A segurAnçA dos cuidAdos dA criAnçA
hospitAlizAdA: perceção dos enfermeiros
cAre sAfety of hospitAlized children:
perceptions of nurses
ernestina mª Batoca silva
Professores na Escola Superior de Saúde de Viseu/CI&DETS, Instituto Politécnico de Viseu
catarina raquel ferreira garcia
Enfermeira Especialista de Saúde Infantil e Pediatria, no Centro de Saúde Ílhavo, Agrupamento de Centros de
Saúde Baixo Vouga
daniel marques da silva
João carvalho duarte
Professores na Escola Superior de Saúde de Viseu/CI&DETS, Instituto Politécnico de Viseu
Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente, 9:1 (2018)
Journal of Child and Adolescent Psychology, 9:1 (2018)
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Ernestina Silva, Catarina Garcia, Daniel Silva e João Duarte
resumo: A segurança dos doentes é reconhecida como um dos pilares
fundamentais da qualidade dos cuidados de saúde, sendo prioritário desenvolver
uma cultura de segurança que vise minimizar a ocorrência de erros e favorecendo
a aprendizagem com os mesmos. Caracterizar a cultura de segurança da
criança hospitalizada, percecionada pelos enfermeiros. Estudo quantitativo,
descritivo-correlacional e transversal, efetuado numa amostra de 68 enfermeiros
a exercer funções em serviços de pediatria/neonatologia (52,9%) e serviços de
obstetrícia (47,1%) num centro hospitalar da zona Centro. Os participantes são
maioritariamente do sexo feminino (98,5%), com idades entre os 27 e os 56 anos
e o grupo com 3 a 7 anos de experiência na prestação de cuidados à criança
aparece com os valores mais elevados (35,3%). Utilizámos uma versão adaptada
do questionário Hospital Survey on Patient Safety Culture (Eiras, Escoval, Grillo,
& Silva-Fortes, 2014). Como pontos fortes da cultura de segurança salientaramse as seguintes dimensões: “Trabalho em Equipa” (81,6%), “Expectativas do
Supervisor/Gestor e Ações que Promovam a Segurança do Doente” (69,5%),
“Aprendizagem Organizacional – Melhoria Contínua” (62,3%) e “Feedback
e Comunicação Acerca do Erro” (62,3%). Por outro lado, as dimensões que
constituem oportunidades de melhoria foram: “Trabalho entre Unidades” (38,3%),
“Apoio à Segurança do Doente pela Gestão” (30,9%), “Resposta ao Erro Não
Punitiva” (25,5%) e “Frequência da Notificação de Eventos” (18,4%). Para obter
melhores resultados nas áreas identificadas como oportunidades de melhoria
é fundamental o envolvimento de todos, pois apenas com uma colaboração
conjunta teremos uma cultura de segurança mais enraizada e mais fortalecida.
Destacamos a necessidade de formação na área da segurança do doente e gestão
do risco e o desenvolvimento de estratégias que progressivamente permitam
uma mudança de paradigma, permitindo a passagem da cultura da culpa onde o
profissional de saúde é o centro das atenções, para uma cultura de aprendizagem
com os erros.
palavras-chave: Segurança do paciente, Pediatria, Qualidade dos cuidados
de saúde.
Abstract: Patient’s safety is recognized as one of the pillars of the health care
quality. Develop a safety culture that aims to minimize the occurrence of mistakes,
and encourage people to learn with them are considered a priority. Characterize
the safety culture of the hospitalized child, from the nurses’ perception.
Quantitative, descriptive-correlational and transversal study, accomplished
on a sample of 68 nurses working into pediatric/neonatology services (52.9%)
and into obstetrics services (47.1%) of a hospital center in the Center zone. The
participants are mostly females (98.5%), with ages between 27 and 56 years old,
having in majority about 3 to 7 years of experience in the care of children (35.3%).
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We used an adapted version of the questionnaire Hospital Survey on Patient
Safety Culture (Eiras, Escoval, Grillo, & Silva-Fortes, 2014). As strong points in
the safety culture, stood out the following dimensions: “Teamwork within Units”
(81.6%), “Supervisor/Manager’s Expectations and Actions Promoting Patient
Safety” (69.5%), “Organizational Learning - Continuous Improvement” (62.3%),
and “Feedback and Communication about the Error” (62.3%). On the other hand,
the dimensions that revealed themselves as opportunities to improve were:
“Teamwork across Units”(38.3%), “Management Support for Patient Safety”
(30.9%), “Non-punitive Response to Error”(25.5%) and “Frequency of Events
Reported” (18.4%). To obtain better results in the identified areas as improvement
opportunities, it’s fundamental everyone’s involvement, because only with joint
collaboration will we have a rooted and strengthened safety culture. We highlight
the need for training in the area of patient safety and risk management and the
development of strategies that progressively allow a change of mentalities,
allowing the passage of the culture of guilt where the health professional is the
center of attention, for a culture of learning from mistakes.
