visitação de 1519, e os


enviados de D. Jorge anotaram-nos outra vez em 1538 porque, entretanto, se tinham verificado
sucessões nos aforamentos, vendas dos mesmos, dúvidas suscitadas e novos aforamentos, com
excepção da coutada do concelho, sobre a qual apenas se reafirmava ser coimeira, das casas dos
fornos da Ordem que o Comendador possuía e arrendava, com os resultados que se deduzem das
sucessivas determinações sobre esta questão, das pousadas dos Comendadores em fase de
reconstrução e de duas hortas cuja inclusão não se encontra justificada.
Os visitadores encerraram este ponto escrevendo que as outras propriedades que a Ordem tinha
na vila do Cano não tinham sido assentadas por não se terem verificado mudanças e se
encontrarem tal como tinham ficado descritas no outro tombo passado da Ordem. Parece digno
de registo que alguns foros novos como, por exemplo, o da herdade de terras boas de pão ao
redor de Santa Catarina, que ultrapassava os quarenta hectares e tinha àgua e pomar, tivesse sido
aforada, quase duas décadas mais tarde, por um foro idêntico.

1. Coutada do concelho.
O concelho desta vila tinha um couto para os bois de arado ao redor dela. Esse mesmo couto
tinha ficado demarcado na visitação passada da Ordem. Pelas ditas demarcações se verificava ser
coutado e coimeiro, e no mais encontrava-se tudo contido no respectivo tombo. A coutada em
causa encontra-se igualmente descrita na visitação de 1519.

2. Casas da Ordem.
Em 1519 os visitadores haviam encontrado um assento de 10 casas juntas, no terreiro da vila, que
eram os aposentos dos Comendadores, embora nelas residisse o alcaide João Coelho.
A descrição feita em 1538 pelos enviados de D. Jorge retrata uma situação bem diferente. "Junto
com a praça um assento de casas juntas que são aposentamento dos comendadores. António de
Mendonça derribou-as por estarem danificadas e as principiou de novo e as paredes estão agora
engalgadas de pedra e barro até ao sobrado e com portais e chaminés. Encontram-se agora
repartidas em 8 casas, fora uns pardieiros das mesmas casas em que se farão estrebarias.
Não se mediram por estar tudo de maneira que se não pode medir. E por as ditas casas serem da
ordem e pousarem aí antigamente os comendadores".
Como geralmente sucede, dado o carácter fragmentário e não sequencial das fontes em apreço, o
porque os visitadores se reportavam a um Arquivo que, constituindo para eles um todo coerente,
os dispensava frequentemente de outra coisa que não fossem alusões e remissões, não nos fica
outro caminho que não seja o das hipóteses dedutivas. Neste entendimento, tendo admitido já a
realização de uma visitação intercalar que tivesse registado a execução das obras programadas
para a igreja do Cano, não parece de afastar liminarmente outra hipótese, a de que, nessa
visitação (ou visitações, porquanto nos reportamos a um período de quase dois decénios), uma
vez terminado o programa de ampliação do templo, tivesse sido determinado o restauro das casas
de pousada dos Comendadores que se encontrava em execução em 1538.

3. Hortas e fornos da Ordem.


Tinha a Ordem uma horta de laranjeiras (?) e outra de árvores de fruto, todas cercada de parede
de pedra e barro, que partiam ao Norte com casas de herdeiros, ao Sul com azinhaga do concelho
e ao Levante com casas da ordem e rua Pública e ao Poente com azinhaga por onde corria a água
que saía da fonte.
E ainda duas casas de fornos de cozer pão que estavam um na rua Direita e outra na Praça,
ambos medidos no tombo passado da Ordem. O Comendador arrendava-as da sua mão, tal como
acontecia anos antes.

4. Chão que trazia Constança Pires e seus filhos.


Trazia Constança Pires, viúva de Álvaro Figueiredo (juiz em 1519), e seus filhos, um chão da
Ordem, aforado ao marido cujo título mostrou, pagava de foro 2 galinhas e seis ovos, informação
que se afasta do registo de 1519 onde esta propriedade rendia 20 reais, 2 galinhas e 12 ovos.

5. Cerrado nos Paços Velhos.


Jorge Fernandes, morador no termo do Cano, era a primeira pessoa de um emprazamento feito
pela Ordem de um cerrado com árvores de fruta e hortaliça que ficava junto aos Paços Velhos.
Pagava de foro 6 galinhas ou 120 reais.
Na visitação de 1519 esta propriedade estava na mão do Comendador que a tinha emprazada a
André Rodrigues por 50 reais e um frangão. Significa isto que o foro atingia agora mais do dobro
do que era prática no passado.

6. Horta junto à vila.


João Rodrigues aparece como titular de uma horta da Ordem com árvores de fruto e hortaliça
junto à vila e partia com a estrada que ligava a vila do Cano a Sousel, e da outra parte com o
caminho que ía para Estremoz.. Tinha um poço com nora e uma casa térrea de taipa que, na
ocasião, se encontrava reconstruída.
Anos atrás, tinha sido objecto de contrato em 3 vidas, começando por João Álvares de Paiva, já
defunto, com foro de 35 reais. O novo titular, João Rodrigues, segundo informação que tiveram
os visitadores, comprara esta horta a Domingos Álvares, filho do primitivo foreiro. Por ausência
do titular, não foi visto o respectivo título e os visitadores determinaram que lhe fosse embargado
o rendimento dela até apresentar perante o Mestre. Posteriormente, porque o título que acabou
por mostrar não era válido, os enviados de D. Jorge aforaram-lhe novamente esta horta em três
pessoas, sendo ele é a primeira e pagando de foro 40 reais.

7 Herdade de pão que trazia João Fidalgo.


Esta herdade era explorada por João Fidalgo, meirinho da correição do Mestrado, uma e
comportava dentro dos seus limites um cerrado de pomar junto a Santa Catarina e umas casas em
que viviam uns lavradores. Fora aforada, por título novo, a João Coelho, já defunto, por 2,2
hectolitros de trigo e 2 galinhas e 2 frangãos. Por seu falecimento sucedeu na herdade Afonso
Vasques, seu enteado, o qual a vendeu ao actual titular, João Fidalgo. Este, ausente por ocasião
da visitação, pagava de foro os mesmos 2,2 hectolitros de trigo e seis galinhas. Ou seja: 19 anos
depois o foro foi renovado com a única alteração de que as 2 galinhas e 2 frangãos tinham sido
substituídas por 6 galinhas.
8 Horta da Ordem que trazia Gregório Fernandes.
Gregório Fernandes, morador no Cano, filho de Fernão Rodrigues Safra, defunto, era titular de
uma horta da Ordem com hortaliças e árvores de fruto. Esta horta fora aforada a seu pai e ele, na
qualidade de filho mais velho, continuou a pagar o foro, aliás, as mesmas 5 galinhas
mencionadas em tempos de seu pai.

9 Chão que trazia António Mendes.


António Mendes emprazou um chão com uma nogueira e outras árvores de fruto. Foi aforado em
3 pessoas por título novo, sendo este foreiro a 1ª vida, pagando de foro 310 reais, o mesmo valor
que previa o contrato anterior, na época, na posse de Matias Fernandes.

10 Cerrado das Lameiras que trazia João Fidalgo


Tinha a Ordem um cerrado chamado as Lameiras em que estavam certas vinhas, o qual
começava no caminho e estrada que ía do Cano para Fronteira partindo com o cerrado de Fernão
Rijo e daí seguia, partindo com valados e paredes do dito Fernão Rijo, e com cerrado de João
Esteves e da Vaqueira até partir com o olival e cerrado da Ordem que trazia Bartolomeu Pratas.
Desse ponto continuava, partindo com o olival de Maria Varela por valados, até partir com o
olival de Inês Pires, com oliveiras de Diogo Pires e seguindo para o cerrado dos Rios até chegar
ao caminho de Fronteira, reencontrando o cerrado de Fernão Rijo onde tinha começado.
Este cerrado das Lameiras acharam os visitadores por informação que tinha sido arrendado a
Manuel Pinto por 4,8 hectolitros de trigo de foro anual (depois de 1519) e ele o trespassara e dera
a João Fidalgo, meirinho da correição, que agora o possuía.
Tal como sucedera com a herdade de pão referida no ponto 8.7. supra, por este não se encontrar
na terra, nem mostrar o título que tinha, ficou embargado o dito chão, sem poder desfrutar dele
até ir mostrar o título ao Mestre.

11. Chão que trazia Pero Gomes, juiz dos órfãos do Cano.
Trazia Pero Gomes um chão da Ordem com laranjeiras e outras árvores de fruto que partia ao
Levante com chão do mesmo Pero Gomes, e ao Poente com as suas casas, e ao Norte com o
quintal de António Gomes, e ao Sul com outro quintal dele, Pero Gomes. Este chão encontrava-
se medido no tombo passado
Tinha sido aforado em 3 pessoas, Pero Gomes era a última. A 1.ª fora Gregório Figueiredo a
quem sucedera Pero Anes Inchado que o tinha vendido a Pero Gomes com licença da Ordem, e
este pagava o foro, ainda em vigor, de 1 galinha e 12 ovos, ou 26 reais por tudo.

6.3. Primeira visitação à Vila de Figueira

A localidade do Figueira era pertença do Mestrado de Avis, encontrando-se na época na mão de


Pedro de Gouveia, seu Comendador e Alcaide-mór . Toda esta vila e seu termo se encontrava
próximo do termo de Avis, de que distava apenas 2 léguas pequenas. Tinha, até ao termo de Avis,
para o Poente, um quarto de légua. Ficava a 3 léguas de Alter do Chão – passando pelo termo de
Avis – e, a Norte, distava do seu termo um quarto de légua. De Figueira a Fronteira eram 2
léguas, e distava do seu termo, ao Levante, outro quarto de légua. Ao Sul, para a parte de Cano e
Sousel tinha para a ribeira de Avis o equivalente a 4 tiros de besta. Distava 2 léguas de Sousel e
1,5 do Cano, passando sempre pelo termo de Avis.
6.3.1. Dimensão Religiosa

Igreja
O chantre D. Frei Nuno Ribeiro, Prior-mór do Convento e Mestrado de Avis, prior e beneficiado
de S. Pedro de Coruche e Frei João Rolão, prior de Vila Viçosa, com Álvaro Eanes Pinheiro,
escrivão da visitação, chegaram à vila da Figueira (vindos da localidade do Cano) no dia 1 de
Março de 1519, dirigindo-se de imediato à igreja de S. Brás. Aí encontravam Álvaro Fernandes,
juiz, Brás Fernandes procurador, e Lourenço Antão, procurador do concelho da vila, e Gregório
Gonçalves com outros moradores da vila.
Era Comendador da dita vila Pedro de Gouveia cavaleiro da Ordem de Avis, do qual os
visitadores obtiveram informação de que o lugar era antigamente pertença da comenda-mor. Foi
questionado sobre os títulos da comenda, hábito e profissão, respondendo que professara por
mandado do Mestre no Convento de Avis. Mas no tocante ao título do hábito disse que não tinha
porque não o costumavam então tirar. Como geralmente sucedia os visitadores ordenaram que,
no prazo dos quatro meses seguintes, o tirasse do escrivão do cartório do Convento.
E sendo-lhe perguntado pelo título da comenda de imediato o apresentou, assinado pelo Mestre,
assim como exibiu uma procuração de D. Jorge para poder aforar os bens da comenda.
Observava os capítulos da regra, que possuía, e vestia o manto branco.
A igreja servia-se apenas por um capelão da responsabilidade do Comendador, o qual cantava
missa de 15 em 15 dias, uma vez que a localidade de Figueira não era priorado.
A capela-mór, com 33m2, tinha paredes de pedra e barro guarnecidas de cal por dentro e por fora,
e por cima estava forrada de madeira de castanho com 4 linhas (de caibros, ou vigas) que a
atravessavam de um lado ao outro, encontrando-se pavimentada com lages de pedra. O arco do
cruzeiro era construído em alvenaria.
Nessa mesma capela-mór encontrava-se um altar de pedra e barro, com uma pedra grande em
cima, ao qual se acedia por um degrau de pedra e barro. Não existia sacrário, por não ser
necessário, uma vez que a igreja ficava fora da povoação Os 3 óleos santos achavam-se em 3
ambulas de estanho metidas numa caixa de madeira, que se encontrava pendurada por detrás das
cortinas do altar-mor, o que pareceu bastante impróprio aos visitadores
O corpo da igreja, também com paredes de pedra e barro, madeirada de asnas e coberta de telha
vã, era de 3 naves e estava madeirada sobre 6 esteios de pedra e barro, e de um esteio ao outro
corriam traves grossas sobre os quais assentava o dito madeiramento.
Sobre o arco do cruzeiro estva pintada a imagem do crucifixo e de Nossa Senhora e de S. João.
Tinha esta igreja um portado principal de pedraria com umas portas já usadas. E um outro
portado travesso Norte, também de pedraria, com suas portas, ferrolho, fechadura e chave.
O corpo do templo media de comprido 14,6m, e de largo 7, 7m (112,4m 2), o que, somado à
superfície da ousia, totalizava uma área de 145,4m2. Dentro ficavam 2 pias pequenas de água
benta em esteios maciços (pias e esteios feitos de uma só pedra). Uma delas em pedra de
mármore, encontrando-se danificada e a outra era talhada em pedra burneira. Por sua vez a pia
baptismal, também de pedra burneira, com uma cobertura de madeira, encontrava-se junto à
porta principal, da parte do norte, posta sobre um tabuleiro a que se subia por 2 degraus.
Á saída da igreja, da parte Sul, ficava um campanário de pedra e cal e, em cima, dois arcos de
pedraria em que se encontravam dois sinos bons. O campanário tinha uma meia escada, que
subia do telhado, e não descia até ao chão, pelo que os sinos se tangiam do solo por cordas
compridas.

Quadro n.º 177


Pinturas e imagens
Tipologia Características Localização
Imagem de Nossa Senhora com o De vulto, em madeira Metida numa caixa de pau pintada no
menino nos braços altar da capela-mor
Imagem do crucifixo e outras de Pintura murária Sobre o arco do cruzeiro
Nossa Senhora e de S. João.
Imagem de S. Brás De vulto, em madeira Sobre o altar de S. Brás, na parte Sul
do cruzeiro

Quadro nº178
Prata da igreja

Tipologia Características Peso


Cálice de prata branca 517 gr.
Cálice de prata branca com patena Com folhagens no pé e na maçã e 1 387 gr.
laço na patena
Cálice de prata branca com patena Com lavores no pé 316gr
TOTAL PRATA (Kg.) 1,220 kg.

Quadro nº179
Livros da igreja

Tipologia Características
Missal, do costume de Évora, de moldes encadernado com tábuas
cobertas de couro vermelho, já usado e sem brochas
Livro de missa e 2 domingais de letra de pena, em pergaminho, muito velhos e que já não
servem. Estvam na arca do concelho, ao qual pertenciam

Quadro nº180
Vestimentas da igreja

Tipologia Características
Vestimenta de damasco pardo toda comprida, com savastro de veludo preto e franjas de
retróz verde e amarelo
Vestimenta de pano de Flandres, de lã e linho toda comprida e pintada, era do concelho.
Vestimenta de pano de linho branco com cruzes de bocassim vermelho por diante e por detrás,
era do concelho

Quadro nº181
Roupa de linho e outras coisas miúdas

Tipologia Características
Cortinas de estamenha preta que estão sobre o altar-mór muito velhas e rôtas
6 mantéus que servem nos altares usados, eram do concelho
Umas toalhas de Flandres usadas
5 lencóis que servem nos altares velhos, eram do concelho
Caixa onde estão 3 corporais com suas palas de pau pintado
2 pedras d’ara eram do concelho
Arca em que estavam os ornamentos de pinho, estavam em casa do Comendador
Círio pascal que está junto ao altar-mór pequeno
Quadro nº182
Latão, cobre e metal

Tipologia Características
Cruz de latão
2 castiçais de latão bons
Bacia que serve de oferta boa
Lâmpada de latão, bacia, copa e cadeias
Cruz de latão que está no altar de S. Sebastião pequena
Turíbulo de latão desmanchado, não servia
Caldeira de cobre de água benta
2 galhetas de estanho boas
Campainha que se tange quando levantam a deus pequena, está na igreja, presa a 1 linha
2 campainhas de comunhão pequenas, são do concelho
Umas obradeiras de fazer 4 hóstias juntas estragadas, não serviam, pertenciam ao concelho

Quiseram os visitadores obter informação de quem era obrigado a dar cera para as candeias de
missa e azeite para a lâmpada. E foram informados de que uma mulher, que era a candieira,
pedia pela vila cera para as candeias. Quanto ao azeite para a lâmpada, existiam oliveiras
deixadas pelos defuntos com essa intenção, e também aquilo que rendia uma courela de terra, no
vale dos Ádens, também ela deixada por defuntos para o mesmo efeito. Quando o que rendiam a
terra e as ditas oliveiras não chegava a candieira pedia para a lâmpada pelo povo
Apresentada a estrutura geral da igreja as necessidades imediatas que a visitação revela podem
avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo,
que podemos resumir da seguinte maneira:

Obrigações do Comendador, capelão e povo.

O Comendador era obrigado a buscar um capelão e a pô-lo na igreja para que, de 15 em 15 dias,
dissesse missa aos fregueses e lhes desse cura e administrasse os sacramentos.
Se os fregueses quisessem mais missas pagá-las-iam à sua custa. E o Comendador daria todas as
coisas necessárias para dizer missa e mandar servir o ofício da tesouraria.
O Comendador também era obrigado a reparar a igreja, e os fregueses a darem serventia
Por seu turno o capelão era obrigado a dar cura e administrar os sacramentos aos fregueses como
cura e reitor, bem como a dizer missa aos domingos de 15 em 15 dias, e mais não, à custa da
Ordem. Rezaria outras missas somente se os fregueses se concertassem com ele para as dizer e
lhas pagassem.
O povo era obrigado a escavar e conservar um rego à porta de cada casa, cabendo ao concelho
intervir sempre que se tornava necessário consertá-lo.
Também era obrigação do povo e concelho consertar as obradeiras das hóstias, que eram suas. E
porque na ocasião se encontravam estragadas e não queriam expedir as hóstias, os visitadores
ordenaram ao dito concelho e povo que as mandasse consertar, o que cumpririam os juízes e
oficiais dentro dos 3 meses seguintes, sob pena de cada um pagar 1000 reais para a fábrica da
igreja.
O dito povo era ainda ainda obrigado sempre que se reparassem as paredes da igreja, bem como
o muro, cerca e torre da vila, a dar serventia ás ditas obras.
1 - Os visitadores, tendo em atenção a pouca renda da Comenda, cingiram-se ao indispensável
ordenando ao Comendador que mandasse fazer um armário embutido na parede, junto ao altar-
mor, com portas, chave e fechadura, para aí estarem fechados os óleos santos porque entendiam
ser desonesto, e coisa perigosa, andarem pela igreja e pelos altares como nessa ocasião sucedia.
E marcaram como prazo para a execução desse armário os 3 meses seguintes à publicação da
visita sob pena de, não o cumprindo, pagar 500 reais, um terço para as obras do Convento, outro
para os cativos e outro para quem acusasse.
2 - Ordenaram ao Comendador que mandasse consertar o turíbulo, que se encontrava quebrado,
no prazo de 6 meses, sob pena de 500 reais, distribuídos como ficou acima no ponto 3.
3 - Mandaram ao Comendador que mandasse pintar a imagem de Nossa Senhora que estava
sobre o altar-mor no prazo de um ano, sob pena de 1000 reais, um terço para as obras do
Convento, outro para os cativos e outro para quem acusasse
4 - Ordenaram ao Comendador que pusesse uma lâmpada na bacia de copa e cadeias que estáva
na igreja, e tirar o testo de cobre que nessa ocasião servia de lâmpada.
5 - Determinaram igualmente que se nivelasse o chão da igreja que, nessa altura, se encontrava
cheio de covas e barrancos.
6 - Tendo verificado que um dos sinos não tangia por ter o badalo quebrado ordenaram a Pedro
de Gouveia que o mandasse consertar.
7 – Ordenaram também ao Comendador que mandasse fazer umas grades de castanho, com sua
fechadura e chave, para colocar no arco do cruzeiro da capela.
8 – Determinaram que o Comendador mandasse revolver (o telhado)da igreja, onde quer que
fosse necessário, para se eliminarem as goteiras, uma vez que chovia nalgumas partes do templo.
9 - Ficou determinado que o Comendador Pedro de Gouveia mandasse executar estas reparações
e bemfeitorias no prazo de um ano, contado a partir da publicação da visita, sob pena de 10
cruzados, um terço para as obras do Convento, outro para os cativos e outro para quem acusasse
10 - E ordenaram igualmente ao mesmo Pedro de Gouveia que mandasse fazer uma portada com
arco de tijolo na entrada da cerca das casas da comenda no prazo de um ano sob pena de 1000
reais repartidos um terço para as obras do Convento, outro para os cativos e outro para quem
acusasse.
E se o sobredito Pedro de Gouveia, fosse obrigada a fazer, ou consertar, alguma coisa, destas que
se acabavam de enumerar, por qualquer outra pessoa, tanto no tocante à igreja, como nas casas
da comenda, ordenaram-lhe que as mandasse executar à custa de quem tivesse essa obrigação.
Se não encontrasse ninguém que tivesse tais obrigações, nesse caso o Comendador tudo
mandaria executar à custa da sua renda.
E isto porque os visitadores não tinham tido acesso seguro à informação de que alguém, por
costume, pudesse ter tais obrigações, e no caso de, efectivamente, não se encontrar ninguém por
costume obrigado, ele, Comendador, era obrigado por direito.
E qualquer outra coisa que à sua custa houvesse de mandar fazer primeiramente gastaria
qualquer dinheiro que houvesse da fábrica e sepulturas. E o mais gastaria à custa da sua renda.
As quais coisas cumpriria, ou faria cumprir, nos tempos que lhe foram marcados e sob as ditas
penas.

Hospital da vila.
Ficava junto à praça, defronta da porta da cerca e era constituído por uma só casa, grande, com
paredes de pedra e barro, madeirada de trouxa e coberta de telha vã. Tinha um esteio no meio. A
casa ficava deserta e uma mulher, que tinha a chave e abria a porta quando chegavam alguns
pobres. A guarda dessa chave estava a cargo de Diogo Rodrigues, morador no Cano, que era
provedor do hospital por autoridade do rei. A hospitaleira recebia do dito provedor 200 reais, ou
pagava deles quem lhe tinha o encargo da dita casa.

Quadro nº183
Roupa do Hospital
Tipologia Características
2 almadraques de pano de estopa Todos cheios de tomentos
2 cabeçãs de lã Todos cheios de tomentos
2 mantas da terra
4 lençois de estopa

Quadro nº 184
Bens de raiz do hospital da vila

Tipologia do prédio/ localização Fólio

Courela de terra junto à fonte do concelho. 73


Courela de terra que entestava no caminho de Alter 73
Courela de terra que entestava no olival da Ordem 73
Courela de terra que entestava com terras do Espírito santo 73
Courela de terra que entestava no caminho de Fronteira 73
Talho de terra no vale da Aberta 73
Talho de terra aonde chamam os Infernos 73
Courela no vale da Aberta 73
Ferragial abaixo da igreja 73
Courela para lá da azinheira de Maria Vaz 73
Moinho na rib.ª de Sousel 73

As ditas terras do hospital da vila da Figueira. rendiam 8,8 hectolitros de trigo anuais. E o
moinho 1000 reais em cada ano.

Determinações particulares.

Sobre o espiritual

1. Os visitadores determinaram que, achando-se capelão do hábito e Ordem de Avis, não


tomassem clérigo nem religioso de outra ordem para dizer missa e administrar os sacramentos na
dita igreja e aos fregueses dela, o que se cumpriria sob pena de 10 cruzados, repartidos como fica
acima.

6.3.2. Dimensão Senhorial

Determinações particulares sobre o temporal

Sobre os fornos.

Não é a primeira vez que que nos deparamos com a situação abaixo descrita, podendo mesmo
considerar-se que era frequente, embora não fosse geral. Todavia existem pequenas diferenças de
caso para caso, embora o resultado final fosse sempre idêntico: insatisfação dos moradores,
conflitos e queixas.
Também nesta vila se haviam agravado aos visitadores os moradores recordando que, uma vez
que eram obrigados a cozer o seu pão nos fornos da Ordem, ficavam impedidos de fazer
quaisquer outros fornos na vila.
Ora, como na ocasião a Ordem não tinha fornos suficientes, nem as coisas a eles necessárias,
recebiam muita perda, porque frequentemente lhes convinha, e era necessário, irem apanhar a
lenha e as suas mulheres cozerem o pão. Eles e as suas mulheres tinham o trabalho todo e, apesar
disso, o Comendador obrigava-os a pagar a poia como se fosse uma forneira sua, que com lenha
dele, cozesse o pão. Donde sobrevinham ódios e malquerenças pelos inconvenientes que
procediam desta situação.
Esta situação mereceu, uma vez mais, a censura dos visitadores, e ouvido o Comendador,
querendo eles tudo prover de acordo com o serviço de deus e o bem comum ordenaram a Pedro
de Gouveia que tivesse fornos em numero suficiente, providos com tudo o que lhes era
necessário e em tempo útil, de modo a que, quando alguma pessoa quisesse cozer o seu pão que
o pudesse fazer sem prejuízos nem tumultos.
E não tendo alguma das sobreditas coisas, à mingua das quais não o pudessem cozer, nesse caso
poderia cada um cozer onde melhor lhe aprouvesse, sem ficar sujeito a nenhuma pena. E se se
perdesse o pão, quem tivesse o encargo do forno seria obrigado a pagá-lo. E mais, pagaria o
montante da coima em que o lesado incorreria se cozesse noutro forno, estando o da Ordem
pronto para nele se poder cozer pão.
De igual modo, quando alguém cozer no forno da Ordem tendo sido obrigado a apanhar lenha e a
fornejar não seria obrigado a pagar nenhuma poia. E quando o forno tivesse apenas lenha, ou
apenas forneira, quem nele cozesse o seu pão não pagaria mais do que meia poia.

Direitos, possessões e jurisdições que a Ordem tinha na vila de Figueira

A jurisdição pertencia ao Mestre. Eram do rei as sisas e as terças do concelho, mas o monarca
havia dado as terças ao Mestre. O remanescente da renda era do Comendador.
A jurisdição do cível e crime da dita vila e seu termo era da Ordem e a eleição dos Juízes e
oficiais fazia-se pelo ouvidor do mestrado havendo na dita vila somente um juiz, um vereador e
um procurador do concelho em cada ano, e mais não.
Estes oficiais iam tomar juramento nas mãos do D.Prior do Convento de Avis, e quando este lá
não encontrasse, lhes daria juramento o celeireiro porque este era o costume da vila.
A Alcaidaria-mor da vila e renda dela pertencia à Ordem, com gados, bestas do vento e penas das
armas, e com todos os outros direitos contidos no foral do reino e ordenações
Os visitadores acharam ser costume que o Alcaide-mor apresentasse três homens na câmara ao
juiz e oficiais, e áquele de que se contentassem lhe davam em juramento que servisse de alcaide
pequeno
A portagem da vila, com todos os outros direitos que a ela pertenciam, era da Ordem, e se
arrecadava pelo foral novo que el-rei tinha dado à dita vila
Sublinhava-se e reafirmava-se, tal como sucedera noutras localidades,que os fornos de cozer pão
da vila pertenciam à Ordem, e ninguém podia ter forno nem fornalha de cozer pão excepto a
Ordem, pelo que deveria receber todo o prémio das poias dos moradores da vila. E qualquer um
que em outro forno ou fornalha cozesse o seu pão teria como pena pagar-lhe a poia por inteiro. E
o Comendador era obrigado a tê-los aparelhados com todo o necessário.

Ofícios da Ordem.

Quadro nº185
Ofícios da ordem
Nome Ofício
Gregório Fernandes Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Gregório Fernandes Escrivão da câmara, dos órfãos e da Almotaçaria, nomeado
por carta do Mestre
Gregório Fernandes Escrivão das sesmarias que nessa ocasião eram dadas pelo
Comendador Pedro de Gouveia
Não identificado O prioste da vila era posto pela Ordem para dízimar todas as
coisas de que se devia pagar dízima

População e Rendas.

A Ordem de Avis cobrava os dízimos do pão,do vinho,do azeite,do linho,das favas , dos tremoços
e de todos os legumes,dos frangãos e dos patos, dos gados, dos queijos, (que os visitadores
mandaram que se pagasse inteiramente),dos poldros e dos burros,dos furões, da lã das ovelhas,
(que os visitadores mandaram que se pagasse inteiramente), da fruta e da hortaliça de toda a
sorte, do mel e dos enxames.
Todas as oblações e pé d’altar da igreja pertenciam à Ordem,e também lhe pertencia o dízimo de
todas as coisas das quais, de acordo com o direito canónico, se deveria de pagar dízimo.
Do mesmo modo cobrava a Ordem o foro dos moinhos, azenhas e pisões que estavam feitos, ou
se viessem a fazer na ribeira de Avis, dentro da demarcação que para isso lhes era limitada na
dita comenda pelo seu foral. E cobrava ainda a dita Ordem as conhecenças dos oficiais
mecânicos que era de 10 reais por cada pessoa que os tivesse.
E, finalmente, cobrava a Ordem as pensões dos tabeliães que era de 180 reais por cada um, bem
como as rendas e foros de que nos ocuparemos na dimensão patrimonial.
Estimaram por orçamento os visitadores que valia toda a renda que a Ordem tinha na vila e seu
termo 35.000 reais. Residiam na dita vila e seu termo até 50 vizinhos . De acordo com o
numeramento de 1532, 13 anos volvidos, habitavam na vila de Figueira 52 moradores, dos quais
49 na vila e 3 em casas apartadas.

6.3.3. Dimensão patrimonial

Tombo de todas as propriedades, bens, foros, direitos e tributos que a Ordem tinha na vila
de Figueira.

Demarcação das terras das duas dízimas que a Ordem tinha em Figueira.

Estas terras das duas dízimas começavam, partindo com terra da Ordem, numa courela que
antigamente se chamava courela do genro da Cerveira (em frente da forca) num marco adjacente
ao caminho velho que ligava a Figueira ao Ervedal, no qual marco estava esculpida uma cruz.
Daí seguia por uma extrema com outros marcos, sempre partindo com terras da Ordem direito ao
cabeço de D. Origo, por cima, junto ao referido marco. Daí prosseguia pelo cume do dito cabeço
em direecção a outro marco, também assinalado com uma cruz, que ficava da parte do Levante,
no mesmo cabeço. E daí continuava por uma vereda velha e tomava um sesmo por marcos,
cortando a direito por onde antigamente se chamava a mota de Domingos Peres em direcção a
um outro marco alto sobre a terra, também ele marcado com uma cruz cravado no cabeço de
Domingos Peres, e daí descia a um vale onde estava outro marco com cruz, chegando à cumeada
onde se situava um outro marco com cruz. E levava esse cume, direito para a água da Usca,
volvendo pelos cumes, águas vertentes para a Ribeira de Avis, descendo pelos lavradios até um
marco que estava na borda do caminho que ia da Figueira para Fronteira, assinalado com uma
outra cruz.
E dali voltava um pouco pelo caminho para a vila até onde estava outro marco com 2 cruzes, na
borda do dito caminho, da parte de baixo, e ali deixava o caminho, seguindo por um cômoro a
fundo até dar em outro marco grande que tinha uma cruz e estava situado num cabeço onde
ficavam uns alicerces antigos.
Prosseguia, cortando pelo dito cômoro a direito até chegar à Ribeira de Avis, e levava a ribeira
até ao Porto das Vacas, volvendo pelo vale da Fonte da Cera acima e vinha tomar o arrife,
subindo pelo Coval Velho e seguindo pelo caminho à carreira, e caminho velho que ia para a
torre. E da torre seguia pelo caminho velho que ia para o Ervedal até chegar ao marco que estava
onde parte com terra própria da Ordem, junto à forca onde se começou a descrição.
Os visitadores mandaram medir estas terras das 2 dízimas que tinham cerca de 312 hectares.
Posto que a maior parte das terras contidas nesta demarcação pertencessem ao património de
herdeiros, que as compravam, vendiam, e herdavam livremente, todavia os respectivos donos
permaneciam obrigados a pagarem as ditas duas dízimas, assim do pão como dos vinhos, como
todas as outras novidades frutas, segundo se continha no foral da Ordem que o Mestre D. Simão
Soares tinha concedido à vila da Figueira.

Coutada da Ordem que se chamava de Alvisquer.

Tinha a Ordem uma terra coutada que se chamava coutada de Alvisquer que não era desfesada a
coisa nenhuma e se encontrava em matos.Partia do Levante com terra da Ordem que se chamava
o Padrão, e do Poente com o termo de Avis, cortando direito à azinhaga dos Cavalos, e dali
seguia para o carril velho e vinha por esse carril velho direito ao Cabeço de D. Ourigo, jazendo
toda ao redor da dita cabeça. Estava em matos, e por isso não foi medida.
A Ordem tinha na vila um assento de casas inteiramente cerrado com paredes de pedra e barro
revestidas de lajes. As casas que ficavam dentro desta cerca, e pertenciam todas à Ordem, eram
as seguintes:

Quadro nº 186
Tipologia dos prédios urbanos

Medidas
Tipologia do
Descrição Sistema Decimal Fólio
prédio/ Localização Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) m2
Quadrada, com paredes de pedra e cal, madeirada nas
Casa-torre N/S 6 6,6
suas 4 águas e telhada de telha vã. Tinha 1 portada de 43,5 77
sobradada L/P 6 6,6
pedraria, com portas
Térrea, com paredes de pedra e barro, madeiradas de
trouxa e coberta de telha vã. Portado de alvenaria de
Casa junto da casa- N/S 4,5 4,95
tijolo com calços de pedra. Dela partia uma escada de 24,5 77v
torre L/P 4,5 4,95
madeira que dava acesso à torre. Tinha 1 chaminé de
verga
Paredes de pedra e barro, madeirada de trouxa e
N/S 10 11
Estrebaria coberta de telha vã. Portado de alvenaria de tijolo. 54,5 77v
L/P 4,5 4,95
Manjedouras mal reparadas
Casa adossada ás Paredes de pedra e barro, madeirada de trouxa e N/S 4 4,4 25,6 78
paredes da cerca telhada com telha vã, dava para fora da cerca L/P 5,3 5,8
Casa na Rua Direita, Térrea, com paredes de pedra e barro, madeirada a
N/S 4,5 4,95
abaixo da cerca, trouxa e coberta de telha vã. Entre esta e a seguinte 21,7 79
L/P 4 4,4
casa dianteira encontrava-se o forno
Térrea, com paredes de pedra e barro, madeirada a N/S 3 3,3
Casa na Rua Direita 12,8 79
trouxa e coberta de telha vã. com o telhado derrubado L/P 3,6 3,9

Estas casas fortificadas, onde residia o Comendador, tinham, no seu conjunto, cerca de 150m2 de
área edificada. Talvez não seja exacto classificar este recinto, cercado de muros defensivos
capeados com lajes de pedra, e constituído por várias edificações que configuram um complexo
habitacional, adossado a uma torre, à qual se acedia por uma escada de madeira (móvel?) a partir
de uma das casas, como Casa-Torre, ou Casa-Forte, na exacta acepção que lhe atribui
BARROCA.
Muito embora o aparente anacronismo deste complexo edificado que, em 1519, face aos
desenvolvimentos da pirobalística, apresentava já um reduzido valor defensivo, o que iria ao
encontro do pensamento deste último historiador, ao sublinhar que A presença destas soluções
arquitectónicas nas residências senhoriais acompanhou, sempre com algum desfazamento
cronológico,o seu aparecimento nas estruturas militares, onde esta inovações de forjaram
estamos em crer que a sua primitiva construção poderia remontar a um período em que a sua
utilidade militar ainda fosse real e efectiva. Especulando embora, não é de recusar liminarmente
que a torre de Figueira pudesse ter sido erguida no período compreendido entre os reinado de D.
Dinis e o de D. João I, época de que datam autorizações régias conhecidas para amear torres
situdas no Alentejo e Algarve. Se esta assumpção estivesse correcta, tanto mais que se reporta a
períodos de conflitos militares agudos, a iniciativa da construção da torre da Figueira poderia ter
pertencido a um dos seguintes Comendadores-mores: Vasco Porcalho, Fernão Rodrigues de
Sequeira ou a Lopo Vasques de Sequeira, ou ainda, já com menor probabilidade, Garcia
Rodrigues de Sequeira.
Mas, fosse qual fosse o responsével pela edificação, julgamos estar em presença de um complexo
constituído por um edíficio turriforme que reproduz o modelo da torre de menagem românica,
com um andar térreo destinado a celeiro/arrecadação/armaria, e um andar sobradado, iluminado
por frestas estreitas, a que, por altura da visitação de 1519, se acedia ainda exlusivamente através
de uma escada de madeira, a partir da casa onde julgamos terem residido os Comendadores, uma
vez que o remanescente dos edíficios era constituído por uma estrebaria e outra casa adossada à
cinta castrense.

Quadro nº 187
Ferragiais

Medidas
Tipologia do prédio/
Sistema Decimal Fólio
Localização Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
Ferragial junto ao coval do N/S 122 134
1,1 80
concelho L/P 81 89
N/S 120 132
Ferragial, abaixo da Torre 8.566 81
L/P 59 65
Ferragial, junto ao adro, N/S 90 99 1,3
82
chamado vinha da Ordem L/P 120 132
Ferragial no caminho da N/S 111 122 2,5
83
azenha L/P 190 209
N/S 162 178 3,7
Ferragial, entre as vinhas 84
L/P 188 207

Quadro nº 188
Terras da Ordem

Medidas
Tipologia do prédio/ Descrição/
Sistema Decimal Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
Dentro desta demarcação ficava o
Terra grande, junto à olival da Ordem, o restante N/S 1109 1219
72 85
vila cultivava-se com trigo, levando em L/P 539,5 593
semeadura cerca de 33 hectolitros
Courela de terra de N/S 450 495
Cereais 13 87
pão, defronte da forca L/P 222 244
Courela grande de
N/S 967 1063
terra de pão, áquem Cereais 21,4 88
L/P 183 201
da fonte
N/S 209 230
Talhos da Alvarinha ___ 3,4 89
L/P 134 147,4
2 courelas defronte da
N/S 880 968
vila que andam juntas ___ 12 90
L/P 113 124,3
e repartidas
Terra de pão chamada
N/S 577 634,7
o Padrão, junto ao Cereais 26,7 91
L/P 383 421
vale de Fonte Arcada
Terra do Padrão do N/S 408 449 6,4
Cereais 92v
Sul L/P 131 144
Terra das Azinheiras
NS 677 748
entestava com o Cereais 6,9 93v
LP 84,5 93
caminho de Fronteira
Grande terra redonda
Cereais. Dentro tinha uns edifícios
no caminho de NS 488 537 42,4
de paredes antigas entre os quais 94v
Fronteira chamada o LP 719 791
havia oliveiras
Escrivão
Terra de pão ao vale NS 120 132 9,6
Cereais 96
de Monfaim LP 660 726
Terra de pão no cabo
da courela da cabeça ___ ___ ___ ___ 107
ruiva
Pedaço de chão muito
pequeno, atrás do ___ ___ ___ ___ 107v
forno
Quadro nº 189
Contratos sobre terras

Tipologia dos Tipologia das


Tipologia do prédio/ Titular contratos rendas fixas
Fólio
Localização
Aves
Aforamento
Terra grande, junto à vila Pedro de Gouveia __ 85
Courela de terra de pão, defronte da forca __ __ __ 87
Courela grande de terra de pão, áquem da
__ __ __ 88
fonte
Talhos da Alvarinha Pedro de Gouveia 89
2 courelas defronte da vila que andam
Pedro de Gouveia __ __ 90
juntas e repartidas
Terra de pão chamada o Padrão, junto ao
Pedro de Gouveia __ __ 91
vale de Fonte Arcada
Estêvão Gonçalves 2 galinhas
Terra do Padrão do Sul 92v
Soalheiro X 1 frangão
Terra das Azinheiras entestava com o
Pedro de Gouveia __ __ 93x
caminho de Fronteira
Grande terra redonda no caminho de
Pedro de Gouveia __ __ 94v
Fronteira chamada o Escrivão
Terra de pão ao vale de Monfaim Pedro de Gouveia __ __ 96
Terra de pão no cabo da courela da cabeça Antão, órfão de Joaõ Pires, 2
X 107
ruiva morador na Figueira galinhas
Pedaço de chão muito pequeno, atrás do
Maria Gil , víuva X 107v
forno 1 frangão

Quadro nº 190
Moinhos e pisões

Medidas
Tipologia do prédio/ Descrição/
Sistema Decimal Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
Moinho na Não tinha casa e encontrava-se ___ ___ ___ 100
Rib.ª de Avis, ao danificado po o ter levado a cheia do
Inverno passado e, por isso, não foi
porto do Trabalho
medido
Moinho na rib.ª de Trabalhava com água do açude.
N/S 4 4,4
Avis, ao porto da Paredes de pedra e cal, coberto de 24 101-101v
L/P5 5,5
Azenha telha vã e cortiça
Moinho, que desde há Tinha 2 feridos correntes e moentes
N/S 9,7 10,6
muito se chamava o Paredes de pedra e cal, coberto de 35 102
L/P 3 3,3
moinho da Ordem cortiça
Tinha 2 feridos correntes e moentes
Moinho no Porto do NS 6,3 7
Paredes de pedra e cal, coberto de 47,8 103
Mando LP 6,2 6,8
cortiça
Assento de moinho
ou pisão, entre o
___ ___ ___ ___ 104
Porto Mando e o
pego da copa
Assento de moinho
ou pisão à foz ___ ___ ___ ___ 105
deMonfalim

Quadro nº 191
Contratos sobre moinhos

Tipologia de Tipologia das rendas fixas Tipologia do contrato Fólio


prédio/Localizaç Titular
Trigo Aforamento Emprazamento
ão
(litros) (Vidas)
Moinho na
João Rodrigues Leitão,
Rib.ª de Avis, ao 3
filho de Rui Leitão 100
porto do Trabalho
Moinho na rib.ª de
207
Avis, ao porto da Rui Leitão 101-101v
Azenha

Moinho, que
desde há muito se João Coelho
276 X 102
chamava o
moinho da Ordem

Moinho no Porto 165,6 Feito de novo por


X
Manso Rui Leitão 103
Assento de
moinho ou pisão,
165,6
entre o Porto Rui Leitão X 104
Manso e o pego da
copa
Assento de
165,6
moinho ou pisão à Rui Leitão X 105
foz deMonfaim

6.4. Segunda visitação à comenda de Figueira.


Decorridos cerca de 19 anos após a visita efectuada à vila e comenda de Figueira pelo bacharel
D. Frei Nuno Cordeiro e por Frei João Rolão, e após a possível realização de uma outra visita
intercalar em data desconhecida, novos enviados do Mestre D. Jorge regressavam á vila de
Figueira. Desta feita tratava-se de Francisco Coelho cavaleiro da Ordem e Frei André Dias, prior
da igreja de Avis.

6.4.1. Dimensão Religiosa


Na manhã do dia 2 de Outubro de 1538 os enviados de D. Jorge, que tinham termidado a
visitação à vila de Seda em 31 de Setembro passado, chegaram à igreja de S. Brás da vila da
Figueira, não se encontrando referidas na fonte as individualidades presentes a quem teria sido
lida a carta do Mestre e que teriam prestado as obediências da praxe, após o que a visitação teria
tido início. Nesta ocasião era Comendador da vila de Figueira António de Gouveia , cavaleiro da
Ordem de Avis e Alcaide-mór de Seda, mas uma vez que não se encontrava presente não foi
visitado, nem se viu o título que tinha da dita comenda.
Recorde-se que, em 1519, os visitadores tinham determinado que, achando-se capelão do hábito
e Ordem de Avis não tomassem clérigo nem religioso de outra ordem para dizer missa e
administrar os sacramentos na dita igreja e aos fregueses dela, o que se cumpriria sob pena de 10
cruzados. Adiantando ainda que o Comendador era obrigado a buscar um capelão e a pô-lo na
igreja para que, de 15 em 15 dias, dissesse missa aos fregueses e lhes desse cura e administrasse
os sacramentos.
Se os fregueses quisessem mais missas pagá-las-iam à sua custa. E o Comendador daria todas as
coisas necessárias para a sua celebração.
Em 1538 registava-se já que existia na igreja de S. Brás um capelão perpétuo, nomeado por carta
do Mestre, com obrigação de rezar missa dominical, bem como nas festas e dias de guarda, e a
administrar os sacramentos.Tratava-se, como verificamos, de um progresso em relação a 1519,
ano em que o capelão apenas era obrigado a rezar missa quinzenalmente.
Tinha vindo a desempenhar este cargo Gaspar Soeiro, freire professo da Ordem de Avis, mas por
este ter partido para fora do reino , renunciara à capelania que, nesta precisa ocasião, se
encontrava vaga.
O mantimento ordenado para a capelania da igreja de S. Brás da vila de Figueira era constituído
anualmente por 5.000 reais em dinheiro ou, se o capelão o preferisse, 828 litros de trigo, pelo
qual lhe seriam descontados 2.000 reais, acrescido do pé d’altar, de 66 litros de vinho para as
galhetas e 41,4 litros de trigo para hóstias, tudo pago pelo Comendador.
O capelão contribuía para que o Comendador, povo da vila e pessoas ás quais pudesse respeitar
tivessem notícia desta visitação , e tomassem conhecimento das obrigações dela decorrentes.
Neste sentido os enviados de D. Jorge ordenaram ao supracitado capelão que a imediatamente a
lesse na íntegra e a publicasse anualmente na estação. Começaria todos os anos no primeiro
domingo da Quaresma, lendo três folhas em cada domingo, até a terminar. Determinaram
também que o escrivão da câmara assentasse a respectiva publicação no canto do texto da
visitação e o gurdasse na arca do concelho, donde não sairia salvo para a câmara, quando os
juízes a quisessem ver. O dito escrivão daria o traslado dela, ou de qualquer capítulo, a quem lho
solicitasse. E se o escrivão da câmara, ou os juízes, não cumprissem esta determinação
incorreriam na pena de 4.000 reais, metade para a fábrica e a outra metade para quem os
acusasse.
A igreja foi encontrada tal como na visitação passada da Ordem, pelo que nada se acrescentou de
novo.
Tenhamos presente que, em 1519, os 3 óleos santos se achavam em 3 ambulas de estanho
metidas numa caixa de pau, que se encontrava pendurada por detrás das cortinas do altar-mor, o
que pareceu bem desonesto aos visitadores,
Ora, por ocasião da presente visitação, os Santos óleos encontravam-se na mesma situação, o que
óviamente foi considerado indesejável, pelo que os visitadores ordenaram ao (futuro) capelão
que sempre os tivesse em bom recato, fechados na igreja. Nesse sentido determinaram que o
Comendador mandasse fazer um armário pequeno e fechado para os ditos óleos. com suas portas
e chave, que se colocaria na parede da capela-mor. Deduz-se que a situação não tinha sido
objecto de nenhuma determinação intercalar específica, ou, se o tivesse sido, a situação em nada
se alterara.
As necessidades imediatas que a visitação revela podem avaliar-se pelo teor das determinações
particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo, que podemos resumir da seguinte
maneira:
Existiam nesta igreja a mesma cruz e 2 cálices de prata, que tinham sido descritas, pesadas e
assentadas na visitação passada da Ordem. O concelho tinha estas peças de prata em seu poder e
serviam na igreja estando o mesmo concelho obrigado a mandar fazer e a consertar a dita prata
sempre que necessário. De igual modo o concelho tinha obrigação de fazer consertar as
obradeiras das hóstias que estavam em poder do seu procurador.

Quadro nº192
Ornamentos e vestimentas da igreja

1519 1538 Observações


uma vestimenta de damasco pardo Uma vestimenta de damasco pardo com Trata-se da mesma vestimenta
com savastro de veludo preto e savastro de veludo preto com franjas , toda
franjas de retrós verde e amarelo comprida e já usada
Não existia Outra vestimenta de pano preto adamascado Trata-se de uma nova vestimenta
da Índia com savastro vermelho lavrado com
lavores de fio de ouro, comprida.
Não existia Outra vestimenta de pano azul da Guiné, Trata-se de uma nova vestimenta
comprida
___ Um frontal de pano da Índia tecido com um Trata-se de um novo fontal
fio de ouro e com uma franja de través
Não existia Um gudumycy? Trata-se de uma nova peça
Uma vestimenta de pano de Não se encontra referida ___
Flandres, de lã e linho, toda
pintada, comprida. Pertencia ao
concelho
Uma vestimenta de pano de linho Não se encontra referida ___
branco com cruzes de bocassim
vermelho por diante e por detrás,
era do concelho

Quadro nº193
Roupa de linho e coisas miúdas da igreja

1519 1538 Observações


Umas cortinas de estamenha preta 1 cortinas de Holanda com desfiados Adquiridas novas cortinas
que estavam sobre o altar-mór,
velas e rotas
6 mantéus usados que serviam nos 12 mesas de mantéus e mais três mantéus Adquiridos novos mantéus
altares, eram do concelho usados
Umas toalhas de Flandres, usadas 7 mesas de toalhas de Flandres e mais três Adquiridas novas toalhas
toalhas de seda lavrada do tempo antigo,
usadas, que servem de frontal e uma toalha de
seda toda lavrada do tempo antigo
5 lencóis que serviam nos altares 3 lençois de linho e mais e lençóis usados que Pelo menos um lençol novo
serviam nos altares
___ 4 panos pretos de Quaresma Não existiam em 1519

___ 2 camisas e três beatilhas de Nossa Senhora Não existiam em 1519

___ 3 panos pequenos lavrados de desfiado Não existiam em 1519

___ 1 guarda-pó de pano de linho com cadilhos Não existia em 1519

Caixa de madeira pintada onde 1 caixa com corporais Presumivelmente a mesma caixa
estão 3 corporais com suas palas
Arca de pinho em que estavam os Não se encontra mencionada ___
ornamentos, encontrava-se em casa
do Comendador
Círio pascal pequeno que estava Não se encontra mencionado ___
junto ao altar-mór
___ 1 caixa de hóstias Adquirida de novo

Constata-se que, ao logo de 19 anos tinham sido adquiridas cortinas, toalhas, lençóis, mantéus e
várias outras peças.

Quadro nº194
Cobre, latão estanho e pinturas da igreja

1519 1538 Determinações 1519 Observações


2 castiçais de latão que 4 castiçais de arame __ Substituídos 2 castiçais
estavam bons de latão por 4 de arame
Uma cruz de latão Cruz de arame __ Substituída um cruz de
latão por 1 de arame
Caldeira de cobre de água Caldeira de cobre de água benta __ Trata-se da mesma
benta caldeira que em 1519
era considerada boa
Bacia que serve de oferta Bacia de oferta __ Trata-se da mesma
bacia
2 galhetas de estanho 2 galhetas de estanho __ __

Referida apenas a tábua de 2 tábuas de retábulo, pequenas, Mandaram ao Adquirida de novo uma
Nossa Senhora uma de Nossa Senhora e outra do Comendador que tábua com o cruxifixo
crucifixo que estavam no altar. mandasse pintar a
imagem de Nossa
Senhora que estava
sobre o altar-mor no
prazo de um ano
Lâmpada de latão, bacia, copa __ Ordenado que pusesse A determinação de
e cadeias uma lâmpada na bacia 1519 não terá sido
cumprida
Turíbulo de latão, __ Ordenado que A determinação de
desmanchado, que não servia mandassem consertar o 1519 não terá sido
turíbulo, que se cumprida
encontrava quebrado
Cruz de latão que estava no __ __ __
altar de S. Sebastião
Campainha que se tange __ __ __
quando levantam a deus
Campainhas de comunhão __ __ __

Umas obradeiras de fazer 4 __ __ __


hóstias juntas, estragada

Embora se tivessem comprado 1 tábua pequena de retábulo e substituído algumas peças,


determinações sobre alfaias litúrgicas importantes como o turíbulo, não tinham sido cumpridas,
enquanto outras alfaias importantes, como a obradeira de fazer hóstias e a lâmpada,
aparentemente não tinha sido reparadas nem substituídas.

Quadro nº195
Livros da igreja

1519 Determinações 1519 1538 Observações


Missal do costume de Évora,
de moldes, encadernado com Missal místico do
tábuas cobertas de couro __ costume de Évora,
vermelho, já usado e sem usado
brochas
Livro de missa e 2 domingais
de letra de pena, em
__ Não consta
pergaminho, muito velhos e
que já não servem.
__ Missal de forma
__ Adqurido de novo
manual

Entre 1519 e 1538 tinha sido adquirido apenas um missal de forma manual.

Cera para as candeias da missa e azeite para a lâmpada.

Em 1519 os visitadores tinham querido saber quem era obrigado a dar cera para as candeias de
missa e o azeite para a lâmpada. E tinham sido informados de que uma mulher, que era a
candieira, pedia pela vila cera para as candeias. Quanto ao azeite para a lâmpada, existiam
oliveiras deixadas pelos defuntos com essa intenção, e também aquilo que rendia uma courela de
terra, no vale dos Ádens, também ela deixada por defuntos para o mesmo efeito. Quando o que
rendiam a terra e as ditas oliveiras não chegava pedia para a lâmpada pelo povo a candieira.
Dezanove anos mais tarde não se fazia menção de nenhuma candieira, embora a cera para as
candeias da missa se continuasse a comprar com o produto de esmolas que para isso se pediam
pela vila. Já o azeite para a lâmpada provinha de certas oliveiras que com essa finalidade tinham
sido deixadas por defuntos e eram as seguintes:
Um olival no Ervedal deixado Catarina Vasques, mulher de Estêvão
Gonçalves Soelheiro para a dita lâmpada.
Uma oliveira que estava além da fonte, na terra dos herdeiros de Inês Pires
Outra oliveira que estava na horta de Fernando Afonso
4 Oliveiras que estávam na Cova da Azenha
Existia ainda, com o mesmo intuito de fornecer uma ração de azeite para a lâmpada, uma courela
de terra no vale dos Adéns (já mencionada na visitação de 1519), que atravessava o caminho de
Fronteira em baixo e em cima, cuja ração fora deixada em testamento por Leonor Afonso Leão
para a candeia, a qual courela trazia na altura António Leão, bisneto da dita Leonor Afonso
Do que sobejava do azeite e ração da dita courela de terra comprava- se a cera que fazia falta
para as candeias das missas,verificando-se no entanto que a cera do círio pascal, bem como a das
velas que se acendiam quando se levantava a deus, se obtinha através das esmolas do povo.
Apresentada a estrutura geral da igreja as necessidades imediatas que a visitação revela podem
avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo,
que podemos resumir da seguinte maneira:
Os enviados de D. Jorge, tendo presente a situação geral desta templo da Ordem, ordenaram ao
Comendador que :
1. Se colocasse um varão de ferro com cadeado na pia baptismal que assim ficaria fechada.
2. Fossem compradas duas galhetas de estanho
3. Se revolvesse e cintasse com cal o telhado da igreja para que não chovesse nela.
4. Se adquirisse uma pedra de ara, porquanto na altura existia apenas uma.
5. Se comprasse um baptistério com os ofícios da unção e enterro
6. Se adquirisse um missal de forma místico
Uma vez que todas estas coisas eram necessárias à dita igreja ordenou-se ao mesmo
Comendador, sob pena de 2000 reais para as obras do convento que, no prazo de 4 meses, as
mandasse comprar e colocar na dita igreja.

Hospital

Era, nesta ocasião, administrador do hospital e da sua fazenda, Jerónimo Rodrigues, que tinha
sido nomeado por carta régia. A casa do hospital da vila encontrava-se tal como ficára assentado
na visitação passada. Todas as propriedades que o hospital possuía se encontravam igualmente
registadas na visitação passada, tendo sido apontado em 1519, como já vimos, que as ditas terras
do hospital da Figueira rendiam 8,8 hectolitros de trigo anuais. E o moinho 1000 reais em cada
ano.
Recorde-se que em 1519 este hospital tinha a seguinte roupa:

Quadro nº196
Roupa do Hospital

Tipologia Características
2 almadraques de pano de estopa Todos cheios de tomentos
2 cabeçãs de lã Todos cheios de tomentos
2 mantas da terra
4 lençois de estopa
Mas, não obstante os rendimentos dos bens inventariados quase duas décadas antes, em 1538 os
visitadores não encontraram do dito hospital nenhuma roupa para agasalho dos pobrespelo que
foi ordenado a Jerónimo Rodrigues, seu administrador , que sob pena de 1000 reais para a fábrica
da igreja, dentro dos 4 meses seguintes mandasse colocar no dito hospital duas camas para os
pobres se agasalharem e, em cada cama, um enxergão e um almadraque, 4 lençóis, uma manta e
uma coberta, uma vez que ele era obrigado a ter o hospital provido de camas já que recolhia o
rendimento dos bens e fazenda dele.
E se não cumprisse esta determinação os juízes, sob a dita pena, lhe embargariam a renda do
hospital, sem que de algum modo o socorressem, até que puzesse as 2 camas conforme tinha sido
determinado.
Restaria apurar desde quando datava essa situação, e se a nomeação do administrador do hospital
pelo monarca, provavelmente inserido no modelo de centralização da assistência pública, se teria
de algum modo ficado a dever a ocorrências graves que, post 1519, teriam levado o hospital à
paralização em que se encontrava em 1538, ou se, pelo contrário, a actuação do administrador
régio teria contribuído para ela, dando azo aos visitadores para fazerem sentir a autoridade e
jurisdição da Ordem.

Determinações gerais.

Foram vistas as determinações gerais, que se encontravam na visitação passada, e algumas


outras, como aquelas que se tinham feito em 1519 sobre os fornos, e já que permaneciam todas
todas muito boas e necessárias foram reaprovadas, ordenando-se que se cumprissem e
guardassem inteiramente tal como nelas estava contido, e ao juízes que as cumprissem e
fizessem cumprir integralmente, sob pena de 2000 reais, metade para os cativos e a outra metade
para quem acusasse. As quais determinações deveriam ser publicadas com a presente visitação.

Determinações particulares sobre o espiritual

1.Sobre as obradeiras.

Em 1519 ficára registado que era obrigação do povo e concelho consertar as obradeiras das
hóstias que eram suas. E porque se encontravam estragadas e não queriam expedir as hóstias, os
visitadores ordenaram ao dito concelho e povo que as mandasse consertar, o que cumpririam os
juízes e oficiais dentro dos 3 meses seguintes, sob pena de cada um pagar 1000 reais para a
fábrica da igreja.
A situação não tinha sido satisfatoriamente resolvida porquanto, dezanove anos volvidos,as
obradeiras onde se faziam as hóstias eram de tal modo pequenas que, quando se levantava a deus
não se via bem a hóstia, pelo que os visitadores ordenaram aos juízes e oficiais que, no prazo de
3 meses, contados a partir da publicação da presente visita, mandassem trocar as ditas obradeiras
por outras, muito boas, que fizessem hóstias grandes. Estas seriam entregues ao capelão com seu
conhecimento, para delas dar conta, o que se cumpriria sob pena de 500 reais para a fábrica da
igreja.

2. Sobre o mamposteiro da fábrica.


Era manposteiro e recebedor da fábrica da dita igreja, por provisão do Mestre, Álvaro Fernandes,
morador na vila. Cargo esse que, na altura não exercia, por alguns inconvenientes. Parecendo
coisa muito necessária existir um manposteiro e recebedor e verificando-se que o dito Álvaro
Fernandes era um homem que exercia correctamente essa função, como se deduzia pelas
informações obtidas, foi ordenado ao mesmo Álvaro Fernandes que daí por diante exercesse o
dito cargo, e tivesse o cuidado de pedir nos domingos e dias santos para a dita fábrica, e receber e
arrecadar o dinheiro ou jóias que fossem dadas para as sepulturas por aqueles que se enterrassem
dentro da igreja para nela se gastar.
Todo o dinheiro que tirarasse de esmolas, ou recebesse, lhe seria carregado em receita pelo
tabelião da vila num livro que para isso faria e no qual assentaria também as despesas que fizesse
para que por aí lhe fossem tomadas contas. O qual dinheiro o dito recebedor despenderia nas
coisas mais necessárias à igreja, com o parecer e conselho do Comendador ou capelão dela. Foi
também ordenado aos juízes e oficiais da dita vila que guardassem e fizessem guardar e cumprir
ao dito Álvaro Fernandes o privilégio integral que tinha recebido do Mestre pelo dito cargo, sob
pena de 2000 reais, metade para os cativos e metade para quem acusasse.
E o supracitado recebedor teria também os ornamentos da igreja fechados numa caixa a bom
recato, sendo-lhe carregados em receita pelo escrivão. O antedito recebedor teria cuidado de os
fazer lavar por uma mulher quando fosse necessário e lhe pagaria o seu trabalho e a lavagem
com o dinheiro que recebesse da fábrica, com excepção da roupa de linho e de toda a outra,
menos os corporais e as palas, porque essa deveria ser lavada pelo capelão.
E sendo caso que o dito Álvaro Fernandes faleçesse, ou ficasse impedido de maneira que não
pudesse servir o dito cargo, eleger-se-ia em câmara pelo juízes e oficiais um homem abonado e
conveniente para o dito cargo, ao qual fariam jurar sobre os evangelhos que bem e
verdadeiramente serviria
E durante o tempo que exercesse o cargo lhe seria guardado o dito privilégio porquanto sua
senhoria o havia por bem. E todo este capítulo que se ocupava do manposteiro e recebedor da
fábrica se cumpriria assim, e inteiramente, sem embargo do que sobre isso tinha sido
determinado na visitação passada que nesta parte se não cumpriria , por assim parecer melhor aos
visitadores por muitos respeitos e inconvenientes.
Foi ordenado ao Comendador, sob pena de 1000 reais para as obras do convento que não se
intrometesse a receber e arrecadar o dito dinheiro, e se tal acontecesse, que os juízes e oficiais o
fizessem saber ao Mestre.

3.Sobre as oliveiras e terras da lâmpada.

Os visitadores foram informados de que o Comendador lançava mão do rendimento das, já


referidas, oliveiras e terras que os defuntos tinham deixado para a lâmpada da igreja e o mandava
recolher ou dava a quem queria. Este procedimento foi considerado censurável pelo que se
ordenou ao dito Comendador que, de aí em diante, não se intrometesse a receber e recolher coisa
alguma do dito rendimento de azeite ou pão, uma vez que fora deixado para a lâmpada, e era
com ele que se alumiava e retirava a cera para as missas. E mandaram aos juízes que em cada
ano arrendassem em pregão as ditas oliveiras a quem mais desse. E o que rendessem em azeite,
mais a ração da terra se entregaria ao recebedor da fábrica, perante o escrivão, para lho carregar
em receita.
O dito recebedor teria o cuidado de abastecer a lâmpada da igreja, ou dar o azeite para isso
necessário, a uma mulher que o fizesse. O que uns e outros assim cumprirriam sob pena de 2000
reais, metade para quem acusasse, e a outra para a fábrica da dita igreja. Quanto ao azeite e cera
que na altura existiam fariam os juízes entregar ao recebedor da fábrica, bem como os
ornamentos da igreja.
4. Sobre as sepulturas na igreja.

Os visitadores recolheram informações sobre esta matéria concluindo que as pessoas que se
enterravam na igreja pagavam pela sua sepultura aquilo que cada um entendia dar de acordo com
a sua devoção, quer em dinheiro quer em peças ricas para o serviço da igreja. O dinheiro era para
a fábrica da igreja mas, como se tinha verificado que comendador o recebia e arrecadava, foram
tomadas providências como adiante se verá.

6.4.2. Dimensão Senhorial

Determinações particulares sobre o temporal

1. Reparação das casas da Ordem.


Como referimos na primeira visitação a esta Comenda, a torre, casas de morada do Comendador
e respectivos anexos encontravam-se nessa ocasião cercados por um muro defensivo capeado
com lajes de pedra com seus portões e portas. Perto de duas décadas volvidas os visitadores
encontraram a parede da cerca das casas da Ordem derribada pelo chão, o portal dela sem portas
e a casa que servia de estrebaria, bem como a outra que lhe fica pegada, ambas sem
madeiramento nem telhas, e tudo muito danificado. Todavia não constam quaisquer reparos
sobre a torre, prossívelmente por se tratar de uma edificação mais resistente e que incorporava
menos materiais perecíveis. Perante esta situação, que nos parece indiciadora da não residência
do titular da comenda, foi ordenado a esse mesmo Comendador, sob pena de 4.000 reais para as
obras do Convento, que, no prazo de um ano, contado a partir da publicação da presente visita,
mandasse madeirar e cobrir as duas ditas casas. E ainda que na estrebaria mandasse fazer
manjedouras como antes existiam, e mandasse levantar as paredes da cerca e colocar portas no
respectivo portal. No caso de não cumprir o determinado no prazo de um ano os juízes, sob a dita
pena, lhe embargariam as rendas da comenda e não levantariam esse mesmo embargo até que
tivesse efectuado as ditas obras, ou recebessem mandado em contrário do Mestre.
2. Obrigação do povo.

Tendo em atenção que fora determinada a reparação da parede da cerca e casas edificadas dentro
do seu perímetro, os enviados de D. Jorge recordaram que o povo da vila de Figueira estava
obrigado, sempre que se consertavam as paredes da igreja, bem como o muro, cerca e torre da
vila, a dar toda a serventia necessária ás ditas obras.

Jurisdição da Ordem.

A jurisdição do cível e do crime da vila e seu termo pertencia à Ordem, e a eleição dos juízes e
oficiais continuava a fazer-se pelo ouvidor do mestrado, sendo os juízes confirmados pelo
Mestre.
A Alcaidaria-mor da vila e a respectiva renda pertenciam à Ordem com todos os gados e penas e
bestas do vento e com todos os outros direitos contidos nas ordenações. O Comendador, como
Alcaide-mor, apresentava 3 homens aos juízes e oficiais da câmara que deles escolhiam um que
servia como alcaide pequeno. A portagem da vila, e os proventos fornos de cozer pão tudo
pertencia à Ordem do modo que tinha ficado assentado na visitação passada. Levava mais a
Ordem as conhecenças dos ofícios mecânicos, que era de 10 reais por cada pessoa que tivesse
ofício. Como temos vindo a constatar a implantação territorial nesta região, trazia para a
instituição outro tipo de proventos como teremos oportunidade de ver de seguida.
Ofícios da vila de Figueira.

Quadro nº197
Ofícios da Ordem

Nome(1519) Ofício Nome(1538) Ofício


Tabelião das notas e
Tabelião das notas e judicial
Gregório Fernandes Gregório Gonçalves judicial nomeado por
nomeado por carta do Mestre
carta do Mestre
Escrivão da câmara,
Escrivão da câmara, dos
órfãos e almotaçaria ,
Gregório Fernandes órfãos e da Almotaçaria, Gregório Gonçalves
nomeado por cartas do
nomeado por carta do Mestre
Mestre.
Escrivão das sesmarias
porque a dada delas na
Escrivão das sesmarias que
vila e seu termo
Gregório Fernandes nessa ocasião eram dadas pelo Gregório Gonçalves
pertencia à Ordem e os
Comendador
Comendadores as
davam
Prioste dos dízimos da
vila era posto pela
Ordem para dizimar e
levava igualmente o
O prioste da vila era posto
ofício dos moinhos,
pela Ordem para dízimar
Não identificado na fonte Não identificado na fonte azenhas e pisões que
todas as coisas de que se
existiam e se viessem a
devia pagar dízima
fazer na ribeira de Avis,
dentro da demarcação
que para isso foi
estabelecida na comenda

Duas décadas volvidas sobre a visitação de 1519 não esxistiam novos ofícios na vila de Figueira
e continuava a verificar-se uma acumulação de funções num único oficial.

Quadro nº198
Dízimos pertencentes à Ordem na vila de Figueira

1519 1538 Observações


Dízimo do pão Dizimo do pão
Vinho Vinho
Azeite Azeite
Linho Linho
Favas tremoços e todos os legumes Favas, tremoços e todos os outros legumes
Frangãos e patos Frangãos e patos
Gados Gados
Queijos que foi ordenado se pagasse Em 1538 não foi feita a
Queijos
inteiramente recomendação
Poldros e dos burros Poldros e burros
Furões Furões
Lã das ovelhas, mandaram que se Lã dos carneiros e ovelhas Em 1538 não foi feita a
pagasse inteiramente recomendação
___
Fruta e hortaliça

Mel e dos enxames Mel e dos enxames


Tinham passado a recebê-las
Todas as oblações e pé d’altar ___ desde Fevereiro de 1538 os
priores e capelães
Também pertencia à Ordem o dízimo de
De igual modo pertenciam à Ordem os
todas as coisas das quais, de acordo
dízimos de todas as coisas sobre as quais o
com o direito canónico, se deveria de
direito canónico mandava pagar dízimo ,e
pagar dízimo, e assim cobrava a Ordem
assim levava igualmente o ofício dos
o foro dos moinhos, azenhas e pisões ___
moinhos, azenhas e pisões que existiam e se
que estavam feitos, ou se viessem a
viessem a fazer na ribeira de Avis, dentro da
fazer na ribeira de Avis, dentro da
demarcação que para isso foi estabelecida na
demarcação que para isso lhes era
comenda
limitada na dita comenda pelo seu foral
As conhecenças dos oficiais mecânicos As conhecenças dos oficiais mecânicos que
que era de 10 reais por cada pessoa que era de 10 reais por cada pessoa que os __
os tivesse tivesse
As pensões dos tabeliães que era de 180 As pensões dos tabeliães pagas ao valor de
___
reais. 180 reais.

Renda da comenda e população.

Em 1519 havia sido estimado por orçamento que valia toda a renda que a Ordem tinha na vila e
seu termo 35.000 reais. Na visitação em estudo de 1538 os visitadores anotaram o seguinte : Por
informação foi avaliado o rendimento desta comenda, de uns anos para os outros, em 60.000
reais e o rendimento certo não se pode saber porquanto o Comendador recolhe toda a renda há
anos. Trata-se de uma informação aparentemente relevante sobre a ausência de controlo e
fiscalização por parte do aparelho administrativo do Mestrado que desvaloriza o possível rigor de
um crescimento próximo de 100% da renda, em apenas duas décadas, hipoteticamente admitido
pelos enviados de D. Jorge.
Em 1519 residia um total até 50 vizinhos. De acordo com o numeramento de 1534 , 15 anos
volvidos, habitavam na vila de Figueira 52 moradores, dos quais 49 na vila e 3 em casas
apartadas. Em 1538 os visitadores recencearam sucintamente 50 vizinhos na vila e seu termo.
Aparentemente estaremos em presença de um caso de estagnação demográfica, verificado
durante o período em apreço.

6.4.3. Dimensão Patrimonial

Tombo de bens próprios da Ordem.

Não foi feito tombo das heranças e propriedades que a Ordem tinha nesta comenda porque todas
se encontravam no mesmo regime já descrito na visitação de 1519, daí que remetemos o leitor
para a consulta do ponto 6.3.3.

6.5. Primeira visitação à comenda de Seda

A vila de Seda pertencia ao mestrado de Avis, na época na mão de D. Duarte de Almeida seu
Comendador .
Partia, a Norte, com o termo de Chancelaria, e tinha para esta parte meia légua, sendo que
Chancelaria ficava a uma légua de distância; partia com o termo de Alter do Chão a Levante,
tendo de termo para esta parte 2 léguas, e chegava até junto a Alter. Também confrontava por
esta parte com o termo de Alter Pedroso e tinha de termo outras 2 léguas, distando de Alter
Pedroso 2,5 léguas. Partia com Fronteira a Sueste, e tinha de termo para lá 1 légua em linha
recta, e para Pedroso 1,5, ficando a 3 léguas Fronteira. Partia com o termo de Avis a Sudoeste, e
tinha de termo para esta parte 1 légua, sendo que a distância entre a vila e Avis era de 3 léguas.
Partia com o limite das Galveias a Poente, e tinha de termo para esta parte 2 léguas, sendo 3 da
vila ás Galveias.Partia com
o termo de Ponte do Sor ao Noroeste, e tinha de termo para esta parte 3 léguas até Ponte de Sor .
O bacharel D. frei Nuno Cordeiro, Prior-mor do convento de Avis, prior e beneficiado na igreja
de S. João da vila de Coruche, e frei João Rolão prior de vila Viçosa, visitadores do Mestrado de
Avis tinham recebido, como vimos nas visitações precedentes, poder e comissão do Mestre D.
Jorge para visitarem certa parte do Mestrado no espiritual e temporal, na sequência da sua
eleição, que tivera lugar no Capitulo Geral da Ordem celebrado na vila de Setúbal por santa
Maria de Agosto de 1515.
Em 8 de Março de 1519, os visitadores e frei Duarte Pinheiro, escrivão da visitação, chegaram à
vila de Seda, procedentes de Figueira, mas por ser já muito de noite recolheram-se nas suas
pousadas .

6.5.1. Dimensão Religiosa

Na manhã de 9 de Março de 1519 os visitadores dirigiram-se à igreja de Santa Maria de Seda


onde se encontravam preparados para receber os enviados de D. Jorge o Comendador D. Duarte
de Almeida e frei Pedro Farto, prior da igreja. E também Pero Eanes e João Álvares, juízes
ordinários na dita vila e Pero Dias e Francisco Gonçalves, vereadores na mesma localidade, bem
como outras pessoas da vila. Perante estas individualidades foi lida a carta do Mestre, e foram
prestadas as obediências da praxe, após o que se dirigiram à ousia e a visitação começou.
Na ocasião era Comendador desta igreja e comenda D. Duarte de Almeida, cavaleiro da Ordem
de Avis, que foi questionado sobre os títulos da sua comenda, hábito e profissão, respondendo
que tomara hábito no Convento de Avis e fizera profissão no Capítulo Geral realizado no Santo
Espírito de Setúbal, e que não tinha tirado o título porque não sabia que era costume os
cavaleiros tirarem-no. Como era usual, os visitadores ordenaram que o tirasse do escrivão do
cartório no prazo de seis meses
Perguntado pelo título da comenda respondeu que o tinha, mostrando uma carta assinada pelo
Mestre e passada pela sua chancelaria na qual se continha, entre outras coisas, que D. Jorge havia
retirado ao dito Comendador 20.000 reais de pensão provenientes das rendas e frutos da dita
comenda e pagos das terças do ano, para os dar a quem aprouvesse ao Mestre.
Mostrou também a carta do dito senhor Mestre para (que pudesse) confirmar os juízes e oficiais
da vila, e uma procuração para aforar os bens da sua comenda, contratos de ênfiteuse que, no
prazo de ano e dia, deveriam ser confirmados por D. Jorge. De igual modo mostrou outra carta
assinada pelo Mestre, e passada pela sua chancelaria, pela qual se lhe fazia graça e mercê de que
a dita comenda ficasse desobrigada dos 20.000 reais de pensão acima referidos.
No respeitante aos capítulos da Regra que tocavam à visitação, e que lhe foram lidos, disse que
os cumpria. Acrescentou que tinha o livro da Regra e mostrou o manto branco com que se
encontrava revestido.
Acabada a visitação do Comendador foi-lhe ordenado , como era usual, que requeresse muito
inteiramente todos os direitos, heranças e coisas que pertencessem à Ordem e comenda, sem se
deixar levar por nenhuma afeição pessoal.
O padroado da igreja da vila, cuja invocação era Santa Maria do Espinheiro, pertencia à Ordem.
Esta apresentava nela o prior que necessitava de ser confirmado pelo bispo de Évora. Também a
dada da tesouraria da igreja pertencia à Ordem e qualquer que fosse tesoureiro necessitava de
carta do Mestre, como na ocasião a tinha Frei Pedro Farto, prior de S.ta Maria do Espinheiro da
vila de Seda.
O prior da dita igreja frei Pedro Farto, clérigo de missa e professo do hábito de Avis recebera o
hábito e fizera profissão no Convento de Avis e não tinha os títulos como habitualmente
acontecia.
Seguidamente mostrou o título do seu benefício, que consistia numa confirmação do bispo de
Évora, D. Afonso, feita sobre a apresentação do Mestre. E acrescentou que tinha de mantimento,
ordenado em cada ano, 10.000 reais em dinheiro, 16,5 hectolitros de trigo e 17 hectolitros de
cevada. O prior mostrou ainda aos visitadores uma carta do Mestre, passada pela sua chancelaria,
em que ele era dado como tesoureiro da dita igreja com o mantimento de 414 litros de trigo, 165
litros de vinho e 200 reais em dinheiro.
No que respeita ao cumprimento da obrigação de missas disse ser obrigado a dizer missa
quotidiana pelo povo, e obrigado a administrar os sacramentos a todos os seus fregueses da vila e
termo e assim o fazia sempre.Cumpria todos os capítulos da Regra, e mostrou o livro da mesma e
o manto branco que tinha vestido.
DE acordo com as vozes da terra, era diligente na administração dos sacramentos por tal forma
que à sua míngua ninguém perecesse sem eles. Responderam que o fazia bem, mas que se
ocupava muito com a sua fazenda. Neste passo os visitadores acharam-lhe algumas culpas,
admoestando-o.

Igreja
Os mesmos visitadores faziam tenção de visitar o sacrário mas concluíram que este não existia,
uma vez que esta igreja estava situada fora da povoação, tal como se encontra mencionado na
fonte.
A capela-mór media 35m2, estava forrada, e, por cima, tinha o seu madeiramento e telhado.
Estava limitada por umas grades de castanho pintadas. A dita capela-mor encontrava-se
pavimentada com lages.
O altar-mor era de alvenaria, pintada, e subia-se a ele por 3 degraus. O arco do cruzeiro era de
pedraria, e na parede do dito cruzeiro ficavam 2 altares, cada um do seu lado, ambos de alvenaria
e pintados. Junto ao cruzeiro ficava uma lâmpada com a sua bacia e copa de latão, pendurada
num fio que partia do meio da igreja .
À esquerda da porta principal encontrava-se uma pia baptismal de mármore assentada num
tabuleiro de ladrilho que fazia um degrau. Estava tapada com uma cobertura de madeira.
E junto à porta travessa do lado Sul encontrava-se outra pia de mármore considerada boa, posta
sobre um pé de mármore. Junto à parede, próximo da porta travessa do lado Norte, erguia-se um
púlpito de madeira novo, em madeira de pinho, que tinha mandado fazer o comendador D.
Duarte de Almeida.
Dentro da igreja ficava uma gaiola de pau em que levavam o sacramento no dia do Corpo de
Deus. Encontrava-se também na igreja uma estante, alta e de pé.
Encontrava-se dentro da igreja uma campainha pequena posta entre 2 linhas ao alto em que se
tangia quando levantavam a deus nas missas. Também encontraram no mesmo local uma roda de
campainhas pequenas.
Fora da dita igreja, adossado à parede do lado Sul, encontrava-se um campanário com 2 sinos
que se tangiam de fora, do chão, porque não existia escada para os alcançar.
Defronte da porta principal ficava uma cerca de parede baixa que mostrava ter estado aí um
alpendre entretanto desaparecido. E ante a porta travessa Norte encontrava-se da parte de fora da
igreja um alpendre pequeno cercado de parede e coberto de telhas.
A sacristia, que ficava pegada com a capela-mór, da parte do Norte, tinha paredes de pedra e cal
encontrando-se madeirada de trouxa e coberta de telha vã. Consistia numa divisão pequena que
tinha uns armários de madeira baixos com dois compartimentos, um dos quais tinha portas para o
altar, e sobre o qual se revestiam os clérigos. O chão da sacristia estava também lajeado. Media,
de Levante a Poente 4,5m, e de Norte a Sul 1,65m (7,5m2). Esta sacristia tinha uma portada que
dava para capela-mór, com portas providas de ferrolho, fechadura e chave.
O adro, tomando-lhe a medida da parede que foi alpendre diante da porta principal, para o
Poente, até um marco por onde partia o dito adro , tinha 39m. E medido da porta travessa do Sul
até um marco que estava nessa direcção 56m (2.184m 2). E medido das costas da capela-mór até à
serventia que ia por trás das casas por onde partia o dito adro tinha 12m. E medido da porta
travessa Norte até ao marco no endireito 22,5m
Encontraram os 3 óleos santos em 3 ambulas de chumbo postas num cesto de verga pequeno que
estava na sacristia, guardado num armário de parede, sem portas, tendo os visitadores estranhado
que tão santa coisa estivesse em tão mau recato, e sobre isso tomaram providências, como se
achará nas determinações particulares.
Os visitadores quiseram saber quem, inicialmente, teria construído a dita igreja, ou quem era
obrigado ao corregimento dela. Por ser antiga não conseguiram achar quem a tivesse fundado.
Os moradores mais antigos, ajuramentados, disseram que sempre a tinham visto correger e
reparar pelos Comendadores da vila, e informaram sobre quem dava a cera para as missas que
quotidianamente se diziam pelo povo, e a cera para o círio pascal e o azeite para a lâmpada. Para
o círio pascal pedia um homem de bem e honrado pela vila, e aos domingos pediam-se esmolas
ao povo; para as candeias fazia peditório uma mulher que era candieira, e das esmolas que lhe
davam, bem como de algumas disciplinas em que o prior multava os fregueses, dava dita
candieira as candeias para as missas e para as horas que se cantavam pelas endoenças. Quanto ao
azeite da lâmpada gastava-se o de certas oliveiras que alguns defuntos tinham deixado para esse
fim. E se alguma coisa do azeite sobejava, dele se comprava a cera para as candeias. Os
visitadores aprovaram o procedimento.

Quadro n.º 199


Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Imagem de Nossa Senhora com o
menino nos braços flanqueada por 2 Pintada na parede Sobre o altar da capela-mor
anjos
Imagem do crucifixo na cruz (sic.)
com Nossa Senhora e S. João. Pintada na parede Acima da pintura precedente

Imagens de S. Brás, do padre S. Bento Sobre o altar de S. Brás, na parte


Pintada na parede
e outras imagens. direita do cruzeiro
Imagens de S. Pedro e S. Sebastião, Sobre o altar de S. Brás, na parte
Pintadas na parede
bem como outras imagens. esquerda do cruzeiro

Quadro nº200
Prata da igreja

Peso Observações
Tipologia Características
(gramas)
Cálice de prata branca, com Com letras ao redor do vaso 380 Era da Ordem,
encontrando-se em
que dizem agnos dei qui tolis
sua patena poder do prior, como
pecata mundi
tesoureiro
Cálice de prata dourada, com Com uma imagem de N. Pertencia ao concelho
460
sua patena Senhora no pé
Com sua cruz pequena em Pertencia ao concelho
1Custódia de prata branca 531
cima e 4 vidraças
Cruz de prata branca, pequena Com o seu crucifixo 517 Pertencia ao concelho
TOTAL PRATA (Kg.)................................................................... 1,889

Quadro nº201
Vestimentas da igreja

Tipologia Características
Capa de asperges de damasco pardo Com capelo e bandas de cetim verde aveludado e franjas
pretas evermelhas
3 bancais de Flandres De folhagens, usados, servem de frontais.
3 frontais de palma de pano da Guiné com franjas de linhas pretas e brancas, usados
3 frontais de pano de estopa Pretos, com cruzes brancas elo meio, servem na quaresma
Vestimenta de damasco aleonado Toda comprida,com savastro de cetim aveludado carmezim
e franjas amarelas e vermelhas, com suas pertenças, boa.
Vestimenta de pano da Guiné Toda comprida, pintada de vermelho e branco, usada.
Vestimenta de linho Branca, toda comprida, com forro de linho preto, velha e
rôta
Vestimenta de zarzaguarja (sic) Toda comprida, rota e bem velha
Vestimenta de pano de linho Toda comprida, preta e brunida, usada
Vestimenta de pano boguasim (sic) Toda comprida, amarela, com o savastro do mesmo teor,
mas vermelho, velha

Quadro nº202
Livros da igreja

Tipologia Características
Livro domingal grande De pena e pergaminho, apontado por uma corda com
responsório, encadernado com tábuas cobertas com couro
vermelho, velho
Evangelho De pena e pergaminho, encadernado em couro preto com
bulhões
Livro oficial com epístolas De pena e pergaminho, de canto, por uma corda com
bulhões por sobre a encadernação
Santal de lições e responsos apontados De pena e pergaminho, encadernado em couro preto, velho
Livro místico do costume de Évora De molde e papel, encadernado em couro vermelho, bom
Saltério De pena e pergaminho, velho
Baptistério com o ofício da unção Encadernado em couro preto

Quadro nº203
Coisas miúdas

Tipologia Características
3 pedras d’ara ___
1 caixa de corporais Em madeira pintada, com 5 crporais e suas palas
Umas obradeiras Faziam 2 hóstias
4 castiçais grandes e 2 pequenos De arame
1 caldeira deágua benta De arame
1 cruz De latão, pequena e velha
1 cruz De pau, forrado de folha de Flandres, velha
2 turíbulos com suas cadeias De latão, velhos
4 galhetas De estanho, velhas
1 bacia de oferta De arame
1 campainha de comungar Pequena e boa
1 círio pascal Pequeno, estava na sacristia

Quadro nº204
Roupa de linho da igreja

Tipologia Características
14 mantéus 11 usados e 3 rotos
3 lencóis usados
2 toalhas Lavradas de ponto real, novas
Outras toalhas Velhas
1 toalha de linho Com bandas azuis
3 toalhas francesas Serviam nos altares, usadas
2 toalhas de linho da terra Com lavores de Flandres

Apresentada a estrutura geral da igreja as necessidades imediatas que a visitação revela podem
avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo,
que podemos resumir da seguinte maneira:

Obrigação do Comendador, Prior e povo.


Era o Comendador obrigado a pagar o mantimento que estava ordenado ao prior da igreja pelas
cartas do Mestre e Estatutos da Ordem
Era igualmente obrigado a pagar o mantimento e ordenado ao tesoureiro da dita igreja, como
antigamente se costumava e lhe era ordenado pelo Mestre.
Igualmente obrigado à manutenção e reparação da igreja, bem como ao provimento das coisas a
ela necessárias.
O prior era reitor e cura de toda a vila e seu termo, obrigado a administrar os sacramentos a todos
os seus fregueses e a dizer missa quotidiana pelo povo.
Era obrigado a pôr quem servisse bem no cargo de tesoureiro, uma vez que a tesouraria lhe fora
dada pelo Mestre, tal como a dava a todos os outros priores da Ordem
Foi-lhe ordenado que fizesse repicar nas festas e tanger matinas e vésperas e missas e a dar as
badaladas quando levantar ao senhor na missa diária, sob pena de 100 reais por cada vez que
falte.
Verificou-se que existia o costume de o concelho ter a prata e a mandar reparar quando
necessário. A qual prata ficava em poder do procurador do concelho, e daí se levava cada vez que
era precisa para o serviço da igreja, o que foi aprovado.

Os visitadores ordenaram que se fizessem as seguintes coisas, consideradas muito necessárias


para o serviço da dita igreja da vila de Seda.

