Revista Eletrônica de Filosofia
Philosophy Eletronic Journal
ISSN 1809-8428
São Paulo: Centro de Estudos de Pragmatismo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Filosofia
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Disponível em http://www.pucsp.br/pragmatismo
Vol. 13, nº. 1, janeiro-junho, 2016, p.14-24
A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM EM JOHN DEWEY
Rodrigo Augusto de Souza
Universidade Federal do Paraná – UFPR
[email protected]
Resumo: Este artigo apresenta aspectos da concepção de linguagem no pensamento de John
Dewey (1859-1952). O pensador norte-americano defendeu uma compreensão da linguagem
baseada em perspectivas inovadoras para o seu tempo e que demonstra ser útil ainda em nossos
dias. A concepção de linguagem de Dewey será explicada por meio das noções de significação,
pensamento e comunicação. Dewey chegou ao entendimento de que o pensamento só é possível
nos limites da linguagem. Por outro lado, mostrou o pensamento como atividade distinta da
linguagem, mas que depende dela para a comunicação. Desse modo esses elementos se articulam
na concepção deweyana de linguagem. Entende-se sua compreensão da linguagem articulada com
essas noções, cujas nuances procura-se demonstrar por meio deste estudo.
Palavras-Chave: Linguagem. Pragmatismo. Comunicação. John Dewey.
THE CONCEPTION OF LANGUAGE IN JOHN DEWEY
Abstract: This paper presents aspects of language as they are conceived in John Dewey’s thoughts
(1859-1952). The American thinker defended a comprehension of language based on innovative
perspectives for his time, which are still useful in our days. Dewey’s conception of language will be
explained by means of notions such as significance, thought and communication. Dewey came to
understand that thought is only possible through the limits of language. On the other hand, he showed
that all thought processes are distinct from language, but that they depend on it for communication.
Thus these elements are connected in the Deweyan conception of language. His comprehension of
language is understood as linked with these notions, whose nouances this study seeks to
demonstrate.
Keywords: Language. Pragmatism. Communication. John Dewey.
* * *
Introdução
A preocupação com a linguagem foi uma característica marcante no
pensamento de John Dewey (1859-1952). Podemos afirmar que esse foi um
interesse fundamental dos pensadores norte-americanos ligados ao pragmatismo,
sobretudo, de Charles Peirce e sua semiótica. A teoria dos signos de Peirce operou
A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM EM JOHN DEWEY
uma verdadeira transformação no modo de se compreender a linguagem. Voltando
sua atenção à dimensão do significado da linguagem, a semiótica de Peirce teve
repercussão nos campos da lógica e, principalmente, no da comunicação. Essa foi
uma de suas grandes contribuições ao pragmatismo. Com John Dewey, a questão
do significado ganha novos contornos e peculiaridades. Dewey ampliou sua
compreensão também para a educação, a vida social e a comunicação.
Em nosso estudo, buscamos investigar no pensamento de Dewey a
concepção de linguagem com base em três noções: significação, pensamento e
comunicação. A questão da linguagem em Dewey também toca no tema da lógica e
do seu empenho na reconstrução das proposições lógicas. No pragmatismo de
Dewey, muitas vezes denominada como experimentalismo ou como
instrumentalismo, a noção de experiência ganha novas perspectivas. Cara à tradição
empírica, a dimensão da experiência passa a ser entendida em sua articulação com
a vida prática e cotidiana dos indivíduos e das comunidades humanas. Não está
apenas restrita ao âmbito do conhecimento, à maneira do empirismo de Bacon, nem
tampouco na forma de compreensão do positivismo de Comte em sua procura pelo
dado positivo e pelos fatos científicos. A experiência em Dewey significa algo
diretamente relacionado com o mundo da vida (que é ao mesmo tempo individual e
comunitária). A linguagem entraria aqui na forma da experiência compartilhada, por
isso mesmo ela tem uma dimensão social bastante arraigada. Falar ou dizer algo
significa agir sobre o mundo. Isso se aproxima da teoria dos atos de fala de John
Austin, ou seja, falar significa fazer coisas com as palavras. De modo simples, a
linguagem é uma forma de ação e transformação do mundo.