Keywords: Patient’s safety, Pediatrics, Quality of the healthcare.
introdução
A segurança dos doentes visa a diminuição dos danos desnecessários e
preveníveis e constitui uma componente essencial da qualidade dos cuidados
de saúde, sendo atualmente considerada a nível mundial um problema de saúde
pública. É certo que o erro irá ocorrer em alguma altura, pois este é inerente
à condição humana, sendo a sua inevitabilidade e o sentimento de culpa que
lhe está associado, as suas características fundamentais (Fragata, 2010). Apesar
de todos os cuidados para não falhar, é do conhecimento geral que muito há
ainda a fazer para garantir que todos os utilizadores das instituições de saúde
recebam os cuidados que necessitam com a máxima segurança Torna-se assim
necessário o desenvolvimento de uma cultura de segurança que vise minimizar a
possibilidade de ocorrência de erros e favorecer a aprendizagem com os mesmos.
Em Portugal, a notificação do erro tem vindo a tornar-se cada vez mais
efetiva contudo, ainda está longe dos dados notificados refletirem a realidade
nacional nem a verdadeira dimensão das suas consequências (Direcção-Geral
da Saúde [DGS], 2014). O relatório de progresso de monitorização refere que
foram registadas 3854 notificações por parte dos profissionais de saúde e 245
notificações por parte dos cidadãos, desde o início do sistema até ao final do 3º
trimestre de 2017 (DGS, 2017).
A nível da pediatria, e apesar dos dados acerca da segurança da criança
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hospitalizada serem escassos (Silva, Pedrosa, Leça, & Silva 2016), as preocupações
com a segurança são legítimas, dado que as crianças se encontram mais vulneráveis
aos erros devido a fatores intrínsecos relacionados com as suas características
anatómicas e fisiológicas e a fatores extrínsecos nomeadamente uma indústria
farmacêutica que ainda não se encontra voltada para as especificidades da criança
e a falta de políticas de saúde (Belela, Pedreira, & Peterlini, 2011). Assim, surgiu
o interesse por este estudo cujo objetivo consiste em caracterizar a cultura de
segurança da criança hospitalizada, na percepção dos enfermeiros. A finalidade
é contribuir para a sensibilização destes profissionais para a adoção de uma
prática sistemática de segurança na prestação de cuidados à criança/jovem e nas
organizações.
A segurança do doente e a qualidade estão fortemente ligados e são alvo
de atenção desde a antiguidade, sendo temas cada vez mais debatidos a nível
mundial. Para que sejam prestados cuidados de saúde de qualidade, vários
requisitos devem ser cumpridos, sendo para isso fundamental que os cuidados
sejam prestados de modo seguro. A segurança do doente constitui uma
preocupação e, a sua melhoria contínua, é uma obrigação ética e legal de todos
os profissionais de saúde.
Estima-se que em todo o mundo milhões de doentes sofram lesões ou morte
devido à insegurança na prestação de cuidados (World Health Organization
[WHO], 2009). Também a criança hospitalizada se encontra vulnerável aos eventos
adversos, acrescendo o facto das suas características anatómicas e fisiológicas
e do grau de complexidade dos cuidados a nível pediátrico, a exporem a uma
maior probabilidade de sofrer danos associados aos cuidados de saúde.
O estabelecimento de uma cultura de segurança contribui de forma
indiscutível para a melhoria da segurança do doente em geral e da criança em
particular, sendo portanto uma prioridade.
A avaliação da cultura de segurança do doente permite a colheita de
informações sobre perceções e comportamentos dos colaboradores e da gestão
relativamente à segurança (Pimenta, 2013). Esta avaliação constitui assim o
primeiro passo para conhecer as áreas em que é urgente intervir. Os enfermeiros
encontram-se em contacto permanente com o doente e todas as suas atitudes e
comportamentos têm influência na cultura de segurança (Fernandes & Queirós,
2011).