1 - Adquirir para a igreja 1 livro missal de missas votivas para quando fosse necessário ir dizer
missa nas capelas do termo, ou dar os santos sacramentos aos enfermos da vila.
2 - Mandar encadernar o missal de que, na ocasião, se serviam na igreja e que se encontrava
desencadernado.
3 - Mandar fazer uma caixa de madeira destinada a guardar os santos óleos, e um armário no
tesouro em que ficassem fechados. Ordenaram ao prior que os tivesse sempre fechados pela sua
mão.
4 - O Comendador mandaria comprar uma lanterna para quando iam dar o sacramento aos
enfermos na vila, por causa do vento ou chuva, para nela se levar lume aceso porque não era
possível utilizar os círios.
5 – Mandaria também fazer uma vestimenta de chamalote com sua alva e pertenças para servir
aos domingos. E que a de damasco, que então existia, servisse nas festas.
6 – O mesmo Comendador daria um frontal para o altar-mor do teor da vestimenta de chamalote
que ficou acima.
7 – Mandaria também comprar 2 frontais de pano da Índia para os 2 altares laterais.
8 – E compraria um turíbulo de prata com 690 gr. para servir nas festas.
9 – Mandaria também consertar um dos dois de latão que se encontravam quebrados na igreja
para servir aos outros tempos e aos finados.
10 – Adquiriria uma cruz de prata com 1.150 gr. para as procissões e festas dado que na igreja
existia somente uma, muito pequena, e que, além do mais, pertencia ao concelho que a tinha em
seu poder.
11 – Os visitadores determinaram ainda que o Comendador mandasse construir uma escada de
pedra e cal, com o seu mainel, da parte de fora do campanário, de maneira que se fizesse mais
largo o andaime onde se tangiam os sinos, e, em baixo, tivesse uma porta, a qual estaria fechada
com a chave em mão do prior.
12 – Os visitadores constataram que tendo sido ordenado ao prior, além do seu mantimento, um
prémio destinado à remuneração dum tesoureiro, o dito prior não tinha colocado ninguém que
servisse esse ofício, razão pela qual a igreja não era servida como devia, no atinente ás coisas
que ao ofício de tesoureiro pertenciam
E, nesse entendimento, mandaram ao prior da igreja de Seda que, a partir do próximo dia de S.
João Baptista, puzesse alguém como tesoureiro.
E, no caso de incumprimento da antedita determinação, mandaram ao Comendador que lhe não
pagasse o prémio que estava ordenado para o tesoureiro, aplicando dois terços dele na fábrica da
igreja, e o terço remanescente reverteria para quem acusasse esse incumprimento.
13-Mandaram ao prior que tomasse uma mulher velha e de boa vida que pedisse para a candeia e
lavasse a roupa da igreja, recomendando que fosse mulher que pudesse apanhar a azeitona que
havia para a lâmpada e, quando ela não pudesse, dar-se-ia de meias, ou de qualquer outro modo,
partindo da melhor maneira que fosse possível, para que se apanhasse e aproveitasse a dita
azeitona.

Execução destas despesas.


Os visitadores ordenaram ao Comendador que procedesse do seguinte modo no respeitante ás
coisas atrás ordenadas:
Que gastasse anualmente 10.000 reais começando, se possível, no dia de S. João Baptista desse
mesmo ano em diante, até serem cumpridas todas as coisas contidas na presente visitação,
começando pelas coisas mais necessárias.
E quando houvesse de comprar a cruz a daria num só ano, mesmo que custasse mais do que os
10.000 reais que lhe haviam sido indicados para despender anualmente. E no ano em que não
cumprisse, gastando a quantia indicada para essas despesas, seria condenado em 30 cruzados, um
terço para o Convento, outro para os cativos e o restante para quem acusasse. Sem que o
cumprimento dessa pena o desobrigasse de se desincumbir do restante.
Ermidas.
1. Ermida de S. Bento.
Ficava junto à vila, tinha paredes de cal e barro, rebocadas de cal por dentro e por fora.
Encontrava-se madeirada sobre uma trave, com telhado de duas águas assente no meio num
esteio de pau grosso e coberto de telha vã. Tinha um altar de pedra e barro, rebocado de cal, e em
cima dele encontrava-se uma imagem do padre S. Bento de vulto, em pedra pintada.
Na parede sobre o altar estavam pintadas as imagens do Espírito Santo e dos Apóstolos. De igual
modo, espalhadas pelas paredes, estavam imagens de outras muitas invocações.
Tinha ao redor do altar umas grades de pau de castanho com a porta desmanchada. E sobre o
altar encontrava-se forrado um painel de tabuado de castanho que servia como guarda-pó desse
mesmo altar
Pavimentada com lages, tinha um portado de alvenaria de tijolo com portas velhas. Media de
comprimento 6m e, de largura, 5,8 ( 35m2).
Os visitadores perguntaram quem inicialmente teria fundado esta ermida e verificou-se que, por
ser antiga, não havia memória dos edificadores. Mas foram informados que se reparava e
corregia de certos bens que lhe haviam deixado, e continuavam a deixar, moradores do lugar. A
fazenda desta ermida era a seguinte.

Quadro n.º 205


Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Imagem do padre S. Bento De vulto, em madeira pintada Sobre o altar
Imagens do Espírito Santo e dos
Apóstolos. De igual modo, espalhadas
Acima do eltar e espalhadas pelas
pelas paredes, estavam imagens de Pintadas na parede
paredes
outras muitas invocações.

Quadro nº 206
Bens de raiz

Tipologia de prédio/localização Cultivo Fólio

Terra de pão a caminho de Fronteira, partindo com terras


__ 124v
de Álvaro Palmeiro
Levava de semeadura 150 ou 160 litros de
Chão a caminho de Fronteira 124v
trigo
Courela de pão ao curral da pedra Levava de semeadura 414 litros de trigo 124v
Courela de pão a caminho da Cabeço de Vide 124v
Levaria até 207 litros de trigo de
Talho de terra ao vale do Botelho 124v
semeadura
Courela de terra de pão na Fonte do Cortiço __ 124v
Courela de terra no vale da Pia, a caminho de Alter __ 125
Talho de terra de pão na Amendoeira __ 125
Talho de terra de pão, nas Covas, caminho de Alter __ 125
Entre grandes e pequenas, de tal modo
Dezoito pés de oliveiras espalhadas que não era possível confrontá- 125
las

Do rendimento destas terras e oliveiras, que pertenciam à ermida de S. Bento, se reparava e


mantinha a dita ermida, e o que sobejava gastava-se anualmente em missas pela alma dos
benfeitores. Tinha um mordomo, a cargo do qual estava este templo, eleito em câmara pelos
juízes e oficiais aos quais pertencia a administração dela por uma sentença de D. Afonso V.
Na ocasião era mordomo António Lopes, morador na vila de Seda.

2. Ermida de Santo António.

Situada no termo desta vila, aonde chamavam as Relvas. Tinha paredes de pedra e barro e uma
ousia forrada de tabuado de pinho e cerrada por umas grades de pau, desmanchadas, no arco da
mesma capela-mór que media 2,6m de comprimento, por 2,6m de largo (cerca de 7m2). Este
templo tinha um altar de alvenaria de pedra e barro coberto com uns mantéus velhos e, sobre ele,
2 imagens de S. António de vulto, feitas em pedra, uma nova e outra velha. O corpo da ermida
era madeirado de asnas e coberto de telha vã. Nela se rasgava um portado de alvenaria de tijolo
com os calços em pedra, portas velhas e sem fechadura. Media 7m por 5,5m, perfazendo uma
área total (com a capela-mór) de 45,5m2.
Por a ermida ser muito antiga não se conseguiu achar memória de quem a tivesse fundado, nem
tãopouco que alguma pessoa fosse obrigada a cuidar dela. Não possuia nenhuma fazenda, nem
herança, mantendo-se somente por esmola de quem, por devoção, lhe fizesse alguma benfeitoria.

Quadro n.º 207


Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


De vulto, feitas em pedra, uma nova e
2 imagens de S. António Sobre o altar
outra velha.

• Ermida de S. Briços

Situada junto à vila, na coutada da Ordem que se chamava S. Briços. Encontrava-se cercada por
um cerrado, murado com pedra insonsa, que lhe pertencia. Estava completamente derrubada por
terra, subsistindo apenas um arco de pedraria da capela. Dentro desta estava um altar constituído
por uma pedra grande sobre pilares do mesmo material e, por cima dele, uma imagem de S.
Briços, de vulto,em madeira.A capela media 4,4m por4,6m (20m2). Por seu turno o corpo da
ermida tinha 11m de comprido e 6,6 de largo, perfazendo uma área total de 92,6 m2.
Por ser muito antiga não se achou memória dos edificadores nem ninguém obrigado a cuidar dela
e repará-la.

Quadro n.º 208


Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Imagem de S. Briços De vulto,em madeira Sobre o altar

• Ermida de S. Barnabé.
Encontrava-se no termo da vila, junto à ribeira de Alter. Paredes de pedra e barro guarnecidas
com cal, embora os cunhais fossem de pedraria. Possuía uma capela-mór onde ficava um altar
pequeno constituído por uma lage colocado sobre um esteio cilíndrico de pedra. Sobre esse altar
estava colocada uma imagem de S. Barnabé, de vulto, em pedra.E, por detrás, encontravam-se
pintadas as imagens de Santo Antão e S. Roque.
Esta capela-mór estava forrada por cima de tabuado de pinho, e pavimentada com ladrilhos., o
arco era de pedraria, cerrado por grades de castanho sem portas. Media 4,4m por 3,8m (17m2).
O corpo da ermida era coberto de telha vã e madeirado sobre uma trave-mestra assente num bom
esteio de pedra mármore erecto a meio do templo, Possuía um portado de pedraria com portas
providas de ferrolho, mas sem fechadura. As paredes, bem como o vigamento e o telhado
encontravam-se em bom estado. Tinha 9 m de comprido, por 5,6m (50m 2) o que perfazia uma
área total de 67m2.
Por ser antiga não se achou memória de quem a tivesse edificado, ou dela tivesse obrigação, e
não possuía bens. No entanto os moradores de Alter do Chão reparavam-na e conservavam-na
por ser lugar de grande romaria
Os visitadores encontraram por ermitão nesta ermida um Fernão Gonçalves, de Alter do Chão,
que se acolhia a uma casa que ali tinha improvisado nuns edifícios antigos contíguos à ermida. E
como não tinha carta do Mestre lhe ordenaram-lhe que a obtivesse dentro dos 6 meses imediatos.
Esta ermida de s. Bernabé estava circundada por um cerrado, murado com pedra insonsa, que lhe
pertencia.
Quadro n.º 209
Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Imagem de S. Barnabé De vulto, em pedra Sobre o altar
Imagens de Santo Antão e S. Roque. Pintadas na parede Por detrás do altar
5. Ermida de S. Marcos

Encontrava-se no termo da vila, mas não foi visitada por se encontrar totalmente derrubada Era
uma casinha pequena, de pedra e barro, madeirada de trouxa sobre uma madre, e coberta de telha
vã. Não tinha ousia. O altar era construído de pedra e barro e, sobre ele, encontrava-se uma
imagem de S. Domingos, de vulto de pedra, vestida com uma camisa de linho. O altar estava
coberto com pedaços de mantas e com toalhas muito velas e rotas. Não tinha portas e estava toda
danificada, tanto nas paredes como no telhado.
Media 5m de comprido, por 4m de largo (20m2).

Quadro n.º 210


Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


De vulto, em pedra, vestida com uma
Imagem de S. Domingos Sobre o altar
camisa de linho

6. Ermida de S. Pedro da Ervideira.

Situada no termo da vila, encontrava-se em reparação. Tinha uma ousia de pedra e barro
guarnecida com cal. Dentro dela um altar de pedra e barro, também guarnecido a cal, coberto
com mantéis, e colocada sobre ele uma imagem de S. Pedro de vulto de pedra com uma camisa
de linho vestida. A dita ousia estava madeirada com asnas e forrada de cortiça de amadio delgada
e, por cima, telhada de novo. Tinha um arco com os calços de pedra e o mais de alvenaria,
cerrado com grades de pau de salgueiro. Comprimento desta ousia: 3,3m , e de largo, outros
3,3m (10,9m2).
O corpo da ermida tinha começado a fazer-se (refazer-se) com paredes de barro até meio, e o
mais de taipa, e estava coberta de cortiça. Por não estar acabada não tinha ainda o portado
feito.Media 6m de comprido, por 5,8m de largo (35,5m2), perfazendo 46,5 m2 de área total.
Os visitadores tiveram notícia de que ali ficava anteriormente uma capela muito pequena coberta
de cortiça. E que, no Verão anterior à visita,os moradores da dita Ervideira por devoção
ampliaram a dita capela, como agora estáva, e lhe levantaram paredes, tencionando acabá-la de
todo pela devoção que lhe tinham. Segundo informação dos antigos esta ermida não possuía
coisa alguma.
Quadro n.º 211
Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


De vulto, em pedra, vestida com uma
Imagem de S. Pedro Sobre o altar
camisa de linho

7. Ermida de Santa Maria de Alparrajão

O corpo do templo encontrava-se danificado e derribado, somente a ousia permanecia levantada,


com paredes de pedra e barro e um arco de pedra até meio, e daí para cima de tijolo. Encontra-se
nessa capela-mór um altar de pedra e barro sobre o qual se encontrava colocada uma imagem de
vulto de pau, parcialmente dourado, de Nossa Senhora com o menino nos braços posta numa
caixa de pau com o seu guarda pó. A dita ousia encontrava-se muito mal reparada e coberta de
cortiça. Media de comprido 3,8m, e de largo outro tanto (14,5m2).
Uma vez que o corpo da ermida jazia todo derribado e danificado, não foi medido porque não
havia maneira de tirar medidas certas. E além de tão destruída, e aparentando muita antiguidade,
os visitadores foram informados de que no tempo antigo existira ali uma grande povoação, o que
parecia confirmar-se pelos edifícios que estavam ao redor da ermida .
Os mesmos informadores disseram que ninguém tinha obrigação de a manter e reparar, nem
possuía coisa alguma, somente ao redor dela existiam alguns pedaços de terra da Ordem, que
foram visitados e se acharam registados no tombo, com as outras propriedades da Ordem.

Quadro n.º202
Pinturas e imagens da ermida de Santa Maria

Tipologia Características Localização


Imagem de Nossa Senhora com o De vulto, em madeira parcialmente Posta numa caixa de pau com o seu
menino nos braços dourada (estofada?) guarda pó sobre o altar da capela-mor

Determinações particulares sobre o espiritual

1. Os visitadores encontraram a ermida de S. Bento muito mal reparada, o que era difícil de
entender, uma vez que dispunha de renda suficiente para o fazer, desde que houvesse quem disso
cuidasse.
Por essa razão foi ordenado ao mordomo que se encontrava em funções, bem como áqueles que
futuramente o viessem a ser, que anualmente desse contas do que recebia de renda da dita
ermida. E mandaram aos juízes que, em cada ano, lhas tomassem, mandando chamar o prior da
vila para estar presente à prestação de contas. E o que achassem de renda seria gasto nas coisas
necessárias à fabrica da ermida. Se, porventura, alguma coisa sobejasse gastá-la-iam em missas e
esmolas onde vissem que era mais proveitoso ás almas dos defuntos que haviam deixado a dita
renda. O que farão com conselho do dito prior. Esta determinação seria inteiramente cumprida,
sob pena de, quem o contrário fizesse, pagar 2.000 reais, um terço para as obras do Convento,
outro para os cativos e o outro para quem acusasse.
Mandaram também que, daquilo que na altura tivesse o mordomo de S. Bento, comprassem para
o altar da ermida uns mantéus e um lençol. E que consertassem as grades de modo a que
ficassem fechadas com fechadura e chave. E que madeirassem a ermida com boa madeira.
Ordenaram ainda que os ditos juízes, juntamente com o prior, elegessem anualmente um
mordomo para a ermida de S. Bento, e o que achassem que tinha o mordomo cujo mandato
expirava, o entregassem ao que fosse eleito, prazo de 8 dias sob a dita pena.
E se fosse necessário vender alguma coisa da dita renda o venderiam em pregão quando se
venderem as rendas dos órfãos, com conselho e licença dos juízes da vila

2. Sobre os fogos que se acendiam na igreja.

Mandaram ao prior que não fizesse, nem consentisse que fizessem, fogo dentro da igreja em
ocasião nenhuma porque era procedimento muito condenável, e ocasionava muitos danos nas
pinturas e imagens da igreja. E, fazendo o contrário, o dariam por condenado em 1.000 reais por
cada infracção, dos quais um terço reverteria para as obras do Convento, o outro para os cativos
e o remanescente para quem acusar.

6.5.2. Dimensão Senhorial

Determinações particulares sobre o temporal

1.Da ingerência nas dadas de terras

Porquanto alguns juízes ordinários, bem como outras pessoas que tinham cargos, contradiziam
algumas coisas que eram dadas a algumas pessoas. Não somente aquelas que dava o
Comendador, como outros oficiais da Ordem, por exemplo: sesmarias e outras coisas
semelhantes. E, além de as contradizerem, impunham penas ás pessoas a que haviam sido dadas
e as não aproveitavam, o que era contra o Direito porque não podia nenhuma pessoa fazer nem
contradizer sem razão aquilo que efectivamente os supracitados recipiendários não conseguiam
fazer, os visitadores mandaram aos ditos juízes e oficiais que tal coisa não fizessem, nem
contradissessem, aplicando coimas a quem as tais sesmarias haviam sido dadas pelos oficiais da
Ordem. E fazendo o contrário seriam condenados, cada um dos ditos juízes e oficiais, em 10
cruzados de ouro, um terço para as obras do Convento, o outro para os cativos e o remanescente
para quem acusar.

2. Dízimos desviados

Constatou-se que certos olivais, vinhas e hortas que ficavam no termo da vila levavam o dízimo
para Alter do Chão, o que era contra o Direito Canónico porquanto todo o dízimo devia ser pago
no termo ou limites onde ficasse a herdade, quer fosse terra, ou vinha ou olival.
Consequentemente ordenou-se ao Comendador que demandasse as pessoas que tal dízimo levam
contra o direito, até sentença final. Devendo iniciar a demanda até S. João Baptista de 1519 e, daí
em diante, a seguisse até sentença final, sob pena de pagar para as obras do convento 50
cruzados de ouro, e bem assim demandassem o dízimo dos gados que lhe não pagassem, sob a
dita pena porque era em prejuízo das rendas da Ordem.

Direitos, possessões e jurisdição que a Ordem tinha na vila de Seda

A jurisdição pertencia ao Mestre, as sisas e terças do concelho pertenciam ao rei, que havia
cedido a D. Jorge as terças do concelho, mas as rendas eram do Comendador, embora o Cardeal
tivesse o terço da Comenda, não entrando nisso a ervagem, e rações da coutada da Ordem, bem
como outras coisas não descriminadas .
Tinha a jurisdição do cível e do crime na vila e seu termo. A eleição dos juízes fazia-se pela
Ordem, através de quem o Mestre mandava e dava o poder. Os juízes ordinários eram
confirmados pelo mesmo senhor, ou por quem para isso dele tivesse poder, tal como na ocasião
tinha o Comendador D. Duarte de Almeida, que confirmava os ditos juízes por poder que o
Mestre para isso lhe havia dado, como se comprovava pela carta que tinha mostrado, assinada
pelo mesmo senhor. Esta prática estivera sempre na posse Ordem desde antigamente Era
também costume na vila que o Alcaide-mor, ou quem ele encarregasse, apresentasse três homens
em câmara e os juízes e oficiais escolhiam um que lhes pareçesse para isso mais honesto, e lhe
davam juramento em câmara para que servisse de alcaide pequeno.

Oficiais da Ordem na vila de Seda

Quadro nº203
Ofícios da Ordem
Nome Ofício
escrivão da câmara e da almotaçaria
António Cardoso
nomeado por carta do Mestre
tabelião público e judicial, nomeado
Gil Fernandes
por carta do Mestre
contador dos feitos e inquiridor na
Gonçalo Nunes dita vila, nomeado por carta do
Mestre
partidor dos órfãos, nomeado por
Vasco Eanes
carta do Mestre

Rendas e população

Pertenciam à Ordem os dízimos do pão,do vinho,do azeite, do linho,das favas, tremoços, e de


todos os outros legumes,da fruta e hortaliça de toda a sorte, bem como do mel e dos enxames.
E, ainda, todas as oblações do pé d’altar da igreja matriz e das ermidas
Pertenciam igualmente à Ordem os dízimos de todas as outras coisas de que o direito canónico
mandava pagar dízimo. Também a Portagem da vila era da Ordem, e dela se arrecadavam
160.000 reais em cada ano. A Alcaidaria- mor da dita vila, com o seu castelo e renda dela
pertence à Ordem com os gados e bestas do vento e penas das armas, e com todos os outros
direitos contidos no foral e Ordenações do Reino.
Foi ordenado pelos visitadores que as conhecenças dos oficiais e dos engenhos se arrecadassem
como mandava a constituição do prelado e como se pagava por todo o Mestrado
Na vila de Seda residiam mais de 200 vizinhos e dentre estes, 6 eram de cavalo e 11 besteiros
privilegiados .

6.5.3. Dimensão Patrimonial

Castelo e morada do Comendador

Os visitadores inspecionaram o dito castelo que era constituído por uma cerca muito velha e
parcialmente derribada, segundo se evidenciava nos muros, que nunca tinham chegado a ser
totalmente acabados. Além do mais não tinha nenhuma torre. Apenas se encontravam dentro da
cerca, logo à entrada de porta da vila, umas casas boas utilizadas como aposentos do
Comendador e Alcaide-mor, na ocasião D. Duarte de Almeida. Estas casas eram as seguintes:
1- Uma sala a que se acedia por uma escada que partia do sótão da dita sala, e era sobradada e
assoalhada de tabuado, tendo uma boa chaminé e duas janelas: uma que deitava para a vila e
ficava na parte Sul, e outra virada para o terreiro do castelo e ficava a Norte; as quais janelas
tinham no meio colunelos de pedra mármore. Esta sala encontrava-se madeirada de asnas e
forrada de cortiça de amadio.
Á esquerda da sobredita sala, da parte do Levante, ficava uma câmara que servia de guarda-
roupa e tinha uma janela para o Norte. Depois deste guarda-roupa ficava uma divisão muito
pequena que servia de privada.
Regressando à sala inicial, à direita, ficava uma câmara grande e boa e, depois desta, estava outra
câmara que dava para o Norte, e cada uma tinha sua janela.
Da parte do Poente, pegada com a antedita dita sala, estva outra câmara que servia de cozinha. E
mais dentro outra câmara, que servia de botica,tendo cada uma sua janela.
Eram no todo 8 casas, entre grandes e pequenas,e por baixo , outros tantos sótãos que serviam de
celeiro de trigo e de todo o outro pão dos dízimos.
Todas estas 8 casas se encontravam construídas com paredes de pedra e cal, guarnecidas a cal por
fora e por dentro, madeiradas de asnas e todas por cima forradas de cortiça de amadio e, por cima
telha. Todas tinham bons portados, com suas portas e fechaduras, e todas se encontravam
assoalhadas de tabuado e em tudo muito bem reparadas
Nas quais casas os visitadores acharam aposentado D. Duarte de Almeida, com sua mulher e
toda a sua casa.
Foi-lhe então pedido o título da alcaidaria da dita vila que ele mostrou logo, consistindo numa
carta do Mestre, por ele assinada e passada pela sua chancelaria em que dava o dito D. Duarte
por Alcaide-mor da vila. E por ter já sido visitada a sua pessoa passou-se à visitação das outras
casas situadas na cerca do castelo que eram as seguintes:
Uma casa térrea, pegada com os aposentos e que tinha uma chaminé, madeirada de trouxa e
forrada de cortiça, em a qual pousavam os criados do Comendador e Alcaide-mor
Uma outra casa pequena, com paredes de taipa e coberta de telha vã, que D. Duarte mandou
fazer para as galinhas.
Ainda dentro da cerca do castelo ficava uma casa grande que servia de estrebaria e tinha
manjedouras, e pegada a ela, outra mais pequena que servia de palheiro e tinha palha. Ambas
madeiradas de trouxa e cobertas de telha vã.
Também dentro da cerca do castelo ficava uma casa grande que era lagar de azeite de duas
varas , uma que agora estava desmanchada e a outra servia e desfazia quanta azeitona havia na
vila por não existir outro lagar de azeite.
Este lagar tinha ainda uma caldeira e moinho em que se moía a azeitona e encontrava-se
edificada com paredes de pedra e barro, estando madeirada de trouxa e coberta de telha vã.
Uma vez que estas casas, tanto os aposentos como as outras, ficavam todas dentro da cerca do
castelo as não mandaram medir por não ser necessário, já que tudo pertencia à Ordem.

Tombo de todas as propriedades que a Ordem tinha na vila de Seda.

Demarcação dos coutos do concelho


Tinha o concelho da vila, ao redor dela, uma coutada para os bois de arado que se chamava a
coutada do cortiço cujas demarcações eram as seguintes : começava no cabeço de Fernão Calvo,
ao caminho de Fronteira, e daí levava o caminho de longo até chegar ao vale dos Cactos, e seguia
a direito para o cortiço, até à cumeada, prosseguindo pela cumeada acima, partindo com terras de
herdeiros até chegar aos Caliços. Nesse ponto volvia para a fonte da Berta, passando pelo
pardieiro onde estava um marco, a partir do qual continuava, partindo com terras de herdeiros,
até chegar ao vale do Graino. Nesse vale voltava para o vale dos Solteiros, partindo com
lavradios de herdeiros, ao longo dos quais prosseguia até chegar ao dito caminho de Fronteira, à
cabeça de Fernão Calvo onde se tinha começado
A qual coutada foi demarcada por moradores antigos, ajuramentados, que declararam que em tal
costume estava o dito concelho
Mais disseram os ditos ajuramentados que o concelho tinha outra coutada para os ditos bois de
arado, que também era coimeira a todos os gados, com excepção dos porcos, no tempo da
montanheira, porque tinha soveral, e no dito tempo podiam andar nela os porcos dos vizinhos e
moradores da vila e termo.
Esta segunda coutada ficava onde se chamava a Rabaça e tinha as seguintes demarcações:
começava no caminho que ia da vila para Ponte de Sor, junto à lameira de Almada, seguindo daí
para os poçilgões velhos que se chamavam do caminho, cortando daí direito ao cabeço da Lapa
e, desse cabeço até à estrada que seguia da ponte para de Vila Formosa para a Ponte de Sor.
Donde prosseguia, ao longo da estrada para a Ponte de Sor até à foz do vale do Roubão,
continuando pelo vale da Pedra e daí seguia até ao cimo do vale de Pero Mouro, correndo a
cumiada de entre Pero Mouro e a Cabeça de Carvo a fundo até se meter no vale da Rabaça e daí
continuando pela ladeira acima, até chegar ao dito caminho de Ponte de Sor junto com a Lameira
de Almada onde começou. A demarcação corria ao redor por marcos, malhões e divisões antigas
segundo disseram os ajuramentados.
O concelho estava em posse e costume de coutar outras relvas e restolhos em terras de herdeiros,
para pastos e comedoria dos bois de arado. As referidas terras coutadas eram coimeiras a todas os
gados assim como o eram também as outras coutadas do concelho. As quais relvas e restolhos o
concelho coutava e descoutava de acordo com as ocasiões e prazos que pareciam adequados para
proveito do povo.

Casas da Ordem.

Quadro n.º204
Tipologia dos prédios urbanos

Medidas
Tipologia do prédio
Fólio
Localização Medievais Sistema Decimal
(varas) Dimensão Área
(metros) (m2)
N/S 4,2 4,6
28
L/P 5.5 6
N/S 2,3 2,5
9,6
L/P 3,5 3,8
5 casas na Rua do Castelo N/S 3 3,3
10,8 144
que trazia o prior L/P 3 3,3
N/S 2,5 2,7
9
L/P 3 3,3
N/S 3 3,3
12,3
L/P 3,5 3,7
Casa de forno na N/S 4 N/S 4,4
24,6 145
Rua do Castelo L/P 5,1 L/P 5,6
N/S 3,5 N/S 3,8
Casa na rua do Castelo 25,4 146
L/P 6 L/P 6,6
N/S 7 N/S 7,7
Casa na Rua do Castelo 118,5 147
L/P 14 L/P 15,4
Casa na Rua do Castelo ___ __ 30,5 148
Casa na Rua do Castelo com celeiro __ __ 24 149

.
Quadro n.º 205
Contratos sobre casas

Tipologia das
Tipologia do contrato
Tipologia de rendas fixas
prédio/localizaçã Titular Fólio
o Galinhas Emprazamento
(Vidas)
O prior, Frei Pedro
Casas na Rua do
Farto, residia nelas por
Castelo que trazia 3 144
serem dotadas aos
o prior
Priores
Casa, na 2
Simão Dias 145
Rua do Castelo galinhas 3
2
Casa na rua do
galinhas Afonso Luís 146
Castelo 3

Casa 1
3
Na Rua do galinha Manuel Vaz 147
Castelo
1
Casa na Rua do
galinha Gaspar Dias 148
Castelo 3

Casa na Rua do 1 Diogo Fernandes 149


Castelo galinha Manhãs 3
Quadro nº 206
Ferragiais

Medidas

Tipologia do prédio Descrição/ Sistema Decimal


Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)

Ferragial pegado com os


muros da cerca, por dentro N/S 92 101 7.000
__ 150
dela, onde se chamava L/P 63 69
Vinha da Ordem
Ferragial, pegado com os
muros da cerca, entre a N/S 89 98
__ 4.958 151
porta do sol e a porta da L/P 46 50,6
traição
Ferragial, pequeno que
ficava onde saía a água da N/S 37,5 41 947
Com uma figueira 152
cerca, junto ao rib.º da L/P 21 23
Assequia
Ferragial junto à vila Com 2 figueiras e 1 N/S 13 14,3
582 153
cerrado com sebes e silvas ameixoeira L/P 37 40,7
Ferragial, N/S 14 NS 15,4
__ 1.981 154
Junto à vila L/P 117 LP 128
Ferragial, dentro do olival Com 2 oliveiras, 1 figueira N/S 23 NS 25
687 155
da Ordem e 1 ameixoeira pequenas L/P 25 LP 27,5

Quadro n.º 207


Contratos sobre Ferragiais

Tipologia do
Rendas fixas
contrato
Tipologia de prédio/Localização Titular Fólio
Aves Emprazamento
(Vidas)
Ferragial, pegado com os muros
da cerca, por dentro dela, onde se __ Na posse do Comendador __ 150
chamava Vinha da Ordem
Ferragial,
pegadocom os muros da cerca,
__ Na posse do Comendador __ 151
entre a porta do sol e a porta da
traição
Ferragial, pequeno que ficava 1
Álvaro Rodrigues
onde saía a água da cerca, junto ao galinha 152
Gorjão 3
rib.º da Assequia
Ferragial junto à vila cerrado com __ Simão Rodrigues __ 153
sebes e silvas Como não tivesse
tít.º os visitadores
remeteram-no ao
Comendador para
regularizar a situação
Ferragial,
__ Na posse do Comendador __ 154
Junto à vila
Ferragial, dentro do olival da 1
João Gonçalves __ 155
Ordem frangão

Quadro nº 208
Vinhas

Tipologia de prédio/ localização Fólio

Cerrado de vinhas repartidas junto ao rib.º do Espinheiro 156


Courela de vinha contida no antedito cerrado 157
Courela de vinha contida no antedito cerrado 158
Courela de vinha contida no antedito cerrado 159
Courela de vinha contida no antedito cerrado 160
Courela de vinha contida no antedito cerrado 161
Courela de vinha contida no antedito cerrado 162
Courela de vinha contida no antedito cerrado 163
Courela de vinha contida no antedito cerrado 164
Courela de vinha contida no antedito cerrado 165
Courela de vinha contida no antedito cerrado 166
Courela de vinha contida no antedito cerrado 167
Vinhas , situadas dentro do cerrado das Almoinhas 168
Courela de vinha, no cerrado das almoinhas 170
Courela de vinha, no cerrado das almoinhas 171
Courela de vinha, no cerrado das almoinhas 172
Courela de vinha, no cerrado das almoinhas 173
Courela de vinha, no cerrado das almoinhas 174
Courela de vinha, no cerrado das almoinhas 175
Meia courela de vinha, no cerrado das almoinhas 176
Vinha dentro da coutada de S. Briços 177
Vinha dentro da coutada de S. Briços 178

Quadro n.º 209


Contratos sobre vinhas no
Espinheiro (E) e nas Almoinhas (A)

Tipologia das rendas fixas Tipologia do contrato


Tipologia de
prédio/Localizaç Titular Fólio
Trigo
ão Aves Emprazamento
(litros)
(Vidas)
Courela de vinha 1
41,4 Gaspar Vaz 157
(E) galinha 3
courela de vinha 1 Gonçalo Nunes
41,4 158
(E) galinha
Simão Lopes
Courela de vinha 1
41,4 Estaco 159
(E) galinha 3

Courela de vinha 1
48,3 Pêro Eanes Besugo 160
(E) galinha 3
Courela de vinha 1 galinha João Gonçalves
13,8 161
(E) 1 frangão Caldeirão 3
Courela de vinha
___ 41,4 162
(E) Pêro Álvares 3
Courela de vinha
1 galinha 13,8 António Nunes 163
(E) 3
Courela de vinha 1 Bastião Dias, filho
27,6 164
(E) frangão De Filipe Dias 3
Courela de vinha
1 galinha 20,7 António Dias 165
(E) 3
Courela de vinha António Fernandes
1 galinha 13,8 166
(E) Morgado 3
Courela de Vinha
1 galinha 20,7 António Afonso 167
(E) 3
Courela de vinha 1
27,6 Álvaro Vaz 168
(E) frango 3
Courela de vinha 1 galinha
41,4 Diogo Farto 170
(A) 1 frangão 3
Courela de vinha
1 galinha 27,6 Fernão Sameiro 171
(A) 3
Courela de vinha
__ 13,8 Martim Gonçalves 172
(A)
Courela de vinha 1
27,6 Diogo Vaz, órfão 173
(A) frangão 3
Courela de vinha Pêro Eanes
__ 27,6 174
(A) Ferreiro 3
Courela de vinha 1
27,6 Álvaro Rodrigues 175
(A) frangão 3
Meia courela de 1
13,8 Simão Rodrigues 176
vinha (A) frangão 3

Quadro nº 210
Hortas

Medidas

Tipologia do prédio Descrição/ Sistema Decimal


Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) m2/ha

Cerrado de árvores que se Todo tapado por valados,


chamava a horta da Ordem com muitas árvores de N/S 37,5 N/S 41,2
4.622m2 179
ao longo da rib.ª fruto como pereiras, L/P 102 L/P 112
acima do moinho marmeleiros e ameixoeiras
Horta dentro da coutada de Tem 1 chão pequeno Com N/S 110 N/S 121 2.5 ha 179
S. Briços, chamada vale da 1 vinha pequena, pereiras, L/P 192 L/P 211
Impa romãzeiras, marmeleiros,
ameixoeiras, figueiras e
muitas outras árvores de
fruto
1 cerrado com árvores de
fruto recentes, hortaliça,
Horta e assento de casas outro chão para fazer horta
N/S 46,5 N/S 51
dentro da coutada de S. onde se camava a Bica, 2 8.863 m2 180
L/P 158 L/P 174
Briços casas de morada de taipa
com alicerces de pedra e
cobertas de cortiça

Quadro n.º 211


Contratos sobre hortas

Tipologia das rendas fixas Tipologia do contrato


Tipologia de
Titular Fólio
prédio/Localização Numerário Aves
Emprazamento
(reais)
(Vidas)
Um cerrado de árvores que
se chamava a horta da
Ordem Comendador 179
ao longo da rib.ª, acima do
moinho
Horta dentro da coutada de
3 galinhas
S. Briços, chamada vale da Lopo Dias, filho
100 1 180
Impa que tem 1 chão de Luís Dias 3
frangão
pequeno dentro
Horta e assento de casas 2 galinhas
dentro da coutada de S. 1 frangão Afonso Pires 3 181
Briços

Quadro nº 212
Moinho

Medidas

Tipologia do prédio Descrição/ Sistema Decimal


Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) m2

Moinho de 2 feridos na Paredes de pedra e cal, N/S 7,2 N/S 8 43,5 183
rib.ª de Seda junto à vila madeirado de trouxa e L/P 5 L/P 5,5
coberto de cortiça, corrente
e moente com 2 rodas,
encontrava-se mal
reparado, tanto no
respeitante à casa, como ao
açude que se encontrava
danificado

Quadro nº 213
Terras da Ordem

Medidas

Tipologia do prédio Descrição/ Sistema Decimal


Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) Ha

Terra de pão junto à vila Terra de pão com um olival N/S 332 N/S 365 2,5
184 -184v
com olival grande e bom grande e bom L/P 62 L/P 68,2
Uma courela de pão nas N/S 332 N/S 365 2,5
Courela de pão 186
relvas de S.to António L/P 62 L/P 68,2
Terra de pão no Vale do
N/S 367 N/S 403 5,4
Coelho Terra de pão 187
L/P 123 L/P 135

Terra de pão no Vale do


N/S 905 N/S 995 12,4
Álamo, junto a Alter do Terra de pão 188
L/P 114 L/P 125
Chão
Terra de pão no Vale do
N/S 470 N/S 517
Zambujo, no campo de Terra de pão 5,3 189
L/P 94 L/P 103
Alter do Chão
Terra de pão ao redor de N/S 274 N/S 301
Terra de pão 7,4 190-190v
S.ta Maria de Alparrajão L/P 224 L/P 246
Terra pequena de pão junto N/S 117 N/S 128
Pequena terra de pão 7.630 192
à igreja de Alparrajão L/P 54 L/P 59
Outra terra na Rib.ª do N/S 164 N/S 180
13,2 193
Alparrajão L/P 668 L/P 735
Terra no Vale do Açor junto
___ __ ___ 194
a S.ta Maria do Alparrajão
Quadro nº 214
Coutadas de terras de pão na possedo Comendador D. Duarte de Almeida

Medidas

Tipologia do Sistema
Descrição/
prédio Medievai Decimal Fólio
Cultivo
Localização s Dimensã Áre
(varas) o a
(metros) (m2)
Coutada de Terra de pão que o Comendador lavrava. Com 2 vinhas, uma horta e um
N/S 1662 N/S 1828 195-
terras de pão em assento onde está a Venda da Biqueira que trazem foreiros aforadas . 242
L/P 1200 L/P 1320 196
S. Briços Possuía um caneiro onde ninguém podia pescar sem licença da Ordem
Coutada da Terra de pão N/S 1169 N/S 1285
96,2 197
Rabaça L/P 681 L/P 749
6.6. Segunda visitação à comenda de Seda

Cerca de 19 anos após a visita efectuada á comenda de Seda pelo bacharel D. Frei Nuno
Cordeiro e por Frei João Rolão, que a haviam terminado em 28 de Março de 1519, novos
enviados do Mestre de Avis regressavam á, vila. Desta feita tratava-se de Francisco Coelho
cavaleiro da Ordem e Frei André Dias, prior da igreja de Avis, que a visitavam na sequência do
Capítulo Geral da Ordem de Avis realizado em 27 de Fevereiro de 1538 no mosteiro dos Lóios,
em Lisboa no qual fora deliberado dividir o Mestrado de Avis nas duas comarcas distintas a que
fizemos alusão nas visitas precedentes deste ano .

6.6.1. Dimensão Religiosa

Na manhã do dia 23 de Setembro de 1538 os enviados de D. Jorge, que tinham terminado a


visitação à vila da Galveias a 20 do mesmo mês, chegaram à igreja de Santa Maria do
Espinheiro, não se encontrando referidas na fonte as individualidades esperadas.
Nesta ocasião era Comendador da vila de Seda D. Lopo de Azevedo, filho do Almirante António
de Azevedo , o qual ainda usufruía os frutos da comenda em forma de pensão vitalícia. Uma vez
que o Comendador D. Lopo não se encontrava presente não foi visitado, nem se viu o título que
tinha da dita comenda. O Alcaide-mor de Seda era António de Gouveia, cavaleiro professo da
Ordem de Avis e Comendador de Figueira o qual, por não também não se encontrar presente, não
mostrou o título da Alcaidaria.
Era na ocasião prior da igreja de Santa Maria do Espinheiro Frei Afonso Farto, clérigo de missa e
Freire professo do hábito de Avis, o qual, a exemplo do seu predecessor em1519, questionado
sobre o título do seu priorado, hábito e profissão dissera que recebera o hábito e fizera profissão
no Convento de Avis, mas não tinha os títulos do hábito e profissão porque nessa época não era
costume tirá-los. Como geralmente acontecia, tinham ordenado os visitadores desse ano que os
tirasse do escrivão do cartório do Convento de Avis, mas desta feita, encurtando o prazo de 6
para 3 meses.
Seguidamente mostrou o título do seu benefício que, nesta ocasião, consistia não já numa
confirmação do bispo de Évora, D. Afonso, feita sobre a apresentação do Mestre, mas numa
confirmação do cadeal, na qualidade de bispo de Évora.Deduzimos que Frei Afonso Farto tinha
sido mais diligente na actualização do seu benefício do que na obtenção dos títulos do hábito e
profissão.
Continuava a receber de mantimento anualmente 10.000 reais em dinheiro, 16,5 hectolitros de
trigo e 17 hectolitros de cevada, aos quais se viera acrestar o pé d’altar, de acordo com o
deliberado no Capítulo Geral de 27 de Fevereiro de 1538. Não se tinham alterado as suas
obrigações, registadas na visita de 1519.
O prior mostrou ainda aos visitadores a mesma carta do Mestre, passada pela sua chancelaria, em
que tinha sido dado como tesoureiro da dita igreja, cargo de que continuava a receber o mesmo
mantimento que tinha sido registado em 1519, em cujas determinações particulares constava "Os
visitadores verificaram que tendo sido ordenado ao prior, além do seu mantimento, um prémio
destinado à remuneração dum tesoureiro, o dito prior não tinha colocado ninguém que servisse
esse ofício, razão pela qual a igreja não era servida como devia, no atinente ás coisas que ao
ofício de tesoureiro pertenciam
E, nesse entendimento, mandaram ao prior da igreja de Seda que, a partir do próximo dia de S.
João Baptista, puzesse alguém como tesoureiro.
E, no caso de incumprimento da antedita determinação, mandaram ao Comendador que lhe não
pagasse o prémio que estava ordenado para o tesoureiro" Ora esta acumulação de funções
permanecia ainda em 1538, implicitamente sancionada pelos enviados de D. Jorge.
Afirmou que cumpria todos os capítulos da Regra, e mostrou o livro da mesma e o manto branco
que tinha vestido.
Foram inquiridos – de acordo com o procedimento habitual – os juízes, oficiais e alguns homens
honrados da vila e todos disseram que eram muito bem servidos pelo prior, que lhes administrava
os sacramentos com diligência e dizia todas as missas de sua obrigação, sem que, desta feita,
tivessem levantado o labéu de que se ocupava demasiadamente com a sua fazenda, tal como
sucedera em 1519.
A igreja matriz da vila da Seda encontrava-se da mesma maneira que tinha sido descrita na
visitação passada da Ordem, conforme anotaram os enviados do Mestre. Registava-se apenas que
a capela-mor estava forrada de novo com pinho, uma vez que tinha sido retirado o forro pintado ,
muito velho, que lá estava anteriormente, e que a pia baptismal se encontrava cercada com
grades de pau que lá tinham sido colocadas . Uma vez que estas reparações não se encontravam
previstas nas determinações particulares de 1519 parece lícito deduzir que teria entretanto sido
efectuada, pelo menos, uma visita intercalar.
Todavia, nessa primeira inspecção precedente tinha sido determinado que o Comendador
mandasse fazer uma caixa de madeira destinada a guardar os santos óleos, e um armário no
tesouro em que ficassem fechados. Fora ordenaram ainda ao prior que os tivesse sempre
fechados pela sua mão. Em 1538 essa determinação havia sido cumprida, uma vez que o óleo, o
crisma e o óleo dos enfermos se encontravam em 3 ambulas de chumbo, limpas e bem
concertadas, metidas uma boceta de pau, que se encontrava fechadada num armário da sacristia.
Nessa mesma visita de 1519 tinha sido ordenado ao prior que tomasse uma mulher velha e de
boa vida que pedisse para a candeia e lavasse a roupa da igreja, recomendando que fosse mulher
que pudesse apanhar a azeitona que havia para a lâmpada e, quando ela não pudesse, dar-se-ia de
meias, ou de qualquer outro modo, partindo da melhor maneira que fosse possível, para que se
apanhasse e aproveitasse a dita azeitona. Em 1538 existe uma referência ao azeite proveniente as
oliveiras deixadas por defuntos para a lâmpada da igreja, mas nenhuma menção a uma candieira
em exercício.
O adro da dita igreja foi demarcado com maior nitidez do que na visitação de 1519, medindo de
Levante ao Poente 81,4m , e de Norte a Sul 96.1m, perfazendo uma área total de 7.822m2.
Além da prata da igreja que se encontrava anotada na visitação pretérita, registou-se apenas a
existência dum cálice de prata branca com sua patena, deixado por um defunto, bem como uma
cruz pequena, deixada por outro defunto. A qual prata o concelho da vila tinha em seu poder e
mandava consertar ou fazer de novo quando tal era necessário, como sucedia por costume antigo,
o que foi novamente aprovado pelos visitadores. Mas estes últimos precisaram nesta ocasião que,
sempre que necessário, a prata fosse levada para servir na dita igreja pela mão do procurador do
concelho. Quanto ao cálice de prata branca que era da Ordem, e tinha agnus dei escrito ao redor
do vaso (o qual andava em poder do prior, como tesoureiro em 1519), verificou-se que tinha sido
furtado, pelo que ele adquirira e entregara outro cálice de prata branca, com sua patena, e o
mesmo prior, como tesoureiro, na ocasião o tinha em seu poder.
A evolução verificada entre 1519 e 1538 no que se refere aos ornamentos de Santa Maria do
Espinheiro, em Seda foi a seguinte.
Quadro n.º215
Ornamentos da Igreja

1519 1538
Capa de asperges de damasco pardo Com capelo e bandas
Vestimenta de chamalote verde
de cetim verde aveludado e franjas pretas evermelhas

3 bancais de Flandres De folhagens, usados, servem de Vestimenta de pano da Guiné pintado


frontais.
3 frontais de palma de pano da Guiné com franjas de linhas
__
pretas e brancas, usados
3 frontais de pano de estopa Pretos, com cruzes brancas elo Frontal de altar-mor de chamalote aleonado
meio, servem na quaresma
Vestimenta de damasco aleonado Toda comprida,com
savastro de cetim aveludado carmezim e franjas amarelas e Festimenta de pano da Guiné
vermelhas, com suas pertenças, boa.
Vestimenta de pano da Guiné Toda comprida, pintada de Palio de damasco carmesim
vermelho e branco, usada.
Vestimenta de linho branca. Toda comprida, com forro de Frontais de chamalote aleonado todos franjados
linho preto, velha e rôta
Vestimenta de zarzaguarja) Toda comprida, rota e bem
___
velha
Vestimenta de pano de linho Toda comprida, preta e
___
brunida, usada
Vestimenta de pano boguasim Toda comprida, amarela,
___
com o savastro do mesmo teor, mas vermelho, velha

Quadro n.º 216


Roupa de linho da igreja

1519 1538
14 mantéus, 11 usados e 3 rôtos Sete mesas de mantéus velhos, outros mantéus usados,
mais uns mantéus velhos grandes, do altar-mor, e dois
mantéus de estopa que estavam nos altares pequenos
3 lencóis usados Três lençóis de linho, um novo e dois usados
2 toalhas lavradas de ponto real, novas Umas toalhas da terra, usadas
Outras toalhas, velhas Umas toalhas da terra, novas
Toalha de linho, com bandas azuis Cinco toalhas lavradas
3 toalhas francesas, usadas. Serviam nos altares, Outras toalhas ainda boas, e umas toalhas usadas
2 toalhas de linho da terra, com lavores de Flandres Outras toalhas de Flandres usadas

Como se depreende da comparação do quadro supra, existiram algumas (poucas) substituições da


roupa de linho da igreja de Santa Maria do Espinheiro.
Apresentada a estrutura geral da igreja as necessidades imediatas que a visitação revela podem
avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo,
que podemos resumir da seguinte maneira:

Mudança da lâmpada para dentro da capela-mor.

Uma vez que pareceu mal aos enviados de D. Jorge que a lâmpada se encontrasse no corpo da
igreja, sendo mais conveniente que ficasse dentro da capela-mor, foi ordenado ao prior que
mudasse imediatamente a dita lâmpada, colocando-a dentro da capela-mor.

Conserto do telhado e portas da igreja.

Em 1519, embora as determinações contemplassem numerosas aquisições de livros, paramentos


e alfaias litúrgicas, não haviam sido ordenadas mais obras do que a construção de uma escada de
acesso ao campanário.
Já de acordo com os visitadores de 1538 a igreja de Santa Maria do Espinheiro tinha muita
necessidade de ser retelhada e cintada de cal porque chovia nela em muitas partes pelo que
ordenaram ao Comendador, sob pena de 1000 reais para o Convento, que mandasse revolver e
telhar a dita igreja muito bem, e cintá-la de cal onde houvesse necessidade disso, de maneira a
que não chovesse nela, nem nos alpendres que estavam sobre as portas travessas, marcando-lhe
como prazo de execução os quatro meses seguintes.
Verificaram também que o templo tinha necessidade de umas portas novas na porta travessa que
dava para a vila porque as que existiam se encontravam totalmente quebradas, tendo
inclusivamente caído. De igual modo as portas principais necessitavam ser consertadas e
restauradas em tudo o que fosse necessário para que se não acabassem de se perder.
Os visitadores ordenaram finalmente que se acabasse o que faltava fazer no campanário, mas não
especificando, pelo que ficamos na dúvida se contemplariam ainda a escada de acesso cuja
construção fora determinado em 1519.
Foi constatado ser necessário adquirir um par de galhetas de estanho e outra caixa de madeira
com suas ambulas para os 3 óleos santos ( em 1519 havia sido ordenado mandar fazer uma caixa
de madeira destinada a guardar os santos óleos, o que, aparentemente, não fora cumprido, ou
deficientemente executado) e umas toalhas novas e boas para o altar-mor. Uma vez que todas
estas coisas eram necessárias ordenaram ao Comendador, sob a pena de 1.000 reais para as obras
do Convento, que as mandasse comprar e fazer na dita igreja nos 4 meses seguintes .

Ermidas

1. Ermida de S. Bento

Em 1519 os visitadores encontraram a ermida de S. Bento muito mal reparada, o que


consideraram difícil de entender, uma vez que dispunha de renda suficiente para se encontrar em
bom estado, desde que houvesse quem cuidasse disso.
Por essa razão foi ordenado ao mordomo que se encontrava então em funções, bem como áqueles
que futuramente o viessem a ser, que anualmente dessem contas do que recebiam de renda da
dita ermida. E mandaram aos juízes que, em cada ano, lhes tomassem as mesmas, mandando
chamar o prior da vila para estar presente à prestação de contas. E o que achassem de renda seria
gasto nas coisas necessárias à fabrica da ermida. Se, porventura, alguma coisa sobejasse, gastá-
la-iam em missas e esmolas onde vissem que era mais proveitoso ás almas dos defuntos que
haviam deixado a dita renda. O que fariam com conselho do dito prior. Esta determinação seria
inteiramente cumprida, sob pena de, não cumprindo, pagar 2.000 reais, um terço para as obras do
Convento, outro para os cativos e o restante para quem acusasse.
Mandaram também os enviados de D. Jorge que, com quilo que na altura existisse na posse do
mordomo de S. Bento, se comprassem para o altar da ermida uns mantéus e um lençol. E que
consertassem as grades de modo a que ficassem fechadas com fechadura e chave. E, finalmente,
que madeirassem a ermida com boa madeira.
Ordenaram ainda que os juízes, juntamente com o prior, elegessem anualmente um mordomo
para a ermida de S. Bento, e o que achassem que tinha o mordomo cujo mandato expirava, o
entregassem ao que fosse eleito, no prazo de 8 dias sob a dita pena.
E se fosse necessário vender alguma coisa da renda da ermida o fariam em pregão quando se
vendessem as rendas dos órfãos, com conselho e licença dos juízes da vila
O retrato do templo, tal como ficou exarado na visitação de 1538, denota efectivamente uma
melhoria sensível, nãos obstante a necessidade de reforçar a parede do lado da ribeira, que será
contemplada nas determinações particulares, constatando que "esta ermida estava junto à vila,
sobre a ribeira, e era uma única casa de pedra e barro, rebocada a cal por dentro e por fora, e
madeirada de castanho com 4 tirantes de pau. Telhada de telha vã e lajeada de lages, tinha um
altar de pedra e barro, em que se encontrava a mesma imagem de S. Bento de vulto de pedra e,
nas paredes, encontravam-se outras imagens de santos. O altar estava cercado por umas grades
de pau e, sobre ele, encontrava-se um guarda-pó de madeira pintada. Tinha um portal de pedraria
com portas novas e boas e um ferrolho e fechadura. Sobre o portal encontrava-se um alpendre de
três arcos de alvenaria, madeirada de castanho, coberto com telhado de 3 águas em telha vã, e a
dita ermida media de comprido 5,6m e, de largo, 5,4m, o que perfazia uma área de 30m2.

Quadro nº217
Ornamentos

Tipologia Características
Vestimenta de chamalote verde Com savastro de chamalote aleonado, comprida
Vestimenta de pano da Guiné pintado Com savastro de figuras, comprida
Vestimenta de pano da Guiné Com umas flores de liz, compridas
Palio de damasco Carmesim
Frontal de altar-mor de chamalote aleonado Todo franjado
2 frontais de chamalote aleonado todos franjados que serviam nos altares laterais
Cálice de prata branca Com a respectiva patens
Vestimenra de chamalote comprida
Frontal de pano de linho Com a imagem de S. Bento, pintada no meio
Umas toalhas de Flandres Novas e grandes
Outras toalhas que estavam no altar Velhas

Estes ornamentos tinha em seu poder o mordomo que na ocasião se encontrava em exercício, o
qual mordomo era eleito juízes e oficiais da vila em cada 2 anos, aproximadamente, seguindo
como critério a satisfação pelo desempenho avaliado na administração da dita ermida. Este
mordomo recebia e arrecadava a renda das terras da ermida e dava conta delas em câmara.E
desse rendimento se reparava e mantinha a dita ermida, onde se diziam anualmente 30 missas
pela alma dos defuntos que lhe haviam deixado as propriedades que em seguida
descriminaremos.
Quadro nº218
Bens de raiz

Existentes em 1519 Existentes em 1538


Terra de pão a caminho de Fronteira, partindo com terras de Terra de pão a caminho de Fronteira, partindo com terras de
Álvaro Palmeiro Álvaro Palmeiro
Chão que está a caminho de Fronteira e partia com terra de
Gonçalo Martins, levando em semeadura 10 ou 12
Chão a caminho de Fronteira alqueires de trigo,levava de semeadura 150 ou 160 litros
de trigo

Courela de pão que estava ao curral de pedra e partia com


Courela de pão ao curral da pedra terras de António Dias, levando em semeadura 30 alqueires
de trigo.
Courela de pão a caminho de Cabeço de Vide e partia com
Courela de pão a caminho da Cabeço de Vide
terra que foi de António Cardoso
Talho de terra de pão, onde chamam o Vale do Botelho, que
Talho de terra ao vale do Botelho
levaria até 15 alqueires em semeadura
Courela de terra de pão na Fonte do Cortiço Courela de pão aonde chamam a Fonte do Cortiço
courela de terra no vale da Pia, a caminho de Alter courela de terra no Vale da Pia, a caminho de Alter
___
talho de terra de pão na Amendoeira

talho de terra de pão, nas Covas, caminho de Alter talho de terra, ás covas, a caminho de Alter
Dezoito pés de oliveiras, entre grandes e pequenas que se
dezoito pés de oliveiras
encontram dispersas pelo que não é possível confrontá-las.

Com excepção de um talho de terra de pão na Amendoeira o acervo patrimonial da ermida de S.


Bento permanecia idêntico, deduzindo-se que as reparações e aquisições entretanto feitas o
haviam sido à custa do rendimento e sem alienações patrimoniais significativas.Tudo parece
indicar que o projecto de reforma da ermida de S. Bento, iniciado pelos visitadores em 1519,
tinha sido executado e prosseguido com a cooperação dos juízes, oficiais e povo da vila,
encontrando-se o templo reparado e provido das necessárias alfaias litúrgicas. Concluído este
resumo da situação da ermida será necessário adiantar que, apesar das melhorias introduzidas,
eram necessárias obras, como se verifica pela determinação particular que apresentamos em
seguida.

Obras na ermida de S. Bento.

Foi encontrada esta ermida danificada e aberta na parede da banda da ribeira e tinha necessidade
de se lhe fazerem 2 botaréus de pedra e cal que amparassem a dita parede, pelo que foi mandado
aos juízes e oficiais que até ao Natal seguinte mandassem fazer os ditos botaréus do rendimento
da dita ermida sob a pena de 2000 reais, metade para quem os acusasse e a outra metade para a
fábrica da igreja.

2.Ermida de São Pedro da Ervideira.

Na visitação de 1519, na qual se encontra descrita, esta ermida, encontrava-se em obras pois
desde o Verão anterior à visita,os moradores da dita Ervideira por sua devoção tinham ampliado
a dita capela, como na ocasião se encontrava, levantando- lhe paredes. E, como foi declarado na
altura, tencionavam acabá-la de todo pela devoção que lhe tinham.
Os visitadores de 1538 verificaram que os moradores da vila tinham, de facto, edificado de novo
esta ermida há cerca de 6 ou 7 anos, por sua sua iniciativa, e a proviam do necessário.
As ermidas de Santo António, Nossa Senhora d’Alparrajão, S. Marcos e S. Briços encontravam-
se todas tal como ficaram assentadas na visitação passada pelo que não foi necessário voltar a
escrever sobre elas.Mas existiam no termo da vila de Seda outras ermidas, a saber: S. Barnabé,
junto à ribeira de Alter, S. Domingos de Carrazola e S. Pedro da Ervideira, as quais ermidas
estavam todas assentadas e escritas na visitação passada. E por estarem longe da vila os
visitadores basearam-se em informações de pessoas que atestaram que elas se encontravam tal
como tinham sido descritas na visitação passada, e por isso não as visitaram.
Ignoramos se, por lapso contido no parágrafo anterior, ou porque efectivamente a supracitada
ermida de S. António já carecesse de obras por ocasião da "visita passada da Ordem", os
enviados de D. Jorge acabaram por verificar que era indispensável tomar as providências
constantes da determinação particular que, em seguida, passamos a resumir:

Reparação da ermida de Santo António.

Esta ermida foi encontrada aberta pelo cruzeiro e tinha outros danos que era urgentemente
necessário remediar, e uma vez que a cal e telha já se encontravam prontas, e um defunto tinha
deixado uma vaca para o conserto da dita casa, a qual vaca andava de guarda com os gados da
vila, mandou-se aos oficiais e juízes que fizessem vender a vaca por pregão a que mais desse. E
com o dinheiro dela, e o de algumas esmolas, se as houvesse, que se consertasse e reparasse esta
ermida, não só dos danos que apresentava mas também do mais que fosse julgado necessário, no
prazo de 2 meses, sob a pena de 1000 reais para a fábrica da igreja.

Determinações gerais

Salientamos, como vem sendo habitual, apenas algumas das determinações gerais contidas na
visitação em estudo, mormente aquelas que apresentavam algumas variantes das versões já
referidas por ocasião de outras visitas.

Das penas incidentes sobre os que se não confessassem nem comungassem.

Existindo fregueses renitentes em se confessarem e comungarem, os visitadores ordenaram aos


juízes e alcaide da vila que todos aqueles que o prior lhes desse em rol como não se tendo
confessado e comungado até 15 dias depois da Páscoa que os prendesse, e, da cadeia, pagassem
200 reais cada um, metade para o alcaide e a outra para a fábrica da igreja, não ficando por aqui
desobrigados nem relevados das penas em que tivessem incorrido por direito ou constituição do
prelado. Ordenaram aos ditos priores, capelães e curas que dessem licença a qualquer pessoa que
lha pedisse para se confessarem a outro sacerdote. Esta determinação, não constituindo em si um
caso isolado, parece dever ser repetida pela severidade da pena incidente sobre matéria espiritual.
Depreendemos que era considerado como de importância fulcral que os fregueses se
confessassem e comungassem, mesmo coercivamente, pelo menos uma vez por ano.

Determinações particulares sobre o espiritual

1. Sobre o pagamento das sepulturas.

Os visitadores acharam que, por costume antigo, todos aqueles que eram sepultados dentro da
igreja pagavam pela sepultura um marco de prata mas o Mestre, por alguns respeitos, entendera
diminuir o dito preço para 600 reais segundo se continha num alvará do dito senhor que foi
apresentado aos visitadores e que estes ordenaram ao prior que fosse cozido no final da visitação
Esse dinheiro seria entregue, como era usual, ao recebedor da fábrica e lhe seria carregado em
receita pelo escrivão da fábrica, que seria o escrivão da câmara, para ser gasto na fábrica da
igreja aplicando-o nas coisas mais necessárias que o prior entendesse. Foi ordenado a este último
que não consentisse abrir sepultura dentro na igreja sem primeiro lhe ser dado penhor de prata
que valesse comprovadamente os ditos 600 reais e mais o que poderiam levar de lajear e
construir a dita sepultura, sob pena de ele, prior, pagar tudo da sua casa.
Algumas pessoas atreviam-se a abrir covas na dita igreja sem licença do prior, pelo que
recrudesciam as dúvidas e desacatos, com o intuito de evitar estes inconvenientes foi ordenado
que nenhuma pessoa abrisse sepultura alguma, mesmo que sua fosse, sem licença do prior e
sendo este presente, ou quem esse encargo tivesse, e quem o contrário fizesse seria condenado
em 1500 reais: um terço para as obras do Convento, outro terço para os cativos, e o remanescente
para quem acusasse. E mandaram ao prior que acusasse os que incorressem na dita pena, e não
querendo levar os 500 reais que lhe pertenceriam pela acusação, estes revertessem para a fábrica
da igreja, não ficando a pessoa que em tal pena incorresse desobrigada de pagar os ditos 600
reais.
Parece deduzir-se que o preço de um marco de prata por cada sepultura aberta dentro do templo
seria considerado excessivo pelos fregueses, e gerara conflitos que teriam chegado ao ponto de
estas serem abertas à revelia (ou com desconhecimento) do prior de Santa Maria do Espinheiro
da vila de Seda. Num primeiro tempo o Mestre diminuíra, por alvará, o preço das anteditas
sepulturas. Mas esta medida apaziguadora, para se tornar verdadeiramente eficaz, carecia de ser
minuciosamente regulamentada, o que foi feito nesta visitação de 1538.

2. Do cumprimento da obrigação de missas do prior.

O prémio do prior era ordenado em função dos meses em que se encontrava obrigado a dizer
missa, e seria considerado grave dano para a sua consciência se recebesse esse prémio sem dizer
todas as missas obrigatórias. Os visitadores deliberaram precaver essa eventualidade de maneira
a que não houvesse escândalo (deveremos assumirir que, não obstante juízes, oficiais e homens
honrados terem declarado separadamente, e sob juramento, que o prior cumpria todas as missas
de sua obrigação, isso não corresponderia à realidade, e que os enviados de D. Jorge se baseavam
noutra rede de informadores, ou estaremos perante uma medida preventiva genérica?)
determinando expressamente que o prior dissesse todas as missas a que era obrigado.
E que, deixando de dizer alguma das missas, se fosse domingo ou festa lhe seriam descontados
por cada missa 20 reais. E se fosse qualquer outro dia que não fosse de guarda lhe seriam
descontados 15 reais do prémio que receberia. Neste sentido ordenaram ao dito prior que
apontasse num rol as missas que deixasse de dizer, declarando os dias em que faltasse, para lhe
serem descontadas por quem lhe houvesse de pagar o prémio. E a soma que se apurasse
mandaram que fosse para a fábrica.
Além de lhe serem descontadas as ditas missas o prior seria obrigado a dizê-las ou a mandar
dizê-las. E se alguma outra pessoa quisesse apontar as missas que o prior deixava por dizer os
visitadores lhe dariam poder para que o fizesse, e mostrasse a quem lhe houvesse de pagar, ou
mandar pagar.

3. Sobre o auxílio ao prior nas confissões da Quaresma.

O prior de Santa Maria do Espinheiro recordou ser costume na vila que os juízes e oficiais
mandaassem tirar carta de casos para outro sacerdote ajudar o dito prior nas confissões da
Quaresma, e que havia anos que os oficiais não queriam mandar tirar a dita carta. O prior,
segundo afirmava. recebia agravo com esta situação, bem como um considerável acréscimo de
trabalho. Tendo os visitadores confirmado o sobredito costume ordenaram aos juízes e oficiais,
tanto aqueles que se encontravam em exercício, como aos que o viessem a ser, que em cada ano,
quando lhes fosse requerido pelo prior, mandassem tirar carta de casos para que outro sacerdote
ajudasse nas ditas confissões. O que fariam sob pena de 2.000 reais, metade para os cativos e
metade para quem acusasse.

4. Incenso para a festa do Corpo de Deus

Uma vez que na procissão que se fazia no dia de Corpo de Deus ia o santo sacramento e pareceu
bem ir-se incensando, como em toda a parte se fazia, e o Comendador, conformando-se com o
costume geral que existia no Mestrado daria o incenso que para isso era necessário.Neste
entendimento os enviados de D. Jorge ordenaram aos juízes e oficiais que, de aí em diante,
dessem anualmente ao prior o incenso necessário para esta festa, o que cumpririam sob pena de
1000 reais para a fábrica da igreja.
Julgamos ser possível interpretar esta determinação com o sentido de que, na previsível ausência
do Comendador, os juízes e oficiais forneceriam o incenso à custa daquele.

6.6.2. Dimensão Senhorial

Determinações particulares sobre o temporal

1. Sobre a mudança do curral do concelho.

O curral do concelho encontrava-se dentro da vila, pegado com as casas, e muitos moradores
dela se tinham agravaram pela má vizinhança. E, além disso,o gado quando era para ele
encaminhado, vinha pela praça e ruas públicas, situação que podia colocar em risco as crianças e
outras pessoas, fazendo incorrer perigar as próprias reses por saltarem do dito curral para fora.
Colocados perante esta situação os visitadores foram inspeccioná-lo, e entenderam que era
necessário mudá-lo, tendo ordenado aos juízes e oficiais que nos próximos 6 meses fizessem
transferir o dito curral para o rossio da vila que estva muros adentro. Fazendo-o em moradas ao
longo do muro por ser lugar muito conveniente para se construir o curral com pouca despesa. O
que cumpririam sob pena de 2000 reais para a fábrica da igreja. E não o cumprindo, ordenariam
ao ouvidor que os mandasse penhorar e executar pela dita pena, e pelas mais em que, por bem da
visitação, pudessem incorrer, e as fizessem entregar ao recebedor da fábrica perante o escrivão da
câmara que lhas carregaria em receita.
E depois de o dito curral ter sido mudado o sesmeiro da Ordem daria o chão dele em sesmaria
para casas ou quintais, segundo entendesse, a pessoas que o aproveitassem, por estar dentro da
vila e se poderem realizar benfeitorias que enobreceriam a vila.

2. Sobre a reparação das casas da Ordem

Em 1519 os visitadores tinham deixado anotado que castelo que era constituído por uma cerca
muito velha e parcialmente derribada, segundo se evidenciava nos muros, que nunca tinham
chegado a ser totalmente acabados. Além do mais não tinha nenhuma torre. Apenas se
encontravam dentro da cerca, logo à entrada de porta da vila, umas casas boas utilizadas como
aposentos do Comendador e Alcaide-mor, na ocasião D. Duarte de Almeida. Essas casas de
pousada haviam sido pormenorizadamente descritas, configurando uma residência senhorial
espaçosa, com as funções dos repartimentos internos claramente definidos, e em bom estado de
conservação. Dezanove anos volvidos, presumívelmente na sequência de um período de
desocupação posterior à substituição de D. Duarte de Almeida como Comendador (anterior a
1532), os visitadores de 1538 constatavam uma situação completamente diversa : "As casas da
Ordem em que pousavam os comendadores encontravam-se muito danificadas e chovia nelas,
tendo ficado os sobrados todos rotos e podres da chuva", e para que não acabassem de perder-se,
nem se danificasse o pão da renda que se encontrava nas suas lojas, que serviam de celeiros, foi
ordenado ao mordomo do Comendador que, à custa do moio e meio que se tirava de celeiragem
da parte do bispo e do cabido, mandasse telhar as ditas casas, e cintar de cal onde se revelasse
necessário, e colocar alguma madeira, se disso houvesse necessidade, de modo que se reparasem
o melhor que fosse possível. Na eventualidade de ainda sobrar dinheiro, que se cobrissem
também as estrebarias para evitar que as paredes caíssem. Esta despesa se faria da celeiragem por
servirem as ditas casas de celeiros, e o Mestre, quando tinha a renda desta comenda, as mandava
reparar da dita celeiragem. Isto seria cumprido até ao próximo Natal sob pena de 1000 reais para
a fábrica da igreja.
Este exemplo ilustra claramente a fragilidade das edificações com que nos defrontamos, tanto
mais que se refere a uma residência particularmente invulgar entre aquelas que as fontes em
estudo nos restituem, e que, tal como se encontrava descrita cerca de duas décadas antes,
albergava, ao que se depreende, em excelentes condições para a época, o Comendador D. Duarte
de Almeida e os seus familiares. Admitindo que se encontrasse desabitada há cerca de uma
década, ou década e meia no máximo, esse lapso de tempo bastara para provocar o estado de
ruína registado em 1538.

• Sobre o juiz dos dízimos

O prior, falando da parte do Comendador, informou que na vila não existia juiz dos dízimos
perante o qual os ditos se demandassem, bem como as outras rendas e foros da Ordem, o que
ocasionava que se perdessem muitas das ditas coisas, e pediu que se conseguisse uma pessoa que
julgasse os ditos dízimos e rendas da Ordem, porque ele o não podia fazer, tendo em contas a sua
condição de escrivão da Ordem. Constatou-se que era um provimento necessário e, confiando em
SimãoVaz, morador na vila, como pessoa capaz de desempenhar a função foi nomeado juiz dos
dízimos e coisas da Ordem, o qual passaria a conhecer judicialmente estas matérias, com
apelação e agravo para o contador do mestrado, e perante ele poderiam os rendeiros e mordomos
do Comendador demandar as ditas coisas. Ao qual Simão Vaz foi dado juramento sobre os
evangelhos pelos visitadores.

4.Sobre as propriedades da Ordem.

Nesta vila existiam ferragiais e outras propriedades da Ordem que o Comendador e os seus
rendeiros possuíam e davam de sua mão a quem as trouxesse e semeasse. Os visitadores
entenderam que o facto de as deixarem muito tempo ás mesmas pessoas ocasionava perdas e
enleios à Ordem E pelo que se concluiu no decurso desta visitação ordenou-se ao Comendador,
ou ao seu mordomo e rendeiros que daí em diante não dessem as tais propriedades para lavrar a
nenhuma pessoa por prazo superior a 3 anos, e decorridos estes, as tornassem a dar a outras
pessoas, de maneira a que se não pudessem enlear, nem dizer que eram suas pelo muito tempo
em que as traziam. Cumprir-se-ia sob pena de 1000 reais para a fábrica da igreja.

Jurisdição da Ordem.

A jurisdição do cível e do crime da vila e seu termo pertencia à Ordem, e a eleição dos juízes e
oficiais continuava a fazer-se pelo ouvidor do Mestrado, sendo os juízes confirmados pelo
Mestre.

Quadro nº219
Ofícios da ordem

Nome Ofício Nome Ofício


1519 1519 1538 1538
escrivão da
câmara e da
António Diogo Lourenço, escrivão da câmara e almotaçaria, nomeado por carta
almotaçaria
Cardoso cavaleiro da casa real do Mestre (cargo existente em 1519)
nomeado por
carta do Mestre
tabelião público e um filho de Brás
inquiridor e contador e distribuidor, nomeado por carta
judicial, nomeado Eanes, e servia por ele
Gil Fernandes do Mestre
por carta do Diogo Farto por
(contador dos feitos e inquiridor em 1519)
Mestre licença do Mestre
contador dos
feitos e inquiridor O prior Frei Afonso
escrivão da Ordem, nomeado por por carta do Mestre
Gonçalo Nunes na dita vila, Farto
(inexistente em 1519)
nomeado por
carta do Mestre
partidor dos
órfãos, nomeado escrivão dos órfãos nomeado por carta do Mestre
Vasco Eanes António Fernandes
por carta do (apenas um partidor dos órfãos em 1519)
Mestre
tabelião das notas e judicial nomeado por carta do
Diogo Lopes Mestre
(cargo existente em 1519)
igualmente tabelião das notas e judicial nomeado por
Baltazar Gil
carta do Mestre

Em 1519 existiam apenas um escrivão da câmara e almotaçaria nomeado por carta do Mestre,
um único tabelião do público e judicial, também nomeado por carta do Mestre, um contador dos
feitos e inquiridor, igualmente nomeado por carta do Mestre, e um partidor dos órfãos nas
mesmas circunstâncias.Daqui somos levados a concluir que o aparelho administrativo da Ordem
se aperfeiçoára no decurso de 19 anos, podendo estar a duplicação de tabeliães das notas bem
como a criação do cargo de escrivão da Ordem em consonância com um eventual, mas não
evidente, crescimento demográfico.

Quadro n.º220
Dízimos pertencentes à Ordem na vila de Seda e seu termo

1519 1538
Dízimo do pão Dizimo do pão
Vinho vinho
Azeite azeite
Linho linho
Favas tremoços e todos os legumes Favas, tremoços e todos os outros legumes
Frangãos e patos Frangãos e patos
Gados Gados
Queijos Queijos
Poldros e dos burros Poldros e burros
Furões Furões
Lã das ovelhas Lã dos carneiros e ovelhas
Fruta e hortaliça __
Mel e dos enxames Mel e dos enxames
Todas as oblações e pé d’altar __
Lã dos carneiros e ovelhas Dizimo dos gados
Queijos Poldros e burros
Furões Frangãos e patos
Também pertencia à Ordem o dízimo de todas as coisas De igual modo pertenciam à Ordem os dízimos de todas as
das quais, de acordo com o direito canónico, se deveria coisas sobre as quais o direito canónico mandava pagar
de pagar dízimo, as conhecenças dos oficiais mecânicos, dízimo as conhecenças dos oficiais e dos engenhos, bem
de 10 reais por cada pessoa que os tivesse como os montados e as ervagens

População, dízimos e rendas

Na visita de 1519 encontra-se descriminado um menor número de rendas da Ordem. Não tendo
notícia de alterações jurisdicionais verificadas durante o período em estudo somos levados a
concluir que os acrescentos anotados na visita de 1538 decorreriam apenas da maior minúcia e
precisão com que os enviados de D. Jorge os entenderam descriminar na segunda visitação.
De todos estes dízimos levavam o bispo e o cabido de Évora a terça parte das cebolas e alhos
somente, e não outra coisa nenhuma, por ser in sólido da Ordem. E desta terça parte do bispo e
cabido se tirava um moio e meio de celeiragem que a Ordem levava.
Tinha mais a Ordem o terço de todas as meunças da vila de Alter do Chão, o qual terço era in
sólido da Ordem, porquanto os outros dois terços levavam o bispo e o cabido de Évora e o prior
da dita vila de Alter.
Tinha ainda a Alcaidaria-mor com os gados, as bestas do vento e as penas de armas, e com todos
os outros direitos contidos nos forais e ordenações do reino.
A portagem da vila pertencia à Ordem e se arrecadava pelo foral novo bem como todos os outros
direitos contidos nesse mesmo foral. Obviamente que, a implantação territorial nesta região,
trazia para a instituição outro tipo de proventos como teremos oportunidade de ver de seguida.
Como já apontámos atrás a enumeração das rendas e direitos da Ordem de Avis na vila de Seda
divergia, em 1538 da listagem que ficara anotada em 1519, muito embora nada nos autorize a
concluir que essa discepância não tenha sido ocasionada apenas por uma divergência nos
critérios que terão presidido à minúcia da segunda descriminação. No entanto, se, nesta última
data, o total das rendas da Ordem tinha sido estimado em 160.000 reais, na visitação de 1538
ficou registado que os enviados de D. Jorge tinham avaliado as rendas dessa mesma localidade
da Ordem em 206.000 reais por ano, em salvo para o Comendador, um aumento da ordem dos
22%. Tal como ficou dito em relação à precedente visita ás Galveias, se considerado
isoladamente, este acréscimo poderia resultar da conjugação de uma taxa de inflacção que se
começava a fazer sentir com uma surto de relativa prosperidade económica. Mas sucede que,
nesse período de cerca de 19 anos, a população da vila, inicialmente cifrada em pouco mais de
200 vizinhos, diminuíra em 1532 para 184, e em 1538, tinha subido para 230 vizinhos.
Adimitimos que pudesse ter existido uma relativa sobreavaliação demográfica na visita de 1519,
tanto mais que o número tinha sido apresentado em termos aproximadamente estimados. Nesse
entendimento parece admissível um ligeiro decrécimo populacional entre 1519-1532, sendo já
difícil de explicar que, no curto espaço de seis anos, a população tivesse crescido cerca de 13%.
Como parece evidente estes números apresentam um índice de fiabilidade inferior àquele que
tem vindo a caracterizar sistematicamente o confronto dos censos realizados nas visitações com
os números contidos no numeramento de 1532, mas, mesmo assim, tudo aponta para um
crescimento demográfico que, todavia, não nos atrevemos a indicar taxativamente com os dados
fornecidos por estas fontes.
6.6.3. Dimensão Patrimonial

Coutadas do concelho

As coutadas do Cortiço e da Rabaça encontravam-se tal como estavam descritas, medidas e


confrontadas no tombo correspondente à visitação de 1519.
2. Casas da Ordem

A Ordem possuía uma casa térrea na Rua do Castelo, com cinco divisões de portas adentro,
parcialmente edificada em pedra e barro, e outras partes em taipa, demarcadas e medidas no
tombo supra, que eram anexas ao priorado da vila porque desde antigamente as tinham tido os
priores passados, tal como na ocasião as trazia Frei Afonso Farto, que nelas residia
Dentro da cerca do castelo ficavam umas casas sobradadas que correspondiam aos aposentos dos
comendadores e, defronte delas, ficavam outras casas danificadas que tinham sido estrebarias.
Pegado a esta últimas estava situado o lagar da vila em que se fazia azeite com a azeitona de toda
a vila e seu termo porquanto a Ordem detinha, em exclusivo, o lagar.
Todas estas casas e lagar se encontravam tal como estavam descritas, medidas e confrontadas no
tombo correspondente à visitação de 1519.

Quadro nº 221
Contratos sobre casas

Tipologia das
Tipologia do contrato
rendas fixas
Tipologia do prédio/
Titular Fólio
Localização Emprazamento
Aves
(Vidas)
Casas térreas da Ordem na 1
Brás Lourenço 3 158v
rua do Castelo frangão
Casa térrea dianteira e 1
Heitor Dias Manhãs 3 159
celeiro galinha
Casa térrea e casa de forno 2
de cozer pão, em taipa, na galinhas
Jorge Afonso 3 159v
rua do Castelo 1
Forno 14,5m2 frangão
Casas térreas junto à rua
do Castelo. 1
Beatris Rodrigues 160
Casa 12,5m2 galinha 3
Celeiro 18m2
Casas térreas na rua do 1 Estêvão Gonçalves
3 160v
Castelo galinha
Casas térreas na rua do 1
Gaspar Dias 3 162
Castelo galinha

3. Ferragiais e Horta

Quadro nº 222
Ferragiais e horta
Descrição/
Tipologia de prédio/ localização Fólio
Cultivo

Ferragial que pegava com os muros, da parte de fora, entre a


___ 130
porta do Sol e a porta da traição
Ferragial pequeno, junto à vila, sobre o ribeiro da Sequia Tinha uma figueira 131v
Ferragial junto à vila Todo cercado de sebe e silvas 131v
Ferragial que entestava com o antecedente Tinha 2 oliveiras 131v
Ferragial que se encontrava dentro da demarcação do olival da
Todo tapado com valados. 131v
Ordem
Horta da Ordem, ao longo da ribeira, acima do moinho Cerrado com árvores 131v

Quadro nº223
Contrato sobre ferragial

Tipologia das
Tipologia do contrato
rendas fixas
Tipologia de prédio/
Titular Fólio
Localização Trigo
Emprazamento
(litros)
(Vidas)
Um ferragial pegado
Diogo Lourenço,
com o castelo, partindo
cavaleiro da Casa
com os muros e casas da 20,7 3 157v
Real e escrivão da
Ordem e com a rua do
Câmara de Seda
Castelo

3. Terras de pão

Quadro nº 224
Terras de pão

Descrição/
Tipologia de prédio/ localização Fólio
Cultivo

Dentro ficava um olival da Ordem


Terra de pão pegada com a vila 131v
Cultura cerealífera
Courela de pão que ficava nas relas de S.to António, pegada com
Cultura cerealífera 131v
a ribeira do Pombal
Terra de pão no vale do Coelho partindo com a ribeira de Alter Cultura cerealífera 132
Terra de pão partindo com o ribeiro do Alerno, junto a Alter Cultura cerealífera 132
Terra de pão no vale de Azambujo junto a Alter Cultura cerealífera 132
Terra de pão ao redor de S.ta Maria do Alparrajão Cultura cerealífera 132
Terra de pão junto à igreja onde se chamava o Quinchoso Cultura cerealífera 132
Terra de pão junto à ribeira do Alparrajão, ás barrocas do
Cultura cerealífera 132
Cascavel
Terra de pão chamada a Coutada de S. Brincos, começando na
Cultura cerealífera 132
ribeira de Seda, à foz do Vale das Freiras
Coutada de terras de pão chamada a coutada da Rabaça
Cultura cerealífera 132v
começando na ribeira de Seda, à foz do Vale do Azinhal
As propriedades referidas no quadro supra pertenciam todas à Ordem, e o Comendador as trazia
e arrendava por sua mão, encontrando-se descritas, medidas e confrontadas no tombo
correspondente à visitação de 1519.
4.Terras e chãos
Quadro nº 225
Contrato sobre terras e chão

Tipologia das rendas fixas Tipologia do contrato


Tipologia de prédio/
Titular Fólio
Localização Trigo
Aves Emprazamento
(litros)
(Vidas)
Uma terra da Ordem além do
João Eanes, lavrador,
vale do Açor com uma ponta
70 morador em 161
junto a S.ta Maria de 3
Alparrajão.
Alparrajão
Um pedaço de terra da Ordem
1
na coutada de S. Briços todo 13,8 Bento Lourenço 157v
frangão 3
avaladado

5. Vinhas

A Ordem possuía dois cerrados de vinhas que, embora tivessem ficado medidos e descritos no
resumo da visitação de 1519, passamos a descrever com as respectivas confrontações, fornecidas
pela visitação de 1538. Um, que se chamava o cerrado do Espinheiro, partia no vale de S.ta
Maria com terras que tinham sido de João Salvado e seguia por esse vale abaixo partindo a Norte
com o dito João Salvado até à água do ribeiro do Espinheiro, seguindo ao longo desse ribeiro
acima, da parte do Poente, até chegar ao arrife de pedras que ficava sobre o dito ribeiro,
acompanhava o arrife e, depois, prosseguia ao longo do valado das vinhas, sempre partindo com
terras da Ordem até chegar ao sobredito vale de S.ta Maria .
O outro, chamado as Almoínhas, começava na foz d’Alcardeu, seguindo a Sul pelo vale do
mesmo nome até ao canto do valado velho, onde entestava com a vinha que trazia António Vaz,
filho de Pedro Eanes, ferreiro, continuando no vale d’ Alcardeu ao longo de um valado velho da
Ordem, partindo com terras de João Afonso da Azambujeira até chegar ao vale do Espinheiro,
junto ao porto do Touro, seguindo pelo Espinheiro até à foz d’Alcardeu onde começava. Dentro
destes dois cerrados ficavam as vinhas da Ordem que andavam aforadas e que seguidamente
referiremos, muito embora na certeza da coexistênciade de novos contratos sobre courelas de
vinha já existentes em 1519, e de referências a vinhas não referidas nessa anterior visitação, mas
que a escassez de dados não permite identificar com a desejável precisão, nem ter uma perfeita
noção de quais seriam posteriores a 1519 e de quais representam apenas novos contratos sobre
vinhas pré-existentes. Por esse motivo reportamo-nos ao tombo de vinhas dessa visitação
anterior, acrescentando os novos contratos com foreiros já identificados, bem como, os contratos
com novos foreiros. Somos levados a admitir que, estando registados 25 contratos sobre vinhas
em Seda referentes à visitação de 1538, e apenas 19 relativos à visitação de 1519, sendo que
destes últimos, apenas 6 serão relativos a courelas de vinha com sucessão ou continuação em
1538, poderá deduzir-se que a mancha de vinha em Seda terá crescido ao longo dos 19 anos em
estudo.