Uma dimensão mais complexa do pensamento de Dewey está na articulação
entre pensamento e linguagem. Pensar só é possível dentro dos limites e das
possibilidades da linguagem. Não é possível pensar fora da linguagem. Pensar é
recorrer a símbolos e significados, que são, por sua vez, construções linguísticas. A
formação da mente está condicionada pela linguagem, que é inerente aos grupos
humanos. Algo muito semelhante às ideias de Wittgenstein, com seus jogos de
linguagem. Certo tipo de mundo é projetado por meio da linguagem, que contempla
ao mesmo tempo o elemento verbal e não verbal. O pragmatismo da filosofia de
língua inglesa inseriu a linguagem nos ditames da pragmática. A preocupação com a
língua em uso, com os arranjos, ou para usar a palavra de Wittgenstein, com os
jogos inerentes aos diferentes usos da linguagem. Isso demonstra que a linguagem
não está fixada para sempre em códigos linguísticos seguros, à moda da linguística
estruturalista de Saussure. Mas ela passa por arranjos permanentes e contínuos. A
linguagem é algo vivo e que está em uso.
A respeito da comunicação, considera Dewey: “Tudo está diretamente
envolvido na existência do falar inteligível. Não é possível tal presença simultânea
de finalidade e de instrumentalidade em coisas enquanto puramente físicas – isto é,
com abstração da presença potencial em uma situação de comunicação. Todas as
coisas têm um aspecto [de?] comunicabilidade em potencial. Qualquer coisa
concebível pode entrar no discurso” (DEWEY, 1980, p. 38). A comunicação, na
perspectiva deweyana, leva em conta a dimensão do falar e do perceber. As coisas
apresentam-se aos indivíduos e aos grupos humanos como fenômenos, que são
percebidos, reconhecidos e experimentados. Isso tudo em uma dimensão lógica e
comunicacional que remete ao horizonte da significação e da definição das coisas. O
objeto precisa ultrapassar a sua dimensão física e chegar à inteligibilidade humana
de tal modo que faça sentido aos indivíduos.
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1 Linguagem, Signo e Significação
A questão da linguagem no pensamento de John Dewey leva em conta a
crítica do pragmatismo à ideia de representação. Em termos dos estudos da
linguagem, a pragmática diverge da representação. Quando nos referimos ao
pragmatismo linguístico, tratamos da língua em uso, na noção de representação
temos categorias construídas e fixadas por meio da linguagem. Aqui a pragmática
rompe com a ideia do pensamento ou da linguagem como forma de representação.
Muitas vezes a ideia foi compreendida como sinônimo da representação. Se
tomarmos como exemplo a dialética nocional de Hegel, temos uma evidência dessa
caracterização. Hegel utilizou-se da representação em sua filosofia. A expressão
própria do pensamento hegeliano: “Vorstellung-Begriff” (conceito-representação) faz
uso desta ideia. Encontramos também em Kant a utilização da ideia de
representação. Dewey, profundo conhecedor de ambos os pensadores alemães,
parece tomar outros pressupostos em sua análise da linguagem, mais próximos da
pragmática.
O tema da linguagem em Dewey relaciona-se também com a noção de
experiência, que, no pragmatismo, recebe conotações completamente diferentes do
empirismo tradicional de Bacon ou do Positivismo de Comte. Trata-se de experiência
de vida orientada pelo critério pragmático. “A origem empírica, o teste experimental,
e o prático uso das declarações da ciência são suficientes para indicar a
impossibilidade de conservação a qualquer divisão lógica fixada em decisões e
juízos universais como científicos, e individuais como práticos” (DEWEY, 1999, p.
30). Desse modo, Dewey uniu o pensamento empírico e a prática científica com
teste experimental à sua definição de experiência. O pensador norte-americano foi
enfático ao dizer que “a ciência é apenas o forjamento de instrumentos que tratam
com casos de experiências individuais – casos negociados, supondo que o indivíduo
é apenas o único e insubstituível como são aqueles casos da vida moral” (Ibidem).
A verdade, manifestada pela linguagem, não é um ser, mas um arranjo linguístico
temporário que serve aos indivíduos e suas respectivas comunidades (DEWEY,
1958, p. 161). O pensamento deweyano enfrentou o difícil problema da metafísica,
presente na ciência e, por sua vez, manifestado na linguagem.