É sabido que a prestação de cuidados de saúde envolve riscos, quer para
os doentes, quer para os profissionais, não se podendo negligenciar nenhum
desses riscos seja qual for a sua escala. Torna-se assim fundamental reconhecer
que em todos os sistemas humanos podem ocorrer erros, e a sua probabilidade
de ocorrência é diretamente proporcional à complexidade do próprio sistema. O
risco associado aos cuidados de saúde tem sido motivo de preocupação desde
a antiguidade. Hipócrates ficou célebre pela afirmação “primum non noccere”
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(primeiro não fazer o mal), que desde então se tornou um princípio ético para a
classe médica e para todos os profissionais de saúde (Fragata, 2010).
As repercussões dos erros são várias e para além das individuais, pelo
sentimento de culpa e carga emocional pela consciência de ter cometido erro
(Fragata, 2010), existem as repercussões económicas e também as sociais,
pois contribuem para a diminuição da confiança dos doentes no sistema com
influência na auto-estima dos profissionais de saúde (Abreu, 2009).
Como foi referido anteriormente, a criança encontra-se mais vulnerável ao
risco e à ocorrência de erros decorrentes da prestação de cuidados. Por outro lado,
quando estes ocorrem, o seu efeito nocivo tende a ser maior comparativamente
ao efeito dos erros ocorridos em adultos (Belela, Pedreira, & Peterlini, 2011).
Os erros de medicação são um fenómeno mais frequente na população
pediátrica dado que esta faixa etária comporta um conjunto de riscos específicos,
existindo já diversos estudos sobre o erro de medicação em pediatria. Como
condicionantes do risco pode considerar-se a complexidade do doente, a
complexidade da tarefa, performance humana, da equipa e da organização e o
acaso (Fragata, 2009).
A Organização Mundial de Saúde e o Conselho da União Europeia
consideram que a primeira fase para o desenvolvimento da cultura de segurança
é a sua avaliação na perceção dos profissionais de saúde, sendo esta uma
condição fundamental para a introdução de mudanças nos comportamentos dos
profissionais e nas organizações e deste modo se alcançarem melhores níveis
de segurança e de qualidade nos cuidados ao doente (DGS, 2013a). Conscientes
da inevitabilidade do erro, todos os profissionais devem orientar a sua prática
construindo e assegurando uma cultura de segurança, que se traduz no modo
como um grupo ou uma organização exerce a sua atividade.
James Reason (Fragata, 2010) definiu três componentes da cultura de
segurança: cultura justa, isto é, ao cometer erros as pessoas não são punidas, apenas
as violações daquilo que está estabelecido são punidas; cultura de notificação de
eventos e cultura de aprendizagem com os erros. Para se estabelecer uma cultura
de segurança, são assim necessárias mudanças culturais. Estas são um processo
complexo e moroso pois o ser humano tende a resistir a todos os processos de
mudança, contudo, estas mudanças são essenciais.
Algumas das vias que irão permitir a mudança são: a análise dos erros na
perspetiva do sistema e não das pessoas; encarar os erros como oportunidades
conferindo tolerância zero à violação de regras; passar do secretismo para a
transparência no que respeita aos erros; modificar os modelos de trabalho da
dependência na excelência individual para o trabalho em equipa pois em equipa
é mais fácil seguir normas e políticas de segurança (Fragata, 2010).
Desde 2001 que a Joint Commission for the Accreditation of Health Care
Organizations requer como critério para a acreditação a divulgação dos eventos
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adversos através de relatórios (Raimundo, 2012). Neste âmbito, Fragata (2011)
considera que um sistema de notificação de eventos é fundamental para a
cultura de segurança, devendo possibilitar o anonimato, sem culpabilização dos
profissionais envolvidos, compreendendo uma componente facultativa, sendo
os eventos mais graves/sentinela (never events) obrigatoriamente notificados.
A notificação constitui assim uma ferramenta que promove a melhoria
contínua da qualidade em saúde. Quanto maior for o número de eventos
notificados, mais informação será disponibilizada acerca dos erros e
consequentemente, mais ações podem ser tomadas no sentido de aumentar a
segurança dos cuidados de saúde (Pimenta, 2013).