Quadro nº 226
1519 e 1538
Contratos sobre vinhas dos cerrados do Espinheiro (E) e Almoinhas (A)

Tipologia Tipologia das


Tipologia do Titular Fólio
dos contratos rendas fixas
prédio
Emprazamento Aves Trigo 1519 1538
Localização 1519 1538
(vidas) (litros) liv.15 liv.14
Courela de 1
Gaspar Vaz 3 41,4 157
vinha (E) galinha
Courela de Gonçalo 1
41,4 158
vinha(E) Nunes galinha
Gaspar
Courela de Simão Lopes 1
Dias 3 41,4 159 147
vinha(E) Estaco galinha
Frade
Courela de Pêro Eanes 1
3 48,3 160
vinha(E) Besugo galinha
João
Courela de 1 galinha 13,8
Gonçalves 3 161
vinha(E) 1 frangão
Caldeirão
Courela de 41,4
Pêro Álvares 3 162
vinha(E)
Courela de António António 13,8
3 1 galinha 163 152
vinha(E) Nunes Nunes
Courela de 1 27,6
Bastião Dias 3 164
vinha(E) frangão
Courela de 20,7
António Dias 3 1 galinha 165
vinha(E)
13,8 litros
de trigo
António António
Courela de 1519
Fernandes Fernandes 3 1 galinha 166 145
vinha(E) 20,7 litros
Morgado Morgado
de trigo
1538
Courela de António 20,7
3 1 galinha 167
vinha(E) Afonso
Courela de 1 27,6
Álvaro Vaz 3 168
vinha(E) frangão
Courela de João 1 20,7
3 144v
vinha(E) Moutoso frangão
Courela de João 1 20,7
3 152v
vinha (E) Moutoso frangão
Courela de João 1 27,6
3 145v
vinha(E) Colaço frangão
Garcia
Courela de 2 13,8
Gonçalve 3 147
vinha(E) galinhas
s
André
Courela de
Gonçalve 3 41,4 148
vinha(E)
s
Courela de 48,3
Gaspar 3 1 galinha 149v
vinha(E)
Courela de Baltazar 1 galinha 27,6
3 149
vinha(E) Dias 1 frangão
Courela de Leonor 41,4
3 1 galinha 150
vinha(E) Farta
Courela de Pêro 20,7
3 1 frangão 151
vinha(E) Barreto
Courela de 27,6
Frei Pêro 3 1 frangão 151
vinha(E)
Francisco
Courela de 20,7
Vaz 3 154
vinha(E)

1 galinha
Courela de Digo 41,4
Diogo Farto 3 1 frangão 170 124
vinha(A) Lopes

Courela de Fernão 27,6


3 1 galinha 171
vinha(A) Sameiro
Martim
Courela de Martim 13,8
Gonçalve 3 172 147
vinha(A) Gonçalves
s
Courela de 1 27,6
Diogo Vaz 3 173
vinha(A) frangão
Courela de Pêro
Pêro Eanes 3 27,6 174 153
vinha(A) Eanes
Courela de Álvaro Beatriz
3 1frangão 27,6 175 146
vinha(A) Rodrigues Álvares
Meia courela Simão 1
3 13,8 176
de vinha(A) Rodrigues frangão
Martim
Courela de
Gonçalve 3 13,8 147
vinha(A)
s
António
Courela de 27,6
Dias 3 1 galinha 148
vinha(A)
Gorjão
Courela de Francisco 1
3 20,7 150v
vinha(A) Lopes frangão
Courela de António 1
3 153v
vinha(A) Vaz frangão
Courela de Lopo
3 1 galinha 27,6 154
vinha(A) Esteves
vinha em S. Gaspar 20,7
3 156v
Briços Dias
Diogo
vinha em S. 20,7
Gonçalve 3 157
Briços
s

Os contratos sobre vinhas respeitantes 1519 montavam a 5,3 hectolitros de trigo, 11 galinhas e 7
frangãos os dados de 1538 apontam para 6,35 hectolitros de trigo, 10 galinhas e 10 frangãos.
Este ligeiro acréscimo poderá explicar-se pela existência de vinhas, e courelas, ou parcelas de
vinha, novamente agricultadas e objecto de novos contratos de enfiteuse, designadamente no
cerrado das Almoinhas. Com efeito, os contratos posteriores a 1519, representando um aumento
de vinho pago por foros da ordem dos 1,4 hectolitros, somados aos 5,3 hectolitros que a Ordem
recebia em 1519, perfazem 6,7 hectolitros, um número próximo daque que corresponde aos foros
pagos em vinho que se encontram registados em 1538. Parece assim lícito deduzir que o ligeiro
acréscimo verificado se teria ficado a dever, não a um aumento da quantidade de vinho paga
pelos foros, mas sim a novos contratos, preferencialmente correspondentes a parcelas situadas no
cerrado das Almoinhas.

Quadro n.º 227


Contratos sobre hortas
1519-1538

Tipologia Tipologia das Ano/Fonte/


Titular
dos contratos rendas fixas Fólio
Tipologia do
Trigo
prédio Emprazamen
Reais (litros) 1519 1538
Localização 1519 1538 to Aves
1519 liv.15 liv.14
(vidas)
1538
Um cerrado de
árvores chamado
Horta da Ordem Comendador 179
ao longo da rib.ª,
acima do moinho
Horta dentro da
3
coutada de S.
galinhas
Briços, chamada
Lopo Dias Catarina 3 1 100 180 155
Vale da Limpa
frangão
que tem 1 chão
12 ovos
pequeno dentro
Horta e assento
de casas chamada 2
Isabel 13,8
venda da Bica Afonso Pires 3 galinhas 181 155v
Mendes 27,6
dentro da coutada 1 frangão
de S. Briços

Os contratos sobre hortas respeitantes a 1538 representavam 27,6 litros de trigo, 5 galinhas, 2
frangãos e 12 ovos, enquanto em 1519 ascendiam a 100 reais, 13,8 litros de trigo, 5 galinhas e 2
frangãos. A parte substancial diferencial verificada parece ter ficado a dever-se à elevação, para o
dobro, dos litros de trigo pagos pela nova foreira da horta da Venda da Bica.

6. Moinho na ribeira de Seda

Encontra-se referido em 1519 um moinho nesta ribeira, com as paredes de pedra e cal,
madeirado de trouxa e coberto de cortiça, corrente e moente com 2 rodas, que se encontrava mal
reparado, tanto no respeitante à casa como ao açude, que se encontrava danificado. Julgamos
tratar-se do mesmo moinho, abaixo referido, que entretanto teria sido reparado.

Quadro n.º 228


Contrato sobre moinho

Tipologia das rendas fixas Tipologia do contrato


Tipologia de Data/Fólio
Titular
prédio/Localização Trigo 1538
aforamento
(litros)
Moinhos da Ordem
na Ribeira de Seda, Diogo Gonçalves,
X 156
junto ao castelo da 552 Morador no Ervedal
vila
Este contrato sobre o moinho da Ribeira da Seda rendia anualmente 552 litros de trigo.

6.7. Primeira visitação à Comenda das Galveias.

O lugar das Galveias, situado a duas léguas de Avis, e sob jurisdição da Ordem, encontrava-se
dentro do termo daquela vila, embora com o seu próprio termo delimitado, segundo refere a
visitação em estudo. O numeramento de 1532 não autonomiza esta aldeia, que aborda inserida no
contexto da supracitada vila de Avis. Nesta altura encontrava-se na mão de Pedro de Gouveia,
seu Comendador. Pelas informações que se analisam, poderemos estar em presença de uma
Comenda relativamente recente e de pouca importância, talvez criada por imperativos de
descentralização administrativa.
Dentro do contexto de enquadramento que temos vindo a referir no preâmbulo das visitações
antecedentes deste ano de 1519, o bacharel e chantre D. Frei Nuno Cordeiro, prior mor do
convento de Avis, prior e beneficiado de S. João de Coruche, e frei João Rolão, prior de Vila
Viçosa, acompanhados por Frei Álvaro Eanes Pinheiro, escrivão da visitação, e Frei Duarte
Pinheiro, seu coadjuvante, chegaram ao lugar das Galveias, procedentes da vila de Seda, no dia
29 do mês de Março desse ano, dirigindo-se de imediato à igreja de S. Lourenço, onde fizeram as
suas orações. No entanto, por ser tarde demais para iniciar a visita, recolheram ás suas pousadas.

6.7.1. Dimensão Religiosa

Na manhã de 30 de Março, os visitadores regressaram à igreja de S. Lourenço das Galveias, onde


se encontravam reunidos para os receber, Simão Vaz, clérigo de missa da ordem de S. Pedro,
capelão e cura da dita igreja, João Dias Soure e João Dias Francisco, juízes, João Bacias,
procurador no dito lugar, e outros vizinhos e moradores, registando-se a ausência de Pêro de
Gouveia, seu Comendador. Perante estas individualidades foi lida a carta do Mestre, e foram
prestadas as obediências da praxe.
Pelo registo feito, foi possível notar que esta igreja se encontrava um pouco apartada da
povoação, e, que apesar de pequena, tinha uma capela-mór. Os visitadores verificaram no entanto
que nesta não existia sacrário uma vez que a igreja servia um lugar escassamente povoado, e não
dispunha de capelão permanente.
De igual forma, foi constatada a não existência dos Santos Óleos e que, quando se baptizavam os
pagãos, o capelão os ia buscar e pedir pelos lugares adjacentes, o que pareceu não satisfazer os
visitadores que ordenaram esta circunstância para o rol das determinações particulares .
Essa capela-mór media 4,4 m por 3,3 m, o que correspondia a uma área de 14,5m 2. Encontrava-
se mal pavimentada com lages e, por cima, forrada com tabuado de pinho. Albergava um altar de
pedra e barro guarnecido de cal e, em cima do altar, estavam pintadas as imagens de S.
Lourenço, de S. Bento e de S. Pedro.
O corpo do templo, com 9,9 por 5,5m, ocupava uma área de 54,4 m 2, perfazendo (com a capela-
mor) uma superfície total de 69m2, e estava construído com paredes de pedra e barro,
guarnecidas de cal por dentro e por fora, e era madeirado com asnas e coberto de telha vã. As
paredes da cinta muraria estavam cobertas de pinturas com muitas imagens, sendo que, na parede
do cruzeiro, se encontrava a do crucifixo, ladeada por Nossa Senhora e S. João.
O arco do dito cruzeiro era de alvenaria e assentava sobre o chão de ladrilho de tijolo com que a
igreja se encontrava pavimentada. Na sua parede ficava, a Norte, um altar da invocação de N.S.ª
do Rosário, de pedra e barro guarnecido com cal, e era sobre ele que estava pintada a supracitada
imagem de N. S.ª. Nessa mesma parede do cruzeiro, mas da banda do Sul ficava outro altar,
também de pedra e barro guarnecido com cal, cuja invocação era S. Sebastião, e sobre o dito
altar encontrava-se uma imagem de S. Sebastião, de vulto de pedra e, na parede, pintada a
imagem do Espírito Santo.
Á esquerda da porta principal ficava uma pia de baptizar feita de alvenaria de pedra e cal assente
sobre uma laje. À direita da mesma porta encontra-se uma pia de água benta quebrada, sem
utilidade, portanto.
A igreja tinha um portado principal em alvenaria, com suas portas, ferrolhos, fechadura e chave.
A Norte tinha uma outra porta travessa, igualmente de alvenaria, com lumieiras de pau e uma
porta velha que se fechava por dentro com uma tranca.
No meio da igreja fica uma campainha pequena que se tangia com uma corda no momento da
elevação.
Na parede da porta principal, da parte de fora a Sul, encontrava-se um arco de alvenaria, acima
do telhado da igreja, onde ficava um sino pequeno, que se tangia debaixo com uma corda.
Conhecem-se, ainda, as dimensões do adro desta igreja, o qual, medido da porta principal para o
Poente, até à parede das casas de Duarte Rodrigues, tabelião, que se encontrava em Ponte de Sor,
tinha 13,2m. Medido da parte do Sul, do canto da parede onde se juntava à capela-mór tinha outros
13,2m e da porta travessa da parte do Norte até ao cômoro de uma eira tinha 28,5 m.
A documentação permitiu, ainda, identificar um único cálice de prata branca muito pequeno – e
com o vaso oscilante – com 1 cruz de S. Bento na patena, o qual se encontrava em poder do
procurador do concelho. A despeito desta escassez, a Igreja registava alguns ornamentos de
interesse que passamos a apresentar de forma sintética. Acrescenta-se, ainda, que por informação
de moradores antigos verificou-se que o comendador provia e reparava a dita igreja de tudo o
que lhe era necessário, e o povo do dito lugar dava a serventia a todas as reparações que se
faziam na dita igreja.

Quadro n.º 229


Pinturas e imagens

Tipologia Características Localização


Cinta muraria com várias imagens
pintadas, de que se destacava, o
crucifixo, ladeado por Nossa Senhora Pintura murária Na parede do cruzeiro
e S. João.

Na parte Sul parede do cruzeiro, sobre


Imagem de S. Sebastião De vulto de pedra
o altar de S. Sebastião
Imagem do Espírito Santo Pintura murária Na parte Sul parede do cruzeiro

Quadro nº230
Vestimentas

Tipologia Características
Vestimenta de chamalote preto Com savastro de cetim aveludado, toda comprida
Vestimenta de pano de linho Com cruzes azuis por diante e por detrás
Alva De vestimenta, velha.

Quadro nº231
Ornamentos

Tipologia Características
Bancal de Flandres Servia como frontal
Bancal alaranjado Servia como frontal
Com bandas brancas e vermelhas, franjada com linhas
2 frontais de pano de estopa
brancas e azuis

Quadro nº232
Roupa de linho e outros paramentos

Tipologia Características
4 lençois bons de estopa Serviam nos altares
6 mantéus, uns de linho, outros de estopa Usados e rotos
3 toalhas lavradas de ponto real Duas das quais grandes
Caixa de madeira pintada Com uns corporais dentro

Quadro nº233
Livros

Tipologia Características
De molde e papel, encadernado com tábuas cobertas de
Missal do costume de Évora
couro vermelho
Baptistério com o ofício da encomendação De pena e pergaminho, muito velho e desencadernado
Oficial de missas de canto por uma regra De pena e pergaminho, muito velho e mal encadernado
Domingal e santal de canto por uma regra De pena e pergaminho, muito velho e mal encadernado

Quadro nº234
Latão, cobre e coisas miúdas

Tipologia Características
2 cruzes Um de cobre, outra de latão, muito velhas e desmanchadas
2 castiçais de latão ___
Turíbulo de latão com suas cadeias Muito velho e pequenino
Campainha de comunhão Muito pequena
Caldeira de cobre para àgua benta Usada
Lâmpada de cobre pendurada na ousia ___
2 galhetas de estanho Muito velhas

Quadro nº235
Contrato sobre herdade da igreja de S. Lourenço
Tipologia das rendas fixas
Tipologia de prédio/Localização Trigo Fólio
(litros)
herdade no vale do Gualguicio, deixada 34,5 243-245
em testamento à Igreja de S. Lourenço

Apresentada assim a estrutura base desta igreja das Galveias e, se considerarmos que a igreja do
Cano, (que tinha uma superfície de 115 m2, para uma população de 120 vizinhos), necessitou de
uma ampliação, a de S. Lourenço das Galveias, como seus 69 m2, correspondentes a 60 vizinhos
em termos comparativos, deveria apresentar um espaço útil ainda compatível com o número de
fregueses. Estamos perante um templo que não servia um priorado, mas uma simples capelania,
que nem sequer era exercida por um clérigo da Ordem de Avis, e não tinha tesoureiro. Não
surpreenderá pois a escassez, e mesmo pobreza, dos respectivos paramentos, utensílios litúgicos
e livros. A despeito da modéstia desta igreja, mais uma vez deparamos com as paredes internas
da cinta murária do templo profusamente ornamentadas com pinturas, dentro da tradição da
pedagogia cristã medieval. As necessidades imediatas que a visitação revela podem avaliar-se
pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo, que
podemos resumir da seguinte forma:
1 - O Comendador ficava obrigado a pôr um capelão na igreja que cantasse missa todos os
Domingos e festas principais do ano, fizesse a cura das almas e administrasse os santos
sacramentos a todos os fregueses. O mantimento desse capelão ficava a cargo do Comendador.
Na data desta visitação, Pêro de Gouveia era ainda obrigado a nomear um tesoureiro para a
igreja.
2 – O Comendador devia manter e reparar a dita igreja, e quando nela se fazia alguma obra, os
moradores das Galveias dariam toda a serventia.
3 - Foi considerado inadmissível a inexistência dos Santos Óleos pelo que ordenaram ao
Comendador que adquirisse uma buceta de madeira e umas âmbulas de estanho. Pêro de Gouveia
deveria, ainda, prover à construção de umas portas com fechadura e chave, no armário situado na
parede da capela, da parte do evangelho, para aí estarem guardados os Santos Óleos.
4 - Uma vez que não havia tesoureiro nas Galveias foi ordenado ao Comendador que,
anualmente, pela Páscoa, mandasse buscar os santos óleos.
5 – Foi ordenado ao Comendador que comprasse uns ferros para fazer hóstias, uma vez que
sempre que o capelão permanecia na igreja era obrigado a ir a outras localidades buscar as
hóstias, e, complementarmente, forneceria uma buceta de pau para guardar essas mesmas hóstias.
6 – Foi ordenado ao Comendador que colocasse dois frontais de pano da Índia nos dois altares do
cruzeiro.
7 –De igual forma Pêro de Gouveia deveria mandar comprar um livro com os ofícios de baptizar,
ungir e encomendar os finados.
8 – Foi ordenado ao Comendador que colocasse uma pia de pedra, com cobertura de pau, para a
água benta, porque a que existia estava quebrada.
9 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse colocar na igreja uma pedra de ara porquanto,
em consciência, não era recomendável dizer-se a missa com 2 pedras pequenas que, embora
encaixadas numas tábuas de pau, se apresentavam demasiado pequenas.
10 – Foi ordenado ao Comendador que comparasse uns corporais para que, quando estivessem
sujos, se pudessem mandar lavar os que existiam na altura, bem como duas galhetas de estanho e
uma bacia de arame para a oferta.
11 - Qualquer pessoa que tivesse uma dívida para com a Igreja e a pagasse, bem como qualquer
dádiva recebida para este local de culto deveria ser destinado à compra de 1 cálix de 460gr. para
servir na igreja.

Hospital.

Situado na rua principal, era constituído por 2 casas, a saber, a casa dianteira e o celeiro, com
paredes de taipa erguidas sobre alicerces de pedra, e cobertas de cortiça. Partiam do Levante com
casas dos herdeiros de Inês Afonso, e do Poente com casas de Pero Duarte e do Norte com rua
pública, e do Sul com a referida rua principal.
Foram identificados os seguintes pertences deste hospital: duas cobertas d’almafega, três cabeças
de lã muito velhos, rotos e mal-cheios e dois enxalmos de manta da terra e uma esteira de tábua.
Eram explorados, em proveito deste hospital, algumas propriedades (maioritariamente terras de
pão), as quais tinham sido deixadas ao hospício em testamento.Os visitadores constataram que o
respectivo rendimento era dispendido, de acordo com um costume antigo, num bodo que se dava
em honra de S. Domingos, organizado pelos confrades da confraria do mesmo nome. Sucedia, no
entanto, que a supracitada confraria se regia por certas cláusulas e condições, contidas no
respectivo compromisso, que foram consideradas boas e santas, pelo que foram aprovadas. Mas,
no que tocava ao bodo, achou-se a medida incorrecta, por se gastarem as rendas das ditas
heranças, e a esmola dos confrades, em um único bodo anual, enquanto o hospital estava sem
roupa para se agasalharem os pobres e nem sequer dispunha de um hospitaleiro.
Esta situação, aparentemente inusitada, tinha todavia raízes profundas nas confrarias medievais.
E mesmo estas remontavam aos collegia romanos e ás guildas germânicas, mas tendo como
pressuposto dinamizador a doutrina cristã.
Em Portugal, as confrarias mais antigas, datavam do século XII. A Confraria de Fungalvás,
povoação do concelho de Torres Novas e talvez a da Bexiga, povoação de Paialvo, concelho de
Tomar, ou Santa Maria de Olaia, freguesia do concelho de Torres Novas, entre outras. Nos
compromissos mais antigos da vila de Torres Novas e seu termo trancreviam-se passagens
evangélicas que apelavam para a comunidade dos bens dos primitivos cristãos e para o amor
materializado em obras, que não apenas por palavras. Aliás eram os princípios da caridade cristã
que inspiravam e norteavam, dum modo geral, os redactores desses compromissos. E o
compromisso de uma Confraria não dependia, em princípio, duma vontade individual, antes
resultando de um acordo de vontades livremente deliberado pelos interessados. Na Confraria de
S. Bento de Torres Novas procedia-se à distribuição do pão e carne que os Confrades
cozinhavam no terreiro, enquanto na Confraria de S.to André de Montemor-o –Novo o termo
Confraria designava uma refeição comum. E, no compromisso do Salvador de Torres Novas,
chegava a declarar-se que o nome de irmandade ou Confraria só se justificava se houvesse
refeição comum.
Considera MACHADO que as Confrarias medievais " atestavam a persistência e o vigor das
solidariedades horizontais numa época em que as solidariedades verticais eram dominantes" .
De qualquer modo os visitadores, apesar de terem considerado que o supracitado bodo era
organizado por costume antigo da confraria de S. Domingos que tinha "çertas clausolas no seu
comprimisso todas samtas e booas (…) mandaram que todas se cumpriseme guardassem,
soomente o vodo acharam ser mal feito por se guastarem as rendas das eranças e a esmola dos
comfrades em hum vodo cada anno e o esprital estar desfalecido e sem roupa pêra se
agasalharem os proues ".
Neste entendimento ordenaram aos juízes que procedessem ao inventário e recolha dos pertences
do hospital que andavam dispersos, e as rendas não arrecadadas, mandando que as entregassem
ao mordomo da Confraria para se adquirirem novas e adequadas roupas de cama, e se nomeasse,
e pagasse, uma hospitaleira que velasse pelo dito hospital, provendo-a com lenha para o
aquecimento e azeite para alumiar os pobres que nele se acolhessem.
Eram duas concepções divergentes, em que a supracitada solididariedade horizontal se via
suplantada por um mais "moderno" conceito assistencial verticalmente imposto. Certamente em
benefício dos pobres, mas em detrimento da ágape anual que reunia fraternalmente os "um pouco
menos pobres" do povoado.

Quadro n.º 236


Courelas do hospital das Galveias

Localização Cultivo
Courela no Vale do Padrão, onde se chama a Pereira da Confraria, Terra de pão
Courela nos Penedos Gordos ___
Courela pequena aos Arrifes ___
Courela abarrocada da fonte ___
Courela no Vale das Mós ___
Courela dentro da demarcação da terra de duas dízimas Terra de pão
Courela de terra pequena na Portela de S. Saturnino ___
Courela de terra no Vale da Bezerra Terra de pão

6.7.2. Dimensão Senhorial

Uma carta de 6 de Novembro de 1304, reproduzida na visitação em apreço, permite datar o início
do povoamento dos, então chamados Cabeços das Galveias, que, anteriormente a 1303,
pertenciam a Ermígio Afonso, cavaleiro, "dito Charrua",vizinho de Avis, bem como a seus filhos
Estêvão Ermigues e Estevaninha Ermigues.
Com efeito, 92 anos depois da Ordem ter recebido de D. Afonso II o lugar de Avis, o então
Mestre Lourenço Afonso, e respectivo Convento, escambavam com o antedito cavaleiro Ermígio
Afonso e seus filhos, os Cabeços das Galveias contra a granja da Torrejana. E, no seguimento
desta troca, a Ordem de Avis outorgava, pelo citado diploma de 1304, uma carta de foro
destinada a atrair moradores a essa área demarcada que, no diploma, passava a ser designada
como a Póvoa do Mestre.
Nesta carta os povoadores ficavam obrigados a pagar à Ordem de Avis, do sesmo da Fonte, duas
dízimas de pão na eira, e do vinho, azeite, linho, pomares, hortas e ferragiais dízimo a Deus. Não
deviam fazer vinhas nesse sesmo das duas dízimas, e os fornos de cozer pão pertenceriam à
Ordem. Era outorgado aos povoadores que tivessem seus alcaides, que deviam prestar juramento
ao Mestre ao Comendador-mor ou ao celeireiro da Ordem.
Como era usual, e a título de apelativo suplementar, tais povoadores ficariam isentos do fossado
e de todo o preito do dia durante um prazo de 10 anos, contados a partir da data da carta de
Póvoa, e os meirinhos e jurados de Avis ficavam impedidos de penetrar no interior da
demarcação. Ficava ainda vedada a criação, pela Ordem, de coutos dentro dos limites da
demarcação a que nos temos vindo a referir, com excepção daqueles que viessem a ser criados
pelos povoadores concertadamente com os moradores de Avis, ou partilhados com os moradores
de Seda.
Duzentos e dezasseis anos depois permanecia ainda em vigor a demarcação destas terras das
duas dízimas que, na visitação de 1519, abrangiam 67 hectares e grande parte das condições aí
expressas ainda tinham eco na implantação da ordem no local.
Assim, claramente expressa nas fontes do século XVI, a jurisdição deste lugar das Galveias e seu
termo pertencia à Ordem, tanto do cível como do crime, e a eleição dos juízes era feita pelo
ouvidor do Mestrado, bem como a eleição de um procurador do concelho não existindo outros
oficiais por pelouros.
Quando os juízes das Galveias eram eleitos deviam prestar juramento nas mãos dos Juízes da
vila de Avis, território a que as Galveias estavam dependentes hierarquicamente.
Na aldeia das Galveias não existia tabelião, nem escrivão que tivesse carta do Mestre, nem
ninguém que servisse algum ofício, recorrendo-se, assim, aos tabeliães e escrivães de Avis para a
ordenação dos processos necessários ao quotidiano deste lugar. As apelações dos juízes das
Galveias faziam-se necessariamente perante os juízes de Avis, local onde as partes envolvidas em
cada processo compareciam para o julgamento.
Já em termos de organização da propriedade na comenda, a fonte informa que a concessão de
terras em sesmaria ficava a cargo da Ordem e zelou-se para que as confrontações entre as
propriedades fossem demarcadas entre os vizinhos para evitar muitas porfias e discórdias a que
seguiam ódios e malquerenças. Neste sentido, todos os moradores que lavrassem em terras suas,
da Ordem ou de outros donos, deveriam deixar palmo e meio por lavrar, ficando assim uma linde
(ou marco) de 3 palmos para se identificar cada um dos possuidores.
Tratando-se de uma região onde a Ordem detinha fornos de pão, outra frequente causa de atritos
entre o povo e os Comendadores, em boa verdade, aqueles que existiam não eram suficientes
para a população. Com efeito, a visitação regista o facto de que se coziam duas e três fornadas de
pão, estando o forno apenas quente na primeira fornada, apurando-se igualmente que chovia
tanto na casa do forno que os moradores não tinham lugar para colocar o pão, nem, outras vezes,
para aí poderem permanecer enquanto o pão cozia.
Tentando prover a esta situação, os enviados de D. Jorge determinam a construção de fornos e
forneiras e lenha em abastança, e caso tal não se verificasse: «damos lugar que coza cada um o seu
pão onde lhe bem vier requerendo primeiramente os fornos da ordem e, não estando prestes por
míngua de alguma das sobreditas coisas, possa cozer em outra parte tal como fica dito».
A presença da Ordem como entidade senhorial ficava, também, marcada pela recepção das
rendas usufruídas na localidade. A este respeito, encontram-se enumeradas na fonte as seguintes
indicações: o dízimo do pão, do vinho, dos frangãos, dos gados, do azeite, dos queijos, do linho
dos poldros e burros, das favas, tremoços, e de todos os outros legumes, da lã das ovelhas e
carneiros, do mel e dos enxames, de todas as oblações e pé de altar da matriz, das conhecenças
dos moinhos.
Os proventos decorrentes da utilização dos fornos de cozer pão eram da Ordem, bem como o
pagamento da portagem e a renda da alcaidaria com os gados, bestas do vento e penas de armas,
estes auferidos pelo Comendador.
Os visitadores estimaram que somente estas rendas valeriam 35.000 reais, num universo
populacional de 60 vizinhos e, neste conjunto, 3 eram besteiros privilegiados o que, utilizando
um índice moderado de 3,6 (atentos os celibatários, viúvos e clérigos e a baixa densidade
populacional da comarca), poderia significar que a Ordem abarcaria sob sua jurisdição cerca de
216 indivíduos. Deste quantitativo, e excluindo os dados que poderiam ser fornecidos pelas
confrontações, os quais embora, respeitando a moradores – logo sob jurisdição da Ordem – não
indiciam qualquer vínculo contratual, apenas encontramos expressamente referidos cerca de 11
foreiros. Por seu turno, e de acordo com o numeramento de 1532, 13 anos volvidos, registavam-
se 72 moradores, dos quais 7 eram viúvas. Números que que parecem apontar para um
crescimento demográfico da ordem dos 8%.
Obviamente que, a implantação territorial nesta região, trazia para a instituição outro tipo de
proventos como teremos oportunidade de ver de seguida.
6.7.3. Dimensão Patrimonial.

Couto do concelho
O concelho tinha uma coutada para os seus bois de arado que foi demarcada por mandado dos
visitadores, sendo coimeira a todos os outros gados segundo as posturas do concelho. Estava na
posse do dito concelho o poder de a alargarem ou de a encurtarem.

Propriedade urbana

Quadro nº 237
Tipologia dos prédios urbanos

Medidas
Tipologia do prédio Sistema Decimal
Medievais Descrição Fólio
Localização Dimensão
(varas) m2
(metros)
2 casas com paredes de taipa erguidas
Casas entre a azinhaga do concelho e a 4,7 sobre alicerces de pedra e barro,
N/S 4,3 36,4 221
rua pública 7,7 cobertas de cortiça. A dianteira tinha
L/P 7
um portado com lumieiras de pau
N/S 4,5 4,95
Casas que serviam de estrebaria,
L/P 4,2 4,6 2 casas com paredes de taipa cobertas
pegadas com as antecedentes, e junto 40,3 221v
N/S 3,5 3,8 de cortiça, em muito mau estado
ao forno de pão
L/P 4,2 4,6
Casa em que se encontravam os fornos N/S 9,5 10,4 1 casa com paredes de taipa, cobertas
74,3 222
de cozer pão L/P 6,5 7 de cortiça

Propriedade rural
Quadro nº 238
Vinhas

Medidas Fólio
Tipologia do prédio
Localização Medievais Sistema Decimal
(varas) Dimensão (metros) m2/ha

N/S 62,7
Vinha no rib.º da Fonte N/S 57 3.380 223- 223v
L/P 54
L/P 49
N/S 75 N/S 82,5
Vinha no rib.º da Fonte 4.073 224
L/P 46 L/P 50,6
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 226
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 227
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 228
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 229
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 230
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 231
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 232
L/P 96 L/P 105
N/S 91 N/S 100 1,05
Terra junto ao cabeço do Galego 238
L/P 96 L/P 105 (ha)

Quadro n.º 239


Contratos sobre vinhas

Tipologia Tipologia das


Titular
Tipologia do dos contratos rendas fixas
prédio/Localizaçã Emprazament Fólio
Renda alternativa
o 1519 1538 o Aves
(reais)
(vidas)
2
galinha
Vinha no rib.º da Brás Brás s
3 50 223-223v
Fonte Bacias Bacias 1
frangão

3
Vasco Dias
Vinha no rib.º da galinha
da ___ 3 60 224
Fonte s
Murteira

Álvaro Álvaro
2
Eanes, Eanes,
galinha
Courela de vinha morador morador 3 40 226
s
nas nas
Galveias Galveias
2
Diogo
galinha 40
Courela de vinha Anes ___ 3 227
s
Calvo

2
Francisco galinha
Courela de vinha ___ 3 40 228
Jorge s

2
Pêro Pêro
Courela de vinha 3 galinha 40 229
Lourenço Lourenço
s
2
galinha
Courela de vinha Rui Pires ___ 3 40 230
s

2
Domingos
galinha
Courela de vinha Lopes ___ 40 231
s

Courela de vinha Simão Dias ___ 3 2 40 232


galinha
s
2
Terra da Ordem
Gonçalo galinha
junto ao cabeço do ___ ___ 238
Martins s
Galego

Uma vez que a fonte nos permite aceder ao valor estimado de uma galinha seja-nos permitida
uma observação que, apesar de insólita, restituirá um pouco a dimensão dos 35.000 reais
orçamentados como renda da Comenda das Galveias.
Esta soma representaria qualquer coisa como 1.750 galinhas, que corresponderiam ao dispêndio
anual representado pela aquisição de 4,7 galinhas por dia, sem sobrar um real para os numerosos
encargos e despesas, correntes e extraordinárias, a que os Comendadores estavam obrigados.
Parece-nos provável que a detenção duma comenda desta natureza e escala, não representasse,
por si só, uma sinecura que justificasse um empenhamento particularmente activo por parte do
respectivo Comendador, mesmo tendo presente a relativa parcimónia das moradias de escudeiro-
fidalgo pagos pela Casa Real em tempo de D. Manuel I, e referidos por D. António Caetano de
Sousa, ou o montante das tenças pagas a familiares de D. Jorge pela Casa deste último.

Quadro nº 240
Hortas

Medidas Fólio
Tipologia Descrição/
Sistema Decimal
Localização Cultivo Medievais
Dimensão
(varas) m2
(metros)
2 zambujeiros
1 pereira e outras
Uma horta no rib.º N/S 19,8
árvores de fruto, N/S 18 958,3 233
da Fonte L/P 48,4
com valados e L/P 44
silvas

Quadro nº 241
Contratos sobre hortas

Tipologia Tipologia das


Titular
Tipologia do dos contratos rendas fixas
prédio Renda Fólio
Emprazamento
Localização Aves alternativa
(vidas)
Fernão Dias (reais)
Uma horta no rib.º 2
3 40 233
da Fonte galinhas

Quadro nº 242
Terras de Pão

Tipologia Localização Descrição/ Medidas Fólio


Sistema Decimal
Medievais
Cultivo Dimensão
(varas) ha
(metros)
Terra situada por detrás Terra de pão, na posse do
NS 92,4 1
da igreja que se chamava Comendador Pedro de N/S 84 234
LP 114
o Castanheiro Gouveia L/P 104
Terra de pão que vinha Terra de pão, lavrada em
entestar no Rossio das folhas para a ração do N/S 356 NS 391 1,2
235
casas da vila, junto ás Comendador Pedro de L/P 29,5 LP 32,4
casas do Comendador Gouveia
Terra de pão, lavrada em
Terra que ficava defronte folhas para a ração do N/S 360 NS 396 1,3
236
das casas do Comendador Comendador Pedro de L/P 30 LP 33
Gouveia
Terra de pão, na posse do
Courela ao longo dos N/S 193 NS 212
Comendador Pedro de 10,4 237
Murtães, junto ao Vivião L/P 450 LP 495
Gouveia
Terra de pão, na posse do
Terra de pão onde se Comendador, lavrava-se
chamava a Serra, junto ao por folhas trienais para a N/S 609 NS 670 50
239
começo do caminho das ração do dito L/P 680 LP 748
Galveias para Benavila Comendador Pedro de
Gouveia
Terras de 2 dízimas
Terras de pão, pagavam,
medidas de L a P pelo
de cada 830 litros de trigo
caminho que ia das
recolhido, 117,3 litros de
Galveias para Santarém e N/S 463 NS 509 67
foro à Ordem, já 241-242
de N a S a partir da pedra L/P 1200 LP1320
descontada a imposição
da praça e pela rua de
destinada ao bispo e
Ponte de Sor até ás
cabido de Évora
cimalhas da Caniceira

6.8. Segunda visitação à comenda das Galveias.

Cerca de 19 anos após a visita efectuada ao lugar das Galveias pelo bacharel D. Frei Nuno
Cordeiro e por Frei João Rolão, novos enviados do Mestre de Avis regressavam á, agora já vila,
das Galveias. Desta feita tratava-se de Francisco Coelho cavaleiro da Ordem e Frei André Dias,
prior da igreja de Avis, que a visitavam na sequência das deliberações capitulares de Fevereiro de
1538 .
O lugar das Galveias, situado a duas léguas de Avis, e sob jurisdição da Ordem, encontrava-se
dentro do termo daquela vila, embora com o seu próprio termo delimitado, segundo referimos já.
O numeramento de 1532 não autonomiza esta aldeia, que aborda inserida no contexto da
supracitada vila de Avis . Nesta altura permanecia na mão de Pêro de Gouveia, fidalgo da casa do
Mestre e seu camareiro que, por não se encontrar presente, tal como sucedera em 1519, não foi
visitado, nem se viu o título desta sua comenda.
6.8.1. Dimensão Religiosa

Na manhã do dia 18 de Setembro de 1538 os enviados de D. Jorge chegaram à igreja de S.


Lourenço, que se encontrava um pouco apartada da povoação, não se encontrando referidas na
fonte as individualidades presentes a quem teria sido lida a carta do Mestre e que teriam
prestado as obediências da praxe, após o que a visitação teria tido início.
Ao contrário do que sucedia em 1519, ocasião em que o lugar não dispunha de capelão
permanente, nesta altura era capelão perpétuo da dita igreja Frei João Vasques Pousadas, freire
professo do hábito de Avis. Tendo sido inquirido pelo título da sua profissão respondeu que o não
tinha e, como era usual, foi-lhe ordenado o tirasse do Convento, assinado pelo dom prior, dentro
do prazo de um mês. Seguidamente o dito frei João mostrou uma carta do Mestre, passada pela
sua chancelaria, que o dava por capelão perpétuo da dita igreja, uma vez que a D. Jorge pertencia
em sólido a provisão e dada desta capelania, por qualquer via que vagasse.
Pelo exercício do cargo de capelão recebia anualmente de mantimento 5000 reais em dinheiro
acrescidos do pé de altar. Era igualmente tesoureiro sendo-lhe entregues 55 litros de trigo para
hóstias, tudo pago à custa do Comendador. Este capelão encontrava-se obrigado a dizer missa
pelo povo aos domingos e festas de guarda, e em dia de cinzas e de endoenças bem como a
administrar os sacramentos, pelos quais tirava sua carta de cura, passada pelo prelado
Questionado sobre o cumprimento dos capítulos da Regra, disse que os cumpria. Mas porque não
o encontrassem revestido com o manto branco, que devia ter, de acordo com a mesma Regra, foi-
lhe ordenado que o obtivesse, e trouxesse sempre, dentro do prazo de seis meses.
Para que tomassem conhecimento da visita o Comendador, juízes, oficiais e povo da vila, bem
como as pessoas a quem pudesse respeitar, os visitadores ordenaram ao capelão que a publicasse
integramente e a lesse anualmente na estação aos domingos da Páscoa em diante.Mas começaria
imediatamente, assentando a publicação nas costas da mesma António Afonso, tabelião da vila.
O texto da visitação seria entregue ao procurador do concelho, para este o colocar na respectiva
arca donde não sairia, salvo para a câmara, quando os juízes a quisessem ver. E se o dito
procurador ou juízes o contrário fizessem seriam condenados em 2.000 reais por cada infracção,
metade para a fábrica da dita igreja, metade para quem acusasse. E o dito escrivão daria traslado
dela,ou de qualquer capítulo, a quem lhe tocasse e lho pedisse.

Igreja.
A igreja de S. Lourenço encontrava-se da mesma maneira que fora assentada por ocasião da
última visita, razão pela qual não foi descrita. No entanto, cotejando as determinações de 1519
com as da presente visitação de 1538, é possível depreender que nem tudo o anteriormente
disposto havia sido cumprido e que alguns ordenamentos se limitavam a reiterar disposições
anteriores.
A natureza das reparações, aquisições e benfeitorias que, na visitação em estudo, foram
determinadas para a igreja de S. Lourenço de Galveias, mesmo tendo em atenção a modéstia da
renda da Comenda, inculca que o estado do templo não teria melhorado desde 1519 e que, além
disso, não obstante a existência de, pelo menos, uma visitação intercalar cujo teor
desconhecemos, algumas ordens não teriam sido integralmente cumpridas, ou mal executadas,
como veremos
A porta travessa estava tão velha que bastava o vento para a derrubar, encontrando-se
frequentemente caída no chão. Foi ordenado que se fizesse uma porta nova.
A campainha que servia à comunhão (desde 1519) estava quebrada e não tinha badalo, tendo sido
ordenado que a trocassem por uma nova. Neste contexto não parece particularmente
representativo que tenha sido determinada a aquisição de um par de castiçais pequenos, de cano,
para velas. Em contrapartida, a necessidade de se adquirir uma nova pedra d’ara, sob a alegação
de que a igreja só possuía uma, obriga-nos a regressar a 1519, ocasião na qual os visitadores
tinham ordenado a aquisição duma pedra de ara porquanto, em consciência, não era
recomendável dizer-se missa com duas pedras que, embora encaixadas entre tábuas de madeira,
eram demasiado pequenas. Dezanove anos volvidos a situação não se encontrava
satisfatoriamente resolvida.
Na mesma visitação de 1519 tinha sido determinado que se colocasse uma cobertura de madeira
na pia baptismal. Ignoramos se essa ordem alguma vez fora cumprida mas, por ocasião desta
visita de 1538, havia mudanças consideráveis. A pia de baptizar que encontraram estava
construída em alvenaria (tal como se encontrava em 1519) mas encontrava-se totalmente rota, de
tal modo que nela se não podia baptizar, porque assim que lhe deitavam água a vazava. Ora, já
fora ordenado ao Comendador em visitações anteriores (o que coloca a dúvida sobre a realização
de uma única visita intercalar) que colocasse uma outra pia de baptizar em pedra, o que não fora
cumprido, originando nova determinação sobre a mesma matéria " por ser coisa necessária
ordenaram ao dito comendador, sob pena de 1000 reais para o dito Convento que, no prazo de
um ano, contado a partir da publicação da presente visitação, mandasse colocar na igreja uma
pia de baptizar nova, em pedra, e coberta com a sua capa de pau fechada a cadeado".
Os visitadores de 1519 haviam concluído que em Galveias nunca tinham existido os santos
óleos, nem tão pouco existia sítio onde se guardassem, razão pela qual se baptizavam os meninos
e pagãos sem óleo, e depois o traziam os capelães, passando-se muito tempo antes de serem
ungidos .
Esta situação fora considerada inadmissível pelos mesmos visitadores, que haviam ordenado ao
Comendador que adquirisse uma buceta de madeira e umas âmbulas de estanho para se
guardarem num armário os santos óleos. Nesta visitação não apenas se encontraram os 3 santos
óleos, como estes se estavam efectivamente conservados em âmbulas de estanho limpas e boas,
encerradas numa caixa de madeira. No entanto os visitadores tinham constatado igualmente que,
na visitação prévia, tinha sido ordenado ao Comendador que mandasse fazer umas portas, com
fechadura e ferrolho, no armário pequeno que estava na capela-mor da igreja, para nele se
guardarem os santos óleos, o que não fora cumprido. E por parecer coisa necessária voltaram a
ordenar ao supracitado Comendador que, desta feita no prazo de 3 meses, mandasse consertar
esse armário da maneira indicada, ou se assim o preferisse, que comprasse uma arca pequena
para guardar os ditos óleos
Em 1519 os visitadores haviam ordenado aos juízes que tomassem contas a todas as pessoas que
traziam, ou deviam, alguma coisa que pertencesse à igreja de S. Lourenço, assim como o que
deixassem os defuntos, ou de qualquer outra proveniência, e de tudo o que achassem pertencerer
ao bem-aventurado santo se compraria 1 cálice de 460gr. para servir na dita igreja,(o que já tinha
sido cumprido em 1538, embora desconheçamos o peso do novo cálix), e tudo o que sobejasse se
gastaria na fábrica do templo, naquilo que ao capelão parecesse mais necessário. Isto por mão do
recebedor da fábrica sendo-lhe primeiramente entregue perante o seu escrivão.
Em 1519 registava-se que uma Iria Martins tinha deixado em testamento a esta igreja uma terra
de pão que levava de semeadura 83 litros de trigo situada dentro da demarcação de uma herdade
no Vale do Galgo que, nesta ocasião, pertencia a João Fouto, o qual entregava 34,5 litros de trigo
macho bom e de receber, pago ao manposteiro e recebedor da igreja de S. Lourenço para ser
empregue na sua fábrica.
Em 1538 esta renda tinha diminuído para 27,6 litros de trigo anuais provenientes da mesma
herdade do Vale do Galgo, e pagos pagos pelo possuidor da dita herdade, arrecadando-os o
recebedor da dita fábrica.
Em 1538 todas as pessoas que se enterravam dentro da igreja pagavam pela sua sepultura 300
reais para a fábrica, ou uma peça equivalente a esse valor. Este preceito, que já encontrámos
anteriormente referido noutras terras da Ordem, teria ficado estipulado numa visitação intercalar,
dado que não se encontra alusão a ele em 1519.

Quadro nº243
Prata da igreja

1519 1538 Observações


Cálice de prata branca muito pequeno – Cálice de prata branca, novo, feito de um Julgamos que o cálice de 1538
teria sido lavrado a partir do
que existia em 1519, embora a
e com o vaso oscilante – com 1 cruz de outro, velho, que existia na igreja
substituição não constasse das
S. Bento na patena,
determinações desse último
ano

Quadro nº244
Vestimentas da igreja

1519 1538 Determinações 1519 Observações


Vestimenta de chamalote preto Vestimenta de chamalote preto ___ Trata-se da mesma
com savastro de cetim com savastro de veludo carmesim, vestimenta
aveludado toda comprida e já usada
___ Outra vestimenta de pano de ___ Trata-se de uma nova
Guiné com savastro de cetim vestimenta
verde falso
Bancal de Flandres, já usado, Bancal de Flandres, já usado, que ___ Trata-se do mesmo
que servia de frontal. servia de frontal bancal

2 frontais de pano de estopa e Frontal de cetim verde falso com Foi ordenado que se Trata-se de um novo
sobre a substituição deles barras de veludo carmesim adquirissem 2 frontais fontal
incidiria a determinação de pano da Índia para
os altares do cruzeiro
___ 1 frontal de pano da Guiné já ___ Trata-se de Um novo
usado fontal
___ manta da terra que serve de frontal ___ Trata-se de Um novo
fontal
___ outro frontal de pano de reposteiro ___ Trata-se de Um novo
fontal

Comparando as existências em 1519 e 1538 verificaremos que, na última data, restavam ainda,
do acervo de 1518, uma vestimenta e um bancal, tendo entretanto sido adquiridos uma nova
vestimenta de pano da Guiné e quatro novos frontais. Como as determinações de 1519 apenas
previam a aquisição de 2 frontais de pano da Índia para os altares do cruzeiro, admitimos que
tivesse existido, pelo menos, uma visitação intercalar em que tivesse sido ordenado o
remanescente das aquisições

Quadro nº245
Roupa de linho da igreja

1519 1538 Determinações 1519 Observações


__
Vestimenta de pano de linho 4 toalhas usadas __

__
4 lençóis bons de estopa Lençol de linho __

__
___ 2 toalhas de pano da Índia __

Ignoramos se,
3 toalhas lavradas de ponto 4 toalhas e 1 pano lavrados de entretanto, se comprara
__
real seda com lavores antigos outra , ou se seriam
novas toalhas
Alva 2 camisas de linha de S. Sebastião __ __
__
__ 2 panos da Índia listrados __

Determinaram que se
Caixa de madeira pintada, não mandassem comprar A caixa de madeira
se encontram referidos 3 corporais de Holanda numa uns corporais para se pintada seria
quaisquer corporais, a despeito caixa de madeira pintada poderem lavar os que provavelmente a
do teor da determinação existiam quando mesma
estivessem sujos
__
Batistilha de seda __ __

Quadro nº246
Livros da igreja

1519 1538 Determinações 1519 Observações


Missal do costume de Évora Poderia tratar-se do
Missal místico de Évora, novo
de molde e papel mesmo livro
Baptistério com o ofício da
Trata-se do mesmo
encomendação de pergaminho Baptistério usado
livro
velho
Domingal e santal e um oficial
Domingal e santal e 1 oficial das
das missas de canto, de uma Trata-se dos mesmos
missas de canto, de uma regra, em ___
regra, escritos em pergaminho livros
pergaminho velho
e muito velhos
Oficial de missas de canto por
Umas constituições do prelado ___ ___
uma regra
Missal do costume de Évora,
___ ___ ___
velho
Determinaram que se
adquirisse um livro
Aparentemente não foi
___ ___ com os ofícios de
adquirido
baptizar, ungir e
encomendar finados

Quadro nº247
Latão, cobre e coisas miúdas

1519 1538 Determinações 1519 Observações


A campainha não
consta em 1538,
Campainha para a comunhão Caixa de hóstias __
porque se encontrava
quebrada e sem badalo
Determinaram que se
Lâmpada de cobre colocada na A lâmpada nãos consta
Obradeiras adquirisse 1 ferro para
ousia em 1538
fazer hóstias
___ Cruz de aço nova, com cruxifixo ___ ___
2 cruzes, 1 de cobre e outra de A cruz de latão poderia
Cruz de latão velha ___
latão, velhas ser a mesma
Caldeira de cobre para água Trata-se da mesma
Caldeira de água benta ___
benta caldeira
Determinaram que se
__ Bacia de oferta, grande adquirisse 1 bacia de ___
arame para a oferta
Trata-se das mesmas
2 castiçais de latão 2 castiçais de latão ___
peças
2 turíbulos de latão, 1 velho e 1 Um dos turíbulos já
Turíbulo de latão, muito velho ___
novo exisitia em 1519
Determinaram que se
2 galhetas de estanho muito Em substituição das
2 galhetas de estanho adquirissem 2 galhetas
velhas velhas que existiam
de estanho

Não só tinham sido cumpridas as determinações de 1519, como se encontravam na igreja um


novo turíbulo e 1 cruz de aço, possivelmente ordenados na visitação intercalar.

Obrigações do Comendador e povo

A única alteração verificada desde 1519 era a nova obrigação que o Comendador tinha de
comprar à sua custa os santos óleos.

Hospital

O hospital do lugar das Galveias, que permanecia na rua principal e continuava a ser constituído
por uma casa dianteira e celeiro, encontrando-se tal como ficára assentado na visitação passada, e
tinha as heranças nela declaradas.
Era nesta ocasião hospitaleira Maria Álvares, viúva de Gonçalo Martins, a qual vivia nas casas
do hospital e tinha o cuidado de agasalhar os pobres que a ele vinham. A existência desta
hospitaleira tinha sido determinada na visitação de 1519, em complemento de uma reavaliação
dos activos e dívidas à instituição, e duma ordem para a aquisição de roupas, fornecimento de
azeite para iluminação e lenha para aquecimento.
Acabámos de verificar que, não obstante registar a existência de uma hospitaleira (no
cumprimento da determinação de 1519), a indiciar que a situação detectada há 19 anos, de
"desvio" dos redimentos do hospital para um bodo anual realizado pelos confrades de S.
Domingos, poderia ter ficado resolvida, no entanto o laconismo da visitação em estudo nada
mais deixa concluir neste passo .
Mas as determinações de 1538 vêm lançar ainda alguma luz sobre a real situação do hospital da
Galveias, embora não nos elucidem sobre o grau de cumprimento daquilo que em 1519 havia
sido ordenado no atinente à "auditoria" às suas contas e "reequipamento" preconizado.
Com efeito, em 1538, as casas do hospital encontravam-se destelhadas nalguns sítios
evidenciando a necessidade de serem cobertas, razão pela qual os visitadores mandaram aos
mordomos do hospital que mandassem telhar as ditas casas com telhas e pôr-lhe a madeira
necessária. Estes trabalhos seriam financiados com o rendimento das heranças do hospital, no
prazo de um ano, sob pena de 1.000 reais para a fábrica da igreja.
Parecem comprovar-se as limitações da eficácia assistencial dos hospitais sob tutela da Ordem.
Tanto mais que, muito embora o lugar das Galveias fosse pequeno e pobre, se encontrava
adjacente ao termo da vila de Avis, cabeça do Mestrado.

Determinações particulares sobre o espiritual

1. Sinalética da Ordem
Tal como já havíamos constatado a propósito de Cabeço de Vide, mas nunca anteriormente,
entenderam aos visitadores ser conveniente colocar-se a cruz da ordem na igreja e nas casas
próprias que o Comendador possuía, para que se soubesse sempre que pertenciam à Ordem.
Neste sentido ordenaram a Pêro de Gouveia que, no prazo de 6 meses contados a partir da
publicação desta visitação, mandasse colocar a cruz da Ordem, esculpida em pedra, sobre a porta
principal da igreja e nas casas do Comendador.É certo que, à precisa fixação de seis meses de
prazo, não correspondia qualquer coima específica, talvez uma omissão involuntária, mas não
temos dúvida em que o sublinhar daquilo que consideramos corresponder a uma heráldica de
domínio coincidia com uma intenção de reafirmação de autoridade que já havíamos constatado
por ocasião da visita a Cabeço de Vide.

2.Sobre as velas e o incenso para as missas

Tem vindo a ser usual o apuramento da proveniência do azeite e da cera utilizados na iluminação
das igrejas da Ordem, bem como a respectiva incumbência não se encotrando sempre consagrada
a função de uma candieira responsável por essas matérias. Verificamos ser normal a existência de
círios de vária dimensão, tanto destinados a serem acesos, com parcimónia, à elevação da hóstia
nas missas dominicais e festas dos vizinhos, como nas cerimónias das confrarias.
De um modo geral trata-se de um assunto que não colocava problemas de maior. Mas nesta
visitação ás Galveis constatou-se que não havia velas para as missas do dia, que se diziam pelo
povo aos domingos e dias santos, rezando-se as mesmas à luz dumas candeias muito pequenas
que o recebedor da fábrica para isso dava.
Em consonância com a prática comprovada nas outras igrejas foi julgado que era necessária a
existência de velas para as cerebrações acima indicadas, tendo os visitadores ordenado ao
antedito recebedor da fábrica que, daí em diante, comprasse, com o dinheiro da fábrica, as velas
que fossem necessárias para as missas, sob pena de 1.000 reais para a mesma fábrica. Do mesmo
modo daria o mesmo recebedor todo o incenso necessário para os ditos domingos e festas sob a
mesma pena.
De igual modo os visitadores verificaram que não havia velas para o ofício de trevas , bem como
para o sepulcro, quando encerravam o senhor (Quaresma e Páscoa da Ressurreição) e muitas
vezes se faziam os ofícios sem elas, e o Santíssimo Sacramento alumiava-se com azeite, se para
isso era dado. Perante esta situação, aliás condizente com a anterior, ordenaram ao recebedor da
fábrica que anualmente, e com o dinheiro dela, comprasse as velas, bem como meia dúzia de
velas grandes, boas para estarem acesas perante o sacramento enquanto estiver encerrado. Para
evitar desperdícios e desencaminhamentos o supracitado recebedor tornaria a recolher as ditas
velas logo que acabassem de ser utilizadas.

6.8.2. Dimensão Senhorial

Determinações particulares sobre o temporal

1. Fornos de cozer o pão.


Conforme já anteriormente se tinha constatado em relação à vila do Cano, em 1519 a
exlusividade que a Ordem detinha sobre os fornos de cozer pão ocasionava atritos frequentes
entre o povo e os Comendadores, bem como no seio dos próprios moradores. Os visitadores
pretenderam solucionar esta questão de acordo com o que lhes parecia de justiça, e de acordo
com uma carta de doação que se encontrava na arca do concelho, carta a que chamavam foral.
Determinaram pois que houvesse fornos e forneiras e lenha em abastança, e se isso não se
verificasse, em tais casos," damos lugar que coza cada um o seu pão onde lhe bem vier
requerendo primeiramente os fornos da ordem e, não estando prestes por míngua de alguma das
sobreditas coisas, possa cozer em outra parte tal como fica dito". E quando alguma pessoa
cozesse sem lhe aquecerem o forno aqueles que chamam de remuda – que era sem meterem
lenha – em tal caso não seria a pessoa que dessa maneira cozesse obrigada a dar poia.E se
alguma pessoa cozesse, fazendo de forneira ou metendo lenha, não pagaria nenhuma poia.
Ordenaram também que nenhuma forneira tomasse a poia pela força, quando assim se cozesse de
remuda, sob pena de pagar, 100 reais por cada vez que fizesse o contrário, metade para os
cativos, e metade para quem acusasse .
Esta determinação de 1519 teria tido alguns efeitos efectivos uma vez que, nesta visita de 1538,
Galveias dispunha de um forno novo. No entanto, tal como sucedera há dezanove anos, voltaram
a agravar-se os juízes, oficiais e o povo das Galveias porque os 2 fornos que a Ordem aí tinha
não coziam nem eram ambos aquecidos por escassez do Comendador e seus rendeiros. Por essa
razão se perdia muito pão, visto que não era cozido no tempo devido, e porque só se aquecia um
dos fornos, e pediram aos visitadores que sobre isto providenciassem. Visto este requerimento, e
tirada informação sobre o assunto, ordenaram os visitadores ao Comendador, e aos seus
rendeiros ou mordomos que trouxessem sempre os ditos 2 fornos quentes e aparelhados de
lenhas e forneiras de modo a que ambos cozessem e o povo não se agravasse, sob pena de 2.000
reais para a fábrica da igreja não o fazendo desta maneira, nem assim o ordenando, no prazo de
15 dias a partir da publicação desta visitação. E daí em diante, cada vez que os não tivessem
aparelhados, pagassem 300 reais para a fábrica da igreja. E mandaram aos Juízes que
executassem quem quer que o não cumprisse .
Ressaltava claro que o determinado em 1519 não passava em grande parte de letra morta.
Mas esta situação, por si só, não abrangia a totalidade da "questão" dos fornos, uma vez que os
presentes visitadores constataram que o forno novo da Ordem, que ficava no cabo da vila, estava
muito danificado pelos toros que lhe metiam dentro, bem como pelas gentes que subiam pelas
paredes e telhados.
A Ordem sofria muitas perdas com estes actos, e querendo remediar a situação os visitadores
mandaram aos juízes e oficiais que daí por diante não mandassem meter (toros no forno?) nem
consentissem que nenhumas pessoas subissem ao telhado do supracitado forno novo, sob pena de
pagarem, cada vez que o contrário fizessem, 2.000 reais para a fábrica da igreja.
Situações como estas, que ocorriam frequentemente, poderiam ser resolvidas casuisticamente no
caso dos Comendadores serem residentes, ou se deslocarem frequentemente ás Galveias, o que
parecia não ser o caso do camareiro do Mestre D. Jorge.

2. O capelão como juiz dos dízimos

Na visitação efectuada à vila do Cano em Fevereiro de 1519 os visitadores tinham-se mostrado


taxativos no delineamento da sua posição no respeitante ao exercício de ofícios seculares pelo
prior, argumentando: "porque nemo potest duobus segundo a doutrina evangélica e a
determinação dos santos cânones, nenhum clérigo nem monge devia ocupar-se em nenhum ofício
secular, mormente quando era contrário ao seu ofício, em o qual acharam compreendido frei
Diogo Nogueira, prior do Cano, por ser rendeiro das rendas da comenda dela, o que não podia
fazer e acharam por certa informação que por arrendar as coisas que à dita rendiam e pertenciam
andava tão ocupado que não podia servir bem a igreja de que era reitor, nem dar os sacramentos
como era obrigado, originando muitos escândalos entre o prior e os fregueses e outros
inconvenientes com dano da sua consciência, o tinham admoestado primeira e segunda vez,
dando-lhe em cada admoestação o prazo de 30 dias para desistir e abrir mão da dita renda,
ordenavam-lhe peremptoriamente que desistisse, e abrisse mão da dita renda, e não tivesse mais
nenhuma contrária ao seu ofício, sob pena de o privarem do seu benefício e priorado passado o
dito tempo. E isto se entenderia por não haver provisão do Mestre sobre este assunto, mas
informaram-no de que, cumprido o último prazo sem acatamento, em virtude da obediência e sob
pena de excomunhão o fariam saber ao Mestre" .
Aparentemente essa posição não colhia unanimidade, ou era susceptível de ser casuisticamente
inflectida, como passaremos a constatar na visitação ora estudada
Atendendo a que o lugar das Galveias agora era vila os rendeiros do Comendador pediram aos
visitadores que ordenasse juiz dos dízimos nessa vila, para que não fossem obrigados a ir a Avis,
o que ocasionava que, muitas vezes, se perdesse a renda da Ordem. Esta situação foi ponderada
pelos enviados de D. Jorge que entenderam que o capelão desempenharia essas funções a
contento. Por isso o designaram como juiz dos dízimos dessa comenda, determinando que
perante ele os demandaria o rendeiro ou mordomo do Comendador. O capelão passaria a ocupar-
se dos ditos dízimos com apelação e agravo para o ouvidor do Mestrado como era costume.E
pelos visitadores lhe foi dado juramento sobre os santos evangelhos para que bem e
verdadeiramente o fizesse. E, em simultâneo, determinaram que António Afonso, tabelião na dita
vila, servisse de escrivão dos ditos dízimos, cargo que o capelão exerceria durante o tempo que
estivesse na dita igreja (recorde-se que se tratava de um capelão perpétuo). Perante o qual
capelão os juízes prestariam juramento sobre os evangelhos.
È certo que Frei João Vasques Pousadas não era rendeiro das rendas da Ordem, como sucedia em
1519 com o prior do Cano, mas nem por isso deixava de se tratar de um provimento num ofício,
não apenas secular, como também melindroso, e susceptível de originar muitos escândalos entre
o capelão e os fregueses e outros inconvenientes . Talvez esta aparente dualidade de critérios se
pudesse radicar no facto de Pêro de Gouveia, fidalgo da casa do mestre e seu camareiro, ser com
elevada probabilidade um Comendador notoriamente absentista, e o perfil de João Vasques
Pousadas, freire professo da Ordem de Avis dar, no âmbito da pequena vila, algumas garantias de
idoneidade para se incumbir de um cargo que era importante para a milícia. De qualquer modo,
mantinha-se a dualidade de critérios.

3. Sobre a guarda das vinhas.

Agravaram-se algumas pessoas que tinham vinhas e hortas dentro do couto do concelho, dizendo
que lhas danificam com os bois da boiada e outros gados que lhes entravam dentro, apesar de
estarem avaladas, e que os juízes e oficiais não queriam julgar as coimas pelas posturas do
concelho. E por estes motivos deixavam perder as ditas vinhas e propriedades e as não queriam
aproveitar. Os visitadores, querendo remediar esta situação atendendo ao que tocava ao bem
comum, e evitar que se perdessem as benfeitorias da terra, ordenaram aos juízes e oficiais da vila
que, nos casos em que essas pessoas tivessem as vinhas e hortas avaladas em roda, com valas da
altura de um homem, e barbados, lhes julgassem as coimas pelas posturas do concelho porque,
estando tapadas do modo que ficava dito, essas heranças passariam a ser coimeiras, o que
implicava que uns avaladassem as ditas propriedades e os mais as respeitassem, uns e outros sob
pena de 1.000 reais para a fábrica da igreja.

4. Aforamento dos mortórios das vinhas.

Alguns mortórios de vinhas da Ordem encontram-se perdidos e quase em mato por terem
morrido as pessoas a quem haviam sido aforados, não havendo herdeiros nem pessoas que
sucedessem nos respectivos títulos, de modo a que pudessem ser obrigados a tratá-los e a pagar
os respectivos foros. Perante esta situação os visitadores ordenaram ao Comendador que tivesse
cuidado de as aforar por um foro honesto em fatio sim perpétuo a pessoas que deles cuidassem,
uma vez que estava tudo maninho e em mato.
Recuando até ás medidas sumárias e executivas que os mesmos visitadores tinham adoptado em
relação à ausência de títulos e contratos irregulares em Cabeço de Vide e Alter Pedroso, e
constando que nos encontramos perante uma simples recomendação, sem prazo nem coima,
interrogamo-nos sobre a possibilidade de terem existido "dois pesos e duas medidas".

5. Sobre as vinhas dadas em sesmaria.

A visitação foi informada que visitadores passados, bem como os sesmeiros da Ordem, tinham
dado de sesmaria pedaços de terra ao redor da vila para neles se fazerem vinhas. Tal não veio a
suceder, e essas terras encontravam-se ocupadas, sem que nelas tivesse sido realizada benfeitoria
alguma. Os visitadores determinaram, que as pessoas a quem tinham sido dadas essas sesmarias
aproveitassem as ditas terras em vinhas no prazo de um ano, uma vez que fora com esse
objectivo que tinham sido dadas, porém, se o não cumprissem, uma vez esgotado o dito prazo, o
sesmeiro da Ordem tornaria a distribuir essas terras em sesmaria a quem as pedisse.

Jurisdição da ordem

Em relação áquilo que, na visitação de 1519, tinha ficado escrito sobre este ponto acrescentou-se
apenas que as sesmarias da vila e seu termo eram dadas pelo Comendador ou visitadores da
Ordem, ou pelo sesmeiro designado pelo Comendador, uma vez que tal era o costume.
Estranhamos esta omissão porquanto, tendo sido elevado a vila o antigo lugar das Galveias, seria
natural que os vínculos estreitos que a subjugavam ao concelho de Avis, minuciosamente
enumerados na visitação de 1519, tivessem dado lugar a uma nova autonomia, o que
parcialmente já se verificava, por exemplo, com a existência de um tabelião próprio nas
Galveias, coisa que antes não sucedia. Mas não é possível esquecer que a elevação à categoria de
vila ocorrera escassos meses antes, e que a omissão a que nos reportamos pudesse ser
intencional, encontrando-se as Galveias na expectativa de regulamentação sobre esta matéria.
A enumeração das rendas e direitos da Ordem de Avis na vila das Galveias não divergia em 1538
da listagem que ficara anotada em 1519. No entanto, se, nesta última data, o total das rendas da
Ordem tinha sido estimado em 35.000 reais, desta feita ficou registado que os visitadores tinham
avaliado as rendas da Ordem em 50.000 reais/ano, em salvo para o Comendador, valor pelo qual
se encontravam arrendadas por três anos. Se considerado isoladamente, este acréscimo da ordem
dos 30% poderia resultar da conjugação de uma taxa de inflacção que se começava a fazer sentir
com uma nova arrematação (mais vantajosa) dessas mesmas rendas. Mas sucede que, nesse
período de cerca de 19 anos, a população da vila, inicialmente cifrada em 60 vizinhos, aumentara
em 1532 para 72, e em 1538, para 100 vizinhos, um importante crescimento populacional que
poderia apontar para um surto de prosperidade, contrastando com os indícios de incúria e
abandono que julgamos ter vindo a evidenciar.

6.8.3. Dimensão Patrimonial

Heranças e propriedades que a Ordem tinha em Galveias.

Propriedade urbana

Uma vez que a fonte em estudo não refere medidas, para tentar avaliar com um mínimo de
nitidez se ao crescimento populacional verificado no período intercalar teria correspondido um
aumento da área habitacional edificada pertencente à Ordem, passaremos a comparar os mapas
de situação correspondentes a 1519 e 1538.

Quadro nº 248
Tipologia dos prédios urbanos 1519-1538

Medidas
Tipologia Descrição/
1519 1538 Sistema Decimal Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão
(varas) ha
(metros)
2 casas com paredes
de taipa erguidas
Casas entre a sobre alicerces de
azinhaga do pedra e barro, N/S 4,3 4,7
X X 36,4 221
concelho e a rua cobertas de cortiça. A L/P 7 7,7
pública dianteira tinha um
portado com
lumieiras de pau
2 casas com paredes
de taipa cobertas de
cortiça,
Casas da Ordem encontravam-se em N/S 4,5 4,95
junto ao forno de pão muito mau estado, L/P 4,2 4,6
X X 40,3 221v
ficavam que serviam mas vivia nelas N/S 3,5 3,8
de estrebaria Vasco L/P 4,2 4,6
de Gouveia, irmão
do
Comendador
Paredes de taipa,
Casa em que se cobertas de cortiça,
encontravam os na posse do
N/S 9,5 10,4
fornos de cozer pão, Comendador, X X 74,3 222
L/P 6,5 7
pegada com as encontravam-se
estrebarias arrendadas com a
renda principal
Casa de forno para a
Casa nova em que se qual o comendador
encontravam os Pedro de Gouveia
C 10,5 11,5
fornos de cozer pão, mandara passar um X 57,5 84v-85
L 4,5,5 5
que ficava no cabo dos fornos, porque
da vila antes ambos numa só
casa

Da comparação entre os dois quadros ressalta que a única edificação efectuada por iniciativa da
Ordem (aliás decorrente das determinações de 1519 provocadas pelos agravos do povo) ao longo
dos 19 anos em apreço foi a casa que albergava o forno novo da Ordem, construída no cabo da
vila.

Propriedade rústica

Coutada da Ordem
Parece importante referir esta coutada uma vez que a fonte em estudo a menciona como
encontrando-se demarcada no tombo da ordem feito pelos visitadores D. prior e prior de Vila
Viçosa. Se tivermos presente que a visitação de 1519 fora efectuada pelo bacharel e chantre D.
Frei Nuno Cordeiro, prior mor do convento de Avis, prior e beneficiado de S. João de Coruche, e
por frei João Rolão, prior de vila Viçosa, que efectivamente tinham realizado um inventário das
heranças e propriedades da Ordem, somos levados a concluir que tendo-se realizado (ou não)
visitações intercalares, o tombo de referência permanecia o de 1519.

Terras da Ordem na vila de Galveias

Do conteúdo daquilo que os visitadores de 1538 designaram ambiciosamente como Tombo das
eranças e propryedades que a ordem em esta vylla das galveas parece ressumar um clima de
certa letargia, de tal modo são escassas, e irrelevantes, as mudanças anotadas durante o período
intercalar .Encontrava-se apenas o registo de que a Ordem tinha uma terra de pão detrás da
igreja, que se chamava o Castanheiro, outra terra de pão que entestava com o Rossio e chegava
até ás casas, outra terra de pão que estava junto das casas do lugar e entestava na coutada e no
Rossio, uma outra terra de pão ao longo dos Murtais, ao pé da cabeça do Vivião, uma courela
pequena que ficava além do curral do concelho e, finalmente, uma terra de pão grande, onde se
chamava a Serra.
Acrescentava-se que as propriedades referenciadas estavam demarcadas e medidas no tombo da
Ordem feito pelo D. prior e prior de vila Viçosa, tendo-se verificado que as demarcações
encontradas coincidiam com as constantes no antedito tombo, que permaneciam propriedade da
Ordem, e que o Comendador dava por sua mão a quem queria, recolhendo a ração e os dízimos
delas.
Anotavam-se algumas sucessões e alterações contratuais: por exemplo na horta que ficava no
vale das hortas sucedera em 2.ª vida Luís Coelho, morador nas Galveias, por nomeação que nele
fizera, em testamento, Fernão Dias, seu pai, mantendo-se o foro estipulado em 1519. E que, a
Leonor Fouta, tinha sido aforada de novo uma vinha emprazada em 3 vidas, da qual pagaria de
foro 80 reais ou 3 galinhas.Ou também que António Gonçalves trazia aforada em fatiosim
perpétuo, por título de aforamento que na ocasião novamente lhe fora feito, um vinha e mato da
Ordem da qual pagava 2 galinhas.
Registava-se que uma terra da Ordem que os visitadores de há 19 anos tinham dividido e aforado
em 6 courelas de vinha, e na ocasião se encontrava em mato maninho, permanecia em
mortório,.sucedendo que alguns dos ditos foreiros já tinham falecido sem herdeiros. Mas, embora
registassem a ocorrência, os visitadores de 1538 não tinham tomado qualquer decisão sobre o
assunto.
Alegaram os visitadores que no tocante ao remanescente das propriedades que a Ordem possuía
na vila das Galveias não as tinham feito assentar na presente visitação por estarem registadas e
descritas no já supracitado tombo da ordem feito pelo D. prior e prior de vila Viçosa, e as
trazerem e possuírem as mesmas pessoas a que foram aforadas, sem nelas haver inovação.

7. Os homens da Ordem de Avis: um estudo de caso

Depois de apresentada a estrutura base em que assentava a gestão das comendas em estudo,
certamente que a composição sociológica desta ordem militar nos aparecia como o passo a seguir
para complementar a nossa investigação.
Como é evidente, num universo desta natureza e havendo estudos prévios onde a dimensão
sociológica ficou, desde logo, mais detalhadamente tratada, era óbvio que a nossa preferência
recaísse na gestão, pese embora o enorme atractivo que a segunda dimensão apontada concentra
em si mesma.
Assim, cremos que se justifica de uma forma natural a necessidade sentida em privilegiar
abordagens enquanto que outras ficam relegadas para ocasiões futuras. Nesta última situação
podemos incluir os dados que estas mesmas fontes da Ordem de Avis nos dão para conhecer
quem de mais de perto supervisionava o governo da instituição. Ora, na impossibilidade de
procedermos a uma análise detalhada de todos aqueles cuja presença se detectou no estudo das
fontes, optámos por uma breve incursão pelos Furtado de Mendonça, uma família que nos serve
o propósito de experimentar uma metodologia a aplicar futuramente em outros casos. Não é
alheia a esta escolha uma situação claramente irrefutável na qual é forçoso notar uma
“colonização" da Ordem de Avis (e, também, de Santiago) pelos mais importantes titulares desta
família. Mas não somente por esta razão. Acontece também que, a despeito da veracidade do
argumento anterior, estes personagens acabam por aparecer extremamente relacionados com o
universo patrimonial estudado, como ainda veremos em detalhe, factor que ajudou ainda mais a
validar esta nossa opção.
Desta forma, já os resultados da investigação realizada por PIMENTA sobre as Ordens de Avis e
Santiago durante o Mestrado de D. Jorge induziram-na a constatar que uma boa parte do
"travejamento humano" destas milícias passou a repousar sobre a parentela materna deste
Mestre. E, acrescentaremos nós, que, paralelamente, não parece exagero considerar-se que a
ascenção social e política desta família ganhou novo, e decisivo fôlego, mercê das dignidades e
proveitos granjeados no seio destas duas milícias, não obstante alguns dos seus membros terem
ingressado, durante o período em apreço, na Ordem Militar de Cristo. A mesma historiadora
tinha já iniciado a divisão de dois diferentes ramos desta família pelas duas milícias, ramos esses
iniciados com dois tios maternos de D. Jorge: António Furtado de Mendonça na Ordem de Avis,
e Jorge Furtado de Mendonça na de Santiago.
Em boa verdade, como aflorámos já, o ingresso da família de D. Ana de Mendonça nas Ordens
Militares não se iniciou com o Mestrado de D. Jorge. Para não mencionar membros da linhagem
dos Furtado que, ainda na primeira metade do século XIV, eram freires e Comendadores da
Ordem de Santiago, mas cuja exacta relação de parentesco com o capitão Afonso Furtado, bisavô
de D. Ana não foi ainda seguramente estabelecida, referiremos, para já, apenas dois exemplos
ainda situados na geração dos tios de D. Ana de Mendonça: na Ordem de Santiago Duarte
Furtado de Mendonça, tio de D. Ana, falecido em 1494, havia sido Comendador do Torrão da
Ordem de Santiago desde, pelo menos 1483, e Pedro de Mendonça, igualmente tio de D. Ana, foi
escrivão dos contos do Mestrado de Santiago, recebendo uma tença, em 28 de Agosto de 1477,
quando se encontraria ligado à Ordem de Avis, que premiava a sua actuação na batalha de Toro,
integrado nas forças do Príncipe-Herdeiro D. João.
Se nos detemos com alguma minúcia nos ascendentes maternos do Mestre D. Jorge, Duque de
Coimbra e temporário candidato ao trono português, é com o intuito de ajudar a compreender
quais as razões que nos levaram a admitir que a linhagem de D. Ana poderá ter sido objecto da
"reconstrução promocional" mais adequada - dentro do quadro das mentalidades do seu tempo -
à mãe dum candidato ao trono, e que logicamente permitiria a cronistas como RESENDE
definirem-na, com enfática conveniência, como "de Dona Ana de Mendoça, molher muyto
fidalga, e moça fermosa de mui nobre geração". Mas também, observando a evolução destes
descendentes dos alvazis de Frielas, constatar que, ao invés do que entenderam determinadas
correntes de opinião, D. Manuel I manteve, desde início, uma relativa "neutralidade" no que se
refere à gestão da "componente humana" das ordens de Avis e Santiago, permitindo que o Mestre
D. Jorge se rodeasse, e como que escudasse, numa pequena multidão de parentes.
E verificar que outros tios-avós maternos do Mestre D. Jorge deram origem a ramos desta família
que, tendo gozado da confiança sucessiva de D. Afonso V e D. João II, a mantiveram sob D.
Manuel I, a cuja Casa pertenceram, e desenvolveram carreiras que não se encontrando
sistematicamente enfeudadas às ordens de Avis e Santiago se assemelham aos percursos normais
da nobreza de corte durante a primeira metade de Quinhentos.
Quer-nos parecer que é esta a altura adequada para esta "incursão genealógica" que pretendemos
ilustrativa, uma vez que, como veremos, uma parte substancial do governo de D. Jorge passará
pela colaboração dos seus tios e primos maternos, afinal os únicos parentes "confiáveis" de que
dispunha.

7.1. Os Furtado de Mendonça, ascendência materna do Mestre D. Jorge

No estado actual da questão é possível deduzir documentadamente a família materna de D. Jorge


(Agosto de 1481- 22 de Julho de 1550·) a partir de Afonso Furtado (cerca de 1347 – antes de 23
de Junho de 1423), bisavô paterno de D. Ana de Mendonça, mãe deste mestre de Avis e de
Santiago.
Afonso Furtado é o genearca desta linhagem cuja ascensão social começa nele, e afirma-se na
geração dos filhos e netos, sendo possível constatar que, na geração dos bisnetos, uma parcela da
sua descendência irá travejar as Ordens de Avis e Santiago, tanto pelo número de familiares que
irão ingressar nessas Ordens, como pelos cargos que lhes serão confiados.
Esta íntima associação entre os descendentes do capitão do mar de D. João I e as supracitadas
Ordens Militares , embora se não inicie, desenvolve-se sob os auspícios do mestre D. Jorge, ele
mesmo trineto materno de Afonso Furtado, que entendeu, no atinente ás Ordens, rodear-se de
colaboradores recrutados preferencialmente entre os parentes e membros da sua Casa.
Procederemos a uma tentativa de arrumação desta família na perspectiva das suas ligaçõesás
ordens militares. E nela constaremos que será na geração dos irmãos de D. Ana, tios maternos de
D. Jorge que constataremos esta verdadeira "colonização" das Ordens de Avis e Santiago a
desenvolver-se de um modo sistematico e alastrando, mediante o recurso a"expedientes legais"
como a renûncia de comendas nos diversos filhos, numa tentativa de prolongar hereditariamente
em diversos ramos da mesma linhagem a titularidade das comendas usufruídas pelos pais.
Mas, se parece factual e incontroverso que esta "colonização" das Ordens se acentua, na geração
dos tios maternos de D. Jorge, não parece tão pacífico que ela tenha decorrido, desde o começo,
inteiramente por iniciativa sua, visto ocorrer ainda durante a menoridade do Mestre, sob a tutela
comprovada, e inevitável complacência de D. Manuel I.
O início da actividade documentada dos tios de D. Jorge nas Ordens Militares situa-se ao redor
dos anos 1495/1496, nesse período o mestre contava apenas 14/15 anos e D. João II tinha
morrido em 25 de Outubro de 1495. Como observa Cristina PIMENTA verifica-se que em
muitas das cartas redigidas pelo duque de Coimbra nesses anos iniciais da sua governação, o
novo monarca, D. Manuel I, deixou a marca expressa da sua anuência .
Tratava-se de decisões de alguma importância na vida interna dessas Ordens cujo relacionamento
com a Ordem de Cristo, directamente tutelada pelo rei, constituiria sempre um assunto delicado,
em que todas as implicações seriam cuidadosamente ponderadas. Mas não transparece do
conteúdo das fontes que D. Manuel I tenha criado obstáculos ao começo da preponderância dos
Furtado de Mendonça, tanto na Casa do Duque de Coimbra como nas Ordens. Poderá observar-
se que, nesse período, seria difícil prever a amplitude que iria tomar a participação da família
materna deste Mestre no governo das Ordens de Avis e Santiago. Mas também se poderia
adiantar que o monarca não impediu o tropismo natural que levou os Furtado de Mendonça a
acumular cargos e comendas e a procurar formas de transmissão "hereditária" de uns e de outras.
Adiante se procurará avaliar, em termos "políticos", mas também quantificando os recursos
financeiros e o peso regional concentrados na família, a importância real que assumiram os
Furtado de Mendonça durante o período do governo do seu sobrinho, primo ou parente. Mas
começaremos por tentar reconstituir a evolução social dos descendentes do antepassado comum,
o anadel-mor dos besteiros de D. Fernando I e D. João I, bem como capitão-mor do mar deste
último monarca, Afonso Furtado.

