A Ordem de Aviz
A Ordem de Aviz
A Ordem de Aviz
revisitada
(1515-1538)
Um alheado entardecer
FICHA TÉCNICA
Pré-impressão
Capa_Publisher
Paginação_Word
José Carlos Ramalho
Impressão e encadernação
Várzea da Rainha Impressores, S.A.
Boblioteca Nacional
Depósito Legal nº 451537/19
Those doubts on the subject, as far as the second half of the 14th century is concerned, will become
certainties as regards the first half of the 16th century, as I think is sufficiently evident from the analysis
of the data on military buildings contained in the sources that I have studied. With the summary
description of six fortresses and a vault belonging to the Order of Avis between 1519 and 1538, one
concludes that only Fronteira castle and the relatively unimportant vaults at Figueira had been subjected
to recent repairs, and these especially in the living quarters, with all the remaining sites in several stages
of ruin in their walls, towers, or rooms. It is also clear that instructions for the maintenance of buildings
inside the fences never apply to the fortresses themselves. If the inspectors of 1519 still mention the non-
existence (or obsolete scarcity) of artillery and weapons, those of 1538 do not even allude to such matters
any more.
The Avis militia of the first half of the 16th century, not involved in the overseas expansion, still showed
the formal structure of an order, but was not even concerned any more in keeping the appearance of one.
It cannot be excluded that, in the political area, and bearing in mind the possible – and foreseeable –
consequences of the full execution of John II’s testament, his sucessor will have actively encouraged the
military emptying of Avis, thus seeking to neutralise the Master D. Jorge as a potential latent threat. With
John III, priorities were already of a different nature and the Order of Avis was, in all likelihood, not
among the king’s concerns.
Other factors of a generic type, both structural and circumstancial, will have determined the
transformation of this military order into a civil lordship provided with spiritual jurisdiction, but it is
difficult to conceive that a political design was not lurking behind it. One can detect an order that was
now only military in its name and formal symbolic traces. Seeking analogies in the current translation of
similar structures and behaviours, one would be inclined to consider it a kind of ‘family foundation’ with
a respected CEO (Master), dedicated executives, and suitably in tune with corporate-institutional
interests. But, through its very nature, instead of a corporate strategy, this institution aimed solely at the
perpetuation of the model itself. And this model, sleep-walking, inefficient and parasitic, has lost contact
with outside reality.
There remained a medium-sized land-owning dominion, if compared with its peers, that went on
compensating through fiscal means the inevitably mediocre results of a rentist exploration. Besides, it was
managed, as a rule, on behalf of ‘non-executive members of a board’ that had come to accomodate
themselves to the delegation of powers. And to cede the comendas in ‘franchising’ to tenants whose
elbowing room the excutives tried to discipline.
It is rather clear that its generally non-executive administrators (comendadores) combined inability with
lack of commitment. But one should bear in mind that this was a modest ‘foundation’ that did not
monetarily reward mere attendance, and whose recruitment pool had been severely impaired by the
comparative ‘career’ opportunities afforded by the Order of Christ, and even by the Order of St. James.
Besides, life was led in a bucolic and pastoral indifference to the tensions of the Reformation, the
Counter-Reformation and the maritime expansion, while keeping a prudent distance from the manueline
administrative ‘revolution’. A lingering anachronism, temporarily tolerated in a changing world.
Of these studies, attention is drawn to the Ph.D. dissertations presented at the Faculty of Letters of the
University of Porto in 1998 (Silva 2002) and 1999 (Costa 1999/2000: 3-592) (Pimenta 2001: 3-600)
(Mata 2007). Besides these studies, there are also two other Ph.D. dissertations, the first defended at the
Faculty of Letters of the University of Porto, in 2004 (Ferreira 2004) and the second presented at the
Faculty of Human and Social Sciences of the University of the Algarve, in 2006 (Oliveira, 2006).
SINOPSE
A propósito do tombo (incompleto) de bens da Ordem de Avis efectuado a partir de 1364 por ocasião da
morte do Mestre D. Martim do Avelar, teremos ensejo de reflectir sobre os efectivos, armamento e
capacidade militar da Ordem de Avis na segunda metade do século XIV. A nossa estimativa de efectivos
foi confortada pelo facto de Luís Filipe de Oliveira, na sua dissertação de doutoramento, ter chegado por
outras vias a resultados semelhantes. Nesse capítulo, em parcial sintonia com esse historiador, parece
existir ensejo de serem levantadas dúvidas sobre o poderio militar da milícia tal, como esta se encontra
geralmente referido na historiografia consultada.
Aquilo que sobre esta matéria, eram dúvidas no que concerne à segunda metade do século XIV, vai
converter-se em certezas no que toca à primeira metade do século XVI, como julgamos que ressalta com
suficiente evidência da análise dos dados sobre património militar edificado contidos nas fontes por nós
estudadas. Descritas que ficam sumariamente seis fortalezas e uma casa-forte da Ordem de Avis entre
1519 e 1538 constata-se que apenas o castelo de Fronteira, e a pouco significativa casa-torre de Figueira,
havia sido objecto de reparações recentes, preferencialmente executadas nas respectivas áreas
residenciais, encontrando-se todas as restantes em diversos graus de ruína nas muralhas, torres, ou
aposentos. Verifica-se ainda que, sendo ordenada a reparação de edifícios situados no interior das
respectivas cercas, essas determinações não abrangem nunca as fortalezas propriamente ditas. Se os
visitadores de 1519 ainda referem a inexistência (ou arcaica escassez) de artilharia e de armamento, os de
1538 já nem sequer fazem alusão a essas matérias.
A milícia de Avis da primeira metade do século XVI, permanecendo alheada da expansão ultramarina,
apresentava ainda a estrutura formal de uma Ordem, mas já não estava sequer preocupada em manter a
aparência de uma Ordem Militar.
Não é de excluir que, no plano político, e tendo presentes as consequências possíveis – e previsíveis – da
cabal execução do testamento de D. João II, o seu sucessor tivesse encorajado activamente o
esvaziamento militar de Avis, procurando neutralizar o Mestre D. Jorge como potencial ameaça latente.
Com D. João III as prioridades eram já diversas e a Ordem de Avis não se integrava certamente entre as
preocupações do monarca.
Outros factores de ordem genérica, tanto de enquadramento como conjunturais, terão determinado a
transmutação desta Ordem Militar num senhorio civil dotado de jurisdição espiritual, mas é difícil
conceber que, por detrás, não coexistisse um desígnio político.
Vislumbramos uma Ordem que, de militar, apenas conservava a designação, e vestígios simbólicos
formais. Tentando encontrar analogias, mediante a tradução actual de estruturas e comportamentos
semelhantes, seríamos levados a considerá-la um simulacro de “fundação familiar” com
um CEO (Mestre) respeitado, executivos dedicados e em adequada sinNOPSIStonia com o interesse
corporativo-institucional. Mas, pela sua própria natureza, ao invés de uma estratégia empresarial esta
instituição visava apenas a perpetuação do próprio modelo. E este modelo, sonâmbulo, ineficaz e
parasitário, tinha perdido o contacto com a realidade envolvente.
Restava um médio senhorio fundiário, se comparado com as instituições congéneres, que ia suprindo por
via fiscal, os resultados, inevitavelmente medíocres, de uma exploração rentista. Além do mais, por via de
regra, era gerido em nome de “membros não executivos dum conselho de gestão” que se haviam
acomodado a delegar poderes. E a ceder as comendas em franchising a rendeiros cuja margem de
manobra a vigilância dos executivos tentava disciplinar.
Transparece com nitidez que os administradores geralmente não executivos (comendadores) aliavam a
incapacidade à falta de empenho. Mas é necessário ter presente que se tratava de uma “fundação”
modesta, que não pagava senhas de presença, e cujo universo de recrutamento fora severamente limitado
pelas oportunidades comparativas de “carreira”, proporcionados pela Ordem de Cristo e, mesmo, pela
Ordem de Santiago.
De resto vivia-se num bucólico e pastoril alheamento das crispações da Reforma, contra-Reforma e
expansão marítima, e guardando prudente distanciamento da “revolução” administrativa manuelina.
Um anacronismo sobrevivo, temporariamente tolerado no mundo em mudança.
Agradecimentos
Dedico o fruto destes cinco anos de trabalho à Maria João, minha Mulher, trave-mestra da casa,
que susteve esforçadamente os telhados e o quotidiano com cúmplice devoção, enquanto eu
nadava, abstrato e alheio a tudo, num oceano de fontes, e também naturalmente ao nosso
esforçado e corajoso filho Fernão que, entretanto, se ia fazendo homem.
Ao meu correligionário e camarada José Carlos Ramalho que colocou generosamente a sua
longa e profunda experiência na Indústria das Artes Gráficas e Transformação do Papel ao
serviço desta edição feita com a prata da casa.
E, last but not the least, ao Professor Doutor Luís Adão da Fonseca, da Universidade do Porto e
da Universidade Lusíada do Porto, responsável científico por este trabalho.
Índice
Sinopse.......................................................................................................................................................... 5
Agradecimentos ............................................................................................................................................ 7
Indice ............................................................................................................................................................ 9
Resumo........................................................................................................................................................ 13
Abstract ....................................................................................................................................................... 14
Palavras-chave............................................................................................................................................. 15
Siglas e Abreviaturas ................................................................................................................................... 15
Fontes e Bibliografia.................................................................................................................................... 16
PARTE I ..................................................................................................................................................... 37
Ao encontro da Ordem de Avis, séculos XII-XVI ................................................................................... 37
Introdução.................................................................................................................................................... 39
1. O processo de fundação da Ordem Militar de S. Bento de Avis (séculos XII-XIII) ..................................42
1.1. A conjuntura político-militar geradora da criação da milícia dos cavaleiros de Évora...........................45
1.2. A situação peculiar da praça de Évora
no contexto da " guerra de fronteira" na época da criação da milícia............................................................47
1.3. O papel crucial da praça de Badajoz......................................................................................................52
1.4. As razões da criação da milícia dos cavaleiros de Évora........................................................................58
1.5. O alargamento do âmbito territorial da intervenção da milícia e o serviço do rei...................................64
1.6. As primeiras deslocações de efectivos dos freires de Évora...................................................................65
1.7. A coroa portuguesa e a sua difícil convivência com os poderes regionais emergentes...........................72
1.8. Os Cavaleiros de Évora e a diocese: um conflito secular.......................................................................75
1.9. De Évora a Avis: a sedimentação da milícia. A emergência dos Espatários............................................86
1.10. A Coroa, o centralismo régio e os freires de Avis (1258 -1329)...........................................................92
2. A Ordem de Avis no século XIV..............................................................................................................111
2.1.D. Pedro I e o governo da Ordem de Avis: ingerências. O caso de um diploma
fundamental de 1364-1366..........................................................................................................................115
2.2. O espólio inventariado por morte do Mestre D. Martim do Avelar.......................................................126
2.3. O "peso militar" da ordem de Avis à luz dos dados registados em 1364.
Um poder militar declinante ou uma situação generalizada?......................................................................127
2.4. A elevação do bastardo régio D. João a Mestre de Avis: uma solução intencional...............................142
2.5. A ordem de Avis e a crise dos anos 1383-1387: as cisões internas.......................................................147
2.6. O Mestre D. João, um percurso ambíguo: interrogações sobre uma "conspiração"opaca.....................150
3. A Dinastia de Avis e a Ordem Militar......................................................................................................167
3.1. A primeira fase do processo de incorporação da Ordem de Avis na coroa portuguesa –o
Infante de Tânger (1434 – 1439) .....................................................................................................167
3.2. O Regente D. Pedro e o Condestável, duas trajectórias peninsulares. A Ordem de Avis como
instrumento das políticas externas. (1439-1466).........................................................................................176
3.3. Da fase post-regência à batalha de Alfarrobeira...................................................................................184
3.4.. O exílio castelhano do Condestável D. Pedro, Mestre da Ordem de Avis...........................................186
3.5. A gradual reinserção de D. Pedro na corte e no governo do Mestrado.................................................191
3.6. A Ordem de Avis na "aventura catalã"..................................................................................................196
3.6.1. Os cavaleiros portugueses que combateram na Catalunha................................................................199
3.7. Notas sobre o Condestável D. Pedro, governador do Mestrado de Avis...............................................205
4. Reestruturação de Avis na antecâmara do Mestrado de D. Jorge (1466-1491)........................................211
4.1. A morte dum príncipe-herdeiro que "não era para ser rei"..................................................................221
4.2. O jovem D. Jorge e a frustrada "candidatura" a herdeiro do trono......................................................236
4.2.1. A sombra dos Habsburgo: a ingerência dos Reis Católicos na sucessão do trono português.............239
5. D.Manuel, Rei de Portugal:"uma herança armadilhada".........................................................................249
5. 1. D. Jorge e o Rei...................................................................................................................................255
PARTE II...................................................................................................................................................261
A Ordem de Avis no século XVI: o triângulo Alto-Alentejano entre as bacias do Tejo, Sado e Guadiana......261
1. Considerações prévias.............................................................................................................................263
1.1. A estrutura das Fontes..........................................................................................................................263
2. Divisão do Mestrado de Avis em duas comarcas.....................................................................................273
3. As determinações gerais: um modelo de apresentação temática..............................................................280
4. As Visitações à Ordem de Avis no século XVI (1º ciclo - 1515-1519)....................................................296
4.1. Visitação à comenda do Alandroal.......................................................................................................349
4.1.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................350
4.1.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................359
4.1.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................361
4.2. Visitação à comenda de Mora...............................................................................................................369
4.2.1.Dimensão Religiosa...........................................................................................................................370
4.2.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................375
4.2.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................379
5. As Visitações à Ordem de Avis no século XVI (2º ciclo - 1538).............................................................380
5.1. Visitação à vila de Avis........................................................................................................................381
5.1.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................381
5.1.2. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................381
5.2. Visitação à comenda de Cabeço de Vide..............................................................................................391
5.2.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................392
5.2.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................397
5.2.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................399
5.3. Visitação à comenda de Alter Pedroso..................................................................................................399
5.3.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................399
5.3.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................400
5.3.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................400
5.4. Visitação à comenda de Sousel.............................................................................................................401
5.4.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................402
5.4.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................406
5.4.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................407
5.5.Visitação à comenda de Fronteira..........................................................................................................408
5.5.1.Dimensão Religiosa...........................................................................................................................409
5.5.1. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................414
5.5.2. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................417
6. Análise comparativa das visitações de 1519 e 1538 ás vilas do Cano, Figueira, Seda e Galveias ....................424
6.1. Primeira visitação à comenda do Cano..............................................................................................426
6.1.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................426
6.1.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................436
6.1.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................437
6.2. Segunda visitação à comenda do Cano..............................................................................................443
6.2.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................443
6.2.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................448
6.2.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................450
6.3. Primeira visitação à Vila de Figueira.................................................................................................452
6.3.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................453
6.3.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................458
6.3.3. Dimensão patrimonial.......................................................................................................................460
6.4. Segunda visitação à comenda de Figueira.........................................................................................466
6.4.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................466
6.4.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................473
6.4.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................476
6.5. Primeira visitação à comenda de Seda..............................................................................................476
6.5.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................477
6.5.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................487
6.5.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................488
6.6. Segunda visitação à comenda de Seda..............................................................................................497
6.6.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................497
6.6.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................505
6.6.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................508
6.7. Primeira visitação à Comenda das Galveias.........................................................................................514
6.7.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................515
6.7.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................521
6.7.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................523
6.8. Segunda visitação à comenda das Galveias..........................................................................................526
6.8.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................527
6.8.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................533
6.8.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................536
7. Os homens da Ordem de Avis: um estudo de caso..................................................................................538
7.1. Os Furtado de Mendonça, ascendência materna do Mestre D. Jorge....................................................540
7.2. Do genearca Afonso Furtado até aos tios de D. Ana de Mendonça......................................................541
7.3. O estatuto sócio-económico dos filhos de Afonso Furtado de Mendonça............................................559
7.4. As ligações ás ordens militares em geral..............................................................................................562
7.5. Comendas detidas pelos Furtado de Mendonça....................................................................................567
8. Considerações Globais............................................................................................................................591
8.1. A Ordem de Avis: acercamentos políticos (1175-1550)........................................................................591
8.2. A Ordem de Avis e a sua implantação territorial: um ponto de chegada...............................................595
8.2.1. Dimensão Religiosa..........................................................................................................................598
8.2.2. Dimensão Senhorial..........................................................................................................................623
8.2.3. Dimensão Patrimonial.......................................................................................................................626
9. Conclusões..............................................................................................................................................665
9.1. A história de uma Ordem: momentos decisivos....................................................................................665
9.2. Avis no século XVI: um alheado entardecer........................................................................................670
Resumo
A presente dissertação tem como objectivo revisitar algumas das questões das problemáticas em
aberto no respeitante à Ordem Militar de S. Bento de Avis, desde a sua fundação até ao Mestrado
de D. Jorge, a última fase autónoma desta milícia, precedendo a sua anexação à Coroa
portuguesa.
No entanto esse acompanhamento do percurso secular da Ordem mais não visa do que tentar
configurar o lento e penoso esforço de adaptação, procura de identidade e razão de ser, ao longo
de sucessivas conjunturas político-militares, mas também socio-económicas, e a quadros
conceptuais - plásticos e deslizantes - por sua natureza intrínseca.
A Ordem de Avis foi fundada num determinado segmento temporal para responder a questões
específicas – e temporalmente confinadas - de orientação política e estratégia militar,
correspondentes a uma sociedade peninsular ainda fluida, e profundamente embebida num
choque de culturas.
Todavia, à luz do tempo longo, e mesmo à escala da sobrevivência da instituição, essa conjuntura
fundacional rapidamente deu lugar a um entrecortado esboçar de uma gravitação em torno da
monarquia que, em brevíssimos três séculos, se converterá numa órbita regular, adveniente da
sua absorção pela Coroa.
A investigação realizada, analisando exaustivamente o conteúdo dos quase mil fólios que
integram os Livros do Convento da Ordem de Avis: n.º 13, 14 e15 (visitações efectuadas a
comendas), permitiu uma abordagem multifacetada a um território correspondente a cerca de
30% do quantitativo de senhorios da milícia, precisamente aqueles que estavam situados no
coração do seu domínio.
Estas fontes, aparentemente áridas e repetitivas, uma vez prensada a "azeitona miúda" da
multidão de factos e eventos que vão registando, irão dar "um azeite menos corrente", por ser
graduado, quantificado, e classificado de acordo com padrões.
A história rural, tal como a ensaiaram os mestres que seguimos, não permite que o quotidiano, o
sociológico e o espiritual se evaporem, deixando apenas ao leitor um resíduo concentrado de
economicismo.
Este olhar atento sobre a primeira metade do século XVI, período final da autonomia de uma
Ordem Militar, destinou-se a esboçar a paisagem física e humana, a quantificar escalas e
hierarquias do que existia, quem possuía o quê, para produzir quanto, valorizado em tanto. E
também como se repartiam esses tantos e quantos, de acordo com a Regra, Estatutos e
Ordenações do reino, no campo do legislado. Ou, de acordo com a natureza humana profunda, e
com quadro de mentalidades prevalecente, qual era o ângulo de desvio entre o determinado e o
executado, esse invariável meio de diagnóstico do viço e pujança, ou desagregação e aluimento
das sociedades e das instituições que as integram.
Abstract
The present dissertation has the purpose of revisiting some of the more relevant questions and
outstanding issues concerning the Military Order of São Bento de Avis, from its foundation till
Dom Jorge’s tenure as Master, the latter corresponding to the last autonomous phase of this
militia prior to its annexation to the Portuguese Crown.
This overview of the secular journey of the Order, however, has as its aim an attempt at drawing
the Order’s slow and hard effort at adjustment, quest for identity and raison d’être against
successive political and military, but also socio-economic, backgrounds, as well as varying
Zeitgeists, by their very nature fluid and elusive.
The Order of Avis was founded at a specific period of time to answer particular and temporally
limited questions of political orientation and military strategy, characteristic of a peninsular
society still in flux and deeply embroiled in a clash of cultures.
However, in the long run, and even in the time-scale of the institution’s life-span, this
foundational background was quickly replaced by a hesitating gravitation towards the monarchy
which, in three very short centuries, became a regular orbit as a consequence of its absorption by
the Crown.
The investigation undertaken, with minute analysis of the contents of the almost one thousand
folios included in the Livros do Convento da Ordem de Avis: nos. 13, 14 and 15 (reports on
comenda audits) made possible a many-sided approach to a territory corresponding to about 30%
of the militia’s fiefdoms, placed at the heart of its domains.
These apparently arid and repetitive sources, once the “small olives” have been pressed from the
multitude of facts and events which they record, will yield a “less commonplace olive oil” as it is
graded, quantified and classified according to standards.
Rural history, such as attempted by the masters whose inspiration is followed herein, prevents the
evaporation of everyday events and sociological and spiritual traits, thereby not solely leaving
the reader with a concentrated, economics-minded, residue.
This look at four decades of the final autonomous period of a Military Order has attempted to
sketch the physical and human landscape, as well as to quantify scales and hierarchies of what
existed, who owned what, to produce how much, valued at such and such an amount. And also to
determine how such quantities were shared in accordance with the Rule, statutes, norms and the
kingdom’s Ordinations, in the legislative field. Or, in accordance with deep human nature and
prevailing mentalities, what deviation there was between a decision and its actual practice, that
invariable means of diagnosing the liveliness and strength or, conversely, the crumbling and
foundering, of societies and their institutions.
Palavras-chave
História de Portugal; Ordens Militares; Ordem de Avis (séculos XII-XVI); estruturas políticas,
administrativas, económicas e sociais; visitações; estatutos e normas.
Key-Words
Portuguese History; Military Orders; Order of Avis (XII-XVI centuries); political, economical
and social approaches, visitações(audits), statutes and rules.
Siglas e Abreviaturas
ACA: Anales de la Corona de Aragon
AHP: Archivo Historico Portuguez
AHS: Arquivo Histórico de Sintra
AHNM: Archivo Histórico Macional de Madrid
AHPL: Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa
BNL: Biblioteca Nacional de Lisboa
BPE: Biblioteca Pública Municipal de Évora
CDAV: Crónica de D. Afonso V
CDF: Crónica de D. Fernando
CDJI: Crónica de D. João I
CDJII: Crónica de D. João II
CDJIII: Crónica de D. João III
CDMI: Crónica de D. Manuel I
CDPI: Crónica de D. Pedro I
CNCDP: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses
CSIC: Consejo Superior de Investigacion Cientifica
DP: Descobrimentos Portugueses
FLUL: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
FLUP: Faculdade de Letras da Universidade do Porto
IAN/TT: Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo
IN/CM: Imprensa Nacional/Casa da Moeda
JNICT: Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica
LL: Livro de Linhagens do século XVI
MH: Momumenta Henricina
PMH: Portugaliae Monumenta Histórica
Provas: Provas da Historia Genealogica da Casa Real Portuguesa
cap. - capítulo
Cfr. - confronte
cx. - caixa
doc. - documento
ed. - edição
Fl/fl./Fls/fls - fólio - fólios
liv. - livro
maç. - maço
ms. - manuscrito
n.º - número
op cit. - obra citada
p. - página
pp. - páginas
publ. - publicado
ref. - referido
res. - Reservado
ss. - seguintes
t. - tomo
tít. - título
v. - verso
vol. - volume
Fontes e Bibliografia
I. Fontes Manuscritas
1.Fundos Gerais
Chancelarias
Chanc. de D. Afonso III, Livro I
Chancelaria de D. Dinis
Chancelaria de D. Manuel, Livro 4
Corpo Cronológico
Livro 1
Leitura Nova
Místicos, livro 2 e livro 4
Mestrados
Direitos Reais, livro 1 e livro 2
Inquirições, livro 2
Núcleo Antigo
Livro nº274
Gavetas
Gaveta 12
2.Fundos Específicos
Ordem de Avis
Ordem de Avis, maços 1, 10, 11, 12, 13 e 14
Livros do Convento da Ordem de Avis : n.º 13, 14,15, 19, 20, 25 e 35
Outros Fundos
Cabido da Sé de Coimbra
Mosteiro de S. Dinis de Odivelas
Mosteiro de Arouca
Mosteiro de Lorvão
Mosteiro de S. Vicente de Fora
Mosteiro de Santos-o-Novo
Colegiada de Sta. Marinha do Outeiro de Lisboa
Colegiada de S. Salvador de Santarém
Colegiada de S. Julião Frielas
Convento de Chelas
Ordem dos Frades Menores. Província de Portugal. Convento de Sta. Clara de Santarém
Ordem dos Pregadores. Convento de S. Domingos de Lisboa
Códice 106
Francisco Xavier do Rego. Descripção geographica, chronologica, histórica e critica da villa e
real Ordem de Avis.
Colecção Pombalina
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PARTE I
Ao encontro da Ordem de Avis, séculos XII-XVI
Introdução
Como constatou OLIVEIRA, se no guia (incompleto) publicado em 1976 por Derek W. Lomax
sobre as Ordens Militares na Península Ibérica escasseavam os estudos efectuados em Portugal,
essa situação alterar-se-ia significativamente a partir de 1993, ano em que, num novo reportório
bibliográfico, se inventariavam já mais de 120 títulos portugueses. Este momento de viragem que
se pode inscrever num interesse despertado pelas temáticas do mundo rural e urbano alargou-se
rapidamente à analise dos bens e das vilas do senhorio das ordens, e fora precedido da tese de
Luís Adão da Fonseca sobre o Condestável D. Pedro na qual se procedia uma primeira tentativa
de sistematizar a evolução institucional da Ordem de Avis, complementada por uma análise do
respectivo património, considerada como indispensável para a compreensão do peso político que
a milícia adquirira no panorama complexo da política externa do reino ao longo do período em
apreço. Em boa verdade essa obra reflectia, e consagrava, uma nova abordagem na perspectiva
com que passariam a ser encaradas como objecto de estudo, as Ordens Militares "procurando
reconstituir o modo de vida dos seus membros, esclarecer a sua organização interna, conhecer a
distribuição das comendas, ou caracterizar a acção dos mestres que as dirigiam".
Essa nova área temática ganharia um novo alento e projecção com a internacionalização dos
Encontros de Palmela e, a partir de 1997, com uma publicação inteiramente dedicada às Ordens
Militares cujos números sucessivos passaram a integrar, também, contributos de investigadores
estrangeiros, permitindo, no nosso entender, reforçar a cooperação entre alguns dos mais
importantes historiadores e autores que desenvolviam regularmente contributos decisivos nesta
área temática.
É certo que ao longo destas duas últimas décadas o acento tónico tem sido preferencialmente
colocado na evolução política das Ordens Militares até à Idade Média Tardia, com uma menor
proeminência para as questões patrimoniais e para o relacionamento com a monarquia
portuguesa, desenhando-se ultimamente uma tendência para complementar estes enfoques com
trabalhos sobre o ambiente social e os protagonistas das diversas milícias.
As características das fontes por nós tratadas, dezasseis visitações a Comendas da Ordem de Avis
efectuadas entre 1516 e 1538, embora incidentes sobre uma única milícia, e circunscritas a um
período cronológico que, mais uma vez, se situa num segmento da Idade Média Tardia,
desenvolvendo-se num insuspeitado clima de pré-Reforma que elas não traduzem, permitem no
entanto aprofundar alguns aspectos, em jeito de adenda, da investigação efectuada por Maria
Cristina Pimenta sobre o Governo do Mestre D. Jorge. Isto porque as referidas fontes se inserem
no decurso do Mestrado deste filho de D. João II, e na antecâmara da assumpção das Ordens
Militares pela Coroa portuguesa. Situando-se naquele que talvez possa considerar-se como um
dos mais metodicamente estudados períodos da existência secular da milícia poderão, no entanto,
carrear informações que não se limitem ás questões patrimoniais, e, partindo do seu
aprofundamento, esclarecer outras dimensões da vida desta ordem.
Mas, tal como esta autora, também nós, na presente dissertação, nos sentimos profundamente
devedores de um volume considerável de investigações já realizadas que merecem da nossa parte
um tratamento especial. Referimo-nos, como é óbvio, à evolução do historial desta Ordem, tema
basilar para estudos elaborados quer por autores portugueses quer por autores estrangeiros. Esta
circunstância explica, a nosso ver, o sentido que pretendemos dar à divisão desta dissertação em
duas partes claramente diferenciadas, mas que, como se compreenderá ao longo do trabalho, se
constituem como duas parte de um todo que se pretende apresentar da forma mais clara possível.
Ou seja, partindo de um suporte documental que, maioritariamente, assenta em três imensos
códices com o registo de visitações e tombos de propriedade de certas comendas desta Ordem,
datados dos anos centrais da primeira metade do século XVI, era inevitável a elaboração de um
larguíssimo ponto prévio (a parte I) através da qual a generalidade da evolução de Avis é
apresentada ao leitor. Estamos em crer que qualquer outro a quem tivesse sido distribuído um tal
conjunto de fontes para analisar não poderia ter trilhado outra opção.
Assim, sempre que nos preocupamos em revisitar temas ou assuntos já estudados em
profundidade por outros, tentamos fazer sobressair dos seus trabalhos as diversas dimensões que,
de uma forma mais directa, serviriam, depois, de pontos de apoio para explicar algumas das
realidades mais tardias que as nossas fontes nos apresentam. A única excepção a esta abordagem
acontece com o século XIV, século que de uma forma estritamente relacionada com a Ordem de
Avis pouco ou nada havia sido trabalhado e no qual se inscreve a redacção de um precioso tombo
ordenado por morte de um dos mestre de Avis, D. Martim do Avelar (1364-1366). A sua consulta
exaustiva permitiu fornecer uma primeira tentativa de melhor entender o papel desta Ordem no
quadro de uma cronologia tão importante quanto esse século de todas as crises.
Por fim, é ainda de justiça que se faça uma reflexão sobre o tratamento dado às fontes em apreço.
Para além de ter constituído uma das nossa principais preocupações a sua transcrição na íntegra
(situação que se observa no vol. II - ANEXOS), certamente que um manancial de informação
dessa natureza merecia um tratamento exaustivo e cuidado, aliás a única abordagem para se
poder fazer uma ideia precisa daquilo que a Ordem de Avis realmente representava antes da
incorporação na órbita real.
Neste sentido, as nossa opções regeram-se, em primeiro lugar, pela estrutura das próprias fontes,
circunstância que resultou no seguinte:
1. Apresentação pormenorizada do conteúdo de cada um dos códices em análise.
2. Análise dos dados por ordem cronológica, integrados em ciclos:
a) Visitações 1515-1519 – ordenadas na sequência do capítulo geral da Ordem de 1515.
b) Visitações de 1538 – ordenadas na sequência do capítulo geral da Ordem de 1538.
3. Análise comparativa das comendas alvo de inspecção nos dois ciclos: Cano, Seda, Figueira e
Galveias.
4. Finalmente, em posse de toda esta informação foi possível elaborar um extenso balanço sobre
a evolução desta Ordem em diferentes níveis de actuação, dando-se conta da sua real tradução
quando a sua história encontra cronologias de Quinhentos. Aí, nas páginas finais desta
dissertação, os dados até então parciais de cada ciclo e comenda, adquirem um novo significado
fruto da sua apresentação conjunta em que sobressai uma comparação em termos evolutivos. As
conclusões encerram este caminho, abrindo portas a outros investigadores.
Em volume separado, inserem-se os anexos a este trabalho, constituídos pelos seguintes núcleos
documentais:
1. Excerto actualizado do "Tombo de certos bens entregues em Avis por Gonçalo Esteves,
provedor dos bens do Mestre [Martim do Avelar], a Estêvão Domingues que fez de mordomo"
(IAN/TT., Ordem de Avis, nº 595, fl. 6v-7v).
2. Levantamento parcial da população da vila de Avis em 1538 (IAN/TT., Livros do Convento da
Ordem de Avis, nº14, fl. 1-47).
3. Transcrição integral do "Tombo das comendas e igrejas em Elvas, Juromenha e Alandroal,
1515", (IAN/TT., Livros do Convento da Ordem de Avis, nº13).
4. Transcrição integral da "Visitação das Igrejas e tombo das propriedades, foros, direitos e
medições que a Ordem tem em Figueira, Cano, Seda, Galveias e Mora, 1519", (IAN/TT., Livros
do Convento da Ordem de Avis, nº15).
5. Transcrição integral da "Visitação das Igrejas e Comendas de Avis, Cabeço de Vide, Galveias,
Seda, Figueira, Cano, Sousel e Fronteira, 1538", (IAN/TT., Livros do Convento da Ordem de
Avis, nº14).
1.2. A situação peculiar da praça de Évora no contexto da " guerra de fronteira" na época
da criação da milícia.
De facto, em 1175-1176 a praça de Évora constituía o bastião mais avançado na progressão
Norte/Sul da chamada reconquista cristã na Península . Considerando a sazonalidade do tipo
operações militares que se desenrolavam no território português durante o período em apreço,
tendo presente as características dos efectivos envolvidos, as limitações da logística, as
dificuldades dos itinerários de penetração, e o carácter aleatório e a morosidade das
comunicações, somos confrontados com movimentos de fluxo e refluxo em que a manutenção
das zonas de influência na "frente de batalha" assume uma importância tanto ou mais relevante
quanto a conquista territorial em si mesma.
Situamo-nos claramente num contexto duma guerra de fronteiras em que por vezes se utilizam
acidentes geográficos para marcar, em certos momentos da história do conflito entre a
Cristandade e o Islão, a linha divisória entre contendores. E assim nos referimos geralmente no
que respeita ao território português, num período até ao século XII, aos três momentos do avanço
territorial : a conquista da "linha do Douro" até ao século IX ; a conquista da "linha do
Mondego" no século XI; e, finalmente, a conquista da "linha do Tejo", no século XII.
Mas, como bem sublinhou BARBOSA quando se fala deste tipo de "guerra de fronteira",
existem dois aspectos que importa definir: o da fronteira e o de guerra de fronteira no momento
da chamada "reconquista".
Habituados a essa abstracção convencionada pelos Estados, e apenas real ao nível da cartografia,
que são as fronteiras, bem ou mal delimitadas, e mais ou menos estáveis, da maior parte dos
Estados da Europa moderna, temos uma compreensível dificuldade em conceber essa realidade
como uma região de contornos fluidos e intermutáveis, com variações de maior ou menor
profundidade consoante a mobilidade das conjunturas e a distância entre as praças inimigas.
Praças essas que, como sucedia em Évora, marcavam o início do território controlado e
organizado pelas formações em confronto .
É o conceito de "fronteira móvel", de importância vital para toda a compreensão do diálogo (quer
diplomático quer militar) entre as unidades político-militares em conflito. Estamos em presença
de espaços amplos, ora em expansão, ora em retracção, de acordo com os equilíbrios, e
desequilíbrios, prevalentes nas sucessivas conjunturas.
Expansão, se à necessidade de espaço vital correspondiam as necessárias capacidades de
ofensiva bélica e o vigor de uma comunidade dotada com as reservas demográficas para gerar
grupos de colonos-soldados cuja missão seria ocupar espaços vazios e, se possível expandir-se e
alastrar para lá desses confins .
Defesa, se existia uma consciência de ameaça de agressão exterior ou respeito (militar) pela
potência vizinha. Momentos em que, num aparente paradoxo, ambos estes tipos de
características se entre misturavam.
Daqui decorria que as zonas de separação entre "Estados" não eram constituídas por linhas
estáveis e de "paragem duradoura", mas sim de momentos de paragem temporária à falta de
condições para uma maior penetração em território hostil.
Eram, igualmente, regiões onde, devido à indefinição instalada, os dois poderes interferiam, com
todas as implicações daí decorrentes.
Uma das formas principais que caracterizaram o desenrolar da guerra entre a Cristandade e o
Islão no espaço ibérico foi a permanente hostilidade fronteiriça através de fossados, algaras e
presúrias.
Estes três tipos de conflito sazonal e localizado eram naturalmente mais frequentes do que as
grandes ofensivas que se podem englobar dentro da designação geral de "hoste". Sendo que este
último conceito, na sua complexa realidade de convocação de efectivos e organização de toda a
logística subjacente, não se encontrava geralmente ao alcance de iniciativas individuais ou
grupais desgarradas até porque, bem pelo contrário, pressupunha uma direcção centralizadora.
E não parece temerário admitir-se que, atenta a rarefacção e dispersão de efectivos militares, ou
mesmo de combatentes ocasionais, a concentração de uma hoste pudesse implicar que se
desguarnecessem ou fragilizassem áreas mais ou menos vastas.
Na documentação coeva a grande maioria das praças fortes sobre as quais repousava a teia de
"diálogos" a que temos vindo a reportar-nos surge designada como castrum ou castellum , que, a
aceitar a interpretação de GARCIA de VALDEAVELLANO, corresponderiam a duas
designações de uma mesma realidade, salvaguardadas as dimensões e características que os
diferenciariam entre si.
Fortificações militares por excelência, onde de modo mais frustre ou consolidado seriam
empregues as técnicas de construção defensiva e se concentrariam os "profissionais da guerra".
Considera BARBOSA que estes castelos podiam ser encontrados isolados na paisagem ou
associados a fortificações de defesa das populações. Assim seria, embora tenhamos algumas
dificuldades em conceber fortificações isoladamente implantadas nestas áreas de "fronteira
móvel" completamente desligados de qualquer tipo de população e apenas ocupados por
guarnições "profissionais" cuja subsistência teria de ser assegurada por qualquer tipo de estrutura
que não refere, e da qual não encontramos menção que não pressuponha a sua articulação com
castros mais ou menos adjacentes.
Aos castelos estaria cometida a função de defesa de pontos estratégicos vitais e de organização
do espaço militar numa escala intermédia entre o território e a área dependente dos castros.
O mesmo autor faz corresponder os "castros" a sistemas defensivos que envolviam povoações e
se caracterizavam por sistemas defensivos menos complexos. Considera inclusivamente que
alguns destes últimos poderiam corresponder a uma utilização temporária em período de ataque
inimigo, mantendo apenas uma guarnição de segurança nos períodos de acalmia.
Outro problema, que se prende com o papel desempenhado pelos castelos e "praças fortes" como
eixos de organização e apoio da rede viária, foi estudado por ANDRÉ BAZZANA, que adverte
todavia " Il convient donc de se méfier de la tendence trop génerale qui consiste à lier la route et
le chateau. On sait bien, et Gabriel Founier le rapelle avec insistence, "que la route médiévale
návait pas un tracé fixe, elle évoluait selon le relief et selon les conditions locales du
peuplement".
Mas precisamente, tendo presente a morfologia do território que circundava Évora, e a
rarefacção do povoamento a partir desse "enclave", é difícil de afastar a convicção de que a praça
funcionaria como um eixo nevrálgico de organização da rede de "estradas" e caminhos de
penetração. Daí decorrendo que uma das funções da "guarnição" da milícia consistisse na
manutenção da fluidez e segurança do respectivo tráfego, indispensável tanto ao povoamento
como à logística militar.
É certo que iremos encontrar alguns cavaleiros da milícia de Évora, ao longo da sua primeira
fase, vinculados exclusivamente à reconstrução e guarnição de castelos, sendo que o povoamento
do respectivo termo, ou alfoz, permaneceria uma atribuição e responsabilidade régia, por razões
a que regressaremos oportunamente. Isto, sem prejuízo da convicção de BARROCA de acordo
com a qual "ao longo dos séculos XI e XII, a conquista do castelo era sinónimo da conquista de
um território". Voltamos a sublinhá-lo: teremos ensejo de constatar que, naquilo que
consideramos uma especificidade funcionalmente característica, castelos recém-conquistados
serão entregues à milícia de Évora (ou já de Avis) sem que, ao menos num primeiro tempo, a
essa responsabilidade corresponda a de organizar o território e a comunidade.
Não sendo esta a ocasião para retomar o velho debate historiográfico sobre a natureza e alcance
do feudalismo peninsular, nem tão pouco para nos determos sobre as peculiaridades que este
sistema assumiu em cada um dos reinos hispânicos, abordamo-lo aqui no seu sentido mais lato:
na acepção político-institucional entendendo-o como o resultado de uma cadeia de vínculos de
natureza pessoal entre os vários grupos dirigentes da sociedade. No que respeita às relações
socio-económicas, como aquilo que usualmente se designa como regime senhorial, através das
relações que se estabeleciam entre senhores, no nosso caso as Ordens militares e o campesinato
dependente, e que, no caso dos freires de Évora, parece ter sido um processo subsequente a uma
primeira fase de implantação castrense.
Neste período os castelos detidos pelos freires, pela sua própria dimensão, estrutura e
características não seriam talvez ainda "o símbolo do grupo social dominante" , embora os seus
muros, mesmo rudimentares, oferecessem protecção e segurança e tivessem uma "função
propagandística" da garantia do serviço militar prestado pela milícia.
Este sistema defensivo genérico completava-se com torres e atalaias, sendo que, no caso das
primeiras, estas acabariam por vezes por constituir o núcleo, ou ser integradas em fortificações
mais complexas.
Existiriam obviamente outras formas menos importantes de defesa estática, mais difíceis de
despistar nas fontes, mas que a mais elementar lógica obriga a admitir. Referimo-nos aos
aglomerados de habitações camponesas dispondo certamente de primitivos e/ou sumários
sistemas de defesa que, na maioria dos casos se resumiriam a muros de pedra, adobe ou madeira
cercando o aglomerado habitacional, e tendo adjacentes, ou integrados, recintos de protecção de
gados, reservas e alfaias.
Chegamos a este ponto de um sumaríssimo aflorar do início do enquadramento da "guerra de
fronteiras" com um propósito: o de fornecer alguns tópicos sobre a "sociedade militarizada"que a
protagonizou e no seio da qual se geraram, num momento específico, e respondendo a
problemáticas concretas, os freires regrantes de Évora.
Dentro dos autores que, com perspectivas nem sempre coincidentes, se detiveram sobre esta
problemática, procuraremos seguir aqueles que, em nosso entender, melhor ajudam a
compreender esta questão numa abordagem tão clara e sintética quanto possível, numa tentativa
de ir um pouco mais além do que as clássicas controvérsias sobre o "acto do príncipe", a
obrigatória tramitação "burocrática" a que obedeceria, no contexto preciso a criação de uma
milícia militar, e as divergências e conflitualidades inevitáveis entre o programa universal da
Santa Sé e os reis que se viam confrontados com um outro programa, esse de "universalidade
circunscrita", e que consistia na individualização soberana de um território e no lento, complexo
e multifacetado processo de refundir uma sociedade, de estruturar um Estado e de impor uma
autoridade central.
Questões que, por si só, justificariam um trabalho aprofundado, transbordando muito para lá do
objecto desta dissertação. Mas que, no entanto, nos acanhados limites deste enquadramento
genérico nos sentimos obrigados a tocar ao de leve, quanto mais não seja para podermos ter uma
noção aproximativa das circunstâncias em que nasceram os cavaleiros de Évora e das sucessivas
adaptações e reorientações do seu programa que foram ocorrendo até ao período que antecede
imediatamente a sua absorção pela Coroa portuguesa.
Já FERNANDES tendo presente a necessidade de caracterizar os protagonistas directos da
"guerra de fronteiras", os milites (referidos, desde o foral dado por Afonso I a Santarém em 1095,
e presentes nos diplomas semelhantes concedidos aos escassos centros urbanos do Baixo Vale do
Tejo) salienta que o facto de serem designados como cavaleiros não ilude o seu estatuto de
dependência que, a justo título, considera de resto adequado à sua função militar.
A sua existência justifica-se pelo serviço prestado ao senhor da terra no âmbito da sua vocação
específica e, para que o exercício dessa função seja possível são-lhe atribuídas herdades, fonte de
subsistência e consumação do povoamento do termo. Especialmente relevante parece a
associação entre o "serviço militar" e a cessão dos direitos sobre uma herdade e os
correspondentes laços de dependência que acabam por remeter para um contexto feudo-vassálico
entendido como um sistema de relações homem a homem que se prolongam num complexo de
direitos sobre a terra.
Quase nos atreveríamos a aventar a hipótese de que, no caso quanto a nós específico dos freires
regrantes de Évora o rei vai reproduzir o "modelo", alternando-o com o intuito e a vantagem de
eliminar as indesejáveis intermediações. E detectaríamos, logo no dealbar da milícia, um vínculo
especial e particular entre o monarca e estes cavaleiros que, apesar de tudo, permanecem Milites
Christi.
Subsistia igualmente a questão das "cavalarias" atribuídas como préstamo àqueles que se
considerava serem susceptíveis de prestar serviço militar a cavalo e que, como observou
MATTOSO, tanta perplexidade causaram nos historiadores das instituições .
Passemos agora a contrastar esta referência aos cavaleiros mencionados num acervo foraleiro
precoce, característico da orla regional a partir da qual se aprofundará e virá a desenvolver o
conflito militar até ao último quartel do século XII, período que assistirá ao nascimento da
milícia eborense, e o figurino jurídico que enquadrará os milites nos forais progressivamente
atribuídos ás terras entre o Tejo e o Odiana.
Ora nesta zona de "nova fronteira" já não nos encontramos perante indivíduos privilegiados,
ocupando de forma indiscutível o topo da pirâmide social urbana, e admite-se, embora careça
confirmação, que essas novas elites urbanas não lhes tivessem ainda consagrado um papel
nuclear no seio dum, ainda proteico, sistema social urbano. O que seria válido tanto para a
segunda metade do século XII como ainda na primeira metade do século XIII . A militarização
do sistema social estaria ainda incompleta, situação melindrosa uma vez que se reportava à zona
nevrálgica dos conflitos da "guerra das fronteiras".
Esta constatação surge como paradigmática no tocante a Évora. E isto porque o respectivo foral
foi particularmente precoce no contexto dos outros núcleos urbanos implantados entre o Tejo e o
Odiana, uma vez que as ofensivas de Yusuf I e, sobretudo as de al Mansur permitiram aos
almóadas recuperar quase todos os castelos e cidades perdidos durante o tempo privilegiado da
actuação dos cavaleiros de Santarém e de Geraldo Sem Pavor, e desarticular a, ainda incipiente,
rede de povoamentos em fase de implantação.
A precocidade da intervenção régia na concessão do foral de Évora poderá explicar-se pela
complexa conjuntura militar que se vivia nessa cidade e que passaremos a aflorar, não sem antes
havermos assinalado a intensa desertificação da urbe e respectivo termo.
É que toda a situação envolvente torna relevante a observação dos seus milites
compreensivelmente erigidos em elemento nuclear no sistema social da fronteira.
Recuando um pouco, para enquadrar, relembremos a síntese de CONDE "…as regiões
fronteiriças de al Andalus, na época omíada tinham conhecido dispositivos e formas
organizadoras adequados a um esforço consistente e contínuo no sentido da "guerra santa".
Pelo contrário, os membros da dinastia califal não teriam obtido sequer um controlo político
duradouro sobre os poderes assentes na periferia, que eram refractários à colaboração com o
poder central e não tinham escrúpulos em concertar alianças com os monarcas cristãos seus
vizinhos.
Só com o hâjib Al-Mansur, que desencadearia 56 fulminantes expedições num quarto de século
(977-1022), é que encontramos uma concepção de jihâd dinâmica e expansiva (…) rompendo
com o tradicional desempenho omíada e com a própria concepção de guerra que este supunha:
enquanto as actividades bélicas conduzidas pelos omíadas pretendiam pressionar os reinos do
Norte para manter o status quo, a poderosa e cara máquina de guerra criada por Al-Mansur
tinha em vista o aniquilamento dos poderes cristãos.
A morte do hâjib interromperia, porém, essa terrível dinâmica e a ftna. As fronteiras das taifas
não eram, visivelmente, espaços de jihâd. A faceta ofensiva da "guerra santa" só viria a ser
retomada a partir de finais do século XI, sob o novo e radical impulso de ideologias de origem
africana, já que os almorávidas, e depois os almóadas, mobilizariam numerosos voluntários
para a guerra com os reinos cristãos".
Em meados do século XII alterara-se a estruturação das duas sociedades, hispano-muçulmana e
leonesa. Emergira uma maior atenção ao espaço – tanto próprio, como ocupado pelo Outro – aos
meios humanos e materiais e à concepção e desenvolvimento de estratégias, tanto militares como
de povoamento, visando o seu domínio.
De ambos os lados, progressivamente, estruturavam-se sociedades organizadas para a guerra.
No campo cristão essa militarização viria a exigir a profissionalização dos guerreiros que,
libertando-se das funções produtivas, deveriam garantir eficazmente a protecção do território e
das suas gentes.
Este processo inscreveu-se no quadro da "renovação feudal" a que corresponderia uma nova
nobreza. Mas, embora comprovadamente eficaz, no tocante às guerras desenvolvidas em
determinados teatros e conjunturas, esse estamento não correspondia integralmente ás questões e
necessidades das áreas fronteiriças, designadamente com o desenvolvimento a expansão
tanstagana, decorrendo parcialmente daí a necessidade da estruturação em concelhos de
comunidades autónomas, ou semi-autónomas.
Essa instituição concelhia foi também adoptada, e rápida, ou mesmo apressadamente, como
veremos, formalizada na reestruturação pós-reconquista da região eborense.
A participação das milícias concelhias na guerra (ofensiva e defensiva) foi da maior importância
durante os séculos XI e XII, mas veio a revelar-se ineficaz, como teremos ensejo de voltar a
referir no quadro específico da região eborense, perante a envergadura e amplidão das violentas
incursões almóadas. De certo modo poderia considerar-se que a milícia de Évora veio
complementar, se não mesmo substituir com vantagem, uma parte das atribuições que
anteriormente cabiam ás milícias concelhias, libertando-as para áreas de actuação mais adequada
aos seus condicionalismos.
Face à generalização e amplificação dos conflitos e à radicalização dos antagonismos, a ameaça
de incursões cíclicas foi crescendo a dificuldade em angariar o sustento de combatentes e não
combatentes através de uma regular exploração agrícola.
E foi neste quadro que se procedeu à "importação" do modelo das comunidades de monges-
guerreiros a cujas capacidades organizativas e capacidade operacional, já amplamente testadas
noutros teatros operacionais, se aliava a um teor de motivações que reforçava a sua coesão e
determinação militar.
1.7. A coroa portuguesa e a sua difícil convivência com os poderes regionais emergentes.
Na última fase do reinado de D. Sancho I aos surtos de fome e focos de pestilência vieram
somar-se requisições forçadas de mantimentos, revoltas, afluxo de populações rurais a centros
urbanos que não dispunham de estruturas para os integrar, e, concomitantemente, uma grande
parte dos factores que definem um clima pré-inssureccional. O monarca tentou, é certo, reagir e,
pelo menos, atalhar algumas das arbitrariedades.
Mas a sua incapacidade de acudir em simultâneo a todas as frentes e em todo o território parece-
nos por demais evidente, tanto mais que a monarquia não dispunha, ainda, de um quadro
coerente de instrumentos de intervenção, adequados a uma crise desta natureza.
Aos litígios entre abadias, mosteiros e poderes concelhios, ou famílias da aristocracia terra
tenente, que atravessavam transversalmente o território, vinham juntar-se os conflitos entre o
monarca e os bispos.
Não nos deteremos nesta época de efervescência geral, que aqui deixamos apenas aflorada como
constatação de um período de ajuste e definição.
Período em que as diversas instâncias de poder entraram em fricção generalizada, deixando
antever a necessidade urgente de uma reorganização e de clarificação das fronteiras entre a
floresta de jurisdições conflituais.
Mas importa directamente ao objecto deste estudo que nos detenhamos um pouco nas relações
conflituais entre os monarcas e as hierarquias da igreja portuguesa que, por arraste natural,
acabariam por envolver a Santa Sé e prolongar-se ao longo das várias fases da vida da Ordem,
por vezes de forma recorrente.
Em boa verdade não dispomos de elementos comparativos suficientes que nos permitam concluir
com segurança terem sido estas o mais importante factor de perturbação neste crepúsculo de
reinado. Mas, em contrapartida, o facto de se encontrarem minuciosamente registadas nas fontes,
bem como a existência, entre vários estudos que de algum modo abordaram esta temática, de um
trabalho de VILAR que analisa em profundidade as relações entre o bispado escalabitano e
outros poderes concorrentes, entre os quais a Ordem de Avis, permite-nos acompanhar este longo
conflito com alguma segurança. E, por outro lado, servem um pouco de pano de fundo ao choque
que vai eclodir entre os interesses e jurisdições do alto clero e os religiosos regrantes em geral, as
ordens militares em particular e, no caso vertente, entre a diocese de Évora e os freires de Avis.
A própria estrutura interna da igreja portuguesa atravessava neste momento, em sincronia com o
tecido social envolvente, uma das suas periódicas fases de ordenamento, tanto no alçado das
competências respeitantes ao espiritual, como no que respeitava à origem e distribuição dos seus
recursos económicos e ao relacionamento inter eclesiástico e com entidades terceiras.
Só alguns decénios antes destas ocorrências, e após a codificação do Decretum de Graciano,
começariam gradualmente a separar-se as jurisdições civis e eclesiásticas, razão pela qual
numerosos privilégios, que depois viriam a ser considerados como especificamente clericais,
eram ainda amalgamados e confundidos pelos prelados e dignitários eclesiásticos, que os
interpretavam como direitos senhoriais, e entravam em rota de colisão com o entendimento da
cúria régia.
Como frequentemente sucede um dos detonadores da crise interna ligava-se a problemas de
origem e repartição de recursos económicos e financeiros. A distribuição das rendas da diocese e
do cabido do Porto – que tinha provocado um arrastado esgrimir de argumentações, envolvendo
o próprio arcebispo de Braga – estava em vias de acordo em 1200.
A tendência centralizadora timidamente esboçada no seu reinado assumiu particular relevo
durante o governo do seu sucessor.
A despeito de uma sucessão tumultuosa, e da saúde vacilante do novo rei cuja incapacidade
militar suscitou forte contestação, no curto reinado de D. Afonso II (1211-1223), foram ensaiadas
inovações de natureza política e administrativa que se podem considerar como avançadas,
determinadas e conclusivas em relação a muitos reinos do ocidente cristão onde predominavam
ainda (e continuariam vigentes) concepções feudais do exercício e repartição do poder.
É certo que a conjuntura em que Portugal se encontrava mergulhado exigia medidas rápidas e
eficazes, mas a orientação seguida reflectia, como é óbvio, não apenas a vontade do soberano
mas também, e talvez sobretudo, as concepções de um círculo de conselheiros áulicos que
representava um corte transversal dos estamentos sociais representativos, e de interesses
diversificados.
A documentação permite reconstituir com bastante segurança o perfil de muitos dos próximos
colaboradores da D. Afonso II.
O chanceler Julião Pais, cuja acção se documenta ao longo de três décadas, permaneceu no
exercício das suas funções até à morte, ocorrida em 1215. E terá tido ensejo de apoiar com a sua
autoridade e experiência algumas importantes medidas iniciais que as contradições internas do
reinado precedente não tinham permitido consumar.
Sucedeu-lhe um colaborador próximo, Gonçalo Mendes, que se manteve no exercício de funções
até 1228, ou seja: cinco anos após a morte de D. Afonso II. Esta estabilidade na prossecução de
uma linha de conduta foi determinante para desenvolver conclusivamente as reformas.
Este novo chanceler, cuja influência, partilhada, é certo com a do mordomo Pero Anes da Nóvoa
(irmão de Gonçalo Anes da Nóvoa que seria, precisamente, mestre de Calatrava entre 1218 e
1238), comprova-se pela referência inserida numa bula papal de 1220, onde se alega que ambos
conduziam D. Afonso II à impiedade. Este intransigente defensor de uma visão do primado régio
viria a ser excomungado pouco depois, em Janeiro de 1221, com a recomendação papal
endereçada ao monarca português de que o fizesse substituir por "homens prudentes e honestos".
Recomendação que, como tivemos ensejo de constatar, não produziu efeito.
Este núcleo duro tinha-se rodeado de uma equipa eficaz de colaboradores familiarizados com os
direitos canónico e civil que, em Roma, defenderam com sucesso os direitos régios em vários
litígios.
Destes jurisconsultos destacaremos mestre Silvestre, que viria a ocupar a posição estratégica de
arcebispo de Braga; e mestre Vicente Hispano que ascenderia sucessivamente as sédias
episcopais da Guarda e do Porto. Ambos tinham ocupado cátedras na universidade de Bolonha e
desenvolvido actividade geralmente reconhecida como comentadores das decretais do papa.
Ambos se encontravam persuadidos de que a coroa, cuja autoridade procedia de origem divina,
era soberana na sua esfera, e defendiam a separação de poderes sem, no entanto, contestarem
minimamente a soberania espiritual da Igreja.
Destas convicções, e de um novo espírito de rigor adveniente do respeito pela norma jurídica,
decorria que, em boa consciência e sem contradição, pudessem achar nociva a concentração
excessiva de bens fundiários na posse da Igreja. Posições que vinham emergindo desde o reinado
anterior e que, colidindo frontalmente com as teses papais, iriam obrigar Inocêncio III a fulminá-
las, como potencialmente heréticas, logo numa bula de Fevereiro de 1211, à qual se seguiria, na
Ad petitionem olim do mês de Outubro, a primeira interdição do reino, acompanhada pela
excomunhão do monarca.
Logo no início do reinado, ao que parece na cúria desse mesmo ano de 1211, era promulgada a
primeira lei contra a amortização dos bens da Igreja, pela qual se proibiam os mosteiros e ordens
religiosas de comprar bens fundiários. Equilibrada, em 1218, com a oferta dos dízimos dos
direitos régios a todas as dioceses do reino e a algumas ordens religiosas.
Mas no decurso do reinado as relações entre a Coroa e o clero, inicialmente pacíficas,
deterioraram-se profundamente. Este acentuar da política anticlerical do novo soberano
manifestou-se numa sistemática interferência nos assuntos eclesiásticos, com ênfase especial
para a derrogação de isenções e privilégios, o que suscitou uma encarniçada oposição por parte
do bispo de Coimbra D. Pedro Soares.
Mas o litígio mais representativo deste período colocou em confronto o rei e o influente
arcebispo de Braga, D. Estêvão Soares da Silva que, tendo aproveitado um surdo braço de ferro
entre o papado e o metropolita de Toledo terá induzido o sumo pontífice a expedir a
reconfirmação da importante bula Manifestis Probatum, em 11 de Janeiro de 1218, que
confirmava a D. Afonso II as graças anteriormente concedidas, e a tomá-lo, bem como ao seu
reino, sob a protecção apostólica.
Volvido um ano, em 1219, a situação de bom relacionamento inverteu-se numa escalada de
violência que levou o enérgico prelado a excomungar o soberano e a lançar o interdito sobre o
reino de Portugal. O litígio ascendeu até à Santa Sé e redundou em prejuízo de D. Afonso II e
dos seus conselheiros cuja política centralizadora foi condenada sendo o monarca aconselhado a
reparar os danos causados sob pena de incorrer em graves sanções.
Logo na primeira assembleia da cúria régia de D. Afonso II, reunida com todos os bispos do
reino, prelados, ricos-homens e vassalos o monarca terá determinado que fossem guardadas as
suas leis e as da Igreja de Roma, e que em caso algum pudessem ser invocadas normas, regras ou
direitos incompatíveis com estas duas instâncias, colocando a sua capacidade legislativa no
mesmo plano do que a do Sumo Pontífice.
Em vários diplomas promulgados neste reinado se constata a influência do direito de Justiniano
ou a existência de outras justificações doutrinais em que se procuram fundamentar e legitimar as
medidas adoptadas, o que constituía uma viragem tão radical como inovadora na prática
legislativa.
Esta sistemática fundamentação e ordenamento de um quadro jurídico auxiliar da afirmação da
soberania régia conduziria ás primeiras inquirições gerais de 1220, efectuadas com o intuito
implícito de repor uma ordem que se presumia subvertida à escala do território nacional.
É precisamente graças a estas primeiras inquisições que temos um mais pormenorizado
conhecimento de um conjunto de bens situados em Lisboa que, embora já referidos desde 1199,
integravam o património da milícia de Avis.
Mas o relacionamento deste monarca com as outras ordens militares ficou marcado pela
colaboração com o Prior do Hospital, e com os Templários então liderados por D. Pedro Alvites.
A importância do Hospitalário Mendo Gonçalves de Cerveira na cúria régia parece demonstrar-
se pelo facto de haver sido escolhido por D. Sancho I como um dos depositários do seu
testamento e, mais tarde, pela sua presença a testemunhar o juramento de D. Afonso II em 121.
No começo de 1218 o rei confirmar-lhe-ia as responsabilidades que lhe haviam sido cometidas
por seu pai D. Sancho I no que tocava ao depósito de dinheiros do erário régio.
No tocante ao tesouro real sabe-se ainda que, ao menos parcialmente, estaria confiado à guarda
da Ordem do Templo, e depositado em Tomar e Belver. Escolha que, aliás, se inscreveria numa
prática de outras cortes, designadamente a francesa, atento o papel de intermediação financeira
nesse período praticada pelo Templo, e que viria posteriormente a estar na origem do litígio com
Filipe o Belo, e da subsequente extinção desta Ordem.
As relações deste Prior dos Hospitalários com o rei devem ter-se deteriorado com a sua
participação, ao lado de D. Mafalda, no litígio que esta Infanta manteve com o soberano seu
irmão, mas, em 1217, essa tensão estaria em vias de se dissipar uma vez que, em 1218, de acordo
com a obra de Vasconcelos Vilar que temos vindo a seguir neste ponto, D. Afonso II confirmou a
Gonçalo Mendes de Cerveira privilégios anteriores.
Não menos significativa desta vontade de dotar o Estado de um corpo coerente de instrumentos
jurídicos foi a elaboração do primeiro registo oficial de diplomas régios, pressupondo um notável
acréscimo da organização interna e capacidade burocrática da sua chancelaria, bem como as
primeiras tentativas de implantação de uma rede de notariado. Esta rede permitiria o registo de
diplomas particulares redigidos com os requisitos formais indispensáveis para garantir a sua
validade jurídica.
O testamento deste monarca foi redigido em português, facto de inusitada modernidade se
tivermos em consideração que a língua vulgar só seria adoptada em documentos oficiais no final
desse século.
Mapa nº1
Implantação da Ordem de Avis no século XIII
Fonte: Os dados para a elaboração deste Mapa foram retirados da obra de PIMENTA, Maria Cristina, "As Ordens de Avis e de
Santiago na Baixa Idade Média: O Governo de D. Jorge", Militarium Ordinum Analecta, nº 5, Porto: Fundação Engº António de
Almeida, 2001.
A este acervo vieram juntar-se, no reinado de D. Afonso II, outras possessões advenientes de
doações particulares , efectuadas no quadro de disposições a bem da salvação das almas dos
doadores, e também de aquisições , mas estamos perante bens pouco significativos e
geograficamente dispersos, que em muito pouco viriam a alterar a implantação territorial da
ordem.
A despeito de manifestações de apreço e protecção que, obliquamente, poderiam indiciar
sobretudo a reafirmação de uma forma de relação de dependência em relação à Coroa , D.
Afonso II não doou à ordem mais bens de particular relevancia. Limitou-se, como vimos, a
reafirmar a posse de uma vinha em Alvalade Menor, que os mesmos freires haviam feito por "de
mandato patris mei inclite memorie" e a confirmar a posse de bens anteriormente recebidos.
Segundo o cronista da Ordem de Avis , ROMAN, dois anos antes da eclosão plena do processo
de fragmentação política do império almorávida conhecido como "as terceiras taifas", e pouco
depois da conquista de Alcácer do Sal, o monarca teria concedido autorização ao mestre D.
Fernando Eanes para construir uma fortaleza junto à fronteira com os mouros.
Hermenegildo FERNANDES refere que durante o reinado de D. Sancho II se manteve de forma
consequente o objectivo de intervir na área fronteiriça. No respeitante aos forais nortenhos
sucessivamente concedidos parece descortinar-se um propósito de reforço demográfico e
estruturação administrativa em territórios durienses que se aproximavam, sem no entanto a
atingir, da fronteira leonesa. Precisando a área em apreço acrescenta este autor: "(…) essa
intervenção meridional incide sobre uma área de marca por excelência e onde à limitação com
Leão se vem juntar a fronteira com o Al-Andalus".
Como tivemos ensejo de aflorar a propósito da sociedade eborense e sua adaptação a uma
situação de guerra de fronteira, durante o primeiro período da existência da Ordem dos
Cavaleiros de Évora, não se documentava aí a existência de ricos-homens ou prestameiros, antes
uma total ausência de intermediários feudais entre os cavaleiros que defendiam esse território
dilatado e de fronteira móvel e o seu longínquo senhor, o rei, cuja autoridade se exerceria de
forma intermitente e com menor grau de adequação aos seus problemas específicos.
O extenso território entre Tejo e Guadiana que era objecto da preocupação de D. Sancho II – tal
como o fora dos reis seus antecessores encontrava-se delimitado "seguindo o traçado
longitudinal da orientação Noroeste-Sudeste da serra de S. Mamede, que articula o território
como se de uma coluna dorsal se tratasse, o que quer dizer que neste traçado ela não serve de
limite, devendo este colocar-se mais a Leste, na serra de S. Pedro, em terras que serão depois do
reino de Castela/Leão. A reconstrução cartográfica aproximada do termo (de Elvas) feito por
Ruy de Azevedo pode dar-nos uma ideia da sua dimensão mas apenas na vertente ocidental, hoje
portuguesa".
Solidamente ancorada em Évora, a milícia transferiria formalmente a sua sede para Avis no
mesmo ano em que D. Afonso II subia ao trono mas, como deixámos atrás, parece admissível
que essa nova base só se encontrasse perfeitamente operacional cerca de 1220, pouco antes da
morte desse rei. Decorreria menos de uma década até ao arranque da capanha alentejana de D.
Sancho II, iniciada com a expedição a Elvas, que ilustrava a intenção do monarca de intervir
numa área situada para lá da antedita serra de S. Mamede, mais precisamente no território de
Marvão que se situava dentro do cone de influência leonesa constituído por Albuquerque e
Valência de Alcântara.
No entanto esta campanha pode considerar-se como representando a continuação do –
anteriormente referido - antigo desígnio estratégico de controlar Badajoz, e foi desenvolvida de
modo concertado com o monarca leonês Afonso IX, que visava a conquista desta última praça
com o concurso da Ordem de Alcântara .
É conhecido o insucesso final desta expedição a Elvas de D. Sancho II, bem como o momento de
fragilidade externa e de dúvidas internas que esse desastre fez pairar sobre o reinado e o futuro
da dinastia portuguesa. FERNANDES aponta inclusivamente o abandono a que o jovem
monarca foi votado por parte dos magnates que tinham constituído a sua base de apoio, embora
salientando a emergência de uma nova clientela constituída por pelos representantes do poder
régio a nível local . Mas estrutura administrativa, substancialmente aperfeiçoada durante as
décadas precedentes, viria a resistir, e permitiria ao rei ultrapassar o seu relativo isolamento
político, e reforçar uma autoridade que obstaria a que os poderes senhoriais degenerassem em
poderes incontroladamente discricionários. Na expressão de FERNANDES "(…) falhada em
termos imediatos a hipótese de expansão territorial para o interior, o rei volta-se para os centros
urbanos e portuários do litoral". Envolvendo-se simultaneamente num longo braço de ferro com
os poderes eclesiásticos em que acaba por se confrontar com as apetências hegemónicas duma
Santa Sé que aproveitava o clima de anarquia prevalecente para reforçar a sua intervenção num
ocidente peninsular que permanecia em luta contra as comunidades islâmicas do Sul.
Mas D. Sancho sobreviveria política e militarmente como o demonstram a conquista de
Juromenha, em 1230, e a de Serpa e Moura dois anos mais tarde quando, obedecendo ás mesmas
razões que haviam determinado a deslocação dos freires de Évora para Avis, os cavaleiros do
Hospital iniciaram o povoamento do Crato.
O retomar da ofensiva foi acompanhado por uma complementar política de reordenamento do
território desenvolvida directamente pelo monarca, ou indirectamente, com recurso a entidades
terceiras. E dentro destas últimas, avultava o papel desempenhado pelas ordens militares que, de
um modo mais perceptível, eram chamadas a coadjuvar a organização dos novos espaços e
populações.
Com efeito, durante a década de vinte documentam-se 16 forais, sendo que 14 se ficaram a dever
à iniciativa régia e os 2 restantes à Ordem de Avis. Mas no período imediato a intervenção
organizativa do rei esbateu-se uma vez que se registam apenas 7 forais, todos devidos à iniciativa
privada, que, no caso do Alentejo, pertencia iniludivelmente às ordens militares. Paralelamente,
na perspectiva das normas concelhias, a preponderância das mesmas ordens surge de modo
flagrante .
Como faz ressaltar o autor que temos vindo a seguir, no respeitante aos destinatários dos
diplomas emanados da chancelaria régia no período compreendido entre o começo e o último
ano da década de vinte, as ordens militares representam apenas 6%, a partir de 1242 e até ao final
do reinado os diplomas que visavam essas milícias ascenderão até 37% do total, configurando
uma situação em que "(…) as ordens se transformaram no principal interlocutor político de
Sancho".
Neste ponto do trabalho parece oportuno justificar a utilização de estudos que, à data em que
escrevemos, constituem abordagens incontornáveis das questões em apreço: tal como aliás temos
feito, e voltaremos a fazer, no que respeita a obras fundamentais, estudos específicos, e sínteses
elucidativas que nos ajudaram a acompanhar aspectos particulares ou circunstâncias envolventes
dos diferentes períodos da vida da Ordem de Avis. Convirá ter presente que, em analogia com
uma parcela das intenções das visitações Quinhentistas, cuja análise constituirá o cerne quase
exclusivo da nossa investigação, também nós nos limitamos - ao longo da primeira parte desta
dissertação - a proceder a um inventário, necessariamente sucinto, do trabalho daqueles que nos
precederam. Mesmo admitindo que tal fosse possível nas presentes circunstâncias, investigar
directamente cada uma das etapas da vida desta milícia, durante quatro séculos, excederia
manifestamente os objectivos a que nos propusemos.
E o supracitado aspecto fulcral deste período, durante o qual 10, dos 18 diplomas respeitantes ás
ordens militares saídos da chancelaria de D. Sancho II, consistem em doações, é o sublinhar da
ocorrência duma mutação particularmente significativa e reveladora da emergência das (ainda
prematuramente) chamadas "ordens nacionais", até então relegadas para um papel relativamente
secundário face ás chamadas "ordens internacionais".
Com efeito se anteriormente o Templo e o Hospital tinham sido beneficiárias da maior parte dos
actos de munificência régia, essas mesmas milícias, carregadas de historial e alavancadas pelas
suas ligações e apoios peninsulares e transpirinaicos, que haviam ajudado ao parto difícil do
reino de Portugal, irão presenciar o crescente protagonismo da Ordem de Santiago face à
paulatina sedimentação de Avis no seu papel de organizadora e defensora do alto Além-Tejo.
Mas esse novo protagonismo de Santiago mais não faz do que reflectir duas situações.
Primeiramente a prioridade de que se reveste a penetração pelo vale do Sado em relação ao eixo
do Guadiana. Em segundo lugar a crise que atravessam, a nível global, tanto os templários como
os hospitalários, instituições cuja vocação e objectivos teriam que ser reavaliados e reorientados
devido à nova conjuntura político-militar entretanto verificada na Terra Santa.
A estas razões de ordem geral FERNANDES acrescenta motivos ligados ao relevo e à orografia,
bem como de natureza estritamente militar.
Enquanto, defronte do seu castelo de Alcácer, a Ordem de Santiago não tinha a esperar, com a
possível excepção do hisn implantado junto à futura Santiago do Cacém, nenhuma resistência
muçulmana significativa até à serra algarvia, o eixo de penetração pelo vale do Guadiana após a
tomada de Juromenha permanecia bloqueado, abaixo da serra de Portel, por três importantes
praças-fortes: Mértola, Serpa e Moura.
Mas estes dois últimos castelos caíram, como apontamos, em 1232. Em tese poderia considerar-
se que uma parte considerável dos obstáculos que se opunham a uma ofensiva pelo Sudeste havia
sido removida. Esta investida de forças de D. Sancho II, que precedeu em cerca de três anos o
arranque espatário em direcção à serra algarvia, poderia denotar alguma hesitação sobre a
escolha do eixo de progressão das forças cristãs, simples descoordenação entre a iniciativa do rei
e os desígnios de Santiago, ou dificuldades de concertação com o vizinho reino de Leão, também
ele interessado no vale do Guadiana.
No entanto estamos em crer que, não obstante a admissível persistência de outros factores
condicionantes, a imparável arrancada dos Santiaguistas em direcção ao al-Garb, terá ficado a
dever-se primacialmente à débil rarefação do dispositivo militar muçulmano a Sul do Sado que o
novo Mestre D. Paio Peres Correia, ao longo da sua prévia carreira peninsular, teria tido ensejo
de conhecer, talvez mesmo através de informações leonesas potencialmente interessadas em
desviar para ocidente a expansão portuguesa. Nem de outro modo se torna fácil entender a fácil
rapidez com que, a partir de uma primeira ocupação do termo de Aljustrel em 1235, os espatários
progrediram em direcção ao litoral algarvio. É certo que os dados genéricos sobre os efectivos
das ordens militares que a seu tempo afloraremos são posteriores à segunda metade de Duzentos,
mas não é de crer que a escala dos contingentes potencialmente mobilizados directamente por
esse protagonista - quase solitário - da progressão a Sul do vale do Sado que foi a Ordem de
Santiago se tivesse expandido desmesuradamente nessa ocasião.
De facto apenas a extrema debilidade do dispositivo militar inimigo parece explicar a penetração
fulgurante de um contingente de espatários que, atentos os (embora escassos) dados
comparativos que possuímos para épocas posteriores, não deveria atingir uma centena de
cavaleiros, e um corpo relativamente reduzido de tropas auxiliares. Em paralelo a milícia de Avis
surge prematuramente acontonada no seu núcleo do alto além-Tejo sem protagonizar um
movimento de flanqueamento pelo Sudeste que, articulado com a progressão espatária a Oeste,
fechasse o al-Garb entre os dois braços de uma tenaz.
Julgamos ser possível detectar algum anacronismo nesta nossa reflexão. Com efeito, perante a
dimensão exígua do efectivo estimável dos cavaleiros de Avis, agiganta-se a escala do território
que se prolongava até à serra algarvia, tornando pertinente uma dúvida em torno da capacidade
de um tão reduzido número de cavaleiros poder levar a efeito um flanqueamento tão extenso e
fechar um segundo braço de tenaz. A guerra de fronteiras, a despeito da sua elevada mobilidade,
não se processava de acordo com o programa e meios de uma qualquer blitzkrieg, mas
geralmente apenas como o somatório da exploração das oportunidades casuísticas verificadas no
terreno.
De momento fica-nos a constatação de que, enquanto os espatários de Alcácer lideram a
expansão Sul/Sudeste, os cavaleiros de Avis não esboçam qualquer iniciativa militar própria,
permanecendo ancorados em torno da organização dos territórios e da definição dos respectivos
direitos e jurisdições, e a situação que caracteriza o segundo quartel de Duzentos irá definir uma
hierarquia entre as duas milícias e decantar a evolução das respectivas missões.
D. Sancho II fez redigir dois testamentos, do primeiro desconhece-se a data, mas o último foi
lavrado no Inverno de 1248. Nesse segundo diploma encontram-se evidenciadas as preocupações
do Capelo sobre o evoluir da situação interna do reino, e salienta-se o lugar destacado que
ocupam, ao invés do ocorrido nos testamentos de seu pai e avô, os legados dirigidos ás ordens
militares. Primeiro Avis e Santiago (ordens peninsulares), que recebem 300 morabitinos cada, e
só depois Templo e Hospital, cada uma contemplada com 500 morabitinos. Embora todas as
ordens militares sejam destinatárias de somas iguais ou superiores às dos bispados, Avis e
Santiago partilharão entre si as azémolas do rei, enquanto o Templo receberá 20 lorigas.
De acordo com o autor que temos vindo a seguir, esta hierarquia na distribuição dos legados
régios "(…) não se afigura fruto do acaso e parece remeter para duas conclusões. Primeiro uma
preponderância das ordens militares tout court, que se deverá ao crescente papel que mantêm na
sociedade e que continuará mesmo após o eclipse da fronteira - enquanto não se encontra o
caminho para novos Algarves , os de além-mar, mas que estará nos anos 20 de Duzentos prestes
a atingir um climax".
A segunda conclusão proposta pelo mesmo autor consiste na constatação do protagonismo dos
cistercienses, quer através de uma ordem não combatente, a de Cister, quer através dos monges
guerreiros que são os cavaleiros de Avis, cuja acção relevante na consolidação do Alto Alentejo
implicitamente se reconhece.
2.3. O "peso militar" da ordem de Avis à luz dos dados registados em 1364. Um poder
militar declinante ou uma situação generalizada?
Suscitam alguma perplexidade as informações sobre armaria e palamenta militar que nos fornece
este tombo de bens de 1364, cujo conteúdo temos vindo a estudar.
Tenhamos presente que MONTEIRO, (cuja consideração levanta questões incontornáveis),
referindo-se à situação em que se encontrariam os arsenais espalhados pelas fortalezas do reino
num período ligeiramente mais tardio, a contrasta, de certo modo, com aquela que se verificaria,
hipoteticamente, em alegados depósitos à guarda das ordens militares. Adianta este autor "Pelo
menos o já mencionado inventário dos bens da ordem de Avis, efectuado após a morte de D.
Martim do Avelar, revela a presença de muitas e boas armas (defensivas e ofensivas) nas
fortalezas visitadas…Em todo o caso não seria apenas nos depósitos situados no interior das
fortalezas das ordens militares que se encontravam armas em quantidade e bom estado ".
MONTEIRO regressaria a esta questão em obra mais recente ampliando o julgamento acima
referido nos seguintes termos: "Relativamente ás ordens militares (de Avis, de Cristo, do
Hospital e de Santiago), será bom começar por advertir o leitor para o facto do termo da
Reconquista e a delimitação quase definitiva das fronteiras do território português que se lhe
seguiu, em finais do século XIII, não terem significado um esvaziamento total da sua função
militar. De facto, durante muito tempo, as ordens continuaram a ter uma intervenção essencial
ao nível, por exemplo, da arquitectura militar (coisa que já aqui foi claramente demonstrada) e,
por conseguinte, também no plano da vigilância e da defesa das fronteiras do reino.
Paralelamente mantiveram, para além do final da Idade Média, uma notável preocupação com a
forma como os seus freires cavaleiros se encontravam armados e encavalgados, prevendo
mesmo – como tivemos oportunidade de assinalar – normas rigorosas acerca da conservação do
equipamento militar, guardado no interior das fortalezas que os Comendadores tinham debaixo
da sua tutela".
Em boa verdade, se a subsistência do protagonismo militar das ordens religiosas, uma vez
terminada a Reconquista e a fixação das fronteiras, parece pacificamente indiscutível, já a
caracterização do armamento dessas mesmas milícias e a assumpção de que a gestão e
conservação dessa mesma palamenta era efectuada debaixo de normas rigorosas, poderá
eventualmente suscitar alguma perplexidade, pelo menos no que respeita à Ordem de Avis no
século XIV.
Mas é necessário reconhecer que essa mesma perplexidade se articula numa problemática vasta,
ingrata e evanescente. Tivemos ensejo de salientar anteriormente que, a despeito das
recomendações de visitações dos meados de Trezentos estipularem a contenção no trajar de
freires e comendadores de Avis, fazendo recair sobre eventuais faltosos os rigores da disciplina, o
espólio dos bens do Mestre D. Martim do Avelar, inventariado em 1364, se encontra recheado de
artigos sumptuários onde nem mesmo faltam as jóias, os perfumes e as baixelas. Admitimos de
bom grado que tivessem existido desideratos de reequipamento e normas rigorosas sobre a
conservação da palamenta militar pertencente à freiria. Mas, uma vez que os únicos testemunhos
concretos e palpáveis de que temos conhecimento parecem apontar noutra direcção, atrevemo-
nos a questionar até que ponto essas boas regras corresponderam efectivamente a boas práticas.
Isto porque as normas são desejos de realizar, mas não a realidade em si mesma.
O mesmo historiador refere, numa outra passagem, que a gestão dos arsenais implicava um corpo
de funcionários e artífices especializados. Cita, a este propósito Claude Gaier, "um dos grandes
especialistas europeus em hoplolgia medieval", que considera que "os dois grandes perigos que
então ameaçavam as armas eram, por um lado a corrosão, e, por outro, o apodrecimento”.
Riscos que, integrados num contexto de edificações insuficientemente adaptadas ou, mesmo,
improvisadas, obrigavam a um cuidadoso, frequente e metódico trabalho de reparações,
lubrificação, desenferrujamento, pintura e envernizamento, entre outras. Para não falar já das
tarefas inerentes a uma "gestão, das existências", tanto das armas e respectivas peças como (no
caso das bestas e restante neurobalística) das respectivas "munições".
Em jeito de conclusão MONTEIRO sublinha uma constatação do mesmo Gaier:"os trabalhos de
manutenção e reparação ocupam um lugar considerável na gestão dos armamentos.Este
fenómeno implica forçosamente a existência de um serviço administrativo desenvolvido e de
pessoal abundante, senão qualificado, tudo elementos que depõem a favor de um certo sentido
de organização".
Com efeito, a partir do terceiro quartel do século XIV a Coroa vai desenvolver esforços
persistentes no sentido de criar essa organização, nem sempre com resultados adequados ou
duradouros, mas o esforço constata-se, como reflectem os exemplos aduzidos, entre outros, pelo
próprio MONTEIRO.
Já em 4 de Outubro de 1387, (21 anos e muitos conflitos militares após a elaboração do tombo
em apreço) é feita referência à torre do armazém de Lisboa, onde estaria depositada grande parte
dos 1500 arneses (completos) que o conselho de D. João I teria determinado que existissem no
reino. Dentre as várias entidades que estariam encarregadas de fornecer os ditos arneses, um
terço caberia à Coroa, 50 ao Condestável, e a D. Afonso, futuro duque de Bragança, obrigação
essa que se estendia aos arcebispos de Lisboa e Braga, aos bispos de Coimbra e Évora, e aos
Mestres de Cristo e Santiago. Ao Mestre da ordem de Avis caberiam 40 arneses, 30 ao marechal
Gonçalo Vasques Coutinho e 20 ao prior do Crato.
Não existe a certeza de que a determinação do conselho régio tivesse sido integralmente
executada, e ignoramos a quem caberiam os 350 arneses cuja proveniência não fica clara na
enumeração completa da listagem supra, no entanto o que nos interessava focar era que estamos
presente arneses completos.
Que é, precisamente uma das características que se não verifica no armamento depositado nos
armazéns da ordem de Avis. Talvez porque o seu uso não se encontrasse ainda generalizado, mas
permanece o carácter aparentemente desirmanado dos equipamentos. E, a despeito de
MONTEIRO se referir ao acervo como "muitas e boas armas (ofensivas e defensivas)", quer-nos
parecer que existe uma flagrante desproporção entre armas defensivas (estas mesmas
frequentemente não compagináveis entre si) e ofensivas.
Teremos ainda ensejo de verificar adiante que a tipologia dos equipamentos aí presentes
apresentava características relativamente arcaizantes.
Talvez não seja de todo temerário admitir, a título de hipótese, que as armas referidas nos
armazéns em apreço não atingiam quantitativos notáveis, nem apresentavam uma qualidade e
estado de conservação merecedoras de tantos encómios. A própria listagem e descrição dos
equipamentos dispensaria mais comentários.
Finalmente, se aceitarmos o postulado de que a ordem de Avis se encontrava em crise, minguada
de efectivos e recentemente sujeita à tutela real, teremos dificuldade em admitir a existência do
pessoal abundante e qualificado que os especialistas consideram imprescindível à boa gestão de
um arsenal.
Desembocamos, involuntariamente, numa questão vasta porquanto, no quadro da investigação
sobre as ordens militares ibéricas em geral, e decorrentemente no âmbito mais restrito das
milícias portuguesas, e, se nos permitem, no que concerne a essa milícia peculiar que é a ordem
de Avis, a questão da avaliação do efectivo poderio bélico dessas mesmas ordens, do respectivo
peso regional, nacional e peninsular permanece muito longe de se poder considerar satisfatória.
Situação um tanto irónica se tivermos em consideração que sobre estas milícias militares desde o
seu surgimento, se conhece mais sobre os topoi da normativa e funcionamento orgânico, a
espiritualidade, a influência cultural, a evolução do relacionamento institucional e a organização
económica – em boa parte compartilhadas com o que caracteriza outras instituições regulares
monásticas com uma genealogia semelhante – do que aquilo que tem vindo a ser penosamente
apurado sobre o topos da sua organização castrense, precisamente a mais característica faceta da
sua funcionalidade que as distingue, separa e individualiza em relação à generalidade das outras
ordens religiosas.
Desta evidente lacuna tinha perfeita consciência FONSECA quando, em análise preambular
daquelas que poderiam ser as grandes linhas orientadoras do presente trabalho, mas tendo
presentes as limitações das fontes sobre as quais iríamos trabalhar, nos recomendava que
tentássemos proceder à avaliação possível do peso regional, demográfico, económico e social da
milícia de Avis.
Questão ingrata, como disse acima, porque as fontes que sobreviveram tendem a ignorar, ou
referir muito episodicamente, e ainda por cima de forma fragmentária e sucinta tudo o que se
assemelhe a inventários de equipamentos militar. Ou são constituídas em boa parte por textos
regulamentares, em que se procura determinar qual deverá ser, no futuro, o armamento-tipo de
uma, ou de várias categorias de combatentes, sem que se conheça o respectivo grau de execução.
Fora desta categoria, conhecem-se, referidas ao período em apreço, listagens desgarradas,
elaboradas com intuitos precisos, que reportando-se a conjuntos de armamento frequentemente
desmembrados, deslocalizados ou reconstituídos teriam um significado restrito, e
corresponderiam a conjunturas específicas.
Produto de iniciativas avulsas dum aparelho administrativo incipiente, e de actos de
administração não sistemática, raramente permitem visões de conjunto. E é necessário ter em
conta que, em termos genéricos, os textos conhecidos que se referem a equipamentos militares
subentendem conhecimentos e informações que, sendo consideradas adquiridas e evidentes nos
períodos a que se reportam, permanecem para nós obscuros e opacos, inviabilizando uma
caracterização minimamente fundamentada do tipo de equipamentos efectivamente utilizados
por cada tipo de combatentes.
Se outros tipos de fontes, como uma iconografia relativamente abundante e elucidativa, nos
permitem reconstituir com razoável fiabilidade como se armava a cavalaria pesada, os arqueiros,
os besteiros, e os peões é insuficiente o conhecimento disponível sobre o armamento da
peonagem portuguesa no período antecedente às "guerras fernandinas", mormente daquela que
integraria as mesnadas senhoriais e, mesmo, os aquantiados, e os efectivos concelhios.
Armamento que, diga-se de passagem, raramente corresponderia a padrões sistemáticos e ás
tipologias estereotipadas, tais como actualmente as concebemos. Mas, não obstante todas as
dificuldades, não é possível escamotear a problemática da efectiva avaliação da importância
militar das ordens militares em geral, e da milícia de Avis em particular.
E arriscamo-nos mesmo a admitir que uma das constantes que iria determinar o relacionamento
entre a coroa e os cavaleiros de Avis se radicaria, ao logo de boa parte das sucessivas conjunturas
político-militares, na efectiva importância militar da ordem.
Sem esta avaliação comparativa a questão permanece evanescente porque a articulação do poder
central com os poderes e jurisdições territoriais, eclesiais, senhoriais e concelhios, sendo um
processo dinâmico e decorrente de quadros conjunturais fluidos não pode ser analisado quando
um dos vectores em análise permanece insuficientemente avaliado.
Muito embora BARROCA considere que os "cavaleiros procedentes da nobreza e das ordens
militares, formavam o que poderíamos designar por "exército ofensivo", parece ressaltar com
alguma nitidez que a milícia de Avis, uma vez terminada a reconquista do Algarve, surge
acantonada em missões tácticas e estratégicas centradas numa região precisa. Teremos ocasião de
a acompanhar no seu envolvimento fracturante na guerra civil iniciada em 1319, numa
participação pouco empenhada nas "guerras fernandinas", nas divisões geradas em virtude do
posicionamento assumido pelo seu próprio mestre na "revolução" de 1384. Mas, com excepção
da "aventura catalã" parecem escassas, ou mal conhecidas, outras eventuais participações em
conflitos de âmbito peninsular, e não a referenciamos a desempenhar um papel determinado nas
ilhas atlânticas, no Norte de África ou no Oriente, a exemplo do que sucede com outras ordens
militares portuguesas.
Tirando uma avaliação sumária do efectivo de cavaleiros desconhecemos o volume dos seus
outros combatentes, como eram recrutados e formados, que tempo de serviço prestavam, qual o
seu grau de prontidão militar, a sua organização logística, o tipo de armamento de que
dispunham.
Em tese as informações de natureza militar que é possível extrair deste tombo são tão
desenquadradas, esparsas e fragmentárias que é licito duvidar da sua representatividade, e valor
quantitativo e qualitativo. São sobremaneira evidentes as dúvidas que podem, e devem, suscitar
quaisquer tentativas de propostas sobre a caracterização dos efectivos a que se reportam.
A cronística medieval, contaminada pela sua natureza frequentemente apologética, nem sempre
restitui com fiabilidade as dimensões e características dos contingentes militares que
alegadamente se digladiavam na história-batalha. E será parcialmente responsável pela noção
anacrónica que nos ficou das ordens militares entendidas como instituições que dispunham de
corpos dotados com numerosos efectivos coesos, bem preparados e armados, cuja disciplina e
prontidão as tornava incontornáveis e decisivas quando, de acordo com Clausewitz, era
necessário "prosseguir a política por outros meios ".
A investigação recente sobre essa questão e os dados fornecidos por disciplinas como a
arqueologia, em investigação sobre fortalezas, acampamentos e campos de batalha, têm vindo a
aconselhar uma prudente reavaliação de noções que eram, à falta de novos dados, pacificamente
aceites. Esta posição cautelar, um tanto mitigada, encontra-se reflectida, por exemplo, em
AYALA que opina: "Como es obvio, al hablar de un ejército movilizado por una orden militar
estamos aludiendo a un heterogéneo conjunto de elementos, de los quales solo una peqeña parte
– aunque eso sí la más importante desde el punto de vista cualitativo – la componíam los freires
caballeros(…) Finalmente hay que aludir al contingente de vassallos de la jurisdición de cada
orden movilizados mediante los mecanismos propios de la leva feudal. Este procedimiento fue
especialmente utilizado en la Península Ibérica".
Admitindo, como hipótese, que em termos relativos e comparativos essas características, de
importante corpo de elite ao menos no que se reporta exclusivamente à milícia de Avis, se
pudessem aplicar aos conflitos da reconquista, será que esse peso determinante terá permanecido
tão decisivamente relevante a partir de meados do século XIV?
O tombo em apreço respeita a um período específico. Situa-se apenas dezoito anos após a
chegada da peste negra a Portugal e dez anos após a pandemia de 1356, imediatamente seguida
de novo surto de peste em 1365.
Não nos alongaremos, já que será um tema de enquadramento recorrente, sobre as consequências
demográficas, sociais, e económicas, bem como sobre a decorrente desarticulação da sociedade
que caracterizou este bem conhecido segmento da crise do século XIV.
Nem tão pouco sobre o tumultuoso contexto político que antecedeu o relativamente pacífico
interregno do curto reinado de D. Pedro I. Bastará ter presente que o códice foi compilado no
contexto de uma profunda crise geral cujas repercussões na ordem de Avis emergem com
suficiente nitidez neste inventário de bens compilado a um ano da morte do rei Justiceiro, e a
escassos sete anos de mudanças radicais introduzidas pelo rei D. Fernando I no equipamento dos
efectivos militares portugueses, ou, talvez com maior precisão, no equipamento dos efectivos
directamente dependentes da Coroa.
Desde logo é possível constatar que muito embora o provedor dos bens do mestrado de Avis
tenha recolhido informações sobre terras da ordem e propriedades da mesma em Alandroal,
Alcanede, Alenquer, Beja, Benavente, Borba, Casal, Coruche, Fronteira, Juromenha, Lisboa,
Mangualde, Moura, Mourão, Noudar, Pavia, termo de Santarém, Serpa, Seia, S. Martinho, S.
Vicente da Beira, Veiros, Vila Viçosa, Vila Chã e Vinhó, apenas no Alandroal, Juromenha,
Noudar e Veiros é referenciada a existência de "depósitos de armaria e equipamentos militares".
Muito embora reconhecendo as insuficiências das fontes, o seu carácter fragmentário e a sua
irregular distribuição pelos três primeiros séculos da nacionalidade, somos insensivelmente
induzidos a procurar avaliar e caracterizar, mesmo grosseira e aproximativamente, os efectivos
combatentes da milícia de Avis, no período correspondente ao início do mestrado de D. João,
filho do rei Pedro I.
Como é sabido investigadores hispânicos verificaram que, no tocante à ordem de Calatrava, mais
propriamente no respeitante à jurisdição do Campo de Calatrava, precisamente aquela que mais
analogias quantitativas poderá apresentar, com o núcleo de implantação da ordem de Avis, se
encontram, a partir de 1392, cerca de 37/40 comendas, sendo que os respectivos Comendadores
representavam cerca de 50% do numero de cavaleiros. Estes números parecem apontar para
efectivos superiores a 70 e inferiores a 80 cavaleiros. Esta tentativa de numeramento não será
contraditada pelos textos normativos do século XIV, a ordenação da Ordem de Cristo do século
XIV de 1326 e o Estabelecimentos de Santiago no ano seguinte. No primeiro caso a Ordem de
Cristo contaria com 76 possíveis combatentes, Santiago não disporia de mais de 61 cavaleiros.
Admitindo que é possível transpor, mesmo em termos aproximativos, este tipo de relação para a
Ordem de Avis em 1364-1366 estaremos em presença de uma milícia militar cujos cavaleiros não
ultrapassariam a meia centena, podendo totalizar, quando muito, setenta combatentes
efectivamente mobilizáveis.
Este tipo de analogias, embora rodeadas de cautelas, podem no entanto apontar algumas
confirmações provisórias. Com efeito, se tivermos presentes os quantitativos dos efectivos das
ordens militares a que chegou Oliveira MARQUES, verificamos que os números adiantados por
este autor não divergem grandemente daqueles que acima propusemos, nem das ordens de
grandezas que tentaremos retirar do armamento referido em 1366. Ao abordar o clero, no quadro
dos grupos sociais, tal como estes se apresentavam durante a crise dos séculos XIV e XV este
autor adianta "Não se esqueçam os religiosos militares: freires de Avis, Cristo, Hospital e
Santiago. O sistema era idêntico para todos eles: um quadro de freires cavaleiros, assistidos por
freires clérigos e freires sergentes, hierarquicamente seus subordinados. A ordem de Cristo, a
maior, tinha em 1321 84 freires no máximo (69 cavaleiros e 15 dos outros), número este
aumentado, cinco anos mais tarde, para 86 (71+15). A de Santiago, em 1327, tinha 61 freires
cavaleiros. No conjunto, portanto, as ordens religioso-militares não contariam mais de 300
freires, de qualquer categoria". Acresce que, muito recentemente, OLIVEIRA chegou a
estimativas que se aproximam significativamente das ordens de grandeza que perfilhamos.
Já AYALA MARTINEZ, comparando os contingentes das milícias empenhadas na Terra Santa
com os efectivos das ordens peninsulares em geral (e seríamos tentados a alargar essa
constatação mais em concreto aquelas que actuavam em Portugal especificamente, e à Ordem de
Avis em particular) reconhecia que "La estimación de cifras en lo que se refiere a órdenes
militares ubicadas en la Península Ibérica resulta necessariamente más modesta, y no tanto en
cuanto a numeros absolutos se refiere, como al papel que los freires asumen en la actividad
militar frente al islam, sin duda mucho menos significativo que en Oriente. Es probable que a
princípios del siglo XIV hubiera cerca de 200 caballeros hospitalarios en los domínios del rey de
Aragón (…) Sim embargo, sabemos que Jaime II sólo se atrevió a solicitar en 1303 la
colaboración de 60 freires hospitalarios y de un centenar de templarios para rechazar un ataque
granadino, y también sabemos que de estos últimos, y tras sucessivos llamamientos, el rey
obtuvo únicamente la ayuda de 20 ó 30 caballeros. Estas modestas cifras de participación
efectiva se repiten con frecuencia ".
Tendo perfeita noção de que a escala dos contingentes que passaremos a referir, embora apenas
distanciado um quarto de século do período em apreço se inscreve já num enquadramento
político-militar completamente diverso (não obstante a demografia permanecer praticamente
inalterada) não deixaremos de sublinhar que no início do século XV se tentou organizar um
"exército fixo" para a defesa do reino. E este contaria com 3200 lanças, sendo 500 dos capitães
(isto é, da grande nobreza), 2360 de escudeiros de uma só lança e 340 fornecidas pelas ordens
militares (Cristo – 100); Santiago – 100); Avis – 80; e Hospital – 60) .
Parece licito constatar que um pouco menos de um terço das lanças seria fornecida pela grande
nobreza e ordens militares, e que a estas últimas corresponderiam apenas menos 160 lanças do
que as dos capitães.
Já MONTEIRO, ao procurar enquadrar internacionalmente esta situação, sublinhava
oportunamente a percepção de especialistas ingleses, como Charles Oman, de acordo com o qual
toda a força do exército castelhano trecentista residia na cavalaria ligeira dos ginetes, eficaz
contra corpos de infantaria sem atiradores, ou contra a cavalaria desmontada, mas de todo em
todo impotente quando obrigada a enfrentar combinações de arqueiros e cavaleiros. No
respeitante à cavalaria pesada – por esses mesmos especialistas considerada como decisiva nas
guerras da época – esta encontrar-se-ia nos finais da década de 1360 (precisamente o período em
análise), sensivelmente na mesma condição da cavalaria feudal inglesa ou francesa de há cerca
de meio século atrás: lenta a adoptar a armadura pesada, teimosa em apresentar nos campos de
batalha montadas mal protegidas, e ignorante dos novos dispositivos do combate apeado (ou
seja, propensa a repetir as velhas fórmulas das cargas em massa não apoiadas
O mesmo historiador recorreria a Ferdinand Lot (autor de uma obra clássica acerca da arte
militar medieval, na Europa e no Próximo Oriente) para observar que, do ponto de vista este
especialista francês, na Península Ibérica, entre as batalhas do Salado (1340) a Toro (1476) não é
possível assinalar nada de especialmente relevante para o historiador militar, excepto a
constatação do carácter arcaico dos exércitos ibéricos, nomeadamente dos castelhanos.
Finalmente Phlipe Contamine (que Monteiro, entre outros, considera como a maior autoridade
em história militar medieval) aborda de um modo superficial (lacunar e impreciso) o contexto
ibérico durante o período em apreço, evidenciando um menosprezo que não recolhe o sufrágio
universal, como se verificou numa áspêra recensão crítica efectuada por Gaultier Dalché.
Destas leituras MONTEIRO conclui: "Creio, em suma, que não será descabido sugerir que se
faça uma nova e diferente avaliação da qualidade dos exércitos ibéricos medievais e que esses
exércitos configuram corpos extremamente heterogéneos".
Pela nossa parte, sopesando tudo o que acima ficou exposto, proporemos que se aceitem
preambularmente dois postulados decorrentes do que ficou acima:
1 – A ordem militar de Avis contaria, ao redor de 1366, com mais de 40 cavaleiros, e menos de
sessenta. Ignoramos quantos mais combatentes poderia mobilizar, e por que categorias se
distribuiriam.
2 – O peso militar representado pelas ordens militares ter-se-ia mantido relevante no início do
século XV, equivalente, ou apenas um pouco abaixo do contributo directo da grande nobreza. De
acordo com MONTEIRO, nos inícios de Quatrocentos, teriam a responsabilidade de cerca de
10% do equipamento militar pesado de todo o reino.
Esta petição, vai enquadrar as referências que adiante faremos a algumas interrogações
pertinentemente colocadas por MONTEIRO, e ajudará a situar os dados que nos são fornecidos
pelas existências dos "depósitos militares" da ordem de Avis referidas no tombo de bens de 1366.
Mas são de tal modo díspares as "existências" registadas em cada um dos três supracitados
depósitos que se não detectam hipóteses de inventariar atondos individuais nem de conjuntos de
armamento que possam corresponder a unidades precisas.
Ou, por outras palavras, sendo conhecido que, por exemplo, no início do séc. XV, cada besteiro
deveria dispor de um cento de virotesque utilizaria a um ritmo de dois disparos/minuto,
relacionando o número de bestas e virotes deveria ser possível avaliar o número de besteiros
servidos pelos depósitos. Mas veremos que tal é praticamente impossível com os dados que nos
fornece este tombo.
Fernão Lopes, comentando a impressão causada pelo armamento moderno da chamada
"companhia branca" de mercenários franceses que, na segunda guerra fernandina (1371-1372)
apoiaram o monarca castelhano, dá-nos a conhecer a decisão de reformular o armamento militar
português tomada, em 1373 por D. Fernando I, possivelmente um esforço inédito na Europa da
sua época.
Dessa decisão régia fica-nos uma ideia bastante precisa da preocupação de homogeneizar os
equipamentos individuais, substituindo determinadas peças de armaria, que se indicam, por
outras, mais modernas e eficazes, que são enumeradas. Mas não alcançámos em fontes primárias
qualquer tipo de elementos quantificados susceptíveis de permitir avaliar a dimensão dos corpos
militares efectivamente abrangidos por esse esforço de renovação à escala do reino.
De qualquer modo é possível retirar desta passagem do cronista a noção que uma parte
importante dos diversos tipos de armas defensivas inventariadas nos três depósitos da ordem de
Avis coincidem com aquelas que D. Fernando considera antiquadas ou menos eficazes,
procedendo à sua substituição como se constata na passagem que transcrevemos:
"As armas mandou el-Rei mudar a esta guisa: de cambais mandou que fezessem jaque; e da
loriga, cota; e da capelina, barvuda com camalhom; e os que eram bem armados haviam de ter
barvuda com seu camalho e estofa e cota e jaque e coxotes e canelleiras franceses e luvas e
estoque e daga e grave. Os homeens de pee de viinte anos acima aviam de teer funda e lança e
dous dardos, por seer escusado o escudeiro do Paaço, pois tragia azcuma ou lança, de non
trager dardos. Outros homeens de pee avia hi fundeiros, que havia cada huu de teer duas fundas
fustes, que chamavom de manguella, e outras duas fundas de mãao".
Ora, como veremos, as lorigas e capelinas que D. Fernando pretende substituir são, precisamente
as peças de armaria defensiva mais características dos três depósitos da ordem de Avis. É certo
que se referem caneleiras coxotes, mas o seu número permanece comparativamente pouco
elevado, em relação ás protecções de cabeça e tronco, a dificultar a individualização de
"atondos" e, logo, dos arneses (se é que estes existiam já, eventualmente distribuídos
individualizadamente aos freires) correspondentes número de cavaleiros a que os equipamentos
se destinariam.
Claramente, a tipologia das armas defensivas depositadas nos três armazéns em apreço aproxima-as
daquelas que utilizariam correntemente os cavaleiros aquantiados no período a que respeita o
inventário, como se depreende desta referência datada do reinado de D. Pedro I:
"…e as armas que cada huu dos aquantiados há de teer seiam cambays e loriga ou solhas
(protecções do tronco constituídas por lâminas, ou solhas, de metal cravadas sobre uma base de
tecido resistente, ou couro. Estas protecções, mais evoluídas, também conhecidas com
"brigandines"estavam já disseminadas em 1361, como comprovam as escavações realizadas por
Bengt Thordeman no local onde se travou a batalha de Wisbye encontram-se amplamente
documentadas na iconografia coeva) capellina ou bacinete e coyxotes, canelejras…".
Não enxergamos, na descrição destes equipamentos nada que os distinga como pertencentes a
modelos e tipologias mais avançados do que aqueles que seriam utilizados pelas "forças
convencionais", muito pelo contrário.
Referiremos todavia um pormenor que, em nosso entender, se reveste de alguma importância, a
presença nos depósitos da milícia de Avis de adargas, escudo bi-oval disseminado pelos
contingentes de cavalaria ligeira muçulmana que estribando curto ("à gineta", com as pernas
flectidas, e não "à brida", com as pernas estendidas e ligeiramente esticadas para diante,
permitindo a utilização da lança longa fincada sobre o braço, como a cavalaria pesada cristã)
utilizavam técnicas de combate onde se privilegiava a mobilidade e as evoluções tácticas no
terreno e não o choque frontal.
A tipologia de algumas das esporas referidas, e a menção a uma espada "gineta"e a uma
"estribeira "gineta", podem confirmar que a milícia de Avis teria adoptado, a partir da sua
experiência de combate com forças muçulmanas, técnicas de cavalaria ligeira que poderiam
coexistir com as práticas usuais da cavalaria pesada, e isso poderia, em certos contextos,
representar uma "modernidade".
Em termos quantitativos importará referir que, cotejando o número de armas depositadas nos três
armazéns da milícia de Avis com aquelas que se mencionam, cerca de século e meio antes, na
"Notícia do Torto", verificamos que na torre de Lourenço Fernandes da Cunha estavam
depositados cerca de 40 escudos, capelos de ferro e armas defensivas e ofensivas em número
suficiente para equipar uma mesnada de cerca de 50 combatentes. Ou seja, no início do século
XIII, este nobre acontiado, cuja fortuna não o deveria incluir no grupo exclusivo dos próceres
mais poderosos, poderia responder ao apelido do rei com forças correspondentes a cerca de um
terço dos efectivos a que parecem corresponder os equipamentos da milícia de Avis de que nos
vimos ocupando.
GOMES refere uma passagem de um nobiliário galego no respeitante à casa e estado de Fernão
Peres de Andrade, precisamente o poderoso e bem-sucedido irmão do tutor do bastardo régio D.
João (futuro Mestre de Avis) nestes termos: "Tinha bons quarenta escudeiros, estes eram da terra,
trazia contínuos vinte ou vinte e cinco, e pelo menos quarenta ou cinquenta peões".
Mais tarde, quase vinte anos após o inventário de armas e aprestos militares pertencentes à
ordem de Avis de que nos vimos ocupando, mais precisamente em 1384, o concelho do Porto
reagia ao ataque do arcebispo de Santiago à comarca de Entre-Douro-e-Minho. MONTEIRO
forneceu alguns números respeitantes aos efectivos apressadamente mobilizados para o efeito.
Segundo este autor as forças concelhias, eram constituídas por 700 "homens de armas", 300
besteiros e 1500 homens de pé, que integravam efectivos do conde D. Pedro (que trazia consigo
15 escudeiros bem armados e 40 homens de pé) e de Aires Gonçalves da Feira (que controlava o
castelo de Gaia, com 40 escudeiros convenientemente equipados).
Mais tarde, pouco tempo antes da batalha de Aljubarrota, (a 10 de Julho de 1385), D. João I veria
chegar a Alenquer (onde se encontrava) o comendador-mor da ordem de Avis Fernão Rodrigues
de Sequeira, desempenhando as funções de fronteiro-mor de Lisboa, "com as gentes que hi tijnha
e mais as da cidade, que eram cem lamças, contando vinte e huuma de jngreses que vinham com
ellas".
Por sua vez em Fevereiro de 1386, respondendo a pedidos de auxílio do monarca, mesteirais e
cidadãos de Lisboa reuniram 210 "lanças" bem corregidas (10 das quais de Sintra),250 besteiros
e 200 homens de pé .
MONTEIRO, reconhecendo muito embora o contributo prestado pelas ordens militares no período
da Reconquista, sublinhado e enfatizado pelo geral dos medievalistas, coloca já a questão da
necessidade de entender até que ponto o termo da luta contra os muçulmanos terá correspondido –
como pretende a generalidade dos historiadores - ao esvaziamento quase total da função guerreira
desses freires cavaleiros ou se, pelo contrário, as ordens militares continuaram a desempenhar, em
Portugal e nos finais da Idade Média, um papel militar com alguma relevância.
A alternativa, equacionada nestes termos dicotómicos, poderia ser fraccionada, ordem a ordem, e de
conjuntura em conjuntura, sendo que já atrás nos pronunciamos pela manutenção desse peso militar,
e no decurso deste trabalho iremos constatando que o papel militar da ordem de Avis se irá prolongar,
embora com um importância e uma relevância variáveis e sempre difíceis de avaliar, pelo menos até
à incorporação na Coroa que marcará uma nova adaptação funcional.
Referimo-nos especificamente aos freires de Avis, não apenas por eles constituírem o objecto desta
tentativa de ponderação, mas também por estarmos convictos de que, desde início, mas claramente a
partir de meados de Quatrocentos, esta milícia se irá diferenciar das restantes ordens militares
presentes no território português, uma vez que, terminada a aventura catalã do Condestável D.
Pedro, a freiria de Avis não participará de modo sustentado na expansão ultramarina, cantonando-se
no seu papel de "potência regional" a quem estava cometida a salvaguarda de uma zona-tampão
destinada a "aferrolhar" os itinerários de invasão pelo Alto Alentejo.
Neste ponto preciso, e face à evanescência dos dados com que trabalhamos, interessa-nos tentar
compreender até que ponto o reinado de D. Pedro I poderá ter coincidido com uma fase de
"esgotamento e cansaço" do poderio militar da Ordem.
Ou, sob outra perspectiva, se este monarca terá consumado o seu efectivo controlo sobre a milícia em
virtude dessa potencial situação de um certo esvaziamento da sua capacidade militar, eventualmente
admitindo já a sua reorientação para um reforço das funções de enquadramento de territórios e
populações bem como da conservação e guarnição de praças-fortes implantadas numa zona contínua
e homogénea.
Reflectindo esta preocupação, observou a este respeito BARROCA, embora a sua constatação se
estenda também a fortificações edificadas por outras milícias, a edificação dos castelos transtaganos
pelas ordens militares apresenta as primeiras características inovadoras do "gótico-militar".
O, contrastadamente pacífico, decénio de Pedro I, teria permitido sintetizar as lições de decénios
anteriores com uma consciência reflectidamente mais aguda da importância político-militar do
Mestrado de Avis em todos os momentos de agitação interna ou de ameaça de invasão, como agente
federador e coordenador, articulando uma teia de castelos, fortalezas, comendas e burgos fortificados
cobrindo uma área precisa que permanecerá estratégica ao longo dos séculos.
No campo especulativo das hipóteses essa consciência do monarca, porventura aliada a um período
de debilidade económico-financeira (evidenciada nas receitas e dívidas mencionadas no tombo de
1366) e esvaziamento do poderio militar dos freires de Avis poderia ter contribuído para uma decisão
pioneira que julgamos apenas sua: a de "tomar por dentro" o poder da Ordem de Avis.
E, uma vez que nos reportamos novamente mais à aparente constatação de indícios de
enfraquecimento de capacidade bélica, estes sinais poderão coincidir com o juízo formulado por
MONTEIRO: "Finalmente gostaríamos de sublinhar que a importância do papel militar das Ordens
portuguesas no final da Idade Média também têm de ser ajuizados em função da quantidade e da
qualidade do equipamento guerreiro que estas conservavam em seu poder" .
Sensata ponderação, a evidenciar a dimensão das nossas lacunas de conhecimento, e a escassa "carne
de informação" que temos conseguido retirar do osso das fontes respeitantes aos séculos XII, XIII e
grande parte do XIV.
É unânime e pacífica a atribuição ab initio pelo geral dos medievalistas de características específicas
que conferiam uma superioridade da capacidade bélica das ordens militares, em comparação com o
geral das outras forças "convencionais", presentes nos teatros de operações da Reconquista
portuguesa.
Algumas dessas características, decorrentes de um "peculiar espírito de corpo"e da disciplina
normativa surgem quase com a força das evidências. Mas o certo é que, no que respeita à quantidade
e qualidade do equipamento possuído e utilizado por esses Milites Christi no período em apreço
estamos bastante mais em presença da convicção de um postulado, do que de conhecimentos
sistematicamente documentados.
MONTEIRO irá referir elementos valiosos sobre esta questão ao longo da sua importante obra,
infelizmente a quase totalidade deles reporta-se à época post-fernandina. Permanecemos assim em
perplexa solidão perante o valor e representatividade a atribuir ao testemunho isolado do conteúdo
dos três depósitos de armamento referidos no tombo de bens de 1366.
Estaremos em presença de armamento respeitante apenas ao equipamento de eventuais corpos
combatentes que se encontrassem directamente sob as ordens do mestre. Uma espécie de "guarda do
mestre", ou corpo de intervenção rapidamente mobilizável em caso de emergências? BARROCA é
formal no ponto seguinte : "No caso das ordens militares o atondo era propriedade da ordem e não
do freire. A Regra dos Templários é clara ao prescrever que nenhum freire pode ter cota ou malha
«em propriedade»".
A sua aparente exiguidade para aí poderia apontar. Mas embora pouco representativo – quantitativa e
qualitativamente – e por certo propriedade da Ordem, este acervo não corresponde ao tipo de
equipamentos que esperaríamos encontrar num corpo de intervenção rápida. Até porque a
disparidade entre equipamentos destinados a cavalaria, tanto pesada, como ligeira (gineta), e
besteiros e peonagem suscita a já referida perplexidade. Tendo presente que este tipo de paralelismos
comporta riscos, mormente quando se confrontam instituições de escala e implantação geográfica tão
díspares como as Ordens de Avis e do Templo talvez se deva referir que a Regra desta última milícia,
escudada no voto de pobreza, recomendava que cada cavaleiro possuísse apenas 3 cavalos Esta
limitação indiciaria que esse numero de montadas por cavaleiro (ignoramos se alguma delas
destinada a um hipotético escudeiro) estaria longe de constituir uma excepção no que tocava aos
cavaleiros templários. Ora os arreios referidos ao longo do tombo parcial de bens que temos vindo a
analisar, estão longe de fornecer indicações seguras sobre as dimensões e características da
"cavalaria" mobilizável pela Ordem de Avis.
E além disso, tratando-se de um único corpo de tropas sob a chefia directa do mestre porque motivo a
sua palamenta se encontraria dispersa por três depósitos? A este propósito convirá referir que, pelo
menos, Veiros e o Alandroal são habitualmente referidas como localidades pertencentes à Mesa
Mestral, o que poderia indiciar que os equipamentos em apreço se encontrassem exclusivamente
adstritos a terras sob directa jurisdição do Mestre da Ordem de Avis.
Parece improvável que existisse (em Avis?) como que um "depósito central" dessa mesma armaria e
equipamentos militares da Ordem de Avis sem que, a cada povoação fortificada, a cada sede de
comenda, a cada guarnição, fosse atribuída uma dotação de armas e equipamentos adequada ás
dimensões, características e implantação geográfica de cada uma delas.
Mas, se estas dotações existiram não temos notícia dos seus hipotéticos livros de carga, notícia do
local onde se guardariam e que critérios teriam presidido à sua distribuição e utilização.
Os cavaleiros e homens de armas receberiam individualmente os respectivos equipamentos ficando
pessoalmente responsáveis por eles?
Tanto quanto conseguimos alcançar, esta prática, salvo o caso particular dos aquantiados, limitava-se
em casos pontuais, temporalmente limitados e justificados por circunstâncias excepcionais, não
sendo corrente na tradição castrense ocidental. E existem motivos óbvios, tanto de segurança e
controlo, como de manutenção e logística que o desaconselham. Daí decorria que a legislação
procurasse diferenciar a detenção do efectivo porte de armas.
Assim sendo, e mesmo admitindo-se que, efectivamente, pudesse ter existido um depósito central
(que tanto poderia situar-se em Avis como em qualquer outro lugar mais aconselhável para o efeito)
verificamos que, documentadamente se encontravam activos em meados do século XIV, pelo menos,
três depósitos de armas e equipamentos.
A completa ausência de informação sobre a existência o número e as características de outros
hipotéticos armazéns da armaria pertencentes à Ordem de Avis compromete, como já referimos, o
valor estatístico e a representatividade para o universo desta cavalaria das armas e equipamentos
inventariados neste tombo.
Por esta, e outras razões decorrentes, é necessária uma avisada prudência nas extrapolações e
tentativas de interpretação que, sobre este acervo escasso, possamos ser induzidos a indiciar. De
qualquer modo a informação em si tem o mérito de entreabrir esta questão no que se refere ao
universo da Ordem de Avis e, mais tarde, o de tentar coligir dados comparativos extensivos a outras
ordens militares. Vejamos, pois o conteúdo de cada um dos depósitos de armaria e respectivos
equipamentos militares.
Quadro nº 1
Veiros
Tipologia Quantidad
e
Bestas 21
Cambaises 18
Caneleiras 5
Capelinas 5
Capelos de ferro 50
Coifas 14
Coxotes 5
Elmo 2
Escudos grandes 136
Escudos pequenos e Adagas 7
Espadas 2
Gorjeiras 35
Gorjeiras 3
Jubetes 2
Lanças 2
Lorigas 8
Lorigas de corpo 8
Lourigões 6
Luvas 1
Maça de armas 1
Maça de ferro 1
Machado 1
Perneiras 2
Selas 3
Setas +1100
Quadro nº 2
Alandroal
Tipologia Quantidad
e
Arca de verga 1
Arcos de besta quebrados 2
Bacinetes 19
Bestas 2
Bragueiro 1
Cabeçadas de cavalo 1
Catormel 1
Colonha mourisca 2
Elmo 3
Escudos 22
Esporas douradas 3 pares
Gorjeiras 15
Sapatos de ferro 3 pares
Setas +1100
Sobresinais 1
Quadro nº 3
Juromenha
Tipologia Quantidade
Caixas de setas 3
Cambaises 2
Capelos em ferro 2
Cintos 4
Escudos 4
Gorjeiras 19
Talha de azeite 1
Torno 1
Em Portugal a adopção do arnês completo ocorreu apenas nos finais do séc. XIV e ao longo das
primeiras décadas do Séc. XV, a despeito do esforço de renovação do armamento desenvolvido,
apenas sete anos depois da redacção deste tombo, por D. Fernando I. No entanto esta situação
coexistia com uma utilização mais precoce do mesmo. Isto mesmo nos é confirmado pela
iconografia e por alguns textos como um documento do mosteiro de Pendorada, de 1359, sete
anos antes da redacção do tombo em apreço:
"Ficou a Gil, pelo costume do Porto, o cavallo do dito Vasco de Sousa, seu padre,e huma
espada, e huma lança, e uma loriga de cavallo, e duas ffalhas [solhas?] e huum elmo com sseu
camalho, e uns braçaaes, e uns mosequinrs, e humas luvas d’aço, e huuns coxotes, e caneleiras
velhas de coiro, e huum escudo e çapatos de ferro huuns" .
Parece ressaltar antes de mais nada que no acervo tombado se verifica uma desproporção entre
escudos grandes (135), capelos e capelinas (55) e gorgeiras (35).
Encontramos apenas cinco elmos, possivelmente "great helm, ou elmos em tonel", cujo uso foi
desaparecendo a partir dos finais do primeiro quartel de Trezentos, e estes eram inequivocamente
peças exclusivamente utilizadas pela cavalaria pesada, provavelmente correspondendo ás duas
lanças (longas?), e a peças de equipamento de boa qualidade armoriadas com as insígnias
heráldicas da ordem.
(Registe-se a propósito da comprovada utilização, como sinalética militar distintiva, da heráldica
de Avis que, a fazer fé em Fernão Lopes, em 1385, entre as forças portuguesas presentes em
Aljubarrota não se encontrava disseminado (ao invés do que sucedia, por exemplo: em França e
na Grã- Bretanha) o uso da heráldica : "Ally nom avya cotas darmas per que o Comde nem
outros fidalgos fossem conhecidos, ca aimda estonce nom eram en usso". Esta constatação, que,
ao menos parcialmente, poderia ter- se ficado a dever ás circunstâncias verdadeiramente
excepcionais em que fora recrutado e equipado esse exército, conflitua com testemunhos mais
antigos. No Livro de Linhagens, quando se procede à descrição do rapto de D. Mécia, revela-se
que o rei D. Sancho II, dirigindo-se a Ourém :
"…levava seu perponto vestido de seus sinaes e seu escudo e seu pendom ante si".
Mas é possível que, no que respeita a este acervo de armamento da milícia de Avis, não nos
encontremos perante um conjunto de atondos, e ainda menos de arneses completos destinados a
equipar de modo análogo um determinado número fixo de cavaleiros. E que nem todos os peões
se equipassem do mesmo modo, como tivemos ensejo de constatar atrás, mas nos encontremos
antes perante um conjunto heteróclito, possivelmente acumulado ao longo dos anos e das
circunstâncias. A que corresponderia um equipamento bastante díspar e algo improvisado dos
combatentes mobilizáveis.
Sendo, nunca é demais sublinhá-lo, extremamente arriscado, com os dados sobre os quais
trabalhamos, tentar avaliar com um mínimo de rigor as dimensões e características do
contingente susceptível de armar com os equipamentos depositados neste armazém, arriscamo-
nos no entanto a avançar algumas suposições a título meramente indicativo, admitindo que a
nossa ideia de equipamento individual rigorosamente padronizado incorra em anacronismo face
ás práticas adoptadas na época em apreço e ás dificuldades de aquisição de um número elevado
de equipamentos idênticos ou mesmo similares.
1 – Existiriam pelo menos 21 besteiros, possivelmente encarregados da defesa das fortificações
de Veiros, mas não se referem os virotes e/ou virotões armazenados para municiar as bestas. No
atinente à neurobalística não são mencionados arcos nem setas.
2 – Os escudos grandes em depósito permitiriam equipar o "equivalente actual" aproximado a 4
pelotões, ou uma companhia de homens de armas. Não se encontram em número significativo
lanças longas, nem tão pouco piques de combate apeado, nem fundas ou dardos e ascumas, nem
outras armas ofensivas susceptíveis de complementar o equipamento destes combatentes. A
escassez de arreios completos, e mesmo desirmanados, não nos permite especular sobre o
percentual de cavaleiros e peões.
Nem os equipamentos em depósito permitem levantar a hipótese de que, coexistindo com os
cavaleiros pesadamente armados e a cavalaria ligeira "gineta", se encontrassem os cavaleiros "de
huum escudo e huma lança, referidos no Livro de Linhagens, como sendo de "nom de gram
fazemda", que, no caso vertente, poderiam corresponder a uma espécie de "cavaleiros-vilâos"
recrutados nos senhorios da ordem. Ignoramos mesmo se a ordem esperava que os peões de
Veiros combatessem com armas próprias ou distribuídas.
3 – Os capelos de ferro e gorjeiras em depósito permitiriam que cerca de um terço dos cerca de
130 dos peões (?) acima referidos se apresentassem relativamente bem equipados em termos de
armas defensivas, talvez constituindo o corpo de efectivos "regularmente mobilizáveis".
4 – O número de capelinas, coxotes, perneiras, lorigas, lorigões e lorigas de cavalo, escudos
pequenos e adargas permitiria equipar convenientemente um mínimo de 5 e um máximo de 8
cavaleiros. Mas as peças de arreios (de combate?) mencionados parecem corresponder a parcelas
desirmanadas. Será de admitir que os cavaleiros da ordem de Avis tivessem distribuídos, e em
sua posse, os respectivos arreios, uma vez que no depósito, além dos suadoiros, se encontravam
apenas algumas peças de arneses e coberturas de cavalo, algumas das quais ostentando as cruzes
verdes da heráldica de Avis.
Referem-se apenas um machado e uma maça de armas, duas lanças, e duas espadas de cavaleiro,
uma das quais, mencionada como gineta (que tanto poderá corresponder a uma simples espada
de cavaleiro como a uma arma adaptada a um tipo de combate de cavalaria ligeira, inspirada nas
práticas mouriscas, em que o cavaleiro estribava mais curto do que na brida e evoluía com maior
mobilidade do que aquilo que se praticava nas cargas de cavalaria pesada).
5 - Algumas destas peças de armadura, nomeadamente uma das espadas e um par do coxotes
esmaltados e com folhas de prata, não parecem de fabrico local, antes provavelmente importadas,
e em conjunto com as lorigas compridas de cavalo e com outras peças armaria elaborada que se
encontram divisadas com os sinais da ordem parecem confirmar que Veiros poderia dispor, como
corpo de cavalaria, de cerca de oito lanças razoavelmente equipadas de acordo com os padrões
da época.
6 - Resumindo uma abordagem, necessariamente ligeira e simplista, arriscar-nos-íamos a admitir
que Veiros dispusesse de um contingente de tropas combatentes que, aproximadamente, pudesse
atingir uma vintena de besteiros, até oito lanças de cavalaria pesada, cinquenta peões regularmente
equipados e outros tantos combatentes eventualmente recrutáveis entre os moradores, no total um
corpo oscilando entre 100 e 150 homens.
Não parece arriscado constatar que este acervo não sufraga necessariamente a tal quantidade e
qualidade dos equipamentos guerreiros dos freires das ordens militares, pelo menos no
respeitante à milícia de Avis durante o reinado de Pedro I. Mas, tentando ordenar novamente as
existências dos supracitados depósitos, abstraindo de peças dificilmente identificáveis e
restringindo-nos a uma percepção dos homens que, hipoteticamente embora, se poderiam armar
com o respectivo conteúdo obteríamos as propostas seguintes:
Quadro nº 4
Alandroal
Tipologia Quantidade
Arca 1
Elmo de cavalo 1
Elmos, bacinetes e capelos 23
Escudos 26
Gorjeiras 15
Jineta 1
Setas +1100
Virotes ?
Quadro nº 5
Castelo de Juromenha
Tipologia Quantidade
Aprestos de bestas 5
Caixa de setas 3
Capelos 2
Escudos 4
Tina de azeite 1
Quadro nº 6
Torre de menagem do castelo de Noudar
Tipologia Quantidade
Bestas 15
Capelos e bacinetes de ferro 29
Cintos para armar bestas 13
Escudos novos 30
Gorjeiras de armazém, cobertas de pano de linho 30
Gorjeiras de solhas 30
Virotões não especificada
Este núcleo, que assim disposto assume contornos perfeitamente coerentes, representa
armamento bastante para equipar uma trintena de combatentes, dos quais cerca de uma metade
seriam besteiros.
De tudo o que ficou acima parece indispensável retirar um ensinamento prudente que
entendemos formular em duas alternativas possíveis:
• Ou nos encontramos, por razões advenientes da lógica da organização deste tombo, e que nos
escapam, perante um levantamento muito parcelar da armaria da milícia de Avis. E,
consequentemente, os equipamentos referidos não são representativos do potencial militar da
ordem.
• Ou estamos perante uma organização militar que, mesmo para os parâmetros da época, revela
indícios de sub equipamento, pouca organização e, mesmo, alguma incúria.
Se estivéssemos perante a 2.ª hipótese, e não estamos em condições de a admitir na íntegra ou
rejeitar formalmente, seria necessário reavaliar a capacidade e peso militares da milícia de Avis,
para já em meados de Trezentos.
2.4. A elevação do bastardo régio D. João a Mestre de Avis: uma solução intencional.
O ano de 1364 não coincidiu apenas com a indigitação fortuita para Mestre da Ordem de Avis de
um primeiro membro da família real portuguesa. A historiografia, mesmo no tocante a muitos
dos autores mais recentes, aborda este acontecimento um pouco como se de um facto desgarrado
se tratasse, o produto acidental de uma sugestão que D. Pedro I teria julgado oportuno aceitar e
promover. E nalguns casos parece depreender-se que o episódio é encarado como uma inopinada
sugestão feita a um bonus pater famílias que, alertado para uma oportunidade, descobre de súbito
uma via adequada para dar estado a um filho.
Os filhos de reis são, por via de regra, peças com utilidade política no complexo xadrez dos
interesses em que se movem. E a ascensão do filho de Teresa Lourenço ao mestrado de Avis não
representou tanto o aproveitamento de uma feliz coincidência como o planeado começo de uma
nova etapa no processo de gradual absorção pela Coroa das ordens militares portuguesas.
Como já referimos, as fontes relatam que D. Nuno Freire de Andrade, mestre da ordem de Cristo,
aproveitando a vacatura aberta por morte do mestre D. frei Martim do Avelar terá sugerido a D.
Pedro I, que se encontrava na Chamusca, o "preenchimento da vaga" por D. João, filho bastardo
do monarca . Nascido em 11 de Abril de1357, D. João contaria então seis para sete anos e esta
indigitação não parece tão linear como é apresentada pela cronística.
De acordo com o relato de Fernão Lopes o monarca teria acolhido a sugestão com alegria e,
nessa mesma ocasião, armou cavaleiro este filho cingindo-lhe a espada e beijando-o.
Já PIMENTA, na esteira de Teresa Amado, de João Monteiro Gouveia e de António José Saraiva,
teve ensejo de apontar a coerência do discurso do cronista ao longo da trilogia formada pelas
crónicas de D. Pedro I, D. Fernando I e do próprio D. João I, sendo que as duas primeiras podem
ser encaradas quase como um prólogo da última, verdadeira apoteose da refundação dinástica e
do seu principal protagonista.
Dentro desta interpretação o relato do episódio em apreço preanuncia de certo modo um destino
manifesto deste bastardo do Justiceiro, providencialmente legitimado ex-ante pelo alegado sonho
do monarca em que lhe havia sido revelado que um seu filho chamado João "viria a montar
muito alto e por ele o reino de Purtugal (havia de haver) mui grande homra".
Existe a tentação de reconhecer que a aura envolvente de uma constante que viria a designar-se
por sebastianismo não apenas encerra a dinastia como também a precede.
Esta convicção de que o cronista "encenou" o episódio em apreço, adaptando-o
convenientemente aos propósitos da mitologia fundacional da Casa de Avis, não repousa sobre
nenhuma nova fonte documental, mas nem por isso deixará de ser admissível, como tentaremos
evidenciar.
À data da indigitação do bastardo régio tinham decorrido apenas seis anos desde que havia sido
decidida a mudança da sede da Ordem de Cristo da posição "fronteiriça" de Castro Marim para
Tomar. Desta nova fase da vida da Ordem, aparentemente desligada de um primacial papel de
vigilância fronteiriça, resultaria uma intencional maior proximidade da Ordem em relação aos
centros do poder que, de certo modo, transparece na carta de confirmação desta milícia emitida
por D. Pedro I.
Nuno Freire de Andrade, que de acordo com a bula de fundação da Ordem teria prestado
juramento e menagem ao rei, era uma personagem cuja dedicação a este monarca se patenteia
desde que, em Canaveses, havia testemunhado o juramento de concórdia entre o então infante D.
Pedro e o monarca seu pai.
Cerca de três anos antes do episódio ocorrido na Chamusca D. Pedro I, a exemplo do que
praticou com outros mestres de ordens militares, por uma carta de 12 de Setembro de 1361 havia
legitimado Rui Freire, filho deste mestre de Cristo que, também ele, acabaria por integrar uma
das milícias, dado que viria a ser cavaleiro da Ordem de Santiago. Política de geral bom
relacionamento mas que, no caso vertente, representa a recompensa de uma antiga dedicação
respeitante a um colaborador presumivelmente envolvido numa campanha militar no exterior.
No estado actual da questão admite-se que o futuro mestre D. João tenha sido entregue a um
honrado cidadão de Lisboa, Lourenço Martins, morador na praça dos Canos, junto da Sé de
Lisboa, junto do qual teria vivido os primeiros anos da sua infância.
COELHO, limitada pelo silêncio das fontes sobre os primeiros anos de vida dos reis de Portugal
durante o período em análise, unicamente indica que "logo depois ficou entregue ao cuidado de
D. Nuno Freire de Andrade, mestre da Ordem de Cristo, o que parecia indiciar um futuro
eclesiástico". Mas acrescenta que o mestre de Cristo conversou com o comendador-mor da
ordem e com outros membros sobre os seus intententos (de alcandorar D. João a mestre da
ordem de Avis), e que, reunido o cabido de Avis, os comendadores e os freires propuseram que o
mestre de Cristo indigitasse alguém para os reger. E vai mais longe ao adiantar que, "como era
de prever pelas prévias conversações, de pronto foi aceite".
Remata esta autora a sua interpretação deste processo concluindo que "desde então, como teria
sido intencionalmente gizado, a monarquia e a milícia de Avis se aproximaram, num controlo da
Coroa sobre a ordem, que muito servia a politica régia face a Castela". Na mesma passagem
COELHO havia reconhecido que "do defeito da ilegitimidade e da idade só o papa o poderia
dispensar, o que, como afirma Fernão Lopes, sem provas, também aconteceu".
De facto a falta de provas estende-se não apenas ao episódio relatado como ás próprias
circunstâncias envolventes, e não parece descabido que nele nos detenhamos um pouco já que,
deslocando a iniciativa para o mestre de Cristo, alegadamente motivada pela petição, com
inusitada transferência de competências por parte de um indocumentado capítulo da ordem de
Avis, e reduzindo o papel de D. Pedro I à simples anuência, poderá escamotear, adulterando-o, o
fundo da questão.
Têm sido abordados as questões relacionadas com a educação dos filhos das casa reais
peninsulares, mormente no que respeita ao período que se seguia ao afastamento da influência da
amas e entorno feminino, iniciando-se o período de formação que deveria estar concluída por
volta da idade da rébora. Não parece despiciendo recordar, a este propósito, e com intuito de
estabelecer etapas nesse mesmo processo, aquilo que recomendava – e parecia corresponder a
uma prática que se generalizava - o próprio Afonso X de Leão e Castela, o Sábio, escrevendo
sobre a educação dos infantes e filhos de imperadores "desde que passarem de cinco anos em
diante, devem começar pouco a pouco a mostrar-lhes a ler, mas com agrado e sem prema".
Estes cinco anos são precisamente a idade que a inscrição tumular de D. João I marca como
início da sua ligação à milícia de Avis, e, correspondendo à data provável em que terá passado da
casa de Lourenço Martins para a tutela de D. Nuno Freire de Andrade, mestre da Ordem de
Cristo, antecedem em cerca de dois anos a morte do mestre de Avis D. frei Martim do Avelar,
ocorrida durante o primeiro trimestre de 1364.
Não foi certamente por mero acaso circunstancial que Rodrigo Eanes renunciou ao mestrado de
Cristo uma vez que o seu sucessor indicado por D. Pedro I veio a ser o supracitado Nuno
Rodrigues Freire de Andrade, leal partidário do ainda infante D. Pedro durante o conflito que o
opôs ao seu real pai. Como, muito oportunamente, sublinhou PIMENTA, "…esta substituição,
para além da intervenção directa do monarca num assunto tradicionalmente exclusivo da decisão
da ordem em capítulo geral, vingava, ainda, a oposição de Rodrigo Eanes ao então infante D.
Pedro na sua chegada ao Porto para defrontar o pai, em 1355, tomando ares de ajuste de contas" .
Em 30 de Novembro de 1357, o novo Mestre Freire de Andrade tornou-se procurador
plenipotenciário da Ordem e seu convento por outorgamento do Comendador-mor Frei Vasco
Martins, do vigário geral de Tomar e de Santiago de Santarém, do prior do convento, do
sacristão, comendadores e freires da milícia. Cronologicamente a mudança da sede da ordem foi
imediatamente posterior, tendo-se reunido um capítulo geral com a presença do abade de
Alcobaça. Regularizada deste modo a situação, D. Pedro I podia confirmar a Ordem de Cristo, o
que veio a suceder em 1358 e demonstra que esta nova etapa da milícia se iniciou, desenvolveu e
completou por iniciativa, e sob os auspícios do monarca, através de um homem da sua confiança.
É certo que D. frei Martim do Avelar havia sido ao longo da sua carreira, como tivemos ensejo
de sublinhar, um próximo colaborador de D. Pedro I.
Mas não é menos certo que, meio século antes, a intervenção directa de D. Dinis na ascensão de
D. Garcia Peres do Casal ao mestrado da ordem de Avis havia gerado profunda controvérsia
entre os membros daquela milícia e dado azo a um período de instabilidade generalizada e
prolongada no seio da ordem, o que não terá sucedido com a actuação do Justiceiro em relação à
ordem de Cristo, por natureza menos arreigada a uma longa tradição de lutas pela sua própria
independência.
Mas, como vimos, D. Pedro I havia acabado de reter uma parcela das rendas da Mesa Mestral de
Avis como garantia do ressarcimento de alegadas dívidas à Coroa contraídas por D. Martim do
Avelar e, embora compreensivelmente não tenhamos conhecimento de qualquer reacção do
muito jovem Mestre de Avis, acabado de ascender ao cargo, a uma decisão régia que podia
consubstanciar mais uma intrusão em assuntos que a milícia consideraria como internos, parece
admissível considerar que o "clima" de relações entre o rei e os freires de Avis não estaria no seu
ponto mais alto.