Para que a notificação seja possível, foi criado o Sistema Nacional
de Notificação de Incidentes e Eventos Adversos (SNNIEA/NOTIFICA),
desenvolvido pelo Departamento da Qualidade na Saúde, da Direção Geral
de Saúde, onde os profissionais de saúde e os cidadãos podem de uma forma
anónima reportar os incidentes/eventos ocorridos, fornecendo uma interface
que permite reunir, fornecer e recuperar dados de um modo fiável. Este sistema
de notificação foi apresentado em 2011, tendo sido a sua aplicabilidade testada e
adaptada para a realidade portuguesa. A notificação testemunha o compromisso
com a segurança do doente, promovendo o desenvolvimento de uma cultura de
segurança nas unidades de saúde e apoiando os profissionais na prestação de
cuidados mais seguros (DGS, 2013b).
Existem estudos que demonstram uma associação positiva entre maior
adesão ao relato do erro e grupos de profissionais onde prevalecem valores como
apoio, confiança e cuidados centrados no doente versus estruturas com culturas
demasiado formais, hierarquizadas e racionais (visando a produção e eficácia)
(Raimundo, 2012). Por outro lado, uma baixa ou ausente taxa de notificação
de eventos adversos, usualmente está associada ao paradigma da punição e
ocultação do erro e ao medo de represálias e sanções profissionais (Faria, 2010).
Questão de investigação
Qual a perceção dos enfermeiros sobre a cultura de segurança da criança
hospitalizada?
metodologia
Delineamos um estudo de natureza descritivo-correlacional e transversal
com uma abordagem quantitativa consistindo num processo sistemático de
colheita de dados observáveis e quantificáveis (Fortin, 2009).
A variável dependente é a cultura de segurança da criança hospitalizada
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e as variáveis independentes foram subdivididas em três grupos: variáveis de
caracterização sociodemográfica onde incluímos a idade e o sexo; variáveis
profissionais, onde incluímos as habilitações académicas, a experiência
profissional (em anos) e a experiência na prestação de cuidados à criança (em
anos); e a formação em segurança do doente e gestão do risco.
Participantes
A amostra é não probabilística por conveniência, constituída por 68
enfermeiros que em diferentes serviços prestam cuidados à criança/jovem,
nomeadamente nos serviços de pediatria, neonatologia, urgência pediátrica,
bloco de partos e puerpério de um centro hospitalar da zona Centro.
Instrumentos
Como instrumento de colheita de dados, utilizámos uma versão adaptada
do questionário “Avaliação da cultura de segurança do doente em hospitais”
traduzido e validado para a população portuguesa por Eiras et al. (2014) do
original Hospital Survey on Patient Safety Culture. Apresenta-se numa escala
de Likert, graduada em 5 níveis desde “discordo fortemente” ou “nunca” (1) até
“concordo fortemente” ou “sempre” (5). Possibilita a avaliação de 12 dimensões
da cultura de segurança do doente, nomeadamente: “Trabalho em equipa”,
“Expetativas do Supervisor/Gestor e Ações que Promovam a Segurança do
Doente”, “Aprendizagem Organizacional – Melhoria Contínua”, “Feedback
e Comunicação Acerca do Erro”, “Abertura à Comunicação”, “Profissionais”,
“Resposta ao Erro Não Punitiva”, “Apoio à Segurança pela Gestão”, “Trabalho
entre as Unidades”, “Transições”, “Perceções Gerais sobre a Segurança do
Doente” e “Frequência da Notificação de Eventos”.
Para uma melhor compreensão da análise e interpretação dos dados
seguimos a metodologia recomendada pelos autores. Deste modo, procedemos à
inversão das questões formuladas negativamente e à recodificação da escala de
cinco para três categorias.
Em cada item as duas categorias menos positivas (discordo fortemente/
discordo ou nunca/raramente) foram combinadas numa só e considerada
negativa - categoria 1. Os pontos médios das escalas (não concordo nem discordo
ou por vezes) representam uma segunda categoria considerada neutra - categoria
2. As duas respostas mais positivas (concordo/concordo fortemente ou maioria
das vezes/sempre) formaram também uma só categoria, considerada positiva categoria 3.
O percentual de respostas positivas específicas na dimensão passou a ser
o principal indicador de análise. Deste modo, com a percentagem de respostas
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positivas nos diferentes itens, pudemos identificar os pontos fortes da cultura de
segurança da criança hospitalizada e também os pontos mais problemáticos, onde
é prioritário intervir. Considerando os critérios definidos (Eiras et al. 2014), o item
ou dimensão com uma percentagem de respostas positivas igual ou superior a 75%
classifica-se de fortaleza. O item ou dimensão com uma percentagem de respostas
positivas igual ou inferior a 50% classifica-se como oportunidade de melhoria.