7.2. Do genearca Afonso Furtado até aos tios de D. Ana de Mendonça.

I – Afonso Furtado, terá nascido ao redor de 1347 e terá sido admitido ao serviço de D. Pedro I
cerca de 1357, o facto de ter sido criado pelo monarca poderá indiciar, em tese, que fosse filho de
um vassalo régio. Em 12 de Junho de 1369 documenta-se como estando já casado com Maria
Miguéis. Esta, a primeira mulher documentadamente conhecida do capitão-mor do mar de D.
João I, viria a morrer em 1401, sendo sepultada na capela de Santa Maria do Paraíso, anexa à
igreja de Santo Estêvão, em Lisboa .
Encontramos, num rol dos foros que se pagavam ao mosteiro de Lorvão, escrita em letra da
segunda metade do Século XIV, referência a uma Maria Nicolas, ama de Afonso Furtado,
morador em Lisboa .
Muito embora o Livro de Linhagens do Século XVI refira este Afonso Furtado como
" … huum fidalgo homrado em tempo del rey Dom João e del rey Dom Pedro e del rey Dom
Fernando" sempre o encontramos referido em fontes primárias como vizinho de Lisboa, vassalo
d’el rei, escudeiro, ou nomeado pelos cargos e funções que, sucessivamente, desempenhou.
Mas nunca como fidalgo, entre as mercês que os monarcas lhe foram fazendo, pelo menos
naquelas que chegaram até nós, não se encontra a doação, ou confirmação de nenhum senhorio.
Em 1370 terá integrado, juntamente com Estêvão Vasques Filipe, um contingente de tropas que,
no quadro da primeira guerra fernandina, terá defendido Cidade Rodrigo contra um exército
castelhano.
Este Estêvão Vasques Filipe, militar que desempenhou um papel de relevo no terceiro quartel do
século XIV , acompanhou durante a sua vida carreira de Afonso Furtado·, sendo admissível quea
sua primeira mulher, Maria Migueis, fosse tia da mulher de Estêvão.
Em 2 de Novembro de 1375, data em que o casal, residindo em Lisboa, deu em escambo todos
os direitos e propriedades que tinha na Fonte Santa (Lumiar, concelho de Lisboa) contra duas
courelas de vinha no logo da Ameixoeira (idem, ibidem), Afonso Furtado surge, já não apenas
como escudeiro e vassalo d’el rei, mas também como anadel-mor (dos besteiros do conto).
O que significa que ascendeu ao desempenho dessas funções ainda no reinado de D. Fernando I,
e que talvez fosse já anadel-mor dois anos antes, por ocasião do cerco que Henrique II fez à
capital do reino, hipótese que implica o seu profundo envolvimento nos conflitos do reinado.
Poderá comprovar esse envolvimento o facto de que ainda exercia essas funções em 7 de Junho
de 1381, data em que nomeou João Esteves porteiro dos besteiros do conto.
Em 1382, por ocasião do episódio ocorrido no Paço dos Estaus, em Évora, no seguimento da
prisão de D. João, mestre de Avis, e de Gonçalo Vasques de Azevedo, Afonso Furtado toma o
partido do futuro D. João I, iniciando uma colaboração que durará toda a sua vida.
Essa aposta política revelar-se-á correcta e a dedicação será reconhecida e recompensada pelo
monarca, como teremos ensejo de ver. E esse reconhecimento régio determinará, como sucedeu
com as famílias de outros servidores do rei da Boa Memória, o início da ascensão social da
linhagem em que viria a nascer D. Ana de Mendonça, mãe do mestre D. Jorge.
Em 12 de Setembro de 1383, já num clima de perturbação da Ordem Pública, Afonso Furtado e
Estêvão Vasques Filipe foram designados pelo concelho de Lisboa para exercerem as funções de
meirinhos, encarregados do policiamento da cidade: O rei confirmaria a nomeação na data em
epígrafe .
Nesse mesmo ano, após a morte de D. Fernando e estando em Alenquer, D. Leonor Teles enviou
João Afonso Nogueira a Lisboa com a missão de testar fidelidades. Mas, segundo relata o
cronista, este encontrou Afonso Furtado e Fernão Vasques Filipe muito mudados e reticentes,
pelo que não terminou a missão de que teria sido incumbido, refugiando-se no castelo com um
punhado de escudeiros .
A 13 de Março de 1384 um exército de D. João I de Castela saíra de Santarém e fizera alto em
Óbidos, aguardando notícia da chegada da sua frota ao Tejo. Pretendia fechar o cerco a Lisboa
com um bloqueio marítimo, impedindo o reforço e abastecimento da cidade. Eram conhecidas a
intenções do monarca castelhano, e o mestre de Avis, já intitulado defensor e regedor do reino,
tinha encarregado D. Lourenço, arcebispo de Braga, de mandar aparelhar, tão rapidamente
quanto possível uma esquadra. Missão que o enérgico prelado levou a bom porto.
Em 14 de Maio, Afonso Furtado, que comandava a galé Santa Clara, integrada na flotilha de sete
naus e doze galés reunida e aparelhada pelo arcebispo de Braga, e capitaneada por Gonçalo
Rodrigues de Sousa , alcaide-mor de Monsaraz, zarpou para o Porto para recolher reforços, umas
vez que corria notícia do avanço das tropas de Castela. Fernão Lopes menciona-o entre aqueles
que desembarcaram para dar combate ás forças galegas e portuguesas, sob o comando do
arcebispo de Santiago, que sitiavam aquela cidade que se encontrava em situação critica.
Repelida a força sitiante procedeu-se ao armamento e equipamento das embarcações fundeadas
no Douro, foi contraído um empréstimo e reunidas provisões destinadas ás tropas leais ao mestre
de Avis.
A flotilha das galés, a que pertencia Afonso Furtado, dirigiu-se depois para a Galiza sob o
comando do conde de Trastâmara, onde desenvolveu diversas acções militares, e a 17 de Julho
lançava ferro em frente a Cascais.
De 18 de Junho até, pelo menos, o final de Agosto desse ano de 1384 Afonso Furtado, como é
conhecido, contava-se entre os defensores da cidade de Lisboa, tendo-se salientado a 27 desse
último mês, no decurso de um ataque das tropas sitiantes ás galés portuguesas varadas na praia
que é descrito por Fernão Lopes.
A gratidão de D. João I não se fez esperar, a 9 de Outubro desse mesmo ano fez-lhe doação de duas
quintas, na Ulmeira e na Telhada, curiosamente confiscadas ao mesmo Gonçalo Vasques de
Azevedo que em 1382 havia sido preso em Évora com o, à data, mestre de Avis, como acima
mencionei. Juntavam-se a estas quintas uma terceira, no Lumiar, onde Afonso Furtado possuía já
bens de raiz, confiscada esta a Vasco Porcalho.
E os termos em que se encontra redigida esta doação em satisfação de serviços prestados parecem
inequívocos "por nos ajudar a defender que não caíssem estes reinos em sujeição d’el rei de
Castela e querendo conhecer e galardoar ao dito Afonso Furtado com graças e mercês ".
Em Abril de 1385 participou nas cortes de Coimbra. Na sequência destas Estêvão Vasques Filipe
sucederá a Afonso Furtado no cargo de anadel-mor dos besteiros, funções que desempenhou até à
sua morte ocorrida em 1394, enquanto este último se vê nomeado capitão do mar. A partir de
1394, depois da morte de Estêvão Vasques Filipe, Afonso Furtado acumulará este cargo com o de
anadel-mor dos besteiros que, recorde-se, tinha detido pelo menos entre 1375 e 1385.
Miguel Gomes Martins, no seu já referido trabalho sobre Estêvão Vasques Filipe, inclina-se a que este
último ofício só tenha sido exercido nominalmente por Afonso Furtado, sendo as respectivas funções
desempenhadas, na prática, por um seu sobrinho chamado Vasco Fernandes de Távora.
Pelo texto das Ordenações Afonsinas, que transcrevem alguns diplomas do reinado de D. João I,
verifica-se que, em Novembro de 1410, este monarca nomeou Vasco Fernandes (que aí figura como
Távora), referido como nosso vassalo e sobrinho de Afonso Furtado nosso Capitam e Anadel Moor, e
João de Basto, apontador e escrivão dos besteiros do conto. Mas nesse mesmo diploma refere-se
expressamente que " O Nosso Capitam e Anadel Moor sele com o seu selo" todas as cartas e alvarás
respeitantes aos besteiros do conto, e leve do dito ofício, "todalas proees e dereitos".
Alguma razão assistirá a Miguel Gomes Martins. De facto, pelo menos até 1410 (Afonso Furtado
andaria já pelos 63 anos), parece arriscado deduzir que exercesse apenas nominalmente o cargo
de anadel-mor. Mas é possível que essa situação se tivesse alterado a partir de 1417, ano em que
D. João I mandou organizar um novo rol dos besteiros, tarefa que Afonso Furtado, já bastante
idoso, poderá ter apenas supervisionado.
Em 25 de Junho de 1386, logo após a assinatura do Tratado de Paz e Amizade com a Grã Bretanha (9
de Maio desse ano), Afonso Furtado comandou uma flotilha de naus e galés que terá levantado ferro
de Lisboa com destino a Plymouth onde, John of Gaunt, duque de Lencaster, embarcaria duas mil
lanças, três mil besteiros e muita peonagem com destino à Cornualha, onde eram aguardados por
Lourenço Anes Fogaça. Daí seguiriam para a Galiza, de onde seguiram para a ria de Betanza e, por
fim, à Corunha .
Quando, finalmente, o duque de Lencaster chegou ao estuário do Tejo Afonso Furtado fazia parte da
comitiva com que o monarca português o foi receber. Preparava-se o Tratado de Aliança de Novembro
de 1386 e o casamento de D. João I com Filipa de Lencaster. Em 27 de Maio de 1387 encontram-se
referidas propriedades do capitão Afonso Furtado na zona de Loures, nas confrontações de um
instrumento de emprazamento do mosteiro de Odivelas .
Documenta-se que, pelo menos, entre Abril de 1388 e Abril de 1389, um ano no total, o capitão Afonso
Furtado permaneceu na Grã-bretanha, ao serviço do monarca inglês que lhe pagava os honorários,
alojamento e alimentação.
Admito que poderiam ter nascido antes de 1386 os três filhos que o capitão, no acto designado como
Afonso Furtado capitão-mor de Portugal, casado, fez legitimar em 25 de Outubro de 1390 .
Meses depois, em 8 de Agosto de 1391, nova manifestação do reconhecimento de D. João I que
doava ao seu capitão do mar (temporariamente) a lezíria de Alfirmara .
Durante quatro anos não encontrei nas fontes consultadas nenhuma referência ao capitão do mar
mas, a 19 de Novembro de 1395, a abadessa D. Aldonça Pimentel e o cabido do mosteiro de
Odivelas emprazavam a um João Peres, clérigo e morador em Loures uma série de propriedades,
sendo que uma delas, na Carreira das Cabras (c. de Loures), partia por todos os cabos com
Afonso Furtado.
Como teremos ensejo de ir constatando, o núcleo dos bens do capitão consistiria essencialmente
em vinhas e prédios rústicos no Lumiar (uns de raiz, outros obtidos por doação régia), bens
fundiários no concelho de Loures, casas em Lisboa, na freguesia da Sé e em Alfama, e lezírias e
marinhas de sal no Ribatejo, estas, tanto quanto apuramos, maioritariamente fruto de outras
doações do rei.
Em Agosto de 1401, como já foi referido, morreu Maria Miguéis, trinta e dois anos após a data
estimada do seu casamento com Afonso Furtado, que contaria na altura cerca de cinquenta e quatro
anos. O facto de ter morrido nesta data irá adicionar algumas questões à problemática descendência
do capitão, como teremos ensejo de ver quando tentarmos estabelecer uma cronologia biográfica
para o filho sucessor do genearca Afonso Furtado o velho.
Isto, a despeito de nunca ter encontrado em fontes primárias a razão que explicaria porque motivo
apenas em Abril do ano de 1444 (pouco antes da consumação da ruptura entre D. Afonso, conde
de Barcelos e o 1º duque de Bragança e o Regente duque de Coimbra) o rei D. Afonso V, ou pelo
menos alguém em seu nome, haver doado ao filho e sucessor do, já falecido há mais de uma
década, anadel-mor dos besteiros do conto Afonso Furtado, o ofício de seu pai. Venceria a tença de
2.571 reais brancos (idêntica á que recebera Afonso Furtado), a partir de 1 de Janeiro de 1444. Só
que, nesse diploma, o agraciado encontra-se referido como Afonso Furtado de Mendonça. .
Em boa verdade a cronologia dos marcos biográficos do agraciado Afonso Furtado de Mendonça,
aponta para que seja extremamente improvável que tivesse sido filho do primeiro casamento do
capitão-mor do mar e anadel-mor dos besteiros do conto Afonso Furtado, com a, amplamente
documentada Maria Migueis, também ela referida em fontes primárias como tendo falecido em
Agosto de 1401, sendo sepultada na capela de Santa Maria do Paraíso, à época recentemente
edificada, na freguesia de Sto. Estêvão de Alfama.
Não era correto, nem metodologicamente aceitável que se afastasse liminarmente a possibilidade de
que o, então quinquagenário. (o que não equivale no período moderno á mesma esperança de vida e
descendência) viúvo Afonso Furtado, o velho, tivesse casado, uma segunda vez, com uma senhora
da estirpe dos Mendonça.
E que, desse segundo matrimónio tardio tivesse nascido um Afonso Furtado o novo, único filho
legítimo do vassalo de El-Rei Dom João I, que teria sucedido no cargo, usando compreensivelmente
o apelido composto Furtado de Mendonça.
Não encontrámos rasto (mesmo indireto) desse segundo casamento e, naturalmente, in dubito pro
reo, deixámos essa verosímil hipótese em aberto.
Só que, atualmente, (para sermos mais exatos desde Braamcamp Freire, Vaz de São Payo e Mello ou
Souto Mayor Pizarro, para citar apenas uma parte dessa “onda” de especialistas) a investigação não se
confina á citação pleonástica dessas fontes (apenas suplementares, e frequentemente acriticamente
aceites), que são as genealogias manuscritas,
E muitos meses depois da publicação do Ensaio sobre a Verdadeira origem dos Furtado de Mendonça
Portugueses, e mesmo do estudo subsequente dado á Estampa nas militaria analecta, alguém que
nunca se conformara com a hipótese da assunção pura e simples do apelido Mendonça, chegou até
onde nós não tínhamos conseguido. E tendo-me escrito honradamente esse estudioso, o académico
Brasileiro César Furtado que me deu conhecimento de uma irrecusável Maria Anes, igualmente
irrecusável segunda mulher do genearca Afonso Furtado.
Foi esse investigador Brasileiro que me enviou o sumário do texto cotado de um diploma que se
conserva no cartório dos viscondes de Vila Nova de Cerveira, no qual se encontra nomeada, e datada de
modo a não deixar a menor margem de duvida, a segunda (e necessariamente última) mulher de
Afonso Furtado, o velho. Essa senhora chamava-se Maria Anes, permanecia viva em 30 de Setembro
de 1429, e detinha propriedades no mesmo logo de Lumiar (c de Lisboa) onde se situavam não só as
propriedades de raiz que haviam pertencido ao seu marido Afonso Furtado, mas também ao filho de
ambos, Afonso Furtado de Mendonça documentadamente aí residente. .
Pouco mais de meio ano teria decorrido sobre a viuvez de Afonso Furtado quando o monarca, em 8
de Fevereiro de 1402, faz nova mercê ao capitão-mor da nossa frota doando-lhe em perpétuo,
umas casa em Lisboa, na freguesia da Sé, junto a outras casas na mesma freguesia que já eram sua
propriedade.
Casas essas que o seu filho Afonso Furtado de Mendonça viria a herdar e que julgamos serem as
seguintes: "casas em Lisboa, na freguesia da Sé, cerca da Praça dos Escanos, forras e isentas.
Partiam com casas de Fernão da Fonseca, genro de Arman Boutin, com casas da Sé que trás
Fernão Lopes, escrivão do paço da Madeira, e detrás com pardieiros dele, Afonso Furtado, e com
a rua pública que vem da Sé para S. João da Praça ". Estas mesmas casas figuram num
emprazamento de 1 de Setembro de 1466, feito no mosteiro de Odivelas, em cabido, de umas
outras casas que ficavam cerca de onde morava Pedro Rodrigues de Castro, e partiam com casas
de Fernão da Fonseca, com casas da viúva de Fernão Lopes e entestavam detrás com Afonso
Furtado e diante com a rua pública.
Em 21 de Dezembro de 1404 documentam-se (através de confrontações referidas num traslado
de 21 de Setembro de 1459) três marinhas de sal situadas abaixo do Lavradio, no Ribatejo, que
pertenciam ao capitão Afonso Furtado. Cerca de cinco anos depois, em 15 de Outubro de 1409,
surge outra referência a uma propriedade sua que ficava por detrás da igreja do Lumiar. No
mesmo Lumiar, no Paço, testa, em 15 de Dezembro de 1412, um João Afonso de Lisboa,
referenciado com mestre da nau do capitão Afonso Furtado.
E é de 3 de Abril de 1414 a última mercê que se encontra na Chancelaria de D. João I, ao seu
capitão e anadel-mor, a doação de uma lezíria junto a Santa Maria de Valada, também no
Ribatejo .
Mas imediatamente antes, ou logo depois desta doação Afonso Furtado terá desempenhado
serviços relevantes na recolha de informações que precedeu a expedição a Ceuta. O episódio é
conhecido, embora se possam detectar no relato que terá deixado Gomes Eanes de Azurara,
pormenores que merecem uma leitura prudente.
O rei da Boa Memória confiou ao prior do Hospital, D. Álvaro Gonçalves Camelo, e a Afonso
Furtado, a missão de recolher informações de cariz topográfico, militar, e de marinharia que
permitissem elaborar um eventual plano de desembarque e ataque à praça de Ceuta.
Como se depreende essa missão teria de ser conduzida com o maior secretismo, de molde a não
despertar suspeitas. O estratagema encontrado foi o de enviar uma missão diplomática,
integrando os dois agentes, A D. Branca, rainha viúva da Sicília, como relata Zurara. E aqui
parece avisado tecer algumas considerações sobre esse texto que nos serve de fonte.
Da Crónica da Tomada de Ceuta, redigida quase quarenta anos depois da ocorrência dos factos
relatados, não ser conhece nenhum manuscrito autógrafo do cronista, embora em todas as cópias
que sobreviveram se possam detectar correcções e aditamentos.
A atribuição do texto a Gomes Eanes de Azurara parece pacífica. Menos consensual poderá ser o
eventual apuramento de que este episódio em apreço chegou até nós exactamente como o
cronista o redigiu. Se existiram correcções, interpolações ou aditamentos neste particular é,
quanto a nós, uma questão ainda em aberto.
Limitamo-nos pois a constatar que, numa leitura superficial, algumas passagens de difícil
avaliação podem estar de acordo com o perfil psicológico e cultural do seu alegado redactor.
Com efeito, Mateus Pisano, humanista e preceptor do futuro D. Afonso V, escreveu sobre este
cronista, seu contemporâneo, opinando que se tratava de um bom gramático, notável astrólogo, e
grande historiógrafo. Embora tende presente a mentalidade da época, e com risco de incorrer em
anacronismo, salientarei como curiosa esta menção das qualidades de astrólogo de Gomes Eanes
de Zurara. A referência seria inócua se não tivéssemos presente que este cronista áulico escrevia
por encomenda num período em que se esboçava já a aura de destino manifesto que havia de
rodear os filhos de D. João I e de D. Filipa de Lencastre. É pois com alguma reserva que se
aceita o pendor encomiástico e profético de certas passagens da narrativa, sem recusar no entanto
que ela possa ter sido construída sobre eventos reais.
Do texto de Azurara interessa-nos reter que D. João I, após ter ponderado as razões aduzidas
pelos infantes seus filhos em favor da expedição, considerou prudente mandar executar um
levantamento prévio das fortificações de Ceuta, bem como das características do seu porto,
ancoradouros, regime de ventos e marés. Nesta convicção e “consirando acerca disto quaes
pessoas lá posso melhor enviar, porquanto cumpre que sejam homens discretos e entendidos e
taes que possam bom todo prover segundo é necessário pera tal caso, e nam me parece que
tenha outros que o melhor possam fazer que o prior do Hospital e o capitam Afonso Furtado, a
saber o prior pera divisar a cidade e o capitam pera divisar o mar com todas as outras cousas
que a elle pertencem(…)”.
Parece incontroverso que um homem que, desde 1385, vinha desempenhando o cargo de capitão
– mor do mar estivesse indicado para este tipo de missão. E também que o monarca confiava no
seu discernimento e discrição. Ou, por outras palavras, que aliava a uma comprovada capacidade
técnica uma confiança pessoal do monarca, uma vez que o reconhecimento decorreu em tão
grande sigilo que, de acordo com o mesmo Azurara,
dele não tinham conhecimento os próprios membros do conselho régio.
Se o texto da crónica é rigoroso, e corresponde à tradição oral dos eventos, fornece um traço da
personalidade de Afonso Furtado.
Chegado à câmara real do paço de Sintra para apresentar o relatório das suas pesquisas o prior do
Hospital formulou o pedido, aparentemente insólito, de areia, favas e fitas (para figurar a
implantação da cidade de Ceuta e as respectivas fortificações). Gracejando o rei respondeu-lhe: -
Cuidaes que não temos aqui o capitão (Afonso Furtado) com as suas profecias ?
Estas alegadas profecias, que irão ressaltar da fala do capitão do mar, quando este tiver a palavra
podem (e devem?) em boa verdade ter sido ampliadas, compostas, ou mesmo inventadas para se
ajustarem ao papel providencial que a ideologia dos de Avis vinha compondo desde D. Duarte.
Em todo o caso, a quarenta anos de distância, é difícil de aceitar que o cronista tivesse
reproduzido fielmente o discurso seguinte de Afonso Furtado na apresentação das suas
conclusões: "Isto sei eu por um maravilhoso acontecimento que me aconteceu quando era moço,
e do qual sempre trouxe mui grande lembrança pelos maravilhosos azos que sempre depois
acerca dello vi seguir, e porque vem a propósito, não é mau de o saberdes pela guiza que
aconteceu, e foi assim que el rei D. Pedro vosso pae, cuja alma deus haja, mandou meu padre
fora deste reino com uma sua embaixada, e como quer que eu fosse moço de poucos dias, levou-
me porém meu padre consigo pera ver terras e aprender, e seguindo nós assim nossa viagem
chegámos nós a um porto acerca de um lugar d’África a que chamam Ceuta"
Tivemos ensejo de ver que, de acordo com as palavras que Fernão Lopes lhe atribui, Afonso
Furtado foi criado na corte de D. Pedro I, que lhe deu estado. Ignoramos porém quem tivesse
sido o pai que a que o mesmo monarca confiava missões diplomáticas. Se a afirmação repousa
sobre um fundo de verdade deveria tratar-se de uma personagem com algum relevo no paço
régio. Ora a verdade é que, no estado actual da questão, parece impossível determinar sequer
quem tivesse sido o pai de Afonso Furtado.
Mas, repita-se, se este episódio tem um fundo de verdade, é admissível que, cronologicamente
possa ter ocorrido entre 1357 e 1360. Estaria o pai do capitão ligado aos assuntos marítimos e a
embaixada em questão teria ocorrido quando, ao abrigo do tratado de 1358, o almirante Pessanha
comandou uma armada de dez galés e uma galeota que efectuou uma campanha de três meses no
Mediterrâneo.
Trata-se de apenas uma hipótese, mas nessa data Afonso Furtado andaria pelos dez anos e o
itinerário dessa frota poderia tê-la levado a ancorar no porto de Ceuta.
Quatro anos depois da conquista da praça africana o capitão ainda era vivo, e rondaria os setenta
anos, uma vez que surge referido como anadel-mor dos besteiros e apurador dos homens do mar
numa carta de privilégio para oito lavradores de uma quinta a par de Sarilhos (Aldeia Galega do
Ribatejo) pertencente ao mosteiro de Santa Clara de Lisboa.
Não conhecemos nenhuma referência posterior em fontes primárias. E não repugna admitir que,
tal como observa Braamcamp Freire, Afonso Furtado tivesse morrido antes de 23 de Junho de
1423, data da nomeação de Álvaro Vasques de Almada como "…capitão-mor da nossa frota
polla guiza que o era Gonçalo Tenreiro em tempo del rei D. Fernando; …e per a guiza que o foi
Affonso Furtado em nosso tempo".

Filhos legitimados de Afonso Furtado:

1.II – Fernando, filho de Afonso Furtado, capitão-mor de Portugal, casado, e de Marina


Gonçalves, solteira. Legitimado em 25 de Outubro de 1390 , tal como os outros dois meios
irmãos que se seguem.

2.II - Fernando, filho de Afonso Furtado, capitão-mor de Portugal, casado, e de Catarina, solteira.
Julgamos que um destes dois Fernando, ou Fernão, seja precisamente o Fernão Furtado,
mencionado por MORAES como não tendo tido descendência.. Este autor, bem informado sobre
esta geração da linhagem, omitindo os outros filhos, leva-nos a admitir que pudessem ter morrido
jovens, uma vez que a cronologia sod marcos biográficos nos impede de identificar com os
homónimos povoadores da ilha da Madeira, que veremos adiante.

3.II - Rodrigo,filho de Afonso Furtado, capitão-mor de Portugal, casado, e de Maria Gonçalves,


solteira.

4. II - Afonso Furtado de Mendonça, com quem segue.


Filho nascido do documentado segundo casamento do capitão-mor e anadel-mor Afonso Furtado
com Maria Anes:

II - Afonso Furtado de Mendonça. (c. de 1410-c. de 1475)

Este filho, único aparentemente legítimo, do capitão-mor do mar coloca antes do mais problemas
de cronologia e logo depois suscita uma questão. Tivemos ensejo de referir atrás uma doação
feita em 1369 por Afonso Furtado e sua mulher Maria Migueis que documentamos ter morrido
em 1401.
Se este Afonso Furtado de Mendonça fosse filho dessa Maria Miguéis, aliás a primeira das duas
mulheres documentadas de Afonso Furtado, parece lógico (admitindo que este casamento se
tivesse efectuado em 1368, contando a noiva 16 anos) que o seu nascimento tivesse ocorrido até
ao limite de fertilidade na época, em 1392. Como veremos adiante Afonso Furtado de Mendonça,
2.º anadel-mor dos besteiros nesta família, já tinha falecido em Setembro de 1475. Se Maria
Miguéis tivesse tido este filho aos quarenta anos, hipótese já um pouco forçada, este teria
morrido com cerca de oitenta e tês anos, o que é admissível, embora nos limites extremos.
Sucede que, como veremos, os marcos biográficos que lhe conhecemos parecem antes apontar
para um nascimento mais provável após a primeira década de Quatrocentos (1410-1412). E,
como parece evidente, nesta cronologia ele não poderia ser filho de uma Maria Miguéis
documentalmente falecida em 1401.
Acresce que já Braamcamp Freire tinha sublinhado um facto, aparentemente difícil de explicar,
ao escrever: "Foi este segundo Afonso Furtado, como acertadamente declara Frei Francisco
Brandão, «o primeiro que em escritura pública vi com apelido de Mendonça»·; como ele
aparece citado na carta de ordenado".
Adiantarei mais ainda, tivemos ensejo de documentar dezenas de Furtado portugueses entre os
Séculos XII e XV, muitos deles completamente desconhecidos, e alguns pertencentes ao ramo de
Loures/Frielas (concelho de Lisboa) que surgem em conexão com o capitão e anadel-mor dos
besteiros Afonso Furtado, e dele seriam parentes próximos, sem que uma única vez tenham usado
outro apelido que não fosse, única e exclusivamente, Furtado.Nem, tanto quanto saibamos, com
excepção dos conhecidos e estudados Arrais de Mendonça – cuja origem castelhana, efectivamente
entroncada no Hurtado de Mendoza, parece indiscutível – se documenta em Portugal o apelido
Mendonça a ser usado por portugueses anteriormente ao segundo quartel do século XV. Tivemos
ensejo de demonstrar que a ascendência secularmente atribuída a D. Ana de Mendonça não é
correcta. E que, ao menos pela via incessantemente invocada, D. Ana de Mendonça não descendia
dos poderosos e influentes Hurtado de Mendoza que tão preponderante papel desempenharam na
política castelhana do século XV
Permanece por explicar de que modo, e porque razões, apenas em 1434, após séculos em que se
documentam os desta linhagem apenas como Furtado, surge o filho do capitão-mor do mar
referido em fontes primárias como Afonso Furtado de Mendonça.
Este filho, aparentemente legítimo do capitão do mar não sucedeu ao pai neste cargo, para o qual,
como ficou acima, foi nomeado Álvaro Vasques de Almada em 23 de Junho de 1423, mas
sucedeu no de anadel-mor dos besteiros como se documenta em 21 de Novembro de 1433, cerca
de dez anos após a morte do pai .
Este hiato de dez anos na documentação consultada pode ter variadíssimas explicações, sendo
que não é possível excluir a hipótese de que Afonso Furtado de Mendonça não fosse, à data da
morte do pai, de idade suficiente para lhe suceder no ofício que poderá ter sido desempenhado
interinamente por um colaborador (talvez o supracitado Vasco Fernandes de Tavola), até à
maioridade do futuro anadel-mor. Já o cargo de capitão-mor do mar, cujo provimento revestiria
outra urgência por razões que se prenderiam com a expansão para o Norte de África, foi
imediatamente preenchido.
De qualquer modo também é de sublinhar que a carta de ordenado correspondente a este ofício
de anadel mor só foi passada em 14 de Abril de 1444 , decorridos mais de 21 anos sobre a morte
do pai. Neste diploma se declara que vencia 2.571 reais brancos, tal como recebia Afonso
Furtado seu pai, a pagar retroactivamente desde 1 de Janeiro desse ano, tendo essa mercê sido
acrescida de uma peça de pano de Chipre.
A ocasião em que se regulariza finalmente a situação de Afonso Furtado de Mendonça pode não
ter sido fortuita, uma vez que precede em poucos meses a ruptura entre o Regente D. Pedro e o
Duque de Bragança, e um súbito agudizar das tensões internas. Mas, como observa Adão da
Fonseca parece que durante o ano de 1444 a situação do Infante-Regente D. Pedro era
indiscutivelmente melhor do que nos anos anteriores. Tinha-se procedido a uma depuração dos
elementos da oposição interna , e a embaixada de D. João Manuel a Roma obtivera resultados
concretos. Por outro lado Castela permanecia esquartejada em facções que se digladiavam. Entre
Setembro de 1443 e Março de 1444 tinham decorrido negociações entre o bispo de Ávila, D.
Lopo Barrientos e o Condestável D. Álvaro de Luna com vista à constituição de uma liga contra
os Infantes de Aragão. Na facção oposta, o Infante D. Henrique de Aragão e o conde de Arcos
tinham avançado pela Andaluzia, apoderando-se da Carmona, Córdoba e Alcalá de Guadaira e
preparavam-se para atacar Sevilha, defendida pelo conde de Niebla. De acordo com MORENO
"foi precisamente esta campanha militar do Infante D. Henrique de Aragão que esteve na origem
da 2.ª intervenção militar portuguesa no reino vizinho. E, na génese da preparação dessa
campanha, terá estado a deslocação a Évora, onde se encontrava o Regente D. Pedro, do Mestre
de Alcântara D. Gutierre de Sotomaior que vinha pedir auxílio militar. É de atribuir a este fidalgo
castelhano a inspiração do memorando de 13 de Fevereiro de 1444, no qual o Regente estipulava
as condições postas à cidade de Sevilha para receber o auxílio solicitado". Paralelamente o
Infante D. Pedro deveria criar as condições para o eficaz recrutamento das tropas que deveriam
integrar a expedição de auxílio, e no que tocava ao recrutamento, o papel do anadel-mor dos
besteiros tinha o seu peso. O que talvez explique que, quase dois meses exactos após o envio do
supracitado memorando se tenha, passados vinte e um anos de exercício do cargo efectuado em
moldes que desconhecemos, regularizado finalmente a situação do anadel-mor português.
Teria Afonso Furtado II integrado esta intervenção militar comandada pelo filho do Regente, o
Condestável D. Pedro em 1445, ou, de qualquer modo optado pelo "partido do Regente"? De
facto, ALÃO DE MORAES, regista em termos inequívocos essa opção "Seguiu as partes do
Infante D. Pedro, pela qual razão lhe tirou el-Rei D. Afonso V todos os seus bens; e tornando
depois a graça do dito Rei, o fez do seu Conselho" .
Os rastos por mim encontrados em fontes primárias suscetíveis de confirmar que terá seguido a
fação do regente D. Pedro são, na verdade, escassos e não inteiramente conclusivos. Verificamos
que, em, em 26 de Agosto de 1451, e já depois de Alfarrobeira, a Chancelaria de D. Afonso V
regista a doação, a Afonso Furtado de Mendonça, cavaleiro régio, e Anadel-mor dos besteiros do
conto, de uma tença anual de 2571 reais brancos.
Nesse ano de 1451 Afonso Furtado de Mendonça, pela primeira vez documentado
como cavaleiro régio, exerce indubitavelmente o cargo de Anadel-mor dos besteiros do conto,
vencendo uma tença que lhe era acrescida. Mas a mesma chancelaria. Em cinco de Dezembro de
1454, volvidos cerca de cinco anos sobre a derrota de do regente na batalha de Alfarrobeira,
refere o mesmo Afonso Furtado de Mendonça de modo completamente diferente, omitindo o
cargo de Anadel-mor e a qualidade de cavaleiro régio. Numa carta de segurança concedida por
esse monarca a Afonso Fernandes, este último encontra-se identificado como criado de Afonso
Furtado de Mendonça, morador no Lumiar, termo da cidade de Lisboa .
Julgo depreender que, neste período, possivelmente entre 1451 e 1454 Afonso Furtado de
Mendonça teria sido afastado do cargo de Anadel-mor e não erra já designado como cavaleiro
régio. Mas, apenas cerca de dois anos volvidos, mais precisamente em dois de Novembro de
1456, o mesmo rei D. Afonso V perdoa, na sequência do perdão geral, a justiça régia a Judas
Godim, ferreiro, acusado da morte de Afonso Furtado, conquanto servisse três anos em Ceuta .
Ou o assassínio não fora consumado, apenas intentado, ou, mais provavelmente este Afonso
Furtado corresponderia a outra personagem, quiçá, um parente não identificado. Porque,
seguramente, em dezanove de Março de 1462 , Afonso Furtado de Mendonça tinha recobrado, e
acrescido, a confiança do monarca , encontrando-se referido como Afonso Furtado de Mendonça,
conselheiro régio.
O único indício de que poderá ter servido o Regente em missões no estrangeiro é o facto de ter
casado pela 2.ª vez, cerca de 1445, com uma valenciana que viria a ser criada da infanta dona
Isabel, mulher do Regente D. Pedro. E essa ligação da mulher à Casa de D. Isabel poderia
indiciar uma ligação próxima ao Duque de Coimbra. Mas não deixa de ser estranho que, a ter
sido vítima de confisco dos bens, o seu nome não se encontre uma única vez referido ao longo da
exaustiva investigação realizada por BAQUERO MORENO em A batalha de Alfarrobeira.
Acresce que este Afonso Furtado de Mendonça parece ter desaparecido das fontes conhecidas
durante quase duas décadas até que, em 3 de Março de 1462, através de uma carta de privilégio
concedida ao seu caseiro Fernão Rodrigues, morador em Vila Franca de Xira, temos notícia de
que Afonso Furtado pertencia já ao conselho régio. Passados pouco mais de cinco anos, a 17 de
Setembro de1472, D. Afonso V concede a Afonso Furtado, do seu conselho e anadel-mor dos
besteiros do conto, enquanto for sua mercê, uma tença anual de 20.000 reais de prata, a pagar a
partir de 1 de Janeiro de 1468 .
O último registo directo que lhe respeita é outra mercê de 10.000 reais de prata em tença anual,
pagáveis a partir de 1 de Janeiro de 1473, provavelmente em complemento da 1.ª tença.
Já teria morrido em Setembro de 1475 uma vez que, nesse mesmo mês e ano o seu filho Duarte
Furtado de Mendonça estava investido no cargo de anadel-mor dos besteiros Sigamos agora as
alianças matrimoniais deste 2.º anadel-mor dos besteiros do conto (na sua família) procurando
indícios do significado e influência eventual que a parentela das suas duas mulheres possa ter
representado num hipotético processo de reabilitação.
Casou pela 1.ª vez seguramente antes de Fevereiro de 1431, e permanecia casado com ela em de
8 de Junho de 1436 (o que poderá compatibilizar-se com a hipótese de um nascimento ao redor
de 1410), com Constança Nogueira, filha mais nova de Afonso Anes Nogueira, alcaide-mor de
Lisboa e administrador do morgado de S. Lourenço (falecido em 1426) e de sua mulher Joana
Vaz de Almada. Esta 1.ª mulher era neta paterna do Dr. João das Leis de sua mulher Constança
Afonso .
Este primeiro casamento de Afonso Furtado de Mendonça, embora situado no seu estamento
social, proporcionava-lhe alianças no oficialato régio, na igreja, e com importantes famílias da
oligarquia mercantil ulissiponense cuja ascensão social se tinha desenvolvido ao longo da
segunda metade do século XIV.
De referir que o seu cunhado Afonso Nogueira, Doutor "in utroque jure"pela Universidade de
Bolonha, em 1453 fora eleito bispo de Coimbra, e em 1460, ou 1462, ascenderia a arcebispo de
Lisboa, foi conselheiro de D. Duarte e D. Afonso V e por duas vezes embaixador em Castela.
Não seria despicienda a influência deste cunhado, que ascendeu ao arcebispado de Lisboa
sensivelmente no mesmo período em que Afonso Furtado de Mendonça se encontra reabilitado e
pela primeira vez documentado como membro do conselho régio.
Afonso Furtado de Mendonça casou pela 2.ª vez, cerca de 1445, com D. Beatriz (ou Brites) de
Vilharguda, a que o Livro de Linhagens do século XVI chama dona. Britez de la Raguta, criada
da Infanta D. Isabel (mulher do Infante Regente D. Pedro).. Por seu turno Damião de Góis, no
seu LL, refere-a como D. Beatriz de Villaraguta, valenciana, criada da mesma infanta e filha de
António Villaragut, senhor de Olocau, e de sua mulher D. Beatriz Parda.
No entanto esta senhora está documentada em 20 de Julho de 1469, como D. Beatriz de
Villarguda quando obtém de D. Afonso V uma aposentação para o seu amo Gil Anes, vassalo,
curiosamente morador no Lumiar onde o sogro, o capitão Afonso Furtado tinha propriedades que
o marido poderia ter herdado. Este amo não é referenciado como estrangeiro, o que pressupõe
que D. Beatriz nasceu em Portugal, ou que neste reino vivia desde muito nova .
Não possuímos dados que nos permitam sustentar a hipótese de que este segundo casamento de
Afonso Furtado de Mendonça tenha resultado de estadias em Castela ao serviço da política
estrangeira do Regente D. Pedro. Como não encontramos qualquer pista sobre uma eventual
permanência em Portugal dos terceiros barões de Olocau. Nestas circunstâncias, aceitando como
verosímil a filiação que Damião de Góis estabelece para D. Beatriz de Villarguda, limitamo-nos a
constatar que este anadel-mor dos besteiros terá contraído, cerca de 1445, a primeira aliança
matrimonial da sua linhagem com uma filha da nobreza titulada, mas estrangeira. Facto que,
conjugado com a sua ascensão a membro do conselho régio, encontramo-nos perante um
segundo e terceiro saltos qualitativos na afirmação política e social dos Furtado de Mendonça
portugueses.
Forçoso se torna sublinhar que a sua descendência, na geração dos netos e bisnetos, se tornará
por tal forma numerosa que, abundando os homónimos, frequentemente contemporâneos, nos
limitaremos a apresentar uma proposta, incompleta e provisória. Tornando-se evidente que o
nosso propósito foi apenas o de fundamentar esqueléticamente alguns postulados, e não o de
estudar esta família até finais do 1.º quartel do século XV .

Filhos do primeiro casamento do Aposentador-mor Afonso Furtado de Mendonça com Constança


Nogueira, realizado antes de 8 de Junho de 1436:

• III – Nuno Furtado de Mendonça, que segue no § 1


2.III – Duarte Furtado de Mendonça, que segue no § 2

3.III - Violante Nogueira, foi donzela da Infanta D. Catarina, irmã de D. Afonso V, falecida em
17 de Junho de 1463, como consta da carta de 20.000 reais brancos de tença, concedida em 29 de
Maio de 1471, quase oito anos depois da morte da infanta, em satisfação dos serviços que lhe
havia prestado Entrou para o mosteiro de Santos após a morte de D. Catarina, provavelmente no
mesmo período em que se acolhia na mesma casa religiosa, vinda da ilha da Madeira, Filipa
Moniz, filha do 4.º casamento do capitãp do Donatário da ilha de Porto Santo, Bartolomeu
Perestrelo, da Casa do Infante D. João, Governador e Administrador da Ordem de Santiago que
anteriormente havia sido casado com Catarina Furtado de Mendonça, filha ilegítima de seu
irmão, o anadel-mor Afonso Furtado de Mendonça (ver o n.º 8.III, infra). Esta Filipa Moniz, que,
como é sabido, veio a casar com Cristóvão Colombo, ter-se-à recolhido no mosteiro de Santos
entre os finais de 1464 e o começo de 1465, encontrando-se aí documentada entre 4 de Janeiro de
1465 e 20 de Janeiro de 1479. Violante Nogueira, por seu turno, só é referida por MATA a partir
de 16 de Abril de 1493, a propósito de Pedro Álvares, seu criado e já depois de se tornar
comendadeira desse mosteiro por carta de 16 de Março de 1486. FREIRE, refere que esta
nomeação, efectuada por carta de 16 de Março de 1486 se ficou a dever ao facto de ser tia do
futuro Mestre de Avis e Santiago. D. Jorge, filho de D. João II, à data governador da Ordem de
Santiago, a quem o dito mosteiro pertencia . Salvo melhor opinião o percurso de Violante
Nogueira em Santos poderia alcandorá-la a essa posição sem necessidade de uma directa
iniciativa régia nesse sentido, tanto mais que o seu tio materno, o influente Doutor Afonso
Nogueira, era Arcebispo de Lisboa desde 1462. E esta nomeação ocorreu, antes do nascimento
do seu sobrinho D. Jorge, embora posteriormente à bula de Paulo II Cessant nuper, de 10 de
Setembro de 1468 no tocante à Ordem de Avis. Na de Santiago que se encontrava vaga desde a
morte do Infante D. Fernando, irmão de D. Afonso V, ocorrida em 29 de Junho de 1466 passaria
ainda efemeramente D. João, filho do seu anterior detentor .. Mas é seguro que, em 5 de
Setembro de 1490, qundo ocupava já o cargo de Comendadeira há cerca de 4 anos, D. João II
mandou trasladar a comunidade feminina da Ordem de Santiago do mosteiro de Santos-o-velho,
para um edifício que o monarca mandara construir de novo, em Santa Maria do Paraíso, entre os
mosteiros de Santa Clara e da Madre de Deus e " a comendadeyra que se chamava Violante
Nogueira, molher de muita virtude & honestidade, & assi todas as donas do convento forão no
dito dia levadas a pe com solene procissam do cabido, & todas as ordens & cruzes (…)" . Nesse
mesmo ano ano de 1490 morrera, no mosteiro de Cristo, em Aveiro, a Infanta D. Joana a cuja
guarda estava confiado o filho de D. João II havido em D. Ana de Mendonça. Circunstância que
permitiu ao monarca "negociar" com a rainha D. Leonor a apresentação de D. Jorge na corte, o
que efectivamente veio a suceder a 15 de Junho, escassos dois meses antes da mudança da
comunidade de Santos.Parece arriscado concluir que esta coincidência de acontecimentos num
curto espaço de tempo tenha resultado da programação intencional dum monarca que não
poderia ter previsto a morte da irmã D. Joana.
O mosteiro de Santos-o-velho situava-se no "sitio onde acabavaa a parte importante e
agglomerada da povoação (de Lisboa) e principiava o campo", e portanto erguia-se ainda na
periferia urbana de Lisboa, o que não sucedia com o novo edíficio de Santa Maria do Paraíso,
cenóbio que passaria a ser conhecido como mosteiro de "Santos-o-novo", mais afastado do
centro urbano. MATA, que reconhece não ter "provas documentais que expliquem as razões que
teriam levado D. João II a ordenar a transferência das donas(…)", aventa como hipóteses a
exiguidade das instalações primitivas face ao crescente aumento de admissões, a vetustez do
edifício primitivo, ou ainda um alegado desiderato real de transformar o mosteiro em paço de
repouso. O certo é que Santos-o-Novo foi edificado em local mais recatado, longe do bulício da
cidade, situação adequadamente conveniente para recolher a ainda jovem mãe de um bastardo
régio que, se outras inquietações não manifestasse, ainda cinco anos depois, no testamento do
Príncipe Perfeito, era dotada pelo monarca para o seu casamento, e, como também tivemos
ensejo de referir, em 1508, pela mão de seu filho, o Mestre D. Jorge, mandava averiguar se,
casando, poderia continuar a manter a dignidade de comendadeira. Registe-se que essa
"consulta" foi efectuada em 1508, possivelmente logo a seguir à morte de sua tia Violante
Nogueira, falecida nesse ano, e antes de vir a ocupar a posição dessa dona no governo da
comunidade.

Filhos do segundo casamento do Aposentador-mor Afonso Furtado de Mendonça com Brites de


Villarguda, realizado cerca de 1445:

4.III – Diogo de Mendonça, que segue no § 3,

5.III – Pedro Furtado de Mendonça (ou Pedro Furtado, ou Pedro de Mendonça), tio de D. Ana,
tio-avô do Mestre D. Jorge, o escudeiro - fidalgo Pedro de Mendonça, , viria, em 1477.08.28., a
receber uma tença do Príncipe Herdeiro D. João, governador
do Mestrado de Avis, sob a alegação de que se encontrara em Toro como se refere no diploma "
…sendo com nosco na batalha que El rei meu meu Sennor e nos com elle ouvemos ". Não faça
dúvida na identificação o ser mencionado neste diploma como escudeiro-fidalgo porquanto já em
1462, referido conjuntamente com seu irmão Diogo de Mendonça, lograva 1200 reis de moradia,
como Moço-fidalgo da Casa Real parece ser o primeiro desta linhagem a integrar a Ordem de
Avis, onde era escrivão dos contos do Mestrado. Referido como Pedro Furtado, encontra-se
como escrivão da Chancelaria do Mestrado de Santiago governado pelo seu sobrinho-neto D.
Jorge, e recebe pagamento pelos serviços prestados por carta de 21 de Junho de 1497. Veria o seu
ordenado acrescentado por carta de 25 de Agosto de 1498. Voltamos a encontrá-lo referido a
desempenhar as funções de escrivão da Chancelaria de Santiago até 2 de Março de 1506. De
acordo com o citado Livro de Linhagens s.g.

6.III – João de Mendonça, o Cação, cavaleiro-fidalgo da Casa de D. Afonso V com 2100 reais de
moradia em 1476. Em 1484 figurava entre os cavaleiros-fidalgos da Casa de D. João II,
vencendo 2100 reis de moradia. Em 1518 figura entre os cavaleiros do conselho de D. Manuel I
e tinha, nessa ocasião, 4286 reis de moradia.
ALÃO DE MORAES menciona-o como Alcaide-mor de Chaves.Casou com D. Filipa de Melo,
filha de Vasco Fernandes de Sampaio, sr. de Vila-Flor e de Chacime de sua mulher D. Maria de
Melo. GAYO, menciona que combateu em África O LL refere apenas três filhos e duas filhas
deste casal:
1.IV – António de Mendonça, mencionado como fidalgo da Casa de D. Manuel Icom 2.600 reis
de moradiano Livro de Matrícula de 1518. Casou com Brites da Costa, filha de Luís da Costa,
cidadão de Lisboa e de N ….de Abreu.Este António de Mendonça teve 4 filhos que serviram na
Índia, onde morreram 3 deles. O primogénito, João de Mendonça foi capitão de Chaúl
2.IV – Simão de Mendonça, fidalgo da Casa de Jorge, da Ordem de Avis eComendador de Santa
Maria de Portalegre, como parece mais seguro.ALÃO DE MORAES refere-o como Alcaide-mor
de Mourão, GAYO, como Alcaide-mor do Torrão, Comendador de Portalegre e Borba. Mas o
Livro de Linhagens menciona-o apenas como Comendador de Portalegre.. PIMENTA, que o
documentou, identificando-o, julgamos que com a filição correcta, acrescenta que foi fidalgo da
Casa de D. Jorge, cavaleiro da Ordem de Avis e Comendador de Santa Maria de Portalegre.
Recebeu um acrescentamento de tença em 4 de Junho de 1519. Casou com D. Ana de Mendonça,
filha de Pedro de Mendonça de Brito (infra no n.º 1.IV), de quem teve, pelo menos,
Filho:
1.V – Luís de Mendonça, que recebeu o hábito de Avis por seu pedido em 1541
3.IV – Nuno Furtado, que morreu solteiro, s.g.
4.IV – D. Violante de Mendonça, mulher de Aires de Sousa, Fidalgo do conselho de D.Manuel I,
Comendador da Alcáçova de Santarém e de Alpedriz daOrdem de Avis em 26 de Abril de 1516
Pouco depois, às duasprecedentes, juntar-se-ia a Comenda de Alcanede e Alcaide-mor da
mesmavila em 11 de Julho de 1519 o que ainda se mantinha em Fevereiro de 1538 .Viria a
renunciar à Comenda da Alcáçova de Santarém a 21 de Abril de 1548.Tiveram, entre outros,
Filhos:
1.V – Francisco de Sousa, o Vilão, sucedeu a seu pai na Comenda da alcáçova de Santarém e
casou com D. Filipa Henriques, filha de D. Lopo de Almeida e de D. Antónia Henriques.
2.V – Em 1534 era Comendador da Alcáçova de Santarém e da de Alpedriz Pêro de Sousa.
Efectivamente existia a convicção de que este filho de Aires de Sousa recebera Alpedriz apenas
em 5 deMaio de 1543, e a da Alcáçova de Santarém ainda mais tarde, a 17 de Março de 1548
Todavia fontes complementares referem expressamente que este Pêro de Sousa era Comendador
de Alpedriz e da Alcáçova de Santarém em 1534, adiantando que estas lhe rendiam 800.000 reais

5.IV – D. Maria de Mendonça, mulher de Henrique Moniz, filho de Afonso Teles Barreto. O LL
refere este Henrique Moniz como Comendador, mas não oconseguimos documentar nessa
qualidade nas ordens de Avis, Cristo e Santiago

7.III – D. Maria de Mendonça, 1.ª mulher de João de Brito, sr.dos morgados de S. Lourenço de
Lisboa e de Santo Estêvão de Beja, filho de Mem de Brito e de sua mulher D. Grimaneza de
Melo Tiveram, além de uma filha que foi freira,
Filho:

1.IV – Pêro de Mendonça de Brito, casou com Isabel Brandão, filho de Duarte
Brandão, provedor das capelas de D. Afonso V e de sua mulher Margarida
da Mota. De quem teve, pelo menos
Filho:

1.V – Francisco de Mendonça, moço-fidalgo da Casa de D. Manuel


.
Filha bastarda de Afonso Furtado de Mendonça referida como tal no Livro de Linhagens e no L.L
de Damião de Goês (BNL).

8.III – D. Maria de Mendonça, mulher de Pedro Guedes, senhor de Murça. Com geração
Filha natural de Afonso Furtado de Mendonça, referida pelos cronistas açorianos do século XVI,
e pelo madeirense Henrique Henriques de Noronha, final do século XVII:

9.III – Catarina Furtado de Mendonça. Henrique Henriques de Noronha escreveu que a (3.ª?)
mulher do capitão do Donatário da ilha do Porto Santo, Bartolomeu Perestrelo, (a quem chama
primeiramente Beatriz, o que, na nota referida, se corrige para Catarina), era prima-irmã de D.
Ana de Mendonça, comendadeira de Santos. Também o cronista açoriano Dr.Gaspar Frutuoso
(escrevendo entre 1586 e 1590 ) afirma que essa mesma "D. Catarina de Mendonça era neta de
uma irmã da mãe do Mestre de Santiago" Se este parentesco, tal como o dão os supracitados
autores, é obviamente anacrónico, a ligação resulta clara. E em face do que conhecemos desta
linhagem, e da cronologia e biografia dos seus membros, resulta admissível que esta Catarina
fosse irmã (meia irmã ilegítima) do pai de D. Ana de Mendonça, mãe do Mestre D. Jorge.
Acrescenta ainda Gaspar Frutuoso que esta Catarina era irmã de Fernão Furtado de Mendonça,
povoador da ilha Graciosa. E um documento de adopção respeitante a uma sua neta irá permitir a
identificação de outro seu irmão.
Esta senhora, não era provavelmente a mais velha dos filhos que Afonso Furtado de Mendonça
terá tido fora do matrimónio, mas como é à volta dela que as fontes nos restituem a rede de
parentescos, colocámo-la nesta ordem.
Deve ter nascido cerca de 1430 e casado ao redor de 1446, contando perto de 16 anos como era
frequente na época. Com efeito, Bartolomeu Perestrelo, seu futuro marido, em 8 de Junho de
1431 ainda se encontrava casado com Margarida Martins, como se comprova pelo emprazamento
de certas casas situadas na Rua Nova, em Lisboa .
Catarina Furtado de Mendonça teve três filhas do seu casamento cuja geração se espalhou pelos
arquipélagos da Madeira e Açores.
10.III - Rodrigo de Mendonça, o que podemos deduzir da sua vida baseia-se na carta de
perfilhação de sua sobrinha Filipa .
Este documento, que nunca tinha sido analisado em sumário, contém o seguinte:
" Dom Afonso etc. a quantos esta nossa carta de confirmação virem fazemos saber que perante
nós foi apresentado um instrumento que parecia feito e assinado por Affom (se) Anes tabelião
geral na ilha da Madeira aos 23 dias do mês de Julho do ano presente de 1471. Em o qual antre
outras cousas fazia menção que Rodrigo de Meemdomça cavaleiro da nossa casa morador na ilha
Deserta com outorga de Caterina Teixeira sua mulher que presente estava que era verdade que
ele não tinha filho nem herdeiro e que por serviço de Deus e salvação da sua alma ele perfilhava
por sua filhe e herdeira em toda a sua parte de todos os seus bens que a ele pertencessem a Felipa
sua sobrinha, filha de Meem Rodriguez de Vaascomçellos e de Catarina Furtada sua sobrinha. O
qual perfilhamento lhe fazia para sempre com outorga de sua mulher como dito é (…) Dada em a
nossa cidade de (Lisboa) 11 dias do mês de Dezembro de 1472 ".
O instrumento contém algumas medidas cautelares relativas a possíveis impugnações, ou
reclamações, que pudessem ser efectuadas por parentes terceiros que se julgassem com direito à
sua herança, o que, em nosso entender, se inscreve, tal como a própria adopção, no quadro de um
conflito entre as famílias cognáticas dos Mendes de Vasconcelos e dos Correias da Cunha
suscitado pela compra da capitania da ilha do Porto Santo á viúva de Bartolomeu Perestrelo, pelo
genro de seu falecido marido, Pedro Correia da Cunha, na menoridade do seu filho primogénito e
presumível herdeiro dessa capitania.
Pode parecer enigmática a referência à residência na (s) ilha (s) Deserta (s) uma vez que, embora
sejam conhecidas tentativas de povoamento, a sua ocupação foi sempre esporádica, embora
documentada. A explicação que se nos afigura mais provável é a de que Rodrigo de Mendonça
tenha protagonizado precisamente uma das mais prolongadas tentativas de povoamento das
Desertas, ilhas adjacentes à Madeira.
A Catarina Teixeira, mulher de Rodrigo de Mendonça, de quem este não teve geração, poderá
tratar-se da 4ª filha de Tristão Vaz, 1.º capitão da jurisdição do Machico, na ilha da Madeira, e de
sua mulher Branca Teixeira. Esta Catarina Teixeira havia casado pela primeira vez com Gaspar
Mendes de Vasconcelos provável parente de Mem Rodrigues de Vasconcelos, de quem tivera um
único filho, e enviuvando, teria contraído segundo matrimónio com Rodrigo de Mendonça, do
qual como vimos, não teve geração.
Mas não é de excluir que os genealogistas, designadamente Henrique Henriques de Noronha,
tenham feito confusão entre ela e sua irmã Ana Teixeira. Com efeito temos conhecimento de uma
infeliz ocorrência verificada em casa do 1º capitão da jurisdição do Machico, Tristão Vaz, que
nos é relatada, entre outros, por Dias Leite que dá conta de que Diogo Barradas, homem tido por
fidalgo, teria violado Catarina Teixeira, filha do dito capitão Tristão Vaz, na ausência deste que,
uma vez regressado a casa, e dando-se conta do sucedido, castrou Diogo Barradas e o teve
aferrolhado com uma braga, moendo em um moinho de pão.
D. Afonso V teve notícia do sucedido e ordenou que Tristão Vaz fosse à corte, levando consigo a
filha, Catarina Teixeira, que o monarca casou mui honradamente.
Existe, na chancelaria de D. Afonso V, datada de 17 de Fevereiro de 1452 uma carta de perdão
passada ao capitão Tristão Vaz por causa desta ocorrência, que não só a confirma como fornece
mais pormenores, Diogo Barradas, além de capado, foi amputado do bico de uma orelha e ficou
aleijado das mãos em virtude da brutalidade com que o tinham amarrado.
Inclinamo-nos para que tenha sido esta Catarina Teixeira, violada por Diogo Barradas, que D.
Afonso V terá casado honradamente, em Lisboa e nos finais da década de quarenta, com Rodrigo
de Mendonça.
A sobrinha de Rodrigo de Mendonça, cuja filha Filipa ele adoptou, era Catarina Furtado de
Mendonça, (filha) mulher de Mem Rodrigues de Vasconcelos, e filha de Bartolomeu Perestrelo,
1.º capitão do Porto Santo, e de sua 3.ª mulher a supracitada Catarina Furtado de Mendonça,
portanto irmã de Rodrigo de Mendonça. Este ultimo, para ser casado e já sem esperança de
descendência em 1475, teria nascido antes de 1430 sendo seu pai ainda solteiro.
É natural a tentação de identificar este Rodrigo de Mendonça, bem como o seu irmão Fernão
Furtado de Mendonça, da Graciosa, com o Rodrigo e um dos Fernandos (ou Fernão) que o
capitão-mor do mar Afonso Furtado tinha legitimado em 1390. Mas como tivemos ocasião de
observar acima, estes filhos bastardos devem ter nascido alguns anos antes da respectiva
legitimação. Assim sendo, o Rodrigo de Mendonça contaria, à data da adopção da sua sobrinha
neta, cerca de 90 anos. Não é impossível, mas parece improvável. E o Fernão Furtado da
Graciosa (falecido no dealbar de Quinhentos), teria morrido, na melhor das hipóteses, com 110
anos. Temos por evidente que a cronologia os coloca na geração dos filhos de Afonso Furtado de
Mendonça, e não na dos filhos de seu pai, o capitão Afonso Furtado .
Provável filho bastardo de Afonso Furtado de Mendonça, não referido, tal como os filhos
naturais, acima, nos livros de linhagens continentais do século XVI, mas mencionado nessa
posição pelos cronistas insulares dos séculos XVI e XVII.
11.III – Fernão Furtado de Mendonça, nasceu cerca de 1440, referido como Afonso Furtado,
Escudeiro-fidalgo da Casa de D. Afonso V, com 1000 reis de moradia em 1475, que
identificamos com o homónimo, expressamente mencionado como bastardo quando, em 1479,
volta a surgir com o mesmo foro e moradia Integrou a 2.ª leva de povoadores da ilha Graciosa,
chefiada pelo marido da sua sobrinha Iseu Perestrelo de Mendonça, o capitão do Donatário da
ilha Graciosa Pero Correia, em data posterior a 1475. Terá casado pela 1.ª vez na ilha da Madeira
(ou Porto Santo) com Catarina de Guevara, filha de D. João Henriques, de Sevilha, e de sua 2.ª
mulher, Ana de Guevara . Já na ilha Graciosa casou pela 2.ª vez com Guiomar de Freitas , filha
de Pedro Gonçalves de Basto, 2.º marido de Isabel de Freitas Peixoto .Estes Freitas, de
Guimarães, padroeiros de S. Cristina e S. Romão de Arões, tiveram um ramo que
documentadamente se fixou na Graciosa, onde tiveram um papel de certo relevo no início do
século XVI.
Este povoador da Graciosa deixou descendência de ambos os casamentos.
No entanto importa salientar que a filha havida do 1.º casamento, Paulina Furtado de Mendonça,
veio a casar em finais do século XV, na vizinha ilha do Faial, com Fernão Alvernaz, escudeiro-
fidalgo da Casa Real, cavaleiro da Ordem de Santiago em 3 de Dezembro de 1528 , portanto
durante o mestrado de D. Jorge.
Mas em 23 do mês de Outubro anterior este Fernão Alvernaz (segundo do nome, como se
apresenta) estava em Lisboa, perante um juiz do cível, o bacharel Simão Tristão, organizando o
seu processo de hábito no qual as testemunhas referiram que fora juiz do Faial (Horta?) em
1527, era escudeiro-fidalgo da Casa do Rei, vivia à lei da nobreza com cavalo na estrebaria e era
pessoa geralmente benquista com bens avaliados em 400.000 reais

7.3. O estatuto sócio-económico dos filhos de Afonso Furtado de Mendonça

Dos seus dois casamentos o pai de Nuno Furtado de Mendonça, e avô de D. Ana de Mendonça
teve cinco filhos e duas filhas aos quais se devem acrecentar mais duas outras filhas bastardas e,
ainda, mais dois filhos bastardos, num total de onze.
Embora saibamos que terá herdado parte dos bens rústicos e urbanos do velho Capitão-mór do
mar Afonso Furtado (não a totalidade uma vez que teve três irmãos legitimados), e recebesse
tenças anuais que, num dado momento, ultrapassaram os 30000 reais de prata, a que se somaria o
ordenado de anadel-mór dos besteiros (inicialmente 2.571 reais brancos), e admitindo que,
mesmo em termos patrimoniais, pudesse ter contratado pelo menos um primeiro casamento
vantajoso, não ressalta das fontes que o pai de Nuno Furtado de Mendonça tivesse sido um
homem abastado, nem tão pouco que lhe tivessem sido atribuídos cargos, ou concedidas benesses
que ultrapassem uma rasa mediania.
Viveu num contexto descrito por CUNHA e MONTEIRO que, acerca do seu estamento social,
teceram as seguintes considerações "Desde finais da Idade Média que as condições de
reprodução da população fidalga portuguesa eram determinadas por três vectores
fundamentais: as normas de transmissão fidalga, que conferiam esse estatuto a todos os
descendentes de fidalgos; a instituição vincular, cuja generalização tendia, pelo contrário, a
impor-lhes um destino desigual, de acordo com a ordem de nascimento, com a lógica da
primogenitura e com a progressiva valorização da noção de Casa; e, por fim, os contextos
envolventes globais entre eles avultando a esfera de actuação da Coroa, cuja intervenção podia
abrir ou fechar o ingresso na categoria, bem como a redefinir a sua hierarquia interna" Ora, na
perspectiva da conjugação destes três vectores, se todos os 10 irmãos de Nuno Furtado de
Mendonça terão herdado a categoria de fidalgos, a esmagadora maioria dos restantes não teria
tido acesso a qualquer outro tipo de herança, com particular incidência para a situação em que
seguramente se encontraram os 4 bastardos que, aparentemente, nunca foram sequer legitimados.
Os supracitados autores referem um estudo incidente sobre os sucessores de vinte e cinco das
principais linhagens tardo-medievais portuguesas durante o período compreendido entre 1380-
1580, no qual se constataria uma acentuada diferenciação social entre os descendentes das
referidas linhagens coincidente com um crescimento demográfico da população fidalga. Como
parece intuitivo a esse aumento do número de fidalgos que, até finais do século XV, partilhavam
desigualmente a mesma massa de recursos, correspodia uma tendência paralela para a
degradação do estatuto económico e social de uma maioria de indivíduos do sexo masculino,
mais precisamente a categoria inferior ("militares-não titulados"), que englobava 41% do
universo masculino no início do período em apreço, ascendendo a 71% no final que, todavia, se
inscrevia já num contexto diverso.
Julgamos admissível que os Furtado de Mendonça da terceira geração (á qual pertencia este
Nuno Furtado) se pudessem considerar inscritos na categoria dos " militares-não titulados".
Tanto quanto conseguimos apurar não existiam na linhagem vínculos ou um acervo patrimonial
relevante, a permitir uma distribuição que ultrapassasse a linha primogénita. De acordo com este
entendimento generalizante, se Nuno Furtado de Mendonça poderia ter relativamente garantida a
manutenção do estatuto social e económico que tinha sido o do seu pai, dependia no entanto da
actuação da Coroa para ascender a um patamar superior do estamento fidalgo.
Todos os restantes irmãos e irmãs ficavam à mercê das vicissitudes do contexto envolvente e não
era, à partida, expectável que a maioria deles conseguisse evitar uma degradação de estatuto.
Mas as respectivas biografias encaixam apenas parcialmente neste paradigma, como passaremos
a apontar. A quase totalidade dos Furtado de Mendonça nascidos de legítimo matrimónio, na
terceira geração desta linhagem, participaram num claro movimento ascencional, unânimente
acentuado no reinado de D. João II, e efectuaram percursos que lhes garantiram (a despeito de
serem numerosos, pouco afazendados, e oriundos de uma família recente que, ainda na 2.ª
geração, não se encontrava claramente posicionada na hierarquia cortesã), não apenas a
manutenção, como também uma generalizada elevação do estatuto sócio-económico. Trata-se de
um registo de inequívoco sucesso familiar, ao menos parcialmente assente nos méritos e serviços
dos seus protagonistas, mas que a ascenção ao Mestrado das ordens de Avis e Santiago dum
bastardo régio, que claramente protegeu a estirpe materna, viria amparar, estabilizar e potenciar
em trajectórias futuras.
- O já referido primogénito, Nuno Furtado de Mendonça, embora não tivesse realizado um
casamento vantajoso, nem se lhe conheça uma carreira particularmente notável, apesar de ter
morrido prematuramente, ascendeu na hierarquia cortezã, como se comprova pela sua qualidade
de cavaleiro do conselho de D. Afonso V.No seu caso, à normal intervenção da Coroa viria
juntar-se, na geração dos filhos, a mãos oculta duma providência que lhes permitiria escapar à
regra comum das famílias fidalgas pouco afazendadas e com numerosos descendentes
sobrevivos.
O secundogénito, Duarte Furtado de Mendonça, genearca dos Comendadores do Torrão, na
Ordem de Santiago, e senhores de Vilalva, herdou de seu pai o cargo de anadel-mor dos besteiros
do conto, que transmitiu a seu filho Álvaro, em cuja geração foi extinto. Fez carreira autónoma
desde um período anterior ao nascimento do seu sobrinho-neto D. Jorge. Tendo alcançado a
confiança do Príncipe-herdeiro D. João, desempenhou missões de natureza política e,
ingressando na milícia dos espatários, ascendeu a comendador antes de 1472 e, posteriormente, a
visitador, por incumbência expressa do Príncipe D. João.Conselheiro régio e senhor de Vilalva,
pode considerar-se que ascendeu a um estatuto superior ao de seu pai e, pelo menos, análogo
áquele em que se situou o irmão primogénito, sendo progenitor de um breve ramo cuja linha
secundogénita ingressou na Ordem de Cristo e participou na expansão marítima, embora
extinguindo-se com um Manuel de Mendonça que, curiosamente, tinha regressado à dependência
dos primos da linha primogénita dos Furtado de Mendonça, exercendo o cargo de veador de seu
parente, o duque de Aveiro.
- A terciogénita do primeiro casamento de Afonso Furtado de Mendonça, Violante Nogueira,
muito possivelmente estribada na família materna, iniciou a sua vida como donzela da Infanta D.
Catarina, irmã de D. Afonso V, e depois ingressou no Mosteiro de Santos (Ordem de Santiago)
onde professou e ascendeu a Comendadeira, cargo que exerceu até à morte, ocorrida em 1508,
precedendo sua sobrinha D.Ana de Mendonça no exercício dessa dignidade.A sua biografia de
donzela celibatária e religiosa elevada a Comendadeira aponta para a sua inclusão num estatuto
económico e social análogo ao dos seus irmãos mais velhos.
Constatar-se-á que todos os três filhos nascido do primeiro casamento do anadel-mor Afonso
Furtado de Mendonça, não apenas conservaram, como aumentaram o estatuto herdado dos pais,
o que, não obstante o paradigma acima enunciado e a temporária "desgraça política" do pai, se
apresenta como uma boa trajectória familiar escudada numa boa rede de solidariedades escoradas
na linha materna.
Mas o 2.º anadel-mor dos besteiros (na sua família) casou uma 2.ª vez com uma mulher, pelo
menos de ascendência valenciana e estreitamente ligada à Casa da Duquesa de Coimbra, mulher
do Infante D. Pedro, situação que poderá ter influenciado (ou contribuído para) a temporária
desgraça politica do marido. Embora genealogicamente referida como filha de um titular
valenciano, não possuímos dados que nos permitam concluir que tivesse protagonizado um
casamento vantajoso, e a sua rede de solidariedades familiares, a ter existido em Portugal, ter-se-
à dissolvido no período post-regência.Temos dúvidas sobre o seu estatuto económico e incertezas
sobre o seu exacto estatuto social de origem. Deste segundo casamento, que obviamente
consideramos uma aliança menos vantajosa do que o primeiro nasceram:
- Diogo de Mendonça, o primeiro filho deste segundo casamento, cavaleiro da Ordem de
Santiago, senhor e Alcaide-mor da vila de Mourão, foi progenitor de um dos ramos desta
linhagem cuja dinâmica de ascensão social é anterior à conjuntura familiar criada pela chegada
de D. Jorge aos Mestrados de Avis e Santiago. Progenitor dos Alcaides-mores de Mourão, a sua
descendência próxima, que continuando ligada a Santiago, militou também na Ordem de Cristo,
realizou brilhantes alianças, dentre as quais bastará destacar um casamento com o III Duque de
Bragança e outro com uma filha do vice-rei D. Francisco de Almeida. Desnecessário se torna
salientar que também Diogo de Mendonça ocupou um patamar sócio-económico superior ao de
seu pai, e mais elevado do que aquele que a sua posição na ordem dos nascimentos e o estatuto
dos pais poderia deixar adivinhar.
- Pedro Furtado, ou de Mendonça, o 2.º filho do segundo casamento, exemplo paradigmático do
"militar-não titular" mal posicionado na ordem dos nascimentos, foi um dos escudeiros-fidalgos
que mereceram a confiança de D. João II, que o agraciou por serviços prestados na batalha de
Toro, e ocupou cargos e funções de algum relevo no quadro das ordens de Avis e, já beneficiando
do Mestrado do sobrinho-neto, na de Santiago. Não teve descendência mas a sua trajectória
pessoal não evidencia degradação – antes manutenção – do estatuto sócio-económico de seus
pais.
- João de Mendonça o Cação, o terciogénito do 2.º casamento, cavaleiro-fidalgo sob D. João II
viria a ascender a cavaleiro do conselho de D. Manuel I, terá efectuado, não obstante o seu
posicionamento na ordem dos nascimentos, um bom casamento e na sua descendência próxima
contam-se Comendadores da Ordem de Santiago.Tendo logrado uma carreira cortezã bem
sucedida conseguiu igualmente elevar duradoramente o nível do estatuto sócio-económico do seu
ramo.
- Maria de Mendonça, a 1.ª filha do segundo casamento, protagonizou uma boa aliança com um
herdeiro de dois morgados. Poderá considerar-se que, mantendo o seu estatuto social de origem,
se veio a inscrever num estamento economicamente mais consolidado que veio a mover-se a um
nível médio estabilizado.
No tocante aos bastardos Furtado de Mendonça de 3.ª geração julgamos detectar uma dupla
clivagem. Maria de Mendonça, não obstante a "diferença" do seu nascimento casou no
continente com um fidalgo de província que, embora detentor de um senhorio transmontano, não
pertencia à nobreza de corte. Mas, com o decurso das gerações, a sua descendência viria a
prosperar até atingir o estatuto elevado de titular. Por sua vez Catarina Furtado de Mendonça
(ignoramos se era filha ilegítima ou bastarda) foi terceira mulher de Bartolomeu Perestrelo,
cavaleiro da Casa do Infante D. Henrique, que na qualidade de capitão do Donatário da ilha de
Porto-Santo subiu na hierarquia nobiliárquica a ponto de vir a ser reconhecido expressamente ás
suas descendentes o tratamento de dona.Mas este processo ocorreu ainda no decurso do
povoamento das ilhas, e a descendência desta Catarina realizou alianças que, estribadas no
estatuto do marido a mantiveram, temporariamente embora no plano mais elevado do estamento
fidalgo insular, como foi caso de uma das filhas que, através do casamento com o capitão do
Donatário da (pequena, como Porto Santo) ilha da Graciosa, reproduziu o paradigma materno.
Muito embora estas duas bastardas protagonizem duas trajectórias de sucesso, atento o facto das
suas limitações ab origine, nenhuma delas se pode inscrever na hierarquia cortezã, foram
"empurradas para regiões periféricas"e parece evidente que gozaram de um estatuto social, e
quase seguramente também económico, menos elevado do que os meios-irmãos legítimos.
Mas importa realçar que esta primeira diferenciação social, já patente nas supracitadas filhas
bastardas se iria acentuar ainda mais no que concerne aos bastardos do sexo masculino.Com
efeito, tanto no tocante a Rodrigo de Mendonça como a Fernão Furtado de Mendonça parece
admíssivel que tivessem passado à ilha da Madeira atenta a expectativa de conseguirem, pelo
menos, acrescentamento de estatuto económico e manutenção do estatuto social (Rodrigo
documenta-se apenas como cavaleiro da Casa Real enquanto Fernão é referido como escudeiro-
fidalgo da Casa de D. Afonso V – o mesmo posicionamento que o seu meio-irmão legítimo
Pedro Furtado de Mendonça – embora explicitamente designado como bastardo no respectivo
assento de moradia) à sombra da protecção do cunhado, capitão do Donatário de Porto Santo.
Rodrigo parece ter sido um dos obscuros protagonistas do efémero povoamento das ilhas
Desertas, terá casado dentro do seu estamento e não deixou descendência. Fernão teve uma
existência relativamente acidentada e morreu na ilha Graciosa, casado com uma mulher oriunda
da pequena nobreza nortenha. Nessa mesma ilha o seu primogénito recebeu de D. Manuel I o
irrisório senhorio de uns ilhéus, e sentiu a necessidade de provar a sua nobreza, impetrando ao
mesmo monarca uma Carta de Brazão de Armas. Já o secundogénito sofreria uma ainda mais
evidente degradação de estatuto, já que se documenta como proprietário do ofício de tabelião do
público judicial e notas da vila de Santa Cruz da Graciosa.
Todos estes bastardos insulares configuram trajectórias de povoadores de medíocre sucesso e
visibilidade, com um estatuto claramente diferenciado do das suprcitadas irmãs, para não falar já
dos meios-irmãos legítimos, que pertenciam a um patamar superior e integravam a nobreza de
Corte. Mesmo assim, durante o Mestrado de D. Jorge, um descendente destes bastardos da
terceira geração, que residia na então "remota" ilha do Faial, viria a se cavaleiro da Ordem de
Santiago.

7.4. As ligações ás ordens militares em geral

Realizámos um inventário de 78 descendentes de Afonso Furtado de Mendonça, 2.º anadél-mór


dos besteiros do conto (na sua família), correspondendo ás gerações de filhos, netos, bisnetos e
alguns trinetos. Não se tratou, é certo, de um levantamento exaustivo (duvidamos que fosse
possível), e omitiu voluntariamente alguns membros genealogicamente referidos como
pertencendo à linha masculina da linhagem mas não claramente referenciados em fontes (tanto
gerais como das ordens militares). No entanto, este "apanhado" representará porventura um
inventário bastante representativo e susceptível de permitir alguns resultados quantitativos que,
embora não se possam considerar rigorosos, restituirão, apesar de tudo, uma imagem bastante
aproximada da evolução das ligações desta linhagem ás ordens militares durante os períodos em
apreço.
E verificámos que, destes 78 descendentes de ambos os sexos, 45 se encontravam directamente
ligados a essas mesmas ordens, o que significa que 57,6% dos inventariados se encontravam de
algum modo vinculados às milícias de Avis e Santiago, registando-se alguns vínculos à Ordem de
Cristo, mais evidentes nos ramos que se apresentam mais próximos do serviço da Coroa, e da
participação directa na expansão ultramarina. Regista-se uma única presença na ordem do
Hospital/Malta, porventura relacionada com as relações com os Almeida, Priores do Crato.
É certo que outras linhagens da nobreza de corte apresentam, entre os finais dos Século XV e os
primeiros três quarteís de Quinhentos, múltiplas ligações à ordem de Santiago e, embora menos,
à de Avis, mas em nenhuma delas sobressai com tamanha nitidez um tamanho percentual de
dependência em relação aos cargos e dignidades proporcionadas pelas supracitadas milícias.
Parece relevante mencionar que num primeiro período, compreendido entre o começo do
governo da Ordem de Avis pelo príncipe – herdeiro D. João, e os anos de 1494-1496, em que se
começam a documentar as primeiras "nomeações" cuja iniciativa se poderá atribuir ao Mestre D.
Jorge, embora ainda sob tutel régia, encontramos apenas como membros destas milícias (é certo
que dentro dum universo elegível limitado aos 11 filhos e filhas de Afonso Furtado de Mendonça
e aos descendentes destes que tivessem atingido a maioridade até 1494, número que
convencionámos estimar em 25) três irmãos, filhos do supracitado Afonso Furtado de Mendonça
e tios de D. Ana de Mendonça, a saber: Pedro Furtado que, embora tenha recebido pagamento
por serviços prestados como escrivão da chancelaria da Ordem de Santiago em 1497, teria estado
ligado à milícia de Avis desde finais da década de Setenta, Violante Nogueira, que teria
professado em Santos antes de 1490, e Duarte Furtado de Mendonça, Comendador do Torrão, na
Ordem de Santiago, muito provavelmente em data anterior a 1472. Estes três irmãos,
considerados num universo de 25 familiares teoricamente elegíveis, representariam apenas cerca
de 12% de Mendonças ligados ás milícias antes de 1494.
Ora, na geração de Jorge e de António Furtado de Mendonça, únicos dois filhos varões do
Aposentador-mor Nuno Furtado de Mendonça (pai de D. Ana), e já durante o Mestrado de D.
Jorge, a situação muda radicalmente. Apenas entre os 29 filhos/filhas e netos, aqui recenciados,
de Jorge Furtado de Mendonça, irmão mais velho de D. Ana, tio materno do senhor D. Jorge, 19
deles encontram-se ligados ás ordens (65%), sendo que destes, a esmagadora maioria, 15, (ou
78,9% dos que têm ligações ás milícias) pertenciam à Ordem de Santiago, 3 à Ordem Avis
(15,7%) e apenas um à Ordem do Hospital-Malta (5,3%).
As três primeiras gerações deste ramo iniciado pelo irmão mais velho de D. Ana de Mendonça,
não referindo já os cargos e funções exercidos pelo camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça,
que se referem na respectiva biografia, detiveram, na Ordem de Santiago, as Comendas de:

1 – Nossa Senhora da Conceição de Alcotim


2 – Alvalade (2 gerações)
3 – Casével (2 gerações)
4 – Colos (3 gerações)
5 – Entradas e Padrões (3 gerações)
6 – S. Clemente de Loulé (2 gerações)
7 – Sines (3 gerações)
8 – N. Senhora da Conceição de Tavira (2 gerações)
9 – Represas (2 gerações)
10 – Vila Nova de Mil Fontes (2 gerações)
E, ainda, na Ordem de Avis
11 – Santa Maria de Beja
12 – Santa Maria de Portalegre

Receberam também as Alcaidarias-mores de Colos, Santiago do Cacém e Sines


No atinente à sucessão das comendas na descendência deste camareiro-mor do Mestre D. Jorge
parece evidenciar-se um padrão que consistia na renúncia das comendas (e alguns cargos) por
parte dos pais nos filhos ou genros, mesmo com a medida cautelar da reserva do respectivo
usufruto, prática que não constituindo propriamente uma inovação (já referenciámos práticas
semelhantes, entre algumas outras que se poderiam apontar, em linhagens como os Avelar ou os
Sequeira), nunca tinha atingido uma situação sistemática, a configurar uma efémera situação de
quase transmissão hereditária, sancionada – ou permitida - pelos órgãos do governo das ordens
de Santiago e Avis durante o Mestrado de D. Jorge., sem que tenhamos conhecimento de
inteferências ou obstáculos levantados pelo poder régio.
Esta característica torna-se mais saliente tendo presente que o Anadél-mor Afonso Furtado de
Mendonça teve onze filhos, e muitos deles tiveram larga descendência que fez carreira nas
ordens de Santiago, Avis e até Cristo, configurando aquilo que talvez possa configurar uma
efectiva colonização das duas primeiras milícias por parte da família de D. Ana de Mendonça.
E registe-se que, nesta amostragem, não foram incluídos os descendentes do próprio Mestre D.
Jorge, também eles oriundos, por linha materna, da família de que nos ocupamos. Mas, se os
incluíssemos, o peso conjugado do poder detido nas duas ordens militares pelo conjunto de todos
os descendentes do Anadél-mor Afonso Furtado de Mendonça desenharia uma situação de
contornos ainda mais nítidos, e sem precedentes conhecidos no universo das ordens militares em
Portugal.
A ilustrar a já referida prática de transmissão hereditária recordemos que (como veremos adiante
no esquema genealógico deste ramo) o camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça foi
Comendador de Sines, Entradas e Padrões e Represas na Ordem de Santiago.Seu filho
homónimo "sucedeu", por renúncia do pai, na Comenda de Entradas e Padrões. Outro filho,
Lopo, "sucedeu", de igual modo, na Comenda de Sines, vila de que foi igualmente Alcaide-mor,
e deteve também a Comenda de S. Clemente de Loulé. Esta última Comenda "passou" para Jorge
Furtado de Mendonça, filho daquele Lopo.
Francisco Correia, genro de Jorge Furtado de Mendonça, foi Comendador (e Alcaide-mor) de
Colos, Alvalade e Vila Nova de Mil Fontes e o seu filho, Manuel Correia, "sucedeu" nas
Comendas de Colos e Mil Fontes. E também que ao Alcaide-mor de Santiago do Cacém, Pêro
Pantoja, genro do supracitado Jorge Furtado de Mendonça, "sucedeu" na Comenda de Nossa
Senhora da Conceição de Tavira o seu filho Alonso Pantoja. Já outro genro de Jorge Furtado de
Mendonça, D. Fernando de Noronha (que aliás viria a suceder ao sogro no cargo de camareiro-
mor do Mestre D. Jorge), conseguiu "transmitir a Comenda de Casével a seu filho D. João de
Noronha.
Constatada que fica esta prática sucessória na linha primogénita dos filhos de Nuno Furtado de
Mendonça julgamos pertinente registar que a família adoptou a endogamia como procedimento
destinado a alargar a expectativa de "sucessão" nas Comendas e a reforçar a sua rede de
solidariedades e influências no seio das ordens militares.
Com efeito, como teremos ensejo de ver pormenorizadamente no respectivo esquema
genealógico, a filha primogénita do 1.º casamento de Jorge Furtado de Mendonça, irmão mais
velho de D. Ana, casou com Francisco Correia, senhor de Belas filho de Cristóvão Correia,
Comendador e Alcaide-mor de Colos, e mais tarde, de Alvalade na Ordem de Santiago. A
secundogénita do mesmo casamento, D. Brites, casou com D. Francisco de Noronha, o sardinha,
filho de D. Luís de Noronha, Comendador de Sines, na Ordem de Santiago. O filho primogénito,
António Furtado de Mendonça casou com D. Margarida de Noronha, filha de Alonso Perez
Pantoja cavaleiro da Ordem de Santiago e Comendador de Santiago do Cacém. O filho
secundogénito, Afonso Furtado, casou com D. Joana de Sousa, filha de André Pereira, que talvez
se possa identificar com o Escrivão da correição do Mestrado da Ordem de Santiago que cessou
funções em 15 de Abril de 1520. Por seu turno D. Margarida, filha do 2.º casamento, foi mulher
de seu cunhado Pero Pantoja, fidalgo da Casa de D. Jorge, filho de Alonso Peres Pantoja,
cavaleiro da Ordem de Santiago, e sobrinho de Galim Perez Pantoja, cavaleiro da Ordem de
Santiago que DUTRArefere como comendador de de Loulé. O filho terceiro, Lopo Furtado de
Mendonça, casou com D.Isabel de Lucena, filha do Dr. João Rodrigues de Lucena, cavaleiro da
Ordem de Santiago, enviuvando, casou 2.ª vez com D. Luísa da Silva, filha de Jorge Barreto,
comendador de Castro Verde, na Ordem de Santiago, e de sua mulher D. Joana da Silva, esta
última filha de Fernão de Albuquerque, comendador de Vila Verde, na Ordem de Santiago.
Deste inventário das alianças matrimoniais dos 11 filhos e filhas do camareiro-mor Jorge Furtado
de Mendonça pode concluir-se que, exceptuando, Rui Furtado, que morreu solteiro, D. Joana, D.
Helena e D. Leonor, que foram freiras, e de João Freire, Jorge Furtado de Mendonça e Nuno
Furtado, de quem ignoramos se casaram, todos os restantes filhos e filhas contraíram alianças
matrimoniais com filhas e filhos de dignitários da Ordem de Santiago.
Contrariamente áquilo que esperávamos encontrar apenas documentámos quatro membros deste
ramo a quem terão sido atribuídas tenças pelo Mestre D. Jorge.
O camareiro-mor foi fidalgo da casa de D. Jorge, pertenceu aos Treze, e, entre várias outras
mercês, que serão referidas adiante, usufruiu de, pelo menos, uma 1 primeira tença com o hábito
em 1496, as rendas de um forno e uma 2.ª tença em 1500.
Afonso Furtado, filho 2.º, seria também fidalgo da Casa de D. Jorge e recebeu com o hábito de
Santiago, em 1529, uma tença de 30.000 reais, tença essa que, dez anos mais tarde, seria elevada
para 100.000 reais.
João Freire, outrossim filho deste Jorge Furtado de Mendonça, recebeu em 1526, com o hábito
da Ordem de Santiago, uma tença de 5.000 reais.
Nuno Furtado, irmão dos dois antecedentes, após a sua investidura na Ordem de Santiago,
recebeu em 1542 uma tença de 30.000 reais, confirmada por diploma de 20 de Dezembro de
1548.Admitimos que outras fontes possam ampliar estes dados, mas não é nosso intuito, nem
cabe no âmbito do presente trabalho, a necessária pesquisa em fontes primárias.
Não obstante estamos em crer que fica patenteado, neste inventário sucinto, por um lado a
dependência do ramo dos Furtado de Mendonça do camareiro-mor em relação à Ordem de
Santiago, e por outro, o volume aproximado da parecela de poder que desta milícia lhes advinha
por via dos cargos e comendas bem como pela rede de parentescos tecida com dignitários de
Santiago.
O tio secundogénito de D. Ana de Mendonça, de seu nome António de Mendonça, embora tenha
vivido também no círculo mais próximo de seu sobrinho, o Mestre D. Jorge, de quem foi
estribeiro-mor, teve igualmente uma descendência numerosa, mas que percorreu destinos
repartidos entre a Ordem de Avis e o Estado da índia, ficando a dever-se à militância e cargos
desempenhados nessas últimas paragens, a ascenção ulterior deste ramo à nobreza titular, bem
como a sua "reorientação" para a Ordem de Cristo. Casou com D. Isabel de Castro, filha de D.
Diogo de Meneses, Comendador e Chaveiro da Ordem de Cristo prefigurando desde logo uma
estratégia familiar que, neste ramo, não passou por uma sistemática endogamia praticada no
interior da Ordem de Avis.Dos seus seis filhos e cinco filhas, bem como netos apenas
recenseamos 3 filhos (27,2%) ligados à Ordem de Avis, sendo de sublinhar que o primogénito
terá iniciado a sua carreira na Ordem de Cristo, talvez por influência do avô materno, embora
transitando posteriormente para a Ordem de Avis. Sucede que ,como desse total de 11 filhos e
filhas, 5 não tiveram geração, apenas dois dos seus netos permaneceram vinculados à milícia de
Avis.Não obstante, entre as três primeiras gerações do ramo deste estribeiro-mor de D. Jorge
foram detidas as seguintes Comendas da Ordem de Avis:

1 – Santa Maria de Beja


2 – Cano.
3 – Moura.(2 gerações)
4 – Veiros (3 gerações)
5 – Serpa (2 gerações)
6 – Olivença (2 gerações)

Dois dos seus netos encontram-se documentados como tendo recebido o hábito de Avis, embora
desconheçamos o seu percurso ulterior. Foram seguramente fidalgos da Casa de D. Jorge, além
do próprio António de Mendonça, também o seu filho Jorge, não referido pelos genealogistas
consultados. No tocante à prática da endogamia no seio dos dignitários de Avis, apenas
encontramos o seu filho 2.º Fernão, casado com D. Branca
d’Eça, filha de Diogo de Miranda, comendador de Cabeço de Vide e de Alter Pedroso, na Ordem
de Avis. Não foram encontradas tenças neste ramo, apenas uma menção às moradias respeitantes
ao próprio estribeiro-mor e a seu filho Jorge.
Na linha de Duarte Furtado de Mendonça, tio de D. Ana de Mendonça, a administração da
Comenda do Torrão, na Ordem de Santiago, é como vimos, anterior a 1472 e sobreviveu à
conjura do Duque de Viseu, o que não surpreende, se tivermos presente que esta personagem
mantinha a confiança de D. João II por ocasião das terçarias de Moura, como tivemos ocasião de
verificar. Seu filho Álvaro, que se encontra registado no Livro de Matricula dessa mesma ordem
no ano da morte do pai, deve ter "sucedido" logo após o falecimento paterno, já no começo do
governo de D. Jorge, na Comenda do Torrão, que terá detido até Março de 1517, data em que se
encontra já na posse de D. João de Lencastre.Teriam terminado aí, tanto quanto apuramos, as
ligações entre este ramo dos Furtado de Mendonça e a Ordem de Santiago, iniciando-se uma
clara reorientação para a Ordem de Cristo e o serviço no Estado da Índia onde morreu já Diogo
Furtado, filho deste 2.º Comendador do Torrão. Por seu turno a trajectória do filho 2.º de Duarte
Furtado de de Mendonça, Afonso Furtado, acusa também esta "mudança", uma vez que foi
cavaleiro da Ordem de Cristo e Comendador da Cardiga. Esta "viragem" para a Ordem de Cristo
e o serviço no Oriente parece ter-se projectado também na política de alianças matrimoniais.
Com efeito, enquanto Álvaro de Mendonça, 2.º Comendador do Torrão nesta família, casou com
D. Beatriz da Silva, filha de Fernão Mascarenhas, Comendador de Aljustrel na Ordem de
Santiago, o seu primogénito, Nuno Furtado, que era cavaleiro da Ordem de Cristo, e irmão de
Henrique Furtado, que também morreu na Ìndia, antes de suceder na comenda da Cardiga, terá
exercido funções na armada de Pedro Álvares Cabral, e veio a casar com uma filha do
"descobridor" do Brasil.
Comendas detidas por este ramo na Ordem de Santiago:

1 – Comenda do Torrão (2 gerações)


E, na Ordem de Cristo:
2 – Comenda da Cardiga (2 gerações)

Abordaremos agora o ramo de outro tio de D. Ana de Mendonça, Diogo de Mendonça, cuja
carreira se inicia ao serviço régio, que a descendência prosseguirá, meslando-a com a qualidade
se dignitários da Ordem de Avis. Este Diogo de Mendonça, tendo recebido em 1476 o senhorio
da vila de Mourão, de juro e herdade, com a respectiva Alcaidaria-mór.Participou na tomada de
Azamor. Por morte de seu irmão Duarte Furtado de Mendonça sucedeu em 1494 no ofício
familiar de Anadel-mór dos besteiros do conto. Mesmo antes da exinção desse ofício (ocorrida
em 1499) encontra-se registado no Livro de Matrícula da Ordem de Santiago em 1496. O seu
filho mais velho, Francisco, casou com uma filha do Governador e Vice-rei do Estado da Índia
D. Francisco de Almeida, ele próprio cavaleiro da Ordem de Santiago, e morreu em vida do pai,
deixando duas filhas, embora não tendo filhos varões nem ele próprio se encontre incluído entre
os acompanhantes de D. Francisco de Almeida, já o seu irmão Tristão de Mendonça,
Comendador de Mourão na Ordem de Avis, militou na índia, onde foi capitão de Ormuz e veio a
morrer em 1530. O secundogénito deste Diogo de Mendonça, Pedro de Mendonça, recebeu, em
1523, 20.000 reis de tença de seu primo o Mestre D. Jorge e na sua descendência prosseguiu a
Alcaidaria-mor de Mourão, embora o seu filho 2.º Tristão de Mendonça, tenha sido Comendador
de Mourão, na Ordem de Avis, na qual sucedeu o filho mais velho deste último Pedro de
Mendonça.
Este Tristão de Mendonça o Larim, parece configurar um dos raros casos de Comendadores da
Ordem de Avis a fazer uma carreira militar e administrativa na Índia .
O filho 3.º de Diogo de Mendonça, Pedro, foi Freire Cavaleiro da Ordem de Cristo, o mesmo
sucedendo com o filho 4.º, Cristóvão de Mendonça.
Neste ramo, constamos além da tença concedida a Pedro de Mendonça pelo Mestre D. Jorge, e
da existência de 2 Freires Cavaleiros da Ordem de Cristo :
Comenda da Ordem de Avis:
1 – Comenda de Mourão (2 gerações).
Restará analisar a descendência de João de Mendonça, o Cação, último tio de D. Ana de
Mendonça de que nos ocuparemos. O filho 2.º deste João de Mendonça, Alcaide-mór de Chaves
e cavaleiro de África, chamou-se Simão de Mendonça, foi fidalgo da Casa de D. Jorge,
recebendo uma tença, que foi aumentada em 1519, cavaleiro da Ordem de Avis e Comendador
de Sta. Maria de Portalegre, e teve um filho, Luís de Mendonça que, a seu pedido, recebeu o
hábito de Avis em 1541.Por seu turno a filha mais velha de João de Mendonça, D. Violante,
casou com Aires de Sousa, o qual, tendo sucedido a seu pai Lopo de Sousa a Comenda da
alcáçova de Santarém, que transmitiu a seu filho Francisco de Sousa, o Vilão, deteve iguamente
Alpedriz e Alcanede na Ordem de Avis.
Além a pertença de dois membros deste ramo à Casa do Mestre D. Jorge, um dos quais com uma
tença, que foi acrescentada, este ramo deteve asseguintes comendas na Ordem de Avis:

1 – Sta Maria de Portalegre


2 – Alcáçova de Santarém (3 gerações)
3 – Alpedriz
4 – Alcanede..