Como sabemos, a questão da verdade encontra-se a um passo da metafísica,
seja ela presente nos âmbitos da linguagem, da teoria do conhecimento, da ciência
ou da moral. Essa tênue fronteira, mostra que Dewey defendeu uma verdade pósmetafísica, ou seja, ele não recorreu aos sistemas metafísicos para legitimar suas
ideias sobre linguagem, tampouco sobre a verdade. Por outro lado, o naturalismo
não foi cultuado como fonte da verdade ou mesmo da linguagem. Isso mostra a
formação hegeliana de Dewey, ou seja, o homem precisa ultrapassar o seu estado
de natureza, educar-se.
A linguagem, os signos e a significação vêm à existência não por
intenção ou desejo, e sim por excesso, como subprodutos, nos
gestos e no som. A história da linguagem é a história do uso feito
dessas ocorrências; um uso que é eventual tanto quanto memorável.
[...]. Se a simples existência de sons constituísse a linguagem, os
animais conversariam de modo mais sutil e fluente que o homem. No
entanto, tornam-se linguagem quando usados dentro de um contexto
de auxílio e direção mútuos. Apenas estes últimos são
fundamentalmente importantes quando se pretende considerar a
transformação dos gestos orgânicos e dos gritos em nomes, coisas
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com significação, ou seja, a origem da linguagem (DEWEY, 1980, p.
35).
Esse é um ponto controvertido no pensamento de John Dewey. Ao defender a
importância da direção e do auxílio na linguagem, o pensador norte-americano
acentuou um elemento muito importante da sua pedagogia, a saber: a educação
como direção. Recomendamos uma leitura atenta do capítulo 3 da obra Democracia
e Educação. Uma interpretação recorrente do pensamento de Dewey (1959b) é a
classificação de sua pedagogia como uma espécie de autoeducação e
autodidatismo. As ideias pedagógicas deweyanas foram entendidas, de modo
equivocado, como um espontaneísmo pedagógico. No entanto, o pensador deixou
muito claro que a educação é um processo de “direção, controle ou guia”, em vista
de “auxiliar por meio da cooperação, as aptidões dos indivíduos guiados”. Insistiu
que “direção exprime a função fundamental que, em um dos extremos, tende a
tornar-se um auxílio condutor e, no outro, em regulação e regra”. Dewey fez uma
observação: “em todos os casos deveremos cuidadosamente evitar uma significação
às vezes implícita no vocábulo governo e controle”. A questão da significação tem
uma dimensão social muito explícita: “regulação ou controle denota o processo pelo
qual ele [o aluno] é levado a subordinar seus impulsos naturais aos fins públicos ou
comuns” (p. Ibidem 25). Mais adiante, Dewey aborda especificamente o tema da
linguagem:
É a linguagem um caso desta relação de nossos atos com os de
outras pessoas tendo em vista uma situação comum. Daí a sua
inigualável significação como meio de direção social. Mas a
linguagem não seria esse instrumento eficaz se não se sobrelevasse
a usos mais grosseiros e tangíveis de meios materiais para a
consecução de resultados que constituem as suas bases. [...]
Quando as crianças vão para a escola já possuem juízo – têm
conhecimentos e aptidões para julgar, aos quais se pode recorrer por
meio do uso da linguagem (DEWEY, 1959b, p. 35).
Dewey mostrou a linguagem como instrumento da interação social entre os
indivíduos. A linguagem é necessária para a vida comum, ou seja, a associação, a
formação dos grupos ou comunidades humanas. Podemos compreender a
linguagem como um meio de direção social. Há também a dimensão da consecução
de resultados práticos e úteis aos indivíduos. De acordo com Dewey, a linguagem
não é atributo da escola, que por sua vez deveria ensiná-la às crianças. Ao
contrário, ela é inerente à vida. As crianças já fazem uso da linguagem quando
chegam à escola. A linguagem, portanto, é uma necessidade de vida, como a
educação também o é.
Para Dworkin, entender a linguagem em Dewey é uma tentativa de
compreender o modo que o pensador utilizou-se dela em sua obra. Trata-se de um
entendimento da linguagem de Dewey e de sua teoria da linguagem. O aspecto da
linguagem de Dewey revela a forma usada por ele na construção linguística de seus
textos e de suas narrativas. A ênfase volta-se para a escrita de Dewey, seus
artifícios no uso da linguagem em seus escritos e pensamento. Por sua vez, a sua
teoria da linguagem, refere-se ao modo como o pensador defendia o uso da
linguagem em suas ideias filosóficas e pedagógicas.