Para valores intermédios (respostas positivas superiores a 51% e inferiores
a 74% Eiras et al. (2014) não definiram orientações e decidimos seguir os critérios
definidos por Fernandes e Queirós (2011), considerando os itens e dimensões
deste intervalo como aceitáveis sendo contudo aspetos que carecem de melhorias.
Relativamente às respostas dos itens que se apresentam formulados pela
negativa, procedeu-se à sua inversão. O tratamento estatístico foi efetuado com
recurso ao programa informático de estatística IBM SPSS Statistics versão 22 para
Windows e o nível de significância estabelecido foi de 5% (p=0,05).
Procedimentos
No decurso do estudo foram tidos em conta os procedimentos éticos,
nomeadamente, pedido de autorização à autora da tradução e validação do
estudo para a utilização do instrumento de colheita de dados, pedido de parecer
sobre o estudo à Comissão de Ética da Escola Superior de Saúde de Viseu e
pedido de autorização ao Presidente do Conselho de Administração do centro
hospitalar alvo do nosso estudo, tendo sido obtidos pareceres favoráveis.
A investigadora entregou pessoalmente a cada enfermeiro o questionário e,
juntamente, foi distribuído um envelope individual sem qualquer identificação,
o qual serviu para colocar cada um dos questionários depois de preenchidos,
garantindo o anonimato e confidencialidade dos respondentes foi obtido o
consentimento informado e esclarecido e a sua colaboração voluntária.
resultados
Verificámos que a maioria dos participantes no estudo é do sexo feminino
(98,5%). Quanto à idade, 36,8% têm idade ≤31 anos, 29,4% entre os 32 e os 37 anos
e 33,8% ≥38 anos, sendo a idade mínima de 27 anos, a idade máxima de 56 anos
e a média 36,1 anos.
A maioria dos enfermeiros são licenciados (52,9%), sendo que 30,9%
possuem uma pós-licenciatura e 16,2% um mestrado. Em relação à experiencia
de serviço o grupo mais representativo têm entre 3-7 anos de experiência (47,1%),
14,7% apresentam 1-2 anos de experiência, 16,2% de 8-12anos, 13,2% de 13-20
anos e 8,8% mais de 21 anos de experiência profissional.
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Relativamente à unidade assistencial, 52,9% exercem funções em serviços
de Pediatria/Neonatologia (Neonatologia, Pediatria I/II, Urgência Pediátrica) e
47,1% em serviços de Obstetrícia (Puerpério e Bloco de Partos).
O grupo mais representativo dos enfermeiros tem entre 3-7 anos de experiência
profissional na prestação de cuidados à criança (35,3%). Apenas 3% têm menos de
um ano de experiência profissional na prestação de cuidados à criança, enquanto
14,7% têm 1-2 anos, 19,1% de 8-12 anos, 13,2% de 13 a 20 anos e 14,7% ≥21 anos.
Foi questionado se possuíam ou não formação relativamente à segurança do
doente e gestão do risco, a maioria dos enfermeiros (52,9%) nunca fez formação
neste âmbito, no entanto 94,1% dos enfermeiros frequentariam este tipo de
formação, se tivessem oportunidade.
No sentido de obter resposta para a questão de investigação, analisamos as
12 dimensões da cultura de segurança da criança hospitalizada e apresentamos
a perspetiva global desta avaliação. Podemos constatar que na perceção dos
enfermeiros, apenas a dimensão “Trabalho em Equipa”, com uma percentagem
de respostas positivas superior a 75%, constitui um ponto forte da cultura de
segurança da criança hospitalizada. Por outro lado, verificámos a existência de
4 dimensões, nomeadamente a “Resposta ao Erro Não Punitiva”, o “Apoio à
Segurança do Doente pela Gestão”, o “Trabalho entre Unidades” e a “Frequência da
Notificação de Eventos”, com percentagem de respostas positivas bastante inferior
a 50%, constituindo oportunidades de melhoria com necessidade de intervenção
prioritária. A percentagem de respostas positivas das restantes dimensões situa-se
entre os 51 e 74%, sendo consideradas aceitáveis, contudo a necessitar de melhoria
(cf. Figura 1).
figura 1. Perspetiva global da avaliação da cultura de segurança da criança hospitalizada:
percentagem de respostas positivas nas 12 dimensões
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Relativamente ao grau de segurança do doente no seu serviço/unidade,
a maioria dos respondentes (57,4%) considerou a segurança do doente como
muito boa, 41,2% classificaram-na como aceitável e um enfermeiro considerou a
segurança do doente no seu serviço/unidade como excelente (1,5%).