Resumindo, e apenas no tocante à titularidade de Comendas, os 78 descendentes do 2.ª (na sua


família) Anadél-mor dos besteiros do conto Afonso Furtado de Mendonça que inventariamos,
detiveram, durante o Mestrado de D. Jorge, 23 comendas assim repartidas, com um insuspeitado
equilíbrio entre as milícias:

7.5. Comendas detidas pelos Furtado de Mendonça.

Quadro nº249
As Comendas e os Furtado de mendonça

ORDEM DE AVIS ORDEM DE SANTIAGO ORDEM DE CRISTO


1 Alcáçova de Santarém (2 ger. 1 Alvalade (2 ger.) Cardiga
2 Alcanede 2 Casével (2 ger.)
3 Alpedriz 3 Colos (3 ger.)
4 Cano (2.ger) 4 Alcoutim
5 Moura 5 Entradas e Padrões (3 ger.)
6 Mourão 6 S. Clemente de Loulé (2 ger.)
7 S. Maria de Portalegre (2 ger.) 7 Sines (3 ger.)
8 S. Maria de Beja (2 ger.) 8 Represas (2 ger.)
9 Olivença, e tb pensões de Olivença 9 Tavira (2 ger.)
10 Serpa (2 ger.) 10 Torrão
11 Veiros (3 ger.) 11 Vila N. Mil Fontes (2 ger.)

Verificando-se a existência no IAN/TT de um conjunto de diplomas que, eventualmente,


prmitiriam enquandrar e confrontar os escassos dados quantiativos a que tínhamos vindo a
chegar, transformando assim meras ordens de grandeza em números que, ao menos em termos
aproximativos, parecem evidenciar uma parte das tendências e equilíbrios que, desde início,
pareciam desenhar-se, julgamos possível tentar obter uma, embora aproximativa, representação
quantificada do "peso dos Furtado de Mendonça na ordem militar de Avis, para já avaliado em
termos de detenção de Comendas e respectivo volume comparativo de rendimentos.
Esta tentativa será efectuada com recurso à "Cópia do Documento n.º 9 da Gaveta 4.ª, Maço 1.
Rellação das Comendas da Ordem de Avis, quem as possuía c o que rendiam Feita em 1534, São
três documentos"..
Os Documentos reunidos no nº 9 em apreço, que viremos a analizar com mais rigorosa minúcia
noutra parte deste trabalho, apresentam entre as várias listagens, ou versões sucessivas de uma
mesma listagem, uma coerência interna dos dados, que aponta para a fiabilidade dos mesmos, e a
sua validade para o segmento temporal, apenas ligeiramente mais recuado, em que se
concentram as fontes sobre as quais iremos trabalhar.:

Redigido (no todo ou em parte) em 1534, um ano antes das Cortes de Évora, estamos perante
fontes respeitantes a um período que se pode considerar representativo do Mestrado de D. Jorge,
e num ano em que ainda se encontra viva a "genearca" D. Ana de Mendonça, logo em face de
uma amostra bastante satisfatória em termos quantitativos e qualitativos, e além do mais, embora
algo mais tardias, fontes coincidentes com um período de "maturidade" do governo de D. Jorge,
que nessa época já tinha procedido à distibuição de cargos, dignidades, terras, prebendas,
jurisdições e rendas que o Mestre foi repartindo com os filhos. Verificando-se claramente que
neste período do governo de D. Jorge, correspondente à terceira década de Quinhentos,
Comendas tais como, por exemplo: Alcanede, Veiros, Alvalade saíram aparentemente do âmbito
da linhagem.
Quadro nº250
Comendas, Comendadores e respectivos rendimentos 1534

Renda
Comenda Nome
(reais)
Comenda de Coruche, Alcaidaria 500.000
D. Luís, filho do Mestre 1 1
de Avis 20.000
80.000 2
Comenda de Mora Joam de Paiva, figura também como com.de Ouriz __
50.000 3
Comenda de Seda Na mão do Mestre, consertado para a dar a D. Luís 300.000 2 4
Com das Galveias Cristóvão de Gouveia 100.000 1 5
Pedro de Gouveia 80.000
André de Sousa Tavares 30.000
Comenda do Cano 1 6
Um f.º d Ántonio de Mendoça 60.000
80.000
Comenda da Figueira Álvaro Pires 40.000, ou __ 7
80.000
Comenda Mor d’Estremoz Dom Luis, filho do Mestre 600.000 3 8
Comenda de Cabeça de Vide e Diogo de Miranda 500.000, 9
1
Alter Pedroso Cristóvão de Miranda 900.000 11
Comenda de S.ta Marª de
Simão de Mendonça 80.000 2 12
Portalegre
Comenda de Olivença Simão de Mça, fº de Antonio de Mendonça 300.000 3 13
Francisco de Miranda Henriques 400.000
Comenda d’Elvas 2 14
Henrique Henriques (de Miranda) 200.000
Vasco Fernandes Homem 200.000
Comenda da Freiria d´´Evora __ 15
Um f.º de Vasco Fernandes, q. foi vedor da duquesa 250.000
__
Comenda da Juromenha O almirante; D. Lopo de Azevedo 500.000 16

Comenda de Moura e Serpa e Luís de Mendonça que, com Fernão de Mendonça, 700.000
4/5/6 19
Olivença surgem como Serpa e Olivença 800.000
Comenda de S.ta Maria de Beja, Um f.º de Jorge Furtado 200.000
7 20
Rio Maior Afonso Furtado 600.000
450.000 ou
Comenda de Albufeira Dom João de Meneses 21
500.000
Comenda de Noudar com o hábito
O Duque de Aveiro 800.000 __ 22
de S. Tiago
Um f.º de Pedro de Mendonça, Tristão de 80.000
Comenda de Mourão 8 23
Mendonça 150.000
Com. Alcáçova de Santarém Aires de Sousa, genro de J. Mendonça 800.000 9 24
160.000
Comenda de Pernes Um f.º de Rui Gil Magro __ 25
400.000
Comenda de Alpedriz Um f.º de Aires de Sousa, (talvez Pêro de Sousa?) 80.000 10 26
200.000, ou
Comenda do Casal D. João de Almeida __ 27
300.000
Martim Afonso de Miranda 300.000
Comenda do Seixo 3 28
Diogo de Miranda 60.000
Um f.º de Jorge Melo Pereira, Martim Afonso de
Comenda da Meimoa 100.000 __ 29
Melo
Comenda de Penela Pedro de Gouveia 80.000 2 30
Pedro de Gouveia 80.000
Comenda de Aveiro 3 31
Nuno Homem 40.000
250.000 __
Comenda S. Vicente da Beira D. Francisco da Costa 32

80.000 __
Com. de S. Tiago da Várzea Duarte Dias 33

Comenda do Seixo Martim Afonso de Miranda 120.000 4 34


300.000 __
Comenda de Sousel Francisco Machado 35

__

Com de Moura e pensões de


Luís de Mendonça 1000.000 12 36
Olivença
Comendas de Serpa e Olivença Fernão de Mendonça 800.000 13/14 -
Comenda de Montargil António Vaz 120.000 36
André Sousa Tavares 30.000
Comenda do Cano 15 -
Filho de António de Mendonça 60.000
Com Alcáçova Elvas Franc. Miranda Henriques 400.000 5 38
Com Espirital e Granja Rodrigo de Miranda 20.000 6 39
__

Comenda de Borba Manuel de Mendonça 150.000 16 40


100.000 __
Comenda da Meimoa Martim. A. de Mello 41

150.000 __
Comenda de Penela Simão Velho 42

Mourão Tristão de Mendonça 150.000 15 43


10.000 __
Comenda do Seixo Amarelo Lisuarte de Brito 44

__

Encontramo-nos em 1534 perante uma amostra muito representativa das Comendas da Ordem de
Avis que, estamos em crer, pouco ultrapassariam as 44 que acabamos de inventariar, muito
embora as fontes que estamos a utilizar refiram "…afora estas Comendas há muitas herdades,
foros e terras que ao presente não sei bem dar razão dellas por haver annos que ando fora
disto" . E, julgamos que a confirmar a natureza aproximativa deste "apanhado", bastará lembrar
que, por exemplo, a Comenda de Fronteira, que não figura nesta lista, é referida como integrando
a Mesa Mestral na visitação iniciada em 10 de Outubro de 1538 e orçamenta um rendimento
anual estimado em 700.000 reais, 7 moios de cevada e 12 arrobas de cera em salvo pêra o
Mestre.Fica assim referido o valor aproximativo da fonte utilizada e, consequentemente, o rigor
das ilacções que dela podem ser retiradas.A mesma conclusão de que esta fonte apresenta
fiabilidade suficiente para ser levada em conta parece retirar-se da comparação com as
informações fornecidas por MENDONÇA, que estudou uma visitação efectuada ás terras da
Ordem de Avis em 1580 Esta autora, entre outros dados, aos quais seremos obrigados a regressar
a quando da tentativa de reconstituição do património desta milícia, refere que, decorridas 5/6
décadas sobre as visitações de que nos ocupamos, a Ordem militar de Avis contava 45
localidades, distribuídas por três categorias: 9 Comendas, 17 lugares com jurisdição temporal e
igrejas, e, finalmente, 19 lugares sem jurisdição temporal mas com igrejas.
Os autores do inventário em apreço estimaram que o conjunto da Comendas e Alcaidarias valiam
8.260.000 (oito milhões e duzentos e sessenta mil ) reais, valor que entendemos aproximativo
tendo em conta que este elenco foi elaborado a partir de vários apontamentos, não integralmente
coincidentes, e que nem sempre coicidem com as rendas que constam nas visitações por nós
trabalhadas provavelmente elaborados com anos de intervalo.Pelas nossas contas, que podem
não ter levado em conta outros dados considerados pelos compiladores das listas mas que nelas
não surgem evidentes, o rendimento global das Alcaidarias e Comendas aproximar-se-ia,
somando as parcelas constantes das listas dos 13.750.000 (treze milhões, setecentos e cinquenta
mil reais).
Esta aparente "discrepância" leva-nos a concluir que o valor apontado pelos "contabilistas" da
Ordem de Avis como correspondente á receita global de Comendas e Alcaidarias se apresenta
deduzindo já a parcela correspondente aos "encaixes" directos dos filhos do Mestre D. Jorge,
uma vez que subtraindo aos 13.750.000 reais por nós estimados como receita, os 5.300.000 reais
percebidos pelos filhos do Mestre D. Jorge, obteremos uma verba de 8.450.000 reais,
francamente próximo da "receita livre" adiantada pelos "contabilistas" de Avis.
Será necessário recordar que, ao longo do processo sucessório que decorreu ao longo do período
plasmado nesta lista alegadamente correspondente a 1534 os herdeiros da linhagem dos
Mendonça receberam combinações variáveis de "quinhões/rendimentos
(veja-se, por exemplo: as combinações de Moura, pensões de Olivença, Moura Serpa e Olivença)
o que dificulta o cálculo dos respectivos rendimentos, se referidos a um segmento temporal
preciso, como seria o ano de 1534. Um tanto arbitrariamente iremos tentar isolar o rendimendo
de cada comenda, separando – o dos conjuntos em que surge integrado.
Tendo presente tudo o que deixámos atrás, e embora tendo como pressuposto que o cálculo do
rendimento global das Alcaidarias e Comendas da Ordem de Avis efectuado pelos compiladores
das listas em análise possa conter, ou omitir, dados que ignoramos, apresentaremos como
postulado um cômputo global destas receitas próximo dos 13.750.000 reais
Deste quantitativo global de rendimentos cerca de 29% (4000.0000 reais) pertenciam
directamente a D. Luís de Lencastre, Comendador-mor de Avis, que detinha as Comendas de
Estremoz, Coruche, Alcanede, Veiros, Alandroal, Seda, Fronteira e as Alcaidarias de Avis e
Benavente. A estes 4.000.000 de reais seria necessário acrescentar os 800.000 reais
correspondentes à Comenda de Noudar que o primogénito do Mestre receberia, de acordo com as
mesmas fontes, com o hábito de Santiago.E não esquecer os 500.000 reais auferidos pelo Prior-
mor de Avis D. Jorge de Lencastre, o que nos levaria a concluir que, do montante global dos
rendimentos em apreço, os filhos do Mestre D. Jorge receberiam directamente dos rendimentos
das Comendas e Alcaidarias cerca de 5.300.000 reais, ou seja: 38,5%% do rendimento global.
Por seu turno, Os rendimentos somados das Comendas detidas pelos Furtado de Mendonça
ascendiam a cerca de 3.140.000 reais, perfazendo 22,8% desse mesmo rendimento. E, pelas
mesmas contas, a percentagem que caberia ao Lencastre e aos Mendonça (família materna do
Mestre D. Jorge) das receitas e Alcaidarias e Comendas da Ordem de Avis ascenderia a cerca de
61,3%, sobrando apenas para todos os restantes Comendadores 38,7% das receitas em apreço.
Mesmo tende presente o carácter eventualmente menos rigoroso dos quantitativos que
apontamos não parece arriscado admitir que nos encontramos – passe a liberdade de expressão –
em face de uma institituição no seio da qual este tipo de rendimentos era distribuída de acordo
com uma leonina óptica familiar dentro da qual avultavam os filhos do Mestre, imediatamente
seguidos pelos primos Mendonça. e, a alguma distância, pelos Miranda que, com 2.180.000 reais
de proventos advenientes das Comendas, perfaziam cerca de 15,8% da receita. Ou, tentando
sintetizar, apenas as três linhagens dos Lencastre, Furtado de Mendonça e Miranda
"arrecadavam" qualquer coisa como 77% da totalidade das receitas das Comendas e Alcaidarias
da Ordem de Avis no período imediato ao Capítulo Geral de 1532.
Se na primeira recolha, efectuada com recurso aos elementos recolhidos e ordenados por
PIMENTA na sua minuciosa análise sobre a componente humana das Ordens de Avis e Santiago,
nas informações complementares carreados por DUTRA, e em informações avulsas contidas
noutros estudos, e nos genealogistas considerados geralmente fiáveis (todas essas fontes serão
registadas no esquema genealógico que encerra esta parte), tínhamos proposto que os
descendentes da linha de Jorge Furtado Mendonça, irmão secundogénito de D. Ana de
Mendonça, e dos seu tios João e Duarte de Mendonça, tivesssem detido, embora utilizando um
mecanismo de "sucessão" no seio da mesma linhagem apenas onze comendas na Ordem de Avis.
Ora o quantitativo das Comendas que lhes são atribuídas nas supracitadas listas de que nos
ocupamos ulteriormente, parece confirmar que, em termos gerais, esse penoso levantamento teria
permitido chegar a conclusões que validavam o carácter representativo que lhes havíamos
atribuído.
Com efeito, de um total de 44/45 Comendas existentes em 1534 nessa mesma Ordem de Avis,
cerca de quinze delas sucederam-se na posse de membros da família materna do Mestre D. Jorge.
Ou seja, depois de nos havermos detido numa análise ad valorem, seremos obrigados a constatar
que, em termos estritamente percentuais, os Mendonça detinham 33,3% das comendas da Ordem
de Avis.
Importará desde logo recordar as dimensões reais do universo dentro do qual nos estamos a
mover, sublinhando que as fontes utilizáveis são relativamente abundantes e fiáveis. PIMENTA
reportando-se ao período compreendido entre os últimos cinco anos do século XVI e o final do
governo do Mestre D. Jorge recenseou 2933 indíviduos directamente ligados ás ordens de Avis e
Santiago, tanto leigos como clérigos, e abrangendo um leque que, partindo dos mais altos
dignitários das duas milícias toca praticamente todos os escalões dos respectivos aparelhos
administrativos.
No entantanto, dos quase três milhares de nomes que constituíram uma das parcelas da
componente humana das duas milícias ao logo de mais de meio século (outras componentes
serão abordadas quando nos debruçarmos sobre a propriedade fundiária) apenas um pouco
menos de 15% correspondiam efectivamente a membros e "funcionários" da Ordem de Avis (dos
quais cerca de 29% eram clérigos), cifra cujo total não lograva alcançar o meio milhar de
indíviduos.
Deliberadamente não nos atrevemos a efectuar uma proposta quantitativamente mais rigorosa
porquanto, durante um período grosso modo compreendido entre 1495 e o Capítulo Geral de 5 de
Agosto de 1503, deparamo-nos com um percentual elevado de dignitários ligados à Coroa que,
ao menos transitoriamente, foram nomeados para escalões médios e elevados do aparelho
administrativo da Ordem de Avis, sem que fique claro se já detinham, ou vieram a deter, vínculo
efectivo à milícia.
Nessas cerca de cinco centenas de membros da Ordem de Avis escasseiam os indivíduos
claramente pertencentes à "nobreza de corte" tal como esta se encontra inventariada no já
referido Livro de Linhagens do século XVI . Com efeito, exceptuando os Furtado de Mendonça
de que nos ocupamos (e respectivas parentelas), apenas conseguimos detectar, com uma
implantação ligeiramente mais representativa do que aquela que caracteriza a presença
esporádica de um ou outro fidalgo mais destacado, outra linhagem inegavelmente relevante neste
contexto: a dos Miranda.
Embora não seja este o local adequado para tentar aprofundar a caracterização da componente
humana desta milícia, importará admitir desde já que, mesmo à escala do reino, a Ordem de Avis
constituía apenas uma "instituição" marcadamente regional que, exceptuando os exemplos mais
significativos das comendas de Aveiro, Oriz e S. Vicente da Beira, tinha a evidente maioria dos
seus bens e influência localizados a Sul de uma linha meridiana que passasse por Santarém, e na
esmagadora maioria das vezes em que as fontes mencionam a naturalidade ou residência dos
seus membros, os refere como tendo nascido, ou vivendo, a Sul do rio Tejo.Não será fácil de
comprovar de modo sistemático e sustentado, mas fica-nos a sensação de que estamos perante
uma "organização" quase "familiar", recrutando localmente uma fatia substancial dos seus
membros, e permanecendo como que alheia aos apelos da "expansão ultramarina" e
relativamente "estanque" a pressões efectuadas pelo poder régio no sentido de injectar no seu
seio "corpos estranhos". Situação que talvez não ficasse tanto a dever-se a uma especial
"benevolência"dos monarcas como ao magro interesse representado pelas comendas e o tipo de
prebendas que a ordem poderia oferecer ao monarca para recompensa de serviços. E, por outro
lado, cujo "modesto recato" se adequava perfeitamente para "acomodar", quase diríamos
discretamente, linhas não primogénitas dos Lencastre e dos Furtado de Mendonça.

§1
Os pais de D. Ana de Mendonça
III - Nuno Furtado de Mendonça, avô materno de D. Jorge, filho primogénito de Afonso Furtado
de Mendonça e de sua primeira mulher Constança Nogueira. (no n.º II, supra).
Terá nascido cerca de 1437, em 1462 consta dum rol de cavaleiros-fidalgos da Casa de D.
Afonso V, recebendo 2200 reis de moradiaA 25 de Janeiro de 1463, teria então 25 anos, é
referido como fidalgo da casa d’el rei (D.Afonso V) quando obtém carta de privilégio para João
Galgo, besteiro e morador em Estremoz . Mantinha-se como cavaleiro-fidalgo em 1469 Mas já
anteriormente tinha sido nomeado Aposentador mor de D. Afonso V, documentando-se neste
cargo desde, pelo menos, 1466 .Em 1474 encontra-se referido como fazendo já parte do conselho
régio Volta a documentar-se nesse mesmo cargo de Aposentador-mor, em 5 de Abril de 1475
quando D. Afonso V lhe concede licença para arrendar, por quatro anos, quaisquer rendas e
direitos . Nesse mesmo ano, e possivelmente depois de ter efectuado os arrendamentos a que
fora autorizado para reunir os fundos necessários, precedeu ou acompanhou o monarca na sua
expedição a Castela e lá morreu, antes da chegada das tropas comandadas pelo futuro D. João II
a Toro, em Janeiro de 1476 .
Em 16 de Setembro de 1473, quando a sua mulher, Leonor da Silva, obteve de D. Afonso V para
o seu amo Mendo Afonso carta de vassalo e de aposentadoria, vem referido como " Nuno
Furtado, do conselho do rei e Aposentador mor". Casou, em 1464 ou 1465 , com Leonor da
Silva, já viúva de Martim Correia . Esta senhora é, quase invariavelmente, referida nos livros de
linhagens posteriores – e mesmo nas já referidas Anedotas Portuguesas – como filha de Fernão
Martins do Carvalhal, Alcaide-mor de Tavira, acentuando-se o seu próximo parentesco com o
condestável D. Nuno Álvares Pereira. Parentesco esse sempre muito requestado na sua
simbologia, e abundamente "servido" pelos genealogistas dos séculos XVI, XVII e XVIII, que
utililizaram convenientemente a existência de numerosíssimos – e nem sempre
convenientemente estudados – irmãos e irmãs do Condestável.
Mas não é exactamente esse o conteúdo do Livro de Linhagens, quase contemporâneo, nobiliário
das famílias da Corte portuguesa, que embora referindo como pai de Leonor da Silva"um"
Fernão Martins do Carvalhal, omite a sua alegada qualidade de Alcaide-mor de Tavira e o nome
da mulher. Omissões que, pelo menos é esse o nosso entendimento, não se teriam verificado se a
personagem em apreço fosse o bem cohecido Alcaide-mor de Tavira, primo dos Duques de
Bragança. Curiosamente existiu uma voz dissonante que, aparentemente, veio confirmar as
nossas suspeitas, trata-se de Damião de Goes, cronista que conhecia bem os rumores da corte e
terá redigido o seu manuscrito de Linhagens (BNL, reservados) menos de cinquenta anos depois
das ocorrências descritas, dá-a como filha - não do supracitado Alcaide-mor de Tavira - mas de
um outro Fernão do Carvalhal, (que se não documenta como Fernão Martins do Carvalhal) da
ilha da Madeira, e da mulher deste, Violante Teixeira, esta filha do segundo capitão do Donatário
do Machico, Tristão Vaz Teixeira (o famoso e escandaloso Tristão Vaz, das Donas). De qualquer
modo no documento da Chancelaria pelo qual D. Afonso V doa à viúva de Nuno Furtado de
Mendonça, em 18 de Agosto de 1476, as tenças anuais que estavam assentes no almoxarifado de
Santarém, (como nas restantes fontes primárias que a referem) Leonor da Silva não se encontra
mencionada com o dona que talvez lhe pertencesse como tratamento se fosse efectivamente filha
daquele Alcaide-mor de Tavira.
Referimos esta dissonância porque, não obstante os netos do capitão Afonso Furtado terem já
alcançado uma posição sólida na corte antes do reinado de D. João II, as origens desta linhagem
permanecem pouco claras, e vieram a ser objecto de uma eficaz mistificação .No tocante aos
"retoques introduzidos na ascendência materna de D. Ana de Mendonça, estes foram efectuados
ainda no século XV ou, o mais tardar, no início do século XVI, como se depreende do conteúdo
do Livro de Linhagens, e do próprio LL de Damião de Góis, inserindo-se por isso na tentativa de
"reabilitação" da figura de D. Ana a que temos aludido.Da mesma fonte se depreende que,
embora "aperfeiçoada" a partir do século XVII, a tentativa de entroncar os antepassados da mãe
de D. Jorge nos Hurtado de Mendoza castelhanos, de régia ascendência, poderá datar do mesmo
período, o que não seria de estranhar.
Leonor da Silva deve ter morrido pouco depois, quase seguramente antes de 1477, ano em que
são doadas ao filho primogénito do seu 2.º casamento, (na altura com cerca de dez anos, e como
os seus cinco irmãos órfão de pai e mãe) as supracitadas tenças.

Filhos do casamento do Aposentador-mor Nuno Furtado de Mendonça, com Leonor da Silva

1.IV – Jorge Furtado de Mendonça, irmão primogénito de D. Ana, e tio de D. Jorge (ORDEM de
SANTIAGO) Em 1484 é mencionado, apenas como Jorge Furtado, moço-fidalgo da Casa de D.
João II, vencendo 1000 reis de moradia. O LL de Linhagens do século XVI refere-o como
Camareiro-mor de seu sobrinho D. Jorge e Comendador de Sines, Entradas e Represas na Ordem
de Santiago, terá nascido cerca de 1465. Em 23 de Janeiro de 1477 foi contemplado com uma
tença de 20.000 reais de prata (a tença de seu pai era do mesmo montante). Fidalgo da Casa de
seu sobrinho o senhor D. Jorge, duque de Coimbra e mestre das Ordens de Avis e Santiago.
Registado no Livro de Matrícula da Ordem de Santiago em 1 de Abril de 1496 . Como cavaleiro
da Ordem de Santiago recebe em 12 de Abril de 1496 uma tença com o hábito da Ordem . Em 28
de Outubro de 1498 recebe nova mercê . Em 23 de Junho de 1496 tinha sido nomeado
camareiro-mor do mestre D. Jorge .
Ainda no século XV, e durante os primeiros anos do seguinte, é encarregado pelo mestre seu
sobrinho de missões e tarefas de vária índole no âmbito da Ordem de Santiago. Por exemplo: em
2 de Outubro de 1498 é incumbido de investigar as irregularidades que terão sido detectadas ao
nível do exercício das funções dos tabeliães .
Em 8 de Outubro de 1500 recebe as rendas de um forno em Setúbal e, cinco dias mais tarde, nova
tença . Ao nível do cerimonial da Ordem teve um papel de destaque sendo requisitado para armar
cavaleiros muitos candidatos, tal como se verifica, designadamente, no período compreendido entre
Agosto de 1503 e Março de 1508 .
Pertenceu aos Treze e, nessa qualidade, esteve presente no Capítulo Geral da Ordem de 25 de
Outubro de 1508, integrando o grupo de membros da mesma que passou procuração a D. Jorge .
Comendador das Entradas e Padrões é referido por ocasião da visita de 18 de Janeiro de 1511 .
Igualmente comendador das Represas uma vez que, em 1521, renuncia a essa última comenda
em seu filho Jorge Furtado de Mendonça, embora a mantenha em vida . Com efeito, volta a ser
referido na visitação de 1526 , e em 13 de Outubro de 1533
Encontra-se presente no Capítulo Geral da Ordem em 14 de Outubro de 1532 .
Também se documenta como comendador de Sines. Em 25 de Março de 1525 tinha garantido a
passagem desta comenda para o seu filho Lopo Furtado de Mendonça
.O que o não impede de permanecer como comendador "nominal", como sucede na visitação de
21 de Novembro de 1533 Em 15 de Junho de 1534, contando ele cerca de 77 anos, o seu filho
Nuno Furtado de Mendonça recebe a carta de hábito da Ordem de Avis, que para ele havia
solicitado ao mestre D. Jorge .
Jorge Furtado de Mendonça casou três vezes, a primeira com D. Isabel da Cunha, dama da rainha
D. Leonor, filha mais nova do 2.º João Rodrigues de Sá, Camareiro-mor de D. Afonso V, senhor
de Sever e 2.º Alcaide-mor do Porto de juro e herdade (16de Junho de 1449) e de sua 3.ª mulher,
D. Joana de Albuquerque . Casou pela 2.ª vez com D. Maria de Sousa, referida por Damião de
Góis como filha de Nuno de Sousa, e de sua mulher D. Mécia de Albuquerque . Casou ainda,
pela terceira vez com D. Guiomar da Silva, filha mais nova de João Freire de Andrade, 4.º senhor
de Bobadela, Lagares da Beira e Ferreira (4 de Dezembro de 1472) e de sua mulher D. Maria da
Silva .
Filhas do 1.º casamento do Camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça:
Filha primogénita:

1.V – D. Ana de Mendonça, prima direita do Mestre D. Jorge, mulher deFrancisco Correia,
senhor de Belas filho natural de Cristóvão Correia,fidalgo da Casa Real, Comendador e Alcaide-
mor de Colos, e maistarde, de Alvalade na Ordem de Santiago e como tal referido desde 13de
Março de 1516 , e Vedor da Casa da rainha D. Maria.Ainda como comendador de Colos, mas já
referido como pertencente aos Treze, foi um dos que outorgou procuração ao mestre D. Jorge
nocapítulo geral de 14 de Outubro de 1532 . A partir de 1517 surgecomo comendador de
Alvalade, até, pelo menos, Outubro de 1533 .Receberá também a comenda de Vila Nova de Mil
Fontes e está referido na visitação de 7 de Abril de 1544 .Antes de Agosto de 1548 (data em que
seu filho Manuel Correia asrecebe do mestre D. Jorge) tinha renunciado já no filho as comendas
de Colos e Vila Nova de Mil Fontes, na Ordem de Santiago, deixandotodavia a salvaguarda
cautelar de que manterá vitaliciamente aadministração e rendas das mesmas.
Tiveram Filho:

1.VI – Manuel Correia, primo do Mestre D. Jorge, recebeu cartade hábito da Ordem de Santiago,
sendo menor, em 12 de Junho de 1548, professou e, nesse mesmo ano de1548 "sucedeu nas
Comendas de Colos e Vila Nova de Mil Fontes na Ordem de Santiago, bem como a Alcaidaria-
mor da 1.ª vila, como ficou acima.

Filha secundogénita do 1.º casamento do Camareiro-mor Jorge Furtadode Mendonça

2.V – D. Brites da Cunha, prima direita do Mestre D. Jorge, foi mulher de D. Francisco de
Noronha, o sardinha, filho de D. Luís de Noronha, Comendador de Sines, na Ordem de Santiago
que sucedeu ao sogro como camareiro-mor do mestre D. Jorge . Recebeu carta de hábito da
Ordem de Santiago a 21 de Outubro de 1510 . Encontra-se registado no Livro de Matrícula da
Ordem a 26 do mesmomês e ano . Foi nomeado comendador de Casével em 1 de Julho de 1531 ,
referido nas visitações efectuadas a esta comenda em 11 de Dezembro de 1533 até 20 de
Fevereiro de 1544 , mas embora figure como comendador nesta última data, sabemos que tinha
já garantido a sucessão da mesma para seu filho, D. João de Noronha, TiveramFilho:

1.VI – D. João de Noronha, primo do Mestre D.Jorge, comendador de Casével na Ordem de


Santiago, como se documenta num diploma de 15 de Abril de 1540 .

Filha terceira do 1.º casamento do Camareiro-mor Jorge Furtado deMendonça

3. V- D. Helena, freire na Anunciada.

Filha quarta do 1.º casamento do Camareiro-mor Jorge Furtado deMendonça

4. V- D Leonor, freira no convento das Chagas, Vila Viçosa.

Filhos do 2.º casamento de Jorge Furtado de Mendonça.

Filho primogénito do Camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça,nascido do seu 2.º casamento.

5.V – António Furtado de Mendonça, primogénito do ramo primogénito desta família, primo
direito do Mestre D. Jorge, foi fidalgo da Casa do Mestre D. Jorge , cavaleiro da Ordem de
Santiago, autorizado a professar em 9 de Novembro de 1526 , uma vez que já tinha o habito da
Ordem desde a menoridade . Registado no Livro de Matrícula da Ordem em 16 de Outubro de
1526 . Recebe do pai a comenda de da Represa em 12 de Agosto de1521, embora aquele
conserve a fruição das rendas Comendador das Entradas e Padrões, encontrava-se ausente por
ocasião das visitações de21 de Novembro de 1533 o mesmo diploma menciona que
AntónioFurtado de Mendonça detinha a respectiva administração desde 12 de Junho de 1516.Na
visitação da comenda das Entradas efectuada em 3 de Março de 1544 voltou a não comparecer .
Casou com D. Margaridade Noronha ,filha de Alonso Perez Pantoja cavaleiro da Ordem de
Santiago em 6 de Junho de 1503 , Comendador de Santiago do Cacém, em que sucedeu a seu pai
pelo menos desde 1508, altura em que é mencionado cmo fazendo parte dos Treze Sucedeu
também na Comenda de Tavira . E foi um dos dignitários da Ordem de Santiago que outorgou
procuração ao Mestre D.Jorge em 14 de Outubro de 1532 . Por sentença de 14 de Agosto de
1537, viu posta em causa a sua autoridade na Comenda de Santiago do Cacém, onde era
simultaneamente Alcaide- mor desde 1533 , mas continuou a administrar essa comenda, como se
verifica em 15 de Abril de 1544, e em 25 de Março de 1545 de sua mulher D. Brites de Noronha,
de quem teve, primogénito, entre outros: Filho primogénito de António Furtado de Mendonça e
de D. Margarida de Noronha:

VI -Jorge Furtado de Mendonça, primogénito do ramo primogénito, primo de D. Jorge .Em 24 de


Abril de 1545 seu pai renunciou nele as comendas de Entradas e Represa, esteve presente nos
Capítulos Gerais de 1550 e 1564 Recebeu o hábito da Ordem de Santiago, em 10 de Abril 1548,
com autorização para professar. Casou com Mécia Henriques, dama da rainha D. Catarina de
Áustria, filha de Pedro de Sousa, Sr. de Beringel, e de sua mulher D. Violante Henriques, tiveram
Filhos:

1.VII – António Furtado, primogénito do ramo primogénito, morreu soltª, s.g.

2.VII – Afonso Furtado de Mendonça, Reitor da Universidade de Coimbra, do Conselho de


Estado em Madrid. Presidente da Mesa da Consciência, bispo da Guarda, e depois de Coimbra
(Janeiro de 1616), Arcebispo Primaz de Braga (Janeiro de 1619) Em 1626 Arcebispo de Lisboa,
foi um dosGovernadores do reino, morreu em 2 de Junho de1630.

3.VII – Pêro Furtado, cavaleiro da Ordem de S. João doHospital, dita de Malta .


4.VII – D. Margarida de Mendonça, mulher de Martim de Castro do Rio, senhor de Barbacena.,
c.g.

5. VII – D. Ana, freira na Conceição de Beja

2.VI – Afonso Furtado de Mendonça, que ALÃO refere como filho secundogénito de António
Furtado de Mendonça e irmão do antecende Jorge, acima, no n.º 1.VI. Foi Deão de Lisboa

Filho ilegítimo de António Furtado de Mendonça, comendador da Represa, Entradas e padrões,


acima no n.º 5.V.

3.VI – Simão de Mendonça, primo direito do Mestre D. Jorge, de cuja Casa era fidalgo,
Comendador de Santa Maria de Portalegre na Ordem de Avis, recebeu acrescentamento de tença
em 4 de Junho de 1519Referido nas listas de 1534, como Comendador de Olivença, na Ordem de
Avis Casou na Índia, e tevFilhos não mencionados no LL, nem por MORAES:
1.VI – Luís de Mendonça, primo do Mestre D. Jorge, recebeu carta de hábito da Ordem de Avis,
sendo menor, em Novembro de 1541. Referido nas listas de 1534
2.VI – Bernardim de Mendonça, primo do Mestre D. Jorge, recebeu carta de hábito da Ordem de
Avis em 31 de Julho de 1526

Filho secundogénito do Camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça, nascido do 2.º casamento.

6.V – Afonso Furtado, , primo direito do Mestre, filho segundo de Jorge Furtado de Mendonça e
de sua 2.ª mulher D. Maria de Sousa, acima, no n.º 1.IV. Atenta a cronologia poderá tratar-se do
secundogénito do 2.º casamento de Jorge Furtado de Mendonça que PIMENTA, refere um como
fidalgo da Casa do mestre D. Jorge, cavaleiro da Ordem de Santiago, que em 1529 recebeu, com
o hábito, uma tença de 30.000 reais que, uma década mais tarde, em 19 de Novembro de 1539,
seria elevada para 100.000 reais. Tal como DUTRA menciona este mesmo Afonso Furtado de
Mendonça, fidalgo da Casa de D. Jorge, matriculado na Ordem de Santiago em 7 de Outubro de
1532, tansferido para a Ordem de Avis em 1542, como a seguir referiremos. Mencionado como
Comendador de Santa Maria de Beja em 1534.
Em 3 de Fevereiro de 1542 é-lhe concedida a mudança para o hábito de Avis, como havia
solicitado. Casou com D. Joana de Sousa, filha de André Pereira, e tiveram geração, dentre a
qual destacamos os filhos André Furtado de Mendonça, Governador do Estado da Índia e João
Furtado de Mendonça, Governador do Algarve e de Angola, que foi Comendador de S. Romão
da Fonte Coberta, na Ordem de CristoDeste último ficou pelo Menos um filho, Francisco
Furtado de Mendonça, que foi comendador de Borba e de Fronteira, na Ordem de Avis, mas
encontrando-se em Castela, em 1640, por lá ficou Quinta filha do Camareiro-mor Jorge Furtado
de Mendonça, nascida do 2.º casamento, não referida no Livro de Linhagens

7.V – D. Margarida de Sousa, prima direita do Mestre D. Jorge, filha do 2.ºcasamento de Jorge
Furtado de Mendonça com D. Maria de Sousa, acimano nº 1.IV, foi mulher de seu cunhado Pero
Pantoja, fidalgo da Casa de D. Jorge, (ver acima, n.º 5.V), filho de Alonso Peres Pantoja,
cavaleiro da Ordem de Santiago, matriculado em 8 de Janeiro de 1533 , que recebeu carta de
hábito em16 de Janeiro de 1533 , e sobrinho de Galim Perez Pantoja, cavaleiro da Ordem de
Santiago em 24 de Julho de 1503, que DUTRArefere como comendador de Loulé e presente no
Capítulo Geral de 1532, bem como o Capítulo de 1564
Em 15 de Janeiro de 1534 este Pedro Pantoja é referido como comendador de Tavira. Mas uma
década depois, em 18 de Março de 1544, da respectiva visitação consta que nessa data era
comendador da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Martim Longo de Alcoutim, bem
como comendador da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Tavira
Foi igualmente alcaide-mor de Santiago de Cacém, e como tal vem referido na visitação de 15 de
Abril de 1544 .
Em 11 de Julho de 1548 solicitou ao mestre D. Jorge carta de hábito de menor para o seu filho
Alonso Peres Pantoja no qual renunciou a comenda de Tavira na Ordem de Santiago em 15 de
Agosto seguinte .
De acordo com PIMENTA deve ter morrido pouco depois de Março de 1545 uma vez que em
Setembro desse ano a Ordem tomou posse da Alcaidaria-mor de Cacém, invocando o
falecimento de Pero Pantoja, o que contradiz DUTRA, que o dá como morto na batalha de
Alcácer Quibir, confundindo-o com o seu neto primogénito
Tiveram, filho:

1.VI – Alonso Peres Pantoja, primo do Mestre D. Jorge, sucedeu na comenda de Tavira na
Ordem de Santiago, como se refere em Janeiro de 1534
Filhos do 3.º casamento do Camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça:

Filho terciogénito do Camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça, nascido do 3.º casamento

8 V – Lopo Furtado de Mendonça, primo direito do Mestre D. Jorge, foi cavaleiro da Ordem de
Santiago e terá sucedido a seu pai na Comenda de Sines, como vimos acima.Recebeu carta para
professar em 16 de Novembro de 1535 . Encontra -se registado no Livro de Matrícula da Ordem
a 1 de Outubrode 1536 . Surge referido como comendador de Sines , dignidade que mantinha
ainda, juntamente com a alcaidaria-mor, em 10 de Abril de1544, Por um diploma de 24 de
Novembro de 1548 documenta-se como responsável pela igreja de S. Clemente de Loulé. Casou
com D.Isabel de Lucena, filha do Dr. João Rodrigues de Lucena, cavaleiro daOrdem de Santiago,
em cujo Livro de Matrícula se encontra registado a20 de Maio de 1529 que recebeu tença das
rendas do Forno dos Banhos, em Setúbal, em 6 de Junho de 1528 e de sua mulher Maria Tavares,
s.g. Casou 2.ª vez com D. Luísa da Silva, filha de Jorge Barreto, comendador de Castro Verde, na
Ordem de Santiago, como tal referido em 29 de Junho de 1530, diginidade que mantinha em 3 de
Dezembro de 1533, mencionado por ocasião dos Capítulos Gerais de 14 de Outubro de 1532,
1550 e 1564 e de sua mulher D. Joana da Silva, esta última filha de Fernão de Albuquerque,
comendador de Vila Verde, na Ordem de Santiago.Tiveram, entre outros, Filhos:

1.VI – Jorge Furtado de Mendonça, primo do Mestre D. Jorge, filho primogénito de Lopo
Furtado de Mendonça e de suamulher D. Luísa da Silva. De acordo com MORAESterá sucedido
a seu pai na Comenda de Loulé (ou da Igreja de S. Clemente de Loulé) na Ordem de Santiago.
Casou com D. Maria Teles, filha de D. Miguel Pereira, o Chita. C.g.

2.VI – Nuno Furtado, primo do Mestre D. Jorge, filho segundo deLopo Furtado de Mendonça,
De acordo com MORAES, terá morrido na Índia, s.g

Filho quarto do Camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça, nascido do 3.º casamento

9.V – João Freire, primo direito do Mestre D. Jorge, recebeu carta de hábito da Ordem de
Santiago em 1 de Agosto de 1526. Encontra-se registado no Livro de Matrícula da Ordem de
Santiago em 2 de Setembro de 1526 . No mesmo dia recebeu uma tença de 5.000 reais morreu na
Índia, sendo solteiro

Filhos de Jorge Furtado de Mendonça que não constam do LL e não se encontram mencionados
por Alão de Moraes:

10.V – Jorge Furtado de Mendonça, primo direito do Mestre D. Jorge, em quem seu pai, como
vimos acima,renunciou em 1521 as comendas de Entradas e Padrões na Ordem de Santiago

11.V – Nuno Furtado, primo direito do Mestre para quem, como vimos acima, seu pai obteve em
15 de Junho de 1534 o Hábito da Ordem de Santiago , ainda na menoridade. Viria a ser investido
do mesmo porcarta de 6 de Outubro de 1542 . Recebeu uma tença de 30.000 reais confirmada
por diploma de 20 de Dezembro de 1548 . Encontra-se registado no Livro de Matricula da
Ordem de Santiago, como cavaleiro, em 28 de Novembro de 1544 Esteve presente no Capítulo
Geral daOrdem efectuado em 1550. De acordo com DUTRA ter-se-à transferidopara a Ordem de
Cristo em 1566
§ 1.2
Filho segundo do Aposentador-mor Nuno Furtado de Mendonça

2.IV – António de Mendonça, tio materno de D. Jorge, (ORDEM DE AVIS) (filho segundo de
Nuno Furtado de Mendonça e de sua mulher Leonor da Silva, (acima no n.º III, do 1.º §), nasceu
depois de 1465, provavelmente em 1466 ou 1467, de acordo com a data de casamento dos pais, e
a sua condição de filho segundo, atento o intervalo inter genésico.
Segundo tio materno do mestre D. Jorge, enquanto o primeiro (Jorge Furtado de Mendonça,
acima no n.º 1.IV) se moveu no âmbito da Casa Senhorial do sobrinho e também no da Ordem de
Santiago, este António de Mendonça foi preferencialmente dirigido para a Ordem de Avis.
Fidalgo da Casa de D. Jorge, foi nomeado estribeiro-mor por carta de 18 de Dezembro se 1495 ,
cerca de um ano depois receberia, com o hábito, uma tença de 30.000 reais, em 4 de Dezembro
de 1496 .
Ainda no século XV, em 15 de Fevereiro de 1499, aparecerá documentado como comendador de
Santa Maria de Beja na Ordem de Avis . Por ocasião do Capítulo Geral da Ordem de Avis, em 5
de Agosto de 1503, conta-se entre os membros da Ordem que passaram procuração ao mestre D.
Jorge .
Opina Cristina Pimenta que poderá tratar-se do António de Mendonça que o mestre terá enviado
como avaliador da comenda de Noudar em 6 de Março de 1509. Pelo conhecemos desta
linhagem (e encontrando-se identificados os outros Mendonças portugueses deste período – os
Mendonça Arrais, de comprovada ascendência castelhana) não se consegue referenciar outro
António de Mendonça, ligado ás Ordens que, neste intervalo de tempo, pudesse ter sido nomeado
avaliador da comenda de Noudar , com excepção de outro António de Mendonça (Frei) que em
17 de Março de 1513, e também a 16 de Abril de 1514, se encontra referenciadom mas como
Freire e cavaleiro da Ordem de Cristo.
Comendador do Cano, a visitação de 10 de Fevereiro de 1519 – à qual esteve ausente –
Parece evidenciar um comendador absentista e pouco empenhado na gestão corrente daquela vila
alentejana , actuando por sucessivas delegações de poderes, à margem da intervenção directa, ou
simples consulta, do mestre D. Jorge. São reflexo desta situação as severas Determinações
Gerais dos respectivos visitadores. È certo que, continuando António de Mendonça como
comendador, na visitação de 4 de Outubro de 1538, a que ele voltou a não comparecer, se
notaram alguns progressos e um esforço no cumprimento das supracitadas Determinações . Não
obstante, o rendimento da comenda havia caído dos 30.000 reais apontados em 1519 para
20.000, registados em 1538.
Foi igualmente comendador de Veiros , e de Moura (desde, pelo menos, 1509).
Em 25 de Fevereiro de 1525 recebeu, em conjunto com seu filho Jorge de Mendonça, o
pagamento das respectivas moradias no valor de 14.429 reais .
No Capítulo Geral da Ordem de Avis, em Fevereiro de 1538, sabendo-se que nesse ano era
também comendador do Cano, vem referido apenas como comendador de Moura, Veiros e
Serpa . É mencionado como senhor da quinta da Marateca (Ribatejo) . Deve tratar-se do António
de Mendonça cujos poemas constam do Cancioneiro geral, de Garcia de Resende.
Casou com D. Isabel de Castro filha de D. Diogo de Meneses, Chaveiro da Ordem de Cristo e de
sua mulher D. Cecília de Meneses, como a documentámos, embora tanto Alão de MORAES,
como GAYO o dêem como casado com D. Isabel de Noronha, filha de D. Fernando de Almada e
de sua mulher D. Constança de Noronha.No entanto, como veremos abaixo, SILVA documenta
os pais de Frei Luís de Mendonça, e acrescenta que este casal – António de Mendonça e D.
Isabel de Castro - residia na freguesia de S. Gião, em Setúbal.Os dois supracitados genealogistas
teriam assim convertido a mãe de Frei Luís de Mendonça em sua mulher.
Filho primogénito do Estribeiro-mor António de Mendonça e de sua mulher D. Isabel de Castro:

1.V – Frei Luís de Mendonça, primo direito do Mestre e fidalgo da Casa Real, Freire cavaleiro
da Ordem de Cristo, como tal referido Em 19 de Setembro de 1512 Não obstante ter iniciado a
sua carreira na Ordem de Cristo, caso não se trate de um homónimo, risco sempre presente neste
tipo de investigação, passamos a encontrá-lo como dignitário da Ordem de Avis, cerca de duas
décadas mais tarde. Sucedeu ao pai na quinta da Marateca, foi fidalgo da Casa Real, Terá sido o
comendador de Moura e das pensões de Olivença na Ordem de Avis ,tal como aparece referido
num diploma de 1534 Em 30 de Outubro de 1549, na presença de seu irmão Fernão de
Mendonça, outrossim FCR, e morador em Lisboa solicitou ao mestre D. Jorge carta de hábito da
Ordem de Avis para Álvaro, Fernão e António de Mendonça, seus filhos. Deve ter sucedido ao
pai na comenda de Veiros, pelo menos até D. Luís de Lencastre ter iniciado a sua administração,
como é referido em 1534 . De acordo com GAYO teria casado com D. Isabel de Castro, filha de
D. Diogo de Meneses, Chaveiro da Ordem de Cristo e de sua mulher D. Cecília de Meneses, o
que talvez possa ficar a dever-se a confusão com sua mãe, como deixámos atrás. O LL do século
XVI refere "tem a Comenda de Veiros", confirmando a hipótese supra, formulada por PIMENTA
na biografia de seu pai, que mencionamos acima.Referido nas listas de 1534 como Comendador
de Moura, Serpa e Olivença, na Ordem de Avis
Tiveram, entre outros:

1.VI – António de Mendonça, primo do Mestre D. Jorge, que ALÃO refere como tendo
sidoComendador de Veiros na Ordem de Avis . Casou com D. Ana de Castro, filha de Fernão
Teles, o de Santarém, sr. de Unhão e de sua mulher D. Maria de Castro.Nasceu em 1536, teve o
hábito da Ordem de Avis, sendo menor em 6 de Novembro de 1549.
Tiveram, entre outros, Filha:

1.VII – D. Isabel de Mendonça, herdeira da casa de seu pai por morte do irmão primogénito,
casou com o Doutor D. António Mascarenhas, O Cujo, autor da genealogia citada por Alão de
Moraes em que atribui à mãe do Mestre D. Jorge um filho e duas filhas nascidos de uma relação
com o 6.ºPrior do Crato

2.VI – Fernão de Mendonça, nascido em 1534, recebeu carta de hábito da Ordem de Avis sendo
menor, em 2 de Novembro de 1549 , tendo a cerimónia do lançamento ocorrido a 6 de Novembro
desse ano Mencionado como comendador de Alcaria Ruiva, na Ordem de Santiago, o que
nãoDocumentámos.Sobreviveu a um naufrágio da carreira da Índia. Casou com D. Maria de
Noronha, filha de António LoboAlcaide-mor de Monsaraz e de sua mulher D. Ângela de
Noronha. C. g.

3.VI – Álvaro de Mendonça, nascido em 1542, recebeu carta de hábito da Ordem de Avis sendo
menor, em 2 de Novembro de 1549 , tendo a cerimónia do lançamento ocorrido a 6 de Novembro
desse ano. S.m.n.

Filho 2.º do estribeiro-mor António de Mendonça

2.V – Fernão de Mendonça, comendador de Serpa e Olivença, na Ordem de Avis, como consta
de um diploma de 1534 .Casou com D. Branca d’Eça, filha de Diogo de Miranda, comendador
de Cabeço de Vide e deAlter Pedroso, na Ordem de Avis, desde, pelo menos, 1527 a 1538 e de
sua mulher D. Branca d’Eça. C.g.
Terceiro filho do estribeiro-mor António de Mendonça

3.V – João de Mendonça, partiu para a Índia em 1547, tendo comandado as praças de Chaul e
Malaca, foi Governador da Índia, por sucessão, em 1564Morreu em 1578, combatendo na
batalha de Alcácer Quibir. Casou com D. Joana de Aragão, filha de Nuno Rodrigues Barreto,
Alcaide-mor de Faro, e de sua mulher D. Leonor de Aragão. Foi progenitor, entre outros, do
1.ºconde de Vale de Reis, o qual detinha várias Comendas na Ordem de Cristo.

Quarto filho do estribeiro-mor António de Mendonça

4.V – Jorge de Mendonça, não se encontra referido pelos genealogistas, mas foi seguramente
fidalgo da casa de D. Jorge, uma vez que, como vimos acima, recebeu com o seu pai em 28 de
Fevereiro de 1525, uma parecela dos 14.429 reais de moradia Este António de Mendonça,
estribeiro-mor do Mestre D. Jorge, teve ainda 2 filhos legítimos, Manuel e Diogo, que
combateram na Índia, morrendo solteiros, um bastardo, Nuno Furtado, que foi capitão de Chaúl,
e filhas que não referimos por termos encontrado ligações directas ás Ordens Militares.

Única filha casada do Aposentador-mor Nuno Furtado de Mendonça

3.IV – D. Isabel de Mendonça, irmã de D. Ana, casou com D. Pedro de Castelo Branco, o
Carroz, irmão do 1.º conde de Vila Nova de Portimão e filho de D. Gonçalo de Castelo Branco,
Alcaide-mór de Moura. Julgamos estar em presença de uma aliança matrimonial desenvolvida à
margem da "estratégia de colonização da ordens militares", e numa perspectiva de reforço das
ligações ao círculo régio. Estamos perante uma linhagem (os Castelo Branco) que apresenta
algumas semelhanças com a dos Furtado de Mendonça.Tendo emergido por ocasião da crise de
1383-85 encontrava-se em clara trajectória ascencional durante o reinado de D. Afonso V, a
despeito do episódio protagonizado por Lopo Vaz de Castelo Branco, o Torrão, que em 1478 se
levantou com a sua vila de Moura pelo rei de Castela, intitulando-se conde da mesma, razão pela
qual o mandou matar o príncipe D. João. O sogro de D. Isabel foy escriuão da Poridade e
almotace moor del rey Dom Afonso o quinto e depois veador da Fazenda do dito rey e depois por
derradeyro fou governador prymeyro da Casa do Ciuel e se chamou Dom Gonçalo. Foy senhor
de Uilla Nova de Portimão Esta família, que detinha já o cargo de Almirante do reino, além de
ter acedido neste período ao seu primeiro título nobiliárquico, permaneceu solidamente ancorada
no alto funcionalismo régio, justificando claramente o interesse da aliança.

4.IV – Referiremos uma outra irmã de D. Ana de Mendonça, de seu nome D. Joana, que tendo
também professado no mosteiro de Santos, veio a receber em 27 deFevereiro de 1529 uma tença
do Mestre seu sobrinho.

§2

Ramo da Ordem de Santigo, e Ordem de Cristo.

2.III – Duarte Furtado de Mendonça, tio-avô de D. Jorge, (c.1438-1494). Muito embora fosse o
filho secundogénito de Afonso Furtado de Mendonça e sua 1.ª mulherConstança Nogueira,
representa um tronco (autónomono respeitante ao Mestre D. Jorge) dos Furtado de Mendonça,
dignitários da Ordem de Santiago, possivelmente desde o começo da década de Setenta. Não
restam dúvidas de que era um homem no qual D.João II depositava confiança uma vez que,
como já referimos,em 5 de Setembro de 1483, o mesmo monarca lhe concedeu poderes par
entregar, no âmbito das "terçarias de Moura," o jovem D. Manuel (irmão de D. Diogo, Duque de
Viseu, futuro rei) aos enviados castelhanos.Na sua biografia importará esclarecer que, como
refere o Livro de Linhagens do Século XVI, foi comendador do Torrão na Ordem de Santiago, e
não na de Cristo. Como se fez menção, nasceu cerca de 1438 e veio a morrer em 1495,de acordo
com a inscrição da sua lousa sepulcral no convento do Espinheiro Suscitou-nos dúvidas a
inclusão da Comenda do Torrão na Ordem de Cristo, como o fez FREIRE, uma vez que é mais
conhecida a Comenda do Torrão (c.de Santiago do Cacém), na Ordem de Santiago. Sem
esclarecimentos adicionais poderíamos admitir que a "Comenda do Torrão na Ordem de Cristo",
fosse a Comenda do Torrão e Alfarofe, em Elvas, referida por SILVA.Mas não há que duvidar, as
fontes comprovam que FREIRE se equivocou ao atribuir a este Duarte Furtado uma Comenda do
Torrão na Ordemde Cristo. Com efeito, da visitação efectuada à comenda do Torrão, da Ordem
de Santiago, em 7 de Novembro de 1510 consta, entre outras referências, " Item huum paleo de
damasco roxo (…) que deu Duarte Furtado comemdador que foy desta villa".Ou ainda recordar
que em 1 de Abril de1482, reinando D. João II, se iniciava uma visitação à vila de
Mértola,Comenda-mor da Ordem de Santiago, efectuada por Gil Vaz da Cunha e Duarte Furtado
de Mendonça, fidalgos e Comendadores daOrdem (de Santiago), que haviam escolhido para
escrivão Álvaro Gil de Frielas Escudeiro de D. Diogo, Duque de Viseu, notário apostólico e
notário publico por Nomeação régia .Temos assim que, anteriormente à rebelião do Duque Viseu,
este Duarte Furtado de Mendonça era já Comendador da Ordem de Santiago, quase seguramente
Comendador do Torrão. E já ocuparia essa dignidade pelo menos há uma década pois, em 16 de
Agosto de 1472, na carta em que D. Afonso V lhe fez mercê dos bens móveis e de raiz que
haviam pertencido a João Valim, vem referido como Duarte Furtado, Comendador do Torrão.Em
7 de Abril de 1475 obteve carta de privilégio pela qual foi autorizado a arrendar por três anos a
sua comenda e, meses volvidos, em 19 de Setembro do mesmo ano, encontra-se mencionado
com anadel-mor dos besteiros do conto, cargo em que sucedeu a seu pai (e não Nuno, o
primogénito) e que exercerá até à data da morte, transmitindo-o ao seu filho mais velho.
Enquanto o filho mais velho deste Comendador do Torrão continuou ligado à Ordem de
Santiago, a linha ecundogénita ingressou Ordem de Cristo , seguramente num período em que o
seu sobrinho D. Jorge era já Mestre de Santiago, Ordem a que Duarte Furtado pertencia há mais
de três décadas. Fica claro que não foi implicado na conjura do Duque de Viseu porque em 7 de
Abril de 1486 recebeu de D. João II o senhorio da vila de Vilalva em 2 vidas, e nesse diploma
vem referido como anadel-mor dos besteiros, Comendador do Torrão e conselheiro régio. Casou
com D.Genebra de Melo, filha do 2.º casamento de Vasco Martins de Melo, conselheiro régio e
Alcaide-mor de Castelo de Vide e de Évora e de sua 2.ª mulher, D. Isabel de Abreu, ou D. Isabel
da Silveira., filha de Nuno Martins da Silveira. Este casal encontra-se tumulado na capela de Sta
Catarina do convento de Nossa Senhora do Espinheiro, em Évora.
Tiveram, entre outros, Filhos:

1.IV – O filho primogénito deste casal, Álvaro de Mendonça, permaneceu ligado à Ordem de
Santiago, como cavaleiro, encontrando-se registado no Livro de Matrícula da Ordem a 17 de
Fevereiro de 1494 (ano da morte do pai), sucedendo na Comenda do Torrão, como se menciona
num diploma do começo do séc. XVI dignidade que, como refere PIMENTA, terá ocupado até
cerca de 10 de Março de 1517, data em que a mesma passou para seu primo D. João de Lencastre
. Álvaro de Mendonça casou com D. Beatris da Silva, filha de Fernando Mascarenhas,
Comendador de Aljustrel na Ordem de Santiago, residiram em Tavira e tiveram, entre outros,
Filho:

1.V – Pedro de Mendonça, cavaleiro-fidalgo da Casa de D. Manuel I com 1000 reis de moradia,
referindo-se no Livro de Matrícula transcrito por António Caetano de SOUSA que "serviu em
Ceuta" e era filho de "Álvaro de Mendonça de Tavira"Tiveram ainda Duarte Furtado de
Mendonça e D. Genebra de Melo, o filho secundogénito que segue:

2.IV – Frei Afonso Furtado de Mendonça, o qual, em 9 de Junho de 1504pagou 60.000 reais
respeitantes aos ¾ dos 80.000 reais que valia a sua Comenda da Cardiga, na Ordem de Cristo,
cumprindo com o que determinavam as definições daquela Ordem .Documentado em 6 de
Setembro do mesmo ano, na qualidade de Freire cavaleiro, Comendador da Cardiga e fidalgo da
Casa Real.Casou com D. Violante de Sousa, filha de Vasco Martins de Sousa Chichorro, capitão
dos Ginetes de D. Afonso V.Tiveram, entre outros.
Filho:

1.V – Frei Nuno Furtado, referido como cavaleiro da Ordem de Cristo em 12 de Agosto de
1512.Casou com D. Constança de Noronha, filha de Pedro Álvares Cabral, "descobridor" da
Terra de Santa Cruz e de sua mulher D. Isabel de Castro. Esta circunstância permite admitir que
este cavaleiro se possa identificar com o Nuno Furtado que, de acordo com BARROS, " ia (na
armada de Cabral) por escrivão da feitoria que havia de se fazer em Sofala" e estabeleceu os
primeiros contactos em Quíloa, tendo também servido de emissário do capitão-mor ao samorim
de Calecut Terá sucedido a seu pai na comenda da Cardiga, de acordo com MORAES Com
geração extinta.

§3

2.º Ramo, Alcaides-mores de Mourão da Ordem de Santiago e Ordem de Cristo, Casa de


Bragança. Deste ramo da família, que beneficiando inicialmente da confiança de D. João II, a
conservou no reinado de D. Manuel I, fizeram parte do conselho régio deste último monarca,
mencionados em 1518, Pedro de Mendonça, Cristóvão de Mendonça e António de Mendonça.

3.III – Diogo de Mendonça, o"Cabaça de Ferro"(c.1450-c.1516) filho de Afonso Furtado de


Mendonça e de sua 2.ª mulher D. Brites de Vilhargut, tio-avô de D. Jorge. Em 1462 era moço-
fidalgo da Casa de D. Afonso V, vencendo 1200 reis de moradia. Ascendeu a cavaleiro-fidalgo da
Casa de D. Afonso V, com 2700 reis de moradia em 1469. Passou depois a integrar a Casa do
Príncipe-herdeiro D. João que, em 1476, lhe fez doação, de juro e herdade, da vila de Mourão e
respectiva Alcaidaria-mor . Sucedeu no cargo de anadel-mor dos besteiros por morte de seu
irmão Duarte Furtado de Mendonça, tendo obtido em 15 de Março de 1494 carta de tença
inerente ao ofício, exerceu-o até 1499, data em que o cargo foi extinto a pedido dos povos em
cortes. Recebeu como indemnização compensatória uma tença vitalícia de 92.000 reis, dos quais
10.000 pela judiaria da vila de Mourão e 82.000 pelo cargoextinto. Encontra-se registado no
Livro de Matrícula da Ordem de Santiago em 2 de Abril de 1493. Em 11 de Setembro de 1505
recebeu uma tença, cujo recebimento declarou 4 dias depoisCasou com Brites Soares, filha
bastarda de Fernão Soares de Albergaria, senhor do Prado (c. de Braga).

Tiveram, entre outros filhos:

1.IV – Francisco de Mendonça, primogénito, casou com D. Leonor de Almeida, filha de D.


Francisco de Almeida, cavaleiro da Ordem de Santiago , governador e vice-rei da Índia, e de sua
mulher D. Joana Pereira. Morreu este Franciso de Mendonça em vida de seu pai deixando
duasfilhas c.g.

2.IV – Pedro de Mendonça, (c.1480-1548), filho 2.º, herdou por morte do pai e do supracitado
irmão primogénito a Alcaidaria-mor de Mourão, confirmada em 14 de Junho de 1516.Dois anos
mais tarde figurava entre os cavaleiros do conselho de D. Manuel I, e tinha assentada uma
moradia de 2600 reis .Viria a receber de D. Jorge, em 10 de Março de 1523, uma tença de 20.000
reais . Participou com seu pai na tomada de Azamor, em 1513, expedição comandada pelo seu
futuro cunhado D. Jaime, IV Duque de Bragança. Casou com D. Teresa de Lima, filha
primogénita de D. Álvaro de Lima, Monteiro-mor de D. Manuel I, e de sua mulher D.Violante
Nogueira. Tiveram, entre outros:

1.V – Tristão de Mendonça, tinha o hábito de Avis desde menor, pelo que recebeu autorização
para professar em 21 de Setembro de 1533.Comendador de Mourão da Ordem de Avis, dignidade
em que é mencionado em 1534.Teve, entre outros Filho:

1.VI – Pedro de Mendonça, moço-fidalgo que frequentava a escola no reinado de D. Manuel I e


recebeu carta de hábito da Ordem de Avis em 16 de Maio de 1548

3. IV – Frei António de Mendonça, o Martelo, referido em em 16 de Abril de 1514 como freire


cavaleiro da Ordem de Cristo, e em 1518 como cavaleiro do conselho de D. Manuel I, com 2600
reis de moradia.Casou 1.ª vez com D. Brites de Abreu, filha de Bartolomeu de Paiva, amo,
Guarda-roupa e Camareiro-mor de D. João III e de sua mulher D. Filipa de Abreu, c.g. Terá
casado 2.ª vez com D. Joana Henriques, filha de António da Silva, Comendador de Alpalhão, da
Ordem de Cristo, e de sua mulher D. Mécia de Távora.

4.IV - Cristóvão de Mendonça, referido em 16 de Abril de 1514, como Freire cavaleiro da Ordem
de Cristo .Mencionado em 1518 como cavaleiro do conselho de D. Manuel I, com 2600 reis de
moradia . Escreveu, de Cochim, a 4 de Janeiro de 1528, uma carta a D. João III, na qual relatava
minuciosamente a sua viagem para a Índia e apresentava várias sugestões ao rei.
Segundo alguns autores, teria descoberto acidentalmente a Austrália depois de haver passado ao
Oriente como capitão de uma nau da esquadra de 1519 comandada por Jorge de Albuquerque,
governador de Malaca, Agindo sob instruções do Governador da Índia, Diogo Lopes de Sequeira,
teria navegado até Sumatra de cujo porto de Pedir iniciaria em 1521 o regresso a Malaca
rumando para Leste, e teria alegadamente tocado a costa Nordeste da Austrália.
Mais recentemente Kennth Mcintityre e TRICKETT, procedeu a um estudo dos Atlas Vallard,
uma colecção de 15 mapas desenhados em França até 1542, concluindo que Cristóvão de
Mendonça teria sido o primeiro navegador europeu a tocar a costa australiana, em 1522,
seguindo pela actual ilha Frazer, Botany Bay, Wilson’s Promontory até Kangoroo island,
regressando a Malaca pela rota de North island na Nova Zelândia.
Cristóvão de Mendonça fez a sua carreira no Oriente, e terminou-a como capitão de Ormuz ,
onde morreu em 1531.
Casou com D. Maria de Vilhena, filha de Sancho de Tovar e de sua mulher D. Guiomar da Silva,
mas não tiveram geração.

5.IV – D. Isabel de Mendonça, mulher de D. João Manuel de Vilhena, senhor de Cheles, em


Castela, c.g. entre a qual se contam os Duques de Alba, de Hijar, de Aliaga e da Terceira

6.IV – D. Joana de Mendonça, dama da rainha D. Maria foi 2.ª mulher de D. Jaime, IV Duque de
Bragança. Casamento efectuado em 1520 com a aprovação de D.Manuel I. Por duas suas filhas
D. Eugénia e D. Joana, ficou descendência em Espanha, nos Marqueses de Elche de Cañete, e
em Portugal, nos Duques de Cadaval e Marqueses de Abrantes, Lavradio e Alegrete.
Filha 3.ª, na ordem dos nascimentos, de Nuno Furtado de Mendonça e de sua mulher Leonor da
Silva, acima no n.º III do 1.º §

3. IV – D. Ana de Mendonça, já anteriormente nos ocupamos desta senhora , recordaremos


apenas que terá nascido cerca de 1468-1469, uma vez que foi a terceira a nascer de um
casamento efectuado em 1465 e teve, por sua vez, o filho D. Jorge em Agosto de 1481. O que, na
prática, aponta para que, à data da nascença do bastardo de D. João II, a sua mãe não contasse
mais de 14 anos incompletos. Teria menos de 10 anos quando ficou órfã. Todo este raciocínio
assenta na premissa de que as fontes não nos induzem em erro ao referi-la como a terceira dos
filhos de Nuno Furtado de Mendonça, e que a data da morte do primeiro marido de sua mãe se
encontra, como tudo parece indicar, correcta.
Se esta cronologia, que propomos, se aproxima da realidade será difícil aceitar a tradição
reproduzida pelo conde de Sabugosa ao referir (em prosa romanesca e ficcional) que o príncipe
D. João teria reparado nela em 1476, em data próxima da batalha de Toro, por muito precoces
que tivessem sido os seus encantos -.
Mas, como já vimos, parece plausível que o Aposentador-mor de D. Afonso V tivesse arrastado
consigo para a aventura castelhana uma filha menor de oito anos, sujeitando-a aquilo que hoje
consideraríamos incómodos e perigos de uma expedição militar, com o intuito de a "colocar"
vantajosamente na Casa da Excelente Senhora.
De acordo com os cronistas, uma vez terminada a incursão castelhana, D. Afonso V
acompanhou D. Joana, "a Excelente Senhora", no regresso a Portugal. Em começos de Junho de
1476 a comitiva passou por Miranda do Douro de onde se dirigiu à Guarda e daí a Coimbra. D.
Afonso V partiu para Tours em Agosto. Na cidade do Mondego, nesse mesmo mês de Agosto, o
príncipe herdeiro D. João veio juntar-se à comitiva, certamente para se despedir do pai e receber
instruções. Acompanharia a "Excelente Senhora" até à vila de Abrantes onde ela despois esteve
muyto tempo.
Conhecemos e já foi referida, a duração dessa estadia de D. Joana em Abrantes, mas sabe-se que
o príncipe Regente D. João partiu para as terras do Guadiana a tempo de evitar que uma incursão
de tropas castelhanas atingisse a cidade de Évora e, atento que a conjuntura política e militar
viria a determinar a sua proclamação como rei em 10 de Novembro de 1477, não parece ter tido
tempo, ou tranquilidade, para se envolver em episódios romanescos que não fossem fortuitos, ou
ocasionais, até 1488.
É certo que existiam já relações conhecidas e estudadas entre D. Afonso V e o seu filho, o futuro
D. João II, e os descendentes de Diogo Fernandes de Almeida, cujo primogénito, D. Lopo de
Almeida, foi criado conde de Abrantes, por carta de 13 de Junho de 1476, precisamente na altura
do regresso da batalha de Toro. Este primeiro conde era já senhor da vila de Abrantes desde 8 de
Novembro de 1471, e terá residido no paço da alcáçova da vila, reconstruído pelo pai e onde se
aposentaram a Excelente Senhora e respectivas damas e o príncipe D. João e a sua comitiva,
como referimos já, ao desenvolver as circunstâncias em que terá ocorrido o nascimento do
senhor D. Jorge, e também algumas questões suscitadas pelas referências feitas a episódios da
biografia desta senhora que nos dispensamos de revisitar. FREIRE opina que D. Ana continuou a
residir em Abrantes até à data da sua entrada no Mosteiro de Santos, que "fixa" nos inícios de
Quinhentos
Além da, já referida, renda anual fixada no testamento de D. João II para manutenção da sua
honra, ou para o seu casamento, D. Ana recebeu de seu filho D. Jorge, a título igualmente
vitalício, por carta de 4 de Julho de 1504 as rendas que este Mestre detinha no reguengo e lugar
de S. Gião. Já qualidade de Comendadeira de Santos encontra-se referida na visitação feita a este
Mosteiro em 9 de Junho de 1513 . A exemplo daquilo que, sobre as referências a D. Ana na
documentação do Mosteiro de Santos, escreveu PIMENTA, adiantaremos que também as não
analisamos, atentas as características deste trabalho que privilegiou a abordagem desta figura em
períodos anteriores da sua existência. Limitar-nos-emos a recordar que ainda era viva em 1549,
uma vez que se encontra presente numa realização caputular do Mosteiro.

8. Considerações Globais

Depois de empreendido este longo percurso, chega o momento para uma reflexão de síntese
através da qual pretendemos dar a conhecer as conclusões que, passo a passo, os elementos
coligidos ao longo desta investigação nos permitiram elaborar.
Assim, com uma divisão concordante com a estrutura que a dissertação integra, iremos
supreender uma ordem que, após uma demorada e, sobretudo, conturbada evolução política, de
militar, apenas conservaria a designação, e certos vestígios simbólicos formais. Depois, importou
conhecer o valor de um médio senhorio fundiário, se comparado com as intituições congéneres e
grandes terratenentes, que vai suprindo por via fiscal, os resultados, inevitavelmente medíocres,
de uma exploração rentista e absentista, praticada por quadros de segunda escolha, cujo universo
de recrutamento foi severamente limitado pelas oportunidades comparativas de "carreira",
proporcionados pela Ordem de Cristo e, mesmo, pela Ordem de Santiago.
Para ressaltar com a devida justiça os princípios norteadores que envolvem estas duas dinâmicas
complementares, organizamos o texto em duas partes distintas: os acercamentos políticos e a
implantação territorial.

8.1. A Ordem de Avis: acercamentos políticos (1175-1550)

Em termos esqueléticos parece-nos possível retirar algumas ilacções dos capítulos que
dedicámos a revisitar a evolução da milícia dos freires de Évora, mais tarde de Avis, desde a sua
fundação até ao período contemplado nas fontes por nós estudadas. Todavia estas propostas, que
tentam sintetizar o modo como revisitamos algumas das questões que julgamos subjacentes à
evolução da milícia no decurso do tempo longo de quatro séculos, dificilmente poderiam ser
formuladas de um modo "descarnado". Daí que tenhamos de as enquadrar, mais frequentemente
do que gostaríamos, num descritivo factual e cronológico.
Preambularmente propomos que a criação dos chamados freires de Évora tenha constituído, não
uma tentativa de implantação de monges cistercienses em território conquistado (como admitia
CUNHA) mas uma resposta militar pensada por D. Afonso Henriques (ou pelos seus
conselheiros) para defender o "enclave" representado por Évora e seu termo adjacente, nessa
época o bastião mais a Sul da chamada reconquista portuguesa. Na conjuntura político-militar
desse derradeiro quartel do século XII, mais precisamente, no Outono de 1173, D. Afonso
Henriques e o conde Nuno de Lara, tutor de Afonso VIII, filho de Sancho III, negociaram uma
trégua de cinco anos com Abu Yaqub Yusuf I, o segundo califa almóada de Marrocos, enquanto
Geraldo Sem Pavor abandonava o campo cristão passando, com as suas tropas, ao serviço do
califa, em Sevilha até 1176, e depois em Marrocos, donde não regressaria.
Parece aceitável depreender-se que existissem fundados receios de que a previsível contra-
ofensiva muçulmana, desenvolvida a partir de Badajoz, tivesse Évora como seu lógico objectivo
imediato. E também considerar que as recém-acordadas tréguas permitissem ao monarca
português um fôlego de reorganização.
Admitimos como postulado que a instalação de uma "base operacional" em Évora configurasse
um caso específico, enquadrado na ameaça do repovoamento muçulmano de Beja e na
instabilidade das áreas sucessivamente ocupadas e perdidas, embora fazendo parte integrante da
estratégia concebida para um teatro de operações particularmente fluído e instável que, nesse
momento, se considerava poder vir a ser de novo objecto de uma ofensiva almóada.
A instalação de uma "testa de ponte" susceptível de guarnecer militarmente o enclave, e de o
converter em base logística e operacional a partir do qual pudesse prosseguir a ofensiva da
reconquista não se compadecia com a actividade esporádica dos presores, e não se adaptava ás
características e limitações da hoste régia, nem tão pouco das mesnadas senhoriais. Tornava-se
indispensável recorrer áquilo que seríamos tentados a equiparar ás actuais "tropas especiais".
Milícias dotadas de forte coesão e motivação, com a estóica rusticidade que lhes permitisse
sobreviver na, e da, terra. Essas milícias existiam na forma das Ordens Militares, testadas em
numerosos teatros operacionais e que, por mecanismos de cissiparidade, se ramificavam por toda
a Península Ibérica sob a égide do Sumo Pontífice.
As milícias já presentes no território do reino tinham missões mais específicas, e os recém-
chegados espatários, não se encontravam ainda em condições de desempenhar essa missão
objectiva. Assim, ao segmentar um ramo de Calatrava o primeiro monarca português importava
um modelo castrense devidamente testado, e doutrinal e normativamente enquadrado, colocando-
o na dimensão supracional da dependência da Santa Sé que, de algum modo, sancionava a
tonalidade específica da reconquista portuguesa no seio do conflito "global" em que se
encontrava empenhada a respublica christiana .
As razias de 1181 por parte de Ibn Wanudim no Entre Tejo e Guadiana, mas com alvo definido,
mas não sucedido, frente a Évora, permitem sublinhar a ideia de a fixação de uma guarnição de
cavaleiros regrantes terá cumprido a sua missão, não obstante a inevitabilidade da devastação dos
territórios adjacentes.
O seu sucesso na defesa e manutenção da cidade de Évora, pode ter aconselhado a que lhes fosse
confiada a reedificação e guarnição militar do castelo de Coruche, uma importante posição na
sua retaguarda, reforçando uma capacidade articulada de defesa do interland. No entanto, esta
seria uma outra missão espinhosa para os freires de Évora confrontados com a desertificação de
um território onde se inseria um castelo em ruínas.
Esta situação, aliás, pode ter determinado que D. Afonso Henriques se visse obrigado a chamar a
si a tarefa do repovoamento, assente na concessão do foral régio de 1182 a Coruche. Aos freires
de Évora, no entanto, incumbiriam somente objectivos de estrita natureza castrense, os mais
consentâneos com a sua natureza, recursos e efectivos, numa missão de âmbito mais vasto.
No entanto, ter-se-á iniciado aqui um segundo período da vida da ordem no qual temos pela
primeira vez indicação clara de que a actuação dos freires de Évora ultrapassou a tarefa de defesa
do território onde se implantou o seu convento, e o termo de Coruche, e que a sua missão se
diversificou, ou teve ensejo de se alargar.
Durante o período em análise parecem detectar-se as primeiras deslocação de efectivos dos
freires de Évora. Em 1179, o mestre D. Gonçalo Viegas foi chamado a reforçar a defesa da
cidade de Lisboa, vítima de incursões marítimas que se repetiriam em anos subsequentes. Esta
deslocação de efectivos, depois das baixas certamente sofridas pela milícia de Évora no decurso
da incursão de 1181, deram azo a que o monarca decidisse reforçar a defesa do seu convento
eborense com tropas sob o comando de Mem Soares Estrema, governador militar de Santarém.
Recebiam, ainda antes de um novo ataque almóada, o castelo de Alcanede, a vila de Alpedriz e o
castelo de Juromenha.
As duas primeiras a NO de Santarém, protegendo o acesso a Leiria, representavam a deslocação
das responsabilidades da milícia para áreas bem a Noroeste do vale do Tejo. A última, situada a S
de Estremoz e SE de Elvas, ficava a cavalo na fronteira, pouco acima do paralelo de Évora, em
cujo perímetro defensivo se integrava.
Nestas doações D. Sancho I outorgava aos freires de Évora os direitos de jurisdição, e estes
naturalmente redundariam em direitos de senhoriais sobre as populações que viviam nessas
localidades, pouco depois confirmados por Inocêncio III.
Teria sido testada neste biénio a utilidade dos freires de Évora como forças de defesa da espinha
serrana Aires/Candieiro (protecção dos itinerários Santarém/Coimbra), e do acesso litoral de
Lisboa a Alcobaça, por Alenquer, na retaguarda dos portos marítimos de S. Martinho do Porto e
Pederneira. Esta missão alarga-se rapidamente por ocasião dos ataques a Silves, antecâmara dos
perigosos anos 90, cuja expressão máxima, para a ordem em estudo, chega no ano de 1195, na
batalha de Alarcos onde morreu, Gonçalo Viegas de Lanhoso, o primeiro Mestre da Ordem dos
freires de Évora, e Rodrigo Sanches a quem D. Sancho I tinha entregue, em 1189, o comando da
recém-conquistada praça de Silves.
Em face do exposto, e efectuado este sumaríssimo resumo da criação e actividade da milícia
julgamos poder concluir que os freires de Évora, a despeito de terem participado em expedições
pontuais, continuavam a ser encarados como um núcleo castrense especialmente vocacionado
para a manutenção e defesa de pontos sensíveis, ou pouco consolidados. Mas deve sublinhar-se
que esta função predominantemente defensiva terá começado neste período a complementar-se
com responsabilidades administrativas e de povoamento, explicitamente plasmadas na outorga de
cartas de foral de iniciativa mestral, caso, por exemplo, de Benavente em 25 de Abril de 1200.
Poucos anos depois, em 1211, importa lembrar a transferência da sede da Ordem para Avis,
embora pareça admissível que essa nova base só se encontrasse operacional cerca de 1220.
Tendo a monarquia portuguesa por objectivo claro o desejo de controlar Badajoz, enquadra-se
nestes propósitos o rumo fracassado de D. Sancho II para Elvas, mas, de alguma forma
ultrapassado pela conquista de Juromenha, em 1230, e a de Serpa e Moura, dois anos mais tarde
quando, obedecendo ás mesmas razões que haviam determinado a deslocação dos freires de
Évora para Avis, os cavaleiros do Hospital iniciaram o povoamento do Crato.
Era inevitável optar por uma complementar política de reordenamento do território desenvolvida,
a par, pelo monarca, e por outras entidades tais como as Ordens Militares. Para este período, e
perente um comprovado imobilismo militar inerente à Ordem de Avis, emerge com enorme
visibilidade o protagonismo da Ordem de Santiago, nomeadamente decorrente dos interesses que
a circulação no rio Sado traziam à coroa e, como é hoje bem conhecido, face à acção de
personalidades como Paio Peres Correia, um homem determinante para a progressão espatária
em direcção ao litoral algarvio.
Conquistado o Algarve a ordem de Avis, iniciava uma reconversão da sua postura anterior
colocando-se na linha da frente da defesa do Nordeste do Além-Tejo, acção que é acompanhada
pela construção e/ou melhoramento e manutenção de algumas praças-fortes. Como é evidente tal
somente seria concretizável através de uma acção que, para além de militar, era necessariamente
senhorial, factor que ajuda a entender os constantes e longos conflitos de jurisdição divididos
com outros poderes, nomeadamente com a diocese de Évora e com o rei.
No primeiro caso, são recorrentes os casos de diferendo sobre a definição dos tributos e a
confirmação dos párocos apresentados pela milícia, chegando-se, mais tarde, a atingir
plataformas mais complicadas que implicavam o lançamento de interditos e visitas, numa
desesperada procura de reconhecimento da supremacia episcopal (ameaçada, também pelo poder
de outras Ordens) que colidia, neste caso concreto com os objectivos da Ordem de Avis. Ora,
independentemente das prerrogativas exclusivas da diocese, como a sujeição das igrejas da
Ordem à terça episcopal, ao pagamento anual da visitação e a consagração dos óleos santos e dos
altares estas eram questões a propósito das quais se levantariam discussões irreconciliáveis que
nem o recurso à arbitragem régia ou papal conseguiriam tornariam mais fáceis de resolver.
No segundo caso, os finais do século XIII anunciavam novas posturas por parte dos monarcas,
então mais conscientes do poderio das ordens em geral e de Avis em particular, circunstância a
que não iria ser alheia a conjuntura de crise que o Ocidente começará a conhecer.
No quadro generalizado de posturas régias centralizadoras ou, pelo menos, tendentes à
centralização régia, inseridas em momentos críticos de relacionamento político peninsular, o
monarca sentia necessidade de apoio por parte de instituições fortemente implantadas em
povoações de fronteira estrategicamente determinantes para garantir a preservação da autonomia
do reino. Para atingir tal desiderato, houve maneiras distintas de actuação no âmbito das Ordens
Militares portuguesas. Assim, no caso concreto da Ordem que nos ocupa, a postura régia
enveredou pelo caminho de uma colagem de posturas entre o rei e o mestre da ordem, situação
que, por vezes foi considerada pouco apropriada no seio das dignidades da ordem, originando
conflitos e divisões internas. Altamente recompensada pela fidelidade expressa ao rei pelos
mestres, Avis acumulou neste período uma séria de novas aquisições patrimoniais (v.g. diversos
padroados, castelos e vilas) que ajudaram certamente a manter uma postura idêntica no tempo de
D. Afonso IV e Pedro I.
As repercurssões destas opções acabaram por se evidenciar, também, ao nível da relação entre
Calatrava e Avis uma vez que a monarquia portuguesa, almejando a uma plena interferência na
própria escolha dos mestre para a Ordem tudo irá fazer para libertar a ordem alentejana da
subserviência normativa a Calatrava. Como é evidente, esta aproximação entre os monarcas e a
Ordem tornar-se-iam muito mais acentuada se a instituição possuisse os meios militares
desejáveis para poder acudir ao chamamaneto do rei.
Este é uma dimensão que não tem merecido um tratamento satisfatório por parte dos
historiadores mais ligados a estas temáticas, por força da irregularidade com que o tema é
aflorado nas fontes. No entanto, e a despeito de todas as dificuldades que já foram elencadas ao
longo desta dissertação, cumpre salientar a importância do contributo dado pelas informações
contidas no tombo elaborado por ocasião da morte do mestre D. martim do Avelar, para se poder
avaliar a importância militar da milícia de Avis.
Conheciam-se alguns indicadores para o século XIV, com 76 possíveis combatentes na Ordem de
Cristo e 61 na de Santiago, os quais poderão possibilitar admitir para Avis números na ordem da
meia centena. Indicadores que podem ter sido incrementados na centúria seguinte por ocasião
das medidas tomadas para a defesa do reino.
No atinente à tipologia das armas defensivas, as fontes da ordem apontam para descrições
próximas das que, no quotidiano, eram exibidas pelos cavaleiros aquantiados. Os contributos
deste códice da Ordem elaborado nos meados de Trezentos, para além da importância inerente
aos pormenores de âmbito militar leva-nos a outro tipo de considerações situadas em torno da
cronologia em que se inscreve. Assim, a sucessão de acontecimentos identificados após a morte
de D. Martim do Avelar, encimada pela indicação do filho de Pedro I, João, futuro rei D. João I,
exigem uma demorada atenção pelas alterações que, daqui em diante, esta ordem irá registar no
se refere ao seu relacionamento com o poder real.
Neste sentido, e tratando-se de esboçar nestas palavras uma apreciação de síntese do que foi já
escrito a este respeito, emergem com redobrada importância os momentos de fissuras políticas
que o reino foi conhecendo desde os anos complicados de 1383-1385 até à incorporação da
Ordem na órbita da casa real já em meados do século XVI. Como sabemos, foram muitos,
diversificados e de alcance distinto e fizeram vir ao de cima as inquietações que, quem sabe,
desde as origens da Ordem, tinham ficado por resolver. Acreditamos que, efectivamente, foi ao
longo de Quatrocentos que se jogaram todas as cartadas necessárias à consolidação destas
instituições, tendência da qual a Ordem de Avis não se afastou. Inclusivamente ao nível das
próprias dinâmicas de reconstrução patrimonial e reposicionamento jurisdicional foi também
neste período que se pressentem as primeiras evidências do que mais tarde, e com risco de
anacronismo, chamamos de gestão controlada.Esta política a que já chamamos "restauracionista"
viria assim a dotar a instituição de uma nova operacionalidade e funcionalidade, colocando bem
alta a fasquia a pagar em termos de dependência em relação à Coroa, sobretudo se pensarmos na
evolução sofrida pelo menos, desde o "programa" definido por D. Dinis, que contemplava ab
initio um objectivo de concentrar em membros da família real o governo das ordens militares.
Sendo assim, passou a poder existir uma especial sintonia e confiança em relação a um Mestre
que, cada vez mais nos surge sintomaticamente como um "criado do monarca" na acepção coeva
da época, uma verdadeira "criatura do rei", que ao longo do seu dilatado governo, criou as
condições para uma paulatina transição da milícia de Avis para uma nova etapa da sua existência
que integra plenamente o cunho de um tempo dos infantes.Por esta razão quando o Mestre D.
Fernão Rodrigues de Sequeira morre a 13 de Agosto de 1433 tal significou tão somente o fim de
uma geração, a continuar, redefinidas que estavam (aliás, por toda a Península), as relações entre
casas reais e as milícias. Deve-se, no entanto, olhar com cuidado para este período crucial para a
Ordem e para o reino uma vez que nele se inscrevem governos de diferentes pessoas que de
simples delegados do poder régio pouco teriam, antes se apresentaram com estratégias próprias e
familiares que no geral eram diversas daquelas que decorreriam de uma clara subordinação a
uma "visão de Estado". Mas foi claramente neste enfrentamente enevoado que a monarquia
portuguesa encontrou um rumo para enfrentar a modernidade.
Neste processo, há, ainda lugar para uma menção ao papel da Santa Sé, uma vez que estas novas
aproximações entre a monarquia e as Ordens militares colocavam o Pontífice perante novos
desafios, também eles, de difícil solução. Daí as altarações na nomenclatura: "Administratori"
em vez de " Magister" e as contrapartidas solicitadas de colaboração das milícias nos diferentes
entendimentos da cruzada tardia, por terras de Outremer circunstância que garantiria que as
ordens não se afastassem dos seus propósitos iniciais.
Nos anos finais do século XV, em cronologias muito próximas da subida ao trono de D. Manuel,
a ordem de Avis conhecerá uma experiência de governo peculiar ao ser dirigida, a par com a
ordem de Santiago, por um filho bastardo de D. João II. Esta fase da vida desta ordem que
antecede a concessão da bula de anexação do mestrado à coroa foi aquela que mais de perto
acompanhámos ao longo deste trabalho uma vez que as fontes em análise se centram
precisamente no período de governo de D. Jorge. Assim sendo, entendemos que nestas
considerações globais, não faria qualquer sentido enveredar por reflexões demoradas sobre esta
época.
O que nos ocorre mencionar a este respeito passa essencialmente pelo reconhecimento da
especificidade desse mestrado regido pela amigável performance com que o monarca foi
presenteando o homem que, na realidade, detinha o governo de uma das mais extensas áreas
territoriais do reino. Demonstrando uma mais atenta supervisão na fase inicial do governo, o
Venturoso não se opôs a que D. Jorge exercesse o governo das ordens sob sua alçada, apoiando-
se firmemente numa perigosa estrutura de apoio prioritariamente alicerçada na sua parentela
materna. Ao fazê-lo, o Mestre estava a preservar intacta uma tendência muito próxima das
clientelas tradicionais das grandes casas senhoriais, ao que acrescia o ónus suplementar de se ver
coagido a "albergar" personagens "impostas" ou "recomendadas" pelo monarca.
Apresentada esta reflexão de síntese sobre alguns dos fios condutores sobre os quais se foi
tecendo a trama da vida da instituição, cumpre passar para uma nova dimensão, ou seja,
desenvolver alguns considerandos sobre o núcleo duro deste trabalho fazendo sobressair algumas
conclusões que, porventura, constituirão a novidade desta dissertação. Assim, à luz das
informações coligidas nos três livros de visitações estudados, e dos elementos e informações
adicionais que foi possível reunir, parece-nos possível não apenas reforçar teses anteriores, como
propor algumas novas hipóteses e indícios que investigações posteriores, nossas, ou de outros
investigadores, virão eventualmente confirmar, desenvolver, ampliar, corrigir ou derrogar.