É provável que em 1362 não fosse ainda previsível a morte de um D. Martim do Avelar que a
documentação evidencia activo e interveniente em Dezembro de 1363. Daí decorrendo que,
mesmo que o Justiceiro acalentasse o desígnio de legitimar, apaziguando o seu exercício, o
controle régio sobre as ordens militares através do recurso da elevação ao mestrado de um
membro da Casa Real, não se perspectivasse a milícia de Avis como objectivo prioritário, ou
imediato.
E também, a confirmar-se a existência de algum possível clima de tensão entre D. Pedro I e o
mestre e milícia de Avis, este último não seria o tutor ideal para um "infante" destinado ao papel
de "cavalo de Tróia".
Ao invés do que ocorreria com o mestre de Cristo, criatura e parcial do rei.
Temos como pacífico, e já atrás o procuramos evidenciar, que desde, pelo menos, D. Dinis que
existia um propósito claro por parte da Coroa portuguesa de gerir, como coisa sua, própria, as
ordens militares. E daí, e dos actos de gestão directa dos assuntos da ordem, constantes do tombo
de bens da ordem de Avis de 1366, retiramos a conclusão lógica que este projecto continuou a ser
desenvolvido por D. Pedro I.
Uma vez que, nos projectos de D. Pedro I se encontrava excluído da possibilidade de dar corpo a
este desígnio o herdeiro do trono, D. Fernando, e prosseguindo o atribulado processo de
legitimação dos filhos havidos em D. Inês de Castro, que no ano anterior havia sido recusada
pelo papa Inocêncio VI na carta Nuper per certos, e que eram ainda motivo de discórdia, o
membro da família real a quem poderia vir a ser confiada a missão de articular directamente uma
ordem militar e a Coroa provocando menos efeitos colaterais era seguramente o filho de Teresa
Lourenço.
Tendo presente esta conjuntura, e os delicados equilíbrios em que ela repousava, D. João terá
sido confiado em 1362 à tutela de um reconhecidamente fiel colaborador de D. Pedro I que,
cumulativamente, era mestre da ordem de cavalaria mais próxima da monarquia e o espelho
daquilo que os reis considerariam como modelo a seguir pelas demais milícias. A sua
proximidade em relação monarca passaria pelo papel que desempenhou na vertente militar da
política externa do Justiceiro, prolongar-se-ia até 17 de Janeiro de 1367, data em que
testemunharia o testamento do rei que viria a morrer em Estremoz no dia seguinte. Já sob D.
Fernando I, e embora continuando como mestre da Ordem de Cristo, ascenderia a Chanceler-mor
desse monarca e prosseguiria uma longa e influente carreira apenas interrompida, pouco antes da
sua morte em 1372, com a caída em desgraça alegadamente resultante da sua actuação durante as
"guerras fernandinas".
A morte de D. Martim do Avelar não terá passado, em nosso entender, de um acontecimento
superveniente a abrir uma janela de oportunidade para iniciar uma nova fase dum processo que
há meio século se vinha desenvolvendo.
Parece extremamente improvável que o fiel D. Nuno Freire de Andrade, por sua exclusiva e
espontânea vontade, desligado de qualquer concertação prévia com um monarca que, ainda em
vida, mas sobretudo logo após a morte de D. Martim do Avelar, se documenta a intervir na gestão
quotidiana da ordem da Avis, irrompesse sem aviso prévio pela Chamusca a propor a esse
mesmo rei a elevação ao mestrado de Avis do seu principesco pupilo. Por muito que se
interessasse pela sorte do seu, ainda recente, tutelado, ou por muito que esperasse aproveitar com
a iniciativa cortesã de ir de encontro aquilo que suspeitaria serem os íntimos desígnios do rei,
não parece viável uma tão grande premeditação.
Na hipótese mais enviesada terá aproveitado a oportunidade da, aparentemente inesperada,
vacatura do mestrado para dar voz (e corpo) aquilo que sabia ser a intenção-projecto do
soberano, chamando a si uma iniciativa que, de outro modo, não deixaria de ser interpretada
como uma nova – e mais forte – ingerência do rei nos assuntos internos da ordem de Avis.
Na hipótese menos subtil teria pura e simplesmente obedecido a instruções de D. Pedro I, como
já teria acontecido no respeitante à ordem de Cristo.
Que o processo conducente ao episódio da Chamusca, tal como o descreve COELHO nas
passagens acima transcritas, (desde logo a improvável solicitação dos freires de Avis ao mestre
de Cristo para apresentar um candidato à chefia da sua ordem) tenha seguido a tramitação
prescrita na normativa, com a paulatina geração de um consenso interno ex-ante que,
posteriormente viria a ser ratificado em capítulo Geral, parece pouco plausível. Nem para tal
teria havido tempo, no curto período que medeia entre Dezembro de 1363 e a Primavera de
1364 .
E, como veremos adiante, o Mestre D. Nuno encontrar-se-ia ausente do reino, integrando as
forças portuguesas que auxiliavam Pedro I de Castela, de 1359 até 1363. Durante este lapso de
tempo a sua assistência pessoal e presencial ao pupilo D. João, bem como a sua participação na
defesa dos interesses pessoais do jovem tutelado deveria ter sido, no mínimo intermitente, uma
vez que não é plausível que D. Nuno tivesse permanecido em Castela todos os quatro anos que
durou a campanha, e teria de se encontrar no reino quando, em 1362, ao que supomos, lhe foi
confiado o bastardo régio.
É certo que já em Agosto e Setembro desse ano de 1363 parece documentar-se a sua presença em
Portugal, actuando através do seu procurador Afonso Peres, no atinente ao conhecido e arrastado
processo dos direitos da ordem de Cristo sobre os dízimos da igreja de Santiago de Santarém.
Concretamente, nessa ocasião, a milícia de Cristo receava que, pertencendo todos os dízimos do
arcediagado de Santarém a D. Lourenço, bispo de Lisboa, este prelado, através dos seus vigários e
procuradores procurasse interferir na cobrança dos supracitados dízimos .
Como já foi aflorado o Mestre de Cristo não poderia ter tido conhecimento da morte de D. Frei
Martim do Avelar antes de Janeiro de 1364, sendo seguro que o nome de D. João, já na qualidade
de Mestre de Avis, surge num documento de Maio desse ano, o que permite admitir que a sua
elevação ao cargo possa ter ocorrido antes, talvez em Abril.
Todo o processo conducente à sua elevação ao mestrado deve ter sido desenvolvido ao longo de
três curtos meses. Tempo manifestamente escasso para que tivessem sido desenvolvidas
prudentes e longas tentativas de aliciamento dos freires e dignitários da ordem de Avis.
E, salvo melhor opinião, seria arriscado abrir a caixa de Pandora das divergências internas num
difícil percurso de conciliação das omnipresentes facções, e mais fácil e eficaz consolidar um
facto consumado. O que, diga-se de passagem, não exclui uma forte probabilidade de que, num
curto período imediatamente antecedente, tenham sido feitas discretas diligências para assegurar
apoios no seio da milícia.
D. João viria a ascender a mestre da ordem de Avis não apenas como resultado de um qualquer
interesse táctico conjuntural determinado por tensões pontuais nas relações luso-castelhanas
desse momento, como admite COELHO, mas também no desenvolvimento coerente de um
projecto estratégico de absorção pela Coroa das ordens militares portuguesas que seu bisavô D.
Dinis havia iniciado, e seu pai aprofundou.
Aliás, ainda recentemente, PIMENTA teve ensejo de constatar que no reinado de D. Pedro I,
intervalo de paz no contexto belicista da primeira dinastia, se privilegiou sempre uma política
externa de distanciamento e gestão prudente dos diferendos envolventes. Durante esse período
nunca se verificaram ameaças iminentes de conflito militar com o reino vizinho, muito embora
contingentes de forças portuguesas tenham sido mobilizadas de 1359 a 1363, no âmbito do
auxílio prestado a Pedro I de Castela, e neles se tenha incorporado o Mestre da ordem de Cristo
que se ausentou de Portugal durante os anos que durou esta campanha.
Todavia a supracitada historiadora chama a atenção para que existia " uma inevitável colagem
(no contexto em que se inscrevia esta fase do reinado do "Justiceiro") de todos estes
acontecimentos ao conflito bélico que assolava uma parte da Europa, pelo que estas questões,
peninsulares, entre Aragão e Castela, passavam a estar rotuladas com conotações internacionais
de diferente nível, onde Castela servia os interesses ingleses e Aragão os interesses franceses.
Nestas condições, os antagonismos tinham tudo para continuar; ou seja, não seria possível, nos
meados da década de sessenta, permanecer fiel ao acordado em 1363" , quando os acordos de paz
de Murviedro travaram momentaneamente os confrontos entre Castela e Aragão. Esta
constatação permite à mesma autora salientar que " Assim, a deslocação dos mestres de Cristo e
Avis a Castela e a viagem do mestre de Avis a Aragão só podem significar duas coisas de
extrema importância: a inevitável colaboração rei-ordens militares e uma notável jogada de D.
Pedro I, tentando conciliar as duas faces do conflito".
Em 1364 a intervenção portuguesa tinha entrado na sua fase final mas permaneciam as razões de
fundo à luz das quais se deve compreender a afirmação de COELHO segunda a qual o controlo
da ordem de Avis servia, nesse exacto momento, os interesses da política régia em relação a
Castela.
Embora seja evidente que a implantação regional desta milícia militar a alcandorava, em termos
genéricos, a uma posição necessariamente importante no quadro da defesa da fronteira alentejana
e de alguns dos mais utilizados itinerários de invasão e acesso a Santarém e Lisboa, como viria a
demonstrar o subsequente empenhamento das ordens de Santiago, Cristo e Avis no decurso das
guerras fernandinas contra Castela .
1. Colocar as ordens militares sob um ainda mais próximo controlo da Coroa: se, pelo menos
desde o reinado de D. Dinis, os monarcas tinham geralmente conseguido impor como mestres
personagens cujos comportamentos apontavam para uma inequívoca fidelidade ao rei, o monarca
saído da ordem de Avis iria consagrar a prática da designação dos governadores das ordens
militares como teóricos alter egos.
2. Redefinir o projecto funcional dessas mesmas ordens no quadro do programa da coroa. Cristo
e Santiago terão um papel (distinto) a desempenhar na expansão atlântica, Avis permanecerá
como uma instituição puramente "continental".
3. Dotar os infantes com o usufruto de uma influência, propriedades e rendas que o acanhado do
reino e situação do património régio dificilmente proporcionaria noutras circunstâncias.
A prossecução destes três desideratos desde o final da primeira década de Quatrocentos ajudaria a
explicar o relacionamento entre o rei e as ordens militares que caracteriza o período joanino, e o
vigor com que a monarquia se opôs em 1436 e 1437 à pretensão castelhana de repristinar o direito
de visita de Santiago e Calatrava sobre as suas congéneres portuguesas .
Como que a desmentir a interpretação que via na elevação dos filhos de D. João I ao governo das
ordens militares uma garantia de "fidelidade acrescida", aos conflitos entre os infantes da Ínclita
Geração – a que já aludimos – desde muito cedo se vieram somar tensões verificadas entre o
monarca e o seu filho D. João, que governava a ordem de Santiago.
Este infante que, por hipótese, não teria do cargo uma neutra visão de Estado que o colocaria na
posição de mero delegado régio, reagia ao controlo apertado a que o monarca seu pai entendia
submeter a ordem. E logo que ascendeu o cargo procurou libertar-se da interferência real,
assumindo-se como mestre da milícia. Em 1422, embora cumprindo uma prática usual nos seus
antecessores, dirigiu uma carta ao papa Martinho V pedindo-lhe que reconhecesse que a ordem e
os seus membros e todos os seus bens móveis e imóveis eram matéria eclesiástica e, por essa
razão dependiam exclusivamente da igreja. Donde resultaria que ninguém, exceptuando a própria
hierarquia da milícia, poderia interferir civil ou criminalmente nela. Na prática, este desiderato
colocaria a instituição fora do alcance de todo e qualquer poder laico que a pretendesse submeter
à sua jurisdição.
Mas, como já tivemos ocasião de aflorar, entende BARBOSA que "reconhecido este privilégio
pela Santa Sé, punha-se a este infante um outro problema do foro interno da ordem, e que
decorria do próprio conceito do cargo de administrador ".
Com efeito os mestres, por inerência da função, representavam as ordens e respondiam por elas,
tendo jurisdição social, espiritual, militar e política sobre a globalidade dos seus membros. O seu
poder era apenas limitado pela Norma à qual os próprios se encontravam sujeitos.
Mas esta jurisdição e prerrogativas eram-lhes conferidas pelos Treze no acto da eleição.
Mas, no seu caso, como no caso dos outros infantes a quem fora confiado o governo das ordens
militares, o acto eleitoral interno fora substituído por provisão e, na prática, o cargo de mestre
havia sido intencionalmente abolido, situação que os freires se tinham visto compelidos a aceitar
por imposição regia. Acrescendo que os infantes providos não eram cavaleiros professos, o que
implicava que o poder interno tinha passado a ser exercido por laicos que, de acordo com o
programa joanino, funcionariam como meros delegados de um poder exterior ás estruturas das
ordens.
Esta situação conflituava directamente com o disposto na Regra, e, em tese, feria de
ilegitimidade os novos governadores e administradores.
O infante D. João tinha forçosamente que solucionar esta problemática. E, com efeito, em
capítulo geral realizado em Alcácer do Sal em 1422 os Treze de Santiago viriam a passar – lhe
uma procuração em que eram enumeradas todas as situações em que o Administrador
representava a ordem, e se definiam todas as suas obrigações . Transferiam-se assim para o
infante todos os poderes que eram reconhecidos aos mestres, figura jurisdicional que, através
deste expediente, deixava de ser necessária.
Embora tivesse como objectivo, em última análise, consumar uma convergência entre a figura do
Administrador e a jurisdição e prerrogativas dos mestres este supracitado expediente tinha
repercussões de vária natureza:
1 - Frustrava a situação de mero delegado do poder régio do Administrador, tal como havia sido
delineado no programa joanino, readquirindo-se uma nova forma de autonomia das ordens que
não decorria do exercício do "livre arbítrio" das suas estruturas internas, nem correspondia a uma
margem de manobra adveniente da prossecução de uma missão específica de que a monarquia as
tivesse encarregado.
Mas, por outro lado, constituindo um precedente jurídico, não deixaria de facilitar a vida a
futuros membros da casa real colocados em circunstâncias análogas .
O que veio a verificar-se, logo após a morte deste infante D. João, na sequência das diligências
efectuadas pelo regente D. Pedro junto do papa Eugénio IV em 1442 no sentido de conseguir que
a administração e regência da ordem passasse para o infante D. Fernando, irmão mais novo de D.
Afonso V, e sucessor do Infante D. Henrique. Mas este infante, tal como o seu antecessor,
desenvolveu esforços coroados de sucesso para conservar a ordem de Santiago relativamente
autónoma do poder civil.
4 – É forçoso concluir que, mesmo que administrações como a dos infantes D. Henrique e do seu
sucessor D. Fernando (prosseguida pela sua enérgica viúva, D. Beatriz), do príncipe herdeiro D.
João (futuro D. João II) ou a do seu filho, o senhor D. Jorge, se tenham revelado positivas, na
perspectiva de alguns dos interesses do Estado, e mesmo das ordens militares por eles
governadas, a preponderante prossecução dos interesses próprios da maioria dos seus
administradores, nos coloca perante um desvio perverso do programa joanino que não resultou
globalmente, como se esperava, numa maior e pacífica subordinação das milícias à monarquia, e,
em última análise, terá acabado por determinar a incorporação pura e simples das ordens
militares na Coroa.
Parece talvez um pouco incompleto o que observa a este respeito BARBOSA, embora referindo-
se exclusivamente à ordem de Santiago e ao mestrado de D. Jorge (análise que, em boa verdade,
poderia ser extrapolada para a ordem de Avis):"A última administração da Ordem, antes da sua
anexação definitiva à coroa por D. João III, foi marcada por uma tentativa de reestruturação
interna baseada nas normas tradicionais. Curiosamente, D. Jorge, apesar de nomeado, usou o
título de Mestre e comportou-se como tal. Redigiu estatutos e reformou costumes, mas nada
disso alterou o destino da Ordem". Acrescentaríamos que esta análise, parcialmente ajustada à
realidade, omite todavia que esta trajectória se ficou a dever à falência da fase intercalar contida
no programa joanino.
O tempo dos infantes não coincidiu com um governo de simples delegados do poder régio que
tivessem redefinido e reajustado em tempo útil o projecto funcional das ordens militares no
quadro dos grandes objectivos programáticos da monarquia portuguesa.
Mas antes num retrocesso anacrónico em que estes "grandes senhores do reino" prosseguiram
estratégias próprias e familiares que no geral eram diversos daqueles que decorreriam de uma
clara subordinação a uma "visão de Estado".
Esta situação comprova-se, em nosso entender, na incapacidade de D. Afonso V fazer confirmar
em sede própria a confiscação do governo do Mestrado de Avis ao Condestável D. Pedro, filho
do Regente Duque de Coimbra. Situação que terá induzido, como veremos, o Infante D.
Henrique a quem o rei tinha confiado a Ordem de Avis, a encontrar uma "saída airosa" para essa
situação, rogando ao monarca a sua "devolução" a D. Pedro, o que efectivamente veio a suceder.
E, decorrendo desta constatação, e das suas consequências, a anexação chegou demasiado tarde
para que as ordens militares pudessem conservar qualquer veleidade de autonomia
correspondente a uma drástica actualização das respectivas estruturas em função de uma missão
específica de que tivessem sido oportunamente incumbidas. A monarquia tentará ainda, e terá um
sucesso parcial, reorientar estas instituições, mas já no âmbito de uma conjuntura mais tardia e
que transcende os limites deste período.
Esta nossa proposta, parcialmente coincidente com a supracitada posição de Isabel Lago
Barbosa, não é no entanto perfilhada por PIMENTA, estamos em crer por razões que se prendem
com o enfoque diverso que esta autora privilegiou. Tendo analisado os fundos da ordem que
integram diplomas do longo mestrado de 24 anos deste infante (o "mais velho de entre os filhos
mais novos de D. João I", esta historiadora compilou documentação essencialmente constituída
por prazos, sentenças reguladoras do alcance jurisdicional da instituição e as tradicionais cartas
de privilégio concedidas pelos monarcas. E, deste acervo documental, em quase tudo semelhante
ao de outros mestrados, concluiu pela normalidade que teria norteado a actuação deste
governador.
Reforça ainda essa sua convicção constatando que (não obstante o percurso acima evidenciado) o
futuro Regente continuou a usufruir da mercê do pai, e depois do irmão D. Duarte, e que na fase
derradeira do seu governo da ordem, o infante D. João terá dado provas de uma grande
aproximação em relação a posições da regência do seu irmão D. Pedro.
Destas considerações retira que, se esta normalidade se não tivesse verificado, "não se tinha
mantido a política de entregar os mestrados a membros da família real, o que, como se sabe, foi
a opção tomada ao longo de todo o século XV".
Com o cativeiro do infante em Africa, em resultado do frustrado ataque Tânger, a administração
da ordem foi entregue ao infante D. Pedro, segundo notícia de Novembro de 1438, talvez pela
mesma ordem de razões que determinara que fosse o infante Fernando a administrar os seus bens
quando D. Pedro se ausentara do reino. As responsabilidades que este assumiria, pouco depois,
na regência do reino, determinaram que o governo do Mestrado fosse entregue ao infante João
em data que se ignora, mas anterior a Junho de 1441. São escassos os testemunhos dessa
administração, a qual não se exerceria, de resto, por muito tempo, dada a morte do infante em
Outubro de 1442. Pouco mais sobreviveria o governador titular, o infante D. Fernando, falecido
em Junho do ano seguinte, ficando assim vago o Mestrado da Ordem de Avis.
Ora, numa perspectiva política, teremos ensejo de ver que, pelo menos, tanto a estreita
colaboração do Infante D. João (em funções no governo da Ordem desde 1418) à testa da milícia
de Santiago, como o futuro provimento do Condestável D. Pedro no governo da Ordem de Avis,
se inscrevem já no quadro peculiar da regência do infante D. Pedro, e têm forçosamente que ser
analisadas à luz das circunstâncias específicas desse período, o que em nosso, entender poderia,
em tese, autorizar uma abordagem que até certo ponto divergiria da supracitada argumentação.
A ruptura com o ciclo político joanino poderia situar-se, no plano simbólico, com o desrespeito
de um dos pontos capitais do testamento de D. Duarte no qual se estipulava que sua mulher, a
rainha D. Leonor de Aragão, "ficasse in sólido como testamenteira e regente" até à maioridade
de D. Afonso V. Julgamos depreender que assim o terá subentendido FONSECA que, ao
proceder a uma minuciosa análise das diferentes fases do "ciclo de Alfarrobeira" constata o novo
equilíbrio de forças que se foi estabelecendo no seio da Ínclita Geração. Julgamos ser na esteira
deste último historiador que constataremos que o período da regência, embora não tenha
acarretado nem uma travagem nem um cancelamento da política de expansão iniciada em Ceuta,
implicou uma rotação das prioridades da diplomacia portuguesa e ficou marcado por uma série
de alianças internas em termos de conquista e manutenção do poder, bem como de sucessivos
alinhamentos efectuados dentro de uma lógica peninsular necessariamente distinta do contexto
que caracterizou o período durante o qual D. João I teria concebido o projecto relativo ás ordens
militares portuguesas.
A normalidade detectada por PIMENTA, bem como a sobrevivência da prática da entrega de
mestrados a membros da família real existiram de facto, mas integradas, e ao serviço de uma
nova – e profundamente diversa - orientação política, que não julgamos possa ser considerada o
normal prolongamento lógico das grandes orientações da política joanina.
Esse ciclo longo, cujas consequências se prolongaram pelo governo do Africano, determinou que
a Ordem de Avis, secularmente vocacionada para a organização e defesa de uma zona-tampão
destinada a vedar os itinerários de invasão do território que passavam pelo Alto Alentejo, se
visse, pela única vez na sua vida como instituição, "arrastada" para um tipo de missão que lhe era
estranha: o empenhamento num conflito internacional que decorria na "fachada mediterrânica"
da Península.
E se é certo que o Príncipe Perfeito caucionou a prática, tornada consuetudinária, da sucessão de
membros da família real à testa dos mestrados, é difícil ignorar que, num primeiro tempo, herdou
uma situação que o próprio desvirtuar do "plano joanino" tornava especialmente ameaçadora
para a coroa, vendo-se obrigado a corrigi-la drasticamente num segundo tempo. São, do nosso
ponto de vista, menos evidentes as razões que o moveram a retomar a prática da sucessão nos
mestrados na pessoa dum príncipe-herdeiro sobre cuja capacidade como governante viria a
manifestar, como será referido adiante, as maiores reservas póstumas. Mas em contrapartida,
uma vez ponderadas a razões que na prática o impediram de fazer suceder no trono o senhor D.
Jorge, retirou da sua própria experiência a convicção de que a melhor maneira de o proteger após
a sua morte, criando em simultâneo um contrapeso à previsível hegemonia dos Bragança/Beja,
consistiria em concentrar nas suas mãos a maioria do poder representado pelas ordens militares.
D. Manuel I disso teve perfeita consciência ao eximir-se de cumprir na íntegra o testamento do
seu antecessor.
Descendo do geral ao particular regressemos à ordem militar de Avis. Verificámos já as
circunstâncias em que o infante D. João ascendeu, em 1418, ao governo da ordem militar de
Santiago, e como a morte do mestre D. Fernão Rodrigues de Sequeira, ocorrida pouco depois da
do próprio D. João I, determinou que a vacatura do mestrado de Avis apenas se tenha verificado
no Verão de 1433.
Contrastando com o longo e, quanto a nós, subversivo, governo do irmão que durante 24 anos
administrou a milícia de Santiago, o "infante Santo" (1402-1443) terá apenas permanecido à
frente da milícia de Avis entre 1434 e 1443, embora apenas formalmente desde 1437, ano em que
este infante inicia o seu cativeiro em Fez, no Norte de África .
O Infante D. Fernando foi nomeado regedor e governador do Mestrado de Avis pela Bula Sincere
deuotionis de 9 de Setembro de 1434, emitida pela chancelaria do pontífice Eugénio IV. Como
observou OLIVEIRA, na esteira de outros, "a negociação desta bula não foi uma tarefa fácil e
obrigou mesmo a o compromisso de utilização de navios da coroa e de um dos irmãos do
monarca num projecto de cruzada inspirado por Roma". Aquele primeiro autor reconhece que
ignoramos a natureza da argumentação desenvolvida na súplica, bem como o teor das objeções
que terão sido levantadas pela Santa Sé, uma vez que o conhecimento deste processo repousa
apenas nos relatos epistolares que fr. Gomes, abade de Florença, endereçou ao rei e ao próprio
Infante D. Fernando nos começos de 1435. Nós, pessoalmente, interpretamos estas
condicionantes no quadro da política de um maior envolvimento das ordens militares
portuguesas no conflito com os otomanos que vinha a ser prosseguida pela Santa Sé.Terá ido
igualmente no começo desse ano de 1435 que D. Fernando iniciou o seu governo do Mestrado.
Meses decorridos, em Agosto, conhecem-se duas confirmações de privilégios a um comendador
e ao Comendador Mor, a nomeação de um Chaveiro e uma sentença pela qual se regulamentava
o pastoreio do gado na comenda de Coruche.
Dois anos apenas tinham decorrido sobre o provimento de D. Fernando quando, em Julho de
1436, o mestre de Calatrava dirigiu uma súplica ao papa Eugénio IV solicitando a repristinação
do direito de visita ás ordens de Alcântara, Avis e Montesa .
Esta diligência da ordem castelhana não visava exclusivamente a milícia de Avis e inscrevia-se
numa tentativa de retoma de prerrogativas que, por razões diversas, directa ou indirectamente
ligados ao longo período de conturbação que Castela tinha vindo a atravessar, haviam deixado de
ser exercidas. Mas, no atinente ao reino português, como assinala PIMENTA, o acordo de paz
celebrado entre as duas monarquias em 1431, poderá ter dado azo a uma interpretação de acordo
com o qual os calatravenhos julgassem oportuno recuperar o, de há muito disputado, status quo,
que teria vigorado antes de 1383.
Essa repristinação era politicamente inaceitável na nova conjuntura portuguesa, e estribava-se em
sucessivos diplomas papais que, primeiro, haviam autorizado a dispensa da confirmação
castelhana do mestre de Avis, e depois dando directo provimento ao novo governador, avocando
não apenas a tutela de Calatrava, mas também, de certo modo, as competências e prerrogativas
dos órgãos internos da ordem, acedendo a solicitação dos soberanos portugueses.
Na prática esta problemática transcendia a ordem militar de Avis, inscrevendo-se no quadro
diplomático das relações entre a Santa Sé e a monarquia portuguesa respeitantes ás ordens
militares o que – como reconhece PIMENTA – justificaria amplamente que D. Duarte tomasse
em mãos a condução desta matéria.
Esta autora admite, embora a mero título de hipótese, que as sucessivas diligências
desenvolvidas por esta ocasião pelo infante D. Fernando no sentido de participar no processo de
expansão portuguesa no Norte de África, pudesse constituir " a melhor resposta que poderia ser
dada pela Ordem e pelo seu máximo responsável, ás pretensões dos calatravenhos".
Com efeito uma parte da, já referida, argumentação desenvolvida por D. João I para justificar o
provimento dos infantes como governadores das ordens militares, na sequência de bula de João
XXIII que as autorizava a participar em "guerras justas", bem como a afectação dos rendimentos
da ordem de Santiago à praça de Ceuta durante o período intermédio em que o infante D.
Henrique administrou aquela milícia, bem como as preocupações da Santa Sé com a ameaça
turca, poderão indiciar que as movimentações do governador da ordem de Avis no sentido de
participar em expedições ás praças norte-africanas tivessem, entre outras motivações, o intuito de
inscrever Avis no quadro da expansão portuguesa, justificando a singularidade de uma situação e
o corte com a tutela de Calatrava.
Se, de facto, esse desiderato existiu, o desastre de Tânger não terá conseguido inflectir o destino
continental da milícia de Avis e redundou numa situação ambígua em que o seu mestrado,
embora nominalmente ocupado, seria de facto exercido pelo infante D. João, mestre de Santiago,
e após a morte de D. Duarte, pelo infante D. Pedro que, por ocasião da sua entrada em Lisboa,
em 31 de Outubro de 1439, foi instalado pelo infante D. João e notáveis ulissiponenses nas casas
do mestre de Avis, junto à Sé de Lisboa .
3.2. O Regente D. Pedro e o Condestável, duas trajectórias peninsulares. A Ordem de Avis
como instrumento das políticas externas. (1439-1466).
D. Pedro continuaria a governar a ordem de Avis sendo já Regente do reino . A sua confiança no
irmão mestre de Santiago, apoiante da primeira hora (provavelmente extensiva à milícia de Avis,
como o parecem demonstrar os acontecimentos subsequentes), evidencia-se na conjuntura crítica
provocada pela fuga de Santarém para Almeirim e Crato da rainha viúva D. Leonor, quando era
admissível uma invasão organizada pelos infantes de Aragão, com a investidura do infante D.
João, Condestável do reino, como fronteiro da comarca de Entre-Tejo-e-Guadiana em 9 de Maio
de 1440 .
No final desse mesmo ano a situação agravara-se pelo que o duque de Coimbra deu como
iminente essa mesma invasão, e, em 26 de Dezembro de 1440, partiu de Santarém, dirigindo-se
para Avis.
Precisamente a meio do trajecto entre essas duas localidades, talvez em 27 de Dezembro como
refere MORENO, “encontrou-se com os emissários enviados à Santa Sé que traziam de regresso
a bula que libertava os mestrados de Santiago e Avis da sua subordinação a Calatrava”.
Encerrava-se assim o atrás referido processo, detonado em 1436 pela súplica que o mestre de
Calatrava enviara ao papa Eugénio IV. “De Avis o infante D. Pedro dirigiu-se ao arraial da
ribeira da Seda, também ele montado em terras da ordem de Avis, onde chegou em 29 de
Dezembro para conferenciar com o infante D. João e dar início à sua campanha pessoal contra
os redutos do priorato do Crato”. Mas nesse mesmo dia foi avisado por alguns partidários seus
residentes no Crato de que D. Leonor, receando uma ofensiva das forças do duque de Coimbra,
partira com os seus seguidores para a vila de Albuquerque, em Castela. Outros emissários tinham
sido enviados ao Comendador Mor de Avis, e capitão em Alter do Chão, Garcia Rodrigues de
Sequeira (filho do falecido mestre D. Frei Fernão Rodrigues de Sequeira ) para que viesse
apoderarse da vila do Crato, o que o Comendador Mor executou, enviando recado do sucesso aos
infantes que permaneciam junto a Benavila, ainda em terras de Avis.
Mas se a vila do Crato fora ocupada o castelo resistia ainda e é admissível que cavaleiros da
ordem de Avis integrassem o contingente de 12.000 homens que obteve a sua rendição cerca de
17 de Janeiro de 1401.
Talvez seja relevante para o problema das dúvidas que levantamos sobre uma eventual menor
transparência do comportamento do Comendador Mor de Avis por ocasião da campanha do Crato
constatar que antes das cortes de Évora de 1442 o Regente D. Pedro, que – recorde-se – já havia
nomeado seu irmão, o mestre da ordem de Santiago e Condestável do reino, fronteiro de Entre-
Tejo-e-Guadiana, entendeu que haveria a maior conveniência em nomear fronteiros encarregados
de zonas mais restritas de grande vulnerabilidade. Duas dessas 5 "sub-regiões", Estremoz e
Castelo de Vide, eram terras da ordem de Avis, mas para elas foram designados como fronteiros
respectivamente o conde de Odemira e Vasco Martins de Melo, cavaleiro da Casa Real.
É certo que a extracção social de um, e os serviços de ambos, os avantajariam em relação a
Garcia Rodrigues de Sequeira mas, estamos em crer que neste particular da nomeação destes
fronteiros, o critério da escolha passaria mais pela confiança e "curriculum" militar.
E, é facto, foram nomeados para terras da ordem, fronteiros que a ela não pertenciam.
De facto a ascensão de Garcia Rodrigues de Sequeira a Comendador Mor de Avis, deve ter-se
ficado a dever, não tanto à sua "folha de serviços castrenses", de que não se encontrou rasto nas
fontes, mas à "estratégia familiar" prosseguida pelo mestre seu pai com a anuência implícita do
rei, hipótese que levantámos atrás.
E, no atinente, à confiança que o Regente D. Pedro depositaria no Comendador Mor da ordem
de Avis, o seu comportamento potencialmente ambíguo, no decurso da campanha do Crato
parece confirmado pelo facto de ter feito carreira durante o reinado de D. Afonso V, sublinhando-
se as suspeitas sob a sua fidelidade que a ausência de referências a contributos prestados pela
Ordem de Avis durante os conflitos ulteriores do período da regência permitirá levantar, bem
como a franca hostilidade que, como teremos ocasião de referir, o Condestável D. Pedro lhe
manifestou desde o início do seu governo da Ordem de Avis.
Se estas suspeitas forem encaradas na perspectiva dos interesses da milícia de Avis, tendo
presente que era ao Comendador Mor que caberia, em termos estatutários, governar a ordem na
ausência do mestre ou regedor, e que esta prerrogativa parece ter sido ignorada, existiriam razões
para um distanciamento em relação à facção do infante D. Pedro.
Como parece legítimo que Garcia Rodrigues de Sequeira tivesse optado por uma posição dúplice
entre o poder "de facto" e uma interpretação literal do disposto no testamento de D. Duarte.
A História ensina que, independentemente de considerações éticas, existem apostas políticas
ganhadoras e apostas políticas que, sendo erradas, acarretam consequências indesejáveis, tanto a
nível pessoal como institucional. E não restam dúvidas de que, ao menos a nível pessoal, o
Comendador Mor de Avis adoptou um posicionamento que o favoreceria a médio prazo.
Se outro mérito não tivesse, esta suspeita contribuiria para explicar – mesmo parcialmente, pois
outras razões existiriam – que na sequência da morte do infante D. Fernando em 1443, o Regente
tenha decidido colocar à frente da ordem de Avis o seu próprio filho primogénito.
É certo que FONSECA sublinha que esta escolha se insere na lógica do programa joanino de
designação de membros da Casa Real para administradores das milícias, mas tendo o cuidado de
referir que "determinadas circunstâncias de momento – as lutas internas em Castela, de maneira
geral, e, em particular, o ocorrido com a questão do Prior do Crato em Portugal, e com a
nomeação do mestre de Calatrava em Castela certamente reforçaram o propósito de colocar à
frente das Ordens Militares personalidades da sua confiança".
A ocasião era propícia, no espaço de um ano tinham morrido não apenas o prior do Crato mas
também os administradores das ordens de Avis e Santiago.
Ao que parece o Regente teve alguma dificuldade em conseguir que Henrique de Castro
preenchesse a vaga aberta pelo falecimento de Nuno Gonçalves de Góis, mas aquele acabou por
receber o priorado do Crato por uma bula do papa Eugénio IV datada de Março de 1443. Meses
decorridos, em 19 de Junho, o Regente mandava entregar a Henrique de Castro, fidalgo que fora
da casa do Infante D. Henrique, as fortalezas da Amieira, Crato e Flor da Rosa
Por morte do infante D. João, conselheiro e colaborador do duque de Coimbra, deveria ascender
ao governo de Santiago seu filho D. Diogo (assim o admite FONSECA, citando uma passagem
da CDAV ). Mas colocado perante a morte repentina deste seu sobrinho, ocorrida em começos de
1443, D. Pedro terá iniciado diligências para que este Mestrado viesse a ser entregue a D.
Fernando, o ainda muito jovem irmão de D. Afonso V, que efectivamente o veio a receber por
bula papal de 23 de Maio de 1444.
Note-se que o período durante o qual o Regente D. Pedro terá diligenciado obter o Mestrado de
Santiago para o irmão mais novo do seu régio sobrinho coincide com o reacender da guerra civil
em Castela, seguida com compreensível preocupação pelo duque de Coimbra que, em
1443.10.24., abandonou as terras do seu ducado em direcção a Évora, onde permaneceria até 28
de Abril de 1444.
Esta larga estadia na capital alentejana estava ligada à situação político-militar no reino vizinho
onde D. Lopo Barrientos, Bispo de Ávila, e o Condestável D. Álvaro de Luna discutiam com
vários magnates castelhanos a constituição de uma Liga contra os Infantes de Aragão, enquanto,
do lado oposto, o Infante D. Henrique, secundado pelo Conde de Arcos levavam a cabo uma
campanha militar bem sucedida na Andaluzia .
A celebração das cortes de Évora de 1444 insere-se neste quadro e destina-se fundamentalmente
a preparar a intervenção militar portuguesa de socorro à Andaluzia, uma vez que a organização
de um corpo expedicionário dependia de um indispensável apoio financeiro.
Da cidade de Évora partiu efectivamente uma expedição de socorro constituída por seiscentos
cavaleiros comandados pelo Mestre de Alcântara, D. Gutierre de Sotomaior, que se juntou ás
forças castelhanas determinando o levantamento do cerco de Sevilha uma vez que "O Iffante
dom Emrrique sabida a ajuda dos portugueses a descercou".
O bom êxito da expedição portuguesa permitiu ao Regente D. Pedro - que tivera o cuidado de
enfatizar que o socorro português se tinha realizado a pedido do rei de Castela e com o intuito de
garantir a segurança das fronteiras portuguesas - abandonar o Alentejo em finais de Abril,
regressando a Coimbra, onde se encontrava já em 23 de Maio de 1444.
Data do ano de 1433, no âmbito da conjuntura político-militar acima aflorada, a nomeação de D.
Pedro, primogénito do Regente, para o cargo de Condestável E, no ano seguinte, a sua colocação
à frente da Ordem de Avis, sancionada pelo papa Eugénio IV através da bula Dum atri sanguinis,
de 29 de Março de 1444.
Eventos que, no entender de FONSECA "não constituem dois acontecimentos isolados,
susceptíveis de serem meramente explicados pelo desejo do duque de Coimbra de beneficiar o
seu primogénito, antes devem ser enquadrados num conjunto mais vasto, ao lado de outras
medidas similares tomadas pelo Regente, e relacionadas com as necessidades e interesses
políticos da regência".
Se bem compreendemos concorriam para esta concentração de poder militar nas mãos do filho
mais velho do duque de Coimbra duas ordens de razões e uma oportunidade propícia.
Primeiramente motivos que se prendiam com a conjuntura peninsular, uma vez que era
imperioso evitar a derrota política (e militar) de D. Álvaro de Luna personagem a cujo destino
estava ligado o do próprio D. Pedro, duque de Coimbra, em virtude de uma antiga e arriscada (no
quadro da sempre volátil situação interna castelhana e aragonesa) cooperação entre ambos. Este
imperativo impunha a concentração do máximo possível de capacidade militar nas mãos do
Regente. E, com efeito, como refere SOUSA, logo em 1445 o Regente enviaria o seu
primogénito (que era já o IV Condestável do reino, cargo no qual sucedera, como vimos, a seu
tio, o Infante D. Fernando) em socorro de D. João II de Castela
A regência tinha criado numerosos anti-corpos, e adensava-se uma fortíssima oposição interna
que, apenas um ano mais tarde, levaria à consumação da ruptura com o meio-irmão D. Afonso,
conde de Barcelos e primeiro duque de Bragança, ruptura essa de que existiriam já abundantes
sinais prenunciadores.
Entendemos que a colocação dum irmão de D. Afonso V à frente da Ordem de Santiago
representava uma manobra conciliatória em relação ao jovem rei, ao mesmo tempo que permitia
evitar – de modo irrecusável – que essa poderosa milícia caísse em mãos declaradamente
adversas. E, simultaneamente, no âmbito da partilha do poder entre os descendentes de D. João I,
abria espaço para que o Regente pudesse colocar o filho à testa da Ordem de Avis com maior
"legitimidade", e suscitando menos protestos e aproveitamento político por parte dos seus
opositores.
Tanto o muito jovem Infante como o primogénito do Regente, que contava apenas 15 anos
incompletos, eram demasiado novos para as suas responsabilidades e susceptíveis de ser
tutelados.
No atinente ao Infante D. Fernando a manobra que o alcandorara ao governo da Ordem de
Santiago comportava riscos uma vez que poderia ser captado para o "partido" dos seus parentes
Bragança, ou ser influenciado por seu irmão D. Afonso que, a escassos dois anos de atingir a
maioridade e assumir o governo, demonstraria já divergências em relação a pontos concretos da
política da regência.
Em contrapartida o Condestável D. Pedro seria ainda um instrumento dócil nas mãos de seu pai
que o utilizou, como reconhece FONSECA, num primeiro tempo para neutralizar o cargo de
Condestável, ambicionado pelos Bragança, e num segundo tempo, para assegurar directamente o
governo da estratégica Ordem de Avis cujo Comendador Mor, como tivemos ocasião de referir,
não ofereceria garantias de uma inquebrantável fidelidade ao Regente.
O duque de Coimbra teria manifestado a intenção de comandar pessoalmente o corpo
expedicionário português em auxílio de D. Álvaro de Luna, tendo sido dissuadido deste
propósito pelo seu conselho reunido em Tentúgal. Mas ficou decidido que o comando destas
forças militares seria confiado ao Condestável D. Pedro. Este último, que contava 15 anos de
idade, foi nessa ocasião armado cavaleiro pelo seu tio, o Infante D. Henrique que, para esse
efeito, se deslocou propositadamente de Lagos até Coimbra.
Tinha peso simbólico, no quadro dos delicados equilíbrios internos entre os filhos de D. João I
esta anuência do Infante D. Henrique em armar cavaleiro o sobrinho, efectuando um longo e
penoso percurso para esse efeito? Estamos em crer que sim, sobretudo se tivermos presente que o
governador da Ordem de Cristo reiteradamente desempenhou um papel conciliador em diversas
pendências que fracturaram a família real portuguesa. De uma só assentada "legitimava" o jovem
D. Pedro no cargo de Condestável e, também, o seu comando da força expedicionária que partia
em auxílio de D. Álvaro de Luna, sancionando assim, indirectamente, a política peninsular do
Regente.
Ora, como salientou FONSECA, esta expedição sob o comando do Condestável D. Pedro
configurava uma inequívoca ingerência nos assuntos internos do país vizinho tão injustificável
quanto D. Leonor, viúva de D. Duarte exilada em Castela, já tinha morrido e, nesse preciso
momento, Portugal muito pouco tinha a recear dos Infantes de Aragão. Tratou-se de um acto
político através do qual o Regente, através do seu filho, Condestável de Portugal, pretendeu
marcar posição na expectativa da derrota dos seus inimigos.
Decisão arriscada e de pesadas consequências se a sorte das armas tivesse determinado outro
desfecho, como à partida era possível. E existem indícios suficientes para que se possa
considerar que no tocante à política castelhana seguida pelo Infante D. Pedro entre 1455 e 1457
são detectáveis precipitações e riscos desnecessários, fruto de uma deficiente avaliação da
conjuntura.
Mas uma vez que a batalha de Olmedo resultou num reforço da posição do privado D. Álvaro de
Luna as consequências imediatas desta tomada de posição vieram a revelar-se favoráveis ao
Infante D. Pedro, tanto no plano externo como na política interna. Em 1466 tiveram início as
negociações oficiais do casamento de D. João II de Castela com D. Isabel de Portugal, irmã de
D. Afonso V que se celebrou em 22 de Junho de 1447.
Coroando, aparentemente, uma série de manobras que visavam alcançar uma pacificação de
dissidências internas latentes o duque de Coimbra conseguira casar nesse mesmo ano a sua
própria filha com D. Afonso V.
No caso do Regente D. Pedro viria a confirmar-se que "o Capitólio ficava junto da rocha
Tarpeia".
Como sublinhou FONSECA "Constitui quasi um lugar comum dizer-se que o segundo
casamento de D. João II de Castela foi o principio da queda do privado D. Álvaro de Luna"
personagem na qual, um tanto inconsideradamente, o duque de Coimbra tinha apostado
demasiado, a ponto de ligar o seu percurso ao do Condestável de Castela. O que permitirá que,
em 1449, D. Afonso V – dando voz ao pensamento de muitos – venha a acusar o tio de ter
subordinado a política externa (e a interna) da regência aos seus interesses pessoais, e, "ao
tornar-se um inimigo político – ao nível da política interna castelhana – dos adversários de D.
Álvaro, vai fazer com que a ordenação das forças alie e aproxime novamente D. João de Navarra
e os seus partidários aos que em Portugal procuravam" apeá-lo da regência.
O percurso do Condestável D. Pedro fica obnubilado neste período em que se antevê já, e tudo se
conjuga para o ocaso da "carreira política" de seu pai. Mas ainda durante o ano de 1448 era
possível vaticinar-lhe um destino invejável no caso – improvável, dados os cargos que ocupava –
de não vir a ser demasiadamente atingido pelas ondas de choque provocadas pela queda do
Regente.
Fora provido como governador do Mestrado, pouco depois de haver completado 14 anos por
Bula de Eugénio IV, datada a 29 de Março de 1444, em simultâneo com uma outra Bula do
pontífice informado os freires de Avis do provimento. Não é seguro, contudo, que fosse ele, à
data, o condestável do reino. Como sublinhou OLIVEIRA, "ao contrário do que se tem dito, a
carta de 7 Janeiro de 1443 respeita, ainda, ao condestável anterior, o filho do infante João, o
qual está documentado, pelo menos, até Julho desse ano. Sem se conhecer a data da sua morte,
não é possível estimar quando o jovem Pedro foi designado condestável do reino, já que a
primeira notícia que se conserva é apenas de 16 de Fevereiro de 1445,quase um ano depois de
lhe ter sido entregue o mestrado de Avis"
Em Fevereiro de 1445, o Condestável deverá ter reunido um capítulogeral em Avis no qual
recebeu procuração dos freires para administrar os bens da Mesa Mestral e para representar a
ordem em preitos e demandas, Permaneceu algum tempo na Cabeça do Mestrado, sub-
estabelecendo a procuração recebida no comendador-mor, Garcia Rodrigues de Sequeira, a quem
confiou a administração dos bens da Mesa Mestral.Apenas no Verão do ano imediato se
comprova uma intervenção sua, dirimindo uma contenda entre o Chaveiro e o concelho de
Coruche, e o interesse manifestado na escolha dos raçoeiros de S. Maria de Beja.
Em contrapartida, não espantará que se deduza da documentação que chegou até nós que a sua
atenção se focou nas praças-fortes e castelos detidos pela ordem fronteira castelhana, tanto no
respeitante à sua conservação e apetrechamento, como no tocante às garantias que ofereceriam
(na perspectiva da política paterna) os respectivos alcaides. Esse especial cuidado deu
inclusivamente azo à compilação de um "Caderno das menagees dos castellos da ordem", no qual
se registaram as homenagens prestadas pelos respectivos alcaides. No antedito caderno e durante
o período entre Dezembro de 1445 e Fevereiro de 1449, conservam-se cinco cartas com as
homenagens prestada pelos alcaides de Mourão, da Guarda, de Serpa e de Elvas
A sua situação de jure coloca-o entre o número restrito dos mais poderosos senhores do reino.
Mas a concentração do poder militar que, teoricamente embora, detém entre as suas mãos
converte-o num alvo a abater pela coligação dos inimigos do pai.
Administrador da Ordem militar de Avis e Condestável do reino era também, desde 24 de
Fevereiro de 1446, alcaide do castelo da Guarda . Residiria junto à Corte, nas casas de Lisboa
que lhe tinham sido doadas por Leonor Rodrigues da Pedra- Alçada. Em 1448, ainda durante a
regência do pai, recebeu o reguengo de Carnaxide, no termo de Lisboa, bem como a adega
existente na judiaria grande, bens que haviam integrado o património da já referida Leonor da
Pedra-Alçada .Possuía ainda, entre outros, bens no termo de Salvaterra de Magos e uma herdade
de pão na Azambujeira.
A sua posição, reforçada com o casamento da irmã com o rei de Portugal, justificava
naturalmente que o monarca aragonês quando, em Abril de 1448, enviou a Portugal um seu
arauto de nome Catalunha para assistir aos festejos do casamento de D. Afonso V, o tivesse
incluído entre os destinatários das cartas de recomendação enviadas ás principais
individualidades portuguesas " Don Pedro commestabulo Portugallie" .
Durante os dez meses que decorreram entre o fim da regência de seu pai e a batalha de
Alfarrobeira, período correspondente a uma primeira parte do ciclo de Alfarrobeira (Julho de
1448- Fevereiro de 1450), tal como o entende FONSECA o Condestável e governador da Ordem
militar de Avis irá desempenhar o papel previsível de simples peça da acção política e militar do
duque de Coimbra.
O Infante D. Pedro encontrava-se em Évora quando começaram a observar-se acontecimentos
indicadores do termo da regência. Testemunha-o uma carta do próprio duque de Coimbra
dirigida ao Conde de Arraiolos em 1448.12.30., na qual se inventariam as razões que, na
perspectiva do seu redactor, teriam induzido os seus adversários a pedir a D. Afonso V que
pusesse fim ao governo de seu tio.
Mas Rui de Pina também analisa a situação, tal como se apresentaria em finais de 1448, começos
de 1449, chega à conclusão de que o duque de Bragança e o conde de Ourém (os membros com
maior acesso de entre a facção oposta ao duque de Coimbra) se haviam reunido secretamente
com o jovem rei , persuadindo-o de que o duque pretendia continuar a governar sozinho,
protelando o acesso de D. Afonso ao exercício do poder, e demonstrando-lhe a urgente
necessidade de lhe retirar a Regência. O duque de Coimbra teve noção do que se tramava e,
numa jogada de antecipação, reiterou a sua disponibilidade para abandonar a Regência,
sublinhando que, se a exercia ainda era porque tal lhe havia sido imposto, mas que era sua
opinião que o rei, estava em idade de casar e, simultaneamente, avocar a si o poder.
MORENO admite que D. Pedro se tenha conservado na posse do regimento do reino até 8 de
Junho de 1448, data em que assinou o último documento na qualidade de Regente.
Este período caracteriza-se por uma série de movimentações, avanços e recuos, condimentados
com as inevitáveis intrigas descritas por MORENO. Registe-se no entanto o relato feito pelo
duque de Coimbra ao conde de Arraiolos em 1448.12.30., cerca de meio ano após ter
abandonado a regência, e na qual afirma que quando entregou ao rei, definitivamente, o
regimento do reino, " elle me disse em Santarém que me queria dar outra tal carta doutorga e
aprouação a qual feita elle teue em seu poder bem dez dias " .
Ou seja, salvo melhor opinião, apesar do seu alegado contentamento em abandonar a regência do
reino o Infante D. Pedro mantinha alguma expectativa de que a sua destituição não fosse
inevitável. D. Afonso V, por seu turno, embora fortemente pressionado, hesitaria ainda entre uma
redução do âmbito dos poderes outorgados ao Regente e a sua destituição pura e simples.
A segunda hipótese prevaleceu mas o jovem monarca ainda reconheceu os serviços prestados
pelo tio e, de acordo com a rainha e o Infante D. Fernando – quiçá das últimas influências com
que o ex-Regente poderia contar - doou ao duque de Coimbra e seus herdeiros as vilas de Aveiro
e Mira, com as respectivas rendas e direitos, que lhe haviam sido outorgadas por D. João I e D.
Duarte. Já depois do Infante D. Pedro ter abandonado a corte e regressado aos seu ducado, em 16
de Agosto de 1448, o rei ainda lhe confirmou uma carta outorgada por D. João I, em 10 de
Fevereiro de 1421, na qual lhe era reconhecida a faculdade de se apropriar das herdades que não
fossem "abertas" e se encontrassem encravadas nos seus reguengos dos campos do Mondego e
em Vila Nova d’Anços.
De acordo com o temperamento e modo de agir que muitos autores julgam discernir em D.
Afonso V, e tendo presente o tipo de acusações formuladas contra a rainha sua irmã, não é de
afastar que razões de índole emocional – para mais contextualizadas na época em que este evento
decorreu – possam ter influído na decisão do monarca português. Aliás essa possibilidade pode
ter integrado o conjunto de razões que ditaram o comportamento subsequente do rei de Portugal
em relação à Beltraneja, acção que nem sempre é fácil de compreender à luz da simples e
ponderada lógica política. E também a (minoritária?) decisão unilateral de um monarca que se
aconselhava e pedia pareceres sobre outras questões cruciais da política externa do reino.
Fosse como fosse, o rei de Portugal, ao decidir-se por uma intervenção directa na política interna
castelhana, viu-se na contingência de abandonar D. Pedro à sua sorte, opção traduzida na
supracitada carta régia de Junho de 1465. Esta colocação do Condestável numa situação de
proscrito proclama a ruptura com os revoltosos da Catalunha. E afasta, uma vez mais, o rei de
Portugal da política mediterrânica (e dos seus defensores no conselho régio), reforçando, num
novo contexto, é certo, a componente estritamente peninsular da sua acção.
De qualquer modo a trajectória futura de D. Pedro (e com ele, o destino da revolta da Catalunha)
estaria traçada de antemão. O corte do sincopado e restrito apoio oficial português não teria sido
determinante na evolução posterior dos acontecimentos.
E, visto isoladamente, dentro de uma lógica maquiavélica, deixar cair em tempo oportuno um
candidato votado ao insucesso corresponderia a uma tentativa de evitar ser atingido e "arrastado"
na sua queda. E também desresponsabilizar-se em tempo oportuno por uma candidatura que o
monarca português não se limitara apenas a sancionar. Mas, como é de regra, não poderemos
considerar isoladamente os benefícios do abandono de D. Pedro.
E não é certamente este o momento adequado para ponderar as consequências deste novo rumo a
que, adiante, seremos obrigados a regressar.
1 – Não detectamos, até agora, ao longo deste trabalho nenhum indício de que a "razão de ser" da
milícia de Avis se tenha desviado de uma missão estratégica continental-peninsular objectivada
na defesa e estabilização de uma zona fronteiriça e de itinerários de invasão localizados no Alto
Alentejo. Muito embora os contextos político-militares nos quais se inscrevia essa missão
tenham evoluído de acordo com as conjunturas envolventes.
2 – Tivemos ocasião de ir constatando que uma das constantes do relacionamento entre a coroa
portuguesa e a milícia de Avis, pelo menos a partir do fim da chamada "Reconquista", é a
tentativa continuada por parte da monarquia de assumir um controlo crescente desta ordem
militar, com o objectivo de a reconverter num instrumento da sua política.
3 – Admitimos, aliás na esteira de uma já referida hipótese, oportunamente formulada por
PIMENTA, que o Mestrado de D. Frei Fernão Rodrigues configura uma espécie de período
vestibular, ou "ensaio geral", de um projecto joanino de subordinação mais estreita da milícia à
monarquia, através da mediação de Infantes-governadores que, em teoria, deveriam actuar como
alter egos dos monarcas. E admitimos que esse mesmo projecto joanino acabaria por ser
adulterado ab initio por esses mesmos Infantes-governadores.
4 –A utilização, por D. Afonso V, da Ordem de Avis como braço armado ao serviço de uma fruste
política peninsular da monarquia surge como um "pírrico regresso" à missão subjacente ao
projecto joanino: a Ordem ao serviço da coroa.
1 – Pelo menos desde Setembro de 1464, decorrido pouco mais de meio ano sobre a chegada de
D. Pedro a Barcelona, e provavelmente desde quase um ano antes da carta régia de 5 de Junho de
1465 pela qual D. Afonso V determinava que todos os castelos, vilas, lugares e coisas que o
Condestável tinha no reino fossem remetidos à posse do rei de Portugal , já se desenvolviam
esforços visando a sua neutralização. Designadamente através da tentativa de o substituir no
governo do Mestrado de Avis, fonte primacial – como o próprio D. Pedro reconhece – de "haver
portugueses e gentes de dalla". Este excerto fornecendo, desde logo, uma ideia do apoio militar e
financeiro alegadamente prestado por D. Afonso V à causa catalã, e da importância do contributo
da Ordem militar de Avis.
2 – Dificilmente se admite que essas, tão prematuras, diligências de substituição pudessem ser
desenvolvidas, a nível da corte pontifícia, sem o conhecimento e, pelo menos, acordo tácito –
senão mesmo iniciativa - do rei de Portugal.
Em 10 de Setembro de 1468 através da bula de Paulo II, Cessant Nuper, o príncipe herdeiro D.
João sucedia formalmente ao Condestável D. Pedro no governo do Mestrado de Avis. Desde o
primeiro quartel desse século XV que a chefia das ordens militares sistematicamente passava
pelas mãos de príncipes da família real, mas é esta a primeira vez que o governo será exercido
pelo herdeiro da coroa, o qual também virá a chefiar Santiago, pelo menos a partir de 1477.
No entanto, por ocasião da morte, em 1470, do Infante D. Fernando, irmão do rei D. Afonso V, o
monarca adoptaria, no tocante à sua sucessão nas ordens militares, um critério diferente dos
anteriormente seguidos pela coroa. Esta ruptura mereceu algumas reflexões que nos abstemos de
reproduzir, uma vez que a questão se encontra enquadrada.
Recordaremos apenas que existiu uma linha de continuidade iniciada entre 1418 e 1434 (em que
o governo dos Mestrados foi confiado a Infantes, filhos de D. João I) ao longo da qual as milícias
nunca mais saíram do âmbito da família real; mas à medida que os Mestrados vão vagando
começa a denotar-se a tendência de associar Santiago e Cristo. Primeiramente nas mãos do
Infante D. Fernando, depois nas de seus filhos D. João e D. Diogo.
Poderia deduzir-se desta prática que a monarquia portuguesa, em nosso entender contrariando o
programa joanino relativo ás ordens militares, encarava a hipótese de constituir um grande bloco
senhorial de que estas duas milícias seriam o núcleo. Mas em 1472 este "programa" foi
abandonado, Cristo permaneceu na descendência de D. Fernando, enquanto Avis e Santiago eram
transferidas para a tutela directa do herdeiro da coroa, que – repita-se – as transmitiu ao seu
primogénito.
FONSECA, que se apercebeu desta mudança de paradigma, procurou contextualizar a inflexão
de rumo. Considera este autor que desde meados de Quatrocentos, e até 1470 (inclusive), D.
Afonso V se empenhou a fundo numa política de aproximação castelhana que, em boa verdade,
embora em conjunturas diversas, tinha sido uma constante (imposta por razões evidentes) a
constranger (de princípio a fim) a política externa dos governantes da Casa de Avis
Ao mesmo tempo que prosseguia como objectivo prioritário a sua acção mediterrâneo-
marroquina, admitiria nesse período que, no respeitante à dimensão atlântica e ao
reconhecimento da costa africana, esta vertente poderia – dentro de uma óptica de continuidade –
ser conduzida pela Casa Ducal Beja-Viseu, herdeira do Infante D. Henrique. Mas, para garantir
que esse objectivo pudesse ser eficazmente assegurado e desenvolvido, parecia adequado que
essa grande casa senhorial se reforçasse, constituindo um poder capaz de reforçar a vocação e
capacidades da Ordem de Cristo associando-lhe o poder económico e a dimensão humana da
milícia de Santiago.
Sucede que, em Outubro de 1469, Isabel, a irmã de Henrique IV de Castela, casou com
Fernando, rei da Sicília e herdeiro do reino de Aragão. E este acontecimento viria a alterar
radicalmente a curto prazo todo o, já de si precário, equilíbrio peninsular e a obrigar a uma
inflexão que se pretende ajustada da tradicional diplomacia portuguesa.
D. Afonso V – e o seu conselho – estavam suficientemente informados para se darem conta dos
previsíveis efeitos que a monarquia dual dos futuros Reis Católicos iria produzir a nível dos
apoios portugueses em Castela. E da necessidade de reformular – intensificando-o – o
empenhamento político e militar no reino vizinho.
O, embora frágil e acidentado, equilíbrio peninsular tinha-se alterado de tal forma que a
monarquia portuguesa se via obrigada a concentrar recursos na previsão duma ameaça.
E neste novo quadro não existia espaço político nem económico que justificasse o alienar de
poder régio que implicaria a consolidação da casa ducal Beja-Viseu ou a manutenção da situação
de excepcional preponderância que tinha vindo a usufruir a casa de Bragança.
Acresce que estas duas, dificilmente controláveis, casas senhoriais se encontravam
incomodamente próximas em termos de parentesco entre si, e com os Reis Católicos, cercando a
família real com a sua rede de alianças, e mantendo os contactos "e cumplicidades" advenientes
dos laços que as uniam.
PIMENTA, ao analisar o comportamento da monarquia portuguesa em 1470 (manutenção de
Cristo, apesar de tudo, associada a Santiago) e em 1472 (ano em que as duas milícias são
separadas) adopta uma interpretação muito semelhante ao formular as seguintes questões:
A contenção a observar para com o pontífice tratando-se da concentração de dois mestrados num
só titular, levanta dúvidas a esta historiadora, que se interroga : "se esta contenção existiu em
1470, será um factor determinante em 1472 "
A necessidade de um contrabalanço em relação a Santiago (em 1470) numa altura em que o
príncipe-herdeiro D. João, era já governador do Mestrado de Avis, aquele que pelo seu carácter
marcadamente fronteiriço, valeria a pena chamar à órbita mais directa da casa real, não fosse a
conjuntura ibérica – nomeadamente após o reconhecimento de Isabel como herdeira de
Henrique IV – exigir ao Africano alguma intervenção em terras de além-fronteiras? ".
A possibilidade de uma tentativa de apaziguamento de D. Afonso V face à Infanta D. Beatriz,
nomeando seu filho para Santiago, dada a proximidade desta com Isabel, futura Rainha Católica?
De acordo com esta autora Trata-se de uma hipótese possível em 1470, mas, pessoalmente, não
me parece ter sido a mais provável; de qualquer modo em 1472 já não esteve presente e, em
1481, muito menos.
Parece-nos deduzir (ou coincide com o ângulo segundo o qual abordamos a questão) que, de
todas as hipóteses afloradas, Pimenta se acaba por render ao senso comum, numa asserção mais
simplista, a situação em termos de desgaste económico e humano (bem como as dissidências
internas também decorrentes da aventura catalã do Condestável D. Pedro) a exigir uma chefia
mais directamente relacionada com a casa real?".
Com efeito, esta última interrogação de PIMENTA não se nos afigura simplista, antes
concordante com uma situação real. No já referido Capítulo de 1469 a questão da reconstituição
da Mesa Mestral da Ordem de Avis foi suscitada por Diogo Soares de Albergaria, aio e
procurador do governador do Mestrado (que contava na ocasião 14 anos), e portanto em seu
nome, (embora, em tese, se pudesse colocar a questão de apurar se a iniciativa teria partido dele,
ou apenas sido aconselhada), mas já preanunciando uma linha de rumo futura, que se nos antolha
inevitável atento o desgaste humano e patrimonial da milícia. E também a necessidade de
pacificação interna e de reconstituição duma cadeia hierárquica dócil, objectivos apenas
alcançáveis através de uma chefia forte e dotada dos necessários poderes coercivos.
A interpretação que temos vindo a acompanhar ajusta-se aos critérios seguidos na conjuntura de
1470 mas justifica também a atitude que, em 1481, D. João II entenderá adoptar perante uma
iniciativa da viúva do Infante D. Fernando. Com efeito, de acordo com a narrativa do secretário
Álvaro Lopes de Chaves, D. Beatriz solicitou, logo após a morte de D. Afonso V, a entrega do
governo do Mestrado de Avis a seu filho D. Manuel (futuro D. Manuel I). Tratava-se de uma
diligência perfeitamente compreensível, se analisada à luz dos antecedentes próximos. Com a
subida ao trono de D. João II o governo da Ordem de Avis ficaria vacante, justificando-se que a
duquesa viúva se apressasse a solicitá-lo para o filho.
Não se referia ao Mestrado de Cristo uma vez que este se encontrava nas mãos de D. Diogo, seu
filho mais velho. Mas não é fácil entender porque razão pedia Avis, e não o Mestrado de
Santiago, como seria aparentemente mais lógico, uma vez que o marido tinha acumulado os
governos de Cristo e Santiago, e uma diligência nesse sentido corresponderia a reconstituir uma
situação já anteriormente verificada. A menos que se admita que a milícia de Avis, reorganizada
por D. João II, continuava, no entender da Infanta, demasiadamente "contaminada" por
fidelidades sólidas à pessoa do monarca, e que para um conveniente controlo das ordens
militares, na perspectiva da Casa de Viseu, conviria inflectir o mais cedo possível essa situação.
Parece oportuno recordar que a manutenção do governo da Ordem de Cristo constituía um
objectivo primacial para os duques de Viseu, uma vez que lhes assegurava, não apenas pingues
rendimentos, mas também uma acrescida influência político-militar. Isto porque, beneficiando da
vintena de todo o trato africano, incluindo o do ouro, esta milícia tinha garantidas receitas anuais
avultadas e que iam crescendo no mesmo ritmo e proporção com que prosperavam os negócios
conduzidos pela Coroa. E o seu governador " dispunha de um capital considerável (de renovação
anual garantida) com que podia agraciar os seus apaniguados. As tenças concedidas com base
nestes rendimentos poderiam assim multiplicar-se na proporção do acréscimo das receitas do
comércio ultramarino, aumentando o número dos beneficiados dependentes da Casa ducal, logo a
clientela da mesma.
COSTA sumariou o papel da Duquesa viúva D. Beatriz no governo da Casa de Viseu. Recordou
este autor que os quatro filhos menores que ficaram por morte do Duque D. Fernando
aguardavam que D. Afonso V os protegesse assegurando-lhos um estatuto adequado à sua
condição. Por morte do irmão o Africano transferiu para o sobrinho primogénito, D. João, o
título de Duque de Viseu e o governo da Ordem de Santiago. Dentro dos mecanismos
compensatórios que, na época, se praticavam com o intuito de manter um equilíbrio precário
entre a descendência do fundador da dinastia, entregou finalmente o, há tanto solicitado, cargo de
Condestável à Casa de Bragança, fazendo, no entanto, na pessoa de D. João, secundogénito do
Duque de Bragança. Embora o cargo fosse confiado a esta mesma linhagem, fraccionava a Casa,
engrandecendo a linha secundogénita e evitando a concentração de poder na linha principal. No
mesmo movimento estratégico retirou o novo Duque de Viseu o governo da Ordem de Cristo,
que, por carta de 1 de Fevereiro de 1471, foi confiada a D. Diogo, o filho mais novo da Casa de
Viseu. Tendo presente a menoridade de D. Diogo esta medida ganhava ainda outro alcance uma
vez que o exercício do respectivo governo ficava sob o controlo do monarca que, já em 1468,
tinha entregue o governo da Ordem de Avis ao Príncipe-herdeiro D. João.
Mas a morte prematura do há pouco nomeado governador de Cristo, minou a intenção desta
manobra e D. Afonso V viu-se na contingência de ter de movimentar o governo da ordem dentro
da Casa de Viseu, confiando-a a , por carta de 4 de Agosto de 1471 a seu irmão D. Diogo, que
veio a suceder no ducado de Viseu, acumulando assim o que se pretendera cindir. Ora, uma vez
que estes seus dois filhos eram menores, a tutela de ambos recaía na duquesa viúva, a Infanta D.
Beatriz, figura cimeira, enérgica e influente, tanto na Casa Real portuguesa, de quem era
cunhada, como na Castelhana, uma vez que era tia, escutada e apreciada, de Isabel de Castela.
Como se não bastasse, era sogra do herdeiro da Casa de Bragança, de quem era prima, bem como
de seus irmãos, entre os quais se incluía D. Álvaro, chanceler-mor de Portugal que, um dia, D.
Manuel I, converteria em sogro do senhor D. Jorge. Esta influente senhora, que desempenhou um
papel de relevo na reorganização e administração patrimonial da Casa de Viseu, viria a
encontrar-se no centro das negociações de Alcântara, em Maio de 1479, na sequência de
diligências sigilosas que, desde o começo desse ano, vinha mantendo com Isabel de Castela
sobre o alcançar da paz e concórdia entre o rei de Portugal e Fernando e Isabel. Mas, como
reconhece COSTA, "o protagonismo de D. Beatriz nas negociações de paz esbateu-se nos meses
seguintes, e foi o príncipe D. João que dirigiu a sua conclusão". Sem, todavia, conseguir evitar
que a Duquesa de Viseu, atenta a sua extensa rede de parentescos e influências, se convertesse,
após a assinatura do tratado, no principal garante da paz. O Príncipe Perfeito, conseguiria
neutralizar temporariamente a sua preponderância política, mas pagaria caro essa "obnubilação"
uma vez que a Duquesa de Viseu seria uma das peças determinantes do inviabilizar da
legitimação do senhor D. Jorge, como adiante veremos.
Regressamos, então, ao pedido formulado por D. Beatriz no sentido de que D. João II entregasse
o governo da Ordem de Cristo a seu filho D. Manuel.
O novo rei escreveu-lhe a justificar a sua (inesperada?) recusa de modo tão evasivo que nessa
missiva não é possível detectar as, todavia óbvias, razões subjacentes rei alegava que só não
acedia de imediato ao pedido da Infanta devido às grandes dificuldades financeiras que a Coroa
atravessava e que ainda decorriam das guerras com Castela. E mais tarde voltaria a manifestar
vontade de entregar o governo do mestrado de Avis a D. Manuel, e o de Santiago ao seu próprio
filho, o príncipe D. Afonso, logo que a situação do erário régio o permitisse. Estamos em crer
que esta manifestação da vontade real previa a hipótese de vir a ser obrigado a deferir de algum
modo a pretensão de D. Beatriz, uma vez que contemplava a entrega do governo da ordem mais
poderosa (Santiago) ao príncipe-herdeiro, contemplando D. Manuel com uma milícia menos
relevante, e na qual a sua governação tinha introduzido quadros da confiança pessoal do
monarca.
Deste modo, para tentar contextualizar a decisão de D. João II, torna-se necessário regressar ao
reinado de seu pai e à, já referida, interpretação do processo sucessório do marido e do filho,
respectivamente em 1470 e 1472.
O novo monarca português pretendia controlar directamente – para já – as duas milícias de Avis
e Santiago e, logo que o ensejo se proporcionasse, substituir o governador do Mestrado de Cristo.
Perante uma reviravolta da conjuntura peninsular, de que decorria uma nova situação interna, o
Príncipe Perfeito tentava corrigir os desvios do projecto joanino consubstanciado no tempo dos
Infantes, que se tinha justificado aceitando a premissa de que a delegação do governo das ordens
militares em príncipes da família real seria uma forma adequada de mediar a subordinação das
milícias aos interesses do Estado. Tinha começado o período vestibular de anexação à coroa.
Por essa mesma razão são bem conhecidas e têm sido minuciosamente estudadas as diferentes
fases do afrontamento entre D. João II e as casas ducais de Bragança e Beja-Viseu. No que se
reporta ao processo das ordens militares em geral, seria necessário esperar por 1484, ano da
execução de D. Diogo, filho de D. Beatriz, para se poderem considerar atingidos os primeiros
objectivos do Príncipe Perfeito.
Todavia, mesmo após a sua subida ao trono, ocorrida em finais de 1481, numa conjuntura
particularmente sensível da situação interna do reino, e confrontado com instantes prioridades
peninsulares, tanto políticas como diplomáticas, o monarca português não optou por devolver ao
Comendador-mor a iniciativa de convocar eleições que visassem sufragar um novo Mestre da
Ordem de Avis; nem por designar um sucessor no governo do Mestrado que viesse a ser
legitimado por bula papal.
Antes convocou o capítulo da ordem em 7 de Junho de 1482, cerca de 13 anos após a primeira
reunião capitular efectuada sob a sua égide. Não se conhece a acta desse capítulo e,
decorrentemente, permanecemos na ignorância sobre o teor das questões que aí terão sido
abordadas, lapso tanto mais lamentável quanto ocorre em seguida ás cortes de 1481 e antes de
1483, período nevrálgico para uma inteira compreensão de alguns dos eventos ocorridos no
reinado de D. João II, tanto no decurso desse lapso de tempo, como posteriormente.
É apenas mediatamente, através de um diploma de 29 de Agosto de 1482, que se toma
conhecimento, não somente da data de realização do supracitado capítulo, mas também de que,
nele, D. João II havia delegado o governo do Mestrado num triunvirato de personagens bem
posicionadas dentro da hierarquia da Ordem, e que, no entender do monarca, garantiriam a
prossecução do governo da milícia de acordo com as directrizes por ele mesmo definidas. As
razões dessa delegação pareciam resumir-se, de acordo com o invocado nesse mesmo diploma, "
…pellos ardos grandes continuados negócios e regimento dos (?) nossos regnos que sobre nos
carregam, nom podemos particularmente entender nas cousas do espirituall e temporall do dicto
mestrado e hordem…".
Integravam esse triunvirato o chaveiro da ordem, Lopo Vasques de Azevedo, D. Pedro da Silva,
comendador de Seda, e o comendador de Albufeira Lopo da Cunha.
O primeiro triúnviro, Lopo Vasques de Azevedo, que entendemos poder identificar-se com o
"Lopo Vaaz Monge", que é dado como filho de Gonçalo Gomes de Azevedo, o primeiro
almirante desta família, terá sido cavaleiro professo na Ordem de Avis e chaveiro da mesma. Em
1 de Agosto de 1483, recebeu a comenda de Juromenha com a respectiva alcaidaria ,embora de
acordo com o Livro de linhagens do século XVI, tenha sido comendador de várias comendas (não
especificadas) e, apesar de não poder casar, teve filhos naturais, pelo menos um dos quais morreu
na Índia sem geração, e uma das suas duas filhas casou com Luís Mendes de Vasconcelos, de
Elvas.
O segundo triúnviro, D. Pedro da Silva, referido por PIMENTA, irmão de D. Lopo de Almeida,
2.º conde de Abrantes, pertencia a uma conhecida família de servidores da monarquia, com
ligações à Ordem de Avis desde, pelo menos, 1384, ano em que seu avô Fernand’Àlvares fora,
como escreve SILVA "feito, (ou confirmado?) cavaleiro dessa Ordem (…) e comendador de Vila
Viçosa e Juromenha",e encontrava-se estreitamente ligada a D. João II, que, entre outras provas
de confiança, lhes confiou o Priorado do Crato, a "custódia" temporária de D. Ana de Mendonça
e a tutela provisória de D. Jorge, o filho bastardo que tivera desta última senhora. Esta
personagem encontra-se documentada em 28 de Março de 1478 como Frei Pedro da Silva,
fidalgo da casa do príncipe D. João e comendador de Seda. Em Janeiro de 1481 figura entre
aqueles que testemunharam, no âmbito das chamadas "terçarias de Moura" a troca da Infanta D.
Isabel por parte de Castela e do Infante D. Afonso por Portugal, que dava cumprimento ao
estipulado no Tratado das Alcáçovas. Em 1484 o seu nome encontra-se incluído (tal como os
seus dois irmãos mais velhos) numa relação dos cavaleiros do conselho de D. João II, referindo-
se que tinha 4.472 reis de moradia. Em 1486, quando recebeu da Ordem de Avis umas casas em
Estremoz ainda teria de esperar cerca de cinco anos para ascender à dignidade de Comendador-
mor daquela milícia. Por ocasião do acidente ocorrido com o príncipe herdeiro D. Afonso,
episódio a que regressaremos, foi um daqueles que fizeram voto de ir em peregrinação a
Jerusalém se o Infante não morresse. Em 1492, no mesmo biénio em que, como veremos
oportunamente, D. Ana de Mendonça foi recolhida no Mosteiro de Santos e o seu filho, D. Jorge,
apresentado na corte, onde passou a residir, foi enviado pelo monarca a Roma para, em nome do
rei, prestar obediência ao papa Alexandre VI, recentemente eleito. Nessa missão reuniu-se a seu
irmão D. Fernando, à data bispo de Ceuta, e ao bispo do Porto, que já se encontravam na cidade
eterna.
Ignoramos se lhe teriam sido confiadas quaisquer incumbências específicas no âmbito das
diligências que se desenvolveram nessa ocasião junto da corte romana para tentar legitimar D.
Jorge, mas não podemos deixar de referir que, depois do advento do reinado de D. Manuel I a
sua carreira poderia ter declinado, uma vez que, como refere SILVA, "Apenas temos notícia da
sua participação nos festejos do casamento deste monarca, em Março de 1498, figurando entre
os «senhores muy principais?»". Não obstante, o mesmo autor dá conta da sua participação nas
negociações realizadas em Sintra, a 18 de Setembro de 1509, nas quais Portugal e Castela
discutiram questões relacionadas com Africa.
E, complementarmente, parece oportuno recordar a opinião parcialmente discordante de COSTA
quando escreveu que "(…) à semelhança de seu pai foi um dos homens que beneficiou da
benevolência régia (de D. Manuel I), pois em 1495 recebeu um padrão de 100.000 reais e, em
1499, o castelo da vila de Torres Novas, embora estas doações só pudessem surtir efeito prático,
após a morte do pai. De qualquer modo, temos notícia de que, em meados desse mesmo ano, se
sentia agravado do rei, possivelmente por questões relacionadas com a sucessão do priorado do
Crato, a que talvez se julgasse com direito pelos serviços prestados, e pelo facto de ser uma
dignidade que pertencera a seu irmão D. Diogo Fernandes de Almeida, anos depois da frustrada
indigitação do antedito seu avô Fernand’Álvares para este priorado por parte de D. João I, a qual,
como narra Fernão Lopes, tinha acabado por esbarrar na intransigente oposição de D. Nuno
Álvares Pereira .A despeito desses atritos, e talvez a título de compensação, D. Manuel I viria a
nomeá-lo, em 3 de Março de 1510, a escassos dois anos da sua morte, guarda-mor do Infante D.
Fernando. Conjugando todos estes factos talvez seja admissível mitigar o declínio de carreira que
lhe atribuiu SILVA.
Finalmente Lopo da Cunha, que já era comendador de Albufeira quando, em 4 de Junho de
1483, recebeu a respectiva alcaidaria, e depois do Seixo, Casal, Moura e Serpa na Ordem de Avis
era filho natural de Gil Vaz da Cunha , Comendador do Pinheiro na Ordem de Cristo, e foi
Trinchante do rei D. João II.
Constata-se que este triunvirato de governadores era compreensivelmente constituído por
personagens próximas do monarca, possíveis colaboradores seus ao longo dos 13 anos que
governou o Mestrado, e por ele estrategicamente colocados na hierarquia da ordem.
Compreende-se que, ao invés do sucedido nas Ordens de Santiago e de Cristo,não se registem
entre os membros da milícia de Avis defecções em relação à causa do rei.
Aliás, passados os tempos de maior tensão do seu reinado, a despeito da delegação de poderes,
os diplomas da milícia (embora maioritariamente constituídos por cartas de emprazamento feitas
por diversos comendadores) registam mercês que tanto podem representar recompensas, como
serem
Destinadas a "repovoar"a ordem, mesmo ao nível dos cargos administrativos, com fiéis ao
monarca . E também a utilização da capacidade e experiência comprovadas de alguns membros
salientes da milícia em missões de grande responsabilidade, mesmo em áreas estranhas à habitual
actuação dos cavaleiros de Avis, como sucedeu com a nomeação, logo em 1482, do
experimentado Comendador Diogo de Azambuja, para coordenar a edificação do castelo de S.
Jorge da Mina.
Mas o acompanhamento do governo da milícia de Avis por parte de D. João II não parece ter-se
limitado apenas a mercês. Incidia também – caracteristicamente – sobre diligências que visavam
recuperar, ou assegurar, direitos e jurisdições da ordem, em acções que recomendavam o peso da
intervenção directa do rei. Estava neste caso a nomeação feita pelo monarca, em 13 de Maio de
1484, de D. Diogo, Prior mor desta milícia, para se deslocar a Placência com o objectivo de, em
nome do soberano, solicitar ao Mestre de Alcântara os documentos que este possuísse
reportando-se a quaisquer negociações anteriormente desenvolvidas entre as duas instituições,
designadamente sobre a jurisdição de Valhelhas.
Valha a verdade que esta diligência seria seguida, no atinente a Santiago, pelo envio, em 1488, de
Luís Pires, Prior de Santiago do Cacém, a Castela com a missão de se informar sobre os
procedimentos que a normativa aconselhava a seguir.
Refere a este propósito PIMENTA: "Se já não é fácil perceber o que leva D. João II a enviar
emissários a Uclés para se informarem sobre os procedimentos normativos aí em vigor, esta
decisão para com a Ordem de Alcântara enquadra-se perfeitamente numa liderança forte e
atenta que não se inibe em reafirmar os direitos de que a Ordem poderia usufruir".
A preocupação com a normativa das milícias (e escrevemos no plural porque, de facto, nesse
momento Avis e Santiago funcionam já como vasos comunicantes) foi estudada por Isabel do
Lago Barbosa que se debruçou sobre o direito particular da Ordem de Santiago durante a
transição do século XV para o século XVI, chamando a atenção para o facto de que o respectivo
processo de secularização das ordens militares (indispensável para a sua reconversão em
instituições autónomas ao serviço da monarquia) foi acelerado pela bula Romani Pontifici, de
Inocêncio III (16 de Agosto de 1486). Este diploma pontifício, que originariamente se destinava
apenas à Ordem castelhana de Santiago, o que justificaria a diligência do Prior de Santiago do
Cacém, absolvia infracções à regra e aos votos em que teriam incorrido os respectivos cavaleiros,
legislando também sobre o regime testamentário. Um segundo diploma, de 14 de Outubro,
renovando a absolvição incidente sobre as faltas à regra, e "liberalizando" usos e costumes,
autorizava o Mestre a corrigir a regra, juntamente com os Treze, em reunião de capítulo.
Sintomaticamente, pouco mais de um ano volvido, em Março de 1488, reunir-se-á um novo
capítulo geral da ordem de Avis. Iniciado no convento de Avis só viria a terminar em Almada,
onde foram redigidas as deliberações, provavelmente durante o Verão desse mesmo ano, altura
em que o monarca se encontrava na localidade. Não nos inclinando para que pudesse ter-se
tratado para uma simples coincidência, torna-se forçoso admitir que D. João II pretendeu
acompanhar os trabalhos e, talvez mesmo, participar, ou "corrigir" a redacção das actas finais,
uma vez que apenas conhecemos as questões debatidas através de um diploma meio ano
posterior que, para todos os efeitos, funciona como a acta – postergada – do capítulo.
Com efeito, pouco mais de um ano depois da redacção do texto supra, D. João II viria a ordenar
(em Março de 1490) ao Prior Mor da Ordem de Santiago que se deslocasse ao Convento de Avis
a fim de pedir uma cópia das referidas deliberações que passariam a aplicar-se – também – a
Santiago, como efectivamente veio a suceder.
Ponderando embora o risco do encómio sistemático que habitualmente precede, ou subjaz, ás
apreciações expendidas sobre a acção do Príncipe Perfeito, quer-nos parecer que, no caso da
Ordem de Avis, nos encontramos perante uma administração bem sucedida. E, correndo o risco
de nos aproximarmos neste ponto da visão romântica e nacionalista que erigia a Ordem de Avis
em paradigma de fidelidade à dinastia – o que já constatamos não corresponder integralmente à
materialidade dos factos – somos levados a admitir que, embora desde finais de setenta o
governo das duas milícias tenda para uma unificação administrativa, a realização do capítulo
geral de 1488 (cujas determinações serão extrapoladas para ambas as ordens) no convento de
Avis poderá ter sido intencional.
Com efeito tratava-se de uma milícia menos numerosa, mais concentrada e controlada, desde há
muito sob tutela atenta do monarca e que dera as suas provas de fidelidade. Não será de afastar
que o rei a considerasse terreno pacífico e propício a um debate mais consensual, bem como um
campo de ensaio mais fiável para futuras alterações.
Quer-nos parecer que FONSECA sublinha uma faceta importante da personalidade deste
monarca que, aos olhos da historiografia moderna, continua a ser retratado como um paradigma
de modernidade. Admite-se que a sua actuação tenha estado na génese de muito do viria a
caracterizar os reinados posteriores, e a marcar o "destino manifesto" do reino, o que lhe confere
características de percursor. Mas não se pode esquecer que se tratou de um homem que viveu
tempos novos num "mundo materialmente circunscrito,"como o atestam os seus já referidos
itinerários, e circundado por um punhado de fiéis testados e comprovados.
Esse mundo circunscrito tinha o seu epicentro naquele mesmo Alentejo onde a Ordem militar de
Avis permanecia um bastião que o monarca governou desde os 14 anos, recuperando-o de uma
situação de enfraquecimento institucional, e no seio da qual recrutou alguns dos seus mais
confiáveis colaboradores.
Ora, como refere o supracitado historiador: "No trabalho historiográfico, os conceitos só têm
valor compreensivo se também forem vivenciados pelos homens sobre os quais nos debruçamos.
Se assim não for, podem ser utilizados, mas com uma finalidade pedagógica. Servem para
melhor comunicar com quem nos lê ou nos ouve. Neste caso, D. João II, rei moderno? Para o
homem de hoje talvez seja. Para D. João II e a sua geração, certamente que não… na sua acção
política, ele é, antes de tudo, o soberano que quer garantir a segurança do reino. E fá-lo a partir
dos instrumentos e dos quadros sociais que herdou. O seu mundo não é só, mas é em grande
parte, também o universo das ordens militares".
Com efeito, nos momentos de exacerbada tensão que se verificam no seu reinado – e são vários –
encontram-se sempre, alinhados num segundo plano silencioso, as testemunhas presenciais dos
homens das milícias. Assim sucede em Setúbal, nesse dia de viragem de Agosto de 1484 em que
o duque D. Diogo, governador da Ordem de Cristo, primo e cunhado do rei, foi convocado às
casas que foram de Nuno da Cunha, onde seria executado pelo rei perante uma assistência muda.
São apenas cinco as testemunhas desse acto, entre todos terrível. Um deles é Pedro d’Eça,
alcaide de Moura e homem da Ordem de Avis. Outro é o nosso conhecido Diogo de Azambuja,
um dos mais notáveis cavaleiros dessa milícia que acabara de renunciar à comenda de Moura,
mantendo-se em Cabeço de Vide e Alter Pedroso. Um terceiro, o escrivão do auto que, sobre o
ocorrido, será formalmente lavrado, dá pelo nome de Gil Fernandes e bem poderia tratar-se do
cavaleiro de Avis, mais tarde referido como escrivão da chancelaria da ordem.
Com efeito, o então príncipe herdeiro, recebera, contando apenas 14 anos, o governo duma
ordem militar que, saída da orientação nepotista do Mestre D. Fernão Rodrigues – e do
decorrente "enquistamento" dos Sequeira em pontos-chave do património e orgânica interna
milícia - tinha atravessado sucessivos períodos de vacatura (Infante D. Fernando e Condestável
D. Pedro) favorecedoras de abusos relaxamentos e indisciplinas. Ordem que, como se o que fica
aflorado não bastasse, sofrera uma considerável sangria em homens e recursos durante a aventura
catalã, alienara bens alocados à Mesa Mestral e se cindira em facções que se digladiavam, não
apenas nas terras sob sua jurisdição mas também nas antecâmaras de Roma.
Duas décadas volvidas sobre esta situação e, os indícios existentes parecem confirmá-lo, existiu
uma primeira fase de intervenção directa disciplinadora, e um segundo período no qual, a
despeito de uma delegação de poderes num triunvirato de cavaleiros da sua confiança, o rei
continuou a acompanhar e a intervir o governo da milícia.
Se recordarmos que o rei de Portugal esteve presente em Avis, uma boa parte desse mês de
Março de 1488, em que decorria nessa vila alentejana a primeira parte do capítulo geral da
ordem, tudo se pode tornar, ainda mais claro, como aliás já tinha focado PIMENTA.
Completa este raciocínio o facto que a segunda parte dessa reunião capitular decorreu em
Almada, sem outra justificação conhecida que não fosse a vontade do monarca – que nessa
ocasião se encontrava nesta segunda vila – de acompanhar de perto os respectivos trabalhos.
Não esquecendo que a redacção da acta final do conclave foi postergada, admissivelmente para
dar azo a ser revista pelo monarca, parece admissível que se conclua:
- As determinações saídas do capítulo geral iniciado no convento de Avis, em 1488,
correspondiam e ajustavam-se de tal modo ás preocupações de D. João II em relação ás ordens
militares, que o rei determinou que elas fossem utilizadas também pela milícia de Santiago. Esta
visão conjunta não emergira somente nesta ocasião, como o parece demonstrar o facto de que,
desde à quase duas décadas, os Códices de Santiago incluíam indistintamente diplomas
respeitantes às duas milícias, prática que prosseguiria sob o Mestre D. Jorge, como veremos nas
partes V e VI deste trabalho.
Das matérias debatidas no supracitado capítulo geral, e que julgamos corresponderem a
problemas estruturais/administrativos e conjunturais detectados pelo soberano e seus
coadjuvantes, e que não correspodem áqueles que foram apresentados a D. Afonso V por ocasião
do capítulo anterior, relembramos, na esteira de PIMENTA:
- A definição de uma posição de intolerância em relação ás intromissões dos vigários dos
Bispos nas Igrejas da Ordem.
- Definição da obrigatoriedade da existência de Priores em todas as Igrejas da Mesa Mestral,
nas Comendas e outros lugares da ordem, estipulando-se o respectivo mantimento.
- Definição do número de freires que o convento deverá albergar, bem como os mantimentos e
vestuário correspondentes a cada dignidade.
- Definição do processo da entrega dos dízimos ao celeireiro do convento.
- Define-se a obrigação do celeireiro e o escrivão registarem as receitas e despesas do convento
em " livros encadernados limpos e sem vícios", de cuja escrituração será dada conta semestral
ao contador do mestrado.
- Define-se a dotação da cozinha conventual, bem como conjunto de "servidores" considerados
adequados ao bom funcionamento do convento.
- Define-se a quantidade de cera considerada necessária para a celebração dos ofícios divinos.
O final da década de Oitenta, começo da década de Noventa, constituiu talvez a última
oportunidade encontrada pelo Príncipe Perfeito para se debruçar sobre a regulamentação de
aspectos considerados oportunos e urgentes da administração das duas milícias.
Outras preocupações absorventes perfilavam-se no horizonte, com destaque para o início das
delicadas negociações do casamento do príncipe herdeiro D. Afonso com D. Isabel, filha dos
Reis Católicos. Este processo, coincidente com o reconhecimento da maioridade de D. Afonso,
determinaria que, na sequência da prática iniciada pelo Africano, o monarca procedesse à entrega
do governo destes dois mestrados ao seu primogénito.
A documentação não permite no entanto determinar com precisão a data desta passagem de
poderes, tanto mais que não é conhecida a bula de nomeação. É mesmo admissível que este
diploma pontifício não tenha chegado a ser expedido se tivermos presente, como faz Agostinho
Manuel de Vasconcelos, que isso terá ficado a dever-se a que "…la brevedad de su muerte no se
expedieron Bulas desta gracia….
Parece, portanto, de aceitar o que, sobre este assunto, escreveu PIMENTA:
"Por isso cremos que o mais lógico será acreditar que D. João II fez menção de entregar estes
mestrados a D. Afonso por ocasião do casamento deste".
Seria efectivamente uma ocasião simbólica, adequada a realçar o estatuto do príncipe e a vincar
os laços que, na pessoa do herdeiro, uniam estas ordens militares à monarquia. Ignoramos
todavia se assim terá sucedido, mas, como referimos, existem provas documentais de que D.
Afonso exerceu actos de administração nas ordens militares em apreço.
A morte inesperada do primogénito D. Afonso, em 1491, viria a representar – a prazo – uma
profunda inflexão em boa parte das políticas prosseguidas pelo Príncipe Perfeito, entre elas o
regresso ao valimento dos Bragança e a subida ao trono de um mais que improvável sucessor: o
último representante dos Beja-Viseu.
Respondendo a membros do conselho régio que, por ocasião da morte de D. Afonso, o tentavam
confortar, D. João II teria respondido, de acordo com o relato de Garcia de Resende a que
regressaremos neste particular:
"Eu vos certifico que de uma só coisa estou de alguma maneira confortado. Que é parecer-me
que Nosso Senhor Jesus Cristo se lembra da gente destes reinos, porque o meu filho não era para
ser rei deles".
Nunca saberemos se o outro filho do Príncipe Perfeito, o bastardo D. Jorge, reuniria em si as
características e qualidades que o monarca entendia necessárias para ser rei dos portugueses.Com
efeito, a componente mais relevante da sua acção viria a restringir-se a uma parcela da herança
possível: – precisamente o governo das ordens militares de Avis e Santiago.
4.1 A morte dum príncipe-herdeiro que "não era para ser rei"
É por demais evidente a minúcia com que RESENDE descreve a tarde de terça-feira, dia 12 de
Julho de 1491, relatando os mínimos passos e gestos de D. João II e do príncipe-herdeiro D.
Afonso até ao cair da noite, momento em que se verificou um incidente na aparência trivial. O
rei escusou-se a cavalgar com o filho invocando o adiantado da hora, D. Afonso, tendo-se
quebrado o loro do estribo da mula em que estava montado, subiu para um cavalo e insistiu com
D. João de Meneses para fazerem uma carreira. D. João, ciente da vontade do príncipe acedeu, e
partiram.
O desenlace desta tarde, aparentemente rotineira, verificou-se instantes depois. Com a súbita
queda da montada o príncipe ficou por debaixo do cavalo, imóvel e sem fala. No atordoamento
do desastre fugiu D. João de Meneses, e o príncipe D. Afonso foi levado em braços para um
casebre de pescadores que ficava próximo do local do acidente, onde se foram reunindo
cortesãos e membros da família real.
O mesmo cronista, homem muito próximo do rei, passa a relatar o estado de espírito de D. João
II, entretanto chegado ao sítio onde o filho jazia "E quãdo achou hum soo filho que tinha, que
criara com tãto amor tanto receo tanto contentamento por ser o mais singular Príncipe que no
mundo se sabia, em que se el rei revia & queria tão grande bem que hum so dia nam podia estar
sem o ver, nem tinha outro descanso, se nam sua muyto estima da vista, & conuersaçam ficou em
tam grande estremo triste & desconsolado, que senam pode dizer nem cuydar, dizendo sobre o
filho tantas lastimas & palauras de tanta dor & tristeza que, que o nam podia ouuir ninguém sem
muytas & tristes lágrimas".
Não terá demorado muito a chegar notícia do ocorrido à rainha-mãe, à princesa mulher do
moribundo que, recebendo-a, "sahiram como desatinadas a pe & em mulas alheas que acharão
& o senhor dom Iorge, filho del Rey com ellas". Registe-se que, num momento de desorientação
geral, durante o qual os cortesãos presentes faziam rezas e organizavam procissões, chegando
Pedro da Silva, Comendador-mor de Avis, a fazer voto de uma peregrinação a Jerusalém pelo
restablecimento de D. Afonso, o cronista anotava que "El Rey per cima de tanta tristeza fez logo
ajuntar os físicos todos, & com muyta segurança esteve com elles ordenando-lhe quantos
remédios sabiam".
Na madrugada da quarta-feira seguinte, quando tinha acabado de recolher-se nas casas de Vasco
Palha, próximas do local onde ficara D. Afonso, o monarca foi recebeu recado de que o príncipe-
herdeiro tinha morrido. RESENDE, sempre meticuloso, aponta em seguida que o finado vivera
16 anos e 20 dias, mas parecendo no corpo, na barba, no saber, siso & sossego um homem mais
velho.
Acompanhando a minuciosa narração dos eventos traçada pela pena do "fiel" cronista áulico
Resende, tivemos ensejo de verificar que o herdeiro D. Afonso, embora contando apenas 16 anos
quando morreu, aparentava 25 no saber, siso e compostura, e também que era o mais singular
príncipe de que havia conhecimento, no qual se revia o rei seu pai.
Esse mesmo pai que "Estando (…) asi anojado depois de passarem algus dias (o funeral tinha
tido lugar em 25 de Agosto) em que já entrauam com elle certos senhores, & pessoas principaes
do conselho (…) respondeo. Eu verdadeiramente per cima de tãta tristeza, tanto nojo &
desconsolação dou muitas graças a Deos, pois elle foy seruido de me assi leuar meu filho, que
elle so sabe o que faz, e nos não podemos saber, nem alcançar seus secretos & escondidos
juyzos: & vos certefico que de hua cousa soo estou em alguma maneira confortado, que he
parecerme que nosso Senhor IESU Christo se lembra da gente destes Reynos, por que meu filho
não era para ser Rey delles".
RESENDE, tinha consciência da, pelo menos aparente, incongruência deste comentário do
Príncipe Perfeito, registado na sequência dos encómios (do estilo?) escritos sobre a pessoa do
falecido herdeiro D. Afonso, e do ênfase posto no registo de que o rei lhe queria tão grande bem
que hum so dia nam podia estar sem o ver, nem tinha outro descanso, se nam sua muyto estima
da vista, & conuersaçam, pelo que se sentiu obrigado a acrescentar uma "explicação":
"(…) dizia el Rey isto, por que o Princípe era muito cheio de branduras, & prezauase muyto de
sua gentileza,& vistiase sempre de tabardos, & com martas ao pescocço forradas de cetim, &
goarnecidas douro, cousa mais de molheres que de homens, & não queria trazer capas abertas,
nem espada, de que el Rey recebia muyta payxam, & também de ver as pessoas com que folgaua,
que nam eram as que el Rey desejaua, & queria, senão homens delicados & brandos, & com
quanto o reprendia & amoestava, & com muito amor ensinaua, nam lhe podia tirar seu natural,
que el rey auia que nam era pera a cõdiçam destes reinos".
Constatado um possível conflito de gerações, cuja profundidade e extensão não estamos em
condições de avaliar, à primeira vista nada, nas preferências vestimentárias de D. Afonso,
extravasa as modas que nos são restituídas pela iconografia da época. E parece poder depreender-
se apesar do formalismo das fontes, que existia um genuíno afecto da jovem Isabel de Castela
pelo príncipe-herdeiro de Portugal, sentimento que talvez datasse das "terçarias", mas certamente
desenvolvido ao longo dos escassos e incompletos 8 meses que durou esse casamento. Pelo
menos admitindo que os cronistas que relatam as manifestações de dor da princesa, evidenciadas
por ocasião da morte do marido, não tivessem feito relatos convencionais, ou propositadamente
exagerados.
Embora redigida em termos especiosamente dúbios esta parte da "explicação" fornecida pelo
cronista RESENDE, em jeito de justificação do "inesperado" (ao menos no contexto) comentário
de D. João II sobre as eventuais capacidades governativas dum príncipe-herdeiro quase
adolescente, se considerada de modo isolado, não se nos afigura susceptível de justificar o severo
juízo régio.
Mas existem argumentos de outra índole que foram igualmente adiantados por RESENDE e que
talvez possam estar ligadas ao contexto das "pessoas com as quais D. Afonso folgava e que não
eram aquelas que o rei desejava". E continua: " …claramente o Príncipe era mais inclinado as
cousas del rey dom Afonso seu auo que as del rey seu pay, e era mais brando, & mascio do que
compria, que se isto nam fora, segundo o grande amor que lhe tinha el rey morrera de nojo, &
paixam de sua morte" .
São sobejamente conhecidas, e têm vindo a ser reiteradamente analisadas, as diferenças de
carácter pessoal, e da visão e condução da política que separaram os reinados de D. Afonso V e
de seu filho D. João II, bem como as circunstâncias nas quais este último monarca consegui
inflectir um período de debilidade da autoridade monárquica consolidando o centralismo régio,
construindo com os Reis Católicos, após o fracasso de Toro e a inútil viagem a França do
"Africano", um laborioso entendimento diplomático-matrimonial que lhe permitiu recuperar uma
posição no reino vizinho há muito perdida.
Tendo presente a conjuntura que se vivia não surpreende que o Príncipe Perfeito encarasse com
apreensão um herdeiro do trono, ademais peça fulcral do entendimento castelhano, "mais
inclinado ás coisas do avô do que ás do rei seu pai". No que se refere ás "pessoas com as quais
D. Afonso folgava e que não eram aquelas que o rei desejava", talvez não fosse de todo casual a
referência expressa feita por RESENDE de que "A este tempo chegou o Duque seu tio, que de
Tomar acudiu a triste noua, o qual em extremo ao Príncipe amaua, porque sempre se criaram
ambos em hua mesa, & e hua cama, & fazia tamanho pranto com tam grande sentimento &
tristeza, que com quanto elle ficaua entam por herdeiro destes Reynos, deixara naquella hora
outra mayor socessam pella vida & saúde do Príncipe. E logo el Rey se foy dalli a pé (…)" .
O cronista, escrevendo antes de 1533, não hesitou em considerar que, nesse preciso momento em
que D. Afonso agonizava, o Duque de Beja ficava por herdeiro do reino. Não restam dúvidas de
que era uma hipótese, certamente a única no espírito da rainha D. Leonor e da restante parentela
das casas Beja-Viseu e de Bragança respectivos apaniguados. Mas seria essa a sucessão
intimamente desejada por D. João? A pergunta é apenas retórica, como o demonstrou o evoluir
da situação.
Em Agosto de 1481, nascera em Abrantes um filho do príncipe D. João e de D. Ana de
Mendonça, "donzella da casa de D. Joana, a Excelente Senhora". Como o Príncipe Perfeito tinha
casado em 1473 – contando apenas 15 anos de idade - com sua prima D. Leonor, filha de seu tio
paterno, o Infante D. Fernando, (matrimónio de que tinha nascido, logo em 1475 um filho varão,
e de que seria lícito esperar mais dilatada descendência), o recém-nascido, que baptizaram como
D. Jorge, era um bastardo ao qual, em teoria e por ocasião do seu nascimento, não se
vislumbravam quaisquer hipóteses de entrar na linha sucessória da Casa Real portuguesa.
Considera PIMENTA, historiadora que aprofundou a biografia de D. Jorge, que o casamento do
príncipe seu pai com a prima D. Leonor "tinha tudo para dar certo, ao mesmo tempo que também
fazia prever alguns, senão muitos, dissabores". RESENDE resume com linear cortesania aquilo
que foi, de facto, uma complexa e ponderada aliança matrimonial quando escreve que "Polla
muito grande fama que por muitas partes corria das virtudes, saber, manhas & perfeições do
Príncipe El Rey dõ Anrique de Castella mandou muytas vezes cometer a el Rey dom Affonso, que
casasse o Príncipe com a Princesa dona Iona, sua filha. El Rey dom Afonso por querer muyto
grande bem a ho Infante dom Fernando seu irmão, & por lhe fazer mercê por auer muyto, que
lhe pedia nam quis concertar, nem fazer o casamento com a Princesa herdeira de Castela".
Juntamente com o trono D. João II herdara todos os problemas e todos os conflitos gerados na
sociedade portuguesa que, por não terem sido satisfatoriamente solucionados, se tinham vindo a
acumular ao longo dos três primeiros quartéis desse século XV. Designadamente o
posicionamento de primazia da Casa de Viseu, já solidamente resguardado no campo
patrimonial, senhorial, jurisdicional e militar tinha sido expressamente reconhecido por D.
Afonso V que, numa reunião do conselho régio tinha estabelecido a hierarquia dos
assentamentos e precedências entre os "grandes", a coberto de uma evidência que talvez fosse
"desnecessário" ser tão claramente vincada pelo próprio Africano "por ser tão chegada à herança
e sucessão destes reinos".
Dentro dessas fontes de conflito latente avolumavam-se duas problemáticas subjacentes à
escolha da noiva que lhe tinha sido destinada. No plano interno salientaremos a formação de
"poderes paralelos" que, embora gerados no seio da família real, no decurso do seu processo de
crescimento, tinham assumido uma lógica própria que, em última análise, condicionava os
monarcas e comprimia o espaço de manobra da monarquia. Referimo-nos ás grandes casas
ducais criadas a partir de 1401 que, na sequência dum processo que já afloramos, tinham
anexado à sua órbita algumas das ordens militares instaladas em Portugal. E, no plano externo, a
"constante castelhana" desenvolvera novas, e preocupantes, facetas nos anos imediatamente
precedentes ao noivado português do príncipe-herdeiro D. João que coincidiram com a
conjuntura ocasionada pelo nascimento da única filha alegadamente gerada no 2.º casamento de
Henrique IV de Castela com D. Joana, irmã de D. Afonso V.
Uma princesa (exactamente a mesma D. Joana acima referida no excerto de RESENDE) que, de
acordo com a perspectiva das facções, ora era considerada a legítima "Excelente Senhora", ora a
"Beltraneja", filha espúria de D. Joana de Portugal, esteve na origem, ou foi pretexto, da
guerra civil que assolou Castela até meados da década de Setenta, envolvendo
duradouramente, não tanto apenas no conflito como, sobretudo, nas respectivas
consequências, D. Afonso V, o príncipe (e depois rei) D. João II e as monarquias de Castela e
Aragão.
Esta brevíssima incursão em duas problemáticas sobejamente conhecidas e estudadas visou
apenas lembrar antes do mais que, vedada que se encontrava, na conjuntura em que poderia
ocorrer, a hipótese recorrente dum casamento castelhano, a escolha – política, como todos os
noivados régios – da mulher do Príncipe Perfeito deverá ter obedecido a uma lógica interna.
Embora a cronística assim a descreva, a escolha feita, não se terá ficado a dever tanto à amorável
benevolência manifestada por D. Afonso V para com os desejos de uma aliança vantajosa (na
perspectiva da casa de Viseu, que repetia assim a "manobra" concebida pelo seu odiado tio, o
Regente D. Pedro para tentar controlar, tanto quanto possível a Coroa, casando uma filha com o
príncipe-herdeiro)
Muito embora essa hipótese possa ter sido insistentemente proposta por D. Fernando, duque de
Viseu, terá constituído uma escolha do soberano, sopesadas as vantagens e desvantagens que
poderiam acarretar para a monarquia eventuais alternativas similares, protagonizadas por outros
ramos de descendentes do fundador da II dinastia.
Nenhum cálculo de probabilidades verosímeis anteciparia, à data da tomada dessa decisão
matrimonial, os caminhos sinuosos através dos quais passariam as sucessivas "vitórias" do
Príncipe Perfeito, e muito menos prever a "derrota" final daquelas que seriam as suas
expectativas pessoais. Mas ficaram registos que atestam que essa aliança matrimonial,
possivelmente "morna" desde o seu começo, teria esfriado com o passar do tempo, sobretudo, e
de uma maneira evidente, após a morte do príncipe-herdeiro D. Afonso, precisamente na
conjuntura em que D. João II terá começado a avaliar a estratégia mais adequada para a sucessão
do trono português.
Regressando ás "terçarias de Moura", que constituem, em simultâneo, espelho e nó das tensões
deste período, em 18 de Agosto de 1482 o bispo de Calahorra recebeu de Isabel a Católica
poderes para receber D. Manuel por troca do primogénito, o Duque D. Diogo que, aliás, tinha
entretanto regressado a Portugal de motu próprio, interrompendo abruptamente o seu acidentado
e controverso percurso castelhano (durante o qual, como vimos, seduzira uma cunhada de
Fernando de Aragão) cujos sucessivos incidentes o tinha tornado "incómodo". E, em 5 de
Setembro de 1483, D. João II concedia a Duarte Furtado de Mendonça(tio da mãe de D. Jorge e
comendador do Torrão na Ordem de Santiago) poderes para entregar D. Manuel aos enviados da
rainha de Castela, o que se concretizou em Moura, a 8 do mesmo mês. O filho mais novo da
Casa de Viseu, que contava então 13 anos, acabou por permanecer naquela vila até 15 de Maio
de 1483 e, durante esses quase nove meses residiria com o príncipe-herdeiro D. Afonso de
Portugal e com a Infanta D. Isabel de Castela. Não parece temerário admitir-se que datasse dessa
estadia a sua futura intimidade (que, segundo os cronistas, D. João II poderia ter achado
"excessiva") com D. Afonso e, também, com a Infanta D. Isabel, sucessivamente mulher de um e
de outro, que, no entanto, o futuro Duque de Beja só voltaria a encontrar 7 anos depois, por
ocasião do matrimónio dela com o príncipe-herdeiro português. Por seu turno o Príncipe Perfeito
só recuperaria a tutela de D. Afonso após 2 anos de separação. A morte prematura do príncipe-
herdeiro, ocorrida num período culminante do reinado de seu pai teve, é certo, repercussões de
âmbito bem mais dilatado do que a simples fractura exposta e definitiva entre o Príncipe Perfeito
e sua mulher, a rainha D. Leonor. A seu tempo afloraremos o modo como o Duque de Beja
atravessou, mercê do cálculo do monarca, mas também devido à prudência com que sempre
evitou expor-se minimamente, no decurso dum período em que outros trabalhavam em seu favor,
as "execuções" do primo e do irmão, os exílios de familiares, e todas as lutas, subterrâneas ou
declaradas, que se travaram em torno da sucessão da Casa de Avis.
Teremos também ensejo de regressar ás consequências do casamento de D. João II com uma
filha do Duque de Viseu no que respeitou à antedita sucessão ao trono em geral e,
particularmente, no tocante ao destino do Senhor D. Jorge mas, de momento, façamos referência
à mãe desse filho bastardo do Príncipe Perfeito.
Embora as fontes sejam escassas, raramente directas e nem sempre fiáveis, a referência à sua
linhagem materna é importante, atento o papel que ela veio a desempenhar como elemento
estruturante das ordens militares de Avis e Santiago durante o longo Mestrado de D. Jorge.
PIMENTA, faz eco de uma tradição de acordo com a qual o jovem príncipe-herdeiro terá
encontrado pela primeira vez D. Ana de Mendonça em Toro "por alturas da aventura castelhana
de D. Afonso V, à qual se juntou o Príncipe em 1476 " . Trata-se de um marco cronológico a
partir do qual é possível iniciar uma abordagem. Nesse ano de 1476 D. Ana de Mendonça já seria
órfã do pai, Nuno Furtado de Mendonça, o qual, como aposentador-mor de D. Afonso V
"acompanhou este monarca, (juntamente com seu irmão Pedro de Mendonça, que se documenta
haver estado na batalha de Toro, em 1475) na expedição a Castela e lá morreu em serviço".
Quando ficou órfã, contava apenas 11/12 anos e não é de excluir que tenha sido nessa ocasião – e
circunstâncias - que foi integrada, como "donzela", na casa da Excelente Senhora. Nessa
qualidade, é perfeitamente admissível que se contasse entre as jovens do séquito da Princesa D.
Joana de Castela nos últimos dias de Janeiro desse ano de 1476, (e portanto meses depois do
"casamento" desta senhora com D. Afonso V, celebrado em Plasência perante muitos senhores
castelhanos dentre os quais se destacavam os duques de Arévalo, o marquês de Vilhena e o conde
de Ureña, e após a partida do Africano e da Excelente Senhora de Zamora para Toro), em que o
príncipe-herdeiro D. João se juntou finalmente ao que restava das forças apoiantes de D. Afonso
V. Aí, durante o mês de Fevereiro, embora "submerso num mar de preocupações", o futuro D.
João II teria tido oportunidade de "reparar" na pré-adolescente D. Ana de Mendonça,
distinguindo-a entre as outras donzelas do séquito. Se isso aconteceu efectivamente ninguém o
poderá garantir, mas a tradição é plausível. Embora a percamos momentaneamente de vista, D.
Ana reaparecerá, meses volvidos sobre estes acontecimentos, numa situação de menor
turbulência, quase seguramente na sequência das movimentações registadas por PIMENTA que
permitem constatar uma estadia prolongada do Príncipe Perfeito na vila de Abrantes, onde se
encontravam a Excelente Senhora e o respectivo séquito durante o Verão de 1476.
Ressaltam do citado itinerário seguido por D. Joana de Castela, que PIMENTA certeiramente
transcreveu, uma data e duas localidades. A data é o mês de Junho de 1476, as localidades são as
vilas de Miranda e Abrantes. E o nexo entre elas que pretendemos sublinhar é o seguinte: "D.
Lopo de Almeida, alcaide-mor de Abrantes (…) mordomo-mor, contador-mor, chanceler-mor da
Excelente Senhora, governador das suas terras e seu escrivão da puridade (…) foi criado com
as devidas cerimónias 1.º conde de Abrantes em Miranda do Douro no dia do Corpo de Deus de
1476, isto é, a 13 de Junho".
Concorrem assim na mesma época e local os principais protagonistas da trama que conduzirá ao
nascimento do bastardo D. Jorge. D. Lopo de Almeida, o principal dignitário da casa da
"Beltraneja", era já, simultaneamente, conde e alcaide-mor da vila de Abrantes em cujo paço da
alcáçova e dependências anexas, terá aboletado não apenas o príncipe real e a a Excelente
Senhora, mas também os respectivos acompanhantes, durante essa pausa de repouso que se
seguia ao atribulado primeiro semestre de 1476. Se o príncipe D. João não tivesse tido ocasião de
"reparar" na jovem D. Ana de Mendonça durante o mês de Fevereiro pretérito, teve amplo e
azado ensejo de o fazer ao logo desse "veraneio abrantino". Ocasião que se terá prolongado, e
repetido, uma vez que, como observou PIMENTA, durante o lapso de tempo que decorreu entre
o Verão de 1476 e o início da materialização das consequências advenientes das resoluções das
Alcáçovas-Toledo, firmadas em Castela no início de Março de 1480, "acredita-se que (D. Joana -
e o respectivo séquito - ) tenha realmente vivido no castelo de Abrantes". Essa estadia ter-se-à
prolongada até se completarem todos os dolorosos preparativos que precederam o recolhimento
da princesa em Santa Clara de Santarém, um processo necessariamente concertado com o conde
de Abrantes, que se terá arrastado quase até ao final desse ano de 1480.
D. Afonso V, cujo fim se aproximava, pode ter delegado no príncipe-herdeiro as penosas
disposições finais, pessoalmente comunicadas à Excelente Senhora. Uma vez que essa princesa
professou em meados de Novembro desse ano, as donzelas da sua comitiva terão ficado
desamparadas, e D. Ana terá permanecido em Abrantes, "confiada" à guarda de D. Lopo de
Almeida e sua mulher, a condessa D. Brites da Silva, que fora camareira-mor de D. Joana de
Castela. Acreditamos que estas presunções repousam sobre uma probabilidade muito elevada, até
porque, cerca de nove meses depois, nascia o senhor D. Jorge.
Essa efeméride foi posteriormente registada por RESENDE em termos que justificam a sua
transcrição:" (…) Naceo o senhor dom Iorge filho del Rey, que sendo Príncipe & casado ouue de
Dona Ana de Mendoça, molher muyto fidalga, e moça fermosa de mui nobre geração".
Comecemos por sublinhar que o cronista refere sem margem para dúvidas que o nascimento
ocorreu antes de 23 de Agosto de 1481, (morte de D. Afonso V) sendo o pai ainda príncipe-
herdeiro. De seguida registemos a dupla e enfática referência à extracção familiar da mãe do
bastardo régio. Na nossa perspectiva seria normal que o cronista mencionasse que D. Ana era
"mulher fidalga", ou mesmo "muito fidalga" este último reforço caso ela pertencesse à nobreza
titulada, ou descendesse daquilo que restava das linhagens reconhecidamente marcantantes já no
decurso da primeira dinastia.
Mas não era esse o caso, a família de D. Ana como já tivemos ensejo de apontar, surgira na corte
apenas na geração de seu bisavô, tinha ascendido da categoria de simples escudeiros e vassalos
régios, exercendo embora os importantes cargos militares de capitão-mor do mar e o de anadel-
mor dos besteiros de conto (qualidade de escudeiro na qual se documenta ainda o capitão Afonso
Furtado, apenas cerca de 35/40 anos antes do nascimento do pai de D. Ana), a fidalgos em 1450,
e a partir daí, ascendendo meteoricamente ao conselho régio (casos de Afonso e Duarte Furtado
de Mendonça, ambos posteriores a 1460), a cargos palatinos e a comendas nas ordens militares
(aposentadores-mores desde, pelo menos, 1466, e Comendadores do Torrão na Ordem de
Santiago e, já depois do nascimento de D. Jorge (em 2 vidas, por carta de 1486), senhores de
Vilalva.
Para não nos alongarmos demasiado sintetizaremos que, em termos gerais, os Furtado de
Mendonça portugueses, a cujo tronco pertencia D. Ana, estavam já implantados na chamada
nobreza de corte no terceiro quartel do século XV, mas com muito menos destaque do que outras
famílias em ascensão desde o início da dinastia, e sem terem iniciado ainda alianças
matrimoniais com a nobreza titulada. Estamos em crer que essa relativa subalternidade na
hierarquia cortesã poderá ter estado na origem do enfático reforço do cronista Resende que, após
ter caracterizado D. Ana como "mulher muyto fidalga" sentiu a "conveniência" de acrescentar
ainda "de muy nobre geração", como "convinha que fosse a mãe de um bastardo régio que,
temporariamente embora, teria estado indigitado como hipotético herdeiro do trono português,
como a seu tempo veremos.
Parece desnecessário comentar o alegado "escândalo" e os comentários que os cortesãos – a fazer
fé em autores tardios – não terão deixado de fazer mas que, obviamente, não se encontram
referidos nos textos coevos, nem sequer nas colectâneas de anedotas de corte quinhentistas que,
todavia, são pródigas em maledicências de carácter intimista e que, narrando embora – como
teremos ensejo de ver - com complacente minúcia, alguns casos menos abonatórios sobre D.
Jorge, curiosamente nunca lhe beliscaram a ascendência materna...
Esse discreto silêncio, tombando sobre a juvenil mãe do bastardo régio, recolheu eco favorável
na historiografia romântica, muita da qual citada por PIMENTA, autora que teve a elegante
amabilidade de sobre ela recordar as palavras escritas por um seu longínquo parente colateral, o
3.º conde de Sabugosa "Era uma amorosa. Não era uma intrigante." . Constatação que o erudito
fidalgo poderá ter bebido em fontes, como se verá.
Sucede que esse silenciamento, convindo certamente aos interesses da "candidatura" de D. Jorge
à sucessão no trono paterno, poderia interessar também à influente casa dos condes de Abrantes,
assunto cujos indícios (reais ou ficcionais) nunca despertaram a curiosidade de ninguém, apesar
de terem escapado "à censura" alguns, embora lacónicos, possíveis "fiapos" de informação. Com
efeito Alão de MORAES, genealogista considerado probo e informado, aliás o único a referir o
nome correcto da mulher do bisavô de D. Ana de Mendonça, e o primeiro a emitir fundadas
dúvidas sobre a "ascendência mítica" unanimemente emprestada à sua família, deixou escapar –
certamente por o considerar relevante – este aditamento sobre a mãe de D. Jorge "D. António de
Mascarenhas, no títº dos Almeidas, diz que D. Pêro Fernandes de Almeida, Prior do Crato,
tivera na mãe do Mestre D. Jorge a D. Estêvão de Almeida, D. Brites e outra."
Á partida parece, desde logo, detectar-se uma imprecisão na supracitada nótula. O membro desta
família que, durante o período em apreço, ascendeu à dignidade de prior do Crato, na Ordem do
Hospital, foi D. Diogo Fernandes de Almeida que recebeu esse priorado pouco depois de 12 de
Abril de 1492, dia em que o senhor D. Jorge, (de quem passaria a ser aio por nomeação régia do
feita no mesmo mês) foi jurado Mestre das ordens de Avis e Santiago.
Se estivermos correctos esta menção a um "D.Pedro" pode ter resultado de confusão com o seu
irmão do mesmo nome de que nos ocupamos já, mas que se documenta usando o nome de D.
Pedro da Silva, embora seja de estranhar que o Doutor D. António Mascarenhas que, como
adiante veremos deveria conhecer bem este assunto, tivesse incorrido em erro tão grosseiro. E
parece um tanto "rebuscado" admitir que o tenha feito intencionalmente, com o intuito de
"confundir as pistas" sobre a verdadeira identidade do pai destes alegados filhos de D. Ana de
Mendonça.
Quanto a estes últimos filhos, MORAES refere efectivamente um D. Estêvão de Almeida,
clérigo, mas que este autor, não obstante aquilo que citou, na nota em que D. António
Mascarenhas atribui a D. Ana um filho com esse mesmo nome, menciona apenas um homónimo,
mas dando-o como filho bastardo do 2.º conde de Abrantes (irmão do Prior do Crato e de D.
Pedro da Silva), nascido de uma Leonor Lopes . Por sua vez Felgueiras GAYO navega em águas
semelhantes ao apontar efectivamente como filhos, mas desta feita legítimos, do 2.º conde de
Abrantes um D. Estêvão de Almeida, bem como uma D. Brites, e uma D. Maria, que foram
freiras (curiosamente as únicas 2 filhas atribuídas a este casal que não fizeram honrosas alianças
matrimoniais).
Mas, não menos curiosamente, consultando o Livro de Linhagens do Século XVI, seremos
obrigados a comprovar algo de aparentemente insólito. Esta obra é criticamente considerada
como tendo sido redigida entre 1549 e 1555, menos de meio século após a morte do Prior do
Crato D. Diogo Fernandes de Almeida, falecido em Almeirim, a 13 de Maio de 1508.Nela se
trata das famílias de corte quinhentistas numa época em que estariam vivos descendentes
directos de D. Diogo Fernandes de Almeida, 6.º Prior do Crato, e não fazendo, é certo, qualquer
menção explícita à D. Brites, referida por D. António Mascarenhas como filha daquele Prior do
Crato, havida em D. Ana de Mendonça, senhora que julgamos corresponder à mesmíssima D.
Brites que GAYO não hesitou em incluir (juntamente com uma D. Maria) entre os filhos de seu
irmão, 2.º conde de Abrantes, titular ao qual o antedito Livro de Linhagens não aponta filhas,
contém o seguinte:
"Dom Diogo Fernandez de Almeida filho do conde Dom Lopo e jrmão do conde Dom João foy
prior do Crato (e) não casou. Ouue bastardos Dom Pedro e Dom Lopo e Dom Esteuão que foi
bispo he uma filha que fez freyra".
Estaremos perante "discrepâncias" que poderiam dar que pensar.
Alão de Moraes e Felgueiras Gayo, autores "modernos", referem D. Estêvão de Almeida, clérigo,
como filho de D. João de Almeida, 2.º conde de Abrantes. Por outro lado, tanto D. António
Mascarenhas como o Livro de Linhagens do Século XVI, mencionam-no como filho bastardo do
Prior do Crato D. Diogo, sem qualquer referência a sua mãe, sendo que o Doutor Mascarenhas a
nomeia, designando-a como D. Ana de Mendonça, mãe do senhor D. Jorge.
Da confrontação destas fontes parece evidenciar-se a hipótese de estarmos perante dois primos
chamados Estêvão, um filho bastardo do 2.º conde de Abrantes, outro, igualmente filho bastardo,
mas de seu irmão, o Prior do Crato. Aceitamos este postulado uma vez que MORAES trata, com
alguma minúcia, estes dois descendentes do 1.º conde de Abrantes.
Segundo este autor, D. Estêvão, clérigo, filho bastardo de D. João de Almeida, 2.º conde de
Abrantes, teria nascido de Leonor Lopes, e dele apenas se sabe que foi pai de um filho natural,
D. Manuel de Almeida, que morreu solteiro e sem geração.
Quanto ao primo homónimo, filho de D. Diogo Fernandes de Almeida, Prior do Crato, o mesmo
MORAES (que, como deixámos acima, transcreveu a propósito de D. Ana de Mendonça a nótula
de D. António de Mascarenhas que a dá como tendo tido desse mesmo Prior um D. Estêvão, uma
D. Brites, e outra filha que não nomeia) depois de apontar minuciosamente que o Prior teve de
"N… que era irmã da mulher de Álvaro Maldonado, que era natural de Alegrete, da família dos
Velezes" os filhos bastardos D. Pedro de Almeida, que foi Alcaide-mór de Torres Novas, e D.
Lopo de Almeida, ambos com geração conhecida, adianta:
"Teve mais, de outra mulher (que não nomeia), D. Estêvão de Almeida, a quem uma memória faz
meio irmão deste Prior. Foi Clérigo e, servindo a Imperatriz D. Isabel, foi bispo de Astorga, e
depois de Cartagena, por Castela, que ordenou os estudos do Colégio da Companhia de Jesus
de Murça, no ano de 1563, ajudando muito a fundação dos de Medina e Placência".
Ora o supracitado Livro de Linhagens do Século XVI, que menciona dados biográficos sobre D.
Pedro e D. Lopo, (os filhos que MORAES refere haverem sido gerados pelo Prior do Crato numa
senhora natural de Alegrete e pertencente à família dos Velezes), é completamente omisso sobre
o D. Estêvão, terceiro bastardo de D. Diogo Fernandes de Almeida mencionado inequivocamente
como tal na mesma obra, e que terá sido bispo de Astorga e de Placência, em Castela, na
mesmíssima altura em que foi redigido esse Livro de Linhagens.
Ou seja: por coincidência, Alão de MORAES, que dispunha de informações sobre a obscura mãe
dos dois primeiros bastardos do Prior do Crato, sobre o terciogénito, o bispo D. Estêvão, embora
lhe refira a biografia, apenas sabe que nasceu doutra mulher. E, por sua vez, o Livro de
Linhagens do Século XVI, reconhecendo embora que o antedito D. Estêvão, fora, tal como D.
Pedro e D. Lopo, filho bastardo do Prior do Crato, refere dados biográficos sobre os dois últimos,
passando em completo silêncio o primeiro, não obstante este encontrar-se vivo, e prosseguindo
uma notável carreira eclesiástica ao serviço da imperatriz D. Isabel, mulher de Carlos V, no
preciso momento em que esta obra era redigida.
A memória referida por Alão de MORAES, e segundo a qual o bispo D. Estêvão de Almeida
seria meio-irmão do Prior do Crato, apresenta, desde logo, problemas de cronologia dado que,
como vimos já, o Prior, se encontra documentado desde 1462, ano em que vencia 1200 reis de
moradia como moço-fidalgo da Casa de D. Afonso Ve morreu em 1508, enquanto o seu alegado
meio-irmão terá falecido ao redor de 1570. E, como também referimos, não se conhece (entre a,
verdadeiramente complicada, e muito questionável, descendência de Fernand’Álvares de
Almeida) nenhum filho do 1.º conde de Abrantes que se tivesse chamado D. Pêro Fernandes de
Almeida, como escreveu o Doutor D. António Mascarenhas, mas a própria referência à
supracitada memória só reforça a convicção de que os genealogistas tinham fundadas dúvidas
sobre a ascendência do bispo D. Estêvão de Almeida.
Acresce que. aquele D. António Mascarenhas, fonte da informação transmitida por Alão de
MORAES, segundo a qual o bispo D. Estêvão de Almeida seria filho do Prior do Crato e de D.
Ana de Mendonça, não é exactamente mais um obscuro linhagista tardio; trata-se dum colegial
do Real Colégio de S. Paulo, onde entrou em 15 de Outubro de 1613, Doutor em Teologia
formado em Coimbra, filho de D. Nuno Mascarenhas, alcaide de Castelo de Vide, viveu entre os
finais do século XVI e o termo da primeira metade do século XVII e foi autor dos volumes de
Famílias do Reino de Portugal que se conservaram na biblioteca dos Duques de Lafões. E talvez
tivesse tido acesso a informações privilegiadas sobre os Mendonça uma vez que tinha casado
com uma sua prima (por Castros), D. Isabel de Mendonça que era, precisamente, filha de um dos
primos de D. Ana de Mendonça, António de Mendonça, Comendador de Veiros na Ordem de
Avis, e senhor da quinta da Marateca.
Ignoramos em absoluto que razões teriam estado na origem da "informação" que prestou, e
também desconhecemos o grau de fiabilidade da fonte onde a terá ido beber. Mas talvez seja
relevante mencionar que a mulher deste autor, em virtude da morte de seu irmão primogénito,
Luís de Mendonça, ficou herdeira da quinta da Marateca e restante casa de seu pai, e alguns dos
bens herdados podem ter ocasionado, como era frequente em casos análogos, litígios no seio dos
Furtado de Mendonça. Ou poderemos encarar a hipótese de que D. António Mascarenhas fosse
apenas um genealogista escrupuloso, com acesso a "informações privilegiadas" que entendeu
pertinente não ocultar.
O certo é que a "informação" registada pelo Doutor D. António Mascarenhas não constitui o
único rumor sobrevivente sobre a – eventualmente movimentada – juventude da mãe de D.
Jorge. Disso mesmo se deu conta PIMENTA que conscienciosamente registou uma significativa,
embora dúbia (na verdade não julgamos que se reportasse apenas ao assunto melindroso que
constituía o nascimento do bastardo régio), passagem de Frei Agostinho de SANTA MARIA que
julgamos relevante transcrever: "(…) D. Anna de Mendonça…que depois foi commendadeira de
Santos, donde soube melhor acodir ás obrigações do seu nascimento em a velhice que na
mocidade."
Mas parece seguro que o esclarecimento cabal – admitindo-o como possível – de tantas alusões
oblíquas, dúvidas, divergências e silêncios genealógicos sobre uma parte (por outras vias bem
documentada) da descendência do Prior do Crato Diogo Fernandes de Almeida permitiria
certamente concluir se D. Ana teria sido alvo de calúnias.
Ou, em última análise, rever a versão tradicional de que foi apenas mãe do bastardo régio D.
Jorge. Se esta última hipótese viesse a confirmar-se, constituiria (mais) um contributo para o
estudo do conhecido e relevante papel que estes Almeida, da família dos condes de Abrantes,
desempenharam na vida do Mestre de Avis e Santiago, e também no destino de D. Ana, antes, ou
mesmo depois, de professar em Santos, já que o facto de não ter criado D. Jorge nos não
surpreende, por ser usual no caso de muitos bastardos régios.
É difícil admitir que, sendo D. Diogo de Almeida tão íntimo de D. João II desde a juventude de
ambos, tão devotado servidor, e objecto de tal confiança que um dos últimos actos do rei foi
nomeá-lo seu testamenteiro, pudesse ter "traído" essa mesma confiança, a ponto de haver gerado
filhos na mãe do bastardo régio D. Jorge.
Essa mesma D. Ana que o Príncipe Perfeito, à hora da morte, contemplou com uma doação
destinada ao "seu casamento". Seria uma – por enquanto virtual - ligação entre o Prior do Crato e
D. Ana conhecida, consentida e aprovada pelo real moribundo? Se o foi, explica-se a diligência
efectuada por D. Jorge ao indagar quais seriam as consequências que adviriam para uma
comendadeira de Santos que viesse a casar. Matrimónio que, nessa ocasião, já não prejudicaria
as, entretanto abandonadas, aspirações à sucessão na Casa Real do Mestre de Avis e Santiago,
mas que, não tendo chegado a efectuar-se, poderia justificar o renitente constrangimento dos
genealogistas em tornar publico o nome da mãe do duque de Coimbra como o sendo também de
filhos que teria tido de Prior do Crato, dentre os quais avulta a personalidade do bispo D. Estêvão
cuja carreira eclesiástica castelhana, supomos, nunca foi estudada.
Infelizmente a pesquisa desta questão em fontes primárias ultrapassa os limites do presente
trabalho, o que nos deixa apenas a alternativa desta referência inconclusiva, mas perturbadora,
pelo contexto familiar do autor da "informação" e cumulativamente pelo acumular de aparentes
erros e imprecisões, bem como de flagrantes omissões genealógicas em que surge.
Uma vez que, por ora, não nos encontramos em condições de aprofundar esta controversa
problemática retomemos o fio da narrativa sobre o percurso ulterior da mãe do recém-nascido D.
Jorge, exactamente nos mesmos termos em que o faz PIMENTA:
"Depois do nascimento (…) possivelmente continua a usufruir da amizade dos Almeidas, de
cujos paços provavelmente só sairá quando ingressar no Mosteiro de Santos, onde D. Violante
Nogueira, sua tia, era então Comendadeira. Precisar a data da sua entrada neste Mosteiro da
Ordem de Santiago não é tarefa fácil".
Com efeito, a fazer fé na primeira e últimas referências documentais aduzidas por MATA sobre
as donas do Mosteiro de Santos seríamos levados a concluir que Violante Nogueira (ou de
Mendonça, como este autor também a menciona) se encontra aí referenciada entre 13 de
Novembro de 1497 e 19 de Novembro de 1500. No entanto o mesmo autor permite-nos recuar o
ingresso desta dona no supracitado mosteiro uma vez que refere um criado dela, Bernardim
Eanes, documentado em Santos já em 10 de Junho de 1495 Dispomos todavia de uma fonte
complementar que permite confirmar que Violante Nogueira – comendadeira de Santos desde
1486 (admitimos que tivesse ingressado no mosteiro cerca de 1475), governava a comunidade
em 5 de Setembro de 1490, ano da morte da Infanta D. Joana, a quem estivera confiada a guarda
do senhor D. Jorge, uma vez que o cronista RESENDE expressamente a menciona como
comendadeira nessa data, por ocasião da trasladação da comunidade do mosteiro de Santos-o-o
velho para o novo edifício, mandado fazer de novo por D. João II em Santa Maria do Paraíso,
entre os mosteiros de Santa Clara e da Madre de Deus.
Embora saibamos apenas que D. Ana de Mendonça sucedeu a sua tia Violante Nogueira, como
comendadeira de Santos, possivelmente em 1508, ano da morte desta última dona, não temos
conhecimento de qualquer fonte que invalide o admitir-se que, mesmo que não tivesse
imediatamente cumprido o noviciado regulamentar e professado, se "tivesse recolhido" nessa
casa religiosa em data anterior. Ou mesmo que o seu ingresso no Mosteiro pudesse remontar a
um período muito próximo do início do ano de 1490, durante o qual, mais precisamente em 15
de Junho, D. João II fez apresentar na corte o bastardo D. Jorge, após "negociação" prévia com a
rainha D. Leonor. O monarca teria entendido que a reclusão da mãe, ao fim de 14 anos de
presumível residência em Abrantes, e a confirmarem-se as supracitadas hipóteses, só podia
beneficiar a imagem e o futuro do seu filho ilegítimo e, quem sabe, a sua própria dignidade e
"atmosfera" conjugal. Aliás o destino de futura comendadeira de Santos (inicialmente sob a
tutela de uma tia) tinha um precedente de peso, Inês Pires, "amiga" de D. João I e genearca da
Casa de Bragança, aí tinha encontrado abrigo e ascendido à chefia da comenda no início desse
mesmo século XV.
Encerramos esta digressão pelas circunstâncias e estimativa da data provável do ingresso de D.
Ana de Mendonça no Mosteiro de Santos com uma interrogação: porque razões em 1508, muito
depois da morte do Rei, seu pai, (e quando documentadamente a mãe, que pouco passaria dos 40
anos, exercia já o cargo de Comendadeira ) D. Jorge consultou o Mestre castelhano de Santiago,
perguntando, entre outras coisas "si las comendadoras se pueden casar e casadas si les quedan
las encomiendas" ?
Justificamos esta interrogação tendo presente o facto de que, à data, a única Comendadeira da
Ordem de Santiago em Portugal, e portanto a única senhora a quem esta questão poderia
interessar era, precisamente, D. Ana de Mendonça. E recordando que, nas disposições
testamentárias de D. João II o monarca havia estipulado em 1495 que "…D. Ana, Madre de D.
Jorge meu filho aja em todolos dias de sua vida em cada hum ano duzentos mil reis… pera
suportar sua honra ou pera seu casamento (…)". A este propósito convirá recordar que o Livro de
Linhagens refere uma D. Joana, meia-irmã bastarda da rainha D. Leonor Teles, que "foy
comendadeyra de Santos e depois foi casada com João Afonso Pimentel alcayde e senhor de
Bragança que depois em Castela foy conde de Benavente" . Tivemos ensejo de salientar o
importante papel de intermediação política desempenhado por este conde de Benavente no
reinado de D. Afonso V, apenas algumas décadas antes da consulta de D. Jorge. Se esta
informação do LL fosse exacta (e não vemos razões para contestar uma notícia de conhecimento
geral à data da sua redacção) não repugna que o Mestre tivesse em conta este precedente ao
efectuar a supracitada consulta.