Questionados sobre o número de relatórios de eventos/ocorrências
preenchidos e entregues nos últimos 12 meses, a grande maioria dos enfermeiros
(95,6%) respondeu nenhum.
discussão
O grau de segurança do doente atribuído pela maioria dos enfermeiros
(57,4%) é muito bom e 41,2% classificaram-no como aceitável, sendo para 1,5%
dos participantes excelente. É de salientar que no nosso estudo, nenhum dos
participantes considerou a segurança do doente fraca nem muito fraca, o que
é um aspeto bastante positivo. No estudo de Fernandes e Queirós (2011) que
avaliou a cultura de segurança do doente percecionada por enfermeiros em
hospitais distritais portugueses, verificaram-se resultados ligeiramente mais
positivos do que no nosso estudo, dado que 46% dos respondentes consideraram
o grau de segurança do doente no seu serviço/unidade muito bom, 44% aceitável
e 10% fraco. A nível internacional, o estudo de Sorra, Famolaro, Dyer, Nelson,
e Smith (2012) revelou resultados mais positivos pois 30% dos participantes
consideraram o grau de segurança excelente e 45% muito bom.
Relativamente ao número de relatórios de eventos/ocorrências preenchidos
e entregues nos últimos 12 meses, a grande maioria dos enfermeiros (95,6%)
respondeu nenhum. Estes resultados evidenciam fragilidades no nosso sistema
de notificação, em que a subnotificação dos erros é ainda uma realidade e vão
ao encontro dos resultados obtidos em outros estudos que denotam que a
notificação de eventos/ocorrências na área da saúde não alcança o seu pleno
potencial (Saturno et al. 2009; Sujan, 2012).
No estudo de Sorra et al. (2012) relativamente a este aspeto, constatou-se
que 55% dos participantes referiram não ter notificado eventos/ocorrências nos
últimos 12 meses. Comparativamente aos estudos realizados em Portugal, estes
dados revelam percentagens inferiores, o que denota que apesar das notificações
terem vindo a aumentar ainda temos um caminho a percorrer na melhoria do
sistema de notificação (DGS, 2014).
Realizando uma análise global de todas as dimensões, apuramos que
as que apresentam maior percentual de respostas positivas no nosso estudo,
sendo portanto considerados pontos fortes dos serviços onde o estudo foi
realizado, são as dimensões “Trabalho em equipa” com 81,6%, “Expectativas do
supervisor/Gestor e Ações que Promovam a Segurança do Doente” com 69,5%,
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“Aprendizagem Organizacional – Melhoria Contínua” com 62,3%, “Feedback e
Comunicação Acerca do Erro” também com 62,3% e “Abertura na Comunicação”
com 58,8% de respostas positivas. Verificámos que as primeiras três destas cinco
dimensões coincidem com as do estudo de Eiras et al. (2011). As dimensões
“Feedback e Comunicação Acerca do Erro” e “Abertura na Comunicação” com
maior percentual de respostas positivas diferem nestes dois estudos, uma vez
que no estudo de Eiras et al. (2011) são as dimensões “Transições” com 59% e
“Perceções Gerais sobre a Segurança do Doente” também com 59%. No entanto,
podemos verificar que as cinco dimensões com maior percentual no nosso estudo
coincidem com as cinco dimensões mais pontuadas positivamente no estudo de
Peralta (2012).
No estudo de Sorra et al. (2012), foram as dimensões “Trabalho em
Equipa” com 80%, “Expectativas do Supervisor/Gestor e Ações que Promovam
a Segurança do Doente” com 75%, “Aprendizagem Organizacional – Melhoria
Contínua” com 72%, “Apoio à Segurança do Doente pela Gestão” também com
72% e “Perceções Gerais Sobre a Segurança do Doente” com 66% de respostas
positivas.
Embora a comparação dos estudos deva ser prudente, os nossos dados são
semelhantes aos estudos consultados pois a perceção dos enfermeiros sobre a
cultura de segurança da criança/adolescente hospitalizada releva como pontos
fortes o “Trabalho em Equipa”, “Expectativas do Supervisor/Gestor e Ações
que Promovam a Segurança do Doente” e “Aprendizagem Organizacional
– Melhoria Contínua”. Por outro lado, as dimensões da cultura de segurança
que no nosso estudo revelaram percentual de respostas positivas mais baixas,
sendo portanto oportunidades de melhoria, são as dimensões: “Trabalho entre
Unidades”, “Apoio à Segurança do Doente pela Gestão”, “Resposta ao Erro não
Punitiva” e “Frequência da Notificação de Eventos”.