8.2. A Ordem de Avis e a sua implantação territorial: um ponto de chegada.

Admitindo que permanece actual a "taxonomia" porposta por BRAUDEL, de um modo


necessariamente simplista, a história pode situar-se em três patamares diferentes. Na epiderme,
uma história factual inscreve-se no tempo curto. Intermediariamente, situar-se-ia uma história
conjuntural seguindo um ritmo mais amplo e mais lento, apreendida no plano da vida material,
dos ciclos e interciclos económicos, mas embebida nos quadros de mentalidades, nos conflitos
sociais, e nas respostas imediatas dadas pela organização de estruturas político-administrativas.
Como observa o mesmo historiador " para lá deste "recitativo" da conjuntura, a história
estrutural, ou de longa duração, põe em causa séculos inteiros; está no limite do movente do
imóvel, e pelos seus valores fixos durante muito tempo, faz figura de invariante face a outras
histórias mais mais rápidas a decorrerem e a cumprirem-se, e que, em suma, gravitam em torno
dela".
O capítulo que vamos encetar prende-se com a questão da sociologia da história que, na sua sua
vertente factual, se debruçaria sobre o registo dos mecanismos (expressão já arcaica e
desajustada) que registam o quotidiano da história em vias de se fazer. Essa tentativa de
compreensão do factual corre o risco de se converter numa história abusiva, na qual os
acontecimentos estão ligados uns aos outros numa dinâmica de causa-efeito, e os grandes
interventores e decisores erigidos em motores dos eventos.
E nesse risco teremos incorrido até aqui, com a permanente noção do subjectivo e do arbitrário
que lhe são inerentes, mas conscientes de que a "apressada revisitação da via-sacra" de algumas
estações-questões da problemática das Ordem Militar de São Bento de Avis, mais não constitui
que uma errática peregrinação introdutória.
Ao penetrar numa zona de confronto da história tradicional com a microsociologia e a
sociometria possíveis, estamos a tentar articular duas metodologias que exigiriam fontes mais
alargadas e uma mais rigorosa interdisciplinariedade. Mas, como igualmente observava
BRAUDEL " O fait divers (talvez mesmo o acontecimento, o sociodrama) é repetição,
regularidade, multitude, e nada diz, de maneira absoluta, que o seu nível não seja fértil, ou que
não tenha valor, ou que (apesar de constituído por uma sucessão de lacunas cimentadas por
dados intercalares) não seja científico "
Uma sociologia esboçada do tempo conjuntural assentava nos fluxos e refluxos da vida material
num dado contexto. A primeira fase das fontes em apreço parece reflectir um impulso,
(modernização das ordens militares, Capítulos Gerais, conjuntura sócio-económica
aparentemente favorável) ao longo do qual se irão manter, ou não, os jogos sociais e as
estruturas.Com o refluxo da conjuntura (período tércio-joanino), a vida material e as instituições
nela embebidas reestruturam-se, procuram novos equilíbrios que, em última análise, visam a
própria sobrevivência.
Confessamos a dificuldade experimentada em extrair da massa de factos repetitivos, das
quantificações aproximativas e parcelares que as fontes permitem, das alusões a comportamentos
e percepções de um quadro de mentalidades que nos é extranho, hipóteses de linhas de
orientação que nos auxiliem a tentar compreender esta conjuntura institucional da Ordem de
Avis, limitada a uma parcela da sua realidade durante o tempo curto que constitui afinal o nosso
campo de observação. Comecemos pois por aflorar o onde, e o quando.
Este primeiro ciclo de visitações iria iniciar-se e desenvolver-se numa zona fronteira à praça
castelhana de Badajoz que se inscrevia na grande bacia hidrográfica do Guadiana, a qual
funcionava como um elemento natural articulador do espaço envolvente. Era uma área de
planícies e peneplanícies cerealíferas que acompanhavam o curso médio do rio, alongando-se à
medida que este abandonava o seu percurso Norte/Sul e curvava pelas férteis terras baixas que se
estendiam de Elvas até Mérida, já em território castelhano.
A região em apreço era setentrionalmente limitada pela bacia do Tejo, cujos afluentes da margem
esquerda irrigavam um espaço que, a despeito de uma crónica baixa densidade populacional,
sempre tinha assumido um papel económico determinante que advinha da exploração de uma das
variedades do bosque mediterrânico, o do sobreiro.
O "encaixe morfológico" da sub-região de que nos ocupamos obriga à referência a uma terceira
bacia hidrográfica, a do Sado, que marcava uma clara divisória entre as planícies cerealíferas do
interior e uma linha costeira que, exceptuando o estuário do Sado, "âncora" dos espatários, se
apresentava escassa em portos movimentados e núcleos urbanos relevantes.
Entre estas três bacias hidrográficas increve-se, de acordo com FERNADES um triâgulo
irregular com os vértices em Montemor-o-Novo ou em Coruche, em Beja e em Elvas.
Exceptuando os vales fluviais, a maioria do território inscrito neste triângulo situa-se em cotas
compreendidas entre os duzentos e os quinhentos metros, apresentando um terreno caracterizado
por uma ondulação de colinas que a erosão suavizou.
São terras de início arenosas a Nordeste, depois de xisto, as melhores de barro, cercadas por uma
moldura irregular de relevos vellhos onde se entalham duas únicas aberturas em direcção à costa:
o curso do próprio Guadiana em direcção ao Sul, e, transversalmente, as planícies aluviais dos
baixos vales do Tejo, porta de acesso ocidental a Santarém e Lisboa. Ressalta, claramente
definida, a posição-chave das praças da Ordem de Avis inscritas neste triângulo, a começar pela
Alcáçova de Elvas, Alandroal e Juromenha, com as quais se iniciou este primeiro ciclo de
visitações. Outra questão, e pertinente, seria a de proceder à avaliação da adequação, eficácia e
estado de conservação das respectivas fortificações, e dos efectivos, armamento, e estado de
prontidão das suas "guarnições" e moradores mobilizáveis, uma vez que a implantação
geograficamente estratégica seria insuficiente para definir a importância militar efectiva dessas
posições. Mas essa questão terá que ser abordada casuisticamente e de acordo com as escassas
informações concretas contidas nas fontes em estudo.
Por outro lado este primeiro período de visitações ocorre dentro de um ciclo de moderado
crescimento demográfico e urbano que coincide com uma estagnação, ou até diminuição, das
áreas dedicadas às culturas cerealíferas situação de que decorreria o crescimento do volume das
importações e a respectiva regulamentação, como o demonstra, em 1502, a isenção de dízima
para todo o cereal importado por Lisboa ou Setúbal, que vigoraria durante todo o reinado de D.
Manuel I. Em boa parte situadas em zonas de relativa vocação cerealífera as terras da Ordem de
Avis poderiam ter beneficiado do aumento da procura. Com efeito, a consciência dessa situação
parece ir-se refletindo gradualmente nas preocupações evidenciadas nas Determinações Gerais
dos visitadores que tivemos ensejo de acompanhar, embora delas não ressalte com suficiente
nitidez uma intenção de participar ou intervir directamente nos circuitos comerciais de
escoamento e distribuição de excedentes propiciados pelo desaparecimento da auto-suficiência
agrária. Por outro lado, o empenho posto pelos mesmos visitadores (que, possivelmente,
corresponderia a orientações recebidas do Mestre D. Jorge) em novas arroteias geradoras de um
renovado surto agrícola, tinha o seu reverso no declínio da criação de gado, com redução do
número e área das pastagens, bem como nas normas disciplinadoras do trânsito dos rebanhos e
da transumância, que se reflectiria, a jusante, na redução dos lactícinios produzidos e
consumidos.
A minuciosa regulamentação da entrega de terras não aproveitadas, recordando os objectivos
prosseguidos pela longínqua lei fernandina das semarias, explicitava quais os mandatários da
Ordem susceptíveis de receberem poderes delegados para a efectuar, descriminava várias
hipóteses de titularidade de propriedades não aproveitadas, e a tramitação processual que deveria
observar-se em cada caso, fixava prazos e penas por incumprimento, ao mesmo tempo que
espelha o antigo e generalizado conflito entre a agropecuária, a pastorícia, e as vinhas, pomares,
courelas de horta, levadas de moinhos, e mesmo terras de pão.
Finalmente, a determinação referente ás demarcações dos bens próprios da Ordem, que os
Comendadores deveriam efectuar periodicamente, bem como a sua sinalização com marcos
autorizados, e a fixação de lindes separatórias nas extremas, reflecte a necessidade de manter
actualizado o respectivo cadastro, e mimimizar as hipóteses de conflitos entre lavradores
confinantes entre si, ou entre os bens da Ordem e herdamento na posse de terceiros.
Permanecia o interesse no fomento da viniviticultura e das culturas arvenses, verificando-se
ainda a tradicional coexistência da vinha e do olival, muito embora em manchas
surpreendentemente pouco significativas, mas também do vinhedo com uma fruticultura esparsa
embora pareça evidenciar-se – a par com a omniprença da figueira – uma diversificação das
variedades de árvores de fruta. Todavia aquilo que poderíamos considerar pomares rareia, e o
modo como as espécies frutícolas se dispersam pelos prédios rústicos parece apontar para o auto-
consumo. Todas as situações de contexto ligeiramente afloradas que, embora com variações
regionais, atravessavam transversalmente o reino, serão evidenciadas nas fontes sobre as quais
iremos trabalhar.
Em termos monetários o período durante o qual decorreram os dois ciclos de visitações foi
particularmente estável. O cruzado de ouro, que correspondia a 400 reais, esteio do sistema
financeiro português, sofreu escassas alterações, tanto no peso como no valor real, embora o
marco de ouro amoedado, que no termo do período estudado (1539) correspondia a 25.000 reais,
tenha subido posteriormente.
Uma política de neutralidade permitia que, precisamente no ano de 1516, o Portugal manuelino
não só permanecesse equidistante em face das diligências, quase simultâneas, Francisco I de
França e de Carlos de Áustria, que solicitavam ao monarca português que integrasse as ligas em
que se repartiam os reinos que se defontavam nos conflitos militares que varriam a Europa, como
ainda, em 1521, tentar servir de medianeiro entre os Habsburgo e os Valois. Esse clima de
coexistência pacífica tornava possível um empenhamento efectivo no tremendo esforço
multisectorial que implicava a expansão ultramarina, mas também a execução de um plano de
reforma administrativa que, no período correspondente ao 1.º ciclo de visitações, se traduzia nas
Ordenações Manuelinas, nos Regimentos e Ordenações da Fazenda (organização financeira e
direito fiscal) e no processo de Reforma dos Forais, sem esquecer a modernização operada por
D. Manuel I na Ordem de Cristo que, de certo modo, parece contrastar com o modelo de gestão
conservadora que julgamos poder observar-se nas ordens de Santiago e de Avis. O que, a este
respeito, se processava nesta última, ocupará as nossas próximas refelxões.

8.2.1. Dimensão Religiosa

Os fiéis

Já PIMENTA havia realçado que "nestes anos do governo de D. Jorge, o último Mestrado
formalmente desvinculado da coroa portuguesa, (…) palavras como direcção, orientação,
planeamento e execução vão sendo gradualmente a chave para o sucesso dos governos dos
sucessivos monarcas seus contemporâneos". Neste trabalho que, repetimos, constitui uma
espécie de adenda à investigação efectuada por esta historiadora sobre o governo do Mestre D.
Jorge, mas restrito à Ordem de Avis, tivemos ocasião de surpreender a utilização prática destes
conceitos aplicados ao governo de 13 comendas alentejanas nas primeiras quatro décadas do
século XVI.
Essa tentativa de despistagem de alguns objectivos e métodos, dos limites e condicionantes da
estrutura "herdada" pelo filho bastardo de D. João II, com as suas oportunidades e ameaças,
sucessos e fracassos, irá patentear-se ao longo destas considerações globais que, por força das
micoanálises que a integram e fundamentam, se alongarão mais do que desejaríamos, obrigando
a escolhas, nem sempre fáceis, entre as temáticas mais desenvolvidas, e aquelas que seremos
obrigados a esboçar ou, simplesmente aflorar.
Neste sentido, as primeiras palavras vão recair na dimensão espiritual. Não apenas porque a
lógica da metodologia até aqui adoptada assim o aconselhava, mas também por termos ficado na
convicção de que boa parte das "benfeitorias" desenvolvidas por este Mestre, de que a coroa viria
a beneficiar após a sua morte, se situam precisamente nesta área, se a mesma for entendida em
sentido lato.
Damos como adquirida toda a análise sobre a tradição normativa recebida e adaptada por D.
Jorge, cuja evolução foi objecto de reflexão por parte de PIMENTA, bem como os pressupostos
doutrinários que a travejavam, até porque, ao longo dos capítulos anteriores e sempre que se
considerou fundamental recorremos à norma emanada da instituição para alicerçar as escolhas e
as opções dos responsáveis da Ordem.
Com efeito, a conjuntura político-religiosa dentro da qual se desenrolam as visitações por nós
estudadas pode definir-se como estando situada no "olho do furacão" que foi a Reforma e os
inícios da contra-Reforma. Períodos de graves e duradouras turbulências que cortaram a Europa
com um novo conceito de fronteiras, não já físicas, ou apenas políticas, mas sobretudo marcadas
por diferentes entendimentos do humano e do divino. Mas também um período marcado pelo
final da secular hegemonia da igreja católica-romana, e da inadiável necesidade sentida por essa
essa mesma igreja de se recriar e reconfigurar, retirando todas as ilações consideradas necessárias
para sobreviver, e reorientar um designio de expansão planetária num combate contra o "inimigo
interno". Época, enfim, de choque doutrinário e de afrontamento ideológico marcados no reino
de Portugal pelo arranque da Inquisição, a chegada da Companhia de Jesus e a diálise de culturas
e entendendimentos do fenómeno religioso propiciadas pela expansão marítima.
Poderia deduzir-se que todo este tumulto, este trabalho de parto de um novo ciclo religioso se
reflectiria com nitidez naquilo que designamos por dimensão espiritual deste segmento da
existência da Ordem de Avis. Nada de mais errado, é inútil procurar ecos evidentes do tumulto
circundante na rotineira placidez dentro da qual circulam, inspeccionam e decidem os enviados
do Mestre D. Jorge.
Portugal não é um interveniente deliberadamente actuante neste dilaceramento de consciências,
antes sofre um involuntário contágio. Os seus interesses não partem do umbigo da Europa para o
mundo como sucede no período inicial do Império dos Habsburgo. A sua situação de periferia
europeia e fugaz mediadora de mercados logínquos, limitada e acomodada, por absoluta
necessida, à margem de manobra que lhe é permitida pelo conflito hispano-francês obrigam a
contemporizar e a evitar todos os confrontos susceptíveis de romper um equilíbrio fágil.
Mas se o reino, na perspectiva europeia, permanecia relativamente periférico em relação ao
afrontamento religioso, o Além-Tejo sobre a jurisdição da Ordem de Avis constitui uma
verdadeira ultra-periferia.
E, no entanto, uma jurisdição religiosa bem sucedida constituía a última razão de ser de uma
Ordem que já apenas formalmente permanecia militar, cuja obra assistencial redundára num
fracasso conducente à sua progressiva substituição por instituições inspiradas na Misericórdia de
Lisboa, e cujo potencial económico e demográfico era prejudicado por uma escala nitidamente
inferior à das suas congéneres de Santiago e de Cristo, e por uma estrutura anacrónica em termos
da administração económica e financeira do respectivo património.
Julgamos poder concluir que o alheamento, a rústica placidez que envolvia estas comendas, e a
teia de interdependências familiares que subjugava os Comendadores e priores à autoridade
indiscutida, e acatada com maior ou menor prontidão, do Mestre D. Jorge acabaram por criar um
clima propício á sua obra de normalização e consolidação no plano espiritual.
Teremos ensejo de nos debruçarmos sobre o persistente e eficaz trabalho de restauro,
reconstrução e ampliação, bem como de dotação em alfaias, ornamentos, paramentos, livros
sacros e objectos necessários ao culto nas igrejas, levado a cabo à custa da "prata da casa", e com
sacrifício dos interesses dos Comendadores. Acompanharemos o seu empenho simultâneo em
corrijir e orientar os clérigos, proporcionando-lhe melhores condições de vida e directivas de
atuação, mas antes iniciaremos este ponto focando os fiéis sob jurisdição, simultaneamente
destinatários e involuntários "barómetros" do esforço da acção pastoral protagonizada pela
Ordem. O traçado do perfil destes últimos pode ser esboçado em traços gerais com base na
informação contida nas próprias determinações dos visitadores.
Antes de tudo o mais, o grau de instrução religiosa destes fiéis poderia ser aquilatado de acordo
com o teor da determinação em que se ordenava: Uma vez que todo o fiel cristão era obrigado a
saber o pater noster, aue Maria e o credo ym deum e os priores e curas estavam obrigados a
ensiná-los aos fregueses. A singela limitação destes conhecimentos básicos exigidos não
constitui propriamente uma novidade, tratava-se de uma situação generalisada, e que nem sequer
se circunscrevia ao meio rural profundo e que a miúde se pode encontrar em muitas das
deliberações expressas nos sínodos da Igreja.
Também o grau de expectativas sobre o conjunto das práticas obrigatórias não visava metas
inalcançáveis. Na religião católica, a confissão dos pecados próprios, feita a um sacerdote, era
uma das três condições necessárias para receber de maneira eficaz o sacramento da penitência,
sendo as outras duas a contrição e a reparação obrigatória do prejuízo causado ao próximo, ou da
injúria feita a Deus pelo pecador. O IV Concílio de Latrão estipulava que a globalidade dos fiéis,
de ambos os sexos, que tivessem atingido a idade da razão, se confessassem pelo menos uma vez
por ano e comungassem pela Páscoa, sob pena de excomunhão e privação de sepultura cristã post
mortem.
Por sua vez a comunhão era, de acordo com a doutrina eucarística, o acto pelo qual os cristãos
recebiam o corpo e o sangue de Jesus Cristo no sacramento da eucaristia.
No entanto existem suficientes indícios para que se possa concluir que a situação de
incumprimento destas determinações axiais dos preceitos da prática cristã estaria de certo modo
generalizada, e assumiria contornos de alguma gravidade, como parece depreender-se da
inusitada severidade das penas em que incorriam os faltosos, que chegavam a implicar prisão e
pagamento de uma coima.
Os visitadores constataram que, frequentemente, os fregueses mostravam renitência em se
confessaram e comungarem, com grande dano das suas almas. Por essa razão ordenaram ao
prior que fizesse um rol de todos aqueles que não tivessem sido confessados, nem comungassem,
até quinze dias depois da Páscoa.
A situação que a seguir se retrata é intemporal, mas agravada pela frequente exiguidade e/ou
inadequação das igrejas da Ordem em relação ao número de fregueses recenciados, Os picos
sazonais dos trabalhos agrícolas, as tarefas da pastorícia e da criação de gado, e a guarda dos
haveres aconselhavam a que, em relação aos moradores no termo, se verificasse uma especial
tolerância que reduzia a obrigação de missa dominical à presença alternada de um único cônjuge.
Com efeito, de acordo com o direito canónico, os fregueses eram obrigados a ouvir missa inteira
aos domingos e festas, o que muitos não faziam, antes saíam do templo e ficavam a palrar e a
murmurar, regressando apenas ao interior da igreja no momento da elevação, o que (sublinhavam
os visitadores) era sinal de pouca fé e devoção.Querendo corrigir esta situação determinava-se
que qualquer freguês que não a assistisse a toda a missa do dia, e saísse fora da igreja enquanto
esta se encontrasse a ser dita, fosse condenado em cinquenta reais. O prior, ou cura, deveria
admoestar os seus fregueses para que aos Domingos e festas principais viessem à igreja. De cada
casa marido e mulher mas, no tocante áqueles que habitavam o termo os enviados de D. Jorge
optaram, como dissemos, por uma pedagógica moderação, como se infere da passagem seguinte:
" venham ha ygreja de cada casa da vylla marydo e molher e do termo huum domymgo o marydo
e o outro a molher ".
Certamente para evitar a generalização dos atrasos, ou mesmo para minorar as ausências insistia-
se também para que nos Domingos e festas principais os fiéis não fossem ás vinhas nem aos
pomares antes da missa sob pena de pagarem cada um vinte reais para a fábrica da igreja.
No entanto este compreensivo pendor pedagógico tendia a ser contrabalançado por um
conhecimento da natureza humana que graduava progressivamente o peso das sanções já que era
determinado que os mesmos sacerdotes, na hipótese (aliás provável), de que a admoestação não
fosse universalmente cumprida, deveriam elaborar um rol onde constassem todos os faltosos que
entregaria ao mamposteiro, ou recebor da fábrica para que este cobrasse aos faltosos as
supracitadas penas. E se, mesmo assim, os incumpridores porfiassem em não pagar as coimas em
que haviam incorrido, os priores e capelães ficavam obrigados a redigir uma nova lista na qual
descriminariam todas as vezes que tivessem incorrido em sanções, entregando essa lista ao
manposteiro ou recebedor. Mas, chegado a este ponto, estes últimos já não cobrariam
pessoalmente, antes requereriam aos juízes que os fizessem pagar para a fábrica da igreja. Os
ditos juízes fariam esta execução de cada vez que lhes fosse requerida, e tudo cumpririam sob
pena de, não cumprindo a determinação, cada um deles pagar a soma considerável de quinhentos
reais para a fábrica.
No período estudado os templos eram, não apenas locais de culto mas também ponto de encontro
dos moradores, e sede de reuniões e deliberações, frequentados com a rústica naturalidade que
exigia ao prior que não consentisse que fizessem fogo dentro da igreja.
Os mesmos fiéis que, muito embora ignorando deliberadamente as determinações sobre o preço e
localização das sepulturas, enterravam os entes queridos no chão protector das igrejas,
furtivamente, pela noite calada, sem dar conhecimento aos priores e capelães eram, afinal,
apenas o anverso duma medalha simbólica. Isto porque o verso da mesma medalha tinha
representadas as efígies colectivas, jamais os conseguiremos levantar do chão anónimo, todos
aqueles que cortavam na ração de azeite para o doar voluntariamente para as lâmpadas da igreja,
ou partiam o pão com os capelães. E, ainda, todos aqueles que, vivendo em dois palmos de terra
batida com paredes de taipa, lume de chão, e uma telha levantada para que o fumo saísse,
pagavam por sua devoção construção ou reparação das ermidas.
Esse povo rústico, que achamos remoto e ignorante, está, em verdade, tão próximo de nós que os
antropologistas suspeitam que nós autores, e vós leitores, seguimos pela vida adiante com
comportamentos idênticos, gerados pelas mesmas antiquíssimas pulsões.

Os clérigos

Acompanhando as informações que os visitadores registaram será possível ter uma noção das
prioridades dos enviados do Mestre no que se referia ao desempenho e regularização das
respectivas situações, conhecimento e prática da Regra da Ordem, porte do hábito, cumprimento
das obrigações estipuladas e, ainda, casos pontuais susceptíveis de contradizer o ritual das
avaliações indiscriminadamente abonatórias, esse comodato da natureza humana cujas raízes
lusitanas mergulham no húmus dos séculos. Em face destes objectivos, centramos a nossa
atenção em algumas situações concretas que poderão compor um retrato fiel do que realmente
estava em causa quando, no século XVI, alguns representantes do mestre ou o próprio D. Jorge
se metiam a caminho, em visitação.
No ano de 1516 o prior de Juromenha, Sebastião Cordeiro, freire do hábito de Avis, foi
considerado por membros da vereação muito bom homem, honesto no seu viver e cumpridor.
Afirmou que nunca tinha recebido o livro da Regra, mas existindo menção à posse de manto
branco da Ordem, ou, sequer, de ter sido questionado sobre ele. Apresentou o título do seu
benefício e mais nada lhe foi exigido.
No mesmo ano o prior do Alandroal, Frei Rodrigo Soeiro, do hábito de Avis, igualmente um
homem cumpridor e servidor do seu povo, apresentou o título do seu benefício, mas a fonte volta
a omitir referências ao hábito e à posse da Regra.
Três anos volvidos, em 1519, o prior do Cano, Diogo Nogueira, freire conventual desde 12 de
Abril de 1492, uma data bem na memória de todos dada a realização de um Capítulo na ocasião,
não podia apresentar os comprovativos de filiação à Ordem porque, na época tal não era prática
usual. Em contrapartida, apresentava-se vestido com o manto branco, exibiu a Regra e mostrou o
título do seu benefício constituído pela carta de apresentação do Mestre e pela confirmação do
bispo de Évora. Juízes e oficiais interrogados separadamente, coincidiram, a fazer fé no registo
dos visitadores, em garantir que este Frei Diogo Nogueira servia bem a igreja, dava os
sacramentos nos tempos em que era obrigado e cumpria bem o ofício. Acontece, no entanto, que
esta avaliação, efectuada particularmente e sob juramento, era incorrecta. Com efeito, noutros
passos da visitação consta a informação de que este prior era rendeiro das rendas da comenda do
Cano, o que não podia fazer. Além disso, não obstante as informações abonatórias da vereação os
visitadores tinham concluído que por o mesmo prior arrendar bens da comenda andava tão
ocupado que não podia servir bem a igreja de que era reitor, nem dar os sacramentos como era
obrigado, originando muitos escândalos entre o prior e os fregueses e outros inconvenientes com
dano da sua consciência.
Perante esta incompatibilidade tinham-no admoestado uma primeira e uma segunda vez, dando-
lhe sempre o prazo de 30 dias para desistir e abrir mão da dita renda, o que nunca sucedera.
Desta feita ordenavam-lhe peremptoriamente que desistisse, e abrisse mão da dita renda, sob
pena de o privarem do seu benefício e priorado passado o dito tempo.
Fica assim posta em causa a veracidade dos testemunhos abonatórios tantas vezes prestado pelos
oficiais da vila, e lançadas as primeiras suspeitas sobre o real valor deste tipo de declarações da
praxe.
Nesse mesmo ano de 1519 verificava-se que os juízes e oficiais da vila de Mora tinham tomado
um capelão de Coruche que não era do hábito da Ordem de S. Bento, sendo do conhecimento
geral que, em tais situações, era obrigatório dar conhecimento dessa ocorrência ao Mestre, de
acordo com os estatutos da Ordem nos quais, sobre esta matéria, se continha um capítulo
específico.
Assim, em 9 de Junho de 1535 era nomeado prior Frei Fernando de Meneses, freire professo da
Ordem de Avis, resolvendo-se o incumprimento em que a comenda incorria. Ora, este clérigo,
sendo em 1538 questionado pelos enviados de D. Jorge sobre o título da sua profissão disse que
o não tinha, sendo-lhe ordenado, como era usual nessas circunstâncias, que o tirasse no
Convento. Surge aqui um primeiro indício de que a ausência da posse dos títulos de hábito e
profissão, apesar de esta ser exigida pelo menos há duas décadas, ainda não tinha logrado impor-
se e generalizar-se.
Ainda em 1519, a capelania de S. Brás da Figueira, onde o capelão deveria rezae missa
quinzenalmente, encontrava-se vaga. Decorridas quase duas décadas, em 1538, registava-se que
existia na igreja de S. Brás um capelão perpétuo, nomeado por carta do Mestre, com obrigação
de rezar missa dominical, bem como nas festas e dias de guarda, e a administrar os
sacramentos.Tratava-se, como se verifica, de uma importante alteração no que se refere à
obrigação do rezar das missas, acerto que, desde logo, se entende no quadro das preocupações
globais de reforma que a miúde, a legislação sinodal não deixava, também, de fazer transparecer.
Ainda no ano de 1519, registamos uma outra situação que pode interessar neste momento em que
procuramos encontrar as linhas mestras da actuação destes visitadores. Assim, em Santa Maria
do Espinheiro da vila de Seda, o prior foi inquirido como habitualmente tendo respondido
satisfatoriamente aos quesitos. No entanto, os visitadores acharam-lhe algumas culpas,
admoestando-o, e encomendaram-no como lhes pareceu bem. Esta circunstância chama desde
logo a nossa atenção porque, na generalidade dos casos, nunca as fontes referem ou precisam o
teor específico das faltas deste ou de outros priores, e as respectivas consequências na sua cura
das almas, ou o teor das sanções que seriam aplicadas.
Cerca de duas décadas mais tarde, nesta mesma igreja de Seda, era prior Frei Afonso Farto,
clérigo de missa e freire professo do hábito de Avis, o qual, questionado sobre o título do seu
priorado, hábito e profissão disse que recebera o hábito e fizera profissão no Convento de Avis,
mas não tinha os títulos do hábito e profissão porque nessa época não era costume tirá-los. Corria
o ano de 1538 e há dois decénios que a Ordem insistia na obrigatoriedade dos priores terem
consigo os títulos do hábito e profissão, uma vez que, no atinente aos títulos do benefício, eram
diligentes em ter os documentos em regra. Seria natural uma ameaça de coima por
incumprimento ou, pelo menos, uma admoestação.Mas tal, mais uma vez, não sucedeu.
Estas ausências de pulso são, na nossa óptica, essenciais para compreender a realidade do
quotidiano da ordem neste período da sua história.
Outro tipo de controle exercido sobre o cabal cumprimento dos deveres pastorais incidia sobre a
obrigação de missas Quer se tratasse de um priorado ou de uma simples capelania o ministro
titular tinha funções de cura das almas, o que implicava residência, administração de
sacramentos e e celebração de missas pro populo.
Uma vez que esta obrigação não era padronizada, e ocorria ser partilhada com beneficiados ou
ajudadores, os priores deveriam ser préviamente informados de todas as missas a que eram
obrigados, e por cada missa que falhassem, tratando-se de domingos ou festas, pagariam por ela
20 reais, quantia, valha a verdade, pouco significativa. Mas se faltassem a uma missa da semana
pagariam apenas quinze reais embora com a obrigação de rezar noutro dia a missa que não
houvessem celebrado.
Não obstante a relativa benevolência destas coimas as faltas deveriam ser frequentemente
"esquecidas", ou mesmo escamoteadas. Isso mesmo parece depreender-se da intervenção dos
visitadores que ordenaram aos escrivães das câmaras que apontassem as faltas dos priores, sob
pena de perderem os seus ofícios caso o não fizessem.
Neste sentido os escrivães fariam os priores declarar anualmente, sob juramento, se tinha rezado
efectivamente as missas de obrigação. Uma vez devidamente anotados os incumprimentos deles
seria dado conhecimento aos oficiais do concelho que requereriam ao Comendador que lhe não
pagasse essas ditas faltas, cujo dinheiro seria empregue na fábrica da igreja, ordenando-se ao
antedito Comendador que assim o cumprisse. Registe-se que a prática, aliás banalizada, da
delação recompensada de incumprimentos (tanto para quem acusasse) não era aplicada neste
caso, reservando-se um estatuto de excepção para as faltas desta natureza.
Transparece um esforço de normalização da assistência espiritual (é certo que nem sempre
integralmente conseguida) nas capelanias, e regista-se o cuidado posto em não coagir com
severidade cega os clérigos que não apresentassem os títulos de hábito e profissão, mas sem
esquecer a obrigatoriedade da sua apresentação, e tendo o cuidado de encurtar progressivamente
o prazo marcado para o efeito.
Recorde-se a propósito o que genericamente observamos já: como era habitual nestas inspecções
periódicas encontramo-nos perante um conjunto de disposições respeitantes à prática religiosa
que incidem sobre o comportamento e obrigações dos clérigos da Ordem.
No entanto as dezanove disposições sobre matéria espiritual que geralmente seguem o paradigma
escolhido incidem sobre um âmbito relativamente mais vasto de assuntos, mas não se encontram
"arrumadas" na fonte de acordo com qualquer critério perceptível que tenha presidido à sua
enumeração sequencial.
Com efeito, as duas primeiras matérias abordadas respeitam aos Santos Óleos e à lavagem
periódica de corporais, palas e outros ornamentos litúrgicos, assuntos certamente pertinentes,
mas que embora não configurando as mais prementes precupações de índole espiritual que
poderíamos supor terem sido debatidas no Capítulo Geral antecedente, viriam a emergir como
uma das constantes destas visitações. È forçoso reconhecer o carácter eminentemente pragmático
destas disposições, mais ajustadas ao quotidiano da prática litúrgica das localidades a que se
dirigiam, do que a grandes debates teológicos ou a um esforço de inovação reflectido nos textos
normativos.
A regulamentação do rezar da horas canónicas, do sair sobre as sepulturas às segundas-feiras e
do tanger das Ave-marias destinam-se inequivocamente a regulamentar e homogenizar
determinadas práticas do ritual em todo o Mestrado.
A eterna luta contra o aviltamento dos comportamentos dos clérigos dava origem a
regulamentação sobre o rezar das horas. Com efeito, ainda no século XIII, tinha sido concebido
em Roma um breviário que reunia, de modo sucinto, todas as obras necessárias ao culto. Nele
estavam contidos ofícios, mais curtos do que as horas canónicas até aí rezadas, e que foi
rapidamente adoptado. Estas orações começavam a ser rezadas pelo prior e raçoeiros antes do
despontar do dia, prosseguindo, com interrupções mais ou menos prolongadas, até ao tombar da
noite. O prior e os raçoeiros deviam comparecer também à missa capitular, celebrada depois da
hora de tércia.Tendo sido salientada a importância da presença ás horas canónicas, como vimos
obrigatóriamente rezadas dentro da igreja, restava ainda uma questão de dignificação, atitude e
indumentária adequada, numa determinação materializada pela recomendação geral do uso de
sobrepeliz.
Por seu turno a determinação sobre o apontamento das faltas e incumprimentos dos priores
apresenta uma conotação marcadamente disciplinar à qual, sublinhe-se, não corresponde
qualquer medida paralela incidente sobre os incumprimentos dos Comendadores que, como
vimos, eram por via de regra responsáveis pelo pagamento do mantimento dos clérigos e
obrigados a uma parte leonina das obras, conservação, reparação e dotação das respectivas
igrejas, matérias geralmente remetidas para as determinações particulares.
É possível que não seja de apreensão imediata o alcance de certas preocupações. Por exemplo:
como já referimos, verificou-se que alguns priores do Mestrado eram negligentes no mandar
tanger as ave-marias, e querendo corrigir este laxismo, os visitadores ordenaram a todos os
priores e tesoureiros que todos os dias tangessem as Ave-Marias ás horas habituais do cair da
noite, sob pena de pagarem por cada vez (que o não fizessem) cem reais, metade para a fábrica,
metade para quem acusasse. E mandaram também ao escrivão da câmara, sob pena de privação
do ofício, que tivesse o encargo de apontar por cada vez que o prior e o tesoureiro falhassem,
tansmitindo essas faltas aos oficiais para lhes descontarem nos mantimentos, cem reais por cada
vez, e os oficiais transmitiriam o rol das faltas ao Comendador para se concretizar o dito
desconto.
Com efeito, além do significado litúrgico evidente, talvez conviesse também assinalar os efeitos
práticos desta determinação. De facto, ao longo de todo o período medieval, e mesmo para além
dele, a noção do tempo decorrido, andava intimamente ligada aos repiques dos sinos que
cadenciavam o dia, fenómeno que se não resumia ao interior dos conventos e mosteiros, mas
respeitava igualmente ao geral da população, incluindo as práticas laborais do artesão urbano e
ao camponês.
Mas as preocupações dos visitadores estendiam-se para noutras direcções: Os ornamentos com
que se ministrava e celebrava o santo sacramento deveriam estar limpos, bem como os ministros
que os celebravam. Neste entendimento determinava-se que os corporais, palas e todos os outros
ornamentos que era costume lavar, o fossem, pelo menos uma vez por mês, ou mais, sendo esse o
entendimento dos priores, aos quais se recomendava que desta matéria se ocupassem com
diligência, lavando-os por si, ou mandando-os lavar por um clérigo de ordens sacras. Era
ordenado aos priores, ou capelães, que tivesse permanentemente o santo óleo, o de crisma e o
óleo de ungir os enfermos, requerendo aos juízes e oficiais que os mandassem buscar por um
clérigo de ordens sacras no domingo de pascoela, como era obrigação deles
Cumpre regressar a uma questão recorrente, os Comendadores das capelanias problemáticas,
sobre os quais impendia a obrigação de as prover de capelães não eram comprovadamente
residentes, e tal como se verificava noutras matérias, o seu absentismo acarretava consequências
no tocante ao bom desempenho das suas funções. Não será legítimo questionar se uma dessas
consequências não seria a pouca diligência posta em nomear – e conservar – esses mesmos
capelães. É certo que nem tudo se lhes pode imputar, estamos em presença de comendas
escassamente povoadas e de pouca renda, onde não se justificaria, nem talvez existisse a
possibilidade de os Comendadores optimizarem de sua iniciativa as remunerações e condições de
vida dos respectivos capelães.
Permita-se que façamos uma observação que julgamos válida não apenas para estas, como para
outras comendas economicamente e financeiramente inviáveis. As comendas não tinham sido
criadas numa perspectiva de constituírem unidade viáveis e autosuficientes. Foram surgindo ao
sabor das doações e do povoamento, criadas a partir da necessidade de as dotar com titulares de
poderes delegados capazes de assegurar a respectiva administação. A Ordem de Avis não
dispunha de suficiente gente capaz que, em pleno movimento de expansão ultramarina, estivesse
disposta a residir numa localidade isolada cujo rendimento, descontados os custos correntes,
pouco excederia o valor do mantimento do prior de uma comenda próspera, e a ser condenada a
uma existência sem horizontes de carreira ou acrescentamento palpável. Uma das soluções para
esta situação consistiria em concentrar no mesmo titular uma comenda suficietemente rendível e
outras de viabilidade duvidosa ou, mesmo inviáveis como era o caso do Cano, distribuindo
complementarmente algumas tenças e Alcaidarias. Era uma solução, mas não seria certamente
aquela que viria a assegurar as melhores e mais concentradas administrações. Os Comendadores
corriam o risco de acrescentar ás suas insuficências e incapacidades pessoais outras, de carácter
estutural, decorrentes da inedaquação de um sistema com pouca margem de manobra e em plena
reorientação. Não é o nosso papel absolver ou condenar os Comendadores, mas constitui uma
obrigação nossa tentar compreender algumas das limitações da organização e da conjuntura em
que se encontravam inseridos, essencialmente, porque, com o passar dos anos há situações que
parecem realmente não ter solução. Senão vejamos:
Nossa Senhora de Cabeço de Vide, visitada em 1538, constituía um exemplo raro em que o prior
Frei Pedro Leborato, professo da Ordem, não acumulava as suas funções (e mantimentos) com as
de tesoureiro da respectiva igreja, que eram exercidas por Jerónimo Guterre. Mas já não constitui
excepção o incumprimento da apresentação dos títulos de hábito e profissão que justificou, como
vinha sendo recorrente, dizendo que ainda não era costume no tempo em que saíra do convento.
Com efeito parece evidente que se o argumento invocado seria válido nas visitações de 1515-
1519, decorridas duas décadas teria perdido grande parte do seu carácter justificativo. Tanto mais
que, como sempre sucedia, exibiu uma apresentação do Mestre e uma confirmação de D. Afonso,
bispo de Évora.
De igual forma, não se fez qualquer menção ao hábito deste prior mas supomos que a posse do
livro da Regra estaria implícita na resposta.
Propositadamente a transcrevemos: cumpria o melhor que podia, e quanto estava ao seu
alcance. Ora, essa declaração encontra-se registada várias vezes de forma idêntica como tendo
sido feita pelos priores pelo que ficamos na dúvida sobre se constituía uma fórmula ritual, sem
nenhuma intenção específica transcendente, ou se aludia a incumprimentos e desvios da regra,
eventualmente responsabilizando circunstâncias alheias à vontade desses mesmos priores.
Da visitação a Cabeço de Vide decorria a visita a Alter Pedroso, mais um caso de comenda sem
qualquer viabilidade económico-financeira que, em tempos pretéritos, teria tido a justificação
militar do seu castelo roqueiro mas que, no ano de 1538 estava reduzido à situação de uma
fortificação vetusta e arruinada a cuja sombra se acolhia uma cerca com edificações
desmanteladas de apoio a uma agricultura moribunda e uma meia dúzia de casebres. Era isto uma
comenda, e certamente não a única nas mesmas circunstâncias. Pois neste lugarejo, que Aquilino
Ribeiro englobaria entre aqueles que ficavam "onde o diabo perdeu as botas", no meio de uma
igreja parcialmente destelhada com panos de parede jazendo por terra, reuniam-se,
teimosamente, para o culto uma mão-cheia de fiéis pastoreados por um capelão cujo mantimento
era assegurado pelo comendadores e pelos moradores. Os enviados de D. Jorge deter-se-iam
neste caso exemplar face aos sucessivos incumprimentos do Comendador, aliás assoberbado com
um vultuoso plano de reconstrução em Cabeço de Vide. Para remedir esta situação tomaram
providências imediatas e fulminantes, sob pena de embargo de todas as rendas da comenda.
Sinais positivos de algumas alterações foram encontrados em1538 na igreja de Nossa Senhora de
Sousel, exemplo vivo da "nova tendência" que julgamos constatar e que consistiria em aumentar
o número de clérigos e repartir o seviço das igrejas sem aumentar os encargos advenientes da
respectiva remuneração, uma vez que o mesmo quantitativo era repartido entre eles. Assim, era
prior e tesoureiro Frei Mendo, que tinha por obrigação rezar missas aos domingos e festas e mais
2 vezes em cada semana, bem como administrar os sacramentos, enquanto o beneficiado
Francisco Velho, dizia missa 4 vezes por semana, coadjuvanda o prior nas confissões e
Quaresma.
Já na matriz da opulenta comenda de Fronteira, Frei João Magro, professo do hábito de Avis,
acumulava as finções de prior, obrigado a dizer missa pelo povo todos os domingos e festas e
dias de guarda e a administrar os sacramentos aos fregueses da vila, com as de tesoureiro. Mas
registava-se, supomos que inserida no quadro da tendência que apontámos a propósito da
supracitada igreja de Sousel, a presença de um ajudador, Frei Fernão Lopes, freire professo da
Ordem, nomeado por carta do Mestre, obrigado a dizer missa pelo povo todos os dias da semana
que não fossem festas e dias santos, bem como a ajudar o prior a confessar e a sacramentar.
Supomos que este ajudador fosse de nomeação recente, uma vez que, além de apresentar como
todos os precedentes os títulos do seu benefício, exibiu também os comprovativos de hábito e
profissão na devida forma. Inclinamo-nos para que a insistência dos visitadores na regularização
desta matéria pudesse ter começado, finalmente, a dar os primeiros frutos.
Em geito de remate sublinharemos o empenho do Mestrado em melhorar as condições de vida
dos priores e capelães, de tal modo que em 1538, após os aumentos verficados, e a concessão do
pé d’altar deliberada no capítulo geral desse ano, os primeiros tinham obtido mantimentos
ordenados cujo valor equivaleria, de um modo geral, ao que sobrava para o Comendador de uma
comenda como a do Cano, uma vez descontadas as despesas correntes e as benfeitorias
determinadas pelos visitadores.
Tomaremos nota de que o estado de precaridade em que se encontravam os provimentos das
capelanias em 1519 tinha melhorado sensivelmente em 1538 na sequência de diligências que
parecem apontar em direção a pressões exercidas sobre os Comendadores pelos enviados de D.
Jorge. Recordaremos que as remunerações dos capelães não eram particularmente apelativas e,
não obstante, pequenas comunidades como a de Alter Pedroso continuava a receber assistência
pastoral financiada pelo Comendador e moradores num templo parcialmente arruínado,
salientando-se o caso apologético do clérigo que, em 1519, servia a capelania de Santa Maria da
Graça de Mora, recebendo exclusivamente em paga a esmola que o próprio mandava pedir pelas
portas aos domingos, sendo que cada um dava um pão ou aquilo que podia, e quer a dita esmola
fosse pouca ou muita, se dava por pago. Casos como estes dispensam comentários, mas lançam
uma nova luz sobre o genuíno empenho pastoral de uma parcela do baixo clero rural deste
período, nalguns casos subavaliado por alguma da historigrafia, mais atenta ao montesinho da
sua incultura e à exiguidade da sua formação teológica.
Menos edificante é o retrato que as fontes oferecem do prior do Cano, Frei Diogo Nogueira.
Quanto à sua conduta, fica-nos a sensação de que actuava num clima de total anarquia propiciado
pelo desinteresse do Comendador, e a coberto da confiança pessoal que António de Mendonça
nele depositaria. Agindo como uma espécie de locotenente do tio do Mestre numa comenda que
este governava como uma granja sua, como teremos ensejo de verificar a propósito da dimensão
senhorial, Frei Diogo teria certamente de se empenhar a fundo para pagar os 30.000 reais de
renda e retirar mais valias que, compensando-o do esforço, lhe arredondassem o mantimento que
lhe estava ordenado.
A pouca, ou nenhuma atenção, que prestava às admoestações e ameaças dos visitadores deixava
transparecer que se sentia protegido por António de Mendonça. Mas é forçoso constatar que a
visitação de 1538, que muito provavelmente fora precedida por uma visita intercalar, demonstra
sem margem para dúvidas que o influente tio do Mestre fora coagido a pôr ordem nos desmandos
e quase a "reedificar" essa esquálida comenda.
Aqui evidencia-se algo de muito curioso: a inquestinável autoridade de D. Jorge e a sua
pertinácia reformista, exercida com punho forte, mas brando e sensato, através de enviados que
não hesitavam em ameaçar Comendadores com as penas mais gravosas, mas usavam de
ponderada diplomacia com os priores, nunca cedendo, sempre insistindo, mas quase nunca
desautorizando os clérigos, ou expondo públicamente o exacto teor das suas faltas e as penas que
lhes teriam aplicado. Temos de convir que essa diplomacia, se tardava em obter resultados, como
se verifica com a posse dos títulos de hábito e profissão, evitava também tensões desnecessárias
e generalizara o porte do manto branco da Ordem (possivelmente retirado da arca para receber os
visitadores) e a posse do livro da Regra que, mesmo não sendo obra de leitura frequente, impedia
alegar desconhecimento.
Seria desejável poder aceitar sem reservas o testemunho de juízes, oficiais e moradores que
sistematicamente classificavam como homens de vida exemplar e cumpridores exactos das suas
obrigações os priores e capelães, mas já vimos que, ontem como hoje, avaliar com justiça e
isenção constitui tarefa ingrata, lesiva de interesses corporativos e geradora de indesejadas
retaliações. De qualquer modo algumas irregularidades mais flagrantes foram denunciadas e o
balanço da actividade dos clérigos da Ordem de Avis parece menos severo do que aquele que
transparece a propósito dos Comendadores.
Resta regressar a um assunto já aflorado, a persistência com que os enviados do Mestre tentavam
generalizar a eleição de recebedores e manposteiros para coadjuvarem os clérigos na gestão dos
fundos destinados à fabrica das igrejas, e a minuciosa regulamentação das suas suas funções,
privilégio e o controlo administrativo a que se encontravam sujeitos.
Seríamos levados a considerar quase trivial, desgarrado e pouco ambicioso, este conjunto de
determinações gerais sobre o espritual que nortearam os clérigos daOrdem Militar de Avis entre
1515 e 1538, tendo presente a conjuntura religiosa europeia em que se inseriam, e as
consequências advenientes para a generalidade do mundo cristão, se o seu confronto com as
determinações das ordens militares de Cristo e Santiago não espelhassem, ao menos
aparentemente, uma situação de generalizado alheamento, em relação com as grandes questões
que, nessa precisa ocasião, dilaceravam a cristandade.
Mas estas questões, no fundo, não coincidiriam com o cerne das preocupações de um poder que
visava, e já era muito, garantir aos camponeses, lavradores e artesãos que constituíam as
esmagadora maioria dos seus fiéis igrejas adequadas, funcionais e providas do necessário,
clérigos regularmente nomeados cumpridores da Regra e das obrigações pastorais, atentos ás
necessidades de orientação espiritual e tutela do cumprimento dos preceitos canónicos. E
também uma actividade pedagógica de permanente divulgação dos pontos essenciais da doutrina
e dos comportamentos e atitudes preceituados.
As fontes não permitem avaliar o grau de cumprimento desdes desideratos, mas refletem
certamente um esforço continuado nesse sentido, e testemunham sucessos evidentes nalgumas
áreas, ou pelo menos preços altos a pagar pela ignorância da determinação. Nas outras igrejas
visitadas tinha vindo a ser ordenado que fossem eleitos manposteiros para a fábrica das ditas
igrejas. E aos homens para esse efeito designados o Mestre concedia o privilégio de serem
escusados dos encargos do concelho, privilégio esse que deveria passado e assinado por sua
senhoria.
Os visitadores, seguindo esta orientação, ordenaram que se designasse um manposteiro para a
matriz de Juromenha, e que este pedisse todos os domingos para a fábrica, juntamente com o
Comendador, no caso deste se encontrar presente.
No final de cada ano o prior, perante o escrivão da câmara, tomaria contas ao manposteiro. Este
último carregaria o dinheiro apurado em receita conservando-o em seu poder, sendo dispendido
com o controlo do escrivão da câmara, que assentaria esses gastos em despesa naquelas coisas
que o Comendador, com o conselho do prior, entendesse necessárias à igreja. Determinaram
igualmente que, mal o dito ofício vagasse, o Comendador e o prior diligenciassem encontrar
novo manposteiro, e o enviassem ao Mestre para que lhe fosse passado o dito privilégio.O
manposteiro passaria a receber também o dinheiro das penas que tivessem vindo a ser aplicadas
para a fábrica, e o investiria do modo como tinha ficado acima.

Remunerações dos clérigos

É nossa convicção que o cumprimento integral das normas académicas poderá, em casos muito
particulares, contribuir eventualmente para a opacidade de certos textos específicos. Neste
momento coloca-se a questão de avaliar em dinheiro (reais de D. Manuel I) quanto custavam á
Ordem de Avis os mantimentos ordenados aos clérigos que serviam nas igrejas das comendas por
nós estudadas e, também qual o percentual das respectivas rendas a que correspondiam esses
mantimentos.
Temos consciência da impossibilidade de avaliar os pés d’altar, peditórios e outros rendimentos
destes mesmos clérigos mas, uma vez que eram encargos suportados directamente pels fiéis, não
entram no cálculo dos custos da Ordem. Uma vez que no anexo correspondente à transcrição das
fontes os quantitativos respeitantes aos mantimentos ordenados aos priores, capelães,
beneficiados e ajudadores vêm referidos em reais, moios, alqueires e almudes decidimos, por
motivos de inteligibilidade imediata e rapidez de cálculo, converter os moios (60 alqueires) em
828 litros valendo o litro de trigo 2,4 reais e o de cevada ou aveia 1,2 reais conforme
justificaremos no ponto dedicado à propriedade rústica. De igual modo modo, fizemos equivaler
o almude de vinho, que avaliaremos em 35 reais no mesmo ponto, a 15,6 litros (almude de
Lisboa). Como é evidente, dada a variabilidade regional das supracitadas medidas, é admissível
que elas possam não corresponder precisa e exactamente aos quantitativos em vigor na época e
na região. Mas sendo nosso objectivo calcular ordens de grandeza, tão ajustadas quanto possível
à realidade, é nossa convicção que embora trabalhando apenas com números aproximados, não
andaremos longe das escalas de valores correspondentes à ocasião e ás localidades.

Quadro n.º 251


Mantimentos dos clérigos da Ordem

Renda da
Mantimento Mantimento Total Percentua
Igrejas Prior/capelão Tesoureiro comenda
(reais) (reais) (reais) l
(reais)
Santa Maria
António
da alcáçova
Prior Frei Tristão Bacias 2.186 2.186 400.000 0,5%
de Elvas
1515
Matriz de Prior Sebastião
Juromenha Cordeiro 15.462 João Cortes 1.314 16.776 500.000 3,3
1516
Santa Maria Prior
Prior Rodrigo
do castelo Rodrigo
Soeiro 14.264 1.790 16.054 ______ ______
do Alandroal Soeiro
1516
A esmola que o
Santa Maria
próprio
da Graça de
1 capelão mandava pedir _____ _____ _____ _____ _____
Mora
pelas portas
1519
aos Domingos
Santa Maria
do
Prior Frei Pedro Prior Frei
Espinheiro 14.164 1.554 15.718 160.000 9,8
Farto Pedro Farto
de Seda
1519
Santa Maria
do
Prior Frei 14.164 Prior Frei
Espinheiro 1.554 15.718 206.000 7,6
AfonsoFarto O pé de altar Pedro Farto
de Seda
1538
Santa Maria
Prior Diogo
do Cano ___ ___ ___ ___ ___ ___
Nogueira
1519
Nossa
Senhora da Prior Frei 14 636 Prior Frei
Graça do Fernando de O pé de altar Fernando de 1.595 16.231 30.000 54
Cano Meneses Meneses
1538
S. Brás da
Em 1538
Figueira ___ ___ 5.000 60.000 8,3
5.000
1538
Capelão
S. Lourenço Capelão Frei
5.000 Frei João
das Galveias João Vasques 240 5,240 35.000 15
O pé de altar Vasques
1538 Pousadas
Pousadas
Nossa
Senhora de Prior Frei Pêro Jerónimo
15.328 1.440 16.768 500.000 3,4
Cabeço de Leborato Guterre
Vide 1538
Igreja de
Alter
1 clérigo 2.680 ___ ___ 2.680 ___ ___
Pedroso
1538
Nossa
Prior Frei Mendo 5.448 Prior 1.624
Senhora de Prior Frei
+ 5.960 Com os bolos 13.038 150.000 8,7
Sousel Mendo
1 beneficiado beneficiado do baptismo
1538
Prior Frei João
Matriz de
Magro 13.488 Prior Frei João
Fronteira 1.850 21.338 700.000 3
Ajudador: 6.000 Ajudador Magro
1538
Fernão Lopes

Quadro n.º 252


Totais dos mantimentos dos clérigos
(1515-1519 - 1538)

IGREJAS TOTAL
(reais)
1515-1519 1538
Santa Maria da Alcáçova de Elvas 2.186 ___
Matriz de Juromenha 16.776 ___
Santa Maria do castelo do Alandroal 16.000 ___

Santa Maria do Espinheiro de Seda 15.718 15.718

Santa Maria do Cano/ Nossa Senhora da Graça 15.000 16.231


S. Lourenço das Galveias 5.240 ___
Igreja matriz de Fronteira ___ 21.338
S. Brás da Figueira ___ 5.000
S. Lourenço das Galveias ___ 5.240
Nossa Senhora de Cabeço de Vide __ 16.768
Igreja de Alter Pedroso ___ 2.680
Nossa Senhora de Sousel ___ 13.038
TOTAL 70.920 96.013

Verifica-se assim que a Ordem de Avis pagava, aos seus priores (que, muitas vezes, eram em
simultâneo, tesoureiros) em numerário, durante o quadriénio 1515-1519, uma média de cerca de
12.000 reais, sendo admissível que os capelães recebessem menos de metade dessa quantia. Na
década de trinta o valor médio mantinha-se idêntico. Chama-se a atenção que estas médias são
meramente indicativas uma vez que os cálculos que efectuamos não respeitam sempre ás
mesmas comendas (nomeadamente a inclusão de Fronteira altera os resultados médios). Assim,
poderá deduzir-se, em termos gerais, que nas mais de duas décadas decorridas entre 1515 e 1538
os priores estudados que desempenhavam simultaneamente as funções de tesoureiro,
(adicionando assim outra fonte de remuneração com prejuízo do exercício das suas obrigações
visto que se encontravam frequentemente na contingência de recorrer a auxiliares,
designadamente para as confissões e na Quaresma), possivelmente mantém valores equivalentes
aos anteriormente mencionados. Acrescentam, no entanto, e a partir do capítulo geral de 1538, o
pé d’altar. A despeito de não se poder afirmar que houve melhorias nas remunerações dos seus
priores é visível uma tendência nova no sentido de aumentar o número de clérigos em serviço
nas comendas agravando os encargos financeiros das mesmas, o que implicava redestribuir a
despesa dos mantimentos de cada uma por mais pessoas (casos de Fronteira e Sousel).
Embora os dados sobre os capelães sejam menos sólidos parece confirmar-se que estes
permneciam menos tempo em funções e, ao contrário dos priores, nem sempre eram recrutados
entre os clérigos da Ordem, factos que talvez se expliquem pela circunstância de que, embora
com menos obrigações, alguns tinham dever de residência, auferindo, em média, menos de um
terço do mantimento dos priores, remuneração aparentemente menor do que aquela que tornaria
o cargo apetecível e capaz de fixar duradouramente esses clérigos nas suas capelanias.

Património edificado

As igrejas
Talvez a melhor forma de ilustrar algumas das realidades que o estudo do património edificado
(no caso, as Igrejas) nos despertou, seja precisamente através da consideração do seguinte quadro
onde condensamos uma parte da informação conhecida. Uma vez que as mesmas foram já
descritas ao longo das visitações não entraremos, de novo, em considerações exaustivas sobre o
assunto.
Quadro n.º 253
Igrejas 1519-1538

Priorado/ Área
Nº de
Igrejas Características gerais Capelani (m2) Capela-mor
Naves
a 1519 1538
Santa Maria da Rebocada e caiada. Era
De abóbada redonda de
Alcáçova de ladrilhada mas encontrava-se Priorado 365 ___ 5
pedra e cal ladrilhada
Elvas em mau estado
Lajeada a pedra, com
Matriz de
___ Priorado 145 ___ ___ grades novas
Juromenha

Rebocada e caiada por dentro e


Santa Maria do por fora madeirada com
Castelo do castanho. Tinha púlpito em Priorado 154 ___ ___ Forrada a madeira
Alandroal ladrilho e pia baptismal e de
água benta
Santa Maria do
De pedra e cal, madeirada sobre
Cano (1519), De pedra e cal, caiada por
4 esteios de alvenaria
Nossa Senhora Priorado 115 150 3 dentro. Foi elevada e
redondondos, com pia batismal
da Graça do alargada entre 1519 e 1538
em pedra.
Cano (1538)
De pedra e barro, caiada por
dentro e por fora, madeirada
S. Brás da Pavimentada com lajes de
com castanho, com duas pias de Capelania 145 ___ 3
Figueira pedra
água-benta e uma pia baptismal
em pedra
De pedra e cal, caiada por
dentro e por fora, madeirada e
Santa Maria do lajeada, com duas pias de pedra
Forro de madeira pintada,
Espinheiro de para água benta e outra Priorado 201 ___ ___
grades de pau pintadas
Seda baptismal sobre um degrau de
ladrilho, púlpito novo em pinho
e estante alta de madeira
Ladrilhada, madeirada sobre
S. Lourenço das asnas, caiada por dentro e por Mal lajeada, forrada com
Capelania 69 ___ ___
Galveias fora, com pia baptismal em tabuado de pinho
alvenaria de pedra
De pedra e cal, madeirada sobre
Santa Maria da Forrada com madeira de
asnas, com pia baptismal e pia Capelania 52 ___ 2?
Graça de Mora freixo e amieira
de água benta
Derribada, uma vez que se
Matriz de procedia ao aumento do
___ ___
Sousel respectivo comprimento e
reconstrução da capela-mór
De pedra e cal pavimentada
De pedra e saibro, com 3
com lajes e campas, madeirada
degraus de acesso, lajeada,
sobre asnas e forrada a castanho
Santa Maria de madeirada sobre asnas e
arco do cruzeiro em pedra Priorado 289 ___ 4
Fronteira forrada com castanho.
cercado com grades novas.
Arco do cruzeiro em pedra
Coro em pinho, armado sobre 2
cerrado com grades novas
arcos de tijolo
Santa Maria de De pedra e cal em reconstrução Priorado 250 ___ ___ Em pedra e barro, ainda
Cabeço de Vide pelo Comendador Diogo de em construção
Miranda em 1538. Madeirada
com castanho, pia baptismal em
pedra, coro em construção
Santa Maria de O corpo da Igreja estava Capelania ___ ___ ___ ___
Alter Pedroso derrubado por terra

Este conjunto de 12 igrejas que o quadro regista, visitadas (com excepção de Santa Maria da
alcáçova de Elvas que o foi ainda em 1516) respectivamente em 1519 e 1538, corresponde a 8
priorados e 4 capelanias, verificando-se que as dimensões e características dos templos estudados
divergem consoante se trate de uns ou de outras uma vez que os templos dos priorados que
estudámos tinham, em média, 160 m2, e nunca menos de 145, enquanto a superfície média das
igrejas das capelanias não excedia os 67 m2, área inferior à das ermidas urbanas de Elvas.
Como se confirmará no ponto dedicado á demografia esta desproporção ficava a dever-se ao
diferencial entre o número de moradores, mas também ás rendas das respectivas comendas e,
muito provavelmente, à época em que haviam sido edificadas. Muito embora o crescimento
demográfico ocorrido durante o período em apreço possa ser considerado moderado, igrejas
como as de Morae do Cano foram ampliadas (esta em 30% da sua área, crescimento assíncrono
em relação ao aumento populacional e denotando um subdimensionamento), parcialmente
reconstruídas, como era o caso do Alandroal e de Alter Pedroso, ou totalmente reconstruídas,
como sucedia com Sousel e Cabeço de Vide. Estas ampliações e reconstuções incidiam tanto
sobre os templos pertencentes a comendas com uma renda insignificante (caso do Cano, Mora e
Alter Pedroso), média (como era a de Sousel), ou elevada, como era o caso do Alandroal e de
Cabeço de Vide, e correspondiam tanto a priorados como capelanias. Tratava-se de um projecto
de ampliação e/ou reconstrução que se estendia transversalmente a quase metade dos templos em
apreço.
Independementemente das circunstâncias específicas que lhes estariam subjantes (ruína ou
subdimensionamento) os enviados do Mestre ordenavam, sem contemplações de renda ou
destaque social dos respectivos Comendadores, mas sempre tendo em atenção o volume da renda
das comendas, as reconstruções ou ampliações entendidas como necessárias, nos prazos julgados
adequados, onerando pesadamente as supracitadas rendas dessas comendas que, em caso de
incumprimento, corriam o risco de serem totalmente embargadas até à conclusão do que havia
sido determinado.
É certo que o Mestre se encontrava estribado num preceito canónico pois "segundo determinação
dos sagrados cânones nenhum Comendador podia gastar em seu proveito a renda da igreja que
lhe era dada em encomenda sem primeiro serem reparadas todas as coisas que a ela pertenciam
e ao serviço dela, em especial as coisas que eram necessárias para se celebrar o ofício divino e
dar os santos sacramentos, e manter sem penúria quem administrava os sacramentos".
Este preceito, como tantos outros, poderia ter sido contornado, "interpretado" ou sofismado em
favor dos Comendadores e do próprio Mestrado. Mas tal não sucedia, o preceito não só mantinha
a sua eficácia como, na prática, era exercido até ás suas últimas consequências que, nos casos
extremos, poderiam chegar, como vimos, ao embargo total das rendas das comendas.
Vamos deter-nos nesta questão, tentando reflectir sobre ela, no respeitante ás comendas põe nós
estudadas. Como tivemos ocasião de verificar a propósito do tombo (incompleto) de bens da
Ordem de Avis iniciado em 1364, nessa ocasião a milícia acusava já um declínio da sua
capacidade militar, posteriormente terá recuperado dessa situação, a ponto de ter coadjuvado o
Condestável D. Pedro no conflito da Catalunha, afinal a seu último envolvimento militar além-
fronteiras. O retrato que nos é fornecido pelas fontes em estudo não deixa lugar a grandes
dúvidas: como veremos a propósito do património militar edificado, e das questões que se
prendem com a propriedade rústica, a Ordem de Avis, nas primeiras décadas do século XVI, a
despeito de ter mantido características formais de Ordem Militar, parece ter perdido por
completo qualquer veleidade castrense, encontrando-se reduzida à situação de senhorio rentista
mediocremente administrado, mas com uma jurisdição espiritual de que não abdicou, e que
continuava a ser exercida com determinação e pertinácia, frequentemente lesivas dos interesses
da pequena oligarquia de Comendores, parentes, contraparentes ou apaniguados do Mestre D.
Jorge.
Ao declínio da dimensão militar não parece ter correspondido, de acordo com as fontes em
apreço, a um declínio paralelo e simultâneo da dimensão espiritual.
É certo que, na conjuntura político-militar da época, a Ordem Militar de Avis constituiria, quando
muito, um potencial latente que, em tese, conviria manter adormecido durante o reinado de D.
Manuel I e, em último caso, se porventura se tivessem esgotado todas as complexos interfaces da
diplomacia de D. João III, poderia apenas ser chamado a desempenhar um limitado papel
regional na hipótese, sempre evitada, de um confronto directo com o império dos Habsburgo.
Já no plano espiritual, estando mergulhado na profunda crise religiosa da época, coexistindo com
o advento da Inquisição, e a chegada da Companhia de Jesus, obrigado a manter as suas
prerrogativas face a uma diocese de Évora reforçada, era vital para o Mestrado, e justificativo da
sua própria situação, a vários títulos excepcional, que a sua jurisdição espiritual se mantivesse
viva e actuante.
Com um património fundiário que, (nas comendas em estudo, não excederia os 6.000 hectares de
terra agricultada), se encontrava em mão dos arrendatários das rendas, situação que, ao menos
parcialmente, se estenderia aos direitos senhoriais, os encargos financeiros resultantes do
mantimento dos clérigos, conservação das igrejas, ornamentos, paramentos e alfaias
indispensáveis ao culto absorveriam grande parte (e nalguns casos, como o do Cano, e das
Galveias a quase totalidade) das receitas dos Comendadores absentistas. Essa situação justificaria
que estes últimos adiassem, sempre que possível até ao último instante, os investimentos mais
vultuosos, a despeito das recomendações que a norma da Ordem sempre incluía a este respeito..
E também, ao menos parcialmente, a acumulação de comendas nas mãos dos mesmos titulares
que, deste modo, poderiam acudir com os proventos das mais rendíveis ás necessidades daquelas
que acabavam por não ser isoladamente viáveis.
Esta última hipótese obriga-nos a sopesar a qualificação de "absentistas" que temos vindo a
emprestar aos titulares das comendas em apreço. É seguro que, em casos como os de António de
Mendonça, documentadamente residente em Setúbal, os almirantes Azevedo, que quase
seguramente residiam junto à corte, de Diogo de Gouveia, dignitário da Casa de D. Jorge, dos
Henriques de Miranda que ocupavam cargos e dignidades desde Vila Viçosa a Elvas e Fronteira
restam poucas dúvidas sobre a sua posição de Comendadores absentistas destas comendas.
Mas não é possível excluir que, pelo menos alguns deles, pudessem residir noutras comendas, a
exemplo de D. Duarte de Almeida, comprovadamente residente em Seda com toda a sua casa, ou
de Diogo de Miranda que, em Cabeço de Vide se encontrava a braços com um pesado programa
de reconstruções, não apenas em Cabeço de Vide como também na vizinha localidade de Alter
Pedroso. Sendo certo que, exluíndo aqueles que comprovadamente habitavam junto à corte ou à
Casa de D. Jorge, os restantes, no caso de serem titulares de várias comendas, não poderiam
residir simultaneamente em todas elas.
Referimos atrás que as técnicas construtivas da época obrigavam a uma manutenção constante
dos edifícios, e mencionámos também a natural tendência dos Comendadores para adiarem as
intervenções nesse mesmos edifícios que implicassem investimentos pesados, recordaremos
ainda que, por via de regra constituía obrigação dos moradores colaborar na manutenção dos
templos, designadamente atravéz da prestação de serviços que não implicassem mão de obra
qualificada. Essas obrigações ficavam anotadas de visitação em visitação, tal como as tentativas
de arbitragem de divergências surgidas no atinente à interpretação da extensão dessas mesmas
obrigações.
As fontes por nós estudadas oferecem ainda o testemunho de um labor incessante dos visitadores
no sentido de promoveram, não apenas as referidas obras de reconstrução e ampliação, mas
também as intervenções mais limitadas de restauro, manutenção e reposição dos paramentos,
ornamentos, livros sacros e alfaias julgadas indispensáveis ao culto. Não se esgotava no entanto
aqui o papel dos enviados de D. Jorge, preocupados com a regulamentação de coimas e receitas
subsidiárias destinadas à fabrica dos templos (como as receitas das sepulturas, por vezes
desviadas pelos Comendadores), a existência de tesoureiros responsáveis, e a eleição de
recebedores e manposteiros idóneos que, em conjunto com os priores, e fiscalizados pelos juízes,
garantissem a boa gestão das receitas destinadas ás supracitadas fábricas dos templos. Todo este
esforço transparece, embora de forma sucinta, do conteúdo dos quadros seguintes em que
procuramos proporcionar uma visão de conjunto que seria impossível retirar consultando apenas
o conteúdo das visitações, tais como as descrevemos nos capítulos anteriores.
De igual modo se comprova o exercício da autoridade de D. Jorge, através de visitadores com
poderes delegados, verificando que a maioria das determinações realmente importantes e
urgentes acabavam por ser cumpridas e, não o sendo, originavam severas medidas de coação.
Ressalta ainda o facto do empenho primacial da Ordem se encontrar focado na recontrução,
ampliação ou simples manutenção das igrejas, sem descurar a situação e desempenho dos
respectivos clérigos e seus auxiliares, e se as alfaias, ornamentos e paramentos parecem, por
vezes, constituir apenas uma segunda prioridade será necessário ter em conta que a sua
substituição constituiria, em boa parte, um corrolário das reconstruções e reparações mais
onerosas.
Oportunamente salientamos o simbolismo cristão do sepultamento em terreno sagrado, referindo
que as receitas advenientes dos tumulamentos nas igrejas e dos enterros nos respectivos adros se
destinavam à fábrica dos mesmos templos
Verificámos que tanto o preço pago por essas sepulturas, bem como a respectiva cobrança, e o
destino a dar a essa receita, variavam de acordo com o consuetudo local e davam origem a
litígios frequentes que os visitadores procuravam harmonizar através de regulamentação,
tornando-se por vezes necessária a intervenção directa do Mestre que, valha a verdade, procurava
tornar nivelados e razoáveis os custos implicados
Por via de regra o custo de uma campa na capela-mór (que podia atingir o equivalente a um
marco de prata) era superior àquele que se cobrava no corpo da igreja que, por sua vez, era mais
elevado do que enterro no adro ou zona adjacente ao templo. Mas, dada ausência de uma tabela
fixa universalmente aplicável, os visitadores constataram que nalgumas igrejas em vez de existir
um preço fixo pelas sepulturas, cada um pagava somente aquilo que queria dar, costume que não
aprovaram. E por isso ordenaram que, daí em diante, as pessoas que se quisessem fazer enterrar
na igreja passassem a pagar o seguinte: na capela-mor o supracitado marco de prata, ou alguma
peça para ornamento da dita igreja que o valesse, e no corpo da igreja quinhentos reais pela
mesma maneira.
Dinheiro esse que deveria ser entregue, como dinheiro das sepulturas, ao recebedor da fábrica,
perante o escrivão dela, para ser gasto na mesma fábrica, e não em coisas profanas.
O pagamento dessas receitas, que passariam a ser exclusivamente destinadas à fabrica da igreja,
tinha vindo a originar atritos, uma vez que não eram pagas como, e quando se deveriam,
gerando-se demandas sobre tais questões, razão pela qual os visitadores determinaram que daí
por diante se procedesse da seguinte maneira: o prior não daria covas dentro da igreja sem que
estas fossem previamente pagas, entregando-se de penhor um marco de prata para construir e
ladrilhar as ditas sepulturas, penhor, ou penhores, que seriam entregues ao recebedor, perante o
escrivão da fábrica. E mais, que se o prior não cumprisse esta determinação, pagasse tudo isso da
sua casa, ficando metade para quem o acusasse e metade para a fábrica.
Mas, não obstante os esforços desenvolvidos para regulamentar esta matéria, os conflitos
prosseguiram atingindo os casos extremos de Comendadores que desviavam o dinheiro da
sepulturas e de fiéis que enterravam defuntos no interior dos templos sem autorização prévia, ou
sequer conhecimento dos respectivos priores ou capelães.
A mais recorrente das determinações particulares relativas a obras nas igrejas incidia sobre uma
questão que, à primeira vista, poderá parecer surpreendente: a constatação de que a existência de
um sacrário não se encontrava ainda generalisada nas igrejas sob jurisdição da Ordem de Avis
nos primeiros decénios do século XVI. Depreendemos que essa situação, podendo não ser
exclusiva dos templos da milícia, constituía uma preocupação diocesana, e objecto de reiteradas
advertências por parte do bispo. Que a construção do sacrário não obedeceria, na ocasião, a
regras geralmente divulgadas, e seguidas, parece depreender-se da minúcia das instruções sobre
o respectivo modus faciendi que os vistadores deixaram estipuladas.
Impõem-se uma curta referência heráldica referida nas fontes estudadas. Já havíamos registado
no tombo de bens iniciado em 1364 alusões a vestimentas e arreios marcados com a cruz verde
da Ordem. No século XVI os paramentos são ornamentados com cruzes de vária feição e cor,
mas nunca com a menção expressa à cruz verde da Ordem. Em contrapartida, em 1519 refere-se
um cálix de prata na igreja do Cano que pertencia a António de Mendonça tendo gravados os
sinais de Ave Maria, numa clara alusão ás armas dos Lasso de la Veja Mendoza, marqueses de
Santillana em Castela, que os Furtado de Mendonça portugueses haviam assumido com a
ordenação heráldica que figura na campa armoriada de Duarte Furtado de Mendonça no
convento do Espinheiro (final do século XV), bem como um cofre armoriado que pertencia ao
mesmo Comendador e se encontrava numa ermida. São igualmente mencionados no mesmo ano
vários paramentos e ornamentos, bem como guarda-pós pintados que ostentavam as armas de
Azevedo usadas pelo almirante Lopo Vaz, Comendador de Juromenha. E, finalmente, é descrito
em 1538 um armário com cercadura de mármore na igreja de Cabeço de Vide que tinha pintadas
(no início do século XVI) nas portadas as armas do Comendador Diogo de Azambuja. Em 1538
emerge do conteúdo das determinações um novo desiderato que consistia em fazer colocar nas
cimalhas da fachada nobre das igreja da Ordem e nas casas de pousada dos Comendadores a cruz
de Avis, esculpida em pedra, como marca de posse, para que esses edíficios fossem
imediatamente reconhecidos como pertença da Ordem.
Não regressaremos à questão das esculturas (tanto em pedra como em madeira) e pinturas que se
encontravam em cada um dos templos descritos uma vez que já foram objecto de inventário em
cada uma das visitações estudadas, comentada a predominância da pintura parietal e retábulos, e
aliás constituem uma questão cujo estudo pormenorizado iria sobrecarregar um trabalho já de si
extenso, sem prejuízo da possibilidade de uma análise específica em estudo ulterior.
Cabe, ainda, a oportunidade para algumas reflexões de ordem geral relativamente à partição das
responsabilidades em caso de obras e/ou aquisições que, ao longo destas visitações foram sendo
detectadas.
Assim:
Quadro nº254
Partição das responsabilidades
Obras e aquisições

Igrejas Comendador Fregueses


Alcáçova de Comendador financiava metade dos encargos da conservação e reparação da Não tinham quaisquer
Elvas igreja e sua dotação com ornamentos e vestimentas, cera e incenso. obrigações
Era obrigado a suportar metade dos encargos com a visitação do bispo, e o
mantimento do tesoureiro.
Cano O Comendador mantinha e reparava a igreja Se a igreja ruísse
provia-a com alfaias, paramentos totalmente ou caísse
e ornamentos parte dela os fregueses
dariam 1 dia de
serventia
Juromenha O Comendador mantinha e reparava a igreja Em caso de reparação
provia-a com alfaias, paramentos acarretavam pedra,
e ornamentos, pagava mantimento água, tijolos e telhas
do prior e tesoureiro, bem como a Forneciam a cera e
visitação do bispo azeite
Figueira O Comendador mantinha e reparava a igreja provia-a com alfaias, paramentos Davam serventia para
e ornamentos as obras.
A igreja tinha oliveiras
deixadas em testamento
para prover ao azeite.
Em caso de míngua,
uma candieira esmolava
para este fim.
Alandroal A Ordem e os beneficiados de Coruche mantinham e reparavam a igreja Ninguém tinha a
proviam-na com alfaias, paramentos e ornamentos, porque esta não possuía obrigação da cera e o
nada com que se mantivesse azeite era esmolado por
uma candieira
O Comendador mantinha e reparava a igreja provia-a com alfaias, paramentos Davam serventia para
e ornamentos as obras
Seda A igreja tinha oliveiras
deixadas por defuntos
para o azeite da igreja a
candiieira esmolava o
restante
Galveias O Comendador mantinha e reparava a igreja provia-a com alfaias, paramentos Davam serventia para
e ornamentos e era responsável pelo azeite e cera as obras
Cabeço de O Comendador mantinha e reparava a igreja e as casas dentro da cerca ___
Vide
Alter O Comendador mantinha e reparava a igreja e as casas dentro da cerca do ___
Pedroso castelo
Mora ____ O concelho estava
obrigado ao
corregimento do cálix,
que era seu e andava
sempre em poder do
procurador do concelho
com todos os outros
ornamentos da igreja, e
estava obrigado a dar
anualmente conta dos
gastos.
Fronteira O Mestre mantinha e reparava a igreja provia-a com alfaias, paramentos e ___
ornamentos

Já no que se refere aos resultados das intervenções e aquisições efectuadas em cada comenda,
apresentamos de seguida a síntese possível perante uma imensidão de dados que as fontes
espelham, na qual procuramos evidenciar as situações mais recorrentes ao longo dos anos em
observação nesta dissertação.
• Aumento da área das Igrejas

Porque se entendeu que, em certos casos, a Igreja da localidade era pequena para a quantidade de
fiéis, ficando muitos deles do lado de fora enquanto se celebravam os ofícios divinos a que
paroquianos eram obrigados a assistir, sob pena de pecado mortal, ficou decidida a ampliação de
vários templos (Alandroal, Alter Pedroso, Cano, Cabeço de Vide, Mora, Sousel), optando-se por
soluções diversas, desde o derrube das portas principais, à construção de novos campanários fora
da Igreja. Valores concretos, são conhecidos para a Igreja de Mora, que sofre um aumento de
área na ordem dos 37%. Adstritos a estas tomadas de decisão surgem quase sempre preocupações
pela gestão da renda e sua aplicação neste tipo de obras (visível, por exemplo nas penas previstas
a aplicar aos comendadores no caso de incumprimento destas decisões).
Houve casos de pleno cumprimento das ordens recebidas, como aconteceu na Igreja do Cano,
primitivamente da invocação de Santa Maria, e em 1538 designada como Nossa Senhora da
Graça, teria sido efectivamente ampliada e melhorada. Inclusivamente essa reconstrução ocorrera
já há alguns anos visto que, na visita em estudo, foi determinado que se reparasse o telhado do
templo para não chover dentro. Tratou-se de uma obra de amplitude considerável que exigiu o
derrube da parede da porta principal, e parte da parede do campanário e o derrube e alargamento
em sessenta e seis centímetros de cada lado e na parte cimeira do arco da capela.
Outro exemplo interessante é o da Igreja de Sousel, cuja obra de reconstrução se encontrava por
terminar em 1538, ordenaram ao Comendador, sob pena de 4.000 reais para as obras do
Convento, que mandasse fazer, e terminar, a dita capela com abóbada, tal como estava ordenado,
com o seu arco de cruzeiro e mil réguas gradis de pau fechadas até ao dia de S. João (27 de
Fevereiro) do ano seguinte de 1539, de maneira a que, dentro de aproximadamente cinco meses,
ficasse tudo acabado e se pudesse celebrar nela.
Que saibamos, acontece uma única vez a circunstância de ser mencionado um caso em que a
totalidade do corpo da igreja de Santa Maria de Alter Pedroso se encontrar derrubado por terra
tornando necessário mandar erguer de novo o templo.

• Obras de média dimensão

Aparecem chamadas de atenção para a necessidade de reparar as capelas-mor das igrejas, tal
como aconteceu Cano em 1519, nomeadamente ordenando-se ao Comendador que a capela fosse
sobradada com madeira de castanho e competada com um gradeamento de madeira com portas e
fechaduras no arco da capela. Tempo houve, ainda, para ordenar a construção de um coro na
nave do meio da igreja, sobre a porta principal, levantado em tramos ou em arcos de tijolo.
Mais tarde, em 1538, as preocupações incidem sobre a reparação do telhado da igreja de modo a
que não chovesse no interior do templo. A registar, ainda nesta altura, uma preocupação pelo
colocar da cruz da ordem sobre a porta principal da igreja, como aconteceu, também pela mesma
altura na igreja de Sousel.
Na Igreja de Juromenha, as preocupações mais ilustrativas direccionaram-se para a necessidade
de rebocar e cair a igreja e telhar bem como terminar a obra do campanário e colocar nele os
sinos, mandando construir uma escada de acesso exterior.
Também em Seda, no segundo ciclo de visitações, a capela-mor estava forrada de novo com
pinho, uma vez que tinha sido retirado o forro pintado, muito velho, que lá estava anteriormente,
e que a pia baptismal se encontrava cercada com grades de pau que lá tinham sido colocadas.
Uma vez que estas reparações não se encontravam previstas nas determinações particulares de
1519 parece lícito deduzir que teria entretanto sido efectuada, pelo menos, uma visita intercalar.
Em Santa Maria do Espinheiro de Seda, 1519, e à semelhança do que se apurou em Juromenha,
foi ordenada a construção de uma escada de acesso ao campanário e é interessante verificar que,
mais tarde, os visitadores ordenaram que se acabasse a obra no campanário, não especificando,
todavia, se se tratava ainda da escada de acesso. Esta mesma igreja tinha muita necessidade de
ser retelhada e cintada de cal porque chovia nela daí que se ordenou revolver e telhar a dita igreja
e cintá-la de cal. Verificaram também que o templo tinha necessidade de umas portas novas na
porta travessa que dava para a vila porque as que existiam se encontravam totalmente quebradas,
tendo inclusivamente caído. De igual modo as portas principais necessitavam ser consertadas e
restauradas.
O telhado da capela-mor da igreja de Fronteira, danificado que estava o medeiramento, foi alvo
de obras para evitar que a chuva entrasse na capela. A estas determinações proveram os
visitadores em 1538.
Na pequena localidade das Galveias, a porta da Igreja preocupou os visitadores porque, de tão
velha que estava, bastava o vento para a derrubar, encontrando-se frequentemente caída no chão.
Foi ordenado que se fizesse uma porta nova.
A necessidade de se adquirir uma nova pedra d’ara, já detectada em 1519, continuava por
resolver na década de trinta o mesmo se aplicando à pia baptismal, totalmente degradada em
1519 assim prevalecia, (tal como também acontecia em outras localidades como Figueira), não
se podendo sequer fazer baptismos porque no momento em que lhe deitavam água esta vazava
directamente para o chão.
O sacrário da Igreja do Alandroal foi alvo de reparo em 1519, quando se ordenou a colocação de
uma cortina corrediça e de uma lâmpada, para cujo combustível seria constituída uma reserva de
110 litros de azeite.