Com efeito, se as nossas hipóteses fossem minimamente ajustadas aos factos, a mãe do Mestre
de Avis e Santiago só teria professado tarde, talvez mesmo já depois de ascender a comendadeira,
como julgamos poder depreender da conhecida passagem de Frei Agostinho de SANTA MARIA
em que este autor relata o que teria sucedido por ocasião da profissão desta senhora quando o
filho, já Mestre de Avis e Santiago em exercício, pretendeu beijar-lhe a mão, significativa
deferência que ela tentou evitar " … e disse-lhe o Mestre que lhe queria beijar a mão não como
Mestre mas como filho ao que ella logo respondeo; engana-se Vossa Alteza porque eu nunca fui
casada, de que o mestre ficou suspenso e desestio da pretenção venerando muito mais dalli por
diante a sua mãy ". Este excerto, a ser verídico, e se não constituiu, tal como – obliquamente – o
outro que citamos da mesma autoria, uma parte do "processo de reabilitação" de D. Ana, poderá
ter-se verificado depois de 16 de Março de 1509, data em que D. Jorge foi feito Duque de
Coimbra, com todas as insígnias, honras e preeminências… outorgadas aos Títulos de Duques,
mas entre as quais não vislumbramos o tratamento de "Alteza" que lhe é atribuído na transcrição
supra e que apenas documentamos em relação aos monarcas . Teria casado sigilosamente D. Ana,
apaziguando honra e consciência? As fontes conhecidas permanecem mudas a este respeito que,
a ter-se efectivado, constituiria o precedente de outros controversos casamentos sigilosos,
alegadamente realizados pela sua descendência directa?
• 1. D. Jorge e o Rei.
O relacionamento entre estes dois homens poderia resumir-se na constatação de que D. Jorge,
entre 1491 e 1521, ano da morte de D. Manuel não foi, nem perseguido, nem afastado, mas
simplesmente gerido e tutelado, enquanto Mestre de duas ordens militares.
E os reflexos desta evidência fazem-se sentir desde cedo. Senão vejamos.
Enterrado em Silves o corpo do monarca, D. Jorge, que tinha integrado o relativamente reduzido
séquito presente durante a agonia e morte do Príncipe Perfeito, partiu para Montemor o Novo
"& foy beijar a mão a el Rey que o recebeo cõ muito grade agasalhado, & mostrãças de muyro
amor (…) E o Prior do Crato seu aio, por lho assi ter mandado el Rey seu pai, tomou o señor
dom Iorge polla mão, & ambos com os joelhos em terra o entregou a rl Rey seu tio, & sobre isso
fez hua fala alta a el Rey (…) e pedio mercê & acrescentamento pera o senhor dom Iorge (…) e
aconselhou que sempre muyto bem & lealmente o servisse e amasse ", tendo inclusivamente
entregue o Mestre à guarda do novo monarca para que este como filho o tratasse, como relata
GÓIS.
Este primeiro encontro entre o novo rei e o Mestre de Avis e Santiago terá, pois, corrido da
melhor forma, o que não espanta uma vez que, como observa PIMENTA, não era esse o local
nem o momento para ferir susceptibilidades . A D. Jorge restava esperar para ver com que
celeridade e amplitude iriam ser cumpridas as disposições testamentárias de de seu pai, mas
também em que grau de independência iria exercer o mestrado das duas ordens militares. As
fontes não nos permitem acompanhar o trajecto pessoal de D. Jorge nos anos imediatamente
subsequentes e que correspondem ao início do reinado de D. Manuel I.
É certo que, embora não tenha recebido ainda o Ducado de Coimbra nem o Mestrado de Cristo,
no plano estritamente formal tudo parece bem encaminhado, uma vez que, reconhecendo
implicitamente o seu lugar entre os príncipes do sangue o novo monarca o integrou na comitiva
que acompanhou a importante viagem efectuada pelos reis de Portugal a Castela a partir de
Março de 1498. Não se tratou de uma qualquer deslocação régia uma vez que, na mesma ocasião
em que se celebravam em Valência de Alcântara as bodas de D. Manuel I com a Princesa Isabel
de Castela, morria em Salamanca seu irmão D. João, o Príncipe-Herdeiro de Castela, sucedendo-
lhe a rainha de Portugal. Os Reis Católicos, prosseguindo sem hesitações a sua estratégia
peninsular, não perderam tempo e pediram insistentemente aos recém-casados que "fossem logo
a Castella, pera lá serem jurados por Príncipes herdeiros de todos seus reynos & Senhorios"
Essa ida não foi pacífica e sobre ela D. Manuel I se aconselhou longamente, até que partiram, no
já referido mês de Março, deixando a regência de Portugal confiada à rainha-viúva D. Leonor.
No séquito dos reis de Portugal figura, referido em primeiro lugar, tanto por RESENDE, como
por GÓIS , o Mestre D. Jorge que, deste modo, parece ocupar o lugar cimeiro na rigorosa
ordenação coeva das precedências da corte, antes mesmo dos membros da Casa de Bragança,
sobrinhos de D. Manuel.
A despeito desta distinção já comentada por PIMENTA, D. Jorge, que andaria pelos 18 anos,
"idade na qual, ao menos em termos estatutários das ordens poderia governar sem a intervenção
de terceiros" e, embora as referências de época o descrevam como intelectualmente dotado,
qualidade que o futuro não virá desmentir, é, de facto, um jovem inexperiente que D. Manuel
parece tutelar no atinente ao governo das ordens de Avis e Santiago. É neste sentido que interessa
lembrar os formulários de algumas cartas das ordens, emitidas pelo Mestre, e datadas deste
período da última década do século XVI nas quais se refere terem sido escritas com o
"consentimento do rei que ora administra os mestrados ".
Pessoalmente não vemos nada de extraordinário nesta precaução régia, tratar-se-ia de actos
administrativos e concessão de dignidades, cargos e mercês, o monarca pretenderia, não apenas
supervisionar a "gestão", mas também filtrar a escolha dos destinatários dos referidos cargos e
dignidades. Outro tanto, e mais, havia feito o seu remoto antecessor D. Pedro I durante a
menoridade do futuro D. João (de quem, no entanto, nada teria a recear), intervindo directamente
no governo da milícia de Avis. Mesmo assim é necessário esclarecer que este paralelismo peca
unicamente por um detalhe: se D. Pedro I era efectivamente pai de D. João I (como D. Afonso V
de D. João II), D. Manuel I não é pai do Mestre D. Jorge, o que faz toda a diferença no cariz da
referida interferência. A intervenção de D. Manuel I era suposta ao rei de Portugal, até então,
num contexto de relação pai - filho, relação essa a que o reino se encontrava habituado, mas que,
neste caso, assumia uma natureza diversa.
No entanto, e a despeito desta situação é hoje reconhecido que na "… documentação [que] se
circunscreve na sua grande maioria aos fundos das ordens militares de Avis e Santiago durante
o mestrado em causa, não é muito fácil encontrar exemplos flagrantes de mau (ou mais
precário) relacionamento entre a chefia dessas ordens e o Rei de Portugal ", embora se
depreenda que um e outro não andassem de mãos dadas, como também já se escreveu.
Em jeito de encerramento desse período de tutela directa, o monarca reconheceria, em 27 de
Maio de 1500, que o Mestre teria atingido a "maioridade" e considerava que "… elRey Dom
Joam …nos tratou como próprio filho…. como delle não ficou outro filho senão D. Jorge Duque
de Coimbra, o qual nos elle deixou muito encomendado ele seja em idade para lhe devermos de
dar casa e fazenda em que elle se possa manter, e servir-nos como quem é". Tal como já vinha
sucedendo no respeitante às precedências, D. Manuel I faz questão de sublinhar a elevada
jerarquia de D. Jorge e de "justificar" porque só agora lhe concede alguma autonomia. Dir-se-á
que se tratava de uma época tardia (o Mestre tinha 19 anos) para "dar casa e fazenda" a um
membro da família real, e que D. Jorge aguardava há quase 5 anos pelo cumprimento do
estatuído no testamento paterno. Sem entrar em comparações - dificilmente conclusivas, diga-se
de passagem - sobre a idade em que os Infantes recebiam habitualmente a sua casa, e o Mestre
não era – apesar de tudo – Infante, note-se que D. Manuel seguiu uma estratégia gradual,
possivelmente "ajustada ao desempenho" do jovem D. Jorge.
Primeiramente, em finais de Maio de 1500, far-lhe-ia doação, dentro da área do actual distrito de
Coimbra, dum acervo patrimonial que D. António Caetano de SOUSA designou por Doação da
Casa de Aveiro,uma vez que correspondia ao núcleo duro daquele futuro ducado, e era
constituído pelas vilas de Aveiro, Montemor-o-Velho, Penela e todo um conjunto de lugares,
rendas, direitos e jurisdições que, é forçoso reconhecê-lo, constituíam uma substancial parcela do
senhorio do Ducado de Coimbra, tal como ele se encontrava "desenhado" no testamento de 1495,
salvaguardando apenas para a Coroa 3 padroados na vila de Montemor e lugar de Pereira " que
nós em ellas havemos ".
Embora nesta prudente doação o senhor D. Jorge receba o tratamento de "D. Jorge, Duque de
Coimbra, meu muito amado e prezado sobrinho", o monarca fica apenas no plano simbólico do
tratamento formal visto que a cidade de Coimbra não é doada, circunstância que o monarca
sublinha expressamente.
Com efeito a monarquia portuguesa, na sequência do plano concebido e executado pelo
Venturoso, embora não possa eximir-se a reconhecer o ducado de Coimbra ao senhor D. Jorge,
manifesta a maior incomodidade implícita ao ver esse antigo ducado, originariamente atribuído
ao Infante D. Pedro, avô comum do rei e do Mestre, "retomado" e confiado a uma descendência
bastarda de "não-Infantes".
Não nos parece que tenha sido devidamente enfatizado o alcance desta primeira doação, que é a
da Casa de Aveiro, a uma personagem à qual se dá, nessa ocasião, o tratamento formal de Duque
de Coimbra. Com efeito, subtilmente e sem violência aparente, ou coacção a suscitar protestos de
que se encontrem ecos, a Coroa conseguirá que o ducado de Coimbra, que no testamento de 1495
surge inequivocamente "de juro e herdade, fora da lei mental, e para correr por linha direita ou
transversal" apenas seja usado por D. Jorge, já que os seus descendentes usarão apenas o "título
novo" de duques de Aveiro, marqueses de Torres Novas, claramente inferior ao estatuto
atribuível ao ducado de Coimbra, associado à qualidade de Infante.
Este pormenor – que hoje nos pode parecer despiciendo – não o era na época, pois através desta
troca de um titulo tradicionalmente associado à pessoa de Infantes, por um título ducal
inteiramente novo, o rei subtraía à descendência bastarda de D. João II um ducado que
tradicionalmente pertenceria apenas à Casa Real, trocando-o por um ducado bem mais recente
que o de Bragança, a linha bastarda "mais antiga" da dinastia de Avis..
É certo que os escândalos matrimoniais protagonizados tanto por um serôdio D. Jorge, como
pelo seu primogénito, vieram suscitar desnecessários atritos, que aplanaram o caminho à
monarquia neste processo de paulatina despromoção dos descendentes de D. João II.
Mas a premeditação que julgamos surpreender no cuidadoso faseamento com que D. Manuel I
foi dando o cumprimento que entendeu conveniente ao disposto nas cláusulas testamentárias do
seu predecessor, parece manifestar-se num segundo diploma, da mesma data, pelo qual o rei faz a
D. Jorge "doação da vila de Torres Novas com todo seu Senhorio, e com seu Castelo, Reguengo,
e padroados de igrejas, dada de ofícios, e com todas as rendas, direitos, foros, censos e
prazamentos, tributos pensoins e frutos". Registe-se que Torres Novas, vila não demasiado
distante de Lisboa, cujo Alcaide-mór era precisamente o aio do Mestre, D. Diogo Fernandes de
Almeida, não estava incluída nas doações estipuladas por D. João II, pelo que a sua entrega
pertencia à exclusiva iniciativa do novo monarca que, assim, marcava não estar a dar
cumprimento ao testamento régio, mas sim a praticar um acto de munificência real pelo qual se
poderia entender que compensava eventuais atrasos e omissões.
Esta doação seguia o mesmo paradigma do condado de Alcoutim, criado para o herdeiro da Casa
de Vila Real, uma vez que este senhorio era entregue ao " … dito Duque em sua vida, contanto
que as não possa dar, nem doar, vender nem empenhar, nem em testamento deixar em todo, nem
em parte. E falecendo o dito Duque, havendo filhos lídimos, que o filho barão lídimo que for
mayor entre os varões aja, e herde só para si…e que nenhum outro filho, posto quehos y haja,
não herdem, nem hajam delles parte". O diploma regulamentava ainda minuciosamente a
sucessão na linha da primogenitura varonil, com exclusão de todas as possíveis linhas
transversais, colocando-a dentro do âmbito de aplicação da lei mental, preludiando assim a
elevação, em 27 de Março de 1520, desta vila em marquesado, na pessoa de D. João de
Lencastre, primogénito de D. Jorge, que seria também o 1.º Duque de Aveiro
Apetece recordar que GÓIS caracterizou D. Manuel I como tendo sido "…sempre em todos seus
negócios vigilante " porque, três dias depois, o Venturoso fechava este pacote fazendo celebrar o
contrato de casamento do nominal Duque de Coimbra, não com uma filha sua, como fora desejo
expresso de D. João II, mas com D. Beatriz de Vilhena, filha de D. Álvaro, irmão mais novo de
D. Fernando, o 3.º Duque de Bragança, decapitado em Évora.
Mais uma vez estamos perante uma escolha hábil pois marcava a aliança entre uma sobrinha do
Duque executado, e o filho do rei que o mandou executar. Mas, registe-se, essa aliança era
consubstanciada num ramo menos relevante da Casa de Bragança, uma vez que D. Álvaro,
embora irmão do Duque, do Marquês de Montemor-o-Novo, e do Conde de Faro, não herdara
nenhum título dessa família, restituídos nesse mesmo ano de 1500 todos os seus ancestrais
direitos e prerrogativas.
D. Manuel I casava assim o filho bastardo de D. João II com a mais subalterna das descendentes
da linha bastarda de D. João I.
Mas tratava-se de uma escolha inatacável. Desde logo cumpria a regra implícita da endogamia
praticada entre os descendentes de D. João I, e depois o sogro, muito embora não fosse titular, ao
invés do sucedido com todos os netos primogénitos de D. Fernando, Duque de Viseu, andava
longe de ser apenas um apagado descendente colateral.
Com efeito, o sogro do senhor D. Jorge, D. Álvaro, havia casado com D. Filipa de Melo, herdeira
do condado de Olivença, título que D. Manuel I teve o cuidado de não renovar, preferindo elevar
em 1504 o cunhado primogénito de D. Jorge a conde de Tentúgal.
O casamento dos sogros do duque de Coimbra (ratificado por D. Afonso V em 1480 e que, entre
outras benessses, continha a promessa da Alcaidaria-mor de Olivença) foi confirmado pelo
Venturoso . Para o efeito o monarca viu-se na contingência de negociar a posse do castelo de
Olivença com Rui de Melo, à data Alcaide-mor daquela vila raiana e sua mãe, que deixaram à
Coroa os seus direitos e cargos por escambo com outros, análogos, mas em Elvas, (o que obrigou
à troca pelas receitas de Torres Vedras das rendas anteriormente auferidas por D. Martinho de
Castelo Branco em Elvas) e a compensação de uma renda adicional de 10.000 reais. Por seu
turno D. Martinho de Noronha viria a receber outras rendas, avaliadas em 258.318 reais por
trocas daquelas que recebia da vila do Cadaval e quinta do Gradil, que este último D. Martinho
cedera ao sogro do senhor D. Jorge.
Estas negociações tinham sido precedidas, logo em seguida ao regresso a Portugal de D. Álvaro,
pela confirmação do seu assentamento, que ascendia a cerca de 259.000 reais, de várias isenções
concedidas por D. Afonso V e, possivelmente, pela recuperação do seu posto de desembargador
da Casa da Suplicação, bem como pela reassumpção do cargo de Chanceler-mor, do qual viria a
prescindir em 26 de Maio de 1500, sendo compensado com as jugadas do pão de Torres Vedras e
parte do seu termo.
Ainda na sequência do seu regresso a Portugal D. Álvaro vira ser-lhe confirmada a doação de
todas as rendas e direitos da vila de Beja (cabeça do ducado de que D. Manuel fora titular) e
respectivo termo, nos mesmos termos em que as percebia seu pai, o 2.º Duque de Bragança, ás
quais foram acrescentados novos benefícios cujo total ascenderia a mais de 300.000 reais por
ano. Como se tudo isto não bastasse, a posse da vila do Cadaval foi-lhe reconhecida em 23 de
Agosto de 1496, após anuência de D. Jaime e D. Dinis, seus sobrinhos, filhos do 3.º Duque.
Finalmente, em 19 de Setembro desse mesmo ano, o rei doava-lhe a renda da portagem de Beja
(que ascenderia a mais de 60.000 reais) e, posteriormente, as rendas e direitos vila do Rabaçal,
mediante indemnizações concedidas aos seus anteriores beneficiários .
O desafogo financeiro, bem como o espírito empreendedor do sogro de D. Jorge comprovam-se,
por exemplo, através do facto de ser co-proprietário (juntamente com os destacados mercadores
italianos residentes em Lisboa Bartolomeu Marchioni e Jerónimo Sernigi) da nau Nossa Senhora
da Anunciação que, integrando a armada de Pedro Álvares Cabral, naufragou no Atlântico Sul.
Este rápido inventário de cargos e mercês inclina-nos a considerar que esta noiva negociada pelo
rei para D. Jorge, fosse apenas a menos boa das escolhas que D. Manuel I poderia legitimamente
conceber.
O Mestre de Avis e Santiago, senhor de Montemor-o-Velho e de Torres Novas, teria que aguardar
ainda cerca de nove anos (14, contados desde o testamento de D. João II) até que D. Manuel I
entendesse oportuno "dar substância jurídica e material" ao tratamento de Duque de Coimbra, há
quase um decénio prodigalizado formalmente ao senhor D. Jorge.
Com efeito, por carta régia de 16 de Março de 1509,o rei recordava, mais uma vez, e sempre com
imperturbável serenidade, com quanto amor e afeição havia sido criado por D. João II como seu
próprio filho e ainda, reconhecendo que, do falecido predecessor, não tinha ficado senão um só
filho, D. Jorge, e ele, rei, "por folgarmos de lhe lhe fazer honra mercê e acrecentamento nos
prouve de lhe dar título de Duque, e queremos e nos praz que elle se chame Duque da nossa
Cidade de Coimbra…Outro sy por esta presente Carta nos praz lhe fazer doaçam e mercê do
Castello e Alcaydaria-mor da dita nossa Cidade…com todas as rendas direitos foros e pertenças
da dita Alcaydaria-mor ordenados e que de direito lhe pertencem e assy mesmo dos Padroados
da Igrejas que na dita Cidade e seu termo tevermos e nos pertençam por qualquer guiza que seja
e dos Taballiaes da dita Cidade e termo dela e peçoes delles ficando a nossa confirmação dos
ditos Taballiaes e serem assentados nos livros da nossa chancelaria segundo costume todo assy e
tam inteiramente como nos pertence e de direito …".
Confrontando o disposto no testamento de D. João II com as doações e mercês efectivamente
recebidas pelo senhor D. Jorge, é impossível não constatar que o monarca procurou cumprir, de
acordo com a sua própria agenda, uma parte substancial do clausulado.
Mas também que evitou cumprir tudo aquilo que pudesse equipará-lo a um Infante, robustecer as
suas alianças familiares, consumar a hegemonia sobre as ordens militares ou, de qualquer modo,
contribuir para o transformar num contra-poder multi-regional enquistado no reino, e susceptível
de constituir ameaça para a Coroa.
O próprio D. João II não teria, talvez, encontrado uma forma de gerir uma "herança armadilhada"
que, revelando-se de uma total eficácia, suscitasse tão poucos efeitos colaterais. Em qualquer
caso, será ao bastardo de D. João II que caberá governar, para além do mestrado de Santiago,
uma outra ordem, a de Avis, da qual nos ocuparemos de seguida.
PARTE II
A Ordem de Avis no século XVI:
O triângulo Alto-Alentejano entre as bacias do Tejo, Sado e Guadiana.
• Considerações prévias
Quadro nº 7
IAN/TT, Livros do Convento de Avis, n.º 13
Quadro nº 8
IAN/TT, Livros do Convento de Avis, n.º 15
LOCALIDA
DISTRIBUIÇÃO PARCIAL
DATA DES
DOS FÓLIOS
VISITADAS
1519.02.10 Cano I 1-44v
1519.03.01 Figueira I 67-112
1519.03.08 Seda I 114-199
1519.03.29 Galveias I 202-248
1519.04.07 Mora 251-284
Quadro nº 9
IAN/TT, Livros do Convento de Avis, n.º 14
LOCALIDAD
DISTRIBUIÇÃO PARCIAL
DATA ES
DOS FÓLIOS
VISITADAS
Sem Data Avis e termo 1- 44v
1538.09.18 Galveias II 69- 90v
1538.10.23 Cabeço de 47-90v
Vide
1538.09.23 Seda II 94- 162
1538.10.02 Figueira II 164- 179
1538.10.04 Cano II 181-204
1538.10.08 Sousel 205- 222
1538.10.10 Fronteira 224-278v
Mapa nº 2
As Visitações em estudo
Fonte: Os dados para a elaboração deste Mapa foram retirados da obra de PIMENTA, Maria Cristina, "As Ordens de Avis e de
Santiago na Baixa Idade Média: O Governo de D. Jorge", Militarium Ordinum Analecta, nº 5, Porto: Fundação Engº António de
Almeida, 2001.
II – O clero:
• o pároco: nomeação, origem, residência, cultura, costumes
• coadjutores
• capelães e clero residente: denominação, modo de vida (cultura, costumes)
IV – Rendimentos:
• dons e legados, fundações, taxas
• origem: terras, casas, móveis
• administração: fábrica da igreja, prestação de contas, orçamentos
V – Outros edifícios:
• a) mosteiros e conventos
• b) hospitais, hospícios
• c) escolas
VI – Sociedade:
• demografia
• hierarquia, senhores, pessoas notáveis
• associações: confrarias, irmandades
Parece necessário que nos detenhamos um pouco sobre aquilo que PIMENTA engloba no
conceito genérico de Disposições, e que nos textos por nós estudados, surge em geral referido
como Determinações dos visitadores. Trata-se, na realidade, dos capítulos da visitação nos quais
os enviados do Mestre transmitiam, no âmbito dos poderes que lhes tinham sido delegados,
orientações e normativas, geralmente de observância, ou cumprimento e execução obrigatórias,
passíveis de denûncia, e sob pena de sanções compulsivas.
Estas determinações, tanto de índole espiritual como temporal, dividiam-se em determinações
gerais, cuja aplicação abrangia a generalidade das comendas e localidades sobre jurisdição da
Ordem, e determinações particulares, incidentes sobre casos específicos ou conjunturais
respeitantes a cada comenda ou localidade visitada. Assim:
a) Determinações Gerais
Independentemente da sua natureza espiritual ou temporal, tendiam a ser estereotipadas e
repetitivas, embora pudessem apresentar ligeiras variações na sua formulação, algumas delas
relevantes, uma vez que podiam compreender precisões esclarecedoras em relação ás fómulas
anteriormente utilizadas.
Compreender-se-á a inutilidade de sobrecarregar este trabalho com a transposição repetitiva das
mesmas Determinações gerais em cada uma das visitações, razão pela qual elas apenas se
encontrarão integralmente referidas na primeira e segunda das visitas por nós estudadas
(Alcáçova de Elvas e Juromenha) que apresentam diferenças assinaláveis entre si, passando,
depois, a ser apenas e unicamente enumeradas em todas as visitações seguintes.
De um modo genérico quando incidem sobre matéria espiritual aludem às obrigações dos priores
e capelães, às orações que estes deveriam ensinar aos fregueses, cuidados a ter com a lavagem
dos ornamentos dos templos, a arrumação e conservação dos santos óleos, o direito ao acesso aos
testamentos para averiguação dos encargos de missas, o cuidado a observar no tanger das Ave-
Marias, o modo de rezar as horas canónicas, os procedimentos a adoptar na marcação de faltas
das missas obrigatórias, e a recomendação de que encomendassem aos fregueses que orassem
pela saúde e bom governo do Mestre. Tudo isto, aliás, de acordo com o estabelecido pela Regra e
Estatutos da Ordem de Avis de 1516.
Outras respeitavam à recolha e gestão dos dinheiros destinados à fabrica dos templos e ao culto,
e encontravam-se nesta categoria as determinações que contemplavam os cargos de manposteiro
e recebedor da fábrica. Algumas, ainda, reflectiam preocupação com a gestão financeira das
confrarias, tal como sucedia com a prestação de contas pelos mordomos em fim de mandato.
Outras, referiam-se à guarda dos ornamentos das ermidas.
Também eram salvaguardadas a prerrogativas dos clérigos da Ordem, tal como sucedia com a
proibição dos administadores das capelas mandarem rezar os encargos de missas por sacerdotes
alheios à Ordem. Agumas destas Determinações tinham por objecto matérias do ritual e liturgia,
tal como se verificava com o saimento sobre as sepulturas ás segundas-feiras, ou a festa do
patrono S. Bento. Os fieis eram, por sua vez, objecto de Determinações incidentes sobre o
cumprimento dos preceitos da Igreja, e isso sucedia com as obrigações de confissão e comunhão,
o comportamento dentro das igrejas, o modo de assistir à celebração eucarística, e a proibição de
construir ermidas (que proliferavam, frequentemente em mau estado de conservação) sem
licença prévia do Mestre.
Entidades terceiras eram objecto de determinação, encontrando-se neste caso, o tratamento a dar
aos frades e clérigos vagabundos que se encontrassem nas terras sob jurisdição da Ordem sem
licença dos respectivos prelados, ou a publicação de cartas de prelados que se revelassem lesivas
dos direitos e interesses da Ordem de Avis.
Como era natural, as Determinações gerais sobre o temporal reflectiam preocupações senhoriais
e administrativas tais como a obrigação de demarcação dos bens próprios da Ordem, a sua
delimitição com marcos autorizados e a fixação de lindes, a fiscalização da cobrança dos dízimos
e o pagamento daqueles que tinham sido sonegados, a regulamentação da dada de terras em
sesmaria, a proibição incidente sobre os priores, visando impedir que estes se intrometessem em
matéria de dízimos sem comissão especial do Mestre, a isenção de portagem, ou as posturas do
concelho que, respeitando a interesses da Ordem, fossem publicadas sem prévia notificação ao
Mestre.
b) Determinações Particulares
Incidiam sobre assuntos específicos de cada localidade visitada e geralmente evidenciavam a
ponderação dos visitadores que avaliavam as situações, escalonavam prioridades, tomavam
providências, ordenavam aquisições e reparações, fixando os respectivos prazos, fazendo um
balanço da compatibilidade entre a urgência das situações e carências com os recursos
financeiros de cada comenda.
Disciplinadoras e apontadas para a resolução de conflitos, as determinações particulares
procuravam alcançar uma, nem sempre fácil, harmonização entre o interesse público dos
moradores e os direitos e prerrogativas da Ordem.
Como se verificará a respeito de todas, e cada uma das visitas que estudámos, este conjunto de
trâmites, mais complexo do que aparenta, implica a análise, frequentemente minuciosa, de
realidades tão diversas como as de carácter religioso-comportamental: a observância da Norma,
o desempenho do clero local, o cumprimento por parte dos vizinhos/paroquianos das regras
preceitos e obrigações determinadadas pela Igreja, os comportamentos individuais e colectivos,
agravos e conflitos. Mas também a inspecção do património edificado sacro e respectivo
conteúdo (ornamentos, paramentos litúrgicos, objectos de culto e livros sacros) avaliação do
respectivo estado de conservação, imputação da responsabilidade financeira inerente à adopção
das medidas adequadas ao respectivo restauro ou recuperação (substituição ou reparação nos
casos do património móvel) e fixação de prazos de execução e implementação das medidas e
providências deliberadas e ordenadas pelos visitadores.Com natural ênfase colocado no
património fundiário da Ordem, sua descrição, foros e rendas (verificação actualização e
renovação), confrontações e demarcações. Outras edificações, casas e construções de apoio ás
actividades económicas, respectiva descrição, foros e rendas fazem também parte do seu
conteúdo, bem como o levantamento, ou actualização, dos direitos e jurisdições, cargos e ofícios,
suas cartas de provimento e tributação, avaliação do número de vizinhos e do rendimento de cada
Comenda.
Um universo de informações, já de si rico, heterógeneo e complexo.
Mas, no caso respeitante ás visitações de que nos ocupamos, a natureza e amplitude dos direitos
e jurisdicões das ordens miltares nos seus territórios, e a minúcia e rigor colocados pelos
visitadores no registo de determinadas temáticas, permitirá ampliar, e mesmo aprofundar as áreas
de incidência das análises, como se verificou, por exemplo, entre outras investigações sobre este
tipo de fontes.
Dentro do mesmo entendimento da necessidade introdutória de caraterizar sumáriamente as
fontes que tratámos convirá recordar alguns dos trabalhos que, de algum modo, têm vindo a
reflectir preocupações sobre a génese e enquadramento das visitações das ordens militares
portuguesas. Assim torna-se forçoso reconhecer que, a montante das propostas metodológicas de
análise deste tipo de fontes, se encontram os próprios Regimentos dessas mesmas visitações.
Como observou BARBOSA "deverá entender-se por Regimentos de Visitações um corpo de
normas relativas à organização e ao funcionamento das visitações", que de acordo com a Regra
das ordens, e nalguns casos de acordo com as respectivas bulas de fundação deveriam realizar-se
anualmente aos membros das milícias e aos bens que aqueles possuíssem destas, com a
finalidade evidente de corrigir as situações que o exigissem, inventariar dados susceptíveis de
integrar instrumentos de gestão, e reparar irregularidades detectadas. Estes regimentos incluíam a
definição das competências dos visitadores e orientações sobre a actuação dos mesmos,
provavelmente acordados nos capítulos gerais em que, como teremos ensejo de constatar, eram
definidas áreas a visitar e prioridades, bem como se elegiam os freires que deveriam efectuar
essas mesmas visitas.
No que se refere aos espatários, o mais antigo destes Regimentos data de 1478, período em que
D.João II (nesse ano ainda príncipe herdeiro) administrava a Ordem de Santiago. Já durante o
Mestrado de D. Jorge foi redigido um outro, na sequência do capítulo geral efectuado em
Palmela, no mês de Outubro de 1508 no qual foram eleitos quatro Definidores encarregados de
organizar, em capítulos particulares ou a sós, uma reforma da Ordem, que a adequasse à nova
conjuntura e ao conteúdo de duas bulas de Inocêncio VIII que, em 1486, abriam caminho a uma
maior secularização da milícia. Como refere BARBOSA, no longo Regimento elaborado nessa
época "…foi consideraao com bastante pormenor toda a normativa que dizia respeito ás
Visitações, quer no aspecto da actuação dos visitadores, quer no conteúdo dos questionários a
que teriam de sujeitar-se os visitados" Por seu turno PIMENTA sublinhou que este munucioso
inventário de situações, competências, responsabilidades e procedimentos se radicava nas
necessidades geradas pela situação de que "…Gerir um território como aquele que albergava as
Ordens de Avis e de Santiago,significava, antes de mais, legislar, no sentido de garantir o
alcançar de dois grandes objectivos: fazer chegar às populações que lhe estavam dependentes,
com o máximo de rigor, a Palavra de Deus e, garantir no território, a obtenção da maior
rentabilidade possível".
As "actualizações e reformulações" da norma das ordens de Avis e Santiago seguiram um
processo paralelo, contíguo e onde é possível (e compreensível) detectar casos de diálise
justificados pelo seu governo unificado. É um movimento cuja inicitiva, conforme referimos já
parece remontar a D. João, príncipe herdeiro e governador da Ordem de Avis, e que será
prosseguido pelo seu sucessor D. Manuel I, e pelo Mestre D. Jorge.
Conjugando as análises feitas a estes regimentos com o conteúdo das fontes a que nos
reportamos, é admissível que no seguimento das deliberações do Capitulo Geral de Avis reunido
no convento do Espírito Santo de Setúbal em 1515, no decurso das quais ficou decidida a edição
de 1516 da Regra e estatutos dessa milícia, será possível deduzir-se que a regra de 1509, no
respeitante ás visitações de Santiago não apresenta diferenças significativas em relação ao
quadro normativo que, depois de 1515 – que é, recorde-se, o ano em que se iniciam as visitações
de Avis sobre as quais incidirá este trabalho -, terá passado a enquadrar as competências e
procedimentos dos visitadores desta última milícia. E, nesse entendimento, dispensamo-nos de o
reproduzir.
Também não poderemos eximir-nos, uma vez que as fontes trabalhadas as vêem confirmar, a
referir as observações formuladas a este respeito por PIMENTA. Regista esta última historiadora,
a propósito da importância as visitações no âmbito do conjunto de fontes documentais dos
fundos próprios das Ordens de Avis e Santiago, que "Se, como é óbvio, as preocupações de
natureza administrativa para com o senhorio…podem ser detectadas aos mais variados níveis
da tipologia dos diplomas trabalhados, é também verdade que desse conjunto ressaltam com
uma dimensão mais acentuada os livros de visita que em ambas as milícias foram ordenados, até
porque, individualmente e no seu conjunto, constituem, possivelmente, um dos mais interessantes
núcleos informativos para a compreensão de muitos aspectos da vida nestas instituições" .
É evidente que a autora, embora acentuando a importância destas fontes a nível económico-
jurisdicional, tinha presente a dimensão religiosa e os comportamentos, bem como a dimensão
patrimonial e arquitectónica, como posteriormente viria a confirmar-se em trabalhos por ela
orientados. Mas no caso deste seu trabalho, a distribuição geográfica implicou um tratamento
distinto daquele que, nesta nossa dissertação, poderemos vir a apresentar. De facto, considerando
unicamente a vertente da Ordem de Avis no século XVI estudada por PIMENTA, é inegável que
a distribuição das localidades sob controlo da Ordem atingem uma proporção mais elevada como
nos pareceu útil sublinhar através deste mapa que se segue.
Mapa nº 3
A Ordem de Avis no século XVI
Fonte: Os dados para a elaboração deste Mapa foram retirados da obra de PIMENTA, Maria Cristina, "As Ordens de Avis e de
Santiago na Baixa Idade Média: O Governo de D. Jorge", Militarium Ordinum Analecta, nº 5, Porto: Fundação Engº António de
Almeida, 2001.
Em face do exposto, e centrando agora a nossa atenção nas informações que as fontes traba-
lhadas nos revelam, cumpre explicitar que, cada uma das localidades visitadas será analisada
numa perspectiva tridimensional: dimensão religiosa, dimensão senhorial e dimensão
patrimonial. A primeira destas dimensões compreenderá uma análise dos clérigos e dignitários
com funções de natureza religiosa, ou ligados à orgânica funcional das igrejas e ermidas, bem
como as associações de índole espiritual, como as confrarias, ou de natureza assistencial, caso
dos hospitais e misericórdias.
Serão descritas as respectivas funções, atribuições, responsabilidades, remunerações e
privilégios, bem como o seu eventual contributo para a gestão temporal das comendas a que
pertenciam, e as incompatibilidades que por vezes se geravam no confronto entre o exercício da
missão espiritual e as preocupações com a administração do temporal. O universo representado
pelos fiéis moradores nas comendas e terras da Ordem será contemplado nos seus
comportamentos de paroquianos, membros de confrarias e participantes na administração de
instituições de natueza assistencial.
A dimensão senhorial comtemplará as matérias respeitantes aos bens, direitos, e jurisdições da
Ordem em cada uma das comendas estudadas, mas também os respectivos oficiais, os contratos,
os tombos de propriedades, algumas características da exploração da terra e da organização
tributária, as receitas e a população.
A dimensão patrimonial será abordada na vertente do património edificado sacro (igrejas,
ermidas e capelas), mas também da construção habitacional (casas aforadas, casas de morada dos
Comendadores, edificações de apoio à agricultura, tais como palheiros, currais e adegas),
construções de natureza defensiva (castelos, fortalezas e fortificações), instalações artesanais
(moinhos, pisões, azenhas, açougues, olarias e lagares). Mas, se escasseiam elementos sobre o
património móvel que constituiria o "recheio" das habitações, e a palamenta militar que equiparia
as fortificações, em contrapartida são abundantes e minuciosas as informações sobre ourivesaria,
vestimentas, ornamentos, livros e alfaias litúrgicas, bem como imagens, retábulos e pintura
mural.
Se as visitações da Ordem de Avis tivessem sido efectuadas com a cadência anual prevista nos
textos normativos, e abrangessem, de cada vez, a integralidade das cerca de 40 localidades onde
a Ordem, no século XVI, ostentava a sua influência, mesmo admitindo o extravio ou destruição
de muitos dos respectivos livros de registo, o volume dos remanescentes excederia muito
provavelmente o número inventariado. Com efeito, ao longo dos três livros em apreço, teremos
ensejo de constatar remissões para tombos que não chegaram até nós, e a visitas concretas que,
todavia, deconhecemos. Só com um inventário específico, efectuado sobre a totalidade das
visitas que "sobreviveram" seria possível ficar com uma noção mais aproximada do número de
visitas em falta de que existe menção expressa nos textos que chegaram até nós.
Embora não seja possível confirmá-lo plenamente, pudemos constatar que, desde o início das
fontes por nós trabalhadas – praticamente coincidentes com as deliberações do Capítulo Geral de
Setúbal de 1515 - se sucedem nos proémios justificativos das visitas, as menções a partes do
Mestrado que há muito não eram visitadas, daí resultando que os bens, possessões, jurisdições e
direitos da Ordem andassem muy enleados, e também a muyta njcycidade d aver mjster
coregimentos e Reformaçam nas pessoas dos cavaleyros e freyres da dita ordem.
Até certo ponto poderia admitir-se que a frequência destas justificações correspondesse a um tipo
de "formulário estereotipado", mas bastará verificar o escasso número de visitas registadas no
supracitado gráfico dos ritmos das visitações realizadas entre 1492 e 1515, para se ficar com a
noção de que o número daquelas que tinham sido efectivamente realizadas ás duas milícias, nas
duas décadas precedentes, era inferior ao quantitativo global das Comendas da Ordem. Esta
situação aponta claramente para aquilo que, sem risco de incorrer em anacronismo, poderemos
classificar como um défice de controlo administrativo que, não obstante o alegado
"empenhamento da hierarquia dirigente no zelar pela gestão do território " a impederia de
desenvolver uma gestão inteiramente adequada, não apenas de acordo com os padrões da Idade
Moderna, mas tal como era praticada por outras instituições que revelaram uma especial aptidão
para gerir os respectivos patrimónios.
Não obstante a distribuição geográfica das localidade e terras sob administração da cavalaria de
Avis - se comparada com a maior amplitude e dispersão dos territórios sob jurisdição das Ordens
de Cristo e Santiago - se apresentar concentrada num núcleo principal, ao qual se acrescentava
apenas um pequeno número de localidades excêntricas, no Capítulo Geral daquela primeira
milícia reunido em S. Luís de Lisboa a 27 de Fevereiro de 1538 foi decidido "…Repartyr o
mestrado em duas comarcas" sob a alegação de que, com essa repartição, as visitações
decorreriam melhor e " pêra em mays breue tempo se poder acabar a vysytaçam" . O que, em
termos práticos, parece apontar para que, decorridos cerca de 23 anos sobre o Capítulo Geral
antecedente, e as visitações que logo após se iniciaram, em Novembro de 1515, esse órgão
colegial tomava consciência da necessidade de adoptar medidas administrativas que permitissem
uma mais eficaz e célere execução das visitas.Aparentemente existia uma noção antiga e clara da
existência de muitas situações indesejáveis, uma vez que, já en finais de 1515, os visitadores que
se deslocaram à Alcáçova de Elvas constatavam terem encontrado (em visitações anteriores que,
todavia, desconhecemos) muitas terras baldias e desaproveitadas em muitas Comendas de que "a
ordem recebe muyta perda e dano" . Não parece de excluir que já anteriormente à formalização
das duas divisões administrativas do Mestrado se houvessem ensaiado soluções dessa natureza.
Pelo menos é o que julgamos poder depreender-se da seguinte passagem de 1519 " … visitadores
em outro lugar desta parte do mestrado"
A mesma fonte, ao referir expressamente a parte do Mestrado que cabia aos visitadores eleitos
por esse colégio, Francisco Coelho, cavaleiro da Ordem, e Frei André Dias, prior de Avis,
configura a composição de uma das anteditas comarcas, o que, por contraposição com as
Comendas da Ordem referidas na lista de 1534, poderá restituir, ao menos parcialmente, a 2.ª
comarca de visitações deliberada no Capítulo de 1538.
Quadro n.º 10
Divisão do Mestrado de Avis em Comarcas
na sequência do Capítulo Geral de 1538
Esta decisão de dividir o Mestrado de Avis em duas comarcas de distintas, mais de quatro décadas após o
início do governo de D. Jorge, obriga a alguma ponderação.
Independentemente das razões de natureza logística e administrativa que lhe terão estado
subjacentes, não pode desligar-se das dimensões e características específicas da componente
humana da Ordem de Avis, bem como da distribuição dos territórios sob a jurisdição da Ordem.
Teremos ocasião de verificar na maioria das fontes sobre as quais trabalhámos que, durante o
período em apreço, uma parcela significativa da hierarquia dirigente da Ordem, pelo menos no
respeitante aos Comendadores, talvez em virtude da sua origem social e da natureza familiar que
evidenciam, se caracterizava pelo absentismo, e deixava adivinhar uma relação pouco
empenhada na a gestão presencial das suas Comendas, cujas receitas eram normalmente
arrendada, não se constantando a existência generalisada de "reservas úteis" em regime de
exploração directa, ou sequer que tenham ficado registadas nas fontes consultadas iniciativas
desses mesmos dignitários que tivessem como objectivo o aumento sustentado da rentabilidade
das respectivas Comendas, ao contrário do que se verifica com os visitadores.
A despeito de numerosos casos de intervenção directa do Mestre, encontram-se casos de
usurpação das suas competências específicas, designadamente no que toca ao provimento de
cargos e ofícios, efectuadas por parentes próximos de D. Jorge. O estado de conservação das
igrejas e ermidas, bem como dos paramentos, objectos de culto e livros litúrgicos, é no geral
medíocre, a exploração económica está, na maioria dos casos, longe de restituir uma imagem de
empenhamento activo, continuado e eficaz no máximo aproveitamento do potencial representado
pelo património da milícia, e, como já foi referido, a recolha das rendas, direitos e receitas fiscais
previstas pelas jurisdições da Ordem encontrava-se delegada em arrendatários.
Nas suas determinações gerais os visitadores, como já afloramos, retratam e evidenciam este
tipo de situações, ordenam medidas correctivas, fixam os prazos de execução das mesmas e
estipulam as coimas aplicáveis em caso de incumprimento, remetendo para o Mestre e/ou
respectiva chancelaria os casos que transcendessem as suas próprias competências.
De um modo geral, e de acordo com o que julgamos depreender das fontes por nós trabalhadas,
parece admissível que, no caso de ser regular, continuada e efectivamente obedecida, a
actividade dos visitadores pudesse constituir um instrumento de controlo administrativo da maior
relevância para o eficaz governo da Ordem.
Embora se torne necessário ponderar que essa irrupção, de certo modo intempestiva, no
acomodado quotidiano da vida das Comendas, representando inevitavelmente uma "ingerência"
que vinha sacudir e perturbar os interesses instalados, não deixaria de suscitar resistências
surdas, ou conflitos mais evidentes que, obviamente, este tipo de fontes não espelha.
Interrogamo-nos sobre a possibilidade desses atritos poderem ter contribuído, ao menos
subsidiariamente, para que a cadência fixada na Normativa acabasse por nunca ter sido
integralmente cumprida. E desse incumprimento decorrendo que o carácter interpolado e não
sistemático das visitações estudadas torna difícil, senão impossível, uma avalição do impacto
efectivo das anteditas determinações, bem como dos seus efeitos no aperfeiçoamento da gestão
económico-financeira, na melhoria das condições de vida das comunidades que habitavam nos
territórios da milícia de Avis, e no ministério espiritual de a Ordem estava incumbida.
Para tentar compreender as razões que poderiam justificar o ritmo inadequado das visitações, e a
necessidade da divisão do Mestrado em 2 comarcas, tentemos proceder a uma avaliação sumária
do esforço que as visitações poderiam exigir ao "aparelho administrativo" da Ordem de Avis.
O "primeiro ciclo" das fontes em estudo, correspondendo ao final de 1515 e Verão de 1516, tem
o seu início cerca de um trimestre depois do já referido Capítulo Geral da Ordem realizado no
convento do Espírito Santo de Setúbal, em 13 de Agosto desse primeiro ano de 1515, o 2.º
reunido sob o governo do Mestre D. Jorge, 12 anos depois do primeiro que – recorde-se – tivera
lugar na mesma vila em 2 de Agosto de 1503.
Como se contém no proémio da primeira visita efectuada neste antedito primeiro ciclo, após um
período de 12 anos decorridos sobre o Capítulo Geral anterior foram eleitos visitadores "pêra
avermos de visitar certa parte do mestrado que avia muytos annos que nom fora visytado e tinha
muyra njcicidade d aver mjster coregimentos e Reformaçam asy nas pessoas dos cavaleyros e
freyres da dita ordem como nos beens e posiçõesjurdições dereytos della que ao presemte
amdavam muy enleados"
Se interpretada literalmente, a referência limititativa a certa parte do mestrado poderia indiciar
que a situação evidenciada se reportava apenas a uma parcela das terras sob jurisdição da ordem.
E, a fazer fé nas fontes que trabalhámos, a região que necessitava de intervenção urgente estava
bem circunscrita e era limitada, visto que esse primeiro arranque fiscalizador e reformador,
desenvolvido entre Novembro de 1515, e os meses de Junho e Julho do ano seguinte incidiu
apenas sobre uma "corda" de três localidades fronteiriças: a cidade de Elvas, que distava de
Juromenha cerca de 3 léguas, o Alandroal, a outras 3 léguas desta última vila, sendo de realçar
que essa ordem de distâncias, mesmo na época a que nos reportamos, não era de natureza a
impedir que, terminada a visitação de Juromenha no dia 20 de Junho de 1516, as fontes refiram
que os visitadores se encontravam já no Alandroal no dia seguinte.
Mas suspeitamos que a ausência de uma reacção mais empenhada do que aquela que julgamos
entrever nas fontes estudadas não tenha ficado a dever-se à limitada circuncrição das áreas
problemáticas, mesmo tendo em atenção o facto de que nos debruçamos apenas sobre os
fragmentos de Arquivo que sobreviveram.
Se, um trimestre após o Capítulo Geral de 1515, em pleno Inverno, o que parece poder denotar
uma vontade de resposta institucional bem determinada, se inicia, logo em 18 de Novembro, a
visita à Alcáçova de Elvas, tal urgência pode ter-se prendido com o facto da Comenda se
encontrar vaga, e portanto sem "administrador em exercício" por morte de Diogo Velho que della
foy ultimo comendador ao tempo que se fez a dita visitação .
Embora se conheça que esta última personagem ocupava já a dignidade por ocasião do Capítulo
Geral de 1503, ficamos na ignorância do lapso de tempo decorrido desde o seu falecimento, e
ficamos cientes de que o provimento de um novo Comendador pode ter sido relativamente lento,
uma vez que Henrique Henriques de Miranda (precisamente um dos visitadores de 1515, o que
pode não ter sido coincidência)) só parece documentar-se como estando investido da dignidade
de novo Comendador da Alcáçova de Elvas em data um pouco anterior a 1 de Setembro de 1517
quando assinou ter recebido os 71 fólios que constituíam o texto da visitação que havia efectuado
cerca de dois anos antes.
A fonte sobre a qual trabalhamos (que refere uma visitação anterior, provavelmente ocorrida
entre 1503 e 1515 que, todavia, desconhecemos), fazendo embora menção da data do início da
visita ora em apreço, é omissa sobre o seu termo, e deixa-nos na ignorância acerca da respectiva
duração. Mas, embora com a necessária cautela, admitimos que tenha sido breve.
O novo Comendador Henriques de Miranda regista que recebeu os 71 fólios (na nossa fonte este
número não ultrapassam o inventário das vinhas aforadas pela Ordem) correspondentes à sua
anterior visitação; ora na fonte sobre a qual trabalhámos essa mesma visita ocupa 168 fólios,
sendo que apenas 28 respeitam à visitação propriamente dita, e os restantes 140 constituem o
tombo dos Reguengos e possessões que a ordem tem nesta cidade (de Elvas) e seu termo. É certo
que o texto em apreço constituiu como que uma "espécie de palimpsesto", visto encontrar-se
interpolado por referências a uma outra visitação (e a outro tombo) realizada em Abril de
1539 .Mas, cremos que do que fica exposto não parece inadmissível que os 71 fólios
correspondentes à versão da visita que Henriques de Miranda assinou em 1517 contivessem
apenas a visitação e, quando muito, um primeiro inventário de bens e possessões,
necessariamente mais sucinto do que aquele que se alonga por 140 fólios. na fonte por nós
trabalhada. E, se assim fosse, a visitação efectuada em Novembro de 1515 à Alcáçova de Elvas
poderia não ter execedido a duração média de 13 dias correspondente ás 2 visitas subsequentes
de 1516.
Ou seja: embora rápida na reacção aos problemas detectados, ou apenas novamente
inventariados por ocasião do 2.º Capítulo Geral do Mestrado em apreço, a actividade de visitação
terá ocupado apenas dois visitadores: (Henrique Henriques de Miranda, referenciado como
Comendador de Santa Maria do Castelo de Portalegre, e Alcaide-mor de Fronteira, e Frei Tristão,
precisamente o prior da igreja da Alcáçova de Elvas, e um escrivão, Brás Gato, escudeiro da
Casa do Mestre D. Jorge, que terão demorado, como aventámos acima, cerca de 12 dias na
Alcáçova de Elvas).
De acordo com as fontes estudadas essa actividade só seria retomada no Verão seguinte, mais
precisamente em 8 de Junho de 1516, dia em que a mesma "equipa" iniciou a visitação da
Comenda e heranças da vila de Juromenha que terminaria 12 dias mais tarde, a 20 do mesmo
mês.
A última visitação deste ano de 1516, sempre realizada pela mesma "equipa", iniciou-se a 21 de
Junho, dia imediato ao termo da visita antecedente (o que implicaria uma jornada de cerca de 2,5
léguas), encerrando-se 13/14 dias mais tarde, em 5 de Julho desse ano.Mais uma vez o texto por
nós estudado no livro 13 de visitações, embora referindo que a versão original se limitava a 34
fólios, abrange 67 onde se contêm anotações efectuadas em Abril de 1539 pelos mesmos
anteditos visitadores Francisco Coelho, cavaleiro da Ordem e por Frei André Dias, prior de Avis,
que incluímos já numa 2.ª fase dum 2.ª ciclo de visitações, iniciado em 1538.
Estas constatações levam-nos a admitir que as fontes em apreço possam ter resultado de um
processo "sedimentar" de deposição de sucessivas "actualizações", cujo percurso não
conseguimos reconstituir, embora se comprove que, no caso de se não terem efectuado outras
visitações intercalares, das quais, pelo menos, não temos notícia, possam ter decorrido cerca de
23 anos entre as duas séries de visitações à Alcáçova de Elvas, Juromenha e Alandroal que se
encontram referidas nas fontes em apreço.Hiato temporal bem diverso da cadência anual
consagrada na Norma e, convenhamos, demasiado alongado para uma gestão eficiente e
actualizada.
O que, resumidamente, indica que um conjunto de 2 visitadores e um escrivão, correspondendo à
urgência das situações retratadas no Capítulo Geral de 1515, visitaram entre o Inverno desse
último ano e o início de Julho de 1516 uma parcela correspondente a 3 das localidades que
integravam uma "cortina de postos fronteiriços" controlada pela Ordem e que se estendia desde a
cidade de Elvas, que fechava o secular itinerário de invasão a partir de Badajoz, a Olivença,
Juromenha, Alandroal, Terena, Mourão, Moura e Serpa.
Uma equipa de 3 quadros da Ordem dispendera cerca de 38/39 dias para visitar 3 localidades da
Ordem, todas elas muito próximas, o que se afigura exíguo e inadequado, tanto no respeitante
aos "recursos humanos" envolvidos, como ao aproveitamento do tempo (uma vez que,
aparentemente, outras visitas poderiam ter-se efectuado nesse espaço de muitos meses,
trabalhando e viajando ao mesmo ritmo) e ao produto final dessa tarefa, se comparada com a já
referida constatação do Capítulo de que essa " parte do mestrado avia muytos annos que nom
fora visytado e tinha muyta njcicidade d aver mjster coregimentos e Reformaçam".
Agravando a situação descrita, as fontes trabalhadas omitem visitações intercalares,
possivelmente efectuadas em 1516/1517, e seguramente em 1518, como se depreende do
conteúdo de uma carta de poder de finais de Outubro de 1518, que abaixo transcrevemos
parcialmente, e apenas no começo de Fevereiro de 1519 voltamos a ter conhecimento directo da
prossecução do esforço iniciado em meados de Novembro de 1515, com uma segunda série de
visitas que iriam encerrar este 1.º ciclo.
Uma nova equipa de visitadores seria encarregada desta tarefa, o bacharel D. Frei Nuno
Cordeiro, cavaleiro da Ordem, Prior-mor do convento e cavalaria de Avis e prior e beneficiado da
igreja de S. João de Coruche,
e Frei João Rolão, prior de Vila Viçosa. O escrivão das visitações, directamente nomeado pelo
Mestre foi Álvaro Eanes Pinheiro " nosso escudeiro e esprivam do almoxarifado davis que é
pêra isto bem alto suficiente e o fará beem e como se deve a nosso serviço cumprir".
Embora seja de admitir que este conjunto de membros de Avis possa reflectir uma escolha
ponderada por parte de D. Jorge, visando seleccionar gente com perfil adequado para a missão,
ele não corresponde todavia à proposta inicial, como se depreende do conteúdo de uma carta de
concessão de poderes assinada pelo Mestre, e selada com o seu selo, que Pêro Coelho escreveu
em Setúbal a 26 de Outubro de 1518, e que transcrevemos parcialmente:
"Dom Jorge etc…fazemos saber (…) que perquanto Lopo dazevedo que tínhamos ordenado a ele
e a dom frei Nuno Cordeiro pryor moor do nosso convento d'Avis por visitadores pera visitarem
certa parte do mestrado que per nossa carta levavam e o dito Lopo d'Azevedo tem outras
ocupações em nosso Serviço por que nom pode acabar a dita visitaçam Per esta cometemos e
damos poder ao Dicto Dom pryor que elle com frei Jhoam Rolam, pryor de vila viçosa faça e
acabe a dicta visitaçam asy nos lugares que jaa foram começados de visitar com o dicto Lopo
dazevedo como nos outros lugares que lhe tínhamos limitado que estam per visitar…"
Como vimos, Lopo de Azevedo, após um período em que, conjuntamente com o Prior mor D.
Frei Nuno, efectuou visitações documentadas, foi designado pelo Mestre D. Jorge para o
desempenho de outras missões entre Fevereiro e Outubro de 1518, sendo a "equipa" de
visitadores reconstituída com o prior de Vila Viçosa, e mantendo-se o mesmo escrivão.
Com excepção da Comenda de Albufeira, não alcançámos saber quais teriam sido os lugares que
jaa foram começados de visitar, nem temos uma noção, ao menos aproximativa, de quais
tivessem sido os outros lugares que lhe tínhamos limitado que estam per visitar. Mas, em
contrapartida, ficámos a saber que o Mestre queria que esse plano de trabalhos, fixado para a
dupla inicial de visitadores, ficasse integralmente cumprido até 24 de Junho de 1519 e também
que, efectivamente, foram realizadas, pelo menos, cinco visitações entre o começo de Fevereiro e
meados de Abril desse último ano.
Esses quase dois meses e meio de trabalho correspondem a um circuito de localidades centrado
em Avis, e realizado no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, com um raio máximo
correspondente a 4 léguas (Mora) e um raio mínimo inferior a 2 léguas (Figueira),
geograficamente uma parcela daquilo que talvez se pudesse considerar o "coração do Mestrado".
Esta parte final do "ciclo" iniciado em 1515 teve lugar na Comenda do Cano, no dia 9 de
Fevereiro de 1519, e prolongou-se por cerca de duas semanas, até 24 do mesmo mês. Uma
semana mais tarde, no dia 1 de Março, os visitadores davam início à visita da vizinha localidade
da Figueira, onde se demoraram apenas durante uma semana de trabalho dando a visita por
concluída a 8 desse mês. Mais uma vez somos confrontados com a relativa celeridade com que
se efectuavam as deslocações destas comitivas de dignitários da Ordem ao constatar que, ao cair
da noite do mesmo dia em que as fontes registam o termo dos trabalhos realizados na Figueira, (8
de Março) os visitadores se encontravam já na vila de Seda (quase 5 léguas), dando começo à
visitação desta última Comenda na manhã do dia 9. Permanecem na vila de Seda 19 dias, dando
os trabalhos – mais extensos que os precedentes e que correspondiam inicialmente a 70 fólios –
por encerrados em 28 de Março.
Recomeçaram a jornada, tendo chegado ás Galveias (um pouco menos de 4 léguas) no final do
dia imediato, dando início a esta penúltima visitação em 30 de Março. Permaneceram outra
semana na Comenda das Galveias, dando os trabalhos por terminados em 6 do seguinte mês de
Abril (46 fólios).
A despeito de terem pela frente uma deslocação superior a 4 léguas encontravam-se já em Mora
no dia seguinte (7 de Abril), no qual encetaram a derradeira visita deste ciclo, encerrada 10 dias
depois, a 17 desse mesmo mês, que ficou escrita em 36 fólios.
Ignoramos se estes visitadores se limitaram às cinco visitas contidas no livro em análise,
cumprindo assim o prazo fixado pelo Mestre, ou se vieram a afectuar-se outras visitas que as
fontes em apreço não contêm, as quais – se efectivamente ocorreram – podem ter, ou não,
decorrido até à data limite de 24 de Junho que lhes tinha sido determinada.
Quadro n.º 11
Quadro cronológico das 16 visitações estudadas
O detalhe de informação que estes três códices da Ordem de Avis nos permitiu conhecer, merece
agora uma apresentação que tentaremos fazer com o rigor que as referidas fontes permitem.
a) Sobre o espiritual
Como é habitual nestas inspecções periódicas ás ordens militares encontramo-nos perante um
conjunto de disposições respeitantes à prática religiosa que incidem sobre o comportamento e
obrigações dos clérigos da Ordem, dos fiéis em geral, ou associados em congregações, ao
património sacro edificado, à origem e aplicação dos fundos destinados à respectiva conservação
e dotação, aos paramentos, ornamentos dos templos, suas alfaias e vasos litúrgicos.
No entanto as dezanove disposições sobre matéria espiritual que geralmente seguem o paradigma
escolhido incidem sobre um âmbito relativamente mais vasto de assuntos, mas não se encontram
"arrumadas" na fonte de acordo com qualquer critério perceptível que tenha presidido à sua
enumeração sequencial.
Com efeito, as duas primeiras matérias abordadas respeitam aos Santos Óleos e à lavagem
periódica de corporais, palas e outros ornamentos litúrgicos,assuntos certamente pertinentes, mas
que embora não configurando as mais prementes precupações de índole espiritual que
poderíamos supor terem sido debatidas no Capítulo Geral antecedente, viriam a emergir como
uma das constantes destas visitações. È forçoso reconhecer o carácter eminentemente pragmático
destas disposições, mais ajustadas ao quotidiano da prática litúrgica das localidades a que se
dirigiam, do que a grandes debates teológicos ou a um esforço de inovação reflectido nos textos
normativos.
Agrupar as restantes por categorias nem sempre se torna fácil e evidente. Se admitimos que a
regulamentação das penas aplicáveis aos fiéis que se não confessassem nem comungassem, o
cumprimento do preceito de missa dominical, a enumeração das orações que os priores ou
capelães deviam ensinar aos fregueses, a encomendação do Mestre pelos fiéis e, talvez, a
celebração do santo patrono S. Bento se poderão enquadrar numa categoria genérica que tinha
nos paroquianos o seu destinatário final, já outras espelham preocupações de índole diversa.
A regulamentação do rezar da horas canónicas, do sair sobre as sepulturas às segundas-feiras e
do tanger das Ave-marias destinam-se inequivocamente a regulamentar e homogenizar
determinadas práticas do ritual em todo o Mestrado.
Por seu turno a determinação sobre o apontamento das faltas e incumprimentos dos priores
apresenta uma conotação marcadamente disciplinar à qual, sublinhe-se, não corresponde
qualquer medida paralela incidente sobre os incumprimentos dos Comendadores que, como
veremos, eram por via de regra responsáveis pelo pagamento do mantimento dos clérigos e
obrigados a uma parte leonina das obras, conservação, reparação e dotação das respectivas
igrejas, matérias geralmente remetidas para as determinações particulares.
Já as determinações gerais que impunham aos administradores das capelas que fizessem celebrar
as missas por clérigos da Ordem, ou a proibição de publicar cartas de prelados cujo conteúdo
fosse lesivo dos interesses da milícia de Avis e, de certo modo, a regulamentação da actividade
dos chamados frades e clérigos vagabundos que se encontrassem em terras do Mestrado poderão
incluir-se numa política de protecção das prerrogativas da Ordem.
Finalmente a proibição de edificar capelas ou ermidas sem autorização prévia do Mestre,
explicitamente referida pela norma, a criação e regulmentação das funções e privilégios dos
manposteiro, o direito à consulta dos testamentos por parte dos priores, a supervisão das contas
dos mordomos das confrarias eram medidas de natureza administrativa que visavam evitar
situações de desgoverno das estruturas que asseguravam o normal funcionamento da dimensão
espiritual.
Seríamos levados a considerar quase trivial, desgarrado e pouco ambicioso, este conjunto de
determinações gerais sobre o espritual que nortearam a Ordem Militar de Avis entre 1515 e 1538,
tendo presente a conjuntura religiosa europeia em que se inseriam, e as consequências
advenientes para a generalidade do mundo cristão, se o seu confronto com as determinações das
ordens militares de Cristo e Santiago não espelhassem, ao menos aparentemente, uma situação
de generalizado alheamento, em relação com as grandes questões que, nessa precisa ocasião,
dilaceravam a cristandade.
b) Sobre o temporal
Passando em revista as oito determinações gerais incidentes sobre matéria temporal verificamos
que 50% delas incidiam sobre matéria fiscal, mais concretamente sobre os dízimos, cujos
incumprimentos são analisados sob uma dupla perspectiva. Primeiramente na óptica da
intromissão dos priores que, depreende-se, algumas vezes, tendo presentes as frequentes
ausências dos Comendadores se viam colocados na posição de "diginitários mais graduados" da
Ordem presentes no terreno, sendo chamados – ou erigindo-se – em decisores sobre importantes
questões tributárias. Ou ainda, embora no âmbito do seu munus pastoral, absolveriam os
tributados que de algum modo se teriam eximido ao cumprimento integral do estipulado, e
interpretariam casuisticamente as penas em que estes teriam incorrido, encaminhando o produto
das coimas para outros fins que não os previstos na leitura que a Ordem fazia do direito
canónico.
Nas perspectiva dos tributados contemplavam-se expressamente alguns dos subterfúgios e
expedientes mais frequentemente utilizados pelos lavradores para se eximirem ao cumprimento
integral da obrigação de dízimo, como ocorria com o modo com que efectuavam "cachos", ou se
levantava ou cereal das eiras sem a fiscalização prévia da parcela correspondente ao dízimo.
Por sua vez as determinações sobre as isenções do direito de portagem e as posturas concelhias
que fossem publicadas sem atempada notificação ao Mestre poderão entender-se como medidas
cautelares de salvaguarda da jurisdição e prerrogativas senhoriais da Ordem.
A minuciosa regulamentação da dada de terras não aproveitadas, recordando os objectivos
prosseguidos pela longínqua lei fernandina das semarias, explicita quais os mandatários da
Ordem susceptíveis de receberem poderes delegados para a afectuar, descrimina várias hipóteses
de titularidade de propriedades não aproveitadas, e a tramitação processual que deveria observar-
se em cada um dos casos , fixa prazos e penas por incumprimento, ao mesmo tempo que espelha
o antigo e generalizado conflito entre a agropecuária, a pastorícia, e as vinhas, pomares, courelas
de horta, levadas de moinhos, e mesmo terras de pão. Conflito esse de que teremos ocasião de
abordar, por ocasião da visitação a Fronteira em Outubro de 1538, um caso paradigmático que
opunha o fidalgo Brás Palha, proprietário de uma uma eguada, e os lavradores do concelho.
Finalmente, a determinação referente ás demarcações dos bens próprios da Ordem, que os
Comendadores deveriam efectuar periodicamente, bem como a sua sinalização com marcos
autorizados, e a fixação de lindes separatórias nas extremas, reflecte a necessidade de manter
actualizado o respectivo cadastro, e mimimizar as hipóteses de conflitos entre lavradores
confinantes entre si ou entre os bens da Ordem e herdamento na posse de terceiros.
Terminada esta sumaríssima introdução passaremos a elencar na íntegra, respeitando a ordem
constante na fonte, as determinações da visitação de 1516 a Juromenha, por nós consideradas
como um exemplo paradigmático para todas as outras localidades, as quais, apenas com ligeiras
variações ocasionais, os delegados do Mestre registaram nas restantes localidades visitadas.
• Aspectos religioso-comportamentais
4. Que os administradores das capelas não mandassem rezar missas por clérigos de fora .
A prática de instituir capelas desenvolveu-se sobretudo após as leis de desamortização que
visavam dificultar a concentração de património fundiário na posse das igrejas.Foram adoptadas
no reinado de D. Dinis medidas destinadas a limitar abusos e restringir as possibilidades de
aquisição de novas propriedades por parte da Igreja. Dentre estas medidas aquela que
especialmente nos interessa era proibição de legados pios, excepto sob a forma de aniversários e
capelas, cujos bens seriam deixados a um leigo que mandaria cantar as missas estipuladas e
pagaria os tributos régios e concelhios "Mais tarde, em resposta a um dos artigos que lhe foram
submetidos pelo clero no decurso do seu reinado, D. Afonso V reafirmaria que podiam ser
deixadas propriedades a leigos a título de aniversários ou capelas"
Julgamos que capela neste contexto se estenderia aos, por vezes designados, morgados
eclesiásticos com administadores leigos. D. Manuel I distinguiu os morgados das capelas
esclarecendo que nos morgados existia um rendimento certo para o encargo, e todo o
remanescente era destinado ao administrador, enquanto nas capelas se encontrava fixado um
rendimento certo para o administrador, ficando o remanescente consignado ao custeio dos
encargos pios. Os intituídores das capelas dotavam-nas com determinados bens cujo rendimento
global, exluída a "remuneração" do administrador, deveria custear certos encargos pios que
incluíam geralmente a obrigação de missas, a celebrar em determinadas ocasiões de acordo com
a intenção dos instituidores , geralmente por um clérigo exterior à igreja, e preferencialmente
pertencente à linhagem dos fundadores. Estes leigos (no caso os administradores de capelas)
encarregar-se-iam de pagar com o produto da exploração desses mesmos bens, as missas e outras
formas de culto ligadas ao ofício dos defuntos , que, como acima referimos, eram geralmente
celebradas por clérigos exteriores à igreja, e preferencialmente pertencentes à linhagem dos
instituidores. Fosse por economia de gestão da capela, ou por preferência dada a parentes, ou por
deleixo dos sacerdotes pertencentes à instituição constata-se que os clérigos da Ordem de Avis se
sentiam descriminados.
Encontramo-nos assim perante uma medida destinada a salvaguardar direitos, tanto mais que
alguns dos administradores de capelas instituídas em localidades sob jurisdição de Avis eram eles
próprios clérigos, talvez descendentes dos instituidores, mas que não encontramos referênciados
como fazendo parte desta ordem militar
5. Sobre o rezar das horas.
As horas canónicas constituíam uma obrigação fundamental do prior e dos raçoeiros. De acordo
com BOUUAERT o seu objectivo era o seguinte : "…d’assurer, sous un triple aspect,
l’éxécution dês obligations du chrétien envers Dieu: d’abord, le devoir de prière, ensuite, les
devoirs de la prière vocale; enfin, celui de la fréquence journalière de la prière". Em número de
oito (laudes, prima, tercia, sexta, noa, vésperas, completas e matinas) essas horas canónicas
foram sendo aligeiradas para o clero secular. No século XIII, foi criado em Roma um breviário
que reunia, de modo sucinto, todas as obras necessárias ao culto. Nele estavam contidos ofícios
mais curtos do que as horas canónicas até aí rezadas e que foi rapidamente adoptado. Estas
orações começavam a ser rezadas pelo prior e raçoeiros antes do despontar do dia, prosseguindo,
com interrupções mais ou menos prolongadas, até ao tombar da noite. O prior e os raçoeiros
deviam comparecer também à missa capitular, celebrada depois da hora de tércia .Tendo sido
salientada a importância da presença ás horas canónicas, como veremos rezadas dentro da igreja,
restava ainda uma questão de dignificação, atitude e indumentária adequada, nesta determinação
materializada pela recomendação geral do uso de sobrepeliz . Louvamo-nos na opinião de
RODRIGUES que considera que havia frequentes infracções a esta regra (do uso da sobrepeliz)
o que prejudicava a solenidade dos ofícios e a compustura dos clérigos Acrescentaremos apenas
que a menção ao rezar das horas "no domicílio" inviabilizaria qualquer tentativa de fiscalização
efectiva dessa obrigação, tudo preocupações constantes na determinação que a visita inclui.
Muito embora as infrações fossem extensivas aos raçoeiros, documentadamente existentes, por
exemplo: na comenda da Alcáçova de Elvas, estes encontravam-se sob jurisdição episcopal, logo
não abrangidos pelas determinações dos visitadores.
8. Do manposteiro
Personagem que deveria ser eleito em cada Igreja com a função específica de pedir uma
contribuição todos os domingos para a fábrica,o que faria juntamente com o Comendador, no
caso deste se encontrar presente.
Para os que desempenhassem tal função, o Mestre escusava dos encargos do concelho.
2. Isenção da portagem
Sendo conhecido que algumas pessoas se escusavam de pagar portagem, alegando para tal
privilégios, situação que ocasionava muitas dúvidas e diminuição nas rendas da Ordem, os
visitadores determinaram que, daí em diante, ninguém fosse escusado de pagar portagem, mesmo
que exibisse privilégio para isso, porquanto o Mestre detinha um privilégio do rei no qual se
delarava não ser intenção do monarca ocasionar prejuízos acarretados pelas isenções de algumas
pessoas.
4. Sobre os cachos.
Fora apontado por alguns Comendadores do Mestrado que muitos lavradores que não queriam
pagar inteiramente o seu dízimo, faziam muitos cachos dos quais se não dizimavam, sem
embargo de que , em sinal de universal senhorio, tinha sido ordenado por nosso senhor que
inteiramente se pagasse o dízimo de todos os frutos que a terra dava.
Perante esta infracção os visitadores ordenaram que, de aí em diante,os lavradores se dizimassem
também dos ditos cachos, e os orçamentassem de acordo com os alqueires que eles poderiam
representar para que, de acordo com esse orçamento fosse pago o dízimo.Em alternativa
poderiam os mesmos lavradores pagar o dízimo pelos ditos cachos no caso de os não quererem
orçamentar.
Localidade Datas limite da visitação N.º de dias N.º de fólios Nº de fólios abrangidos
referidos na fonte
Alcáçova de Elvas 18.11.1515 -? ___ 76 Correspondendo a 168fls
Juromenha 8.6 - 20.6 de 1515 12 42 Correspondendo a 86 fls
Alandroal 21.6 - 5.7 de 1515 14 48 Correspondendo a 67 fls.
Cano 9.2 - 24.2 de 1519 15 56 Correspondendo a 64 fls.
Figueira 1.3 - 8.3 de 1519 7 46 Correspondendo a 46 fls.
Seda 9.3- 6.04 de 1519 19 70 Correspondendo a 85 fls.
Galveias 30.3 - 6.4 de 1519 7 46 Correspondendo a 42 fls.
Mora 7- 27.4 de 1519 20 36 Correspondendo a 33 fls.
A primeira constatação a retirar deste 1.º ciclo de visitações é a de que, exceptuando a efectuada
na alcáçova de Elvas, Comenda que, como vimos, se encontrava vaga por morte de Diogo Velho,
e exigiria um urgente "balanço" anterior ao provimento de um novo Comendador, todas as
restantes incidiram sobre vilas e localidades da Ordem, abrangendo 50% das terras que
pertenciam à milícia de Avis na comarca, mas apenas 27,48% dos moradores residentes na
globalidade das localidades da Ordem situadas na referida comarca, de acordo com os dados
retirados do Numeramento de 1532. Talvez seja possível detectar uma prioridade dirigida, em
primeira instância, para as vilas e lugares plenamente integrados no "património" da milícia de
Avis, relegando para uma fase ulterior as visitas ás cerca de 30 Comendas situadas em
localidades que não pertenciam à Ordem.
Com efeito, exceptuando a Comenda da Alcáçova de Elvas, que constituía uma excepção já
justificada, mas próxima do Alandroal, que pertencia à Mesa Mestral e ficava adjacente a
Juromenha, tornando lógica a sequência das primeiras visitas, as segundas, incidindo sobre as
localidades de Mora, Galveias, Seda, Figueira, e Cano que formavam um anel envolvente em
redor da vila da Avis, cabeça da Ordem, e eram, sem excepção, terras sobre as quais a Ordem
detinha jurisdição temporal e, portanto, um mais amplo controlo. Do nosso ponto de vista
justificava-se essa metodologia irradiante de "arrumar a casa"começando pela periferia imediata
de Avis nas localidades onde a Ordem detinha uma mais ampla jurisdição que, logicamente,
exigiria um maior controlo, justificado inclusivamente por um conhecimento próximo das
respectivas necessidades.
Se as razões desta prioridade se radicavam no desiderato de conseguir reforçar o controlo sobre
um "núcleo duro" do património, não é de excluir que outras razões tivessem presidido à escolha
das terras visitadas. Juromenha e Alandroal eram praças fronteiriças, sendo que a última, como
dissemos, pertencia à Mesa Mestral e justificava um interesse especial por parte de D. Jorge. Já
as quatro localidades visitadas em 1519 inscreviam-se no circuito periférico da vila de Avis,
cabeça da Ordem, e a sua selecção tanto pode ter obedecido aos critérios metodológicos acima
apontados, como a razões de natureza logística. Mas não é possível a fastar a hipótese de terem
existido outras visitações no mesmo período, e que estas tenham sido efectuadas noutras
localidades, obedecendo a critérios diversos.
Admitindo, como postulado, que a 1.ª visitação deste ciclo tenha tido uma duração equivalente à
média da soma dos dias empregues nas 7 visitas seguintes obteremos que nas 8 visitações
subsequentes ao Capítulo Geral de 13 de Agosto de 1515 tenham sido "investidos" 96 dias de
trabalho de uma equipa de 2 visitadores e 1 escrivão, ao longo de um lapso de tempo
compreendido entre 18 de Novembro de 1515 e 27 de Abril de 1519.
Ou seja: um pouco mais de 3 meses úteis para visitar cerca de 19% das localidades do Mestrado,
todas integrando o número daquelas que virão a constituir a 1.ª comarca, ao longo de um lapso
de tempo correspondendo a cerca de 41 meses.
É certo que existem referências a, pelo menos uma, ou possivelmente 2, visitas suplementares. E
não será de excluir a hipótese de se terem efectuado outras de que, todavia, não temos notícia.
Mas, mesmo assim, para uma milícia cuja componente humana se avizinhava do meio milhar de
membros efectivos (apesar de termos presente que apenas uma parcela destes últimos teria as
capacidades e qualificações indispensáveis para desempenhar as funções de visitador ou
escrivão), distribuídos por aproximadamente meia centena de localidades nas quais detinha
detinha possessões, ou os "recursos humanos" empregues e o lapso de tempo ao longo do qual se
arrastou um processo saldado por 8/10 visitações incidindo sobre duas áreas geográficas
limitadas, reflecte dificuldades de outra natureza, que não apenas as decorrentes da logística, ou
ainda um muito medíocre empenhamento e capacidade de resposta ás situações detectadas, e
inequivocamente mencionadas nas fontes acima referidas.
Verificando-se geralmente que este tipo de constatações raramente fica a dever-se a uma causa
única, não é – apesar de tudo - fácil de afastar a sensação de que o "aparelho administrativo" da
Ordem de Avis poderia estar condicionado, nesse primeiro quartel do século XVI, por aquilo que,
sem receio de incorrer em anacronismo, poderíamos caracterizar como "uma considerável massa
de inércia".
Constataremos existirem no conjunto das 15 visitações trabalhadas, diferenças, por vezes
flagrantes, outras menos evidentes, nas áreas de enfoque preferencial, na minúcia das análises e
no carácter revelador das intenções e prioridades que se patenteiam nas determinações dos
visitadores, diferenciando de algum modo as visitas efectuadas entre 1515-1519 e aquelas que
foram efectuadas em 1538.
Acresce que as primeiras tiveram lugar no contexto do reinado de D. Manuel I, e as segundas se
desenrolaram no quadro da administração de D. João III. Embora as comendas visitadas não
coincidam integralmente nos dois períodos, Cano, Seda e Figueira foram objecto de duas visitas,
separadas por quase duas décadas, o que permitirá avaliar, não apenas a evolução verificada
como o grau de cumprimento e eficácia de algumas das determinações contidas nas primeiras
visitas. Estas razões leváram-nos a dividir o conteúdo das fontes nos dois ciclos distintos (1515-
1519 e 1538), a que se acrescenta o núcleo constituído por Cano, Seda e Figueira, terras que,
pela repetição, exigem uma análise comparativa.
Por fim, e ainda antes de uma conclusão final, faremos um apanhado síntese dos dados
recolhidos pela nossa investigação, afinal, a única forma de poder ter uma noção avalizada para
responder ao desafio deste trabalho, a caracterização possível da Ordem Militar de Avis na
primeira metade do Século XVI.
A Igreja
Os visitadores depararam-se com um templo relativamente amplo, cerca de 365 metros
quadrados de superfície , contando 5 naves armadas sobre vynte oyto mármores (colunas de) de
duas varas (2,20 m de altura) cada mármore a qual lhe calçada de pedra como Rua e em muytas
cales defeyta. Sobre as naves a igreja estava madeirada de castanho e telhada de telha vã mas
choue nella muyto esta mall acafelldo com muytos buracos pellas paredes e arcos. Em
contrapartida, a ousia (capela-mor) era feyta de abobada redomda de pedra e call , com cerca de
20 metros quadrados de superfície, e ladrilhada, mas encontraram-na danificada e também aí
chovia. Ao altar-mor, construído em alvenaria de pedra e cal, com 2,75m de comprimento por
1,10 m de altura, acedia-se por 3 degraus e, nele, os visitadores encontraram hua imagem
emcorporada de nosa senhora do pramto mytyda demtro na parede e na parte do avamgelho hua
jmagem de sam Pedro, enquanto do lado da epístola ficava hua imagem de sam bernardo casy de
todo despymtadas. A sacristia ficava do lado do evangelho, onde se abria a respectiva porta na
capela-mor. Era um compartimento com cerca de 18 metros quadrados, e nele existia um
lavatório de pedra e ficavam duas arcas onde se guardavam as vestimentas e utensílios do
culto.Encontrava-se coberta de telha vã, que assentava sobre um travejamento e forro de madeira
velha, e possuía umas portas boas e ferolho e fechadura. A inexistência de um sacrário detectada
na visita à sacristia ficou desde logo anotada, com remissão para as determinações particulares.
O templo dispunha de três portas, a principal, virada a Poente, e duas travessas, a Norte e a Sul,
sendo que a porta travessa Norte tinha huas portas muyto uelhas e quebradas.
Entrando pela porta principal da igreja os visitadores depararam-se, à direita, com um arco donde
partia a escada de acesso para o campanário, que jazia derrubado no chão ao longo de três arcos
de uma das naves. Sobre esse arco, o tecto encontrava-se madeyrado per cyma de madeyra
muyto velha e roto em que chove muyto. Do lado esquerdo de quem entrava pela porta principal,
encontrava-se uma pia baptismal em pedra com hua cobertura de maddeira com três degraos
mall concertados. Existiam ainda 2 pias de àgua benta, uma junto à porta travessa Sul e a outra
próxima da capela mor
Na parede do cruzeiro do templo encontravam-se 3 altares, o de Nossa Senhora, cerrado com
grades, um outro, dedicado a Santa Catarina, e ainda o de S. João. Metido num arco, inscrito na
cinta murária Norte, ficava um altar de S. Sebastião em que se celebrava missa cantada da
confraria aos domingos. Agremiação que, não dispondo de outros recursos que não fossem as
esmolas que se pediam pela cidade, utilizava para o efeito os paramentos e alfaias litúrgicas da
igreja.
Existiam no templo duas capelas: a de S. Bento, com cerca de 11 metros quadrados e abóbada de
cantaria, onde ficava hum muymemto de pedra, da qual era administrador Nuno Nunes da
Silveira que tinha a obrigação de mandar dizer anualmente 100 missas rezadas. A antedita capela
detinha uma herdade no termo de Campo Maior, um olival que rendia de foro 41,4 litros de
azeite para a lâmpada dela, e recebia em foros de casas na cidade 400 reais por ano. O
remanescente dos rendimentos, uma vez pagas as missas estipuladas, ficava na posse do
padroeiro.
A outra capela, de reduzidas dimensões (cerca de 3 metros 2), era dedicada a Santa Ana.S.ta Maria
da Alcáçova tinha uma torre sineira quadrangular, construída com pedra e cal, com 2 sinos, que
atingia mais de 13 metros de altura por 4 metros de perímetro (em quadra).
Conhecem-se, ainda, as dimensões do adro desta igreja que, medido desde a porta principal até
ás casas de Estêvão Margalho, que lhe ficavam defronte, tinha cerca de 15,4 metros de comprido
e, de largura, entre as casas de Álvaro de Mesquita e as casas da igreja, 40,7 metros. E da parte
do Sul, de Levante a Poente, mais de 38 metros e, de Norte a Sul, 5 metros. Da parte do Norte a
igreja não tinha adro, mas dispunha de uma muito boa cisterna de abóbada de cantaria que media
15,4 metros de comprimento por 11 metros de largura. Finalmente, da parte do Levante da
capela-mor, o adro media cerca de 6,6 metros de comprido por 22 de largura.
Quadro nº 13
Pinturas e imagens da igreja de Santa Maria da Alcáçova
Quadro nº14
Prata da igreja de Santa Maria da Alcáçova
Quadro nº 15
Vestimentas da igreja
Tipologia Características
Com um savastro de argimtyaria (sic), com as quinas del rei e cruzes de
1capa de damasco branco
S. Bento , franjada de retrós carmezim branco e azul forrado de pano de
linho, oferecida por Rui de Oliveira, usada
1 manto de damasco branco
Com um savastro de folhagem de seda verde sobre seda azul, usado
Tipologia Características
2 frontais de lambel Listados de cores feitos na terra
2 frontais godomieys (sic) de brocado, que deu Rui de Melo, novos
1 frontal de Arraz De ervagem, novo
1 frontal listado De lã de cores, novo
2 frontais godomieys(sic) Oferecidos por D. Guiomar, mulher de Rui de Melo, velhos
Umas cortinas do altar-mor, De sarja vermelha e verde, velhas
4 cortinas brancas De linho, muito velhas
3 alcatifas Velhas
1 almofada godomieys(sic) ___
9 toalhas pintadas Lavradas de seda de cores
11 mantéus dos altares De linho
8 toalhas francesas Usadas
Quadro nº17
Arame e estanho da igreja
Tipologia Características
2 castiçais Grandes.
2 castiçais Médios
2 castiçais Pequenos, quebrados
2 turíbulos Pequenos
1 bacio de oferta
1 lâmpada Com sua bacia e cadeias
2 castiçais De ferro, pequenos e velhos
4 galhetas De estanho
1 caldeira para àgua benta.. Pequena de cobre
Quadro nº18
Livros da igreja
Tipologia Características
1 missal místico De forma, em papel, roto
1 missal místico De pena e pergaminho
1 missal de missas votivas De pena e pergaminho
1 missal de orações e evangelhos de todo o ano De pena e pergaminho
1 missal de canto Em pergaminho
2 saltérios De pena e pergaminho
1 livro de baptizar, ungir e encomendar, Velho
Os três óleos santos encontravam-se em três âmbulas de estanho, cada uma com seu óleo,
colocados numa boceta grande de madeira que estava devidamente cerrada.
A documentação permitiu ainda verificar que na altura da visita não existia mais cera do que a
necessária para a missa, e esta era dada pelo Comendador e beneficiados.
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja, as suas necessidades imediatas,
poderão avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador e
beneficiados que resumiremos da seguinte forma:
1 - O Comendador ficava obrigado a financiar metade dos encargos decorrentes da conservação e
reparação da igreja, bem como da respectiva dotação, a saber: ornamentos e vestimentas, cera e
incenso.
2 - Ficava também obrigado a suportar metade dos encargos decorrentes da visitação do bispo e
tesoureiro.
3 - Estava igualmente obrigado à conservação da ermida de Santiago. As custas envolvidas
nestas obrigações encontravam-se repartidas em partes iguais entre os beneficiados da igreja e o
Comendador, embora este último pagasse na íntegra o ordenado ao prior .
4 – O prior, Frei Tristão, ficava obrigado a ministrar todos os sacramentos e a dizer as seguintes
missas: todas as festas de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, as dos doze apóstolos e as da cruz;
nos dias de S. João Baptista, Santa Catarina e S. Nicolau, quarta-feira de cinzas, e todos os
domingos da quaresma e semana santa.
Era ainda obrigado a estar continuamente presente em todos os ofícios divinos da igreja .
5 - Os fregueses da igreja não ficavam obrigados em nada para a conservação da mesma .
6 - A primeira das determinações particulares relativas a obras, benfeitorias e aquisições para esta
igreja incidia já sobre uma questão que verificaremos ser recorrente em visitações posteriores e
que, à primeira vista, poderá parecer surpreendente: a constatação de que a existência de um
sacrário não se encontrava ainda generalisada nas igrejas sob jurisdição da Ordem de Avis nos
primeiros decénios do século XVI. Depreendemos que essa situação, podendo não ser exclusiva
dos templos da milícia, constituía uma preocupação diocesana, e objecto de reiteradas
advertências por parte do bispo. Que a construção do sacrário não obedeceria, na ocasião, a
regras geralmente divulgadas, e seguidas, parece depreender-se da minúcia das instruções sobre
o respectivo modus faciendi que os vistadores deixaram estipuladas, como passamos a relatar:
Uma vez que se tinha verificado não existir sacrário na igreja, e tratando-se de uma coisa julgada
necessária ao serviço de Deus, e necessidade do povo, ao qual deviam ser ministados os
sacramentos quando deles necessitassem, e tendo isto sido tantas vezes recomendado pelo bispo
que, na ocasião, governava a diocese de Évora, os enviados do Mestre ordenaram ao
Comendador e beneficiados que mandassem fazer um sacrário até à próxima Páscoa da
Ressurreição sob pena de dois mil reais, um terço para os captivos, outro terço para a fábrica da
igreja, e o remanescente para quem acusasse.
Esse sacrário deveria ser feito desta maneira: na parede da capela-mor, da parte do evangelho,
um armário em um buraco de pedraria lavrada rebocado por dentro que seria de tabuado da parte
de fora, por causa da humidade, com as portas pintadas e fechadas com chave.
Far-se-ia uma caixa quadrada coberta de veludo, com uma fechadura e sua chave dourada para
nela ficar o santo sacramento. Diante do sacrário colocarão uma corrediça com fechadura e,
diante do sacrário, uma lâmpada grande de arame com sua bacia que esteivesse
permanentemente acesa
7 - Não existia na igreja da Alcáçova de Elvas nenhuma custódia em que se levasse o Senhor aos
enfermos, como sucedia em todas as outras igrejas, razão pela qual os visitadores ordenaram ao
Comendador e beneficiados que mandassem fazer, no prazo de um ano, uma custódia de prata
com o tamanho e peso da custódia da igreja de Santa Maria da Praça Nova, sob pena de 4.000
reais, um terço para os captivos, um terço para a fábrica e o remanescente para quem acusasse.
Teremos ensejo de verificar ao longo dos dois ciclos destas visitações que a existência de uma
custódia em todas as igrejas sob jurisdição da Ordem, longe de constituir uma regra, configurava
uma excepção, perfeitamente inteligível, tendo em conta que se tratava de uma alfaia
dispendiosa, verificando-se por via de regra a existência de prioridades mais urgentes a
enquadrar nos orçamentos .
8 - Foi ordenado ao Comendador e beneficiados que mandasssem acasellar e apincelar a
capela-mór e mandassem pintar o boarco em que estava Nossa Senhora, bem como as imagens
que estavam no altar-mór, o que eram obrigados a fazer no prazo de um ano, sob pena de dois
mil reais, um terço para os captivos, outro terço para a fábrica e o remanescente para quem
acusasse .
9 – Os enviados do Mestre mandaram aos sobreditos que fizessem ladrilhar a igreja, bem como
rebocar e caiar, telhando-a de modo a que existissem canos que lançassem a água na cisterna. Do
mesmo modo deveriam fazer uns degraus de pedraria que dessem acesso à porta principal, tudo
isto igualmente no prazo de um ano, sob pena de dois mil reais, metade para os captivos, e a
outra para o Convento .
10 – Os visitadores ordenaram que fossem feitas umas portas de castanho para a porta travessa
que dava para a cisterna, até ao próximo dia de S. João, sob pena de quinhentos reais, metade
para a fábrica da igreja e a outra para quem acusasse .
11 - Ficou determinado que o Comendador e os beneficiados mandassem consertar a pia
baptismal, de modo a que esta não vertesse mais água, como na altura sucedia, e a mandassem
cerrar com fecho e chave até à Páscoa seguinte, sob pena de quinhentos reais para a fábrica da
igreja .
12 - Mandaram ao Comendador e beneficiados que fizessem rebocar e caiar o coro e ladrilhá-lo
de modo idêntico ao da igreja ao redor de uns poyãees (sic) em que se assentam os clérigos a
rezar, porquanto se não podiam fazer cadeiras por o coro ser pequeno. Igualmente se faria, do
lado da porta principal, uma rede de ladrilho que fosse da porta ao coro para entrar claridade.
Madeirar-se-ia o mesmo coro por cima e assoalhar-se-ia de novo, colocando umas portas na
escada que dava para o campanário, tudo feito no próximo ano de quinhentos e dezasseis, sob
pena de mil reais, um terço para os captivos, outro terço para a fábrica e o remanescente para
quem acusasse .
13 - Determinaram aos sobreditos que se fizesse ladrilhar o tesouro que seria rebocado, caiado, e
madeirarado de novo, e telhá-lo e forrá-lo de ripas e canas, isto durante o ano de quinhentos e
dezasseis, sob pena de mil reais, um terço para os captivos, outro terço para o convento e o
remanescente para quem acusasse .
14 – De igual modo ficou ordenado ao Comendador e beneficiados que se mandassem pintar as
imagens dos altares do cruzeiro, a saber: os altares de Santa Catarina e S. João, durante o ano
quinhentos e dezasseis, sob pena de mil reais, um terço para os captivos, outro terço para a
fábrica e o remanescente para quem acusasse .
15 - Determinaram aos sobreditos que mandassem cobrir a torre dos sinos, de modo a que não
entrasse àgua que depois escorreria para o coro, durante o ano quinhentos e dezasseis , sob pena
de quinhentos reais para os captivos.
16 – Os enviados de D. Jorge verificaram que o adro da dita igreja tinha, não se encontrava
delimitado por paredes e tinha um pendor tão acentuado que os enxurros arrastavam a terra que
se encontrava sobre os finados, de tal sorte que o mesmo adro se encontrava juncado com os
ossos deles, situação que os visitadores consideraram inadmissível. Dada a evidente necessidade
de remediar esta ocorrência foi ordenado ao Comendador e beneficiados que mandassem fazer
uma parede no extremo do adro que ficava junto ás casas da Comenda, atravessando-o de lado a
lado, por forma a conter a terra. Levantando um murete idêntico a partir do Poente para baixo,
mas de modo a que não tolhesse a serventia da rua. Igualmente se construiria uma outra parede
desde o começo da rua que ia da porta principal da igreja para o castelo, o que deveria ser feito
no próximo Verão, sob pena de dois mil reais, metade para os captivos e a outra metade para a
fábrica da igreja.
As Ermidas
1. Ermida de Santiago
Estava situada dentro da cidade, e era anexa à igreja da Alcáçova. Tinha 14,3 m de comprimento
por 7,15 m de largura (medidos da capela-mor até à porta principal), e cerca de 102 m 2 de
superfície.
O corpo era de três naves, armadas sobre oito pilares de cantaria lavrados.Encontrava-se
ladrilhada e rebocada por dentro e por fora, madeirada de castanho e telhada de telha vã. Tinha
dois altares na parede do cruzeiro, naquele que ficava situado do lado do evangelho,
encontravam-se pintadas as imagens de S. Sebastião e S.ta Margarida, e, no outro, a imagem de
S. Nicolau.
A capela-mor, com 5,5m de comprimento por 4,95 de largura, tinha uma superfície aproximada
de 27 m2 e encontrava-se cercada por grades pintadas e fechadas com chave. O altar-mor, para o
qual se subia por dois degraus, tinha 2,20m de comprido por 1,10m de altura. No meio dele
encontrava-se uma imagem de Santiago, do lado do evangelho S. Senhora do Pranto e, do lado
oposto, outra de Cristo na coluna. Ao redor destas imagens uma pintura de obra romana, nova,
que ocupava toda a parede. Esta capela-mor encontrava-se toda pavimentada com tabuado de
pinho.
Na cinta muraria Sul da ermida encontrava-se uma capela feita de novo, medindo 3,30m de
comprimento por 4,40 de profundidade (14,5 m2), com abóbada de tijolo e um arco de ladrilho, e
um altar a levante, que estava cerrada com grades. Tinha sido edificada pela viúva de Pedro
Aires, cavaleiro da Ordem de Santiago, o qual aí se encontrava sepultado.
A ermida de Santiago dispunha de duas portas, a principal e uma porta travessa, do lado do
Norte, onde ficava uma pia pequena de àgua benta, ambas novas e com ferrolho e fechaduras.
Encontrava-se dotada de um sino pequeno que era tangido através de uma cadeia de ferro do
interior do templo.
No meio da capela ficava uma sepultura com uma campa grande, de Joane Mendes do Rio, a
qual sepultura lhe havia sido dada pelo Comendador Diogo Velho e beneficiados, para ele e sua
mulher Constança de Brito, bem como todos os seus descendentes, sem que nela pudesse ser
sepultado mais ninguém, com a condição que o casal e respectivos herdeiros sempre sempre
provessem a capela de tudo o que fosse necessário, como de facto já haviam feito, e a corejam de
novo, como estáva.
Os beneficiados da igreja de S.ta Maria da Alcáçova deviam rezar-lhe anualmente, no dia de
Santiago um aniversário que lhes seria pago por 231,5 reais e uns foros de vinhas, situadas no
termo da cidade, em Alpedrede, segundo se continha num instrumento feito por Aires Gomes,
tabelião em Elvas.Além desta, o prior e os beneficiados tinham a obrigação de rezar na ermida
duas missas cantadas, oficiadas pelo prior, uma pelo dia de Santiago e a outra pelo dia de S.
Nicolau.
O adro desta ermida, medido desde a porta principal até à parede fronteira, tinha 14,3 m. de
comprido por 40,7 de largura. E da porta travessa Norte até ás casas que foram de Gonçalo
Rodrigues Gramaxo 20m., de Levante a Poente 39,6m.Da banda do Sul, ao longo da ermida,
25,3 m. de comprimento por 11 de largura.
Quadro nº19
Pinturas e imagens da ermida de Santiago
Quadro nº20
Sepulturas da ermida de Santiago
Sepultado Localização
Pedro Aires, cavaleiro da Ordem de Numa capela feita de novo na cinta
Santiago muraria Sul da ermida
Joane Mendes do Rio, dada pelo No meio da capela ficava uma
Comendador Diogo Velho e sepultura com uma campa grande
beneficiados, para ele e sua mulher
Constança de Brito, bem como todos
os seus descendentes.
2. Ermida da Madalena Velha.
Pertencia à Ordem e, por carta feita por Pedro Coelhoem Setúbal, aos 30 de Março de 1515,
assinada por D. D. Jorge, e selada com o seu selo pendente, encontrava-se nela instalada
(enquanto durasse) a confraria da misericórdia. O corpo do templo media 8,25m de comprimento
por 6,5 de largura dimensões a que acresciam os 5m de comprido por 4,4m de largo da capela-
mor, perfazendo uma suoperfície de 135m2. Encontrava-se ladrilhada, rebocada, caiada e
madeirada de novo com castanho. A capela-mor também se encontrava ladrilhada e, por cima,
forrada de taboado. Por debaixo do arco existia uma grade de madeira pintada com fechadura.
O altar-mor media 3,30m de comprimento por 1,10 de altura e, por detrás do mesmo encontrava-
se um retábulo de seis tábuas, dourado, com a seguinte disposição: nas três tábuas do cimo e na
do meio a imagem do cruxifixo, à direita a ressurreição e à esquerda o batismo de Cristo. Nas de
baixo, ao meio, Nossa Senhora da Misericórdia, ladeada, à direita, pela anunciação e, à esquerda,
a visitação. Tudo rematado por um guarda-pó pintado de de azul com estrelas douradas, tudo
cercado de trabalho de marcenaria também dourado. E ainda outro retábulo dourado, novo, de
Nossa Senhora do Pranto.Dispunha de um tesouro com 19m2 de superfície, madeirado de
castanho e com ameias por cima, divisória inteiramente construída pela Misericórdia, à qual
pertenciam a prata e os ornamentos e utensílios litúrgicos.
A ermida tinha duas portas, a principal, e uma travessa, orientada a Sul. Adjacente um
campanário com um sino pequeno.
Esta ermida da Madalena velha não tinha propriedades que para ela rendessem, a respectiva
conservação estava primitivamente a cargo do Comendador, mas tinha passado a fazer parte das
obrigações da Misericórdia.
Quadro nº21
Pinturas e imagens da ermida da Madalena
A presença da Ordem de Avis como entidade senhorial ficava marcada pela recepção de rendas
que usufruía na cidade de Elvas. A este respeito encontram-se enumeradas na fonte as seguintes
indicações :o dízimo do pão, o dízimo do vinho,o dízimo do azeite,o dízimo do linho,o dízimo
dos gados, o dízimo dos queijos,o dízimo das bestas: poldros e burros e mulatos, o dízimo da lã,
dízimo das cebolas e alhos em réstea e o dízimo das favas e tremoços e grãos.
Embora a fonte não o mencione, o rendimento orçamentado para esta comenda, cerca de duas
décadas mais tarde, oscilaria entre os 200 e os 400.000 reais
Para garantir o cumprimento dos preceitos relacionados com este vertente, as fontes apontam
algumas directrizes importantes que deveriam ser tidas em consideração. Assim:
Propriedade urbana .
Uma vez que a Ordem não detinha jurisdição sobre a praça de Elvas, não se encontram referidas
na fonte quaisquer dados sobre a respectiva fortaleza. A cidade encontrava-se edificada numa
elevção que dominava uma vasta campina, fértil em trigo, azeite e vinho. A parte mais elevada da
cidade era cercada por muralhas robustas flanqueadas por torres ameadas, as ruas do casco
urbano eram, em geral, estreitas mas regulares, articulando-se ao longo delas o espaço urbano,
familiar ou doméstico .
Perfilhando a concepção de que, constituindo a rua o elemento dinâmico da morfologia das
cidades, as casas constituiriam o seu elemento estático , como observou ALVES, para o estudo e
compreensão destas últimas " é necessário ter em atenção o gupo doméstico que as ocupava, bem
como a sua maneira de viver e de estabelecer relações com o exterior – a rua e o interior- a casa".
No tocante ao estatuto social dos proprietários das casas urbanas da Ordem de Avis em Elvas
sabemos apenas que numa delas habitaria o Comendador, noutra o prior da igreja da Alcáçova,
residindo nas outras foreiros da Ordem, e que todas elas se situariam dentro do núcleo antigo do
casco urbano, provavelmente numa zona circunvizinha à própria Alcáçova.
Não será fácil, com base nos dados fornecidos pela fonte estabelecer relações rua/casa. Desde
logo iremos deparar-nos com um problema recorrente nas análises efectuadas sobre este tipo de
informações: a interpretação dos vocábulos utilizados para descrever estas casas . A terminologia
utilizada na documentação sobre a qual se baseia o presente trabalho gira em torno da
polissémica casa -"casas"; "casinha pequena"; "casa térrea"; "casa dianteira", "recebimento com
casa térrea" ;"câmara (sobradada ou ladrilhada)"; "casas sobradadadas", "madeiradas", "casas
forradas de ripa e cana". Designações que, uma vez inseridas no respectivo contexto, parecem
não se referir apenas a habitações como um todo individual, como a dependências ou
compartimentos internos, pisos e tipologias de construção.
Por outro lado, os estudos consultados respeitam primacialmente sobre períodos anteriores ás
primeiras duas décadas do século XVI, e incidem prioritariamente sobre localidades situadas a
Norte do Tejo. As fontes em que nos baseamos reportam-se à área relativamente circunscrita que
previamente delimitámos e, na sua esmagadora maioria, fornecem informações sobre construção
corrente numa zona rural periférica do Além-Tejo interior. Mas estamos em crer que reproduzem
técnicas construtivas materiais, tipologias, repartimentos e dimensões que não terão sofrido
profundas alterações em relação ás informações recolhidas pelos autores dos supracitados
estudos. De um modo genérico encontramo-nos em presença de habitações construídas em
profundidade, (rectangulares) com a porta de entrada virada para a rua, escassa ou nula
fenestração, sem menção de lareiras ou chaminés, cujas funções seriam exercidas por duas ou
três telhas levantadas, com pavimento de terra batida, e apenas dois repartimentos: a casa
dianteira e o celeiro, de quando em vez complementadas, ou substituídas, por palheiros ou,
nalguns casos, estrebarias. Os alicerces parecem ter sido geralmente construídos em pedra, as
paredes em pedra e barro, mais raramente taipa, e geralmente cobertas por telha vã disposta
sobre travejamentos de madeira e respectivos caibros e ripas do mesmo material. Não existindo
informações sobre a configuração dos telhados admitimos que tivessem sido em regra de uma ou
duas águas, com a possível excepção dos casos em que se menciona expressamente a existência
de cisternas. Na sua generalidade, mesmo no caso das localidades muradas, o espaço
correspondente aos talhões edificados não seria de tal modo escasso que contrangesse ao
alteamento das construções, e constataremos a ocorrência, relativamente frequente, de quintais
cuja dimensão média se inscreve nos padrões da época. São raras as menções a repartimentos, ou
construções independentes expressamente destinados a animais domésticos (com exepção das
estrebarias) constatando-se, em contrapartida, a ocorrência de currais do concelho, comunitários
portanto, e coutadas destinadas ao pastio dos bois de arado.
Os portais em cantaria de pedra, tal como a fenestração, a referência a cozinhas, lareiras e
chaminés, bem como uma nítida diferenciação funcional constituem uma diferenciação que
ocorre quase exclusivamente nas casas de morada dos Comendadores e priores, sendo
indiscutível que algumas das habitações reservadas aos primeiros configuram, como teremos
ensejo de verificar, autênticas residências senhoriais que obedeceriam aos padrões deste tipo de
construções na época em estudo.
Neste entendimento a casa de pousada dos Comendadores da Alcáçova de Elvas, implantada
numa área urbana, poderia ter dois pisos edificados sobre aquilo que hoje designamos como rés-
do-chão, no qual ficariam um recebimento e uma sala térrea Neste mesmo piso do recebimento
(ou térreo) existia 1 corredor para o quintal com 4,95 de comprimento por 1,10. à entrada deste
corredor, do lado direito, ficava a cozinha, com 1 chaminé muito grande, medindo essa cozinha
13,6 m2, e sendo telhada de telha vã. No mesmo corredor, mas à esquerda, outra divisória situada
por debaixo de uma das câmaras do andar superior medindo 14,5 m2.
Se estivermos correctos este conjunto de divisões do piso térreo corresponderia a uma área de
implantação habitacional de cerca de 96m2.
Á saída do mesmo corredor ficava um curral com 43,5 m 2, onde se abria uma porta para outra
casa térrea, com 19 m2 coberta de telha vã e, à direita deste curral, uma estrebaria com 41m2, que
era foreira à igreja em 50 reais por ano. Adjacente 1 quintal com 103 m 2, onde ficava 1 cisterna
pequena e, sobre o muro, uma torre pequena desmanchada e existiam 7 laranjeiras, 2 limoeiros e
2 pereiras.
Parece-nos depreender que, neste este piso térreo (no andar do recebimento) se encontrava uma
sala principal com 45 m2, ladrilhada, e com 2 janelas grandes e uma chaminé, que se encontrava
madeirada de castanho e forrada de ripa e cana.
Desta sala (principal) partia uma escada de ladrilho que dava acesso a 1 câmara com 21 m 2, que
tinha 1 janela grande e 1 lareira, encontrando-se forrada de ripa e cana. No mesmo andar que esta
ficava outra câmara, também forrada de ripa e cana, com 1 janela sobre o recebimento e media
14,5 m2, e ainda outra câmara nesse mesmo andar, igualmente forrada de ripa e cana, com 1
janela grande, medindo 13,6 m2. Sobre esta sala ficava 1 sótão ladrilhado, forrado e pintado, com
1 janela de foros pequena, que media 24,5m2. Mas nesse segundo andar, além do antedito sótão,
ficava ainda outra divisória com 13,6 m 2; Todas estas divisões estavam rebocadas e caiadas, com
suas portas, ferrolhos e fechaduras.
Teríamos assim uma área residencial que, no piso térreo, contava um recebimento, uma sala e
outra sala principal, bem como um corredor de acesso ao quintal que dava, à esquerda, para a
cozinha e,à direita para outro compartimento.
Da sala principal do piso térreo partia uma escada em ladrilho que conduzia ao primeiro piso,
desembocando numa das três câmaras deste primeiro piso. No segundo piso ficariam um sótão e
uma outra divisória.
Provavelmente flanqueando o espaço do quintal ficavam um curral, uma estrebaria e uma
arreacadação, estando o espaço remanescente do dito quintal cercado com um muro ao qual se
adossava uma torrinha arruinada. O quintal propriamente dito continha uma cisterna pequena e
nele se encontravam onze árvores de fruto.
De acordo com os padrões da época estaríamos perante um complexo habitacional relativamente
amplo e cuidadosamente edificado, num razoável estado de conservação, bem iluminado,
ventilado e aquecido, com abastecimento autónomo de água, que se desenvolvia com clara
separação de áreas funcionais.
As restantes cinco casas da Ordem (unidivisionais,ou com dois repartimentos, um dos quais
designado como celeiro, mas possívelmente multifuncional ) tinham em média 30m 2 de área
edificada e um único piso, encontrando-se construídas com pedra e barro e cobertas com telha vã
correspondendo assim aos materiais tradicionalmente utilizados no sul do reino. Apenas uma
delas possuía um celeiro anexo e um portal de cantaria, como veremos. Á exígua rusticidade
destas habitações correspondiam foros que, comparados com os dados disponíveis para outras
localidades do reino, se afiguram relativamente modestos.
Quadro n.º 22
Tipologia dos prédios urbanos
Medidas
Quadro nº 23
Contratos sobre prédios urbanos
Tipologia do Titular Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas Fólio
prédio Emprazamento Numerário(reai Aves
(vidas) s)
Casa do Comendador __ __ 47-
__
Comendador 47v
Casa em frente Fernando Afonso 10 ou 1 frangão 48
das casas de 3
Manuel Calça
Casa na Domingos Nunes __ 30 __ 49
Alcáçova
Casa na Rua do O Prior __ __ 50
__
Prior
Casa à porta do Isabel Vaz 40 2 galinhas 51
3
Bispo
Casa na Álvaro Mesquita 30 52
3
Alcáçova
Propriedade rústica
Quadro nº 24
Herdades
Medidas
Tipologia do prédio Descrição/
Sistema Decimal Fólio
Localização Medievais Cultivo
Dimensão
(varas) m2
(metros)
Terra de pão, tem umas casas boas 29
L/NS19 216
P/NS 396 396
Herdade da Ratuja 58,5
S 560 616
L/P 3080 3.338
Terra de pão 30
N/S 750 825
L/P 645 709,5
Herdade da torre da ovelheira 65
N/S 380 418
L/P 136 149,6
Quadro nº 26
Courelas
Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 41 45
Courela na ribeira de Carom 4 __ 31
L/P 830 913
N/S 46 50,6
Courela na ribeira de Carom 4,6 __ 32
L/P 830 913
N/S 205 225,5
Courela à Torre do Azeite 9,6 Terra de trigo 33
L/P 390 429
N/S 104 114 Metade em pão para 20 alqueires
Courela na Caiola 12,2 34
L/P 980 1078 de semeadura, e a outra em mato
Quadro nº 27
Contratos sobre Courelas
Tipologia de Titular Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas Fólio
prédio/Localização Emprazamento Trigo Galinhas
(vidas) (alqueires)
Courela na ribeira de Comendador __ __ __ 31
Carom
Courela na ribeira de Comendador __ __ __ 32
Carom
Courela à Torre do Lopo 3 22 2 33
Azeite Gonçalves
Garo
Courela na Caiola João 3 15 2 34
Fernandes
Quadro nº 28
Azenhas
Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
1 nogueira
N/S 54 59,4 6 ameixoeiras
Azenha na ribeira da Amoreira 9.163 38
L/P 140 154 2 marmeleiros
1 figueira.
N/S 8 8,8 __
Azenha no ribeiro de Chinchas 67, 7 39
L/P 7 7,7
Ribeira de Odiana, um ferido do braço __ __ __ __
167
do freire
Quadro nº 29
Contratos sobre azenhas
Quadro nº 30
Hortas
Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
Uma casa pequena,
poço, nora e tanque
9 nogueiras
116 amendoeiras 23
N/S 106 116
Horta no ribeiro de Chinchas + de 5.869 romanzeiras 40
L/P 46 50,6
11 figueiras
4 pessegueiros
5 marmeleiros
2 macieiras
1 casa térrea velha,
poço, tanque e nora
70 ameixoeiras
19 romanzeiras
N/S 57 62,7 12 figueiras
Horta no ribeiro de Chinchas + de 5.241 41
L/P 76 83,6 7 nogueiras
2 marmeleiros
3 macieiras
1 pereira
Quadro nº 31
Contratos sobre hortas
Tipologia de Titular Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas Fólio
prédio/Localização Emprazamento Numerário
(vidas) (reais)
Horta no ribeiro de Inês Nunes 3 500 40
Chinchas
Horta no ribeiro de Inês Álvares 3 300 41
Chinchas
Horta no ribeiro de Diogo Velho 3 300 42
Chinchas
Quadro nº 32
Olivais
Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
42 oliveiras
N/S ? 2 romanzeiras
Olival em Gil Navalha __ __
L/P 167 4 figueiras 53
1 pereira
36 oliveiras
+ 15 enxertos
N/S 112 123,2
Olival ao Poço das Pias 8.402 15 figueiras 56
L/P 62 68,2
15 romãzeiras
1 álamo
N/S 98 107,8
Olival no Pendão 1,1 61 oliveiras 57
L/P 98 107,8
N/S 89 97,9 3 oliveiras
Olival no caminho da Caiola 4.209 58
L/P 39 43 3 enxertos
6 oliveiras
N/S 134 147,4 30 enxertos
Olival no termo da cidade, ao Pendão 6.809 61
L/P 42 46,2 3 figueiras
3 romãzeiras
N/S 140 154 30 oliveiras
Olival na vinha da Ordem 6.098 59
L/P 36 39,6 14 enxertos
N/S 126 138 70 oliveiras
Olival na vinha da Ordem 2,12 60
L/P 140 154 10 enxertos
56 oliveiras
12 enxertos
N/S 154 169,4
Olival, ao Pendão 1,5 16 figueiras 63
L/P 84 92,4
4 romanzeiras
2 ameixoeiras
42 oliveiras
N/S 24 26,4
Olival em Papelos 4065 4 enxertos 64
L/P 140 154
2 figueiras
22 oliveiras
25 enxertos
N/S 66 4 figueiras
Olival ao Pendão __ __ 65
L/P ? 4 romanzeiras
2 ameixoeiras
2 marmeleiros
N/S 140 154
Olival ao Pendão 1,4 __ 66
LP 84 92,4
N/S 116
Olival, ao Pendão __ __ __ 67
L/P ?
N/S 130 143
Olival, ao Pendão 1,32 __ 68
L/P 84 92,4
15 oliveiras
N/S 44 48,4
Olival, ao Pendão 0,5 8 enxertos 69
L/P 96 105,6
4 romãzeiras
N/S 84
Olival, ao Pendão __ __ __ 70
L/P
N/S 116 127,6 26 oliveiras grandes, 6
Olival, ao Pendão 1,2 59
L/P 86 94,6 enxertos
Quadro nº 33
Contratos sobre os olivais
Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 137 150,7 8 figueiras
Vinha, na vinha da Ordem 7459
L/P 45 49, 5 2 oliveiras 71
6 figueiras
N/S 87 95,7
Vinha, ao ribeiro de Varche 6316 2 oliveiras 72
L/P 60 66
1 figueira
N/S 68 78,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 1552 18 figueiras 73
L/P 18 19,8
5 figueiras
N/S 48 52,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.840 1 amendoeira 74
L/P 135 148,5
1 pereira
N/S 43 47,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.619 5 figueiras 75
L/P 108 118
N/S 90 99
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.940 2 figueiras 76
L/P 27 29,7
N/S 90 99
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.138 __ 76
L/P 38 41,8
N/S 18 19,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.532 2 ameixoeiras 78
L/P 108 118,8
N/S 76 83,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.356 3 figueiras 79
L/P 80 88
N/S 63 69,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.668 __ 80
L/P 35 38,5
N/S 17 18,7 10 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.275 81
L/P 62 68,2 1 macieira
N/S 54 59,4 1 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.881 81
L/P 108 118,8 4 amendoeiras
8 figueiras
N/S 66 72,6 2 nogueiras
Vinha, ao ribeiro da Láge 4.386 83
L/P 55 60,5 10 romanzeiras
6 macieiras
N/S 80 88
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.744 12 ameixoeiras 84
L/P 80 88
N/S 56 61,6 3 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.743 85
L/P 70 77 1 amoreira
N/S 110 121
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.327 __ 86
L/P 25 27,5
NS 58 63,8 3 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 6316 87
LP 90 99 5 amoreiras
NS 64 70,4 1 nogueira
Vinha , ao ribeiro de Varche 1.161 88
LP 15 16,5 1 canavial
N/S 60 66
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.808 1 amoreira 89
L/P 80 88
N/S 78 85,8 1 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.698 90
L/P 18 19,8 1 amoreira
NS 86 94,6 1 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.705 91
LP 26 28,6 1 pereira
N/S 17
Vinha, ao ribeiro de Varche __ __ __ 92
L/P ?
N/S 125 19 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche __ __ 93
L/P ? 1 pereira
N/S 20 22
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.74,4 __ 94
L/P 32 35,2
N/S 140 154
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.235 __ 95
L/P 25 27,5
N/S 26 28,6 4 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.415 96
L/P 45 49,5 4 amendoeiras
N/S 33 36,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.515 __ 97
L/P 63 69,3
7 figueiras
N/S 93 102,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 6.751 3 ameixoeiras 98
L/P 60 66
1 pereira
N/S 76 3 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche __ __ 99
L/P ? 3 ameixoeiras
N/S 90 99 1 figueira
Vinha, ao ribeiro da Láge 4.900 100
L/P 45 49,5 1 ameixoeira
N/S 40 44 8 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.113 101
L/P 23 25,3 1 pereira
Vinha, ao ribeiro de Varche N/S 44 48,4 4.259 __ 102
L/P 80 88
6 figueiras
N/S 68 74,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 822 2 nogueiras 103
L/P 10 11
1 amoreira
N/S 30 33
vinha, ao ribeiro de Varche 3.267 __ 104
L/P 90 99
1 figueira
N/S 90 99
Vinha , ao ribeiro de Varche 3.702 2 ameixoeiras 105
L/P 34 37,4
1 pereira
10 figueiras
N/S 54 59,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.789 5 ameixoeiras 106
L/P 58 63,8
1 pereira
N/S 18 19,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 392 __ 107
L/P 18 19,8
N/S 70 77 4 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.811 108
L/P 45 49,5 1 pereira
N/S 17 18,7
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.221 __ 109
L/P 108 118,8
N/S 86 94,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.954 __ 109
L/P 38 41,8
N/S 49 2 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche __ __ 111
L/P ? 1 pereira
N/S 59 64,9
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.354 __ 112
L/P 61 67,1
N/S 130 143 3 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.617 113
L/P 23 25,3 1 pereira
NS 140 154 5 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 4.235 114
LP 25 27,5 1 pereira
N/S 104 114,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.146 __ 115
L/P 25 27,5
8 oliveiras
N/S 112 123,2
Vinha, na vila fria 9.079 4 ameixoeiras 116
L/P 67 73,7
5 figueiras
N/S 90
Vinha, ao ribeiro de Varche ? ? 22 figueiras 117
L/P ?
Vinha, ao N/S 20 22 1 estacada de oliveiras
2.904 118
Vale do enfernon L/P 120 132 1 pereira
N/S 90 99 3 ameixoeiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.722 119
L/P 25 27,5 1 pereira
N/S 28 30,8 8 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.236 120
L/P 66 72,6 4 ameixoeiras
N/S 74 81,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.954 __ 121
L/P 33 36,3
N/S 45 49,5 2 figueiras, 1
Vinha , ao ribeiro de Varche 7.623 122
L/P 140 154 amendoeira
N/S 28 30,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.236 __ 123
L/P 66 72,6
N/S 63 69,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.811 5 figueiras, 1 pereira 124
L/P 50 55
6 ameixoeiras, 12
N/S 19,5 21,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.247 amoreiras, 1 nogueira, 125
L/P 53 58,3
1 romãzeira
N/S 80 88
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.323 __ 126
L/P 24 26,4
N/S 45 49,5 2 figueiras, 1
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.623 127
L/P 140 154 ameixoeira, 1 pereira
N/S 17 18,7
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.275 __ 128
L/P 62 68,2
N/S 80 88 20 amendoeiras, 1
Vinha, ao ribeiro de Varche 7.744 129
L/P 50 55 pereira
N/S 46 50,6 1 pereira
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.899 130
L/P 106 116,6 1 nogueira
N/S 60 66
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.808 __ 131
L/P 80 88
N/S 42 2 amendoeira
Vinha, ao ribeiro de Varche ? 132
L/P ? 1 pereira
N/S 63 69,3
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.981 __ 133
L/P 26 28,6
N/S 7 7,7
Vinha, ao ribeiro de Varche 872,4 __ 134
L/P 103 113,3
4 figueiras
N/S 25 27,5 10 oliveiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.722 135
L/P 90 99 1 romanzeira
1 pereira
1 figueira
N/S 17,5 19,25
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.286 1 amendoeira 136
L/P 108 118,8
1 pereira
N/S 56 61,6 1 figueira
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.388 137
L/P 50 55 1 pereira
N/S 110 121 7 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.327 138
L/P 25 27,5 1 pereira
N/S 82 90,2 6 amendoeiras
Vinha , ao ribeiro de Varche 6.647 139
L/P 67 73,7 1 pereira
9 amendoeiras
N/S 38 41,8
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.540 3 figueiras 140
L/P 77 84,7
1 pereira
N/S 67 73,7 5 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.648 141
L/P 45 49,5 1 pereira
N/S 77 84,7 2 amendoeiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.540 142
L/P 38 41,8 1 pereira
N/S 61 67,1 5 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.100 143
L/P 42 46.2 1 pereira
N/S 16 17,6 2 amendoeiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.742 144
L/P 90 99 1 pereira
N/S 34 37,4
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.632 __ 145
L/P 64 70,4
N/S 22 24,2 4 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 1.650 146
L/P 62 68,2 1 pereira
5 figueiras
N/S 106 116,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.565 1 nogueira 147
L/P 20 22
1 pereira
N/S 80
Vinha, ao ribeiro de Varche ? ? __ 148
L/P ?
Vinha, ao ribeiro de Varche N/S 16 17,6 1.936 1 pereira 149
L/P 100 110 1 nogueira
12 amendoeiras 6
ameixoeiras
N/S 80 88
Vinha, ao ribeiro de Varche 2.323 2 figueiras 150
L/P 24 26,4
1 nogueira
1 romãzeira
N/S 20 22
Vinha, ao ribeiro de Varche 532 1 pereira 151
L/P 22 24,2
N/S 25 24,2 8 figueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.194 152
L/P 120 132 1 pereira
11 figueiras
N/S 136 149,6 2 nogueiras
Vinha, ao ribeiro de Varche 5.265 153
L/P 32 35,2 2 romanzeiras
1 pereira
N/S 82
Vinha, ao ribeiro de Varche __ ? 4 figueiras 154
Quadro nº 35
Contratos sobre as vinhas
Tipologia das
Tipologia dos contratos
Tipologia do rendas fixas
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Vinho
(vidas) (almudes)
Leonor Lopes,
Vinha, na vinha da
viúva de Pêro 3 4,5 71
Ordem
Mendes
Vinha, ao ribeiro de João Gomes,
3 4 72
Varche almocreve
Vinha, ao ribeiro de Rui Lopes 3 1,5 73
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Bastião Lopes 3 3,5 74
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Pêro Delgado 3 4 75
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Bartolomeu Vaz 3 2 76
Varche
Vinha, ao ribeiro de António
3 4 77
Varche Fernandes
Vinha, ao ribeiro de
Diogo Velho* I 3 5 78
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Diogo Velho* II 3 2,5 79
Varche
Vinha, ao ribeiro de Afonso de
3 1 80
Varche Vargas I, oleiro
Vinha, ao ribeiro de Afonso de
3 1 81
Varche Vargas II, oleiro
Vinha, ao ribeiro de Gonçalo
3 4 82
Varche Afonso*
Álvaro
Vinha, ao ribeiro de
Fernandes, 3 5 83
Varche
tabelião
Vinha, ao ribeiro de
Afonso Eanes 3 2 84
Varche
Vinha, ao ribeiro de Pêro Afonso dos
3 4 85
Varche logios
Vinha, ao ribeiro de Domingos
3 3 86
Varche Martins
Vinha, ao ribeiro de
Gião Vaz __ 4 87
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Isabel Lopes __ 1,5 88
Varche
Vinha, ao ribeiro de Bartolomeu
3 3 89
Varche Pires Giraldo
Vinha, ao ribeiro de Gonçalo Gomes
3 1 90
Varche Amado
Vinha, ao ribeiro de
Lopo Pardo 3 3 91
Varche
Vinha, ao ribeiro de Brás Gonçalves
3 1,5 92
Varche Calaforano
Vinha, ao ribeiro de Cristóvão de
3 3 93
Varche Baião
Vinha, ao ribeiro de Gonçalo de
3 0,5 94
Varche Baião
Vinha, ao ribeiro de
Garcia Coelho* 3 3 95
Varche
Vinha, ao ribeiro de João Lopes
3 1,5 96
Varche Baião
Vinha, ao ribeiro de
Beatriz Caiola I 3 2,5 97
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Beatriz Caiola II 3 3 98
Varche
Vinha, ao ribeiro de Francisco
3 2,5 99
Varche Madeira
Vinha, ao ribeiro da Álvaro da
3 1,5 100
Láge Mesquita* I
Vinha, ao ribeiro de Álvaro da
3 0,5 101
Varche Mesquita* II
Vinha, ao ribeiro de
Diogo da Parga 3 2 102
Varche
Vinha, ao ribeiro de Manuel
3 4 103
Varche Fernandes*
Álvaro
Vinha , ao ribeiro de
Fernandes 3 1,5 104
Varche
clérigo*
Vinha , ao ribeiro de
Inês Rodrigues 3 2,5 105
Varche
Vinha, ao ribeiro de
João Sardinha 3 2 106
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Luís Lopes 3 2,5 107
Varche
Vinha, ao ribeiro de Bastião Vaz
3 2 108
Varche Cordeiro
Vinha, ao ribeiro de
Leonor Gomes 3 2,5 109
Varche
Vinha, ao ribeiro de Estêvão
3 3,5 110
Varche Rodrigues
Vinha, ao ribeiro de
Manuel Lopes 3 1 111
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Soeiro Eanes 3 2 112
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Martim Afonso* 3 3 113
Varche
Álvaro
Vinha, ao ribeiro de
Fernandes 3 2 114
Varche
o "lodolho"
Vinha, ao ribeiro de
Bastião Alvares 3 3,5 115
Varche
Cristóvão
Vinha, na vila fria 3 __ 116
Lopes*
Vinha, ao ribeiro de
Catarina Vaz 3 7,5 117
Varche
Vinha, ao Pêro Anes
3 118
Vale do enfernon Beirarom
Vinha, ao ribeiro de Martim Afonso
3 2 119
Varche II
Vinha , ao ribeiro de Gaspar
3 3 120
Varche Rodrigues
Vinha, ao ribeiro de
João Domingues 3 2 121
Varche
Vinha , ao ribeiro de
Pêro Lourenço 3 4 122
Varche
Vinha, ao ribeiro de Gaspar
3 3 123
Varche Fernandes
Vinha, ao ribeiro de
Fernão Lobo* 3 3 124
Varche
Vinha, ao ribeiro de Álvaro
3 7,5 125
Varche Rodrigues
Vinha, ao ribeiro de Gaspar
3 1,5 126
Varche Rodrigues II
Vinha, ao ribeiro de Pêro Lourenço
3 4 127
Varche II
Vinha, ao ribeiro de André
3 1 128
Varche Rodrigues
Vinha, ao ribeiro de
Fernão Delgado 3 4 129
Varche
Vinha, ao ribeiro de Manuel de
3 4 130
Varche Sequeira
Bartolomeu
Vinha, ao ribeiro de
Pires 3 3,5 131
Varche
Giraldo
Vinha, ao ribeiro de
Fernão Gil Selas 3 1,5 132
Varche
Vinha, ao ribeiro de Constança
3 2,5 133
Varche Martins Tibelas
Vinha, ao ribeiro de
Manuel Pires 3 2 134
Varche
Vinha, ao ribeiro de Pêro Aires
3 1,5 135
Varche Cacho*
Vinha , ao ribeiro de Álvaro Eanes
3 2,5 136
Varche Gulo
Vinha, ao ribeiro de João Fernandes
3 2,5 137
Varche Barbas
Vinha, ao ribeiro de
Miguel Martins 3 2 138
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Vasco d’ Évora 3 2 139
Varche
João Gomes,
Vinha, ao ribeiro de
filho de Vasco 3 2 140
Varche
d’Évora
Vinha, ao ribeiro de
Diogo Lopes 3 3 141
Varche
Vinha, ao ribeiro de
João Lopes 3 1,5 142
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Aires Martins 3 2 143
Varche
Vinha, ao ribeiro de
Lopo Garção 3 1,5 144
Varche
Vinha, ao ribeiro de João Gonçalves
3 3 145
Varche Marchão
Vinha, ao ribeiro de Bartolomeu
3 3 146
Varche Gonçalves
Vinha, ao ribeiro de
Mem Pegado 3 1,5 147
Varche
Vinha, ao ribeiro de Afonso 2,5 148
Varche Rodrigues
sapateiro
Vinha, ao ribeiro de
Lourenço Anes 3 2 149
Varche
Vinha, ao ribeiro de Domingos
3 1,5 150
Varche Fernandes
Vinha, ao ribeiro de Álvaro Anes
3 1,5 151
Varche Valejo
Vinha , ao ribeiro de João Pires
3 3 152
Varche Torchão
Vinha, ao ribeiro de
Manuel Mendes 3 2 153
Varche
Vinha, ao ribeiro de Álvaro
3 4 154
Varche Fernandes
Vinha, ao ribeiro de
Pêro Fernandes 3 4 155
Varche
Vinha, ao ribeiro de Lourenço Pires
2 156
Varche Cabreirinha
Domingues
Vinha, ao ribeiro de
Anes 3 2 157
Varche
Valejo II
Vinha, ao ribeiro de
João de Torres 3 2 158
Varche
Martim
Vinha, ao ribeiro de
Rodrigues 3 1,5 160
Varche
Valejo
Vinha, ao ribeiro de Manuel
3 3,5 161
Varche Borralho
Vinha, ao ribeiro de Diogo Gomes
3 4 162
Varche Cacho
Vinha, ao ribeiro de
Lopo Vaz 1,5 163
Varche
Vinha, na Bugalha António Lopes 3 2 164
Pêro Anes
Vinha em Varche ? 2 165
Valejo
Quadro nº 36
Chãos e quintal
Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
1 nogueira
N/S 11,5 12,6 1 figueira,
Chão na rib.ª de Chinchas 554
L/P 40 44 1 ameixoeira, 143
1 pereira
N/S 40 44 3 figueiras,
Chão, á quinta de João Álvares Godinho 2.178 44
L/P 45 49,5 1 ameixoeira
N/S 89 97,9 3 oliveiras e
Chão no caminho de Caiola 4.199 45
L/P 39 42,9 3 enxertos
N/S 40 44 3 figueiras,
Chão, á quinta de João Álvares Godinho 3.811 62
L/P 45 49,5 1 ameixoeiras
2 figueiras,
N/S 10 11 1 pereira,
Quintal dentro da cidade 97 109
L/P 8 8,8 1 lanjeira,
1 limoeiro
Quadro nº 37
Contratos sobre os chãos e quintal
Muito embora tenha ficado patente o tom de urgência posto na realização de visitações durante o
Capítulo Geral de 1515, após a visita à Comenda da Alcáçova de Elvas, ainda efectuada em
finais desse mesmo ano, e de que já nos ocupámos, aparentemente só cerca de seis meses mais
tarde a tarefa das visitas seria retomada. A essa interrupção não terá sido alheio o facto de que os
meses de invernia dificultariam, chegando mesmo a impedir, a realização de todas as actividades
de medições e confrontações, imprescindíveis nos casos de elaboração de tombos de bens
próprios da Ordem.
A equipa de visitadores permanecia idêntica, Henrique Henriques de Miranda (que, entretanto,
fora nomeado Comendador de Santa Maria da Alcáçova de Elvas), o respectivo prior, Frei
Tristão e, como escrivão, o escudeiro Brás Gato, precisamente os mesmos que encontramos a
iniciar a visitação a Juromenha em 8 de Junho de 1516 .
Situada a três léguas a Sul da cidade de Elvas a vila de Juromenha tinha uma légua de termo até
confontar com o daquela cidade. A Levante ficava a vila de Olivença de que distava duas léguas,
e o respectivo termo estendia-se por uma légua até confrontar com o de Olivença. A Poente
ficava a vila do Alandroal, de que distava três léguas, e o respectivo termo estendia-se por duas
léguas e meia até confrontar com a vila do Alandroal. A Noroeste da vila de Juromenha, à
distância de três léguas, ficava Vila Viçosa, com cujo termo confrontava decorrida meia légua
Nessa ocasião a comenda da Juromenha estava na mão de Frei António de Azevedo, Almirante
do reino e chaveiro da Ordem de Avis que, por se encontrar na corte ao tempo desta visitação,
não pôde ser visitado.
Igreja
O prior da igreja matriz da Juromenha era, nessa altura, Bastião Cordeiro, Freire conventual, ao
qual os visitadores perguntaram se era professo, respondendo afirmativamente. E, sendo
inquirido sobre o título do priorado mostrou, tanto a apresentação do Mestre, como a
confirmação do bispo de Évora, e ambos os diplomas referiam que essa apresentação pertencia in
solidum ao Mestre da Ordem de Avis, qualquer que fosse a via através da qual se verificasse a
vacatura deste priorado.
O prior Frei Bastião Cordeiro declarou receber de mantimento anual seis mil reais de cura, mais
quatro mil reais de cantar quotidianamente na capela, a que se juntavam 16,56 hectolitros de
trigo, e 12,42 hectolitros de cevada, tendo besta. Explicou que não tinha o livro da Regra da
Ordem porque, até esse dia, não lhe havia sido dado.
Depois do juramento habitual, os juízes e vereadores da vila afiançaram que o Prior era bom
homem e honesto no seu viver, que servia bem a igreja e o povo, dizia missa quotidiana, dando
sempre os sacramentos a quem lhos pedia, razões pelas quais estavam satisfeitos com o seu
desempenho. Os visitadores encontraram João Cortes exercendo as funções de tesoureiro da
igreja (cargo cuja nomeação pertencia ao Comendador).
O corpo desta igreja foi medido tendo-se encontrado, desde as grades da capela-mor até à porta
principal 11m de comprimento e, de largura, entre as portas travessas Sul e Norte, 108,9m 2. Por
seu turno a capela-mor tinha, da parede até ás grades 36,3m 2. Estas medidas indicavam que a
área total da igreja era da ordem dos 145m2.
O templo era de pedra e cal por dentro, encontrando-se rebocado e caiado por fora. A capela-mor
estava pavimentada com lages de pedra e tinha grades de madeira novas.
O altar-mor estava encimado por um tríptico, que ao meio, representava Nossa Senhora. Tudo
sobrepujado por um guarda - pó com as armas do Almirante Lopo Vaz, que o tinha oferecido. Os
visitadores constataram que, tal como já havia sucedido em Santa Maria da Alcáçova, em Elvas,
não existia sacrário.
Na parede do cruzeiro encontravam-se dois altares, cada um dos quais encimado por um
retábulo. A sacristia deste templo era uma divisória que sobressaía da parede do lado do
Guadiana, edificada com taipa sobre alicerces de pedra e cal. Estava madeirada de novo e telhada
com telha vã. O adro da igreja não excedia uma área da ordem dos 45 m 2. A igreja dispunha de
dois sinos, postos num cubelo que ficava na parede do lado do Guadiana, e duas campainhas de
levantar a Deus, uma grande e outra pequena.
Quadro nº 39
Pinturas e imagens
Tipologia Localização
Tríptico, com os seus 3 painéis que, no central, representava Nossa Senhora,
No altar-mór, ao centro
ladeada por S. Bento e S.Tiago
O 2.º painel representava os reis magos No altar-mór do lado do evangelho
O 3.º painel, o espírito santo. No altar-mór do lado da epístola
Retábulo com Santa Luzia e S. Bartolomeu Num dos altares da parede do cruzeiro
Retábulo com S. Brás e Santa Catarina No outro altar da parede do cruzeiro
Cofrexo de madeira representando, de um lado Nossa Senhora e, do outro, S.
No cimo da parede do cruzeiro
João
Quadro nº40
Prata da igreja
Peso
Tipologia Características
(gramas)
Dourado, oferecido pelo "almirante novo"
Cálice com sua patena 460
Frei António de Azevedo
Cálice de prata branca, com sua patena Oferecido por Inês Fernandes 345
488,7
Cálice de prata branca Com o pé dourado e letras douradas no vaso
Quadro nº 41
Vestimentas da igreja
Tipologia Características
Vestimenta de tafetá catasoll Com o savastro de cetim azul e alças de ouro, com as armas do
Almirante que a tinha oferecido. Era franjada de retróz colorido e
trazia consigo uma alva com regarços e botões de veludo
carmesim, nova
Vestimenta de chamalote preto Com savastro de damasco branco com as armas do Almirante que
a tinha oferecido. Era franjada de retróz colorido e trazia consigo
uma alva e duas almátegas do mesmo teor, com alvas, já usada
Vestimenta de metades Uma delas de cetim verde e a outra de damasco alcovado, com
savastro de brocado ostentando as armas do Almirante, que a
tinha dado, e a respectiva alva, já usada
Vestimenta de pano pintado da Índia Com a sua alva, também ela oferecida pelo Almirante
Quadro nº42
Roupa da igreja
Tipologia Características
4 frontais De Arras, um novo e três usados
4 toalhas Francesas, novas
4 manteus Uns novos e três usados
2 lençois pintados De cobrir os santos
Pano pintado Com vivos de ouro, que seria duma vara com que davam a paz
Toalha De seda lavrada
Almeyxzar (sic) azul Que andava na cruz
Quadro nº43
Arame da igreja
Tipologia Características
4 castiçais grandes Dois de bico e dois de cano
Cruz. De arame
2 tytolos De arame
Bacio de oferta.
Caldeira De cobre para àgua benta, nova
Galhetas De estanho, novas
Quadro nº44-A
Livros da igreja
Tipologia Características
Missal místico De papel, encadernado, novo
Missal de missas votivas Em pergaminho. usado
Livro de ofícios Em pergaminho, novo
Livro domingal Em pergaminho, velho
Livro santal Em pergaminho, velho
Breviário De pergaminho de pena
Livro místico Em pergaminho, velho
Livro de baptismo Em pergaminho
Quadro nº44-B
Cera da igreja
Peso
Tipologia Características
(gramas)
Círio pascal grande 1.377
2 círios de levantar a Deus 1.377
2 círios 3.213
O prior demonstrou ter conhecimento de que esta obrigação estava a ser cumprida.
