A SAÚDE NA PINTURA
Solidão e Saúde Mental
Loneliness and Mental Health
Sílvia OUAKININ1, David PIRES BARREIRA1,2
Acta Med Port 2015 Jan-Feb;28(1):130-132
Figura 1 - “À espera de te reencontrar”, Isabel Botelho, 2005, Óleo sobre tela, 73 x 100 cm. Fotografia: Museu da Água em Lisboa –
“Memórias da Cidade”.
1. Clínica Universitária de Psiquiatria e Psicologia Médica. Faculdade de Medicina. Universidade de Lisboa. Lisboa. Portugal.
2. Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia. Centro Hospitalar Lisboa Norte. Lisboa. Portugal.
Recebido: 23 de Dezembro de 2014 - Aceite: 05 de Janeiro de 2015 | Copyright © Ordem dos Médicos 2014
Revista Científica da Ordem dos Médicos 130 www.actamedicaportuguesa.com
Palavras-chave: Depressão; Pintura; Portugal; Saúde Mental.
Keywords: Depression; Mental Health; Painting; Portugal; Social Isolation.
Isabel Maria Contreras do Botelho nasceu em Lisboa.
Do seu curriculum constam várias exposições individuais e
colectivas, entre 2003 e 2014.
Descrevendo a sua pintura, refere que esta “sendo
assumidamente figurativa, tem uma via própria, gestual e
intuitiva, mas simultaneamente, conceptual e marcada por
simbologias. Reflectem-se memórias e estados de espírito,
imagens de coisas antes vistas, em lugares e momentos
talvez imaginados”.1
O seu quadro “À espera de te reencontrar” sugere-nos
a solidão como uma dimensão presente face a uma cidade
adormecida, num rosto que não se desenha e por isso não
expressa qualquer emoção, numa mão que toca o vazio.
Reconhecida como um factor de risco para a saúde
mental, a solidão pode ser definida como uma experiência
subjectiva que decorre da diferença entre as expectativas
e a realidade da vida do sujeito, de um ponto de vista relacional.2 A sua associação ao isolamento social percebido e
não ao objectivo,3 ajuda-nos a entender a solidão crescente
nas cidades e o seu reforço paradoxal numa era de tecnologias de comunicação. De facto, a presença de outros
numa teia de afectos frágil e virtual, não assegura um espaço de partilha emocional ou de reconhecimento, intimidade
e retorno.
Podemos considerar 3 tipos de solidão: a solidão situacional, que está associada a factores situacionais e ambientais, como experiências negativas ou conflitos interpessoais; a solidão de desenvolvimento, associada a factores
desenvolvimentais como separações, pobreza e incapacidades físicas ou psicológicas e por último ainda a solidão
interna, relacionada com factores de personalidade, locus
de controlo e deficientes estratégias de coping.4
Pensando no desenvolvimento, o estabelecimento de
laços afectivos como base segura para um crescimento
saudável, ou seja, a vinculação descrita por Bolwby, tem
sido um referencial teórico que ajuda a compreender a
importância destes laços precoces, no sentido da sobrevivência de organismos imaturos e do seu desenvolvimento
equilibrado e autorregulação futura.5 Esta regulação autónoma do adulto, quer no sentido fisiológico, quer no sentido
psicológico, constrói-se a partir de interacções com a figura
materna, ou com os seus substitutos, dando origem a padrões de relação funcional e afectiva que, reactualizados
na vida adulta, determinam respostas fisiológicas e um estilo relacional. Em diferentes fases da vida e face a acontecimentos adversos, estes padrões podem representar factores de protecção ou de vulnerabilidade, que se associam
ao adoecer físico ou mental.6
Reforçando a noção de que a saúde mental e física são
indissociáveis, investigações recentes têm demonstrada a
ligação entre situações de adversidade na infância e a presença de marcadores biológicos de envelhecimento celular
(encurtamento de telómeros) que se associam a doenças
físicas como a diabetes, as doenças cardiovasculares ou o
cancro e a doenças mentais como a depressão ou a esquizofrenia.7
Quer na idade adulta, quer em idosos, múltiplos estudos têm salientado a importância do suporte social e afectivo como promotores de bem-estar e longevidade, associando-se a solidão a um maior risco de doenças físicas e
mentais.4,8-10
Hawkley e Cacciopo procuram explicar esta relação através de um modelo em que o isolamento percebido gera um
estado de insegurança face a ameaças de nível social, determinando atitudes de hipervigilância e enviesamento cognitivo que se traduzem em expectativas, memórias e uma
percepção da realidade e das relações interpessoais com
um carácter negativo e mais ameaçador, perpetuando esse
isolamento. Este ciclo de distanciamento e solidão reforça-se a si próprio e, associando-se a sentimentos de hostilidade, pessimismo, baixa autoestima e perturbação emocional,
activa mecanismos neurobiológicos e comportamentais que
contribuem para desencadear várias patologias.11,12
Por outro lado, pessoas que sofrem de solidão apresentam mais sintomas depressivos e relatam sentirem-se
menos felizes, com menor satisfação pessoal e mais pessimistas, sendo a relação entre depressão e solidão de carácter recíproco.4,9
O impacto da presença e qualidade das vivências relacionais ao longo do ciclo de vida tem sido estudado por vários grupos de investigadores, em diversos contextos culturais, salientando-se a natureza da espécie humana como
social e gregária.6,8,13 Assim, a interacção social é essencial
para o ser humano e a solidão pode ser preditiva de sintomas depressivos, amplificando o sofrimento emocional na
depressão e dificultando o seu tratamento e recuperação.8
Uma vez que a solidão tem importantes consequências
no estado de saúde física e mental do indivíduo, considera-se importante uma intervenção no tempo certo para a prevenir.
Esta intervenção passa pelo desenvolvimento de competências sociais, pelo reforço da obtenção de suporte social, pela resposta à necessidade de desenvolver oportunidades de interacção social, pelo reconhecimento e modificação de cognições sociais maladaptativas,2 mas também
por uma atitude preventiva, específica para cada fase da
vida, que inclui uma visão abrangente de saúde e bem-estar.
Pensando de novo na figura feminina representada no
quadro, esta remete-nos para alguém em suspenso, na
procura de um outro significativo ou de uma relação segura, eventual antídoto do adoecer.
AGRADECIMENTOS
A Acta Médica Portuguesa e a Ordem dos Médicos
agradecem ao Museu da Água em Lisboa a gentil cedência
dos direitos de reprodução deste quadro e a oportunidade
de o divulgar.
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A SAÚDE NA PINTURA
Ouakinin S, et al. Solidão e saúde mental, Acta Med Port 2015 Jan-Feb;28(1):130-132
Ouakinin S, et al. Solidão e saúde mental, Acta Med Port 2015 Jan-Feb;28(1):130-132
A SAÚDE NA PINTURA
CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.
FONTES DE FINANCIAMENTO
Não existiram fontes externas de financiamento.
REFERÊNCIAS
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