• Substituição de material de culto

Finalmente, um interesse visível pela aquisição de material de culto que tornasse digno o
celebrar dos ofícios litúrgicos e demais cerimónias religiosas.
Em Figueira, em 1538, ordenou-se ao Comendador, que, no prazo de 4 meses, mandasse comprar
e colocar duas novas vestimentas e um novo frontal. Constata-se que, ao logo de 19 anos tinham
sido adquiridas cortinas, toalhas, lençóis, mantéus, e pouco mais. Embora se tivessem comprado
uma tábua pequena de retábulo e substituído algumas peças, determinações sobre alfaias
litúrgicas importantes como o turíbulo, não tinham sido cumpridas, enquanto outras alfaias
importantes, como a obradeira de fazer hóstias e a lâmpada, aparentemente não tinham sido
reparadas nem substituídas. Entre 1519 e 1538 apenas um missal fora adequirido. Por esta razão
são muitas as observações feitas pelos visitadores em 1538 lembrando a necessidade de comprar
duas galhetas de estanho, um baptistério com os ofícios da unção e enterro, por exemplo.
Na comenda do Cano, os visitadores do ciclo de 1538 encontraram muitas vestimentas e
ornamentos velhos e gastos e a necessidade de adqurir um turíbulo, uma arca onde se
guardassem os ornamentos e uma caixa para as hóstias, para além de mandar consertar o cálice
de prata da Ordem que tinha o pé quebrado. Ao elaborarem um novo inventário do que então
existia, percebe-se uma diferença em relação ao material encontrado em 1519 o que pode
confirmar, em nosso entender, a realização de, pelo menos, uma visitação intercalar na qual
teriam sido determinadas novas aquisições. Pode, ainda, colocar-se a hipótese do comendador
António de Mendonça ter recorrido ao recheio de outras igrejas de que era igualmente
Comendador para suprir as necessidades desta. Casos houve, no entanto, em que se procedeu a
uma real melhoria nas condições, neste caso, dos paramentos, como aconteceu com capa de
cetim de damasco arroxeado, velha e rota referida em 1519, a qual aparece substituída em 1538
por uma outra nova, igualmente em de cetim, agora carmesim.
Também na igreja das Galveias se compararmos as vestimentas entre 1519 e 1538 verificaremos
que, na última data, restavam ainda, do acervo de 1518, uma vestimenta e um bancal, tendo
entretanto sido adquiridos uma nova vestimenta de pano da Guiné e quatro novos frontais. Como
as determinações de 1519 apenas previam a aquisição de 2 frontais de pano da Índia para os
altares do cruzeiro, admitimos que tivesse existido, pelo menos, uma visitação intercalar em que
tivesse sido ordenado o remanescente das aquisições.
Na vila de Fronteira, em 1538, era necessário adquirir três frontais de bancais para servirem de
cote nos altares. E também uma vestimenta de damasco azul para a imagem de Nossa Senhora.
Foi ordenado ao recebedor da fábrica que cumprisse tal obrigação em 4 meses, sob pena de mil
reais para a fábrica.
Foi constatado em 1519 ser necessário adquirir um par de galhetas de estanho e outra caixa de
madeira com suas ambulas para os 3 óleos santos e umas toalhas novas para o altar-mor na igreja
de Santa Maria do Espinheiro. Sinal positivo no que se refere ao cumprimento de algumas destas
disposições, pois, em 1538 cumpriu-se a ordem de mandar fazer a referida caixa e um armário no
tesouro em que ficassem fechados. A prata desta igreja limitava-se a um cálice com sua patena, e
uma cruz pequena, ambas as peças deixadas em testamento. A avaliar pelas informações
recolhidas em 1519 (nomeadamente porque aí se fala da necessidade de adquiriria uma cruz de
prata com 1.150 gramas para as procissões e festas dado que na igreja existia somente uma,
muito pequena pertença do concelho), é de calcular que nada fora feito para prover a esta
situação.
Caso único neste conjunto de determinações passou-se nas Galveias, onde a campainha que
servia à comunhão (já desde 1519) estava quebrada e não tinha badalo, tendo sido ordenado que
a trocassem por uma nova. Nessa mesma igreja, em 1519 os visitadores haviam ordenado aos
juízes que tomassem contas a todas as pessoas devedoras à igreja, que assentassem as heranças
dos defuntos, ou de qualquer outra proveniência para garantir a compra de um cálice de 460gr,
disposição que se cumpriu em 1538. Estas funções podiam recair sobre os comendadores como
aconteceu na mesma cronologia em Juromenha quando se ordenou que este responsável
mandasse fazer uma cruz para a igreja com o apuro da prata em dívida para com a igreja.
O mau estado dos livros usados para o culto constituiu uma outra dimensão destas primeiras
inspecções, chegando-se, por vezes, a conhecer realidades muito preocupantes. No caso de Mora,
incidem as atenções nos missais e livros de ofícios de baptizar, ungir e encomendar os finados,
em falta na comunidade, mas no Cano em 1519 havia necessidade de missais e de um exemplar
das constituições do Bispo para que o prior se pudesse reger e ensinar os fregueses os preceitos
aí contidos. Outras vezes, havia a percepção de que os livros ainda poderiam ser recuperados
pelo que se fala em mandar encadernar missais que se encontravam desencadernados, como
ficou registado em Seda.
As preocupações com os livros litúrgicos parece que não surtiam grande eco no seio destas
comunidades como se comprava se relembrarmos o estado da questão nas Galveias entre 1519 e
1538. Aí os quatro livros mencionados na primeira visitação prevalecem em 1538, obviamente
ainda mais danificados, existindo um únici missal do costume de Évora que, entretanto fora
adequirido.

As capelas e ermidas

Uma vez que todas as inúmeras capelas constantes nas fontes estudadas foram já descritas por
ocasião das visitações efectuadas às comendas em que se encontravam, limitar-nos-emos a um
breve balanço final.
Assim, nos domínios da Ordem de Avis retratados pelas fontes em apreço, localizaram-se as
seguintes ermidas e capelas.

Quadro nº255
Ermidas da Ordem de Avis

Localidade Ermida
Ermida de São Bento
Ermida de Nossa Senhora da Ourada
Alandroal
Ermida de Nossa Senhora das Ervas
Ermida de São Sebastião
Alter Pedroso Capela de S. Bento
Ermida de S. Brás
Ermida do Espírito Santo
Cabeço de Vide Ermida de Santa Ana
Ermidas de S. Sebastião
Ermida de S. Tiago
Ermida de São Sebastião
Cano Ermida de Santa Catarina
Ermida de S. Pedro
Ermida de Santiago
Elvas Ermida da Madalena velha.
Ermida de Nossa Senhora da Graça
Ermida de Nossa Senhora de vila velha
Ermida de São Pedro
Ermida de São Sebastião
Fronteira Ermida de Santiago
Ermida de Santa Catarina
Ermida de São Miguel
Ermida de São Sadorninho
Ermida de Santiago
Ermida de S. Sebastião
Juromenha Ermida de Santa Catarina
Ermida de Santa Maria de vila Real
Ermida de S. Brás
Ermida de S. Brincos
Mora Ermida de S. Romão
Ermida de S. Gião
Ermida de São Bento
Seda Ermida de Santo António
Ermida de São Briços
Ermida de Nossa Senhora da Orada
Ermida de São Pedro
Ermida de São Pedro
Ermida de São Sebastião
Sousel
Ermida de São Miguel
Ermida de São João
Ermida de São Miguel
Ermida de São Bartolomeu

Nas comendas mencionadas existiam uma capela e 41 ermidas. Embora as fontes sejam, em
muitos casos, omissas em relação a várias informações importantes foi possível concluir que a
capela e 12 ermidas (30%) encontravam-se em estado de ruína, e 7 em diversos estágios de
reparação (16%). Apenas 5 (11%) se encontram referidas como tendo bens que rendessem para a
sua manutenção, enquanto 25 (56%) se mantinham e reparavam à custa das esmolas e devoção
dos fiéis.
Apesar de se referirem, pelo menos 30% de ermidas derribadas, e algumas outras em mau estado,
permanece elevado o quantitativo daquelas que se encontravam a ser reparadas (16%),
demonstrando o apego e devoçãos dos respectivos fiéis, geralmente lavradores e camponeses,
pois apenas encontramos referência a uma delas edificada e provida por um fidalgo, o
Governador Diogo Lopes de Sequeira.
Parece evidente que algumas destas ermidas, situadas em zonas mais apartadas, acabavam por
assumir uma função subsidiária, a ponto de terem capelão que as servisse com maior ou menor
periodicidade, e se encontrarem dotadas com ornamentos paramentos e alfaias. Os respectivos
fiéiis constituíam, em nosso entender, o contraponto aos moradores das vilas que, em
considerável percentagem, se tentariam eximir, ou compririam mal, os preceitos de missas
dominicais e festivas, ou a obrigação de confissão e comunhão. Mas convirá introduzir a esta
expressão de genuína religiosidade popular a perpectiva antropológica, que aponta para que estes
locais de reunião dominical e, por vezes, de romaria, constituíam afinal os pólos de um ritual de
socialização hebdomadária ou periódica, de importância fulcral para populações residentes em
casais dispersos pelos termos.
É certo que não nos encontramos perante um surto de proliferação anárquica recente destas
ermidas, muitas das quais eram tão antigas que se tinha perdido a memória dos seus fundadores,
ou sequer de quem estaria obrigado à respectiva manutenção. Mas tratava-se de um fenómeno
que o senhorio tinha toda a conveniência em disciplinar no sentido de evitar o esbanjamento de
recursos mal aproveitados e a fractura dos moradores em núcleos de fiéis mal recenseados e
divididos em comodatos casuísticos com clérigos alheios à Ordem. E esta iria actuar com
prontidão uma vez que, pelo menos desde 1515, tinha incluído entre as determinações gerais
medidas disciplinadores.
Eram demasiado numerosas as ermidas edificadas em localidades sob jurisdição da Ordem de
Avis (25 situadas dentro das localidades e 16 localizadas fora das comendas), já que a maioria
delas não possuía quaisquer bens ou rendas próprias. É certo que uma parte delas se mantinha
por devoçãos dos fiéis que as conservavam e, nalguns casos, chegavam a reedificá-las, algumas
eram centro de romarias, ou objecto de especial devoção. Mas uma percentagem elevada jazia
em ruínas, ou encontrava-se em mau estado de conservação, sem paramentos nem alfaias
litúrgicas, sendo altamente provável que a maioria destas últimas não se encontrasse aberta ao
culto. A determinação em apreço constituía uma medida profiláctica destinada a suster a
proliferação de situações análogas ás descritas.
Não era permitido construir ermidas em terras da Ordem sem autorização do Mestre, (…) nem
tão pouco iniciar a respectiva construção sem mostrar previamente a licença do Mestre.
Mas também se conclui que algumas dessas ermidas se encontravam dotadas com paramentos,
ormentos, livros e alfaias litúricas que por incúria ou má fé poderiam ser ser desencaminhadas,
pelo que a Ordem se esforçava por criar práticas e regras de alcance geral que as
salvaguardassem sob a sua égide.
Se a maioria destas ermidas que permaneciam abertas ao culto se mantinham graças a donativos
dos fiéis, e cinco delas possuíam bens prórios geradores de receitas, era inevitável que surgissem
problemas ligados à oigem, aplicação e gestão desses dinheiros, sobretudo porque a sua
manutenção implicava que alguém seria responsável pela sua gestão. Neste caso, foi possível
identificar 13 ermitãos, um capelão e um mordomo.
Já mencionamos que a Ordem recebia o pé d’ altar dalgumas ermidas, mas não se limitava a isso,
como se comprova pela seguinte determinação geral, registada na documentação relativa à
comenda do Cano.
Entenderam os visitadores que as jóias de ouro e prata, e a cera que se ofereciam na dita igreja
e ermidas, tal como cabeças, pernas, braços e outras, pertenciam à Ordem. E considerando que
tais coisas e as sobreditas jóias deveriam andar juntas com a renda da fábrica que se convertia
na reparação da dita igreja e ermidas, ordenaram que daí em diante as ditas jóias fossem para a
fábrica.
Embora a fixação de regras e a determinação de responsabilidades fosse uma componente
importante das prerrogativas do Mestrado, a Ordem de Avis não se cingiu apenas a este tipo de
funções. Como descrevemos acima neste ponto, existem exemplos (por exemplo nas comendas
do Cano e Alter Pedroso) da sua evidente intervenção ordenando aos Comendaores a reparação e
reconstrução de capelas e ermidas.
O caso que se afasta destas características mais comuns é o das ermidas situadas na parte urbana
de Cabeço de Vide, com excepção das de S. Sebastião e S. Tiago, esta última completamente
arruínada, e a cuja conservação ninguém estava obrigado, sustentando-se de esmolas.
Assim, todas as outras construídas nesta comenda eram de construcção mais robusta do que uma
boa parte das anteriormente referidas, ao invéz de estarem dependentes da boa vontade e
devoção de alguns moradores, encontravam-se bem cuidades e providas. Esta discrepância
ficaria a dever-se ao facto de que, no ano de 1538, numa delas se encontrava instalada, com
autorização do Mestre, a confraria da Misericórdia à qual, por provisão régia, tinha sido anexado
o hospital, e na outra uma confraria de mancebos solteiros da vila, que aliás a tinham fundado,
sufragânia do hospital do Espírito Santo de Roma, bem gerida e denotando dinamismo e
iniciativa, junto à qual se encontravam em construção as instalações do hospital novo. Sendo
flagrante o constraste entre a actuação destas confrarias no plano assistencial e a inércia que
reinava nos hospitais da Ordem de Avis.

Os hospitais: obra assistencial

De igual forma, e uma vez que todos os hospitais constantes nas fontes estudadas foram já
descritos por ocasião das visitações efectuadas às comendas em que se encontravam, limitar-nos-
emos a um balanço final.
Quadro n.º 256
Hospitais

Estado das Rendimento


Comenda/Localização Pessoa/entidade responsável
instalações/recheio (reais)
Alandroal
1516 Mordomo eleito anualmente ___ 342
Rua Direita da Fonte
Era um celeiro com paredes
de pedra e barro madeirado de
trouxa e coberto de telha vã.
Cano Hospitaleiro: Henrique Possuía unicamente um
1519 Álvares e sua mulher, almadraque usado, e cheio de ___
Rua da Malva Guiomar Dias lã e um chumaço de lã velho,
uma manta da terra velha e
rota, bem como 2 cobertas
usadas.
Cano
O hospital encontrava-se
1538 ____ ____
derribado e em pardieiro
Rua da Malva
Figueira Um provedor nomeado pelo Tratava-se de uma só casa, 3112
1519 rei detinmha a chave que grande, com paredes de pedra
e barro, madeirada de trouxa e
cedia a uma mulher para abrir
coberta de telha vã. Tinha um
sempre que necessário.
Junto à Praça esteio no meio.
Recebia do provedor 200
Possuía unicamente 4 lençois
reais por esta acção
de estopa.
Tratava-se de uma só casa,
grande, com paredes de pedra
Figueira Jerónimo Rodrigues era o
e barro, madeirada de trouxa e
1538 provedor nomeado por carta .
coberta de telha vã. Tinha um
Junto à Praça régia
esteio no meio.

Duas casas: uma dianteira e


um celeiro, com paredes de
taipa erguidas sobre alicerces
de pedra, e cobertas de
Galveias
cortiça.
1519 Confraria de São Domingos
Tinha duas cobertas, três
Rua Principal
cabeças de lã velhas, rotas e
mal-cheios e dois enxalmos
de manta da terra e uma
esteira de tábua.
Galveias
1538 Hositaleira: Maria Álvares ___ ___
Rua Principal
Fronteira
Provedor da Misericórdia de Casa com paredes de pedra e
1538
Fronteira: Henrique de cal, pavimentada com lages. ___
No rossio da vila, pegado à
Miranda Estava bem dotada de camas.
Igreja

Em face destas variadas situações presentes aos hospitais situados em localidades da Ordem de
Avis, parece possível concluir que, nas duas décadas que se seguiram à fundação da Misericórdia
de Lisboa, e subsequente proliferação do seu modelo, a anacrónica assistência que ia sendo
prestada pelos hospitais de Avis tivesse motivado, num primeiro tempo, a intervenção do
monarca que teria passado a nomear directamente provedores para os hospitais. No entanto esse
modelo híbrido não teria resultado, nem era natural que assim sucedesse, ocasionando a livre
associação dos moradores em institutos assistenciais, ou mesmo a criação de Misericórdias nas
vilas sob jurisdição de Avis. A Ordem, que como veremos a seu tempo, já havia perdido qualquer
relevância militar, seria assim substituída na sua função assistencial.

8.2.2. Dimensão Senhorial

Demografia

Antes de entrar na dimensão senhorial propriamente dita convirá ter uma noção quantitativa
aproximada da escala do universo humano sobre a qual a mesma incidia, tal como faremos com
o espaço físico a propósito da dimensão partimonial.
Existem para o período em apreço dados demográficos que permitem, não apenas estabelecer
algumas ordens de grandeza e proporcionalidade, mas também o seu confronto com dados
similares que são referidos nas visitações estudadas.
Com efeito, as localidades que intregravam esta primeira comarca de visitações da Ordem de
Avis – que englobaria todas as visitações sobre as quais trabalhámos – situavam-se na comarca e
coreição d’Amtre Tejo e Odiana e de Riba d´Odiana na qual se iniciou, em data posterior a 30 de
Junho de 1527, decorrendo até 5 de Abril de 1532, um numeramento das cidades, vilas e lugares
nela compreendidos, bem como os respectivos moradores.
Neste numeramento de iniciativa régia, que corresponde sensivelmente ao período a que se
reporta este trabalho, e cujos resultados serão validados pelas estimativas dos visitadores
contidas nas fontes em estudo, foram inventariadas 116 cidades, vilas e concelhos nas quais
residiam aproximadamente 50.000 moradores, correspondendo apenas a cerca de 3 % da
população do reino que, como é sabido se estimava nessa época em aproximadamente 1.500.000
habitantes. Estamos claramente em presença de uma comarca com uma baixíssima densidade
populacional.
Deste total de 116 povoações que integraram o supracitado numeramento, repartidas entre vários
senhorios, como as 12 que pertenciam ao Duque de Bragança e somavam 6.329 habitantes, um
núcleo que perfazia mais de 50% da localidades recenseadas (61 povoações no total) era pertença
das Ordens Militares.
Dentre estas últimas avultavam os espatários, aos quais, como possuidores de 31 localidades
correspondia um pouco mais de 50% da globalidade das povoações na posse das ordens, (e 25%
do total da comarca) exercendo senhorio sobre cerca de 10.395 moradores.
Em segundo lugar, mas a uma enorme distância do senhorio pertencente à Ordem de Santiago, e
muito próximo da implantação territorial das duas outras milícias presentes na região, vinha o
Mestrado de Avis, com 3.959 residentes.
O terceiro lugar competia à Ordem de Cristo, que detinha 10 localidades, com cerca de 1.292
moradores e, finalmente, a parcela mais exígua destas povoações das ordens militares, cabia ao
Priorado Crato, com 6 localidades, que somavam cerca de 1.654 habitantes, apesar de tudo mais
362 do que a Ordem de Cristo.
Ao logo do estudo das visitações de que nos ocupamos poderemos verificar que são pequenas as
divergências entre o cômputo dos moradores que elas referem e os números constantes do
"censo" de 1527-1532, o que talvez autorize a considerar genericamente ajustados à realidade os
resultados fornecidos por esta última fonte, nos quais baseamos uma tentativa de reconstituição
da escala aproximada do peso demográfico da comarca de Entre Tejo e Guadiana e, dentro dela,
das terras das Ordens Militares, individualizando a dimensão relativa dos moradores das
localidades da milícia de Avis.
Encontramo-nos assim perante um território onde, embora por escassa margem (52,58%), as
localidades das Ordens Militares são maioritárias, embora representem apenas cerca de 35,3% da
população recenseada.
Verifica-se que as 13 localidades da milícia de Avis, agora em apreciação,(apenas o terceiro
senhorio regional, com modestos 34, 2% dos moradores sob jurisdição espatária, e 62,5% dos
moradores das terras da Casa de Bragança) mal perfaziam 8% da totalidade dos habitantes de
Entre Tejo e Odiana que, como vimos acima, representava apenas 3% da população do reino
entre 1527 e 1532.
Estamos em crer que este simples cômputo populacional poderá auxiliar a compreender as
ordens de grandeza com que nos deparamos, e contribuir para enquadrar a Ordem de Avis em
termos de peso regional e, por extrapolação, nacional, se tivermos presente que as comendas
estudadas constituem grande parte do "núcleo fundacional" da milícia.
Situação compreensível tendo presente que a densidade populacional da região em apreço
permanecia comparativamente baixa, pelo menos desde a ocupação romana, e caracterizando-se
por uma concentração urbana e peri-urbana dos moradores, com um acentuado decréscimo
populacional nos respectivos termos, como se constatará nas visitações estudadas pelo número
de casais dispersos pelas periferias das concentrações urbanas. O surto demográfico, inicialmente
tímido e entrecortado, tinha dado os primeiros passos sob os auspícios dessas mesmas Ordens
Militares, responsáveis por uma parcela significativa do repovoamento cristão, mas a respectiva
curva ascencional só se tornou evidente no final da Idade Média, beneficiando sobretudo os
aglomerados populacionais de maior dimensão que, frequentemente, coincidiam com cidades e
vilas que não pertenciam a essas mesmas Ordens Militares.
As populações adstritas à Ordem de Avis e residentes nas mais de 27 Comendas e no património
fundiário disperso, que não se encontram abrangidas nestes números, só parcial e indirectamente
poderão ser estimadas através das visitações e fontes avulsas incidentes sobre umas e outro.
Como é evidente virão a aumentar o peso demográfico das populações tuteladas pela milícia
mas, estamos em crer, não virão a alterar substancialmente a posição hierárquica relativamente
modesta que ela ocupava na escala dos senhorios do reino.
Antes de iniciar a análise casuística da população de cada comenda relembremos, uma vez mais,
que nos estaremos a debruçar sobre qualquer coisa como 8% da totalidade dos habitantes de
Entre Tejo e Odiana que, representava apenas 3% da população do reino entre 1527 e 1532.
Quadro n.º 257
População das comendas estudadas

Comendas Fontes estudadas Numeramento Desvio ente Fontes estudadas Evolução


1515-1519 1532 fontes e 1538 demográfic
numerament a
o
Alandroal 300 4,5 1350 364 4,5 1638 + 288 ___ ___ __ Acréscimo
de 17,6%
(1516 e
1532)
Alcáçova de 117 4,5 527 __ __ __ ___ ___ ___ __ __
Elvas
Alter __ __ __ 18 4,5 81 ___ __ __ __ __
Pedroso
Avis __ __ __ 824 4,5 3708 ___ 147 4,5 662 __

Cabeço de __ __ __ 400 4,5 1800 ___ 400 4,5 1800 Estagnação


Vide
Cano 120 4, 540 124 4,5 558 + 18 150 4,5 675 Acréscimo
5 de 12,5%.
(1519-
1538)
Figueira 50 4,5 225 52 4,5 234 +9 50 4,5 225 Estagnação
Fronteira 500 4,5 2250 578 4,5 2601 +351 __ __ __ __

Galveias 60 4,5 270 72 4,5 324 + 54 100 4,5 450 Acréscimo


de 17%.
(1519-
1538)
Juromenha 200 4,5 900 218 4,5 981 + 81 __ __ __ Acréscimo
de 11%
(1516 e
1532)
Mora 80 4,5 360 74 4,5 333 - 27 __ __ __ Decréscimo
de 9%.
(1519-
1532)
Seda 200 4,5 900 184 4,5 828 - 72 230 4,5 1035 Acréscimo
de 12%.
(1519-
1538)
Sousel __ __ __ 457 4,5 2057 __ __ __ __ __

A irregularidade com que nos chegam estes valores reduz o interesse pelos totais gerais (que, por
compararem evoluções localmente diferentes, nunca revelariam a realidade da tendência
demográfica), daí que nos parece ter mais interesse constatar que num período caracterizado por
um crescimento demográfico moderado tal foi registado em cinco comendas, com um valor
máximo de crescimento na comenda nova das Galveias (nas datas expoente), a par de um
decrécimo de população em Mora e uma estagnação demográfica em Figueira e Cabeço de Vide.

8.2.3. Dimensão Patrimonial

Propriedade rústica

MARQUES sublinhou a seu tempo que o Além-Tejo era uma comarca importante no quadro da
economia do reino no século XVI, situando-se Entre-Tejo-e-Odiana alguns dos "grandes"
aglomerados populacionais da época, como Évora, Estremoz e Elvas. Situação que, de acordo
com o mesmo historiador, coabitava com a existência de charnecas muito grandes e
despovoadas, configurando a paisagem de uma comarca relativamente erma com alguns núcleos
urbanos importantes mas sobretudo, naquilo que nos importa, pontuada por pequenas localidades
circundadas por uma área peri-urbana de mosaicos de culturas salpicados por casais isolados na
envolvente.
No entanto o relevo, os solos, o clima, e a orografia determinavam que, em termos relativos, o
elevado rendimento das terras agricultadas e a sua aptidão cerealífera constituíssem uma
excepção, apenas suplantada pela zona de Santarém e manchas esparsas do Ribatejo. A
comprovar a importância do contributo do cereal aí produzido estava o facto de que, desde finais
do século XV, era principalmente o trigo alentejano que abastecia os fornos de biscoito de Vale
do Zebro, bem como todo o Sul do reino e, ainda, a capital O supracitado historiador considerava
a Ordem de Avis como um dos latifundiários da comarca referindo, de acordo com o já referido
inventário de bens da Ordem iniciado em 1364, herdades de pão que lhe pertenciam em Avis,
Fronteira, Veiros, Serpa, Moura, Noudar, Beja, Mourão, Olivença, Alandroal Juromenha e Vila
Viçosa. Mas, de todas estas localidades, apenas iremos tratar de Avis, Fronteira, Alandroal e
Juromenha, acrescentando-lhe as outras comendas referenciadas nas fontes por nós estudadas e
que não constavam do antedito inventário.
Os resultados e propostas a que chegaremos, não desmentindo embora este quadro muitíssimo
genérico, irão suscitar, desde logo, algumas questões sobre a escala e tipologia da propriedade, a
distribuição dos bens fundiários da Ordem de Avis por Comendadores, rendeiros e foreiros, o
quantitativo das respectivas produções e o seu contributo para o rendimento anual do Mestrado.
Começaremos por apresentar a distribuição da propriedade delimitando o campo de observação
que as fontes permitem.

a) Tipologia e distribuição da propriedade rústica

Quadro n.º 258


Quadro comparativo da propriedade em posse dos Comendadores
Comendas Área das Área arrendada Percentagem na Área sob Percentagem da
propriedades pelos posse dos análise área sob análise
da Ordem Comendadores, Comendadores (hectares)
(hectares) ou sem contratos
(hectares)
Alcáçova 668 583 87,2% 84.4 12,8 %
de Elvas
Juromenha 724 644 88,4 80 11,6%
Alandroal 1200,2 989 82,4% 211 17,6%
Cano 93 41 44,2% 52 55,8%
Figueira 223 173 77,5% 50 22,5%
Seda 424,6 339 80% 85,6 20 %
Galveias 136 64 47,7 % 72,6 52.3%
Mora 2.297 2.296 + de 99% 0,00753 -de 1%
Totais 5.766 5.129 89 % 636 11%

O quadro antecedente, ressalvando sempre o valor aproximativo dos números com que estamos a
trabalhar, aponta para algumas evidências de enquadramento. Em primeiro lugar na propriedade
rústica das treze comendas estudadas, apenas oito localidades (62%) se encontram medidas, dado
que as cinco remanescentes remetem para tombos de bens da Ordem efectuados em visitações de
que apenas temos referência, pelo que as desanexamos deste quadro.
Em segundo lugar os 62% bens fundiários da propriedade rústica que as fontes por nós
trabalhadas restituem não excedem os 5.776 hectares. E, se tivermos presente que a propriedade
dessas oito comendas oscila entre valores tão diversos como os 93 hectares da vila do Cano e os
2.297 da comenda de Mora, qualquer tentativa de encontrar um valor médio das localidades
medidas para o extrapolar para as cinco comendas não medidas não passaria de um exercício
fútil, muito embora a ele nos vejamos obrigados a recorrer supletivamente no intuito de tentar
descrever uma panorâmica geral e de obter números mais coerentes.
Em terceiro lugar torna-se evidente que o total de 5.776 hectares de terras de vária natureza,
aptidão e produtividade que constituíam o somatório dos bens próprios da Ordem nas oito
supracitadas comendas corresponderia à área de algumas das grandes casas agrícolas alentejanas
do século XIX, constatação que, desde logo, reduz à sua efectiva escala as considerações
genéricas que a historiografia tem vindo a produzir sobre a dimensão latifundiária das ordens
militares portuguesas, sem curar frequentemente de destrinçar a especificidade de cada uma
delas neste domínio.
Em quarto lugar verificaremos que dos 5.776 hectares de propriedades rústicas da Ordem 89%,
ou seja 5.129 hectares, se encontravam nas mãos dos Comendadores que as exploravam ou, com
muito maior frequência, arrendavam directamente sem que as fontes mencionem o valor ou
constituição dessas rendas. Como é evidente essas omissões empobrecem, e muito, a
representatividade real dos valores, limitando a nossa análise mais completa a uns escassos 637
hectares, ou seja, 11% da propriedade total das oito supracitadas comendas sobre as quais
subsistiram, nas fontes estudadas, os respectivos contratos agrários.
Do que acima ficou enunciado, verificando desproporção entre a esmagadora maioria da área que
se encontrava em mão dos Comendadores, e a superfície residual que era objecto de contratos
agrários conhecidos, e conjugando essas áreas com a superfície dos termos das comendas que,
em traços genéricos, nos é fornecida pelo, muitas vezes referido, numeramento de 1532, parece
poder deduzir-se que a Ordem de Avis não detinha o monopólio da propriedade rural dentro dos
limites territoriais das suas comendas. Antes a partilhava com os herdamentos dos moradores,
implantados nesses espaços desde as primitivas cartas de povoa, de que reproduzimos textos,
outorgadas pelos Mestres da milícia na sequência das doações feitas à Ordem, constatada a
necessidade de tornar atractivas para o repovoamento essas áreas ermadas ou taladas durante a
chamada reconquista. E, finalmente, que comendas como a do Cano, abrangendo uns escassos 93
hectares (parte dos quais com olivais e vinhas desaproveitadas e extensões de mato maninho)
dificilmente seriam economicamente viáveis. Constatação que as duas visitações estudadas
evidenciam, levando-nos a colocar a hipótese de que o respectivo Comendador, António de
Mendonça, tio do Mestre D. Jorge, se visse obrigado a financiar a despesa corrente dessa
comenda, acrescida com os pesados encargos decorrentes das determinações particulares, com
receitas de outras comendas que detinha, como veremos mais detidamente a propósito das rendas
das comendas.

Quadro n.º 259


Distribuição da propriedade

Área Área
Área Área Área Área Área
Herdade Courelas/
Comendas Defesas Vinhas Olivais Ferragiais Hortas
s terras
(hectares) (hectares) (hectares) (hectares/m2) (hectares/m2)
(hectares) (hectares)
Alc. de Elvas 575 30,4 30,4 11 19
Juromenha 275 70 367 4,2 3,4 2,2 2,4
1.452m2
Alandroal 204 1,6 983 5,2 ___ 3,8

Cano 41 ___ 43 6 1,47 ___ 0,6


Figueira ___ 214 ___ ___ ___ 9,4 ___
Seda ___ 71 338 10 32 1,6 4
Galveias ___ 131 ___ 3, 5 ___ ___ 958 m2
Mora 2. 296 ___ ___ ___ ___ 7.534 m2
Avis ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
Sousel ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
Fronteira ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
Cabeço de
___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
Vide
Alter Pedroso ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
TOTAIS 1. 095 2. 814 1. 731 59,3 47.9 13,3 30,6

Quadro n.º 260


Percentual dos diferentes tipos de propriedade

Herdade Courelas e Defesa Vinha Oliva Ferragia Hortas, pomares e


s terras s s is is chãos

19% 48,8% 30% 1% 0,8% 0,2% 0,2%

Os valores constantes nos dois quadros antecedentes permitem concluir a predominância da


(relativamente) grande propriedade sobre o minifúndio constituído por pequenas parcelas
destinadas na sua totalidade a vinhas, olivais, hortas, pomares e ferragiais. Avulta também o peso
esmagador das culturas cerealíferas, representando bastante mais de 40% de toda a terra
agricultada, se comparadas com a mancha (insuspeitadamente diminuta) das vinhas e olivais.

A questão cerealífera
Á primeira vista parece natural esta predominância das culturas cerealíferas Com todas as
reservas necessárias, e procurando obter apenas ordens de grandeza aproximativas, se levarmos
em conta que as terras de pão que se encontram medidas nas fontes estudadas totalizavam 3.125
hectares, e que o valor hipotético das outras terras de pão referidas mas não medidas que se
mencionam nas 5 restantes localidades (cerca de 31% das comendas em apreço) não excedesse
outros 1.500 hectares, chegaremos a um postulado que ronda, em termos gerais, os 4.600
hectares de terras de cultura cerealífera para o conjunto das comendas que estudámos.
Considerando por sua vez que uma seara alentejana anterior ao século XVIII poderia produzir,
nos bons anos agrícolas, uma tonelada/hectare, e nos anos maus entre 600 e 700 kg de trigo, e
utilizando como base de cálculo 850kg/hectare, obteremos produções anuais que poderiam
rondar as 3.931 toneladas de cereal para o conjunto das comendas estudadas. Como
beneficiamos de uma preciosa equivalência referida nas fontes por nós estudadas, e reportada a
1538, do litro de trigo a 2,4 reais, ou seja, 2.400 reais a tonelada, estimamos o valor bruto da
produção anual de trigo e cereais de "segunda" das comendas os 9.660.000 de reais ou, se o
preferirmos, 24.000 cruzados. Estes valores, reportam-se a terras que, na sua esmagadora
maioria, eram directamente arrendadas por mão dos Comendadores, omitindo as fontes os
valores das respectivas rendas pelo que se torna objectivamente impossível calcular a
percentagem bruta que corresponderia ao encaixe dos mesmos Comendadores. Mas, se
admitirmos que a renda postulada correspondesse a ao valor do quinto da produção obteríamos
um rendimento de, aproximadamente 1.932.000 reais. São números relativos a apenas 13
comendas que, ascendendo a 14% das rendas do Mestrado dificilmente se compatibilizam com
os 13.750.000 orçamentados como rendimento global das 44 comendas constantes da relação
efectuada em 1534, também conhecida por "orçamento de 1534". Mas importa ter em conta que,
cerca de meio século volvido (1607), a diocese de Évora recolhia anualmente, apenas em
dízimos, cerca de 960 toneladas de trigo, ou seja, um valor próximo de 24% da produção
estimada das Comendas em apreço, de acordo com o Livro em que contém toda a Fazenda, de
FALCÃO, autor que regista para as Ordens Militares de Avis, Cristo e Santiago rendimento
advenientes do trigo e da cevada na comarca de Entre-Tejo-e-Odiana equivalentes a 576
toneladas.
Este quantitativo divergiria inadmissivelmente das ordens de grandeza que apresentamos se não
fosse necessário levar em conta que os números de FALCÃO se reportam apenas a Salvaterra,
Alcácer do Sal, Vila Viçosa e Benavente. É certo que as fontes por nós estudadas referem
geralmente que a renda desta ou daquela comenda é estimada em tanto, "valor pela qual se
encontra arrendada", ou que rendimento desta ou daquela propriedade "andava com a restante
renda da comenda", ou, finalmente, que "a renda de Figueira não se pode saber ao certo porque
o Comendador a recolhe toda há anos". É certo que os quantitativos apresentados pelos
visitadores como representando as rendas das comendas em estudo divergem frequentemente
daqueles que se encontram na, já referida, relação de 1534, apresentando desvios superiores ás
variações (aliás geralmente pouco significativas) que podem ter ocorrido no lapso de tempo
decorrido entre 1515 e 1538. E que esta última, talvez por se basear em, pelo menos, duas fontes,
apresenta valores divergentes para as mesmas comendas. E, finalmente, como se verifica pelo
supracitado paradigma de Figueira, que os próprios visitadores apresentam os valores pelos quais
as receitas andavam arrendadas, demonstrando que fornecem quantitativos aproximados. De tudo
isto parece lícito concluir que esta "contabilidade" da Ordem não é particularmente fiável, pelo
menos neste particular.
Ficamos realmente perplexos ao constatar que o somatório das rendas das mesmas comendas que
podiam, em tese, libertar 2.200.000 reais de valor do trigo produzido, enquanto o somatório das
rendas não excedia os 3.381.000 reais.
Mas admitindo que as verbas referidas correspondam, pelo menos, a "ordens de grandeza",
talvez se possa concluir que os Comendadores, na sua maioria absentistas, arrendavam as suas
receitas num montante fixo estimado. Prática como é sabido corrente, mesmo no caso das rendas
da Coroa, e que tinha a vantagem de evitar os inconvenientes da cobrança directa, e garantia o
encaixe dum quantitativo anual fixo. Mas mesmo que viesse a confirmar-se que esta prática era
de facto generalizada, a incompatibilidade de receitas acima detectadas poderia significar que a
margem dos arrendatários configurava um contrato leonino por parte dos arrendatários que só se
explicaria através de uma gestão rentista completamente desinteressada das mais valias que uma
administração mais interveniente poderia libertar.
No entanto, tendo presente que os quantitativos a que chegámos parecem demasiado elevados
para permitir uma contabilização aproximadamente correcta das receitas das comendas libertadas
pelos cereais, e com o intuito de testar a aplicação generalizada do aforamento à quinta (20%)
decidimos testar os números que ficam acima, analisando alguns aforamentos de terras
cerealíferas a particulares susceptíveis de fornecer elementos comparativos.

Quadro n.º 261


Propriedades cerealíferas aforadas a particulares

Produção estimada Percentual de


Foro
Tipologia do Área Foro numerário
Titular Trigo
prédio/Localização (ha) Trigo (reais) pago à
Reais (hectolitros)
(hectolitros) Ordem

Courela (terra de
trigo) à Torre do Lopo 3,4 (22
Azeite na GonçalvesGar 9,6 82 19.680 alqueires de 769 4
Alcáçova de o trigo)
Elvas em 1515
Courela (terra de
2 (15
trigo) na Caiola, João
12,2 79 18.960 alqueires de 520 2,5
Alcáçova de Fernandes
trigo)
Elvas 1515
Herdade de trigo e 4,14
Vicente Vaz,
cevada do Porto da 416.160 (de trigo) e
morador em 204. 1734 7.000 0,34
Cerva no Alandroal, reais 1,38
Terena
em 1516 (cevada)
Herdade de terra boa
de pão, ao redor da
2,2
ermida de Santa João Coelho 36 306 8.640 590 0,7
(de trigo)
Catarina no Cano
1519

Embora esta amostra de quatro exemplos seja pouco significativa, e logo perigosa para
extrapolar para a globalidade do universo em estudo, parece evidenciar um padrão que consiste
numa média de foros correspondente a cerca de 2% da produção. Apresenta-se assim uma
questão: se a média dos aforamentos ou arrendamentos efectuados pelos Comendadores
correspondia aos supracitados 20% referidos como sendo a prática do Comendador Pedro de
Gouveia em Mora, os quantitativos evidenciados pelo modelo de cálculo acima praticado estarão
próximos da realidade.
Mas se a prática corrente seguisse antes a média dos 2% evidenciados no quadro supra, as
receitas dos contratos de arrendamento ou aforamento referidos ás terras de vocação cerealífera
que a Ordem recebia do conjunto de localidades estudadas, em vez dos 2.200.000 reais acima
apresentados, desceria para os 220.000 reis, ordem de grandeza já compatível com os 2.325.000
reais a que montava a renda orçamentada para as mesmas comendas. E as receitas do cereal
representariam qualquer coisa próxima do 1% da renda global.
Baseados no conteúdo das fontes, com todas as suas omissões e imprecisões, seríamos levados a
concluir, como veremos, que as rendas, de longe, mais avultadas que a Ordem recebia de
contratos agrários eram, precisamente, as do cereal, sendo as restantes comparativamente
despiciendas. Assim sendo, poderíamos concluir que cerca de 98% das rendas das comendas
seriam originadas, não pelos resultados da exploração da terra, mas pelos direitos senhoriais e
outras receitas "fiscais". É certo que a realidade dos resultados da exploração agrícola percebidos
pela Ordem nestas comendas não corresponderia globalmente aos 20% da produção pelos quais
Pedro de Gouveia arrendava terras de pão em Mora, mas também não se situaria nos 2% que
configuram os quatro exemplos constantes no quadro supra.
Foros de tal modo baixos podem sugerir arroteias, ou desbravamento de parcelas regressadas ao
bravio que, por difíceis de trabalhar ou pouco ferazes, constituiriam uma excepção e, por isso
mesmo, teriam sido aforados (quase simbolicamente) a particulares. De qualquer modo, parece
provável que a realidade das rendas e aforamentos estivesse num número intermédio.
Infelizmente o intervalo é demasiado grande, e os dados com que trabalhamos não permitem
arriscar um valor meridiano provável.
Torna-se evidente que, trabalhar com ordens de grandeza e padrões, além dos riscos obviamente
implicados, apenas sugere tendências. De qualquer modo o suficiente para nos interrogarmos
sobre a eficácia do modelo de exploração da terra para que este tipo de raciocínio parece apontar.
Nesta linha de pensamento, tentando validar o nosso postulado de supremacia das receitas
advenientes dos direitos senhorias em relação aos ingressos libertados pelos contratos agrários,
vamos comparar o percentual das receitas dos contrários agrários sobre a produção com o único
exemplo quantificável de direitos senhoriais contido nas fontes que estudámos.

Quadro n.º 262


Exemplo de tributação em terras cerealíferas em 1538

Produção estimada Percentual


Tipologia do Área Foro
Titular pago à
prédio/Localização (ha) (litros)
Hectolitros Reais Ordem

Terras de pão, de 2
dízimas nas Galveias,
Sétima
medidas de L/P pelo De cada 830
parte
caminho que ia das litros de trigo
570 (14%)
Galveias para Santarém e Herdeiros 67 14.000 recolhido, 117,3
84
de N/S a partir da pedra da litros de foro à
hectolitros
praça e pela rua de Ponte Ordem, (14%)
1.900 reais
de Sor até ás cimalhas da
Caniceira

Mais uma vez fomos compelidos a trabalhar sobre amostragens pouco representativas, neste caso
dois únicos exemplos, mas, a fazer fé nos resultados a que chegámos na aplicação das duas
dízimas a estes 67 hectares de terras de pão nas Galveias, as receitas geradas para a Ordem eram
nitidamente superiores ao quantitativo dos foros das terras de pão aforadas a particulares, e
bastante mais próximas do arrendamento "à quinta" praticado pelo Comendador de Mora.
Em apoio a esta "suspeita" nesta última localidade, grandes extensões de terras de pão
encontravam-se como era hábito na posse do Comendador, que as dava a lavrar exlusivamente a
lavradores da vila, e não áqueles que residiam no termo, encontrando-se ainda sujeitas à dupla
dízima do seguinte modo "de omze moyos leua a ordem dous moyos de que o bispo e cabido nom
tem parte e dos noue que ficam se pagua o dizimo aa igreja e se parte com os outros dizimos e
asy paguam per esta gujsa e maneira do mays e do menos do que deus a cada hu em as dictas
terras lhe daa" o que parece apontar para uma tributação da ordem dos 18% à cabeça, incidindo
ainda sobre os restantes 82% outros dízimos e, do nosso ponto de vista, sobre esse remanescente
final seria pago o percentual da renda sobre a produção. Embora dentro dos limites da mesma
zona, dada a importância do consuetudo, parece natural que nos encontremos perante um
mosaico de modos de calcular a tributação, as rendas e os foros que, no substancial, podiam
configurar um padrão que, em média, escolhemos equiparar, é certo que um tanto
arbitrariamente, a 15% da produção porque as fontes o referem e porque possibilita uma base de
cálculo.
A atestar que as comendas estudadas integravam uma zona de predominância das culturas
cerealíferas está o facto de se encontrarem referidos 31 moinhos, e 17 azenhas distribuídos do
seguinte modo: Elvas, 3 azenhas; Juromenha, 11 moinhos; Alandroal, 13 azenhas e 8 moinhos,
Mora, 1 moinho, Avis, 3 moinhos; Fronteira, 1 moinho e 1 azenha; Figueira, 6 moinhos e Seda 1
moinho.
Os moinhos de rodízio horizontal, que constituíam o fundamento do sistema de moagem
português e europeu, e as azenhas de roda vertical, que desenvolviam uma força de produção
maior, representavam a esmagadora maioria dos engenhos referenciados nas fontes em estudo.
Ligados ao senhorio que a Ordem detinha sobre certos cursos de água, nem sempre se
encontravam nas respectivas margens uma vez que os progressos técnicos tinham permitido que
a água fosse conduzida para os anteditos engenhos através de levadas e açudes, aumentando o
ímpeto dos caudais e o rendimento dos moinhos. Estas levadas e açudes, frequentemente
devassadas e danificadas pela passagem dos gados, ocasionavam, como tivemos já ocasião de
verificar, conflitos frequentes. De importância vital para a transformação dos cereais, esta
actividade ligava-se a jusante ao comércio das respectivas farinhas que, frequentemente, seriam
transaccionadas in loco, razão pela qual os engenhos se implantavam frequentemente nos
chamados portos que talvez se possam interpretar simultaneamente como fundeadouros e partida
dos caminhos de penetração, (também utilizados pelo gado que ia beber aos cursos de água), uns
e outros ligados ao escoamento dos produtos por cabotagem ou tracção animal. A construção,
manutenção e reparação dos moinhos e azenhas, implicando perícia técnica e investimento,
razões pelas quais a sua exploração andava frequentemente associada, como se constata, a
foreiros-empresários não residentes, que contratavam por vezes a exploração de vários engenhos
em simultâneo, ou, inclusivamente, a membros da nobreza, cavaleiros da Ordem, ou familiares
dos Comendadores. A componente tecnológica destes engenhos andaria ligada a uma eventual
escassez de mão-de-obra qualificada, uma vez que se encontram nas fontes moinhos danificados
que demoravam anos a ser reparados, e o senhorio tinha fixado em quatro anos de prazo o tempo
concedido a Rui Leitão para ter os seus 3 moinhos na Figueira "correntes e moentes".
Como veremos adiante o rendimento proveniente dos foros destes moinhos e azenhas era
comparativamente mais elevado do que aquele que advinha das propriedades rústicas de boa
dimensão e aptidão agrícola.

Quadro n.º 263


Engenhos hidráulicos

Foros das Foros dos Valor médio


Foros dos
Comenda azenhas pisões dos foros
Moinhos moinhos pagos ao Azenhas Pisões
s pagos ao pagos ao (litros trigo)
senhorio
senhorio senhorio
1. 863 litros
Alcáç. de 621
___ ___ 3 de trigo e 6 ___ ___
Elvas
galinhas
Juromenh 2. 583 litros de
11 ___ ___ ___ ___ 235
a trigo
235 para as
2. 815 litros
azenhas
de trigo 2 na 290 litros
1. 063 litros de 145 para os
Alandroal 8 13 400 reais 1 ribeira de de trigo e 2
trigo pisões
galinha e 1 Pardães galinhas
177 para os
frangão
moinhos
Figueira 5 981 litros de trigo ___ 196
___
Seda 1 522 litros de trigo ___ ___ ___ ___

2 galinhas e 1
Mora 1 ___ ___ ___ ___ ___
frangão
3 na rib.ª de 1.795 litros de
Avis ___ ___ ___ ___ ___
Avis trigo
55 litros de ___
Sousel 1 221 litros de trigo 1 ___ ___
trigo
55 litros de ___
Fronteira 1 ___ 1 ___ ___
trigo

Quadro n.º 264


Engenhos hidráulicos
TOTAIS

Foros pagos Foros pagos


TOTAIS Nº
(litros de trigo) (aves)
MOINHOS 31 7.165 2 galinhas/1 frangão
4.788
AZENHAS 18 7 galinhas/ 1 frangão

290
PISÕES 2 2 galinhas

GERAL 12.243 11 galinhas/2 frangãos

Este rendimento dos engenhos hidráulicos correspondia a 29.380 reais, utilizando o preço de 2,4
reais/litro a que já fizemos referência. E, se aceitarmos que possam ter a uma correspondência
generalizada os 9% do total da moenda referidos na fonte como sendo o percentual cobrado pelo
senhorio, o total do trigo moído nestes engenhos das comendas ascenderia apenas a cerca de 85.000
litros (103 moios) desse cereal.
Novas questões podem perfilar-se aqui. Como calculámos atrás a produção global cerealífera das
localidades por nós estudadas em cerca de 4.600 moios (fazendo equivaler aproximadamente o
moio à tonelada), teremos de admitir que, a traços largos, apenas 2,2% desse cereal era
transformado localmente em farinha.Como é sabido o trigo e a cevada eram acondicionados em
sacas de 1980 kg (2,2 moios), e cada um destes sacos necessitava de 2,75 de tecido. Admitimos
que os dois pisões do Alandroal pudessem trabalhar para o "acondicionamento" deste cereal
cujos excedentes seriam encaminhados por via fluvial através do Guadiana em direcção a um
Algarve faminto de cereais e, seguindo a rede hidrográfica em direcção a Noroeste, onde
aportariam ao vale de Zebro e a Lisboa. Mas não temos meios para apurar se os tecidos que os 2
anteditos pisões compactariam se destinariam primacialmente a farinhas (de consumo local), ou
ao escoamento do cereal excedentário.
Tudo o que acabamos de postular parece lógico e admissível em termos genéricos, mas, se assim
é, onde se encontram nas fontes estudadas referências inequívocas à actuação da Ordem de Avis
como entidade coordenadora desse hipotético comércio? Nós não as encontrámos, e não nos
resta outra hipótese que não seja a de admitir que este tipo de fontes possa não ser adequado para
abordar esta última questão, ou que o senhorio se tivesse alheado da vertente comercial do
escoamento dos seus excedentes cerealíferos. E se a Ordem de Avis não se ocupava directamente
do escoamento dos cereais quem o faria, talvez os rendeiros da renda das comendas, Se assim
sucesse avultaria a anacrónica indiferença deste senhorio em relação ás possíveis mais-valias da
actividade comercial. Mas, repetimos, trata-se apenas de uma hipótese.

Agropecuária e pastorícia
Embora abundem as referências directas e indirectas à necessidade de cercar ou avaladar vinhas,
hortas e pomares, as menções de propriedades total ou parcialmente coimeiras a gados, bem
como aos danos provocados por bovinos por uma eguada e se encontrem menções do
aproveitamento sazonal do montado de sobro para a suinicultura ou a necessidade de mudar o
local onde se encontrava um curral dos moradores o certo é que as fontes apenas referem
inequivocamente, além dos coutos dos concelhos destinados ao pasto dos animais de tiro e bois
d’arado, 784 hectares de pastagem e Soveral.
Mas, como dissemos acima, abundam as alusões indirectas à omnipresença da criação de gado e
do pastoreio, através dos testemunhos sobre os prejuízos que essas actividades causavam ás
culturas. Disso mesmo constitui exemplo significativo um excerto da visitação a Cabeço de Vide
que vem confirmar a importância da actividade silvo-pastoril, a diversidade dos gados que eram
criados e, mesmo, a rigorosa protecção do montado por parte da Ordem de Avis, já nesta primeira
metade do século XVI.
Com efeito os visitadores encontraram a coutada e defesa da Chancelariadanificada e cortada por
muitas manadas de gado, apesar do seu trânsito ser proibido naquela propriedade. Perante esta
transgressão determinaram que durante os meses de novidade (Outubro, Novembro e
Dezembro), qualquer porco que fosse encontrado no interior desta defesa pagasse por cabeça 50
reais. Mas no caso de se tratar de manadas de gado vacum, ou varas de porcos que
ultrapassassem as 50 cabeças, pagariam 1000 reais por cada vez que aí fossem encontrados
durante os três supracitados meses. Nos restantes 9 meses do ano os transgressores pagariam a
coima pelo foral ou postura do concelho.
Como era usual, na linha da frente do longo conflito de interesses que vinha a opor os lavradores
aos criadores de gado desta região, encontravam-se as depredações dos rebanhos de ovicaprinos.
Os enviados de D. Jorge, não obstante a importância dos ovinos para a economia regional
determinaram também que, no caso de serem encontrados na antedita defesa e coutada carneiros,
ovelhas ou cabras, pagariam 500 reais de coima por cada vez que lá os achassem. Isto sem
embargo do pastor responsável ser imediatamente preso e mantido no cárcere até que a coima
fosse paga. Julgamos importante realçar que o montante destas multas se destinava a fins
específicos que consistiam na indemnização dos rendeiros e remuneração dos guardas da coutada
em questão.
Como também parece relevante sublinhar o carácter pioneiro da disposição segundo a qual todas
as pessoas que cortassem sobreiros ou azinheiras pelo pé incorreriam numa coima de 500 reais.
Mas mesmo que tivessem cortado apenas ramos das ditas árvores pagariam, por cada um, 100
reais. Medida cujo alcance se compreende melhor recordando não somente a importância do
montado na engorda dos suínos, mas também a utilização da cortiça e da madeira na construção
civil e no fabrico de carvão de sobro.
Torna-se assim possível verificar, embora indirectamente que a pastorícia e a criação de gado
continuavam a desempenhar um papel de relevo na economia local, muito embora não se
encontre nas fontes estudadas outra relação directa entre a Ordem de Avis e estas actividades que
não sejam as menções à dízima sobre os gados.
Embora esta dízima incluísse asnos e potros também não se encontram referências à existência
de equídeos pertencentes à Ordem. Facto tanto mais surpreendente quanto se tratava de uma
ordem militar que pagava rações de cevada aos priores que tivessem montada, e em cujas
residências de Comendadores existiam estrebarias.
Mais uma vez é indirectamente, através dos agravos dos moradores que se torna possível deduzir
que continuavam a pastar em terras da Ordem, mesmo que lhe não pertencessem, coudelarias de
certa monta.
Era este o caso de Brás Palha, fidalgo da Casa do Mestre, que trazia no termo de Fronteira muitas
éguas dentro da coutada do concelho, bem como nas vinhas e olivais e terras dos moradores da
vila. Estes últimos agravaram-se, alegando que o fidalgo invadia a coutada do concelho,
exclusivamente destinada aos bois de arado, e destruía vinhas, olivais e benfeitorias. A situação
teria chegado a tais extremos que, por este motivo, muitos moradores tinham deixado perder as
suas propriedades e não as aproveitavam. Acabou por se constatar a veracidade destas alegações
e foi ordenado ao dito Brás Palha que no prazo de um mês mandasse tirar as éguas da coutada do
concelho, bem como dos coutos das vinhas e dos olivais, e do limite que era dado para as éguas
dos lavradores, sob a avultada pena de 5.000 reais para o Convento. Deste excerto parece lícito
concluir, não apenas a importância da eguada em apreço, mas também que existia um limite para
as éguas dos lavradores, sinal inequívoco de que estaria generalizada a criação de cavalos.
Não parece possível ignorar, ou contornar o, facto de que as referências à pastorícia e
agropecuária contidas nas fontes serem sempre indirectas e relativas a gados que não pertenciam
à Ordem, mas sim a foreiros e moradores. Poderá a Ordem de Avis durante o período em apreço
ter-se alheado da exploração directa da silvo-pastorícia e da agropecuária? Parece-nos que essa
hipótese ganha alguma verosimilhança se recordarmos que a parcela leonina da propriedade
estava entregue aos Comendadores, e que estes arrendavam, não só os bens fundiários que lhes
estavam directamente alocados, como a própria renda das comendas. Tendo presente que tanto a
agropecuária como a pastorícia eram actividades absorventes e que exigiam um controlo estreito,
não as vemos a serem exercidas por Comendadores, na sua maioria absentistas.
Por outro lado já fizemos alusão ao secular conflito que opunha os lavradores aos criadores de
gado na luta pela utilização da terra. A este respeito, e a escassas décadas de distância, durante as
Cortes de Évora (1481-82) os moradores da vila de Avis haviam-se queixado ao recém-
etronizado D. João II (que até aí fora governador do Mestrado) protestando contra uma decisão
do almoxarife da Ordem de Avis que ordenara que se lavrassem todas as terras, quando era
costume e tradição andarem ás folhas, onde o gado podia livremente pastar.
Muito embora Oliveira MARQUES, aliás na esteira de RIBEIRO considere que a novidade
técnica que era o afolhamento trienal não se propagou ao Sul de Portugal uma vez que as
condições climatéricas eram adversas ao cultivo dos cereais de Primavera, as fontes por nós
estudadas fazem menção expressa de terras lavradas trienalmente em folhas. Embora a opinião
dos dois anteditos autores possa representar uma realidade genérica, não restam dúvidas de que o
afolhamento trienal foi ensaiado em propriedades da Ordem de Avis, pelo menos desde o terceiro
quartel do século XV.
E, na prática, as três folhas reduziam a área de pousio, que ficava assim reduzida a um terço do
total, o que reduziria a área de pastagem, situação potencialmente agravada pela intencionalidade
da intensificação das dadas de terra e arroteias patente nas determinações gerais, e nas queixas
dos moradores de Avis. Com uma área de pastio diminuída, entre outras causas admissíveis, pelo
efeito conjugado dos dois supracitados factores, parece natural e admissível que se
multiplicassem os conflitos e depredações nas culturas motivados pelos gados que ressaltam das
fontes. Mas daí a concluir que a agropecuária e o fabrico de lacticínios a juzante se encontravam
em crise neste núcleo de comendas, vai uma distância que os dados sumariados não autorizam
cabalmente a transpor.
Existe ainda uma derradeira questão, que não temos visto tratada, e que repeitando aos mais de
13 hectares de ferragiais referidos nas fontes se prende directamente com a agropecuária. Antes
do mais importa recordar que "ferragial" é uma parcela semeada com cereais (geralmente
centeio, e por vezes trigo que tenha "acamado") que era segado em verde nos finais de Janeiro
voltando a rebentar e a ser cortado em Março.Esse verde, numa época em que não existiam
rações, e o sustento para o gado escasseava, por vezes dramaticamente, no Inverno destinava-se
aos animais estabulados ou de engorda, e também aos vitelos e poldros.
Ora, como tivemos ensejo de ver atrás, esses 13 hectares de ferragiais, correspondendo a pouco
mais de 2% da área agricultada que recenseamos, podem corresponder a uma prática ainda pouco
disseminada na zona em estudo ou, mais provavelmente, a um declínio da criação de bovinos de
engorda e a uma criação de equídeos em que as eguadas seriam criadas exclusivamente "a
campo".

Viniviticultura
Abordaremos agora com maior detença, e circunstanciadamente, as manchas de vinhas presentes
nas comendas estudadas, não tanto em virtude do seu peso determinante na respectiva economia,
mas pelo facto de que os dados contidos nas fontes nos permitem concluir que, dada a pequena
dimensão das courelas, estas se encontravam repartidas por numerosos foreiros que,
necessariamente, as cultivavam numa perspectiva de auto-abastecimento
As 94 courelas de vinha que a comenda da Alcáçova de Elvas possuía, quase integralmente
situadas na zona de Varche, no seu total pouco ultrapassavam os 32,6 hectares, com uma média
de 3.191m2 por parcela de vinhedo (contando com os cerca de 2,6 hectares correspondentes á
estimativa das 8 parcelas de que ignoramos a área, obtida multiplicando-as pela superfície média
das restantes parcelas) e, não obstante, encontrava-se repartida por cerca de 80 foreiros, dois dos
quais em fatiota por serem mortórios as respectivas courelas.
As castas predominantes na época, tanto quanto é possível apurar, seriam possivelmente a
trincadeira preta para os vinhos tintos, e o Fernão Pires para os brancos, sendo necessária cerca
de 1 tonelada de uvas dessas castas para produzir cerca de 750 litros de vinho (ou 130Kg de uva
por hectolitro), o que poderia apontar para produções da ordem dos 2,6 hectolitros/hectare, que
permitem estimar em 85 hectolitros a produção total das vinhas da Ordem na Alcáçova de Elvas.
Dividindo o montante global dos foros em vinho por estes oitenta foreiros, concluiremos que
cada um deles pagaria anualmente 4,2 litros de vinho à bica, uma vez que a Ordem recebia em
foros cerca de 4 hectolitros. Estes números podem despertar alguma perplexidade se
considerarmos que grande parte deste vinho vem referido como sendo cobrada à bica. Com
efeito, se este tipo de recolha permitia aos oficiais da Ordem evitar a adulteração do produto, não
deixava de exigir um considerável esforço logístico para uma escala tão reduzida.
A escala dos pagamentos feitos por estes foreiros permite ter uma noção do percentual dos foros
sobre o vinho produzido. Com efeito, se as vinhas em apreço produziam anualmente cerca de 8,5
hectolitros e a Ordem recebia 4 em foros, chegaremos a números próximos do aforamento "de
meia". VIANA refere, para o ano de 1521, o preço do vinho a 45 reais o almude em Évora, e 30
reais em Beja. Optámos por um valor de 35 reais uma vez que Évora, como centro urbano duma
região poderia apresentar preços comparativamente mais elevados. Nesta perspectiva a produção
das vinhas da Ordem em Elvas ascenderia a 515 almudes no valor de 18.025 reais, recebendo a
Ordem em foros o equivalente a 9.030 reais, correspondentes a 113 reais por cada foreiro
Os títulos de aforamento, todos referidos como novamente feitos pelos visitadores, podem
indiciar, tanto que se tratava de uma renovação de aforamentos anteriores, como de novos
contratos. Nesta última hipótese estaríamos perante um novo "recrutamento (ao menos parcial)
de foreiros. Aceitamos como geral o emprazamento em 3 vidas que, efectivamente, surge
frequentemente expresso. Mas será necessário ponderar se, noutros passos, a simples menção do
emprazamento em vidas, como também se encontra mencionado, corresponderá à regra das 3
vidas, ou se estará referida a contratos que, embora feitos de novo pelos visitadores de 1515, a
foreiros que já deteriam títulos, corresponderia apenas ás vidas ainda não extintas nos primitivos
títulos. Os aforamentos em vidas, duas, três ou quatro " concorrendo embora com os perpétuos
desde muito cedo, só talvez no século XIV se começam a generalizar, em especial nos contratos
realizados entre igrejas, mosteiros e outros institutos pios e particulares.
Recordemos no entanto que já nos finais deste século XVI se considerava que a extensão do
instituto enfitêutico emprazado em duas ou três vidas (tal como se verifica nos casos que
geralmente nos ocupam), praticado por igrejas, mosteiros e ordens militares seria uma das causas
de estagnação (conceito porventura mais adequado que o de decadência) da agricultura no reino
de Portugal Num registo algo diverso, mas um tanto complementar, HERCULANO considerava
que a enfiteuse, se perpétua e hereditária, constituía "o grande meio de progresso na cultivação
do país, da melhor distribuição da população, do melhoramento das classes laboriosas, do
chamamento do proletário ao gozo da propriedade".
Com efeito, a escassos 25 anos da primeira das visitações estudadas (Alcáçova de Elvas), no 38.º
capítulo das Corte de Évora se encontravam ecos do descontentamento dos povos em relação ao
emprazamento em vidas manifestando-se o desejo expresso de que os " bees de raiz das Igrejas
se averem daforar em fatyota" e no mesmo sentido se inclinavam as Ordenações Manuelinas.
MARQUES, por seu turno, opina que residiria mais no montante da tributação do que na forma
da propriedade o condicionalismo de um rendimento agrário condizente com a fertilidade do
solo. E segue COSTA ao apontar que a prestação-base do foro consistia num percentual que
oscilava entre um terço e um décimo da produção respectiva, embora recorde que nos prazos do
mosteiro de Alcobaça, onde os foros variavam entre o terço e o quinto, este último se generalizou
à medida que se caminhava na centúria de Quatrocentos espelhando a melhoria da situação do
lavrador, e constituindo um incentivo ao acréscimo de produção.
Este historiador recorda no entanto que, além do foro, o possuidor do domínio útil se obrigava a
solver numerosas outras prestações: direituras eirádega, jantar, jugada, prestações essas de que
não encontrámos rasto nas fontes estudadas, com excepção de ocasionais referências ao dízimo.
Mas em contrapartida aquilo que se constata nessas mesmas fontes é que predominava a regra do
aforamento emprazado em 3 três vidas em contraste com a irrelevância do aforamento em fatiota
este último andava inequivocamente ligado a courelas de vinha em mortório, parcelas em mato
bravio, ou propriedades que, pela inaptidão dos solos ou pelo seu estado, se apresentavam pouco
atractivos para potenciais aforamentos sem o estímulo adicional representado pelo aforamento
em fatiota, que funcionava assim como um "incitamento" susceptível de atrair os moradores para
desbravar, arrotear ou replantar terras difíceis ou cujo investimento (na sua dupla vertente
financeira e de esforço de trabalho) só seria recuperável a longo prazo. Já no atinente ao
percentual do foro sobre a produção estimada, pese embora a parcimónia dos exemplos, e logo a
sua discutível representatividade, tivemos ensejo de verificar que, salvo casos esporádicos com
as vinhas da Alcáçova de Elvas, o montante se situa claramente abaixo do quinto praticado por
Alcobaça.
Esta situação, a confirmar-se, suscita de novo a questão em aberto da ponderação do montante
das rendas e foros correspondentes ao percentual leonino da propriedade rústica que os
Comendadores contratavam directamente. Sendo evidente que esta parcela dos bens fundiários
das comendas integrava as maiores e, naturalmente, as melhores terras, os 11% remanescentes
que foram objecto de contratos agrários registados nas fontes estudadas poderiam corresponder a
uma fracção residual que, pelas dimensões e características das suas parcelas, necessitaria, a
exemplo do que observámos acima sobre o aforamento em fatiota, do atractivo representado por
foros muito baixos, para encontrar candidatos a enfiteutas.
E, correlativamente, a admissibilidade da hipótese de acordo com a qual os pagamentos
efectuados aos Comendadores pelas terras directamente arrendadas ou aforadas por estes,
pudessem ascender ao quinto da produção que as fontes registam como sendo praticado por
Pedro de Gouveia em Mora, o que tornaria mais plausíveis os quantitativos que apresentámos
para os rendimentos cerealíferos de 89% da área directamente contratada pelos supracitados
Comendadores.
De realçar a coexistência da vinha com a fruticultura que atingia estes quantitativos por espécie.
Quadro n.º 265
Vinhas

Produção Foros percebidos pela


Média
total de Valor Ordem Valor
Área das das
vinho da (reais) Valor dos médio
Comenda vinhas courelas
(hectolitros produção aforamentos dos
s (hectares de
) total (percentual) foros
) 1519 1538 vinha
(reais) (reais)
(m2)

50% da
Alcáç. de colheita,
32,6 85 18.025 9. 030 ___ 3.191 113
Elvas aforamento
de meio
___ 15% da
Juromenha 4,3 11 2.469 580 1.866 39
colheita
17% da __
Alandroal 5,3 14 3.141 500 ___ ___
colheita
1.152
Cano 5,8 15 3.366 160 1.152 4.833 ___ em
1538
__
Figueira

__
Seda 10? 26? 5.831? 1. 479 1. 713 5.263 (?) 84

43 a
Galveias 3,5 9 2.019 110 430 3.500 __ partir de
1522
___
Mora ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___

__
Avis __ 263

__
Sousel __ __

89
Fronteira __ __ 1.605 __ __ __

Cabeço de
__ __ __ __ __ __ __ __
Vide
Referidas
Alter
duas __ __ __ __ __ __ __
Pedroso
vinhas
sem mais
62 em 6 34.861 em
160 em 6
TOTAIS comenda 6 13.727 15.273 __ __ __
comendas
s comendas

Quadro n.266
Alcáçova de Elvas
Complantação nas vinhas

Figueira Amendoeira Ameixoeira Pereira Oliveira Amoreira Romãzeira Nogueira Macieira


221 71 51 37 22 + 21 18 12 7
estacada

Embora fosse notória a predominância da figueira, logo seguida pela amendoeira e pela
ameixoeira, constata-se que a pereira surge isolada (1 em cada parcela) em 37 courelas de vinha.
Uma vez explicadas as bases com que trabalhámos para encontrar os valores de produção global,
produção por cada parcela, e o valor monetária de ambas, o mesmo sucedendo com os foros
recebidos pela Ordem e pagos pelos cerca de oitenta foreiros, respeitantes à mancha de vinhas da
Ordem na Alcáçova de Elvas, passaremos a tratar conjuntamente, tal como já fizemos para o
trigo, o remanescente das vinhas que existiam nas restantes comendas.

Olivicultura
Torna-se particularmente difícil calcular a produção de azeitona neste período por várias ordens
de factores dos quais mencionaremos apenas os três mais evidentes. Antes do mais as variedade
predominantes na região eram a azeiteira, a carrasquenha, a conserva de Elvas, a redondil e
cordovil e a galega grada, umas sensíveis ao olho de pavão e à gafa, outras à tuberculose e à
mosca da azeitona, moléstias contra as quais não se conhecia qualquer tipo de prevenção ou
defesa eficaz. Esta situação originava numerosos anos de contra-safra durante os quais se perdia
a azeitona. Em segundo lugar não se praticava ainda o alinhamento nem o plantio intensivo e as
oliveiras apresentavam diversas idades e dimensões, com reflexo na respectiva produção
finalmente, quanto aos enxertos, realçar que nas zonas de Elvas e Campo Maior estes eram feitos
para híbridar com variedades como a conserva de Elvas e galega grada, visando a obtenção de
um calibre superior do fruto, e características mais adequadas ao consumo à mesa, mas seremos
obrigados por falta de dados a calcular a sua produção como idêntica à das oliveiras
A nossa base de cálculo situar-se-á numa estimativa conservadora de 3 arrobas de azeitona por
árvore (em ano de safra) tendo presente que nos lagares anteriores ao século XVIII se extraía de
14 kg de azeitona 1 kg de azeite que (sendo mais pesado do que a água) correspondia mais de 1
litro de azeite.
Nos 15 olivais da Ordem situados na comenda da Alcáçova de Elvas as fontes mencionam a
existência de cerca de 450 oliveiras e 113 enxertos, a que corresponderia uma produção de,
aproximadamente, 25 toneladas de azeitona, ou um pouco mais de 1800 litros de azeite.
Da produção destas 450 oliveiras e 113 enxertos a Ordem recebia em foros 20 alqueires de azeite
(276 litros, cerca de 15% da produção), 3 galinhas, e, em 2 olivais, um quarto da azeitona e da
fruta ou um terço da azeitona e um quarto da fruta. Estes números apontam para foros
equivalentes a 15% da produção de azeite, e entre um terço e um quarto da fruta e azeitona
quando se tinha optado por este tipo de pagamento.
As parcelas de olival de que nos ocupamos, oscilando embora entre o valor máximo de 20.000
m2 e o mínimo de 4065m2, apresentam uma área média de 8.000 m2 correspondendo a uma
produção média de 138 litros de azeite, sobre o qual 13 foreiros pagavam um foro médio de 21
litros.
Uma vez explicadas as bases com que trabalhámos para encontrar os valores de produção global,
produção por cada parcela, o mesmo sucedendo com os foros recebidos pela Ordem e pagos
pelos cerca de 15 foreiros, respeitantes à mancha de olivais da Ordem na Alcáçova de Elvas,
passaremos a tratar conjuntamente, tal como já fizemos para o trigo e a vinha, o remanescente
dos olivais que existiam nas restantes comendas.

Quadro n.º 267


Olivais

Produçã Média das Valor pago à Ordem Valor


Área das Nº de
o courelas de médio dos
Comendas vinhas oliveiras/enxertos Litro
de azeite vinha Reais % foros
(m2) (unidades) s
(litros) (m2) (litros)
112. 000 450 oliv e 133
Alc. de Elvas 1800 8.000 276 __ 15% 21
enxertos
170 oliveira e 4
Juromenha 30.000 43 __ 7,5%
enxertos 571

__
Cano 14. 500 ___ __ 221 40 __
__

___ ___
Avis ___ ___ 13,8 565 ___

___
Fronteira __ ___ 291 440 __ ___

___
TOTAIS 845 1.045 ___

As fontes não mencionam olivais em 6 das comendas em estudo: Galveias, Mora, Seda Figueira,
Alandroal, Cabeço de Vide, Alter Pedroso, Sousel, ou seja, 46% do total.
Apenas na Alcáçova de Elvas, Juromenha, Cano, Avis e Fronteira a Ordem recebia em foros 845
litros de azeite, 605 reais, duas galinhas e um frangão, ou seja: tomando como base os 100
reais/alqueire que o mesmo custava 15 anos antes em Montemor-o-Novo , aproximadamente
6.740 reais de foros/ano . Rendimento que, em boa verdade, parece bastante reduzido e mesmo
penalizante se tivermos em conta o papel fulcral desempenhado pelo azeite nos mais diversos
aspectos da vida quotidiana nesta região e neste período.
A título de hipótese somente podemos postular que o facto destes foros serem pagos em azeite,
aves de criação e numerário se possa ter ficado a dever à existência de olivais novos que não
tivessem atingido um cruzeiro de produção que permitisse o pagamento de outra forma, já que o
número irrisisório de aves e a soma em dinheiro não parecem apontar para que os contratos
tenham sido elaborados tendo em vista a conveniência do senhorio em receber 2 galinhas e 1
frangão, ou mesmo 605 reais.
Verifica-se a existência de complantação em, pelo menos, 3 olivais um com pão, outro com vinha
e um terceiro com seu chão, do qual ignoramos o cultivo, embora saibamos que o respectivo
rendimento em azeite não foi referido porque se incorporava no rendimento daquilo que se
semeava no dito chão. Aos números apresentados torna-se necessário acrescentar mais 22
estacadas de oliveiras em complantação nas vinhas, já referidos no quadro anterior de
complantação

Quadro n.268
Alcáçova de Elvas, complantação frutícola nos olivais

Figueir Ameixoeir Pereir Romãzei Álam Marmeleir


a a a ra o o
46 2 1 32 1 2

Horticultura
Quadro n.º 269
Hortas

Área média Valor dos aforamentos pagos à


Área das Ordem
das parcelas
Comendas hortas
de horta
(m2) Reais Outros
(m2)

16. 760
Alc. de Elvas 5. 586 1.100

Juromenha 9.680 100

Alandroal 38.000 2. 600


Cano 40
5 galinhas, 2 frangãos e
Seda 38. 465
13,8 litros de trigo
Galveias 958 40
2 galinhas e 2 dúzias de
Mora 7.534
ovos
Avis 112
Fronteira 1453,4
7 galinhas, 2 frangãos,
TOTAIS 101.166 4. 045 2 dúzias de ovos e 13,8
litros de trigo

Em quatro comendas (Figueira, Sousel, Cabeço de Vide e Alter Pedroso) não se encontram
mencionadas quaisquer hortas. O total, que pouco ultrapassava os 10 hectares, e rendia em foros
ao senhorio 4. 100 reais, parece enquadrar-se em duas tipologias distintas. A primeira
compreendendo unidades superiores a meio hectare, encontrava-se frequentemente cercada ou
avaladada, tinhas casas, por vezes poços, noras e tanques, como em Elvas, pomar e/ou vinha
complantado, e a sua produção criava excedentes comercializados no merca local, como se
comprova pela referência expressa à casa onde faziam venda, sita em Seda.
As restantes seriam destinadas ao auto-abastecimento dos enfiteutas.

Arboricultra
Uma vez que acabamos de mencionar uma tipologia de propriedade na sua maioria complantada
com variedades frutículas, que são sempre referidas como muitas, mas sem as individualizar,
como metodicamente sucedia na visita à Alcáçova de Elvas, passamos a apresentar uma amostra
das árvores inventariadas que, muito embora não retrate o quantitivo total, deverá espelhar com
alguma fidelidade a proporção observada entre as diferentes espécies, excluindo o sobreiro que
se encontrava em todos os montados.
Quadro n.º 270
Povoamento arborícola e florestal

Tipologia Nº de árvores
amendoeiras 338
figueiras 325
ameixoeiras 164
Romanzeiras 113
Freixos 60
Nogueiras 42
Pereiras 40
Macieiras 27
Marmeleiros 15
Laranjeiras 13
Pessegueiros 10
Cidreiras? 4
Amoreiras 3
Limoeiros 2
Azinhal Um

Outras propriedades e cultivos


Dado que as coutadas e defesas da Ordem referidas nas fontes não apresentam contratos e
parecem ligar-se à silvo-pastorícia que já abordamos, remetemos o leitor para as comendas onde
se encontram casuisticamente descritas e para o quadro percentual de distribuição da
propriedade.
São ainda referidos nas mesmas fontes numerosos ferragiais, geralmente de dimensões exíguas e
pouco expressivos em termos dos foros que pagavam o mesmo sucedendo com chãos, quintais,
um ou outro pomar, e outras parcelas que consideramos menos relevantes para a caracterização
da propriedade da Ordem de Avis nas 13 comendas por nós estudadas.

Quadro n.º 271


Produções estimadas e rendimentos das comendas

Descrição Produção Rendas pagas à Ordem


anual (reais)
Cereal 3.930 1.650.480
(toneladas)
Farinha 6,76 4. 0 45
(hectolitros)
Vinho 800
(hectolitros) 34.861
Azeite 42,2 6.740
(hectolitros)
hortícolas __ 4.057
Total 1. 700. 183

Orçamentando a renda das comendas estudadas, no pressuposto de que o Alandroal, omisso no


oramento de 1534 valesse um pouco menos do que Juromenha obteremos 3.381.000 de reais
Esta comparação de ordens de grandeza transmite-nos duas noções. Primeiramente a de que não
estivemos a trabalhar com números sem qualquer relação com a realidade da situação estudada.
A segunda consistindo na possibilidade de um equilíbrio entre os rendimentos da terra e aqueles
que eram advenientes das imposições fiscais e dos direitos senhoriais.
Com efeito, se subtraírmos aos 3.381.000 reais em que se encontram orçamentadas as rendas das
comendas os 1.700.000 de rendimentos da terra a que chegámos, obteríamos 1.680.000 reais de
direitos senhoriais e rendimentos fiscais, isto partindo do princípio de que não hipervalorizámos
demasiado os rendimentos da terra, e de que os números apresentados pelos visitadores e pelo
orçamento de 1534 representam mais do que um valor indicativo.

Propriedade urbana

Casas de morada dos Comendadores

Não abundam na historiografia consultada descrições pormenorizadas de residências que


possamos classificar como senhoriais, edificadas em vilas do interior alentejano nas quatro
primeiras décadas de Quinhentos. É certo que, por razões metodológicas e de economia de
espaço, poderíamos tentar esquematizar em quadro as casas de morada dos Comendadores
contidas nas fontes. Mas, ao fazê-lo, iríamos tentar um compromisso difícil entre um quadro de
leitura clara e a omissão de pormenores que entendemos serem relevantes para a compreensão da
tipologia, materiais, técnicas de construção e divisão funcional dessas mesmas residências.

Alcáçova de Elvas
Uma vez que a Ordem não detinha jurisdição sobre a praça de Elvas não se encontram referidas
na fonte quaisquer dados sobre a respectiva fortaleza. A cidade encontrava-se edificada numa
elevção que dominava uma vasta campina, fértil em trigo, azeite e vinho. A parte mais elevada da
cidade encontrava-se cercada por muralhas robustas flanqueadas por torres ameadas, as ruas do
casco urbano eram, em geral, estreitas mas regulares, articulando-se ao longo delas o espaço
urbano, familiar ou doméstico. A casa de pousada dos Comendadores, que se encontrava
implantada no espaço urbano compreendido entre o adro da igreja a Norte e as muralhas da
alcáçova a Sul, ocupava um polígono irregular que media 18 m de Norte a Sul, e de Levante a
Poente, da banda do Norte, 27,5 m, enquanto da banda do Sul (igualmente medido de Levante a
Poente), se estendia por 36 m. O edíficio tinha dois pisos, no térreo ficava um recebimento com
45 m2 onde se encontrava também uma casa com 17 m 2 e uma sala ladrilhada de 43 m2, com 2
janelas grandes e uma lareira. Esta última divisão encontrava-se toda madeirada de castanho e
forrada de ripa e cana. Ainda neste piso térreo ficava um sótão com 13 m2, igualmente
ladrilhado, forrado e pintado onde se abria uma janela pequena de furos. E, finalmente, outra
divisão que media igualmente 13 m2.
Neste mesmo piso do recebimento (ou térreo) existia 1 corredor para o quintal com 5 m de
comprimento por 1,10 de largura. Do lado direito, à entrada deste corredor, ficava a cozinha, com
1 chaminé muito grande, medindo essa cozinha 14 m2, e sendo telhada de telha vã. No mesmo
corredor, mas à esquerda, outra divisória situada por debaixo de uma das câmaras do andar
superior medindo 14 m2.
Resumindo: o andar térreo deste edifício, além do recebimento, da sala e do sótão, contava com
4 outros repartimentos que somavam, no total, 151 m2
Da supracitada sala térrea partia uma escada em ladrilho que dava acesso a uma câmara situada
no primeiro piso com 21 m2, que tinha 1 janela grande e 1 lareira, encontrando-se forrada de ripa
e cana. No mesmo piso ficava outra câmara, também forrada de ripa e cana, com 1 janela sobre o
recebimento que media 15 m2, e ainda outra câmara nesse mesmo andar, igualmente forrada de
ripa e cana, com 1 janela grande, medindo 14 m2.
Resumindo: o primeiro piso da morada dos Comendadores da alcáçova de Elvas dividia-se em 4
câmaras cuja superfície somada ascendia a 50 m 2, o que equivale a dizer que a área residencial se
encontrava dividida em 11 repartimentos que ascendiam a 201 m 2 Todas estas divisões estavam
rebocadas e caiadas, com suas portas, ferrolhos e fechaduras.
Regressando ao corredor do piso térreo, à saída do mesmo ficava um curral com 44 m 2, onde se
abria uma porta para outra casa térrea, com 19 m2 coberta de telha vã e, à direita deste curral,
uma estrebaria com 41m2, que era foreira à igreja em 50 reais por ano.
Todos estes anexos, que somavam 105 m2, ficavam adjacentes a 1 quintal com 103 m 2, onde
ficava 1 cisterna, estando o espaço remanescente do dito quintal cercado com um muro ao qual
se adossava uma torrinha arruinada e existiam 7 laranjeiras, 2 limoeiros e 2 pereiras.
De acordo com os padrões da época estaríamos perante um complexo habitaciona bastante amplo
e cuidadosamente edificado, num razoável estado de conservação, bem iluminado, ventilado e
aquecido, com abastecimento autónomo de água, que se desenvolvia com clara separação de
áreas funcionais.

Juromenha
As casas em que viviam Comendadores desta localidade ficavam dentro da vila, partindo ao
Norte com casas de Pedro Ferreira e Gonçalo Anes Ribeiro, ao Sul com o adro da igreja, e a
Levante e Poente com a rua pública.
No piso térreo tinham uma sala dianteira, com chaminé, medindo 40 m 2 que se encontrava
forrada de ripa e cana. E ainda dois outros repartimentos, um com 10 m 2 e o outro mais pequeno
(6 m2) separados por uma cisterna. Para além da cisterna, supomos que em cruz com as divisões
antecedentes, ficava outro aposento térreo com 17 m 2 que abria para o exterior através duma
porta com ferrolho e fechadura, esta divisão dava ainda para outra casa térrea com 13 m 2 que se
encontrava telhada com telha vã.
Anexa ao piso térreo existia uma adega de reduzidas dimensões (22 m 2) onde se encontravam 3
talhas grandes, 3 de menores dimensões e 3 potes pequenos, bem como 2 casas descobertas,
respectivamente com com 19 e 24 m 2. Destas 2 últimas casas partia um alpendre a todo o
comprimento delas, e com 2,75 de largura que estava telhado com telha vã. Existia ainda no
mesmo piso térreo uma terceira casa que media 24 m2 e se encontrava forrada de telha vã, e todas
estas três casas tinham portas com ferrolho e fechadura.
Ainda neste piso térreo ficava 1 estrebaria com 2 divisões, a primeira, rebocada e forrada de ripa
e cana, media cerca de 40 m2, e tinha manjedouras altas assentes sobre calçada, e a segunda que,
no entanto, media apenas 24 m2 e se encontrava coberta com telha vã. No cabo destas estrebarias
erguia-se um palheiro com 42 m2.
E finalmente, contíguo à sala dianteira com que iniciámos a descrição, ficava um sótão com 10
m2 onde se abria uma "janela de furos" orientada para o adro da igreja. E, por cima do antedito
sótão com janela de furos, uma câmara com as mesmas dimensões do sótão, e também dotada de
chaminé e forrada de ripa e cana, em cujas paredes se rasgavam 2 janelas.
Em termos de funcionalidade estamos em crer que a área habitacional do piso térreo somava
cerca de 90 m2 (sala dianteira, sótão, cozinha - junto à cisterna -, e dois repartimentos com
comunicação entre si e um para o exterior. No 1.ª piso ficava ainda uma pequena câmara com
lareira, elevando para 100 m2 a área residencial. Adega, cisterna palheiro, armazéns e 2
estrebarias contíguas, amplas, e cuidadosamente edificadas e calcetadas, encontravam-se
implantadas sobre 195 m2 de superfície, perfazendo uma área total que rondaria os 300 m2.
As áreas de "serviços" estavam cobertas de telha vã, já a estrebaria principal e a zona residencial,
encontravam-se forradas com ripa e cana, dispondo esta última de 3 janelas e 2 chaminés.
Verifica-se uma diferença muitíssimo significativa entre este conjunto edificado, com a sua
elevada dimensão, repartição funcional, fenestração, lareiras, e cisterna e a tipologia esquemática
de casa dianteira e palheiro que observaremos constituir característica comum das outras casas
da Ordem na vila de Juromenha.

Alandroal
A fonte não faz menção de casas dos Comendadores, e mesmo o prior residia numa habitação da
Ordem que se encontrava em 1519 aforada a um Pedro Nunes que a trazia aforada em tres
pesoas per titolo d aforamento que lhe fez antam botelho comtador que era do mestrado. Esta
ficava situada no coração do núcleo urbano, defronte da igreja, partindo ao Sul com o celeiro da
Ordem, e a Levante com o adro da supracitada igreja. No piso térreo tinha uma casa dianteira
quadrada com 19,3 m2 e um sótão com 12 m2. No primeiro piso, possivelmente por cima deste
sótão dado que tinha as mesmas medidas, ficava uma câmara sobradada. Num destes
repartimentos, provavelmente na casa dianteira, forrada com ripa e cana, rebocada, caiada e
coberta com telha vã encontrava-se uma chaminé e uma cantareira, ambas madeiradas de novo
com castanho Todas estas divisões tinham portas com ferrolhos e fechaduras. Verifica-se que a
área residencial, embora resumida a três repartimentos, totalizava uma área coberta de 46 m 2 e se
encontrava cuidadosamente construída e conservada.
Mas o prior trazia igualmente uma outra casa da Ordem dentro da vila, e próxima da
anteriormente descrita, que partia a Norte com pardieiros da ordem, a Sul com a rua pública e a
Levante com o adro da igreja. Esta edificação ocupava 10 m 2, encontrando-se telhada de telha vã
e madeirada de madeira muito velha e dispunha de uma única porta com ferrolho e fechadura,
servindo certamente de celeiro e/ou palheiro, já que a habitação propriamente dita os não tinha.
Tinha sido aforada de novo pelos visitadores e emprazada ao mesmo prior em três vidas,
pagando este 15 reais pelo S. João, enquanto a residência, embora por título mais antigo, pagava
apenas mais 5 reais/ano.