Apresentados os dados relativos à igreja matriz de Juromenha constatavam-se algumas
necessidades imediatas que podem ser avaliadas pelo seguinte:
1 – O comendador ficava obrigado a manter e reparar a dita igreja à sua custa, bem como ao
(fornecimento e conserto) dos ornamentos, cera, incenso e prata. Ficava igualmente obrigado a
custear a visitação do bispo e a remunerar o tesoureiro. Pagava igualmente o ordenado ao prior.
Este último estava obrigado a celebrar missa quotidiana e a administrar todos os sacramentos da
igreja ao povo .
2 – Quando se fazia alguma obra na matriz os moradores da vila de Juromenha e seu termo eram
obrigados a acarretar para o respectivo estaleiro pedra, água, tijolos e telhas que o Comendador
pagava. Estavam igualmente obrigados a fornecer o óleo para as candeias e lâmpadas, bem como
a cera dos círios.
3 - Uma vez que tinha sido constatado não existir sacrário na igreja, e tratando-se de uma coisa
que era considerada muito necessária ao serviço de deus, e do povo para lhe serem ministados os
sacramentos, ordenaram ao Comendador que o fizesse até à próxima Páscoa. Mas, talvez porque
ainda não se encontrassem suficientemente divulgadas na ocasião a normas que deveriam
presidir à construção dos sacrários, que como verificámos a propósito de Santa Maria da
Alcáçova ainda não existiam em boa parte das igrejas da Ordem, os delegados do Mestre
deixaram instruções sobre o modo como deveria ser feito: localizado na parede da capela-mor, da
parte do evangelho, um armário com um arco de pedraria lavrada e, de dentro forrado com
tabuado, por causa da humidade. Teria as portas pintadas e fechadas com chave.
Far-se-à uma caixa quadrada coberta de veludo por fora, e por dentro de cetim, com uma
fechadura e sua chave, para nela ficar o santo sacramento, e esta caixa seria colocada no interior
do antedito armário Diante do sacrário colocariam uma cortina com um céu de lenço branco
franjado e, uma lâmpada grande, com a respectiva bacia, que deveria manter-se
permanentemente acesa .
4 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse rebocar e cair a igreja de lado de fora .
5 – Foi ordenado ao Comendador que fizesse acabar o campanário e colocar nele os sinos,
mandando construir uma escada de acesso exterior
6 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse telhar a igreja e cintá-la com cal.
7 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse fazer um guarda-pó de tabuado sobre o crucifixo
do cruzeiro .
8 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse rasgar uma fresta no tesouro, caiá-lo e provê-lo
com um armário para se vestirem os clérigos,ficando cerrado com uma chave, para nele ficarem
guardadas as vestimentas que serviam quotidianamente na igreja.
9 – Foi ordenado ao Comendador que recolhesse a prata devida à igreja e, com a ajuda que ele,
em consciência, entendesse que deveria dar pessoalmente, mandasse fazer uma cruz para a
igreja, ficando esta última parte a cargo da sua virtude e consciência.
Todas estas determinações foram mandadas executar pelo Comendador, sob as respectivas penas,
por todo o ano vindouro de mil quinhentos e dezassete, com a excepção do sacrário em que
cumpriria o prazo que o obrigava a construí-lo até à próxima Páscoa.
2. Ermida de S. Sebastião
Igualmente localizada no arrabalde da vila, ocupava uma área de cerca de 38 m 2. A capela estava
forrada de ripa e rebocada por dentro e por fora. O corpo da ermida era feito de taipa rebocada
por dentro e por fora. Fora construída por devoção dos moradores e de sy se corege.
Quadro nº 45
Pinturas e imagens da ermida de
Santa Maria de Vila Real
5. Ermida de S. Brás
Esta ermida, cujo primeiro edificador se desconhecia, encontrava-se construída no termo da vila
e tinha uma capela nova de abóbada de ladrilho, embora o corpo permanecesse destapado por se
encontrar a fazer de novo à custa de esmolas dadas pelo Almirante e outras pessoas. Tinha um
cercado com uma fonte no meio e árvores de fruto.
Rezava-se nela uma missa dominical, mandada celebrar por lavradores que viviam em seu redor.
O ermitão era posto pelo Almirante.
A ermida de S. Brás tinha uma terra de pão com 18 hectares que andava com a Comenda e
entestava a Norte com terra de João Cavaleiro, e do Sul e Levante com herdeiros do Gançoso, e
do Levante com Bem Dirás.
Determinações gerais.
As determinações gerais constantes nesta visitação da comenda de Juromenha seguem, na
íntegra, o modelo apresentado no início deste capítulo.
4.2.2. Dimensão Senhorial
Nome Ofício
Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre, feita
Simão Bernaldes
por Gil Fernandes em Torres Vedras em 29 de Setembro de 1496
Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre feita
Fernão Lopes
em Benavente por Manuel da Mota em 1 de Fevereiro de 1507
Escrivão da câmara, dos órfãos e da almotaçaria, nomeado por
Filipe Vasques carta de mercê por 3 anos dos ditos ofícios do Mestre, feita em
Setúbal por Manuel Álvares a 16 de Maio de 1516,
Juiz dos órfãos, nomeado por carta de mercê do Mestre, por três
Diogo Figueira anos, do dito ofício, feita em Setúbal por Manuel Álvares, aos 16
de Maio de 1516
Diogo Figueira Inquiridor e contador dos feitos, nomeado por carta do Mestre
redigida por Antão Luís em Setúbal aos 3 de Setembro de 1505.
Quadro nº47
Vereação da câmara de Juromenha em 1516
Nome Cargo
João Garcia juíz
Garcia Lourenço juíz
João Pires vereador
Manuel Rei vereador
procurador do concelho
João Pires
Fortaleza de Juromenha
Ao contrário do que se verificava na precedente visitação à comenda de Santa Maria da
Alcáçova, na cidade de Elvas, a vila de Juromenha encontrava-se sob jurisdição da Ordem
Militar de Avis que detinha a respectiva Alcaidaria-mor, nessa altura em mão do Almirante
(António de Azevedo), seu Comendador. Todavia, como tivemos ocasião de constatar no início
da presente visita, este Comendador e Alcaide-mór não se encontrava presente na ocasião,
circunstância pela qual não foi possível que os visitadores vissem o respectivo título da
alcaidaria, nem conferissem o inventário das coisas que lhe haviam sido entregues e pertenciam à
fortaleza.
Não obstante os enviados de D. Jorge consideraram pertinente anotar que, nesta última fortaleza,
não havia armas nem artilharia, e que ela se encontrava muito danificada, tanto no que respeitava
à fortaleza propriamente dita, como aos muros e torres doareyras (sic) salientando
elucidativamente que seria necessário um grande esforço para se repararem esses mesmos muros
e torres. Acrescentavam que a própria torre de menagem necessitava de ser reparada por dentro,
encontrando-se igualmente danificada.
Propriedade urbana
Quadro nº 48
Prédios urbanos
Medidas
Coutos do concelho
O concelho desta vila tinha duas coutadas para pasto dos seus gados, um exclusivamente
reservado para os bois de arado e vacas que lavravam, e o outro não.
A primeira coutada ficava para lá da ribeira de Odiana, partindo com esta última e com o ribeiro
de Benalcaide, com a herdade de Mem Rodrigues Carapinha, com a herdade dos Cansados, com
a herdade de Afonso Vaz o velho e com a estrada que ia para Olivença.
A segunda situava-se no Murtalha, que era de herdeiros, e somente os bois de arado do concelho
e dos ditos herdeiros pasciam nela. Partia com o caminho de Elvas, com a herdade de Gernão
Gomes, ribeiro de Mures, com a herdade de Arouca e com outros.
Quadro nº 49
Defesas da Ordem
Medidas
Quadro nº 50
Herdades
Medidas
Medidas
Quadro nº 52
Ferragiais
Medidas
Quadro nº 53
Contratos sobre moinhos e azenhas
Tipologia das
Tipologia dos contratos
Tipologia do rendas fixas
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Trigo
Arrendamento
(vidas) (hectolitros)
Afonso
Moinho na ribª de Lourenço,
X 5,52 216
Odiana morador em
Vila Viçosa
Nuno Álvares,
Moinho no Porto das
morador em X 2,76 218
Bestas, ribª de Odiana
Vila Viçosa
João Álvares,
Moinho na ribª
morador em X 1,3 219
d’Asseca
Juromenha
João Martins,
Moinho na Pena de
morador em X 82,8 220
Gato, na ribª de Odiana
Elvas
Mor Pires
Moinho no ribº de Condessa,
X 2 221
Mures, ao castelo velho viúva, morª em
Juromenha
Moinho no ribº de Rui Vaz, morº
X 2 222
Mures em Juromenha
João Álvares
Moinho no Porto de
Penteado,
Val Longo, na ribª de X 2,7 223
morador em
Odiana
Juromenha
João Álvares
Moinho no ribº de Penteado,
X 2 224
Mures morador em
Juromenha
Martim
Mendes,
Moinho no ribº de
morador em 3 82,8 225
Mures
Vila Viçosa
João de
Moinho na Pena de Barbudo,
X 2 226
Gato, na ribª de Odiana morador em
Elvas
Moinhos no Moinho do João Tarinho,
Pedreiro, na ribª de morador em X 4 252
Odiana Olivença
Quadro nº 54
Vinhas
Medidas
N/S 92 101
Vinha, ao ribeiro de Mures 1,5 235
L/P 140 154
N/S 13,5 14,8
Vinha, em Mures 2.116 236
L/P 130 143
N/S 16 17,6
Vinha, em Mures 1.548 238
L/P 80 88
N/S 11,5 12,6
Vinha, ao ribeiro de Mures 1.113 239
L/P 80 88
N/S 11,5 12,6
Vinha, ao ribeiro de Mures 1. 113 240
L/P 80 88
N/S 10 11
Vinha, , em Mures 968 241
L/P 80 88
N/S 10 11
Vinha, em Mures 968 243
L/P 80 88
N/S 16 17,6
Vinha, ao ribeiro de Varche 3.872 244
L/P 200 220
N/S 21 23,1
Vinha, ao ribeiro de Mures 2.032 245
L/P 80 88
N/S 5 6,1
Vinha, ao ribeiro de Mures 536,8 246
L/P 80 88
Quadro nº 55
Contratos sobre vinhas
Quadro nº 56
Olivais
Medidas
Descrição/
Tipologia do prédio/Localização Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
Dimensão Área
(varas)
(metros) (m2)
N/S 140 154 20 oliveiras e 4 231
Olival na vila velha 8.300
L/P 49 54 enxertos
N/S110 121 3,1
Olival ao Outeiro da Horta 150 oliveiras 250
L/P 240 264
Quadro nº 57
Contratos sobre olivais
Medidas
Sistema
Fóli
Tipologia do prédio/Localização Medievai Decimal
o
s Áre
Dimensão
(varas) a
(metros)
(m2)
N/S 198 217 237
Pomar e horta na ribeira de Mures 2,4
L/P 63 69,3
Quadro nº 59
Contrato sobre pomar
Igreja
Na ocasião era prior da igreja Frei Rodrigo Soeiro, clérigo professo da Ordem de Avis, o qual
mostrou a carta de apresentação do Mestre, a quem esta igreja pertencia in solido, feita por
Manuel da Mota em Benavente aos 8 de Novembro de 1506. De igual modo exibiu a
confirmação do bispo.
Constatou que era obrigado a rezar missa quotidiana e a ministrar os sacramentos da igreja.
Tinha de ordenado anual de 8.800 reais e 1.656 litros de trigo, bem como 1.242 litros de cevada,
no caso de ter besta, recebendo, ainda o pé do altar. Este prior desempenhava também as funções
de tesoureiro da igreja, pelas quais recebia mais 414 litros de trigo, 281 litros de vinho e
duzentos reais em dinheiro. No dizer dos responsáveis da localidade, servia o povo e celebrava
as missas ordenadas. Uma vez que acumulava as funções de tesoureiro, o prior Frei Rodrigo
Soeiro tinha o encargo de todo o serviço da da dita igreja, incluindo o fornecimento das hóstias e
do vinho para a missa.
O povo era obrigado a dar a prata necessária para o serviço da igreja e mandá-la consertar
quando se danificasse. Essa prata deveria ser guardada na arca do concelho.
O corpo do templo correspondia a uma área total da ordem dos 154m 2. Por seu turno o altar-mor
media 2,75m de comprido por 1,10 de largo apresentava sobre ele uma imagem de Nossa
Senhora. A capela-mor estava forrada de olivel e, junto ao arco, com ladrilho. O sacrário,
construído em mármore, era muito bom, tinha portas novas pintadas e, sobre elas, cortinas
brancas. No seu interior estava um cofre fechado à chave onde se encontrava o Santo
Sacramento. O corpo da igreja, telhado de telha vã, e madeirado de castanho, encontrava-se
rebocado e caiado, por dentro e por fora e nele existiam um púlpito de ladrilho, uma pia
baptismal e uma pia de água-benta.
No arco do cruzeiro ficavam dois altares. Esta igreja tinha duas portas travessas e uma principal.
A sacristia era uma divisória telhada de telha vã.
Os santos óleos encontravam-se dentro de umas ambulas pequenas e velhas, colocadas numa
boceta de madeira velha e rachada.
Brás Gato, o escrivão, mediu depois o adro do templo que tinha, de Norte a Sul, 22m, e pela
banda do Sul, de Norte a Sul, outros 22m, e de Levante a Poente, pela parte do Norte, 53 m,
enquanto de Levante a Poente não excedia os 20m.
Nessa altura existia na igreja de Santa Maria do Castelo uma confraria de Nossa Senhora que
todos os sábados mandava celebrar uma missa cantada, com seus círios brancos, ofício litúrgico
que se fazia utilizando uma vestimenta de damasco branco que pertencia à dita confraria.
Quadro nº 60
Pinturas e imagens
Tipologia Características
Imagem de N. Senhora do Pranto Localizada num dos altares do arco do cruzeiro
Imagens de S. Bento e Santa
Localizada num dos altares do arco do cruzeiro
Catarina
Quadro nº 61
Prata da igreja
Tipologia Características
Vestimenta de damasco aleonado Com o savastro de brocado pedrado, com sua alva,
estola e manípulo do mesmo damasco
franjado de retróz colorido
Vestimenta de chamalote preto Com a alva, estola e manípulo
do mesmo chamalote, muito velha
Quadro nº63
Roupa e ornamento da igreja
Tipologia Características
3 bancais De arvoredo, velhos
6 manteus Usados
Cortinas de sarja Verde e azul, velhas
Quadro nº64
Arame e cobre da igreja
Tipologia Características
2 castiçais Em arame e de bico, velhos
2 campainhas Pequenas da comunhão
Caldeira de àgua-benta Em cobre
Bacio de oferta Em cobre, grande
6 galhetas De estanho
Turíbulo De arame, muito velho
Cruz De arame
Candeeiro De ferro, grande
Campanário Com duas campanas pequenas
Quadro nº65
Livros da igreja
Tipologia Características
Livro de ofícios de ponto De pergaminho, muito bom
Saltério De pergaminho, velho
3 missais De papel, desencadernados e velhos
Missal de missas votivas De pergaminho, desencadernado mas muito bom
Lvro de baptismos De pergaminho, velho
3 santais De pergaminho, muito velhos
Quadro nº66
Cera da igreja
Tipologia Destino
2 tochas de domingo Que se acendiam quando da elevação
2 círios grandes Que serviam à comunhão
A igreja de Santa Maria do Castelo, pertencente à Mesa Mestral, apresentava alguns problemas
estruturais e funcionais que observaremos de seguida, mas aparentava encontrar-se em bom
estado de conservação dispondo, até, de um sacrário executado em mármore que os enviados de
D. Jorge consideraram muito bom, assim como uma custódia de prata, associada à exibição do
Santíssimo Sacramento, e uma cruz do mesmo metal. O Mestre entendia assim dar o exemplo no
tocante à preocupação, reiteradamente manifestada, de dotar com sacrários adequados as igrejas
da Ordem, e promover o culto do Santíssimo Sacramento. Curiosamente, essa preocupação não
era extensiva aos santos óleos, que se encontravam notoriamente mal-acondicionados.
Já o conjunto de alfaias litúrgicas, ornamentos e vestimentas, embora em quantidade, variedade e
qualidade aparentemente medianas na sua globalidade, acusavam alguma vontade de renovação,
dado que se constatava a existência de apenas quatro items considerados velhos, ou muito velhos
.
Dos dez livros sacros apenas três eram em papel, mas encontrava-se desencadernados e velhos, e
os restantes em pergaminho, dois dos quais considerados muito bons, e sete velhos, ou muito
velhos. Tanto quanto é possível depreender, apesar deste núcleo de livros sacros parecer
sufuciente e diversificado, não tinha sido objecto de substituição recente. No tocante ás imagens,
a sua descrição sucinta não permite apurar com segurança se seriam de vulto, ou pintura mural,
mas repetiam uma iconologia já encontrada em visitações antecedentes, designadamente S.
Bento, Santa Catarina e Nossa Senhora do pranto.
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja de Santa Maria do Castelo, as
suas necessidades imediatas, reveladas pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Mestre que resumiremos da seguinte forma:
De acordo com o anotado pelos visitadores, por motivos seguramente ligados com a necessidade
de alteamento da capela-mór da igreja, os visitadores registaram que o Mestre da Ordem de Avis
era obrigado à edificação dessa mesma capela-mór da igreja de S.ta Maria do castelo, bem como
à sua reparação, sempre que tal fosse necessário. Já no tocante à incumbência da edificação do
corpo da igreja os enviados de D. Jorge encontrararam uma dúvida entre os entendimentos
perfilhados pelo Mestre e pelo povo, questão que haveria de ser posteriormente determinada pelo
dito senhor.
O Mestre era ainda obrigado a prover a igreja com as vestimentas e ornamentos necessários ao
serviço da igreja.
Os enviados de D. Jorge, ao longo da sua visita de inspecção ao templo, incumbiram as seguintes
reparações, benfeitorias e aquisições:
1) Tendo presente que o corpo do templo tinha 4,95m de altura, e a capela-mór apenas 3,75,
decidiram ser necessário altear o corpo da igreja, bem como o altar-mór que, no seu entender, se
encontrava demasiado baixo. Se, como ficou acima, não existiam dúvidas sobre quem recaía a
incumbência da edificação e reparação da supracitada capela-mor, já as obras preconizadas para
o corpo do templo poderiam, teoricamente, ser incluídas nas obrigações de reparação que
recaiam sobre o povo do Alandroal. Segundo parece depreender-se esse último entendimento
teria sido compreensivelmente perfilhado pelos enviados de D. Jorge, mas teria provocado a
oposição do povo que, tratando-se de obras ocasionadas motivadas por um defeito estrutural da
capela-mór, e não de uma reparação de rotina, entenderia que a responsabilidade das mesmas
deveria recair sobre o Mestre, a quem competiam as obras da capela-mór. Não se tendo chegado
a acordo sobre este ponto os visitadores optaram por levá-lo directamente à decisão de D. Jorge.
2) Os visitadores determinaram ser necessário colocar no altar-mór um retábulo com o seu
respectivo guarda-pó.
3) Ordenaram que se ampliasse a sacristia, que consideraram ser muito pequena e baixa, e fosse
dotada com armários em que se guardassem os ornamentos e se vestissem os clérigos.
4) Mandaram que se rebocasse e caiasse a igreja por dentro e por fora, e construisse um alpendre
na porta principal.
5) Mandaram tapar a (porta?) travessa da trazeira da igreja aonde ficava o sacrário.
6) Determinaram que se adquiririssem um pontifical inteiro de seda, e 3 frontais bons (já que
todos os existentes foram considerados demasiado velhos), a saber: 2 de chamalote de cores e 1
de seda.
7) Mandaram colocar guarda-pós sobre os altares do cruzeiro, e um outro sobre o cruxifixo.
8) Determinaram que se colocasse uma cortina corrediça no sacrário. E que o mesmo fosse
provido com uma lâmpada, para cujo combustível seria constituída uma reserva de 110 litros de
azeite.
9) Mandaram adquirir ns ferros para fabricar hóstias, e 1 pálio de seda para as festas.
10) Finalmente mandaram reparar a escada do campanário.
Todas estas obras, reparações e aquisições deveriam ser efectuadas pelo Mestre até à Páscoa de
1519.
Quadro nº67
Pinturas e imagens da ermida de S. Bento
Tipologia Características
Imagem de N. Senhora da Graça Localizada num dos altares da
parede do cruzeiro
Imagens de S.to António e S.to Localizada no outro altar da parede
André do cruzeiro
Quadro nº68
Pinturas e imagens da ermida de Nossa Senhora da Ourada
Tipologia Localização
Imagem de N. Senhora do Pranto Sobre o altar
Um cruxifixo por cima da supracitada
imagem
Quadro nº69
Pinturas e imagens da ermida de Nossa Senhora das Ervas
Tipologia Localização
Sobre um dos altares da parede do
Imagem de Santo André
cruzeiro
Imagem de Santa Catarina e um
Sobre outro dos altares da parede do
cruxifixo por cima da supracitada
cruzeiro
imagem
4. Ermida de São Sebastião
De igual modo situada nas imediações da vila, esta ermida tinha uma capela forrada com olível,
com uma área de 10,9m2, onde se encontrava um altar, cerrada com grades de madeira novas. O
arco era de ladrilho, e o corpo do templo, medindo 7,7m x 6,6m (61,7m2 de área total),
encontrava-se madeirado de novo com castanho e telhada de telha vã.A ermida tinha sido
edificada à custa de esmolas.
Quadro nº70
Pinturas e imagens da ermida de São Sebastião
Tipologia Localização
Imagens de S. Sebastião, S. Brás e
Sobre o altar
S. Nicolau
5. Hospital do Alandroal.
Ficava no canto da rua Direita da Fonte, estava a cargo do concelho, que era responsável pelo seu
provimento e conservação. Um mordomo, eleito anualmente pela câmara, recolhia os foros e
rendas que dispendia naquilo que ao dito hospital era necessário.
Quadro nº 71
Bens do Hospital
Determinações gerais.
8. Sobre os cachos.
Em relação à determinação homóloga da visitação anterior apresentam-se alternativas que nela se
não encontravam previstas.
Tendo sido apontado por alguns Comendadores do Mestrado que muitos lavradores que não
queriam pagar inteiramente o seu dízimo, faziam muitos cachos dos quais se não dizimavam,
sendo que por nosso senhor, em sinal de universal senhorio, foi mandado que inteiramente se
pagasse o dízimo de todos os frutos que a terra dava, os visitadores ordenaram que, de aí em
diante,os lavradores se dizimassem também dos ditos cachos, e os orçamentassem de acordo com
os alqueires que eles poderiam representar para que, de acordo com esse orçamento fosse pago o
dízimo, ou poderiam os mesmos lavradores pagar o dízimo pelos ditos cachos no caso de os não
quererem orçamentar.
Nesta, como em tantas outras localidades, a Ordem de Avis, detinha a jurisdição do cível e do
crime na vila e seu termo, pelo que se conhecem os seguintes oficiais:
Quadro nº72
Ofíciais da Ordem na vila do Alandroal
Nome Ofício
Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre, feita em Lisboa por Manuel da Mota
João Lourenço
aos 8 de Maio de 1511
Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre feita em Lisboa por Antão Luís , aos 24
Álvaro de Paiva
de Maio de de 1499
Contador dos feitos nomeado por carta do Mestre assinada por Diogo da Silveira , sendo vedor da
Álvaro de Paiva
Fazenda, feita em Lisboa por Álvaro de Lisboa aos 7 de Novembro de 1499
Escrivão da câmara, dos órfãos e da almotaçaria nomeado por carta do Mestre feita por Manuel
Álvaro Dantas
Fernandes em Setúbal aos 13 de Outubro de 1503
Prioste nomeado por carta do Mestre, feita por Manuel Álvares em Lisboa aos 9 de Outubro de
Gomes Rodrigues
1513
Partidor e avaliador dos órfãos nomeado por carta do Mestre feita por Manuel da Mota em Setúbal
João Gonçalves
aos 17 de Março de 1508
Juiz dos órfãos, apresentou uma carta em que o Mestre lhe ordenava que servisse no dito ofício,
Álvaro Afonso enquanto Álvaro Pires, ao qual pertencia, andasse homiziado, feita por Pero Coelho , em N.
Senhora da Piedade no ano de 1512
Ascenso Gonçalves Escrivão do almoxarifado nomeado por carta do Mestre, feita em Setúbal por Leonel Àlvares aos
17 de Agosto de 1514
Como entidade senhorial que era, usufruía de rendas, foros e direitos na vila do Alandroal e seu
termo, encontrando-se enumeradas na fonte as seguintes indicações: o dízimo do pão, do vinho,
do azeite, do linho,de todos os legumes,da fruta e hortaliça, do mel e dos enxames, dos frangos e
patos, dos queijos, da lã, dos gados, dos poldros e burros, das pensões dos tabeliães (180 reais
por cada um). Encontra-se também referidas as dízimas das sentenças, as carceragens e pensões,
e as penas das armas, normalmente associadas à Alcaidaria.
A portagem pertencia à instituição, bem como as vendas, a açougagem os direitos de pesca, o
terço da renda dos lagares, um terço dos fornos de cozer pão, e 180 reais do montado.
É no texto da presente visitação que, pela primeira vez, se encontram referidos na fonte os
direitos sobre as águas da vila, especificando-se que esses mesmos direitos abrangiam tanto as
águas nativas como de enxurrada, e as do termo e ribeira de Odiana, em cujo curso não se
poderiam fazer nenhuns engenhos sem se pagar à Ordem aquilo que fosse concertado. Como
frequentemente sucedia, andava com os direitos sobre as águas o dízimo do pescado que morria
nelas, quaisquer que fossem as armadilhas com que fosse capturado. No entanto, na altura da
visitação em estudo, este direito andava enleado e não se pagava nada à Ordem.
Pertencia também à Ordem um terço dos proventos decorrentes da utilização dos fornos de telha,
cal, tijolos e louça, indicação que aponta para a instalação na vila de um incipiente sector
secundário que, até agora, não tinha sido objecto de menção nas visitações precedentes, mas que,
sintomaticamente, também andava enleado, e não era pago.
Os enviados do Mestre não efectuaram qualquer estimativa da renda golobal da comenda,
resultante do valor agregado destas rendas, nem temos conhecimento de que, em 1534, esse valor
se encontrasse orçamentado.
De acordo com o recenseamento efectuado pelos visitadores nessa ocasião, na vila do Alandroal
e seu termo residiam 300 vizinhos, dos quais 12 de cavalo, não existindo besteiros nem
espingardeiros.
Fortaleza do Alandroal
Nessa ocasião era Alcaide-mór da fortaleza do Alandroal António de Aguiar que mostrou aos
enviados de D. Jorge uma carta de D. João II, confirmada pelo Mestre por outra carta, feita em
Lisboa por Fernão Lopes aos 27 de Julho de 1492.No dizer da fonte, tratava-se de uma fortaleza
boa de muros, torres e barreiras, mas o aposento encontrava-se muito danificado nos telhados,
sobrados, janelas e escadas, embora as paredes continuassem em bom estado.
Na fortificação não existiam armas, nem mais artilharia do que 4 bombardas velhas.
Propriedade urbana
Quadro nº 73
Tipologia dos prédios urbanos
Medidas
Casa térrea dianteira 5,5x4 6x4,4 72 Madeiradas castanho, telha vã, portas, 296
2 casas térreas 4x3,5 4,4x3,8 ferrolhos e fechaduras
3x2,5
2 câmaras junto à adega da Ordem e 3,5x3,5
3x2
ao adro da igreja 4,4x3,8
4x3,5
Casa dianteira 5,5x4 6x4,4
2 casas térreas 3,5x3 3,8x3,3
64 Telha vã, madeiradas de castanho 297
sobre uma delas 1 câmara 3,5x3 3,8x3,3
junto à igreja e ao celeiro 3,5x3 3,8x3,3
Casa dianteira
4,5x4 4,9x4,4
Celeiro 38 300
4,5x3 4,9x3,3
junto ás casas da Ordem
6x3 6,6x3,3
Casa descoberta 3x3 3,3x3,3
junto à Rua Pública, com 3,5x2 3,5x2,2
61,5 323
5 divisões 3,5x2 3,5x2,2
3x2,5 3,5x2,2
2,5x2,5 2,7x2,7
Quadro nº 74
Contratos sobre casas
Casa do prior
junto ao adro da O prior 3 15 293
igreja.
Álvaro
Casa junto â
Afonso 3 17 294
antecedente
Fernão
casa na vila junto à
Álvares de X 30 323
Rua Pública
Machos
Propriedade rústica
Quadro nº 75
Defesas da Ordem
Medidas
Quadro nº 76
Contrato sobre defesa da Ordem
Tipologia das
Tipologia do Tipologia dos contratos
rendas fixas
prédio/ Titular Fólio
Emprazamento Numerário
Localização
(vidas) (reais)
Defesa da Granja Dona Cecília 3? 900 284v
Quadro nº 77
Herdade
Medidas
Quadro nº 78
Contrato sobre herdade
Quadro nº 79
Courelas
Medidas
N/S 21 23
Courela nas Vinharias 2.024 ___ 287
L/P 80 88
Quadro nº 80
Ferragial
Medidas
Quadro nº 81
Contrato sobre Ferragial
Quadro nº82
Hortas
Medidas
Quadro nº 83
Contrato sobre hortas
Tipologia dos contratos Tipologia das rendas fixas
Tipologia do
Titular Emprazamento Numerário Fólio
prédio/Localização
(vidas) (reais)
Catarina Vaz, mulher
A horta do Mestre, de Francisco
junto da fonte da vila, Mesurado, 3 2.600 295
ao caminho de Terena almoxarife em
Estremoz
Quadro nº 84
Vinhas
Medidas
Tem dentro 1
N/S 170 187 pedaço de olival
Vinha, à fonte dos freires 4,3 313
L/P 210 231 com
8 enxertos
Quadro nº 85
Contratos sobre Vinhas
Tipologia dos Tipologia das
Tipologia do contratos rendas fixas
prédio/ Titular Fólio
Emprazamento Numerário
Localização
(vidas) (reais)
Vinha ao Selão
junto à rib.ª da João Vaz Bentinho 3 300 305
fonte dos foreiros
Vinha, à fonte dos
Fernão d’Aires 3 200 313
freires
Quadro nº 86
Chão
Medidas
Quadro nº 87
Azenhas
Medidas
302
Azenha no ribeiro da fonte ___ ___ ___ ___
306
Azenha no ribeiro da fonte __ __ __ __
307
Azenha no ribeiro da fonte __ __ __ __
317
Azenha no ribeiro da fonte __ __ __ __
Tipologia das
Tipologia dos contratos
rendas fixas
Tipologia do prédio/ Fóli
Titular Emprazament Trigo
Localização Arrendament o
o Aves (litros
o
(vidas) )
João Fidalgo 1
Azenha na ribeira da fonte X 165,6 299
galinha
Azenha no ribeiro da fonte João Bentinho 3 __ 207 302
Artur Lopes, morador 1
Azenha no ribeiro da fonte 3 __ 200 304
em Portalegre frangão
Nuno Gonçalves
Azenha no ribeiro da fonte X __ 207 305
Álvaro Fernandes
Azenha no ribeiro da fonte X __ 207 306
Chicão
Vasco Lourenço
Azenha no ribeiro da fonte 3 __ __ 165,6 307
Fernão Caldeira
Azenha na fonte dos Freires ___ ___ __ 207 314
Isabel Fernandes,
Azenha no ribeiro da fonte mulher que foi de __ X __ 345 317
Fernão Caldeira
Um ferido de azenha no rib.º Diogo Lopes de 138
___ ___ __ 319
da fonte ao Negrão Sequeira
Azenha no ribeiro da fonte Lourenço Bentes 3 207 321
Quadro nº 89
Contratos sobre pisões
Quadro nº 90
Contratos sobre moinhos
A vila de Mora pertencia à Ordem de Avis e, nesta altura, encontrava-se na mão de António de
Azevedo, Almirante do Reino e chaveiro desta milícia, que era seu Comendador e Alcaide-mor.
Situada onze léguas a Sul da cidade de Santarém, com quem partia a Norte, tendo de termo para
esta banda uma légua e dois terças. Confrontava a Levante com a vila de Avis, de que distava
quatro léguas e, desta parte, o seu termo alcançava uma légua. Partia com a vila de Pavia, a 2
léguas de distância, e o seu termo, nesta parte, estendia-se por meia légua. Confrontava também
da parte do Sul com as Ageas, a uma légua e um quinto de distância, e o seu termo alcançava
uma légua.
Entestava a Poente com a vila de Coruche, a seis léguas, e o respectivo termo abarcava uma
légua para esta parte. E, finalmente, a Esnoroeste, confrontava com Erra, que ficava a quatro
léguas e meia de distância, estendendo-se nesta direcção o seu termo por mais uma légua.
Enquadrados no mesmo contexto que descrevemos nas visitas precedentes deste mesmo ano de
1519 o bacharel e chantre D. Frei Nuno Cordeiro, prior mor do convento de Avis, prior e
beneficiado de S. João de Coruche, e frei João Rolão, prior de vila Viçosa, acompanhados por
Frei Álvaro Eanes Pinheiro,escrivão da visitação, e Frei Duarte Pinheiro, seu coadjuvante,
chegaram à vila de Mora, procedentes do lugar das Galveias, na noite de 7 de Abril de 1519 e,
feita a oração na igreja da vila, recolheram a suas pousadas.
4.2.1.Dimensão Religiosa
Igreja
Na manhã do dia oito de Abril os visitadores regressaram à igreja de Santa Maria da Graça, onde
se encontravam, preparados para receber os enviados do Mestre, Jorge Vaz, juiz ordinário na dita
vila bem como João Coelho e Brás Rodrigues, vereadores, e Vasco Lopes, procurador do
concelho, e ainda muitos outros moradores de Mora. Perante estas individualidades foi lida a
carta do Mestre, e foram prestadas as obediências da praxe, após o que a visitação começou, na
ausência do Comendador, e sem que na dita vila existisse prior, nem outra pessoa da Ordem.
Deduzimos que esta igreja era, na altura, servida por um capelão dado que a fonte refere " era
costume que o capelão da vila dissesse uma missa em cada sábado em honra de Nossa Senhora,
recebendo em paga dela a esmola que o próprio mandava pedir pelas portas aos domingos, e
cada um dava um pão ou aquilo que podia, e quer a dita esmola fosse pouca ou muita, se dava
por pago ".
No entanto a contratação da existência de um capelão suscitou reparos dos visitadores, como se
verifica pelo teor da subsequente determinação:
Os juízes e oficiais da vila de Mora tinham tomado um capelão que não era do hábito da Ordem
de S. Bento, sendo do conhecimento geral que, em tais situações, era obrigatório dar
conhecimento dessa ocorrência ao Mestre, de acordo com os estatutos da Ordem nos quais, sobre
esta matéria, se continha um capítulo cujo teor era o seguinte:
"Mandamos aos concelhos das terras do mestrado que se algum clérigo aí for servir algum
benefício como cura que não seja pessoa do hábito que no-lo notifiquem logo, sob pena de os
oficiais pagarem 2000 reais para o convento E porque os concelhos e os oficiais deles não
possam alegar ignorância mandamos aos visitadores que o notifiquem aos concelhos e que o
traslado deste estatuto fique em cada lugar e se escreva no livro da câmara para ser a todos
manifesto".
Nos termos do capítulo dos estatutos os visitadores ordenaram aos ditos juízes e oficiais da vila
que tal cumprissem inteiramente, notificando-o a sua senhoria, sob a pena dos 2000 reais se não
o fizessem .
A visita começou pela capela-mór, na qual não encontraram sacrário, porque o templo se
encontrava apartado da povoação, o que os visitadores não estranharam, considerando que o
Santíssimo Sacramento não devia estar senão em lugares de muito acatamento. Seguidamente
dirigiram-se ao altar-mor que era de taipa, guarnecido com cal e pintado, onde se encontrava uma
imagem de pau, de vulto bem pintada, de Nossa Senhora com o menino nos braços sobrepujada
por um guarda pó de madeira pequeno. A capela-mór encontrava-se forrada de madeira de freixo
e de amieiro e ladrilhada. Tinha um arco de alvenaria cerrado por grades de pau de freixo. Media
5,6m de comprimento, por 3,3m de largura, perfazendo 18,4m2.
As paredes da igreja e capela-mór encontravam-se construídas de pedra e cal e o corpo da igreja
estava madeirado com asnas e coberto de telha vã, tendo dois portados de pedraria, a porta
principal e a porta travessa do lado Norte. Estavam dotadas de portas, a principal, que se fechava
por dentro, e a travessa que tinha ferrolho, ferradura e chave.
Esse corpo do templo media 33,8m2, o que deixa adivinhar uma área total (com a capela-mór) de
52 m2.
A pia de baptismal ficava junto à porta principal, do lada esquerdo de quem entrava, talhada
numa pedra burneira, mas sem cobertura. Existia na dita igreja uma outra pia, de água benta,
feita em mármore, sobre uma peanha de pedra burneira. E no canto da parede da igreja, à direita
da porta principal, um pouco mais alto do que o telhado, encontrava-se um sino pequeno,
colocado numa porca, que se tangia, o qual estava descoberto.
Os 3 óleos santos encontravam-se em 3 ambulas metidas numa buceta de pau, colocada num
buraco dentro da capela-mor da igreja. Os visitadores consideraram está situação má e desonesta,
deliberando prover sobre este assunto através da seguinte determinação particular: Tendo
constatado que os santos óleos andavam pelos buracos da igreja, os visitadores ordenaram que
fossem colocadas umas portas com fechaduras e chave no armário que estava na parte do
evangelho da capela-mór, no qual os mesmos ficassem fechados , guardando a respectiva chave o
capelão.
Quadro nº91
Pinturas e imagens
Quadro nº92
Prata da igreja
Quadro nº93
Vestimentas
Tipologia
Características Observações
Quadro nº94
Roupa de Linho
Tipologia Características
6 toalhas Lavradas de ponto real
Umas toalhas Francesas
4 lençóis Um novo e 3 usados
Pano Da Índia Servia de frontal no altar-
mór.
Quadro nº95
Outros
Quadro nº96
Livros
Tipologia Características
De letra de forma, em papel, com a
1 missal do costume de Évora encadernação queimada , muito
desconcertado
De letra de forma, em papel, encadernado
1 missal com tábuas cobertas de couro vermelho, já
usado
1 livro muito velho Tão desmanchado que se não aproveitava
Quadro nº97
Latão e coisas miúdas
Tipologia Características
Cruz de madeira forrada de latão e cobre Quebrada e com o cruxifixo despregado
2 castiçais de latão Altos e bons
1 ferro de hóstias Fazia 4 hóstias de cada vez
1 lâmpada de vidro Encontrava-se na capela-mór
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja de Santa Maria da Graça de
Mora, as suas necessidades imediatas reveladas pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Comendador António de Azevedo e povo do concelho
que resumiremos da seguinte forma:
Obrigações do concelho.
O concelho encontrava-se obrigado ao corregimento do cálix, que era seu e andava sempre em
poder do procurador do concelho com todos os outros ornamentos da igreja, e estava obrigado a
dar contas anualmente e sempre que se procedia à entrega do cargo ao seu novo detentor.
E se o dito concelho quissesse um capelão que dissesse mais missas do que aquelas a que
estavam obrigados os beneficiados, pagaria à sua própria custa aquilo que concertasse com ele,
como na ocasião faziam com Francisco Colaço, que há certos anos tinham por seu capelão, e lhes
dizia missa dominical e certas festas principais pagando-lhe o concelho, além do que recebia dos
beneficiados de Coruche, 16,5 hectolitros de trigo.
Ermida de S. Brinços.
Estava situada dentro da terra que a ordem tinha na aldeia de Martim Anes que andava com a
comenda de Mora.
Esta ermida era de pedra e barro e não tinha capela-mór, apenas um altar de pedra e barro,
guarnecido a cal, no qual se encontrava uma imagem de S. Brincos, de vulto de pau, encimada
por guarda-pó pequeno em madeira que cobria a dita imagem. Ao redor deste altar ficavam umas
grades de madeira de castanho e freixo. Das grades para dentro estava ladrilhado de tijolo e
madeirado de trouxa coberta de telha vã somente sobre o altar exisitia um fôrro de tabuado de
amieiro e freixo. Tinha uma portada de pedra chã com lumieiras de pau, mas não havia portas.
Estava provida com o seguinte: 2 mantéus de linho que estavam no altar e umas toalhas de ponto
real e 1 lençol de linho por cortina, e outro pedaço de pano de linho com que se cobriam os
santos na Quaresma e uma sarja vermelha que servia de frontal.
Tratava-se de uma ermida antiga não havendo memória de quem a houvesse fundado, e não tinha
vestimentas nem nenhuma outra coisa de guisamento, assim o capelão servia-se dos seus
próprios. Não possuía nenhuma renda. Tinham acabado de repará-la certos fregueses que a
conservam e guarneciam por sua devoção e vontade própria, fornecendo-lhe as roupas e outras
coisas escritas.
Tinha um cálice de prata novo, branco, que recentemente os fregueses haviam adquirido para
dizer missa. Era seu capelão João Rodrigues, clérigo de missa, natural que dizia ser de
Montemor-o-Novo, o qual celebrava missa quinzenalmente, confessava e dava comunhão, sendo
pago de acordo com o que concertava com os moradores. O cálix e coisas da dita ermida estavam
em poder de Vicente Rodrigues, morador no termo de Arroiolos
Os visitadores ordenaram a este capelão, que se encontrava presente, que desse o rol dos
confessados e comungados aos priores e curas das igrejas de cujos termos fossem moradores,
porquanto os ditos moradores eram fregueses no termo de Coruche, de Arraiolos e Montemor.
Quadro nº98
Pinturas e imagens
Ermida de S. Romão.
Também se encontrava situada dentro da terra da aldeia de Martim Anes que andava com a
comenda de Mora.
Com 12,7m2, tinha paredes de pedra e barro e um único altar, encontrando-se coberta de telha vã,
mas danificada nas paredes e telhado. Por ser antiga não restava da sua fundação e não possuía
herdades, nem renda.
Uma vez que a terra desta herdade era coutada da aldeia de Martim Anes e esta ermida bem
como a de S.Brinços estavam situadas dentro da demarcação da dita herdade, mandaram os
visitadores assentá-las nesta visitação porque estas ermidas não se encontram escritas na
visitação de Coruche em cujo termo a dita herdade estava situada.
Ermida de S. Gião.
Situada cerca da vila de Mora, encontrava-se danificada, com paredes derribadas em algumas
partes, outras levantadas, e toda descoberta. As paredes eram de taipa com alicerces de pedra, um
altar já desmanchado, e não tinha capela-mór. Em face desta situação, não foi medida,
constatando-se que não possuía qualquer rendimento. Não foi possível detectar nem a data da
fundação nem o responsável pela sua manutenção.
4. Drenagem do paul.
Os visitadores verificaram que entre o caminho que seguia para o Cabeço e as terras das várzeas
da Ordem se encontrava um grande pedaço de terra alagada e coberta de juncal, que estava
desaproveitada por não ter sido aberta e drenada, situação de que a Ordem recebia perda e dano.
Querendo atalhar este desperdício, de modo a que os lavradores recebessem proveito e a Ordem
não perdesse os seus direitos, determinaram que todo o lavrador que lavrasse nas referidas terras,
e que tivesse courela, ou courelas a entestar no caminho de Cabeção que atravessassem o juncal
ou terra alagada, alargasse e abrisse a sua courela pelo meio do dito paúl por onde a todos
parecesse que melhor se podia enxugar e escorrer para que toda a terra, desde a ribeira até o
caminho de Cabeção, se semeasse e aproveitasse.
E a qualquer um que assim não procedesse mandaram que a terra que lhe ficasse por semear por
não estar aberta, perdendo-se o respectivo o pão, que fosse estimada por dois homens bons e de
boas consciências, ajuramentados aos santos evangelhos toda essa dita área que ficara por
semear, bem como aquela se tinha alagado, perdendo-se o pão por não se não encontrar aberta, e
tudo o que estimassem que se tinha perdido o avaliassem. E os lavradores pagassem à Ordem o
seu direito sobre a área desaproveitada E mais lhes fosse tirada a dita terra e nunca mais a
lavrassem, e fosse dada a outro lavrador que a abrisse e bem aproveitasse.
E ordenaram também ao feitor do Comendador que tivesse bom cuidado com esta questão,
fazendo cumprir o determinado, e não perdoando a nenhum, sob pena de pagar o dito feitor que
não cumprisse 10 cruzados de ouro, um terço para as obras do Convento, outro para os cativos e
o restante para quem acusasse.
5. Sobre o foral.
Foi mostrado pelo concelho da vila de Mora um foral que comprovaria certas liberdades que o
concelho dizia que se encontravam nele escritas. Mas, por o dito foral não ter sido passado pela
chancelaria do Mestre, os visitadores não o aprovaram. Manifestaran, no entanto, interesse em
fazer a sua aprovação pelo que concederam um prazo de dois meses (até 16 de Junho seguinte)
para que o autenticassem. No caso de não cumprirem essa diligência dentro do prazo, mandariam
ao mordomo e feitor do Comendador que lançasse mão e tomasse para a Ordem todas as vinhas,
pomares e benfeitorias que se encontravam dentro da demarcação das terras das duas dizimas, e
as não tivesse mais ninguém sem pagar foro à Ordem.
Proriedade rústica
Quadro nº 99
Horta
Medidas
Medidas
Quadro nº 101
Terras
Medidas
Quadro nº102
Casais
Terminada em 17 de Abril de 1519 com a visitação à vila de Mora o 1.º ciclo das inspecções em
estudo, inicia-se o 2.º ciclo, cerca de 19 anos mais tarde, com uma série de visitasefectuadas por
Francisco Coelho, cavaleiro da Ordem de Avis, e Frei André Dias, prior de Avis.
Se, por um lado, estas visitas não ampliam tanto quanto poderia ser desejável o nosso "campo de
observação", uma vez que respeitam somente a algumas localidades já visitadas (Cano, Figueira
Seda e Galveias), por outro permitam analizar a evolução verificada ao longo de quase duas
décadas, e constatar o grau de eficácia e cumprimento de algumas das determinações respeitantes
a questões e problemáticas específicas dessas mesmas localidades, entre outro tipo de variações e
evoluções que teremos ensejo de referir.
Verificamos, ainda, que esta fonte se inicia com um tombo das heranças e propriedadas que a
Ordem tinha na vila de Avis e seu termo que, embora não se encontre datado, poderá, em face
das circunstâncias em que se inscreve nm tombo com registos de 1538, corresponder a esse
mesmo ano ou, pelo menos, a um período próximo.
Quadro n.º103
2.º Ciclo de visitas post- Capítulo Geral de 1538
Efectuado por Francisco Coelho, cavaleiro da Ordem, e frei André Dias , prior da igreja de Avis,
ao que supomos no decurso de uma visitação realizada entre a, elaboração de um tombo da
Ordem em 1517/19, (ao qual se alude frequentemente na fonte) e o ano de 1538, como parece
depreender-se numa passagem referente ao chão da ordem em Fica Joelho.
Avis, cabeça do Mestrado, pertencia à Mesa Mestral, cabendo a respectiva jurisdição e rendas ao
mestre D. Jorge. O rei tinha as sisas e terças do concelho. O cardeal auferia o terço dos dízimos e
o cabido da Sé de Évora um terço da parcela do referido prelado.
A vila e arrabalde tinha 320 moradores, e Benavila 83.
• Dimensão Religiosa
A visitação em questão não contempla indicações sobre a Igreja sede da Ordem uma vez que esta
estava integrada no convento de Avis, estrutura que determinou um tratamento particular por
parte do mestre D. Jorge. Com efeito e como é hoje conhecido, foi elaborado em Agosto de 1546,
um regimento do convento contendo todos os detalhes reslativos a esta Igreja bem como a muitos
outros aspectos de interesse para a vida da comunidade conventual. Por essa razão se entende
que, no caso da elaboração destes códices, as apreciações à sede da ordem sejam, neste
particular, omissas.
Propriedade urbana
Quadro nº 104
Tipologia dos prédios urbanos
Medidas
Quadro nº 105
Contratos sobre casas
Couto do concelho.
Mais uma vez a fonte remete para uma situação anterior a 1538, uma vez que alude a um couto
do concelho, localizado ao redor das vinhas e olivais que era coimeiro a todos os gados, dizendo
que o mesmo se encontrava descrito no tombo da Ordem, acrescentando, ainda que, por essa
razão foi desnecessário assentar qualquer outra informação adicional.
Quadro nº 106
Contratos sobre chãos
Medidas
Olival e terra de pão situado no poço do tendeiro junto à estrada que ia de Avis para o
Olival e terra de pão 5
Ervedal
Olival que começava na rib.ª de Benavila, no canto do açude do moinho Olival com vinha 6
Olival que se chamava o Vieiro na rib.ª e pego do Sertainho até à foz do vale Olival 7v
Olival no azinhal ao longo do caminho para Benavila Olival 11
Olival na rib.ª acima da ponte da vila Olival com o seu chão 24
Bartolomeu Vaz,
Um pedaço de chão em horta
morador em 3 8 15v
junto à rib.ª de Benavila
Benavila
Horta junto à rib.ª de
Diogo Peres 3 8 16
Benavila
Catarina Peres,
Horta junto a Benavila 3 8 16v
viúva de Benavila
Horta junto a Benavila Pedro Eanes 3 8 17
Horta do chão junto ao O Convento ___ 24v
Rossio de de Avis
Avis por provisão do
Mestre
Várias hortas numa Lezíria Bartolomeu Vaz
da Ordem em Diogo Peres
8
Benavila, propriedades Catarina Peres, 3 36
(a cada titular)
de pouca substância, em viúva
posse de 4 foreiros Pêro Eanes
Várias pedaços de terra numa
lezíria da Ordem em Fernão Lopes 3 8 36
Benavila
Várias pedaços de terra numa
lezíria da Ordem em João Álvares 3 8 36
Benavila
Várias pedaços de terra numa
lezíria da Ordem em João Martins 3 8 36
Benavila
Várias pedaços de terra numa Jorge Afonso como
lezíria da Ordem em tutor de seu neto 3 8 36
Benavila Lopo Dias
Quadro n.º118
Herdades
Tipologia das
Tipologia do prédio rendas fixas
Titular Fólio
Localização Numerário
Outros
(reais)
Terra de pão com uma oliveira,
chamada o Freixial que começava na A Ordem recebia o quinto da
__ __ 19v
rib.ª de Benavila até ao Porto dos colheita
Cantos
A Ordem tinha metade de
ração.Segundo a colheita
Terra entre as ribeiras de Seda e
__ pagava o quinto ou a Ordem __ 20
Nenavila que se chamava a Carrazola
levava metade do quinto e o
lavrador a outra metade
Terra do Rossio dos Canos além de __ Andava com a renda da __ 20v
Ordem e os rendeiros
Benavila, onde foi povoação
recolhiam os frutos
Uma terra de pão na Rib.ª de Avis, Das quais a Ordem levava
__ __ 23
junto ao Porto do Gato metade do quinto
Courela junto à rib.ª de Carrazola, em João Peres, freire
27,6 litros de trigo e o dízimo __ 21v
Benavila do hábito de Avis
Três courelas, a 1.ªe 2ª na Horta de Diogo Afonso de
__ __ 31
João Pascoal e a 3.ª partia com o rib.º S.to António
Terra de pão que foi vinha situada
em Pêro Cristóvão Mendes,
__ 20 41
Aguilhão e partindo ao Poente com a morador em Avis
estrada para Évora
A visitação da vila e comenda de Cabeço de Vide foi levada a cabo por Francisco Coelho
cavaleiro da ordem de Avis e por frei André Dias, prior da igreja de Avis.
Esta decisão, tomada em Capítulo Geral de 1538, mais de quatro décadas após o início do
governo de D. Jorge, obriga a alguma ponderação. Independentemente das razões de natureza
logística e administrativa que lhe terão estado subjacentes, não pode desligar-se das dimensões e
características específicas da componente humana da Ordem de Avis, bem como da distribuição
dos territórios sob a jurisdição da Ordem a que já tivemos ocasião de aludir .
Infelizmente a primeira carta conhecida pela qual D. Jorge concede poderes aos visitadores da
comarca transtagana, no âmbito das deliberações do último Capítulo Geral, pouco se afasta do
formulário tradicional, embora refira expressamente a natureza e latitude dos poderes delegados
e, mais importante, circunscreva com precisão as localidades a visitar. Parece de realçar que, se
em visitações antecedentes por nós tratadas, se encontrava perfeitamente delimitado o prazo de
execução das visitações em causa, neste caso de Cabeço de Vide esse ponto encontra-se omitido.
Praticamente um mês após o Capítulo Geral da Ordem de Avis realizado no mosteiro de Santo
Elói, D. Jorge, que permanecia em Lisboa, fazia escrever pelo seu secretário Pero Coelho a carta
de poder, com a data de 30 de Março de 1538. Nela, como habitualmente sucedia, dava conta a
todos os Comendadores, cavaleiros, priores, freires da dita ordem de Avis e a todos os outros a
quem o direito pertencesse, que tinha escolhido como visitadores, Francisco Coelho, cavaleiro da
Ordem, e Frei André Dias, prior de Avis para visitarem uma certa parte do Mestrado. Participava
ainda que, no intuito de abreviar o tempo dispendido nestas visitações, tinha sido deliberado
repartir o dito Mestrado em duas comarcas, passando a constituir a parte que cabia aos referidos
visitadores um conjunto de 26 localidades :
Na sequência desta delegação de autoridade, os visitadores Francisco Coelho e frei André Dias,
comunicaram ao Comendador, prior e juízes e oficiais da vila e comenda de Cabeço de Vide,
bem como aos vassalos dela, que visitariam a dita vila, tanto no tocante à dimensão espiritual
como no respeitante à dimensão jurisdicional
A vila de Cabeço de Vide pertencia à Ordem de Avis e, nesta altura, encontrava-se na mão de
Diogo de Miranda que era seu Comendador e Alcaide-mor. Partia a Norte com o termo de Alter
Pedroso, de que distava dois terços de légua, a Sueste com o de Monforte, que ficava a duas
léguas, embora o termo da vila se limitasse a um quarto de légua.A Sul partia com Veiros, de que
distava três, tendo uma e meia léguas de termo para essa parte. Distava uma légua de
Fronteira,que ficava da banda do Sudoeste, embora o termo da vila se limitasse a meia légua.
5.2.1. Dimensão Religiosa
Igreja
Na manhã de 23 de Outubro de 1538 os referidos visitadores, juntamente com Frei Fernando,
escrivão da visitação, chegaram à igreja de Santa Maria da Graça, procedentes da vila de
Fronteira, onde se encontravam, preparados para receber os enviados do Mestre, a saber, o
Comendador, o prior e o tesoureiro da dita igreja. Perante estas individualidades foi lida a carta
do Mestre, e foram prestadas as obediências da praxe, após o que a visitação começou.
Na altura era Comendador da dita igreja e comenda Diogo de Miranda, fidalgo da casa do Mestre
D. Jorge e cavaleiro professo da Ordem de Avis, segundo mostrou pelo título da sua profissão. E
questionado sobre título da comenda apresentou uma carta do dito senhor pela qual o dava como
Comendador de Cabeço de Vide e Alcaide-mor da vila de Alter Pedroso.
No respeitante aos capítulos da Regra que tocavam à visitação, e que lhe foram lidos, disse que
os cumpria.
Acabada de visitar a pessoa de Diogo de Miranda foi-lhe ordenado que requeresse muito
inteiramente todos os direitos, heranças e coisas que pertencessem à Ordem e comenda, sem se
deixar levar por nenhuma afeição pessoal.
Na ocasião era prior da dita igreja frei Pêro Leborato, freire professo do hábito de Avis. Sendo-
lhe perguntado pelo título do seu priorado, hábito e profissão disse que os não tirara porque ainda
não era costume no tempo em que saíra do convento.
E questionado sobre título do seu priorado e benefício mostrou uma apresentação do Mestre e
uma confirmação de D. Afonso, Bispo de Évora, e quanto à apresentação do dito priorado para
tença a sua senhoria in sólido por qualquer via que vagasse.
Foi inquirido pelos capítulos da Regra e respondeu que os cumpria o melhor que podia, e quanto
estava ao seu alcance, e os visitadores assim lho recomendaram.
Tinha o dito prior de mantimento por ano 10.000 reais, 16 hectolitros de trigo e 12,4 hectolitros
de cevada.
Os enviados de D. Jorge informaram-no de que, desde o pretérito dia de S. João em diante,
receberia mais o pé de altar da dita igreja, por ter passado a ser dado aos priores da Ordem, com
início no referido dia de S. João, tal como ficára decidido no Capítulo Geral celebrado pelo
Mestre em Lisboa.
Foram seguidamente inquiridos os juízes, oficiais e alguns homens honrados que unanimemente
responderam que eram muito bem servidos pelo prior. E todos os dias celebrava missa pelo povo,
como era sua obrigação.
Era tesoureiro desta igreja Jerónimo Guterre, que tinha de mantimento por este cargo 4,1
hectolitros de trigo e 198 litros de vinho à bica.
Começaram por visitar o sacrário, que consistia numa caixa de madeira, fechada com chave,
destinada a ser clocada no retábulo que então se fazia para a dita igreja. Dentro dessa caixa se
encontrava-se um cofre de marfim, com sua fechadura e chave, e dentro no dito cofre estava o
santo sacramento, colocado nuns corporais, sobre a pedra de ara, que também aí se encontrava.
Defronte do sacrário estava perdurada uma lâmpada de vidro que ardia continuamente diante do
sacramento.
Os santos óleos, óleo, crisma e óleo perfumado, encontravam-se nas respectivas ambulas, dentro
de uma caixa de madeira num armário metido na parede da capela-mor do lado do evangelho.
Este armário tinha uma cercadura em pedra mármore e umas portas de pau pintadas com as
armas de Diogo de Azambuja. Era neste armário que costumava estar o sacramento.
Esta igreja matriz, tinha sido mandada fazer de novo pelo Comendador Diogo de Miranda, com
uma capela-mor com 31,5m2. Era de pedra e cal, abobadada e guarnecida por dentro e com
chaves de cantaria falsa. Estava ladrilhada de tijolo, e o altar-mor fora construído em alvenaria
com três degraus de pedra. O sobredito altar não tinha colocado nenhum retábulo porque aquele
que lhe estava destinado se encontrava a pintar naquela ocasião. O arco do cruzeiro era de
cantaria falsa. Na capela-mor, à direita, ficava um portal de pedra que dava para a sacristia, a
qual se encontrava a ser construída de novo em pedra e barro e media 19,3m2.
O corpo da igreja era de uma só nave, com paredes de pedra e cal, guarnecido por dentro, e tem 4
arcos de tijolo sobre os quais se encontrava madeirado de castanho telhado de telha vã. Na
parede do cruzeiro ficavam 2 altares de alvenaria.
A porta principal, bem como as 2 portas travessas, eram de pedra de gram e tinham todas portas
novas de castanho. Á entrada da porta principal, do lado esquerdo, ficava um arco grande na
parede, onde se encontrava metida a pia baptismal, também em pedra de gram, e cercada com
grades de madeira. O coro e o campanário ainda não se encontravam feitom, uma vez que ainda
se andava a trabalhar nos acabamentos dentro da igreja. O corpo desta igreja media 218m 2 o que,
acrescentando a superfície da capela-mór, perfazia uma área total de cerca de 250m2.
Diante da porta principal, a toda a largura do templo, ficava um tabuleiro a que se ascendia por
degraus.
O adro que rodeava o templo tinha sido demarcado e medido pela visitação passada.
Na dita igreja existia uma confraria de Nossa Senhora, que se tinha constituído como ficara
declarado na última visitação que, todavia, desconhecemos.
Quadro nº120
Pinturas e imagens
Quadro nº121
Prata da igreja
Quadro nº122
Vestimentas da igreja
Tipologia Características
Capa De damasco com savastro de veludo carmezim
Vestimenta Em damasco carmezim, comprida
Vestimenta de chamalote preto Comprida e com savastro de veludo preto, franjado
Vestimenta de zarzagaia de seda Comprida
Frontal de chamalote vermelho Novo
2 vestimentas de linho que serviam de cotas Usadas
Pano de estante vermelho e franjado Pequeno
6 corporais de linho Bons
Quadro nº123
Ornamentos da igreja
Tipologia Características
4 pedras d’ara Com savastro de veludo carmezim
2 estantes de madeira Para os altares
Estante grande Para (os freires?)
__
2 caixas para os corporais das hóstias
__
Bacia de oferta
6 castiçais De latão
Quadro nº124
Livros da igreja
Tipologia Características
3 missais místicos Do costume de Évora
3 missais manuais Romanos
Baptistério De pergaminho
Livro de bênção e encomendação De pergaminho novo
Santal e domingal de vésperas De pergaminho novo
Oficial de missas, santal e domingal Já velho
Oficial místico de uma regra Velho
Baptistério Velho e desencadrenado
Livro de encomendação e unção Velho
Evangeliorum Velho
Epistoleiro Velho
Missal de pergaminho Velho
Saltério Velho
Quadro nº125
Roupa de linho da igreja
Tipologia Características
8 toalhas de mesa Usadas
4 toalhas de baptizar De seda lavrada
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja matriz de Cabeço de Vide, as
suas necessidades imediatas, reveladas pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Comendador que resumiremos da seguinte forma:
1. Os visitadores ordenaram ao Comendador que adquirisse uma sobrepeliz para administrar os
sacramentos, e para o tesoureiro .
2.Ordenaram-lhe também que mandasse edificar o coro da igreja, erguer um campanário e
construir um púlpito, especificando que o coro deveria ser edificado de acordo com o modelo do
da igreja de Fronteira. Tudo isto no prazo de um ano sob pena de dez cruzados (4.000 reais) para
as obras do Convento de Avis.
3.Mandaram igualmente que Diogo de Miranda fizesse esculpir em pedra uma cruz da Ordem
que seria colocada sobre a porta principal da igreja no prazo de quatro meses.
4.Ordenaram ao antedito Comendador que adquirisse até ao próximo dia de S. João (27 de
Fevereiro) duas vestimentas compridas com decote: uma de chamalote colorido, e a outra de
pano de linho com savastro de pano azul, sob pena de 2.000 reais para o Convento.
5. Mandaram finalmente que fossem compradas três mesas de toalhas para os altares, e um
missal místico do costume de Évora, até ao Natal, por se tratar de coisas muito necessárias, sob
pena de 1.000 reais para o Convento
Ermida de S. Brás.
Esta ermida ficava na vila, logo abaixo da igreja matriz, e tinha sido descrita na passada
visitação, encontrando-se nela nessa ocasião a Confraria da Misericórdia por licença que o
provedor e irmãos tinham obtido do Mestre. Esta Confraria fora constituída segundo o regimento
delas, e como se costumava em outros lugares do reino em que as havia, e estava anexo à dita
Confraria o hospital da vila por provisão do rei, hospital esse que era tal como ficara assentado
na visitação passada O provedor e irmãos da Misericórdia o tinham a seu cargo proverendo-o de
camas e outras coisas necessárias. Para isso administravam e governavam os bens e heranças que
o hospital tinha.
2.Protecção do montado
Qualquer pessoa que cortasse sobreiro ou azinheiro pelo pé pagaria 500 reais. E cortando
qualquer ramo pagaria, por cada um, 100 reais.
Se fossem achados nesta coutada carneiros, ovelhas ou cabras por cada vez que fossem
encontrados pagariam 500 reais. E o pastor seria preso, e não seria solto até que a coima fosse
paga. Estas coimas destinar-se-iam os rendeiros e guardas desta dita defesa.
Pertencia à Ordem a jurisdição do cível e do crime. A eleição dos juízes e oficiais era feita pelo
ouvidor do Mestrado, mas somente os juízes ordinários necessitavam de ser confirmados pelo
Mestre, e o respectivo mandato, a exemplo do que sucedia em todo o Mestrado, era trienal.
Quadro nº127
Ofícios da ordem
A presença da Ordem de Avis como entidade senhorial ficava marcada pela recepção de rendas
que usufruía na vila de Cabeço de Vide. A este respeito encontram-se enumeradas na fonte as
seguintes indicações :o dízimo do pão, o dízimo do vinho,o dízimo do azeite,o dízimo do linho,o
dízimo dos gados de toda a sorte, dos frangãos e pavões, dos furões, dos enxames e do mel, da
fruta e hortaliça de toda a sorte, o dízimo de todos os queijos,o dízimo dos poldros e burros, o
dízimo da lã das ovelhas e carneiros, dízimo e o dízimo das favas e tremoços e todos os outros
legumes.
Para além das rendas citadas, detinha ainda a Ordem, todas as oblações e pé de altar da igreja
matriz e ermidas, com excepção das da ermida do Espírito Santo, que iam para essa mesma
ermida e para a fábrica dela, por disposição do Santo Padre.
De igual modo pertenciam à Ordem os dízimos de todas as outras coisas que o direito canónico
mandava pagar. Mas de todos estes dízimos levavam o bispo e o cabido a terça parte, da qual
pagavam à Ordem, de celeirada, 8,2 hectolitros de trigo e 4,1 de cevada, tirando deste dízimo o
dízimo das cebolas e alhos, por ser esse o costume.
De igual modo tinha a Ordem a conhecença de todos os moinhos e engenhos de água que
estivessem no termo da vila e na ribeira de Vide.
E recebia casuísticamente aquilo em que se concertasse por cada engenho com a Ordem, sendo
foreiros os que não ficavam em terra da mesma Ordem.
Igualmente recebia a Ordem a pensão dos tabeliães e cada um deles pagava por ano 180 reais, e
as conheçenças dos ofícios mecânicos, pagando cada um, anualmente, 10 reais (o equivalente aos
foros das hortas pequenas).
A portagem era da Ordem e arrecadava-se sempre com as outras rendas da Ordem, tendo-a nessa
ocasião o Alcaide-mor, Diogo de Miranda.
A Alcaidaria-mór desta vila, com seu castelo, e as rendas dela e as carceragens e dízimas das
sentenças era tudo da Ordem, e todos estes direitos pertencam à alcaidaria-mor, tal como se
encontrava declarado na última visitação. O alcaide-mor apresentava o alcaide pequeno de
acordo com a ordenação.
Residiam nesta vila e seu termo 400 vizinhos. Estimavam-se as rendas de Cabeça de Vide e de
Pedroso, todas juntas, para efeitos de arrendamento, em 460.000 reais em salvo para o
Comendador.
O castelo da vila estava todo cercado de muro e Diogo de Miranda, o Comendador era Alcaide-
mor dele, bem como da vila de Alter Pedroso, por carta de sua senhoria que mostrou aos
visitadores. Todas as casas que ficavam da porta da cerca para dentro pertenciam ao dito castelo
e pousavam nelas os Comendadores e Alcaides-mores. Muitas delas encontravam-se nessa
ocasião feitas de novo e renovadas. Os visitadores não se deslocaram lá nem as assentaram por
se encontrarem pejadas e o visitador Francisco Coelho ter adoecido, abandonando a visitação.
Igreja
Foi visitada a igreja de Santa Maria de Pedroso, onde os fiéis ouviam missa, que se encontrava
tal como se encontrava descrita na visitação anterior.
Os moradores neste povoado tinham um clérigo que lhes dizia missa aos domingos e festas ao
qual o Comendador dava mil reais e os fregueses 6,9 hectolitros de trigo em cada ano. Existiam
na dita igreja uma cruz e um cálice de prata deixados por defuntos, bem como a vestimenta com
que se dizia missa.
Terminada a visita da igreja de Santa Maria de Pedroso os visitadores entenderam que a igreja
tinha necessidade de algumas obras e de certos objectos destinados ao culto, pelo que ordenaram
ao Comendador que diligenciasse no sentido da sua aquisição ou reparação, nos prazos
indicados, e sob as pena de avultados pagamentos, como consta do quadro seguinte.
Quadro nº128
Aquisições e benfeitorias respeitantes a Alter Pedroso
Determinações particulares
Durante a visita foram lidas as determinações gerais contidas na última visitação passada da
Ordem, e por serem todas boas e necessárias os enviados do Mestre aprovaram-nas e mandaram
que se cumprissem sob as penas nelas contidas.
Os visitadores deslocaram-se ao castelo e vila de Pedroso, que era da Ordem, a qual tinha a
jurisdição do cível e do crime. Os seus juízes e oficiais eram eleitos pelo ouvidor do Mestrado
sendo o juiz confirmado pelo Mestre.
Castelo e fortaleza
Este castelo e as casas dele, bem como a ermida do padre São Bento, que também estava situada
no recinto dele, encontram-se tal como tinham sido descritos na visitação anterior.
Propriedade rústica
1. Azenha e horta
A Ordem tinha um quarto da azenha de Alter do Chão que trazia Diogo da Rosa, do Crato, e
pegada com a dita azenha, ficava uma horta da Ordem que lhe pertencia integralmente, sem
ninguém nela ter parte, tal como estava assentado no tombo da Ordem. Tendo-se constatado que
era necessário aclarar a situação do antedito Diogo da Rosa, na maneira que ele trazia a dita
azenha e horta, e o foro que de tudo pagava, porque nada disso provou na ocasião, os visitadores
mandaram recado ao Comendador para que mandasse imediatamente citar o supracitado Diogo
da Rosa para que lhe mostrasse o título das ditas heranças, e requeresse nisso a justiça a Ordem
até final da sentença, de modo a que as ditas heranças ficassem com título e foro certos, e as
fizesse assentar no livro dos próprios da ordem que se encontrava nesta vila .
O mesmo procedimento adoptariam com Gonçalo Barbudo sobre a horta da ordem que trazia,
sem título, na ribeira da Vide. Porquanto os visitadores tinham sido informados que de há pouco
tempo a essa parte pagava 30 alqueires de foro, e por ser coisa nova e que não se encontrava no
tombo da Ordem o Comendador ficava obrigado a fazer a diligência.
2. Heranças da Ordem
Constatou-se que, não obstante os enviados de D. Jorge se encontrarem há 15 dias na vila (de
Cabeço de Vide) em visitação, as pessoas abaixo declaradas não lhes tinham vindo mostrar os
títulos das heranças e propriedades da Ordem que traziam, apesar de ter sido apregoado e
notificado pessoalmente, sob pena de perderem as propriedades e ficarem devolutas para a
Ordem. Nestas circunstâncias os visitadores determinaram que o Comendador as pudesse aforar
a quem quisesse, mandando que as aforasse em pregão, segundo a forma da procuração que para
isso tinha do Mestre, e que os títulos de aforamento que delas fizesse se trasladassem no livro
dos próprios da ordem.
E, no tocante a João de Matos e a Martim Gonçalves, de 2 hortas e vinha que traziam porque
sobre eles não tinha sido possível chegar a uma conclusão, o Comendador teria o cuidado de
examinar os seus títulos e lhes aforaria as ditas propriedades como visse que era bem. Os títulos
de aforamento que fizesse se trasladariam também no livro dos próprios da Ordem.
A vila de Sousel era uma das dezoito alcaidarias da primitiva Casa de Bragança, não lhe tendo
sido outorgado qualquer foral, antigo ou moderno.Encontrava-se no caminho de Badajoz, entre o
Cano e Veiros, inscrito na face Sul dum quadrilátero compreendido a Noroeste, Norte e Nordeste
pelas localidades de Figueira, Fronteira e Monforte, e a Sudoeste e Sudeste flanqueado pelas
vilas do Cano e Veiros. De acordo com o cadastro populacional de 1527, residiam nesta vila e
seu termo 457 vizinhos
Embora seja expressamente referida nesta visita uma outra, anterior, mas sem tenhamos qualquer
indicação sobre a data em que se teria realizado, desconhecemos o texto de qualquer outra
visitação a esta comenda da Ordem de Avis que, no entanto, se encontrava referida no orçamento
de 1491, onde se estimava em 150.000 reais o rendimento de Sousel. A presente visitação foi
efectuada pela mesma equipe que liderava o ciclo de visitações de 1538.
A Igreja
Esta matriz, encontrava-se derribada, uma vez que se procedia ao aumento do respectivo
comprimento e reconstrução da capela-mór. Toda essa obra estava já meia feita, edificada de
pedra e cal, e porque o templo se encontrava em estaleiro, e atravancado com pedra, terra e
madeira não foi medido nem sobre ele foi escrito mais do que acima fica dito.
Quadro nº129
Prata da igreja
Tipologia Características
2 cálices de prata branca com suas patenas
Cruz de prata branca com crucifixo
Quadro nº130
Vestimentas e ornamentos da igreja
Tipologia Características
Capa de cetim carmesim Com capelo de veludo verde, franjada
Capa de damasco roto Com capelo e barras de veludo verde
Vestimenta de damasco azul da Índia Com savastro de damasco amarelo de todo comprida
2 dalmáticas do mesmo teor. __
Manto de vestimenta de cetim aveludado Roto e muito velho
Vestimenta velha de pano de linho usada Com alva nova de todo comprida
Frontal de cetim vermelho Novo franjado de retrós
Palio de cetim azul e verde De três panos com suas franjas
3 panos pretos de quaresma Velhos
3 panos pretos de quaresma Novos.
3 toalhas de Flandres Que serviam nos altares
3 frontais de folhagem de Flandres Velhos
Quadro nº131
Alfaias de metal da igreja
Tipologia Características
__
4 galhetas
__
4 castiçais.
__
2 bacias de oferta
__
Uma caldeira de água benta
Quadro nº132
Livros da igreja
Tipologia Características
Domingal com o ofício das trevas De pergaminho
Santal de canto Novo de pergaminho com letra de mão
Santal Usado e desencadernado
Oficial Novo, escrito com letra de mão e canto em pergaminho
Oficial Velho, escrito em pergaminho
3 missais de forma Velhos
Missal místico do costume de Évora Novo
Saltério de pergaminho Velho
2 Baptistérios Uum de forma e o outro de pena e pergaminho
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja de Nossa Senhora de Sousel as
suas necessidades imediatas, reveladas pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das
determinações particulares exigidas ao Comendador que resumiremos da seguinte forma:
1.O Comendador e a Ordem estavam obrigados a construir e reparar a igreja matriz e a dar todos
os ornamentos necessários ao serviço dela, assim como o azeite para a lâmpada do sacrário, bem
como toda a cera necessária para as missas e ofícios que nela se fizessem.
2.O concelho e povo desta vila possuíam os 2 cálices de prata branca que serviam na dita igreja,
tendo-os o procurador do concelho em seu poder, e o povo estava obrigado ao conserto deles.
3.A obra da capela-mor da igreja matriz encontrava-se a meio e, porque os visitadores tivessem
entendido ser coisa necessária de se acabar, para que nela pudesse dizer-se missa, e a igreja ser
limpa da madeira que a atravancava, ordenaram ao Comendador, sob pena de 4.000 reais para as
obras do Convento, que mandasse fazer, e terminar, a dita capela com abóbada, tal como estava
ordenado, com o seu arco de cruzeiro e mil réguas gradis de pau fechadas até ao dia de S. João
(27 de Fevereiro) do ano seguinte de 1539, de maneira a que, dentro de aproximadamente cinco
meses, ficasse tudo acabado e se pudesse celebrar nela.
Por serem reconhecidamente necessárias os enviados de D. Jorge ordenaram ao Comendador que
corrigisse diversas situações, executasse algumas obras e efectuasse compras:
1. Sob pena de 2.000 reais para as obras do Convento, no prazo dos 4 meses seguintes, mandasse
colocar na igreja as seguintes coisas: duas vestimentas de linho compridas para decote, dois
missais manuais, uma campainha para comungar e dois paus para as cruzes.
Ordenaram também que em cada ano se colocassem dois brandões de cera diante do sacramento
enquanto estivesse encerrado na semana santa, e estes fossem de 1,8 kg cada um. E que as velas
de trevas tivessem o mesmo peso.
2. Pareceu conveniente aos enviados de D. Jorge que se pusesse a cruz da Ordem sobre a porta
principal da igreja, bem como nas casas da Ordem para serem conhecidas como suas, como de
facto eram. E por isso ordenaram ao Comendador que dentro de 4 meses, contados a partir da
pulicação da presente visita, mandasse colocar as ditas cruzes, esculpidas em pedra, sob pena de
2000 reais para as obras do Convento.
3. Uma vez que a cruz de prata que servia na igreja era tão delgada que com qualquer coisa se
dobrava, encontrando-se por isso quase quebrada, ordenaram ao Comendador que no prazo de
um ano, contado após a data do fim das obras da capela (27 de Fevereiro de 1539), mandasse
consertar a dita cruz, tornando-a mais grossa e encorpada do pé para cima, e lhe mandasse por
mais prata, até 350 gr, o que parecesse necessário para que ficasse bem consertada. Isto sob pena
de 2.000 reais para o Convento.
4.Tal como já havia sucedido noutras visitações os enviados de D. Jorge constataram que o
dinheiro que se pagava das sepulturas, e era em princípio destinado para a fábrica da igreja,
andava a mau recado, em poder de uns e de outros. Por essa razão recorrente adoptaram o
procedimento usual, que consistia na eleição dum recebedor da fábrica o qual passasse a receber
o dito dinheiro das sepulturas, bem como o das disciplinas, perante o escrivão da Ordem que lhe
carregaria tudo em receita num livro que para esse efeito teria e no qual se assentaria também a
despesa que o recebedor fizesse, para por ele lhe serem tomadas contas. E ordenaram ao prior,
mordomo e rendeiros que não se intrometessem a receber coisa alguma da dita fábrica e
disciplinas, encomendando aos juízes e oficiais que elegessem na câmara o dito recebedor da
fábrica e lhe dessem juramento sobre os evangelhos para que bem e direitamente o pudesse
cumprir, fazendo um auto da eleição que seria apenso a esta visita.
5.Os juízes, oficiais e povo desta vila tinham-se agravado, alegando que o prior servia muito mal
o cargo de tesoureiro da igreja, tanto por ser velho como por o mandar servir por um homem
casado, e por moços que o não entendiam, nem podiam desempenhar o trabalho e serviço da
tesouraria De igual modo o mordomo e feitor do Comendador tinha requererido aos visitadores
que provessem sobre esta questão porque o comendador recebia perdas uma vez que os
ornamentos e livros e coisas da igreja se perdiam e danificam por estarem mal guardados e pior
tratados. Esta situação foi ponderada pelos enviados de D. Jorge, que tomaram informações de
pessoas honrados, e clérigos que serviam na dita igreja, devidamente ajuramentadas, tendo
concluído a veracidade das acusações.
E, tendo presente a necessidade e urgência de resolver o problema, mandaram que, de aí em
diante, servisse de tesoureiro Frei Francisco Velho, freire do hábito de Avis e raçoeiro da dita
igreja, por ser pessoa diligente. Este freire passaria a exercer pessoalmente o cargo, recebendo
todo o mantimento e percalços da dita tesouraria, retirando-se anualmente 1,4 hectolitros de trigo
para o prior, revertendo tudo o mais para frei Francisco Velho. Mas até ao próximo dia 27 de
Fevereiro não receberia trigo algum, tendo presente que fora já dado ao prior. Mandaram ao dito
frei Francisco que servisse o dito cargo sem se escusar disso, e ao Comendador e seus rendeiros
ordenaram que lhe acudissem com todo o mantimento da tesouraria e lho deixem servir,
encomendando aos juízes que fizessem cumprir esta determinação.
6.O prior informou que sempre lhe fora pago o trigo e cevada do seu mantimento pelo alqueire
que o carretador usava, mas nessa ocasião o rendeiro e o mordomo do comendador não lho
queriam dar pela dita medida, no que recebia agravo, e pediu aos visitadores que o provessem.
Estes verificaram que, efectivamente, o dito pão sempre lhe fora pago pela medida alegada e
ordenaram aos supracitados rendeiro e mordomo que por essa medida lhe pagassem, como, aliás,
sempre tinha sucedido, e do mesmo modo procedessem no tocante a frei Francisco, ajudador, em
relação ao trigo que haveria de receber. Ordenaram ainda aos juízes que fizessem pagar os
sobreditos mantimentos de acordo com a presente determinação.
Ermidas de Sousel.
Foram visitadas as ermidas de Nossa Senhora da Orada, São Pedro, São Sebastião, São Miguel,
São João, São Miguel e São Bartolomeu. Quase todas se encontravam tal como tinham sido
descritas na visitação passada. Apenas no respeitante à ermida de São Miguel, que se encontrava
toda derribada e jazendo por terra, algumas pessoas da freguesia tinham resolvido levantar e
refazer a dita ermida por sua devoção
Por sua vez a ermida de S. João, cujo corpo jazia igualmente por terra, encontrava-se agora
levantada.
Todas as ditas ermidas eram anexas à igreja matriz, levando o Comendador e a Ordem o pé
d’altar das mesmas, e a mesma Ordem colocava nelas os ermitões. Não obstante todas se
construíam e reparavam com esmolas que para isso eram pedidas pelo povo, não tendo a Ordem
nenhuma obrigação nesse domínio.
Propriedade urbana
Quadro nº 133
Tipologia dos prédios urbanos
Medidas
Quadro nº 134
Contratos sobre os prédios urbanos
Tipologia dos
Tipologia das rendas fixas
Tipologia do contratos
Titular Fólio
prédio/Localização Emprazamento Numerário
Outros
(vidas) (reais)
8 casas na rua da
Amêndoa, das quais 2
serviam de estrebarias e
Comendador e
tinham portal na rua de S. ___ ___ dízimo 220
Ordem
Miguel, e mais uma casa
sobradada sobre a adega
do vinho
Casas térreas novas na rua João Lourenço,
de S. Lourenço morador em 3 25 ___ 221
com um quintal por detrás Sousel
Casa térrea na rua Nova, Gonçalo Martins, 3 25 ___ 221v
com quintal morador em
Sousel.
Casas térreas com quintal Bartolomeu 3 25 ___ 222
e celeiro na rua Nova Nunes, morador
em Sousel
Esta localidade era da Ordem de Avis, pertencendo à Mesa Mestral. Encontrava-se cercada de
muralhas e tinha um castelo de que era Alcaide-mór, em 1532, Henrique Henriques de Miranda.
Esta vila e comenda, situada no coração das terras da Ordem, partia com o termo de Alter
Pedroso (de que distava 2,5 léguas) ao Norte e tinha de termo, para esta parte, 1,5 léguas. A
Noroeste partia com a vila de Cabeço de Vide (que ficava a 1 légua de distância), e tinha de
termo para esta parte 0,5 légua. A Nordeste tinha de termo 2 léguas em direcção ao termo de
Monforte, com o qual não chegava a partir porque se metia de permeio o termo de Veiros. Partia
a Sudoeste com o sobredito termo de Veiros (que ficava a a 3 léguas) e tinha de termo nesta parte
1,5 léguas. Ao Sul partia com o termo de Sousel (a 3 léguas de distância) e para esta parte tinha
de termo 1,5 léguas. A sudoeste partias com o termo da vila do Cano (que ficava a duas léguas), e
tinha de termo para esta parte 1 légua A Poente partia com o termo de Avis (que ficava a 4
léguas), e tinha de termo para esta parte uma légua e um quarto. A Noroeste partia também com o
termo da vila da Seda(de que distava 3 léguas) e tinha de termo para esta parte 1,5 léguas.
A presente visitação, ao contrário das rápidas e sumárias visitas precedentes, tomou a Francisco
Coelho e Frei André Dias 13 demorados dias para que se efectuasse correctamente e para que
houvesse lugar para a elaboração dos dados para coligir o tombo de bens próprios da Ordem na
localidade.
5.5.1.Dimensão Religiosa
Igreja
Na manhã do dia 10 de Outubro de 1538 os enviados de D. Jorge, que tinham termidado a
visitação à vila do Cano dois dias antes, chegaram à igreja matriz de Nossa Senhora, não se
encontrando referidas na fonte as individualidades presentes.
O prior, Frei João Magro, professo da Ordem de Avis não exibiu o título da sua profissão, sendo-
lhe ordenado, como era usual nessas circunstâncias, que o tirasse do convento, no prazo de 3
meses. Possuía o título do seu benefício e priorado que consistia numa confirmação do cardeal,
como bispo de Évora, feita à apresentação do Mestre . Tinha de mantimento anial do priorado,
16,5 hectolitros de trigo, 12,4 hectolitros de cevada, 8.000 reais em dinheiro e mais o pé de altar
da igreja e ermidas. Este rendimento correspondia à obrigação de dizer missa pelo povo todos os
domingos e festas e dias de guarda e administrar os sacramentos aos fregueses.
Sendo tesoureiro da igreja, recebia, ainda, 414 litros de trigo e 187 litros de vinho branco, à bica,
e 2 cargas correspondentes a 30 e 200 reais em dinheiro, cada uma.
Nessa altura servia como ajudador da dita igreja o Mestre Frei Fernão Lopes, freire professo da
dita Ordem , e nomeado por carta do Mestre que, sendo inquirido pelos títulos do seu hábito e
profissão, os apresentou na devida forma. Tinha de mantimento 6.000 reais anuais e era obrigado
a dizer missa pelo povo todos os dias da semana que não fossem festas e dias santos, bem como a
ajudar o prior a confessar e a sacramentar.
Foram visitados o prior e ajudador, cada um por si, pelos capítulos da Regra que lhes cabiam,
tendo respondido que os cumpriam. Ambos mostraram os livros da Regra e os mantos brancos.
Os representantes da vila, atestaram pela vida do prior e ajudador considerando a sua acção
diligente e sem reprovação.
A inspecção ao espaço sagrado começou pela capela-mor, para a qual se subia por três degraus
de pedra, e que se encontrava edificada com pedra e saibro, lajeada, e madeirada de asnas de
castanho, e forrada com a mesma madeira de castanho. O altar era constituído por uma laje posta
sobre esteios de pedra e nela estava encaixada uma pedra d’ara. Esta capela encontrava-se
rematada por um arco de pedraria de ponto, sobre o qual estava pintada a imagem do crucifixo.
O arco do dito cruzeiro encontrava-se cerrado por umas grades de madeira novas e boas. Dentro
da capela-mór, da parte do evangelho, ficava um portal de pedra que dava para uma sacristia
edificada com paredes de pedra e barro madeirada de castanho, com telhado de uma só água
coberta de telha vã. Nessa sacristia ficava um poial de pedra e barro, forrado de madeira, sobre o
qual se revestiam os clérigos, e uma arca grande onde estavam guardados os ornamentos.
Tinha de comprimento 19m2. Do lado oposto da capela-mór, ficava um outro portal de pedra que
dava para uma casa pequena, atravéz da qual se acedia ao campanário por uma escada estreita.
Este campanário era de pedra e cal mas o estremo da torre sineira, onde se encontravam
colocados os sinos, era de pedraria. Tinha 2 sinos e uma garrida.
O corpo da igreja estava construído com paredes de pedra e cal e, nalguns lugares , de pedra e
saibro. Tinha 4 arcos de tijolo e sobre esses 4 arcos estava madeirada de castanho e telhada de
telha vã. Na parede do cruzeiro existiam 2 altares de alvenaria.
A porta principal desta igreja tinha sido construída pedraria com portas de castanho e, da parte de
fora, sobre ela, encontrava-se um alpendre de telha vã armado sobre esteios de pedra. As 2 portas
travessas também eram de pedraria com suas portas de castanho. Este templo tinha um coro
madeirado de pinho, armado sobre uns arcos de tijolo sobre 2 colunas de pedra, subindo-se para
ele por uma escada de tijolo e lajes.
No coro, com janela de pedra, encontravam-se umas cadeiras de pinho e castanho. Debaixo da
escada de acesso ao coro ficava uma capela de abóbada onde se localizava a pia baptismal, que
era de pedra, encontrando-se fechada com umas grades de pau.
O corpo da igreja, todo pavimentado com lajes e campas, tinha cerca de 26m de compridas, e de
largo 9 (234m2). A área da igreja totalizava assim 270m2, acrescidos de mais 19m2
correspondentes à sacristia.
O Santíssimo Sacramento encontrava-se na parede da capela-mor, junto com o altar, da parte do
evangelho. Estava colocado dentro de uma caixa de pau com suas portas e fechadura (na ocasião
fechada à chave), forrada de veludo carmesim, juntamente com uma pedra de ara e uns corporais,
tudo limpo e bem arranjado. Dentro deste sacrário, a uma ponta, estavam arrumados os 3 óleos
santos em 3 ambulas de estanho, tudo igualmente limpo e bem concertado.
No tocante ás relíquias do lenho e certos cabelos, e outras coisas de santa Maria Madalena que,
na visitação passada se dizia que estavam dentro do sacrário, constatou-se que, sendo noite,
tinham furtado e levado tudo, não ficando senão a caixa de prata pequena em que estavam. Sobre
esse furto tinha sido feita uma inquirição mas sem conseguir apurar quem roubara.
Quadro nº 135
Pinturas e imagens da igreja matriz
Tipologia Características
Pálio de damasco verde Com uma cruz de veludo carmesim pelo meio franjado de
retrós
Capa nova de damasco azul Com savastro e capelo de veludo carmesim
3 frontais para os altares De damasco branco franjados de retrós. O do altar-mor
tinha savastro de brocado e os outros, de veludo carmesim
Cortinas de sacrário De damasco azul com suas franjas.
Quadro nº137
Roupa de linho
Tipologia Características
6 toalhas de Flandres Que serviam nos altares
12 mantéus de lis Muito velhos
Toalha de seda lavrada Que servia na estante
2 beatilhas e um pano de cabeça de Nossa Senhora. __
2 camisas de Nossa Senhora Uma de linho e outra de Índia
12 corporais Bons
Quadro nº138
Coisas miúdas
Tipologia Características
1 cruz de latão __
6 galhetas de estanho __
2 ferros de obradeiras __
4 campainhas Pequenas
Quadro nº139
Livros da igreja
Tipologia Características
3 livros de canto, domingal e santal e um oficial de Escritos em pergaminho com letra de pena e cinco cordas
vésperas
3 missais místicos Do costume de Évora
Baptistério Do costume de Évora
Livro com os ofícios da unção e encomendação De pergaminho de letra de pena
Os quais ornamentos e outras coisas o prior, como tesoureiro, tinha em seu poder.
Era nesta altua recebedor da fábrica da igreja Mateus Afonso Garcia, nomeado por provisão do
Mestre, e foram-lhe tomadas contas pelos visitadores achando-se que tinha em dinheiro para
gastos 11.000 reais, fora a fábrica do ano passado que tinha terminado em 27 de Fevereiro desse
ano de 1538, e a fábrica ordenada à dita igreja ascendia a 10.000 reais por ano.
Terminada que fica a apresentação da estrutura base desta igreja matriz de Fronteira, as suas
necessidades imediatas, tanto de obras e aquisições, como de resolução de problemas, reveladas
pela visitação, poderão avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao
Comendador que resumiremos da seguinte forma:
a) Na capela-mor era necessário revolver o telhado uma vez que chovia nela, danificando o
madeiramento. Era necessário adquirir três frontais de bancais para servirem de cote nos altares.
E também uma vestimenta de damasco azul para a imagem de Nossa Senhora. Foi ordenado ao
recebedor da fábrica que mandasse fazer as ditas coisas e colocá-las na igreja dentro dos 4 meses
seguintes à publicação da presente visita sob pena de 1.000 reais para a fábrica.
b) Frei Fernão Lopes, freire professo da Ordem de Avis e ajudador da igreja da vila, agravou-se
aos visitadores dizendo que era muito mal pago do mantimento que tinha pelo cargo, porque o
rendeiro e os seus feitores lhe não queriam entregar as pagas ordenadas, e por essa razão andava
muitas vezes em requerimento.Aos enviados do Mestre esta retenção dos pagamentos pareceu
tanto mais mal feita quanto não era razão para que o ajudador se visse constrangido a andar em
demanda.Nesse entendimento ordenaram que aos rendeiros da renda da vila, ou seus mordomos
e feitores, daí em diante pagassem sempre sem delongas ao dito ajudador o seu mantimento
ordenado e as pagas do ano a que eram obrigados, sob pena de 2000 reais para a fábrica da
igreja. E, no caso de voltar a ser ultrapassado o prazo desses pagamentos, o almoxarife lhe
mandaria logo entregar tudo o que lhe fosse devido, fazendo para isso execução no pão do
celeiro ou em qualquer outra coisa da renda que melhor parada estiveese, com todas as custas
adicionais,pela dita pena dos 2000 reais para a fábrica da igreja, o que o dito almoxarife assim
faria, sob pena de o pagar da sua casa.
c) Tendo-se verificado que a ermida de Nossa Senhora da vila velha tinha uma bula que uma
mulher, por sua devoção, tinha impetrado de Roma há muitos anos. na qual contavam certos
perdões a quem desse esmola para a sua reparação e provimento, constatou-se que essa bula
estava nessa altura em poder de um Rui Lopes por mandado do almoxarife. E porque na ocasião
existia na dita ermida uma confraria de Nossa Senhora para a qual eram eleitos anualmente em
câmara três mordomos, aos quais competia ajudarem a consertar algumas coisas da ermida
quando era necessário, foi entendido ser adequado que eles tivessem a dita bula e arrecadassem
as esmolas dela. Neste sentido os enviados do Mestre ordenaram ao almoxarife que lha
entregassem para darem conta dela. E as esmolas que se recolhessem, seriam gastas pelos ditos
mordomos na fábrica da ermida segundo a forma da bula, e não em nenhuma outra coisa. O dito
almoxarife lhes tomaria contas anualmente das ditas esmolas e as despenderia com eles na dita
capela.
Do mesmo modo houveram por bem que os mordomos arrecadassem e recebessem qualquer
outra esmola, ou renda que a ermida tivesse, a qual se despenderia no corregimento e fábrica
dela, por parecer e ordenança do dito almoxarife. E não se gastaria em nenhuma outra coisa.
Tipologia Características
Imagem de Nossa Senhora Pintada na parede sobre o altar
Imagem de Nossa Senhora Pintada na parede na parede do alpendre, abaixo da abóbada
Os visitadores foram encontrar este hospital muito bem provido de camas e leitos em
abastança.Estava anexo à Misericórdia por provisão do rei e o provedor e irmãos dela forneciam-
lhe tudo o que era necessário, bem como aos pobres. Recebiam e arrecadavam igualmente o
rendimento das heranças e propriedades do dito hospital, as quais correspondiam áquelas que
tinham ficado assentadas na visitação passada
Os visitadores tinham tido informação que, desde antigamente, o dito hospital mandava dizer
uma missa de corpo de Deus com um responso cantado. A qual se dissera sempre até essa
ocasião, mas constataram que de há um ano ou dois tal se não fazia, o que parecia errado por se
tratar de uma missa ordenada pelas almas dos confrades e benfeitores do dito hospital, assim
como dos defuntos que lhe tinham deixado heranças, pelo que encomendaram e mandaram ao
provedor e irmãos da Misericórdiaa regulamentação desta situação.
Ermidas de Fronteira
Quadro nº141
Prata e ornamentos
Tipologia Características
3 cálices de prata Com suas patenas
__
Coroa de prata branca nova
Nesta ocasião existia na ermida uma confraria de Nossa Senhora da vila que tinha a sua própria
cera para as missas que nela se celebravam.
2. Outras ermidas
Foram também visitadas as ermidas de São Pedro e São Sebastião e Santiago, que a fonte refere
como ficando junto da vila. As de Santa Catarina e São Miguel que ficavam no termo desta vila
encontravam-se ambas derrubadas no chão, e achou-se que ninguém tinha obrigação delas,
reparando-se com esmolas que para isso se pediam aos fiéis. Foi também visitada a ermida de
São Sadorninho que era de pedra e barro betumada com cal. A capela-mór era madeirada e
forrada de castanho, tinha um arco de tijolo e o altar de alvenaria com estantes de santos sobre
ele. O corpo da ermida era de pedra e barro, estando as paredes engalgadas e por cobrir. O portal
era feito de tijolo e estava ainda sem portas. Esta capela tinha uma área de cerca de 11m 2 e a
respectiva obra fazia-se de esmolas.
5.5.1. Dimensão Senhorial
Foram vistas as vinhas que a Ordem tinha no termo da vila, e que se encontravam todas muito
danificadas e parte delas em mortório, por culpa dos foreiros e das pessoas que as traziam.
Colocados perante esta situação os enviados do Mestre ordenaram aos foreiros da Ordem que
trouxessem vinhas que, nos primeiros 3 anos seguintes à publicação desta visita as reparassem e
aproveitassem muito bem. De tal modo modo que fossem sempre melhoradas, e não piorassem,
sob pena de perderem as ditas propriedades. E se as aforarassem a outrem que, além disso,
pagassem de coima 2.000 reais para as obras do convento. E uma vez que estivessem todas elas
bem reparadas e aproveitadas que os juízes e oficiais da vila, sob a mesma pena, lhes
guardassem, e fizessem guardar inteiramente os privilégios que o Mestre e Ordem tinham
estipulado para os seus foreiros das vinhas.
Agravou-se aos visitadores Pero Vaz, cavaleiro da Ordem de Avis, alegando que recebia muita
perda na levada da azenha da Ordem que ele trazia aforada, dos gados que por ela passavam,
destapando-lhe a arrombando-lhe a dita levada. Os visitadores recolheram informações sobre
esta matéria e acharam que, de facto, assim sucedia e que já o Mestre prouvera sobre o assunto
por um seu alvará que, nessa ocasião não tinham presente. Por essas razões mandaram e
defenderam que nenhum gado passasse nem atravessasse a dita levada a não ser pelos portos do
concelho para isso ordenados. E todo o outro gado que passasse por qualquer outra parte da dita
levada pagaria de coima, por cada cabeça de boi, vaca ou besta 100 reais, e por cabeça de porco
20 reais e doutro gado miúdo 5 reais por cabeça. As quais coimas seriam repartidas em metade
para quem acusasse e a outra metade para o dito Pero Vaz, senhorio da dita azenha. E ao moleiro
que nela estivesse seria dado crédito, sob juramento, no atinente ás ditas coimas. Finalmente
mandaram aos Juízes que as executassem nas pessoas que nelas incorressem sob pena de 2.000
reais para os cativos.
Foram informados os visitadores de que Brás Palha, fidalgo da Casa do Mestre , trazia no termo
desta vila muitas éguas dentro da coutada do concelho, bem como nas vinhas e olivais e terras
dos moradores desta vila, com as quais éguas o povo sofria muita opressão, e se perdiam e
destruíam as ditas vinhas, olivais, benfeitorias e também a dita coutada do concelho. Muitas
pessoas por este motivo tinham deixado perder as suas propriedades e não as aproveitavam.
Factos estes que algumas pessoas da vila juraram pelos evangelhos. Acabou por se constatar a
veracidade destas alegações e que as ditas vinhas e olivais, bem como a coutada do concelho, se
encontravam danificadas porque as ditas éguas andavam e pastavam continuamente nelas. Para
se evitarem os sobreditos inconvenientes, e por ser uma questão particularmente relevante, tanto
para povo e moradores da vila como para o serviço de deus e do rei, os enviados de D. Jorge
ordenaram ao dito Brás Palha que no prazo de um mês, contado a partir da publicação da
visitação em apreço, mandasse tirar as éguas da coutada do concelho, bem como dos coutos das
vinhas e dos olivais, e do limite que era dado para as éguas dos lavradores e as não trouxesse
mais neles, sob a avultada pena de 5.000 reais para o Convento.
Ordenarando ainda aos juízes e oficiais, sob a dita pena, que no caso de incumprimento por parte
de Brás Palha, fizessem um auto da ocorrência, e o enviassem ao Mestre para ele nisso prover
como fosse do seu serviço.
Quadro nº142
Ofícios da Ordem
Nome Ofício
Diogo Pires Cardoso Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Rui Vaz Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Vasco Romano Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Francisco Pires Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Pero Fernandes Escrivão da câmara e couteiro das coutadas dos montes nomeado por carta do Mestre
Afonso Martins Escrivão da almotaçaria e dos órfãos nomeado por carta do Mestre
Lopo Garcia Ausente
Francisco Lopes Contador e inquiridor e distribuidor nomeado por carta do Mestre
António Correia e Fernão Partidores e avaliadores dos órfãos nomeados por carta do Mestre
Nunes
Gonçalo de Cáceres Almoxarife nomeado por carta do Mestre
Diogo Cardoso Escrivão do almoxarifado nomeado por carta do Mestre
Gil Vaz Homem do almoxarifado da vila nomeado por carta do Mestre
A Ordem de Avis, como entidade senhorial usufruía de rendas, foros e direitos na vila de
Fronteira e seu termo, encontrando-se enumeradas na fonte as seguintes indicações a Ordem
recebia os dízimos do pão, do vinho, do azeite, do linho, das favas, dos tremoços, de toda a
qualidade de legumes hortaliças e frutas, do mel e dos enxames, da lã dos carneiros e ovelhas,
dos gados, dos queijos, dos poldros e burros, dos frangãos e patos e dos furões. Recebia também
todas as oblações e pé de altar da igreja matriz e ermidas. De igual modo pertenciam à Ordem os
dízimos de todas as coisas sobre as quais o direito canónico mandava pagar dízimo. E de todos
estes dízimos levavam o bispo e cabido a terça parte, da qual pagavam à Ordem, de celeiragem,
8,2 hectolitros de trigo e outro tanto de cevada.
Pertencia igualmente à Ordem a conhecença dos moinhos e engenhos de água, tanto os existentes
na altura, quanto os que futuramente viessem a edificar-se no termo da vila. E de cada moinho,
azenha ou pisão se pagavam 1,9 hectolitros de trigo pelo dia de Páscoa.
Do mesmo modo pertenciam à Ordem as pensões dos tabeliães, e cada um pagava de pensão
anual 200 reais, enquanto a conhecença dos oficiais mecânicos se cifrava em 10 reais por ano de
cada um deles.
A portagem era da Ordem e sempre se tinha arrecadado com as outras rendas da Ordem, mas
nessa ocasião pertencia a Jorge Varela que a tinha com o hábito por carta de D. Jorge.
A Alcaidaria-mor da vila de Fronteira, com seu castelo, e rendas dela, bem como as carceragens
e dízimas das sentenças e açougagem tudo era da Ordem e todos estes direitos pertenciam à
Alcaidaria-mor, cujo Alcaide-mor apresentava o alcaide pequeno na câmara segundo a forma das
Ordenações.
Os enviados de D. Jorge estimaram que, nessa ocasião, as rendas da vila de Fronteira valiam,
para efeitos de arrendamento, 700.000 reais, 223 hectolitros de cevada e 1180 kg de cera, tudo
em salvo para o Mestre. Os mesmos visitadores concluíram que residiam na dita vila e seu termo
pouco mais ou menos 500 vizinhos, o que não divergia muito dos 578, que tinham sido
recenseados no numeramento de 1532.
Nesta ocasião era Alcaide-mor dele Henrique Henriques, fidalgo da Casa do Mestre e cavaleiro
professo da Ordem, e por não se encontrar presente não foi visitada a sua pessoa. No tocante ás
casas e torres do dito castelo quase tudo encontraram tal como estava descrito na visitação
passada. Somente a sala e a primeira câmara se tinham refeito de abóbada, estando ladrilhadas de
tijolo. Ambos sos repartimentos haviam sido forrados por cima com ripas e cana Também a torre
do pombal se tinha feito de novo, bem assim como a escada que ia do terreiro para a sala. E a
segunda câmara tinha sido ladrilhada com tijolo sobre o tabuado e forrada de ripa e cana.
Finalmente torre de menagem fora coberta com telha vã.
Os visitadores constataram que chovia pelos algerozes e canos na sala e primeira câmara do
castelo, danificando os frechais e madeiramentos, coisa que se poderia evitar com pouca despesa
e atalhando males maiores. Por essa razão ordenaram ao almoxarife que, antes da invernia, e com
o dinheiro das terças de que dispunha para reparações no dito castelo mandasse reparar
cuidadosamente os canos e algerozes dessas divisões de modo a que não chovesse nelas
Propriedade urbana
Nuno 273v
Três casas térreas na Sardinha, 2
__ 3 55
rua do Castelo morador em galinhas
Fronteira
Francisco 274
Casas da Ordem na rua
Vaz, o moço,
de Santarém: uma __ 3 70 reais
morador em
sobradada e 2 térreas
Fronteira
Casas térreas na rua de Joana 274v
__ 3 90
João Gago Fernandes
Filipa, mulher 275
preta forra
Casa térrea da Ordem 35 reais e 4
que foi de frei __ __ 2 galinhas
na rua da Cisterna ceitis
João, prior
desta vila
Duas moradas pegadas 275v
Frei João
uma com a outra com
Magro, prior X __ 1 frangão 403
um quintal por trás na
de Fronteira
rua de Santa Maria
Propriedade rústica
1.Coutada do Concelho.
O concelho desta vila tinha duas coutadas para bois e vacas de arado. As quais se encontravam
demarcadas no tombo passado da Ordem e eram coimeiras da maneira que nele se encontrava
declarado e assim se usava e fazia. Mas os visitadores de 1538 acresentaram que, da parte de fora
existia mais um pedaço de mato pegado com a coutada do vale da Seda, mato esse que começava
no carril que ía de Avis para Cabeço de Vide ao longo do caminho d’altar, contra a vila, até
entestar no caminho de Seda, e seguia o dito caminho de Seda até o carril de Benavila, onde
voltava pelo dito carril até uma lagoa que ficava junto a Cabeça Pelada, daí descendo por uma
vereda até dar no vale da Filgueira. A este mato os oficiais, juízes e povo desta vila tinham
coutado apenas o mato de sobro, azinho e carvalho, proibindo que o cortassem, sob certas penas
e coimas que tinha pelas posturas do concelho, e por aí eram julgadas. E do pasto, e tudo o mais,
permanecia baldio para todos os gados.
2.Celeiros de trigo e cevada.
A Ordem tinha uma casa grande que servia de celeiro de trigo e ficava na rua de Santarém,
partindo ao Norte com casas de Bento Alvares, e ao Sul com casas da Ordem que trazia
Francisco Vaz, o moço, e ao Levante com rua pública, e ao Poente com casas de António Mendes
e de Afonso Vicente. A qual casa de celeiro estava incluída no tombo passado da Ordem.
Possuía ainda a Ordem uma outra casa que servia de celeiro da cevada fiava junto com a porta da
vila que dava para a praça, partindo ao Norte com casas de Luís de Évora, e ao Sul com o forno
de João Álvares, e ao Levante com casas da Ordem que trazia Bartolomeu Álvares, e ao Poente
com rua pública, a qual casa também se encontrava anotada no dito tombo. E diante desta casa
ficava um cercado de parede com um portal de tijolo e portas de castanho, o qual chão, assim
cercado, era da Ordem e se lançava nele o linho e outras coisas, encontrando-se registado no
antedito no tombo.
Este chão ficava dentro da cerca da vila, num espaço onde tinham existido casas, e partia ao
Norte com o muro do castelo e ao Sul com pardieiros e forno da Ordem que trazia Filipe Dias, ao
Levante com a cerca da vila e ao Poente com rua pública. Estava incluído dito tombo.
Um coval que continha muitas covas de guardar pão situado entre os muros da vila e as casas de
Fernão Vaz de Sequeira , encontrando-se demarcado e medido no tombo passado da Ordem.
Uns pardieiros que eram duas casas e forno da Ordem, na rua de Gonçalo Rodrigues que trazia
aforadas a Filipe Dias, tal como constava no tombo passado da Ordem, onde se encontravam
demarcados e divididos.
6. Ferragial pequeno.
Um ferragial pequeno junto com Nossa Senhora da vila Velha que trazia aforado João Gonçalves
e, na ocasião, o possuía a Ordem encontrando-se medido no tombo passado. Partia com o
caminho que ìa da vila para Nossa Senhora, e da outra parte com o adro, e das outras partes com
terras do bispo da Guarda.
Uma terra de pão que se chamava a de Lupe, e que se encontrava demarcada e medida no mesmo
tombo.
Tinha a Ordem 2 chãos, um com 2 oliveiras em Valbom d’álem do ribeiro, que começava na
borda dele e se encontrava registado no tombo passado da Ordem. Trazia-o na altura Heitor
Gonçalves, por lhe ficar de seu pai António Gonçalves, a quem fora aforado. Mas por não ter
nomeação, nem ele o querer, ficou devoluto para a Ordem. E o outro, no Caminho das Várzeas
encontrava-se todo em mato.Tinha sido vinha e o trazia aforado um Diogo Álvares, já defunto . E
por não ter ficado pessoa que o possuísse danificou-se, encontrando-se igualmente em
mato.Constava do tombo da Ordem. Os visitadores deixaram provisão ao almoxarife que os
metesse em pregão para se aforarem.
6. Análise comparativa das visitações de 1519 e 1538 ás vilas do Cano, Figueira, Seda e
Galveias
Como foi oportunamente explicado decidimos dividir o conteúdo das fontes estudadas em dois
ciclos distintos (1515-1519 e 1538), a que se acrescenta, por fim, o núcleo constituído pelas
localidades do Cano, Seda, Figueira e Galveias, terras que, por terem sido objecto de visitações
em 1519 (1.º ciclo), e novamente em 1538 (2.º ciclo) permitem uma análise comparativa.
Como é óbvio, a metodologia adoptada para proceder à apresentação destas situações foi alterada
em relação ao que se tem vindo a fazer nesta dissertação. Com efeito, dada a possibilidade de
trazer a público a realidade de uma evolução balizada por 19 anos de diferença favoreceu que
tentássemos condensar os resltados comparativos entre as comendas alvo, apresentando sempre
esses resultados na descrição da segunda visitação. Partimos para esta experiência com a
apresentação, já habitualmente feita para comendas anteriores, de um Quadro referência onde
podemos localizar, em pormenor, as fontes que serviram de base para este capítulo.
Quadro n.151
Localidades visitadas em 1519 e em 1538.
LOCALIDADES
DATA FONTE
VISITADAS
10 de Fevereiro de 1519 Cano I liv. n.º 15, fls. 3-64
1 de Março de 1519 Figueira I liv. n.º 15, fls. 67-112
8 de Março de 1519 Seda I liv. n.º 15, fls. 94-162
29 de Março de 1519 Galveias I liv. n.º15, fls. 202-248
18 de Setembro de 1538 Galveias II liv. n.º 14, fl.69- 90v
23 de Setembro de 1538 Seda II liv. n.º 14, fl.94- 162
4 de Outubro de 1538 Cano II liv. n.º 14, fl. 181-204
2 de Outubro de 1538. Figueira II liv. n.º 14, fl. 164- 179
É certo que a localização destas vilas representava uma corda de povos a rodear a vila Cabeça de
Mestrado, constituindo como que uma cortina próxima de Avis. Seda duas léguas a Noroeste de
Avis, Figueira a três léguas, quase assente no paralelo da Cabeça do Mestrado, a duas léguas
pequenas a Oeste e o Cano a três léguas a Sudoeste. As Galveias, por seu turno, terra
recentemente destacada do termo de Avis, possivelmente por razões de índole administrativa,
passava a constituir uma comenda situada a Noroeste, mas situava-se sensivelmente à mesma
distância da Cabeça do Mestrado do que as restantes três localidades. Situação que, valha a
verdade, se reproduzia, de igual forma, mais próximo da fronteira castelhana, com as vilas de
Cabeço de Vide, Fronteira e Sousel, e, mais a Sul, já quase à beira do Guadiana, com Juromenha,
Alandroal e Terena.
Poderemos assumir que, durante séculos, esta cortina constituída pelas localidades de Cano,
Seda, Figueira, tenha constituído a última dessas duas anteparas defensiva da praça de Avis. Mas
é forçoso constatar que no período a que nos reportamos, com a generalidade das fortalezas da
Ordem parcialmente arruinadas, ou mal reparadas, praticamente desprovidas de guarnições
adequadas, artilharia, ou, sequer, armamento individual registado, as mesmas fontes apontam no
sentido de que as considerações de natureza militar dificilmente constituiriam uma prioridade do
Mestrado.
Nos casos do Cano e Figueira encontramo-nos na presença de localidades relativamente pouco
importantes, cuja população, respectivamente 120 e 180 habitantes praticamente se mantivera
estagnada durante os 19 anos que decorreram entre as duas inspecções, tal como as rendas das
comendas que se tinham mantido entre os 30.000 e os 35.000 reais/ano. Encontravam-se ambas
as rendas na mão dos respectivos Comendadores que o eram, também, de outras localidade
financeiramente mais apelativas, e em ambas tinham sido detectadas, logo em 1519,
irregularidades de natureza vária, e um considerável estado de degradação, ou inadequação, do
património edificado, que movera os visitadores a estipularem investimentos que, na prática,
absorveriam uma percentagem elevada das respectivas rendas. Poderíamos ser tentados a admitir
que as visitações de 1538 representassem uma fiscalização ao cumprimento das determinações
particulares de 1519 se, como teremos ocasião de verificar, não existissem indícios de, que nesse
período intercalar de quase duas décadas, se tinham efectuadas outras visitações que, todavia,
não se encontram nas fontes estudadas.
Seda, a terceira vila de que subsistiram duas visitações, difere da tipologia das antecedentes,
porque mais populosa, contando entre cerca de 700 e 800 residentes, entre os quais se
descriminam cavaleiros e besteiros privilegiados, era uma Comenda mais rendosa, o que talvez
explique a passagem de mãos entre o comendador Duarte de Almeida, titular em 1519, o filho de
D. Jorge, D. Luís de Lencastre, titular entre 1532 e 1534 e. D. Lopo de Azevedo, filho do
Almirante António de Azevedo, em funções na visita de 1538. Estes dois últimos personagens
eram membros de uma mais elevada jerarquia do que o, ainda pouco estudado, Duarte de
Almeida.
Em comum com as duas antecedentes, a Comenda de Seda apresentava um património edificado
em estado de degradação, e a necessitar de obras e investimentos urgentes, situação que, por
bastante disseminada, não bastava para a incluir numa tipologia comum que abarcasse Cano e
Figueira.
Dentro deste contexto não parece líquido que o facto destas três localidades serem as únicas de
que, nas fontes em estudo, se encontram visitas em 1519 e 1538 tenha ficado a dever-se a um
desígnio intencional. E, no caso ainda mais particular das Galveias (recém isoladas do termo de
Avis/ parte integrante do termo de Avis, a razão parece ainda mais óbvia).
É certo que desconhecemos a metodologia que terá presidido à "arrumação", no século XVI
deste conjunto de visitas incluídas nos três livros em apreço, sendo seguro, e como tal
documentado, que se realizaram, ao longo do período que medeia entre 1515 e 1539, outras
visitações que não chegaram até nós. Estamos perante uma fracção de Arquivo e, nesta
perspectiva, limitamo-nos a constatar que, certamente por razões de índole vária, apenas uma
parte dele parece ter sobrevivido. Aliás. a documentação avulsa (IAN/TT., Ordem de Avis, maços
10, 11, 12, 13 e 14) que consultamos na íntegra, não ajuda a preencher lacunas que os códices
apresentam nem muito menos oferece um número significativo de dados alusivos a estas
comendas que pudesse, eventualmente, alterar um poico o panorama registado.
O modelo de tratamento adoptado para estas fontes segue a cronologia das inspecções efectuadas
pelos enviados de D. Jorge iniciando-se com a primeira visitação à vila e comenda do Cano, que
se encontra no segundo dos livros de fontes em análise, inteiramente dedicado a visitas
efectuadas no ano de 1519.Depois, apresenta-se a segunda visitação a esta mesma localidade
(1538), altura em que se procede à elaboração de quadros comparativos entre as duas cronologias
para obter algumas conclusões. Como é evidente, o exemplo aqui mencionado para a vila do
Cano será seguido para as demais localidades em idênticas circunstâncias.
Esta localidade partia a Norte com o termo de Avis (a 3 léguas de distância) e tinha de termo para
esta parte um quarto de légua. E mantinha-se em redondo este quarto de légua, salvo da banda do
Sul, que partia com o termo de Sousel (a 1 légua de distância) e tinha para lá (apenas) meia légua
ao Sudoeste.
Ao Sul partia com Estremoz (a 3 léguas de distância) e tinha para esta parte outra meia légua.
Estes dois últimos termos partiam com a vila de Cano em Aguilhões e de todas as outras partes
confrontava com o termo de Avis, lugar da Mesa Mestral
O padroado da igreja da vila, cuja invocação era Santa Maria, pertencia à Ordem que apresentava
nela o prior a ser confirmado pelo bispo de Évora. Competia, ainda, à instituição a nomeação de
u tesoureiro e a concessão de licenças para a construção de ermidas.
A igreja
Os visitadores chegaram à Igreja de Santa Maria na manhã de 10 de Fevereiro de 1519, e foram
recebidos por Frei Diogo Nogueira , prior, André Figueiró, clérigo e vigário pedâneo pelo bispo
de Évora, Heitor Lopes, clérigo de missa e tesoureiro da igreja, Álvaro Figueiró e Gil Anes,
juízes, Gastão Lopes e João Gomes, vereadores, Duarte Saltão, escrivão da câmara da vila, João
Coelho, Alcaide-mor, em representação do titular António de Mendonça, e Lopo Álvares
Mortágua e João Fernandes Mexia, moradores na localidade.
Como se depreende, o comendador não se encontrava na vila, tendo os enviados do Mestre
ordenado a João Rodrigues Figueira, seu feitor, que o notificasse de que era necessário enviar ao
Convento o título de posse da comenda.
O Prior Diogo Nogueira recebera o hábito no capítulo de 12 de Abril de 1492, e professara no
Convento de Avis, época onde não constituía prática passar o título após a profissão dos freires.
Exibiu, no entanto, a carta de apresentação do Mestre e uma confirmação de Dom Afonso, bispo
de Évora.
Do conjunto das suas obrigações (missa quotidiana e a cura a todos os moradores da vila e seu
termo, posse da Regra e manto branco, que, aliás, vestia na ocasião). os juízes e oficiais da vila
responderam que servia bem a igreja e cumpria bem o ofício.
A fonte informa que o templo, que ficava fora da povoação , era de 3 naves, com paredes de
pedra e cal, madeirada sobre 4 esteios redondos de alvenaria. Por cima destes 4 esteios, da
parede da porta principal até à parede do cruzeiro, estavam lançadas traves grossas sobre as quais
se encontrava madeirada a igreja. A nave do meio encontrava-se madeirada de trouxa desde cima
até ao manto das silharias.
Esse corpo do templo media 12,65m de comprido por 7,15m de largo (90,4m 2). Tinha 3 portadas
de pedraria: a principal, a travessa, e a travessa do lado Norte, esta última com ferrolho,
fechadura e chave. A sacristia ficava à esquerda do altar-mor com paredes de pedra e, dentro,
ficava um altar de madeira no qual se vestiam os clérigos. Estava madeirada e coberta de telha
vã. Tinha uma portada com portão, ferrolho, fechadura e chave.
Subia-se para o campanário, que estava derribado, por uma escada situada no interior do templo,
feita de pedra e cal e ladrilhada. Eram visíveis dois sinos quebrados, um deles quase
completamente, e outro que começara a quebrar.
A capela-mór, edificada com paredes de pedra e cal, encontrava-se caiada por fora e coberta de
telha vã assente sobre madeira. Com cerca de 24,5m 2 elevava para cerca de 115m2 a área total da
igreja. O altar mor estava construído em alvenaria, e subia-se para ele por dois degraus de pedra
e cal igualmente ladrilhados. Não existia sacrário porque a igreja não se encontrava em lugar
honesto para o acolher, e porque estava situada fora da povoação.
Foi encontrada uma pia baptismal, à esquerda da porta principal, em pedra mármore, nova e com
cobertura de madeira.
A igreja era alumiada por uma lâmpada antiga de cobre, com suas candeias, bacia e copa e, junto
a ela, encontrava-se uma campainha pequena que se tangia quando na missa se levantava a deus,
e uma campainha de comunhão pequena.
Os santos óleos (crisma e perfumado) encontravam-se numa âmbula de estanho metida numa
barca de perfumes pendurada na sacristia, situação que os visitadores consideraram regular e
honesta.
Os visitadores passaram então ao adro da igreja o qual foi devidamente medido desde a porta
principal da Igreja.
Quadro nº152
Pinturas e imagens
Quadro nº153
Prata
Peso
Tipologia Características
(gramas)
Pé quebrado. 373
Cálice de prata branca Ostentava as cruzes da ordem de Avis no pé, e outras
cruzes.
Cálice de prata branca com sua 380
Com os sinais de Ave Maria
patena
Turíbulo de prata com suas cadeias Com o pé quebrado, pertencia ao concelho 700
TOTAL PRATA (Kg.) 1,453 kg
Quadro nº154
Vestimentas e ornamentos
Tipologia Características
Com 2 bandas e capelo de cetim azul aveludado com
Capa de cetim de damasco arroxeado
franjas de retrós vermelho e amarelo, velha e rota
Frontal de pano de estopa De bandas verdes e vermelhas, com franjas de linho
De bandas verdes e vermelhas, com franjas de linhas
Umas quartinas (cortinas?) em pano de estopa,
verdes e amarelas, já velhas
Bancal De folhagem que servia de frontal no altar-mor
Frontal De pano da Índia pintado de roxo
Metade de cetim arroxeado, metade de branco aleonado
Véstia com manto com o savastro de cetim branco aveludado e franjas de
retrós vermelho e amarelo, forrado de estopa, já toda rota
Véstia com manto De pano de Flandres velha e rota
Duas véstias Compridas de pano de linho, novas, com cruzes azuis
Manto Velho e em pano de linho
Quadro nº155
Livros da igreja
Tipologia Características
Do costume de Évora, de moldes, mal encadernado,
Missal
velho e roto, coberto de couro preto com brochas
De letra de pena, em pergaminho, de bênção e
Breviário enterramento de finados, roto e feio, encadernado
com tábuas e coberto de couro preto
Quadro nº156
Latão e coisas miúdas
Tipologia Características
Cruz, Mal concertada e desmanchada no pé
Dois castiçais com os pés abertos e quebrados
__
Bacia de arame
__
Turíbulo de arame com umas cadeias
__
Caldeira de água benta
Quadro nº157
Linhos da igreja
Tipologia Características
__
Duas cortinas brancas com seus cadilhos
Como era hábito sempre que se pretendia obter uma informação sobre a qual não existia
memória unânime, ou confirmar um consuetudo, os visitadores perguntaram a certos fregueses
antigos quem era obrigado ao corregimento e reparação da igreja. A responsabilidade recaía da
Ordem, mas, se porventura caísse a igreja, ou alguma parede dela, o povo estava obrigado a dar,
de cada casa (para a reconstrução), um dia de serventia, "por sua vontade e devoção".
O prior costumava eleger uma mulher para candieira e esta pedia para as candeias e missas do
dia, bem como para uma missa de Nossa Senhora que se costumava dizer aos sábados na igreja.
A candieira pedia também azeite para a lâmpada, lavava a roupa da igreja (com excepção,
naturalmente, dos paramentos e ornamentos que competiam exclusivamente a clérigos de ordens
sacras) e tinha o cuidado de a varrer. Era também habitual o prior e o povo elegerem um homem
que pedia para o círio pascal e para as velas grandes com que davam a comunhão, e que se
acendiam quando levantavam a Deus.
Deparamos, pela primeira vez nestas fontes, com um templo da Ordem cujo estado de
inadequação e penúria tinha chegado a tais extremos que os enviados de D. Jorge se sentiram na
obrigação de fundamentar doutrinariamente medidas urgentes e severas sobre as obras,
reparações e aquisições consideradas imprescindíveis a curto prazo. Todavia, tendo presente que
o valor agregado do investimento preconizado excederia os rendimentos de uma comenda pobre,
os visitadores escalonaram em prioridades, divididas por mais de um quinqénio, um verdadeiro
programa de obras e aquisições, obrigando o Comendador, no caso António de Mendonça, que se
encontrava ausente, a dispender anualmente nele cerca de 20% da renda percebida
Com efeito, se numa primeira leitura, a descrição da igreja da vila do Cano, sucintamente
efectuada pelos enviados de D. Jorge, não deixa adivinhar, imediatamente, a extenção das
carências detectadas, a natureza das necessidades imediatas do templo pode ser devidamente
avaliada pelo teor das exigências impostas ao Comendador e ao povo do concelho, as quais se
apresentam de seguida:
1) O Comendador ficava obrigado a reparar e "prover" a igreja com tudo o que fosse necessário.
Apenas quando se reconstruiam as paredes dela o povo "dava a sacristia"
2) O Comendador era obrigado a pagar anualmente o mantimento do prior, tal como se
encontrava estipulado nas definições e estatutos da Regra, do mesmo modo que se encontrava
obrigado a pagar o mantimento combinado ao tesoureiro da dita igreja segundo lhe era ordenado
pelo Mestre.
3) O prior era reitor e cura de toda a vila e seu termo, obrigado a administrar os sacramentos e a
rezar quotidianamente uma missa pelo povo .
4) O concelho e o povo da vila do Cano e seu termo eram obrigados por costume a dar serventia,
quer se construísse de novo a igreja ou apenas se reparassem e refizessem as paredes.
Neste sentido, não espanta o detalhe com que a fonte apresenta o rol de determinações
particulares inerentes ao estado de degradação do local. Assim, na Igreja, certamente em virtude
da extensão e profundidade das obras necessárias, bem como pela natureza das aquisições
imprescindíveis a curto prazo, os enviados do Mestre sentiram a necessidade de fundamentar as
suas decisões atendendo a que segundo determinação dos sagrados cânones nenhum
Comendador podia gastar em seu proveito a renda da igreja que lhe é dada em encomenda sem
primeiro serem reparadas todas as coisas que a ela pertencem e ao serviço dela, em especial as
coisas que são necessárias para se celebrar o ofício divino e dar os santos sacramentos, e
manter sem penúria quem administra os sacramentos.
E porque os visitadores encontraram a igreja da vila de Cano muito desfalecida em todas as
coisas que pertencem ao serviço de Deus, e acharam que o Comendador era obrigado a elas,
[decidiram] que em cada ano se gastassem 6.000 reais (20%) da renda que ao Comendador
pertence até serem de todo feitas e acabadas as coisas adiante nomeadas E pelo facto de se
despenderem anualmente esses seis mil reis não significa que não permaneça (o Comendador)
adstrito ao mais a que o direito o obriga. E os ditos 6.000 reis seriam gastos a reparar e
adquirir as coisas que a seguir vão nomeadas.
Duas pedras de ara a colocar na igreja onde não existia nenhuma.
Um livro místico do costume de Évora.
Mais dois missais para as missas votivas.
Dois castiçais de estanho, ou de latão, para cada altar.
Um livro para se oficiarem as missas dos domingos e festas
Uma caixa de pau onde se colocassem os livros santos
Um armário em que estivessem fechados os livros, do qual o prior ficaria com a chave.
Uma arquinha pequenina onde ficariam as hóstias que estivessem para cercear, e as cerceadas
numa boceta.
Uma lanterna para quando levassem o corpo de deus aos enfermos, porque frequentemente o
vento impedia que fossem com tochas acesas .
Uma arca para guardar os ornamentos da igreja , a qual ficaria no tesouro com fechadura e
chave.
Duas galhetas novas e, simultaneamente, tocasse as velhas que se encontravam na igreja,para
perfazer dois pares.
A caldeira de água benta (que estava velha e quebrada) deveria ser trocada por uma nova.
Um púlpito móvel de madeira considerando que o pregador deveria estar em local mais alto do
que aqueles que ouviam a pregação.
Um dos sinos deveria ser feito de novo.
Um coro construído na nave do meio da igreja, sobre a porta principal, levantado em tramos ou
em arcos de tijolo, porque era desonesto e proibido estarem os clérigos e os leigos juntos quando
se celebrava o ofício divino. E, na escada para o campanário, António de Mendonça mandaria
abrir uma porta para o dito coro.
O cálice da Ordem deveria ser concertado, para não haver unicamente um outro do concelho
Retábulo a construir, de boa madeira, do tamanho do altar-mor da ousia, tendo pintadas as
imagens de Nossa Senhora e de S. Bento, pintada com hábitos pretos, porque o seu hábito era
preto, seria figurado com mitra, e na mão esquerda seguraria um vaso quebrado. Na outra banda
do retábulo fariam pintar a imagem se S. Jorge .
Uma capa de cetim ou damasco com bandas de veludo e franjas de retrós para a missa, porque
aquela que existia na igreja já estava velha.
Ampliação da igreja derrubando a parede da porta principal, e parte da parede do campanário, e
fariam um campanário para fora, sobre o alicerce que estava começado. O acrescentamento da
igreja seria de dez côvados o que correspondia à largura do campanário. E sobre a porta grande e
principal se faria um alpendre para não estarem (desprotegidos?) os que baptizavam e rezavam.O
arco da capela, tal como estava feito, tolhia a vista a grande parte do povo que estivesse no
templo pelo que mandaram que se derribasse e alargasse sessenta e seis centímetros de cada lado
e pela cimeira do arco. Depois de feito e acabado mandarão nele pintar imagens do crucifixo, de
Nossa Senhora e de S. João. E mandaram ao Comendador que a capela fosse sobradada com
madeira de castanho e grades de madeira de castanho com suas portas e fechaduras no arco da
capela.
Os sinos apenas se deveriam tanger ás missas do dia e os repicassem um pouco no começo das
missas das confrarias, para acentuar a diferença entre umas e outras.
Chamam, ainda, a atenção para va necessidade do Comendador pedir um traslado das
constituições do bispo para que o prior pudesse reger e ensinar os fregueses em conformidade.
Pelo menos numa prespectiva teórica, tal deveria ser cumprido com o maior dos rigores,
observando a ordem em que iam descritas, gastando nelas a referida renda de 6.000. E no ano em
que o Comendador não gastasse essa quantia estipulada, o tinham os visitadores como
condenado em 8.000 reais, um terço para as obras do convento, outro para os cativos e o restante
para quem o acusasse.
Ermidas e Hospital
No termo da vila, esta ermida tinha um altar de alvenaria coberto com uns pedaços de manto e
com uma toalha velha de linho. Na parede, sobre este altar, encontrava-se uma imagem de S.
Sebastião, bastante mal pintada, no entender dos visitadores.
A capela-mór encontrava-se madeirada de trouxa (sic), tendo de comprimento 3,85m por 3,3m
de largo( 12,7m2). O corpo do templo também estava madeirado de trouxa sobre uma madre, e
tinha um esteio de pau no meio. Edificada com paredes de pedra e barro, guarnecidas com cal,
encontrava-se coberta de telha vã e mal reparada. Media 5,4 m de comprimento por 5,5m de
largo (29,7m2) área que, somada à da capela-mór, totalizava cerca de 42 m 2 para a superfície
global da ermida.
Tinha uma portada de alvenaria de tijolos com porta de pau.
O povo reconstuíra esta ermida por sua devoção e reparavam-na aqueles que., igualmente por sua
devoção, o queriam fazer. Não tinha renda nenhuma, nem fazenda.
Tratava-se de uma só edificação, sem capela-mór, com paredes de pedra e barro, madeirada de
tronxa sobre uma madre, e tinha um esteio de pau no meio da ermida, a qual se encontrava
coberta de telha vã. Media 26m de comprido e, de largo,5m (134,4m2).
Tinha um altar de pedra e barro sobre o qual se encontravam uma imagem de pau de santa
Catarina, e uma caixa de madeira pintada, com portas e armários, dentro da qual se encontrava
uma imagem pequena, de vulto e muito bem pintada e dourada, da mesma santa e, nas portas da
dita caixa, imagens pintadas com boas pinturas. Encontrava-se em cima do altar uma touca de
linho por cortina, bem como umas toalhas de linho e um mantéu, velhos.
O ermitão declarou que havia aí mais bens bons, que ele tinha dado a guardar, e tinha um (cofre,
contador ou armário) emprestado, de título Ave-maria (armoriado de Mendonça), com portas já
velhas, ferrolho e fechadura.
Adossada à parede Sul da ermida encontrava-se uma casinha pequena de paredes de barro e
pedra madeirada de tronxa e coberta de telha vã, com a madeira e o telhado danificados. Media a
Poente 3,57m, e do Norte a Sul 4,4 m (15,7m2) mas esta casa também se encontrava danificada.
A Norte, esta ermida ficava sobre um eirado, todo avaladado, que lhe pertencia, e logravam dele,
porquanto o tinha construído um ermitão que lá estivera, segundo deram fé Pedro Álvares
Mortágua e Lopo Álvares, seu irmão, homens antigos, dizendo que um ermitão fizera de novo o
dito pomar, e que o começara a plantar com um sacho de pau, e que quando viram a sua boa
determinação, e o quanto seria (útil) benfeitoria, o dito Pedro Álvares lhe dava feno, com o que
se plantou o dito pomar e cerrado. Afiançaram estes antigos que a ermida não possuía nenhuma
herança, nem propriedades, nem nenhuma outra coisa e que antigamente ali estava uma casinha
muito pequena e mal reparada e que um homem a quem chamavam por alcunha Orvalho a fez de
novo por sua devoção e, desde então, nunca mais fora reparada
Encontrava-se agora por ermitão da dita ermida Álvaro Afonso Monteiro, homem muito antigo e
pobre. E porque não mostrou aos visitadores carta do mestre lhe ordenaram que a obtivesse até
Santa Maria de Setembro seguinte deste ano, sob pena de ser lançado fora da dita ermida. E este
prazo lhe deram vendo a sua velhice e disposição.
Quadro nº158
Pinturas e imagens
2. Hospital
O edifício estava situado na rua da Malva. Aldonça Saltoa tinha deixado ao dito hospital as
respectivas instalações constituídas por celeiros com paredes de pedra e barro madeiradas de
tronxa e cobertas de telha vã.
Partia este hospital do lado Poente com casas de Álvaro Fernandes, e do Levante, com casas de
Lourenço Rodrigues, e do Norte com o quintal das covilhans e com o forno da ordem, e do Sul
com a rua da Malva em que se encontrava o hospital O "equipamento" do hospital em apreço
resumia-se a 1 almadraque usado, e cheio de lã e 1 chumaço de lã velho e uma manta da terra
velha e rota, bem como 2 cobertas usadas que havia deixado a supracitada Aldonça Saltoa.
Não tinha mais roupa, nem heranças, nem propriedades. Encontrava-se na altura por hospitaleiro
Henrique Álvares, juntamente com sua mulher Guiomar Dias, que tinham o encargo de varrer e
limpar as ditas casas, sem receber nada em troca.
Determinações gerais.
Sobre o espiritual
Sobre o temporal
1. Sobre os cachos.
Da parte do comendador foi apontado aos visitadores que alguns lavradores traziam por prática
tirarem a semente que lançavam à terra sem dela pagarem dizima, e para isto faziam tantos
cachos que era o dobro. Provendo sobre isto segundo a disposição do direito, porque nosso
senhor depois de o grão (estar?) podre na terra o faz nascer e enverdecer e amadurecer, dando-lhe
para isso sol e chuva e os ares que são necessários, determinaram e mandaram os visitadores que
os ditos lavradores não tirassem as ditas sementes e (pagassem)os dízimos de tudo o que deus
lhes desse a bem da salvação das suas almas e receberiam grande acrescentamento das
novidades. E qualquer um que persistisse na prática condenada pagaria em dobro o que arredasse
e sonegasse, além da pena que tal caso merecesse.
2. Sobre os fornos.
Acharam os visitadores que na vila de Cano os fornos não se encontravam bem reparados, nem
eram tantos como seria desejável, e frequentemente não tinham forneiros para cozerem o pão em
tempo útil, originando muitos ruídos, escândalos e malquerenças que davam azo a muitos
inconvenientes e perigos, tanto materiais como espirituais, segundo os enviados do Mestre
tinham apurado através de certas informações. Daqui resultava que moradores do Cano, eram
obrigados a cozer nos dois únicos fornos da Ordem, o que se revelava insuficiente e tinha como
resultado que se perdia muitas vezes o pão, e os obrigava a amassar duas e três vezes, o que era
nefasto e evidenciava grande desordem.
Por esta razão ordenaram ao Comendador que mandasse fazer tantos fornos quantos bastassem
ao povo, mas efectivamente providos de forneiras e lenha, e de todas as outras coisas para o
efeito necessárias, E não sendo os ditos fornos em abundância, ou em caso que se viesse perder
algum pão por míngua ou negligência das forneiras, ou de quem tivesse o encargo de prover e
reparar os fornos, mandavam que quem quer que se apurasse ser o culpado pagasse a pena que
estava estipulada para aqueles que não queriam cozer nos fornos da ordem e iam cozer a outras
partes. E. além disso, pagassem ainda o pão que por sua negligência se viesse a perder.
E mandaram aos juízes da vila que sobre isto fizessem execução "porque não há razão nem justiça
em deixar perder o pão que as pessoas, para seu sustento, ganham com o suor do corpo ".