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A linguagem de Dewey, de fato, é o principal fator nos problemas
persistentes da medição dos efeitos do seu trabalho contra suas
intenções, e distinguindo os escritos da interpretação de seus
discípulos. Dewey escreveu mal. Seu estilo estava frequentemente
opaco, sua terminologia ambígua. Em seus escritos sobre problemas
técnicos da filosofia, isso é verdade que ele estava tentando
expressar raciocínio anti-dualista na linguagem tradicionalmente e
inerentemente dualista. Mas aí encontra-se uma das mais sérias
dificuldades de todo o seu trabalho. O problema de sua linguagem é
inextricável do problema de sua filosofia, independentemente das
infelicidades de seu estilo. [...] A linguagem de Dewey, se não sua
intenção, tem sido a causa de o indivíduo inquiridor a desaparecer na
situação, ou no grupo social, com somente um traço de propósito
para marcar sua existência (DWORKIN, 1999, p. 13).
Em seu famoso texto John Dewey: A Centennial Review (Uma Revisão do
Centenário), Martin Dworkin realizou uma análise da projeção da obra deweyana
decorridos 100 anos do seu nascimento, em 1959. Dworkin destacou o problema da
linguagem de Dewey e, ao mesmo tempo, a sua teoria da linguagem. Segundo o
autor, Dewey “escreveu mal”, tinha um estilo “opaco” e “ambíguo” (cf. Ibidem). De
fato, qualquer leitor da obra de Dewey poderá identificar um estilo de conciliação em
sua escrita. Fica muito evidente a afirmação de William James de que o
pragmatismo é um método de assentar disputas metafísicas. Sua narrativa está em
permanente negociação com posturas filosóficas antagônicas, opostas.
Por ser uma narrativa de conciliação, sua escrita evita posturas radicais e
diretas. Isso pode levar a uma interpretação de sua obra que tende a considerá-la
sob o prisma da imparcialidade, o que não é procedente. Dworkin reconheceu o
desafio de Dewey em usar uma linguagem radicalmente marcada pelo dualismo com
vistas a defender um pensamento antidualista. Por isso Dworkin está certo: o
problema da linguagem em Dewey remete ao problema fundamental da sua filosofia,
ou seja, superar os antagonismos que marcaram a história do pensamento ocidental
(cf. Ibidem).
Sobre o tema específico dos signos, o pensamento de Peirce foi fundamental
para o pragmatismo. De acordo com Bernstein, sua principal crítica foi destinada ao
cartesianismo que insistiu em um dualismo ontológico e na oposição entre signo e
pensamento. Peirce reconcilia com sua semiótica essas duas dimensões, formando
uma tríade entre linguagem, signo e pensamento. Vamos abordar mais adiante as
relações da linguagem com o pensamento. Dewey estudou esse assunto em sua
obra Como Pensamos, publicada em 1933. A respeito da crítica do pragmatismo ao
cartesianismo e sua incidência sobre a compreensão da linguagem, considera
Bernstein:
Os filósofos pragmatistas se rebelaram contra o cartesianismo que
afetava (ou, mais bem, se diria infectava) a filosofia moderna. Em
1868, Peirce escreveu uma série de artigos revolucionários nos quais
atacava com virulência o cartesianismo, ao que considerava como
um câncer da filosofia moderna. Sua pretensão era demolir em um
só golpe os principais temas implicados entre si no cartesianismo: a
dualidade ontológica entre alma e corpo; o individualismo subjetivo
implícito na apelação última à verificação pessoal direta; o método da
dúvida universal que supostamente conduz a verdades infalíveis; a
doutrina de que a linguagem e os signos são disfarces externos do
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pensamento; a doutrina de que o difuso é irreal e de que a
investigação filosófica consiste em conhecer de modo claro e distinto
uma realidade, e, finalmente de modo central, a doutrina de que
podemos separar-nos de nosso sistema de signos e ter um
conhecimento, direto e intuitivo, dos objetos. Peirce buscou uma
perspectiva filosófica compreensiva que desafiasse a tradição
cartesiana – uma perspectiva que pusesse o acento na primazia da
“comunidade de investigadores”. Existe uma conexão íntima entre os
conceitos da comunidade, o real e a verdade (BERNSTEIN, 2010, p.