Cano
A Ordem tinha um assento de dez casas no terreiro da vila, que eram os aposentos dos
Comendadores e partiam a Levante com o dito terreiro e praça da localidade, a Poente com o
quintal da Ordem, a Norte com pardieiros da mesma que se encontravam derribados e,
finalmente, a Sul com o caminho da azinhaga do concelho que ligava o Cano a Estremoz. Todas
essas 10 casas eram térreas, edificadas com paredes de pedra e barro, madeiradas com trouxa e
cobertas de telha vã. Muitas delas tinham os madeiramentos podres e problemas nos telhados A
primeira destas divisões era uma casa dianteira com 36 m 2 de área cuja porta se encontrava
emoldurada a pedra e deixava entrar a luz por postigos que se fechavam com lumieiras de
madeira e tinha dentro uma lareira com chaminé redonda, construída ao modo de antigamente.
Seguia-se, à direita da entrada, uma câmara com 8 m2, que na ocasião servia de cozinha.
Defronte da entrada principal ficava outra câmara com 13 m 2, que comunicava com uma outra de
18 m2. Seguia-se ainda uma outra câmara de 10 m2 que abria para o quintal.
Cerca de 5,5 m a seguir a este conjunto erguiam-se 2 casas com cerca de 16 m 2 cada, que
serviam de adega da Ordem e onde se recolhia o dízimo do vinho e do azeite. Encontravam-se
em mau estado de conservação e com os madeiramentos velhos e podres, contendo 4 talhas para
vinho grandes e boas. Pegadas com esta adega estavam mais três repartimentos que
comunicavam uns com os outros. No primeiro, que tinha 142 m2, encontrava-se uma atafona que,
na ocasião, trazia João Coelho. O seguinte, que media cerca de 18 m 2, era uma estrebaria que
tinha de um lado e de outro manjedouras desconjuntadas, e cujo telhado tinha ruído parcialmente
uma vez que o respectivo vigamento se encontrava podre. Este conjunto de edificações era
rematado por um palheiro com 9 m2.
Pegados a Sul com a adega, estrebaria e palheiro ficavam 2 pardieiros que, a Levante davam para
uma porta que comunicava com a rua e, a Norte, com o quintal. O primeiro destes, aquele que
comunicava com a rua, tinha 28 m2, encontrando-se completamente derrubado enquanto do
segundo, com 12 m2, subsistiam ainda alguns lanços de parede.
Embora este conjunto edificado pertencesse ao Comendador António de Mendonça em 1519 era
habitado por João Coelho que, de acordo com a fonte, por ele (Comendador) era Alcaide-mor da
vila do Cano, uma situação que abordaremos ao tratar da dimensão jurisdicional.
Ressalta à primeira vista o estado de abandono e ruína deste assento de casas, a denotar uma
longa ausência do Comendador e tio do Mestre D. Jorge que, como tivemos ocasião de referir,
residia em Setúbal e, tudo aponta nesse sentido, muito raramente se deslocaria a esta comenda
problemática.
No entanto, a encontrar-se em estado de conservação aceitável, este conjunto edificado contaria
com uma área residencial composta por uma sala dianteira com chaminé, cozinha e três câmaras
totalizando 85 m2.
A cerca de 5,5 m desta área residencial erguia-se uma adega com 32 m2, e, adiante, o
repartimento onde trabalhava a atafona com 142 m 2, e uma estrebaria e palheiro que mediam 27
m2, bem como dois pardieiros derrubados com 40 m2. Um conjunto de anexos que perfazia 241
m2, elevando para 326 m2 a área construída.
Por detrás destas casas ficava um quintal grande (100 m2), inteiramente cercado por um muro de
pedra e barro, com um tanque para o qual corria água, onde se encontravam, entre outras árvores
de fruto, 3 laranjeiras e muitas ameixoeiras e romanzeiras.
A descrição feita em 1538 pelos enviados de D. Jorge retrata uma situação bem diferente. "Junto
com a praça um assento de casas juntas que são aposentamento dos comendadores. António de
Mendonça derribou-as por estarem danificadas e as principiou de novo e as paredes estão agora
engalgadas de pedra e barro até ao sobrado e com portais e chaminés. Encontram-se agora
repartidas em 8 casas, fora uns pardieiros das mesmas casas em que se farão estrebarias".
Não se mediram nesta 2.ª visita por estar tudo de maneira que era impossível tirar medidas, e
também por as ditas casas serem da Ordem e pousarem aí antigamente os comendadores ".
Como geralmente sucede, dado o carácter fragmentário e não sequencial das fontes em apreço, o
porque os visitadores se reportavam a um Arquivo que, constituindo para eles um todo coerente,
os dispensava frequentemente de outra coisa que não fossem alusões e remissões, não nos fica
outro caminho que não seja o das hipóteses dedutivas. Neste entendimento, tendo admitido já a
realização de uma visitação intercalar que tivesse registado a execução das obras programadas
para a igreja do Cano, não parece de afastar liminarmente outra hipótese, a de que, nessa
visitação (ou visitações, porquanto nos reportamos a um período de quase dois decénios), uma
vez terminado o programa de ampliação do templo, tivesse sido determinado o restauro das casas
de pousada dos Comendadores que se encontrava em execução em 1538.

Cabeço de Vide e Alter Pedroso


A fonte não descreve a residência do Comendador. Em 1519 Diogo de Miranda encontrava-se a
braços com os pesados encargos advenientes de um severo programa de reconstrução que, em
boa parte, se encontrava em execução, ou mesmo em acabamentos.
Com efeito, no decurso da visitação passada, fora-lhe ordenado que telhasse e reconstruísse as
casas que ficavam dentro do castelo de Pedroso (estrebaria, palheiro, forno e a atafona), bem
como outras que se tinham danificado com o tempo. O Comendador não o tinha cumprido e
encontravam-se na ocasião muito mais danificadas. Os visitadores renovaram a ordem: que
mandasse levantar todas as ditas coisas, e fazer nelas suas portas com fechaduras e ferrolhos no
prazo de dois anos (tavez atendendo precisamente ao volume dos trabalhos em curso).
Mas não ficaram por aí, nem tão pouco se limitaram a estabelecer uma pena pecuniária,
mandaram aos juízes que, não o cumprindo dentro do prazo prescrito embargassem ao
Comendador todo o rendimento da comenda e que o não socorressem com coisa alguma dela até
que ele cumprisse e recebessem para isso provisão do Mestre.
Ignoramos se esta inflexibilidade resultaria apenas das orientações do Capítulo de 1538, se teria
sido reforçada pelo estado calamitoso a que chegara uma Comenda populosa e de renda
relativamente elevada, e uma povoação quase deserta e arruinada, ou se ainda teria sido agravada
por alguma situação de conflito pessoal. O visitador Francisco Coelho não terminou a visitação e
recolheu a sua casa por se encontrar doente. Aparentemente nada mais natural, mas porque
motivo os severos e conscenciosos enviados de D. Jorge não chegaram a entrar dentro da cerca
do castelo de Cabeço de Vide, (quando as casas de morada dos Comendadores eram
habitualmente descritas e inventariadas e, neste caso, se justificaria particularmente a
fiscalização das obras) fazendo registar no texto da visitação que lá não tinham ido, nem as
tinham registado, porque se encontravam pejadas e Francisco Coelho adoecera. Se estivéssemos
em presença de visitadores pouco empenhados, ou brandos, ou menos escrupulosos, entender-se-
ia melhor que não fosse fiscalizado, nem assentado, o estado das obras determinadas para a zona
residencial do Comendador sob a alegação de se encontrarem cheias essas casas.
Mas também parece admissível que, nessa ocasião, a cerca do castelo onde se encontravam as
casas de morada dos Comendores se encontrasse atulhada com materiais de constução e que,
adoecendo Francisco Coelho, e com a visitação reduzida ao Prior de Avis, existissem prioridades
mais urgentes a cumprir.

Seda

Em 1519 encontravam-se dentro da cerca, logo à entrada de porta da vila, umas casas boas
utilizadas como aposentos do Comendador e Alcaide-mor, na ocasião D. Duarte de Almeida, que
os visitadores descreveram entendendo no entanto que não era necessário medi-las, já que todos
os edifícios que se encontravam dentro da cerca pertenciam à Ordem. Estas casas eram as
seguintes:
1- Uma sala a que se acedia por uma escada que partia do sótão da dita sala, e era sobradada e
assoalhada de tabuado, tendo uma boa chaminé e duas janelas: uma que deitava para a vila e
ficava na parte Sul, e outra virada para o terreiro do castelo e ficava a Norte; as quais janelas
tinham no meio colunelos de mármore. Esta sala encontrava-se madeirada de asnas e forrada de
cortiça de amadio.
Á esquerda da sobredita sala, da parte do Levante, ficava uma câmara que servia de guarda-
roupa e tinha uma janela para o Norte. Depois deste guarda-roupa ficava uma divisão muito
pequena que servia de privada.
Regressando à sala inicial, à direita, ficava uma câmara grande e boa e, depois desta, estava outra
câmara que dava para o Norte, e cada uma tinha sua janela.
Da parte do Poente, pegada com a antedita dita sala, estava outra câmara que servia de cozinha.
E mais dentro uma outra câmara, que servia de botica, tendo cada uma sua janela.
Eram no todo 8 casas, entre grandes e pequenas, e por baixo, outros tantos sótãos que serviam de
celeiro de trigo e de todo o outro pão dos dízimos.
Todas estas 8 casas se encontravam construídas com paredes de pedra e cal, guarnecidas a cal por
fora e por dentro, madeiradas de asnas e todas por cima forradas de cortiça de amadio e, por cima
telha. Todas tinham bons portados, com suas portas e fechaduras, e todas se encontravam
assoalhadas de tabuado e em tudo muito bem reparadas
Nas quais casas os visitadores acharam aposentado D. Duarte de Almeida, com sua mulher e
toda a sua casa.
Existiam outras casas situadas na cerca do castelo que eram as seguintes:
Uma casa térrea, pegada com os aposentos acima descritos e que tinha uma chaminé, madeirada
de trouxa e forrada de cortiça, em a qual pousavam os criados do Comendador e Alcaide-mor
Uma outra casa pequena, com paredes de taipa e coberta de telha vã, que D. Duarte mandára
fazer para as galinhas.
Ainda dentro da cerca do castelo ficava uma casa grande que servia de estrebaria e tinha
manjedouras, e pegada a ela, outra mais pequena que servia de palheiro e tinha palha. Ambas
madeiradas de trouxa e cobertas de telha vã.
Também dentro da cerca do castelo ficava uma casa grande que era lagar de azeite de duas varas,
uma que agora estava desmanchada e a outra que desfazia quanta azeitona havia na vila por não
existir outro lagar de azeite.
Este lagar tinha ainda uma caldeira e moinho em que se moía a azeitona e encontrava-se
edificada com paredes de pedra e barro, estando madeirada de trouxa e coberta de telha vã.
Talvez estejamos em presença da mais "moderna e sofisticada" destas casas de morada dos
Comendores de Avis, solidamente madeirada e sobradada, isolada com cortiça de amadio, ampla,
rasgadamente fenestrada da feição que subsiste no castelo do Alvito com os seus colunelos de
mármores, e dotada de privada e, caso singular, guarda-roupa e uma botica.
Mas, passadas quase duas décadas, a D. Duarte de Almeida tinha sucedido como Comendador o
almirante António de Azevedo, presumivelmente residente na corte, e mesmo este havia já
renunciado em seu filho Lopo (para garantir a sucessão) mas reservando para si o usufruto
vitalício dos frutos da comenda de Seda. Esta situação não parece apontar para um empenho
particularmente devotado por parte de Lopo de Azevedo na administração duma comenda cujo
rendimento revertia para o pai. Temos por seguro que nem o almirante António de Azevedo, nem
tão pouco o seu filho Lopo, haviam residido na vila de Seda. Com efeito, os aposentos dos
comendadores, minuciosamente descritos em 1519, quando neles habitava D. Duarte de Almeida
com a mulher e toda a sua casa, passados 19 anos encontravam-se muito danificadas e chovia
nelas, tendo ficado os sobrados todos rotos e podres da chuva.
Os visitadores de 1538, tendo em vista que não acabassem de perder-se as ditas casas, nem se
danificasse o pão da renda que se encontrava nas suas lojas, que serviam de celeiros, ordenaram
ao mordomo do Comendador que, à custa do moio e meio que se tirava de celeiragem da parte
do bispo e do cabido, mandasse telhar as ditas casas, e cintar de cal onde se revelasse necessário,
e colocar alguma madeira, se disso houvesse necessidade, de modo que se reparassem o melhor
que fosse possível. Na eventualidade de ainda sobrar dinheiro, que se cobrissem também as
estrebarias para evitar que as paredes caíssem. Esta despesa se faria da celeiragem por servirem
as ditas casas de celeiros, e o Mestre, quando tinha a renda desta comenda, as mandava reparar
da dita celeiragem. Isto seria cumprido até ao próximo Natal sob pena de 1000 reais para a
fábrica da igreja.
Este exemplo ilustra claramente a fragilidade das edificações com que nos defrontamos, tanto
mais que se refere a uma residência particularmente invulgar entre aquelas que as fontes em
estudo nos restituem, e que, tal como se encontrava descrita cerca de duas décadas antes,
albergava, ao que se depreende, em excelentes condições para a época, o Comendador D. Duarte
de Almeida e os seus familiares. Admitindo que se encontrasse desabitada há cerca de uma
década, ou década e meia no máximo, esse lapso de tempo bastara para provocar o estado de
ruína registado em 1538.

Figueira
Contrastando com aquelas que acabamos de descrever, as casas fortificadas, onde residiria o
Comendador, tinham, no seu conjunto, cerca de 150m2 de área edificada. Talvez não seja de todo
inadequado classificar este recinto, cercado de muros defensivos capeados com lajes de pedra, e
constituído por várias edificações que configuram um complexo habitacional, adossado a uma
torre, à qual se acedia por uma escada de madeira (móvel?) a partir de uma das casas, como
Casa-Torre, ou Casa-Forte, na exacta acepção que lhe atribui BARROCA.
Muito embora o aparente anacronismo deste complexo edificado que, em 1519, face aos
desenvolvimentos da pirobalística, apresentava já um reduzido valor defensivo, o que iria ao
encontro do pensamento deste último historiador, ao sublinhar que A presença destas soluções
arquitectónicas nas residências senhoriais acompanhou, sempre com algum desfazamento
cronológico, o seu aparecimento nas estruturas militares, onde esta inovações de forjaram
estamos em crer que a sua primitiva construção poderia remontar a um período em que a sua
utilidade militar ainda fosse real e efectiva. Especulando embora, não é de recusar liminarmente
que a torre de Figueira, localidade que outrora pertencera à comenda-mór, pudesse ter sido
erguida no período compreendido entre os reinado de D. Dinis e o de D. João I, época de que
datam autorizações régias conhecidas para amear torres situdas no Alentejo e Algarve. Se esta
assumpção estivesse correcta, tanto mais que se reporta a períodos de conflitos militares agudos,
a iniciativa da construção da torre da Figueira poderia ter pertencido a um dos seguintes
Comendadores-mores: Vasco Porcalho, Fernão Rodrigues de Sequeira ou a Lopo Vasques de
Sequeira, ou ainda, já com menor probabilidade, Garcia Rodrigues de Sequeira, sendo seguro
que já em 22 de Janeiro de 1347, sendo Comendador-mor Vasco Martins Pimentel, se refere o
"alpendre do paço do comendador" edificação anexa à qual não existe eferência nas fontes por
nós estudadas. De realçar ainda que, no ano anterior, mais precisamente em 14 de Novembro de
1346, D. Afonso IV ordenava ao mesmo Vasco Martins Pimentel, Comendador-mor, que
cumprisse a carta régia onde se proibira o comendador-mor, Vasco Esteves, de pousar nas casas e
de tomar roupas aos vizinhos de Figueira. Teriam sido iniciadas as obras do paço dos
Comendadores de Figueira entre 1346 e 1347, ou a pousada em casa dos moradores da vila
respeitaria apenas à comitiva do Comendador-mor?
Mas, fosse qual fosse o responsável pela edificação, julgamos estar em presença de um complexo
constituído por um edíficio turriforme que reproduz o modelo da torre de menagem românica,
com um andar térreo destinado a celeiro/arrecadação/armaria, e um andar sobradado, iluminado
por frestas estreitas, a que, por altura da visitação de 1519, se acedia ainda exlusivamente através
de uma escada de madeira, a partir da casa onde julgamos terem residido os Comendadores, uma
vez que o remanescente dos edíficios era constituído por uma estrebaria e outra casa adossada à
cinta castrense.
Os visitadores de 1519 ordenaram a Pedro de Gouveia que mandasse fazer uma portada com
arco de tijolo na entrada da cerca das casas da comenda no prazo de um ano sob pena de 1000
reais
Mas, perto de duas décadas volvidas os enviados de D. Jorge encontraram a parede da cerca das
casas da Ordem derribada pelo chão, o portal dela (entretanto executado) sem portas e a casa que
servia de estrebaria, bem como a outra que lhe ficava pegada, ambas sem madeiramento nem
telhas, e tudo muito danificado. Todavia não constam quaisquer reparos sobre a torre,
prossívelmente por se tratar de uma edificação mais resistente e que incorporava menos materiais
perecíveis. Perante esta situação, que nos parece indiciadora da não residência do titular da
comenda, foi ordenado a esse mesmo Comendador, sob pena de 4.000 reais para as obras do
Convento, que, no prazo de um ano, contado a partir da publicação da visita, mandasse madeirar
e cobrir as duas ditas casas. E ainda que na estrebaria mandasse fazer manjedouras como antes
existiam, e mandasse levantar as paredes da cerca e colocar portas no respectivo portal. No caso
de não cumprir o determinado no prazo de um ano os juízes, sob a dita pena, lhe embargariam as
rendas da comenda e não levantariam esse mesmo embargo até que tivesse efectuado as ditas
obras, ou recebessem mandado em contrário do Mestre.
Galveias
Tivemos ocasião de verificar pelas informações analisadas na introdução à primeira visita a esta
localidade, que em 1519 deveremos estar em presença de uma comenda relativamente recente e
de pouca importância, talvez criada por imperativos de descentralização administrativa, ao tempo
em mãos de Pedro de Gouveia que, ocupando o cargo de camareiro-mór do Mestre, seguiria a
casa de D. Jorge e não residiria nas Galveias. Com efeito, nesse supracitado ano ano habitava nas
casas de pousada dos Comendadores Vasco de Gouveia, irmão do antedito Pedro de Gouveia
que, em 1538, as havia aforado a uma Margarida Afonso, sinal inequívoco de que nelas não
residia.
A confirmar a recente criação da comenda, a tipologia destas casas dos Comendadores difere
substancialmente dos padrões comuns das restantes. Desde logo estava construída em taipa,
embora sobre alicerces de pedra e barro, encontrando-se coberta com cortiça. E, embora situada
numa área rural, onde o problema do espaço se não colocava, a fonte não refere logradouro ou
quintal, nem adega, celeiro, lagar, ou cisterna, que faziam parte integrante dos anexos com que
tinham sido dotadas as outras habitações. Acresce que era constituída por duas edificações
adjacentes mas diferentes na sua concepção. Uma casa dianteira com cerca de 40 m 2 que se
encontrava provida de uma porta com lumieiras de pau, e outra edificação anexa com 3
repartimentos respectivamente com 23, 18 e 36 m 2, (perfazendo, 117 m2 de área residencial) cuja
funcionalidade desconhecemos. Não existe menção de lareiras, forros de ripa e cana, rebocos ou
pinturas. Fica-nos a sensação de que esta residência seria fruto de adaptação de edificações pré-
existentes e que nem sequer tinha sido concebida como habitação permanente do Comendador.
Destas seis casas ou conjuntos edificados, inequivocamente referidos nas fontes, como sendo
destinados para moradas dos Comendadores (à qual juntamos um exemplo de casa de prior), a
residência da alcáçova de Elvas encontrava-se naturalmente desocupada por morte de Diogo
Velho, ignorando-se se o novo Comendador, Henrique Henriques de Miranda, teria passado a
habitá-la. A do Cano nunca tinha sido habitada permanentemente por António de Mendonça que
residia em Setúbal e os próprios visitadores se referem a ela como tendo sido antigamente
morada dos Comendadores. Seda, quem em 1519 era habitada por D. Duarte de Almeida com a
mulher e toda a sua casa, não era já em 1538 residência dos novos Comendadores, os Azevedos,
almirantes do reino. Em Figueira não residiria já provalmente o Comendador António de
Gouveia em 1519 mas, em todo o caso, é seguro que estava desabitada em 1538. Em Cabeço de
Vide Diogo de Miranda não tinha cumprido as determinações da visitação passada que o
obrigavam à reconstrução das casas de morada e estas, em 1538, encontravam-se de tal modo
"pejadas" (com materiais de construção) que nem visitadas foram.
As casas da comenda nova das Galveias em 1519 estavam habitadas por Vasco de Gouveia,
irmão do Comendador e, em 1538, Pedro de Gouveia tinha-as aforadas a Margarida Afonso, sinal
de que não residiria na recente vila.
Embora esta amostragem seja demasiado pequena para uma análise conclusiva não é possível
fugir a uma primeira interrogação que, aliás, parece coincidir com as características rentistas das
administrações das comendas estudadas: nas primeiras décadas do século XVI estaremos já
perante uma tendência generalizada de abandono físico por parte dos Comendores do Além-
Tejo?
Pelo menos nos exemplos apresentados essa questão é pertinente, e suscitou uma reação do
Mestrado que, através dos visitadores, determinou que os Comendadores do Cano, Figueira e
Cabeço de Vide restaurassem as respectivas moradias, e foi obedecido, como se comprova pelas
visitações de 1538.
Quadro n.º 272
Dados comparativos das casas de dignitários da Ordem

Área residencial
Divisões
(m2) Área
Área Qui
por
Comend Jan Larei dos Tipologia ntai
divisão
as Piso elas ras anexos dos anexos s
1ª (m2)
Por piso Total térre (m2) (m2)
piso
o

Cisterna
Alcáçov Térreo:
Curral
a 101 151 7 4 18 6 2 105 103
Estrebaria
Elvas 1º: 50
Casa térrea
Alandroa Térreo: 31 2
43 2 14 ___ 1 Casa ___
l 1º: 12 10
Adega
Estrebaria
5 100
Cano 85 ___ 17 ___ 1 Palheiro
__ 326
Atafona
Pardieiros
Casa térrea
Lagar de
1º: 8 5
Seda ___ __ ___ 6 2 __ azeite __
sotãos
palheiro
galinheiro
Estrebaria
Casa-
Casa
torre Térreo: 69
113 __ __ 38 ___ 1 adossada à __
de 1º: 44 36
cinta
Figueira
castrense.
Adega
Cisterna
Jurome- Palheiro
100 __ __ 17 3 2 195 ___
nha Armazéns
Duas
estrebarias
Galveias 117 __ __ 29 ___ ___ ___ ___ ___
6 casas e 203
TOTAIS 617 __ __ 16 15 9 672 __
1 torre

Constituindo o caso da casa-torre de Figueira uma excepção anacrónica, e as casas de pousada


das Galveias um "remedeio" ulterior, parece denotar-se uma tendência- padrão entre a superfície
média ocupada pelas áreas residenciais (cerca de 100 m 2 de área), a dos anexos (130 m2) e a dos
quintais (100 m2). Estas residências estavam construídas geralmente em pedra e barro, (na
comenda nova de Galveias eram de taipa sobre alicerces de pedra e barro) com amplo recurso à
madeira, forradas de ripa e cana na zona residencial e algumas estrebarias, outras isoladas com
cortiça, tellhadas com telha vã assente sobre caibros suportados por asnas. Existe menção de
aposentos rebocados e caiados. Pavimentos ladrilhados, ou assoalhados no primeiro piso,
menção de calçada de pedra nas estrebarias. Fenestração variável mas, de um modo geral, pelo
menos duas janelas, referência a janelas duplas separadas por colunelos de mármore, janela de
furos e lumieiras em madeira.Todas tinham, pelo menos, uma lareira, podendo esta ser muito
grande (cozinha de Elvas) ou encontrar-se igualmente em salas e câmaras. As portas tinham
ferrolhos e fechaduras. A repartição funcional dos aposentos é relativamente clara na sua
disposição. O abastecimento de água estava garantido por cisternas ou manancial (Cano). A
superfície dos repartimentos, que oscila entre os cerca de 40 m 2 das salas e os menos de 17 m 2 de
média para as câmaras, podendo parecer hoje normal nas primeiras e exígua nas segundas,
excedia as médias já referidas na bibliografia consultada.
A impressão geral que se colhe, reforçada pela existência de guarda-roupa, privada e botica, em
Seda, é a de estarmos perante habitações amplas e com preocupações de conforto que não
destoariam daquelas que se poderiam encontrar nas residências senhoriais dos grandes
aglomerados urbanos durante o mesmo período. Figueira, com a sua antiga casa-torre e a
residência das Galveias (recentemente adptada para pousarem os Comendadores) escapam à
tipologia geral por razões óbvias e já aduzidas.
É certo que as coberturas de telha vã assente directamente sobre caibros existiam uma
manutenção constante, aqui e em toda a parte. E bastavam uns anos de incúria, pelos vistos
frquente, para que as águas fizessem apodrecer rapidamente os madeiramentos e acabassem por
se infiltar nas cintas murarias, construídas com pedra e barro, que se iam desagregando. Mas esse
era um problema de técnica construtiva que estava longe de se resumir à região estudada.
O facto de apenas termos encontrado dois quintais minuciosamente descritos poderá prender-se
com a desocupação de uma boa parte dessas residências, geralmente implantadas em logradouros
que permitiriam, houvesse residentes e vontade, converter-se em quintais bem aproveitados.
O conjunto de anexos comportava geralmente estrebarias, por vezes de construção inicial tão
cuidada como a das próprias habitações, a denotar a importância dada ao tratamento dos
equídeos, e os respectivos palheiros. As adegas, lagares e atafonas não supreendem tendo em
consideração que nos encontramos perante habitações de responsáveis pela exploração das terras,
e inicialmente destinadas a arrecadar rendas, foros e dízimos. Embora se desprenda destes
anexos um halo de incúria que andaria ligado à sua escassa utilização, uma vez que boa parte dos
produtos da terra andariam nas mãos dos rendeiros. Estamos em crer que os conjuntos edificados
que ora se apresentam teriam sido projectados, dimensionados e edificados dentro de um
contexto que os concebia como apoios indispensáveis a um determinado tipo de exploração da
terra e que, nessas décadas iniciais de Quinhentos, estariam a perder os seus residentes a sua
razão de ser inicial. Tendência contrariada pelo Mestrado através dos visitadores que
determinavam a respectiva reedificação sob coimas tão pesadas que chegavam ao embargo geral
das rendas. Em nosso entender o facto de na comenda nova de Galveias, em cuja residência
improvisada com paredes de taipa e forrada a cortiça residia em 1519 Vasco de Gouveia, irmão
do Comendador, não possuir adega, lagar ou celeiro inculca, não só pela tipologia mas também
pelas razões acima apontadas, tratar-se de uma edificação recente ou adoptada que não se
enquadrava no tipo de projecto anterior.

Contratos sobre propriedade urbana

Quadro n.º 273


Propriedade urbana com contrato

Comenda N.º de Área Área Foro Foro Aforadas Emprazad Arrendad


s casas total média (reais) (aves) as as
(m2) (m2)
115 + 1 1 frangão
Alc. de
5 palheiro 23 100 e2 __ 1 __
Elvas
de 15 galinhas
2 celeiros
Juromenh 2
95,4 19 30 __
a pardieiros 1
1 casa
Adega
__
Alandroal celeiro 429 61 35 3 fragãos __
1
5 casas
com a
2 casas de
Cano 134 67 __ __ __ __ renda da
forno
comenda
2 casas
Figueira 35 17,5 __ __ __ __ __
de forno

Seda 6 casas 269 45 7 galinhas __ __


1
Casas do
Galveias __ __ __ __ __ __
forno
__
Mora __ __ __ __

excluindo
Avis 13 casas __ 1.342 2 galinhas __
1 o açougue
8 casas
celeiros __ __
Sousel 90 30 75
Adegas 1 __
Estrebaria
6 frangãos
Fronteira 20 casas __ __ 3.209 2 18 __
6 galinhas
Cabeço
__ __ __ __ __ __ __ ___
de Vide
Alter __ __ __ __ __ __ __ __
Pedroso
Totais 60 1182, nas 44 m2 nas 6 4.791 17 3 24 2
6 comendas galinhas e
comendas medidas 10
medidas frangões

Perfilhando a concepção de que, constituindo a rua o elemento dinâmico da morfologia das


cidades, as casas constituiriam o seu elemento estático, como observou ALVES, para o estudo e
compreensão destas últimas " é necessário ter em atenção o gupo doméstico que as ocupava, bem
como a sua maneira de viver e de estabelecer relações com o exterior – a rua e o interior- a casa".
As informações fornecidas pelas fontes não permitem segmentar as localidades de acordo com
estatutos sociais ou ocupações profissionais, logo não será fácil, com base nos dados fornecidos
estabelecer relações rua/casa. Desde logo iremos deparar-nos com um problema recorrente nas
análises efectuadas sobre este tipo de informações: a interpretação dos vocábulos utilizados para
descrever estas casas. A terminologia utilizada na documentação sobre a qual se baseia o
presente trabalho gira em torno da polissémica casa -"casas"; "casinha pequena"; "casa térrea";
"casa dianteira", "recebimento com casa térrea" ;"câmara (sobradada ou ladrilhada)"; "casas
sobradadadas", "madeiradas",; "casas forradas de ripa e cana","casas acefaladas e apinceladas.
Designações que, uma vez inseridas no respectivo contexto, parecem não se referir apenas a
habitações como um todo individual, como a dependências ou compartimentos internos, pisos e
tipologias de construção.
Por outro lado, os estudos consultados incidem primacialmente sobre períodos anteriores ás
primeiras duas décadas do século XVI, e debruçam-se prioritariamente sobre localidades situadas
a Norte do Tejo. As fontes em que nos baseamos reportam-se à área relativamente circunscrita
que previamente delimitámos e, na sua esmagadora maioria, fornecem informações sobre
construção corrente numa zona rural periférica do Além-Tejo interior. Mas estamos em crer que,
de um modo geral, reproduzem técnicas construtivas materiais, tipologias, repartimentos e
dimensões que não terão sofrido profundas alterações em relação ás informações recolhidas
pelos autores dos supracitados estudos consultados.
De um modo genérico encontramo-nos em presença de habitações construídas em profundidade,
(rectangulares) com a porta de entrada virada para a rua, escassa ou nula fenestração, sem
menção de lareiras ou chaminés, cujas funções seriam exercidas por duas ou três telhas
levantadas, com pavimento de terra batida, e apenas dois repartimentos: a casa dianteira e o
celeiro atrás, de quando em vez complementadas, ou substituídas, por palheiros ou, nalguns raros
casos, estrebarias. Os alicerces parecem ter sido geralmente construídos em pedra, as paredes em
pedra e barro, mais raramente taipa, e geralmente cobertas por telha vã disposta sobre
travejamentos de madeira e respectivos caibros e ripas do mesmo material, embora se refira a
cortiça como cobertura. Não existindo informações sobre a configuração dos telhados admitimos
que tivessem sido em regra de uma ou duas águas, com a possível excepção dos casos em que se
menciona expressamente a existência de cisternas. Na sua generalidade, mesmo no caso das
localidades muradas, o espaço correspondente aos talhões edificados não seria de tal modo
escasso que constrangesse ao alteamento das construções, e constataremos a ocorrência,
relativamente frequente, de quintais cuja dimensão média se inscreve nos padrões da época. São
raras as menções a repartimentos, ou construções independentes expressamente destinados a
animais domésticos (com excepção das já citadas estrebarias) constatando-se, em contrapartida, a
ocorrência de currais do concelho, comunitários portanto, e coutadas destinadas ao pastio dos
bois de arado.
Os portais em cantaria de pedra, ou mesmo tijolo, tal como a fenestração, a referência a cozinhas,
lareiras e chaminés, bem como uma nítida repartição funcional constituem uma diferenciação
que ocorre quase exclusivamente nas casas de morada dos Comendadores e priores.
A pouco mais de meia centena de casas que pertenciam à Ordem de Avis no conjunto das
comendas por nós estudadas, (que renderiam globalmente em foros pouco mais de 5.000 reais e
umas dezenas de aves domésticas) se confrontada com a população das respectivas localidades,
que abordaremos adiante, revela que aquela não era o único senhorio, e que o número de
habitações em mão dos moradores excederia largamente as que pertenciam à milícia. Nem tão
pouco se denota uma actividade de contrução nova, praticamente limitada a casas de forno que
necessitavam de ser ampliadas, aumentadas ou beneficiadas, tendo em conta que o monopólio
por parte da Ordem dos fornos de cozer pão, resultava frequentemente num mau serviço prestado
aos moradores que reiteradamente se agravavam.
Grande parte das enfiteuses eram renovadas e emprazadas em vidas com uma esmagadora
maioria de foros baixos que, no caso das habitações mais modestas, assumia contornos quase
simbólicos. Essa prática de foros modestos não advinha apenas da antiguidade de muitos
contratos, já que nas visitações de 1538 os contratos celebrados de novo pelos visitadores se
limitam a retomar os foros pretéritos ou a aumentá-los de modo pouco significativo. Ignoramos
se essa prática correspondia a uma política do Mestrado ou se era motivada pela pouca
elasticidade do mercado.
Destas sessenta casas, correspondentes a nove comendas, já que as fontes são omissas quanto a
Mora, Cabeço de Vide e Alter Pedroso, as trinta e três de Fronteira e Avis, precisamente as
localidades que registam maior número de casas da Ordem e um mais vultuoso encaixe em foros,
não se encontram medidas. Acresce que, daquelas sobre as quais existem medições, cerca de
quinze correspondiam a adegas, celeiros, estrebarias e casas de forno, cuja repartição interna é
diversa da tipologia das casas de habitação, e cujas dimensões excedem largamente o geral destas
últimas, falseando as áreas médias obtidas. Consideramos que a falta de homogeneidade dos
dados obtidos prejudicaria necessariamente extrapolações de valores médios, pelo que não
entraremos nesse campo.
Os celeiros maiores, bem como as adegas, na sua maioria ao serviço da Ordem, apresentam-se
frequentemente ladrilhados e com a menção de se destinarem ao armazenamento dos dízimos
mas, tal como já sublinhamos a propósito dos anexos das casas dos Comendadores, apresentam
frequentemente sinais de degradação.
Não descortinamos nestas edificações qualquer padrão uniforme, Existe um pouco de tudo, desde
os conhecidos conjuntos de casa dianteira e palheiro, normalmente com uma área total que não
excedia os 20 m2, até casas com seis divisões de portas adentro, e amplos quintais. A sua
distribuição tanto poderia corresponder à topografia do local, ao cerrado ou frouxo da malha
urbana, ao modo como teriam integrado o património da Ordem (existe registo de algumas
compras e escambos, mas não de doações) algumas das casas de maiores dimensões. Tal como
nas habitações dos Comendadores, e noutras regiões do Além-Tejo que foram objecto de estudo
continua a predominar a construção de paredes em pedra e barro ou, frequemente em taipa como
era usual na zona, tradição técnica já antiga na época e que perdurou até meados do século XX
nas zonas rurais, coberturas de telha vã e, nalguns casos, em cortiça, (que não encontrámos na
construção a Norte do Tejocom largo recurso à madeira.
Os episódios de casas abandonadas que se converteram em pardieiros, por incúria ou falta de
sucessão nas vidas do emprazamente, seria análogo ao que se verificaria noutros locais em
circunstâncias semelhantes.

Património edificado militar


A propósito do tombo (incompleto) de bens da Ordem de Avis efectuado a partir de 1364 por
ocasião da morte do Mestre D. Martim do Avelar, tivemos ensejo de reflectir sobre os efectivos,
armamento e capacidade militar da Ordem de Avis na segunda metade do século XIV. A nossa
estimativa de efectivos foi confortada pelo facto de Luís Filipe de Oliveira, na sua dissertação de
doutoramento, ter chegado por outras vias a resultados semelhantes. Nesse capítulo, em parcial
sintonia com esse historiador, tivemos ensejo de levantar dúvidas sobre o poderio militar da
milícia tal como se encontra geralmente referido na historiografia consultada.
Aquilo que sobre esta matéria, eram dúvidas no que concerne à segunda metade do século XIV,
vai converter-se em certezas no que toca à primeira metade do século XVI, como julgamos que
ressalta com suficiente evidência da análise dos dados sobre património militar edificado
contidos nas fontes por nós estudadas.
Mais uma vez sublinhamos a nossa convicção de que reduzir estas informações a um simples
quadro poderia prejudicar a clara inteligibilidade de todas as informações recolhidas, bem como
das ilacções que delas se podem retirar.

Fortaleza de Juromenha
A Ordem Militar de Avis detinha a respectiva Alcaidaria-mor, nessa altura em mão do almirante
António de Azevedo, Comendador de Juromenha. Todavia, como tivemos ocasião de constatar
no início da visitação de 1519, este Comendador e Alcaide-mór não se encontrava presente na
ocasião, circunstância pela qual não foi possível que os visitadores vissem o respectivo título da
alcaidaria, nem conferissem o inventário das coisas que lhe haviam sido entregues e pertenciam à
fortaleza.
António de Azevedo, tal como sucedia com os restantes Comendadores, havia sido notificado
por carta do Mestre (que foi lida pelos visitadores) da realização da visita, uma vez que não
parece aceitável que lhe não tivesse sido enviada directamente a missiva que dava conta da
visitação projectada. Já verificámos que se tinham generalizado as ausências dos Comendadores
não-residentes por ocasião das visitas, pelo que a sua não-comparência nada tinha de insólito.
Em contrapartida é mais difícil de entender que, na sua qualidade de Alcaide-mór e recipiendário
das aludidas "coisas da fortaleza", não tivesse confiado a um alcaide pequeno a guarda,
conservação e inventário dessas mesmas coisas. Mas, como vimos, não o tinha feito.
Os enviados de D. Jorge consideraram pertinente anotar que, nesta fortaleza, não havia armas
nem artilharia, e que ela se encontrava muito danificada, tanto no que respeitava à fortaleza
propriamente dita, como aos muros e torres doareyras (sic) salientando elucidativamente que
seria necessário um grande esforço para se repararem esses mesmos muros e torres.
Acrescentavam que a própria torre de menagem necessitava de ser reparada por dentro,
encontrando-se igualmente danificada.
No entanto a fonte não refere que esses mesmos visitadores tenham tomado qualquer iniciativa
no tocante à reparação da fortaleza, nem se encontra qualquer determinação particular nesse
sentido. Será possível deduzir que ao longo dos desazasseis anos subsequentes não tenham sido
efectuadas quaiquer reparações nas muralhas e torres da cerca porquanto o numeramento de
1532 refere expressamente sobre esta vila "E he esta villa cercada sem castelo, somente huma
torre de menajem". E não será totalmente abusivo depreender que os muros e torres referidos em
1519 se encontravam completamente arruinados nesse ano de 1532, subsistindo apenas a torre de
menagem.
É certo que o advento da pirobalística tinha tornado praticamente indefensáveis as primitivas
fortalezas da Ordem, se estas fossem sujeitas a um cerco em regra conduzido por um exército
com artilharia. Mas não lhe haviam retirado a totalidade do potencial defensivo das vidas e bens
dos moradores sob jurisdição da Ordem em caso de escaramuças de fronteira.

Fortaleza do Alandroal
Em 1519 era Alcaide-mór da fortaleza do Alandroal António de Aguiar que mostrou aos
enviados de D. Jorge uma carta de D. João II, confirmada pelo Mestre por outra carta, feita em
Lisboa por Fernão Lopes aos 27 de Julho de 1492, assinada pelo dito senhor e assinada com o
seu selo redondo. Presumivelmente nomeado há cerca de três décadas pelo príncipe D. João,
ainda na sua qualidade de governador do Mestrado. O, certamente idoso, Alcaide-mor não
residiria no aposento da alcaidaria dado que os visitadores encontraram a fortaleza boa de muros,
torres e barreiras, mas o aposento encontrava-se muito danificado nos telhados, sobrados, janelas
e escadas, embora as paredes continuassem em bom estado.
A sua capacidade defensiva seria praticamente nula uma vez que na fortificação não existiam
armas, nem mais artilharia do que 4 bombardas velhas.

Castelo de Cabeço de Vide

Esta comenda encontrava-se num período de reconstrução acelerada de boa parte do património
edificado da Ordem, tendo presente o incumprimento de determinações de visitações passadas. O
castelo da vila estava todo cercado de muro e Diogo de Miranda, o Comendador era Alcaide-mor
dele, bem como da vila de Alter Pedroso. Os enviados de D. Jorge não se alongaram na descrição
do estado das fortificações, embora tivessem tido o cuidado de anotar que "todas as casas que
ficavam da porta da cerca para dentro pertenciam ao dito castelo e pousavam nelas os
Comendadores e Alcaides-mores. Muitas delas encontravam-se nessa ocasião feitas de novo e
renovadas". Os visitadores não se deslocaram pessoalmente ao interior da cerca nem assentaram
os edifícios que lá se encontravam por se "encontrarem pejados", e o visitador Francisco Coelho
ter adoecido, indo-se embora.

Castelo de Alter Pedroso

Este castelo e as casas que lhe pertenciam, bem como a ermida de São Bento, que também estava
situada no recinto dele, encontravam-se tal como tinham sido descritos na visitação anterior a
1538. Mas sobre esta visita temos conhecimento de que fora ordenado ao Comendador que
telhasse e reconstruísse as casas que ficavam dentro do castelo, e que eram a estrebaria, o
palheiro, o forno e a atafona. e ainda outras que se tinham danificado com o tempo.
Os visitadores ordenaram que o Comendador mandasse levantar todas as ditas edificações, e
colocar nelas portas com fechaduras e ferrolhos.Como Diogo de Miranda não tinha cumprido
dentro do prazo de dois anos que lhe fora fixado encontravam-se em 1538 muito mais
danificadas, pelo que os visitadores ordenaram aos juízes que embargassem a Diogo de Miranda
todo o rendimento da comenda e que o não socorressem com coisa alguma dela até que ele
cumprisse e recebessem para isso provisão do Mestre. Os enviados de D. Jorge encontraram
também derrubada uma parede duma ponte que ficava a par do castelo, no miradouro além da
cisterna, do lado do Crato, e porque se não se remediasse ficaria mais arruinada, mandaram ao
Comendador, uma vez que levava a renda do verde sem dela haver a terça, como nos outros anos,
que mandasse levantar e fazer a dita parede de pedra e cal, igual à outra, até ao Verão de 1539,
sob pena de 2.000 reais para as obras do Convento.
Mesmo ponderando que Alter Pedroso era um logo isolado, onde residia pouco mais de uma
dezena de habitantes, os visitadores tinham decidido coagir o Comendador a reconstruir o
património sacro e as casas edificadas dentro da cerca do castelo sob pena do embargo da sua
renda. A avaliar pelo estado desses edifícios, parece pouco provável que o castelo propriamente
dito não necessitasse de reparações, mas nenhuma decisão foi tomada sobre essa matéria.

Castelo e fortaleza de Fronteira

Em 1538 era Alcaide-mor dele Henrique Henriques, fidalgo da Casa do Mestre e cavaleiro
professo da Ordem, que não compareceu à visitação.Em relação à visita passada da Ordem os
enviados de D. Jorge encontraram as casas e torres do dito castelo praticamente no estado em que
haviam sido descritas. No entanto tinham refeito as abóbadas da sala e da primeira câmara que
na ocasião se encontravam já ladrilhadas de tijolo. Ambos os repartimentos haviam sido forrados
por cima com ripas e cana Também a torre do pombal se tinha feito de novo, bem assim como a
escada que ia do terreiro para a sala. E a segunda câmara tinha sido ladrilhada com tijolo sobre o
tabuado e forrada de ripa e cana. Finalmente torre de menagem fora coberta com telha vã.
Mas os visitadores constataram que chovia pelos algerozes e canos na sala e primeira câmara do
castelo (cujas abóbadas tinham sido refeitas como vimos), danificando os frechais e
madeiramentos, coisa que se poderia evitar com pouca despesa e atalhando males maiores. Por
essa razão ordenaram ao almoxarife que, antes da invernia, e com o dinheiro das terças de que
dispunha para reparações no dito castelo mandasse reparar cuidadosamente os canos e algerozes
dessas divisões de modo a que não chovesse nelas. A atenção dos visitadores de 1538 não se
dirigiu para o armamento e artilharia desta fortaleza com o mesmo cuidado posto nas reparações,
pelo que ignoramos a situação em que se encontrariam.

Castelo da vila da Seda e morada do Comendador


Os visitadores inspeccionaram o dito castelo que, em 1519, era constituído por uma cerca muito
velha e parcialmente derribada, segundo se evidenciava nos muros, que nunca tinham chegado a
ser totalmente acabados. Além do mais não tinha nenhuma torre. Apenas se encontravam dentro
da cerca, logo à entrada de porta da vila, umas casas boas utilizadas como aposentos do
Comendador e Alcaide-mor, na ocasião D. Duarte de Almeida.
Não é possível ignorar o contraste que oferecia o requintado conforto da ampla residência do
Comendador quando confrontado com o estado calamitoso do castelo. A prioridade não se focava
certamente nas questões de natureza castrense, tanto mais que os visitadores de 1538, que
deixaram instruções precisas sobre a reparação da residência dos Comendores, que, como
tivemos ocasião de referir, se arruinara entretanto, não fizeram sequer menção do castelo.

Descritas que ficam sumariamente seis fortalezas e uma casa-forte da Ordem de Avis entre 1519
e 1538 constata-se que apenas o castelo de Fronteira, e a pouco significativa casa-torre de
Figueira, havia sido objecto de reparações recentes, preferencialmente executadas nas respectivas
áreas residenciais, encontrando-se todas as restantes em diversos graus de ruína nas muralhas,
torres, ou aposentos. Verifica-se ainda que, sendo ordenada a reparação de edifícios situados no
interior das respectivas cercas, essas determinações não abrangem nunca as fortalezas
propriamente ditas. Se os visitadores de 1519 ainda referem a inexistência (ou arcaica escassez)
de artilharia e de armamento, os de 1538 já nem sequer fazem alusão a essas matérias. A milícia
de Avis da primeira metade do século XVI, permanecendo alheada da expansão ultramarina,
apresentava ainda a estrutura formal de uma Ordem, mas já não estava sequer preocupada em
manter a aparência de uma Ordem Militar.
Não é de excluir que, no plano político, e tendo presentes as consequências possíveis – e
previsíveis – da cabal execução do testamento de D. João II, o seu sucessor tivesse encorajado
activamente o esvaziamento militar de Avis, procurando neutralizar o Mestre D. Jorge como
potencial ameaça latente.Com D. João III as prioridades eram já diversas e a Ordem de Avis não
se integrava certamente entre as preocupações do monarca.
Outros factores de ordem genérica, tanto de enquadramento como conjunturais, terão
determinado a tansmutação desta Ordem Militar num senhorio civil dotado de jurisdição
espiritual, mas é difícil conceber que, por detrás, não coexistisse um desígnio político.
É tempo de concluir.

9. Conclusões

Apesar de termos optado por escrever uma síntese geral que intitulamos considerações globais,
este trabalho não ficaria terminado sem a elaboração de uma conclusão. Acontece, no entanto,
que, face ao elevado número de temas alvo de estudo nesta dissertação, não se afigura fácil
empreender esta tarefa.
Mesmo assim, pareceu-nos útil tentar encontrar o caminho para uma última síntese, pese embora
alguns inconvenientes que surgiram na sua elaboração. Referimo-nos, por exemplo, à
necessidade (não muito usual) de dividir a conclusão em duas partes distintas (opção alicerçada,
afinal, na própria estrutura que a dissertação comporta).
Vejamos, então, o que se nos oferece dizer, em jeito de conclusão.

9.1. A história de uma Ordem: momentos decisivos

A criação da Ordem dos Freires de Évora responde a uma conjuntura militar específica, marcada
pela consolidação do império almóada no Ocidente. Tanto o fracasso de D. Afonso Henriques
diante de Badajoz (1169), a ocupação desta praça pelos almóadas como a entrada de Geraldo
Sem Pavor ao serviço do califa (1173), o repovoamento de Beja pelo califa Yusuf I (1174-5)
alteravam radicalmente as circunstâncias que tinham definido a ‘reconquista’ portuguesa na sua
fase expansionista de 1135-1169.
Neste contexto, Évora tornava-se simultaneamente no bastião mais avançado no eixo de
progressão português, e na praça mais ameaçada pelo império almóada, agora senhor de Beja e
sobretudo de um centro da dimensão de Badajoz.
As tréguas de 1173-1178 proporcionaram as condições e o tempo indispensáveis para reorganizar
o dispositivo militar português no “extremo-Sul”. A criação de uma ordem religiosa-militar em
Évora, no Inverno de 1174-5, permitiria ao monarca: (1) dispor de um contingente militar
permanente cuja operacionalidade ofensiva e defensiva fosse autónoma de outras forças (milícias
concelhias, mesnadas senhoriais, hoste régia) e (2) criar condições para fixar população e manter
a actividade económica diante da ameaça almóada. Afinal esta mesma solução tinha sido
adoptada, cinco anos antes, por Fernando II de Leão ao apoiar a fundação da ordem militar de
Santiago da Espada, precisamente em Cáceres que, como vimos acima, constituía uma
importante posição estratégica associada a Badajoz.
A criação de uma comunidade de cavaleiros regrantes em Évora não dispensou o recurso à
experiência normativa e organizacional de uma das ordens militares já estabelecidas e
reconhecidas fora do reino: a de Calatrava (esta última filiada na regra e espírito da Ordem de
Cister). Não é possível esquecer que, quaisquer que fossem os objectivos específicos e as
rivalidades e atritos que dividiam as monarquias peninsulares, os freires cavaleiros de Évora
situam-se no âmbito genérico da respublica christiana e a Santa Sé teria, em última análise, a
palavra decisiva na legitimação das ordens de cavalaria.
A primeira prova da eficácia desta solução está na incapacidade da grande incursão comandada
por Ibn Wanudin de logo em 1179 tomar Évora. A segunda é a outorga do castelo de Coruche que
a mesma incursão havia destruído. Nos anos seguintes, o primeiro mestre da ordem, D. Gonçalo
Viegas, participa em numerosas operações militares em cenários diferenciados: defesa de Lisboa
(1184), tomada e defesa de Silves (1189-91) e batalha de Alarcos (1197), testemunhando a
operacionalidade da milícia eborense.
Em Janeiro de 1187, de novo em período de tréguas, os freires de Évora recebem uma nova
missão, testemunhada pelas doações régias do castelo de Juromenha, a vila de Alpedriz e o
castelo de Alcanede. Se a primeira se relaciona com a sua área de intervenção tradicional frente a
Badajoz, as duas últimas implicavam a deslocação das responsabilidades da milícia para áreas
bem a Noroeste do vale do Tejo. A capacidade de intervenção dos freires nesta área – que
dominava os itinerários Santarém/Coimbra pela espinha serrana Aires/Candieiro e também o
acesso litoral de Lisboa a Alcobaça, por Alenquer, na retaguarda dos portos marítimos de S.
Martinho do Porto e Pederneira – já tinha aliás sido comprovada pelo auxílio prestado na defesa
de Porto de Mós na ofensiva almóada de 1178-1180. A mesma orientação terá presidido à defesa
do opidulum de Mafra (Janeiro de 1193)
Após um ciclo orientado para a consolidação de pontos vulneráveis de relevo estratégico
cumprido nos seus primeiros vinte e cinco de existência, a ordem terá começado por volta de
1200/1230 a tomar responsabilidades administrativas e de povoamento. Este movimento inseria-
se na substituição geral da guerra ao serviço da economia pelas concepções e práticas de sinal
contrário, que iriam colocar a economia ao serviço da guerra.
Pela condição, expressa em doação de 30 de Junho de 1211, de povoarem o logo de Avis, onde, é
certo, deveriam edificar um castelo, consideramos que, no começo da segunda década do século
XIII, a – desde aí denominada – Ordem de Avis tinha encerrado a sua primeira fase puramente
castrense, encetando novas missões de repovoamento e organização senhorial.
Existem referências dispersas que permitem, mais de meio século decorrido sobre a sua
fundação, considerar que os freires de Évora iam ocupando paulatinamente outras facetas da sua
vocação. Neste período, começa a assinalar-se o seu papel de assistência a viandantes através das
albergarias e hospitais que iam fundando, gerindo e sustentando. Por outro lado, a primeira
década do século XIII assiste a uma rentabilização das suas possessões, em particular ao
incentivo da pastorícia, ao fomento da criação de equídeos e bestas de tiro e carga, mas também
na lã e no linho, nas culturas oleaginosas, cerealíferas, vinícolas, silvícolas, e certamente o
fomento de actividades ligadas à metalurgia.
O desenvolvimento económico do senhorio de Avis em territórios recentemente conquistados
implicou contendas com poderes em vias de se implantarem (a diocese, ordens regulares e
ordens militares, a Coroa e os poderes concelhios emergentes) relativamente a áreas de
influência, direitos e rendimentos. Este conflito senhorial ocorre num período de separação do
direito civil e do direito canónico e a formulação de um quadro jurídico emanado directamente
do Estado, reivindicando uma mais clara esfera de soberania vigente em todo o território, bem
como a gradual definição de competências do “aparelho político” e de uma máquina
administrativa em construção.
No fim da Reconquista portuguesa a Ordem de Avis dominava um arco de posições que partia da
fronteira castelhana, acompanhando parcialmente a bacia do Guadiana, e se prolongava para
Noroeste protegendo os itinerários de penetração tradicional em direcção a Santarém, Lisboa e
bacia do Sado. Esta implantação, que, a despeito de alguns senhorios a Norte do Tejo, se
concentrava em: Alandroal, Beja, Benavente, Borba, Casal, Coruche, Fronteira, Juromenha,
Moura, Mourão, Noudar, Serpa, Veiros e Vila Viçosa Este núcleo inicial iria manter-se
curiosamente estável ao longo dos séculos, sem ter sequer acompanhado a progressão dos
espatários em direcção ao Algarve.
Com efeito, Avis e as ordens extra-peninsulares cedem o protagonismo à Ordem de Santiago,
reflectindo a prioridade de que se reveste a penetração pelo vale do Sado que oferecia menor
resistência do que o eixo do Guadiana, bloqueado por Leão e por três importantes praças-fortes:
Mértola, Serpa e Moura. O contraste entre os sedentarizados cavaleiros de Avis e os activos
espatários de Alcácer acabaria por definir uma hierarquia entre as duas milícias e decantar a
evolução futura das respectivas missões e destinos.
Não é possível ignorar duas constantes que irão balizar, desde início até quase final, a existência
da ordem de Avis enquanto instituição autónoma: um esforço de separação de jurisdição de
Calatrava (mas não dos seus textos regulamentadores). e o serviço régio. Sucedendo que, tal
como a entendemos, a primeira constante passaria a ser condição da segunda.
Existindo sinais da instrumentalização da ordem já durante a guerra civil precedente, menos de
um século e meio após a fundação da milícia, D. Dinis resumia, em 1317, o programa régio na
conhecida frase lapidar "ha Orden de Cavalaria d’Ávis foy sempre e he feitura e mercee dos reys
onde nos vimos que ante nos forom (…) e entendo que quanto a dita Ordin mays rica e melhor
parada for tanto se acrecenta no nosso serviço e dos reys que depois nos veerem em Portugal a
cujo serviço a Ordim he teuda". Este entendimento, filtrado e traduzido em fórmulas e soluções
adequadas às circunstâncias, permanecerá imutável até à anexação final à Coroa, mesmo durante
o derradeiro mestrado de D. Jorge, uma fase de relativa autonomia, tolerada vitaliciamente por
D. Manuel I como mal menor, e herdada como situação de facto por D. João III, como a seu
tempo também se mencionará.
Mas enquanto a actuação do rei lavrador configura ainda uma série de tentativas pontuais de
ingerência que partem do exterior para o interior da Ordem, na tentativa, mais ou menos bem
sucedida de contornar, ou mesmo ultrapassar o estipulado na Norma, para impor mestres de sua
inteira confiança, o seu neto, D. Pedro I, encetará a segunda, e mais sofisticada, forma de
controlo. Precisamente uma adaptação coeva do estratagema do cavalo de Tróia, através da qual
fará ascender ao mestrado um bastardo régio, na ocasião suficientemente afastado da linha de
sucessão ao trono para que fórmula não despertasse demasiada resistência interna.
A eventualidade dessa resistência interna era bastante reduzida, uma vez que o penúltimo mestre
formalmente autónomo, D. Martim do Avelar, tinha atrás de si um inequívoco percurso de
servidor do rei, iniciado ainda como cavaleiro e vassalo de D. Afonso IV desempenhando,
durante mais de duas décadas, cargos e funções no âmbito do serviço régio. Este percurso não se
interromperia com a sua passagem ao estado eclesiástico e profissão na Ordem de Avis.
Curiosamente esta profissão ocorreu depois de Abril de 1344 e antes de Agosto do ano seguinte,
embora só viesse a ascender ao mestrado já sob D. Pedro I, em 1357. Sublinhemos que isto
sucede dois anos após D. Martim ter recebido a menagem do, então infante D. Pedro, aquando
das pazes firmadas com seu pai D. Afonso IV em 1355, e um ano após a subida ao trono do
Cruel.
Este funcionário régio e dignitário palatino governou a ordem durante cerca de seis anos, a maior
parte dos quais ausente do convento de Avis, desenvolvendo actividade diplomático-militar,
como quando se deslocou a Aragão, à frente de um contingente de 500 ou 600 cavaleiros por
ordem pelo rei D. Pedro I; ou ainda, como embaixador do mesmo monarca, exercendo funções
de dignitário cortesão, na qualidade de testamenteiro da rainha D. Beatriz.
Desde 1357 alguma coisa se tinha alterado profundamente em relação a meio século antes,
período em que a simples intervenção de D. Dinis na ascensão de D. Garcia Peres do Casal ao
mestrado da ordem de Avis, ou a defesa de um mestre afecto ao monarca, como D. Vasco
Afonso, haviam gerado profunda controvérsia entre os membros da milícia de Avis, dando azo a
um período de instabilidade interna generalizada e prolongada, uma vez que assistimos a uma
sucessão de mestrados efémeros.
Como quase sempre sucede, essa transformação teria ficado a dever-se a um conjunto de
circunstâncias que contribuíram para o momento de fragilidade que a Ordem de Avis atravessou
a partir de meados do século XIV: O envolvimento fracturante da milícia de Avis na guerra civil
iniciada em 1319; a peste negra que grassou por todo o reino entre 1348 e 1349, seguindo-se
surtos de pestilência designadamente em 1356 e 1361-1363 sabendo-se que, durante estes
últimos, as populações de Veiros, Aljustrel, e de um modo geral, todos os territórios circundantes
foram duramente atingidos. São conhecidas as relações estreitas entre a demografia, a mão-de-
obra, os salários, produções e rendas. Comulativamente, 1354-1356, e o próprio ano de redacção
parcial do tombo de bens próprios da ordem iniciado após a morte de mestre Avelar (1366)
corresponderam a anos de fome, sendo que esse próprio inventário reflecte o abandono de terras
e instalações, bem como desertificação de logos e casais.
Sendo de admitir que uma das determinantes do tipo de relacionamento entre a Coroa e a milícia
de Avis se radicaria, na coesão da respectiva hierarquia funcional e no efectivo peso militar da
ordem, é sintomático o retrato fornecido pelo inventário de bens iniciado em 1364: quando D.
Pedro I iniciou a sua ingerência na Ordem de Avis, ainda durante o mestrado de D. Martim do
Avelar, encontrava-se em presença de uma milícia cujos cavaleiros não ultrapassariam a meia
centena, podendo totalizar, quando muito, setenta cavaleiros, acompanhados de um número
semelhante de outros homens d’armas efectivamente mobilizáveis, como se depreende do
conteúdo dos três depósitos de armaria e equipamentos militares documentados como estando
activos em meados do século XIV, nas fortificações de Veiros, Alandroal e Juromenha. Esses
magros efectivos encontrar-se-iam mal equipados, com armamento desigual, vetusto e mal
conservado, que mais aponta na direcção do anacronismo das forças militares ibéricas no séc.
XIV, sublinhado por alguns especialistas europeus, do que na do panegírico das ordens militares
como forças especiais de intervenção rápida, característica que podendo aproximar-se da
verosimilhança até ás primeiras décadas de Trezentos, não deverá ser extrapolado a partir daí.
D. Pedro I não encontrou resistência quando, ultrapassando o controlo através de interposta
pessoa, decidiu “tomar a ordem de Avis por dentro” num momento de fragilidade da instituição,
introduzindo como mestre dessa cavalaria o seu bastardo D. João que, em Abril de 1364, contaria
apenas sete anos de idade. Nem se estranha que, logo a partir da ascensão de seu filho ao
governo da milícia, se documente não apenas um integral controlo do monarca sobre a ordem,
como também o rasto de uma antiga relação de débito desta em relação ao erário régio que
justificaria que o provedor dos bens do mestre de Avis, deixasse, em 1364, a Domingos Fortes,
mordomo do Alandroal, um stromento de como el Rei mandou tomar ao Mestre as rendas de
Moura, Serpa, Beja e Vila Viçosa.
A idade do filho-mestre justificava que D. Pedro I nomeasse de imediato como provedor do
mestrado de Avis mas, desde Março de 1364 até à data da sua anexação à Coroa, o Mestrado de
Avis passou a ser governado por membros da família real, com excepção do Mestre D. Fernão
Rodrigues (de Sequeira) que, todavia, era colaço e criatura de D. João I. Ironicamente, o governo
dos mestrados das ordens militares por infantes, ou filhos de reis, não constituiria nunca uma
garantia sólida da subordinação plena daquelas instituições àquilo que a Coroa (em abstracto)
poderia entender como superior razão de Estado. E, de certa forma, essa constante iniciou-se
imediatamente com o mestre D. João que, na óptica de legitimidade fernandina, deu começo à
prática da utilização da Ordem por um “ príncipe do sangue”como instrumento de conquista
pessoal do poder, e não de defesa do status quo.
Muito embora D. João I, ao longo de todo o seu reinado, tivesse mantido uma estreita ligação e
dispensado protecção à sua ordem de origem, praticamente não recrutou de entre os seus
membros quaisquer dos quadros, civis, eclesiásticos ou militares sobre os quais assentaria o seu
aparelho de Estado-Novo. Apenas o velho e constante companheiro, Fernão Rodrigues de
Sequeira, manteve um valimento e assegurou uma confiança de tal ordem que, por ocasião da
ausência do rei motivada pela expedição a Ceuta, o monarca lhe confiou o governo do reino.
Aquilo que nós designamos por tempo dos infantes, configura afinal um equívoco. Ao confiar o
governo dos mestrados das ordens militares aos infantes seus filhos o rei da boa memória visava
um dúplice desígnio: manter sob estreito controlo régio as ordens militares, invocando a
necessidade da reorientação dessas milícias para o teatro operacional norte-africano, ao mesmo
tempo que ia “encaminhando” bens e rendas das mesmas (que a Santa Sé desejaria ver investidas
na guerra magrebina), em favor das casas ducais dos infantes seus filhos, a título complementar e
como factor de equilíbrio.
Na ordem de Avis, D. Fernão Rodrigues de Sequeira, um alter-ego criado ex-nihil por D. João I,
acabaria por morrer quase em simultâneo com o rei seu amo. Beneficiário de décadas de
benevolência régia deixava costurados os rasgos abertos no seio da milícia pela revolução de
1383-1385 e respectivas sequelas. As antigas lógicas de recrutamento, ligações clientelares, e
“cooptação” decisória interna, foram varridas por homens saídos da mesma revolução. As
comendas e rendas repartidas e distribuídas de acordo com uma lógica que acabaria por
concentrar na Mesa Mestral, (ou, se preferirem, na figura do mestre) a maioria da propriedade e
rendimentos da Ordem. Mas criou-se também o “partido dos Sequeiras”, desenvolvido em torno
do Comendador-mor (filho do Mestre D. Fernão) com a anuência, ao menos implícita, do próprio
D. João I, “loobby” esse que iria manobrar equilíbrios entre a Regência e o reinado de Afonso V.
até ser sofreada pelos tutores do príncipe-herdeiro D. João no capítulo-geral de 1469.
Neste pano de fundo, e à falta de uma “reorientação africana” capaz de lhe proporcionar um
aggiornamento funcional, a Ordem de Avis conhecerá o seu derradeiro espasmo militar com a
participação na “aventura aragonesa”. Mas, em nosso entender, sem que esse episódio tenha
representado uma inflexão ao serviço régio dado que, até certa parte do seu percurso aragonês, o
Condestável D. Pedro (e através dele o mestrado de Avis) serviu como instrumento involuntário
de uma das várias alternativas da política externa de Afonso V.
O governo do mestrado de Avis pelo príncipe-herdeiro D. João iniciou-se pela reconstituição da
Mesa Mestral, entrementes amputada pela facção dos Sequeira, mas também pela resposta à
necessidade de pacificação interna e de reconstituição duma cadeia hierárquica dócil, objectivos
apenas alcançáveis através de uma chefia forte e dotada dos necessários poderes coercivos. Uma
vez entronizado o novo monarca português pretendia controlar directamente – desde logo – as
duas milícias de Avis e Santiago e, quando o ensejo se proporcionasse, substituir o governador do
Mestrado de Cristo. Perante o advento dos Reis Católicos, uma reviravolta na conjuntura
peninsular, de que decorria uma nova situação interna, o Príncipe Perfeito tentava corrigir os
desvios do projecto joanino consubstanciado no tempo dos Infantes, que se tinha justificado
aceitando a premissa de que a delegação do governo das ordens militares em príncipes da família
real seria uma forma adequada de mediar a subordinação das milícias aos interesses do Estado. A
premissa era falsa, tinha começado o período vestibular de anexação à coroa.
A morte prematura do príncipe-herdeiro D. Afonso, veio a suscitar a hipótese da sucessão ao
trono se poder inflectir em favor do bastardo régio D. Jorge. Esta solução nunca vingou,
sobretudo devido à actuação concertada de uma liga de família encabeçada, não apenas por uma,
mas por três mulheres oriundas da Casa de Viseu: as rainhas de Castela e Portugal e a duquesa
viúva de Viseu, que actuaram dentro da conjuntura favorável do papado do valenciano Rodrigo
de Borja, tendo a seu favor a grande política europeia e os interesses e preocupações da potência
emergente que era Aragão-Castela.
A realpolitik, como lhe chamámos, vergou o monarca à necessidade de abdicar da candidatura do
filho em proveito do cunhado, duque de Beja. Mas deixando ao último representante varonil dos
Beja-Viseu o presente envenenado do seu testamento. Se esta derradeira vontade de D. João II
tivesse sido integralmente cumprida, reunindo numa única e sibilina Fénix Renascida a sombra
do Regente D. Pedro e a ameaça de D. Fernando, duque de Viseu, o reinado do Venturoso teria
sido bem diverso. Mas este pretor não cuida do nariz de Cleópatra, antes de restituir a D. Manuel
I a sua verdadeira dimensão: confrontando o disposto no testamento de D. João II com as
doações e mercês efectivamente recebidas pelo senhor D. Jorge, é impossível não constatar que o
monarca procurou cumprir, de acordo com a sua própria agenda, uma parte substancial do
clausulado. Mas também que evitou cumprir tudo aquilo que pudesse equipará-lo a um Infante,
robustecer as suas alianças familiares, consumar a hegemonia sobre as ordens militares ou, de
qualquer modo, contribuir para o transformar num contra-poder multi-regional enquistado no
reino, e susceptível de constituir ameaça para a Coroa. Ao contrário do que insiste em ver alguma
historiografia, D. Jorge, mestre de Avis e Santiago não foi perseguido, “espoliado”, nem afastado
pelo rei Venturoso, simplesmente gerido e tutelado.

9.2. Avis no século XVI: um alheado entardecer

• Enquadramento: espaço e população

A despeito do que já foi escrito sobre este mestrado de D. Jorge, foi-nos propiciada a
oportunidade de revisitar a mesma época, em termos muito específicos que decorrem da
tipologia de fontes base que alicerçam a nossa análise. Assim, partindo da consideração
exaustiva da documentação circunscrita ao período entre 1515 e 1538, constante nos códices
elaborados após as visitações ao mestrado, damos conta de 13 comendas da ordem de Avis
agrupadas numa zona fronteira à praça castelhana de Badajoz que se inscreviam na bacia
hidrográfica do Guadiana, a qual funcionava como um elemento natural articulador do espaço
envolvente.
Área de planícies e pene planícies cerealíferas que acompanhavam o curso médio do rio,
alongando-se à medida que este abandonava o seu percurso Norte/Sul e curvava pelas férteis
terras baixas que se estendiam de Elvas até Mérida, já em território castelhano. A região em
apreço era setentrionalmente limitada pela bacia do Tejo, cujos afluentes da margem esquerda
irrigavam um espaço que, a despeito de uma crónica baixa densidade populacional, sempre tinha
assumido um papel económico determinante que advinha da exploração de uma das variedades
do bosque mediterrânico, o do sobreiro. O “encaixe morfológico” da sub-região de que nos
ocupamos obriga à referência a uma terceira bacia hidrográfica, a do Sado, que marcava uma
clara divisória entre as planícies cerealíferas do interior e uma linha costeira que, exceptuando o
estuário do Sado, “âncora” dos espatários, se apresentava escassa em portos movimentados e
núcleos urbanos relevantes.
Entre estas três bacias hidrográficas inscreve-se, um triângulo irregular com os vértices em
Montemor-o-Novo ou em Coruche, em Beja e em Elvas. Exceptuando os vales fluviais, a
maioria do território inscrito neste triângulo situa-se em cotas compreendidas entre os duzentos e
os quinhentos metros, apresentando um terreno caracterizado por uma ondulação de colinas que
a erosão suavizou. São terras, de início arenosas a Nordeste, depois de xisto, as melhores de
barro, cercadas por uma moldura irregular de relevos velhos onde se entalham duas únicas
aberturas em direcção à costa: o curso do próprio Guadiana em direcção ao Sul, e,
transversalmente, as planícies aluviais dos baixos vales do Tejo, porta de acesso ocidental a
Santarém e Lisboa. Ressalta, claramente definida, a posição-chave das praças da Ordem de Avis
inscritas neste triângulo, a começar pela Alcáçova de Elvas, Alandroal e Juromenha, com as
quais se iniciou o primeiro ciclo de visitações em estudo.
As localidades sobre as quais incide este trabalho, embora representem apenas 30% daquelas
onde se encontram referidos bens da milícia, constituem o coração da Ordem, tanto no referente
a propriedade, senhorio e rendas, como em termos de zona de influência, e população
dependente. O numeramento de 1527-1532, confrontado com os dados das fontes por nós
estudadas (que geralmente confirmam e validam os seus resultados), inventariou 116 cidades,
vilas e concelhos nas quais residiam aproximadamente 50.000 moradores, correspondendo
apenas a cerca de 3 % da população coeva do reino que, como é sabido, se estimava nessa época
em aproximadamente 1.500.000 habitantes. Estamos em presença de uma comarca com uma
baixíssima densidade populacional, podendo inclusivamente considerar-se algo optimista o ratio
de conversão de 4,5 que adoptamos. Das 116 povoações que integraram essa fonte fundamental,
61 eram pertença das Ordens Militares. Com protagonismo para os espatários, aos quais, como
possuidores de 31 localidades correspondia um pouco mais de 50% da globalidade das
povoações na posse das ordens, (e 25% do total da comarca) exercendo senhorio sobre cerca de
10.395 moradores, ou 46.777 almas. Em segundo lugar, mas a uma enorme distância, e muito
próximo da implantação territorial das duas outras milícias presentes na região, vinha o Mestrado
de Avis, possuidor de 14 localidades Fazendo equivaler vizinhos a moradores e multiplicando por
um ratio de 4,5 para obter as almas concluiremos que a jurisdição da Ordem de Avis nas
comendas estudadas abrangeria cerca de 12.584 almas num período caracterizado por um
crescimento demográfico moderado em cinco comendas, ligeiros decréscimos de população
numa comenda e duas localidades com estagnação demográfica. O terceiro lugar competia à
Ordem de Cristo, que detinha 10 localidades, com cerca de 1.292 moradores e, finalmente, a
parcela mais exígua destas povoações das ordens militares, cabia ao Priorado Crato, com 6
localidades, que somavam cerca de 1.654 moradores, apesar de tudo mais 362 do que a Ordem
de Cristo.
Na comarca de Entre Tejo e Guadiana encontramo-nos perante um território onde, embora por
escassa margem (52,58%), as localidades das Ordens Militares são maioritárias, representando,
apenas, cerca de 35,3% da população recenseada. Verifica-se que as localidades da milícia de
Avis, apenas o terceiro senhorio regional, mal perfaziam 8% da população da Comarca, muito
atrás dos 34, 2% dos moradores sob jurisdição espatária, para não falar já dos 62,5% dos
moradores das terras da Casa de Bragança.

• Uma Ordem a caminho da reforma.

A ambiência que envolve o desenrolar das visitações por nós estudadas, situada a caminho meio
entre a Reforma e a contra-Reforma, denota, sem margem para dúvida, um perfil preocupante do
ponto de vista político-religioso. Entre guerras declaradas e outras mais surdas, mas nem por isso
menos graves, chegara o tempo para a Igreja se renovar, em escalas que variavam da humilde
paróquia local até ao inacessível mundo novo permitido pela expansão planetária. Conjugam-se
performances entre a Inquisição e a. Companhia de Jesus. Daí que, era lícito esperar por nítidos
reflexos de tais eventualidades ao nível interno deste nosso micro universo conhecido por Ordem
de Avis. Nada de mais errado, como já escrevemos há pouco. As deliberações oriundas dos
capítulos gerais da Ordem faziam-se cumprir no que às visitações diz respeito, com a
formalidade inscrita na norma, a qual prevê uma conhecida e cadenciada rotina a cumprir por
visitadores e visitados. A despeito de alguns indícios de intensificação no zelo que se pretende
imprimir ao cumprimento de diferentes directrizes comportamentais, estavamos ainda muito
afastados das consciências dileceradas que, a miúde, a Europa, de forma irregular, foi
conhecendo. Por esta razão, se alude no texto a conceitos de periferia, nos quais o reino toma um
lugar importante e a Ordem de Avis um destaque ao nível ainda mais notório de uma ultra
periferia.
Se pensarmos, no entanto, nos objectivos iniciais desta milícia (e o uso deste termo é
propositado), esta tentativa de revitalizar o nível de implantação religiosa não alcançou os níveis
decorrentes do esforço feito. O que, obviamente, levanta múltiplas questões.
À partida, talvez olhando para a teia de interdependências familiares que subjugava os
Comendadores e priores, o seu recorrente alheamento face às responsabilidades que lhes eram
adstritas acabaria por favorecer um reforço da autoridade mestral que se manifesta um pouco por
toda a avaliação que fizemos nas localidades estudadas.
É neste quadro que devemos entender o esforço de restauro, reconstrução, ampliação e
renovação dos edifícios, ornamentos, paramentos, livros e objectos de culto, a par com as
orientações pedagógicas que, em termos de cumprimento dos preceitos básicos que a regra
definia, tentam alterar o cenário visitado, ao nível dos representantes locais da igreja e ao nível
da impreparação dos fiéis, como, em geral, acontecia pelo reino. Tudo isto adquire uma maior
gravidade se pensarmos na severidade das penas em que incorriam os faltosos, que chegavam a
implicar prisão e pagamento de uma coima.
Certamente que poderá ser sempre encontrada uma explicação para o que parece ser uma
situação inevitável, a qual passa pela carência total de recursos que a Ordem apresenta aos mais
diversos níveis. Como já foi explicado, mas parece-nos aqui essencial em termos de conclusão
final, as comendas não tinham sido criadas numa perspectiva de constituírem unidade viáveis e
auto-suficientes. Foram surgindo ao sabor das doações e do povoamento, criadas a partir da
necessidade de as dotar com titulares de poderes delegados capazes de assegurar a respectiva
administração. A Ordem de Avis não dispunha de bastante gente capaz que, em pleno movimento
de expansão ultramarina, estivesse disposta a residir numa localidade isolada cujo rendimento,
descontados os custos correntes, pouco excederia o valor do mantimento do prior de uma
comenda próspera, e a ser condenada a uma existência sem horizontes de carreira ou
acrescentamento palpável.
É ainda justo sublinhar o empenho do Mestrado em melhorar as condições de vida dos priores e
capelães, de tal modo que em 1538, após os aumentos verificados, e a concessão do pé d’altar
deliberada no capítulo geral desse ano, os primeiros tinham obtido mantimentos ordenados cujo
valor equivaleria, de um modo geral, ao que sobrava para o Comendador de uma comenda como
a do Cano, uma vez descontadas as despesas correntes e as benfeitorias determinadas pelos
visitadores Recorda-se também que as remunerações dos capelães não eram particularmente
apelativas e, não obstante, pequenas comunidades como a de Alter Pedroso continuava a receber
assistência pastoral financiada pelo Comendador e moradores num templo parcialmente
arruinado. Pese embora este justo reconhecimento das dificuldades do dia a dia, não se podem
escamotear os comportamentos reprováveis por parte de algums priores, não raras vezes, fruto de
idêntico relaxamento oriundo dos comendadores. O simples facto de vestir um manto branco e
de exibir o exemplar da regra, não era, de raíz, suficiente para chegar a qualquer avaliação de
conduta. O que nos leva à arbitrariedade dos juízos formulados pelos responsáveis locais quando
alvo de inquérito pelos visitadores. Os factores que podem interferir nas respostas mais ou menos
enaltecedoras dadas por estes na avaliação do desempenho dos Priores e beneficiados são muitos
e de diversa índole que nos limitamos a chamar a atenção para o facto. Assim, em jeito de
balanço final, fica-se com a sensação (ou a certeza) de que os resultados não foram equivalentes
ao esforço patenteado pelo desempenho no terreno acobertado, necessariamente, por uma
orientação hierárquica que se poderá reputar de exemplar.

c) Um senhorio Alto Alentejano

A população sob jurisdição da ordem de Avis repartia-se pelas 13 comendas estudadas, nas quais
a ordem de Avis detinha propriedades rurais que somavam 5.766 hectares números que fazem
desta Ordem um médio proprietário,se comparada com muitos dos outros poderes concorrentes
na época. Ainda assim, chama-se a atenção para a precariedade destes resultados uma vez que
somente 62% das propriedades da Ordem foram medidas e mesmo as que o foram exibem uma
oscilação de números abismal que separa, por exemplo os 93 hectares da comenda do Cano e os
2.297 da comenda de Mora.
Acresce, também uma enorme diversidade e produtividade inerente às terras da ordem, a
despeito do facto de que a maior parte delas dificilmente seria economicamente viável, e a
Ordem de Avis não detinha o monopólio da propriedade rural dentro dos limites territoriais das
suas comendas.
As tendências produtivas mais exuberantes podem ser esboçadas pelo exemplo das courelas ou
terras de pão, que atingiam os 2.814 hectares, conjuntamente com os 1095 hectares de herdades,
com um avassalador nível de culturas cerealíferas extensivas, ultrapassando os 1731 hectares de
defesas da ordem cujo destino e utilização, nem sempre anotados nas fontes com o pormenor
desejável, apontam para a exploração do montado e da pecuária a ele associada. cultura
cerealífera para o conjunto das comendas que estudámos. Considerando por sua vez que uma
seara alentejana anterior ao século XVIII poderia produzir, nos bons anos agrícolas, uma
tonelada/hectare, e nos anos maus entre 600 e 700 kg de trigo, e utilizando como base de cálculo
850kg/hectare, obteremos produções anuais que poderiam rondar as 3.931 toneladas de cereal
para o conjunto das comendas estudadas. Como beneficiamos de uma preciosa equivalência
(referida nas fontes por nós estudadas, e reportada a 1538), com o litro de trigo a 2,4 reais, ou
seja, 2.400 reais a tonelada, estimamos o valor bruto da produção anual de trigo e cereais de
"segunda" das comendas em 9.660.000 de reais ou, se o preferirmos, 24.000 cruzados. Estes
valores, reportam-se – convém repeti-lo - a terras que, na sua esmagadora maioria, eram
directamente arrendadas por mão dos Comendadores a lavradores locais, omitindo as fontes os
valores das respectivas rendas. Razão pela qual que se torna objectivamente impossível calcular
a percentagem bruta que corresponderia ao encaixe dos mesmos Comendadores. Mas, se
admitirmos que a renda postulada correspondesse a ao valor do quinto da produção obteríamos
um rendimento de, aproximadamente 1.932.000 reais, em salvo para os Comendadores.
As manchas de vinha e olival apresentavam dimensão semelhante: cerca de 60 e 50 hectares
respectivamente, o mesmo sucedendo com hortas e ferragiais, com totais de 16 e 14 hectares
cada. Esta fractura, e estas assimetrias permitem concluir a predominância da (relativamente)
grande propriedade directamente arrendada pelos Comendadores, sobre o minifúndio constituído
por pequenas parcelas, objecto de contratos de enfiteuse, e destinadas na sua totalidade a vinhas,
olivais, hortas, pomares e ferragiais.
Estes números, relativos a apenas 13 comendas e, ascendendo a 14% das rendas do Mestrado
dificilmente se compatibilizam com os 13.750.000 orçamentados como rendimento global das 44
comendas constantes da relação efectuada em 1534. Por isso apontámos a nossa perplexidade ao
constatar que o somatório das rendas das mesmas comendas que podiam, em tese, libertar
2.200.000 reais de valor do trigo produzido, enquanto o somatório das rendas não excedia os
3.381.000 reais. Valores mais impressionantes podem facilmente colher-se nos rendimentos dos
foros dos moinhos e azenhas onse se alcançavam totais de 29.380 reais, utilizando o preço de 2,4
reais/litro. Como ficou atrás anotado, o indice alto deste rendimento perde coerência se
pensarmos que somente 2,2% do seu total era transformado localmente em farinha e a
capacidade administrativa da ordem fica devedora de uma acção mais proeminente no que se
refere à comercialização de excedentes, acção que, a existir, as fontes silenciam totalmente.
Completa este quadro uma menção já esperada à criação de gado e ao pastoreio, acentuando os
danos que sempre decorrem do desenvolvimento de tais actividades vis a vis a preservação dos
campos agrícolas. Os números, no entanto, não parecem alcançar grande significado, uma vez
que as fontes referem 784 hectares de pastagem e soveral.
Não fica, de modo algum, por evidenciar as vinhas (até porque as fontes são abundantes e foram
devidamente descritas neste particular), em mãos de diferentes foreiros, cada um com parcelas
diminutas para tratar, facto que aponta para um mediano objectivo rentista a contrastar com o
auto-abastecimento inerente a esta prática. Tem interesse reter que as castas predominantes
seriam possivelmente a trincadeira preta para os vinhos tintos, e o Fernão Pires para os brancos,
sendo necessária cerca de 1 tonelada de uvas dessas castas para produzir cerca de 750 litros de
vinho.
A par da vinha, o olival ocupava um lugar com alguma expressão, como acontecia, por exemplo
em 6 comendas estudadas e na Alcáçova de Elvas onde a Ordem detinha 15 olivais com uma
produção da ordem das 25 toneladas de azeitona, e pouco mais de 1800 litros de azeite. É
importante, porque não está ainda muito estudado, referir as menções a complantação em, pelo
menos, 3 olivais um com pão, outro com vinha e um terceiro do qual ignoramos o cultivo.
Deste conjunto de propriedades identificadas com as suas respectivas produções, importa, ainda
referir que, como se pode constatar pelos múltiplos Quadros apresentados, a percentagem de
contratos elaborados pela ordem recaía na generalidade dos emprazamentos em 3 vidas (o que,
como é conhecido, em nada surpreende). Os casos em que os contratos recorrem à fórmula do
arrendamento, muitas vezes relacionados com courelas de vinha em mortório ou em mato,
funcionavam assim como factor de atracção para o foreiro disposto a investir nestas terras
votadas ao abandono e a sua prática pelos responsáveis da Ordem denota obviamente uma
perfeita noção das dificuldades de fazer crescer o indice de terras agricultáveis.
No total, a renda de toda esta actividade produtiva chega-se a um valor da ordem dos 3.381.000
de reais, valor que garante que não estivemos a trabalhar com números sem qualquer relação
com a realidade da situação estudada.
Não devemos terminar esta apreciação final onde se procura dar saliência às linhas mestras pelas
quais evoluiu a Ordem de Avis nestes anos de Quinhentos sem mencionar um dos aspectos
menos conhecidos e que a documentação nos trouxe com algum detalhe. Referimo-nos às
residências senhoriais, edificadas em vilas do interior alentejano que apresentam, na
generalidade uma tendência padrão entre a superfície das áreas residenciais (cerca de 100 m 2 de
área), a dos anexos (130 m2) e a dos quintais (100 m2), optando-se por materiais de construção
entre a pedra e o barro, a madeira, cortiça e telhas. As reconstruções, que reputamos de
importantes, limitavam-se quase integralmente às casas de forno que necessitavam de ser
ampliadas.
De igual modo, tentamos dar a conhecer a tendência apresentada pelas construções de índole
militar, com base em seis fortalezas e uma casa-forte da Ordem de Avis entre 1519 e 1538,
basicamente em mau estado e onde somente se registaram dois casos de obras de melhoramento
(Fronteira e Figuiera), e ainda assim, efectuadas na zona residencial.
Assim, vislumbramos uma ordem que, de militar, apenas conservava a designação, e vestígios
simbólicos formais. Tentando encontrar analogias, mediante a tradução actual de estruturas e
comportamentos semelhantes, seríamos levados a considerá-la um simulacro de “fundação
familiar” com um CEO (mestre) respeitado, executivos dedicados e em adequada sintonia com o
interesse corporativo-institucional. Mas, pela sua própria natureza, ao invés de uma estratégia
empresarial esta instituição visava apenas a perpetuação do próprio modelo. E este modelo,
sonâmbulo, ineficaz e parasitário, tinha perdido o contacto com a realidade envolvente
Restava um médio senhorio fundiário, se comparado com as instituições congéneres, que ia
suprindo por via fiscal, os resultados, inevitavelmente medíocres, de uma exploração rentista.
Além do mais, por via de regra, era gerido em nome de “membros não executivos dum conselho
de gestão” que se haviam acomodado a delegar poderes. E a ceder as comendas em franchising a
rendeiros cuja margem de manobra a vigilância dos executivos tentava disciplinar. Transparece
com nitidez que os administradores geralmente não executivos (comendadores) aliavam a
incapacidade à falta de empenho. Mas é necessário ter presente que se tratava de uma “fundação”
modesta, que não pagava senhas de presença, e cujo universo de recrutamento fora severamente
limitado pelas oportunidades comparativas de “carreira”, proporcionados pela Ordem de Cristo
e, mesmo, pela Ordem de Santiago.

De resto vivia-se num bucólico e pastoril alheamento das crispações da Reforma, contra-
Reforma e expansão marítima, e guardando prudente distanciamento da “revolução”
administrativa manuelina.

Um anacronismo sobrevivo, temporariamente tolerado no mundo em mudança.

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