Determinações particulares
1. Sobre jóias de ouro e prata, e cera, que fossem oferecidas na igreja e ermidas.
Entenderam os visitadores que as jóias de ouro e prata, e a cera que se ofereciam na dita igreja e
ermidas, tal como cabeças, pernas, braços e outras, pertenciam à Ordem. E considerando que tais
coisas e as sobreditas jóias deveriam andar juntas com a renda da fábrica que se convertia na
reparação da dita igreja e ermidas, ordenaram que daí em diante as ditas jóias fossem para a
fábrica. E mandaram ao prior, em virtude da obediência, e também aos ermitões, que logo que
alguma jóia fosse oferecida na igreja ou ermidas, que logo nesse dia, ou no prazo de 3 dias o
mais tardar, entregassem a dita jóia ao recebedor da fábrica da igreja. E assim o cumprisse
também o tesoureiro, e os das ermidas as entregassem aos mordomos delas, perante o escrivão a
que pertencer, o qual assentaria logo, e carregaria em receita sobre o dito recebedor e mordomo
para haverem ambos recordação.
2. Sobre a eleição do recebedor da fábrica.
Os visitadores ordenaram aos juízes e oficias que elegessem na câmara um homem bom e
abonado para recebedor da fábrica e prata e ornamentos. Este recebedor não aceitaria coisa
alguma de penhor, excepto perante o escrivão da fábrica, que seria o escrivão do almoxarifado
porque tal era o costume, e onde não existisse escrivão do almoxarifado, fosse o escrivão da
câmara. E não fariam despesa alguma sem o conselho do prior. Quando tivessem ermida, ou
fossem obrigados a algum gasto importante que ultrapassasse os 2.000 reais o fariam saber ao
Mestre, salvo quando fossem despesas que os visitadores ou provedor tivessem mandado fazer.
3. Incompatibilidade do prior.
Porque nemo potest duobus segundo a doutrina evangélica e a determinação dos santos cânones,
nenhum clérigo nem monge devia ocupar-se em nenhum ofício secular, mormente quando era
contrário ao seu ofício, fôra achado nessa precisa situação Frei Diogo Nogueira, prior do Cano,
por ser rendeiro das rendas dessa comenda, o que não podia fazer. Além disso tinham concluído
por informações recebidas que por o mesmo prior arrendar as coisas que à dita rendiam e
pertenciam andava tão ocupado que não podia servir bem a igreja de que era reitor, nem dar os
sacramentos como era obrigado, originando muitos escândalos entre o prior e os fregueses e
outros inconvenientes com dano da sua consciência. Confrontados com esta incompatibilidade
tinham-no admoestado uma primeira e uma segunda vez, dando-lhe em cada admoestação o
prazo de 30 dias para desistir e abrir mão da dita renda, o que não sucedera. Desta feita
ordenavam-lhe peremptoriamente que desistisse, e abrisse mão da dita renda, e não tivesse mais
nenhuma contrária ao seu ofício, sob pena de o privarem do seu benefício e priorado passado o
dito tempo. E isto se entenderia por não haver provisão do Mestre sobre este assunto, mas
informaram-no de que, decorrido este último prazo sem acatamento, e sob pena de excomunhão,
o fariam saber ao Mestre.
Jurisdição da Ordem.
De acordo com o numeramento de 1532 o rei tinha as sisas e terças do concelho, mas essas terças
estavam cedidas ao Mestre D. Jorge.
A jurisdição do cível e do crime da vila e seu termo era da Ordem e a eleição dos juízes e oficiais
fazia-se pelo ouvidor do Mestrado, ou por quem o Mestre para isso ordenava e dava lugar. E
eram confirmados por sua senhoria ou por quem para isso dele recebesse poder. Os oficiais de
que nos chega conhecimento são os seguintes:
Quadro nº159
Oficiais
Nome Ofício
Lopo Moniz Tabelião das notas e judicial
João Rodrigues Figueira Tabelião das notas e judicial
Álvaro Lourenço (…) dos dízimos
Duarte Saltão Escrivão da câmara
Juiz dos órfãos sem ter carta do Mestre, servia por autoridade de António de
Duarte Saltão
Mendonça
Duarte Saltão Juiz dos órfãos sem ter carta do Mestre, servia por autoridade de António de
Mendonça
Escrivão da almotaçaria, sem carta do Mestre por autoridade do
Duarte Saltão
Comendador
Juiz dos feitos da Ordem sem carta do Mestre servia por autoridade do
Duarte Saltão
Comendador.
Juiz dos órfãos por autoridade de António de Mendonça, sem ter carta do
Joane Mendes
Mestre.
Sesmeiro e dador de sesmarias na vila e seu termo, por autoridade do
João Coelho
Comendador sem ter carta do Mestre
Escrivão das sesmarias, por autoridade do Comendador e sem carta do
João Rodrigues
Mestre.
João Rodrigues Figueira Escrivão dos dízimos
João Rodrigues Figueira Inquiridor na dita vila por autoridade do Comendador e sem carta do Mestre.
Rui Dias Partidor dos órfãos por autoridade do Comendador e sem carta do Mestre.
Perante esta situação, onde se constatavam graves irregularidades ao nível das nomeações, os
visitadores consideraram que no tocante as todos os que serviam os ofícios da vila de Cano sem
terem cartas do Mestre, passadas pela sua chancelaria, de acordo com ordenança de D. Jorge,
muito embora os exerçessem por autoridade de António de Mendonça, que deviam ordenar a
todos eles em geral que, em 4 meses fossem tirar as suas cartas junto do Mestre.
E mais, que se não as tirassem dentro do dito tempo lhes mandariam que abandonassem os ditos
ofícios, sob pena de cada um pagar 8.000 reais, metade para o Convento e a outra metade para
quem acusasse.
A presença da Ordem de Avis como entidade senhorial ficava marcada pela recepção de rendas
que usufruía na vila do Cano. A este respeito encontram-se enumeradas na fonte as seguintes
indicações: o dízimo do pão, o dízimo do vinho,o dízimo do azeite,o dízimo do linho,o dízimo
dos gados, o dízimo dos queijos,o dízimo das bestas: poldros e bois, o dizimo das favas, o dizimo
dos tremoços, o dizimo de toda a qualidade de legumes, o dizimo do mel e dos enxames, o
dizimo de todas as oblações e pé de altar da igreja e ermidas, o dizimo dos frangãos e patos e,
inclusivamente, o dizimo dos furões.
Pertenciam ainda à dita Ordem, além daquelas que acima se individualizavam, todas as coisas
sobre as quais o direito mandava pagar dizimo.
No tocante ás conhecenças dos oficiais mecânicos e dos engenhos os visitadores ordenaram se
arrecadassem segundo a constituição do bispo e pelo costume antigo.
A alcaidaria-mor da vila pertencia à Ordem com as suas rendas designadamente os gados, bestas
do vento e coimas das armas,com todos os outros direitos conhecidos nas ordenações do reino.
Os visitadores acharam por costume da vila que o Alcaide-mor apresentasse em câmara, e
nomeasse nove homens, e dentre eles o concelho escolhia um, que servia de alcaide pequeno
A portagem do Cano pertencia igualmente à Ordem, e arrendava-se pela ordenação do reino e
pelos forais novos que o rei tinha outorgado à dita vila.
De igual modo as pensões dos tabeliães pertenciam à Ordem, pagando cada tabelião da vila cento
e oitenta reis de pensão por ano.
A fonte refere expressamente que a Ordem recebia o prémio das sepulturas daqueles que se
enterravam na igreja, fixando o respectivo custo genérico em quatro mil reais para a igreja, ou
uma boa peça de valor equivalente, mas não hierarquizava o respectivo posicionamento dentro
do espaço da templo, nem referia o custo das sepulturas no adro adjacente.
Coerentemente com aquilo que os visitadores tinham deixado expressamente contido nas
determinações particulares enfatizava-se que os fornos de cozer pão da vila pertenciam à Ordem
e que ninguém podia fazer forno, ou fornalha, para cozer pão sem autorização da mesma, em
cuja posse tinham estado desde sempre. E se porventura alguém os construísse, a mesma Ordem
os mandaria derribar.
De acordo com aquilo que foi orçamentado pelos visitadores a renda que a Ordem tinha
anualmente nesta vila e seu termo ascendia a trinta mil reais, encontrando-se na altura arrendada
por essa mesma quantia. Nessa ocasião existiam na vila para cima de cento e vinte moradores de
acordo com a visitação em apreço. Ou, de acordo com o numeramento de 1532, 114 vizinhos,
dos quais faziam parte 35 viúvas e três clérigos (estes últimos encontravam-se todos nomeados
no início da visitação). Dez dos moradores habitavam em casais situados no termo.
Destes moradores, dez eram de cavalo e seis besteiros privilegiados
Medidas
Quadro nº 161
Contratos sobre casas
Medidas
Fóli
Tipologia do prédio Sistema Decimal
Medievais o
Áreas
(varas) Dimensões (metros)
(m2)
N/S 50 55 42
Quintal grande por detrás das Casas da Ordem 2.692
L/P 44,5 49
N/S 50 55 43
Chão e cerrado junto ao Rossio do concelho 1.936
L/P 32 35,2
Chão e cerrado que se chama os Paços Velhos, N/S32 35,2 44
1.877
junto à azinhaga do concelho L/P48,5 53.3
N/S24,5 27 45
Chão e cerrado junto ao adro da igreja 475
L/P 16 17,6
Chão na vila, metido no quintal de Gregório de N/S 13 45v
Figueiredo L/P ?
N/S 30 33 47
Chão cerrado junto ao caminho para Sousel 1.306
L/P 36 39,6
Chão pequeno junto ao forno de cozer o pão Tem N/S 8 8,8 51
116
um poço de água. L/P12 13,2
Quadro nº 163
Contratos sobre chãos e quintal
Quadro nº 164
Olival
Medidas
Tipologia do
Sistema Decimal Fólio
prédio/Localização Medievais
Dimensões Áreas
(varas)
(metros) (m2)
Quintal grande por detrás das N/S 80 88 48
1.450
Casas da Ordem L/P 150 165
Quadro nº 165
Contrato sobre Olival
Medidas
Quadro nº 167
Contrato sobre o Chão
Quadro nº 168
Cerrado de vinhas
Medidas
Tipologia do
Descrição/
prédio/ Sistema Decimal Fólio
Medievais Cultivo
localização Dimensões Áreas
(varas)
(metros) (ha)
Cerrado de Vinhas antigas, destapado por muitas partes fl. 51-51v
vinha das com as vinhas perdidas e a necessitarem de
N/S 200 220
Lameiras, junto 5,8 ser substituídas.
L/P 242 266
ao caminho Os visitadores refazem a divisão do cerrado,
para Fronteira acrescentando foreiros
Quadro nº 169
Descriminação da divisão do cerrado das Lameiras
Quadro nº 170
Contratos sobre a nova divisão das courelas
no cerrado das Lameiras
Quadro nº 171
Herdade
Medidas
Quadro nº 172
Contrato sobre a herdade
Decorridos cerca de 19 anos após a visita efectuada à vila e comenda do Cano novos enviados do
Mestre D. Jorge regressavam á localidade. Desta feita tratava-se de Francisco Coelho cavaleiro
da Ordem e Frei André Dias, prior da igreja de Avis, que realizavam essa inspecção na sequência
do Capítulo Geral de 27 de Fevereiro de 1538 .
Igreja
Na manhã do dia 4 de Outubro de 1538 os enviados de D. Jorge, que tinham termidado a
visitação à vila de Figueira no dia anterior, chegaram à igreja de Nossa Senhora da Graça da vila
do Cano, não se encontrando referidas na fonte as individualidades para o efeito intimadas.
Permanecia ainda como Comendador António de Mendonça, certamente já idoso para na época,
porquanto se encontrava ligado à casa de seu sobrinho, o Mestre D. Jorge, há mais de 43 anos.
Este Comendador, que residia com sua mulher D. Isabel de Castro na freguesia de S. Gião, em
Setúbal, não se encontrava presente.. Não se encontra na fonte qualquer alusão que permita
constatar o cumprimento da determinação dos visitadores de 1519 que tinham ordenado a João
Rodrigues Figueira seu feitor, que o notificasse de que era necessário enviar ao Convento o título
da sua comenda.
O prior Frei Fernando de Meneses , professo da Ordem, ocupava o cargo desde 9 de Junho de
1535 unicamente apresentou o título do seu benefício.Tinha de mantimento anual 16,5
hectolitros de trigo, 564 litros de cevada e 10.000 reais em dinheiro, e ainda o pé de altar que,
como os restantes priores da Ordem, passára a receber desde o dias de S. João desse ano de 1538.
Era igualmente tesoureiro da igreja, como sempre haviam sido os outros priores que o tinham
antecedido, segundo escreveu frei Fernando, escrivão desta visitação. Afirmação não era exacta
porquanto em 1519 era tesoureiro Heitor Lopes, clérigo de missa, e não o prior.
Pelo cargo de tesoureiro recebia 414 litros de trigo (o equivalente a cerca de 1.000 reais) e 265
litrosde vinho à bica.Estes valores, na totalidade, eram pagos pelo Comendador e pela Ordem.
As obrigações litúrgicas continuavam norteadas pela missa quotidiana e pelo administrar dos
sacramentos aos fregueses. Nestas datas mais avançadas do século, começa a ser habitual, como
aconteceu neste caso, que exibissem o manto branco e a regra da ordem. Nesta ocasião, e ao
contrário do que havia acontecido em 1519 (quando a pergunta não se colocou), este homem foi
avaliado positivamente pelos responsáveis da terra.
O prior Fernando Mendes servia na matriz, igreja que se encontrava nas mesmas condições
registadas na última visitação por isso não o escreveram de novo, anotando somente que a pia
baptismal estava agora cercada de grades de madeira, novas e boas. Se recordarmos o programa
de ampliação e reconstrução parcial ordenado em 1519 parece lícito deduzir que se tivesse
realizado, pelo menos, uma visitação intercalar entre 1519 e 1538 na qual teria sido anotado o
cumprimento do programa de obras de remodelação da igreja, com excepção do gradeamento,
que só mais tarde fora colocado, e anotado na presente visitação. A despeito de ter sido ordenado
um extenso rol de alterações na igreja (a começar pela sua ampliação), mas tendo como base a
ausência de referências a quaisquer obras em curso na presente visita, quase duas décadas
posterior, parece admissível que o templo tenha sido efectivamente ampliado e remodelado de
acordo com as especificações dos visitadores de 1519, o que reputámos de notável.
Em 1519 os enviados de D. Jorge tinham registado que os santos óleos (na ocasião referem-se
apenas os óleos de crisma e perfumado) se encontravam numa âmbula de estanho metida numa
barca de perfumes pendurada na sacristia, parecendo coisa honesta.Dezanove anos volvidos (e
após, pelo menos, uma visitação intercalar) os os visitadores depararam com os 3 óleos santos
(santo óleo, crisma e óleo infirmorum), achando-os limpos e bem concertados, em 3 ambulas de
estanho encerradas numa caixa de pau. Mas já não se encontravam suspensos na sacristia, antes
andavam pela igreja, dependurados de um lugar para o outro, o que já não pareceu honesto e
adequado.
Os enviados de D. Jorge registaram ter encontrarado nesta igreja a mesma prata que se
encontrava por ocasião da visitação passada da Ordem, mas esta inspecção passada não se pode
referir, como dissemos acima, à visita de 1519, o que se confirma comparando a prata existente
em 1538 com aquela que os enviados de D. Jorge inventariaram no ano de 1519. Senão vejamos:
Quadro nº173
Prata (1519 e 1538)
Peso Peso
1519 1538
(gramas) (gramas)
Cálice de prata branca, com o pé Um cálice da ordem, todo de
quebrado. prata branca, com sua patena.
373 373
Ostentava as cruzes da ordem de Tem no pé um escudo de
Avis no pé, e outras cruzes armas com uns leões
Cálice de prata branca com sua
patena com os sinais de Ave 380. Um outro cálix, do concelho ___
Maria
Turíbulo de prata com suas
Turíbulo de prata que
cadeias, tinha o pé quebrado e 700 700
pertencia ao concelho
pertencia ao concelho
Situação lamentável era apresentada pelas vestimentas, ornamentos e livros, e outras coisas
miúdas, geralmente velhos e gastos que não serviam para o culto e com um nível médio de
recuperação. Por isso fizeram novo inventário do que existia, no qual constavam os itens
seguintes. Sublinhe-se que a despeito do programa de obras previsto para esta igreja em 1519, as
aquisições feitas revelam um esforço considerável, apesar de nem tudo se ter conseguido
substituir. Para melhor ilustrar esta realidade, elaborámos os quadros seguintes:
Quadro nº174
Vestimentas e ornamentos (1519-1538)
1519 1538
Capa de cetim de damasco arroxeado com 2 bandas e
capelo de cetim azul aveludado com franjas de retrós
Capa nova de cetim carmesim com savastro de veludo azul
vermelho e amarelo, velha e rota
Frontal de pano de estopa de bandas verdes e Vestimenta comprida metade de cetim roxo e a outra metade de
vermelhas, com franjas de linho damasco pardo com savastro de veludo branco, toda franjada
Umas cortinas em pano de estopa, de bandas verdes e
Vestimenta de pano da Guiné, pintada de lavores vermelhos e
vermelhas, com franjas de linhas verdes e amarelas, já
toda comprida
velhas
Vestimenta de pano de linho com savastro de sarja vermelha
Bancal de folhagem que servia de frontal no altar-mor
toda comprida
Frontal de damasco amarelo e cetim carmesim franjado de
Frontal de pano da Índia pintado de roxo
retrós
Véstia com manto estopa, já toda rota metade de cetim
arroxeado, metade de branco aleonado com o savastro Vestimenta de linho com savastro de sarja amarela toda
de cetim branco aveludado e franjas de retrós vermelho comprida
e amarelo
Vestia com manto de pano de Flandres velha e rota Vestimenta de bocassim verde adamascado, toda comprida
Duas véstias compridas de pano de linho, novas, com Frontal de damasco amarelo e cetim carmesim franjado de
cruzes azuis atrás e à frente retrós
Manto velho e em pano de linho Frontal de cetim falso verde e encarnado franjado de retrós.
Vestimenta nova e boa, toda comprida, de cetim carmesim com
2 cortinas brancas com seus cadilhos
savastro de cetim amarelo franjado
2 lencóis Palio de damasco da Índia azul todo franjado de retrós.
2 lencóis Seis panos pretos de Quaresma
2 toalhas de estante Três lençóis de linho
Toalhas de 2 tramos Toalha pequena, do tempo antigo, lavrada de seda.
8 mantos Toalha pequena, do tempo antigo, lavrada de seda.
Beca que servia quando davam a comunhão Três mesas de toalhas usadas
2 toalhas de flandres, do altar-mór Três mesas de mantéus usados.
__
Três mesas de mantéus novos
__
Mantéus rotos e velhos
__
Três frontais de toalhas lavradas de seda do tempo antigo
__
Pano da Guiné vermelho listado de branco
__
Caixa de corporais em que estão quatro d’Holanda
Quadro nº175
Livros
Quadro nº176
Latão, cobre, estanho e coisas miúdas
Caldeira de água benta Comprar uma nova caldeira de água benta Caldeira de água benta
2 castiçais com os pés abertos e Comprar dois castiçais em estanho ou latão Quatro castiçais de latão
quebrados
Turíbulo de arame com umas cadeias __ Obradeiras de hóstias
Hospital.
Em 1519, Aldonça Saltoa tinha deixado uma propriedade para o dito hospital constituída por
celeiros. Este estava sumariamente "equipado" com 1 almadraque usado cheio de lã, 1chumaço
de lã velho e uma manta da terra velha e rota, bem como 2 cobertas usadas, caridade da referida
benfeitora.
Em 1538 era hospitaleiro Henrique Álvares e sua mulher Guiomar Dias que tinham o encargo de
varrer e limpar os celeiros, sem receber nada em troca. Donde se poderá concluir que, a despeito
do seu despojamento, o hospital se mantinha activo.
Dezanove anos decorridos os visitadores tinham encontrado a estrutura do hospital derribada e
em pardieiro porque a pessoa que as tinha doado não deixára fazenda nem coisa alguma com que
se reparassem e mantivessem. Ressalta evidente que o esforço desenvolvido na ampliação e
dotação da igreja do Cano tinham constituído primeiras prioridades, constatando-se que, face à
exiguidade da renda da comenda do Cano, não teriam sobrado recursos para a manutenção da
actividade dum hospital que não possuía rendas suas. Restaria saber se, nesta decisão, não teriam
pesado também os resultados da centralização da actividade assistencial iniciada, ao menos
parcialmente, sob os auspícios da rainha D. Leonor, questão a que regressaremos em visitações
seguintes.
Ermidas.
1. Ermida de S. Pedro.
Foi visitada a ermida de S. Pedro, que não fora mencionada em 1519 porque o povo da vila a
tinha edificado de novo nessa ocasião no cabo do rossio do Cano. As respectivas obras ainda não
estavam terminadas, encontrando-se somente acabada a abóbada da capela, que tinha paredes de
pedra e barro e os cunhais de pedra e barro, e era ameada de anças de tijolo ao redor. Tinha já o
arco em tijolo, mas ainda não estava construído o altar nem colocadas imagens de santos.
A primeira destas ermidas, que ficava também no Rossio da vila, encontrava-se, de acordo com
os visitadores de 1538, tal como estava descrita na "última" visitação. A segunda, que ficava em
terra da Ordem, no termo da vila, encontrava-se também, como ficára descrita na última
visitação (que não corresponderia à inspecção de 1519, mas sim a uma outra, posterior, como
temos realçado). Esta ermida tinha casa de ermitão com o seu cerrado de árvores, já descritos em
1519, ocasião em que se encontrava por ermitão Álvaro Afonso Monteiro, homem muito antigo e
pobre. E porque não tinha mostrado aos visitadores carta do Mestre lhe tinham ordenado que a
obtivesse até Santa Maria de Setembro seguinte deste ano, sob pena de ser lançado fora da dita
ermida. E este prazo lhe tinha sido marcado tendo presentes a sua velhice e disposição.
Dezanove anos volvidos, nessa ermida não se encontrava nenhum ermitão, deduzindo-se que
Álvaro Afonso Monteiro morrera entretanto sem ser substituído, embora não exista informação
sobre o resultado das diligências que teria efectuado no sentido de obter carta do Mestre,
conforme lhe fora determinado.
Determinações particulares sobre o espritual.
Determinações particulares
Jurisdição da ordem.
Tal como fora registado na visitação de 1519 a jurisdição do cível e crime desta vila e seu termo
pertencia à Ordem e a eleição dos juízes e oficiais fazia-se pelo ouvidor do Mestrado. E estes
juízes, de acordo com o costume, eram confirmados pelo mestre.Do mesmo modo a alcaidaria-
mor do Cano e a respectiva renda pertencia à Ordem com os gados, bestas do vento e penas de
armas, bem como todos os outros direitos contidos nas Ordenações do reino, e os consignados no
foral.
Por costume antigo desta vila o Comendador, como Alcaide-mor, apresentava em câmara nove
homens, dos quais o concelho escolhia um que servia de alcaide pequeno.
Também a portagem da vila pertencia à Ordem arrecadando-se pelas Ordenações do reino e foral
da vila
As pensões dos tabeliães pertenciam igualmente à Ordem e cada tabelião pagava de pensão 180
reais.
Mais uma vez, a exemplo do que sucedera já em 1519, tendo presentes os conflitos suscitados
por esta questão os visitadores não se limitaram a registar que os fornos de cozer pão pertenciam
à Ordem, sublinhado enfáticamente que ninguém podia construir forno nem fornalha e, se
alguém os fizesse, a Ordem os mandaria derrubar. E justificavam, rematando: "neste costume
antigo esteve sempre a Ordem".
Ofícios da ordem
Quadro nº177
Este Quadro, se comparado com o elenco de oficiais ao serviço em 1519 trás-nos a certeza de um
resultado positivo nas diligências feitas pelos visitadores, isto é, se em 1519, muitos dos oficiais
se apresentavam unicamente vinculados a uma nomeação do Comendador, já em 1538, todos
estes nomes que acima se apresentam foram devidamente nomeados por D. Jorge, tendo em mão
a respectiva carta de ofício.
Já no que se refere às rendas da Ordem no Cano, estas permaneciam idênticas áquelas que
haviam sido registadas anteriormente: estimada em 30.000 reais na visitação de 1519, tinha
diminuído 33% sendo estimada em 1538 em apenas 20.000 reais em salvo para o Comendador.
No entanto a população manifestara uma tendência oposta, se em 1519 se recenseavam 120
vizinhos, em 1538 este número aumentara para 150 em 1538 , registando-se um acréscimo de
20%.
Tombo das heranças e propriedades que a ordem tem na vila e comenda do Cano
1. Coutada do concelho.
O concelho desta vila tinha um couto para os bois de arado ao redor dela. Esse mesmo couto
tinha ficado demarcado na visitação passada da Ordem. Pelas ditas demarcações se verificava ser
coutado e coimeiro, e no mais encontrava-se tudo contido no respectivo tombo. A coutada em
causa encontra-se igualmente descrita na visitação de 1519.
2. Casas da Ordem.
Em 1519 os visitadores haviam encontrado um assento de 10 casas juntas, no terreiro da vila, que
eram os aposentos dos Comendadores, embora nelas residisse o alcaide João Coelho.
A descrição feita em 1538 pelos enviados de D. Jorge retrata uma situação bem diferente. "Junto
com a praça um assento de casas juntas que são aposentamento dos comendadores. António de
Mendonça derribou-as por estarem danificadas e as principiou de novo e as paredes estão agora
engalgadas de pedra e barro até ao sobrado e com portais e chaminés. Encontram-se agora
repartidas em 8 casas, fora uns pardieiros das mesmas casas em que se farão estrebarias.
Não se mediram por estar tudo de maneira que se não pode medir. E por as ditas casas serem da
ordem e pousarem aí antigamente os comendadores".
Como geralmente sucede, dado o carácter fragmentário e não sequencial das fontes em apreço, o
porque os visitadores se reportavam a um Arquivo que, constituindo para eles um todo coerente,
os dispensava frequentemente de outra coisa que não fossem alusões e remissões, não nos fica
outro caminho que não seja o das hipóteses dedutivas. Neste entendimento, tendo admitido já a
realização de uma visitação intercalar que tivesse registado a execução das obras programadas
para a igreja do Cano, não parece de afastar liminarmente outra hipótese, a de que, nessa
visitação (ou visitações, porquanto nos reportamos a um período de quase dois decénios), uma
vez terminado o programa de ampliação do templo, tivesse sido determinado o restauro das casas
de pousada dos Comendadores que se encontrava em execução em 1538.
11. Chão que trazia Pero Gomes, juiz dos órfãos do Cano.
Trazia Pero Gomes um chão da Ordem com laranjeiras e outras árvores de fruto que partia ao
Levante com chão do mesmo Pero Gomes, e ao Poente com as suas casas, e ao Norte com o
quintal de António Gomes, e ao Sul com outro quintal dele, Pero Gomes. Este chão encontrava-
se medido no tombo passado
Tinha sido aforado em 3 pessoas, Pero Gomes era a última. A 1.ª fora Gregório Figueiredo a
quem sucedera Pero Anes Inchado que o tinha vendido a Pero Gomes com licença da Ordem, e
este pagava o foro, ainda em vigor, de 1 galinha e 12 ovos, ou 26 reais por tudo.
Igreja
O chantre D. Frei Nuno Ribeiro, Prior-mór do Convento e Mestrado de Avis, prior e beneficiado
de S. Pedro de Coruche e Frei João Rolão, prior de Vila Viçosa, com Álvaro Eanes Pinheiro,
escrivão da visitação, chegaram à vila da Figueira (vindos da localidade do Cano) no dia 1 de
Março de 1519, dirigindo-se de imediato à igreja de S. Brás. Aí encontravam Álvaro Fernandes,
juiz, Brás Fernandes procurador, e Lourenço Antão, procurador do concelho da vila, e Gregório
Gonçalves com outros moradores da vila.
Era Comendador da dita vila Pedro de Gouveia cavaleiro da Ordem de Avis, do qual os
visitadores obtiveram informação de que o lugar era antigamente pertença da comenda-mor. Foi
questionado sobre os títulos da comenda, hábito e profissão, respondendo que professara por
mandado do Mestre no Convento de Avis. Mas no tocante ao título do hábito disse que não tinha
porque não o costumavam então tirar. Como geralmente sucedia os visitadores ordenaram que,
no prazo dos quatro meses seguintes, o tirasse do escrivão do cartório do Convento.
E sendo-lhe perguntado pelo título da comenda de imediato o apresentou, assinado pelo Mestre,
assim como exibiu uma procuração de D. Jorge para poder aforar os bens da comenda.
Observava os capítulos da regra, que possuía, e vestia o manto branco.
A igreja servia-se apenas por um capelão da responsabilidade do Comendador, o qual cantava
missa de 15 em 15 dias, uma vez que a localidade de Figueira não era priorado.
A capela-mór, com 33m2, tinha paredes de pedra e barro guarnecidas de cal por dentro e por fora,
e por cima estava forrada de madeira de castanho com 4 linhas (de caibros, ou vigas) que a
atravessavam de um lado ao outro, encontrando-se pavimentada com lages de pedra. O arco do
cruzeiro era construído em alvenaria.
Nessa mesma capela-mór encontrava-se um altar de pedra e barro, com uma pedra grande em
cima, ao qual se acedia por um degrau de pedra e barro. Não existia sacrário, por não ser
necessário, uma vez que a igreja ficava fora da povoação Os 3 óleos santos achavam-se em 3
ambulas de estanho metidas numa caixa de madeira, que se encontrava pendurada por detrás das
cortinas do altar-mor, o que pareceu bastante impróprio aos visitadores
O corpo da igreja, também com paredes de pedra e barro, madeirada de asnas e coberta de telha
vã, era de 3 naves e estava madeirada sobre 6 esteios de pedra e barro, e de um esteio ao outro
corriam traves grossas sobre os quais assentava o dito madeiramento.
Sobre o arco do cruzeiro estva pintada a imagem do crucifixo e de Nossa Senhora e de S. João.
Tinha esta igreja um portado principal de pedraria com umas portas já usadas. E um outro
portado travesso Norte, também de pedraria, com suas portas, ferrolho, fechadura e chave.
O corpo do templo media de comprido 14,6m, e de largo 7, 7m (112,4m 2), o que, somado à
superfície da ousia, totalizava uma área de 145,4m2. Dentro ficavam 2 pias pequenas de água
benta em esteios maciços (pias e esteios feitos de uma só pedra). Uma delas em pedra de
mármore, encontrando-se danificada e a outra era talhada em pedra burneira. Por sua vez a pia
baptismal, também de pedra burneira, com uma cobertura de madeira, encontrava-se junto à
porta principal, da parte do norte, posta sobre um tabuleiro a que se subia por 2 degraus.
Á saída da igreja, da parte Sul, ficava um campanário de pedra e cal e, em cima, dois arcos de
pedraria em que se encontravam dois sinos bons. O campanário tinha uma meia escada, que
subia do telhado, e não descia até ao chão, pelo que os sinos se tangiam do solo por cordas
compridas.
Quadro nº178
Prata da igreja
Quadro nº179
Livros da igreja
Tipologia Características
Missal, do costume de Évora, de moldes encadernado com tábuas
cobertas de couro vermelho, já usado e sem brochas
Livro de missa e 2 domingais de letra de pena, em pergaminho, muito velhos e que já não
servem. Estvam na arca do concelho, ao qual pertenciam
Quadro nº180
Vestimentas da igreja
Tipologia Características
Vestimenta de damasco pardo toda comprida, com savastro de veludo preto e franjas de
retróz verde e amarelo
Vestimenta de pano de Flandres, de lã e linho toda comprida e pintada, era do concelho.
Vestimenta de pano de linho branco com cruzes de bocassim vermelho por diante e por detrás,
era do concelho
Quadro nº181
Roupa de linho e outras coisas miúdas
Tipologia Características
Cortinas de estamenha preta que estão sobre o altar-mór muito velhas e rôtas
6 mantéus que servem nos altares usados, eram do concelho
Umas toalhas de Flandres usadas
5 lencóis que servem nos altares velhos, eram do concelho
Caixa onde estão 3 corporais com suas palas de pau pintado
2 pedras d’ara eram do concelho
Arca em que estavam os ornamentos de pinho, estavam em casa do Comendador
Círio pascal que está junto ao altar-mór pequeno
Quadro nº182
Latão, cobre e metal
Tipologia Características
Cruz de latão
2 castiçais de latão bons
Bacia que serve de oferta boa
Lâmpada de latão, bacia, copa e cadeias
Cruz de latão que está no altar de S. Sebastião pequena
Turíbulo de latão desmanchado, não servia
Caldeira de cobre de água benta
2 galhetas de estanho boas
Campainha que se tange quando levantam a deus pequena, está na igreja, presa a 1 linha
2 campainhas de comunhão pequenas, são do concelho
Umas obradeiras de fazer 4 hóstias juntas estragadas, não serviam, pertenciam ao concelho
Quiseram os visitadores obter informação de quem era obrigado a dar cera para as candeias de
missa e azeite para a lâmpada. E foram informados de que uma mulher, que era a candieira,
pedia pela vila cera para as candeias. Quanto ao azeite para a lâmpada, existiam oliveiras
deixadas pelos defuntos com essa intenção, e também aquilo que rendia uma courela de terra, no
vale dos Ádens, também ela deixada por defuntos para o mesmo efeito. Quando o que rendiam a
terra e as ditas oliveiras não chegava a candieira pedia para a lâmpada pelo povo
Apresentada a estrutura geral da igreja as necessidades imediatas que a visitação revela podem
avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo,
que podemos resumir da seguinte maneira:
O Comendador era obrigado a buscar um capelão e a pô-lo na igreja para que, de 15 em 15 dias,
dissesse missa aos fregueses e lhes desse cura e administrasse os sacramentos.
Se os fregueses quisessem mais missas pagá-las-iam à sua custa. E o Comendador daria todas as
coisas necessárias para dizer missa e mandar servir o ofício da tesouraria.
O Comendador também era obrigado a reparar a igreja, e os fregueses a darem serventia
Por seu turno o capelão era obrigado a dar cura e administrar os sacramentos aos fregueses como
cura e reitor, bem como a dizer missa aos domingos de 15 em 15 dias, e mais não, à custa da
Ordem. Rezaria outras missas somente se os fregueses se concertassem com ele para as dizer e
lhas pagassem.
O povo era obrigado a escavar e conservar um rego à porta de cada casa, cabendo ao concelho
intervir sempre que se tornava necessário consertá-lo.
Também era obrigação do povo e concelho consertar as obradeiras das hóstias, que eram suas. E
porque na ocasião se encontravam estragadas e não queriam expedir as hóstias, os visitadores
ordenaram ao dito concelho e povo que as mandasse consertar, o que cumpririam os juízes e
oficiais dentro dos 3 meses seguintes, sob pena de cada um pagar 1000 reais para a fábrica da
igreja.
O dito povo era ainda ainda obrigado sempre que se reparassem as paredes da igreja, bem como
o muro, cerca e torre da vila, a dar serventia ás ditas obras.
1 - Os visitadores, tendo em atenção a pouca renda da Comenda, cingiram-se ao indispensável
ordenando ao Comendador que mandasse fazer um armário embutido na parede, junto ao altar-
mor, com portas, chave e fechadura, para aí estarem fechados os óleos santos porque entendiam
ser desonesto, e coisa perigosa, andarem pela igreja e pelos altares como nessa ocasião sucedia.
E marcaram como prazo para a execução desse armário os 3 meses seguintes à publicação da
visita sob pena de, não o cumprindo, pagar 500 reais, um terço para as obras do Convento, outro
para os cativos e outro para quem acusasse.
2 - Ordenaram ao Comendador que mandasse consertar o turíbulo, que se encontrava quebrado,
no prazo de 6 meses, sob pena de 500 reais, distribuídos como ficou acima no ponto 3.
3 - Mandaram ao Comendador que mandasse pintar a imagem de Nossa Senhora que estava
sobre o altar-mor no prazo de um ano, sob pena de 1000 reais, um terço para as obras do
Convento, outro para os cativos e outro para quem acusasse
4 - Ordenaram ao Comendador que pusesse uma lâmpada na bacia de copa e cadeias que estáva
na igreja, e tirar o testo de cobre que nessa ocasião servia de lâmpada.
5 - Determinaram igualmente que se nivelasse o chão da igreja que, nessa altura, se encontrava
cheio de covas e barrancos.
6 - Tendo verificado que um dos sinos não tangia por ter o badalo quebrado ordenaram a Pedro
de Gouveia que o mandasse consertar.
7 – Ordenaram também ao Comendador que mandasse fazer umas grades de castanho, com sua
fechadura e chave, para colocar no arco do cruzeiro da capela.
8 – Determinaram que o Comendador mandasse revolver (o telhado)da igreja, onde quer que
fosse necessário, para se eliminarem as goteiras, uma vez que chovia nalgumas partes do templo.
9 - Ficou determinado que o Comendador Pedro de Gouveia mandasse executar estas reparações
e bemfeitorias no prazo de um ano, contado a partir da publicação da visita, sob pena de 10
cruzados, um terço para as obras do Convento, outro para os cativos e outro para quem acusasse
10 - E ordenaram igualmente ao mesmo Pedro de Gouveia que mandasse fazer uma portada com
arco de tijolo na entrada da cerca das casas da comenda no prazo de um ano sob pena de 1000
reais repartidos um terço para as obras do Convento, outro para os cativos e outro para quem
acusasse.
E se o sobredito Pedro de Gouveia, fosse obrigada a fazer, ou consertar, alguma coisa, destas que
se acabavam de enumerar, por qualquer outra pessoa, tanto no tocante à igreja, como nas casas
da comenda, ordenaram-lhe que as mandasse executar à custa de quem tivesse essa obrigação.
Se não encontrasse ninguém que tivesse tais obrigações, nesse caso o Comendador tudo
mandaria executar à custa da sua renda.
E isto porque os visitadores não tinham tido acesso seguro à informação de que alguém, por
costume, pudesse ter tais obrigações, e no caso de, efectivamente, não se encontrar ninguém por
costume obrigado, ele, Comendador, era obrigado por direito.
E qualquer outra coisa que à sua custa houvesse de mandar fazer primeiramente gastaria
qualquer dinheiro que houvesse da fábrica e sepulturas. E o mais gastaria à custa da sua renda.
As quais coisas cumpriria, ou faria cumprir, nos tempos que lhe foram marcados e sob as ditas
penas.
Hospital da vila.
Ficava junto à praça, defronta da porta da cerca e era constituído por uma só casa, grande, com
paredes de pedra e barro, madeirada de trouxa e coberta de telha vã. Tinha um esteio no meio. A
casa ficava deserta e uma mulher, que tinha a chave e abria a porta quando chegavam alguns
pobres. A guarda dessa chave estava a cargo de Diogo Rodrigues, morador no Cano, que era
provedor do hospital por autoridade do rei. A hospitaleira recebia do dito provedor 200 reais, ou
pagava deles quem lhe tinha o encargo da dita casa.
Quadro nº183
Roupa do Hospital
Tipologia Características
2 almadraques de pano de estopa Todos cheios de tomentos
2 cabeçãs de lã Todos cheios de tomentos
2 mantas da terra
4 lençois de estopa
Quadro nº 184
Bens de raiz do hospital da vila
As ditas terras do hospital da vila da Figueira. rendiam 8,8 hectolitros de trigo anuais. E o
moinho 1000 reais em cada ano.
Determinações particulares.
Sobre o espiritual
Sobre os fornos.
Não é a primeira vez que que nos deparamos com a situação abaixo descrita, podendo mesmo
considerar-se que era frequente, embora não fosse geral. Todavia existem pequenas diferenças de
caso para caso, embora o resultado final fosse sempre idêntico: insatisfação dos moradores,
conflitos e queixas.
Também nesta vila se haviam agravado aos visitadores os moradores recordando que, uma vez
que eram obrigados a cozer o seu pão nos fornos da Ordem, ficavam impedidos de fazer
quaisquer outros fornos na vila.
Ora, como na ocasião a Ordem não tinha fornos suficientes, nem as coisas a eles necessárias,
recebiam muita perda, porque frequentemente lhes convinha, e era necessário, irem apanhar a
lenha e as suas mulheres cozerem o pão. Eles e as suas mulheres tinham o trabalho todo e, apesar
disso, o Comendador obrigava-os a pagar a poia como se fosse uma forneira sua, que com lenha
dele, cozesse o pão. Donde sobrevinham ódios e malquerenças pelos inconvenientes que
procediam desta situação.
Esta situação mereceu, uma vez mais, a censura dos visitadores, e ouvido o Comendador,
querendo eles tudo prover de acordo com o serviço de deus e o bem comum ordenaram a Pedro
de Gouveia que tivesse fornos em numero suficiente, providos com tudo o que lhes era
necessário e em tempo útil, de modo a que, quando alguma pessoa quisesse cozer o seu pão que
o pudesse fazer sem prejuízos nem tumultos.
E não tendo alguma das sobreditas coisas, à mingua das quais não o pudessem cozer, nesse caso
poderia cada um cozer onde melhor lhe aprouvesse, sem ficar sujeito a nenhuma pena. E se se
perdesse o pão, quem tivesse o encargo do forno seria obrigado a pagá-lo. E mais, pagaria o
montante da coima em que o lesado incorreria se cozesse noutro forno, estando o da Ordem
pronto para nele se poder cozer pão.
De igual modo, quando alguém cozer no forno da Ordem tendo sido obrigado a apanhar lenha e a
fornejar não seria obrigado a pagar nenhuma poia. E quando o forno tivesse apenas lenha, ou
apenas forneira, quem nele cozesse o seu pão não pagaria mais do que meia poia.
A jurisdição pertencia ao Mestre. Eram do rei as sisas e as terças do concelho, mas o monarca
havia dado as terças ao Mestre. O remanescente da renda era do Comendador.
A jurisdição do cível e crime da dita vila e seu termo era da Ordem e a eleição dos Juízes e
oficiais fazia-se pelo ouvidor do mestrado havendo na dita vila somente um juiz, um vereador e
um procurador do concelho em cada ano, e mais não.
Estes oficiais iam tomar juramento nas mãos do D.Prior do Convento de Avis, e quando este lá
não encontrasse, lhes daria juramento o celeireiro porque este era o costume da vila.
A Alcaidaria-mor da vila e renda dela pertencia à Ordem, com gados, bestas do vento e penas das
armas, e com todos os outros direitos contidos no foral do reino e ordenações
Os visitadores acharam ser costume que o Alcaide-mor apresentasse três homens na câmara ao
juiz e oficiais, e áquele de que se contentassem lhe davam em juramento que servisse de alcaide
pequeno
A portagem da vila, com todos os outros direitos que a ela pertenciam, era da Ordem, e se
arrecadava pelo foral novo que el-rei tinha dado à dita vila
Sublinhava-se e reafirmava-se, tal como sucedera noutras localidades,que os fornos de cozer pão
da vila pertenciam à Ordem, e ninguém podia ter forno nem fornalha de cozer pão excepto a
Ordem, pelo que deveria receber todo o prémio das poias dos moradores da vila. E qualquer um
que em outro forno ou fornalha cozesse o seu pão teria como pena pagar-lhe a poia por inteiro. E
o Comendador era obrigado a tê-los aparelhados com todo o necessário.
Ofícios da Ordem.
Quadro nº185
Ofícios da ordem
Nome Ofício
Gregório Fernandes Tabelião das notas e judicial nomeado por carta do Mestre
Gregório Fernandes Escrivão da câmara, dos órfãos e da Almotaçaria, nomeado
por carta do Mestre
Gregório Fernandes Escrivão das sesmarias que nessa ocasião eram dadas pelo
Comendador Pedro de Gouveia
Não identificado O prioste da vila era posto pela Ordem para dízimar todas as
coisas de que se devia pagar dízima
População e Rendas.
A Ordem de Avis cobrava os dízimos do pão,do vinho,do azeite,do linho,das favas , dos tremoços
e de todos os legumes,dos frangãos e dos patos, dos gados, dos queijos, (que os visitadores
mandaram que se pagasse inteiramente),dos poldros e dos burros,dos furões, da lã das ovelhas,
(que os visitadores mandaram que se pagasse inteiramente), da fruta e da hortaliça de toda a
sorte, do mel e dos enxames.
Todas as oblações e pé d’altar da igreja pertenciam à Ordem,e também lhe pertencia o dízimo de
todas as coisas das quais, de acordo com o direito canónico, se deveria de pagar dízimo.
Do mesmo modo cobrava a Ordem o foro dos moinhos, azenhas e pisões que estavam feitos, ou
se viessem a fazer na ribeira de Avis, dentro da demarcação que para isso lhes era limitada na
dita comenda pelo seu foral. E cobrava ainda a dita Ordem as conhecenças dos oficiais
mecânicos que era de 10 reais por cada pessoa que os tivesse.
E, finalmente, cobrava a Ordem as pensões dos tabeliães que era de 180 reais por cada um, bem
como as rendas e foros de que nos ocuparemos na dimensão patrimonial.
Estimaram por orçamento os visitadores que valia toda a renda que a Ordem tinha na vila e seu
termo 35.000 reais. Residiam na dita vila e seu termo até 50 vizinhos . De acordo com o
numeramento de 1532, 13 anos volvidos, habitavam na vila de Figueira 52 moradores, dos quais
49 na vila e 3 em casas apartadas.
Tombo de todas as propriedades, bens, foros, direitos e tributos que a Ordem tinha na vila
de Figueira.
Demarcação das terras das duas dízimas que a Ordem tinha em Figueira.
Estas terras das duas dízimas começavam, partindo com terra da Ordem, numa courela que
antigamente se chamava courela do genro da Cerveira (em frente da forca) num marco adjacente
ao caminho velho que ligava a Figueira ao Ervedal, no qual marco estava esculpida uma cruz.
Daí seguia por uma extrema com outros marcos, sempre partindo com terras da Ordem direito ao
cabeço de D. Origo, por cima, junto ao referido marco. Daí prosseguia pelo cume do dito cabeço
em direecção a outro marco, também assinalado com uma cruz, que ficava da parte do Levante,
no mesmo cabeço. E daí continuava por uma vereda velha e tomava um sesmo por marcos,
cortando a direito por onde antigamente se chamava a mota de Domingos Peres em direcção a
um outro marco alto sobre a terra, também ele marcado com uma cruz cravado no cabeço de
Domingos Peres, e daí descia a um vale onde estava outro marco com cruz, chegando à cumeada
onde se situava um outro marco com cruz. E levava esse cume, direito para a água da Usca,
volvendo pelos cumes, águas vertentes para a Ribeira de Avis, descendo pelos lavradios até um
marco que estava na borda do caminho que ia da Figueira para Fronteira, assinalado com uma
outra cruz.
E dali voltava um pouco pelo caminho para a vila até onde estava outro marco com 2 cruzes, na
borda do dito caminho, da parte de baixo, e ali deixava o caminho, seguindo por um cômoro a
fundo até dar em outro marco grande que tinha uma cruz e estava situado num cabeço onde
ficavam uns alicerces antigos.
Prosseguia, cortando pelo dito cômoro a direito até chegar à Ribeira de Avis, e levava a ribeira
até ao Porto das Vacas, volvendo pelo vale da Fonte da Cera acima e vinha tomar o arrife,
subindo pelo Coval Velho e seguindo pelo caminho à carreira, e caminho velho que ia para a
torre. E da torre seguia pelo caminho velho que ia para o Ervedal até chegar ao marco que estava
onde parte com terra própria da Ordem, junto à forca onde se começou a descrição.
Os visitadores mandaram medir estas terras das 2 dízimas que tinham cerca de 312 hectares.
Posto que a maior parte das terras contidas nesta demarcação pertencessem ao património de
herdeiros, que as compravam, vendiam, e herdavam livremente, todavia os respectivos donos
permaneciam obrigados a pagarem as ditas duas dízimas, assim do pão como dos vinhos, como
todas as outras novidades frutas, segundo se continha no foral da Ordem que o Mestre D. Simão
Soares tinha concedido à vila da Figueira.
Tinha a Ordem uma terra coutada que se chamava coutada de Alvisquer que não era desfesada a
coisa nenhuma e se encontrava em matos.Partia do Levante com terra da Ordem que se chamava
o Padrão, e do Poente com o termo de Avis, cortando direito à azinhaga dos Cavalos, e dali
seguia para o carril velho e vinha por esse carril velho direito ao Cabeço de D. Ourigo, jazendo
toda ao redor da dita cabeça. Estava em matos, e por isso não foi medida.
A Ordem tinha na vila um assento de casas inteiramente cerrado com paredes de pedra e barro
revestidas de lajes. As casas que ficavam dentro desta cerca, e pertenciam todas à Ordem, eram
as seguintes:
Quadro nº 186
Tipologia dos prédios urbanos
Medidas
Tipologia do
Descrição Sistema Decimal Fólio
prédio/ Localização Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) m2
Quadrada, com paredes de pedra e cal, madeirada nas
Casa-torre N/S 6 6,6
suas 4 águas e telhada de telha vã. Tinha 1 portada de 43,5 77
sobradada L/P 6 6,6
pedraria, com portas
Térrea, com paredes de pedra e barro, madeiradas de
trouxa e coberta de telha vã. Portado de alvenaria de
Casa junto da casa- N/S 4,5 4,95
tijolo com calços de pedra. Dela partia uma escada de 24,5 77v
torre L/P 4,5 4,95
madeira que dava acesso à torre. Tinha 1 chaminé de
verga
Paredes de pedra e barro, madeirada de trouxa e
N/S 10 11
Estrebaria coberta de telha vã. Portado de alvenaria de tijolo. 54,5 77v
L/P 4,5 4,95
Manjedouras mal reparadas
Casa adossada ás Paredes de pedra e barro, madeirada de trouxa e N/S 4 4,4 25,6 78
paredes da cerca telhada com telha vã, dava para fora da cerca L/P 5,3 5,8
Casa na Rua Direita, Térrea, com paredes de pedra e barro, madeirada a
N/S 4,5 4,95
abaixo da cerca, trouxa e coberta de telha vã. Entre esta e a seguinte 21,7 79
L/P 4 4,4
casa dianteira encontrava-se o forno
Térrea, com paredes de pedra e barro, madeirada a N/S 3 3,3
Casa na Rua Direita 12,8 79
trouxa e coberta de telha vã. com o telhado derrubado L/P 3,6 3,9
Estas casas fortificadas, onde residia o Comendador, tinham, no seu conjunto, cerca de 150m2 de
área edificada. Talvez não seja exacto classificar este recinto, cercado de muros defensivos
capeados com lajes de pedra, e constituído por várias edificações que configuram um complexo
habitacional, adossado a uma torre, à qual se acedia por uma escada de madeira (móvel?) a partir
de uma das casas, como Casa-Torre, ou Casa-Forte, na exacta acepção que lhe atribui
BARROCA.
Muito embora o aparente anacronismo deste complexo edificado que, em 1519, face aos
desenvolvimentos da pirobalística, apresentava já um reduzido valor defensivo, o que iria ao
encontro do pensamento deste último historiador, ao sublinhar que A presença destas soluções
arquitectónicas nas residências senhoriais acompanhou, sempre com algum desfazamento
cronológico,o seu aparecimento nas estruturas militares, onde esta inovações de forjaram
estamos em crer que a sua primitiva construção poderia remontar a um período em que a sua
utilidade militar ainda fosse real e efectiva. Especulando embora, não é de recusar liminarmente
que a torre de Figueira pudesse ter sido erguida no período compreendido entre os reinado de D.
Dinis e o de D. João I, época de que datam autorizações régias conhecidas para amear torres
situdas no Alentejo e Algarve. Se esta assumpção estivesse correcta, tanto mais que se reporta a
períodos de conflitos militares agudos, a iniciativa da construção da torre da Figueira poderia ter
pertencido a um dos seguintes Comendadores-mores: Vasco Porcalho, Fernão Rodrigues de
Sequeira ou a Lopo Vasques de Sequeira, ou ainda, já com menor probabilidade, Garcia
Rodrigues de Sequeira.
Mas, fosse qual fosse o responsével pela edificação, julgamos estar em presença de um complexo
constituído por um edíficio turriforme que reproduz o modelo da torre de menagem românica,
com um andar térreo destinado a celeiro/arrecadação/armaria, e um andar sobradado, iluminado
por frestas estreitas, a que, por altura da visitação de 1519, se acedia ainda exlusivamente através
de uma escada de madeira, a partir da casa onde julgamos terem residido os Comendadores, uma
vez que o remanescente dos edíficios era constituído por uma estrebaria e outra casa adossada à
cinta castrense.
Quadro nº 187
Ferragiais
Medidas
Tipologia do prédio/
Sistema Decimal Fólio
Localização Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
Ferragial junto ao coval do N/S 122 134
1,1 80
concelho L/P 81 89
N/S 120 132
Ferragial, abaixo da Torre 8.566 81
L/P 59 65
Ferragial, junto ao adro, N/S 90 99 1,3
82
chamado vinha da Ordem L/P 120 132
Ferragial no caminho da N/S 111 122 2,5
83
azenha L/P 190 209
N/S 162 178 3,7
Ferragial, entre as vinhas 84
L/P 188 207
Quadro nº 188
Terras da Ordem
Medidas
Tipologia do prédio/ Descrição/
Sistema Decimal Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
Dentro desta demarcação ficava o
Terra grande, junto à olival da Ordem, o restante N/S 1109 1219
72 85
vila cultivava-se com trigo, levando em L/P 539,5 593
semeadura cerca de 33 hectolitros
Courela de terra de N/S 450 495
Cereais 13 87
pão, defronte da forca L/P 222 244
Courela grande de
N/S 967 1063
terra de pão, áquem Cereais 21,4 88
L/P 183 201
da fonte
N/S 209 230
Talhos da Alvarinha ___ 3,4 89
L/P 134 147,4
2 courelas defronte da
N/S 880 968
vila que andam juntas ___ 12 90
L/P 113 124,3
e repartidas
Terra de pão chamada
N/S 577 634,7
o Padrão, junto ao Cereais 26,7 91
L/P 383 421
vale de Fonte Arcada
Terra do Padrão do N/S 408 449 6,4
Cereais 92v
Sul L/P 131 144
Terra das Azinheiras
NS 677 748
entestava com o Cereais 6,9 93v
LP 84,5 93
caminho de Fronteira
Grande terra redonda
Cereais. Dentro tinha uns edifícios
no caminho de NS 488 537 42,4
de paredes antigas entre os quais 94v
Fronteira chamada o LP 719 791
havia oliveiras
Escrivão
Terra de pão ao vale NS 120 132 9,6
Cereais 96
de Monfaim LP 660 726
Terra de pão no cabo
da courela da cabeça ___ ___ ___ ___ 107
ruiva
Pedaço de chão muito
pequeno, atrás do ___ ___ ___ ___ 107v
forno
Quadro nº 189
Contratos sobre terras
Quadro nº 190
Moinhos e pisões
Medidas
Tipologia do prédio/ Descrição/
Sistema Decimal Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão Área
(varas)
(metros) (ha)
Moinho na Não tinha casa e encontrava-se ___ ___ ___ 100
Rib.ª de Avis, ao danificado po o ter levado a cheia do
Inverno passado e, por isso, não foi
porto do Trabalho
medido
Moinho na rib.ª de Trabalhava com água do açude.
N/S 4 4,4
Avis, ao porto da Paredes de pedra e cal, coberto de 24 101-101v
L/P5 5,5
Azenha telha vã e cortiça
Moinho, que desde há Tinha 2 feridos correntes e moentes
N/S 9,7 10,6
muito se chamava o Paredes de pedra e cal, coberto de 35 102
L/P 3 3,3
moinho da Ordem cortiça
Tinha 2 feridos correntes e moentes
Moinho no Porto do NS 6,3 7
Paredes de pedra e cal, coberto de 47,8 103
Mando LP 6,2 6,8
cortiça
Assento de moinho
ou pisão, entre o
___ ___ ___ ___ 104
Porto Mando e o
pego da copa
Assento de moinho
ou pisão à foz ___ ___ ___ ___ 105
deMonfalim
Quadro nº 191
Contratos sobre moinhos
Moinho, que
desde há muito se João Coelho
276 X 102
chamava o
moinho da Ordem
Quadro nº192
Ornamentos e vestimentas da igreja
Quadro nº193
Roupa de linho e coisas miúdas da igreja
Caixa de madeira pintada onde 1 caixa com corporais Presumivelmente a mesma caixa
estão 3 corporais com suas palas
Arca de pinho em que estavam os Não se encontra mencionada ___
ornamentos, encontrava-se em casa
do Comendador
Círio pascal pequeno que estava Não se encontra mencionado ___
junto ao altar-mór
___ 1 caixa de hóstias Adquirida de novo
Constata-se que, ao logo de 19 anos tinham sido adquiridas cortinas, toalhas, lençóis, mantéus e
várias outras peças.
Quadro nº194
Cobre, latão estanho e pinturas da igreja
Referida apenas a tábua de 2 tábuas de retábulo, pequenas, Mandaram ao Adquirida de novo uma
Nossa Senhora uma de Nossa Senhora e outra do Comendador que tábua com o cruxifixo
crucifixo que estavam no altar. mandasse pintar a
imagem de Nossa
Senhora que estava
sobre o altar-mor no
prazo de um ano
Lâmpada de latão, bacia, copa __ Ordenado que pusesse A determinação de
e cadeias uma lâmpada na bacia 1519 não terá sido
cumprida
Turíbulo de latão, __ Ordenado que A determinação de
desmanchado, que não servia mandassem consertar o 1519 não terá sido
turíbulo, que se cumprida
encontrava quebrado
Cruz de latão que estava no __ __ __
altar de S. Sebastião
Campainha que se tange __ __ __
quando levantam a deus
Campainhas de comunhão __ __ __
Quadro nº195
Livros da igreja
Entre 1519 e 1538 tinha sido adquirido apenas um missal de forma manual.
Em 1519 os visitadores tinham querido saber quem era obrigado a dar cera para as candeias de
missa e o azeite para a lâmpada. E tinham sido informados de que uma mulher, que era a
candieira, pedia pela vila cera para as candeias. Quanto ao azeite para a lâmpada, existiam
oliveiras deixadas pelos defuntos com essa intenção, e também aquilo que rendia uma courela de
terra, no vale dos Ádens, também ela deixada por defuntos para o mesmo efeito. Quando o que
rendiam a terra e as ditas oliveiras não chegava pedia para a lâmpada pelo povo a candieira.
Dezanove anos mais tarde não se fazia menção de nenhuma candieira, embora a cera para as
candeias da missa se continuasse a comprar com o produto de esmolas que para isso se pediam
pela vila. Já o azeite para a lâmpada provinha de certas oliveiras que com essa finalidade tinham
sido deixadas por defuntos e eram as seguintes:
Um olival no Ervedal deixado Catarina Vasques, mulher de Estêvão
Gonçalves Soelheiro para a dita lâmpada.
Uma oliveira que estava além da fonte, na terra dos herdeiros de Inês Pires
Outra oliveira que estava na horta de Fernando Afonso
4 Oliveiras que estávam na Cova da Azenha
Existia ainda, com o mesmo intuito de fornecer uma ração de azeite para a lâmpada, uma courela
de terra no vale dos Adéns (já mencionada na visitação de 1519), que atravessava o caminho de
Fronteira em baixo e em cima, cuja ração fora deixada em testamento por Leonor Afonso Leão
para a candeia, a qual courela trazia na altura António Leão, bisneto da dita Leonor Afonso
Do que sobejava do azeite e ração da dita courela de terra comprava- se a cera que fazia falta
para as candeias das missas,verificando-se no entanto que a cera do círio pascal, bem como a das
velas que se acendiam quando se levantava a deus, se obtinha através das esmolas do povo.
Apresentada a estrutura geral da igreja as necessidades imediatas que a visitação revela podem
avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo,
que podemos resumir da seguinte maneira:
Os enviados de D. Jorge, tendo presente a situação geral desta templo da Ordem, ordenaram ao
Comendador que :
1. Se colocasse um varão de ferro com cadeado na pia baptismal que assim ficaria fechada.
2. Fossem compradas duas galhetas de estanho
3. Se revolvesse e cintasse com cal o telhado da igreja para que não chovesse nela.
4. Se adquirisse uma pedra de ara, porquanto na altura existia apenas uma.
5. Se comprasse um baptistério com os ofícios da unção e enterro
6. Se adquirisse um missal de forma místico
Uma vez que todas estas coisas eram necessárias à dita igreja ordenou-se ao mesmo
Comendador, sob pena de 2000 reais para as obras do convento que, no prazo de 4 meses, as
mandasse comprar e colocar na dita igreja.
Hospital
Era, nesta ocasião, administrador do hospital e da sua fazenda, Jerónimo Rodrigues, que tinha
sido nomeado por carta régia. A casa do hospital da vila encontrava-se tal como ficára assentado
na visitação passada. Todas as propriedades que o hospital possuía se encontravam igualmente
registadas na visitação passada, tendo sido apontado em 1519, como já vimos, que as ditas terras
do hospital da Figueira rendiam 8,8 hectolitros de trigo anuais. E o moinho 1000 reais em cada
ano.
Recorde-se que em 1519 este hospital tinha a seguinte roupa:
Quadro nº196
Roupa do Hospital
Tipologia Características
2 almadraques de pano de estopa Todos cheios de tomentos
2 cabeçãs de lã Todos cheios de tomentos
2 mantas da terra
4 lençois de estopa
Mas, não obstante os rendimentos dos bens inventariados quase duas décadas antes, em 1538 os
visitadores não encontraram do dito hospital nenhuma roupa para agasalho dos pobrespelo que
foi ordenado a Jerónimo Rodrigues, seu administrador , que sob pena de 1000 reais para a fábrica
da igreja, dentro dos 4 meses seguintes mandasse colocar no dito hospital duas camas para os
pobres se agasalharem e, em cada cama, um enxergão e um almadraque, 4 lençóis, uma manta e
uma coberta, uma vez que ele era obrigado a ter o hospital provido de camas já que recolhia o
rendimento dos bens e fazenda dele.
E se não cumprisse esta determinação os juízes, sob a dita pena, lhe embargariam a renda do
hospital, sem que de algum modo o socorressem, até que puzesse as 2 camas conforme tinha sido
determinado.
Restaria apurar desde quando datava essa situação, e se a nomeação do administrador do hospital
pelo monarca, provavelmente inserido no modelo de centralização da assistência pública, se teria
de algum modo ficado a dever a ocorrências graves que, post 1519, teriam levado o hospital à
paralização em que se encontrava em 1538, ou se, pelo contrário, a actuação do administrador
régio teria contribuído para ela, dando azo aos visitadores para fazerem sentir a autoridade e
jurisdição da Ordem.
Determinações gerais.
1.Sobre as obradeiras.
Em 1519 ficára registado que era obrigação do povo e concelho consertar as obradeiras das
hóstias que eram suas. E porque se encontravam estragadas e não queriam expedir as hóstias, os
visitadores ordenaram ao dito concelho e povo que as mandasse consertar, o que cumpririam os
juízes e oficiais dentro dos 3 meses seguintes, sob pena de cada um pagar 1000 reais para a
fábrica da igreja.
A situação não tinha sido satisfatoriamente resolvida porquanto, dezanove anos volvidos,as
obradeiras onde se faziam as hóstias eram de tal modo pequenas que, quando se levantava a deus
não se via bem a hóstia, pelo que os visitadores ordenaram aos juízes e oficiais que, no prazo de
3 meses, contados a partir da publicação da presente visita, mandassem trocar as ditas obradeiras
por outras, muito boas, que fizessem hóstias grandes. Estas seriam entregues ao capelão com seu
conhecimento, para delas dar conta, o que se cumpriria sob pena de 500 reais para a fábrica da
igreja.
Os visitadores recolheram informações sobre esta matéria concluindo que as pessoas que se
enterravam na igreja pagavam pela sua sepultura aquilo que cada um entendia dar de acordo com
a sua devoção, quer em dinheiro quer em peças ricas para o serviço da igreja. O dinheiro era para
a fábrica da igreja mas, como se tinha verificado que comendador o recebia e arrecadava, foram
tomadas providências como adiante se verá.
Tendo em atenção que fora determinada a reparação da parede da cerca e casas edificadas dentro
do seu perímetro, os enviados de D. Jorge recordaram que o povo da vila de Figueira estava
obrigado, sempre que se consertavam as paredes da igreja, bem como o muro, cerca e torre da
vila, a dar toda a serventia necessária ás ditas obras.
Jurisdição da Ordem.
A jurisdição do cível e do crime da vila e seu termo pertencia à Ordem, e a eleição dos juízes e
oficiais continuava a fazer-se pelo ouvidor do mestrado, sendo os juízes confirmados pelo
Mestre.
A Alcaidaria-mor da vila e a respectiva renda pertenciam à Ordem com todos os gados e penas e
bestas do vento e com todos os outros direitos contidos nas ordenações. O Comendador, como
Alcaide-mor, apresentava 3 homens aos juízes e oficiais da câmara que deles escolhiam um que
servia como alcaide pequeno. A portagem da vila, e os proventos fornos de cozer pão tudo
pertencia à Ordem do modo que tinha ficado assentado na visitação passada. Levava mais a
Ordem as conhecenças dos ofícios mecânicos, que era de 10 reais por cada pessoa que tivesse
ofício. Como temos vindo a constatar a implantação territorial nesta região, trazia para a
instituição outro tipo de proventos como teremos oportunidade de ver de seguida.
Ofícios da vila de Figueira.
Quadro nº197
Ofícios da Ordem
Duas décadas volvidas sobre a visitação de 1519 não esxistiam novos ofícios na vila de Figueira
e continuava a verificar-se uma acumulação de funções num único oficial.
Quadro nº198
Dízimos pertencentes à Ordem na vila de Figueira
Em 1519 havia sido estimado por orçamento que valia toda a renda que a Ordem tinha na vila e
seu termo 35.000 reais. Na visitação em estudo de 1538 os visitadores anotaram o seguinte : Por
informação foi avaliado o rendimento desta comenda, de uns anos para os outros, em 60.000
reais e o rendimento certo não se pode saber porquanto o Comendador recolhe toda a renda há
anos. Trata-se de uma informação aparentemente relevante sobre a ausência de controlo e
fiscalização por parte do aparelho administrativo do Mestrado que desvaloriza o possível rigor de
um crescimento próximo de 100% da renda, em apenas duas décadas, hipoteticamente admitido
pelos enviados de D. Jorge.
Em 1519 residia um total até 50 vizinhos. De acordo com o numeramento de 1534 , 15 anos
volvidos, habitavam na vila de Figueira 52 moradores, dos quais 49 na vila e 3 em casas
apartadas. Em 1538 os visitadores recencearam sucintamente 50 vizinhos na vila e seu termo.
Aparentemente estaremos em presença de um caso de estagnação demográfica, verificado
durante o período em apreço.
Não foi feito tombo das heranças e propriedades que a Ordem tinha nesta comenda porque todas
se encontravam no mesmo regime já descrito na visitação de 1519, daí que remetemos o leitor
para a consulta do ponto 6.3.3.
A vila de Seda pertencia ao mestrado de Avis, na época na mão de D. Duarte de Almeida seu
Comendador .
Partia, a Norte, com o termo de Chancelaria, e tinha para esta parte meia légua, sendo que
Chancelaria ficava a uma légua de distância; partia com o termo de Alter do Chão a Levante,
tendo de termo para esta parte 2 léguas, e chegava até junto a Alter. Também confrontava por
esta parte com o termo de Alter Pedroso e tinha de termo outras 2 léguas, distando de Alter
Pedroso 2,5 léguas. Partia com Fronteira a Sueste, e tinha de termo para lá 1 légua em linha
recta, e para Pedroso 1,5, ficando a 3 léguas Fronteira. Partia com o termo de Avis a Sudoeste, e
tinha de termo para esta parte 1 légua, sendo que a distância entre a vila e Avis era de 3 léguas.
Partia com o limite das Galveias a Poente, e tinha de termo para esta parte 2 léguas, sendo 3 da
vila ás Galveias.Partia com
o termo de Ponte do Sor ao Noroeste, e tinha de termo para esta parte 3 léguas até Ponte de Sor .
O bacharel D. frei Nuno Cordeiro, Prior-mor do convento de Avis, prior e beneficiado na igreja
de S. João da vila de Coruche, e frei João Rolão prior de vila Viçosa, visitadores do Mestrado de
Avis tinham recebido, como vimos nas visitações precedentes, poder e comissão do Mestre D.
Jorge para visitarem certa parte do Mestrado no espiritual e temporal, na sequência da sua
eleição, que tivera lugar no Capitulo Geral da Ordem celebrado na vila de Setúbal por santa
Maria de Agosto de 1515.
Em 8 de Março de 1519, os visitadores e frei Duarte Pinheiro, escrivão da visitação, chegaram à
vila de Seda, procedentes de Figueira, mas por ser já muito de noite recolheram-se nas suas
pousadas .
Igreja
Os mesmos visitadores faziam tenção de visitar o sacrário mas concluíram que este não existia,
uma vez que esta igreja estava situada fora da povoação, tal como se encontra mencionado na
fonte.
A capela-mór media 35m2, estava forrada, e, por cima, tinha o seu madeiramento e telhado.
Estava limitada por umas grades de castanho pintadas. A dita capela-mor encontrava-se
pavimentada com lages.
O altar-mor era de alvenaria, pintada, e subia-se a ele por 3 degraus. O arco do cruzeiro era de
pedraria, e na parede do dito cruzeiro ficavam 2 altares, cada um do seu lado, ambos de alvenaria
e pintados. Junto ao cruzeiro ficava uma lâmpada com a sua bacia e copa de latão, pendurada
num fio que partia do meio da igreja .
À esquerda da porta principal encontrava-se uma pia baptismal de mármore assentada num
tabuleiro de ladrilho que fazia um degrau. Estava tapada com uma cobertura de madeira.
E junto à porta travessa do lado Sul encontrava-se outra pia de mármore considerada boa, posta
sobre um pé de mármore. Junto à parede, próximo da porta travessa do lado Norte, erguia-se um
púlpito de madeira novo, em madeira de pinho, que tinha mandado fazer o comendador D.
Duarte de Almeida.
Dentro da igreja ficava uma gaiola de pau em que levavam o sacramento no dia do Corpo de
Deus. Encontrava-se também na igreja uma estante, alta e de pé.
Encontrava-se dentro da igreja uma campainha pequena posta entre 2 linhas ao alto em que se
tangia quando levantavam a deus nas missas. Também encontraram no mesmo local uma roda de
campainhas pequenas.
Fora da dita igreja, adossado à parede do lado Sul, encontrava-se um campanário com 2 sinos
que se tangiam de fora, do chão, porque não existia escada para os alcançar.
Defronte da porta principal ficava uma cerca de parede baixa que mostrava ter estado aí um
alpendre entretanto desaparecido. E ante a porta travessa Norte encontrava-se da parte de fora da
igreja um alpendre pequeno cercado de parede e coberto de telhas.
A sacristia, que ficava pegada com a capela-mór, da parte do Norte, tinha paredes de pedra e cal
encontrando-se madeirada de trouxa e coberta de telha vã. Consistia numa divisão pequena que
tinha uns armários de madeira baixos com dois compartimentos, um dos quais tinha portas para o
altar, e sobre o qual se revestiam os clérigos. O chão da sacristia estava também lajeado. Media,
de Levante a Poente 4,5m, e de Norte a Sul 1,65m (7,5m2). Esta sacristia tinha uma portada que
dava para capela-mór, com portas providas de ferrolho, fechadura e chave.
O adro, tomando-lhe a medida da parede que foi alpendre diante da porta principal, para o
Poente, até um marco por onde partia o dito adro , tinha 39m. E medido da porta travessa do Sul
até um marco que estava nessa direcção 56m (2.184m 2). E medido das costas da capela-mór até à
serventia que ia por trás das casas por onde partia o dito adro tinha 12m. E medido da porta
travessa Norte até ao marco no endireito 22,5m
Encontraram os 3 óleos santos em 3 ambulas de chumbo postas num cesto de verga pequeno que
estava na sacristia, guardado num armário de parede, sem portas, tendo os visitadores estranhado
que tão santa coisa estivesse em tão mau recato, e sobre isso tomaram providências, como se
achará nas determinações particulares.
Os visitadores quiseram saber quem, inicialmente, teria construído a dita igreja, ou quem era
obrigado ao corregimento dela. Por ser antiga não conseguiram achar quem a tivesse fundado.
Os moradores mais antigos, ajuramentados, disseram que sempre a tinham visto correger e
reparar pelos Comendadores da vila, e informaram sobre quem dava a cera para as missas que
quotidianamente se diziam pelo povo, e a cera para o círio pascal e o azeite para a lâmpada. Para
o círio pascal pedia um homem de bem e honrado pela vila, e aos domingos pediam-se esmolas
ao povo; para as candeias fazia peditório uma mulher que era candieira, e das esmolas que lhe
davam, bem como de algumas disciplinas em que o prior multava os fregueses, dava dita
candieira as candeias para as missas e para as horas que se cantavam pelas endoenças. Quanto ao
azeite da lâmpada gastava-se o de certas oliveiras que alguns defuntos tinham deixado para esse
fim. E se alguma coisa do azeite sobejava, dele se comprava a cera para as candeias. Os
visitadores aprovaram o procedimento.
Quadro nº200
Prata da igreja
Peso Observações
Tipologia Características
(gramas)
Cálice de prata branca, com Com letras ao redor do vaso 380 Era da Ordem,
encontrando-se em
que dizem agnos dei qui tolis
sua patena poder do prior, como
pecata mundi
tesoureiro
Cálice de prata dourada, com Com uma imagem de N. Pertencia ao concelho
460
sua patena Senhora no pé
Com sua cruz pequena em Pertencia ao concelho
1Custódia de prata branca 531
cima e 4 vidraças
Cruz de prata branca, pequena Com o seu crucifixo 517 Pertencia ao concelho
TOTAL PRATA (Kg.)................................................................... 1,889
Quadro nº201
Vestimentas da igreja
Tipologia Características
Capa de asperges de damasco pardo Com capelo e bandas de cetim verde aveludado e franjas
pretas evermelhas
3 bancais de Flandres De folhagens, usados, servem de frontais.
3 frontais de palma de pano da Guiné com franjas de linhas pretas e brancas, usados
3 frontais de pano de estopa Pretos, com cruzes brancas elo meio, servem na quaresma
Vestimenta de damasco aleonado Toda comprida,com savastro de cetim aveludado carmezim
e franjas amarelas e vermelhas, com suas pertenças, boa.
Vestimenta de pano da Guiné Toda comprida, pintada de vermelho e branco, usada.
Vestimenta de linho Branca, toda comprida, com forro de linho preto, velha e
rôta
Vestimenta de zarzaguarja (sic) Toda comprida, rota e bem velha
Vestimenta de pano de linho Toda comprida, preta e brunida, usada
Vestimenta de pano boguasim (sic) Toda comprida, amarela, com o savastro do mesmo teor,
mas vermelho, velha
Quadro nº202
Livros da igreja
Tipologia Características
Livro domingal grande De pena e pergaminho, apontado por uma corda com
responsório, encadernado com tábuas cobertas com couro
vermelho, velho
Evangelho De pena e pergaminho, encadernado em couro preto com
bulhões
Livro oficial com epístolas De pena e pergaminho, de canto, por uma corda com
bulhões por sobre a encadernação
Santal de lições e responsos apontados De pena e pergaminho, encadernado em couro preto, velho
Livro místico do costume de Évora De molde e papel, encadernado em couro vermelho, bom
Saltério De pena e pergaminho, velho
Baptistério com o ofício da unção Encadernado em couro preto
Quadro nº203
Coisas miúdas
Tipologia Características
3 pedras d’ara ___
1 caixa de corporais Em madeira pintada, com 5 crporais e suas palas
Umas obradeiras Faziam 2 hóstias
4 castiçais grandes e 2 pequenos De arame
1 caldeira deágua benta De arame
1 cruz De latão, pequena e velha
1 cruz De pau, forrado de folha de Flandres, velha
2 turíbulos com suas cadeias De latão, velhos
4 galhetas De estanho, velhas
1 bacia de oferta De arame
1 campainha de comungar Pequena e boa
1 círio pascal Pequeno, estava na sacristia
Quadro nº204
Roupa de linho da igreja
Tipologia Características
14 mantéus 11 usados e 3 rotos
3 lencóis usados
2 toalhas Lavradas de ponto real, novas
Outras toalhas Velhas
1 toalha de linho Com bandas azuis
3 toalhas francesas Serviam nos altares, usadas
2 toalhas de linho da terra Com lavores de Flandres
Apresentada a estrutura geral da igreja as necessidades imediatas que a visitação revela podem
avaliar-se pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo,
que podemos resumir da seguinte maneira:
1 - Adquirir para a igreja 1 livro missal de missas votivas para quando fosse necessário ir dizer
missa nas capelas do termo, ou dar os santos sacramentos aos enfermos da vila.
2 - Mandar encadernar o missal de que, na ocasião, se serviam na igreja e que se encontrava
desencadernado.
3 - Mandar fazer uma caixa de madeira destinada a guardar os santos óleos, e um armário no
tesouro em que ficassem fechados. Ordenaram ao prior que os tivesse sempre fechados pela sua
mão.
4 - O Comendador mandaria comprar uma lanterna para quando iam dar o sacramento aos
enfermos na vila, por causa do vento ou chuva, para nela se levar lume aceso porque não era
possível utilizar os círios.
5 – Mandaria também fazer uma vestimenta de chamalote com sua alva e pertenças para servir
aos domingos. E que a de damasco, que então existia, servisse nas festas.
6 – O mesmo Comendador daria um frontal para o altar-mor do teor da vestimenta de chamalote
que ficou acima.
7 – Mandaria também comprar 2 frontais de pano da Índia para os 2 altares laterais.
8 – E compraria um turíbulo de prata com 690 gr. para servir nas festas.
9 – Mandaria também consertar um dos dois de latão que se encontravam quebrados na igreja
para servir aos outros tempos e aos finados.
10 – Adquiriria uma cruz de prata com 1.150 gr. para as procissões e festas dado que na igreja
existia somente uma, muito pequena, e que, além do mais, pertencia ao concelho que a tinha em
seu poder.
11 – Os visitadores determinaram ainda que o Comendador mandasse construir uma escada de
pedra e cal, com o seu mainel, da parte de fora do campanário, de maneira que se fizesse mais
largo o andaime onde se tangiam os sinos, e, em baixo, tivesse uma porta, a qual estaria fechada
com a chave em mão do prior.
12 – Os visitadores constataram que tendo sido ordenado ao prior, além do seu mantimento, um
prémio destinado à remuneração dum tesoureiro, o dito prior não tinha colocado ninguém que
servisse esse ofício, razão pela qual a igreja não era servida como devia, no atinente ás coisas
que ao ofício de tesoureiro pertenciam
E, nesse entendimento, mandaram ao prior da igreja de Seda que, a partir do próximo dia de S.
João Baptista, puzesse alguém como tesoureiro.
E, no caso de incumprimento da antedita determinação, mandaram ao Comendador que lhe não
pagasse o prémio que estava ordenado para o tesoureiro, aplicando dois terços dele na fábrica da
igreja, e o terço remanescente reverteria para quem acusasse esse incumprimento.
13-Mandaram ao prior que tomasse uma mulher velha e de boa vida que pedisse para a candeia e
lavasse a roupa da igreja, recomendando que fosse mulher que pudesse apanhar a azeitona que
havia para a lâmpada e, quando ela não pudesse, dar-se-ia de meias, ou de qualquer outro modo,
partindo da melhor maneira que fosse possível, para que se apanhasse e aproveitasse a dita
azeitona.
Quadro nº 206
Bens de raiz
Situada no termo desta vila, aonde chamavam as Relvas. Tinha paredes de pedra e barro e uma
ousia forrada de tabuado de pinho e cerrada por umas grades de pau, desmanchadas, no arco da
mesma capela-mór que media 2,6m de comprimento, por 2,6m de largo (cerca de 7m2). Este
templo tinha um altar de alvenaria de pedra e barro coberto com uns mantéus velhos e, sobre ele,
2 imagens de S. António de vulto, feitas em pedra, uma nova e outra velha. O corpo da ermida
era madeirado de asnas e coberto de telha vã. Nela se rasgava um portado de alvenaria de tijolo
com os calços em pedra, portas velhas e sem fechadura. Media 7m por 5,5m, perfazendo uma
área total (com a capela-mór) de 45,5m2.
Por a ermida ser muito antiga não se conseguiu achar memória de quem a tivesse fundado, nem
tãopouco que alguma pessoa fosse obrigada a cuidar dela. Não possuia nenhuma fazenda, nem
herança, mantendo-se somente por esmola de quem, por devoção, lhe fizesse alguma benfeitoria.
• Ermida de S. Briços
Situada junto à vila, na coutada da Ordem que se chamava S. Briços. Encontrava-se cercada por
um cerrado, murado com pedra insonsa, que lhe pertencia. Estava completamente derrubada por
terra, subsistindo apenas um arco de pedraria da capela. Dentro desta estava um altar constituído
por uma pedra grande sobre pilares do mesmo material e, por cima dele, uma imagem de S.
Briços, de vulto,em madeira.A capela media 4,4m por4,6m (20m2). Por seu turno o corpo da
ermida tinha 11m de comprido e 6,6 de largo, perfazendo uma área total de 92,6 m2.
Por ser muito antiga não se achou memória dos edificadores nem ninguém obrigado a cuidar dela
e repará-la.
• Ermida de S. Barnabé.
Encontrava-se no termo da vila, junto à ribeira de Alter. Paredes de pedra e barro guarnecidas
com cal, embora os cunhais fossem de pedraria. Possuía uma capela-mór onde ficava um altar
pequeno constituído por uma lage colocado sobre um esteio cilíndrico de pedra. Sobre esse altar
estava colocada uma imagem de S. Barnabé, de vulto, em pedra.E, por detrás, encontravam-se
pintadas as imagens de Santo Antão e S. Roque.
Esta capela-mór estava forrada por cima de tabuado de pinho, e pavimentada com ladrilhos., o
arco era de pedraria, cerrado por grades de castanho sem portas. Media 4,4m por 3,8m (17m2).
O corpo da ermida era coberto de telha vã e madeirado sobre uma trave-mestra assente num bom
esteio de pedra mármore erecto a meio do templo, Possuía um portado de pedraria com portas
providas de ferrolho, mas sem fechadura. As paredes, bem como o vigamento e o telhado
encontravam-se em bom estado. Tinha 9 m de comprido, por 5,6m (50m 2) o que perfazia uma
área total de 67m2.
Por ser antiga não se achou memória de quem a tivesse edificado, ou dela tivesse obrigação, e
não possuía bens. No entanto os moradores de Alter do Chão reparavam-na e conservavam-na
por ser lugar de grande romaria
Os visitadores encontraram por ermitão nesta ermida um Fernão Gonçalves, de Alter do Chão,
que se acolhia a uma casa que ali tinha improvisado nuns edifícios antigos contíguos à ermida. E
como não tinha carta do Mestre lhe ordenaram-lhe que a obtivesse dentro dos 6 meses imediatos.
Esta ermida de s. Bernabé estava circundada por um cerrado, murado com pedra insonsa, que lhe
pertencia.
Quadro n.º 209
Pinturas e imagens
Encontrava-se no termo da vila, mas não foi visitada por se encontrar totalmente derrubada Era
uma casinha pequena, de pedra e barro, madeirada de trouxa sobre uma madre, e coberta de telha
vã. Não tinha ousia. O altar era construído de pedra e barro e, sobre ele, encontrava-se uma
imagem de S. Domingos, de vulto de pedra, vestida com uma camisa de linho. O altar estava
coberto com pedaços de mantas e com toalhas muito velas e rotas. Não tinha portas e estava toda
danificada, tanto nas paredes como no telhado.
Media 5m de comprido, por 4m de largo (20m2).
Situada no termo da vila, encontrava-se em reparação. Tinha uma ousia de pedra e barro
guarnecida com cal. Dentro dela um altar de pedra e barro, também guarnecido a cal, coberto
com mantéis, e colocada sobre ele uma imagem de S. Pedro de vulto de pedra com uma camisa
de linho vestida. A dita ousia estava madeirada com asnas e forrada de cortiça de amadio delgada
e, por cima, telhada de novo. Tinha um arco com os calços de pedra e o mais de alvenaria,
cerrado com grades de pau de salgueiro. Comprimento desta ousia: 3,3m , e de largo, outros
3,3m (10,9m2).
O corpo da ermida tinha começado a fazer-se (refazer-se) com paredes de barro até meio, e o
mais de taipa, e estava coberta de cortiça. Por não estar acabada não tinha ainda o portado
feito.Media 6m de comprido, por 5,8m de largo (35,5m2), perfazendo 46,5 m2 de área total.
Os visitadores tiveram notícia de que ali ficava anteriormente uma capela muito pequena coberta
de cortiça. E que, no Verão anterior à visita,os moradores da dita Ervideira por devoção
ampliaram a dita capela, como agora estáva, e lhe levantaram paredes, tencionando acabá-la de
todo pela devoção que lhe tinham. Segundo informação dos antigos esta ermida não possuía
coisa alguma.
Quadro n.º 211
Pinturas e imagens
Quadro n.º202
Pinturas e imagens da ermida de Santa Maria
1. Os visitadores encontraram a ermida de S. Bento muito mal reparada, o que era difícil de
entender, uma vez que dispunha de renda suficiente para o fazer, desde que houvesse quem disso
cuidasse.
Por essa razão foi ordenado ao mordomo que se encontrava em funções, bem como áqueles que
futuramente o viessem a ser, que anualmente desse contas do que recebia de renda da dita
ermida. E mandaram aos juízes que, em cada ano, lhas tomassem, mandando chamar o prior da
vila para estar presente à prestação de contas. E o que achassem de renda seria gasto nas coisas
necessárias à fabrica da ermida. Se, porventura, alguma coisa sobejasse gastá-la-iam em missas e
esmolas onde vissem que era mais proveitoso ás almas dos defuntos que haviam deixado a dita
renda. O que farão com conselho do dito prior. Esta determinação seria inteiramente cumprida,
sob pena de, quem o contrário fizesse, pagar 2.000 reais, um terço para as obras do Convento,
outro para os cativos e o outro para quem acusasse.
Mandaram também que, daquilo que na altura tivesse o mordomo de S. Bento, comprassem para
o altar da ermida uns mantéus e um lençol. E que consertassem as grades de modo a que
ficassem fechadas com fechadura e chave. E que madeirassem a ermida com boa madeira.
Ordenaram ainda que os ditos juízes, juntamente com o prior, elegessem anualmente um
mordomo para a ermida de S. Bento, e o que achassem que tinha o mordomo cujo mandato
expirava, o entregassem ao que fosse eleito, prazo de 8 dias sob a dita pena.
E se fosse necessário vender alguma coisa da dita renda o venderiam em pregão quando se
venderem as rendas dos órfãos, com conselho e licença dos juízes da vila
Mandaram ao prior que não fizesse, nem consentisse que fizessem, fogo dentro da igreja em
ocasião nenhuma porque era procedimento muito condenável, e ocasionava muitos danos nas
pinturas e imagens da igreja. E, fazendo o contrário, o dariam por condenado em 1.000 reais por
cada infracção, dos quais um terço reverteria para as obras do Convento, o outro para os cativos
e o remanescente para quem acusar.
Porquanto alguns juízes ordinários, bem como outras pessoas que tinham cargos, contradiziam
algumas coisas que eram dadas a algumas pessoas. Não somente aquelas que dava o
Comendador, como outros oficiais da Ordem, por exemplo: sesmarias e outras coisas
semelhantes. E, além de as contradizerem, impunham penas ás pessoas a que haviam sido dadas
e as não aproveitavam, o que era contra o Direito porque não podia nenhuma pessoa fazer nem
contradizer sem razão aquilo que efectivamente os supracitados recipiendários não conseguiam
fazer, os visitadores mandaram aos ditos juízes e oficiais que tal coisa não fizessem, nem
contradissessem, aplicando coimas a quem as tais sesmarias haviam sido dadas pelos oficiais da
Ordem. E fazendo o contrário seriam condenados, cada um dos ditos juízes e oficiais, em 10
cruzados de ouro, um terço para as obras do Convento, o outro para os cativos e o remanescente
para quem acusar.
2. Dízimos desviados
Constatou-se que certos olivais, vinhas e hortas que ficavam no termo da vila levavam o dízimo
para Alter do Chão, o que era contra o Direito Canónico porquanto todo o dízimo devia ser pago
no termo ou limites onde ficasse a herdade, quer fosse terra, ou vinha ou olival.
Consequentemente ordenou-se ao Comendador que demandasse as pessoas que tal dízimo levam
contra o direito, até sentença final. Devendo iniciar a demanda até S. João Baptista de 1519 e, daí
em diante, a seguisse até sentença final, sob pena de pagar para as obras do convento 50
cruzados de ouro, e bem assim demandassem o dízimo dos gados que lhe não pagassem, sob a
dita pena porque era em prejuízo das rendas da Ordem.
A jurisdição pertencia ao Mestre, as sisas e terças do concelho pertenciam ao rei, que havia
cedido a D. Jorge as terças do concelho, mas as rendas eram do Comendador, embora o Cardeal
tivesse o terço da Comenda, não entrando nisso a ervagem, e rações da coutada da Ordem, bem
como outras coisas não descriminadas .
Tinha a jurisdição do cível e do crime na vila e seu termo. A eleição dos juízes fazia-se pela
Ordem, através de quem o Mestre mandava e dava o poder. Os juízes ordinários eram
confirmados pelo mesmo senhor, ou por quem para isso dele tivesse poder, tal como na ocasião
tinha o Comendador D. Duarte de Almeida, que confirmava os ditos juízes por poder que o
Mestre para isso lhe havia dado, como se comprovava pela carta que tinha mostrado, assinada
pelo mesmo senhor. Esta prática estivera sempre na posse Ordem desde antigamente Era
também costume na vila que o Alcaide-mor, ou quem ele encarregasse, apresentasse três homens
em câmara e os juízes e oficiais escolhiam um que lhes pareçesse para isso mais honesto, e lhe
davam juramento em câmara para que servisse de alcaide pequeno.
Quadro nº203
Ofícios da Ordem
Nome Ofício
escrivão da câmara e da almotaçaria
António Cardoso
nomeado por carta do Mestre
tabelião público e judicial, nomeado
Gil Fernandes
por carta do Mestre
contador dos feitos e inquiridor na
Gonçalo Nunes dita vila, nomeado por carta do
Mestre
partidor dos órfãos, nomeado por
Vasco Eanes
carta do Mestre
Rendas e população
Os visitadores inspecionaram o dito castelo que era constituído por uma cerca muito velha e
parcialmente derribada, segundo se evidenciava nos muros, que nunca tinham chegado a ser
totalmente acabados. Além do mais não tinha nenhuma torre. Apenas se encontravam dentro da
cerca, logo à entrada de porta da vila, umas casas boas utilizadas como aposentos do
Comendador e Alcaide-mor, na ocasião D. Duarte de Almeida. Estas casas eram as seguintes:
1- Uma sala a que se acedia por uma escada que partia do sótão da dita sala, e era sobradada e
assoalhada de tabuado, tendo uma boa chaminé e duas janelas: uma que deitava para a vila e
ficava na parte Sul, e outra virada para o terreiro do castelo e ficava a Norte; as quais janelas
tinham no meio colunelos de pedra mármore. Esta sala encontrava-se madeirada de asnas e
forrada de cortiça de amadio.
Á esquerda da sobredita sala, da parte do Levante, ficava uma câmara que servia de guarda-
roupa e tinha uma janela para o Norte. Depois deste guarda-roupa ficava uma divisão muito
pequena que servia de privada.
Regressando à sala inicial, à direita, ficava uma câmara grande e boa e, depois desta, estava outra
câmara que dava para o Norte, e cada uma tinha sua janela.
Da parte do Poente, pegada com a antedita dita sala, estva outra câmara que servia de cozinha. E
mais dentro outra câmara, que servia de botica,tendo cada uma sua janela.
Eram no todo 8 casas, entre grandes e pequenas,e por baixo , outros tantos sótãos que serviam de
celeiro de trigo e de todo o outro pão dos dízimos.
Todas estas 8 casas se encontravam construídas com paredes de pedra e cal, guarnecidas a cal por
fora e por dentro, madeiradas de asnas e todas por cima forradas de cortiça de amadio e, por cima
telha. Todas tinham bons portados, com suas portas e fechaduras, e todas se encontravam
assoalhadas de tabuado e em tudo muito bem reparadas
Nas quais casas os visitadores acharam aposentado D. Duarte de Almeida, com sua mulher e
toda a sua casa.
Foi-lhe então pedido o título da alcaidaria da dita vila que ele mostrou logo, consistindo numa
carta do Mestre, por ele assinada e passada pela sua chancelaria em que dava o dito D. Duarte
por Alcaide-mor da vila. E por ter já sido visitada a sua pessoa passou-se à visitação das outras
casas situadas na cerca do castelo que eram as seguintes:
Uma casa térrea, pegada com os aposentos e que tinha uma chaminé, madeirada de trouxa e
forrada de cortiça, em a qual pousavam os criados do Comendador e Alcaide-mor
Uma outra casa pequena, com paredes de taipa e coberta de telha vã, que D. Duarte mandou
fazer para as galinhas.
Ainda dentro da cerca do castelo ficava uma casa grande que servia de estrebaria e tinha
manjedouras, e pegada a ela, outra mais pequena que servia de palheiro e tinha palha. Ambas
madeiradas de trouxa e cobertas de telha vã.
Também dentro da cerca do castelo ficava uma casa grande que era lagar de azeite de duas
varas , uma que agora estava desmanchada e a outra servia e desfazia quanta azeitona havia na
vila por não existir outro lagar de azeite.
Este lagar tinha ainda uma caldeira e moinho em que se moía a azeitona e encontrava-se
edificada com paredes de pedra e barro, estando madeirada de trouxa e coberta de telha vã.
Uma vez que estas casas, tanto os aposentos como as outras, ficavam todas dentro da cerca do
castelo as não mandaram medir por não ser necessário, já que tudo pertencia à Ordem.
Casas da Ordem.
Quadro n.º204
Tipologia dos prédios urbanos
Medidas
Tipologia do prédio
Fólio
Localização Medievais Sistema Decimal
(varas) Dimensão Área
(metros) (m2)
N/S 4,2 4,6
28
L/P 5.5 6
N/S 2,3 2,5
9,6
L/P 3,5 3,8
5 casas na Rua do Castelo N/S 3 3,3
10,8 144
que trazia o prior L/P 3 3,3
N/S 2,5 2,7
9
L/P 3 3,3
N/S 3 3,3
12,3
L/P 3,5 3,7
Casa de forno na N/S 4 N/S 4,4
24,6 145
Rua do Castelo L/P 5,1 L/P 5,6
N/S 3,5 N/S 3,8
Casa na rua do Castelo 25,4 146
L/P 6 L/P 6,6
N/S 7 N/S 7,7
Casa na Rua do Castelo 118,5 147
L/P 14 L/P 15,4
Casa na Rua do Castelo ___ __ 30,5 148
Casa na Rua do Castelo com celeiro __ __ 24 149
.
Quadro n.º 205
Contratos sobre casas
Tipologia das
Tipologia do contrato
Tipologia de rendas fixas
prédio/localizaçã Titular Fólio
o Galinhas Emprazamento
(Vidas)
O prior, Frei Pedro
Casas na Rua do
Farto, residia nelas por
Castelo que trazia 3 144
serem dotadas aos
o prior
Priores
Casa, na 2
Simão Dias 145
Rua do Castelo galinhas 3
2
Casa na rua do
galinhas Afonso Luís 146
Castelo 3
Casa 1
3
Na Rua do galinha Manuel Vaz 147
Castelo
1
Casa na Rua do
galinha Gaspar Dias 148
Castelo 3
Medidas
Tipologia do
Rendas fixas
contrato
Tipologia de prédio/Localização Titular Fólio
Aves Emprazamento
(Vidas)
Ferragial, pegado com os muros
da cerca, por dentro dela, onde se __ Na posse do Comendador __ 150
chamava Vinha da Ordem
Ferragial,
pegadocom os muros da cerca,
__ Na posse do Comendador __ 151
entre a porta do sol e a porta da
traição
Ferragial, pequeno que ficava 1
Álvaro Rodrigues
onde saía a água da cerca, junto ao galinha 152
Gorjão 3
rib.º da Assequia
Ferragial junto à vila cerrado com __ Simão Rodrigues __ 153
sebes e silvas Como não tivesse
tít.º os visitadores
remeteram-no ao
Comendador para
regularizar a situação
Ferragial,
__ Na posse do Comendador __ 154
Junto à vila
Ferragial, dentro do olival da 1
João Gonçalves __ 155
Ordem frangão
Quadro nº 208
Vinhas
Courela de vinha 1
48,3 Pêro Eanes Besugo 160
(E) galinha 3
Courela de vinha 1 galinha João Gonçalves
13,8 161
(E) 1 frangão Caldeirão 3
Courela de vinha
___ 41,4 162
(E) Pêro Álvares 3
Courela de vinha
1 galinha 13,8 António Nunes 163
(E) 3
Courela de vinha 1 Bastião Dias, filho
27,6 164
(E) frangão De Filipe Dias 3
Courela de vinha
1 galinha 20,7 António Dias 165
(E) 3
Courela de vinha António Fernandes
1 galinha 13,8 166
(E) Morgado 3
Courela de Vinha
1 galinha 20,7 António Afonso 167
(E) 3
Courela de vinha 1
27,6 Álvaro Vaz 168
(E) frango 3
Courela de vinha 1 galinha
41,4 Diogo Farto 170
(A) 1 frangão 3
Courela de vinha
1 galinha 27,6 Fernão Sameiro 171
(A) 3
Courela de vinha
__ 13,8 Martim Gonçalves 172
(A)
Courela de vinha 1
27,6 Diogo Vaz, órfão 173
(A) frangão 3
Courela de vinha Pêro Eanes
__ 27,6 174
(A) Ferreiro 3
Courela de vinha 1
27,6 Álvaro Rodrigues 175
(A) frangão 3
Meia courela de 1
13,8 Simão Rodrigues 176
vinha (A) frangão 3
Quadro nº 210
Hortas
Medidas
Quadro nº 212
Moinho
Medidas
Moinho de 2 feridos na Paredes de pedra e cal, N/S 7,2 N/S 8 43,5 183
rib.ª de Seda junto à vila madeirado de trouxa e L/P 5 L/P 5,5
coberto de cortiça, corrente
e moente com 2 rodas,
encontrava-se mal
reparado, tanto no
respeitante à casa, como ao
açude que se encontrava
danificado
Quadro nº 213
Terras da Ordem
Medidas
Terra de pão junto à vila Terra de pão com um olival N/S 332 N/S 365 2,5
184 -184v
com olival grande e bom grande e bom L/P 62 L/P 68,2
Uma courela de pão nas N/S 332 N/S 365 2,5
Courela de pão 186
relvas de S.to António L/P 62 L/P 68,2
Terra de pão no Vale do
N/S 367 N/S 403 5,4
Coelho Terra de pão 187
L/P 123 L/P 135
Medidas
Tipologia do Sistema
Descrição/
prédio Medievai Decimal Fólio
Cultivo
Localização s Dimensã Áre
(varas) o a
(metros) (m2)
Coutada de Terra de pão que o Comendador lavrava. Com 2 vinhas, uma horta e um
N/S 1662 N/S 1828 195-
terras de pão em assento onde está a Venda da Biqueira que trazem foreiros aforadas . 242
L/P 1200 L/P 1320 196
S. Briços Possuía um caneiro onde ninguém podia pescar sem licença da Ordem
Coutada da Terra de pão N/S 1169 N/S 1285
96,2 197
Rabaça L/P 681 L/P 749
6.6. Segunda visitação à comenda de Seda
Cerca de 19 anos após a visita efectuada á comenda de Seda pelo bacharel D. Frei Nuno
Cordeiro e por Frei João Rolão, que a haviam terminado em 28 de Março de 1519, novos
enviados do Mestre de Avis regressavam á, vila. Desta feita tratava-se de Francisco Coelho
cavaleiro da Ordem e Frei André Dias, prior da igreja de Avis, que a visitavam na sequência do
Capítulo Geral da Ordem de Avis realizado em 27 de Fevereiro de 1538 no mosteiro dos Lóios,
em Lisboa no qual fora deliberado dividir o Mestrado de Avis nas duas comarcas distintas a que
fizemos alusão nas visitas precedentes deste ano .
1519 1538
Capa de asperges de damasco pardo Com capelo e bandas
Vestimenta de chamalote verde
de cetim verde aveludado e franjas pretas evermelhas
1519 1538
14 mantéus, 11 usados e 3 rôtos Sete mesas de mantéus velhos, outros mantéus usados,
mais uns mantéus velhos grandes, do altar-mor, e dois
mantéus de estopa que estavam nos altares pequenos
3 lencóis usados Três lençóis de linho, um novo e dois usados
2 toalhas lavradas de ponto real, novas Umas toalhas da terra, usadas
Outras toalhas, velhas Umas toalhas da terra, novas
Toalha de linho, com bandas azuis Cinco toalhas lavradas
3 toalhas francesas, usadas. Serviam nos altares, Outras toalhas ainda boas, e umas toalhas usadas
2 toalhas de linho da terra, com lavores de Flandres Outras toalhas de Flandres usadas
Uma vez que pareceu mal aos enviados de D. Jorge que a lâmpada se encontrasse no corpo da
igreja, sendo mais conveniente que ficasse dentro da capela-mor, foi ordenado ao prior que
mudasse imediatamente a dita lâmpada, colocando-a dentro da capela-mor.
Ermidas
1. Ermida de S. Bento
Quadro nº217
Ornamentos
Tipologia Características
Vestimenta de chamalote verde Com savastro de chamalote aleonado, comprida
Vestimenta de pano da Guiné pintado Com savastro de figuras, comprida
Vestimenta de pano da Guiné Com umas flores de liz, compridas
Palio de damasco Carmesim
Frontal de altar-mor de chamalote aleonado Todo franjado
2 frontais de chamalote aleonado todos franjados que serviam nos altares laterais
Cálice de prata branca Com a respectiva patens
Vestimenra de chamalote comprida
Frontal de pano de linho Com a imagem de S. Bento, pintada no meio
Umas toalhas de Flandres Novas e grandes
Outras toalhas que estavam no altar Velhas
Estes ornamentos tinha em seu poder o mordomo que na ocasião se encontrava em exercício, o
qual mordomo era eleito juízes e oficiais da vila em cada 2 anos, aproximadamente, seguindo
como critério a satisfação pelo desempenho avaliado na administração da dita ermida. Este
mordomo recebia e arrecadava a renda das terras da ermida e dava conta delas em câmara.E
desse rendimento se reparava e mantinha a dita ermida, onde se diziam anualmente 30 missas
pela alma dos defuntos que lhe haviam deixado as propriedades que em seguida
descriminaremos.
Quadro nº218
Bens de raiz
talho de terra de pão, nas Covas, caminho de Alter talho de terra, ás covas, a caminho de Alter
Dezoito pés de oliveiras, entre grandes e pequenas que se
dezoito pés de oliveiras
encontram dispersas pelo que não é possível confrontá-las.
Foi encontrada esta ermida danificada e aberta na parede da banda da ribeira e tinha necessidade
de se lhe fazerem 2 botaréus de pedra e cal que amparassem a dita parede, pelo que foi mandado
aos juízes e oficiais que até ao Natal seguinte mandassem fazer os ditos botaréus do rendimento
da dita ermida sob a pena de 2000 reais, metade para quem os acusasse e a outra metade para a
fábrica da igreja.
Na visitação de 1519, na qual se encontra descrita, esta ermida, encontrava-se em obras pois
desde o Verão anterior à visita,os moradores da dita Ervideira por sua devoção tinham ampliado
a dita capela, como na ocasião se encontrava, levantando- lhe paredes. E, como foi declarado na
altura, tencionavam acabá-la de todo pela devoção que lhe tinham.
Os visitadores de 1538 verificaram que os moradores da vila tinham, de facto, edificado de novo
esta ermida há cerca de 6 ou 7 anos, por sua sua iniciativa, e a proviam do necessário.
As ermidas de Santo António, Nossa Senhora d’Alparrajão, S. Marcos e S. Briços encontravam-
se todas tal como ficaram assentadas na visitação passada pelo que não foi necessário voltar a
escrever sobre elas.Mas existiam no termo da vila de Seda outras ermidas, a saber: S. Barnabé,
junto à ribeira de Alter, S. Domingos de Carrazola e S. Pedro da Ervideira, as quais ermidas
estavam todas assentadas e escritas na visitação passada. E por estarem longe da vila os
visitadores basearam-se em informações de pessoas que atestaram que elas se encontravam tal
como tinham sido descritas na visitação passada, e por isso não as visitaram.
Ignoramos se, por lapso contido no parágrafo anterior, ou porque efectivamente a supracitada
ermida de S. António já carecesse de obras por ocasião da "visita passada da Ordem", os
enviados de D. Jorge acabaram por verificar que era indispensável tomar as providências
constantes da determinação particular que, em seguida, passamos a resumir:
Esta ermida foi encontrada aberta pelo cruzeiro e tinha outros danos que era urgentemente
necessário remediar, e uma vez que a cal e telha já se encontravam prontas, e um defunto tinha
deixado uma vaca para o conserto da dita casa, a qual vaca andava de guarda com os gados da
vila, mandou-se aos oficiais e juízes que fizessem vender a vaca por pregão a que mais desse. E
com o dinheiro dela, e o de algumas esmolas, se as houvesse, que se consertasse e reparasse esta
ermida, não só dos danos que apresentava mas também do mais que fosse julgado necessário, no
prazo de 2 meses, sob a pena de 1000 reais para a fábrica da igreja.
Determinações gerais
Salientamos, como vem sendo habitual, apenas algumas das determinações gerais contidas na
visitação em estudo, mormente aquelas que apresentavam algumas variantes das versões já
referidas por ocasião de outras visitas.
Os visitadores acharam que, por costume antigo, todos aqueles que eram sepultados dentro da
igreja pagavam pela sepultura um marco de prata mas o Mestre, por alguns respeitos, entendera
diminuir o dito preço para 600 reais segundo se continha num alvará do dito senhor que foi
apresentado aos visitadores e que estes ordenaram ao prior que fosse cozido no final da visitação
Esse dinheiro seria entregue, como era usual, ao recebedor da fábrica e lhe seria carregado em
receita pelo escrivão da fábrica, que seria o escrivão da câmara, para ser gasto na fábrica da
igreja aplicando-o nas coisas mais necessárias que o prior entendesse. Foi ordenado a este último
que não consentisse abrir sepultura dentro na igreja sem primeiro lhe ser dado penhor de prata
que valesse comprovadamente os ditos 600 reais e mais o que poderiam levar de lajear e
construir a dita sepultura, sob pena de ele, prior, pagar tudo da sua casa.
Algumas pessoas atreviam-se a abrir covas na dita igreja sem licença do prior, pelo que
recrudesciam as dúvidas e desacatos, com o intuito de evitar estes inconvenientes foi ordenado
que nenhuma pessoa abrisse sepultura alguma, mesmo que sua fosse, sem licença do prior e
sendo este presente, ou quem esse encargo tivesse, e quem o contrário fizesse seria condenado
em 1500 reais: um terço para as obras do Convento, outro terço para os cativos, e o remanescente
para quem acusasse. E mandaram ao prior que acusasse os que incorressem na dita pena, e não
querendo levar os 500 reais que lhe pertenceriam pela acusação, estes revertessem para a fábrica
da igreja, não ficando a pessoa que em tal pena incorresse desobrigada de pagar os ditos 600
reais.
Parece deduzir-se que o preço de um marco de prata por cada sepultura aberta dentro do templo
seria considerado excessivo pelos fregueses, e gerara conflitos que teriam chegado ao ponto de
estas serem abertas à revelia (ou com desconhecimento) do prior de Santa Maria do Espinheiro
da vila de Seda. Num primeiro tempo o Mestre diminuíra, por alvará, o preço das anteditas
sepulturas. Mas esta medida apaziguadora, para se tornar verdadeiramente eficaz, carecia de ser
minuciosamente regulamentada, o que foi feito nesta visitação de 1538.
O prémio do prior era ordenado em função dos meses em que se encontrava obrigado a dizer
missa, e seria considerado grave dano para a sua consciência se recebesse esse prémio sem dizer
todas as missas obrigatórias. Os visitadores deliberaram precaver essa eventualidade de maneira
a que não houvesse escândalo (deveremos assumirir que, não obstante juízes, oficiais e homens
honrados terem declarado separadamente, e sob juramento, que o prior cumpria todas as missas
de sua obrigação, isso não corresponderia à realidade, e que os enviados de D. Jorge se baseavam
noutra rede de informadores, ou estaremos perante uma medida preventiva genérica?)
determinando expressamente que o prior dissesse todas as missas a que era obrigado.
E que, deixando de dizer alguma das missas, se fosse domingo ou festa lhe seriam descontados
por cada missa 20 reais. E se fosse qualquer outro dia que não fosse de guarda lhe seriam
descontados 15 reais do prémio que receberia. Neste sentido ordenaram ao dito prior que
apontasse num rol as missas que deixasse de dizer, declarando os dias em que faltasse, para lhe
serem descontadas por quem lhe houvesse de pagar o prémio. E a soma que se apurasse
mandaram que fosse para a fábrica.
Além de lhe serem descontadas as ditas missas o prior seria obrigado a dizê-las ou a mandar
dizê-las. E se alguma outra pessoa quisesse apontar as missas que o prior deixava por dizer os
visitadores lhe dariam poder para que o fizesse, e mostrasse a quem lhe houvesse de pagar, ou
mandar pagar.
O prior de Santa Maria do Espinheiro recordou ser costume na vila que os juízes e oficiais
mandaassem tirar carta de casos para outro sacerdote ajudar o dito prior nas confissões da
Quaresma, e que havia anos que os oficiais não queriam mandar tirar a dita carta. O prior,
segundo afirmava. recebia agravo com esta situação, bem como um considerável acréscimo de
trabalho. Tendo os visitadores confirmado o sobredito costume ordenaram aos juízes e oficiais,
tanto aqueles que se encontravam em exercício, como aos que o viessem a ser, que em cada ano,
quando lhes fosse requerido pelo prior, mandassem tirar carta de casos para que outro sacerdote
ajudasse nas ditas confissões. O que fariam sob pena de 2.000 reais, metade para os cativos e
metade para quem acusasse.
Uma vez que na procissão que se fazia no dia de Corpo de Deus ia o santo sacramento e pareceu
bem ir-se incensando, como em toda a parte se fazia, e o Comendador, conformando-se com o
costume geral que existia no Mestrado daria o incenso que para isso era necessário.Neste
entendimento os enviados de D. Jorge ordenaram aos juízes e oficiais que, de aí em diante,
dessem anualmente ao prior o incenso necessário para esta festa, o que cumpririam sob pena de
1000 reais para a fábrica da igreja.
Julgamos ser possível interpretar esta determinação com o sentido de que, na previsível ausência
do Comendador, os juízes e oficiais forneceriam o incenso à custa daquele.
O curral do concelho encontrava-se dentro da vila, pegado com as casas, e muitos moradores
dela se tinham agravaram pela má vizinhança. E, além disso,o gado quando era para ele
encaminhado, vinha pela praça e ruas públicas, situação que podia colocar em risco as crianças e
outras pessoas, fazendo incorrer perigar as próprias reses por saltarem do dito curral para fora.
Colocados perante esta situação os visitadores foram inspeccioná-lo, e entenderam que era
necessário mudá-lo, tendo ordenado aos juízes e oficiais que nos próximos 6 meses fizessem
transferir o dito curral para o rossio da vila que estva muros adentro. Fazendo-o em moradas ao
longo do muro por ser lugar muito conveniente para se construir o curral com pouca despesa. O
que cumpririam sob pena de 2000 reais para a fábrica da igreja. E não o cumprindo, ordenariam
ao ouvidor que os mandasse penhorar e executar pela dita pena, e pelas mais em que, por bem da
visitação, pudessem incorrer, e as fizessem entregar ao recebedor da fábrica perante o escrivão da
câmara que lhas carregaria em receita.
E depois de o dito curral ter sido mudado o sesmeiro da Ordem daria o chão dele em sesmaria
para casas ou quintais, segundo entendesse, a pessoas que o aproveitassem, por estar dentro da
vila e se poderem realizar benfeitorias que enobreceriam a vila.
Em 1519 os visitadores tinham deixado anotado que castelo que era constituído por uma cerca
muito velha e parcialmente derribada, segundo se evidenciava nos muros, que nunca tinham
chegado a ser totalmente acabados. Além do mais não tinha nenhuma torre. Apenas se
encontravam dentro da cerca, logo à entrada de porta da vila, umas casas boas utilizadas como
aposentos do Comendador e Alcaide-mor, na ocasião D. Duarte de Almeida. Essas casas de
pousada haviam sido pormenorizadamente descritas, configurando uma residência senhorial
espaçosa, com as funções dos repartimentos internos claramente definidos, e em bom estado de
conservação. Dezanove anos volvidos, presumívelmente na sequência de um período de
desocupação posterior à substituição de D. Duarte de Almeida como Comendador (anterior a
1532), os visitadores de 1538 constatavam uma situação completamente diversa : "As casas da
Ordem em que pousavam os comendadores encontravam-se muito danificadas e chovia nelas,
tendo ficado os sobrados todos rotos e podres da chuva", e para que não acabassem de perder-se,
nem se danificasse o pão da renda que se encontrava nas suas lojas, que serviam de celeiros, foi
ordenado ao mordomo do Comendador que, à custa do moio e meio que se tirava de celeiragem
da parte do bispo e do cabido, mandasse telhar as ditas casas, e cintar de cal onde se revelasse
necessário, e colocar alguma madeira, se disso houvesse necessidade, de modo que se reparasem
o melhor que fosse possível. Na eventualidade de ainda sobrar dinheiro, que se cobrissem
também as estrebarias para evitar que as paredes caíssem. Esta despesa se faria da celeiragem por
servirem as ditas casas de celeiros, e o Mestre, quando tinha a renda desta comenda, as mandava
reparar da dita celeiragem. Isto seria cumprido até ao próximo Natal sob pena de 1000 reais para
a fábrica da igreja.
Este exemplo ilustra claramente a fragilidade das edificações com que nos defrontamos, tanto
mais que se refere a uma residência particularmente invulgar entre aquelas que as fontes em
estudo nos restituem, e que, tal como se encontrava descrita cerca de duas décadas antes,
albergava, ao que se depreende, em excelentes condições para a época, o Comendador D. Duarte
de Almeida e os seus familiares. Admitindo que se encontrasse desabitada há cerca de uma
década, ou década e meia no máximo, esse lapso de tempo bastara para provocar o estado de
ruína registado em 1538.
O prior, falando da parte do Comendador, informou que na vila não existia juiz dos dízimos
perante o qual os ditos se demandassem, bem como as outras rendas e foros da Ordem, o que
ocasionava que se perdessem muitas das ditas coisas, e pediu que se conseguisse uma pessoa que
julgasse os ditos dízimos e rendas da Ordem, porque ele o não podia fazer, tendo em contas a sua
condição de escrivão da Ordem. Constatou-se que era um provimento necessário e, confiando em
SimãoVaz, morador na vila, como pessoa capaz de desempenhar a função foi nomeado juiz dos
dízimos e coisas da Ordem, o qual passaria a conhecer judicialmente estas matérias, com
apelação e agravo para o contador do mestrado, e perante ele poderiam os rendeiros e mordomos
do Comendador demandar as ditas coisas. Ao qual Simão Vaz foi dado juramento sobre os
evangelhos pelos visitadores.
Nesta vila existiam ferragiais e outras propriedades da Ordem que o Comendador e os seus
rendeiros possuíam e davam de sua mão a quem as trouxesse e semeasse. Os visitadores
entenderam que o facto de as deixarem muito tempo ás mesmas pessoas ocasionava perdas e
enleios à Ordem E pelo que se concluiu no decurso desta visitação ordenou-se ao Comendador,
ou ao seu mordomo e rendeiros que daí em diante não dessem as tais propriedades para lavrar a
nenhuma pessoa por prazo superior a 3 anos, e decorridos estes, as tornassem a dar a outras
pessoas, de maneira a que se não pudessem enlear, nem dizer que eram suas pelo muito tempo
em que as traziam. Cumprir-se-ia sob pena de 1000 reais para a fábrica da igreja.
Jurisdição da Ordem.
A jurisdição do cível e do crime da vila e seu termo pertencia à Ordem, e a eleição dos juízes e
oficiais continuava a fazer-se pelo ouvidor do Mestrado, sendo os juízes confirmados pelo
Mestre.
Quadro nº219
Ofícios da ordem
Em 1519 existiam apenas um escrivão da câmara e almotaçaria nomeado por carta do Mestre,
um único tabelião do público e judicial, também nomeado por carta do Mestre, um contador dos
feitos e inquiridor, igualmente nomeado por carta do Mestre, e um partidor dos órfãos nas
mesmas circunstâncias.Daqui somos levados a concluir que o aparelho administrativo da Ordem
se aperfeiçoára no decurso de 19 anos, podendo estar a duplicação de tabeliães das notas bem
como a criação do cargo de escrivão da Ordem em consonância com um eventual, mas não
evidente, crescimento demográfico.
Quadro n.º220
Dízimos pertencentes à Ordem na vila de Seda e seu termo
1519 1538
Dízimo do pão Dizimo do pão
Vinho vinho
Azeite azeite
Linho linho
Favas tremoços e todos os legumes Favas, tremoços e todos os outros legumes
Frangãos e patos Frangãos e patos
Gados Gados
Queijos Queijos
Poldros e dos burros Poldros e burros
Furões Furões
Lã das ovelhas Lã dos carneiros e ovelhas
Fruta e hortaliça __
Mel e dos enxames Mel e dos enxames
Todas as oblações e pé d’altar __
Lã dos carneiros e ovelhas Dizimo dos gados
Queijos Poldros e burros
Furões Frangãos e patos
Também pertencia à Ordem o dízimo de todas as coisas De igual modo pertenciam à Ordem os dízimos de todas as
das quais, de acordo com o direito canónico, se deveria coisas sobre as quais o direito canónico mandava pagar
de pagar dízimo, as conhecenças dos oficiais mecânicos, dízimo as conhecenças dos oficiais e dos engenhos, bem
de 10 reais por cada pessoa que os tivesse como os montados e as ervagens
Na visita de 1519 encontra-se descriminado um menor número de rendas da Ordem. Não tendo
notícia de alterações jurisdicionais verificadas durante o período em estudo somos levados a
concluir que os acrescentos anotados na visita de 1538 decorreriam apenas da maior minúcia e
precisão com que os enviados de D. Jorge os entenderam descriminar na segunda visitação.
De todos estes dízimos levavam o bispo e o cabido de Évora a terça parte das cebolas e alhos
somente, e não outra coisa nenhuma, por ser in sólido da Ordem. E desta terça parte do bispo e
cabido se tirava um moio e meio de celeiragem que a Ordem levava.
Tinha mais a Ordem o terço de todas as meunças da vila de Alter do Chão, o qual terço era in
sólido da Ordem, porquanto os outros dois terços levavam o bispo e o cabido de Évora e o prior
da dita vila de Alter.
Tinha ainda a Alcaidaria-mor com os gados, as bestas do vento e as penas de armas, e com todos
os outros direitos contidos nos forais e ordenações do reino.
A portagem da vila pertencia à Ordem e se arrecadava pelo foral novo bem como todos os outros
direitos contidos nesse mesmo foral. Obviamente que, a implantação territorial nesta região,
trazia para a instituição outro tipo de proventos como teremos oportunidade de ver de seguida.
Como já apontámos atrás a enumeração das rendas e direitos da Ordem de Avis na vila de Seda
divergia, em 1538 da listagem que ficara anotada em 1519, muito embora nada nos autorize a
concluir que essa discepância não tenha sido ocasionada apenas por uma divergência nos
critérios que terão presidido à minúcia da segunda descriminação. No entanto, se, nesta última
data, o total das rendas da Ordem tinha sido estimado em 160.000 reais, na visitação de 1538
ficou registado que os enviados de D. Jorge tinham avaliado as rendas dessa mesma localidade
da Ordem em 206.000 reais por ano, em salvo para o Comendador, um aumento da ordem dos
22%. Tal como ficou dito em relação à precedente visita ás Galveias, se considerado
isoladamente, este acréscimo poderia resultar da conjugação de uma taxa de inflacção que se
começava a fazer sentir com uma surto de relativa prosperidade económica. Mas sucede que,
nesse período de cerca de 19 anos, a população da vila, inicialmente cifrada em pouco mais de
200 vizinhos, diminuíra em 1532 para 184, e em 1538, tinha subido para 230 vizinhos.
Adimitimos que pudesse ter existido uma relativa sobreavaliação demográfica na visita de 1519,
tanto mais que o número tinha sido apresentado em termos aproximadamente estimados. Nesse
entendimento parece admissível um ligeiro decrécimo populacional entre 1519-1532, sendo já
difícil de explicar que, no curto espaço de seis anos, a população tivesse crescido cerca de 13%.
Como parece evidente estes números apresentam um índice de fiabilidade inferior àquele que
tem vindo a caracterizar sistematicamente o confronto dos censos realizados nas visitações com
os números contidos no numeramento de 1532, mas, mesmo assim, tudo aponta para um
crescimento demográfico que, todavia, não nos atrevemos a indicar taxativamente com os dados
fornecidos por estas fontes.
6.6.3. Dimensão Patrimonial
Coutadas do concelho
A Ordem possuía uma casa térrea na Rua do Castelo, com cinco divisões de portas adentro,
parcialmente edificada em pedra e barro, e outras partes em taipa, demarcadas e medidas no
tombo supra, que eram anexas ao priorado da vila porque desde antigamente as tinham tido os
priores passados, tal como na ocasião as trazia Frei Afonso Farto, que nelas residia
Dentro da cerca do castelo ficavam umas casas sobradadas que correspondiam aos aposentos dos
comendadores e, defronte delas, ficavam outras casas danificadas que tinham sido estrebarias.
Pegado a esta últimas estava situado o lagar da vila em que se fazia azeite com a azeitona de toda
a vila e seu termo porquanto a Ordem detinha, em exclusivo, o lagar.
Todas estas casas e lagar se encontravam tal como estavam descritas, medidas e confrontadas no
tombo correspondente à visitação de 1519.
Quadro nº 221
Contratos sobre casas
Tipologia das
Tipologia do contrato
rendas fixas
Tipologia do prédio/
Titular Fólio
Localização Emprazamento
Aves
(Vidas)
Casas térreas da Ordem na 1
Brás Lourenço 3 158v
rua do Castelo frangão
Casa térrea dianteira e 1
Heitor Dias Manhãs 3 159
celeiro galinha
Casa térrea e casa de forno 2
de cozer pão, em taipa, na galinhas
Jorge Afonso 3 159v
rua do Castelo 1
Forno 14,5m2 frangão
Casas térreas junto à rua
do Castelo. 1
Beatris Rodrigues 160
Casa 12,5m2 galinha 3
Celeiro 18m2
Casas térreas na rua do 1 Estêvão Gonçalves
3 160v
Castelo galinha
Casas térreas na rua do 1
Gaspar Dias 3 162
Castelo galinha
3. Ferragiais e Horta
Quadro nº 222
Ferragiais e horta
Descrição/
Tipologia de prédio/ localização Fólio
Cultivo
Quadro nº223
Contrato sobre ferragial
Tipologia das
Tipologia do contrato
rendas fixas
Tipologia de prédio/
Titular Fólio
Localização Trigo
Emprazamento
(litros)
(Vidas)
Um ferragial pegado
Diogo Lourenço,
com o castelo, partindo
cavaleiro da Casa
com os muros e casas da 20,7 3 157v
Real e escrivão da
Ordem e com a rua do
Câmara de Seda
Castelo
3. Terras de pão
Quadro nº 224
Terras de pão
Descrição/
Tipologia de prédio/ localização Fólio
Cultivo
5. Vinhas
A Ordem possuía dois cerrados de vinhas que, embora tivessem ficado medidos e descritos no
resumo da visitação de 1519, passamos a descrever com as respectivas confrontações, fornecidas
pela visitação de 1538. Um, que se chamava o cerrado do Espinheiro, partia no vale de S.ta
Maria com terras que tinham sido de João Salvado e seguia por esse vale abaixo partindo a Norte
com o dito João Salvado até à água do ribeiro do Espinheiro, seguindo ao longo desse ribeiro
acima, da parte do Poente, até chegar ao arrife de pedras que ficava sobre o dito ribeiro,
acompanhava o arrife e, depois, prosseguia ao longo do valado das vinhas, sempre partindo com
terras da Ordem até chegar ao sobredito vale de S.ta Maria .
O outro, chamado as Almoínhas, começava na foz d’Alcardeu, seguindo a Sul pelo vale do
mesmo nome até ao canto do valado velho, onde entestava com a vinha que trazia António Vaz,
filho de Pedro Eanes, ferreiro, continuando no vale d’ Alcardeu ao longo de um valado velho da
Ordem, partindo com terras de João Afonso da Azambujeira até chegar ao vale do Espinheiro,
junto ao porto do Touro, seguindo pelo Espinheiro até à foz d’Alcardeu onde começava. Dentro
destes dois cerrados ficavam as vinhas da Ordem que andavam aforadas e que seguidamente
referiremos, muito embora na certeza da coexistênciade de novos contratos sobre courelas de
vinha já existentes em 1519, e de referências a vinhas não referidas nessa anterior visitação, mas
que a escassez de dados não permite identificar com a desejável precisão, nem ter uma perfeita
noção de quais seriam posteriores a 1519 e de quais representam apenas novos contratos sobre
vinhas pré-existentes. Por esse motivo reportamo-nos ao tombo de vinhas dessa visitação
anterior, acrescentando os novos contratos com foreiros já identificados, bem como, os contratos
com novos foreiros. Somos levados a admitir que, estando registados 25 contratos sobre vinhas
em Seda referentes à visitação de 1538, e apenas 19 relativos à visitação de 1519, sendo que
destes últimos, apenas 6 serão relativos a courelas de vinha com sucessão ou continuação em
1538, poderá deduzir-se que a mancha de vinha em Seda terá crescido ao longo dos 19 anos em
estudo.
Quadro nº 226
1519 e 1538
Contratos sobre vinhas dos cerrados do Espinheiro (E) e Almoinhas (A)
1 galinha
Courela de Digo 41,4
Diogo Farto 3 1 frangão 170 124
vinha(A) Lopes
Os contratos sobre vinhas respeitantes 1519 montavam a 5,3 hectolitros de trigo, 11 galinhas e 7
frangãos os dados de 1538 apontam para 6,35 hectolitros de trigo, 10 galinhas e 10 frangãos.
Este ligeiro acréscimo poderá explicar-se pela existência de vinhas, e courelas, ou parcelas de
vinha, novamente agricultadas e objecto de novos contratos de enfiteuse, designadamente no
cerrado das Almoinhas. Com efeito, os contratos posteriores a 1519, representando um aumento
de vinho pago por foros da ordem dos 1,4 hectolitros, somados aos 5,3 hectolitros que a Ordem
recebia em 1519, perfazem 6,7 hectolitros, um número próximo daque que corresponde aos foros
pagos em vinho que se encontram registados em 1538. Parece assim lícito deduzir que o ligeiro
acréscimo verificado se teria ficado a dever, não a um aumento da quantidade de vinho paga
pelos foros, mas sim a novos contratos, preferencialmente correspondentes a parcelas situadas no
cerrado das Almoinhas.
Os contratos sobre hortas respeitantes a 1538 representavam 27,6 litros de trigo, 5 galinhas, 2
frangãos e 12 ovos, enquanto em 1519 ascendiam a 100 reais, 13,8 litros de trigo, 5 galinhas e 2
frangãos. A parte substancial diferencial verificada parece ter ficado a dever-se à elevação, para o
dobro, dos litros de trigo pagos pela nova foreira da horta da Venda da Bica.
Encontra-se referido em 1519 um moinho nesta ribeira, com as paredes de pedra e cal,
madeirado de trouxa e coberto de cortiça, corrente e moente com 2 rodas, que se encontrava mal
reparado, tanto no respeitante à casa como ao açude, que se encontrava danificado. Julgamos
tratar-se do mesmo moinho, abaixo referido, que entretanto teria sido reparado.
O lugar das Galveias, situado a duas léguas de Avis, e sob jurisdição da Ordem, encontrava-se
dentro do termo daquela vila, embora com o seu próprio termo delimitado, segundo refere a
visitação em estudo. O numeramento de 1532 não autonomiza esta aldeia, que aborda inserida no
contexto da supracitada vila de Avis. Nesta altura encontrava-se na mão de Pedro de Gouveia,
seu Comendador. Pelas informações que se analisam, poderemos estar em presença de uma
Comenda relativamente recente e de pouca importância, talvez criada por imperativos de
descentralização administrativa.
Dentro do contexto de enquadramento que temos vindo a referir no preâmbulo das visitações
antecedentes deste ano de 1519, o bacharel e chantre D. Frei Nuno Cordeiro, prior mor do
convento de Avis, prior e beneficiado de S. João de Coruche, e frei João Rolão, prior de Vila
Viçosa, acompanhados por Frei Álvaro Eanes Pinheiro, escrivão da visitação, e Frei Duarte
Pinheiro, seu coadjuvante, chegaram ao lugar das Galveias, procedentes da vila de Seda, no dia
29 do mês de Março desse ano, dirigindo-se de imediato à igreja de S. Lourenço, onde fizeram as
suas orações. No entanto, por ser tarde demais para iniciar a visita, recolheram ás suas pousadas.
Quadro nº230
Vestimentas
Tipologia Características
Vestimenta de chamalote preto Com savastro de cetim aveludado, toda comprida
Vestimenta de pano de linho Com cruzes azuis por diante e por detrás
Alva De vestimenta, velha.
Quadro nº231
Ornamentos
Tipologia Características
Bancal de Flandres Servia como frontal
Bancal alaranjado Servia como frontal
Com bandas brancas e vermelhas, franjada com linhas
2 frontais de pano de estopa
brancas e azuis
Quadro nº232
Roupa de linho e outros paramentos
Tipologia Características
4 lençois bons de estopa Serviam nos altares
6 mantéus, uns de linho, outros de estopa Usados e rotos
3 toalhas lavradas de ponto real Duas das quais grandes
Caixa de madeira pintada Com uns corporais dentro
Quadro nº233
Livros
Tipologia Características
De molde e papel, encadernado com tábuas cobertas de
Missal do costume de Évora
couro vermelho
Baptistério com o ofício da encomendação De pena e pergaminho, muito velho e desencadernado
Oficial de missas de canto por uma regra De pena e pergaminho, muito velho e mal encadernado
Domingal e santal de canto por uma regra De pena e pergaminho, muito velho e mal encadernado
Quadro nº234
Latão, cobre e coisas miúdas
Tipologia Características
2 cruzes Um de cobre, outra de latão, muito velhas e desmanchadas
2 castiçais de latão ___
Turíbulo de latão com suas cadeias Muito velho e pequenino
Campainha de comunhão Muito pequena
Caldeira de cobre para àgua benta Usada
Lâmpada de cobre pendurada na ousia ___
2 galhetas de estanho Muito velhas
Quadro nº235
Contrato sobre herdade da igreja de S. Lourenço
Tipologia das rendas fixas
Tipologia de prédio/Localização Trigo Fólio
(litros)
herdade no vale do Gualguicio, deixada 34,5 243-245
em testamento à Igreja de S. Lourenço
Apresentada assim a estrutura base desta igreja das Galveias e, se considerarmos que a igreja do
Cano, (que tinha uma superfície de 115 m2, para uma população de 120 vizinhos), necessitou de
uma ampliação, a de S. Lourenço das Galveias, como seus 69 m2, correspondentes a 60 vizinhos
em termos comparativos, deveria apresentar um espaço útil ainda compatível com o número de
fregueses. Estamos perante um templo que não servia um priorado, mas uma simples capelania,
que nem sequer era exercida por um clérigo da Ordem de Avis, e não tinha tesoureiro. Não
surpreenderá pois a escassez, e mesmo pobreza, dos respectivos paramentos, utensílios litúgicos
e livros. A despeito da modéstia desta igreja, mais uma vez deparamos com as paredes internas
da cinta murária do templo profusamente ornamentadas com pinturas, dentro da tradição da
pedagogia cristã medieval. As necessidades imediatas que a visitação revela podem avaliar-se
pelo teor das determinações particulares exigidas ao Comendador da vila e ao povo, que
podemos resumir da seguinte forma:
1 - O Comendador ficava obrigado a pôr um capelão na igreja que cantasse missa todos os
Domingos e festas principais do ano, fizesse a cura das almas e administrasse os santos
sacramentos a todos os fregueses. O mantimento desse capelão ficava a cargo do Comendador.
Na data desta visitação, Pêro de Gouveia era ainda obrigado a nomear um tesoureiro para a
igreja.
2 – O Comendador devia manter e reparar a dita igreja, e quando nela se fazia alguma obra, os
moradores das Galveias dariam toda a serventia.
3 - Foi considerado inadmissível a inexistência dos Santos Óleos pelo que ordenaram ao
Comendador que adquirisse uma buceta de madeira e umas âmbulas de estanho. Pêro de Gouveia
deveria, ainda, prover à construção de umas portas com fechadura e chave, no armário situado na
parede da capela, da parte do evangelho, para aí estarem guardados os Santos Óleos.
4 - Uma vez que não havia tesoureiro nas Galveias foi ordenado ao Comendador que,
anualmente, pela Páscoa, mandasse buscar os santos óleos.
5 – Foi ordenado ao Comendador que comprasse uns ferros para fazer hóstias, uma vez que
sempre que o capelão permanecia na igreja era obrigado a ir a outras localidades buscar as
hóstias, e, complementarmente, forneceria uma buceta de pau para guardar essas mesmas hóstias.
6 – Foi ordenado ao Comendador que colocasse dois frontais de pano da Índia nos dois altares do
cruzeiro.
7 –De igual forma Pêro de Gouveia deveria mandar comprar um livro com os ofícios de baptizar,
ungir e encomendar os finados.
8 – Foi ordenado ao Comendador que colocasse uma pia de pedra, com cobertura de pau, para a
água benta, porque a que existia estava quebrada.
9 – Foi ordenado ao Comendador que mandasse colocar na igreja uma pedra de ara porquanto,
em consciência, não era recomendável dizer-se a missa com 2 pedras pequenas que, embora
encaixadas numas tábuas de pau, se apresentavam demasiado pequenas.
10 – Foi ordenado ao Comendador que comparasse uns corporais para que, quando estivessem
sujos, se pudessem mandar lavar os que existiam na altura, bem como duas galhetas de estanho e
uma bacia de arame para a oferta.
11 - Qualquer pessoa que tivesse uma dívida para com a Igreja e a pagasse, bem como qualquer
dádiva recebida para este local de culto deveria ser destinado à compra de 1 cálix de 460gr. para
servir na igreja.
Hospital.
Situado na rua principal, era constituído por 2 casas, a saber, a casa dianteira e o celeiro, com
paredes de taipa erguidas sobre alicerces de pedra, e cobertas de cortiça. Partiam do Levante com
casas dos herdeiros de Inês Afonso, e do Poente com casas de Pero Duarte e do Norte com rua
pública, e do Sul com a referida rua principal.
Foram identificados os seguintes pertences deste hospital: duas cobertas d’almafega, três cabeças
de lã muito velhos, rotos e mal-cheios e dois enxalmos de manta da terra e uma esteira de tábua.
Eram explorados, em proveito deste hospital, algumas propriedades (maioritariamente terras de
pão), as quais tinham sido deixadas ao hospício em testamento.Os visitadores constataram que o
respectivo rendimento era dispendido, de acordo com um costume antigo, num bodo que se dava
em honra de S. Domingos, organizado pelos confrades da confraria do mesmo nome. Sucedia, no
entanto, que a supracitada confraria se regia por certas cláusulas e condições, contidas no
respectivo compromisso, que foram consideradas boas e santas, pelo que foram aprovadas. Mas,
no que tocava ao bodo, achou-se a medida incorrecta, por se gastarem as rendas das ditas
heranças, e a esmola dos confrades, em um único bodo anual, enquanto o hospital estava sem
roupa para se agasalharem os pobres e nem sequer dispunha de um hospitaleiro.
Esta situação, aparentemente inusitada, tinha todavia raízes profundas nas confrarias medievais.
E mesmo estas remontavam aos collegia romanos e ás guildas germânicas, mas tendo como
pressuposto dinamizador a doutrina cristã.