Constatamos que três destas dimensões coincidem com as da investigação
de Eiras et al. (2011) nomeadamente a “Resposta ao Erro não Punitiva” que no
referido estudo obteve 41%,“Frequência da Notificação de Eventos” com 44% e
“ Apoio à Segurança do Doente pela Gestão” com 48% de respostas positivas.
A quarta dimensão menos pontuada no estudo de Eiras et al. (2011) difere do
nosso estudo tendo sido a dimensão “Profissionais” com 47%.Verificámos que
três das quatro dimensões menos pontuadas no nosso estudo coincidem com as
do estudo de Peralta (2012), exceto a dimensão “Profissionais”.
Relativamente aos resultados dos estudos internacionais, no estudo de Sorra
et al. (2012) obtiveram-se os percentuais mais baixos nas dimensões “Trabalho
entre Unidades” com 58%, “Profissionais” com 56%, “Transições” com 45% e
“Resposta ao Erro não Punitiva” com 44% de respostas positivas, resultados em
parte também semelhantes aos verificados no nosso estudo.
Procuramos também verificar a influência das variáveis sociodemográficas
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Ernestina Silva, Catarina Garcia, Daniel Silva e João Duarte
e profissionais na cultura de segurança. Assim, constatamos que em relação
à idade dos enfermeiros os resultados apontam para níveis mais elevados de
cultura de segurança no grupo de enfermeiros com idade ≥38 anos, excetuando-se
as dimensões “Aprendizagem Organizacional - Melhoria Contínua”, “Feedback
e Comunicação Acerca do Erro”, e “Trabalho entre Unidades”, onde é o grupo de
enfermeiros com idade ≤31 anos que apresenta valores superiores de perceção da
cultura de segurança. Nas dimensões “Abertura na Comunicação” e “Frequência
da Notificação de Eventos”, verificamos que é o grupo de enfermeiros entre 32 e
37 anos que evidencia perceção superior da cultura de segurança.
As diferenças encontradas apresentam significância estatística para a
dimensão “Aprendizagem Organizacional - Melhoria Contínua” (p= 0,021),
podendo afirmar-se que há relação entre a idade ≤31 anos e a perceção dos
enfermeiros sobre a cultura de segurança da criança hospitalizada para esta
dimensão. Estes resultados vão de encontro aos de Fernandes e Queirós (2011)
que evidenciam ser os enfermeiros mais novos os mais céticos relativamente à
cultura de segurança.
Em relação à variável habilitações académicas verificámos que os
enfermeiros com licenciatura apresentam níveis mais elevados de perceção
da cultura de segurança do doente, com exceção das dimensões “Trabalho em
Equipa”, “Aprendizagem Organizacional – Melhoria Contínua”, “Trabalho entre
Unidades”, “Profissionais” e “Resposta ao Erro não Punitiva”, onde é o grupo
de enfermeiros com mestrado que apontaram os valores mais elevados na escala
da cultura de segurança. Encontramos significância estatística para a dimensão
“Feedback e Comunicação Acerca do Erro” o que nos permite afirmar que existe
relação entre as habilitações académicas e a perceção dos enfermeiros sobre a
cultura de segurança da criança para esta dimensão (p= 0,031).
Para a variável experiência profissional, não foi encontrada significância
estatística para nenhuma das dimensões o que nos leva a afirmar que não
existe relação entre esta variável e a perceção dos enfermeiros sobre a cultura
de segurança da criança hospitalizada. No estudo de Peralta (2012), obteve-se
significância estatística para a dimensão “Apoio à Segurança do Doente pela
Gestão”, sendo os profissionais com menor experiência profissional os que
evidenciam melhor cultura de segurança, o que contrasta com o estudo de
Fernandes e Queirós (2011), que revela serem os menos experientes os mais
frágeis quanto à cultura de segurança.
Também não encontramos significância estatística para nenhuma das
dimensões relativamente à experiência na prestação de cuidados à criança, não
existindo relação entre esta variável e a perceção dos enfermeiros sobre a cultura
de segurança da criança hospitalizada.
