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Retrospectiva
Comunicação e discurso
FIGARO, R (Org.). Comunicação e Análise do Discurso. 1. ed., 1ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2013.
Vicentônio Regis do Nascimento Silva *
Daniele Trevelin Donato **
O que é um texto? O que é um discurso? Como se constroem os sentidos? Quais as
diferenças entre enunciado e enunciação? Como se desenvolve e o que é Análise do Discurso?
Quando surgiram a polifonia e a dialogia? Como se elabora o sentido? Como se organiza o
espaço discursivo? Como podemos analisar e diferenciar o real do ficcional, a história da
literatura? Eis algumas das perguntas norteadoras de Comunicação e análise do discurso, obra
organizada por Roseli Figaro, professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação da Universidade de São Paulo – USP. Resultado de artigos expostos em
seminários na Escola de Comunicação e Artes da USP/ I Ciclo de Estudos: Comunicação,
Análise de Discurso e Atividade Linguageira, possui o objetivo de apresentar linhas teóricas na
compreensão da Análise do Discurso (AD), aplicando-as aos textos jornalísticos, publicitários,
literários, políticos, iconográficos.
Já na introdução, a organizadora esclarece que a linguagem verbal é objeto privilegiado
de estudo da comunicação, diferenciando os conceitos de Texto (tecido confeccionado por autor
que, transformado em discurso, entra no sistema de comunicação), Enunciado (criado por um
sujeito historicamente situado, proveniente de um enunciador e fruto da enunciação) e Discurso
(efeito de sentido construído no processo de interlocução).
Helena Nagamine Brandão – autora do primeiro capítulo, “Conceitos e fundamentos –
Enunciação e construção do sentido” – dedica-se à Análise do Discurso de linha francesa sob a
ótica da enunciação. Segundo suas pesquisas, o discurso: 1) ultrapassa o nível
gramatical/linguístico, valorizando os elementos extralinguísticos, condicionadores de sua
*
Doutorando em Letras/Estudos Literários – Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Graduada em Letras – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Assis). Professora da
rede pública/SP.
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produção; 2) produz enunciados concretos e efeitos de sentido; 3) elabora conhecimentos para
“(...) produzir discursos adequados aos diferentes contextos de comunicação” (p.20).
Surgida na década de 1960, a Análise do Discurso debruça-se inicialmente sobre
conteúdos políticos. Não se restringe a aspectos estritamente linguísticos, articulando as noções
de Produção, Formação ideológica e Formação discursiva. Toda palavra e toda escrita inseremse em contextos ideológicos, reforçando a importância da compreensão e do uso da Base
Linguística e do Processo Discursivo Ideológico, ferramentas para compreensão do sujeito do
discurso. O conceito de heterogeneidade também integra a Análise do Discurso uma vez que
na Formação Discursiva (FD) sobressai o sistema de dispersão em que interagem os discursos
em relação de alteridade.
A autora então analisa quatro colaboradores do desenvolvimento da Análise do
Discurso: Benveniste (a subjetividade funda-se no exercício da língua; construção do plano
enunciativo do discurso em que a enunciação do locutor tem a intenção de influenciar o
interlocutor), Bakhtin (tendo a interação como questão central, sua concepção de linguagem
recai sobre o dialogismo, acentuando-se aspecto social na relação eu-tu; substitui-se o “eu”
individualizado pelo “nós”), Authier-Revuz (“concepção do discurso assentada na
característica heterogênea da linguagem e numa concepção de sujeito afetado pela divisão entre
o consciente e o inconsciente. Enfim, ela questiona tanto uma concepção homogeneizadora da
discursividade como a unicidade significante do sujeito” – p.35) e Ducrot.
Ducrot propõe a Teoria da Enunciação de caráter polifônico. Entre as modalidades que
descrevem a enunciação (atribuição de sentido ao enunciado), destacam-se as relativas à
argumentação, ao aspecto modal (enunciados de caráter informativo e expressivo) e ao sujeito
ou autores eventuais da enunciação (sujeito: existe no mundo real; locutor: instância criada no
discurso, equivalente ao narrador no texto literário; enunciadores: “corresponderiam a pontos
de vista a expressarem um posicionamento em relação ao objeto observado a partir de uma
perspectiva” – p. 39). Em um enunciado, pode existir mais de uma voz: se o Locutor é
responsável pelas palavras, ao Enunciador atribuem-se os pontos de vista, criando-se o aspecto
paradoxal da ironia.
Como uma teoria crítica da leitura, a contribuição da Análise do Discurso é
mostrar que os modos de ver a realidade pela linguagem não são processos
mecânicos de decodificação do sistema linguístico, mas é um processo
dialógico em que o leitor, enquanto coenunciador, assume uma atitude
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responsiva dialogando com o texto, respondendo ao desafio de interpretação
que impõe (p.42)
O capítulo seguinte, “Organização linguística do discurso – Enunciação e
Comunicação”, de autoria de José Luiz Fiorin, discute duas teorias: as que desejam investigar
a organização interna do discurso e as que pretendem estudar a historicidade textual. A ironia
e a metáfora resultam das relações linguísticas e intertextuais. Segundo Benveniste, são
instâncias de legitimação a pessoa (eu), espaço (aqui) e o tempo (agora). Instalam-se duas
espécies de enunciados: 1) o que pode afastar o “eu”, equivalente à terceira pessoa na teoria
literária; 2) o que insere o “eu” no interior do enunciado, criando a enunciação enunciativa,
correspondente à primeira pessoa. O “eu” pressuposto denomina-se enunciador/autor. O “eu”
instaurado no enunciado é o narrador, diferente do enunciador. O “eu” instituído na personagem
que fala configura o interlocutor. Em algumas situações, o locutor pode tomar o lugar do
narrador. Existem três níveis de sujeito: o autor, o narrador e o interlocutor. O “tu” do
enunciador é o enunciatário, do narrador, narratário, do interlocutor, interlocutário.