Em Portugal, as confrarias mais antigas, datavam do século XII. A Confraria de Fungalvás,
povoação do concelho de Torres Novas e talvez a da Bexiga, povoação de Paialvo, concelho de
Tomar, ou Santa Maria de Olaia, freguesia do concelho de Torres Novas, entre outras. Nos
compromissos mais antigos da vila de Torres Novas e seu termo trancreviam-se passagens
evangélicas que apelavam para a comunidade dos bens dos primitivos cristãos e para o amor
materializado em obras, que não apenas por palavras. Aliás eram os princípios da caridade cristã
que inspiravam e norteavam, dum modo geral, os redactores desses compromissos. E o
compromisso de uma Confraria não dependia, em princípio, duma vontade individual, antes
resultando de um acordo de vontades livremente deliberado pelos interessados. Na Confraria de
S. Bento de Torres Novas procedia-se à distribuição do pão e carne que os Confrades
cozinhavam no terreiro, enquanto na Confraria de S.to André de Montemor-o –Novo o termo
Confraria designava uma refeição comum. E, no compromisso do Salvador de Torres Novas,
chegava a declarar-se que o nome de irmandade ou Confraria só se justificava se houvesse
refeição comum.
Considera MACHADO que as Confrarias medievais " atestavam a persistência e o vigor das
solidariedades horizontais numa época em que as solidariedades verticais eram dominantes" .
De qualquer modo os visitadores, apesar de terem considerado que o supracitado bodo era
organizado por costume antigo da confraria de S. Domingos que tinha "çertas clausolas no seu
comprimisso todas samtas e booas (…) mandaram que todas se cumpriseme guardassem,
soomente o vodo acharam ser mal feito por se guastarem as rendas das eranças e a esmola dos
comfrades em hum vodo cada anno e o esprital estar desfalecido e sem roupa pêra se
agasalharem os proues ".
Neste entendimento ordenaram aos juízes que procedessem ao inventário e recolha dos pertences
do hospital que andavam dispersos, e as rendas não arrecadadas, mandando que as entregassem
ao mordomo da Confraria para se adquirirem novas e adequadas roupas de cama, e se nomeasse,
e pagasse, uma hospitaleira que velasse pelo dito hospital, provendo-a com lenha para o
aquecimento e azeite para alumiar os pobres que nele se acolhessem.
Eram duas concepções divergentes, em que a supracitada solididariedade horizontal se via
suplantada por um mais "moderno" conceito assistencial verticalmente imposto. Certamente em
benefício dos pobres, mas em detrimento da ágape anual que reunia fraternalmente os "um pouco
menos pobres" do povoado.
Localização Cultivo
Courela no Vale do Padrão, onde se chama a Pereira da Confraria, Terra de pão
Courela nos Penedos Gordos ___
Courela pequena aos Arrifes ___
Courela abarrocada da fonte ___
Courela no Vale das Mós ___
Courela dentro da demarcação da terra de duas dízimas Terra de pão
Courela de terra pequena na Portela de S. Saturnino ___
Courela de terra no Vale da Bezerra Terra de pão
Uma carta de 6 de Novembro de 1304, reproduzida na visitação em apreço, permite datar o início
do povoamento dos, então chamados Cabeços das Galveias, que, anteriormente a 1303,
pertenciam a Ermígio Afonso, cavaleiro, "dito Charrua",vizinho de Avis, bem como a seus filhos
Estêvão Ermigues e Estevaninha Ermigues.
Com efeito, 92 anos depois da Ordem ter recebido de D. Afonso II o lugar de Avis, o então
Mestre Lourenço Afonso, e respectivo Convento, escambavam com o antedito cavaleiro Ermígio
Afonso e seus filhos, os Cabeços das Galveias contra a granja da Torrejana. E, no seguimento
desta troca, a Ordem de Avis outorgava, pelo citado diploma de 1304, uma carta de foro
destinada a atrair moradores a essa área demarcada que, no diploma, passava a ser designada
como a Póvoa do Mestre.
Nesta carta os povoadores ficavam obrigados a pagar à Ordem de Avis, do sesmo da Fonte, duas
dízimas de pão na eira, e do vinho, azeite, linho, pomares, hortas e ferragiais dízimo a Deus. Não
deviam fazer vinhas nesse sesmo das duas dízimas, e os fornos de cozer pão pertenceriam à
Ordem. Era outorgado aos povoadores que tivessem seus alcaides, que deviam prestar juramento
ao Mestre ao Comendador-mor ou ao celeireiro da Ordem.
Como era usual, e a título de apelativo suplementar, tais povoadores ficariam isentos do fossado
e de todo o preito do dia durante um prazo de 10 anos, contados a partir da data da carta de
Póvoa, e os meirinhos e jurados de Avis ficavam impedidos de penetrar no interior da
demarcação. Ficava ainda vedada a criação, pela Ordem, de coutos dentro dos limites da
demarcação a que nos temos vindo a referir, com excepção daqueles que viessem a ser criados
pelos povoadores concertadamente com os moradores de Avis, ou partilhados com os moradores
de Seda.
Duzentos e dezasseis anos depois permanecia ainda em vigor a demarcação destas terras das
duas dízimas que, na visitação de 1519, abrangiam 67 hectares e grande parte das condições aí
expressas ainda tinham eco na implantação da ordem no local.
Assim, claramente expressa nas fontes do século XVI, a jurisdição deste lugar das Galveias e seu
termo pertencia à Ordem, tanto do cível como do crime, e a eleição dos juízes era feita pelo
ouvidor do Mestrado, bem como a eleição de um procurador do concelho não existindo outros
oficiais por pelouros.
Quando os juízes das Galveias eram eleitos deviam prestar juramento nas mãos dos Juízes da
vila de Avis, território a que as Galveias estavam dependentes hierarquicamente.
Na aldeia das Galveias não existia tabelião, nem escrivão que tivesse carta do Mestre, nem
ninguém que servisse algum ofício, recorrendo-se, assim, aos tabeliães e escrivães de Avis para a
ordenação dos processos necessários ao quotidiano deste lugar. As apelações dos juízes das
Galveias faziam-se necessariamente perante os juízes de Avis, local onde as partes envolvidas em
cada processo compareciam para o julgamento.
Já em termos de organização da propriedade na comenda, a fonte informa que a concessão de
terras em sesmaria ficava a cargo da Ordem e zelou-se para que as confrontações entre as
propriedades fossem demarcadas entre os vizinhos para evitar muitas porfias e discórdias a que
seguiam ódios e malquerenças. Neste sentido, todos os moradores que lavrassem em terras suas,
da Ordem ou de outros donos, deveriam deixar palmo e meio por lavrar, ficando assim uma linde
(ou marco) de 3 palmos para se identificar cada um dos possuidores.
Tratando-se de uma região onde a Ordem detinha fornos de pão, outra frequente causa de atritos
entre o povo e os Comendadores, em boa verdade, aqueles que existiam não eram suficientes
para a população. Com efeito, a visitação regista o facto de que se coziam duas e três fornadas de
pão, estando o forno apenas quente na primeira fornada, apurando-se igualmente que chovia
tanto na casa do forno que os moradores não tinham lugar para colocar o pão, nem, outras vezes,
para aí poderem permanecer enquanto o pão cozia.
Tentando prover a esta situação, os enviados de D. Jorge determinam a construção de fornos e
forneiras e lenha em abastança, e caso tal não se verificasse: «damos lugar que coza cada um o seu
pão onde lhe bem vier requerendo primeiramente os fornos da ordem e, não estando prestes por
míngua de alguma das sobreditas coisas, possa cozer em outra parte tal como fica dito».
A presença da Ordem como entidade senhorial ficava, também, marcada pela recepção das
rendas usufruídas na localidade. A este respeito, encontram-se enumeradas na fonte as seguintes
indicações: o dízimo do pão, do vinho, dos frangãos, dos gados, do azeite, dos queijos, do linho
dos poldros e burros, das favas, tremoços, e de todos os outros legumes, da lã das ovelhas e
carneiros, do mel e dos enxames, de todas as oblações e pé de altar da matriz, das conhecenças
dos moinhos.
Os proventos decorrentes da utilização dos fornos de cozer pão eram da Ordem, bem como o
pagamento da portagem e a renda da alcaidaria com os gados, bestas do vento e penas de armas,
estes auferidos pelo Comendador.
Os visitadores estimaram que somente estas rendas valeriam 35.000 reais, num universo
populacional de 60 vizinhos e, neste conjunto, 3 eram besteiros privilegiados o que, utilizando
um índice moderado de 3,6 (atentos os celibatários, viúvos e clérigos e a baixa densidade
populacional da comarca), poderia significar que a Ordem abarcaria sob sua jurisdição cerca de
216 indivíduos. Deste quantitativo, e excluindo os dados que poderiam ser fornecidos pelas
confrontações, os quais embora, respeitando a moradores – logo sob jurisdição da Ordem – não
indiciam qualquer vínculo contratual, apenas encontramos expressamente referidos cerca de 11
foreiros. Por seu turno, e de acordo com o numeramento de 1532, 13 anos volvidos, registavam-
se 72 moradores, dos quais 7 eram viúvas. Números que que parecem apontar para um
crescimento demográfico da ordem dos 8%.
Obviamente que, a implantação territorial nesta região, trazia para a instituição outro tipo de
proventos como teremos oportunidade de ver de seguida.
6.7.3. Dimensão Patrimonial.
Couto do concelho
O concelho tinha uma coutada para os seus bois de arado que foi demarcada por mandado dos
visitadores, sendo coimeira a todos os outros gados segundo as posturas do concelho. Estava na
posse do dito concelho o poder de a alargarem ou de a encurtarem.
Propriedade urbana
Quadro nº 237
Tipologia dos prédios urbanos
Medidas
Tipologia do prédio Sistema Decimal
Medievais Descrição Fólio
Localização Dimensão
(varas) m2
(metros)
2 casas com paredes de taipa erguidas
Casas entre a azinhaga do concelho e a 4,7 sobre alicerces de pedra e barro,
N/S 4,3 36,4 221
rua pública 7,7 cobertas de cortiça. A dianteira tinha
L/P 7
um portado com lumieiras de pau
N/S 4,5 4,95
Casas que serviam de estrebaria,
L/P 4,2 4,6 2 casas com paredes de taipa cobertas
pegadas com as antecedentes, e junto 40,3 221v
N/S 3,5 3,8 de cortiça, em muito mau estado
ao forno de pão
L/P 4,2 4,6
Casa em que se encontravam os fornos N/S 9,5 10,4 1 casa com paredes de taipa, cobertas
74,3 222
de cozer pão L/P 6,5 7 de cortiça
Propriedade rural
Quadro nº 238
Vinhas
Medidas Fólio
Tipologia do prédio
Localização Medievais Sistema Decimal
(varas) Dimensão (metros) m2/ha
N/S 62,7
Vinha no rib.º da Fonte N/S 57 3.380 223- 223v
L/P 54
L/P 49
N/S 75 N/S 82,5
Vinha no rib.º da Fonte 4.073 224
L/P 46 L/P 50,6
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 226
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 227
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 228
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 229
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 230
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 231
L/P 96 L/P 105
N/S 13 N/S 14,3
Courela de vinha 1.510 232
L/P 96 L/P 105
N/S 91 N/S 100 1,05
Terra junto ao cabeço do Galego 238
L/P 96 L/P 105 (ha)
3
Vasco Dias
Vinha no rib.º da galinha
da ___ 3 60 224
Fonte s
Murteira
Álvaro Álvaro
2
Eanes, Eanes,
galinha
Courela de vinha morador morador 3 40 226
s
nas nas
Galveias Galveias
2
Diogo
galinha 40
Courela de vinha Anes ___ 3 227
s
Calvo
2
Francisco galinha
Courela de vinha ___ 3 40 228
Jorge s
2
Pêro Pêro
Courela de vinha 3 galinha 40 229
Lourenço Lourenço
s
2
galinha
Courela de vinha Rui Pires ___ 3 40 230
s
2
Domingos
galinha
Courela de vinha Lopes ___ 40 231
s
Uma vez que a fonte nos permite aceder ao valor estimado de uma galinha seja-nos permitida
uma observação que, apesar de insólita, restituirá um pouco a dimensão dos 35.000 reais
orçamentados como renda da Comenda das Galveias.
Esta soma representaria qualquer coisa como 1.750 galinhas, que corresponderiam ao dispêndio
anual representado pela aquisição de 4,7 galinhas por dia, sem sobrar um real para os numerosos
encargos e despesas, correntes e extraordinárias, a que os Comendadores estavam obrigados.
Parece-nos provável que a detenção duma comenda desta natureza e escala, não representasse,
por si só, uma sinecura que justificasse um empenhamento particularmente activo por parte do
respectivo Comendador, mesmo tendo presente a relativa parcimónia das moradias de escudeiro-
fidalgo pagos pela Casa Real em tempo de D. Manuel I, e referidos por D. António Caetano de
Sousa, ou o montante das tenças pagas a familiares de D. Jorge pela Casa deste último.
Quadro nº 240
Hortas
Medidas Fólio
Tipologia Descrição/
Sistema Decimal
Localização Cultivo Medievais
Dimensão
(varas) m2
(metros)
2 zambujeiros
1 pereira e outras
Uma horta no rib.º N/S 19,8
árvores de fruto, N/S 18 958,3 233
da Fonte L/P 48,4
com valados e L/P 44
silvas
Quadro nº 241
Contratos sobre hortas
Quadro nº 242
Terras de Pão
Cerca de 19 anos após a visita efectuada ao lugar das Galveias pelo bacharel D. Frei Nuno
Cordeiro e por Frei João Rolão, novos enviados do Mestre de Avis regressavam á, agora já vila,
das Galveias. Desta feita tratava-se de Francisco Coelho cavaleiro da Ordem e Frei André Dias,
prior da igreja de Avis, que a visitavam na sequência das deliberações capitulares de Fevereiro de
1538 .
O lugar das Galveias, situado a duas léguas de Avis, e sob jurisdição da Ordem, encontrava-se
dentro do termo daquela vila, embora com o seu próprio termo delimitado, segundo referimos já.
O numeramento de 1532 não autonomiza esta aldeia, que aborda inserida no contexto da
supracitada vila de Avis . Nesta altura permanecia na mão de Pêro de Gouveia, fidalgo da casa do
Mestre e seu camareiro que, por não se encontrar presente, tal como sucedera em 1519, não foi
visitado, nem se viu o título desta sua comenda.
6.8.1. Dimensão Religiosa
Igreja.
A igreja de S. Lourenço encontrava-se da mesma maneira que fora assentada por ocasião da
última visita, razão pela qual não foi descrita. No entanto, cotejando as determinações de 1519
com as da presente visitação de 1538, é possível depreender que nem tudo o anteriormente
disposto havia sido cumprido e que alguns ordenamentos se limitavam a reiterar disposições
anteriores.
A natureza das reparações, aquisições e benfeitorias que, na visitação em estudo, foram
determinadas para a igreja de S. Lourenço de Galveias, mesmo tendo em atenção a modéstia da
renda da Comenda, inculca que o estado do templo não teria melhorado desde 1519 e que, além
disso, não obstante a existência de, pelo menos, uma visitação intercalar cujo teor
desconhecemos, algumas ordens não teriam sido integralmente cumpridas, ou mal executadas,
como veremos
A porta travessa estava tão velha que bastava o vento para a derrubar, encontrando-se
frequentemente caída no chão. Foi ordenado que se fizesse uma porta nova.
A campainha que servia à comunhão (desde 1519) estava quebrada e não tinha badalo, tendo sido
ordenado que a trocassem por uma nova. Neste contexto não parece particularmente
representativo que tenha sido determinada a aquisição de um par de castiçais pequenos, de cano,
para velas. Em contrapartida, a necessidade de se adquirir uma nova pedra d’ara, sob a alegação
de que a igreja só possuía uma, obriga-nos a regressar a 1519, ocasião na qual os visitadores
tinham ordenado a aquisição duma pedra de ara porquanto, em consciência, não era
recomendável dizer-se missa com duas pedras que, embora encaixadas entre tábuas de madeira,
eram demasiado pequenas. Dezanove anos volvidos a situação não se encontrava
satisfatoriamente resolvida.
Na mesma visitação de 1519 tinha sido determinado que se colocasse uma cobertura de madeira
na pia baptismal. Ignoramos se essa ordem alguma vez fora cumprida mas, por ocasião desta
visita de 1538, havia mudanças consideráveis. A pia de baptizar que encontraram estava
construída em alvenaria (tal como se encontrava em 1519) mas encontrava-se totalmente rota, de
tal modo que nela se não podia baptizar, porque assim que lhe deitavam água a vazava. Ora, já
fora ordenado ao Comendador em visitações anteriores (o que coloca a dúvida sobre a realização
de uma única visita intercalar) que colocasse uma outra pia de baptizar em pedra, o que não fora
cumprido, originando nova determinação sobre a mesma matéria " por ser coisa necessária
ordenaram ao dito comendador, sob pena de 1000 reais para o dito Convento que, no prazo de
um ano, contado a partir da publicação da presente visitação, mandasse colocar na igreja uma
pia de baptizar nova, em pedra, e coberta com a sua capa de pau fechada a cadeado".
Os visitadores de 1519 haviam concluído que em Galveias nunca tinham existido os santos
óleos, nem tão pouco existia sítio onde se guardassem, razão pela qual se baptizavam os meninos
e pagãos sem óleo, e depois o traziam os capelães, passando-se muito tempo antes de serem
ungidos .
Esta situação fora considerada inadmissível pelos mesmos visitadores, que haviam ordenado ao
Comendador que adquirisse uma buceta de madeira e umas âmbulas de estanho para se
guardarem num armário os santos óleos. Nesta visitação não apenas se encontraram os 3 santos
óleos, como estes se estavam efectivamente conservados em âmbulas de estanho limpas e boas,
encerradas numa caixa de madeira. No entanto os visitadores tinham constatado igualmente que,
na visitação prévia, tinha sido ordenado ao Comendador que mandasse fazer umas portas, com
fechadura e ferrolho, no armário pequeno que estava na capela-mor da igreja, para nele se
guardarem os santos óleos, o que não fora cumprido. E por parecer coisa necessária voltaram a
ordenar ao supracitado Comendador que, desta feita no prazo de 3 meses, mandasse consertar
esse armário da maneira indicada, ou se assim o preferisse, que comprasse uma arca pequena
para guardar os ditos óleos
Em 1519 os visitadores haviam ordenado aos juízes que tomassem contas a todas as pessoas que
traziam, ou deviam, alguma coisa que pertencesse à igreja de S. Lourenço, assim como o que
deixassem os defuntos, ou de qualquer outra proveniência, e de tudo o que achassem pertencerer
ao bem-aventurado santo se compraria 1 cálice de 460gr. para servir na dita igreja,(o que já tinha
sido cumprido em 1538, embora desconheçamos o peso do novo cálix), e tudo o que sobejasse se
gastaria na fábrica do templo, naquilo que ao capelão parecesse mais necessário. Isto por mão do
recebedor da fábrica sendo-lhe primeiramente entregue perante o seu escrivão.
Em 1519 registava-se que uma Iria Martins tinha deixado em testamento a esta igreja uma terra
de pão que levava de semeadura 83 litros de trigo situada dentro da demarcação de uma herdade
no Vale do Galgo que, nesta ocasião, pertencia a João Fouto, o qual entregava 34,5 litros de trigo
macho bom e de receber, pago ao manposteiro e recebedor da igreja de S. Lourenço para ser
empregue na sua fábrica.
Em 1538 esta renda tinha diminuído para 27,6 litros de trigo anuais provenientes da mesma
herdade do Vale do Galgo, e pagos pagos pelo possuidor da dita herdade, arrecadando-os o
recebedor da dita fábrica.
Em 1538 todas as pessoas que se enterravam dentro da igreja pagavam pela sua sepultura 300
reais para a fábrica, ou uma peça equivalente a esse valor. Este preceito, que já encontrámos
anteriormente referido noutras terras da Ordem, teria ficado estipulado numa visitação intercalar,
dado que não se encontra alusão a ele em 1519.
Quadro nº243
Prata da igreja
Quadro nº244
Vestimentas da igreja
2 frontais de pano de estopa e Frontal de cetim verde falso com Foi ordenado que se Trata-se de um novo
sobre a substituição deles barras de veludo carmesim adquirissem 2 frontais fontal
incidiria a determinação de pano da Índia para
os altares do cruzeiro
___ 1 frontal de pano da Guiné já ___ Trata-se de Um novo
usado fontal
___ manta da terra que serve de frontal ___ Trata-se de Um novo
fontal
___ outro frontal de pano de reposteiro ___ Trata-se de Um novo
fontal
Comparando as existências em 1519 e 1538 verificaremos que, na última data, restavam ainda,
do acervo de 1518, uma vestimenta e um bancal, tendo entretanto sido adquiridos uma nova
vestimenta de pano da Guiné e quatro novos frontais. Como as determinações de 1519 apenas
previam a aquisição de 2 frontais de pano da Índia para os altares do cruzeiro, admitimos que
tivesse existido, pelo menos, uma visitação intercalar em que tivesse sido ordenado o
remanescente das aquisições
Quadro nº245
Roupa de linho da igreja
__
4 lençóis bons de estopa Lençol de linho __
__
___ 2 toalhas de pano da Índia __
Ignoramos se,
3 toalhas lavradas de ponto 4 toalhas e 1 pano lavrados de entretanto, se comprara
__
real seda com lavores antigos outra , ou se seriam
novas toalhas
Alva 2 camisas de linha de S. Sebastião __ __
__
__ 2 panos da Índia listrados __
Determinaram que se
Caixa de madeira pintada, não mandassem comprar A caixa de madeira
se encontram referidos 3 corporais de Holanda numa uns corporais para se pintada seria
quaisquer corporais, a despeito caixa de madeira pintada poderem lavar os que provavelmente a
do teor da determinação existiam quando mesma
estivessem sujos
__
Batistilha de seda __ __
Quadro nº246
Livros da igreja
Quadro nº247
Latão, cobre e coisas miúdas
A única alteração verificada desde 1519 era a nova obrigação que o Comendador tinha de
comprar à sua custa os santos óleos.
Hospital
O hospital do lugar das Galveias, que permanecia na rua principal e continuava a ser constituído
por uma casa dianteira e celeiro, encontrando-se tal como ficára assentado na visitação passada, e
tinha as heranças nela declaradas.
Era nesta ocasião hospitaleira Maria Álvares, viúva de Gonçalo Martins, a qual vivia nas casas
do hospital e tinha o cuidado de agasalhar os pobres que a ele vinham. A existência desta
hospitaleira tinha sido determinada na visitação de 1519, em complemento de uma reavaliação
dos activos e dívidas à instituição, e duma ordem para a aquisição de roupas, fornecimento de
azeite para iluminação e lenha para aquecimento.
Acabámos de verificar que, não obstante registar a existência de uma hospitaleira (no
cumprimento da determinação de 1519), a indiciar que a situação detectada há 19 anos, de
"desvio" dos redimentos do hospital para um bodo anual realizado pelos confrades de S.
Domingos, poderia ter ficado resolvida, no entanto o laconismo da visitação em estudo nada
mais deixa concluir neste passo .
Mas as determinações de 1538 vêm lançar ainda alguma luz sobre a real situação do hospital da
Galveias, embora não nos elucidem sobre o grau de cumprimento daquilo que em 1519 havia
sido ordenado no atinente à "auditoria" às suas contas e "reequipamento" preconizado.
Com efeito, em 1538, as casas do hospital encontravam-se destelhadas nalguns sítios
evidenciando a necessidade de serem cobertas, razão pela qual os visitadores mandaram aos
mordomos do hospital que mandassem telhar as ditas casas com telhas e pôr-lhe a madeira
necessária. Estes trabalhos seriam financiados com o rendimento das heranças do hospital, no
prazo de um ano, sob pena de 1.000 reais para a fábrica da igreja.
Parecem comprovar-se as limitações da eficácia assistencial dos hospitais sob tutela da Ordem.
Tanto mais que, muito embora o lugar das Galveias fosse pequeno e pobre, se encontrava
adjacente ao termo da vila de Avis, cabeça do Mestrado.
1. Sinalética da Ordem
Tal como já havíamos constatado a propósito de Cabeço de Vide, mas nunca anteriormente,
entenderam aos visitadores ser conveniente colocar-se a cruz da ordem na igreja e nas casas
próprias que o Comendador possuía, para que se soubesse sempre que pertenciam à Ordem.
Neste sentido ordenaram a Pêro de Gouveia que, no prazo de 6 meses contados a partir da
publicação desta visitação, mandasse colocar a cruz da Ordem, esculpida em pedra, sobre a porta
principal da igreja e nas casas do Comendador.É certo que, à precisa fixação de seis meses de
prazo, não correspondia qualquer coima específica, talvez uma omissão involuntária, mas não
temos dúvida em que o sublinhar daquilo que consideramos corresponder a uma heráldica de
domínio coincidia com uma intenção de reafirmação de autoridade que já havíamos constatado
por ocasião da visita a Cabeço de Vide.
Tem vindo a ser usual o apuramento da proveniência do azeite e da cera utilizados na iluminação
das igrejas da Ordem, bem como a respectiva incumbência não se encotrando sempre consagrada
a função de uma candieira responsável por essas matérias. Verificamos ser normal a existência de
círios de vária dimensão, tanto destinados a serem acesos, com parcimónia, à elevação da hóstia
nas missas dominicais e festas dos vizinhos, como nas cerimónias das confrarias.
De um modo geral trata-se de um assunto que não colocava problemas de maior. Mas nesta
visitação ás Galveis constatou-se que não havia velas para as missas do dia, que se diziam pelo
povo aos domingos e dias santos, rezando-se as mesmas à luz dumas candeias muito pequenas
que o recebedor da fábrica para isso dava.
Em consonância com a prática comprovada nas outras igrejas foi julgado que era necessária a
existência de velas para as cerebrações acima indicadas, tendo os visitadores ordenado ao
antedito recebedor da fábrica que, daí em diante, comprasse, com o dinheiro da fábrica, as velas
que fossem necessárias para as missas, sob pena de 1.000 reais para a mesma fábrica. Do mesmo
modo daria o mesmo recebedor todo o incenso necessário para os ditos domingos e festas sob a
mesma pena.
De igual modo os visitadores verificaram que não havia velas para o ofício de trevas , bem como
para o sepulcro, quando encerravam o senhor (Quaresma e Páscoa da Ressurreição) e muitas
vezes se faziam os ofícios sem elas, e o Santíssimo Sacramento alumiava-se com azeite, se para
isso era dado. Perante esta situação, aliás condizente com a anterior, ordenaram ao recebedor da
fábrica que anualmente, e com o dinheiro dela, comprasse as velas, bem como meia dúzia de
velas grandes, boas para estarem acesas perante o sacramento enquanto estiver encerrado. Para
evitar desperdícios e desencaminhamentos o supracitado recebedor tornaria a recolher as ditas
velas logo que acabassem de ser utilizadas.
Agravaram-se algumas pessoas que tinham vinhas e hortas dentro do couto do concelho, dizendo
que lhas danificam com os bois da boiada e outros gados que lhes entravam dentro, apesar de
estarem avaladas, e que os juízes e oficiais não queriam julgar as coimas pelas posturas do
concelho. E por estes motivos deixavam perder as ditas vinhas e propriedades e as não queriam
aproveitar. Os visitadores, querendo remediar esta situação atendendo ao que tocava ao bem
comum, e evitar que se perdessem as benfeitorias da terra, ordenaram aos juízes e oficiais da vila
que, nos casos em que essas pessoas tivessem as vinhas e hortas avaladas em roda, com valas da
altura de um homem, e barbados, lhes julgassem as coimas pelas posturas do concelho porque,
estando tapadas do modo que ficava dito, essas heranças passariam a ser coimeiras, o que
implicava que uns avaladassem as ditas propriedades e os mais as respeitassem, uns e outros sob
pena de 1.000 reais para a fábrica da igreja.
Alguns mortórios de vinhas da Ordem encontram-se perdidos e quase em mato por terem
morrido as pessoas a quem haviam sido aforados, não havendo herdeiros nem pessoas que
sucedessem nos respectivos títulos, de modo a que pudessem ser obrigados a tratá-los e a pagar
os respectivos foros. Perante esta situação os visitadores ordenaram ao Comendador que tivesse
cuidado de as aforar por um foro honesto em fatio sim perpétuo a pessoas que deles cuidassem,
uma vez que estava tudo maninho e em mato.
Recuando até ás medidas sumárias e executivas que os mesmos visitadores tinham adoptado em
relação à ausência de títulos e contratos irregulares em Cabeço de Vide e Alter Pedroso, e
constando que nos encontramos perante uma simples recomendação, sem prazo nem coima,
interrogamo-nos sobre a possibilidade de terem existido "dois pesos e duas medidas".
A visitação foi informada que visitadores passados, bem como os sesmeiros da Ordem, tinham
dado de sesmaria pedaços de terra ao redor da vila para neles se fazerem vinhas. Tal não veio a
suceder, e essas terras encontravam-se ocupadas, sem que nelas tivesse sido realizada benfeitoria
alguma. Os visitadores determinaram, que as pessoas a quem tinham sido dadas essas sesmarias
aproveitassem as ditas terras em vinhas no prazo de um ano, uma vez que fora com esse
objectivo que tinham sido dadas, porém, se o não cumprissem, uma vez esgotado o dito prazo, o
sesmeiro da Ordem tornaria a distribuir essas terras em sesmaria a quem as pedisse.
Jurisdição da ordem
Em relação áquilo que, na visitação de 1519, tinha ficado escrito sobre este ponto acrescentou-se
apenas que as sesmarias da vila e seu termo eram dadas pelo Comendador ou visitadores da
Ordem, ou pelo sesmeiro designado pelo Comendador, uma vez que tal era o costume.
Estranhamos esta omissão porquanto, tendo sido elevado a vila o antigo lugar das Galveias, seria
natural que os vínculos estreitos que a subjugavam ao concelho de Avis, minuciosamente
enumerados na visitação de 1519, tivessem dado lugar a uma nova autonomia, o que
parcialmente já se verificava, por exemplo, com a existência de um tabelião próprio nas
Galveias, coisa que antes não sucedia. Mas não é possível esquecer que a elevação à categoria de
vila ocorrera escassos meses antes, e que a omissão a que nos reportamos pudesse ser
intencional, encontrando-se as Galveias na expectativa de regulamentação sobre esta matéria.
A enumeração das rendas e direitos da Ordem de Avis na vila das Galveias não divergia em 1538
da listagem que ficara anotada em 1519. No entanto, se, nesta última data, o total das rendas da
Ordem tinha sido estimado em 35.000 reais, desta feita ficou registado que os visitadores tinham
avaliado as rendas da Ordem em 50.000 reais/ano, em salvo para o Comendador, valor pelo qual
se encontravam arrendadas por três anos. Se considerado isoladamente, este acréscimo da ordem
dos 30% poderia resultar da conjugação de uma taxa de inflacção que se começava a fazer sentir
com uma nova arrematação (mais vantajosa) dessas mesmas rendas. Mas sucede que, nesse
período de cerca de 19 anos, a população da vila, inicialmente cifrada em 60 vizinhos, aumentara
em 1532 para 72, e em 1538, para 100 vizinhos, um importante crescimento populacional que
poderia apontar para um surto de prosperidade, contrastando com os indícios de incúria e
abandono que julgamos ter vindo a evidenciar.
Propriedade urbana
Uma vez que a fonte em estudo não refere medidas, para tentar avaliar com um mínimo de
nitidez se ao crescimento populacional verificado no período intercalar teria correspondido um
aumento da área habitacional edificada pertencente à Ordem, passaremos a comparar os mapas
de situação correspondentes a 1519 e 1538.
Quadro nº 248
Tipologia dos prédios urbanos 1519-1538
Medidas
Tipologia Descrição/
1519 1538 Sistema Decimal Fólio
Localização Cultivo Medievais
Dimensão
(varas) ha
(metros)
2 casas com paredes
de taipa erguidas
Casas entre a sobre alicerces de
azinhaga do pedra e barro, N/S 4,3 4,7
X X 36,4 221
concelho e a rua cobertas de cortiça. A L/P 7 7,7
pública dianteira tinha um
portado com
lumieiras de pau
2 casas com paredes
de taipa cobertas de
cortiça,
Casas da Ordem encontravam-se em N/S 4,5 4,95
junto ao forno de pão muito mau estado, L/P 4,2 4,6
X X 40,3 221v
ficavam que serviam mas vivia nelas N/S 3,5 3,8
de estrebaria Vasco L/P 4,2 4,6
de Gouveia, irmão
do
Comendador
Paredes de taipa,
Casa em que se cobertas de cortiça,
encontravam os na posse do
N/S 9,5 10,4
fornos de cozer pão, Comendador, X X 74,3 222
L/P 6,5 7
pegada com as encontravam-se
estrebarias arrendadas com a
renda principal
Casa de forno para a
Casa nova em que se qual o comendador
encontravam os Pedro de Gouveia
C 10,5 11,5
fornos de cozer pão, mandara passar um X 57,5 84v-85
L 4,5,5 5
que ficava no cabo dos fornos, porque
da vila antes ambos numa só
casa
Da comparação entre os dois quadros ressalta que a única edificação efectuada por iniciativa da
Ordem (aliás decorrente das determinações de 1519 provocadas pelos agravos do povo) ao longo
dos 19 anos em apreço foi a casa que albergava o forno novo da Ordem, construída no cabo da
vila.
Propriedade rústica
Coutada da Ordem
Parece importante referir esta coutada uma vez que a fonte em estudo a menciona como
encontrando-se demarcada no tombo da ordem feito pelos visitadores D. prior e prior de Vila
Viçosa. Se tivermos presente que a visitação de 1519 fora efectuada pelo bacharel e chantre D.
Frei Nuno Cordeiro, prior mor do convento de Avis, prior e beneficiado de S. João de Coruche, e
por frei João Rolão, prior de vila Viçosa, que efectivamente tinham realizado um inventário das
heranças e propriedades da Ordem, somos levados a concluir que tendo-se realizado (ou não)
visitações intercalares, o tombo de referência permanecia o de 1519.
Do conteúdo daquilo que os visitadores de 1538 designaram ambiciosamente como Tombo das
eranças e propryedades que a ordem em esta vylla das galveas parece ressumar um clima de
certa letargia, de tal modo são escassas, e irrelevantes, as mudanças anotadas durante o período
intercalar .Encontrava-se apenas o registo de que a Ordem tinha uma terra de pão detrás da
igreja, que se chamava o Castanheiro, outra terra de pão que entestava com o Rossio e chegava
até ás casas, outra terra de pão que estava junto das casas do lugar e entestava na coutada e no
Rossio, uma outra terra de pão ao longo dos Murtais, ao pé da cabeça do Vivião, uma courela
pequena que ficava além do curral do concelho e, finalmente, uma terra de pão grande, onde se
chamava a Serra.
Acrescentava-se que as propriedades referenciadas estavam demarcadas e medidas no tombo da
Ordem feito pelo D. prior e prior de vila Viçosa, tendo-se verificado que as demarcações
encontradas coincidiam com as constantes no antedito tombo, que permaneciam propriedade da
Ordem, e que o Comendador dava por sua mão a quem queria, recolhendo a ração e os dízimos
delas.
Anotavam-se algumas sucessões e alterações contratuais: por exemplo na horta que ficava no
vale das hortas sucedera em 2.ª vida Luís Coelho, morador nas Galveias, por nomeação que nele
fizera, em testamento, Fernão Dias, seu pai, mantendo-se o foro estipulado em 1519. E que, a
Leonor Fouta, tinha sido aforada de novo uma vinha emprazada em 3 vidas, da qual pagaria de
foro 80 reais ou 3 galinhas.Ou também que António Gonçalves trazia aforada em fatiosim
perpétuo, por título de aforamento que na ocasião novamente lhe fora feito, um vinha e mato da
Ordem da qual pagava 2 galinhas.
Registava-se que uma terra da Ordem que os visitadores de há 19 anos tinham dividido e aforado
em 6 courelas de vinha, e na ocasião se encontrava em mato maninho, permanecia em
mortório,.sucedendo que alguns dos ditos foreiros já tinham falecido sem herdeiros. Mas, embora
registassem a ocorrência, os visitadores de 1538 não tinham tomado qualquer decisão sobre o
assunto.
Alegaram os visitadores que no tocante ao remanescente das propriedades que a Ordem possuía
na vila das Galveias não as tinham feito assentar na presente visitação por estarem registadas e
descritas no já supracitado tombo da ordem feito pelo D. prior e prior de vila Viçosa, e as
trazerem e possuírem as mesmas pessoas a que foram aforadas, sem nelas haver inovação.
Depois de apresentada a estrutura base em que assentava a gestão das comendas em estudo,
certamente que a composição sociológica desta ordem militar nos aparecia como o passo a seguir
para complementar a nossa investigação.
Como é evidente, num universo desta natureza e havendo estudos prévios onde a dimensão
sociológica ficou, desde logo, mais detalhadamente tratada, era óbvio que a nossa preferência
recaísse na gestão, pese embora o enorme atractivo que a segunda dimensão apontada concentra
em si mesma.
Assim, cremos que se justifica de uma forma natural a necessidade sentida em privilegiar
abordagens enquanto que outras ficam relegadas para ocasiões futuras. Nesta última situação
podemos incluir os dados que estas mesmas fontes da Ordem de Avis nos dão para conhecer
quem de mais de perto supervisionava o governo da instituição. Ora, na impossibilidade de
procedermos a uma análise detalhada de todos aqueles cuja presença se detectou no estudo das
fontes, optámos por uma breve incursão pelos Furtado de Mendonça, uma família que nos serve
o propósito de experimentar uma metodologia a aplicar futuramente em outros casos. Não é
alheia a esta escolha uma situação claramente irrefutável na qual é forçoso notar uma
“colonização" da Ordem de Avis (e, também, de Santiago) pelos mais importantes titulares desta
família. Mas não somente por esta razão. Acontece também que, a despeito da veracidade do
argumento anterior, estes personagens acabam por aparecer extremamente relacionados com o
universo patrimonial estudado, como ainda veremos em detalhe, factor que ajudou ainda mais a
validar esta nossa opção.
Desta forma, já os resultados da investigação realizada por PIMENTA sobre as Ordens de Avis e
Santiago durante o Mestrado de D. Jorge induziram-na a constatar que uma boa parte do
"travejamento humano" destas milícias passou a repousar sobre a parentela materna deste
Mestre. E, acrescentaremos nós, que, paralelamente, não parece exagero considerar-se que a
ascenção social e política desta família ganhou novo, e decisivo fôlego, mercê das dignidades e
proveitos granjeados no seio destas duas milícias, não obstante alguns dos seus membros terem
ingressado, durante o período em apreço, na Ordem Militar de Cristo. A mesma historiadora
tinha já iniciado a divisão de dois diferentes ramos desta família pelas duas milícias, ramos esses
iniciados com dois tios maternos de D. Jorge: António Furtado de Mendonça na Ordem de Avis,
e Jorge Furtado de Mendonça na de Santiago.
Em boa verdade, como aflorámos já, o ingresso da família de D. Ana de Mendonça nas Ordens
Militares não se iniciou com o Mestrado de D. Jorge. Para não mencionar membros da linhagem
dos Furtado que, ainda na primeira metade do século XIV, eram freires e Comendadores da
Ordem de Santiago, mas cuja exacta relação de parentesco com o capitão Afonso Furtado, bisavô
de D. Ana não foi ainda seguramente estabelecida, referiremos, para já, apenas dois exemplos
ainda situados na geração dos tios de D. Ana de Mendonça: na Ordem de Santiago Duarte
Furtado de Mendonça, tio de D. Ana, falecido em 1494, havia sido Comendador do Torrão da
Ordem de Santiago desde, pelo menos 1483, e Pedro de Mendonça, igualmente tio de D. Ana, foi
escrivão dos contos do Mestrado de Santiago, recebendo uma tença, em 28 de Agosto de 1477,
quando se encontraria ligado à Ordem de Avis, que premiava a sua actuação na batalha de Toro,
integrado nas forças do Príncipe-Herdeiro D. João.
Se nos detemos com alguma minúcia nos ascendentes maternos do Mestre D. Jorge, Duque de
Coimbra e temporário candidato ao trono português, é com o intuito de ajudar a compreender
quais as razões que nos levaram a admitir que a linhagem de D. Ana poderá ter sido objecto da
"reconstrução promocional" mais adequada - dentro do quadro das mentalidades do seu tempo -
à mãe dum candidato ao trono, e que logicamente permitiria a cronistas como RESENDE
definirem-na, com enfática conveniência, como "de Dona Ana de Mendoça, molher muyto
fidalga, e moça fermosa de mui nobre geração". Mas também, observando a evolução destes
descendentes dos alvazis de Frielas, constatar que, ao invés do que entenderam determinadas
correntes de opinião, D. Manuel I manteve, desde início, uma relativa "neutralidade" no que se
refere à gestão da "componente humana" das ordens de Avis e Santiago, permitindo que o Mestre
D. Jorge se rodeasse, e como que escudasse, numa pequena multidão de parentes.
E verificar que outros tios-avós maternos do Mestre D. Jorge deram origem a ramos desta família
que, tendo gozado da confiança sucessiva de D. Afonso V e D. João II, a mantiveram sob D.
Manuel I, a cuja Casa pertenceram, e desenvolveram carreiras que não se encontrando
sistematicamente enfeudadas às ordens de Avis e Santiago se assemelham aos percursos normais
da nobreza de corte durante a primeira metade de Quinhentos.
Quer-nos parecer que é esta a altura adequada para esta "incursão genealógica" que pretendemos
ilustrativa, uma vez que, como veremos, uma parte substancial do governo de D. Jorge passará
pela colaboração dos seus tios e primos maternos, afinal os únicos parentes "confiáveis" de que
dispunha.
I – Afonso Furtado, terá nascido ao redor de 1347 e terá sido admitido ao serviço de D. Pedro I
cerca de 1357, o facto de ter sido criado pelo monarca poderá indiciar, em tese, que fosse filho de
um vassalo régio. Em 12 de Junho de 1369 documenta-se como estando já casado com Maria
Miguéis. Esta, a primeira mulher documentadamente conhecida do capitão-mor do mar de D.
João I, viria a morrer em 1401, sendo sepultada na capela de Santa Maria do Paraíso, anexa à
igreja de Santo Estêvão, em Lisboa .
Encontramos, num rol dos foros que se pagavam ao mosteiro de Lorvão, escrita em letra da
segunda metade do Século XIV, referência a uma Maria Nicolas, ama de Afonso Furtado,
morador em Lisboa .
Muito embora o Livro de Linhagens do Século XVI refira este Afonso Furtado como
" … huum fidalgo homrado em tempo del rey Dom João e del rey Dom Pedro e del rey Dom
Fernando" sempre o encontramos referido em fontes primárias como vizinho de Lisboa, vassalo
d’el rei, escudeiro, ou nomeado pelos cargos e funções que, sucessivamente, desempenhou.
Mas nunca como fidalgo, entre as mercês que os monarcas lhe foram fazendo, pelo menos
naquelas que chegaram até nós, não se encontra a doação, ou confirmação de nenhum senhorio.
Em 1370 terá integrado, juntamente com Estêvão Vasques Filipe, um contingente de tropas que,
no quadro da primeira guerra fernandina, terá defendido Cidade Rodrigo contra um exército
castelhano.
Este Estêvão Vasques Filipe, militar que desempenhou um papel de relevo no terceiro quartel do
século XIV , acompanhou durante a sua vida carreira de Afonso Furtado·, sendo admissível quea
sua primeira mulher, Maria Migueis, fosse tia da mulher de Estêvão.
Em 2 de Novembro de 1375, data em que o casal, residindo em Lisboa, deu em escambo todos
os direitos e propriedades que tinha na Fonte Santa (Lumiar, concelho de Lisboa) contra duas
courelas de vinha no logo da Ameixoeira (idem, ibidem), Afonso Furtado surge, já não apenas
como escudeiro e vassalo d’el rei, mas também como anadel-mor (dos besteiros do conto).
O que significa que ascendeu ao desempenho dessas funções ainda no reinado de D. Fernando I,
e que talvez fosse já anadel-mor dois anos antes, por ocasião do cerco que Henrique II fez à
capital do reino, hipótese que implica o seu profundo envolvimento nos conflitos do reinado.
Poderá comprovar esse envolvimento o facto de que ainda exercia essas funções em 7 de Junho
de 1381, data em que nomeou João Esteves porteiro dos besteiros do conto.
Em 1382, por ocasião do episódio ocorrido no Paço dos Estaus, em Évora, no seguimento da
prisão de D. João, mestre de Avis, e de Gonçalo Vasques de Azevedo, Afonso Furtado toma o
partido do futuro D. João I, iniciando uma colaboração que durará toda a sua vida.
Essa aposta política revelar-se-á correcta e a dedicação será reconhecida e recompensada pelo
monarca, como teremos ensejo de ver. E esse reconhecimento régio determinará, como sucedeu
com as famílias de outros servidores do rei da Boa Memória, o início da ascensão social da
linhagem em que viria a nascer D. Ana de Mendonça, mãe do mestre D. Jorge.
Em 12 de Setembro de 1383, já num clima de perturbação da Ordem Pública, Afonso Furtado e
Estêvão Vasques Filipe foram designados pelo concelho de Lisboa para exercerem as funções de
meirinhos, encarregados do policiamento da cidade: O rei confirmaria a nomeação na data em
epígrafe .
Nesse mesmo ano, após a morte de D. Fernando e estando em Alenquer, D. Leonor Teles enviou
João Afonso Nogueira a Lisboa com a missão de testar fidelidades. Mas, segundo relata o
cronista, este encontrou Afonso Furtado e Fernão Vasques Filipe muito mudados e reticentes,
pelo que não terminou a missão de que teria sido incumbido, refugiando-se no castelo com um
punhado de escudeiros .
A 13 de Março de 1384 um exército de D. João I de Castela saíra de Santarém e fizera alto em
Óbidos, aguardando notícia da chegada da sua frota ao Tejo. Pretendia fechar o cerco a Lisboa
com um bloqueio marítimo, impedindo o reforço e abastecimento da cidade. Eram conhecidas a
intenções do monarca castelhano, e o mestre de Avis, já intitulado defensor e regedor do reino,
tinha encarregado D. Lourenço, arcebispo de Braga, de mandar aparelhar, tão rapidamente
quanto possível uma esquadra. Missão que o enérgico prelado levou a bom porto.
Em 14 de Maio, Afonso Furtado, que comandava a galé Santa Clara, integrada na flotilha de sete
naus e doze galés reunida e aparelhada pelo arcebispo de Braga, e capitaneada por Gonçalo
Rodrigues de Sousa , alcaide-mor de Monsaraz, zarpou para o Porto para recolher reforços, umas
vez que corria notícia do avanço das tropas de Castela. Fernão Lopes menciona-o entre aqueles
que desembarcaram para dar combate ás forças galegas e portuguesas, sob o comando do
arcebispo de Santiago, que sitiavam aquela cidade que se encontrava em situação critica.
Repelida a força sitiante procedeu-se ao armamento e equipamento das embarcações fundeadas
no Douro, foi contraído um empréstimo e reunidas provisões destinadas ás tropas leais ao mestre
de Avis.
A flotilha das galés, a que pertencia Afonso Furtado, dirigiu-se depois para a Galiza sob o
comando do conde de Trastâmara, onde desenvolveu diversas acções militares, e a 17 de Julho
lançava ferro em frente a Cascais.
De 18 de Junho até, pelo menos, o final de Agosto desse ano de 1384 Afonso Furtado, como é
conhecido, contava-se entre os defensores da cidade de Lisboa, tendo-se salientado a 27 desse
último mês, no decurso de um ataque das tropas sitiantes ás galés portuguesas varadas na praia
que é descrito por Fernão Lopes.
A gratidão de D. João I não se fez esperar, a 9 de Outubro desse mesmo ano fez-lhe doação de duas
quintas, na Ulmeira e na Telhada, curiosamente confiscadas ao mesmo Gonçalo Vasques de
Azevedo que em 1382 havia sido preso em Évora com o, à data, mestre de Avis, como acima
mencionei. Juntavam-se a estas quintas uma terceira, no Lumiar, onde Afonso Furtado possuía já
bens de raiz, confiscada esta a Vasco Porcalho.
E os termos em que se encontra redigida esta doação em satisfação de serviços prestados parecem
inequívocos "por nos ajudar a defender que não caíssem estes reinos em sujeição d’el rei de
Castela e querendo conhecer e galardoar ao dito Afonso Furtado com graças e mercês ".
Em Abril de 1385 participou nas cortes de Coimbra. Na sequência destas Estêvão Vasques Filipe
sucederá a Afonso Furtado no cargo de anadel-mor dos besteiros, funções que desempenhou até à
sua morte ocorrida em 1394, enquanto este último se vê nomeado capitão do mar. A partir de
1394, depois da morte de Estêvão Vasques Filipe, Afonso Furtado acumulará este cargo com o de
anadel-mor dos besteiros que, recorde-se, tinha detido pelo menos entre 1375 e 1385.
Miguel Gomes Martins, no seu já referido trabalho sobre Estêvão Vasques Filipe, inclina-se a que este
último ofício só tenha sido exercido nominalmente por Afonso Furtado, sendo as respectivas funções
desempenhadas, na prática, por um seu sobrinho chamado Vasco Fernandes de Távora.
Pelo texto das Ordenações Afonsinas, que transcrevem alguns diplomas do reinado de D. João I,
verifica-se que, em Novembro de 1410, este monarca nomeou Vasco Fernandes (que aí figura como
Távora), referido como nosso vassalo e sobrinho de Afonso Furtado nosso Capitam e Anadel Moor, e
João de Basto, apontador e escrivão dos besteiros do conto. Mas nesse mesmo diploma refere-se
expressamente que " O Nosso Capitam e Anadel Moor sele com o seu selo" todas as cartas e alvarás
respeitantes aos besteiros do conto, e leve do dito ofício, "todalas proees e dereitos".
Alguma razão assistirá a Miguel Gomes Martins. De facto, pelo menos até 1410 (Afonso Furtado
andaria já pelos 63 anos), parece arriscado deduzir que exercesse apenas nominalmente o cargo
de anadel-mor. Mas é possível que essa situação se tivesse alterado a partir de 1417, ano em que
D. João I mandou organizar um novo rol dos besteiros, tarefa que Afonso Furtado, já bastante
idoso, poderá ter apenas supervisionado.
Em 25 de Junho de 1386, logo após a assinatura do Tratado de Paz e Amizade com a Grã Bretanha (9
de Maio desse ano), Afonso Furtado comandou uma flotilha de naus e galés que terá levantado ferro
de Lisboa com destino a Plymouth onde, John of Gaunt, duque de Lencaster, embarcaria duas mil
lanças, três mil besteiros e muita peonagem com destino à Cornualha, onde eram aguardados por
Lourenço Anes Fogaça. Daí seguiriam para a Galiza, de onde seguiram para a ria de Betanza e, por
fim, à Corunha .
Quando, finalmente, o duque de Lencaster chegou ao estuário do Tejo Afonso Furtado fazia parte da
comitiva com que o monarca português o foi receber. Preparava-se o Tratado de Aliança de Novembro
de 1386 e o casamento de D. João I com Filipa de Lencaster. Em 27 de Maio de 1387 encontram-se
referidas propriedades do capitão Afonso Furtado na zona de Loures, nas confrontações de um
instrumento de emprazamento do mosteiro de Odivelas .
Documenta-se que, pelo menos, entre Abril de 1388 e Abril de 1389, um ano no total, o capitão Afonso
Furtado permaneceu na Grã-bretanha, ao serviço do monarca inglês que lhe pagava os honorários,
alojamento e alimentação.
Admito que poderiam ter nascido antes de 1386 os três filhos que o capitão, no acto designado como
Afonso Furtado capitão-mor de Portugal, casado, fez legitimar em 25 de Outubro de 1390 .
Meses depois, em 8 de Agosto de 1391, nova manifestação do reconhecimento de D. João I que
doava ao seu capitão do mar (temporariamente) a lezíria de Alfirmara .
Durante quatro anos não encontrei nas fontes consultadas nenhuma referência ao capitão do mar
mas, a 19 de Novembro de 1395, a abadessa D. Aldonça Pimentel e o cabido do mosteiro de
Odivelas emprazavam a um João Peres, clérigo e morador em Loures uma série de propriedades,
sendo que uma delas, na Carreira das Cabras (c. de Loures), partia por todos os cabos com
Afonso Furtado.
Como teremos ensejo de ir constatando, o núcleo dos bens do capitão consistiria essencialmente
em vinhas e prédios rústicos no Lumiar (uns de raiz, outros obtidos por doação régia), bens
fundiários no concelho de Loures, casas em Lisboa, na freguesia da Sé e em Alfama, e lezírias e
marinhas de sal no Ribatejo, estas, tanto quanto apuramos, maioritariamente fruto de outras
doações do rei.
Em Agosto de 1401, como já foi referido, morreu Maria Miguéis, trinta e dois anos após a data
estimada do seu casamento com Afonso Furtado, que contaria na altura cerca de cinquenta e quatro
anos. O facto de ter morrido nesta data irá adicionar algumas questões à problemática descendência
do capitão, como teremos ensejo de ver quando tentarmos estabelecer uma cronologia biográfica
para o filho sucessor do genearca Afonso Furtado o velho.
Isto, a despeito de nunca ter encontrado em fontes primárias a razão que explicaria porque motivo
apenas em Abril do ano de 1444 (pouco antes da consumação da ruptura entre D. Afonso, conde
de Barcelos e o 1º duque de Bragança e o Regente duque de Coimbra) o rei D. Afonso V, ou pelo
menos alguém em seu nome, haver doado ao filho e sucessor do, já falecido há mais de uma
década, anadel-mor dos besteiros do conto Afonso Furtado, o ofício de seu pai. Venceria a tença de
2.571 reais brancos (idêntica á que recebera Afonso Furtado), a partir de 1 de Janeiro de 1444. Só
que, nesse diploma, o agraciado encontra-se referido como Afonso Furtado de Mendonça. .
Em boa verdade a cronologia dos marcos biográficos do agraciado Afonso Furtado de Mendonça,
aponta para que seja extremamente improvável que tivesse sido filho do primeiro casamento do
capitão-mor do mar e anadel-mor dos besteiros do conto Afonso Furtado, com a, amplamente
documentada Maria Migueis, também ela referida em fontes primárias como tendo falecido em
Agosto de 1401, sendo sepultada na capela de Santa Maria do Paraíso, à época recentemente
edificada, na freguesia de Sto. Estêvão de Alfama.
Não era correto, nem metodologicamente aceitável que se afastasse liminarmente a possibilidade de
que o, então quinquagenário. (o que não equivale no período moderno á mesma esperança de vida e
descendência) viúvo Afonso Furtado, o velho, tivesse casado, uma segunda vez, com uma senhora
da estirpe dos Mendonça.
E que, desse segundo matrimónio tardio tivesse nascido um Afonso Furtado o novo, único filho
legítimo do vassalo de El-Rei Dom João I, que teria sucedido no cargo, usando compreensivelmente
o apelido composto Furtado de Mendonça.
Não encontrámos rasto (mesmo indireto) desse segundo casamento e, naturalmente, in dubito pro
reo, deixámos essa verosímil hipótese em aberto.
Só que, atualmente, (para sermos mais exatos desde Braamcamp Freire, Vaz de São Payo e Mello ou
Souto Mayor Pizarro, para citar apenas uma parte dessa “onda” de especialistas) a investigação não se
confina á citação pleonástica dessas fontes (apenas suplementares, e frequentemente acriticamente
aceites), que são as genealogias manuscritas,
E muitos meses depois da publicação do Ensaio sobre a Verdadeira origem dos Furtado de Mendonça
Portugueses, e mesmo do estudo subsequente dado á Estampa nas militaria analecta, alguém que
nunca se conformara com a hipótese da assunção pura e simples do apelido Mendonça, chegou até
onde nós não tínhamos conseguido. E tendo-me escrito honradamente esse estudioso, o académico
Brasileiro César Furtado que me deu conhecimento de uma irrecusável Maria Anes, igualmente
irrecusável segunda mulher do genearca Afonso Furtado.
Foi esse investigador Brasileiro que me enviou o sumário do texto cotado de um diploma que se
conserva no cartório dos viscondes de Vila Nova de Cerveira, no qual se encontra nomeada, e datada de
modo a não deixar a menor margem de duvida, a segunda (e necessariamente última) mulher de
Afonso Furtado, o velho. Essa senhora chamava-se Maria Anes, permanecia viva em 30 de Setembro
de 1429, e detinha propriedades no mesmo logo de Lumiar (c de Lisboa) onde se situavam não só as
propriedades de raiz que haviam pertencido ao seu marido Afonso Furtado, mas também ao filho de
ambos, Afonso Furtado de Mendonça documentadamente aí residente. .
Pouco mais de meio ano teria decorrido sobre a viuvez de Afonso Furtado quando o monarca, em 8
de Fevereiro de 1402, faz nova mercê ao capitão-mor da nossa frota doando-lhe em perpétuo,
umas casa em Lisboa, na freguesia da Sé, junto a outras casas na mesma freguesia que já eram sua
propriedade.
Casas essas que o seu filho Afonso Furtado de Mendonça viria a herdar e que julgamos serem as
seguintes: "casas em Lisboa, na freguesia da Sé, cerca da Praça dos Escanos, forras e isentas.
Partiam com casas de Fernão da Fonseca, genro de Arman Boutin, com casas da Sé que trás
Fernão Lopes, escrivão do paço da Madeira, e detrás com pardieiros dele, Afonso Furtado, e com
a rua pública que vem da Sé para S. João da Praça ". Estas mesmas casas figuram num
emprazamento de 1 de Setembro de 1466, feito no mosteiro de Odivelas, em cabido, de umas
outras casas que ficavam cerca de onde morava Pedro Rodrigues de Castro, e partiam com casas
de Fernão da Fonseca, com casas da viúva de Fernão Lopes e entestavam detrás com Afonso
Furtado e diante com a rua pública.
Em 21 de Dezembro de 1404 documentam-se (através de confrontações referidas num traslado
de 21 de Setembro de 1459) três marinhas de sal situadas abaixo do Lavradio, no Ribatejo, que
pertenciam ao capitão Afonso Furtado. Cerca de cinco anos depois, em 15 de Outubro de 1409,
surge outra referência a uma propriedade sua que ficava por detrás da igreja do Lumiar. No
mesmo Lumiar, no Paço, testa, em 15 de Dezembro de 1412, um João Afonso de Lisboa,
referenciado com mestre da nau do capitão Afonso Furtado.
E é de 3 de Abril de 1414 a última mercê que se encontra na Chancelaria de D. João I, ao seu
capitão e anadel-mor, a doação de uma lezíria junto a Santa Maria de Valada, também no
Ribatejo .
Mas imediatamente antes, ou logo depois desta doação Afonso Furtado terá desempenhado
serviços relevantes na recolha de informações que precedeu a expedição a Ceuta. O episódio é
conhecido, embora se possam detectar no relato que terá deixado Gomes Eanes de Azurara,
pormenores que merecem uma leitura prudente.
O rei da Boa Memória confiou ao prior do Hospital, D. Álvaro Gonçalves Camelo, e a Afonso
Furtado, a missão de recolher informações de cariz topográfico, militar, e de marinharia que
permitissem elaborar um eventual plano de desembarque e ataque à praça de Ceuta.
Como se depreende essa missão teria de ser conduzida com o maior secretismo, de molde a não
despertar suspeitas. O estratagema encontrado foi o de enviar uma missão diplomática,
integrando os dois agentes, A D. Branca, rainha viúva da Sicília, como relata Zurara. E aqui
parece avisado tecer algumas considerações sobre esse texto que nos serve de fonte.
Da Crónica da Tomada de Ceuta, redigida quase quarenta anos depois da ocorrência dos factos
relatados, não ser conhece nenhum manuscrito autógrafo do cronista, embora em todas as cópias
que sobreviveram se possam detectar correcções e aditamentos.
A atribuição do texto a Gomes Eanes de Azurara parece pacífica. Menos consensual poderá ser o
eventual apuramento de que este episódio em apreço chegou até nós exactamente como o
cronista o redigiu. Se existiram correcções, interpolações ou aditamentos neste particular é,
quanto a nós, uma questão ainda em aberto.
Limitamo-nos pois a constatar que, numa leitura superficial, algumas passagens de difícil
avaliação podem estar de acordo com o perfil psicológico e cultural do seu alegado redactor.
Com efeito, Mateus Pisano, humanista e preceptor do futuro D. Afonso V, escreveu sobre este
cronista, seu contemporâneo, opinando que se tratava de um bom gramático, notável astrólogo, e
grande historiógrafo. Embora tende presente a mentalidade da época, e com risco de incorrer em
anacronismo, salientarei como curiosa esta menção das qualidades de astrólogo de Gomes Eanes
de Zurara. A referência seria inócua se não tivéssemos presente que este cronista áulico escrevia
por encomenda num período em que se esboçava já a aura de destino manifesto que havia de
rodear os filhos de D. João I e de D. Filipa de Lencastre. É pois com alguma reserva que se
aceita o pendor encomiástico e profético de certas passagens da narrativa, sem recusar no entanto
que ela possa ter sido construída sobre eventos reais.
Do texto de Azurara interessa-nos reter que D. João I, após ter ponderado as razões aduzidas
pelos infantes seus filhos em favor da expedição, considerou prudente mandar executar um
levantamento prévio das fortificações de Ceuta, bem como das características do seu porto,
ancoradouros, regime de ventos e marés. Nesta convicção e “consirando acerca disto quaes
pessoas lá posso melhor enviar, porquanto cumpre que sejam homens discretos e entendidos e
taes que possam bom todo prover segundo é necessário pera tal caso, e nam me parece que
tenha outros que o melhor possam fazer que o prior do Hospital e o capitam Afonso Furtado, a
saber o prior pera divisar a cidade e o capitam pera divisar o mar com todas as outras cousas
que a elle pertencem(…)”.
Parece incontroverso que um homem que, desde 1385, vinha desempenhando o cargo de capitão
– mor do mar estivesse indicado para este tipo de missão. E também que o monarca confiava no
seu discernimento e discrição. Ou, por outras palavras, que aliava a uma comprovada capacidade
técnica uma confiança pessoal do monarca, uma vez que o reconhecimento decorreu em tão
grande sigilo que, de acordo com o mesmo Azurara,
dele não tinham conhecimento os próprios membros do conselho régio.
Se o texto da crónica é rigoroso, e corresponde à tradição oral dos eventos, fornece um traço da
personalidade de Afonso Furtado.
Chegado à câmara real do paço de Sintra para apresentar o relatório das suas pesquisas o prior do
Hospital formulou o pedido, aparentemente insólito, de areia, favas e fitas (para figurar a
implantação da cidade de Ceuta e as respectivas fortificações). Gracejando o rei respondeu-lhe: -
Cuidaes que não temos aqui o capitão (Afonso Furtado) com as suas profecias ?
Estas alegadas profecias, que irão ressaltar da fala do capitão do mar, quando este tiver a palavra
podem (e devem?) em boa verdade ter sido ampliadas, compostas, ou mesmo inventadas para se
ajustarem ao papel providencial que a ideologia dos de Avis vinha compondo desde D. Duarte.
Em todo o caso, a quarenta anos de distância, é difícil de aceitar que o cronista tivesse
reproduzido fielmente o discurso seguinte de Afonso Furtado na apresentação das suas
conclusões: "Isto sei eu por um maravilhoso acontecimento que me aconteceu quando era moço,
e do qual sempre trouxe mui grande lembrança pelos maravilhosos azos que sempre depois
acerca dello vi seguir, e porque vem a propósito, não é mau de o saberdes pela guiza que
aconteceu, e foi assim que el rei D. Pedro vosso pae, cuja alma deus haja, mandou meu padre
fora deste reino com uma sua embaixada, e como quer que eu fosse moço de poucos dias, levou-
me porém meu padre consigo pera ver terras e aprender, e seguindo nós assim nossa viagem
chegámos nós a um porto acerca de um lugar d’África a que chamam Ceuta"
Tivemos ensejo de ver que, de acordo com as palavras que Fernão Lopes lhe atribui, Afonso
Furtado foi criado na corte de D. Pedro I, que lhe deu estado. Ignoramos porém quem tivesse
sido o pai que a que o mesmo monarca confiava missões diplomáticas. Se a afirmação repousa
sobre um fundo de verdade deveria tratar-se de uma personagem com algum relevo no paço
régio. Ora a verdade é que, no estado actual da questão, parece impossível determinar sequer
quem tivesse sido o pai de Afonso Furtado.
Mas, repita-se, se este episódio tem um fundo de verdade, é admissível que, cronologicamente
possa ter ocorrido entre 1357 e 1360. Estaria o pai do capitão ligado aos assuntos marítimos e a
embaixada em questão teria ocorrido quando, ao abrigo do tratado de 1358, o almirante Pessanha
comandou uma armada de dez galés e uma galeota que efectuou uma campanha de três meses no
Mediterrâneo.
Trata-se de apenas uma hipótese, mas nessa data Afonso Furtado andaria pelos dez anos e o
itinerário dessa frota poderia tê-la levado a ancorar no porto de Ceuta.
Quatro anos depois da conquista da praça africana o capitão ainda era vivo, e rondaria os setenta
anos, uma vez que surge referido como anadel-mor dos besteiros e apurador dos homens do mar
numa carta de privilégio para oito lavradores de uma quinta a par de Sarilhos (Aldeia Galega do
Ribatejo) pertencente ao mosteiro de Santa Clara de Lisboa.
Não conhecemos nenhuma referência posterior em fontes primárias. E não repugna admitir que,
tal como observa Braamcamp Freire, Afonso Furtado tivesse morrido antes de 23 de Junho de
1423, data da nomeação de Álvaro Vasques de Almada como "…capitão-mor da nossa frota
polla guiza que o era Gonçalo Tenreiro em tempo del rei D. Fernando; …e per a guiza que o foi
Affonso Furtado em nosso tempo".
2.II - Fernando, filho de Afonso Furtado, capitão-mor de Portugal, casado, e de Catarina, solteira.
Julgamos que um destes dois Fernando, ou Fernão, seja precisamente o Fernão Furtado,
mencionado por MORAES como não tendo tido descendência.. Este autor, bem informado sobre
esta geração da linhagem, omitindo os outros filhos, leva-nos a admitir que pudessem ter morrido
jovens, uma vez que a cronologia sod marcos biográficos nos impede de identificar com os
homónimos povoadores da ilha da Madeira, que veremos adiante.
Este filho, único aparentemente legítimo, do capitão-mor do mar coloca antes do mais problemas
de cronologia e logo depois suscita uma questão. Tivemos ensejo de referir atrás uma doação
feita em 1369 por Afonso Furtado e sua mulher Maria Migueis que documentamos ter morrido
em 1401.
Se este Afonso Furtado de Mendonça fosse filho dessa Maria Miguéis, aliás a primeira das duas
mulheres documentadas de Afonso Furtado, parece lógico (admitindo que este casamento se
tivesse efectuado em 1368, contando a noiva 16 anos) que o seu nascimento tivesse ocorrido até
ao limite de fertilidade na época, em 1392. Como veremos adiante Afonso Furtado de Mendonça,
2.º anadel-mor dos besteiros nesta família, já tinha falecido em Setembro de 1475. Se Maria
Miguéis tivesse tido este filho aos quarenta anos, hipótese já um pouco forçada, este teria
morrido com cerca de oitenta e tês anos, o que é admissível, embora nos limites extremos.
Sucede que, como veremos, os marcos biográficos que lhe conhecemos parecem antes apontar
para um nascimento mais provável após a primeira década de Quatrocentos (1410-1412). E,
como parece evidente, nesta cronologia ele não poderia ser filho de uma Maria Miguéis
documentalmente falecida em 1401.
Acresce que já Braamcamp Freire tinha sublinhado um facto, aparentemente difícil de explicar,
ao escrever: "Foi este segundo Afonso Furtado, como acertadamente declara Frei Francisco
Brandão, «o primeiro que em escritura pública vi com apelido de Mendonça»·; como ele
aparece citado na carta de ordenado".
Adiantarei mais ainda, tivemos ensejo de documentar dezenas de Furtado portugueses entre os
Séculos XII e XV, muitos deles completamente desconhecidos, e alguns pertencentes ao ramo de
Loures/Frielas (concelho de Lisboa) que surgem em conexão com o capitão e anadel-mor dos
besteiros Afonso Furtado, e dele seriam parentes próximos, sem que uma única vez tenham usado
outro apelido que não fosse, única e exclusivamente, Furtado.Nem, tanto quanto saibamos, com
excepção dos conhecidos e estudados Arrais de Mendonça – cuja origem castelhana, efectivamente
entroncada no Hurtado de Mendoza, parece indiscutível – se documenta em Portugal o apelido
Mendonça a ser usado por portugueses anteriormente ao segundo quartel do século XV. Tivemos
ensejo de demonstrar que a ascendência secularmente atribuída a D. Ana de Mendonça não é
correcta. E que, ao menos pela via incessantemente invocada, D. Ana de Mendonça não descendia
dos poderosos e influentes Hurtado de Mendoza que tão preponderante papel desempenharam na
política castelhana do século XV
Permanece por explicar de que modo, e porque razões, apenas em 1434, após séculos em que se
documentam os desta linhagem apenas como Furtado, surge o filho do capitão-mor do mar
referido em fontes primárias como Afonso Furtado de Mendonça.
Este filho, aparentemente legítimo do capitão do mar não sucedeu ao pai neste cargo, para o qual,
como ficou acima, foi nomeado Álvaro Vasques de Almada em 23 de Junho de 1423, mas
sucedeu no de anadel-mor dos besteiros como se documenta em 21 de Novembro de 1433, cerca
de dez anos após a morte do pai .
Este hiato de dez anos na documentação consultada pode ter variadíssimas explicações, sendo
que não é possível excluir a hipótese de que Afonso Furtado de Mendonça não fosse, à data da
morte do pai, de idade suficiente para lhe suceder no ofício que poderá ter sido desempenhado
interinamente por um colaborador (talvez o supracitado Vasco Fernandes de Tavola), até à
maioridade do futuro anadel-mor. Já o cargo de capitão-mor do mar, cujo provimento revestiria
outra urgência por razões que se prenderiam com a expansão para o Norte de África, foi
imediatamente preenchido.
De qualquer modo também é de sublinhar que a carta de ordenado correspondente a este ofício
de anadel mor só foi passada em 14 de Abril de 1444 , decorridos mais de 21 anos sobre a morte
do pai. Neste diploma se declara que vencia 2.571 reais brancos, tal como recebia Afonso
Furtado seu pai, a pagar retroactivamente desde 1 de Janeiro desse ano, tendo essa mercê sido
acrescida de uma peça de pano de Chipre.
A ocasião em que se regulariza finalmente a situação de Afonso Furtado de Mendonça pode não
ter sido fortuita, uma vez que precede em poucos meses a ruptura entre o Regente D. Pedro e o
Duque de Bragança, e um súbito agudizar das tensões internas. Mas, como observa Adão da
Fonseca parece que durante o ano de 1444 a situação do Infante-Regente D. Pedro era
indiscutivelmente melhor do que nos anos anteriores. Tinha-se procedido a uma depuração dos
elementos da oposição interna , e a embaixada de D. João Manuel a Roma obtivera resultados
concretos. Por outro lado Castela permanecia esquartejada em facções que se digladiavam. Entre
Setembro de 1443 e Março de 1444 tinham decorrido negociações entre o bispo de Ávila, D.
Lopo Barrientos e o Condestável D. Álvaro de Luna com vista à constituição de uma liga contra
os Infantes de Aragão. Na facção oposta, o Infante D. Henrique de Aragão e o conde de Arcos
tinham avançado pela Andaluzia, apoderando-se da Carmona, Córdoba e Alcalá de Guadaira e
preparavam-se para atacar Sevilha, defendida pelo conde de Niebla. De acordo com MORENO
"foi precisamente esta campanha militar do Infante D. Henrique de Aragão que esteve na origem
da 2.ª intervenção militar portuguesa no reino vizinho. E, na génese da preparação dessa
campanha, terá estado a deslocação a Évora, onde se encontrava o Regente D. Pedro, do Mestre
de Alcântara D. Gutierre de Sotomaior que vinha pedir auxílio militar. É de atribuir a este fidalgo
castelhano a inspiração do memorando de 13 de Fevereiro de 1444, no qual o Regente estipulava
as condições postas à cidade de Sevilha para receber o auxílio solicitado". Paralelamente o
Infante D. Pedro deveria criar as condições para o eficaz recrutamento das tropas que deveriam
integrar a expedição de auxílio, e no que tocava ao recrutamento, o papel do anadel-mor dos
besteiros tinha o seu peso. O que talvez explique que, quase dois meses exactos após o envio do
supracitado memorando se tenha, passados vinte e um anos de exercício do cargo efectuado em
moldes que desconhecemos, regularizado finalmente a situação do anadel-mor português.
Teria Afonso Furtado II integrado esta intervenção militar comandada pelo filho do Regente, o
Condestável D. Pedro em 1445, ou, de qualquer modo optado pelo "partido do Regente"? De
facto, ALÃO DE MORAES, regista em termos inequívocos essa opção "Seguiu as partes do
Infante D. Pedro, pela qual razão lhe tirou el-Rei D. Afonso V todos os seus bens; e tornando
depois a graça do dito Rei, o fez do seu Conselho" .
Os rastos por mim encontrados em fontes primárias suscetíveis de confirmar que terá seguido a
fação do regente D. Pedro são, na verdade, escassos e não inteiramente conclusivos. Verificamos
que, em, em 26 de Agosto de 1451, e já depois de Alfarrobeira, a Chancelaria de D. Afonso V
regista a doação, a Afonso Furtado de Mendonça, cavaleiro régio, e Anadel-mor dos besteiros do
conto, de uma tença anual de 2571 reais brancos.
Nesse ano de 1451 Afonso Furtado de Mendonça, pela primeira vez documentado
como cavaleiro régio, exerce indubitavelmente o cargo de Anadel-mor dos besteiros do conto,
vencendo uma tença que lhe era acrescida. Mas a mesma chancelaria. Em cinco de Dezembro de
1454, volvidos cerca de cinco anos sobre a derrota de do regente na batalha de Alfarrobeira,
refere o mesmo Afonso Furtado de Mendonça de modo completamente diferente, omitindo o
cargo de Anadel-mor e a qualidade de cavaleiro régio. Numa carta de segurança concedida por
esse monarca a Afonso Fernandes, este último encontra-se identificado como criado de Afonso
Furtado de Mendonça, morador no Lumiar, termo da cidade de Lisboa .
Julgo depreender que, neste período, possivelmente entre 1451 e 1454 Afonso Furtado de
Mendonça teria sido afastado do cargo de Anadel-mor e não erra já designado como cavaleiro
régio. Mas, apenas cerca de dois anos volvidos, mais precisamente em dois de Novembro de
1456, o mesmo rei D. Afonso V perdoa, na sequência do perdão geral, a justiça régia a Judas
Godim, ferreiro, acusado da morte de Afonso Furtado, conquanto servisse três anos em Ceuta .
Ou o assassínio não fora consumado, apenas intentado, ou, mais provavelmente este Afonso
Furtado corresponderia a outra personagem, quiçá, um parente não identificado. Porque,
seguramente, em dezanove de Março de 1462 , Afonso Furtado de Mendonça tinha recobrado, e
acrescido, a confiança do monarca , encontrando-se referido como Afonso Furtado de Mendonça,
conselheiro régio.
O único indício de que poderá ter servido o Regente em missões no estrangeiro é o facto de ter
casado pela 2.ª vez, cerca de 1445, com uma valenciana que viria a ser criada da infanta dona
Isabel, mulher do Regente D. Pedro. E essa ligação da mulher à Casa de D. Isabel poderia
indiciar uma ligação próxima ao Duque de Coimbra. Mas não deixa de ser estranho que, a ter
sido vítima de confisco dos bens, o seu nome não se encontre uma única vez referido ao longo da
exaustiva investigação realizada por BAQUERO MORENO em A batalha de Alfarrobeira.
Acresce que este Afonso Furtado de Mendonça parece ter desaparecido das fontes conhecidas
durante quase duas décadas até que, em 3 de Março de 1462, através de uma carta de privilégio
concedida ao seu caseiro Fernão Rodrigues, morador em Vila Franca de Xira, temos notícia de
que Afonso Furtado pertencia já ao conselho régio. Passados pouco mais de cinco anos, a 17 de
Setembro de1472, D. Afonso V concede a Afonso Furtado, do seu conselho e anadel-mor dos
besteiros do conto, enquanto for sua mercê, uma tença anual de 20.000 reais de prata, a pagar a
partir de 1 de Janeiro de 1468 .
O último registo directo que lhe respeita é outra mercê de 10.000 reais de prata em tença anual,
pagáveis a partir de 1 de Janeiro de 1473, provavelmente em complemento da 1.ª tença.
Já teria morrido em Setembro de 1475 uma vez que, nesse mesmo mês e ano o seu filho Duarte
Furtado de Mendonça estava investido no cargo de anadel-mor dos besteiros Sigamos agora as
alianças matrimoniais deste 2.º anadel-mor dos besteiros do conto (na sua família) procurando
indícios do significado e influência eventual que a parentela das suas duas mulheres possa ter
representado num hipotético processo de reabilitação.
Casou pela 1.ª vez seguramente antes de Fevereiro de 1431, e permanecia casado com ela em de
8 de Junho de 1436 (o que poderá compatibilizar-se com a hipótese de um nascimento ao redor
de 1410), com Constança Nogueira, filha mais nova de Afonso Anes Nogueira, alcaide-mor de
Lisboa e administrador do morgado de S. Lourenço (falecido em 1426) e de sua mulher Joana
Vaz de Almada. Esta 1.ª mulher era neta paterna do Dr. João das Leis de sua mulher Constança
Afonso .
Este primeiro casamento de Afonso Furtado de Mendonça, embora situado no seu estamento
social, proporcionava-lhe alianças no oficialato régio, na igreja, e com importantes famílias da
oligarquia mercantil ulissiponense cuja ascensão social se tinha desenvolvido ao longo da
segunda metade do século XIV.
De referir que o seu cunhado Afonso Nogueira, Doutor "in utroque jure"pela Universidade de
Bolonha, em 1453 fora eleito bispo de Coimbra, e em 1460, ou 1462, ascenderia a arcebispo de
Lisboa, foi conselheiro de D. Duarte e D. Afonso V e por duas vezes embaixador em Castela.
Não seria despicienda a influência deste cunhado, que ascendeu ao arcebispado de Lisboa
sensivelmente no mesmo período em que Afonso Furtado de Mendonça se encontra reabilitado e
pela primeira vez documentado como membro do conselho régio.
Afonso Furtado de Mendonça casou pela 2.ª vez, cerca de 1445, com D. Beatriz (ou Brites) de
Vilharguda, a que o Livro de Linhagens do século XVI chama dona. Britez de la Raguta, criada
da Infanta D. Isabel (mulher do Infante Regente D. Pedro).. Por seu turno Damião de Góis, no
seu LL, refere-a como D. Beatriz de Villaraguta, valenciana, criada da mesma infanta e filha de
António Villaragut, senhor de Olocau, e de sua mulher D. Beatriz Parda.
No entanto esta senhora está documentada em 20 de Julho de 1469, como D. Beatriz de
Villarguda quando obtém de D. Afonso V uma aposentação para o seu amo Gil Anes, vassalo,
curiosamente morador no Lumiar onde o sogro, o capitão Afonso Furtado tinha propriedades que
o marido poderia ter herdado. Este amo não é referenciado como estrangeiro, o que pressupõe
que D. Beatriz nasceu em Portugal, ou que neste reino vivia desde muito nova .
Não possuímos dados que nos permitam sustentar a hipótese de que este segundo casamento de
Afonso Furtado de Mendonça tenha resultado de estadias em Castela ao serviço da política
estrangeira do Regente D. Pedro. Como não encontramos qualquer pista sobre uma eventual
permanência em Portugal dos terceiros barões de Olocau. Nestas circunstâncias, aceitando como
verosímil a filiação que Damião de Góis estabelece para D. Beatriz de Villarguda, limitamo-nos a
constatar que este anadel-mor dos besteiros terá contraído, cerca de 1445, a primeira aliança
matrimonial da sua linhagem com uma filha da nobreza titulada, mas estrangeira. Facto que,
conjugado com a sua ascensão a membro do conselho régio, encontramo-nos perante um
segundo e terceiro saltos qualitativos na afirmação política e social dos Furtado de Mendonça
portugueses.
Forçoso se torna sublinhar que a sua descendência, na geração dos netos e bisnetos, se tornará
por tal forma numerosa que, abundando os homónimos, frequentemente contemporâneos, nos
limitaremos a apresentar uma proposta, incompleta e provisória. Tornando-se evidente que o
nosso propósito foi apenas o de fundamentar esqueléticamente alguns postulados, e não o de
estudar esta família até finais do 1.º quartel do século XV .
3.III - Violante Nogueira, foi donzela da Infanta D. Catarina, irmã de D. Afonso V, falecida em
17 de Junho de 1463, como consta da carta de 20.000 reais brancos de tença, concedida em 29 de
Maio de 1471, quase oito anos depois da morte da infanta, em satisfação dos serviços que lhe
havia prestado Entrou para o mosteiro de Santos após a morte de D. Catarina, provavelmente no
mesmo período em que se acolhia na mesma casa religiosa, vinda da ilha da Madeira, Filipa
Moniz, filha do 4.º casamento do capitãp do Donatário da ilha de Porto Santo, Bartolomeu
Perestrelo, da Casa do Infante D. João, Governador e Administrador da Ordem de Santiago que
anteriormente havia sido casado com Catarina Furtado de Mendonça, filha ilegítima de seu
irmão, o anadel-mor Afonso Furtado de Mendonça (ver o n.º 8.III, infra). Esta Filipa Moniz, que,
como é sabido, veio a casar com Cristóvão Colombo, ter-se-à recolhido no mosteiro de Santos
entre os finais de 1464 e o começo de 1465, encontrando-se aí documentada entre 4 de Janeiro de
1465 e 20 de Janeiro de 1479. Violante Nogueira, por seu turno, só é referida por MATA a partir
de 16 de Abril de 1493, a propósito de Pedro Álvares, seu criado e já depois de se tornar
comendadeira desse mosteiro por carta de 16 de Março de 1486. FREIRE, refere que esta
nomeação, efectuada por carta de 16 de Março de 1486 se ficou a dever ao facto de ser tia do
futuro Mestre de Avis e Santiago. D. Jorge, filho de D. João II, à data governador da Ordem de
Santiago, a quem o dito mosteiro pertencia . Salvo melhor opinião o percurso de Violante
Nogueira em Santos poderia alcandorá-la a essa posição sem necessidade de uma directa
iniciativa régia nesse sentido, tanto mais que o seu tio materno, o influente Doutor Afonso
Nogueira, era Arcebispo de Lisboa desde 1462. E esta nomeação ocorreu, antes do nascimento
do seu sobrinho D. Jorge, embora posteriormente à bula de Paulo II Cessant nuper, de 10 de
Setembro de 1468 no tocante à Ordem de Avis. Na de Santiago que se encontrava vaga desde a
morte do Infante D. Fernando, irmão de D. Afonso V, ocorrida em 29 de Junho de 1466 passaria
ainda efemeramente D. João, filho do seu anterior detentor .. Mas é seguro que, em 5 de
Setembro de 1490, qundo ocupava já o cargo de Comendadeira há cerca de 4 anos, D. João II
mandou trasladar a comunidade feminina da Ordem de Santiago do mosteiro de Santos-o-velho,
para um edifício que o monarca mandara construir de novo, em Santa Maria do Paraíso, entre os
mosteiros de Santa Clara e da Madre de Deus e " a comendadeyra que se chamava Violante
Nogueira, molher de muita virtude & honestidade, & assi todas as donas do convento forão no
dito dia levadas a pe com solene procissam do cabido, & todas as ordens & cruzes (…)" . Nesse
mesmo ano ano de 1490 morrera, no mosteiro de Cristo, em Aveiro, a Infanta D. Joana a cuja
guarda estava confiado o filho de D. João II havido em D. Ana de Mendonça. Circunstância que
permitiu ao monarca "negociar" com a rainha D. Leonor a apresentação de D. Jorge na corte, o
que efectivamente veio a suceder a 15 de Junho, escassos dois meses antes da mudança da
comunidade de Santos.Parece arriscado concluir que esta coincidência de acontecimentos num
curto espaço de tempo tenha resultado da programação intencional dum monarca que não
poderia ter previsto a morte da irmã D. Joana.
O mosteiro de Santos-o-velho situava-se no "sitio onde acabavaa a parte importante e
agglomerada da povoação (de Lisboa) e principiava o campo", e portanto erguia-se ainda na
periferia urbana de Lisboa, o que não sucedia com o novo edíficio de Santa Maria do Paraíso,
cenóbio que passaria a ser conhecido como mosteiro de "Santos-o-novo", mais afastado do
centro urbano. MATA, que reconhece não ter "provas documentais que expliquem as razões que
teriam levado D. João II a ordenar a transferência das donas(…)", aventa como hipóteses a
exiguidade das instalações primitivas face ao crescente aumento de admissões, a vetustez do
edifício primitivo, ou ainda um alegado desiderato real de transformar o mosteiro em paço de
repouso. O certo é que Santos-o-Novo foi edificado em local mais recatado, longe do bulício da
cidade, situação adequadamente conveniente para recolher a ainda jovem mãe de um bastardo
régio que, se outras inquietações não manifestasse, ainda cinco anos depois, no testamento do
Príncipe Perfeito, era dotada pelo monarca para o seu casamento, e, como também tivemos
ensejo de referir, em 1508, pela mão de seu filho, o Mestre D. Jorge, mandava averiguar se,
casando, poderia continuar a manter a dignidade de comendadeira. Registe-se que essa
"consulta" foi efectuada em 1508, possivelmente logo a seguir à morte de sua tia Violante
Nogueira, falecida nesse ano, e antes de vir a ocupar a posição dessa dona no governo da
comunidade.
5.III – Pedro Furtado de Mendonça (ou Pedro Furtado, ou Pedro de Mendonça), tio de D. Ana,
tio-avô do Mestre D. Jorge, o escudeiro - fidalgo Pedro de Mendonça, , viria, em 1477.08.28., a
receber uma tença do Príncipe Herdeiro D. João, governador
do Mestrado de Avis, sob a alegação de que se encontrara em Toro como se refere no diploma "
…sendo com nosco na batalha que El rei meu meu Sennor e nos com elle ouvemos ". Não faça
dúvida na identificação o ser mencionado neste diploma como escudeiro-fidalgo porquanto já em
1462, referido conjuntamente com seu irmão Diogo de Mendonça, lograva 1200 reis de moradia,
como Moço-fidalgo da Casa Real parece ser o primeiro desta linhagem a integrar a Ordem de
Avis, onde era escrivão dos contos do Mestrado. Referido como Pedro Furtado, encontra-se
como escrivão da Chancelaria do Mestrado de Santiago governado pelo seu sobrinho-neto D.
Jorge, e recebe pagamento pelos serviços prestados por carta de 21 de Junho de 1497. Veria o seu
ordenado acrescentado por carta de 25 de Agosto de 1498. Voltamos a encontrá-lo referido a
desempenhar as funções de escrivão da Chancelaria de Santiago até 2 de Março de 1506. De
acordo com o citado Livro de Linhagens s.g.
6.III – João de Mendonça, o Cação, cavaleiro-fidalgo da Casa de D. Afonso V com 2100 reais de
moradia em 1476. Em 1484 figurava entre os cavaleiros-fidalgos da Casa de D. João II,
vencendo 2100 reis de moradia. Em 1518 figura entre os cavaleiros do conselho de D. Manuel I
e tinha, nessa ocasião, 4286 reis de moradia.
ALÃO DE MORAES menciona-o como Alcaide-mor de Chaves.Casou com D. Filipa de Melo,
filha de Vasco Fernandes de Sampaio, sr. de Vila-Flor e de Chacime de sua mulher D. Maria de
Melo. GAYO, menciona que combateu em África O LL refere apenas três filhos e duas filhas
deste casal:
1.IV – António de Mendonça, mencionado como fidalgo da Casa de D. Manuel Icom 2.600 reis
de moradiano Livro de Matrícula de 1518. Casou com Brites da Costa, filha de Luís da Costa,
cidadão de Lisboa e de N ….de Abreu.Este António de Mendonça teve 4 filhos que serviram na
Índia, onde morreram 3 deles. O primogénito, João de Mendonça foi capitão de Chaúl
2.IV – Simão de Mendonça, fidalgo da Casa de Jorge, da Ordem de Avis eComendador de Santa
Maria de Portalegre, como parece mais seguro.ALÃO DE MORAES refere-o como Alcaide-mor
de Mourão, GAYO, como Alcaide-mor do Torrão, Comendador de Portalegre e Borba. Mas o
Livro de Linhagens menciona-o apenas como Comendador de Portalegre.. PIMENTA, que o
documentou, identificando-o, julgamos que com a filição correcta, acrescenta que foi fidalgo da
Casa de D. Jorge, cavaleiro da Ordem de Avis e Comendador de Santa Maria de Portalegre.
Recebeu um acrescentamento de tença em 4 de Junho de 1519. Casou com D. Ana de Mendonça,
filha de Pedro de Mendonça de Brito (infra no n.º 1.IV), de quem teve, pelo menos,
Filho:
1.V – Luís de Mendonça, que recebeu o hábito de Avis por seu pedido em 1541
3.IV – Nuno Furtado, que morreu solteiro, s.g.
4.IV – D. Violante de Mendonça, mulher de Aires de Sousa, Fidalgo do conselho de D.Manuel I,
Comendador da Alcáçova de Santarém e de Alpedriz daOrdem de Avis em 26 de Abril de 1516
Pouco depois, às duasprecedentes, juntar-se-ia a Comenda de Alcanede e Alcaide-mor da
mesmavila em 11 de Julho de 1519 o que ainda se mantinha em Fevereiro de 1538 .Viria a
renunciar à Comenda da Alcáçova de Santarém a 21 de Abril de 1548.Tiveram, entre outros,
Filhos:
1.V – Francisco de Sousa, o Vilão, sucedeu a seu pai na Comenda da alcáçova de Santarém e
casou com D. Filipa Henriques, filha de D. Lopo de Almeida e de D. Antónia Henriques.
2.V – Em 1534 era Comendador da Alcáçova de Santarém e da de Alpedriz Pêro de Sousa.
Efectivamente existia a convicção de que este filho de Aires de Sousa recebera Alpedriz apenas
em 5 deMaio de 1543, e a da Alcáçova de Santarém ainda mais tarde, a 17 de Março de 1548
Todavia fontes complementares referem expressamente que este Pêro de Sousa era Comendador
de Alpedriz e da Alcáçova de Santarém em 1534, adiantando que estas lhe rendiam 800.000 reais
5.IV – D. Maria de Mendonça, mulher de Henrique Moniz, filho de Afonso Teles Barreto. O LL
refere este Henrique Moniz como Comendador, mas não oconseguimos documentar nessa
qualidade nas ordens de Avis, Cristo e Santiago
7.III – D. Maria de Mendonça, 1.ª mulher de João de Brito, sr.dos morgados de S. Lourenço de
Lisboa e de Santo Estêvão de Beja, filho de Mem de Brito e de sua mulher D. Grimaneza de
Melo Tiveram, além de uma filha que foi freira,
Filho:
1.IV – Pêro de Mendonça de Brito, casou com Isabel Brandão, filho de Duarte
Brandão, provedor das capelas de D. Afonso V e de sua mulher Margarida
da Mota. De quem teve, pelo menos
Filho:
8.III – D. Maria de Mendonça, mulher de Pedro Guedes, senhor de Murça. Com geração
Filha natural de Afonso Furtado de Mendonça, referida pelos cronistas açorianos do século XVI,
e pelo madeirense Henrique Henriques de Noronha, final do século XVII:
9.III – Catarina Furtado de Mendonça. Henrique Henriques de Noronha escreveu que a (3.ª?)
mulher do capitão do Donatário da ilha do Porto Santo, Bartolomeu Perestrelo, (a quem chama
primeiramente Beatriz, o que, na nota referida, se corrige para Catarina), era prima-irmã de D.
Ana de Mendonça, comendadeira de Santos. Também o cronista açoriano Dr.Gaspar Frutuoso
(escrevendo entre 1586 e 1590 ) afirma que essa mesma "D. Catarina de Mendonça era neta de
uma irmã da mãe do Mestre de Santiago" Se este parentesco, tal como o dão os supracitados
autores, é obviamente anacrónico, a ligação resulta clara. E em face do que conhecemos desta
linhagem, e da cronologia e biografia dos seus membros, resulta admissível que esta Catarina
fosse irmã (meia irmã ilegítima) do pai de D. Ana de Mendonça, mãe do Mestre D. Jorge.
Acrescenta ainda Gaspar Frutuoso que esta Catarina era irmã de Fernão Furtado de Mendonça,
povoador da ilha Graciosa. E um documento de adopção respeitante a uma sua neta irá permitir a
identificação de outro seu irmão.
Esta senhora, não era provavelmente a mais velha dos filhos que Afonso Furtado de Mendonça
terá tido fora do matrimónio, mas como é à volta dela que as fontes nos restituem a rede de
parentescos, colocámo-la nesta ordem.
Deve ter nascido cerca de 1430 e casado ao redor de 1446, contando perto de 16 anos como era
frequente na época. Com efeito, Bartolomeu Perestrelo, seu futuro marido, em 8 de Junho de
1431 ainda se encontrava casado com Margarida Martins, como se comprova pelo emprazamento
de certas casas situadas na Rua Nova, em Lisboa .
Catarina Furtado de Mendonça teve três filhas do seu casamento cuja geração se espalhou pelos
arquipélagos da Madeira e Açores.
10.III - Rodrigo de Mendonça, o que podemos deduzir da sua vida baseia-se na carta de
perfilhação de sua sobrinha Filipa .
Este documento, que nunca tinha sido analisado em sumário, contém o seguinte:
" Dom Afonso etc. a quantos esta nossa carta de confirmação virem fazemos saber que perante
nós foi apresentado um instrumento que parecia feito e assinado por Affom (se) Anes tabelião
geral na ilha da Madeira aos 23 dias do mês de Julho do ano presente de 1471. Em o qual antre
outras cousas fazia menção que Rodrigo de Meemdomça cavaleiro da nossa casa morador na ilha
Deserta com outorga de Caterina Teixeira sua mulher que presente estava que era verdade que
ele não tinha filho nem herdeiro e que por serviço de Deus e salvação da sua alma ele perfilhava
por sua filhe e herdeira em toda a sua parte de todos os seus bens que a ele pertencessem a Felipa
sua sobrinha, filha de Meem Rodriguez de Vaascomçellos e de Catarina Furtada sua sobrinha. O
qual perfilhamento lhe fazia para sempre com outorga de sua mulher como dito é (…) Dada em a
nossa cidade de (Lisboa) 11 dias do mês de Dezembro de 1472 ".
O instrumento contém algumas medidas cautelares relativas a possíveis impugnações, ou
reclamações, que pudessem ser efectuadas por parentes terceiros que se julgassem com direito à
sua herança, o que, em nosso entender, se inscreve, tal como a própria adopção, no quadro de um
conflito entre as famílias cognáticas dos Mendes de Vasconcelos e dos Correias da Cunha
suscitado pela compra da capitania da ilha do Porto Santo á viúva de Bartolomeu Perestrelo, pelo
genro de seu falecido marido, Pedro Correia da Cunha, na menoridade do seu filho primogénito e
presumível herdeiro dessa capitania.
Pode parecer enigmática a referência à residência na (s) ilha (s) Deserta (s) uma vez que, embora
sejam conhecidas tentativas de povoamento, a sua ocupação foi sempre esporádica, embora
documentada. A explicação que se nos afigura mais provável é a de que Rodrigo de Mendonça
tenha protagonizado precisamente uma das mais prolongadas tentativas de povoamento das
Desertas, ilhas adjacentes à Madeira.
A Catarina Teixeira, mulher de Rodrigo de Mendonça, de quem este não teve geração, poderá
tratar-se da 4ª filha de Tristão Vaz, 1.º capitão da jurisdição do Machico, na ilha da Madeira, e de
sua mulher Branca Teixeira. Esta Catarina Teixeira havia casado pela primeira vez com Gaspar
Mendes de Vasconcelos provável parente de Mem Rodrigues de Vasconcelos, de quem tivera um
único filho, e enviuvando, teria contraído segundo matrimónio com Rodrigo de Mendonça, do
qual como vimos, não teve geração.
Mas não é de excluir que os genealogistas, designadamente Henrique Henriques de Noronha,
tenham feito confusão entre ela e sua irmã Ana Teixeira. Com efeito temos conhecimento de uma
infeliz ocorrência verificada em casa do 1º capitão da jurisdição do Machico, Tristão Vaz, que
nos é relatada, entre outros, por Dias Leite que dá conta de que Diogo Barradas, homem tido por
fidalgo, teria violado Catarina Teixeira, filha do dito capitão Tristão Vaz, na ausência deste que,
uma vez regressado a casa, e dando-se conta do sucedido, castrou Diogo Barradas e o teve
aferrolhado com uma braga, moendo em um moinho de pão.
D. Afonso V teve notícia do sucedido e ordenou que Tristão Vaz fosse à corte, levando consigo a
filha, Catarina Teixeira, que o monarca casou mui honradamente.
Existe, na chancelaria de D. Afonso V, datada de 17 de Fevereiro de 1452 uma carta de perdão
passada ao capitão Tristão Vaz por causa desta ocorrência, que não só a confirma como fornece
mais pormenores, Diogo Barradas, além de capado, foi amputado do bico de uma orelha e ficou
aleijado das mãos em virtude da brutalidade com que o tinham amarrado.
Inclinamo-nos para que tenha sido esta Catarina Teixeira, violada por Diogo Barradas, que D.
Afonso V terá casado honradamente, em Lisboa e nos finais da década de quarenta, com Rodrigo
de Mendonça.
A sobrinha de Rodrigo de Mendonça, cuja filha Filipa ele adoptou, era Catarina Furtado de
Mendonça, (filha) mulher de Mem Rodrigues de Vasconcelos, e filha de Bartolomeu Perestrelo,
1.º capitão do Porto Santo, e de sua 3.ª mulher a supracitada Catarina Furtado de Mendonça,
portanto irmã de Rodrigo de Mendonça. Este ultimo, para ser casado e já sem esperança de
descendência em 1475, teria nascido antes de 1430 sendo seu pai ainda solteiro.
É natural a tentação de identificar este Rodrigo de Mendonça, bem como o seu irmão Fernão
Furtado de Mendonça, da Graciosa, com o Rodrigo e um dos Fernandos (ou Fernão) que o
capitão-mor do mar Afonso Furtado tinha legitimado em 1390. Mas como tivemos ocasião de
observar acima, estes filhos bastardos devem ter nascido alguns anos antes da respectiva
legitimação. Assim sendo, o Rodrigo de Mendonça contaria, à data da adopção da sua sobrinha
neta, cerca de 90 anos. Não é impossível, mas parece improvável. E o Fernão Furtado da
Graciosa (falecido no dealbar de Quinhentos), teria morrido, na melhor das hipóteses, com 110
anos. Temos por evidente que a cronologia os coloca na geração dos filhos de Afonso Furtado de
Mendonça, e não na dos filhos de seu pai, o capitão Afonso Furtado .
Provável filho bastardo de Afonso Furtado de Mendonça, não referido, tal como os filhos
naturais, acima, nos livros de linhagens continentais do século XVI, mas mencionado nessa
posição pelos cronistas insulares dos séculos XVI e XVII.
11.III – Fernão Furtado de Mendonça, nasceu cerca de 1440, referido como Afonso Furtado,
Escudeiro-fidalgo da Casa de D. Afonso V, com 1000 reis de moradia em 1475, que
identificamos com o homónimo, expressamente mencionado como bastardo quando, em 1479,
volta a surgir com o mesmo foro e moradia Integrou a 2.ª leva de povoadores da ilha Graciosa,
chefiada pelo marido da sua sobrinha Iseu Perestrelo de Mendonça, o capitão do Donatário da
ilha Graciosa Pero Correia, em data posterior a 1475. Terá casado pela 1.ª vez na ilha da Madeira
(ou Porto Santo) com Catarina de Guevara, filha de D. João Henriques, de Sevilha, e de sua 2.ª
mulher, Ana de Guevara . Já na ilha Graciosa casou pela 2.ª vez com Guiomar de Freitas , filha
de Pedro Gonçalves de Basto, 2.º marido de Isabel de Freitas Peixoto .Estes Freitas, de
Guimarães, padroeiros de S. Cristina e S. Romão de Arões, tiveram um ramo que
documentadamente se fixou na Graciosa, onde tiveram um papel de certo relevo no início do
século XVI.
Este povoador da Graciosa deixou descendência de ambos os casamentos.
No entanto importa salientar que a filha havida do 1.º casamento, Paulina Furtado de Mendonça,
veio a casar em finais do século XV, na vizinha ilha do Faial, com Fernão Alvernaz, escudeiro-
fidalgo da Casa Real, cavaleiro da Ordem de Santiago em 3 de Dezembro de 1528 , portanto
durante o mestrado de D. Jorge.
Mas em 23 do mês de Outubro anterior este Fernão Alvernaz (segundo do nome, como se
apresenta) estava em Lisboa, perante um juiz do cível, o bacharel Simão Tristão, organizando o
seu processo de hábito no qual as testemunhas referiram que fora juiz do Faial (Horta?) em
1527, era escudeiro-fidalgo da Casa do Rei, vivia à lei da nobreza com cavalo na estrebaria e era
pessoa geralmente benquista com bens avaliados em 400.000 reais
Dos seus dois casamentos o pai de Nuno Furtado de Mendonça, e avô de D. Ana de Mendonça
teve cinco filhos e duas filhas aos quais se devem acrecentar mais duas outras filhas bastardas e,
ainda, mais dois filhos bastardos, num total de onze.
Embora saibamos que terá herdado parte dos bens rústicos e urbanos do velho Capitão-mór do
mar Afonso Furtado (não a totalidade uma vez que teve três irmãos legitimados), e recebesse
tenças anuais que, num dado momento, ultrapassaram os 30000 reais de prata, a que se somaria o
ordenado de anadel-mór dos besteiros (inicialmente 2.571 reais brancos), e admitindo que,
mesmo em termos patrimoniais, pudesse ter contratado pelo menos um primeiro casamento
vantajoso, não ressalta das fontes que o pai de Nuno Furtado de Mendonça tivesse sido um
homem abastado, nem tão pouco que lhe tivessem sido atribuídos cargos, ou concedidas benesses
que ultrapassem uma rasa mediania.
Viveu num contexto descrito por CUNHA e MONTEIRO que, acerca do seu estamento social,
teceram as seguintes considerações "Desde finais da Idade Média que as condições de
reprodução da população fidalga portuguesa eram determinadas por três vectores
fundamentais: as normas de transmissão fidalga, que conferiam esse estatuto a todos os
descendentes de fidalgos; a instituição vincular, cuja generalização tendia, pelo contrário, a
impor-lhes um destino desigual, de acordo com a ordem de nascimento, com a lógica da
primogenitura e com a progressiva valorização da noção de Casa; e, por fim, os contextos
envolventes globais entre eles avultando a esfera de actuação da Coroa, cuja intervenção podia
abrir ou fechar o ingresso na categoria, bem como a redefinir a sua hierarquia interna" Ora, na
perspectiva da conjugação destes três vectores, se todos os 10 irmãos de Nuno Furtado de
Mendonça terão herdado a categoria de fidalgos, a esmagadora maioria dos restantes não teria
tido acesso a qualquer outro tipo de herança, com particular incidência para a situação em que
seguramente se encontraram os 4 bastardos que, aparentemente, nunca foram sequer legitimados.
Os supracitados autores referem um estudo incidente sobre os sucessores de vinte e cinco das
principais linhagens tardo-medievais portuguesas durante o período compreendido entre 1380-
1580, no qual se constataria uma acentuada diferenciação social entre os descendentes das
referidas linhagens coincidente com um crescimento demográfico da população fidalga. Como
parece intuitivo a esse aumento do número de fidalgos que, até finais do século XV, partilhavam
desigualmente a mesma massa de recursos, correspodia uma tendência paralela para a
degradação do estatuto económico e social de uma maioria de indivíduos do sexo masculino,
mais precisamente a categoria inferior ("militares-não titulados"), que englobava 41% do
universo masculino no início do período em apreço, ascendendo a 71% no final que, todavia, se
inscrevia já num contexto diverso.
Julgamos admissível que os Furtado de Mendonça da terceira geração (á qual pertencia este
Nuno Furtado) se pudessem considerar inscritos na categoria dos " militares-não titulados".
Tanto quanto conseguimos apurar não existiam na linhagem vínculos ou um acervo patrimonial
relevante, a permitir uma distribuição que ultrapassasse a linha primogénita. De acordo com este
entendimento generalizante, se Nuno Furtado de Mendonça poderia ter relativamente garantida a
manutenção do estatuto social e económico que tinha sido o do seu pai, dependia no entanto da
actuação da Coroa para ascender a um patamar superior do estamento fidalgo.
Todos os restantes irmãos e irmãs ficavam à mercê das vicissitudes do contexto envolvente e não
era, à partida, expectável que a maioria deles conseguisse evitar uma degradação de estatuto.
Mas as respectivas biografias encaixam apenas parcialmente neste paradigma, como passaremos
a apontar. A quase totalidade dos Furtado de Mendonça nascidos de legítimo matrimónio, na
terceira geração desta linhagem, participaram num claro movimento ascencional, unânimente
acentuado no reinado de D. João II, e efectuaram percursos que lhes garantiram (a despeito de
serem numerosos, pouco afazendados, e oriundos de uma família recente que, ainda na 2.ª
geração, não se encontrava claramente posicionada na hierarquia cortesã), não apenas a
manutenção, como também uma generalizada elevação do estatuto sócio-económico. Trata-se de
um registo de inequívoco sucesso familiar, ao menos parcialmente assente nos méritos e serviços
dos seus protagonistas, mas que a ascenção ao Mestrado das ordens de Avis e Santiago dum
bastardo régio, que claramente protegeu a estirpe materna, viria amparar, estabilizar e potenciar
em trajectórias futuras.
- O já referido primogénito, Nuno Furtado de Mendonça, embora não tivesse realizado um
casamento vantajoso, nem se lhe conheça uma carreira particularmente notável, apesar de ter
morrido prematuramente, ascendeu na hierarquia cortezã, como se comprova pela sua qualidade
de cavaleiro do conselho de D. Afonso V.No seu caso, à normal intervenção da Coroa viria
juntar-se, na geração dos filhos, a mãos oculta duma providência que lhes permitiria escapar à
regra comum das famílias fidalgas pouco afazendadas e com numerosos descendentes
sobrevivos.
O secundogénito, Duarte Furtado de Mendonça, genearca dos Comendadores do Torrão, na
Ordem de Santiago, e senhores de Vilalva, herdou de seu pai o cargo de anadel-mor dos besteiros
do conto, que transmitiu a seu filho Álvaro, em cuja geração foi extinto. Fez carreira autónoma
desde um período anterior ao nascimento do seu sobrinho-neto D. Jorge. Tendo alcançado a
confiança do Príncipe-herdeiro D. João, desempenhou missões de natureza política e,
ingressando na milícia dos espatários, ascendeu a comendador antes de 1472 e, posteriormente, a
visitador, por incumbência expressa do Príncipe D. João.Conselheiro régio e senhor de Vilalva,
pode considerar-se que ascendeu a um estatuto superior ao de seu pai e, pelo menos, análogo
áquele em que se situou o irmão primogénito, sendo progenitor de um breve ramo cuja linha
secundogénita ingressou na Ordem de Cristo e participou na expansão marítima, embora
extinguindo-se com um Manuel de Mendonça que, curiosamente, tinha regressado à dependência
dos primos da linha primogénita dos Furtado de Mendonça, exercendo o cargo de veador de seu
parente, o duque de Aveiro.
- A terciogénita do primeiro casamento de Afonso Furtado de Mendonça, Violante Nogueira,
muito possivelmente estribada na família materna, iniciou a sua vida como donzela da Infanta D.
Catarina, irmã de D. Afonso V, e depois ingressou no Mosteiro de Santos (Ordem de Santiago)
onde professou e ascendeu a Comendadeira, cargo que exerceu até à morte, ocorrida em 1508,
precedendo sua sobrinha D.Ana de Mendonça no exercício dessa dignidade.A sua biografia de
donzela celibatária e religiosa elevada a Comendadeira aponta para a sua inclusão num estatuto
económico e social análogo ao dos seus irmãos mais velhos.
Constatar-se-á que todos os três filhos nascido do primeiro casamento do anadel-mor Afonso
Furtado de Mendonça, não apenas conservaram, como aumentaram o estatuto herdado dos pais,
o que, não obstante o paradigma acima enunciado e a temporária "desgraça política" do pai, se
apresenta como uma boa trajectória familiar escudada numa boa rede de solidariedades escoradas
na linha materna.
Mas o 2.º anadel-mor dos besteiros (na sua família) casou uma 2.ª vez com uma mulher, pelo
menos de ascendência valenciana e estreitamente ligada à Casa da Duquesa de Coimbra, mulher
do Infante D. Pedro, situação que poderá ter influenciado (ou contribuído para) a temporária
desgraça politica do marido. Embora genealogicamente referida como filha de um titular
valenciano, não possuímos dados que nos permitam concluir que tivesse protagonizado um
casamento vantajoso, e a sua rede de solidariedades familiares, a ter existido em Portugal, ter-se-
à dissolvido no período post-regência.Temos dúvidas sobre o seu estatuto económico e incertezas
sobre o seu exacto estatuto social de origem. Deste segundo casamento, que obviamente
consideramos uma aliança menos vantajosa do que o primeiro nasceram:
- Diogo de Mendonça, o primeiro filho deste segundo casamento, cavaleiro da Ordem de
Santiago, senhor e Alcaide-mor da vila de Mourão, foi progenitor de um dos ramos desta
linhagem cuja dinâmica de ascensão social é anterior à conjuntura familiar criada pela chegada
de D. Jorge aos Mestrados de Avis e Santiago. Progenitor dos Alcaides-mores de Mourão, a sua
descendência próxima, que continuando ligada a Santiago, militou também na Ordem de Cristo,
realizou brilhantes alianças, dentre as quais bastará destacar um casamento com o III Duque de
Bragança e outro com uma filha do vice-rei D. Francisco de Almeida. Desnecessário se torna
salientar que também Diogo de Mendonça ocupou um patamar sócio-económico superior ao de
seu pai, e mais elevado do que aquele que a sua posição na ordem dos nascimentos e o estatuto
dos pais poderia deixar adivinhar.
- Pedro Furtado, ou de Mendonça, o 2.º filho do segundo casamento, exemplo paradigmático do
"militar-não titular" mal posicionado na ordem dos nascimentos, foi um dos escudeiros-fidalgos
que mereceram a confiança de D. João II, que o agraciou por serviços prestados na batalha de
Toro, e ocupou cargos e funções de algum relevo no quadro das ordens de Avis e, já beneficiando
do Mestrado do sobrinho-neto, na de Santiago. Não teve descendência mas a sua trajectória
pessoal não evidencia degradação – antes manutenção – do estatuto sócio-económico de seus
pais.
- João de Mendonça o Cação, o terciogénito do 2.º casamento, cavaleiro-fidalgo sob D. João II
viria a ascender a cavaleiro do conselho de D. Manuel I, terá efectuado, não obstante o seu
posicionamento na ordem dos nascimentos, um bom casamento e na sua descendência próxima
contam-se Comendadores da Ordem de Santiago.Tendo logrado uma carreira cortezã bem
sucedida conseguiu igualmente elevar duradoramente o nível do estatuto sócio-económico do seu
ramo.
- Maria de Mendonça, a 1.ª filha do segundo casamento, protagonizou uma boa aliança com um
herdeiro de dois morgados. Poderá considerar-se que, mantendo o seu estatuto social de origem,
se veio a inscrever num estamento economicamente mais consolidado que veio a mover-se a um
nível médio estabilizado.
No tocante aos bastardos Furtado de Mendonça de 3.ª geração julgamos detectar uma dupla
clivagem. Maria de Mendonça, não obstante a "diferença" do seu nascimento casou no
continente com um fidalgo de província que, embora detentor de um senhorio transmontano, não
pertencia à nobreza de corte. Mas, com o decurso das gerações, a sua descendência viria a
prosperar até atingir o estatuto elevado de titular. Por sua vez Catarina Furtado de Mendonça
(ignoramos se era filha ilegítima ou bastarda) foi terceira mulher de Bartolomeu Perestrelo,
cavaleiro da Casa do Infante D. Henrique, que na qualidade de capitão do Donatário da ilha de
Porto-Santo subiu na hierarquia nobiliárquica a ponto de vir a ser reconhecido expressamente ás
suas descendentes o tratamento de dona.Mas este processo ocorreu ainda no decurso do
povoamento das ilhas, e a descendência desta Catarina realizou alianças que, estribadas no
estatuto do marido a mantiveram, temporariamente embora no plano mais elevado do estamento
fidalgo insular, como foi caso de uma das filhas que, através do casamento com o capitão do
Donatário da (pequena, como Porto Santo) ilha da Graciosa, reproduziu o paradigma materno.
Muito embora estas duas bastardas protagonizem duas trajectórias de sucesso, atento o facto das
suas limitações ab origine, nenhuma delas se pode inscrever na hierarquia cortezã, foram
"empurradas para regiões periféricas"e parece evidente que gozaram de um estatuto social, e
quase seguramente também económico, menos elevado do que os meios-irmãos legítimos.
Mas importa realçar que esta primeira diferenciação social, já patente nas supracitadas filhas
bastardas se iria acentuar ainda mais no que concerne aos bastardos do sexo masculino.Com
efeito, tanto no tocante a Rodrigo de Mendonça como a Fernão Furtado de Mendonça parece
admíssivel que tivessem passado à ilha da Madeira atenta a expectativa de conseguirem, pelo
menos, acrescentamento de estatuto económico e manutenção do estatuto social (Rodrigo
documenta-se apenas como cavaleiro da Casa Real enquanto Fernão é referido como escudeiro-
fidalgo da Casa de D. Afonso V – o mesmo posicionamento que o seu meio-irmão legítimo
Pedro Furtado de Mendonça – embora explicitamente designado como bastardo no respectivo
assento de moradia) à sombra da protecção do cunhado, capitão do Donatário de Porto Santo.
Rodrigo parece ter sido um dos obscuros protagonistas do efémero povoamento das ilhas
Desertas, terá casado dentro do seu estamento e não deixou descendência. Fernão teve uma
existência relativamente acidentada e morreu na ilha Graciosa, casado com uma mulher oriunda
da pequena nobreza nortenha. Nessa mesma ilha o seu primogénito recebeu de D. Manuel I o
irrisório senhorio de uns ilhéus, e sentiu a necessidade de provar a sua nobreza, impetrando ao
mesmo monarca uma Carta de Brazão de Armas. Já o secundogénito sofreria uma ainda mais
evidente degradação de estatuto, já que se documenta como proprietário do ofício de tabelião do
público judicial e notas da vila de Santa Cruz da Graciosa.
Todos estes bastardos insulares configuram trajectórias de povoadores de medíocre sucesso e
visibilidade, com um estatuto claramente diferenciado do das suprcitadas irmãs, para não falar já
dos meios-irmãos legítimos, que pertenciam a um patamar superior e integravam a nobreza de
Corte. Mesmo assim, durante o Mestrado de D. Jorge, um descendente destes bastardos da
terceira geração, que residia na então "remota" ilha do Faial, viria a se cavaleiro da Ordem de
Santiago.
Dois dos seus netos encontram-se documentados como tendo recebido o hábito de Avis, embora
desconheçamos o seu percurso ulterior. Foram seguramente fidalgos da Casa de D. Jorge, além
do próprio António de Mendonça, também o seu filho Jorge, não referido pelos genealogistas
consultados. No tocante à prática da endogamia no seio dos dignitários de Avis, apenas
encontramos o seu filho 2.º Fernão, casado com D. Branca
d’Eça, filha de Diogo de Miranda, comendador de Cabeço de Vide e de Alter Pedroso, na Ordem
de Avis. Não foram encontradas tenças neste ramo, apenas uma menção às moradias respeitantes
ao próprio estribeiro-mor e a seu filho Jorge.
Na linha de Duarte Furtado de Mendonça, tio de D. Ana de Mendonça, a administração da
Comenda do Torrão, na Ordem de Santiago, é como vimos, anterior a 1472 e sobreviveu à
conjura do Duque de Viseu, o que não surpreende, se tivermos presente que esta personagem
mantinha a confiança de D. João II por ocasião das terçarias de Moura, como tivemos ocasião de
verificar. Seu filho Álvaro, que se encontra registado no Livro de Matricula dessa mesma ordem
no ano da morte do pai, deve ter "sucedido" logo após o falecimento paterno, já no começo do
governo de D. Jorge, na Comenda do Torrão, que terá detido até Março de 1517, data em que se
encontra já na posse de D. João de Lencastre.Teriam terminado aí, tanto quanto apuramos, as
ligações entre este ramo dos Furtado de Mendonça e a Ordem de Santiago, iniciando-se uma
clara reorientação para a Ordem de Cristo e o serviço no Estado da Índia onde morreu já Diogo
Furtado, filho deste 2.º Comendador do Torrão. Por seu turno a trajectória do filho 2.º de Duarte
Furtado de de Mendonça, Afonso Furtado, acusa também esta "mudança", uma vez que foi
cavaleiro da Ordem de Cristo e Comendador da Cardiga. Esta "viragem" para a Ordem de Cristo
e o serviço no Oriente parece ter-se projectado também na política de alianças matrimoniais.
Com efeito, enquanto Álvaro de Mendonça, 2.º Comendador do Torrão nesta família, casou com
D. Beatriz da Silva, filha de Fernão Mascarenhas, Comendador de Aljustrel na Ordem de
Santiago, o seu primogénito, Nuno Furtado, que era cavaleiro da Ordem de Cristo, e irmão de
Henrique Furtado, que também morreu na Ìndia, antes de suceder na comenda da Cardiga, terá
exercido funções na armada de Pedro Álvares Cabral, e veio a casar com uma filha do
"descobridor" do Brasil.
Comendas detidas por este ramo na Ordem de Santiago:
Abordaremos agora o ramo de outro tio de D. Ana de Mendonça, Diogo de Mendonça, cuja
carreira se inicia ao serviço régio, que a descendência prosseguirá, meslando-a com a qualidade
se dignitários da Ordem de Avis. Este Diogo de Mendonça, tendo recebido em 1476 o senhorio
da vila de Mourão, de juro e herdade, com a respectiva Alcaidaria-mór.Participou na tomada de
Azamor. Por morte de seu irmão Duarte Furtado de Mendonça sucedeu em 1494 no ofício
familiar de Anadel-mór dos besteiros do conto. Mesmo antes da exinção desse ofício (ocorrida
em 1499) encontra-se registado no Livro de Matrícula da Ordem de Santiago em 1496. O seu
filho mais velho, Francisco, casou com uma filha do Governador e Vice-rei do Estado da Índia
D. Francisco de Almeida, ele próprio cavaleiro da Ordem de Santiago, e morreu em vida do pai,
deixando duas filhas, embora não tendo filhos varões nem ele próprio se encontre incluído entre
os acompanhantes de D. Francisco de Almeida, já o seu irmão Tristão de Mendonça,
Comendador de Mourão na Ordem de Avis, militou na índia, onde foi capitão de Ormuz e veio a
morrer em 1530. O secundogénito deste Diogo de Mendonça, Pedro de Mendonça, recebeu, em
1523, 20.000 reis de tença de seu primo o Mestre D. Jorge e na sua descendência prosseguiu a
Alcaidaria-mor de Mourão, embora o seu filho 2.º Tristão de Mendonça, tenha sido Comendador
de Mourão, na Ordem de Avis, na qual sucedeu o filho mais velho deste último Pedro de
Mendonça.
Este Tristão de Mendonça o Larim, parece configurar um dos raros casos de Comendadores da
Ordem de Avis a fazer uma carreira militar e administrativa na Índia .
O filho 3.º de Diogo de Mendonça, Pedro, foi Freire Cavaleiro da Ordem de Cristo, o mesmo
sucedendo com o filho 4.º, Cristóvão de Mendonça.
Neste ramo, constamos além da tença concedida a Pedro de Mendonça pelo Mestre D. Jorge, e
da existência de 2 Freires Cavaleiros da Ordem de Cristo :
Comenda da Ordem de Avis:
1 – Comenda de Mourão (2 gerações).
Restará analisar a descendência de João de Mendonça, o Cação, último tio de D. Ana de
Mendonça de que nos ocuparemos. O filho 2.º deste João de Mendonça, Alcaide-mór de Chaves
e cavaleiro de África, chamou-se Simão de Mendonça, foi fidalgo da Casa de D. Jorge,
recebendo uma tença, que foi aumentada em 1519, cavaleiro da Ordem de Avis e Comendador
de Sta. Maria de Portalegre, e teve um filho, Luís de Mendonça que, a seu pedido, recebeu o
hábito de Avis em 1541.Por seu turno a filha mais velha de João de Mendonça, D. Violante,
casou com Aires de Sousa, o qual, tendo sucedido a seu pai Lopo de Sousa a Comenda da
alcáçova de Santarém, que transmitiu a seu filho Francisco de Sousa, o Vilão, deteve iguamente
Alpedriz e Alcanede na Ordem de Avis.
Além a pertença de dois membros deste ramo à Casa do Mestre D. Jorge, um dos quais com uma
tença, que foi acrescentada, este ramo deteve asseguintes comendas na Ordem de Avis:
Quadro nº249
As Comendas e os Furtado de mendonça
Redigido (no todo ou em parte) em 1534, um ano antes das Cortes de Évora, estamos perante
fontes respeitantes a um período que se pode considerar representativo do Mestrado de D. Jorge,
e num ano em que ainda se encontra viva a "genearca" D. Ana de Mendonça, logo em face de
uma amostra bastante satisfatória em termos quantitativos e qualitativos, e além do mais, embora
algo mais tardias, fontes coincidentes com um período de "maturidade" do governo de D. Jorge,
que nessa época já tinha procedido à distibuição de cargos, dignidades, terras, prebendas,
jurisdições e rendas que o Mestre foi repartindo com os filhos. Verificando-se claramente que
neste período do governo de D. Jorge, correspondente à terceira década de Quinhentos,
Comendas tais como, por exemplo: Alcanede, Veiros, Alvalade saíram aparentemente do âmbito
da linhagem.
Quadro nº250
Comendas, Comendadores e respectivos rendimentos 1534
Renda
Comenda Nome
(reais)
Comenda de Coruche, Alcaidaria 500.000
D. Luís, filho do Mestre 1 1
de Avis 20.000
80.000 2
Comenda de Mora Joam de Paiva, figura também como com.de Ouriz __
50.000 3
Comenda de Seda Na mão do Mestre, consertado para a dar a D. Luís 300.000 2 4
Com das Galveias Cristóvão de Gouveia 100.000 1 5
Pedro de Gouveia 80.000
André de Sousa Tavares 30.000
Comenda do Cano 1 6
Um f.º d Ántonio de Mendoça 60.000
80.000
Comenda da Figueira Álvaro Pires 40.000, ou __ 7
80.000
Comenda Mor d’Estremoz Dom Luis, filho do Mestre 600.000 3 8
Comenda de Cabeça de Vide e Diogo de Miranda 500.000, 9
1
Alter Pedroso Cristóvão de Miranda 900.000 11
Comenda de S.ta Marª de
Simão de Mendonça 80.000 2 12
Portalegre
Comenda de Olivença Simão de Mça, fº de Antonio de Mendonça 300.000 3 13
Francisco de Miranda Henriques 400.000
Comenda d’Elvas 2 14
Henrique Henriques (de Miranda) 200.000
Vasco Fernandes Homem 200.000
Comenda da Freiria d´´Evora __ 15
Um f.º de Vasco Fernandes, q. foi vedor da duquesa 250.000
__
Comenda da Juromenha O almirante; D. Lopo de Azevedo 500.000 16
Comenda de Moura e Serpa e Luís de Mendonça que, com Fernão de Mendonça, 700.000
4/5/6 19
Olivença surgem como Serpa e Olivença 800.000
Comenda de S.ta Maria de Beja, Um f.º de Jorge Furtado 200.000
7 20
Rio Maior Afonso Furtado 600.000
450.000 ou
Comenda de Albufeira Dom João de Meneses 21
500.000
Comenda de Noudar com o hábito
O Duque de Aveiro 800.000 __ 22
de S. Tiago
Um f.º de Pedro de Mendonça, Tristão de 80.000
Comenda de Mourão 8 23
Mendonça 150.000
Com. Alcáçova de Santarém Aires de Sousa, genro de J. Mendonça 800.000 9 24
160.000
Comenda de Pernes Um f.º de Rui Gil Magro __ 25
400.000
Comenda de Alpedriz Um f.º de Aires de Sousa, (talvez Pêro de Sousa?) 80.000 10 26
200.000, ou
Comenda do Casal D. João de Almeida __ 27
300.000
Martim Afonso de Miranda 300.000
Comenda do Seixo 3 28
Diogo de Miranda 60.000
Um f.º de Jorge Melo Pereira, Martim Afonso de
Comenda da Meimoa 100.000 __ 29
Melo
Comenda de Penela Pedro de Gouveia 80.000 2 30
Pedro de Gouveia 80.000
Comenda de Aveiro 3 31
Nuno Homem 40.000
250.000 __
Comenda S. Vicente da Beira D. Francisco da Costa 32
80.000 __
Com. de S. Tiago da Várzea Duarte Dias 33
__
150.000 __
Comenda de Penela Simão Velho 42
__
Encontramo-nos em 1534 perante uma amostra muito representativa das Comendas da Ordem de
Avis que, estamos em crer, pouco ultrapassariam as 44 que acabamos de inventariar, muito
embora as fontes que estamos a utilizar refiram "…afora estas Comendas há muitas herdades,
foros e terras que ao presente não sei bem dar razão dellas por haver annos que ando fora
disto" . E, julgamos que a confirmar a natureza aproximativa deste "apanhado", bastará lembrar
que, por exemplo, a Comenda de Fronteira, que não figura nesta lista, é referida como integrando
a Mesa Mestral na visitação iniciada em 10 de Outubro de 1538 e orçamenta um rendimento
anual estimado em 700.000 reais, 7 moios de cevada e 12 arrobas de cera em salvo pêra o
Mestre.Fica assim referido o valor aproximativo da fonte utilizada e, consequentemente, o rigor
das ilacções que dela podem ser retiradas.A mesma conclusão de que esta fonte apresenta
fiabilidade suficiente para ser levada em conta parece retirar-se da comparação com as
informações fornecidas por MENDONÇA, que estudou uma visitação efectuada ás terras da
Ordem de Avis em 1580 Esta autora, entre outros dados, aos quais seremos obrigados a regressar
a quando da tentativa de reconstituição do património desta milícia, refere que, decorridas 5/6
décadas sobre as visitações de que nos ocupamos, a Ordem militar de Avis contava 45
localidades, distribuídas por três categorias: 9 Comendas, 17 lugares com jurisdição temporal e
igrejas, e, finalmente, 19 lugares sem jurisdição temporal mas com igrejas.
Os autores do inventário em apreço estimaram que o conjunto da Comendas e Alcaidarias valiam
8.260.000 (oito milhões e duzentos e sessenta mil ) reais, valor que entendemos aproximativo
tendo em conta que este elenco foi elaborado a partir de vários apontamentos, não integralmente
coincidentes, e que nem sempre coicidem com as rendas que constam nas visitações por nós
trabalhadas provavelmente elaborados com anos de intervalo.Pelas nossas contas, que podem
não ter levado em conta outros dados considerados pelos compiladores das listas mas que nelas
não surgem evidentes, o rendimento global das Alcaidarias e Comendas aproximar-se-ia,
somando as parcelas constantes das listas dos 13.750.000 (treze milhões, setecentos e cinquenta
mil reais).
Esta aparente "discrepância" leva-nos a concluir que o valor apontado pelos "contabilistas" da
Ordem de Avis como correspondente á receita global de Comendas e Alcaidarias se apresenta
deduzindo já a parcela correspondente aos "encaixes" directos dos filhos do Mestre D. Jorge,
uma vez que subtraindo aos 13.750.000 reais por nós estimados como receita, os 5.300.000 reais
percebidos pelos filhos do Mestre D. Jorge, obteremos uma verba de 8.450.000 reais,
francamente próximo da "receita livre" adiantada pelos "contabilistas" de Avis.
Será necessário recordar que, ao longo do processo sucessório que decorreu ao longo do período
plasmado nesta lista alegadamente correspondente a 1534 os herdeiros da linhagem dos
Mendonça receberam combinações variáveis de "quinhões/rendimentos
(veja-se, por exemplo: as combinações de Moura, pensões de Olivença, Moura Serpa e Olivença)
o que dificulta o cálculo dos respectivos rendimentos, se referidos a um segmento temporal
preciso, como seria o ano de 1534. Um tanto arbitrariamente iremos tentar isolar o rendimendo
de cada comenda, separando – o dos conjuntos em que surge integrado.
Tendo presente tudo o que deixámos atrás, e embora tendo como pressuposto que o cálculo do
rendimento global das Alcaidarias e Comendas da Ordem de Avis efectuado pelos compiladores
das listas em análise possa conter, ou omitir, dados que ignoramos, apresentaremos como
postulado um cômputo global destas receitas próximo dos 13.750.000 reais
Deste quantitativo global de rendimentos cerca de 29% (4000.0000 reais) pertenciam
directamente a D. Luís de Lencastre, Comendador-mor de Avis, que detinha as Comendas de
Estremoz, Coruche, Alcanede, Veiros, Alandroal, Seda, Fronteira e as Alcaidarias de Avis e
Benavente. A estes 4.000.000 de reais seria necessário acrescentar os 800.000 reais
correspondentes à Comenda de Noudar que o primogénito do Mestre receberia, de acordo com as
mesmas fontes, com o hábito de Santiago.E não esquecer os 500.000 reais auferidos pelo Prior-
mor de Avis D. Jorge de Lencastre, o que nos levaria a concluir que, do montante global dos
rendimentos em apreço, os filhos do Mestre D. Jorge receberiam directamente dos rendimentos
das Comendas e Alcaidarias cerca de 5.300.000 reais, ou seja: 38,5%% do rendimento global.
Por seu turno, Os rendimentos somados das Comendas detidas pelos Furtado de Mendonça
ascendiam a cerca de 3.140.000 reais, perfazendo 22,8% desse mesmo rendimento. E, pelas
mesmas contas, a percentagem que caberia ao Lencastre e aos Mendonça (família materna do
Mestre D. Jorge) das receitas e Alcaidarias e Comendas da Ordem de Avis ascenderia a cerca de
61,3%, sobrando apenas para todos os restantes Comendadores 38,7% das receitas em apreço.
Mesmo tende presente o carácter eventualmente menos rigoroso dos quantitativos que
apontamos não parece arriscado admitir que nos encontramos – passe a liberdade de expressão –
em face de uma institituição no seio da qual este tipo de rendimentos era distribuída de acordo
com uma leonina óptica familiar dentro da qual avultavam os filhos do Mestre, imediatamente
seguidos pelos primos Mendonça. e, a alguma distância, pelos Miranda que, com 2.180.000 reais
de proventos advenientes das Comendas, perfaziam cerca de 15,8% da receita. Ou, tentando
sintetizar, apenas as três linhagens dos Lencastre, Furtado de Mendonça e Miranda
"arrecadavam" qualquer coisa como 77% da totalidade das receitas das Comendas e Alcaidarias
da Ordem de Avis no período imediato ao Capítulo Geral de 1532.
Se na primeira recolha, efectuada com recurso aos elementos recolhidos e ordenados por
PIMENTA na sua minuciosa análise sobre a componente humana das Ordens de Avis e Santiago,
nas informações complementares carreados por DUTRA, e em informações avulsas contidas
noutros estudos, e nos genealogistas considerados geralmente fiáveis (todas essas fontes serão
registadas no esquema genealógico que encerra esta parte), tínhamos proposto que os
descendentes da linha de Jorge Furtado Mendonça, irmão secundogénito de D. Ana de
Mendonça, e dos seu tios João e Duarte de Mendonça, tivesssem detido, embora utilizando um
mecanismo de "sucessão" no seio da mesma linhagem apenas onze comendas na Ordem de Avis.
Ora o quantitativo das Comendas que lhes são atribuídas nas supracitadas listas de que nos
ocupamos ulteriormente, parece confirmar que, em termos gerais, esse penoso levantamento teria
permitido chegar a conclusões que validavam o carácter representativo que lhes havíamos
atribuído.
Com efeito, de um total de 44/45 Comendas existentes em 1534 nessa mesma Ordem de Avis,
cerca de quinze delas sucederam-se na posse de membros da família materna do Mestre D. Jorge.
Ou seja, depois de nos havermos detido numa análise ad valorem, seremos obrigados a constatar
que, em termos estritamente percentuais, os Mendonça detinham 33,3% das comendas da Ordem
de Avis.
Importará desde logo recordar as dimensões reais do universo dentro do qual nos estamos a
mover, sublinhando que as fontes utilizáveis são relativamente abundantes e fiáveis. PIMENTA
reportando-se ao período compreendido entre os últimos cinco anos do século XVI e o final do
governo do Mestre D. Jorge recenseou 2933 indíviduos directamente ligados ás ordens de Avis e
Santiago, tanto leigos como clérigos, e abrangendo um leque que, partindo dos mais altos
dignitários das duas milícias toca praticamente todos os escalões dos respectivos aparelhos
administrativos.
No entantanto, dos quase três milhares de nomes que constituíram uma das parcelas da
componente humana das duas milícias ao logo de mais de meio século (outras componentes
serão abordadas quando nos debruçarmos sobre a propriedade fundiária) apenas um pouco
menos de 15% correspondiam efectivamente a membros e "funcionários" da Ordem de Avis (dos
quais cerca de 29% eram clérigos), cifra cujo total não lograva alcançar o meio milhar de
indíviduos.
Deliberadamente não nos atrevemos a efectuar uma proposta quantitativamente mais rigorosa
porquanto, durante um período grosso modo compreendido entre 1495 e o Capítulo Geral de 5 de
Agosto de 1503, deparamo-nos com um percentual elevado de dignitários ligados à Coroa que,
ao menos transitoriamente, foram nomeados para escalões médios e elevados do aparelho
administrativo da Ordem de Avis, sem que fique claro se já detinham, ou vieram a deter, vínculo
efectivo à milícia.
Nessas cerca de cinco centenas de membros da Ordem de Avis escasseiam os indivíduos
claramente pertencentes à "nobreza de corte" tal como esta se encontra inventariada no já
referido Livro de Linhagens do século XVI . Com efeito, exceptuando os Furtado de Mendonça
de que nos ocupamos (e respectivas parentelas), apenas conseguimos detectar, com uma
implantação ligeiramente mais representativa do que aquela que caracteriza a presença
esporádica de um ou outro fidalgo mais destacado, outra linhagem inegavelmente relevante neste
contexto: a dos Miranda.
Embora não seja este o local adequado para tentar aprofundar a caracterização da componente
humana desta milícia, importará admitir desde já que, mesmo à escala do reino, a Ordem de Avis
constituía apenas uma "instituição" marcadamente regional que, exceptuando os exemplos mais
significativos das comendas de Aveiro, Oriz e S. Vicente da Beira, tinha a evidente maioria dos
seus bens e influência localizados a Sul de uma linha meridiana que passasse por Santarém, e na
esmagadora maioria das vezes em que as fontes mencionam a naturalidade ou residência dos
seus membros, os refere como tendo nascido, ou vivendo, a Sul do rio Tejo.Não será fácil de
comprovar de modo sistemático e sustentado, mas fica-nos a sensação de que estamos perante
uma "organização" quase "familiar", recrutando localmente uma fatia substancial dos seus
membros, e permanecendo como que alheia aos apelos da "expansão ultramarina" e
relativamente "estanque" a pressões efectuadas pelo poder régio no sentido de injectar no seu
seio "corpos estranhos". Situação que talvez não ficasse tanto a dever-se a uma especial
"benevolência"dos monarcas como ao magro interesse representado pelas comendas e o tipo de
prebendas que a ordem poderia oferecer ao monarca para recompensa de serviços. E, por outro
lado, cujo "modesto recato" se adequava perfeitamente para "acomodar", quase diríamos
discretamente, linhas não primogénitas dos Lencastre e dos Furtado de Mendonça.
§1
Os pais de D. Ana de Mendonça
III - Nuno Furtado de Mendonça, avô materno de D. Jorge, filho primogénito de Afonso Furtado
de Mendonça e de sua primeira mulher Constança Nogueira. (no n.º II, supra).
