Uma questão que permanece em desenvolvimento na área da pedagogia da performance é o entendimento de como o instrumentista objetiva suas habilidades e como essa experiência pode ser comunicada a outra pessoa na forma de um discurso ou...
moreUma questão que permanece em desenvolvimento na área da pedagogia da performance é o
entendimento de como o instrumentista objetiva suas habilidades e como essa experiência pode ser
comunicada a outra pessoa na forma de um discurso ou narrativa. A reflexão sobre processos de
construção e comunicação de conhecimentos em performance enfrenta necessariamente a questão
de como objetivamos e comunicamos experiências que são de ordem subjetiva e incorporada. Ao
reconhecermos uma experiência como “incorporada” estamos admitindo o corpo humano como
estrutura experiencial vivida, como agente cognitivo e expressivo assim como o contexto no qual
operam os mecanismos cognitivos (VARELA, 1991; 2000; MATURANA, 2014; GIBBS, 2005). Os
professores de instrumento tem em mãos a difícil tarefa de reconhecer qual é a dificuldade do aluno
na realização de algum trecho musical ou de alguma técnica específica, objetivar e comunicar
possíveis caminhos de como solucionar o problema. É necessário que o professor de instrumento se
aprimore em comunicar conceitualmente para o estudante sua própria experiência da realização
musical, seja esta relacionada a alguma técnica de produção sonora ou a alguma intenção no
discurso musical. Uma importante questão trazida pela cognição incorporada é que devemos
questionar o dualismo naturalizado no ocidente de que a experiência do corpo é uma forma de
comportamento que pouca relação tem com a linguagem, com o pensamento, com a ação
significativa e com a construção de sentidos. Tanto a performance quanto a apreciação musical
envolvem aspectos cognitivos que são delineados pelo corpo em muitos aspectos. O que está em
jogo nesse paradigma quando aplicado à performance musical é justamente compreender as interrelações,
interações e implicações que emergem quando entendemos que corpo e mente formam
uma unidade e não uma dicotomia. O conceito de jogo trazido por Gadamer (2012) permite abordar
e iluminar diversos aspectos implicados em nossos atos de entendimento de forma semelhante. Por
meio desse conceito, Gadamer traz a questão do entendimento para além do sujeito, pois o
entendimento não acontece “dentro” do sujeito, mas em seu jogo com o mundo. Devemos nos
desfazer de um modelo da cognição centrado seja no objeto, seja no sujeito. A dicotomia entre esses
dois têm suas raízes na própria dicotomia entre corpo e mente que baliza o pensamento ocidental. O
ato de entendimento não é a reprodução de uma representação de um objeto por um sujeito, este é,
por sua vez, um jogo e, enquanto tal, apresenta uma estrutura que é dialógica e dinâmica. O jogo
possibilita-nos pensar sujeito e objeto, produtor e produto do conhecimento, como inexoravelmente
inseparáveis. O objetivo central da presente tese é compreender os pontos fundamentais que
norteiam a objetivação e construção de conhecimentos subjacentes às técnicas de produção sonora
no violino e da viola a fim de compreender as estratégias pedagógicas que visam comunicar a
experiência incorporada da produção sonora nesses instrumentos. A fim de compreender as interrelações
entre corpo e mente que emergem na forma de estratégias pedagógicas que visam
comunicar a experiência subjetiva da produção sonora nos instrumentos de cordas, escolhemos
lançar um olhar hermenêutico sobre a tradição pedagógica Flesch/Bosísio/Lavigne. Buscamos
compreender que conceitos, categorias, dicotomias, práticas, imagens e metáforas emergem quando
olhamos essa tradição pedagógico-musical sob o ponto de vista dinâmico e incorporado da cognição
musical.
Palavras-chave: gesto, cognição incorporada, metáfora, jogo, pedagogia da performance.