Todos os textos – sejam eles na primeira ou na terceira pessoa – possuem efeitos de
sentido. Alguns desses efeitos provocam a sensação de “objetividade”, que é uma “criação da
linguagem” (p.58) utilizada para disfarçar opiniões, dificilmente identificáveis na superfície,
porém descobertas em insinuações e subentendidos. A descoberta de insinuações e
subentendidos pressupõe o domínio da historicidade – termo que não se atrela ao sentido
histórico e aos contextos econômicos, políticos e sociais de uma época, mas à capacidade de o
analista eleger elementos que o auxiliem na compreensão do discurso. Geralmente socorre-se
ao dialogismo de Bakhtin para quem o discurso se constitui em oposição a outro, (re)tomando
(novos) espaços ao longo da História. A substituição da primeira pessoa do singular em terceira
pessoa do singular consiste em artifício de esvaziamento da subjetividade do indivíduo: em
algumas situações a terceira pessoa deixa de lado o mortal/individual para se apossar do quase
imortal/coletivo/público. Ao produzir um discurso, o orador cria e projeta uma imagem de si.
Segundo Aristóteles, Ethos fomenta a imagem do caráter e das qualidades criadas no discurso.
“Construção coletiva da perspectiva dialógica - História e alcance teóricometodológico” traz, da pena de Beth Brait, as contribuições do Círculo de Bakhtin aos estudos
da Análise Dialógica do Discurso (ADD). No ensino da gramática, de acordo com o teórico
russo, a escola deve levar em conta as possibilidades lexicais e sintáticas da língua, oferecendo
margens de escolha no momento da enunciação. As escolham indicam o ponto de vista do
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enunciador. Na ADD, observa-se a “(...) indissolúvel relação existente entre língua, linguagens,
história e sujeitos” (p.84). Não interessa apenas o verbal, mas principalmente o visual e o verbovisual: “Há uma coisa muito importante ligada à leitura: o mesmo indivíduo transforma-se em
leitor diferente, dependendo do tipo de leitura que está fazendo” (p.91).
Maria Cecília Souza-e-Silva, em “Concepção integrada de discurso – Discursividade e
espaço discursivo”, retoma as perspectivas de Maingueneau em “Gênese dos discursos”,
destacando-se: 1) a ideia de que o interdiscurso precede o discurso; 2) o tratamento do discurso
a partir de um sistema de restrições/coerções globais. Das restrições/coerções globais surgem:
a) competência discursiva; b) interincompreensão; c) prática discursiva; d) prática
intersemiótica. Dois são os princípios estruturantes da gênese do discurso: a primazia do
interdiscurso e a semântica global. A semântica se traduz por operação: o discurso-paciente
(traduzido) por um discurso-agente (tradutor), dando vida à intercompreensão, que consiste na
“(...) impossibilidade de compreensão de um discurso a partir de outro, de outra posição”
(p.105). Cria-se um simulacro do outro a partir de seu discurso. A prática inter-semiótica abre
possibilidades de análises nos conceitos de texto e enunciado, sendo este restrito aos textos
linguísticos e aquele estendido às produções de práticas discursivas.
No último capítulo – “Discurso, ficção, realidade – A construção do ‘real’ e do
‘ficcional’” – Maria Aparecida Baccega apresenta as ponderações entre realidade e
ficcionalidade nas relações entre Literatura, História e Comunicação, ressaltando, desde as
primeiras linhas, a diferença entre conhecimento e informação:
(...) cada domínio relaciona-se com os demais e isto é outra questão
extremamente importante. O domínio da literatura se relaciona com o domínio
do jurídico e este com o domínio das artes, e este com outros. O campo
semântico do signo vai se recompondo, acrescentando semas ou subtraindo
outros, mas sempre carregando consigo alguns semas que têm fôlego para
percorrer os domínios. O que tem acontecido, e isto supõe um dos grandes
temas da contemporaneidade, é que se toma um domínio separadamente,
aprofunda-se e estuda-se, faz-se sua “análise”, sua “crítica”, fixando-se só em
alguma parte da totalidade. É o que temos chamado de informação, isto não é
conhecimento. O conhecimento prevê a capacidade de inter-relação dos
domínios, inter-relação entre os dados, tendo como pano de fundo a totalidade
daquela sociedade naquele momento histórico. De outro modo, ficamos
apenas com os dados. (p. 120-121)
Palavra dada é palavra pronta. Palavra dando-se é uma palavra em construção. A
instituição do sentido depende do lugar que a pessoa ocupa em sua produção. Na História,
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abrem-se oportunidades de novas fontes: abandona-se a exclusividade dos arquivos,
imprimindo-se novas possibilidades de ser historiador e de se fazer História, especialmente por
meio de interrogações dos silêncios. Nos diálogos entre domínios e discursos, o sujeito vai se
moldando (p.132-133). Encerra a pesquisadora: “O que estamos propondo, enfim, é que o
discurso do comunicador seja a conjunção dos discursos históricos e literários, com
especificidades das quais os manuais de redação jamais darão conta” (p. 137).
Presente em nossas vidas, o discurso sempre transmite enunciados cujas enunciações se
construirão a partir de fatores enumerados pelos diversos teóricos e pesquisadores
anteriormente abordados, transmitindo informações que, já se percebe, jamais adquirirão tom
neutro, sempre estarão repletas de artifícios com vistas a manipular o enunciatário.
Retrospectiva recebida em: 27.12.2014
Retrospectiva aprovada em: 24.05.2015
© Vicentônio Regis do Nascimento Silva, Daniele Trevelin Donato; p. 293-297.
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