Terá nascido cerca de 1437, em 1462 consta dum rol de cavaleiros-fidalgos da Casa de D.
Afonso V, recebendo 2200 reis de moradiaA 25 de Janeiro de 1463, teria então 25 anos, é
referido como fidalgo da casa d’el rei (D.Afonso V) quando obtém carta de privilégio para João
Galgo, besteiro e morador em Estremoz . Mantinha-se como cavaleiro-fidalgo em 1469 Mas já
anteriormente tinha sido nomeado Aposentador mor de D. Afonso V, documentando-se neste
cargo desde, pelo menos, 1466 .Em 1474 encontra-se referido como fazendo já parte do conselho
régio Volta a documentar-se nesse mesmo cargo de Aposentador-mor, em 5 de Abril de 1475
quando D. Afonso V lhe concede licença para arrendar, por quatro anos, quaisquer rendas e
direitos . Nesse mesmo ano, e possivelmente depois de ter efectuado os arrendamentos a que
fora autorizado para reunir os fundos necessários, precedeu ou acompanhou o monarca na sua
expedição a Castela e lá morreu, antes da chegada das tropas comandadas pelo futuro D. João II
a Toro, em Janeiro de 1476 .
Em 16 de Setembro de 1473, quando a sua mulher, Leonor da Silva, obteve de D. Afonso V para
o seu amo Mendo Afonso carta de vassalo e de aposentadoria, vem referido como " Nuno
Furtado, do conselho do rei e Aposentador mor". Casou, em 1464 ou 1465 , com Leonor da
Silva, já viúva de Martim Correia . Esta senhora é, quase invariavelmente, referida nos livros de
linhagens posteriores – e mesmo nas já referidas Anedotas Portuguesas – como filha de Fernão
Martins do Carvalhal, Alcaide-mor de Tavira, acentuando-se o seu próximo parentesco com o
condestável D. Nuno Álvares Pereira. Parentesco esse sempre muito requestado na sua
simbologia, e abundamente "servido" pelos genealogistas dos séculos XVI, XVII e XVIII, que
utililizaram convenientemente a existência de numerosíssimos – e nem sempre
convenientemente estudados – irmãos e irmãs do Condestável.
Mas não é exactamente esse o conteúdo do Livro de Linhagens, quase contemporâneo, nobiliário
das famílias da Corte portuguesa, que embora referindo como pai de Leonor da Silva"um"
Fernão Martins do Carvalhal, omite a sua alegada qualidade de Alcaide-mor de Tavira e o nome
da mulher. Omissões que, pelo menos é esse o nosso entendimento, não se teriam verificado se a
personagem em apreço fosse o bem cohecido Alcaide-mor de Tavira, primo dos Duques de
Bragança. Curiosamente existiu uma voz dissonante que, aparentemente, veio confirmar as
nossas suspeitas, trata-se de Damião de Goes, cronista que conhecia bem os rumores da corte e
terá redigido o seu manuscrito de Linhagens (BNL, reservados) menos de cinquenta anos depois
das ocorrências descritas, dá-a como filha - não do supracitado Alcaide-mor de Tavira - mas de
um outro Fernão do Carvalhal, (que se não documenta como Fernão Martins do Carvalhal) da
ilha da Madeira, e da mulher deste, Violante Teixeira, esta filha do segundo capitão do Donatário
do Machico, Tristão Vaz Teixeira (o famoso e escandaloso Tristão Vaz, das Donas). De qualquer
modo no documento da Chancelaria pelo qual D. Afonso V doa à viúva de Nuno Furtado de
Mendonça, em 18 de Agosto de 1476, as tenças anuais que estavam assentes no almoxarifado de
Santarém, (como nas restantes fontes primárias que a referem) Leonor da Silva não se encontra
mencionada com o dona que talvez lhe pertencesse como tratamento se fosse efectivamente filha
daquele Alcaide-mor de Tavira.
Referimos esta dissonância porque, não obstante os netos do capitão Afonso Furtado terem já
alcançado uma posição sólida na corte antes do reinado de D. João II, as origens desta linhagem
permanecem pouco claras, e vieram a ser objecto de uma eficaz mistificação .No tocante aos
"retoques introduzidos na ascendência materna de D. Ana de Mendonça, estes foram efectuados
ainda no século XV ou, o mais tardar, no início do século XVI, como se depreende do conteúdo
do Livro de Linhagens, e do próprio LL de Damião de Góis, inserindo-se por isso na tentativa de
"reabilitação" da figura de D. Ana a que temos aludido.Da mesma fonte se depreende que,
embora "aperfeiçoada" a partir do século XVII, a tentativa de entroncar os antepassados da mãe
de D. Jorge nos Hurtado de Mendoza castelhanos, de régia ascendência, poderá datar do mesmo
período, o que não seria de estranhar.
Leonor da Silva deve ter morrido pouco depois, quase seguramente antes de 1477, ano em que
são doadas ao filho primogénito do seu 2.º casamento, (na altura com cerca de dez anos, e como
os seus cinco irmãos órfão de pai e mãe) as supracitadas tenças.
1.IV – Jorge Furtado de Mendonça, irmão primogénito de D. Ana, e tio de D. Jorge (ORDEM de
SANTIAGO) Em 1484 é mencionado, apenas como Jorge Furtado, moço-fidalgo da Casa de D.
João II, vencendo 1000 reis de moradia. O LL de Linhagens do século XVI refere-o como
Camareiro-mor de seu sobrinho D. Jorge e Comendador de Sines, Entradas e Represas na Ordem
de Santiago, terá nascido cerca de 1465. Em 23 de Janeiro de 1477 foi contemplado com uma
tença de 20.000 reais de prata (a tença de seu pai era do mesmo montante). Fidalgo da Casa de
seu sobrinho o senhor D. Jorge, duque de Coimbra e mestre das Ordens de Avis e Santiago.
Registado no Livro de Matrícula da Ordem de Santiago em 1 de Abril de 1496 . Como cavaleiro
da Ordem de Santiago recebe em 12 de Abril de 1496 uma tença com o hábito da Ordem . Em 28
de Outubro de 1498 recebe nova mercê . Em 23 de Junho de 1496 tinha sido nomeado
camareiro-mor do mestre D. Jorge .
Ainda no século XV, e durante os primeiros anos do seguinte, é encarregado pelo mestre seu
sobrinho de missões e tarefas de vária índole no âmbito da Ordem de Santiago. Por exemplo: em
2 de Outubro de 1498 é incumbido de investigar as irregularidades que terão sido detectadas ao
nível do exercício das funções dos tabeliães .
Em 8 de Outubro de 1500 recebe as rendas de um forno em Setúbal e, cinco dias mais tarde, nova
tença . Ao nível do cerimonial da Ordem teve um papel de destaque sendo requisitado para armar
cavaleiros muitos candidatos, tal como se verifica, designadamente, no período compreendido entre
Agosto de 1503 e Março de 1508 .
Pertenceu aos Treze e, nessa qualidade, esteve presente no Capítulo Geral da Ordem de 25 de
Outubro de 1508, integrando o grupo de membros da mesma que passou procuração a D. Jorge .
Comendador das Entradas e Padrões é referido por ocasião da visita de 18 de Janeiro de 1511 .
Igualmente comendador das Represas uma vez que, em 1521, renuncia a essa última comenda
em seu filho Jorge Furtado de Mendonça, embora a mantenha em vida . Com efeito, volta a ser
referido na visitação de 1526 , e em 13 de Outubro de 1533
Encontra-se presente no Capítulo Geral da Ordem em 14 de Outubro de 1532 .
Também se documenta como comendador de Sines. Em 25 de Março de 1525 tinha garantido a
passagem desta comenda para o seu filho Lopo Furtado de Mendonça
.O que o não impede de permanecer como comendador "nominal", como sucede na visitação de
21 de Novembro de 1533 Em 15 de Junho de 1534, contando ele cerca de 77 anos, o seu filho
Nuno Furtado de Mendonça recebe a carta de hábito da Ordem de Avis, que para ele havia
solicitado ao mestre D. Jorge .
Jorge Furtado de Mendonça casou três vezes, a primeira com D. Isabel da Cunha, dama da rainha
D. Leonor, filha mais nova do 2.º João Rodrigues de Sá, Camareiro-mor de D. Afonso V, senhor
de Sever e 2.º Alcaide-mor do Porto de juro e herdade (16de Junho de 1449) e de sua 3.ª mulher,
D. Joana de Albuquerque . Casou pela 2.ª vez com D. Maria de Sousa, referida por Damião de
Góis como filha de Nuno de Sousa, e de sua mulher D. Mécia de Albuquerque . Casou ainda,
pela terceira vez com D. Guiomar da Silva, filha mais nova de João Freire de Andrade, 4.º senhor
de Bobadela, Lagares da Beira e Ferreira (4 de Dezembro de 1472) e de sua mulher D. Maria da
Silva .
Filhas do 1.º casamento do Camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça:
Filha primogénita:
1.V – D. Ana de Mendonça, prima direita do Mestre D. Jorge, mulher deFrancisco Correia,
senhor de Belas filho natural de Cristóvão Correia,fidalgo da Casa Real, Comendador e Alcaide-
mor de Colos, e maistarde, de Alvalade na Ordem de Santiago e como tal referido desde 13de
Março de 1516 , e Vedor da Casa da rainha D. Maria.Ainda como comendador de Colos, mas já
referido como pertencente aos Treze, foi um dos que outorgou procuração ao mestre D. Jorge
nocapítulo geral de 14 de Outubro de 1532 . A partir de 1517 surgecomo comendador de
Alvalade, até, pelo menos, Outubro de 1533 .Receberá também a comenda de Vila Nova de Mil
Fontes e está referido na visitação de 7 de Abril de 1544 .Antes de Agosto de 1548 (data em que
seu filho Manuel Correia asrecebe do mestre D. Jorge) tinha renunciado já no filho as comendas
de Colos e Vila Nova de Mil Fontes, na Ordem de Santiago, deixandotodavia a salvaguarda
cautelar de que manterá vitaliciamente aadministração e rendas das mesmas.
Tiveram Filho:
1.VI – Manuel Correia, primo do Mestre D. Jorge, recebeu cartade hábito da Ordem de Santiago,
sendo menor, em 12 de Junho de 1548, professou e, nesse mesmo ano de1548 "sucedeu nas
Comendas de Colos e Vila Nova de Mil Fontes na Ordem de Santiago, bem como a Alcaidaria-
mor da 1.ª vila, como ficou acima.
2.V – D. Brites da Cunha, prima direita do Mestre D. Jorge, foi mulher de D. Francisco de
Noronha, o sardinha, filho de D. Luís de Noronha, Comendador de Sines, na Ordem de Santiago
que sucedeu ao sogro como camareiro-mor do mestre D. Jorge . Recebeu carta de hábito da
Ordem de Santiago a 21 de Outubro de 1510 . Encontra-se registado no Livro de Matrícula da
Ordem a 26 do mesmomês e ano . Foi nomeado comendador de Casével em 1 de Julho de 1531 ,
referido nas visitações efectuadas a esta comenda em 11 de Dezembro de 1533 até 20 de
Fevereiro de 1544 , mas embora figure como comendador nesta última data, sabemos que tinha
já garantido a sucessão da mesma para seu filho, D. João de Noronha, TiveramFilho:
5.V – António Furtado de Mendonça, primogénito do ramo primogénito desta família, primo
direito do Mestre D. Jorge, foi fidalgo da Casa do Mestre D. Jorge , cavaleiro da Ordem de
Santiago, autorizado a professar em 9 de Novembro de 1526 , uma vez que já tinha o habito da
Ordem desde a menoridade . Registado no Livro de Matrícula da Ordem em 16 de Outubro de
1526 . Recebe do pai a comenda de da Represa em 12 de Agosto de1521, embora aquele
conserve a fruição das rendas Comendador das Entradas e Padrões, encontrava-se ausente por
ocasião das visitações de21 de Novembro de 1533 o mesmo diploma menciona que
AntónioFurtado de Mendonça detinha a respectiva administração desde 12 de Junho de 1516.Na
visitação da comenda das Entradas efectuada em 3 de Março de 1544 voltou a não comparecer .
Casou com D. Margaridade Noronha ,filha de Alonso Perez Pantoja cavaleiro da Ordem de
Santiago em 6 de Junho de 1503 , Comendador de Santiago do Cacém, em que sucedeu a seu pai
pelo menos desde 1508, altura em que é mencionado cmo fazendo parte dos Treze Sucedeu
também na Comenda de Tavira . E foi um dos dignitários da Ordem de Santiago que outorgou
procuração ao Mestre D.Jorge em 14 de Outubro de 1532 . Por sentença de 14 de Agosto de
1537, viu posta em causa a sua autoridade na Comenda de Santiago do Cacém, onde era
simultaneamente Alcaide- mor desde 1533 , mas continuou a administrar essa comenda, como se
verifica em 15 de Abril de 1544, e em 25 de Março de 1545 de sua mulher D. Brites de Noronha,
de quem teve, primogénito, entre outros: Filho primogénito de António Furtado de Mendonça e
de D. Margarida de Noronha:
2.VI – Afonso Furtado de Mendonça, que ALÃO refere como filho secundogénito de António
Furtado de Mendonça e irmão do antecende Jorge, acima, no n.º 1.VI. Foi Deão de Lisboa
3.VI – Simão de Mendonça, primo direito do Mestre D. Jorge, de cuja Casa era fidalgo,
Comendador de Santa Maria de Portalegre na Ordem de Avis, recebeu acrescentamento de tença
em 4 de Junho de 1519Referido nas listas de 1534, como Comendador de Olivença, na Ordem de
Avis Casou na Índia, e tevFilhos não mencionados no LL, nem por MORAES:
1.VI – Luís de Mendonça, primo do Mestre D. Jorge, recebeu carta de hábito da Ordem de Avis,
sendo menor, em Novembro de 1541. Referido nas listas de 1534
2.VI – Bernardim de Mendonça, primo do Mestre D. Jorge, recebeu carta de hábito da Ordem de
Avis em 31 de Julho de 1526
6.V – Afonso Furtado, , primo direito do Mestre, filho segundo de Jorge Furtado de Mendonça e
de sua 2.ª mulher D. Maria de Sousa, acima, no n.º 1.IV. Atenta a cronologia poderá tratar-se do
secundogénito do 2.º casamento de Jorge Furtado de Mendonça que PIMENTA, refere um como
fidalgo da Casa do mestre D. Jorge, cavaleiro da Ordem de Santiago, que em 1529 recebeu, com
o hábito, uma tença de 30.000 reais que, uma década mais tarde, em 19 de Novembro de 1539,
seria elevada para 100.000 reais. Tal como DUTRA menciona este mesmo Afonso Furtado de
Mendonça, fidalgo da Casa de D. Jorge, matriculado na Ordem de Santiago em 7 de Outubro de
1532, tansferido para a Ordem de Avis em 1542, como a seguir referiremos. Mencionado como
Comendador de Santa Maria de Beja em 1534.
Em 3 de Fevereiro de 1542 é-lhe concedida a mudança para o hábito de Avis, como havia
solicitado. Casou com D. Joana de Sousa, filha de André Pereira, e tiveram geração, dentre a
qual destacamos os filhos André Furtado de Mendonça, Governador do Estado da Índia e João
Furtado de Mendonça, Governador do Algarve e de Angola, que foi Comendador de S. Romão
da Fonte Coberta, na Ordem de CristoDeste último ficou pelo Menos um filho, Francisco
Furtado de Mendonça, que foi comendador de Borba e de Fronteira, na Ordem de Avis, mas
encontrando-se em Castela, em 1640, por lá ficou Quinta filha do Camareiro-mor Jorge Furtado
de Mendonça, nascida do 2.º casamento, não referida no Livro de Linhagens
7.V – D. Margarida de Sousa, prima direita do Mestre D. Jorge, filha do 2.ºcasamento de Jorge
Furtado de Mendonça com D. Maria de Sousa, acimano nº 1.IV, foi mulher de seu cunhado Pero
Pantoja, fidalgo da Casa de D. Jorge, (ver acima, n.º 5.V), filho de Alonso Peres Pantoja,
cavaleiro da Ordem de Santiago, matriculado em 8 de Janeiro de 1533 , que recebeu carta de
hábito em16 de Janeiro de 1533 , e sobrinho de Galim Perez Pantoja, cavaleiro da Ordem de
Santiago em 24 de Julho de 1503, que DUTRArefere como comendador de Loulé e presente no
Capítulo Geral de 1532, bem como o Capítulo de 1564
Em 15 de Janeiro de 1534 este Pedro Pantoja é referido como comendador de Tavira. Mas uma
década depois, em 18 de Março de 1544, da respectiva visitação consta que nessa data era
comendador da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Martim Longo de Alcoutim, bem
como comendador da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Tavira
Foi igualmente alcaide-mor de Santiago de Cacém, e como tal vem referido na visitação de 15 de
Abril de 1544 .
Em 11 de Julho de 1548 solicitou ao mestre D. Jorge carta de hábito de menor para o seu filho
Alonso Peres Pantoja no qual renunciou a comenda de Tavira na Ordem de Santiago em 15 de
Agosto seguinte .
De acordo com PIMENTA deve ter morrido pouco depois de Março de 1545 uma vez que em
Setembro desse ano a Ordem tomou posse da Alcaidaria-mor de Cacém, invocando o
falecimento de Pero Pantoja, o que contradiz DUTRA, que o dá como morto na batalha de
Alcácer Quibir, confundindo-o com o seu neto primogénito
Tiveram, filho:
1.VI – Alonso Peres Pantoja, primo do Mestre D. Jorge, sucedeu na comenda de Tavira na
Ordem de Santiago, como se refere em Janeiro de 1534
Filhos do 3.º casamento do Camareiro-mor Jorge Furtado de Mendonça:
8 V – Lopo Furtado de Mendonça, primo direito do Mestre D. Jorge, foi cavaleiro da Ordem de
Santiago e terá sucedido a seu pai na Comenda de Sines, como vimos acima.Recebeu carta para
professar em 16 de Novembro de 1535 . Encontra -se registado no Livro de Matrícula da Ordem
a 1 de Outubrode 1536 . Surge referido como comendador de Sines , dignidade que mantinha
ainda, juntamente com a alcaidaria-mor, em 10 de Abril de1544, Por um diploma de 24 de
Novembro de 1548 documenta-se como responsável pela igreja de S. Clemente de Loulé. Casou
com D.Isabel de Lucena, filha do Dr. João Rodrigues de Lucena, cavaleiro daOrdem de Santiago,
em cujo Livro de Matrícula se encontra registado a20 de Maio de 1529 que recebeu tença das
rendas do Forno dos Banhos, em Setúbal, em 6 de Junho de 1528 e de sua mulher Maria Tavares,
s.g. Casou 2.ª vez com D. Luísa da Silva, filha de Jorge Barreto, comendador de Castro Verde, na
Ordem de Santiago, como tal referido em 29 de Junho de 1530, diginidade que mantinha em 3 de
Dezembro de 1533, mencionado por ocasião dos Capítulos Gerais de 14 de Outubro de 1532,
1550 e 1564 e de sua mulher D. Joana da Silva, esta última filha de Fernão de Albuquerque,
comendador de Vila Verde, na Ordem de Santiago.Tiveram, entre outros, Filhos:
1.VI – Jorge Furtado de Mendonça, primo do Mestre D. Jorge, filho primogénito de Lopo
Furtado de Mendonça e de suamulher D. Luísa da Silva. De acordo com MORAESterá sucedido
a seu pai na Comenda de Loulé (ou da Igreja de S. Clemente de Loulé) na Ordem de Santiago.
Casou com D. Maria Teles, filha de D. Miguel Pereira, o Chita. C.g.
2.VI – Nuno Furtado, primo do Mestre D. Jorge, filho segundo deLopo Furtado de Mendonça,
De acordo com MORAES, terá morrido na Índia, s.g
9.V – João Freire, primo direito do Mestre D. Jorge, recebeu carta de hábito da Ordem de
Santiago em 1 de Agosto de 1526. Encontra-se registado no Livro de Matrícula da Ordem de
Santiago em 2 de Setembro de 1526 . No mesmo dia recebeu uma tença de 5.000 reais morreu na
Índia, sendo solteiro
Filhos de Jorge Furtado de Mendonça que não constam do LL e não se encontram mencionados
por Alão de Moraes:
10.V – Jorge Furtado de Mendonça, primo direito do Mestre D. Jorge, em quem seu pai, como
vimos acima,renunciou em 1521 as comendas de Entradas e Padrões na Ordem de Santiago
11.V – Nuno Furtado, primo direito do Mestre para quem, como vimos acima, seu pai obteve em
15 de Junho de 1534 o Hábito da Ordem de Santiago , ainda na menoridade. Viria a ser investido
do mesmo porcarta de 6 de Outubro de 1542 . Recebeu uma tença de 30.000 reais confirmada
por diploma de 20 de Dezembro de 1548 . Encontra-se registado no Livro de Matricula da
Ordem de Santiago, como cavaleiro, em 28 de Novembro de 1544 Esteve presente no Capítulo
Geral daOrdem efectuado em 1550. De acordo com DUTRA ter-se-à transferidopara a Ordem de
Cristo em 1566
§ 1.2
Filho segundo do Aposentador-mor Nuno Furtado de Mendonça
2.IV – António de Mendonça, tio materno de D. Jorge, (ORDEM DE AVIS) (filho segundo de
Nuno Furtado de Mendonça e de sua mulher Leonor da Silva, (acima no n.º III, do 1.º §), nasceu
depois de 1465, provavelmente em 1466 ou 1467, de acordo com a data de casamento dos pais, e
a sua condição de filho segundo, atento o intervalo inter genésico.
Segundo tio materno do mestre D. Jorge, enquanto o primeiro (Jorge Furtado de Mendonça,
acima no n.º 1.IV) se moveu no âmbito da Casa Senhorial do sobrinho e também no da Ordem de
Santiago, este António de Mendonça foi preferencialmente dirigido para a Ordem de Avis.
Fidalgo da Casa de D. Jorge, foi nomeado estribeiro-mor por carta de 18 de Dezembro se 1495 ,
cerca de um ano depois receberia, com o hábito, uma tença de 30.000 reais, em 4 de Dezembro
de 1496 .
Ainda no século XV, em 15 de Fevereiro de 1499, aparecerá documentado como comendador de
Santa Maria de Beja na Ordem de Avis . Por ocasião do Capítulo Geral da Ordem de Avis, em 5
de Agosto de 1503, conta-se entre os membros da Ordem que passaram procuração ao mestre D.
Jorge .
Opina Cristina Pimenta que poderá tratar-se do António de Mendonça que o mestre terá enviado
como avaliador da comenda de Noudar em 6 de Março de 1509. Pelo conhecemos desta
linhagem (e encontrando-se identificados os outros Mendonças portugueses deste período – os
Mendonça Arrais, de comprovada ascendência castelhana) não se consegue referenciar outro
António de Mendonça, ligado ás Ordens que, neste intervalo de tempo, pudesse ter sido nomeado
avaliador da comenda de Noudar , com excepção de outro António de Mendonça (Frei) que em
17 de Março de 1513, e também a 16 de Abril de 1514, se encontra referenciadom mas como
Freire e cavaleiro da Ordem de Cristo.
Comendador do Cano, a visitação de 10 de Fevereiro de 1519 – à qual esteve ausente –
Parece evidenciar um comendador absentista e pouco empenhado na gestão corrente daquela vila
alentejana , actuando por sucessivas delegações de poderes, à margem da intervenção directa, ou
simples consulta, do mestre D. Jorge. São reflexo desta situação as severas Determinações
Gerais dos respectivos visitadores. È certo que, continuando António de Mendonça como
comendador, na visitação de 4 de Outubro de 1538, a que ele voltou a não comparecer, se
notaram alguns progressos e um esforço no cumprimento das supracitadas Determinações . Não
obstante, o rendimento da comenda havia caído dos 30.000 reais apontados em 1519 para
20.000, registados em 1538.
Foi igualmente comendador de Veiros , e de Moura (desde, pelo menos, 1509).
Em 25 de Fevereiro de 1525 recebeu, em conjunto com seu filho Jorge de Mendonça, o
pagamento das respectivas moradias no valor de 14.429 reais .
No Capítulo Geral da Ordem de Avis, em Fevereiro de 1538, sabendo-se que nesse ano era
também comendador do Cano, vem referido apenas como comendador de Moura, Veiros e
Serpa . É mencionado como senhor da quinta da Marateca (Ribatejo) . Deve tratar-se do António
de Mendonça cujos poemas constam do Cancioneiro geral, de Garcia de Resende.
Casou com D. Isabel de Castro filha de D. Diogo de Meneses, Chaveiro da Ordem de Cristo e de
sua mulher D. Cecília de Meneses, como a documentámos, embora tanto Alão de MORAES,
como GAYO o dêem como casado com D. Isabel de Noronha, filha de D. Fernando de Almada e
de sua mulher D. Constança de Noronha.No entanto, como veremos abaixo, SILVA documenta
os pais de Frei Luís de Mendonça, e acrescenta que este casal – António de Mendonça e D.
Isabel de Castro - residia na freguesia de S. Gião, em Setúbal.Os dois supracitados genealogistas
teriam assim convertido a mãe de Frei Luís de Mendonça em sua mulher.
Filho primogénito do Estribeiro-mor António de Mendonça e de sua mulher D. Isabel de Castro:
1.V – Frei Luís de Mendonça, primo direito do Mestre e fidalgo da Casa Real, Freire cavaleiro
da Ordem de Cristo, como tal referido Em 19 de Setembro de 1512 Não obstante ter iniciado a
sua carreira na Ordem de Cristo, caso não se trate de um homónimo, risco sempre presente neste
tipo de investigação, passamos a encontrá-lo como dignitário da Ordem de Avis, cerca de duas
décadas mais tarde. Sucedeu ao pai na quinta da Marateca, foi fidalgo da Casa Real, Terá sido o
comendador de Moura e das pensões de Olivença na Ordem de Avis ,tal como aparece referido
num diploma de 1534 Em 30 de Outubro de 1549, na presença de seu irmão Fernão de
Mendonça, outrossim FCR, e morador em Lisboa solicitou ao mestre D. Jorge carta de hábito da
Ordem de Avis para Álvaro, Fernão e António de Mendonça, seus filhos. Deve ter sucedido ao
pai na comenda de Veiros, pelo menos até D. Luís de Lencastre ter iniciado a sua administração,
como é referido em 1534 . De acordo com GAYO teria casado com D. Isabel de Castro, filha de
D. Diogo de Meneses, Chaveiro da Ordem de Cristo e de sua mulher D. Cecília de Meneses, o
que talvez possa ficar a dever-se a confusão com sua mãe, como deixámos atrás. O LL do século
XVI refere "tem a Comenda de Veiros", confirmando a hipótese supra, formulada por PIMENTA
na biografia de seu pai, que mencionamos acima.Referido nas listas de 1534 como Comendador
de Moura, Serpa e Olivença, na Ordem de Avis
Tiveram, entre outros:
1.VI – António de Mendonça, primo do Mestre D. Jorge, que ALÃO refere como tendo
sidoComendador de Veiros na Ordem de Avis . Casou com D. Ana de Castro, filha de Fernão
Teles, o de Santarém, sr. de Unhão e de sua mulher D. Maria de Castro.Nasceu em 1536, teve o
hábito da Ordem de Avis, sendo menor em 6 de Novembro de 1549.
Tiveram, entre outros, Filha:
1.VII – D. Isabel de Mendonça, herdeira da casa de seu pai por morte do irmão primogénito,
casou com o Doutor D. António Mascarenhas, O Cujo, autor da genealogia citada por Alão de
Moraes em que atribui à mãe do Mestre D. Jorge um filho e duas filhas nascidos de uma relação
com o 6.ºPrior do Crato
2.VI – Fernão de Mendonça, nascido em 1534, recebeu carta de hábito da Ordem de Avis sendo
menor, em 2 de Novembro de 1549 , tendo a cerimónia do lançamento ocorrido a 6 de Novembro
desse ano Mencionado como comendador de Alcaria Ruiva, na Ordem de Santiago, o que
nãoDocumentámos.Sobreviveu a um naufrágio da carreira da Índia. Casou com D. Maria de
Noronha, filha de António LoboAlcaide-mor de Monsaraz e de sua mulher D. Ângela de
Noronha. C. g.
3.VI – Álvaro de Mendonça, nascido em 1542, recebeu carta de hábito da Ordem de Avis sendo
menor, em 2 de Novembro de 1549 , tendo a cerimónia do lançamento ocorrido a 6 de Novembro
desse ano. S.m.n.
2.V – Fernão de Mendonça, comendador de Serpa e Olivença, na Ordem de Avis, como consta
de um diploma de 1534 .Casou com D. Branca d’Eça, filha de Diogo de Miranda, comendador
de Cabeço de Vide e deAlter Pedroso, na Ordem de Avis, desde, pelo menos, 1527 a 1538 e de
sua mulher D. Branca d’Eça. C.g.
Terceiro filho do estribeiro-mor António de Mendonça
3.V – João de Mendonça, partiu para a Índia em 1547, tendo comandado as praças de Chaul e
Malaca, foi Governador da Índia, por sucessão, em 1564Morreu em 1578, combatendo na
batalha de Alcácer Quibir. Casou com D. Joana de Aragão, filha de Nuno Rodrigues Barreto,
Alcaide-mor de Faro, e de sua mulher D. Leonor de Aragão. Foi progenitor, entre outros, do
1.ºconde de Vale de Reis, o qual detinha várias Comendas na Ordem de Cristo.
4.V – Jorge de Mendonça, não se encontra referido pelos genealogistas, mas foi seguramente
fidalgo da casa de D. Jorge, uma vez que, como vimos acima, recebeu com o seu pai em 28 de
Fevereiro de 1525, uma parecela dos 14.429 reais de moradia Este António de Mendonça,
estribeiro-mor do Mestre D. Jorge, teve ainda 2 filhos legítimos, Manuel e Diogo, que
combateram na Índia, morrendo solteiros, um bastardo, Nuno Furtado, que foi capitão de Chaúl,
e filhas que não referimos por termos encontrado ligações directas ás Ordens Militares.
3.IV – D. Isabel de Mendonça, irmã de D. Ana, casou com D. Pedro de Castelo Branco, o
Carroz, irmão do 1.º conde de Vila Nova de Portimão e filho de D. Gonçalo de Castelo Branco,
Alcaide-mór de Moura. Julgamos estar em presença de uma aliança matrimonial desenvolvida à
margem da "estratégia de colonização da ordens militares", e numa perspectiva de reforço das
ligações ao círculo régio. Estamos perante uma linhagem (os Castelo Branco) que apresenta
algumas semelhanças com a dos Furtado de Mendonça.Tendo emergido por ocasião da crise de
1383-85 encontrava-se em clara trajectória ascencional durante o reinado de D. Afonso V, a
despeito do episódio protagonizado por Lopo Vaz de Castelo Branco, o Torrão, que em 1478 se
levantou com a sua vila de Moura pelo rei de Castela, intitulando-se conde da mesma, razão pela
qual o mandou matar o príncipe D. João. O sogro de D. Isabel foy escriuão da Poridade e
almotace moor del rey Dom Afonso o quinto e depois veador da Fazenda do dito rey e depois por
derradeyro fou governador prymeyro da Casa do Ciuel e se chamou Dom Gonçalo. Foy senhor
de Uilla Nova de Portimão Esta família, que detinha já o cargo de Almirante do reino, além de
ter acedido neste período ao seu primeiro título nobiliárquico, permaneceu solidamente ancorada
no alto funcionalismo régio, justificando claramente o interesse da aliança.
4.IV – Referiremos uma outra irmã de D. Ana de Mendonça, de seu nome D. Joana, que tendo
também professado no mosteiro de Santos, veio a receber em 27 deFevereiro de 1529 uma tença
do Mestre seu sobrinho.
§2
2.III – Duarte Furtado de Mendonça, tio-avô de D. Jorge, (c.1438-1494). Muito embora fosse o
filho secundogénito de Afonso Furtado de Mendonça e sua 1.ª mulherConstança Nogueira,
representa um tronco (autónomono respeitante ao Mestre D. Jorge) dos Furtado de Mendonça,
dignitários da Ordem de Santiago, possivelmente desde o começo da década de Setenta. Não
restam dúvidas de que era um homem no qual D.João II depositava confiança uma vez que,
como já referimos,em 5 de Setembro de 1483, o mesmo monarca lhe concedeu poderes par
entregar, no âmbito das "terçarias de Moura," o jovem D. Manuel (irmão de D. Diogo, Duque de
Viseu, futuro rei) aos enviados castelhanos.Na sua biografia importará esclarecer que, como
refere o Livro de Linhagens do Século XVI, foi comendador do Torrão na Ordem de Santiago, e
não na de Cristo. Como se fez menção, nasceu cerca de 1438 e veio a morrer em 1495,de acordo
com a inscrição da sua lousa sepulcral no convento do Espinheiro Suscitou-nos dúvidas a
inclusão da Comenda do Torrão na Ordem de Cristo, como o fez FREIRE, uma vez que é mais
conhecida a Comenda do Torrão (c.de Santiago do Cacém), na Ordem de Santiago. Sem
esclarecimentos adicionais poderíamos admitir que a "Comenda do Torrão na Ordem de Cristo",
fosse a Comenda do Torrão e Alfarofe, em Elvas, referida por SILVA.Mas não há que duvidar, as
fontes comprovam que FREIRE se equivocou ao atribuir a este Duarte Furtado uma Comenda do
Torrão na Ordemde Cristo. Com efeito, da visitação efectuada à comenda do Torrão, da Ordem
de Santiago, em 7 de Novembro de 1510 consta, entre outras referências, " Item huum paleo de
damasco roxo (…) que deu Duarte Furtado comemdador que foy desta villa".Ou ainda recordar
que em 1 de Abril de1482, reinando D. João II, se iniciava uma visitação à vila de
Mértola,Comenda-mor da Ordem de Santiago, efectuada por Gil Vaz da Cunha e Duarte Furtado
de Mendonça, fidalgos e Comendadores daOrdem (de Santiago), que haviam escolhido para
escrivão Álvaro Gil de Frielas Escudeiro de D. Diogo, Duque de Viseu, notário apostólico e
notário publico por Nomeação régia .Temos assim que, anteriormente à rebelião do Duque Viseu,
este Duarte Furtado de Mendonça era já Comendador da Ordem de Santiago, quase seguramente
Comendador do Torrão. E já ocuparia essa dignidade pelo menos há uma década pois, em 16 de
Agosto de 1472, na carta em que D. Afonso V lhe fez mercê dos bens móveis e de raiz que
haviam pertencido a João Valim, vem referido como Duarte Furtado, Comendador do Torrão.Em
7 de Abril de 1475 obteve carta de privilégio pela qual foi autorizado a arrendar por três anos a
sua comenda e, meses volvidos, em 19 de Setembro do mesmo ano, encontra-se mencionado
com anadel-mor dos besteiros do conto, cargo em que sucedeu a seu pai (e não Nuno, o
primogénito) e que exercerá até à data da morte, transmitindo-o ao seu filho mais velho.
Enquanto o filho mais velho deste Comendador do Torrão continuou ligado à Ordem de
Santiago, a linha ecundogénita ingressou Ordem de Cristo , seguramente num período em que o
seu sobrinho D. Jorge era já Mestre de Santiago, Ordem a que Duarte Furtado pertencia há mais
de três décadas. Fica claro que não foi implicado na conjura do Duque de Viseu porque em 7 de
Abril de 1486 recebeu de D. João II o senhorio da vila de Vilalva em 2 vidas, e nesse diploma
vem referido como anadel-mor dos besteiros, Comendador do Torrão e conselheiro régio. Casou
com D.Genebra de Melo, filha do 2.º casamento de Vasco Martins de Melo, conselheiro régio e
Alcaide-mor de Castelo de Vide e de Évora e de sua 2.ª mulher, D. Isabel de Abreu, ou D. Isabel
da Silveira., filha de Nuno Martins da Silveira. Este casal encontra-se tumulado na capela de Sta
Catarina do convento de Nossa Senhora do Espinheiro, em Évora.
Tiveram, entre outros, Filhos:
1.IV – O filho primogénito deste casal, Álvaro de Mendonça, permaneceu ligado à Ordem de
Santiago, como cavaleiro, encontrando-se registado no Livro de Matrícula da Ordem a 17 de
Fevereiro de 1494 (ano da morte do pai), sucedendo na Comenda do Torrão, como se menciona
num diploma do começo do séc. XVI dignidade que, como refere PIMENTA, terá ocupado até
cerca de 10 de Março de 1517, data em que a mesma passou para seu primo D. João de Lencastre
. Álvaro de Mendonça casou com D. Beatris da Silva, filha de Fernando Mascarenhas,
Comendador de Aljustrel na Ordem de Santiago, residiram em Tavira e tiveram, entre outros,
Filho:
1.V – Pedro de Mendonça, cavaleiro-fidalgo da Casa de D. Manuel I com 1000 reis de moradia,
referindo-se no Livro de Matrícula transcrito por António Caetano de SOUSA que "serviu em
Ceuta" e era filho de "Álvaro de Mendonça de Tavira"Tiveram ainda Duarte Furtado de
Mendonça e D. Genebra de Melo, o filho secundogénito que segue:
2.IV – Frei Afonso Furtado de Mendonça, o qual, em 9 de Junho de 1504pagou 60.000 reais
respeitantes aos ¾ dos 80.000 reais que valia a sua Comenda da Cardiga, na Ordem de Cristo,
cumprindo com o que determinavam as definições daquela Ordem .Documentado em 6 de
Setembro do mesmo ano, na qualidade de Freire cavaleiro, Comendador da Cardiga e fidalgo da
Casa Real.Casou com D. Violante de Sousa, filha de Vasco Martins de Sousa Chichorro, capitão
dos Ginetes de D. Afonso V.Tiveram, entre outros.
Filho:
1.V – Frei Nuno Furtado, referido como cavaleiro da Ordem de Cristo em 12 de Agosto de
1512.Casou com D. Constança de Noronha, filha de Pedro Álvares Cabral, "descobridor" da
Terra de Santa Cruz e de sua mulher D. Isabel de Castro. Esta circunstância permite admitir que
este cavaleiro se possa identificar com o Nuno Furtado que, de acordo com BARROS, " ia (na
armada de Cabral) por escrivão da feitoria que havia de se fazer em Sofala" e estabeleceu os
primeiros contactos em Quíloa, tendo também servido de emissário do capitão-mor ao samorim
de Calecut Terá sucedido a seu pai na comenda da Cardiga, de acordo com MORAES Com
geração extinta.
§3
2.IV – Pedro de Mendonça, (c.1480-1548), filho 2.º, herdou por morte do pai e do supracitado
irmão primogénito a Alcaidaria-mor de Mourão, confirmada em 14 de Junho de 1516.Dois anos
mais tarde figurava entre os cavaleiros do conselho de D. Manuel I, e tinha assentada uma
moradia de 2600 reis .Viria a receber de D. Jorge, em 10 de Março de 1523, uma tença de 20.000
reais . Participou com seu pai na tomada de Azamor, em 1513, expedição comandada pelo seu
futuro cunhado D. Jaime, IV Duque de Bragança. Casou com D. Teresa de Lima, filha
primogénita de D. Álvaro de Lima, Monteiro-mor de D. Manuel I, e de sua mulher D.Violante
Nogueira. Tiveram, entre outros:
1.V – Tristão de Mendonça, tinha o hábito de Avis desde menor, pelo que recebeu autorização
para professar em 21 de Setembro de 1533.Comendador de Mourão da Ordem de Avis, dignidade
em que é mencionado em 1534.Teve, entre outros Filho:
4.IV - Cristóvão de Mendonça, referido em 16 de Abril de 1514, como Freire cavaleiro da Ordem
de Cristo .Mencionado em 1518 como cavaleiro do conselho de D. Manuel I, com 2600 reis de
moradia . Escreveu, de Cochim, a 4 de Janeiro de 1528, uma carta a D. João III, na qual relatava
minuciosamente a sua viagem para a Índia e apresentava várias sugestões ao rei.
Segundo alguns autores, teria descoberto acidentalmente a Austrália depois de haver passado ao
Oriente como capitão de uma nau da esquadra de 1519 comandada por Jorge de Albuquerque,
governador de Malaca, Agindo sob instruções do Governador da Índia, Diogo Lopes de Sequeira,
teria navegado até Sumatra de cujo porto de Pedir iniciaria em 1521 o regresso a Malaca
rumando para Leste, e teria alegadamente tocado a costa Nordeste da Austrália.
Mais recentemente Kennth Mcintityre e TRICKETT, procedeu a um estudo dos Atlas Vallard,
uma colecção de 15 mapas desenhados em França até 1542, concluindo que Cristóvão de
Mendonça teria sido o primeiro navegador europeu a tocar a costa australiana, em 1522,
seguindo pela actual ilha Frazer, Botany Bay, Wilson’s Promontory até Kangoroo island,
regressando a Malaca pela rota de North island na Nova Zelândia.
Cristóvão de Mendonça fez a sua carreira no Oriente, e terminou-a como capitão de Ormuz ,
onde morreu em 1531.
Casou com D. Maria de Vilhena, filha de Sancho de Tovar e de sua mulher D. Guiomar da Silva,
mas não tiveram geração.
6.IV – D. Joana de Mendonça, dama da rainha D. Maria foi 2.ª mulher de D. Jaime, IV Duque de
Bragança. Casamento efectuado em 1520 com a aprovação de D.Manuel I. Por duas suas filhas
D. Eugénia e D. Joana, ficou descendência em Espanha, nos Marqueses de Elche de Cañete, e
em Portugal, nos Duques de Cadaval e Marqueses de Abrantes, Lavradio e Alegrete.
Filha 3.ª, na ordem dos nascimentos, de Nuno Furtado de Mendonça e de sua mulher Leonor da
Silva, acima no n.º III do 1.º §
8. Considerações Globais
Depois de empreendido este longo percurso, chega o momento para uma reflexão de síntese
através da qual pretendemos dar a conhecer as conclusões que, passo a passo, os elementos
coligidos ao longo desta investigação nos permitiram elaborar.
Assim, com uma divisão concordante com a estrutura que a dissertação integra, iremos
supreender uma ordem que, após uma demorada e, sobretudo, conturbada evolução política, de
militar, apenas conservaria a designação, e certos vestígios simbólicos formais. Depois, importou
conhecer o valor de um médio senhorio fundiário, se comparado com as intituições congéneres e
grandes terratenentes, que vai suprindo por via fiscal, os resultados, inevitavelmente medíocres,
de uma exploração rentista e absentista, praticada por quadros de segunda escolha, cujo universo
de recrutamento foi severamente limitado pelas oportunidades comparativas de "carreira",
proporcionados pela Ordem de Cristo e, mesmo, pela Ordem de Santiago.
Para ressaltar com a devida justiça os princípios norteadores que envolvem estas duas dinâmicas
complementares, organizamos o texto em duas partes distintas: os acercamentos políticos e a
implantação territorial.
Em termos esqueléticos parece-nos possível retirar algumas ilacções dos capítulos que
dedicámos a revisitar a evolução da milícia dos freires de Évora, mais tarde de Avis, desde a sua
fundação até ao período contemplado nas fontes por nós estudadas. Todavia estas propostas, que
tentam sintetizar o modo como revisitamos algumas das questões que julgamos subjacentes à
evolução da milícia no decurso do tempo longo de quatro séculos, dificilmente poderiam ser
formuladas de um modo "descarnado". Daí que tenhamos de as enquadrar, mais frequentemente
do que gostaríamos, num descritivo factual e cronológico.
Preambularmente propomos que a criação dos chamados freires de Évora tenha constituído, não
uma tentativa de implantação de monges cistercienses em território conquistado (como admitia
CUNHA) mas uma resposta militar pensada por D. Afonso Henriques (ou pelos seus
conselheiros) para defender o "enclave" representado por Évora e seu termo adjacente, nessa
época o bastião mais a Sul da chamada reconquista portuguesa. Na conjuntura político-militar
desse derradeiro quartel do século XII, mais precisamente, no Outono de 1173, D. Afonso
Henriques e o conde Nuno de Lara, tutor de Afonso VIII, filho de Sancho III, negociaram uma
trégua de cinco anos com Abu Yaqub Yusuf I, o segundo califa almóada de Marrocos, enquanto
Geraldo Sem Pavor abandonava o campo cristão passando, com as suas tropas, ao serviço do
califa, em Sevilha até 1176, e depois em Marrocos, donde não regressaria.
Parece aceitável depreender-se que existissem fundados receios de que a previsível contra-
ofensiva muçulmana, desenvolvida a partir de Badajoz, tivesse Évora como seu lógico objectivo
imediato. E também considerar que as recém-acordadas tréguas permitissem ao monarca
português um fôlego de reorganização.
Admitimos como postulado que a instalação de uma "base operacional" em Évora configurasse
um caso específico, enquadrado na ameaça do repovoamento muçulmano de Beja e na
instabilidade das áreas sucessivamente ocupadas e perdidas, embora fazendo parte integrante da
estratégia concebida para um teatro de operações particularmente fluído e instável que, nesse
momento, se considerava poder vir a ser de novo objecto de uma ofensiva almóada.
A instalação de uma "testa de ponte" susceptível de guarnecer militarmente o enclave, e de o
converter em base logística e operacional a partir do qual pudesse prosseguir a ofensiva da
reconquista não se compadecia com a actividade esporádica dos presores, e não se adaptava ás
características e limitações da hoste régia, nem tão pouco das mesnadas senhoriais. Tornava-se
indispensável recorrer áquilo que seríamos tentados a equiparar ás actuais "tropas especiais".
Milícias dotadas de forte coesão e motivação, com a estóica rusticidade que lhes permitisse
sobreviver na, e da, terra. Essas milícias existiam na forma das Ordens Militares, testadas em
numerosos teatros operacionais e que, por mecanismos de cissiparidade, se ramificavam por toda
a Península Ibérica sob a égide do Sumo Pontífice.
As milícias já presentes no território do reino tinham missões mais específicas, e os recém-
chegados espatários, não se encontravam ainda em condições de desempenhar essa missão
objectiva. Assim, ao segmentar um ramo de Calatrava o primeiro monarca português importava
um modelo castrense devidamente testado, e doutrinal e normativamente enquadrado, colocando-
o na dimensão supracional da dependência da Santa Sé que, de algum modo, sancionava a
tonalidade específica da reconquista portuguesa no seio do conflito "global" em que se
encontrava empenhada a respublica christiana .
As razias de 1181 por parte de Ibn Wanudim no Entre Tejo e Guadiana, mas com alvo definido,
mas não sucedido, frente a Évora, permitem sublinhar a ideia de a fixação de uma guarnição de
cavaleiros regrantes terá cumprido a sua missão, não obstante a inevitabilidade da devastação dos
territórios adjacentes.
O seu sucesso na defesa e manutenção da cidade de Évora, pode ter aconselhado a que lhes fosse
confiada a reedificação e guarnição militar do castelo de Coruche, uma importante posição na
sua retaguarda, reforçando uma capacidade articulada de defesa do interland. No entanto, esta
seria uma outra missão espinhosa para os freires de Évora confrontados com a desertificação de
um território onde se inseria um castelo em ruínas.
Esta situação, aliás, pode ter determinado que D. Afonso Henriques se visse obrigado a chamar a
si a tarefa do repovoamento, assente na concessão do foral régio de 1182 a Coruche. Aos freires
de Évora, no entanto, incumbiriam somente objectivos de estrita natureza castrense, os mais
consentâneos com a sua natureza, recursos e efectivos, numa missão de âmbito mais vasto.
No entanto, ter-se-á iniciado aqui um segundo período da vida da ordem no qual temos pela
primeira vez indicação clara de que a actuação dos freires de Évora ultrapassou a tarefa de defesa
do território onde se implantou o seu convento, e o termo de Coruche, e que a sua missão se
diversificou, ou teve ensejo de se alargar.
Durante o período em análise parecem detectar-se as primeiras deslocação de efectivos dos
freires de Évora. Em 1179, o mestre D. Gonçalo Viegas foi chamado a reforçar a defesa da
cidade de Lisboa, vítima de incursões marítimas que se repetiriam em anos subsequentes. Esta
deslocação de efectivos, depois das baixas certamente sofridas pela milícia de Évora no decurso
da incursão de 1181, deram azo a que o monarca decidisse reforçar a defesa do seu convento
eborense com tropas sob o comando de Mem Soares Estrema, governador militar de Santarém.
Recebiam, ainda antes de um novo ataque almóada, o castelo de Alcanede, a vila de Alpedriz e o
castelo de Juromenha.
As duas primeiras a NO de Santarém, protegendo o acesso a Leiria, representavam a deslocação
das responsabilidades da milícia para áreas bem a Noroeste do vale do Tejo. A última, situada a S
de Estremoz e SE de Elvas, ficava a cavalo na fronteira, pouco acima do paralelo de Évora, em
cujo perímetro defensivo se integrava.
Nestas doações D. Sancho I outorgava aos freires de Évora os direitos de jurisdição, e estes
naturalmente redundariam em direitos de senhoriais sobre as populações que viviam nessas
localidades, pouco depois confirmados por Inocêncio III.
Teria sido testada neste biénio a utilidade dos freires de Évora como forças de defesa da espinha
serrana Aires/Candieiro (protecção dos itinerários Santarém/Coimbra), e do acesso litoral de
Lisboa a Alcobaça, por Alenquer, na retaguarda dos portos marítimos de S. Martinho do Porto e
Pederneira. Esta missão alarga-se rapidamente por ocasião dos ataques a Silves, antecâmara dos
perigosos anos 90, cuja expressão máxima, para a ordem em estudo, chega no ano de 1195, na
batalha de Alarcos onde morreu, Gonçalo Viegas de Lanhoso, o primeiro Mestre da Ordem dos
freires de Évora, e Rodrigo Sanches a quem D. Sancho I tinha entregue, em 1189, o comando da
recém-conquistada praça de Silves.
Em face do exposto, e efectuado este sumaríssimo resumo da criação e actividade da milícia
julgamos poder concluir que os freires de Évora, a despeito de terem participado em expedições
pontuais, continuavam a ser encarados como um núcleo castrense especialmente vocacionado
para a manutenção e defesa de pontos sensíveis, ou pouco consolidados. Mas deve sublinhar-se
que esta função predominantemente defensiva terá começado neste período a complementar-se
com responsabilidades administrativas e de povoamento, explicitamente plasmadas na outorga de
cartas de foral de iniciativa mestral, caso, por exemplo, de Benavente em 25 de Abril de 1200.
Poucos anos depois, em 1211, importa lembrar a transferência da sede da Ordem para Avis,
embora pareça admissível que essa nova base só se encontrasse operacional cerca de 1220.
Tendo a monarquia portuguesa por objectivo claro o desejo de controlar Badajoz, enquadra-se
nestes propósitos o rumo fracassado de D. Sancho II para Elvas, mas, de alguma forma
ultrapassado pela conquista de Juromenha, em 1230, e a de Serpa e Moura, dois anos mais tarde
quando, obedecendo ás mesmas razões que haviam determinado a deslocação dos freires de
Évora para Avis, os cavaleiros do Hospital iniciaram o povoamento do Crato.
Era inevitável optar por uma complementar política de reordenamento do território desenvolvida,
a par, pelo monarca, e por outras entidades tais como as Ordens Militares. Para este período, e
perente um comprovado imobilismo militar inerente à Ordem de Avis, emerge com enorme
visibilidade o protagonismo da Ordem de Santiago, nomeadamente decorrente dos interesses que
a circulação no rio Sado traziam à coroa e, como é hoje bem conhecido, face à acção de
personalidades como Paio Peres Correia, um homem determinante para a progressão espatária
em direcção ao litoral algarvio.
Conquistado o Algarve a ordem de Avis, iniciava uma reconversão da sua postura anterior
colocando-se na linha da frente da defesa do Nordeste do Além-Tejo, acção que é acompanhada
pela construção e/ou melhoramento e manutenção de algumas praças-fortes. Como é evidente tal
somente seria concretizável através de uma acção que, para além de militar, era necessariamente
senhorial, factor que ajuda a entender os constantes e longos conflitos de jurisdição divididos
com outros poderes, nomeadamente com a diocese de Évora e com o rei.
No primeiro caso, são recorrentes os casos de diferendo sobre a definição dos tributos e a
confirmação dos párocos apresentados pela milícia, chegando-se, mais tarde, a atingir
plataformas mais complicadas que implicavam o lançamento de interditos e visitas, numa
desesperada procura de reconhecimento da supremacia episcopal (ameaçada, também pelo poder
de outras Ordens) que colidia, neste caso concreto com os objectivos da Ordem de Avis. Ora,
independentemente das prerrogativas exclusivas da diocese, como a sujeição das igrejas da
Ordem à terça episcopal, ao pagamento anual da visitação e a consagração dos óleos santos e dos
altares estas eram questões a propósito das quais se levantariam discussões irreconciliáveis que
nem o recurso à arbitragem régia ou papal conseguiriam tornariam mais fáceis de resolver.
No segundo caso, os finais do século XIII anunciavam novas posturas por parte dos monarcas,
então mais conscientes do poderio das ordens em geral e de Avis em particular, circunstância a
que não iria ser alheia a conjuntura de crise que o Ocidente começará a conhecer.
No quadro generalizado de posturas régias centralizadoras ou, pelo menos, tendentes à
centralização régia, inseridas em momentos críticos de relacionamento político peninsular, o
monarca sentia necessidade de apoio por parte de instituições fortemente implantadas em
povoações de fronteira estrategicamente determinantes para garantir a preservação da autonomia
do reino. Para atingir tal desiderato, houve maneiras distintas de actuação no âmbito das Ordens
Militares portuguesas. Assim, no caso concreto da Ordem que nos ocupa, a postura régia
enveredou pelo caminho de uma colagem de posturas entre o rei e o mestre da ordem, situação
que, por vezes foi considerada pouco apropriada no seio das dignidades da ordem, originando
conflitos e divisões internas. Altamente recompensada pela fidelidade expressa ao rei pelos
mestres, Avis acumulou neste período uma séria de novas aquisições patrimoniais (v.g. diversos
padroados, castelos e vilas) que ajudaram certamente a manter uma postura idêntica no tempo de
D. Afonso IV e Pedro I.
As repercurssões destas opções acabaram por se evidenciar, também, ao nível da relação entre
Calatrava e Avis uma vez que a monarquia portuguesa, almejando a uma plena interferência na
própria escolha dos mestre para a Ordem tudo irá fazer para libertar a ordem alentejana da
subserviência normativa a Calatrava. Como é evidente, esta aproximação entre os monarcas e a
Ordem tornar-se-iam muito mais acentuada se a instituição possuisse os meios militares
desejáveis para poder acudir ao chamamaneto do rei.
Este é uma dimensão que não tem merecido um tratamento satisfatório por parte dos
historiadores mais ligados a estas temáticas, por força da irregularidade com que o tema é
aflorado nas fontes. No entanto, e a despeito de todas as dificuldades que já foram elencadas ao
longo desta dissertação, cumpre salientar a importância do contributo dado pelas informações
contidas no tombo elaborado por ocasião da morte do mestre D. martim do Avelar, para se poder
avaliar a importância militar da milícia de Avis.
Conheciam-se alguns indicadores para o século XIV, com 76 possíveis combatentes na Ordem de
Cristo e 61 na de Santiago, os quais poderão possibilitar admitir para Avis números na ordem da
meia centena. Indicadores que podem ter sido incrementados na centúria seguinte por ocasião
das medidas tomadas para a defesa do reino.
No atinente à tipologia das armas defensivas, as fontes da ordem apontam para descrições
próximas das que, no quotidiano, eram exibidas pelos cavaleiros aquantiados. Os contributos
deste códice da Ordem elaborado nos meados de Trezentos, para além da importância inerente
aos pormenores de âmbito militar leva-nos a outro tipo de considerações situadas em torno da
cronologia em que se inscreve. Assim, a sucessão de acontecimentos identificados após a morte
de D. Martim do Avelar, encimada pela indicação do filho de Pedro I, João, futuro rei D. João I,
exigem uma demorada atenção pelas alterações que, daqui em diante, esta ordem irá registar no
se refere ao seu relacionamento com o poder real.
Neste sentido, e tratando-se de esboçar nestas palavras uma apreciação de síntese do que foi já
escrito a este respeito, emergem com redobrada importância os momentos de fissuras políticas
que o reino foi conhecendo desde os anos complicados de 1383-1385 até à incorporação da
Ordem na órbita da casa real já em meados do século XVI. Como sabemos, foram muitos,
diversificados e de alcance distinto e fizeram vir ao de cima as inquietações que, quem sabe,
desde as origens da Ordem, tinham ficado por resolver. Acreditamos que, efectivamente, foi ao
longo de Quatrocentos que se jogaram todas as cartadas necessárias à consolidação destas
instituições, tendência da qual a Ordem de Avis não se afastou. Inclusivamente ao nível das
próprias dinâmicas de reconstrução patrimonial e reposicionamento jurisdicional foi também
neste período que se pressentem as primeiras evidências do que mais tarde, e com risco de
anacronismo, chamamos de gestão controlada.Esta política a que já chamamos "restauracionista"
viria assim a dotar a instituição de uma nova operacionalidade e funcionalidade, colocando bem
alta a fasquia a pagar em termos de dependência em relação à Coroa, sobretudo se pensarmos na
evolução sofrida pelo menos, desde o "programa" definido por D. Dinis, que contemplava ab
initio um objectivo de concentrar em membros da família real o governo das ordens militares.
Sendo assim, passou a poder existir uma especial sintonia e confiança em relação a um Mestre
que, cada vez mais nos surge sintomaticamente como um "criado do monarca" na acepção coeva
da época, uma verdadeira "criatura do rei", que ao longo do seu dilatado governo, criou as
condições para uma paulatina transição da milícia de Avis para uma nova etapa da sua existência
que integra plenamente o cunho de um tempo dos infantes.Por esta razão quando o Mestre D.
Fernão Rodrigues de Sequeira morre a 13 de Agosto de 1433 tal significou tão somente o fim de
uma geração, a continuar, redefinidas que estavam (aliás, por toda a Península), as relações entre
casas reais e as milícias. Deve-se, no entanto, olhar com cuidado para este período crucial para a
Ordem e para o reino uma vez que nele se inscrevem governos de diferentes pessoas que de
simples delegados do poder régio pouco teriam, antes se apresentaram com estratégias próprias e
familiares que no geral eram diversas daquelas que decorreriam de uma clara subordinação a
uma "visão de Estado". Mas foi claramente neste enfrentamente enevoado que a monarquia
portuguesa encontrou um rumo para enfrentar a modernidade.
Neste processo, há, ainda lugar para uma menção ao papel da Santa Sé, uma vez que estas novas
aproximações entre a monarquia e as Ordens militares colocavam o Pontífice perante novos
desafios, também eles, de difícil solução. Daí as altarações na nomenclatura: "Administratori"
em vez de " Magister" e as contrapartidas solicitadas de colaboração das milícias nos diferentes
entendimentos da cruzada tardia, por terras de Outremer circunstância que garantiria que as
ordens não se afastassem dos seus propósitos iniciais.
Nos anos finais do século XV, em cronologias muito próximas da subida ao trono de D. Manuel,
a ordem de Avis conhecerá uma experiência de governo peculiar ao ser dirigida, a par com a
ordem de Santiago, por um filho bastardo de D. João II. Esta fase da vida desta ordem que
antecede a concessão da bula de anexação do mestrado à coroa foi aquela que mais de perto
acompanhámos ao longo deste trabalho uma vez que as fontes em análise se centram
precisamente no período de governo de D. Jorge. Assim sendo, entendemos que nestas
considerações globais, não faria qualquer sentido enveredar por reflexões demoradas sobre esta
época.
O que nos ocorre mencionar a este respeito passa essencialmente pelo reconhecimento da
especificidade desse mestrado regido pela amigável performance com que o monarca foi
presenteando o homem que, na realidade, detinha o governo de uma das mais extensas áreas
territoriais do reino. Demonstrando uma mais atenta supervisão na fase inicial do governo, o
Venturoso não se opôs a que D. Jorge exercesse o governo das ordens sob sua alçada, apoiando-
se firmemente numa perigosa estrutura de apoio prioritariamente alicerçada na sua parentela
materna. Ao fazê-lo, o Mestre estava a preservar intacta uma tendência muito próxima das
clientelas tradicionais das grandes casas senhoriais, ao que acrescia o ónus suplementar de se ver
coagido a "albergar" personagens "impostas" ou "recomendadas" pelo monarca.
Apresentada esta reflexão de síntese sobre alguns dos fios condutores sobre os quais se foi
tecendo a trama da vida da instituição, cumpre passar para uma nova dimensão, ou seja,
desenvolver alguns considerandos sobre o núcleo duro deste trabalho fazendo sobressair algumas
conclusões que, porventura, constituirão a novidade desta dissertação. Assim, à luz das
informações coligidas nos três livros de visitações estudados, e dos elementos e informações
adicionais que foi possível reunir, parece-nos possível não apenas reforçar teses anteriores, como
propor algumas novas hipóteses e indícios que investigações posteriores, nossas, ou de outros
investigadores, virão eventualmente confirmar, desenvolver, ampliar, corrigir ou derrogar.
Os fiéis
Já PIMENTA havia realçado que "nestes anos do governo de D. Jorge, o último Mestrado
formalmente desvinculado da coroa portuguesa, (…) palavras como direcção, orientação,
planeamento e execução vão sendo gradualmente a chave para o sucesso dos governos dos
sucessivos monarcas seus contemporâneos". Neste trabalho que, repetimos, constitui uma
espécie de adenda à investigação efectuada por esta historiadora sobre o governo do Mestre D.
Jorge, mas restrito à Ordem de Avis, tivemos ocasião de surpreender a utilização prática destes
conceitos aplicados ao governo de 13 comendas alentejanas nas primeiras quatro décadas do
século XVI.
Essa tentativa de despistagem de alguns objectivos e métodos, dos limites e condicionantes da
estrutura "herdada" pelo filho bastardo de D. João II, com as suas oportunidades e ameaças,
sucessos e fracassos, irá patentear-se ao longo destas considerações globais que, por força das
micoanálises que a integram e fundamentam, se alongarão mais do que desejaríamos, obrigando
a escolhas, nem sempre fáceis, entre as temáticas mais desenvolvidas, e aquelas que seremos
obrigados a esboçar ou, simplesmente aflorar.
Neste sentido, as primeiras palavras vão recair na dimensão espiritual. Não apenas porque a
lógica da metodologia até aqui adoptada assim o aconselhava, mas também por termos ficado na
convicção de que boa parte das "benfeitorias" desenvolvidas por este Mestre, de que a coroa viria
a beneficiar após a sua morte, se situam precisamente nesta área, se a mesma for entendida em
sentido lato.
Damos como adquirida toda a análise sobre a tradição normativa recebida e adaptada por D.
Jorge, cuja evolução foi objecto de reflexão por parte de PIMENTA, bem como os pressupostos
doutrinários que a travejavam, até porque, ao longo dos capítulos anteriores e sempre que se
considerou fundamental recorremos à norma emanada da instituição para alicerçar as escolhas e
as opções dos responsáveis da Ordem.
Com efeito, a conjuntura político-religiosa dentro da qual se desenrolam as visitações por nós
estudadas pode definir-se como estando situada no "olho do furacão" que foi a Reforma e os
inícios da contra-Reforma. Períodos de graves e duradouras turbulências que cortaram a Europa
com um novo conceito de fronteiras, não já físicas, ou apenas políticas, mas sobretudo marcadas
por diferentes entendimentos do humano e do divino. Mas também um período marcado pelo
final da secular hegemonia da igreja católica-romana, e da inadiável necesidade sentida por essa
essa mesma igreja de se recriar e reconfigurar, retirando todas as ilações consideradas necessárias
para sobreviver, e reorientar um designio de expansão planetária num combate contra o "inimigo
interno". Época, enfim, de choque doutrinário e de afrontamento ideológico marcados no reino
de Portugal pelo arranque da Inquisição, a chegada da Companhia de Jesus e a diálise de culturas
e entendendimentos do fenómeno religioso propiciadas pela expansão marítima.
Poderia deduzir-se que todo este tumulto, este trabalho de parto de um novo ciclo religioso se
reflectiria com nitidez naquilo que designamos por dimensão espiritual deste segmento da
existência da Ordem de Avis. Nada de mais errado, é inútil procurar ecos evidentes do tumulto
circundante na rotineira placidez dentro da qual circulam, inspeccionam e decidem os enviados
do Mestre D. Jorge.
Portugal não é um interveniente deliberadamente actuante neste dilaceramento de consciências,
antes sofre um involuntário contágio. Os seus interesses não partem do umbigo da Europa para o
mundo como sucede no período inicial do Império dos Habsburgo. A sua situação de periferia
europeia e fugaz mediadora de mercados logínquos, limitada e acomodada, por absoluta
necessida, à margem de manobra que lhe é permitida pelo conflito hispano-francês obrigam a
contemporizar e a evitar todos os confrontos susceptíveis de romper um equilíbrio fágil.
Mas se o reino, na perspectiva europeia, permanecia relativamente periférico em relação ao
afrontamento religioso, o Além-Tejo sobre a jurisdição da Ordem de Avis constitui uma
verdadeira ultra-periferia.
E, no entanto, uma jurisdição religiosa bem sucedida constituía a última razão de ser de uma
Ordem que já apenas formalmente permanecia militar, cuja obra assistencial redundára num
fracasso conducente à sua progressiva substituição por instituições inspiradas na Misericórdia de
Lisboa, e cujo potencial económico e demográfico era prejudicado por uma escala nitidamente
inferior à das suas congéneres de Santiago e de Cristo, e por uma estrutura anacrónica em termos
da administração económica e financeira do respectivo património.
Julgamos poder concluir que o alheamento, a rústica placidez que envolvia estas comendas, e a
teia de interdependências familiares que subjugava os Comendadores e priores à autoridade
indiscutida, e acatada com maior ou menor prontidão, do Mestre D. Jorge acabaram por criar um
clima propício á sua obra de normalização e consolidação no plano espiritual.
Teremos ensejo de nos debruçarmos sobre o persistente e eficaz trabalho de restauro,
reconstrução e ampliação, bem como de dotação em alfaias, ornamentos, paramentos, livros
sacros e objectos necessários ao culto nas igrejas, levado a cabo à custa da "prata da casa", e com
sacrifício dos interesses dos Comendadores. Acompanharemos o seu empenho simultâneo em
corrijir e orientar os clérigos, proporcionando-lhe melhores condições de vida e directivas de
atuação, mas antes iniciaremos este ponto focando os fiéis sob jurisdição, simultaneamente
destinatários e involuntários "barómetros" do esforço da acção pastoral protagonizada pela
Ordem. O traçado do perfil destes últimos pode ser esboçado em traços gerais com base na
informação contida nas próprias determinações dos visitadores.
Antes de tudo o mais, o grau de instrução religiosa destes fiéis poderia ser aquilatado de acordo
com o teor da determinação em que se ordenava: Uma vez que todo o fiel cristão era obrigado a
saber o pater noster, aue Maria e o credo ym deum e os priores e curas estavam obrigados a
ensiná-los aos fregueses. A singela limitação destes conhecimentos básicos exigidos não
constitui propriamente uma novidade, tratava-se de uma situação generalisada, e que nem sequer
se circunscrevia ao meio rural profundo e que a miúde se pode encontrar em muitas das
deliberações expressas nos sínodos da Igreja.
Também o grau de expectativas sobre o conjunto das práticas obrigatórias não visava metas
inalcançáveis. Na religião católica, a confissão dos pecados próprios, feita a um sacerdote, era
uma das três condições necessárias para receber de maneira eficaz o sacramento da penitência,
sendo as outras duas a contrição e a reparação obrigatória do prejuízo causado ao próximo, ou da
injúria feita a Deus pelo pecador. O IV Concílio de Latrão estipulava que a globalidade dos fiéis,
de ambos os sexos, que tivessem atingido a idade da razão, se confessassem pelo menos uma vez
por ano e comungassem pela Páscoa, sob pena de excomunhão e privação de sepultura cristã post
mortem.
Por sua vez a comunhão era, de acordo com a doutrina eucarística, o acto pelo qual os cristãos
recebiam o corpo e o sangue de Jesus Cristo no sacramento da eucaristia.
No entanto existem suficientes indícios para que se possa concluir que a situação de
incumprimento destas determinações axiais dos preceitos da prática cristã estaria de certo modo
generalizada, e assumiria contornos de alguma gravidade, como parece depreender-se da
inusitada severidade das penas em que incorriam os faltosos, que chegavam a implicar prisão e
pagamento de uma coima.
Os visitadores constataram que, frequentemente, os fregueses mostravam renitência em se
confessaram e comungarem, com grande dano das suas almas. Por essa razão ordenaram ao
prior que fizesse um rol de todos aqueles que não tivessem sido confessados, nem comungassem,
até quinze dias depois da Páscoa.
A situação que a seguir se retrata é intemporal, mas agravada pela frequente exiguidade e/ou
inadequação das igrejas da Ordem em relação ao número de fregueses recenciados, Os picos
sazonais dos trabalhos agrícolas, as tarefas da pastorícia e da criação de gado, e a guarda dos
haveres aconselhavam a que, em relação aos moradores no termo, se verificasse uma especial
tolerância que reduzia a obrigação de missa dominical à presença alternada de um único cônjuge.
Com efeito, de acordo com o direito canónico, os fregueses eram obrigados a ouvir missa inteira
aos domingos e festas, o que muitos não faziam, antes saíam do templo e ficavam a palrar e a
murmurar, regressando apenas ao interior da igreja no momento da elevação, o que (sublinhavam
os visitadores) era sinal de pouca fé e devoção.Querendo corrigir esta situação determinava-se
que qualquer freguês que não a assistisse a toda a missa do dia, e saísse fora da igreja enquanto
esta se encontrasse a ser dita, fosse condenado em cinquenta reais. O prior, ou cura, deveria
admoestar os seus fregueses para que aos Domingos e festas principais viessem à igreja. De cada
casa marido e mulher mas, no tocante áqueles que habitavam o termo os enviados de D. Jorge
optaram, como dissemos, por uma pedagógica moderação, como se infere da passagem seguinte:
" venham ha ygreja de cada casa da vylla marydo e molher e do termo huum domymgo o marydo
e o outro a molher ".
Certamente para evitar a generalização dos atrasos, ou mesmo para minorar as ausências insistia-
se também para que nos Domingos e festas principais os fiéis não fossem ás vinhas nem aos
pomares antes da missa sob pena de pagarem cada um vinte reais para a fábrica da igreja.
No entanto este compreensivo pendor pedagógico tendia a ser contrabalançado por um
conhecimento da natureza humana que graduava progressivamente o peso das sanções já que era
determinado que os mesmos sacerdotes, na hipótese (aliás provável), de que a admoestação não
fosse universalmente cumprida, deveriam elaborar um rol onde constassem todos os faltosos que
entregaria ao mamposteiro, ou recebor da fábrica para que este cobrasse aos faltosos as
supracitadas penas. E se, mesmo assim, os incumpridores porfiassem em não pagar as coimas em
que haviam incorrido, os priores e capelães ficavam obrigados a redigir uma nova lista na qual
descriminariam todas as vezes que tivessem incorrido em sanções, entregando essa lista ao
manposteiro ou recebedor. Mas, chegado a este ponto, estes últimos já não cobrariam
pessoalmente, antes requereriam aos juízes que os fizessem pagar para a fábrica da igreja. Os
ditos juízes fariam esta execução de cada vez que lhes fosse requerida, e tudo cumpririam sob
pena de, não cumprindo a determinação, cada um deles pagar a soma considerável de quinhentos
reais para a fábrica.
No período estudado os templos eram, não apenas locais de culto mas também ponto de encontro
dos moradores, e sede de reuniões e deliberações, frequentados com a rústica naturalidade que
exigia ao prior que não consentisse que fizessem fogo dentro da igreja.
Os mesmos fiéis que, muito embora ignorando deliberadamente as determinações sobre o preço e
localização das sepulturas, enterravam os entes queridos no chão protector das igrejas,
furtivamente, pela noite calada, sem dar conhecimento aos priores e capelães eram, afinal,
apenas o anverso duma medalha simbólica. Isto porque o verso da mesma medalha tinha
representadas as efígies colectivas, jamais os conseguiremos levantar do chão anónimo, todos
aqueles que cortavam na ração de azeite para o doar voluntariamente para as lâmpadas da igreja,
ou partiam o pão com os capelães. E, ainda, todos aqueles que, vivendo em dois palmos de terra
batida com paredes de taipa, lume de chão, e uma telha levantada para que o fumo saísse,
pagavam por sua devoção construção ou reparação das ermidas.
Esse povo rústico, que achamos remoto e ignorante, está, em verdade, tão próximo de nós que os
antropologistas suspeitam que nós autores, e vós leitores, seguimos pela vida adiante com
comportamentos idênticos, gerados pelas mesmas antiquíssimas pulsões.
Os clérigos
Acompanhando as informações que os visitadores registaram será possível ter uma noção das
prioridades dos enviados do Mestre no que se referia ao desempenho e regularização das
respectivas situações, conhecimento e prática da Regra da Ordem, porte do hábito, cumprimento
das obrigações estipuladas e, ainda, casos pontuais susceptíveis de contradizer o ritual das
avaliações indiscriminadamente abonatórias, esse comodato da natureza humana cujas raízes
lusitanas mergulham no húmus dos séculos. Em face destes objectivos, centramos a nossa
atenção em algumas situações concretas que poderão compor um retrato fiel do que realmente
estava em causa quando, no século XVI, alguns representantes do mestre ou o próprio D. Jorge
se metiam a caminho, em visitação.
No ano de 1516 o prior de Juromenha, Sebastião Cordeiro, freire do hábito de Avis, foi
considerado por membros da vereação muito bom homem, honesto no seu viver e cumpridor.
Afirmou que nunca tinha recebido o livro da Regra, mas existindo menção à posse de manto
branco da Ordem, ou, sequer, de ter sido questionado sobre ele. Apresentou o título do seu
benefício e mais nada lhe foi exigido.
No mesmo ano o prior do Alandroal, Frei Rodrigo Soeiro, do hábito de Avis, igualmente um
homem cumpridor e servidor do seu povo, apresentou o título do seu benefício, mas a fonte volta
a omitir referências ao hábito e à posse da Regra.
Três anos volvidos, em 1519, o prior do Cano, Diogo Nogueira, freire conventual desde 12 de
Abril de 1492, uma data bem na memória de todos dada a realização de um Capítulo na ocasião,
não podia apresentar os comprovativos de filiação à Ordem porque, na época tal não era prática
usual. Em contrapartida, apresentava-se vestido com o manto branco, exibiu a Regra e mostrou o
título do seu benefício constituído pela carta de apresentação do Mestre e pela confirmação do
bispo de Évora. Juízes e oficiais interrogados separadamente, coincidiram, a fazer fé no registo
dos visitadores, em garantir que este Frei Diogo Nogueira servia bem a igreja, dava os
sacramentos nos tempos em que era obrigado e cumpria bem o ofício. Acontece, no entanto, que
esta avaliação, efectuada particularmente e sob juramento, era incorrecta. Com efeito, noutros
passos da visitação consta a informação de que este prior era rendeiro das rendas da comenda do
Cano, o que não podia fazer. Além disso, não obstante as informações abonatórias da vereação os
visitadores tinham concluído que por o mesmo prior arrendar bens da comenda andava tão
ocupado que não podia servir bem a igreja de que era reitor, nem dar os sacramentos como era
obrigado, originando muitos escândalos entre o prior e os fregueses e outros inconvenientes com
dano da sua consciência.
Perante esta incompatibilidade tinham-no admoestado uma primeira e uma segunda vez, dando-
lhe sempre o prazo de 30 dias para desistir e abrir mão da dita renda, o que nunca sucedera.
Desta feita ordenavam-lhe peremptoriamente que desistisse, e abrisse mão da dita renda, sob
pena de o privarem do seu benefício e priorado passado o dito tempo.
Fica assim posta em causa a veracidade dos testemunhos abonatórios tantas vezes prestado pelos
oficiais da vila, e lançadas as primeiras suspeitas sobre o real valor deste tipo de declarações da
praxe.
Nesse mesmo ano de 1519 verificava-se que os juízes e oficiais da vila de Mora tinham tomado
um capelão de Coruche que não era do hábito da Ordem de S. Bento, sendo do conhecimento
geral que, em tais situações, era obrigatório dar conhecimento dessa ocorrência ao Mestre, de
acordo com os estatutos da Ordem nos quais, sobre esta matéria, se continha um capítulo
específico.
Assim, em 9 de Junho de 1535 era nomeado prior Frei Fernando de Meneses, freire professo da
Ordem de Avis, resolvendo-se o incumprimento em que a comenda incorria. Ora, este clérigo,
sendo em 1538 questionado pelos enviados de D. Jorge sobre o título da sua profissão disse que
o não tinha, sendo-lhe ordenado, como era usual nessas circunstâncias, que o tirasse no
Convento. Surge aqui um primeiro indício de que a ausência da posse dos títulos de hábito e
profissão, apesar de esta ser exigida pelo menos há duas décadas, ainda não tinha logrado impor-
se e generalizar-se.
Ainda em 1519, a capelania de S. Brás da Figueira, onde o capelão deveria rezae missa
quinzenalmente, encontrava-se vaga. Decorridas quase duas décadas, em 1538, registava-se que
existia na igreja de S. Brás um capelão perpétuo, nomeado por carta do Mestre, com obrigação
de rezar missa dominical, bem como nas festas e dias de guarda, e a administrar os
sacramentos.Tratava-se, como se verifica, de uma importante alteração no que se refere à
obrigação do rezar das missas, acerto que, desde logo, se entende no quadro das preocupações
globais de reforma que a miúde, a legislação sinodal não deixava, também, de fazer transparecer.
Ainda no ano de 1519, registamos uma outra situação que pode interessar neste momento em que
procuramos encontrar as linhas mestras da actuação destes visitadores. Assim, em Santa Maria
do Espinheiro da vila de Seda, o prior foi inquirido como habitualmente tendo respondido
satisfatoriamente aos quesitos. No entanto, os visitadores acharam-lhe algumas culpas,
admoestando-o, e encomendaram-no como lhes pareceu bem. Esta circunstância chama desde
logo a nossa atenção porque, na generalidade dos casos, nunca as fontes referem ou precisam o
teor específico das faltas deste ou de outros priores, e as respectivas consequências na sua cura
das almas, ou o teor das sanções que seriam aplicadas.
Cerca de duas décadas mais tarde, nesta mesma igreja de Seda, era prior Frei Afonso Farto,
clérigo de missa e freire professo do hábito de Avis, o qual, questionado sobre o título do seu
priorado, hábito e profissão disse que recebera o hábito e fizera profissão no Convento de Avis,
mas não tinha os títulos do hábito e profissão porque nessa época não era costume tirá-los. Corria
o ano de 1538 e há dois decénios que a Ordem insistia na obrigatoriedade dos priores terem
consigo os títulos do hábito e profissão, uma vez que, no atinente aos títulos do benefício, eram
diligentes em ter os documentos em regra. Seria natural uma ameaça de coima por
incumprimento ou, pelo menos, uma admoestação.Mas tal, mais uma vez, não sucedeu.
Estas ausências de pulso são, na nossa óptica, essenciais para compreender a realidade do
quotidiano da ordem neste período da sua história.
Outro tipo de controle exercido sobre o cabal cumprimento dos deveres pastorais incidia sobre a
obrigação de missas Quer se tratasse de um priorado ou de uma simples capelania o ministro
titular tinha funções de cura das almas, o que implicava residência, administração de
sacramentos e e celebração de missas pro populo.
Uma vez que esta obrigação não era padronizada, e ocorria ser partilhada com beneficiados ou
ajudadores, os priores deveriam ser préviamente informados de todas as missas a que eram
obrigados, e por cada missa que falhassem, tratando-se de domingos ou festas, pagariam por ela
20 reais, quantia, valha a verdade, pouco significativa. Mas se faltassem a uma missa da semana
pagariam apenas quinze reais embora com a obrigação de rezar noutro dia a missa que não
houvessem celebrado.
Não obstante a relativa benevolência destas coimas as faltas deveriam ser frequentemente
"esquecidas", ou mesmo escamoteadas. Isso mesmo parece depreender-se da intervenção dos
visitadores que ordenaram aos escrivães das câmaras que apontassem as faltas dos priores, sob
pena de perderem os seus ofícios caso o não fizessem.
Neste sentido os escrivães fariam os priores declarar anualmente, sob juramento, se tinha rezado
efectivamente as missas de obrigação. Uma vez devidamente anotados os incumprimentos deles
seria dado conhecimento aos oficiais do concelho que requereriam ao Comendador que lhe não
pagasse essas ditas faltas, cujo dinheiro seria empregue na fábrica da igreja, ordenando-se ao
antedito Comendador que assim o cumprisse. Registe-se que a prática, aliás banalizada, da
delação recompensada de incumprimentos (tanto para quem acusasse) não era aplicada neste
caso, reservando-se um estatuto de excepção para as faltas desta natureza.
Transparece um esforço de normalização da assistência espiritual (é certo que nem sempre
integralmente conseguida) nas capelanias, e regista-se o cuidado posto em não coagir com
severidade cega os clérigos que não apresentassem os títulos de hábito e profissão, mas sem
esquecer a obrigatoriedade da sua apresentação, e tendo o cuidado de encurtar progressivamente
o prazo marcado para o efeito.
Recorde-se a propósito o que genericamente observamos já: como era habitual nestas inspecções
periódicas encontramo-nos perante um conjunto de disposições respeitantes à prática religiosa
que incidem sobre o comportamento e obrigações dos clérigos da Ordem.
No entanto as dezanove disposições sobre matéria espiritual que geralmente seguem o paradigma
escolhido incidem sobre um âmbito relativamente mais vasto de assuntos, mas não se encontram
"arrumadas" na fonte de acordo com qualquer critério perceptível que tenha presidido à sua
enumeração sequencial.
Com efeito, as duas primeiras matérias abordadas respeitam aos Santos Óleos e à lavagem
periódica de corporais, palas e outros ornamentos litúrgicos, assuntos certamente pertinentes,
mas que embora não configurando as mais prementes precupações de índole espiritual que
poderíamos supor terem sido debatidas no Capítulo Geral antecedente, viriam a emergir como
uma das constantes destas visitações. È forçoso reconhecer o carácter eminentemente pragmático
destas disposições, mais ajustadas ao quotidiano da prática litúrgica das localidades a que se
dirigiam, do que a grandes debates teológicos ou a um esforço de inovação reflectido nos textos
normativos.
A regulamentação do rezar da horas canónicas, do sair sobre as sepulturas às segundas-feiras e
do tanger das Ave-marias destinam-se inequivocamente a regulamentar e homogenizar
determinadas práticas do ritual em todo o Mestrado.
A eterna luta contra o aviltamento dos comportamentos dos clérigos dava origem a
regulamentação sobre o rezar das horas. Com efeito, ainda no século XIII, tinha sido concebido
em Roma um breviário que reunia, de modo sucinto, todas as obras necessárias ao culto. Nele
estavam contidos ofícios, mais curtos do que as horas canónicas até aí rezadas, e que foi
rapidamente adoptado. Estas orações começavam a ser rezadas pelo prior e raçoeiros antes do
despontar do dia, prosseguindo, com interrupções mais ou menos prolongadas, até ao tombar da
noite. O prior e os raçoeiros deviam comparecer também à missa capitular, celebrada depois da
hora de tércia.Tendo sido salientada a importância da presença ás horas canónicas, como vimos
obrigatóriamente rezadas dentro da igreja, restava ainda uma questão de dignificação, atitude e
indumentária adequada, numa determinação materializada pela recomendação geral do uso de
sobrepeliz.
Por seu turno a determinação sobre o apontamento das faltas e incumprimentos dos priores
apresenta uma conotação marcadamente disciplinar à qual, sublinhe-se, não corresponde
qualquer medida paralela incidente sobre os incumprimentos dos Comendadores que, como
vimos, eram por via de regra responsáveis pelo pagamento do mantimento dos clérigos e
obrigados a uma parte leonina das obras, conservação, reparação e dotação das respectivas
igrejas, matérias geralmente remetidas para as determinações particulares.
É possível que não seja de apreensão imediata o alcance de certas preocupações. Por exemplo:
como já referimos, verificou-se que alguns priores do Mestrado eram negligentes no mandar
tanger as ave-marias, e querendo corrigir este laxismo, os visitadores ordenaram a todos os
priores e tesoureiros que todos os dias tangessem as Ave-Marias ás horas habituais do cair da
noite, sob pena de pagarem por cada vez (que o não fizessem) cem reais, metade para a fábrica,
metade para quem acusasse. E mandaram também ao escrivão da câmara, sob pena de privação
do ofício, que tivesse o encargo de apontar por cada vez que o prior e o tesoureiro falhassem,
tansmitindo essas faltas aos oficiais para lhes descontarem nos mantimentos, cem reais por cada
vez, e os oficiais transmitiriam o rol das faltas ao Comendador para se concretizar o dito
desconto.
Com efeito, além do significado litúrgico evidente, talvez conviesse também assinalar os efeitos
práticos desta determinação. De facto, ao longo de todo o período medieval, e mesmo para além
dele, a noção do tempo decorrido, andava intimamente ligada aos repiques dos sinos que
cadenciavam o dia, fenómeno que se não resumia ao interior dos conventos e mosteiros, mas
respeitava igualmente ao geral da população, incluindo as práticas laborais do artesão urbano e
ao camponês.
Mas as preocupações dos visitadores estendiam-se para noutras direcções: Os ornamentos com
que se ministrava e celebrava o santo sacramento deveriam estar limpos, bem como os ministros
que os celebravam. Neste entendimento determinava-se que os corporais, palas e todos os outros
ornamentos que era costume lavar, o fossem, pelo menos uma vez por mês, ou mais, sendo esse o
entendimento dos priores, aos quais se recomendava que desta matéria se ocupassem com
diligência, lavando-os por si, ou mandando-os lavar por um clérigo de ordens sacras. Era
ordenado aos priores, ou capelães, que tivesse permanentemente o santo óleo, o de crisma e o
óleo de ungir os enfermos, requerendo aos juízes e oficiais que os mandassem buscar por um
clérigo de ordens sacras no domingo de pascoela, como era obrigação deles
Cumpre regressar a uma questão recorrente, os Comendadores das capelanias problemáticas,
sobre os quais impendia a obrigação de as prover de capelães não eram comprovadamente
residentes, e tal como se verificava noutras matérias, o seu absentismo acarretava consequências
no tocante ao bom desempenho das suas funções. Não será legítimo questionar se uma dessas
consequências não seria a pouca diligência posta em nomear – e conservar – esses mesmos
capelães. É certo que nem tudo se lhes pode imputar, estamos em presença de comendas
escassamente povoadas e de pouca renda, onde não se justificaria, nem talvez existisse a
possibilidade de os Comendadores optimizarem de sua iniciativa as remunerações e condições de
vida dos respectivos capelães.
Permita-se que façamos uma observação que julgamos válida não apenas para estas, como para
outras comendas economicamente e financeiramente inviáveis. As comendas não tinham sido
criadas numa perspectiva de constituírem unidade viáveis e autosuficientes. Foram surgindo ao
sabor das doações e do povoamento, criadas a partir da necessidade de as dotar com titulares de
poderes delegados capazes de assegurar a respectiva administação. A Ordem de Avis não
dispunha de suficiente gente capaz que, em pleno movimento de expansão ultramarina, estivesse
disposta a residir numa localidade isolada cujo rendimento, descontados os custos correntes,
pouco excederia o valor do mantimento do prior de uma comenda próspera, e a ser condenada a
uma existência sem horizontes de carreira ou acrescentamento palpável. Uma das soluções para
esta situação consistiria em concentrar no mesmo titular uma comenda suficietemente rendível e
outras de viabilidade duvidosa ou, mesmo inviáveis como era o caso do Cano, distribuindo
complementarmente algumas tenças e Alcaidarias. Era uma solução, mas não seria certamente
aquela que viria a assegurar as melhores e mais concentradas administrações. Os Comendadores
corriam o risco de acrescentar ás suas insuficências e incapacidades pessoais outras, de carácter
estutural, decorrentes da inedaquação de um sistema com pouca margem de manobra e em plena
reorientação. Não é o nosso papel absolver ou condenar os Comendadores, mas constitui uma
obrigação nossa tentar compreender algumas das limitações da organização e da conjuntura em
que se encontravam inseridos, essencialmente, porque, com o passar dos anos há situações que
parecem realmente não ter solução. Senão vejamos:
Nossa Senhora de Cabeço de Vide, visitada em 1538, constituía um exemplo raro em que o prior
Frei Pedro Leborato, professo da Ordem, não acumulava as suas funções (e mantimentos) com as
de tesoureiro da respectiva igreja, que eram exercidas por Jerónimo Guterre. Mas já não constitui
excepção o incumprimento da apresentação dos títulos de hábito e profissão que justificou, como
vinha sendo recorrente, dizendo que ainda não era costume no tempo em que saíra do convento.
Com efeito parece evidente que se o argumento invocado seria válido nas visitações de 1515-
1519, decorridas duas décadas teria perdido grande parte do seu carácter justificativo. Tanto mais
que, como sempre sucedia, exibiu uma apresentação do Mestre e uma confirmação de D. Afonso,
bispo de Évora.
De igual forma, não se fez qualquer menção ao hábito deste prior mas supomos que a posse do
livro da Regra estaria implícita na resposta.
Propositadamente a transcrevemos: cumpria o melhor que podia, e quanto estava ao seu
alcance. Ora, essa declaração encontra-se registada várias vezes de forma idêntica como tendo
sido feita pelos priores pelo que ficamos na dúvida sobre se constituía uma fórmula ritual, sem
nenhuma intenção específica transcendente, ou se aludia a incumprimentos e desvios da regra,
eventualmente responsabilizando circunstâncias alheias à vontade desses mesmos priores.
Da visitação a Cabeço de Vide decorria a visita a Alter Pedroso, mais um caso de comenda sem
qualquer viabilidade económico-financeira que, em tempos pretéritos, teria tido a justificação
militar do seu castelo roqueiro mas que, no ano de 1538 estava reduzido à situação de uma
fortificação vetusta e arruinada a cuja sombra se acolhia uma cerca com edificações
desmanteladas de apoio a uma agricultura moribunda e uma meia dúzia de casebres. Era isto uma
comenda, e certamente não a única nas mesmas circunstâncias. Pois neste lugarejo, que Aquilino
Ribeiro englobaria entre aqueles que ficavam "onde o diabo perdeu as botas", no meio de uma
igreja parcialmente destelhada com panos de parede jazendo por terra, reuniam-se,
teimosamente, para o culto uma mão-cheia de fiéis pastoreados por um capelão cujo mantimento
era assegurado pelo comendadores e pelos moradores. Os enviados de D. Jorge deter-se-iam
neste caso exemplar face aos sucessivos incumprimentos do Comendador, aliás assoberbado com
um vultuoso plano de reconstrução em Cabeço de Vide. Para remedir esta situação tomaram
providências imediatas e fulminantes, sob pena de embargo de todas as rendas da comenda.
Sinais positivos de algumas alterações foram encontrados em1538 na igreja de Nossa Senhora de
Sousel, exemplo vivo da "nova tendência" que julgamos constatar e que consistiria em aumentar
o número de clérigos e repartir o seviço das igrejas sem aumentar os encargos advenientes da
respectiva remuneração, uma vez que o mesmo quantitativo era repartido entre eles. Assim, era
prior e tesoureiro Frei Mendo, que tinha por obrigação rezar missas aos domingos e festas e mais
2 vezes em cada semana, bem como administrar os sacramentos, enquanto o beneficiado
Francisco Velho, dizia missa 4 vezes por semana, coadjuvanda o prior nas confissões e
Quaresma.
Já na matriz da opulenta comenda de Fronteira, Frei João Magro, professo do hábito de Avis,
acumulava as finções de prior, obrigado a dizer missa pelo povo todos os domingos e festas e
dias de guarda e a administrar os sacramentos aos fregueses da vila, com as de tesoureiro. Mas
registava-se, supomos que inserida no quadro da tendência que apontámos a propósito da
supracitada igreja de Sousel, a presença de um ajudador, Frei Fernão Lopes, freire professo da
Ordem, nomeado por carta do Mestre, obrigado a dizer missa pelo povo todos os dias da semana
que não fossem festas e dias santos, bem como a ajudar o prior a confessar e a sacramentar.
Supomos que este ajudador fosse de nomeação recente, uma vez que, além de apresentar como
todos os precedentes os títulos do seu benefício, exibiu também os comprovativos de hábito e
profissão na devida forma. Inclinamo-nos para que a insistência dos visitadores na regularização
desta matéria pudesse ter começado, finalmente, a dar os primeiros frutos.
Em geito de remate sublinharemos o empenho do Mestrado em melhorar as condições de vida
dos priores e capelães, de tal modo que em 1538, após os aumentos verficados, e a concessão do
pé d’altar deliberada no capítulo geral desse ano, os primeiros tinham obtido mantimentos
ordenados cujo valor equivaleria, de um modo geral, ao que sobrava para o Comendador de uma
comenda como a do Cano, uma vez descontadas as despesas correntes e as benfeitorias
determinadas pelos visitadores.
Tomaremos nota de que o estado de precaridade em que se encontravam os provimentos das
capelanias em 1519 tinha melhorado sensivelmente em 1538 na sequência de diligências que
parecem apontar em direção a pressões exercidas sobre os Comendadores pelos enviados de D.
Jorge. Recordaremos que as remunerações dos capelães não eram particularmente apelativas e,
não obstante, pequenas comunidades como a de Alter Pedroso continuava a receber assistência
pastoral financiada pelo Comendador e moradores num templo parcialmente arruínado,
salientando-se o caso apologético do clérigo que, em 1519, servia a capelania de Santa Maria da
Graça de Mora, recebendo exclusivamente em paga a esmola que o próprio mandava pedir pelas
portas aos domingos, sendo que cada um dava um pão ou aquilo que podia, e quer a dita esmola
fosse pouca ou muita, se dava por pago. Casos como estes dispensam comentários, mas lançam
uma nova luz sobre o genuíno empenho pastoral de uma parcela do baixo clero rural deste
período, nalguns casos subavaliado por alguma da historigrafia, mais atenta ao montesinho da
sua incultura e à exiguidade da sua formação teológica.
Menos edificante é o retrato que as fontes oferecem do prior do Cano, Frei Diogo Nogueira.
Quanto à sua conduta, fica-nos a sensação de que actuava num clima de total anarquia propiciado
pelo desinteresse do Comendador, e a coberto da confiança pessoal que António de Mendonça
nele depositaria. Agindo como uma espécie de locotenente do tio do Mestre numa comenda que
este governava como uma granja sua, como teremos ensejo de verificar a propósito da dimensão
senhorial, Frei Diogo teria certamente de se empenhar a fundo para pagar os 30.000 reais de
renda e retirar mais valias que, compensando-o do esforço, lhe arredondassem o mantimento que
lhe estava ordenado.
A pouca, ou nenhuma atenção, que prestava às admoestações e ameaças dos visitadores deixava
transparecer que se sentia protegido por António de Mendonça. Mas é forçoso constatar que a
visitação de 1538, que muito provavelmente fora precedida por uma visita intercalar, demonstra
sem margem para dúvidas que o influente tio do Mestre fora coagido a pôr ordem nos desmandos
e quase a "reedificar" essa esquálida comenda.
Aqui evidencia-se algo de muito curioso: a inquestinável autoridade de D. Jorge e a sua
pertinácia reformista, exercida com punho forte, mas brando e sensato, através de enviados que
não hesitavam em ameaçar Comendadores com as penas mais gravosas, mas usavam de
ponderada diplomacia com os priores, nunca cedendo, sempre insistindo, mas quase nunca
desautorizando os clérigos, ou expondo públicamente o exacto teor das suas faltas e as penas que
lhes teriam aplicado. Temos de convir que essa diplomacia, se tardava em obter resultados, como
se verifica com a posse dos títulos de hábito e profissão, evitava também tensões desnecessárias
e generalizara o porte do manto branco da Ordem (possivelmente retirado da arca para receber os
visitadores) e a posse do livro da Regra que, mesmo não sendo obra de leitura frequente, impedia
alegar desconhecimento.
Seria desejável poder aceitar sem reservas o testemunho de juízes, oficiais e moradores que
sistematicamente classificavam como homens de vida exemplar e cumpridores exactos das suas
obrigações os priores e capelães, mas já vimos que, ontem como hoje, avaliar com justiça e
isenção constitui tarefa ingrata, lesiva de interesses corporativos e geradora de indesejadas
retaliações. De qualquer modo algumas irregularidades mais flagrantes foram denunciadas e o
balanço da actividade dos clérigos da Ordem de Avis parece menos severo do que aquele que
transparece a propósito dos Comendadores.
Resta regressar a um assunto já aflorado, a persistência com que os enviados do Mestre tentavam
generalizar a eleição de recebedores e manposteiros para coadjuvarem os clérigos na gestão dos
fundos destinados à fabrica das igrejas, e a minuciosa regulamentação das suas suas funções,
privilégio e o controlo administrativo a que se encontravam sujeitos.
Seríamos levados a considerar quase trivial, desgarrado e pouco ambicioso, este conjunto de
determinações gerais sobre o espritual que nortearam os clérigos daOrdem Militar de Avis entre
1515 e 1538, tendo presente a conjuntura religiosa europeia em que se inseriam, e as
consequências advenientes para a generalidade do mundo cristão, se o seu confronto com as
determinações das ordens militares de Cristo e Santiago não espelhassem, ao menos
aparentemente, uma situação de generalizado alheamento, em relação com as grandes questões
que, nessa precisa ocasião, dilaceravam a cristandade.
Mas estas questões, no fundo, não coincidiriam com o cerne das preocupações de um poder que
visava, e já era muito, garantir aos camponeses, lavradores e artesãos que constituíam as
esmagadora maioria dos seus fiéis igrejas adequadas, funcionais e providas do necessário,
clérigos regularmente nomeados cumpridores da Regra e das obrigações pastorais, atentos ás
necessidades de orientação espiritual e tutela do cumprimento dos preceitos canónicos. E
também uma actividade pedagógica de permanente divulgação dos pontos essenciais da doutrina
e dos comportamentos e atitudes preceituados.
As fontes não permitem avaliar o grau de cumprimento desdes desideratos, mas refletem
certamente um esforço continuado nesse sentido, e testemunham sucessos evidentes nalgumas
áreas, ou pelo menos preços altos a pagar pela ignorância da determinação. Nas outras igrejas
visitadas tinha vindo a ser ordenado que fossem eleitos manposteiros para a fábrica das ditas
igrejas. E aos homens para esse efeito designados o Mestre concedia o privilégio de serem
escusados dos encargos do concelho, privilégio esse que deveria passado e assinado por sua
senhoria.
Os visitadores, seguindo esta orientação, ordenaram que se designasse um manposteiro para a
matriz de Juromenha, e que este pedisse todos os domingos para a fábrica, juntamente com o
Comendador, no caso deste se encontrar presente.
No final de cada ano o prior, perante o escrivão da câmara, tomaria contas ao manposteiro. Este
último carregaria o dinheiro apurado em receita conservando-o em seu poder, sendo dispendido
com o controlo do escrivão da câmara, que assentaria esses gastos em despesa naquelas coisas
que o Comendador, com o conselho do prior, entendesse necessárias à igreja. Determinaram
igualmente que, mal o dito ofício vagasse, o Comendador e o prior diligenciassem encontrar
novo manposteiro, e o enviassem ao Mestre para que lhe fosse passado o dito privilégio.O
manposteiro passaria a receber também o dinheiro das penas que tivessem vindo a ser aplicadas
para a fábrica, e o investiria do modo como tinha ficado acima.
É nossa convicção que o cumprimento integral das normas académicas poderá, em casos muito
particulares, contribuir eventualmente para a opacidade de certos textos específicos. Neste
momento coloca-se a questão de avaliar em dinheiro (reais de D. Manuel I) quanto custavam á
Ordem de Avis os mantimentos ordenados aos clérigos que serviam nas igrejas das comendas por
nós estudadas e, também qual o percentual das respectivas rendas a que correspondiam esses
mantimentos.
Temos consciência da impossibilidade de avaliar os pés d’altar, peditórios e outros rendimentos
destes mesmos clérigos mas, uma vez que eram encargos suportados directamente pels fiéis, não
entram no cálculo dos custos da Ordem. Uma vez que no anexo correspondente à transcrição das
fontes os quantitativos respeitantes aos mantimentos ordenados aos priores, capelães,
beneficiados e ajudadores vêm referidos em reais, moios, alqueires e almudes decidimos, por
motivos de inteligibilidade imediata e rapidez de cálculo, converter os moios (60 alqueires) em
828 litros valendo o litro de trigo 2,4 reais e o de cevada ou aveia 1,2 reais conforme
justificaremos no ponto dedicado à propriedade rústica. De igual modo modo, fizemos equivaler
o almude de vinho, que avaliaremos em 35 reais no mesmo ponto, a 15,6 litros (almude de
Lisboa). Como é evidente, dada a variabilidade regional das supracitadas medidas, é admissível
que elas possam não corresponder precisa e exactamente aos quantitativos em vigor na época e
na região. Mas sendo nosso objectivo calcular ordens de grandeza, tão ajustadas quanto possível
à realidade, é nossa convicção que embora trabalhando apenas com números aproximados, não
andaremos longe das escalas de valores correspondentes à ocasião e ás localidades.
Renda da
Mantimento Mantimento Total Percentua
Igrejas Prior/capelão Tesoureiro comenda
(reais) (reais) (reais) l
(reais)
Santa Maria
António
da alcáçova
Prior Frei Tristão Bacias 2.186 2.186 400.000 0,5%
de Elvas
1515
Matriz de Prior Sebastião
Juromenha Cordeiro 15.462 João Cortes 1.314 16.776 500.000 3,3
1516
Santa Maria Prior
Prior Rodrigo
do castelo Rodrigo
Soeiro 14.264 1.790 16.054 ______ ______
do Alandroal Soeiro
1516
A esmola que o
Santa Maria
próprio
da Graça de
1 capelão mandava pedir _____ _____ _____ _____ _____
Mora
pelas portas
1519
aos Domingos
Santa Maria
do
Prior Frei Pedro Prior Frei
Espinheiro 14.164 1.554 15.718 160.000 9,8
Farto Pedro Farto
de Seda
1519
Santa Maria
do
Prior Frei 14.164 Prior Frei
Espinheiro 1.554 15.718 206.000 7,6
AfonsoFarto O pé de altar Pedro Farto
de Seda
1538
Santa Maria
Prior Diogo
do Cano ___ ___ ___ ___ ___ ___
Nogueira
1519
Nossa
Senhora da Prior Frei 14 636 Prior Frei
Graça do Fernando de O pé de altar Fernando de 1.595 16.231 30.000 54
Cano Meneses Meneses
1538
S. Brás da
Em 1538
Figueira ___ ___ 5.000 60.000 8,3
5.000
1538
Capelão
S. Lourenço Capelão Frei
5.000 Frei João
das Galveias João Vasques 240 5,240 35.000 15
O pé de altar Vasques
1538 Pousadas
Pousadas
Nossa
Senhora de Prior Frei Pêro Jerónimo
15.328 1.440 16.768 500.000 3,4
Cabeço de Leborato Guterre
Vide 1538
Igreja de
Alter
1 clérigo 2.680 ___ ___ 2.680 ___ ___
Pedroso
1538
Nossa
Prior Frei Mendo 5.448 Prior 1.624
Senhora de Prior Frei
+ 5.960 Com os bolos 13.038 150.000 8,7
Sousel Mendo
1 beneficiado beneficiado do baptismo
1538
Prior Frei João
Matriz de
Magro 13.488 Prior Frei João
Fronteira 1.850 21.338 700.000 3
Ajudador: 6.000 Ajudador Magro
1538
Fernão Lopes
IGREJAS TOTAL
(reais)
1515-1519 1538
Santa Maria da Alcáçova de Elvas 2.186 ___
Matriz de Juromenha 16.776 ___
Santa Maria do castelo do Alandroal 16.000 ___
Verifica-se assim que a Ordem de Avis pagava, aos seus priores (que, muitas vezes, eram em
simultâneo, tesoureiros) em numerário, durante o quadriénio 1515-1519, uma média de cerca de
12.000 reais, sendo admissível que os capelães recebessem menos de metade dessa quantia. Na
década de trinta o valor médio mantinha-se idêntico. Chama-se a atenção que estas médias são
meramente indicativas uma vez que os cálculos que efectuamos não respeitam sempre ás
mesmas comendas (nomeadamente a inclusão de Fronteira altera os resultados médios). Assim,
poderá deduzir-se, em termos gerais, que nas mais de duas décadas decorridas entre 1515 e 1538
os priores estudados que desempenhavam simultaneamente as funções de tesoureiro,
(adicionando assim outra fonte de remuneração com prejuízo do exercício das suas obrigações
visto que se encontravam frequentemente na contingência de recorrer a auxiliares,
designadamente para as confissões e na Quaresma), possivelmente mantém valores equivalentes
aos anteriormente mencionados. Acrescentam, no entanto, e a partir do capítulo geral de 1538, o
pé d’altar. A despeito de não se poder afirmar que houve melhorias nas remunerações dos seus
priores é visível uma tendência nova no sentido de aumentar o número de clérigos em serviço
nas comendas agravando os encargos financeiros das mesmas, o que implicava redestribuir a
despesa dos mantimentos de cada uma por mais pessoas (casos de Fronteira e Sousel).
Embora os dados sobre os capelães sejam menos sólidos parece confirmar-se que estes
permneciam menos tempo em funções e, ao contrário dos priores, nem sempre eram recrutados
entre os clérigos da Ordem, factos que talvez se expliquem pela circunstância de que, embora
com menos obrigações, alguns tinham dever de residência, auferindo, em média, menos de um
terço do mantimento dos priores, remuneração aparentemente menor do que aquela que tornaria
o cargo apetecível e capaz de fixar duradouramente esses clérigos nas suas capelanias.
Património edificado
As igrejas
Talvez a melhor forma de ilustrar algumas das realidades que o estudo do património edificado
(no caso, as Igrejas) nos despertou, seja precisamente através da consideração do seguinte quadro
onde condensamos uma parte da informação conhecida. Uma vez que as mesmas foram já
descritas ao longo das visitações não entraremos, de novo, em considerações exaustivas sobre o
assunto.
Quadro n.º 253
Igrejas 1519-1538
Priorado/ Área
Nº de
Igrejas Características gerais Capelani (m2) Capela-mor
Naves
a 1519 1538
Santa Maria da Rebocada e caiada. Era
De abóbada redonda de
Alcáçova de ladrilhada mas encontrava-se Priorado 365 ___ 5
pedra e cal ladrilhada
Elvas em mau estado
Lajeada a pedra, com
Matriz de
___ Priorado 145 ___ ___ grades novas
Juromenha
Este conjunto de 12 igrejas que o quadro regista, visitadas (com excepção de Santa Maria da
alcáçova de Elvas que o foi ainda em 1516) respectivamente em 1519 e 1538, corresponde a 8
priorados e 4 capelanias, verificando-se que as dimensões e características dos templos estudados
divergem consoante se trate de uns ou de outras uma vez que os templos dos priorados que
estudámos tinham, em média, 160 m2, e nunca menos de 145, enquanto a superfície média das
igrejas das capelanias não excedia os 67 m2, área inferior à das ermidas urbanas de Elvas.
Como se confirmará no ponto dedicado á demografia esta desproporção ficava a dever-se ao
diferencial entre o número de moradores, mas também ás rendas das respectivas comendas e,
muito provavelmente, à época em que haviam sido edificadas. Muito embora o crescimento
demográfico ocorrido durante o período em apreço possa ser considerado moderado, igrejas
como as de Morae do Cano foram ampliadas (esta em 30% da sua área, crescimento assíncrono
em relação ao aumento populacional e denotando um subdimensionamento), parcialmente
reconstruídas, como era o caso do Alandroal e de Alter Pedroso, ou totalmente reconstruídas,
como sucedia com Sousel e Cabeço de Vide. Estas ampliações e reconstuções incidiam tanto
sobre os templos pertencentes a comendas com uma renda insignificante (caso do Cano, Mora e
Alter Pedroso), média (como era a de Sousel), ou elevada, como era o caso do Alandroal e de
Cabeço de Vide, e correspondiam tanto a priorados como capelanias. Tratava-se de um projecto
de ampliação e/ou reconstrução que se estendia transversalmente a quase metade dos templos em
apreço.
Independementemente das circunstâncias específicas que lhes estariam subjantes (ruína ou
subdimensionamento) os enviados do Mestre ordenavam, sem contemplações de renda ou
destaque social dos respectivos Comendadores, mas sempre tendo em atenção o volume da renda
das comendas, as reconstruções ou ampliações entendidas como necessárias, nos prazos julgados
adequados, onerando pesadamente as supracitadas rendas dessas comendas que, em caso de
incumprimento, corriam o risco de serem totalmente embargadas até à conclusão do que havia
sido determinado.
É certo que o Mestre se encontrava estribado num preceito canónico pois "segundo determinação
dos sagrados cânones nenhum Comendador podia gastar em seu proveito a renda da igreja que
lhe era dada em encomenda sem primeiro serem reparadas todas as coisas que a ela pertenciam
e ao serviço dela, em especial as coisas que eram necessárias para se celebrar o ofício divino e
dar os santos sacramentos, e manter sem penúria quem administrava os sacramentos".
Este preceito, como tantos outros, poderia ter sido contornado, "interpretado" ou sofismado em
favor dos Comendadores e do próprio Mestrado. Mas tal não sucedia, o preceito não só mantinha
a sua eficácia como, na prática, era exercido até ás suas últimas consequências que, nos casos
extremos, poderiam chegar, como vimos, ao embargo total das rendas das comendas.
Vamos deter-nos nesta questão, tentando reflectir sobre ela, no respeitante ás comendas põe nós
estudadas. Como tivemos ocasião de verificar a propósito do tombo (incompleto) de bens da
Ordem de Avis iniciado em 1364, nessa ocasião a milícia acusava já um declínio da sua
capacidade militar, posteriormente terá recuperado dessa situação, a ponto de ter coadjuvado o
Condestável D. Pedro no conflito da Catalunha, afinal a seu último envolvimento militar além-
fronteiras. O retrato que nos é fornecido pelas fontes em estudo não deixa lugar a grandes
dúvidas: como veremos a propósito do património militar edificado, e das questões que se
prendem com a propriedade rústica, a Ordem de Avis, nas primeiras décadas do século XVI, a
despeito de ter mantido características formais de Ordem Militar, parece ter perdido por
completo qualquer veleidade castrense, encontrando-se reduzida à situação de senhorio rentista
mediocremente administrado, mas com uma jurisdição espiritual de que não abdicou, e que
continuava a ser exercida com determinação e pertinácia, frequentemente lesivas dos interesses
da pequena oligarquia de Comendores, parentes, contraparentes ou apaniguados do Mestre D.
Jorge.
Ao declínio da dimensão militar não parece ter correspondido, de acordo com as fontes em
apreço, a um declínio paralelo e simultâneo da dimensão espiritual.
É certo que, na conjuntura político-militar da época, a Ordem Militar de Avis constituiria, quando
muito, um potencial latente que, em tese, conviria manter adormecido durante o reinado de D.
Manuel I e, em último caso, se porventura se tivessem esgotado todas as complexos interfaces da
diplomacia de D. João III, poderia apenas ser chamado a desempenhar um limitado papel
regional na hipótese, sempre evitada, de um confronto directo com o império dos Habsburgo.
Já no plano espiritual, estando mergulhado na profunda crise religiosa da época, coexistindo com
o advento da Inquisição, e a chegada da Companhia de Jesus, obrigado a manter as suas
prerrogativas face a uma diocese de Évora reforçada, era vital para o Mestrado, e justificativo da
sua própria situação, a vários títulos excepcional, que a sua jurisdição espiritual se mantivesse
viva e actuante.
Com um património fundiário que, (nas comendas em estudo, não excederia os 6.000 hectares de
terra agricultada), se encontrava em mão dos arrendatários das rendas, situação que, ao menos
parcialmente, se estenderia aos direitos senhoriais, os encargos financeiros resultantes do
mantimento dos clérigos, conservação das igrejas, ornamentos, paramentos e alfaias
indispensáveis ao culto absorveriam grande parte (e nalguns casos, como o do Cano, e das
Galveias a quase totalidade) das receitas dos Comendadores absentistas. Essa situação justificaria
que estes últimos adiassem, sempre que possível até ao último instante, os investimentos mais
vultuosos, a despeito das recomendações que a norma da Ordem sempre incluía a este respeito..
E também, ao menos parcialmente, a acumulação de comendas nas mãos dos mesmos titulares
que, deste modo, poderiam acudir com os proventos das mais rendíveis ás necessidades daquelas
que acabavam por não ser isoladamente viáveis.
Esta última hipótese obriga-nos a sopesar a qualificação de "absentistas" que temos vindo a
emprestar aos titulares das comendas em apreço. É seguro que, em casos como os de António de
Mendonça, documentadamente residente em Setúbal, os almirantes Azevedo, que quase
seguramente residiam junto à corte, de Diogo de Gouveia, dignitário da Casa de D. Jorge, dos
Henriques de Miranda que ocupavam cargos e dignidades desde Vila Viçosa a Elvas e Fronteira
restam poucas dúvidas sobre a sua posição de Comendadores absentistas destas comendas.
Mas não é possível excluir que, pelo menos alguns deles, pudessem residir noutras comendas, a
exemplo de D. Duarte de Almeida, comprovadamente residente em Seda com toda a sua casa, ou
de Diogo de Miranda que, em Cabeço de Vide se encontrava a braços com um pesado programa
de reconstruções, não apenas em Cabeço de Vide como também na vizinha localidade de Alter
Pedroso. Sendo certo que, exluíndo aqueles que comprovadamente habitavam junto à corte ou à
Casa de D. Jorge, os restantes, no caso de serem titulares de várias comendas, não poderiam
residir simultaneamente em todas elas.
Referimos atrás que as técnicas construtivas da época obrigavam a uma manutenção constante
dos edifícios, e mencionámos também a natural tendência dos Comendadores para adiarem as
intervenções nesse mesmos edifícios que implicassem investimentos pesados, recordaremos
ainda que, por via de regra constituía obrigação dos moradores colaborar na manutenção dos
templos, designadamente atravéz da prestação de serviços que não implicassem mão de obra
qualificada. Essas obrigações ficavam anotadas de visitação em visitação, tal como as tentativas
de arbitragem de divergências surgidas no atinente à interpretação da extensão dessas mesmas
obrigações.
As fontes por nós estudadas oferecem ainda o testemunho de um labor incessante dos visitadores
no sentido de promoveram, não apenas as referidas obras de reconstrução e ampliação, mas
também as intervenções mais limitadas de restauro, manutenção e reposição dos paramentos,
ornamentos, livros sacros e alfaias julgadas indispensáveis ao culto. Não se esgotava no entanto
aqui o papel dos enviados de D. Jorge, preocupados com a regulamentação de coimas e receitas
subsidiárias destinadas à fabrica dos templos (como as receitas das sepulturas, por vezes
desviadas pelos Comendadores), a existência de tesoureiros responsáveis, e a eleição de
recebedores e manposteiros idóneos que, em conjunto com os priores, e fiscalizados pelos juízes,
garantissem a boa gestão das receitas destinadas ás supracitadas fábricas dos templos. Todo este
esforço transparece, embora de forma sucinta, do conteúdo dos quadros seguintes em que
procuramos proporcionar uma visão de conjunto que seria impossível retirar consultando apenas
o conteúdo das visitações, tais como as descrevemos nos capítulos anteriores.
De igual modo se comprova o exercício da autoridade de D. Jorge, através de visitadores com
poderes delegados, verificando que a maioria das determinações realmente importantes e
urgentes acabavam por ser cumpridas e, não o sendo, originavam severas medidas de coação.
Ressalta ainda o facto do empenho primacial da Ordem se encontrar focado na recontrução,
ampliação ou simples manutenção das igrejas, sem descurar a situação e desempenho dos
respectivos clérigos e seus auxiliares, e se as alfaias, ornamentos e paramentos parecem, por
vezes, constituir apenas uma segunda prioridade será necessário ter em conta que a sua
substituição constituiria, em boa parte, um corrolário das reconstruções e reparações mais
onerosas.
Oportunamente salientamos o simbolismo cristão do sepultamento em terreno sagrado, referindo
que as receitas advenientes dos tumulamentos nas igrejas e dos enterros nos respectivos adros se
destinavam à fábrica dos mesmos templos
Verificámos que tanto o preço pago por essas sepulturas, bem como a respectiva cobrança, e o
destino a dar a essa receita, variavam de acordo com o consuetudo local e davam origem a
litígios frequentes que os visitadores procuravam harmonizar através de regulamentação,
tornando-se por vezes necessária a intervenção directa do Mestre que, valha a verdade, procurava
tornar nivelados e razoáveis os custos implicados
Por via de regra o custo de uma campa na capela-mór (que podia atingir o equivalente a um
marco de prata) era superior àquele que se cobrava no corpo da igreja que, por sua vez, era mais
elevado do que enterro no adro ou zona adjacente ao templo. Mas, dada ausência de uma tabela
fixa universalmente aplicável, os visitadores constataram que nalgumas igrejas em vez de existir
um preço fixo pelas sepulturas, cada um pagava somente aquilo que queria dar, costume que não
aprovaram. E por isso ordenaram que, daí em diante, as pessoas que se quisessem fazer enterrar
na igreja passassem a pagar o seguinte: na capela-mor o supracitado marco de prata, ou alguma
peça para ornamento da dita igreja que o valesse, e no corpo da igreja quinhentos reais pela
mesma maneira.
Dinheiro esse que deveria ser entregue, como dinheiro das sepulturas, ao recebedor da fábrica,
perante o escrivão dela, para ser gasto na mesma fábrica, e não em coisas profanas.
O pagamento dessas receitas, que passariam a ser exclusivamente destinadas à fabrica da igreja,
tinha vindo a originar atritos, uma vez que não eram pagas como, e quando se deveriam,
gerando-se demandas sobre tais questões, razão pela qual os visitadores determinaram que daí
por diante se procedesse da seguinte maneira: o prior não daria covas dentro da igreja sem que
estas fossem previamente pagas, entregando-se de penhor um marco de prata para construir e
ladrilhar as ditas sepulturas, penhor, ou penhores, que seriam entregues ao recebedor, perante o
escrivão da fábrica. E mais, que se o prior não cumprisse esta determinação, pagasse tudo isso da
sua casa, ficando metade para quem o acusasse e metade para a fábrica.
Mas, não obstante os esforços desenvolvidos para regulamentar esta matéria, os conflitos
prosseguiram atingindo os casos extremos de Comendadores que desviavam o dinheiro da
sepulturas e de fiéis que enterravam defuntos no interior dos templos sem autorização prévia, ou
sequer conhecimento dos respectivos priores ou capelães.
A mais recorrente das determinações particulares relativas a obras nas igrejas incidia sobre uma
questão que, à primeira vista, poderá parecer surpreendente: a constatação de que a existência de
um sacrário não se encontrava ainda generalisada nas igrejas sob jurisdição da Ordem de Avis
nos primeiros decénios do século XVI. Depreendemos que essa situação, podendo não ser
exclusiva dos templos da milícia, constituía uma preocupação diocesana, e objecto de reiteradas
advertências por parte do bispo. Que a construção do sacrário não obedeceria, na ocasião, a
regras geralmente divulgadas, e seguidas, parece depreender-se da minúcia das instruções sobre
o respectivo modus faciendi que os vistadores deixaram estipuladas.
Impõem-se uma curta referência heráldica referida nas fontes estudadas. Já havíamos registado
no tombo de bens iniciado em 1364 alusões a vestimentas e arreios marcados com a cruz verde
da Ordem. No século XVI os paramentos são ornamentados com cruzes de vária feição e cor,
mas nunca com a menção expressa à cruz verde da Ordem. Em contrapartida, em 1519 refere-se
um cálix de prata na igreja do Cano que pertencia a António de Mendonça tendo gravados os
sinais de Ave Maria, numa clara alusão ás armas dos Lasso de la Veja Mendoza, marqueses de
Santillana em Castela, que os Furtado de Mendonça portugueses haviam assumido com a
ordenação heráldica que figura na campa armoriada de Duarte Furtado de Mendonça no
convento do Espinheiro (final do século XV), bem como um cofre armoriado que pertencia ao
mesmo Comendador e se encontrava numa ermida. São igualmente mencionados no mesmo ano
vários paramentos e ornamentos, bem como guarda-pós pintados que ostentavam as armas de
Azevedo usadas pelo almirante Lopo Vaz, Comendador de Juromenha. E, finalmente, é descrito
em 1538 um armário com cercadura de mármore na igreja de Cabeço de Vide que tinha pintadas
(no início do século XVI) nas portadas as armas do Comendador Diogo de Azambuja. Em 1538
emerge do conteúdo das determinações um novo desiderato que consistia em fazer colocar nas
cimalhas da fachada nobre das igreja da Ordem e nas casas de pousada dos Comendadores a cruz
de Avis, esculpida em pedra, como marca de posse, para que esses edíficios fossem
imediatamente reconhecidos como pertença da Ordem.
Não regressaremos à questão das esculturas (tanto em pedra como em madeira) e pinturas que se
encontravam em cada um dos templos descritos uma vez que já foram objecto de inventário em
cada uma das visitações estudadas, comentada a predominância da pintura parietal e retábulos, e
aliás constituem uma questão cujo estudo pormenorizado iria sobrecarregar um trabalho já de si
extenso, sem prejuízo da possibilidade de uma análise específica em estudo ulterior.
Cabe, ainda, a oportunidade para algumas reflexões de ordem geral relativamente à partição das
responsabilidades em caso de obras e/ou aquisições que, ao longo destas visitações foram sendo
detectadas.
Assim:
Quadro nº254
Partição das responsabilidades
Obras e aquisições
Já no que se refere aos resultados das intervenções e aquisições efectuadas em cada comenda,
apresentamos de seguida a síntese possível perante uma imensidão de dados que as fontes
espelham, na qual procuramos evidenciar as situações mais recorrentes ao longo dos anos em
observação nesta dissertação.
• Aumento da área das Igrejas
Porque se entendeu que, em certos casos, a Igreja da localidade era pequena para a quantidade de
fiéis, ficando muitos deles do lado de fora enquanto se celebravam os ofícios divinos a que
paroquianos eram obrigados a assistir, sob pena de pecado mortal, ficou decidida a ampliação de
vários templos (Alandroal, Alter Pedroso, Cano, Cabeço de Vide, Mora, Sousel), optando-se por
soluções diversas, desde o derrube das portas principais, à construção de novos campanários fora
da Igreja. Valores concretos, são conhecidos para a Igreja de Mora, que sofre um aumento de
área na ordem dos 37%. Adstritos a estas tomadas de decisão surgem quase sempre preocupações
pela gestão da renda e sua aplicação neste tipo de obras (visível, por exemplo nas penas previstas
a aplicar aos comendadores no caso de incumprimento destas decisões).
Houve casos de pleno cumprimento das ordens recebidas, como aconteceu na Igreja do Cano,
primitivamente da invocação de Santa Maria, e em 1538 designada como Nossa Senhora da
Graça, teria sido efectivamente ampliada e melhorada. Inclusivamente essa reconstrução ocorrera
já há alguns anos visto que, na visita em estudo, foi determinado que se reparasse o telhado do
templo para não chover dentro. Tratou-se de uma obra de amplitude considerável que exigiu o
derrube da parede da porta principal, e parte da parede do campanário e o derrube e alargamento
em sessenta e seis centímetros de cada lado e na parte cimeira do arco da capela.
Outro exemplo interessante é o da Igreja de Sousel, cuja obra de reconstrução se encontrava por
terminar em 1538, ordenaram ao Comendador, sob pena de 4.000 reais para as obras do
Convento, que mandasse fazer, e terminar, a dita capela com abóbada, tal como estava ordenado,
com o seu arco de cruzeiro e mil réguas gradis de pau fechadas até ao dia de S. João (27 de
Fevereiro) do ano seguinte de 1539, de maneira a que, dentro de aproximadamente cinco meses,
ficasse tudo acabado e se pudesse celebrar nela.
Que saibamos, acontece uma única vez a circunstância de ser mencionado um caso em que a
totalidade do corpo da igreja de Santa Maria de Alter Pedroso se encontrar derrubado por terra
tornando necessário mandar erguer de novo o templo.
Aparecem chamadas de atenção para a necessidade de reparar as capelas-mor das igrejas, tal
como aconteceu Cano em 1519, nomeadamente ordenando-se ao Comendador que a capela fosse
sobradada com madeira de castanho e competada com um gradeamento de madeira com portas e
fechaduras no arco da capela. Tempo houve, ainda, para ordenar a construção de um coro na
nave do meio da igreja, sobre a porta principal, levantado em tramos ou em arcos de tijolo.
Mais tarde, em 1538, as preocupações incidem sobre a reparação do telhado da igreja de modo a
que não chovesse no interior do templo. A registar, ainda nesta altura, uma preocupação pelo
colocar da cruz da ordem sobre a porta principal da igreja, como aconteceu, também pela mesma
altura na igreja de Sousel.
Na Igreja de Juromenha, as preocupações mais ilustrativas direccionaram-se para a necessidade
de rebocar e cair a igreja e telhar bem como terminar a obra do campanário e colocar nele os
sinos, mandando construir uma escada de acesso exterior.
Também em Seda, no segundo ciclo de visitações, a capela-mor estava forrada de novo com
pinho, uma vez que tinha sido retirado o forro pintado, muito velho, que lá estava anteriormente,
e que a pia baptismal se encontrava cercada com grades de pau que lá tinham sido colocadas.
Uma vez que estas reparações não se encontravam previstas nas determinações particulares de
1519 parece lícito deduzir que teria entretanto sido efectuada, pelo menos, uma visita intercalar.
Em Santa Maria do Espinheiro de Seda, 1519, e à semelhança do que se apurou em Juromenha,
foi ordenada a construção de uma escada de acesso ao campanário e é interessante verificar que,
mais tarde, os visitadores ordenaram que se acabasse a obra no campanário, não especificando,
todavia, se se tratava ainda da escada de acesso. Esta mesma igreja tinha muita necessidade de
ser retelhada e cintada de cal porque chovia nela daí que se ordenou revolver e telhar a dita igreja
e cintá-la de cal. Verificaram também que o templo tinha necessidade de umas portas novas na
porta travessa que dava para a vila porque as que existiam se encontravam totalmente quebradas,
tendo inclusivamente caído. De igual modo as portas principais necessitavam ser consertadas e
restauradas.
O telhado da capela-mor da igreja de Fronteira, danificado que estava o medeiramento, foi alvo
de obras para evitar que a chuva entrasse na capela. A estas determinações proveram os
visitadores em 1538.
Na pequena localidade das Galveias, a porta da Igreja preocupou os visitadores porque, de tão
velha que estava, bastava o vento para a derrubar, encontrando-se frequentemente caída no chão.
Foi ordenado que se fizesse uma porta nova.
A necessidade de se adquirir uma nova pedra d’ara, já detectada em 1519, continuava por
resolver na década de trinta o mesmo se aplicando à pia baptismal, totalmente degradada em
1519 assim prevalecia, (tal como também acontecia em outras localidades como Figueira), não
se podendo sequer fazer baptismos porque no momento em que lhe deitavam água esta vazava
directamente para o chão.
O sacrário da Igreja do Alandroal foi alvo de reparo em 1519, quando se ordenou a colocação de
uma cortina corrediça e de uma lâmpada, para cujo combustível seria constituída uma reserva de
110 litros de azeite.
Finalmente, um interesse visível pela aquisição de material de culto que tornasse digno o
celebrar dos ofícios litúrgicos e demais cerimónias religiosas.
Em Figueira, em 1538, ordenou-se ao Comendador, que, no prazo de 4 meses, mandasse comprar
e colocar duas novas vestimentas e um novo frontal. Constata-se que, ao logo de 19 anos tinham
sido adquiridas cortinas, toalhas, lençóis, mantéus, e pouco mais. Embora se tivessem comprado
uma tábua pequena de retábulo e substituído algumas peças, determinações sobre alfaias
litúrgicas importantes como o turíbulo, não tinham sido cumpridas, enquanto outras alfaias
importantes, como a obradeira de fazer hóstias e a lâmpada, aparentemente não tinham sido
reparadas nem substituídas. Entre 1519 e 1538 apenas um missal fora adequirido. Por esta razão
são muitas as observações feitas pelos visitadores em 1538 lembrando a necessidade de comprar
duas galhetas de estanho, um baptistério com os ofícios da unção e enterro, por exemplo.
Na comenda do Cano, os visitadores do ciclo de 1538 encontraram muitas vestimentas e
ornamentos velhos e gastos e a necessidade de adqurir um turíbulo, uma arca onde se
guardassem os ornamentos e uma caixa para as hóstias, para além de mandar consertar o cálice
de prata da Ordem que tinha o pé quebrado. Ao elaborarem um novo inventário do que então
existia, percebe-se uma diferença em relação ao material encontrado em 1519 o que pode
confirmar, em nosso entender, a realização de, pelo menos, uma visitação intercalar na qual
teriam sido determinadas novas aquisições. Pode, ainda, colocar-se a hipótese do comendador
António de Mendonça ter recorrido ao recheio de outras igrejas de que era igualmente
Comendador para suprir as necessidades desta. Casos houve, no entanto, em que se procedeu a
uma real melhoria nas condições, neste caso, dos paramentos, como aconteceu com capa de
cetim de damasco arroxeado, velha e rota referida em 1519, a qual aparece substituída em 1538
por uma outra nova, igualmente em de cetim, agora carmesim.
Também na igreja das Galveias se compararmos as vestimentas entre 1519 e 1538 verificaremos
que, na última data, restavam ainda, do acervo de 1518, uma vestimenta e um bancal, tendo
entretanto sido adquiridos uma nova vestimenta de pano da Guiné e quatro novos frontais. Como
as determinações de 1519 apenas previam a aquisição de 2 frontais de pano da Índia para os
altares do cruzeiro, admitimos que tivesse existido, pelo menos, uma visitação intercalar em que
tivesse sido ordenado o remanescente das aquisições.
Na vila de Fronteira, em 1538, era necessário adquirir três frontais de bancais para servirem de
cote nos altares. E também uma vestimenta de damasco azul para a imagem de Nossa Senhora.
Foi ordenado ao recebedor da fábrica que cumprisse tal obrigação em 4 meses, sob pena de mil
reais para a fábrica.
Foi constatado em 1519 ser necessário adquirir um par de galhetas de estanho e outra caixa de
madeira com suas ambulas para os 3 óleos santos e umas toalhas novas para o altar-mor na igreja
de Santa Maria do Espinheiro. Sinal positivo no que se refere ao cumprimento de algumas destas
disposições, pois, em 1538 cumpriu-se a ordem de mandar fazer a referida caixa e um armário no
tesouro em que ficassem fechados. A prata desta igreja limitava-se a um cálice com sua patena, e
uma cruz pequena, ambas as peças deixadas em testamento. A avaliar pelas informações
recolhidas em 1519 (nomeadamente porque aí se fala da necessidade de adquiriria uma cruz de
prata com 1.150 gramas para as procissões e festas dado que na igreja existia somente uma,
muito pequena pertença do concelho), é de calcular que nada fora feito para prover a esta
situação.
Caso único neste conjunto de determinações passou-se nas Galveias, onde a campainha que
servia à comunhão (já desde 1519) estava quebrada e não tinha badalo, tendo sido ordenado que
a trocassem por uma nova. Nessa mesma igreja, em 1519 os visitadores haviam ordenado aos
juízes que tomassem contas a todas as pessoas devedoras à igreja, que assentassem as heranças
dos defuntos, ou de qualquer outra proveniência para garantir a compra de um cálice de 460gr,
disposição que se cumpriu em 1538. Estas funções podiam recair sobre os comendadores como
aconteceu na mesma cronologia em Juromenha quando se ordenou que este responsável
mandasse fazer uma cruz para a igreja com o apuro da prata em dívida para com a igreja.
O mau estado dos livros usados para o culto constituiu uma outra dimensão destas primeiras
inspecções, chegando-se, por vezes, a conhecer realidades muito preocupantes. No caso de Mora,
incidem as atenções nos missais e livros de ofícios de baptizar, ungir e encomendar os finados,
em falta na comunidade, mas no Cano em 1519 havia necessidade de missais e de um exemplar
das constituições do Bispo para que o prior se pudesse reger e ensinar os fregueses os preceitos
aí contidos. Outras vezes, havia a percepção de que os livros ainda poderiam ser recuperados
pelo que se fala em mandar encadernar missais que se encontravam desencadernados, como
ficou registado em Seda.
As preocupações com os livros litúrgicos parece que não surtiam grande eco no seio destas
comunidades como se comprava se relembrarmos o estado da questão nas Galveias entre 1519 e
1538. Aí os quatro livros mencionados na primeira visitação prevalecem em 1538, obviamente
ainda mais danificados, existindo um únici missal do costume de Évora que, entretanto fora
adequirido.
As capelas e ermidas
Uma vez que todas as inúmeras capelas constantes nas fontes estudadas foram já descritas por
ocasião das visitações efectuadas às comendas em que se encontravam, limitar-nos-emos a um
breve balanço final.
Assim, nos domínios da Ordem de Avis retratados pelas fontes em apreço, localizaram-se as
seguintes ermidas e capelas.
Quadro nº255
Ermidas da Ordem de Avis
Localidade Ermida
Ermida de São Bento
Ermida de Nossa Senhora da Ourada
Alandroal
Ermida de Nossa Senhora das Ervas
Ermida de São Sebastião
Alter Pedroso Capela de S. Bento
Ermida de S. Brás
Ermida do Espírito Santo
Cabeço de Vide Ermida de Santa Ana
Ermidas de S. Sebastião
Ermida de S. Tiago
Ermida de São Sebastião
Cano Ermida de Santa Catarina
Ermida de S. Pedro
Ermida de Santiago
Elvas Ermida da Madalena velha.
Ermida de Nossa Senhora da Graça
Ermida de Nossa Senhora de vila velha
Ermida de São Pedro
Ermida de São Sebastião
Fronteira Ermida de Santiago
Ermida de Santa Catarina
Ermida de São Miguel
Ermida de São Sadorninho
Ermida de Santiago
Ermida de S. Sebastião
Juromenha Ermida de Santa Catarina
Ermida de Santa Maria de vila Real
Ermida de S. Brás
Ermida de S. Brincos
Mora Ermida de S. Romão
Ermida de S. Gião
Ermida de São Bento
Seda Ermida de Santo António
Ermida de São Briços
Ermida de Nossa Senhora da Orada
Ermida de São Pedro
Ermida de São Pedro
Ermida de São Sebastião
Sousel
Ermida de São Miguel
Ermida de São João
Ermida de São Miguel
Ermida de São Bartolomeu
Nas comendas mencionadas existiam uma capela e 41 ermidas. Embora as fontes sejam, em
muitos casos, omissas em relação a várias informações importantes foi possível concluir que a
capela e 12 ermidas (30%) encontravam-se em estado de ruína, e 7 em diversos estágios de
reparação (16%). Apenas 5 (11%) se encontram referidas como tendo bens que rendessem para a
sua manutenção, enquanto 25 (56%) se mantinham e reparavam à custa das esmolas e devoção
dos fiéis.
Apesar de se referirem, pelo menos 30% de ermidas derribadas, e algumas outras em mau estado,
permanece elevado o quantitativo daquelas que se encontravam a ser reparadas (16%),
demonstrando o apego e devoçãos dos respectivos fiéis, geralmente lavradores e camponeses,
pois apenas encontramos referência a uma delas edificada e provida por um fidalgo, o
Governador Diogo Lopes de Sequeira.
Parece evidente que algumas destas ermidas, situadas em zonas mais apartadas, acabavam por
assumir uma função subsidiária, a ponto de terem capelão que as servisse com maior ou menor
periodicidade, e se encontrarem dotadas com ornamentos paramentos e alfaias. Os respectivos
fiéiis constituíam, em nosso entender, o contraponto aos moradores das vilas que, em
considerável percentagem, se tentariam eximir, ou compririam mal, os preceitos de missas
dominicais e festivas, ou a obrigação de confissão e comunhão. Mas convirá introduzir a esta
expressão de genuína religiosidade popular a perpectiva antropológica, que aponta para que estes
locais de reunião dominical e, por vezes, de romaria, constituíam afinal os pólos de um ritual de
socialização hebdomadária ou periódica, de importância fulcral para populações residentes em
casais dispersos pelos termos.