Curiosamente, verificámos que os enfermeiros que não possuem formação
em segurança do doente e gestão do risco apresentam níveis mais elevados de
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perceção sobre a cultura de segurança do doente com exceção das dimensões
“Apoio à Segurança do Doente pela Gestão”, “Frequência da Notificação de
Eventos” e “Trabalho entre Unidades”, onde foram os enfermeiros com formação
na referida temática que evidenciaram níveis superiores de perceção sobre a
cultura de segurança, tendo sido encontrada significância estatística para a
dimensão “Perceções Gerais sobre a Segurança do Doente” (p= 0,033).
conclusão
A cultura de segurança e a qualidade dos cuidados de saúde encontram-se
intimamente relacionadas, sendo que o estudo sobre a cultura de segurança da
criança hospitalizada é um contributo para a melhoria dos padrões da qualidade
dos cuidados prestados.
Sendo os enfermeiros o grupo profissional mais numeroso a nível das
instituições hospitalares, é importante caraterizar a sua perceção acerca da
cultura de segurança para assim se proceder à identificação dos pontos fortes
e das oportunidades de melhoria, no sentido de se obter progressivamente
cuidados mais seguros e de melhor qualidade.
Neste estudo, os pontos fortes identificados foram as dimensões “Trabalho
em Equipa” com 81,6%, “Expectativas do Supervisor/Gestor e Ações que
Promovam a Segurança do Doente” (69,5%), “Aprendizagem Organizacional
- Melhoria Contínua” (62,3%) e “Feedback e Comunicação Acerca do Erro”
também com 62,3%. Contudo, apenas a dimensão “Trabalho em Equipa” se
revela uma fortaleza, sendo avaliada com mais de 75% de respostas positivas.
Quanto às outras três dimensões referidas, apesar da sua avaliação média não
atingir os 75%, alguns dos seus itens ultrapassam este valor, sendo considerados
também fortalezas.
Por outro lado, identificamos também as dimensões da cultura de segurança
que revelaram percentual de respostas positivas mais baixo, sendo portanto
oportunidades de melhoria e que são as seguintes: “Trabalho entre Unidades”
com 38,3%, “Apoio à Segurança do Doente pela Gestão” com 30,9%, “Resposta
ao Erro não Punitiva” com 25,5% e “Frequência da Notificação de Eventos” com
18,4% de respostas positivas. A nível destas dimensões constata-se a necessidade
de uma intervenção prioritária, no sentido de se alcançar uma melhoria da
cultura de segurança.
Verificamos que a dimensão “Frequência da Notificação de Eventos” é a
que apresenta piores resultados, estando em consonância com a reduzida taxa
de notificação de eventos/ocorrências nos últimos 12 meses, dado que apenas
4,4% dos enfermeiros referem ter realizado alguma notificação. Estes resultados
denotam a as fragilidades do sistema de notificação, ou seja, apenas são
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notificados uma reduzida parte dos que na realidade acontecem.
Na generalidade, os resultados obtidos com este estudo sugerem algumas
orientações no sentido de se melhorar a cultura de segurança a nível dos serviços
onde o mesmo foi realizado. Destacamos a necessidade de formação na área da
segurança do doente e gestão do risco e o desenvolvimento de estratégias que
progressivamente permitam uma mudança de paradigma, permitindo a passagem
da cultura da culpa onde a pessoa é o centro das atenções, sendo recriminada e
punida quando algo negativo acontece, para uma cultura de aprendizagem com
os erros, onde o erro passa a ser o foco de atenção com a finalidade de se poder
aprender com o mesmo e refletir sobre a situação sucedida para que no futuro
se evite a ocorrência desse mesmo erro. Deste modo será possível aumentar o
número de eventos/ocorrências adversas notificados e alcançar uma perspetiva
mais real das áreas que necessitam de intervenção e mudança.
Garantir a colaboração e uma comunicação eficaz entre os profissionais,
assegurando que todos perseguem o mesmo objetivo, ou seja, a segurança do
doente e a prestação de cuidados de saúde de qualidade, é também um aspeto
merecedor de atenção já que neste estudo a dimensão “Trabalho entre Unidades”
revelou uma percentagem de respostas positivas baixa, muito aquém do
desejável. Para a obtenção de melhores resultados é fundamental que ocorra o
envolvimento de todos, pois apenas com uma colaboração conjunta teremos uma
cultura de segurança mais enraizada e mais fortalecida.
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