É certo que não nos encontramos perante um surto de proliferação anárquica recente destas
ermidas, muitas das quais eram tão antigas que se tinha perdido a memória dos seus fundadores,
ou sequer de quem estaria obrigado à respectiva manutenção. Mas tratava-se de um fenómeno
que o senhorio tinha toda a conveniência em disciplinar no sentido de evitar o esbanjamento de
recursos mal aproveitados e a fractura dos moradores em núcleos de fiéis mal recenseados e
divididos em comodatos casuísticos com clérigos alheios à Ordem. E esta iria actuar com
prontidão uma vez que, pelo menos desde 1515, tinha incluído entre as determinações gerais
medidas disciplinadores.
Eram demasiado numerosas as ermidas edificadas em localidades sob jurisdição da Ordem de
Avis (25 situadas dentro das localidades e 16 localizadas fora das comendas), já que a maioria
delas não possuía quaisquer bens ou rendas próprias. É certo que uma parte delas se mantinha
por devoçãos dos fiéis que as conservavam e, nalguns casos, chegavam a reedificá-las, algumas
eram centro de romarias, ou objecto de especial devoção. Mas uma percentagem elevada jazia
em ruínas, ou encontrava-se em mau estado de conservação, sem paramentos nem alfaias
litúrgicas, sendo altamente provável que a maioria destas últimas não se encontrasse aberta ao
culto. A determinação em apreço constituía uma medida profiláctica destinada a suster a
proliferação de situações análogas ás descritas.
Não era permitido construir ermidas em terras da Ordem sem autorização do Mestre, (…) nem
tão pouco iniciar a respectiva construção sem mostrar previamente a licença do Mestre.
Mas também se conclui que algumas dessas ermidas se encontravam dotadas com paramentos,
ormentos, livros e alfaias litúricas que por incúria ou má fé poderiam ser ser desencaminhadas,
pelo que a Ordem se esforçava por criar práticas e regras de alcance geral que as
salvaguardassem sob a sua égide.
Se a maioria destas ermidas que permaneciam abertas ao culto se mantinham graças a donativos
dos fiéis, e cinco delas possuíam bens prórios geradores de receitas, era inevitável que surgissem
problemas ligados à oigem, aplicação e gestão desses dinheiros, sobretudo porque a sua
manutenção implicava que alguém seria responsável pela sua gestão. Neste caso, foi possível
identificar 13 ermitãos, um capelão e um mordomo.
Já mencionamos que a Ordem recebia o pé d’ altar dalgumas ermidas, mas não se limitava a isso,
como se comprova pela seguinte determinação geral, registada na documentação relativa à
comenda do Cano.
Entenderam os visitadores que as jóias de ouro e prata, e a cera que se ofereciam na dita igreja
e ermidas, tal como cabeças, pernas, braços e outras, pertenciam à Ordem. E considerando que
tais coisas e as sobreditas jóias deveriam andar juntas com a renda da fábrica que se convertia
na reparação da dita igreja e ermidas, ordenaram que daí em diante as ditas jóias fossem para a
fábrica.
Embora a fixação de regras e a determinação de responsabilidades fosse uma componente
importante das prerrogativas do Mestrado, a Ordem de Avis não se cingiu apenas a este tipo de
funções. Como descrevemos acima neste ponto, existem exemplos (por exemplo nas comendas
do Cano e Alter Pedroso) da sua evidente intervenção ordenando aos Comendaores a reparação e
reconstrução de capelas e ermidas.
O caso que se afasta destas características mais comuns é o das ermidas situadas na parte urbana
de Cabeço de Vide, com excepção das de S. Sebastião e S. Tiago, esta última completamente
arruínada, e a cuja conservação ninguém estava obrigado, sustentando-se de esmolas.
Assim, todas as outras construídas nesta comenda eram de construcção mais robusta do que uma
boa parte das anteriormente referidas, ao invéz de estarem dependentes da boa vontade e
devoção de alguns moradores, encontravam-se bem cuidades e providas. Esta discrepância
ficaria a dever-se ao facto de que, no ano de 1538, numa delas se encontrava instalada, com
autorização do Mestre, a confraria da Misericórdia à qual, por provisão régia, tinha sido anexado
o hospital, e na outra uma confraria de mancebos solteiros da vila, que aliás a tinham fundado,
sufragânia do hospital do Espírito Santo de Roma, bem gerida e denotando dinamismo e
iniciativa, junto à qual se encontravam em construção as instalações do hospital novo. Sendo
flagrante o constraste entre a actuação destas confrarias no plano assistencial e a inércia que
reinava nos hospitais da Ordem de Avis.
De igual forma, e uma vez que todos os hospitais constantes nas fontes estudadas foram já
descritos por ocasião das visitações efectuadas às comendas em que se encontravam, limitar-nos-
emos a um balanço final.
Quadro n.º 256
Hospitais
Em face destas variadas situações presentes aos hospitais situados em localidades da Ordem de
Avis, parece possível concluir que, nas duas décadas que se seguiram à fundação da Misericórdia
de Lisboa, e subsequente proliferação do seu modelo, a anacrónica assistência que ia sendo
prestada pelos hospitais de Avis tivesse motivado, num primeiro tempo, a intervenção do
monarca que teria passado a nomear directamente provedores para os hospitais. No entanto esse
modelo híbrido não teria resultado, nem era natural que assim sucedesse, ocasionando a livre
associação dos moradores em institutos assistenciais, ou mesmo a criação de Misericórdias nas
vilas sob jurisdição de Avis. A Ordem, que como veremos a seu tempo, já havia perdido qualquer
relevância militar, seria assim substituída na sua função assistencial.
Demografia
Antes de entrar na dimensão senhorial propriamente dita convirá ter uma noção quantitativa
aproximada da escala do universo humano sobre a qual a mesma incidia, tal como faremos com
o espaço físico a propósito da dimensão partimonial.
Existem para o período em apreço dados demográficos que permitem, não apenas estabelecer
algumas ordens de grandeza e proporcionalidade, mas também o seu confronto com dados
similares que são referidos nas visitações estudadas.
Com efeito, as localidades que intregravam esta primeira comarca de visitações da Ordem de
Avis – que englobaria todas as visitações sobre as quais trabalhámos – situavam-se na comarca e
coreição d’Amtre Tejo e Odiana e de Riba d´Odiana na qual se iniciou, em data posterior a 30 de
Junho de 1527, decorrendo até 5 de Abril de 1532, um numeramento das cidades, vilas e lugares
nela compreendidos, bem como os respectivos moradores.
Neste numeramento de iniciativa régia, que corresponde sensivelmente ao período a que se
reporta este trabalho, e cujos resultados serão validados pelas estimativas dos visitadores
contidas nas fontes em estudo, foram inventariadas 116 cidades, vilas e concelhos nas quais
residiam aproximadamente 50.000 moradores, correspondendo apenas a cerca de 3 % da
população do reino que, como é sabido se estimava nessa época em aproximadamente 1.500.000
habitantes. Estamos claramente em presença de uma comarca com uma baixíssima densidade
populacional.
Deste total de 116 povoações que integraram o supracitado numeramento, repartidas entre vários
senhorios, como as 12 que pertenciam ao Duque de Bragança e somavam 6.329 habitantes, um
núcleo que perfazia mais de 50% da localidades recenseadas (61 povoações no total) era pertença
das Ordens Militares.
Dentre estas últimas avultavam os espatários, aos quais, como possuidores de 31 localidades
correspondia um pouco mais de 50% da globalidade das povoações na posse das ordens, (e 25%
do total da comarca) exercendo senhorio sobre cerca de 10.395 moradores.
Em segundo lugar, mas a uma enorme distância do senhorio pertencente à Ordem de Santiago, e
muito próximo da implantação territorial das duas outras milícias presentes na região, vinha o
Mestrado de Avis, com 3.959 residentes.
O terceiro lugar competia à Ordem de Cristo, que detinha 10 localidades, com cerca de 1.292
moradores e, finalmente, a parcela mais exígua destas povoações das ordens militares, cabia ao
Priorado Crato, com 6 localidades, que somavam cerca de 1.654 habitantes, apesar de tudo mais
362 do que a Ordem de Cristo.
Ao logo do estudo das visitações de que nos ocupamos poderemos verificar que são pequenas as
divergências entre o cômputo dos moradores que elas referem e os números constantes do
"censo" de 1527-1532, o que talvez autorize a considerar genericamente ajustados à realidade os
resultados fornecidos por esta última fonte, nos quais baseamos uma tentativa de reconstituição
da escala aproximada do peso demográfico da comarca de Entre Tejo e Guadiana e, dentro dela,
das terras das Ordens Militares, individualizando a dimensão relativa dos moradores das
localidades da milícia de Avis.
Encontramo-nos assim perante um território onde, embora por escassa margem (52,58%), as
localidades das Ordens Militares são maioritárias, embora representem apenas cerca de 35,3% da
população recenseada.
Verifica-se que as 13 localidades da milícia de Avis, agora em apreciação,(apenas o terceiro
senhorio regional, com modestos 34, 2% dos moradores sob jurisdição espatária, e 62,5% dos
moradores das terras da Casa de Bragança) mal perfaziam 8% da totalidade dos habitantes de
Entre Tejo e Odiana que, como vimos acima, representava apenas 3% da população do reino
entre 1527 e 1532.
Estamos em crer que este simples cômputo populacional poderá auxiliar a compreender as
ordens de grandeza com que nos deparamos, e contribuir para enquadrar a Ordem de Avis em
termos de peso regional e, por extrapolação, nacional, se tivermos presente que as comendas
estudadas constituem grande parte do "núcleo fundacional" da milícia.
Situação compreensível tendo presente que a densidade populacional da região em apreço
permanecia comparativamente baixa, pelo menos desde a ocupação romana, e caracterizando-se
por uma concentração urbana e peri-urbana dos moradores, com um acentuado decréscimo
populacional nos respectivos termos, como se constatará nas visitações estudadas pelo número
de casais dispersos pelas periferias das concentrações urbanas. O surto demográfico, inicialmente
tímido e entrecortado, tinha dado os primeiros passos sob os auspícios dessas mesmas Ordens
Militares, responsáveis por uma parcela significativa do repovoamento cristão, mas a respectiva
curva ascencional só se tornou evidente no final da Idade Média, beneficiando sobretudo os
aglomerados populacionais de maior dimensão que, frequentemente, coincidiam com cidades e
vilas que não pertenciam a essas mesmas Ordens Militares.
As populações adstritas à Ordem de Avis e residentes nas mais de 27 Comendas e no património
fundiário disperso, que não se encontram abrangidas nestes números, só parcial e indirectamente
poderão ser estimadas através das visitações e fontes avulsas incidentes sobre umas e outro.
Como é evidente virão a aumentar o peso demográfico das populações tuteladas pela milícia
mas, estamos em crer, não virão a alterar substancialmente a posição hierárquica relativamente
modesta que ela ocupava na escala dos senhorios do reino.
Antes de iniciar a análise casuística da população de cada comenda relembremos, uma vez mais,
que nos estaremos a debruçar sobre qualquer coisa como 8% da totalidade dos habitantes de
Entre Tejo e Odiana que, representava apenas 3% da população do reino entre 1527 e 1532.
Quadro n.º 257
População das comendas estudadas
A irregularidade com que nos chegam estes valores reduz o interesse pelos totais gerais (que, por
compararem evoluções localmente diferentes, nunca revelariam a realidade da tendência
demográfica), daí que nos parece ter mais interesse constatar que num período caracterizado por
um crescimento demográfico moderado tal foi registado em cinco comendas, com um valor
máximo de crescimento na comenda nova das Galveias (nas datas expoente), a par de um
decrécimo de população em Mora e uma estagnação demográfica em Figueira e Cabeço de Vide.
Propriedade rústica
MARQUES sublinhou a seu tempo que o Além-Tejo era uma comarca importante no quadro da
economia do reino no século XVI, situando-se Entre-Tejo-e-Odiana alguns dos "grandes"
aglomerados populacionais da época, como Évora, Estremoz e Elvas. Situação que, de acordo
com o mesmo historiador, coabitava com a existência de charnecas muito grandes e
despovoadas, configurando a paisagem de uma comarca relativamente erma com alguns núcleos
urbanos importantes mas sobretudo, naquilo que nos importa, pontuada por pequenas localidades
circundadas por uma área peri-urbana de mosaicos de culturas salpicados por casais isolados na
envolvente.
No entanto o relevo, os solos, o clima, e a orografia determinavam que, em termos relativos, o
elevado rendimento das terras agricultadas e a sua aptidão cerealífera constituíssem uma
excepção, apenas suplantada pela zona de Santarém e manchas esparsas do Ribatejo. A
comprovar a importância do contributo do cereal aí produzido estava o facto de que, desde finais
do século XV, era principalmente o trigo alentejano que abastecia os fornos de biscoito de Vale
do Zebro, bem como todo o Sul do reino e, ainda, a capital O supracitado historiador considerava
a Ordem de Avis como um dos latifundiários da comarca referindo, de acordo com o já referido
inventário de bens da Ordem iniciado em 1364, herdades de pão que lhe pertenciam em Avis,
Fronteira, Veiros, Serpa, Moura, Noudar, Beja, Mourão, Olivença, Alandroal Juromenha e Vila
Viçosa. Mas, de todas estas localidades, apenas iremos tratar de Avis, Fronteira, Alandroal e
Juromenha, acrescentando-lhe as outras comendas referenciadas nas fontes por nós estudadas e
que não constavam do antedito inventário.
Os resultados e propostas a que chegaremos, não desmentindo embora este quadro muitíssimo
genérico, irão suscitar, desde logo, algumas questões sobre a escala e tipologia da propriedade, a
distribuição dos bens fundiários da Ordem de Avis por Comendadores, rendeiros e foreiros, o
quantitativo das respectivas produções e o seu contributo para o rendimento anual do Mestrado.
Começaremos por apresentar a distribuição da propriedade delimitando o campo de observação
que as fontes permitem.
O quadro antecedente, ressalvando sempre o valor aproximativo dos números com que estamos a
trabalhar, aponta para algumas evidências de enquadramento. Em primeiro lugar na propriedade
rústica das treze comendas estudadas, apenas oito localidades (62%) se encontram medidas, dado
que as cinco remanescentes remetem para tombos de bens da Ordem efectuados em visitações de
que apenas temos referência, pelo que as desanexamos deste quadro.
Em segundo lugar os 62% bens fundiários da propriedade rústica que as fontes por nós
trabalhadas restituem não excedem os 5.776 hectares. E, se tivermos presente que a propriedade
dessas oito comendas oscila entre valores tão diversos como os 93 hectares da vila do Cano e os
2.297 da comenda de Mora, qualquer tentativa de encontrar um valor médio das localidades
medidas para o extrapolar para as cinco comendas não medidas não passaria de um exercício
fútil, muito embora a ele nos vejamos obrigados a recorrer supletivamente no intuito de tentar
descrever uma panorâmica geral e de obter números mais coerentes.
Em terceiro lugar torna-se evidente que o total de 5.776 hectares de terras de vária natureza,
aptidão e produtividade que constituíam o somatório dos bens próprios da Ordem nas oito
supracitadas comendas corresponderia à área de algumas das grandes casas agrícolas alentejanas
do século XIX, constatação que, desde logo, reduz à sua efectiva escala as considerações
genéricas que a historiografia tem vindo a produzir sobre a dimensão latifundiária das ordens
militares portuguesas, sem curar frequentemente de destrinçar a especificidade de cada uma
delas neste domínio.
Em quarto lugar verificaremos que dos 5.776 hectares de propriedades rústicas da Ordem 89%,
ou seja 5.129 hectares, se encontravam nas mãos dos Comendadores que as exploravam ou, com
muito maior frequência, arrendavam directamente sem que as fontes mencionem o valor ou
constituição dessas rendas. Como é evidente essas omissões empobrecem, e muito, a
representatividade real dos valores, limitando a nossa análise mais completa a uns escassos 637
hectares, ou seja, 11% da propriedade total das oito supracitadas comendas sobre as quais
subsistiram, nas fontes estudadas, os respectivos contratos agrários.
Do que acima ficou enunciado, verificando desproporção entre a esmagadora maioria da área que
se encontrava em mão dos Comendadores, e a superfície residual que era objecto de contratos
agrários conhecidos, e conjugando essas áreas com a superfície dos termos das comendas que,
em traços genéricos, nos é fornecida pelo, muitas vezes referido, numeramento de 1532, parece
poder deduzir-se que a Ordem de Avis não detinha o monopólio da propriedade rural dentro dos
limites territoriais das suas comendas. Antes a partilhava com os herdamentos dos moradores,
implantados nesses espaços desde as primitivas cartas de povoa, de que reproduzimos textos,
outorgadas pelos Mestres da milícia na sequência das doações feitas à Ordem, constatada a
necessidade de tornar atractivas para o repovoamento essas áreas ermadas ou taladas durante a
chamada reconquista. E, finalmente, que comendas como a do Cano, abrangendo uns escassos 93
hectares (parte dos quais com olivais e vinhas desaproveitadas e extensões de mato maninho)
dificilmente seriam economicamente viáveis. Constatação que as duas visitações estudadas
evidenciam, levando-nos a colocar a hipótese de que o respectivo Comendador, António de
Mendonça, tio do Mestre D. Jorge, se visse obrigado a financiar a despesa corrente dessa
comenda, acrescida com os pesados encargos decorrentes das determinações particulares, com
receitas de outras comendas que detinha, como veremos mais detidamente a propósito das rendas
das comendas.
Área Área
Área Área Área Área Área
Herdade Courelas/
Comendas Defesas Vinhas Olivais Ferragiais Hortas
s terras
(hectares) (hectares) (hectares) (hectares/m2) (hectares/m2)
(hectares) (hectares)
Alc. de Elvas 575 30,4 30,4 11 19
Juromenha 275 70 367 4,2 3,4 2,2 2,4
1.452m2
Alandroal 204 1,6 983 5,2 ___ 3,8
A questão cerealífera
Á primeira vista parece natural esta predominância das culturas cerealíferas Com todas as
reservas necessárias, e procurando obter apenas ordens de grandeza aproximativas, se levarmos
em conta que as terras de pão que se encontram medidas nas fontes estudadas totalizavam 3.125
hectares, e que o valor hipotético das outras terras de pão referidas mas não medidas que se
mencionam nas 5 restantes localidades (cerca de 31% das comendas em apreço) não excedesse
outros 1.500 hectares, chegaremos a um postulado que ronda, em termos gerais, os 4.600
hectares de terras de cultura cerealífera para o conjunto das comendas que estudámos.
Considerando por sua vez que uma seara alentejana anterior ao século XVIII poderia produzir,
nos bons anos agrícolas, uma tonelada/hectare, e nos anos maus entre 600 e 700 kg de trigo, e
utilizando como base de cálculo 850kg/hectare, obteremos produções anuais que poderiam
rondar as 3.931 toneladas de cereal para o conjunto das comendas estudadas. Como
beneficiamos de uma preciosa equivalência referida nas fontes por nós estudadas, e reportada a
1538, do litro de trigo a 2,4 reais, ou seja, 2.400 reais a tonelada, estimamos o valor bruto da
produção anual de trigo e cereais de "segunda" das comendas os 9.660.000 de reais ou, se o
preferirmos, 24.000 cruzados. Estes valores, reportam-se a terras que, na sua esmagadora
maioria, eram directamente arrendadas por mão dos Comendadores, omitindo as fontes os
valores das respectivas rendas pelo que se torna objectivamente impossível calcular a
percentagem bruta que corresponderia ao encaixe dos mesmos Comendadores. Mas, se
admitirmos que a renda postulada correspondesse a ao valor do quinto da produção obteríamos
um rendimento de, aproximadamente 1.932.000 reais. São números relativos a apenas 13
comendas que, ascendendo a 14% das rendas do Mestrado dificilmente se compatibilizam com
os 13.750.000 orçamentados como rendimento global das 44 comendas constantes da relação
efectuada em 1534, também conhecida por "orçamento de 1534". Mas importa ter em conta que,
cerca de meio século volvido (1607), a diocese de Évora recolhia anualmente, apenas em
dízimos, cerca de 960 toneladas de trigo, ou seja, um valor próximo de 24% da produção
estimada das Comendas em apreço, de acordo com o Livro em que contém toda a Fazenda, de
FALCÃO, autor que regista para as Ordens Militares de Avis, Cristo e Santiago rendimento
advenientes do trigo e da cevada na comarca de Entre-Tejo-e-Odiana equivalentes a 576
toneladas.
Este quantitativo divergiria inadmissivelmente das ordens de grandeza que apresentamos se não
fosse necessário levar em conta que os números de FALCÃO se reportam apenas a Salvaterra,
Alcácer do Sal, Vila Viçosa e Benavente. É certo que as fontes por nós estudadas referem
geralmente que a renda desta ou daquela comenda é estimada em tanto, "valor pela qual se
encontra arrendada", ou que rendimento desta ou daquela propriedade "andava com a restante
renda da comenda", ou, finalmente, que "a renda de Figueira não se pode saber ao certo porque
o Comendador a recolhe toda há anos". É certo que os quantitativos apresentados pelos
visitadores como representando as rendas das comendas em estudo divergem frequentemente
daqueles que se encontram na, já referida, relação de 1534, apresentando desvios superiores ás
variações (aliás geralmente pouco significativas) que podem ter ocorrido no lapso de tempo
decorrido entre 1515 e 1538. E que esta última, talvez por se basear em, pelo menos, duas fontes,
apresenta valores divergentes para as mesmas comendas. E, finalmente, como se verifica pelo
supracitado paradigma de Figueira, que os próprios visitadores apresentam os valores pelos quais
as receitas andavam arrendadas, demonstrando que fornecem quantitativos aproximados. De tudo
isto parece lícito concluir que esta "contabilidade" da Ordem não é particularmente fiável, pelo
menos neste particular.
Ficamos realmente perplexos ao constatar que o somatório das rendas das mesmas comendas que
podiam, em tese, libertar 2.200.000 reais de valor do trigo produzido, enquanto o somatório das
rendas não excedia os 3.381.000 reais.
Mas admitindo que as verbas referidas correspondam, pelo menos, a "ordens de grandeza",
talvez se possa concluir que os Comendadores, na sua maioria absentistas, arrendavam as suas
receitas num montante fixo estimado. Prática como é sabido corrente, mesmo no caso das rendas
da Coroa, e que tinha a vantagem de evitar os inconvenientes da cobrança directa, e garantia o
encaixe dum quantitativo anual fixo. Mas mesmo que viesse a confirmar-se que esta prática era
de facto generalizada, a incompatibilidade de receitas acima detectadas poderia significar que a
margem dos arrendatários configurava um contrato leonino por parte dos arrendatários que só se
explicaria através de uma gestão rentista completamente desinteressada das mais valias que uma
administração mais interveniente poderia libertar.
No entanto, tendo presente que os quantitativos a que chegámos parecem demasiado elevados
para permitir uma contabilização aproximadamente correcta das receitas das comendas libertadas
pelos cereais, e com o intuito de testar a aplicação generalizada do aforamento à quinta (20%)
decidimos testar os números que ficam acima, analisando alguns aforamentos de terras
cerealíferas a particulares susceptíveis de fornecer elementos comparativos.
Courela (terra de
trigo) à Torre do Lopo 3,4 (22
Azeite na GonçalvesGar 9,6 82 19.680 alqueires de 769 4
Alcáçova de o trigo)
Elvas em 1515
Courela (terra de
2 (15
trigo) na Caiola, João
12,2 79 18.960 alqueires de 520 2,5
Alcáçova de Fernandes
trigo)
Elvas 1515
Herdade de trigo e 4,14
Vicente Vaz,
cevada do Porto da 416.160 (de trigo) e
morador em 204. 1734 7.000 0,34
Cerva no Alandroal, reais 1,38
Terena
em 1516 (cevada)
Herdade de terra boa
de pão, ao redor da
2,2
ermida de Santa João Coelho 36 306 8.640 590 0,7
(de trigo)
Catarina no Cano
1519
Embora esta amostra de quatro exemplos seja pouco significativa, e logo perigosa para
extrapolar para a globalidade do universo em estudo, parece evidenciar um padrão que consiste
numa média de foros correspondente a cerca de 2% da produção. Apresenta-se assim uma
questão: se a média dos aforamentos ou arrendamentos efectuados pelos Comendadores
correspondia aos supracitados 20% referidos como sendo a prática do Comendador Pedro de
Gouveia em Mora, os quantitativos evidenciados pelo modelo de cálculo acima praticado estarão
próximos da realidade.
Mas se a prática corrente seguisse antes a média dos 2% evidenciados no quadro supra, as
receitas dos contratos de arrendamento ou aforamento referidos ás terras de vocação cerealífera
que a Ordem recebia do conjunto de localidades estudadas, em vez dos 2.200.000 reais acima
apresentados, desceria para os 220.000 reis, ordem de grandeza já compatível com os 2.325.000
reais a que montava a renda orçamentada para as mesmas comendas. E as receitas do cereal
representariam qualquer coisa próxima do 1% da renda global.
Baseados no conteúdo das fontes, com todas as suas omissões e imprecisões, seríamos levados a
concluir, como veremos, que as rendas, de longe, mais avultadas que a Ordem recebia de
contratos agrários eram, precisamente, as do cereal, sendo as restantes comparativamente
despiciendas. Assim sendo, poderíamos concluir que cerca de 98% das rendas das comendas
seriam originadas, não pelos resultados da exploração da terra, mas pelos direitos senhoriais e
outras receitas "fiscais". É certo que a realidade dos resultados da exploração agrícola percebidos
pela Ordem nestas comendas não corresponderia globalmente aos 20% da produção pelos quais
Pedro de Gouveia arrendava terras de pão em Mora, mas também não se situaria nos 2% que
configuram os quatro exemplos constantes no quadro supra.
Foros de tal modo baixos podem sugerir arroteias, ou desbravamento de parcelas regressadas ao
bravio que, por difíceis de trabalhar ou pouco ferazes, constituiriam uma excepção e, por isso
mesmo, teriam sido aforados (quase simbolicamente) a particulares. De qualquer modo, parece
provável que a realidade das rendas e aforamentos estivesse num número intermédio.
Infelizmente o intervalo é demasiado grande, e os dados com que trabalhamos não permitem
arriscar um valor meridiano provável.
Torna-se evidente que, trabalhar com ordens de grandeza e padrões, além dos riscos obviamente
implicados, apenas sugere tendências. De qualquer modo o suficiente para nos interrogarmos
sobre a eficácia do modelo de exploração da terra para que este tipo de raciocínio parece apontar.
Nesta linha de pensamento, tentando validar o nosso postulado de supremacia das receitas
advenientes dos direitos senhorias em relação aos ingressos libertados pelos contratos agrários,
vamos comparar o percentual das receitas dos contrários agrários sobre a produção com o único
exemplo quantificável de direitos senhoriais contido nas fontes que estudámos.
Terras de pão, de 2
dízimas nas Galveias,
Sétima
medidas de L/P pelo De cada 830
parte
caminho que ia das litros de trigo
570 (14%)
Galveias para Santarém e Herdeiros 67 14.000 recolhido, 117,3
84
de N/S a partir da pedra da litros de foro à
hectolitros
praça e pela rua de Ponte Ordem, (14%)
1.900 reais
de Sor até ás cimalhas da
Caniceira
Mais uma vez fomos compelidos a trabalhar sobre amostragens pouco representativas, neste caso
dois únicos exemplos, mas, a fazer fé nos resultados a que chegámos na aplicação das duas
dízimas a estes 67 hectares de terras de pão nas Galveias, as receitas geradas para a Ordem eram
nitidamente superiores ao quantitativo dos foros das terras de pão aforadas a particulares, e
bastante mais próximas do arrendamento "à quinta" praticado pelo Comendador de Mora.
Em apoio a esta "suspeita" nesta última localidade, grandes extensões de terras de pão
encontravam-se como era hábito na posse do Comendador, que as dava a lavrar exlusivamente a
lavradores da vila, e não áqueles que residiam no termo, encontrando-se ainda sujeitas à dupla
dízima do seguinte modo "de omze moyos leua a ordem dous moyos de que o bispo e cabido nom
tem parte e dos noue que ficam se pagua o dizimo aa igreja e se parte com os outros dizimos e
asy paguam per esta gujsa e maneira do mays e do menos do que deus a cada hu em as dictas
terras lhe daa" o que parece apontar para uma tributação da ordem dos 18% à cabeça, incidindo
ainda sobre os restantes 82% outros dízimos e, do nosso ponto de vista, sobre esse remanescente
final seria pago o percentual da renda sobre a produção. Embora dentro dos limites da mesma
zona, dada a importância do consuetudo, parece natural que nos encontremos perante um
mosaico de modos de calcular a tributação, as rendas e os foros que, no substancial, podiam
configurar um padrão que, em média, escolhemos equiparar, é certo que um tanto
arbitrariamente, a 15% da produção porque as fontes o referem e porque possibilita uma base de
cálculo.
A atestar que as comendas estudadas integravam uma zona de predominância das culturas
cerealíferas está o facto de se encontrarem referidos 31 moinhos, e 17 azenhas distribuídos do
seguinte modo: Elvas, 3 azenhas; Juromenha, 11 moinhos; Alandroal, 13 azenhas e 8 moinhos,
Mora, 1 moinho, Avis, 3 moinhos; Fronteira, 1 moinho e 1 azenha; Figueira, 6 moinhos e Seda 1
moinho.
Os moinhos de rodízio horizontal, que constituíam o fundamento do sistema de moagem
português e europeu, e as azenhas de roda vertical, que desenvolviam uma força de produção
maior, representavam a esmagadora maioria dos engenhos referenciados nas fontes em estudo.
Ligados ao senhorio que a Ordem detinha sobre certos cursos de água, nem sempre se
encontravam nas respectivas margens uma vez que os progressos técnicos tinham permitido que
a água fosse conduzida para os anteditos engenhos através de levadas e açudes, aumentando o
ímpeto dos caudais e o rendimento dos moinhos. Estas levadas e açudes, frequentemente
devassadas e danificadas pela passagem dos gados, ocasionavam, como tivemos já ocasião de
verificar, conflitos frequentes. De importância vital para a transformação dos cereais, esta
actividade ligava-se a jusante ao comércio das respectivas farinhas que, frequentemente, seriam
transaccionadas in loco, razão pela qual os engenhos se implantavam frequentemente nos
chamados portos que talvez se possam interpretar simultaneamente como fundeadouros e partida
dos caminhos de penetração, (também utilizados pelo gado que ia beber aos cursos de água), uns
e outros ligados ao escoamento dos produtos por cabotagem ou tracção animal. A construção,
manutenção e reparação dos moinhos e azenhas, implicando perícia técnica e investimento,
razões pelas quais a sua exploração andava frequentemente associada, como se constata, a
foreiros-empresários não residentes, que contratavam por vezes a exploração de vários engenhos
em simultâneo, ou, inclusivamente, a membros da nobreza, cavaleiros da Ordem, ou familiares
dos Comendadores. A componente tecnológica destes engenhos andaria ligada a uma eventual
escassez de mão-de-obra qualificada, uma vez que se encontram nas fontes moinhos danificados
que demoravam anos a ser reparados, e o senhorio tinha fixado em quatro anos de prazo o tempo
concedido a Rui Leitão para ter os seus 3 moinhos na Figueira "correntes e moentes".
Como veremos adiante o rendimento proveniente dos foros destes moinhos e azenhas era
comparativamente mais elevado do que aquele que advinha das propriedades rústicas de boa
dimensão e aptidão agrícola.
2 galinhas e 1
Mora 1 ___ ___ ___ ___ ___
frangão
3 na rib.ª de 1.795 litros de
Avis ___ ___ ___ ___ ___
Avis trigo
55 litros de ___
Sousel 1 221 litros de trigo 1 ___ ___
trigo
55 litros de ___
Fronteira 1 ___ 1 ___ ___
trigo
290
PISÕES 2 2 galinhas
Este rendimento dos engenhos hidráulicos correspondia a 29.380 reais, utilizando o preço de 2,4
reais/litro a que já fizemos referência. E, se aceitarmos que possam ter a uma correspondência
generalizada os 9% do total da moenda referidos na fonte como sendo o percentual cobrado pelo
senhorio, o total do trigo moído nestes engenhos das comendas ascenderia apenas a cerca de 85.000
litros (103 moios) desse cereal.
Novas questões podem perfilar-se aqui. Como calculámos atrás a produção global cerealífera das
localidades por nós estudadas em cerca de 4.600 moios (fazendo equivaler aproximadamente o
moio à tonelada), teremos de admitir que, a traços largos, apenas 2,2% desse cereal era
transformado localmente em farinha.Como é sabido o trigo e a cevada eram acondicionados em
sacas de 1980 kg (2,2 moios), e cada um destes sacos necessitava de 2,75 de tecido. Admitimos
que os dois pisões do Alandroal pudessem trabalhar para o "acondicionamento" deste cereal
cujos excedentes seriam encaminhados por via fluvial através do Guadiana em direcção a um
Algarve faminto de cereais e, seguindo a rede hidrográfica em direcção a Noroeste, onde
aportariam ao vale de Zebro e a Lisboa. Mas não temos meios para apurar se os tecidos que os 2
anteditos pisões compactariam se destinariam primacialmente a farinhas (de consumo local), ou
ao escoamento do cereal excedentário.
Tudo o que acabamos de postular parece lógico e admissível em termos genéricos, mas, se assim
é, onde se encontram nas fontes estudadas referências inequívocas à actuação da Ordem de Avis
como entidade coordenadora desse hipotético comércio? Nós não as encontrámos, e não nos
resta outra hipótese que não seja a de admitir que este tipo de fontes possa não ser adequado para
abordar esta última questão, ou que o senhorio se tivesse alheado da vertente comercial do
escoamento dos seus excedentes cerealíferos. E se a Ordem de Avis não se ocupava directamente
do escoamento dos cereais quem o faria, talvez os rendeiros da renda das comendas, Se assim
sucesse avultaria a anacrónica indiferença deste senhorio em relação ás possíveis mais-valias da
actividade comercial. Mas, repetimos, trata-se apenas de uma hipótese.
Agropecuária e pastorícia
Embora abundem as referências directas e indirectas à necessidade de cercar ou avaladar vinhas,
hortas e pomares, as menções de propriedades total ou parcialmente coimeiras a gados, bem
como aos danos provocados por bovinos por uma eguada e se encontrem menções do
aproveitamento sazonal do montado de sobro para a suinicultura ou a necessidade de mudar o
local onde se encontrava um curral dos moradores o certo é que as fontes apenas referem
inequivocamente, além dos coutos dos concelhos destinados ao pasto dos animais de tiro e bois
d’arado, 784 hectares de pastagem e Soveral.
Mas, como dissemos acima, abundam as alusões indirectas à omnipresença da criação de gado e
do pastoreio, através dos testemunhos sobre os prejuízos que essas actividades causavam ás
culturas. Disso mesmo constitui exemplo significativo um excerto da visitação a Cabeço de Vide
que vem confirmar a importância da actividade silvo-pastoril, a diversidade dos gados que eram
criados e, mesmo, a rigorosa protecção do montado por parte da Ordem de Avis, já nesta primeira
metade do século XVI.
Com efeito os visitadores encontraram a coutada e defesa da Chancelariadanificada e cortada por
muitas manadas de gado, apesar do seu trânsito ser proibido naquela propriedade. Perante esta
transgressão determinaram que durante os meses de novidade (Outubro, Novembro e
Dezembro), qualquer porco que fosse encontrado no interior desta defesa pagasse por cabeça 50
reais. Mas no caso de se tratar de manadas de gado vacum, ou varas de porcos que
ultrapassassem as 50 cabeças, pagariam 1000 reais por cada vez que aí fossem encontrados
durante os três supracitados meses. Nos restantes 9 meses do ano os transgressores pagariam a
coima pelo foral ou postura do concelho.
Como era usual, na linha da frente do longo conflito de interesses que vinha a opor os lavradores
aos criadores de gado desta região, encontravam-se as depredações dos rebanhos de ovicaprinos.
Os enviados de D. Jorge, não obstante a importância dos ovinos para a economia regional
determinaram também que, no caso de serem encontrados na antedita defesa e coutada carneiros,
ovelhas ou cabras, pagariam 500 reais de coima por cada vez que lá os achassem. Isto sem
embargo do pastor responsável ser imediatamente preso e mantido no cárcere até que a coima
fosse paga. Julgamos importante realçar que o montante destas multas se destinava a fins
específicos que consistiam na indemnização dos rendeiros e remuneração dos guardas da coutada
em questão.
Como também parece relevante sublinhar o carácter pioneiro da disposição segundo a qual todas
as pessoas que cortassem sobreiros ou azinheiras pelo pé incorreriam numa coima de 500 reais.
Mas mesmo que tivessem cortado apenas ramos das ditas árvores pagariam, por cada um, 100
reais. Medida cujo alcance se compreende melhor recordando não somente a importância do
montado na engorda dos suínos, mas também a utilização da cortiça e da madeira na construção
civil e no fabrico de carvão de sobro.
Torna-se assim possível verificar, embora indirectamente que a pastorícia e a criação de gado
continuavam a desempenhar um papel de relevo na economia local, muito embora não se
encontre nas fontes estudadas outra relação directa entre a Ordem de Avis e estas actividades que
não sejam as menções à dízima sobre os gados.
Embora esta dízima incluísse asnos e potros também não se encontram referências à existência
de equídeos pertencentes à Ordem. Facto tanto mais surpreendente quanto se tratava de uma
ordem militar que pagava rações de cevada aos priores que tivessem montada, e em cujas
residências de Comendadores existiam estrebarias.
Mais uma vez é indirectamente, através dos agravos dos moradores que se torna possível deduzir
que continuavam a pastar em terras da Ordem, mesmo que lhe não pertencessem, coudelarias de
certa monta.
Era este o caso de Brás Palha, fidalgo da Casa do Mestre, que trazia no termo de Fronteira muitas
éguas dentro da coutada do concelho, bem como nas vinhas e olivais e terras dos moradores da
vila. Estes últimos agravaram-se, alegando que o fidalgo invadia a coutada do concelho,
exclusivamente destinada aos bois de arado, e destruía vinhas, olivais e benfeitorias. A situação
teria chegado a tais extremos que, por este motivo, muitos moradores tinham deixado perder as
suas propriedades e não as aproveitavam. Acabou por se constatar a veracidade destas alegações
e foi ordenado ao dito Brás Palha que no prazo de um mês mandasse tirar as éguas da coutada do
concelho, bem como dos coutos das vinhas e dos olivais, e do limite que era dado para as éguas
dos lavradores, sob a avultada pena de 5.000 reais para o Convento. Deste excerto parece lícito
concluir, não apenas a importância da eguada em apreço, mas também que existia um limite para
as éguas dos lavradores, sinal inequívoco de que estaria generalizada a criação de cavalos.
Não parece possível ignorar, ou contornar o, facto de que as referências à pastorícia e
agropecuária contidas nas fontes serem sempre indirectas e relativas a gados que não pertenciam
à Ordem, mas sim a foreiros e moradores. Poderá a Ordem de Avis durante o período em apreço
ter-se alheado da exploração directa da silvo-pastorícia e da agropecuária? Parece-nos que essa
hipótese ganha alguma verosimilhança se recordarmos que a parcela leonina da propriedade
estava entregue aos Comendadores, e que estes arrendavam, não só os bens fundiários que lhes
estavam directamente alocados, como a própria renda das comendas. Tendo presente que tanto a
agropecuária como a pastorícia eram actividades absorventes e que exigiam um controlo estreito,
não as vemos a serem exercidas por Comendadores, na sua maioria absentistas.
Por outro lado já fizemos alusão ao secular conflito que opunha os lavradores aos criadores de
gado na luta pela utilização da terra. A este respeito, e a escassas décadas de distância, durante as
Cortes de Évora (1481-82) os moradores da vila de Avis haviam-se queixado ao recém-
etronizado D. João II (que até aí fora governador do Mestrado) protestando contra uma decisão
do almoxarife da Ordem de Avis que ordenara que se lavrassem todas as terras, quando era
costume e tradição andarem ás folhas, onde o gado podia livremente pastar.
Muito embora Oliveira MARQUES, aliás na esteira de RIBEIRO considere que a novidade
técnica que era o afolhamento trienal não se propagou ao Sul de Portugal uma vez que as
condições climatéricas eram adversas ao cultivo dos cereais de Primavera, as fontes por nós
estudadas fazem menção expressa de terras lavradas trienalmente em folhas. Embora a opinião
dos dois anteditos autores possa representar uma realidade genérica, não restam dúvidas de que o
afolhamento trienal foi ensaiado em propriedades da Ordem de Avis, pelo menos desde o terceiro
quartel do século XV.
E, na prática, as três folhas reduziam a área de pousio, que ficava assim reduzida a um terço do
total, o que reduziria a área de pastagem, situação potencialmente agravada pela intencionalidade
da intensificação das dadas de terra e arroteias patente nas determinações gerais, e nas queixas
dos moradores de Avis. Com uma área de pastio diminuída, entre outras causas admissíveis, pelo
efeito conjugado dos dois supracitados factores, parece natural e admissível que se
multiplicassem os conflitos e depredações nas culturas motivados pelos gados que ressaltam das
fontes. Mas daí a concluir que a agropecuária e o fabrico de lacticínios a juzante se encontravam
em crise neste núcleo de comendas, vai uma distância que os dados sumariados não autorizam
cabalmente a transpor.
Existe ainda uma derradeira questão, que não temos visto tratada, e que repeitando aos mais de
13 hectares de ferragiais referidos nas fontes se prende directamente com a agropecuária. Antes
do mais importa recordar que "ferragial" é uma parcela semeada com cereais (geralmente
centeio, e por vezes trigo que tenha "acamado") que era segado em verde nos finais de Janeiro
voltando a rebentar e a ser cortado em Março.Esse verde, numa época em que não existiam
rações, e o sustento para o gado escasseava, por vezes dramaticamente, no Inverno destinava-se
aos animais estabulados ou de engorda, e também aos vitelos e poldros.
Ora, como tivemos ensejo de ver atrás, esses 13 hectares de ferragiais, correspondendo a pouco
mais de 2% da área agricultada que recenseamos, podem corresponder a uma prática ainda pouco
disseminada na zona em estudo ou, mais provavelmente, a um declínio da criação de bovinos de
engorda e a uma criação de equídeos em que as eguadas seriam criadas exclusivamente "a
campo".
Viniviticultura
Abordaremos agora com maior detença, e circunstanciadamente, as manchas de vinhas presentes
nas comendas estudadas, não tanto em virtude do seu peso determinante na respectiva economia,
mas pelo facto de que os dados contidos nas fontes nos permitem concluir que, dada a pequena
dimensão das courelas, estas se encontravam repartidas por numerosos foreiros que,
necessariamente, as cultivavam numa perspectiva de auto-abastecimento
As 94 courelas de vinha que a comenda da Alcáçova de Elvas possuía, quase integralmente
situadas na zona de Varche, no seu total pouco ultrapassavam os 32,6 hectares, com uma média
de 3.191m2 por parcela de vinhedo (contando com os cerca de 2,6 hectares correspondentes á
estimativa das 8 parcelas de que ignoramos a área, obtida multiplicando-as pela superfície média
das restantes parcelas) e, não obstante, encontrava-se repartida por cerca de 80 foreiros, dois dos
quais em fatiota por serem mortórios as respectivas courelas.
As castas predominantes na época, tanto quanto é possível apurar, seriam possivelmente a
trincadeira preta para os vinhos tintos, e o Fernão Pires para os brancos, sendo necessária cerca
de 1 tonelada de uvas dessas castas para produzir cerca de 750 litros de vinho (ou 130Kg de uva
por hectolitro), o que poderia apontar para produções da ordem dos 2,6 hectolitros/hectare, que
permitem estimar em 85 hectolitros a produção total das vinhas da Ordem na Alcáçova de Elvas.
Dividindo o montante global dos foros em vinho por estes oitenta foreiros, concluiremos que
cada um deles pagaria anualmente 4,2 litros de vinho à bica, uma vez que a Ordem recebia em
foros cerca de 4 hectolitros. Estes números podem despertar alguma perplexidade se
considerarmos que grande parte deste vinho vem referido como sendo cobrada à bica. Com
efeito, se este tipo de recolha permitia aos oficiais da Ordem evitar a adulteração do produto, não
deixava de exigir um considerável esforço logístico para uma escala tão reduzida.
A escala dos pagamentos feitos por estes foreiros permite ter uma noção do percentual dos foros
sobre o vinho produzido. Com efeito, se as vinhas em apreço produziam anualmente cerca de 8,5
hectolitros e a Ordem recebia 4 em foros, chegaremos a números próximos do aforamento "de
meia". VIANA refere, para o ano de 1521, o preço do vinho a 45 reais o almude em Évora, e 30
reais em Beja. Optámos por um valor de 35 reais uma vez que Évora, como centro urbano duma
região poderia apresentar preços comparativamente mais elevados. Nesta perspectiva a produção
das vinhas da Ordem em Elvas ascenderia a 515 almudes no valor de 18.025 reais, recebendo a
Ordem em foros o equivalente a 9.030 reais, correspondentes a 113 reais por cada foreiro
Os títulos de aforamento, todos referidos como novamente feitos pelos visitadores, podem
indiciar, tanto que se tratava de uma renovação de aforamentos anteriores, como de novos
contratos. Nesta última hipótese estaríamos perante um novo "recrutamento (ao menos parcial)
de foreiros. Aceitamos como geral o emprazamento em 3 vidas que, efectivamente, surge
frequentemente expresso. Mas será necessário ponderar se, noutros passos, a simples menção do
emprazamento em vidas, como também se encontra mencionado, corresponderá à regra das 3
vidas, ou se estará referida a contratos que, embora feitos de novo pelos visitadores de 1515, a
foreiros que já deteriam títulos, corresponderia apenas ás vidas ainda não extintas nos primitivos
títulos. Os aforamentos em vidas, duas, três ou quatro " concorrendo embora com os perpétuos
desde muito cedo, só talvez no século XIV se começam a generalizar, em especial nos contratos
realizados entre igrejas, mosteiros e outros institutos pios e particulares.
Recordemos no entanto que já nos finais deste século XVI se considerava que a extensão do
instituto enfitêutico emprazado em duas ou três vidas (tal como se verifica nos casos que
geralmente nos ocupam), praticado por igrejas, mosteiros e ordens militares seria uma das causas
de estagnação (conceito porventura mais adequado que o de decadência) da agricultura no reino
de Portugal Num registo algo diverso, mas um tanto complementar, HERCULANO considerava
que a enfiteuse, se perpétua e hereditária, constituía "o grande meio de progresso na cultivação
do país, da melhor distribuição da população, do melhoramento das classes laboriosas, do
chamamento do proletário ao gozo da propriedade".
Com efeito, a escassos 25 anos da primeira das visitações estudadas (Alcáçova de Elvas), no 38.º
capítulo das Corte de Évora se encontravam ecos do descontentamento dos povos em relação ao
emprazamento em vidas manifestando-se o desejo expresso de que os " bees de raiz das Igrejas
se averem daforar em fatyota" e no mesmo sentido se inclinavam as Ordenações Manuelinas.
MARQUES, por seu turno, opina que residiria mais no montante da tributação do que na forma
da propriedade o condicionalismo de um rendimento agrário condizente com a fertilidade do
solo. E segue COSTA ao apontar que a prestação-base do foro consistia num percentual que
oscilava entre um terço e um décimo da produção respectiva, embora recorde que nos prazos do
mosteiro de Alcobaça, onde os foros variavam entre o terço e o quinto, este último se generalizou
à medida que se caminhava na centúria de Quatrocentos espelhando a melhoria da situação do
lavrador, e constituindo um incentivo ao acréscimo de produção.
Este historiador recorda no entanto que, além do foro, o possuidor do domínio útil se obrigava a
solver numerosas outras prestações: direituras eirádega, jantar, jugada, prestações essas de que
não encontrámos rasto nas fontes estudadas, com excepção de ocasionais referências ao dízimo.
Mas em contrapartida aquilo que se constata nessas mesmas fontes é que predominava a regra do
aforamento emprazado em 3 três vidas em contraste com a irrelevância do aforamento em fatiota
este último andava inequivocamente ligado a courelas de vinha em mortório, parcelas em mato
bravio, ou propriedades que, pela inaptidão dos solos ou pelo seu estado, se apresentavam pouco
atractivos para potenciais aforamentos sem o estímulo adicional representado pelo aforamento
em fatiota, que funcionava assim como um "incitamento" susceptível de atrair os moradores para
desbravar, arrotear ou replantar terras difíceis ou cujo investimento (na sua dupla vertente
financeira e de esforço de trabalho) só seria recuperável a longo prazo. Já no atinente ao
percentual do foro sobre a produção estimada, pese embora a parcimónia dos exemplos, e logo a
sua discutível representatividade, tivemos ensejo de verificar que, salvo casos esporádicos com
as vinhas da Alcáçova de Elvas, o montante se situa claramente abaixo do quinto praticado por
Alcobaça.
Esta situação, a confirmar-se, suscita de novo a questão em aberto da ponderação do montante
das rendas e foros correspondentes ao percentual leonino da propriedade rústica que os
Comendadores contratavam directamente. Sendo evidente que esta parcela dos bens fundiários
das comendas integrava as maiores e, naturalmente, as melhores terras, os 11% remanescentes
que foram objecto de contratos agrários registados nas fontes estudadas poderiam corresponder a
uma fracção residual que, pelas dimensões e características das suas parcelas, necessitaria, a
exemplo do que observámos acima sobre o aforamento em fatiota, do atractivo representado por
foros muito baixos, para encontrar candidatos a enfiteutas.
E, correlativamente, a admissibilidade da hipótese de acordo com a qual os pagamentos
efectuados aos Comendadores pelas terras directamente arrendadas ou aforadas por estes,
pudessem ascender ao quinto da produção que as fontes registam como sendo praticado por
Pedro de Gouveia em Mora, o que tornaria mais plausíveis os quantitativos que apresentámos
para os rendimentos cerealíferos de 89% da área directamente contratada pelos supracitados
Comendadores.
De realçar a coexistência da vinha com a fruticultura que atingia estes quantitativos por espécie.
Quadro n.º 265
Vinhas
50% da
Alcáç. de colheita,
32,6 85 18.025 9. 030 ___ 3.191 113
Elvas aforamento
de meio
___ 15% da
Juromenha 4,3 11 2.469 580 1.866 39
colheita
17% da __
Alandroal 5,3 14 3.141 500 ___ ___
colheita
1.152
Cano 5,8 15 3.366 160 1.152 4.833 ___ em
1538
__
Figueira
__
Seda 10? 26? 5.831? 1. 479 1. 713 5.263 (?) 84
43 a
Galveias 3,5 9 2.019 110 430 3.500 __ partir de
1522
___
Mora ___ ___ ___ ___ ___ ___ ___
__
Avis __ 263
__
Sousel __ __
89
Fronteira __ __ 1.605 __ __ __
Cabeço de
__ __ __ __ __ __ __ __
Vide
Referidas
Alter
duas __ __ __ __ __ __ __
Pedroso
vinhas
sem mais
62 em 6 34.861 em
160 em 6
TOTAIS comenda 6 13.727 15.273 __ __ __
comendas
s comendas
Quadro n.266
Alcáçova de Elvas
Complantação nas vinhas
Embora fosse notória a predominância da figueira, logo seguida pela amendoeira e pela
ameixoeira, constata-se que a pereira surge isolada (1 em cada parcela) em 37 courelas de vinha.
Uma vez explicadas as bases com que trabalhámos para encontrar os valores de produção global,
produção por cada parcela, e o valor monetária de ambas, o mesmo sucedendo com os foros
recebidos pela Ordem e pagos pelos cerca de oitenta foreiros, respeitantes à mancha de vinhas da
Ordem na Alcáçova de Elvas, passaremos a tratar conjuntamente, tal como já fizemos para o
trigo, o remanescente das vinhas que existiam nas restantes comendas.
Olivicultura
Torna-se particularmente difícil calcular a produção de azeitona neste período por várias ordens
de factores dos quais mencionaremos apenas os três mais evidentes. Antes do mais as variedade
predominantes na região eram a azeiteira, a carrasquenha, a conserva de Elvas, a redondil e
cordovil e a galega grada, umas sensíveis ao olho de pavão e à gafa, outras à tuberculose e à
mosca da azeitona, moléstias contra as quais não se conhecia qualquer tipo de prevenção ou
defesa eficaz. Esta situação originava numerosos anos de contra-safra durante os quais se perdia
a azeitona. Em segundo lugar não se praticava ainda o alinhamento nem o plantio intensivo e as
oliveiras apresentavam diversas idades e dimensões, com reflexo na respectiva produção
finalmente, quanto aos enxertos, realçar que nas zonas de Elvas e Campo Maior estes eram feitos
para híbridar com variedades como a conserva de Elvas e galega grada, visando a obtenção de
um calibre superior do fruto, e características mais adequadas ao consumo à mesa, mas seremos
obrigados por falta de dados a calcular a sua produção como idêntica à das oliveiras
A nossa base de cálculo situar-se-á numa estimativa conservadora de 3 arrobas de azeitona por
árvore (em ano de safra) tendo presente que nos lagares anteriores ao século XVIII se extraía de
14 kg de azeitona 1 kg de azeite que (sendo mais pesado do que a água) correspondia mais de 1
litro de azeite.
Nos 15 olivais da Ordem situados na comenda da Alcáçova de Elvas as fontes mencionam a
existência de cerca de 450 oliveiras e 113 enxertos, a que corresponderia uma produção de,
aproximadamente, 25 toneladas de azeitona, ou um pouco mais de 1800 litros de azeite.
Da produção destas 450 oliveiras e 113 enxertos a Ordem recebia em foros 20 alqueires de azeite
(276 litros, cerca de 15% da produção), 3 galinhas, e, em 2 olivais, um quarto da azeitona e da
fruta ou um terço da azeitona e um quarto da fruta. Estes números apontam para foros
equivalentes a 15% da produção de azeite, e entre um terço e um quarto da fruta e azeitona
quando se tinha optado por este tipo de pagamento.
As parcelas de olival de que nos ocupamos, oscilando embora entre o valor máximo de 20.000
m2 e o mínimo de 4065m2, apresentam uma área média de 8.000 m2 correspondendo a uma
produção média de 138 litros de azeite, sobre o qual 13 foreiros pagavam um foro médio de 21
litros.
Uma vez explicadas as bases com que trabalhámos para encontrar os valores de produção global,
produção por cada parcela, o mesmo sucedendo com os foros recebidos pela Ordem e pagos
pelos cerca de 15 foreiros, respeitantes à mancha de olivais da Ordem na Alcáçova de Elvas,
passaremos a tratar conjuntamente, tal como já fizemos para o trigo e a vinha, o remanescente
dos olivais que existiam nas restantes comendas.
__
Cano 14. 500 ___ __ 221 40 __
__
___ ___
Avis ___ ___ 13,8 565 ___
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Fronteira __ ___ 291 440 __ ___
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TOTAIS 845 1.045 ___
As fontes não mencionam olivais em 6 das comendas em estudo: Galveias, Mora, Seda Figueira,
Alandroal, Cabeço de Vide, Alter Pedroso, Sousel, ou seja, 46% do total.
Apenas na Alcáçova de Elvas, Juromenha, Cano, Avis e Fronteira a Ordem recebia em foros 845
litros de azeite, 605 reais, duas galinhas e um frangão, ou seja: tomando como base os 100
reais/alqueire que o mesmo custava 15 anos antes em Montemor-o-Novo , aproximadamente
6.740 reais de foros/ano . Rendimento que, em boa verdade, parece bastante reduzido e mesmo
penalizante se tivermos em conta o papel fulcral desempenhado pelo azeite nos mais diversos
aspectos da vida quotidiana nesta região e neste período.
A título de hipótese somente podemos postular que o facto destes foros serem pagos em azeite,
aves de criação e numerário se possa ter ficado a dever à existência de olivais novos que não
tivessem atingido um cruzeiro de produção que permitisse o pagamento de outra forma, já que o
número irrisisório de aves e a soma em dinheiro não parecem apontar para que os contratos
tenham sido elaborados tendo em vista a conveniência do senhorio em receber 2 galinhas e 1
frangão, ou mesmo 605 reais.
Verifica-se a existência de complantação em, pelo menos, 3 olivais um com pão, outro com vinha
e um terceiro com seu chão, do qual ignoramos o cultivo, embora saibamos que o respectivo
rendimento em azeite não foi referido porque se incorporava no rendimento daquilo que se
semeava no dito chão. Aos números apresentados torna-se necessário acrescentar mais 22
estacadas de oliveiras em complantação nas vinhas, já referidos no quadro anterior de
complantação
Quadro n.268
Alcáçova de Elvas, complantação frutícola nos olivais
Horticultura
Quadro n.º 269
Hortas
16. 760
Alc. de Elvas 5. 586 1.100
Em quatro comendas (Figueira, Sousel, Cabeço de Vide e Alter Pedroso) não se encontram
mencionadas quaisquer hortas. O total, que pouco ultrapassava os 10 hectares, e rendia em foros
ao senhorio 4. 100 reais, parece enquadrar-se em duas tipologias distintas. A primeira
compreendendo unidades superiores a meio hectare, encontrava-se frequentemente cercada ou
avaladada, tinhas casas, por vezes poços, noras e tanques, como em Elvas, pomar e/ou vinha
complantado, e a sua produção criava excedentes comercializados no merca local, como se
comprova pela referência expressa à casa onde faziam venda, sita em Seda.
As restantes seriam destinadas ao auto-abastecimento dos enfiteutas.
Arboricultra
Uma vez que acabamos de mencionar uma tipologia de propriedade na sua maioria complantada
com variedades frutículas, que são sempre referidas como muitas, mas sem as individualizar,
como metodicamente sucedia na visita à Alcáçova de Elvas, passamos a apresentar uma amostra
das árvores inventariadas que, muito embora não retrate o quantitivo total, deverá espelhar com
alguma fidelidade a proporção observada entre as diferentes espécies, excluindo o sobreiro que
se encontrava em todos os montados.
Quadro n.º 270
Povoamento arborícola e florestal
Tipologia Nº de árvores
amendoeiras 338
figueiras 325
ameixoeiras 164
Romanzeiras 113
Freixos 60
Nogueiras 42
Pereiras 40
Macieiras 27
Marmeleiros 15
Laranjeiras 13
Pessegueiros 10
Cidreiras? 4
Amoreiras 3
Limoeiros 2
Azinhal Um
Propriedade urbana
Alcáçova de Elvas
Uma vez que a Ordem não detinha jurisdição sobre a praça de Elvas não se encontram referidas
na fonte quaisquer dados sobre a respectiva fortaleza. A cidade encontrava-se edificada numa
elevção que dominava uma vasta campina, fértil em trigo, azeite e vinho. A parte mais elevada da
cidade encontrava-se cercada por muralhas robustas flanqueadas por torres ameadas, as ruas do
casco urbano eram, em geral, estreitas mas regulares, articulando-se ao longo delas o espaço
urbano, familiar ou doméstico. A casa de pousada dos Comendadores, que se encontrava
implantada no espaço urbano compreendido entre o adro da igreja a Norte e as muralhas da
alcáçova a Sul, ocupava um polígono irregular que media 18 m de Norte a Sul, e de Levante a
Poente, da banda do Norte, 27,5 m, enquanto da banda do Sul (igualmente medido de Levante a
Poente), se estendia por 36 m. O edíficio tinha dois pisos, no térreo ficava um recebimento com
45 m2 onde se encontrava também uma casa com 17 m 2 e uma sala ladrilhada de 43 m2, com 2
janelas grandes e uma lareira. Esta última divisão encontrava-se toda madeirada de castanho e
forrada de ripa e cana. Ainda neste piso térreo ficava um sótão com 13 m2, igualmente
ladrilhado, forrado e pintado onde se abria uma janela pequena de furos. E, finalmente, outra
divisão que media igualmente 13 m2.
Neste mesmo piso do recebimento (ou térreo) existia 1 corredor para o quintal com 5 m de
comprimento por 1,10 de largura. Do lado direito, à entrada deste corredor, ficava a cozinha, com
1 chaminé muito grande, medindo essa cozinha 14 m2, e sendo telhada de telha vã. No mesmo
corredor, mas à esquerda, outra divisória situada por debaixo de uma das câmaras do andar
superior medindo 14 m2.
Resumindo: o andar térreo deste edifício, além do recebimento, da sala e do sótão, contava com
4 outros repartimentos que somavam, no total, 151 m2
Da supracitada sala térrea partia uma escada em ladrilho que dava acesso a uma câmara situada
no primeiro piso com 21 m2, que tinha 1 janela grande e 1 lareira, encontrando-se forrada de ripa
e cana. No mesmo piso ficava outra câmara, também forrada de ripa e cana, com 1 janela sobre o
recebimento que media 15 m2, e ainda outra câmara nesse mesmo andar, igualmente forrada de
ripa e cana, com 1 janela grande, medindo 14 m2.
Resumindo: o primeiro piso da morada dos Comendadores da alcáçova de Elvas dividia-se em 4
câmaras cuja superfície somada ascendia a 50 m 2, o que equivale a dizer que a área residencial se
encontrava dividida em 11 repartimentos que ascendiam a 201 m 2 Todas estas divisões estavam
rebocadas e caiadas, com suas portas, ferrolhos e fechaduras.
Regressando ao corredor do piso térreo, à saída do mesmo ficava um curral com 44 m 2, onde se
abria uma porta para outra casa térrea, com 19 m2 coberta de telha vã e, à direita deste curral,
uma estrebaria com 41m2, que era foreira à igreja em 50 reais por ano.
Todos estes anexos, que somavam 105 m2, ficavam adjacentes a 1 quintal com 103 m 2, onde
ficava 1 cisterna, estando o espaço remanescente do dito quintal cercado com um muro ao qual
se adossava uma torrinha arruinada e existiam 7 laranjeiras, 2 limoeiros e 2 pereiras.
De acordo com os padrões da época estaríamos perante um complexo habitaciona bastante amplo
e cuidadosamente edificado, num razoável estado de conservação, bem iluminado, ventilado e
aquecido, com abastecimento autónomo de água, que se desenvolvia com clara separação de
áreas funcionais.
Juromenha
As casas em que viviam Comendadores desta localidade ficavam dentro da vila, partindo ao
Norte com casas de Pedro Ferreira e Gonçalo Anes Ribeiro, ao Sul com o adro da igreja, e a
Levante e Poente com a rua pública.
No piso térreo tinham uma sala dianteira, com chaminé, medindo 40 m 2 que se encontrava
forrada de ripa e cana. E ainda dois outros repartimentos, um com 10 m 2 e o outro mais pequeno
(6 m2) separados por uma cisterna. Para além da cisterna, supomos que em cruz com as divisões
antecedentes, ficava outro aposento térreo com 17 m 2 que abria para o exterior através duma
porta com ferrolho e fechadura, esta divisão dava ainda para outra casa térrea com 13 m 2 que se
encontrava telhada com telha vã.
Anexa ao piso térreo existia uma adega de reduzidas dimensões (22 m 2) onde se encontravam 3
talhas grandes, 3 de menores dimensões e 3 potes pequenos, bem como 2 casas descobertas,
respectivamente com com 19 e 24 m 2. Destas 2 últimas casas partia um alpendre a todo o
comprimento delas, e com 2,75 de largura que estava telhado com telha vã. Existia ainda no
mesmo piso térreo uma terceira casa que media 24 m2 e se encontrava forrada de telha vã, e todas
estas três casas tinham portas com ferrolho e fechadura.
Ainda neste piso térreo ficava 1 estrebaria com 2 divisões, a primeira, rebocada e forrada de ripa
e cana, media cerca de 40 m2, e tinha manjedouras altas assentes sobre calçada, e a segunda que,
no entanto, media apenas 24 m2 e se encontrava coberta com telha vã. No cabo destas estrebarias
erguia-se um palheiro com 42 m2.
E finalmente, contíguo à sala dianteira com que iniciámos a descrição, ficava um sótão com 10
m2 onde se abria uma "janela de furos" orientada para o adro da igreja. E, por cima do antedito
sótão com janela de furos, uma câmara com as mesmas dimensões do sótão, e também dotada de
chaminé e forrada de ripa e cana, em cujas paredes se rasgavam 2 janelas.
Em termos de funcionalidade estamos em crer que a área habitacional do piso térreo somava
cerca de 90 m2 (sala dianteira, sótão, cozinha - junto à cisterna -, e dois repartimentos com
comunicação entre si e um para o exterior. No 1.ª piso ficava ainda uma pequena câmara com
lareira, elevando para 100 m2 a área residencial. Adega, cisterna palheiro, armazéns e 2
estrebarias contíguas, amplas, e cuidadosamente edificadas e calcetadas, encontravam-se
implantadas sobre 195 m2 de superfície, perfazendo uma área total que rondaria os 300 m2.
As áreas de "serviços" estavam cobertas de telha vã, já a estrebaria principal e a zona residencial,
encontravam-se forradas com ripa e cana, dispondo esta última de 3 janelas e 2 chaminés.
Verifica-se uma diferença muitíssimo significativa entre este conjunto edificado, com a sua
elevada dimensão, repartição funcional, fenestração, lareiras, e cisterna e a tipologia esquemática
de casa dianteira e palheiro que observaremos constituir característica comum das outras casas
da Ordem na vila de Juromenha.
Alandroal
A fonte não faz menção de casas dos Comendadores, e mesmo o prior residia numa habitação da
Ordem que se encontrava em 1519 aforada a um Pedro Nunes que a trazia aforada em tres
pesoas per titolo d aforamento que lhe fez antam botelho comtador que era do mestrado. Esta
ficava situada no coração do núcleo urbano, defronte da igreja, partindo ao Sul com o celeiro da
Ordem, e a Levante com o adro da supracitada igreja. No piso térreo tinha uma casa dianteira
quadrada com 19,3 m2 e um sótão com 12 m2. No primeiro piso, possivelmente por cima deste
sótão dado que tinha as mesmas medidas, ficava uma câmara sobradada. Num destes
repartimentos, provavelmente na casa dianteira, forrada com ripa e cana, rebocada, caiada e
coberta com telha vã encontrava-se uma chaminé e uma cantareira, ambas madeiradas de novo
com castanho Todas estas divisões tinham portas com ferrolhos e fechaduras. Verifica-se que a
área residencial, embora resumida a três repartimentos, totalizava uma área coberta de 46 m 2 e se
encontrava cuidadosamente construída e conservada.
Mas o prior trazia igualmente uma outra casa da Ordem dentro da vila, e próxima da
anteriormente descrita, que partia a Norte com pardieiros da ordem, a Sul com a rua pública e a
Levante com o adro da igreja. Esta edificação ocupava 10 m 2, encontrando-se telhada de telha vã
e madeirada de madeira muito velha e dispunha de uma única porta com ferrolho e fechadura,
servindo certamente de celeiro e/ou palheiro, já que a habitação propriamente dita os não tinha.
Tinha sido aforada de novo pelos visitadores e emprazada ao mesmo prior em três vidas,
pagando este 15 reais pelo S. João, enquanto a residência, embora por título mais antigo, pagava
apenas mais 5 reais/ano.
Cano
A Ordem tinha um assento de dez casas no terreiro da vila, que eram os aposentos dos
Comendadores e partiam a Levante com o dito terreiro e praça da localidade, a Poente com o
quintal da Ordem, a Norte com pardieiros da mesma que se encontravam derribados e,
finalmente, a Sul com o caminho da azinhaga do concelho que ligava o Cano a Estremoz. Todas
essas 10 casas eram térreas, edificadas com paredes de pedra e barro, madeiradas com trouxa e
cobertas de telha vã. Muitas delas tinham os madeiramentos podres e problemas nos telhados A
primeira destas divisões era uma casa dianteira com 36 m 2 de área cuja porta se encontrava
emoldurada a pedra e deixava entrar a luz por postigos que se fechavam com lumieiras de
madeira e tinha dentro uma lareira com chaminé redonda, construída ao modo de antigamente.
Seguia-se, à direita da entrada, uma câmara com 8 m2, que na ocasião servia de cozinha.
Defronte da entrada principal ficava outra câmara com 13 m 2, que comunicava com uma outra de
18 m2. Seguia-se ainda uma outra câmara de 10 m2 que abria para o quintal.
Cerca de 5,5 m a seguir a este conjunto erguiam-se 2 casas com cerca de 16 m 2 cada, que
serviam de adega da Ordem e onde se recolhia o dízimo do vinho e do azeite. Encontravam-se
em mau estado de conservação e com os madeiramentos velhos e podres, contendo 4 talhas para
vinho grandes e boas. Pegadas com esta adega estavam mais três repartimentos que
comunicavam uns com os outros. No primeiro, que tinha 142 m2, encontrava-se uma atafona que,
na ocasião, trazia João Coelho. O seguinte, que media cerca de 18 m 2, era uma estrebaria que
tinha de um lado e de outro manjedouras desconjuntadas, e cujo telhado tinha ruído parcialmente
uma vez que o respectivo vigamento se encontrava podre. Este conjunto de edificações era
rematado por um palheiro com 9 m2.
Pegados a Sul com a adega, estrebaria e palheiro ficavam 2 pardieiros que, a Levante davam para
uma porta que comunicava com a rua e, a Norte, com o quintal. O primeiro destes, aquele que
comunicava com a rua, tinha 28 m2, encontrando-se completamente derrubado enquanto do
segundo, com 12 m2, subsistiam ainda alguns lanços de parede.
Embora este conjunto edificado pertencesse ao Comendador António de Mendonça em 1519 era
habitado por João Coelho que, de acordo com a fonte, por ele (Comendador) era Alcaide-mor da
vila do Cano, uma situação que abordaremos ao tratar da dimensão jurisdicional.
Ressalta à primeira vista o estado de abandono e ruína deste assento de casas, a denotar uma
longa ausência do Comendador e tio do Mestre D. Jorge que, como tivemos ocasião de referir,
residia em Setúbal e, tudo aponta nesse sentido, muito raramente se deslocaria a esta comenda
problemática.
No entanto, a encontrar-se em estado de conservação aceitável, este conjunto edificado contaria
com uma área residencial composta por uma sala dianteira com chaminé, cozinha e três câmaras
totalizando 85 m2.
A cerca de 5,5 m desta área residencial erguia-se uma adega com 32 m2, e, adiante, o
repartimento onde trabalhava a atafona com 142 m 2, e uma estrebaria e palheiro que mediam 27
m2, bem como dois pardieiros derrubados com 40 m2. Um conjunto de anexos que perfazia 241
m2, elevando para 326 m2 a área construída.
Por detrás destas casas ficava um quintal grande (100 m2), inteiramente cercado por um muro de
pedra e barro, com um tanque para o qual corria água, onde se encontravam, entre outras árvores
de fruto, 3 laranjeiras e muitas ameixoeiras e romanzeiras.
A descrição feita em 1538 pelos enviados de D. Jorge retrata uma situação bem diferente. "Junto
com a praça um assento de casas juntas que são aposentamento dos comendadores. António de
Mendonça derribou-as por estarem danificadas e as principiou de novo e as paredes estão agora
engalgadas de pedra e barro até ao sobrado e com portais e chaminés. Encontram-se agora
repartidas em 8 casas, fora uns pardieiros das mesmas casas em que se farão estrebarias".
Não se mediram nesta 2.ª visita por estar tudo de maneira que era impossível tirar medidas, e
também por as ditas casas serem da Ordem e pousarem aí antigamente os comendadores ".
Como geralmente sucede, dado o carácter fragmentário e não sequencial das fontes em apreço, o
porque os visitadores se reportavam a um Arquivo que, constituindo para eles um todo coerente,
os dispensava frequentemente de outra coisa que não fossem alusões e remissões, não nos fica
outro caminho que não seja o das hipóteses dedutivas. Neste entendimento, tendo admitido já a
realização de uma visitação intercalar que tivesse registado a execução das obras programadas
para a igreja do Cano, não parece de afastar liminarmente outra hipótese, a de que, nessa
visitação (ou visitações, porquanto nos reportamos a um período de quase dois decénios), uma
vez terminado o programa de ampliação do templo, tivesse sido determinado o restauro das casas
de pousada dos Comendadores que se encontrava em execução em 1538.
Seda
Em 1519 encontravam-se dentro da cerca, logo à entrada de porta da vila, umas casas boas
utilizadas como aposentos do Comendador e Alcaide-mor, na ocasião D. Duarte de Almeida, que
os visitadores descreveram entendendo no entanto que não era necessário medi-las, já que todos
os edifícios que se encontravam dentro da cerca pertenciam à Ordem. Estas casas eram as
seguintes:
1- Uma sala a que se acedia por uma escada que partia do sótão da dita sala, e era sobradada e
assoalhada de tabuado, tendo uma boa chaminé e duas janelas: uma que deitava para a vila e
ficava na parte Sul, e outra virada para o terreiro do castelo e ficava a Norte; as quais janelas
tinham no meio colunelos de mármore. Esta sala encontrava-se madeirada de asnas e forrada de
cortiça de amadio.
Á esquerda da sobredita sala, da parte do Levante, ficava uma câmara que servia de guarda-
roupa e tinha uma janela para o Norte. Depois deste guarda-roupa ficava uma divisão muito
pequena que servia de privada.
Regressando à sala inicial, à direita, ficava uma câmara grande e boa e, depois desta, estava outra
câmara que dava para o Norte, e cada uma tinha sua janela.
Da parte do Poente, pegada com a antedita dita sala, estava outra câmara que servia de cozinha.
E mais dentro uma outra câmara, que servia de botica, tendo cada uma sua janela.
Eram no todo 8 casas, entre grandes e pequenas, e por baixo, outros tantos sótãos que serviam de
celeiro de trigo e de todo o outro pão dos dízimos.
Todas estas 8 casas se encontravam construídas com paredes de pedra e cal, guarnecidas a cal por
fora e por dentro, madeiradas de asnas e todas por cima forradas de cortiça de amadio e, por cima
telha. Todas tinham bons portados, com suas portas e fechaduras, e todas se encontravam
assoalhadas de tabuado e em tudo muito bem reparadas
Nas quais casas os visitadores acharam aposentado D. Duarte de Almeida, com sua mulher e
toda a sua casa.
Existiam outras casas situadas na cerca do castelo que eram as seguintes:
Uma casa térrea, pegada com os aposentos acima descritos e que tinha uma chaminé, madeirada
de trouxa e forrada de cortiça, em a qual pousavam os criados do Comendador e Alcaide-mor
Uma outra casa pequena, com paredes de taipa e coberta de telha vã, que D. Duarte mandára
fazer para as galinhas.
Ainda dentro da cerca do castelo ficava uma casa grande que servia de estrebaria e tinha
manjedouras, e pegada a ela, outra mais pequena que servia de palheiro e tinha palha. Ambas
madeiradas de trouxa e cobertas de telha vã.
Também dentro da cerca do castelo ficava uma casa grande que era lagar de azeite de duas varas,
uma que agora estava desmanchada e a outra que desfazia quanta azeitona havia na vila por não
existir outro lagar de azeite.
Este lagar tinha ainda uma caldeira e moinho em que se moía a azeitona e encontrava-se
edificada com paredes de pedra e barro, estando madeirada de trouxa e coberta de telha vã.
Talvez estejamos em presença da mais "moderna e sofisticada" destas casas de morada dos
Comendores de Avis, solidamente madeirada e sobradada, isolada com cortiça de amadio, ampla,
rasgadamente fenestrada da feição que subsiste no castelo do Alvito com os seus colunelos de
mármores, e dotada de privada e, caso singular, guarda-roupa e uma botica.
Mas, passadas quase duas décadas, a D. Duarte de Almeida tinha sucedido como Comendador o
almirante António de Azevedo, presumivelmente residente na corte, e mesmo este havia já
renunciado em seu filho Lopo (para garantir a sucessão) mas reservando para si o usufruto
vitalício dos frutos da comenda de Seda. Esta situação não parece apontar para um empenho
particularmente devotado por parte de Lopo de Azevedo na administração duma comenda cujo
rendimento revertia para o pai. Temos por seguro que nem o almirante António de Azevedo, nem
tão pouco o seu filho Lopo, haviam residido na vila de Seda. Com efeito, os aposentos dos
comendadores, minuciosamente descritos em 1519, quando neles habitava D. Duarte de Almeida
com a mulher e toda a sua casa, passados 19 anos encontravam-se muito danificadas e chovia
nelas, tendo ficado os sobrados todos rotos e podres da chuva.
Os visitadores de 1538, tendo em vista que não acabassem de perder-se as ditas casas, nem se
danificasse o pão da renda que se encontrava nas suas lojas, que serviam de celeiros, ordenaram
ao mordomo do Comendador que, à custa do moio e meio que se tirava de celeiragem da parte
do bispo e do cabido, mandasse telhar as ditas casas, e cintar de cal onde se revelasse necessário,
e colocar alguma madeira, se disso houvesse necessidade, de modo que se reparassem o melhor
que fosse possível. Na eventualidade de ainda sobrar dinheiro, que se cobrissem também as
estrebarias para evitar que as paredes caíssem. Esta despesa se faria da celeiragem por servirem
as ditas casas de celeiros, e o Mestre, quando tinha a renda desta comenda, as mandava reparar
da dita celeiragem. Isto seria cumprido até ao próximo Natal sob pena de 1000 reais para a
fábrica da igreja.
Este exemplo ilustra claramente a fragilidade das edificações com que nos defrontamos, tanto
mais que se refere a uma residência particularmente invulgar entre aquelas que as fontes em
estudo nos restituem, e que, tal como se encontrava descrita cerca de duas décadas antes,
albergava, ao que se depreende, em excelentes condições para a época, o Comendador D. Duarte
de Almeida e os seus familiares. Admitindo que se encontrasse desabitada há cerca de uma
década, ou década e meia no máximo, esse lapso de tempo bastara para provocar o estado de
ruína registado em 1538.
Figueira
Contrastando com aquelas que acabamos de descrever, as casas fortificadas, onde residiria o
Comendador, tinham, no seu conjunto, cerca de 150m2 de área edificada. Talvez não seja de todo
inadequado classificar este recinto, cercado de muros defensivos capeados com lajes de pedra, e
constituído por várias edificações que configuram um complexo habitacional, adossado a uma
torre, à qual se acedia por uma escada de madeira (móvel?) a partir de uma das casas, como
Casa-Torre, ou Casa-Forte, na exacta acepção que lhe atribui BARROCA.
Muito embora o aparente anacronismo deste complexo edificado que, em 1519, face aos
desenvolvimentos da pirobalística, apresentava já um reduzido valor defensivo, o que iria ao
encontro do pensamento deste último historiador, ao sublinhar que A presença destas soluções
arquitectónicas nas residências senhoriais acompanhou, sempre com algum desfazamento
cronológico, o seu aparecimento nas estruturas militares, onde esta inovações de forjaram
estamos em crer que a sua primitiva construção poderia remontar a um período em que a sua
utilidade militar ainda fosse real e efectiva. Especulando embora, não é de recusar liminarmente
que a torre de Figueira, localidade que outrora pertencera à comenda-mór, pudesse ter sido
erguida no período compreendido entre os reinado de D. Dinis e o de D. João I, época de que
datam autorizações régias conhecidas para amear torres situdas no Alentejo e Algarve. Se esta
assumpção estivesse correcta, tanto mais que se reporta a períodos de conflitos militares agudos,
a iniciativa da construção da torre da Figueira poderia ter pertencido a um dos seguintes
Comendadores-mores: Vasco Porcalho, Fernão Rodrigues de Sequeira ou a Lopo Vasques de
Sequeira, ou ainda, já com menor probabilidade, Garcia Rodrigues de Sequeira, sendo seguro
que já em 22 de Janeiro de 1347, sendo Comendador-mor Vasco Martins Pimentel, se refere o
"alpendre do paço do comendador" edificação anexa à qual não existe eferência nas fontes por
nós estudadas. De realçar ainda que, no ano anterior, mais precisamente em 14 de Novembro de
1346, D. Afonso IV ordenava ao mesmo Vasco Martins Pimentel, Comendador-mor, que
cumprisse a carta régia onde se proibira o comendador-mor, Vasco Esteves, de pousar nas casas e
de tomar roupas aos vizinhos de Figueira. Teriam sido iniciadas as obras do paço dos
Comendadores de Figueira entre 1346 e 1347, ou a pousada em casa dos moradores da vila
respeitaria apenas à comitiva do Comendador-mor?
Mas, fosse qual fosse o responsável pela edificação, julgamos estar em presença de um complexo
constituído por um edíficio turriforme que reproduz o modelo da torre de menagem românica,
com um andar térreo destinado a celeiro/arrecadação/armaria, e um andar sobradado, iluminado
por frestas estreitas, a que, por altura da visitação de 1519, se acedia ainda exlusivamente através
de uma escada de madeira, a partir da casa onde julgamos terem residido os Comendadores, uma
vez que o remanescente dos edíficios era constituído por uma estrebaria e outra casa adossada à
cinta castrense.
Os visitadores de 1519 ordenaram a Pedro de Gouveia que mandasse fazer uma portada com
arco de tijolo na entrada da cerca das casas da comenda no prazo de um ano sob pena de 1000
reais
Mas, perto de duas décadas volvidas os enviados de D. Jorge encontraram a parede da cerca das
casas da Ordem derribada pelo chão, o portal dela (entretanto executado) sem portas e a casa que
servia de estrebaria, bem como a outra que lhe ficava pegada, ambas sem madeiramento nem
telhas, e tudo muito danificado. Todavia não constam quaisquer reparos sobre a torre,
prossívelmente por se tratar de uma edificação mais resistente e que incorporava menos materiais
perecíveis. Perante esta situação, que nos parece indiciadora da não residência do titular da
comenda, foi ordenado a esse mesmo Comendador, sob pena de 4.000 reais para as obras do
Convento, que, no prazo de um ano, contado a partir da publicação da visita, mandasse madeirar
e cobrir as duas ditas casas. E ainda que na estrebaria mandasse fazer manjedouras como antes
existiam, e mandasse levantar as paredes da cerca e colocar portas no respectivo portal. No caso
de não cumprir o determinado no prazo de um ano os juízes, sob a dita pena, lhe embargariam as
rendas da comenda e não levantariam esse mesmo embargo até que tivesse efectuado as ditas
obras, ou recebessem mandado em contrário do Mestre.
Galveias
Tivemos ocasião de verificar pelas informações analisadas na introdução à primeira visita a esta
localidade, que em 1519 deveremos estar em presença de uma comenda relativamente recente e
de pouca importância, talvez criada por imperativos de descentralização administrativa, ao tempo
em mãos de Pedro de Gouveia que, ocupando o cargo de camareiro-mór do Mestre, seguiria a
casa de D. Jorge e não residiria nas Galveias. Com efeito, nesse supracitado ano ano habitava nas
casas de pousada dos Comendadores Vasco de Gouveia, irmão do antedito Pedro de Gouveia
que, em 1538, as havia aforado a uma Margarida Afonso, sinal inequívoco de que nelas não
residia.
A confirmar a recente criação da comenda, a tipologia destas casas dos Comendadores difere
substancialmente dos padrões comuns das restantes. Desde logo estava construída em taipa,
embora sobre alicerces de pedra e barro, encontrando-se coberta com cortiça. E, embora situada
numa área rural, onde o problema do espaço se não colocava, a fonte não refere logradouro ou
quintal, nem adega, celeiro, lagar, ou cisterna, que faziam parte integrante dos anexos com que
tinham sido dotadas as outras habitações. Acresce que era constituída por duas edificações
adjacentes mas diferentes na sua concepção. Uma casa dianteira com cerca de 40 m 2 que se
encontrava provida de uma porta com lumieiras de pau, e outra edificação anexa com 3
repartimentos respectivamente com 23, 18 e 36 m 2, (perfazendo, 117 m2 de área residencial) cuja
funcionalidade desconhecemos. Não existe menção de lareiras, forros de ripa e cana, rebocos ou
pinturas. Fica-nos a sensação de que esta residência seria fruto de adaptação de edificações pré-
existentes e que nem sequer tinha sido concebida como habitação permanente do Comendador.
Destas seis casas ou conjuntos edificados, inequivocamente referidos nas fontes, como sendo
destinados para moradas dos Comendadores (à qual juntamos um exemplo de casa de prior), a
residência da alcáçova de Elvas encontrava-se naturalmente desocupada por morte de Diogo
Velho, ignorando-se se o novo Comendador, Henrique Henriques de Miranda, teria passado a
habitá-la. A do Cano nunca tinha sido habitada permanentemente por António de Mendonça que
residia em Setúbal e os próprios visitadores se referem a ela como tendo sido antigamente
morada dos Comendadores. Seda, quem em 1519 era habitada por D. Duarte de Almeida com a
mulher e toda a sua casa, não era já em 1538 residência dos novos Comendadores, os Azevedos,
almirantes do reino. Em Figueira não residiria já provalmente o Comendador António de
Gouveia em 1519 mas, em todo o caso, é seguro que estava desabitada em 1538. Em Cabeço de
Vide Diogo de Miranda não tinha cumprido as determinações da visitação passada que o
obrigavam à reconstrução das casas de morada e estas, em 1538, encontravam-se de tal modo
"pejadas" (com materiais de construção) que nem visitadas foram.
As casas da comenda nova das Galveias em 1519 estavam habitadas por Vasco de Gouveia,
irmão do Comendador e, em 1538, Pedro de Gouveia tinha-as aforadas a Margarida Afonso, sinal
de que não residiria na recente vila.
Embora esta amostragem seja demasiado pequena para uma análise conclusiva não é possível
fugir a uma primeira interrogação que, aliás, parece coincidir com as características rentistas das
administrações das comendas estudadas: nas primeiras décadas do século XVI estaremos já
perante uma tendência generalizada de abandono físico por parte dos Comendores do Além-
Tejo?
Pelo menos nos exemplos apresentados essa questão é pertinente, e suscitou uma reação do
Mestrado que, através dos visitadores, determinou que os Comendadores do Cano, Figueira e
Cabeço de Vide restaurassem as respectivas moradias, e foi obedecido, como se comprova pelas
visitações de 1538.
Quadro n.º 272
Dados comparativos das casas de dignitários da Ordem
Área residencial
Divisões
(m2) Área
Área Qui
por
Comend Jan Larei dos Tipologia ntai
divisão
as Piso elas ras anexos dos anexos s
1ª (m2)
Por piso Total térre (m2) (m2)
piso
o
Cisterna
Alcáçov Térreo:
Curral
a 101 151 7 4 18 6 2 105 103
Estrebaria
Elvas 1º: 50
Casa térrea
Alandroa Térreo: 31 2
43 2 14 ___ 1 Casa ___
l 1º: 12 10
Adega
Estrebaria
5 100
Cano 85 ___ 17 ___ 1 Palheiro
__ 326
Atafona
Pardieiros
Casa térrea
Lagar de
1º: 8 5
Seda ___ __ ___ 6 2 __ azeite __
sotãos
palheiro
galinheiro
Estrebaria
Casa-
Casa
torre Térreo: 69
113 __ __ 38 ___ 1 adossada à __
de 1º: 44 36
cinta
Figueira
castrense.
Adega
Cisterna
Jurome- Palheiro
100 __ __ 17 3 2 195 ___
nha Armazéns
Duas
estrebarias
Galveias 117 __ __ 29 ___ ___ ___ ___ ___
6 casas e 203
TOTAIS 617 __ __ 16 15 9 672 __
1 torre
excluindo
Avis 13 casas __ 1.342 2 galinhas __
1 o açougue
8 casas
celeiros __ __
Sousel 90 30 75
Adegas 1 __
Estrebaria
6 frangãos
Fronteira 20 casas __ __ 3.209 2 18 __
6 galinhas
Cabeço
__ __ __ __ __ __ __ ___
de Vide
Alter __ __ __ __ __ __ __ __
Pedroso
Totais 60 1182, nas 44 m2 nas 6 4.791 17 3 24 2
6 comendas galinhas e
comendas medidas 10
medidas frangões
Fortaleza de Juromenha
A Ordem Militar de Avis detinha a respectiva Alcaidaria-mor, nessa altura em mão do almirante
António de Azevedo, Comendador de Juromenha. Todavia, como tivemos ocasião de constatar
no início da visitação de 1519, este Comendador e Alcaide-mór não se encontrava presente na
ocasião, circunstância pela qual não foi possível que os visitadores vissem o respectivo título da
alcaidaria, nem conferissem o inventário das coisas que lhe haviam sido entregues e pertenciam à
fortaleza.
António de Azevedo, tal como sucedia com os restantes Comendadores, havia sido notificado
por carta do Mestre (que foi lida pelos visitadores) da realização da visita, uma vez que não
parece aceitável que lhe não tivesse sido enviada directamente a missiva que dava conta da
visitação projectada. Já verificámos que se tinham generalizado as ausências dos Comendadores
não-residentes por ocasião das visitas, pelo que a sua não-comparência nada tinha de insólito.
Em contrapartida é mais difícil de entender que, na sua qualidade de Alcaide-mór e recipiendário
das aludidas "coisas da fortaleza", não tivesse confiado a um alcaide pequeno a guarda,
conservação e inventário dessas mesmas coisas. Mas, como vimos, não o tinha feito.
Os enviados de D. Jorge consideraram pertinente anotar que, nesta fortaleza, não havia armas
nem artilharia, e que ela se encontrava muito danificada, tanto no que respeitava à fortaleza
propriamente dita, como aos muros e torres doareyras (sic) salientando elucidativamente que
seria necessário um grande esforço para se repararem esses mesmos muros e torres.
Acrescentavam que a própria torre de menagem necessitava de ser reparada por dentro,
encontrando-se igualmente danificada.
No entanto a fonte não refere que esses mesmos visitadores tenham tomado qualquer iniciativa
no tocante à reparação da fortaleza, nem se encontra qualquer determinação particular nesse
sentido. Será possível deduzir que ao longo dos desazasseis anos subsequentes não tenham sido
efectuadas quaiquer reparações nas muralhas e torres da cerca porquanto o numeramento de
1532 refere expressamente sobre esta vila "E he esta villa cercada sem castelo, somente huma
torre de menajem". E não será totalmente abusivo depreender que os muros e torres referidos em
1519 se encontravam completamente arruinados nesse ano de 1532, subsistindo apenas a torre de
menagem.
É certo que o advento da pirobalística tinha tornado praticamente indefensáveis as primitivas
fortalezas da Ordem, se estas fossem sujeitas a um cerco em regra conduzido por um exército
com artilharia. Mas não lhe haviam retirado a totalidade do potencial defensivo das vidas e bens
dos moradores sob jurisdição da Ordem em caso de escaramuças de fronteira.
Fortaleza do Alandroal
Em 1519 era Alcaide-mór da fortaleza do Alandroal António de Aguiar que mostrou aos
enviados de D. Jorge uma carta de D. João II, confirmada pelo Mestre por outra carta, feita em
Lisboa por Fernão Lopes aos 27 de Julho de 1492, assinada pelo dito senhor e assinada com o
seu selo redondo. Presumivelmente nomeado há cerca de três décadas pelo príncipe D. João,
ainda na sua qualidade de governador do Mestrado. O, certamente idoso, Alcaide-mor não
residiria no aposento da alcaidaria dado que os visitadores encontraram a fortaleza boa de muros,
torres e barreiras, mas o aposento encontrava-se muito danificado nos telhados, sobrados, janelas
e escadas, embora as paredes continuassem em bom estado.
A sua capacidade defensiva seria praticamente nula uma vez que na fortificação não existiam
armas, nem mais artilharia do que 4 bombardas velhas.
Esta comenda encontrava-se num período de reconstrução acelerada de boa parte do património
edificado da Ordem, tendo presente o incumprimento de determinações de visitações passadas. O
castelo da vila estava todo cercado de muro e Diogo de Miranda, o Comendador era Alcaide-mor
dele, bem como da vila de Alter Pedroso. Os enviados de D. Jorge não se alongaram na descrição
do estado das fortificações, embora tivessem tido o cuidado de anotar que "todas as casas que
ficavam da porta da cerca para dentro pertenciam ao dito castelo e pousavam nelas os
Comendadores e Alcaides-mores. Muitas delas encontravam-se nessa ocasião feitas de novo e
renovadas". Os visitadores não se deslocaram pessoalmente ao interior da cerca nem assentaram
os edifícios que lá se encontravam por se "encontrarem pejados", e o visitador Francisco Coelho
ter adoecido, indo-se embora.
Este castelo e as casas que lhe pertenciam, bem como a ermida de São Bento, que também estava
situada no recinto dele, encontravam-se tal como tinham sido descritos na visitação anterior a
1538. Mas sobre esta visita temos conhecimento de que fora ordenado ao Comendador que
telhasse e reconstruísse as casas que ficavam dentro do castelo, e que eram a estrebaria, o
palheiro, o forno e a atafona. e ainda outras que se tinham danificado com o tempo.
Os visitadores ordenaram que o Comendador mandasse levantar todas as ditas edificações, e
colocar nelas portas com fechaduras e ferrolhos.Como Diogo de Miranda não tinha cumprido
dentro do prazo de dois anos que lhe fora fixado encontravam-se em 1538 muito mais
danificadas, pelo que os visitadores ordenaram aos juízes que embargassem a Diogo de Miranda
todo o rendimento da comenda e que o não socorressem com coisa alguma dela até que ele
cumprisse e recebessem para isso provisão do Mestre. Os enviados de D. Jorge encontraram
também derrubada uma parede duma ponte que ficava a par do castelo, no miradouro além da
cisterna, do lado do Crato, e porque se não se remediasse ficaria mais arruinada, mandaram ao
Comendador, uma vez que levava a renda do verde sem dela haver a terça, como nos outros anos,
que mandasse levantar e fazer a dita parede de pedra e cal, igual à outra, até ao Verão de 1539,
sob pena de 2.000 reais para as obras do Convento.
Mesmo ponderando que Alter Pedroso era um logo isolado, onde residia pouco mais de uma
dezena de habitantes, os visitadores tinham decidido coagir o Comendador a reconstruir o
património sacro e as casas edificadas dentro da cerca do castelo sob pena do embargo da sua
renda. A avaliar pelo estado desses edifícios, parece pouco provável que o castelo propriamente
dito não necessitasse de reparações, mas nenhuma decisão foi tomada sobre essa matéria.
Em 1538 era Alcaide-mor dele Henrique Henriques, fidalgo da Casa do Mestre e cavaleiro
professo da Ordem, que não compareceu à visitação.Em relação à visita passada da Ordem os
enviados de D. Jorge encontraram as casas e torres do dito castelo praticamente no estado em que
haviam sido descritas. No entanto tinham refeito as abóbadas da sala e da primeira câmara que
na ocasião se encontravam já ladrilhadas de tijolo. Ambos os repartimentos haviam sido forrados
por cima com ripas e cana Também a torre do pombal se tinha feito de novo, bem assim como a
escada que ia do terreiro para a sala. E a segunda câmara tinha sido ladrilhada com tijolo sobre o
tabuado e forrada de ripa e cana. Finalmente torre de menagem fora coberta com telha vã.
Mas os visitadores constataram que chovia pelos algerozes e canos na sala e primeira câmara do
castelo (cujas abóbadas tinham sido refeitas como vimos), danificando os frechais e
madeiramentos, coisa que se poderia evitar com pouca despesa e atalhando males maiores. Por
essa razão ordenaram ao almoxarife que, antes da invernia, e com o dinheiro das terças de que
dispunha para reparações no dito castelo mandasse reparar cuidadosamente os canos e algerozes
dessas divisões de modo a que não chovesse nelas. A atenção dos visitadores de 1538 não se
dirigiu para o armamento e artilharia desta fortaleza com o mesmo cuidado posto nas reparações,
pelo que ignoramos a situação em que se encontrariam.
Descritas que ficam sumariamente seis fortalezas e uma casa-forte da Ordem de Avis entre 1519
e 1538 constata-se que apenas o castelo de Fronteira, e a pouco significativa casa-torre de
Figueira, havia sido objecto de reparações recentes, preferencialmente executadas nas respectivas
áreas residenciais, encontrando-se todas as restantes em diversos graus de ruína nas muralhas,
torres, ou aposentos. Verifica-se ainda que, sendo ordenada a reparação de edifícios situados no
interior das respectivas cercas, essas determinações não abrangem nunca as fortalezas
propriamente ditas. Se os visitadores de 1519 ainda referem a inexistência (ou arcaica escassez)
de artilharia e de armamento, os de 1538 já nem sequer fazem alusão a essas matérias. A milícia
de Avis da primeira metade do século XVI, permanecendo alheada da expansão ultramarina,
apresentava ainda a estrutura formal de uma Ordem, mas já não estava sequer preocupada em
manter a aparência de uma Ordem Militar.
Não é de excluir que, no plano político, e tendo presentes as consequências possíveis – e
previsíveis – da cabal execução do testamento de D. João II, o seu sucessor tivesse encorajado
activamente o esvaziamento militar de Avis, procurando neutralizar o Mestre D. Jorge como
potencial ameaça latente.Com D. João III as prioridades eram já diversas e a Ordem de Avis não
se integrava certamente entre as preocupações do monarca.
Outros factores de ordem genérica, tanto de enquadramento como conjunturais, terão
determinado a tansmutação desta Ordem Militar num senhorio civil dotado de jurisdição
espiritual, mas é difícil conceber que, por detrás, não coexistisse um desígnio político.
É tempo de concluir.
9. Conclusões
Apesar de termos optado por escrever uma síntese geral que intitulamos considerações globais,
este trabalho não ficaria terminado sem a elaboração de uma conclusão. Acontece, no entanto,
que, face ao elevado número de temas alvo de estudo nesta dissertação, não se afigura fácil
empreender esta tarefa.
Mesmo assim, pareceu-nos útil tentar encontrar o caminho para uma última síntese, pese embora
alguns inconvenientes que surgiram na sua elaboração. Referimo-nos, por exemplo, à
necessidade (não muito usual) de dividir a conclusão em duas partes distintas (opção alicerçada,
afinal, na própria estrutura que a dissertação comporta).
Vejamos, então, o que se nos oferece dizer, em jeito de conclusão.
A criação da Ordem dos Freires de Évora responde a uma conjuntura militar específica, marcada
pela consolidação do império almóada no Ocidente. Tanto o fracasso de D. Afonso Henriques
diante de Badajoz (1169), a ocupação desta praça pelos almóadas como a entrada de Geraldo
Sem Pavor ao serviço do califa (1173), o repovoamento de Beja pelo califa Yusuf I (1174-5)
alteravam radicalmente as circunstâncias que tinham definido a ‘reconquista’ portuguesa na sua
fase expansionista de 1135-1169.
Neste contexto, Évora tornava-se simultaneamente no bastião mais avançado no eixo de
progressão português, e na praça mais ameaçada pelo império almóada, agora senhor de Beja e
sobretudo de um centro da dimensão de Badajoz.
As tréguas de 1173-1178 proporcionaram as condições e o tempo indispensáveis para reorganizar
o dispositivo militar português no “extremo-Sul”. A criação de uma ordem religiosa-militar em
Évora, no Inverno de 1174-5, permitiria ao monarca: (1) dispor de um contingente militar
permanente cuja operacionalidade ofensiva e defensiva fosse autónoma de outras forças (milícias
concelhias, mesnadas senhoriais, hoste régia) e (2) criar condições para fixar população e manter
a actividade económica diante da ameaça almóada. Afinal esta mesma solução tinha sido
adoptada, cinco anos antes, por Fernando II de Leão ao apoiar a fundação da ordem militar de
Santiago da Espada, precisamente em Cáceres que, como vimos acima, constituía uma
importante posição estratégica associada a Badajoz.
A criação de uma comunidade de cavaleiros regrantes em Évora não dispensou o recurso à
experiência normativa e organizacional de uma das ordens militares já estabelecidas e
reconhecidas fora do reino: a de Calatrava (esta última filiada na regra e espírito da Ordem de
Cister). Não é possível esquecer que, quaisquer que fossem os objectivos específicos e as
rivalidades e atritos que dividiam as monarquias peninsulares, os freires cavaleiros de Évora
situam-se no âmbito genérico da respublica christiana e a Santa Sé teria, em última análise, a
palavra decisiva na legitimação das ordens de cavalaria.
A primeira prova da eficácia desta solução está na incapacidade da grande incursão comandada
por Ibn Wanudin de logo em 1179 tomar Évora. A segunda é a outorga do castelo de Coruche que
a mesma incursão havia destruído. Nos anos seguintes, o primeiro mestre da ordem, D. Gonçalo
Viegas, participa em numerosas operações militares em cenários diferenciados: defesa de Lisboa
(1184), tomada e defesa de Silves (1189-91) e batalha de Alarcos (1197), testemunhando a
operacionalidade da milícia eborense.
Em Janeiro de 1187, de novo em período de tréguas, os freires de Évora recebem uma nova
missão, testemunhada pelas doações régias do castelo de Juromenha, a vila de Alpedriz e o
castelo de Alcanede. Se a primeira se relaciona com a sua área de intervenção tradicional frente a
Badajoz, as duas últimas implicavam a deslocação das responsabilidades da milícia para áreas
bem a Noroeste do vale do Tejo. A capacidade de intervenção dos freires nesta área – que
dominava os itinerários Santarém/Coimbra pela espinha serrana Aires/Candieiro e também o
acesso litoral de Lisboa a Alcobaça, por Alenquer, na retaguarda dos portos marítimos de S.
Martinho do Porto e Pederneira – já tinha aliás sido comprovada pelo auxílio prestado na defesa
de Porto de Mós na ofensiva almóada de 1178-1180. A mesma orientação terá presidido à defesa
do opidulum de Mafra (Janeiro de 1193)
Após um ciclo orientado para a consolidação de pontos vulneráveis de relevo estratégico
cumprido nos seus primeiros vinte e cinco de existência, a ordem terá começado por volta de
1200/1230 a tomar responsabilidades administrativas e de povoamento. Este movimento inseria-
se na substituição geral da guerra ao serviço da economia pelas concepções e práticas de sinal
contrário, que iriam colocar a economia ao serviço da guerra.
Pela condição, expressa em doação de 30 de Junho de 1211, de povoarem o logo de Avis, onde, é
certo, deveriam edificar um castelo, consideramos que, no começo da segunda década do século
XIII, a – desde aí denominada – Ordem de Avis tinha encerrado a sua primeira fase puramente
castrense, encetando novas missões de repovoamento e organização senhorial.
Existem referências dispersas que permitem, mais de meio século decorrido sobre a sua
fundação, considerar que os freires de Évora iam ocupando paulatinamente outras facetas da sua
vocação. Neste período, começa a assinalar-se o seu papel de assistência a viandantes através das
albergarias e hospitais que iam fundando, gerindo e sustentando. Por outro lado, a primeira
década do século XIII assiste a uma rentabilização das suas possessões, em particular ao
incentivo da pastorícia, ao fomento da criação de equídeos e bestas de tiro e carga, mas também
na lã e no linho, nas culturas oleaginosas, cerealíferas, vinícolas, silvícolas, e certamente o
fomento de actividades ligadas à metalurgia.
O desenvolvimento económico do senhorio de Avis em territórios recentemente conquistados
implicou contendas com poderes em vias de se implantarem (a diocese, ordens regulares e
ordens militares, a Coroa e os poderes concelhios emergentes) relativamente a áreas de
influência, direitos e rendimentos. Este conflito senhorial ocorre num período de separação do
direito civil e do direito canónico e a formulação de um quadro jurídico emanado directamente
do Estado, reivindicando uma mais clara esfera de soberania vigente em todo o território, bem
como a gradual definição de competências do “aparelho político” e de uma máquina
administrativa em construção.
No fim da Reconquista portuguesa a Ordem de Avis dominava um arco de posições que partia da
fronteira castelhana, acompanhando parcialmente a bacia do Guadiana, e se prolongava para
Noroeste protegendo os itinerários de penetração tradicional em direcção a Santarém, Lisboa e
bacia do Sado. Esta implantação, que, a despeito de alguns senhorios a Norte do Tejo, se
concentrava em: Alandroal, Beja, Benavente, Borba, Casal, Coruche, Fronteira, Juromenha,
Moura, Mourão, Noudar, Serpa, Veiros e Vila Viçosa Este núcleo inicial iria manter-se
curiosamente estável ao longo dos séculos, sem ter sequer acompanhado a progressão dos
espatários em direcção ao Algarve.
Com efeito, Avis e as ordens extra-peninsulares cedem o protagonismo à Ordem de Santiago,
reflectindo a prioridade de que se reveste a penetração pelo vale do Sado que oferecia menor
resistência do que o eixo do Guadiana, bloqueado por Leão e por três importantes praças-fortes:
Mértola, Serpa e Moura. O contraste entre os sedentarizados cavaleiros de Avis e os activos
espatários de Alcácer acabaria por definir uma hierarquia entre as duas milícias e decantar a
evolução futura das respectivas missões e destinos.
Não é possível ignorar duas constantes que irão balizar, desde início até quase final, a existência
da ordem de Avis enquanto instituição autónoma: um esforço de separação de jurisdição de
Calatrava (mas não dos seus textos regulamentadores). e o serviço régio. Sucedendo que, tal
como a entendemos, a primeira constante passaria a ser condição da segunda.
Existindo sinais da instrumentalização da ordem já durante a guerra civil precedente, menos de
um século e meio após a fundação da milícia, D. Dinis resumia, em 1317, o programa régio na
conhecida frase lapidar "ha Orden de Cavalaria d’Ávis foy sempre e he feitura e mercee dos reys
onde nos vimos que ante nos forom (…) e entendo que quanto a dita Ordin mays rica e melhor
parada for tanto se acrecenta no nosso serviço e dos reys que depois nos veerem em Portugal a
cujo serviço a Ordim he teuda". Este entendimento, filtrado e traduzido em fórmulas e soluções
adequadas às circunstâncias, permanecerá imutável até à anexação final à Coroa, mesmo durante
o derradeiro mestrado de D. Jorge, uma fase de relativa autonomia, tolerada vitaliciamente por
D. Manuel I como mal menor, e herdada como situação de facto por D. João III, como a seu
tempo também se mencionará.
Mas enquanto a actuação do rei lavrador configura ainda uma série de tentativas pontuais de
ingerência que partem do exterior para o interior da Ordem, na tentativa, mais ou menos bem
sucedida de contornar, ou mesmo ultrapassar o estipulado na Norma, para impor mestres de sua
inteira confiança, o seu neto, D. Pedro I, encetará a segunda, e mais sofisticada, forma de
controlo. Precisamente uma adaptação coeva do estratagema do cavalo de Tróia, através da qual
fará ascender ao mestrado um bastardo régio, na ocasião suficientemente afastado da linha de
sucessão ao trono para que fórmula não despertasse demasiada resistência interna.
A eventualidade dessa resistência interna era bastante reduzida, uma vez que o penúltimo mestre
formalmente autónomo, D. Martim do Avelar, tinha atrás de si um inequívoco percurso de
servidor do rei, iniciado ainda como cavaleiro e vassalo de D. Afonso IV desempenhando,
durante mais de duas décadas, cargos e funções no âmbito do serviço régio. Este percurso não se
interromperia com a sua passagem ao estado eclesiástico e profissão na Ordem de Avis.
Curiosamente esta profissão ocorreu depois de Abril de 1344 e antes de Agosto do ano seguinte,
embora só viesse a ascender ao mestrado já sob D. Pedro I, em 1357. Sublinhemos que isto
sucede dois anos após D. Martim ter recebido a menagem do, então infante D. Pedro, aquando
das pazes firmadas com seu pai D. Afonso IV em 1355, e um ano após a subida ao trono do
Cruel.
Este funcionário régio e dignitário palatino governou a ordem durante cerca de seis anos, a maior
parte dos quais ausente do convento de Avis, desenvolvendo actividade diplomático-militar,
como quando se deslocou a Aragão, à frente de um contingente de 500 ou 600 cavaleiros por
ordem pelo rei D. Pedro I; ou ainda, como embaixador do mesmo monarca, exercendo funções
de dignitário cortesão, na qualidade de testamenteiro da rainha D. Beatriz.
Desde 1357 alguma coisa se tinha alterado profundamente em relação a meio século antes,
período em que a simples intervenção de D. Dinis na ascensão de D. Garcia Peres do Casal ao
mestrado da ordem de Avis, ou a defesa de um mestre afecto ao monarca, como D. Vasco
Afonso, haviam gerado profunda controvérsia entre os membros da milícia de Avis, dando azo a
um período de instabilidade interna generalizada e prolongada, uma vez que assistimos a uma
sucessão de mestrados efémeros.
Como quase sempre sucede, essa transformação teria ficado a dever-se a um conjunto de
circunstâncias que contribuíram para o momento de fragilidade que a Ordem de Avis atravessou
a partir de meados do século XIV: O envolvimento fracturante da milícia de Avis na guerra civil
iniciada em 1319; a peste negra que grassou por todo o reino entre 1348 e 1349, seguindo-se
surtos de pestilência designadamente em 1356 e 1361-1363 sabendo-se que, durante estes
últimos, as populações de Veiros, Aljustrel, e de um modo geral, todos os territórios circundantes
foram duramente atingidos. São conhecidas as relações estreitas entre a demografia, a mão-de-
obra, os salários, produções e rendas. Comulativamente, 1354-1356, e o próprio ano de redacção
parcial do tombo de bens próprios da ordem iniciado após a morte de mestre Avelar (1366)
corresponderam a anos de fome, sendo que esse próprio inventário reflecte o abandono de terras
e instalações, bem como desertificação de logos e casais.
Sendo de admitir que uma das determinantes do tipo de relacionamento entre a Coroa e a milícia
de Avis se radicaria, na coesão da respectiva hierarquia funcional e no efectivo peso militar da
ordem, é sintomático o retrato fornecido pelo inventário de bens iniciado em 1364: quando D.
Pedro I iniciou a sua ingerência na Ordem de Avis, ainda durante o mestrado de D. Martim do
Avelar, encontrava-se em presença de uma milícia cujos cavaleiros não ultrapassariam a meia
centena, podendo totalizar, quando muito, setenta cavaleiros, acompanhados de um número
semelhante de outros homens d’armas efectivamente mobilizáveis, como se depreende do
conteúdo dos três depósitos de armaria e equipamentos militares documentados como estando
activos em meados do século XIV, nas fortificações de Veiros, Alandroal e Juromenha. Esses
magros efectivos encontrar-se-iam mal equipados, com armamento desigual, vetusto e mal
conservado, que mais aponta na direcção do anacronismo das forças militares ibéricas no séc.
XIV, sublinhado por alguns especialistas europeus, do que na do panegírico das ordens militares
como forças especiais de intervenção rápida, característica que podendo aproximar-se da
verosimilhança até ás primeiras décadas de Trezentos, não deverá ser extrapolado a partir daí.
D. Pedro I não encontrou resistência quando, ultrapassando o controlo através de interposta
pessoa, decidiu “tomar a ordem de Avis por dentro” num momento de fragilidade da instituição,
introduzindo como mestre dessa cavalaria o seu bastardo D. João que, em Abril de 1364, contaria
apenas sete anos de idade. Nem se estranha que, logo a partir da ascensão de seu filho ao
governo da milícia, se documente não apenas um integral controlo do monarca sobre a ordem,
como também o rasto de uma antiga relação de débito desta em relação ao erário régio que
justificaria que o provedor dos bens do mestre de Avis, deixasse, em 1364, a Domingos Fortes,
mordomo do Alandroal, um stromento de como el Rei mandou tomar ao Mestre as rendas de
Moura, Serpa, Beja e Vila Viçosa.
A idade do filho-mestre justificava que D. Pedro I nomeasse de imediato como provedor do
mestrado de Avis mas, desde Março de 1364 até à data da sua anexação à Coroa, o Mestrado de
Avis passou a ser governado por membros da família real, com excepção do Mestre D. Fernão
Rodrigues (de Sequeira) que, todavia, era colaço e criatura de D. João I. Ironicamente, o governo
dos mestrados das ordens militares por infantes, ou filhos de reis, não constituiria nunca uma
garantia sólida da subordinação plena daquelas instituições àquilo que a Coroa (em abstracto)
poderia entender como superior razão de Estado. E, de certa forma, essa constante iniciou-se
imediatamente com o mestre D. João que, na óptica de legitimidade fernandina, deu começo à
prática da utilização da Ordem por um “ príncipe do sangue”como instrumento de conquista
pessoal do poder, e não de defesa do status quo.
Muito embora D. João I, ao longo de todo o seu reinado, tivesse mantido uma estreita ligação e
dispensado protecção à sua ordem de origem, praticamente não recrutou de entre os seus
membros quaisquer dos quadros, civis, eclesiásticos ou militares sobre os quais assentaria o seu
aparelho de Estado-Novo. Apenas o velho e constante companheiro, Fernão Rodrigues de
Sequeira, manteve um valimento e assegurou uma confiança de tal ordem que, por ocasião da
ausência do rei motivada pela expedição a Ceuta, o monarca lhe confiou o governo do reino.
Aquilo que nós designamos por tempo dos infantes, configura afinal um equívoco. Ao confiar o
governo dos mestrados das ordens militares aos infantes seus filhos o rei da boa memória visava
um dúplice desígnio: manter sob estreito controlo régio as ordens militares, invocando a
necessidade da reorientação dessas milícias para o teatro operacional norte-africano, ao mesmo
tempo que ia “encaminhando” bens e rendas das mesmas (que a Santa Sé desejaria ver investidas
na guerra magrebina), em favor das casas ducais dos infantes seus filhos, a título complementar e
como factor de equilíbrio.
Na ordem de Avis, D. Fernão Rodrigues de Sequeira, um alter-ego criado ex-nihil por D. João I,
acabaria por morrer quase em simultâneo com o rei seu amo. Beneficiário de décadas de
benevolência régia deixava costurados os rasgos abertos no seio da milícia pela revolução de
1383-1385 e respectivas sequelas. As antigas lógicas de recrutamento, ligações clientelares, e
“cooptação” decisória interna, foram varridas por homens saídos da mesma revolução. As
comendas e rendas repartidas e distribuídas de acordo com uma lógica que acabaria por
concentrar na Mesa Mestral, (ou, se preferirem, na figura do mestre) a maioria da propriedade e
rendimentos da Ordem. Mas criou-se também o “partido dos Sequeiras”, desenvolvido em torno
do Comendador-mor (filho do Mestre D. Fernão) com a anuência, ao menos implícita, do próprio
D. João I, “loobby” esse que iria manobrar equilíbrios entre a Regência e o reinado de Afonso V.
até ser sofreada pelos tutores do príncipe-herdeiro D. João no capítulo-geral de 1469.
Neste pano de fundo, e à falta de uma “reorientação africana” capaz de lhe proporcionar um
aggiornamento funcional, a Ordem de Avis conhecerá o seu derradeiro espasmo militar com a
participação na “aventura aragonesa”. Mas, em nosso entender, sem que esse episódio tenha
representado uma inflexão ao serviço régio dado que, até certa parte do seu percurso aragonês, o
Condestável D. Pedro (e através dele o mestrado de Avis) serviu como instrumento involuntário
de uma das várias alternativas da política externa de Afonso V.
O governo do mestrado de Avis pelo príncipe-herdeiro D. João iniciou-se pela reconstituição da
Mesa Mestral, entrementes amputada pela facção dos Sequeira, mas também pela resposta à
necessidade de pacificação interna e de reconstituição duma cadeia hierárquica dócil, objectivos
apenas alcançáveis através de uma chefia forte e dotada dos necessários poderes coercivos. Uma
vez entronizado o novo monarca português pretendia controlar directamente – desde logo – as
duas milícias de Avis e Santiago e, quando o ensejo se proporcionasse, substituir o governador do
Mestrado de Cristo. Perante o advento dos Reis Católicos, uma reviravolta na conjuntura
peninsular, de que decorria uma nova situação interna, o Príncipe Perfeito tentava corrigir os
desvios do projecto joanino consubstanciado no tempo dos Infantes, que se tinha justificado
aceitando a premissa de que a delegação do governo das ordens militares em príncipes da família
real seria uma forma adequada de mediar a subordinação das milícias aos interesses do Estado. A
premissa era falsa, tinha começado o período vestibular de anexação à coroa.
A morte prematura do príncipe-herdeiro D. Afonso, veio a suscitar a hipótese da sucessão ao
trono se poder inflectir em favor do bastardo régio D. Jorge. Esta solução nunca vingou,
sobretudo devido à actuação concertada de uma liga de família encabeçada, não apenas por uma,
mas por três mulheres oriundas da Casa de Viseu: as rainhas de Castela e Portugal e a duquesa
viúva de Viseu, que actuaram dentro da conjuntura favorável do papado do valenciano Rodrigo
de Borja, tendo a seu favor a grande política europeia e os interesses e preocupações da potência
emergente que era Aragão-Castela.
A realpolitik, como lhe chamámos, vergou o monarca à necessidade de abdicar da candidatura do
filho em proveito do cunhado, duque de Beja. Mas deixando ao último representante varonil dos
Beja-Viseu o presente envenenado do seu testamento. Se esta derradeira vontade de D. João II
tivesse sido integralmente cumprida, reunindo numa única e sibilina Fénix Renascida a sombra
do Regente D. Pedro e a ameaça de D. Fernando, duque de Viseu, o reinado do Venturoso teria
sido bem diverso. Mas este pretor não cuida do nariz de Cleópatra, antes de restituir a D. Manuel
I a sua verdadeira dimensão: confrontando o disposto no testamento de D. João II com as
doações e mercês efectivamente recebidas pelo senhor D. Jorge, é impossível não constatar que o
monarca procurou cumprir, de acordo com a sua própria agenda, uma parte substancial do
clausulado. Mas também que evitou cumprir tudo aquilo que pudesse equipará-lo a um Infante,
robustecer as suas alianças familiares, consumar a hegemonia sobre as ordens militares ou, de
qualquer modo, contribuir para o transformar num contra-poder multi-regional enquistado no
reino, e susceptível de constituir ameaça para a Coroa. Ao contrário do que insiste em ver alguma
historiografia, D. Jorge, mestre de Avis e Santiago não foi perseguido, “espoliado”, nem afastado
pelo rei Venturoso, simplesmente gerido e tutelado.
A despeito do que já foi escrito sobre este mestrado de D. Jorge, foi-nos propiciada a
oportunidade de revisitar a mesma época, em termos muito específicos que decorrem da
tipologia de fontes base que alicerçam a nossa análise. Assim, partindo da consideração
exaustiva da documentação circunscrita ao período entre 1515 e 1538, constante nos códices
elaborados após as visitações ao mestrado, damos conta de 13 comendas da ordem de Avis
agrupadas numa zona fronteira à praça castelhana de Badajoz que se inscreviam na bacia
hidrográfica do Guadiana, a qual funcionava como um elemento natural articulador do espaço
envolvente.
Área de planícies e pene planícies cerealíferas que acompanhavam o curso médio do rio,
alongando-se à medida que este abandonava o seu percurso Norte/Sul e curvava pelas férteis
terras baixas que se estendiam de Elvas até Mérida, já em território castelhano. A região em
apreço era setentrionalmente limitada pela bacia do Tejo, cujos afluentes da margem esquerda
irrigavam um espaço que, a despeito de uma crónica baixa densidade populacional, sempre tinha
assumido um papel económico determinante que advinha da exploração de uma das variedades
do bosque mediterrânico, o do sobreiro. O “encaixe morfológico” da sub-região de que nos
ocupamos obriga à referência a uma terceira bacia hidrográfica, a do Sado, que marcava uma
clara divisória entre as planícies cerealíferas do interior e uma linha costeira que, exceptuando o
estuário do Sado, “âncora” dos espatários, se apresentava escassa em portos movimentados e
núcleos urbanos relevantes.
Entre estas três bacias hidrográficas inscreve-se, um triângulo irregular com os vértices em
Montemor-o-Novo ou em Coruche, em Beja e em Elvas. Exceptuando os vales fluviais, a
maioria do território inscrito neste triângulo situa-se em cotas compreendidas entre os duzentos e
os quinhentos metros, apresentando um terreno caracterizado por uma ondulação de colinas que
a erosão suavizou. São terras, de início arenosas a Nordeste, depois de xisto, as melhores de
barro, cercadas por uma moldura irregular de relevos velhos onde se entalham duas únicas
aberturas em direcção à costa: o curso do próprio Guadiana em direcção ao Sul, e,
transversalmente, as planícies aluviais dos baixos vales do Tejo, porta de acesso ocidental a
Santarém e Lisboa. Ressalta, claramente definida, a posição-chave das praças da Ordem de Avis
inscritas neste triângulo, a começar pela Alcáçova de Elvas, Alandroal e Juromenha, com as
quais se iniciou o primeiro ciclo de visitações em estudo.
As localidades sobre as quais incide este trabalho, embora representem apenas 30% daquelas
onde se encontram referidos bens da milícia, constituem o coração da Ordem, tanto no referente
a propriedade, senhorio e rendas, como em termos de zona de influência, e população
dependente. O numeramento de 1527-1532, confrontado com os dados das fontes por nós
estudadas (que geralmente confirmam e validam os seus resultados), inventariou 116 cidades,
vilas e concelhos nas quais residiam aproximadamente 50.000 moradores, correspondendo
apenas a cerca de 3 % da população coeva do reino que, como é sabido, se estimava nessa época
em aproximadamente 1.500.000 habitantes. Estamos em presença de uma comarca com uma
baixíssima densidade populacional, podendo inclusivamente considerar-se algo optimista o ratio
de conversão de 4,5 que adoptamos. Das 116 povoações que integraram essa fonte fundamental,
61 eram pertença das Ordens Militares. Com protagonismo para os espatários, aos quais, como
possuidores de 31 localidades correspondia um pouco mais de 50% da globalidade das
povoações na posse das ordens, (e 25% do total da comarca) exercendo senhorio sobre cerca de
10.395 moradores, ou 46.777 almas. Em segundo lugar, mas a uma enorme distância, e muito
próximo da implantação territorial das duas outras milícias presentes na região, vinha o Mestrado
de Avis, possuidor de 14 localidades Fazendo equivaler vizinhos a moradores e multiplicando por
um ratio de 4,5 para obter as almas concluiremos que a jurisdição da Ordem de Avis nas
comendas estudadas abrangeria cerca de 12.584 almas num período caracterizado por um
crescimento demográfico moderado em cinco comendas, ligeiros decréscimos de população
numa comenda e duas localidades com estagnação demográfica. O terceiro lugar competia à
Ordem de Cristo, que detinha 10 localidades, com cerca de 1.292 moradores e, finalmente, a
parcela mais exígua destas povoações das ordens militares, cabia ao Priorado Crato, com 6
localidades, que somavam cerca de 1.654 moradores, apesar de tudo mais 362 do que a Ordem
de Cristo.
Na comarca de Entre Tejo e Guadiana encontramo-nos perante um território onde, embora por
escassa margem (52,58%), as localidades das Ordens Militares são maioritárias, representando,
apenas, cerca de 35,3% da população recenseada. Verifica-se que as localidades da milícia de
Avis, apenas o terceiro senhorio regional, mal perfaziam 8% da população da Comarca, muito
atrás dos 34, 2% dos moradores sob jurisdição espatária, para não falar já dos 62,5% dos
moradores das terras da Casa de Bragança.
A ambiência que envolve o desenrolar das visitações por nós estudadas, situada a caminho meio
entre a Reforma e a contra-Reforma, denota, sem margem para dúvida, um perfil preocupante do
ponto de vista político-religioso. Entre guerras declaradas e outras mais surdas, mas nem por isso
menos graves, chegara o tempo para a Igreja se renovar, em escalas que variavam da humilde
paróquia local até ao inacessível mundo novo permitido pela expansão planetária. Conjugam-se
performances entre a Inquisição e a. Companhia de Jesus. Daí que, era lícito esperar por nítidos
reflexos de tais eventualidades ao nível interno deste nosso micro universo conhecido por Ordem
de Avis. Nada de mais errado, como já escrevemos há pouco. As deliberações oriundas dos
capítulos gerais da Ordem faziam-se cumprir no que às visitações diz respeito, com a
formalidade inscrita na norma, a qual prevê uma conhecida e cadenciada rotina a cumprir por
visitadores e visitados. A despeito de alguns indícios de intensificação no zelo que se pretende
imprimir ao cumprimento de diferentes directrizes comportamentais, estavamos ainda muito
afastados das consciências dileceradas que, a miúde, a Europa, de forma irregular, foi
conhecendo. Por esta razão, se alude no texto a conceitos de periferia, nos quais o reino toma um
lugar importante e a Ordem de Avis um destaque ao nível ainda mais notório de uma ultra
periferia.
Se pensarmos, no entanto, nos objectivos iniciais desta milícia (e o uso deste termo é
propositado), esta tentativa de revitalizar o nível de implantação religiosa não alcançou os níveis
decorrentes do esforço feito. O que, obviamente, levanta múltiplas questões.
À partida, talvez olhando para a teia de interdependências familiares que subjugava os
Comendadores e priores, o seu recorrente alheamento face às responsabilidades que lhes eram
adstritas acabaria por favorecer um reforço da autoridade mestral que se manifesta um pouco por
toda a avaliação que fizemos nas localidades estudadas.
É neste quadro que devemos entender o esforço de restauro, reconstrução, ampliação e
renovação dos edifícios, ornamentos, paramentos, livros e objectos de culto, a par com as
orientações pedagógicas que, em termos de cumprimento dos preceitos básicos que a regra
definia, tentam alterar o cenário visitado, ao nível dos representantes locais da igreja e ao nível
da impreparação dos fiéis, como, em geral, acontecia pelo reino. Tudo isto adquire uma maior
gravidade se pensarmos na severidade das penas em que incorriam os faltosos, que chegavam a
implicar prisão e pagamento de uma coima.
Certamente que poderá ser sempre encontrada uma explicação para o que parece ser uma
situação inevitável, a qual passa pela carência total de recursos que a Ordem apresenta aos mais
diversos níveis. Como já foi explicado, mas parece-nos aqui essencial em termos de conclusão
final, as comendas não tinham sido criadas numa perspectiva de constituírem unidade viáveis e
auto-suficientes. Foram surgindo ao sabor das doações e do povoamento, criadas a partir da
necessidade de as dotar com titulares de poderes delegados capazes de assegurar a respectiva
administração. A Ordem de Avis não dispunha de bastante gente capaz que, em pleno movimento
de expansão ultramarina, estivesse disposta a residir numa localidade isolada cujo rendimento,
descontados os custos correntes, pouco excederia o valor do mantimento do prior de uma
comenda próspera, e a ser condenada a uma existência sem horizontes de carreira ou
acrescentamento palpável.
É ainda justo sublinhar o empenho do Mestrado em melhorar as condições de vida dos priores e
capelães, de tal modo que em 1538, após os aumentos verificados, e a concessão do pé d’altar
deliberada no capítulo geral desse ano, os primeiros tinham obtido mantimentos ordenados cujo
valor equivaleria, de um modo geral, ao que sobrava para o Comendador de uma comenda como
a do Cano, uma vez descontadas as despesas correntes e as benfeitorias determinadas pelos
visitadores Recorda-se também que as remunerações dos capelães não eram particularmente
apelativas e, não obstante, pequenas comunidades como a de Alter Pedroso continuava a receber
assistência pastoral financiada pelo Comendador e moradores num templo parcialmente
arruinado. Pese embora este justo reconhecimento das dificuldades do dia a dia, não se podem
escamotear os comportamentos reprováveis por parte de algums priores, não raras vezes, fruto de
idêntico relaxamento oriundo dos comendadores. O simples facto de vestir um manto branco e
de exibir o exemplar da regra, não era, de raíz, suficiente para chegar a qualquer avaliação de
conduta. O que nos leva à arbitrariedade dos juízos formulados pelos responsáveis locais quando
alvo de inquérito pelos visitadores. Os factores que podem interferir nas respostas mais ou menos
enaltecedoras dadas por estes na avaliação do desempenho dos Priores e beneficiados são muitos
e de diversa índole que nos limitamos a chamar a atenção para o facto. Assim, em jeito de
balanço final, fica-se com a sensação (ou a certeza) de que os resultados não foram equivalentes
ao esforço patenteado pelo desempenho no terreno acobertado, necessariamente, por uma
orientação hierárquica que se poderá reputar de exemplar.
A população sob jurisdição da ordem de Avis repartia-se pelas 13 comendas estudadas, nas quais
a ordem de Avis detinha propriedades rurais que somavam 5.766 hectares números que fazem
desta Ordem um médio proprietário,se comparada com muitos dos outros poderes concorrentes
na época. Ainda assim, chama-se a atenção para a precariedade destes resultados uma vez que
somente 62% das propriedades da Ordem foram medidas e mesmo as que o foram exibem uma
oscilação de números abismal que separa, por exemplo os 93 hectares da comenda do Cano e os
2.297 da comenda de Mora.
Acresce, também uma enorme diversidade e produtividade inerente às terras da ordem, a
despeito do facto de que a maior parte delas dificilmente seria economicamente viável, e a
Ordem de Avis não detinha o monopólio da propriedade rural dentro dos limites territoriais das
suas comendas.
As tendências produtivas mais exuberantes podem ser esboçadas pelo exemplo das courelas ou
terras de pão, que atingiam os 2.814 hectares, conjuntamente com os 1095 hectares de herdades,
com um avassalador nível de culturas cerealíferas extensivas, ultrapassando os 1731 hectares de
defesas da ordem cujo destino e utilização, nem sempre anotados nas fontes com o pormenor
desejável, apontam para a exploração do montado e da pecuária a ele associada. cultura
cerealífera para o conjunto das comendas que estudámos. Considerando por sua vez que uma
seara alentejana anterior ao século XVIII poderia produzir, nos bons anos agrícolas, uma
tonelada/hectare, e nos anos maus entre 600 e 700 kg de trigo, e utilizando como base de cálculo
850kg/hectare, obteremos produções anuais que poderiam rondar as 3.931 toneladas de cereal
para o conjunto das comendas estudadas. Como beneficiamos de uma preciosa equivalência
(referida nas fontes por nós estudadas, e reportada a 1538), com o litro de trigo a 2,4 reais, ou
seja, 2.400 reais a tonelada, estimamos o valor bruto da produção anual de trigo e cereais de
"segunda" das comendas em 9.660.000 de reais ou, se o preferirmos, 24.000 cruzados. Estes
valores, reportam-se – convém repeti-lo - a terras que, na sua esmagadora maioria, eram
directamente arrendadas por mão dos Comendadores a lavradores locais, omitindo as fontes os
valores das respectivas rendas. Razão pela qual que se torna objectivamente impossível calcular
a percentagem bruta que corresponderia ao encaixe dos mesmos Comendadores. Mas, se
admitirmos que a renda postulada correspondesse a ao valor do quinto da produção obteríamos
um rendimento de, aproximadamente 1.932.000 reais, em salvo para os Comendadores.
As manchas de vinha e olival apresentavam dimensão semelhante: cerca de 60 e 50 hectares
respectivamente, o mesmo sucedendo com hortas e ferragiais, com totais de 16 e 14 hectares
cada. Esta fractura, e estas assimetrias permitem concluir a predominância da (relativamente)
grande propriedade directamente arrendada pelos Comendadores, sobre o minifúndio constituído
por pequenas parcelas, objecto de contratos de enfiteuse, e destinadas na sua totalidade a vinhas,
olivais, hortas, pomares e ferragiais.
Estes números, relativos a apenas 13 comendas e, ascendendo a 14% das rendas do Mestrado
dificilmente se compatibilizam com os 13.750.000 orçamentados como rendimento global das 44
comendas constantes da relação efectuada em 1534. Por isso apontámos a nossa perplexidade ao
constatar que o somatório das rendas das mesmas comendas que podiam, em tese, libertar
2.200.000 reais de valor do trigo produzido, enquanto o somatório das rendas não excedia os
3.381.000 reais. Valores mais impressionantes podem facilmente colher-se nos rendimentos dos
foros dos moinhos e azenhas onse se alcançavam totais de 29.380 reais, utilizando o preço de 2,4
reais/litro. Como ficou atrás anotado, o indice alto deste rendimento perde coerência se
pensarmos que somente 2,2% do seu total era transformado localmente em farinha e a
capacidade administrativa da ordem fica devedora de uma acção mais proeminente no que se
refere à comercialização de excedentes, acção que, a existir, as fontes silenciam totalmente.
Completa este quadro uma menção já esperada à criação de gado e ao pastoreio, acentuando os
danos que sempre decorrem do desenvolvimento de tais actividades vis a vis a preservação dos
campos agrícolas. Os números, no entanto, não parecem alcançar grande significado, uma vez
que as fontes referem 784 hectares de pastagem e soveral.
Não fica, de modo algum, por evidenciar as vinhas (até porque as fontes são abundantes e foram
devidamente descritas neste particular), em mãos de diferentes foreiros, cada um com parcelas
diminutas para tratar, facto que aponta para um mediano objectivo rentista a contrastar com o
auto-abastecimento inerente a esta prática. Tem interesse reter que as castas predominantes
seriam possivelmente a trincadeira preta para os vinhos tintos, e o Fernão Pires para os brancos,
sendo necessária cerca de 1 tonelada de uvas dessas castas para produzir cerca de 750 litros de
vinho.
A par da vinha, o olival ocupava um lugar com alguma expressão, como acontecia, por exemplo
em 6 comendas estudadas e na Alcáçova de Elvas onde a Ordem detinha 15 olivais com uma
produção da ordem das 25 toneladas de azeitona, e pouco mais de 1800 litros de azeite. É
importante, porque não está ainda muito estudado, referir as menções a complantação em, pelo
menos, 3 olivais um com pão, outro com vinha e um terceiro do qual ignoramos o cultivo.
Deste conjunto de propriedades identificadas com as suas respectivas produções, importa, ainda
referir que, como se pode constatar pelos múltiplos Quadros apresentados, a percentagem de
contratos elaborados pela ordem recaía na generalidade dos emprazamentos em 3 vidas (o que,
como é conhecido, em nada surpreende). Os casos em que os contratos recorrem à fórmula do
arrendamento, muitas vezes relacionados com courelas de vinha em mortório ou em mato,
funcionavam assim como factor de atracção para o foreiro disposto a investir nestas terras
votadas ao abandono e a sua prática pelos responsáveis da Ordem denota obviamente uma
perfeita noção das dificuldades de fazer crescer o indice de terras agricultáveis.
No total, a renda de toda esta actividade produtiva chega-se a um valor da ordem dos 3.381.000
de reais, valor que garante que não estivemos a trabalhar com números sem qualquer relação
com a realidade da situação estudada.
Não devemos terminar esta apreciação final onde se procura dar saliência às linhas mestras pelas
quais evoluiu a Ordem de Avis nestes anos de Quinhentos sem mencionar um dos aspectos
menos conhecidos e que a documentação nos trouxe com algum detalhe. Referimo-nos às
residências senhoriais, edificadas em vilas do interior alentejano que apresentam, na
generalidade uma tendência padrão entre a superfície das áreas residenciais (cerca de 100 m 2 de
área), a dos anexos (130 m2) e a dos quintais (100 m2), optando-se por materiais de construção
entre a pedra e o barro, a madeira, cortiça e telhas. As reconstruções, que reputamos de
importantes, limitavam-se quase integralmente às casas de forno que necessitavam de ser
ampliadas.
De igual modo, tentamos dar a conhecer a tendência apresentada pelas construções de índole
militar, com base em seis fortalezas e uma casa-forte da Ordem de Avis entre 1519 e 1538,
basicamente em mau estado e onde somente se registaram dois casos de obras de melhoramento
(Fronteira e Figuiera), e ainda assim, efectuadas na zona residencial.
Assim, vislumbramos uma ordem que, de militar, apenas conservava a designação, e vestígios
simbólicos formais. Tentando encontrar analogias, mediante a tradução actual de estruturas e
comportamentos semelhantes, seríamos levados a considerá-la um simulacro de “fundação
familiar” com um CEO (mestre) respeitado, executivos dedicados e em adequada sintonia com o
interesse corporativo-institucional. Mas, pela sua própria natureza, ao invés de uma estratégia
empresarial esta instituição visava apenas a perpetuação do próprio modelo. E este modelo,
sonâmbulo, ineficaz e parasitário, tinha perdido o contacto com a realidade envolvente
Restava um médio senhorio fundiário, se comparado com as instituições congéneres, que ia
suprindo por via fiscal, os resultados, inevitavelmente medíocres, de uma exploração rentista.
Além do mais, por via de regra, era gerido em nome de “membros não executivos dum conselho
de gestão” que se haviam acomodado a delegar poderes. E a ceder as comendas em franchising a
rendeiros cuja margem de manobra a vigilância dos executivos tentava disciplinar. Transparece
com nitidez que os administradores geralmente não executivos (comendadores) aliavam a
incapacidade à falta de empenho. Mas é necessário ter presente que se tratava de uma “fundação”
modesta, que não pagava senhas de presença, e cujo universo de recrutamento fora severamente
limitado pelas oportunidades comparativas de “carreira”, proporcionados pela Ordem de Cristo
e, mesmo, pela Ordem de Santiago.
De resto vivia-se num bucólico e pastoril alheamento das crispações da Reforma, contra-
Reforma e expansão marítima, e guardando prudente distanciamento da “revolução”
administrativa manuelina.