165).
No âmbito dos autores brasileiros, destaca-se o trabalho de Santaella (2004),
intitulado O Método Anticartesiano de C. S. Peirce. Sua preocupação fundamental
está na semiótica e nos processos comunicacionais. No capítulo A desconstrução do
cartesianismo, há uma especial discussão não só sobre as críticas de Peirce contra
as ideias de Descartes, como também do cartesianismo como corrente filosófica. De
acordo com a autora: “A rejeição ao cartesianismo não foi um ponto de partida
leviano e desprositado, mas uma consequência de sua busca [de Peirce] por uma
fundamentação epistêmica mais adequada e apropriada aos desafios para os quais
as ciências, na segunda metade do século passado, já estavam apontando” (p. 32).
A crítica principal de Peirce se concentrou na “ação mental intuitiva”, própria do
cartesianismo. A resistência dos pragmatistas ao “conceito de intuição” levaria ao
surgimento da semiótica. Por outras palavras, o esforço de Peirce concentrou-se na
desconstrução da “mente cartesiana” (p. 34). Uma reflexão mais detalhada
demandaria um aprofundamento maior na noção de intuição do cartesianismo, o que
se distancia do objetivo do nosso estudo. Esse processo de desmanche da mente
cartesiana também foi operado pela psicologia e pelos estudos do inconsciente da
psicanálise de Freud e Jung. A respeito da aproximação de Dewey com as ideias de
Peirce, Bernstein tem a esclarecer:
Quando Peirce ensinava em Johns Hopkins pela época em que
Dewey estava estudando seu doutorado, não foi uma influência
direta nesse momento. Nesse período, Dewey estava cativado pelos
mistérios de Hegel. Não obstante, à medida que o pensamento de
Dewey foi desenvolvendo-se, se aproximou cada vez mais ao
espírito da filosofia de Peirce. A ênfase no social e na comunidade,
central na perspectiva de Peirce e pedra angular na filosofia de
Royce, promoveu uma torção na filosofia de Dewey (BERNSTEIN,
2010, p. 166).
Desse modo, a linguagem em Dewey, ao valer-se das noções de signo e
significação, mostra um estreito vínculo social e comunitário. Ela não apenas
favorece a comunicação, mas também evidencia uma dimensão política, pois
permite associação entre os indivíduos no serviço da vida democrática. Aqui o
pensador norte-americano parece distanciar-se das ideias de Hegel, ao defender
que a linguagem precisa ter uma “ordem gramatical encarnada” (DEWEY, 1980, p.
33). Os críticos da dialética de Hegel insistem na tese de que sua teoria consiste em
um jogo de ideias desencarnadas, por exemplo. Marx afirmou que o hegelianismo
desfigurou a dialética, transformando-a em um espiritualismo. O contato de Dewey
com a semiótica de Peirce levou-o a uma preocupação com a questão da
linguagem.
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2 Linguagem e Pensamento
O nosso intento nessa parte do trabalho é estudar a relação entre linguagem
e pensamento, especialmente no capítulo 16 da obra Como Pensamos, de 1933. Em
sua reflexão, Dewey defendeu a ideia da linguagem como instrumento do ato de
pensar. A ênfase de Dewey na dimensão do pensamento evidencia sua formação
hegeliana, que ele tentou conciliar com a filosofia empírica. Nessa mesma obra, o
autor analisou a importância das ideias no “treino” do pensamento. Dewey (1959a)
afirmou que a relação entre linguagem e pensamento consiste em um verdadeiro
problema, tanto no plano filosófico quanto no educacional. Tentou demonstrar o
pensamento nos limites da linguagem.
O próprio termo “lógico”, derivado da palavra logos, significa,
indiferentemente, palavra ou linguagem e pensamento ou razão.
Entretanto, a expressão “palavras, palavras, palavras” indica secura
mental, pseudo-pensamento. [...] A convicção de que a linguagem é
necessária (ou mesmo idêntica) ao pensamento é contrariada pela
ideia de que ela desvirtua e mascara o pensamento. Eis um
verdadeiro problema. Existem três pontos de vista típicos, quanto à
relação entre pensamento e linguagem: primeiro, que os dois se
equivalem; segundo, que as palavras são o revestimento, a
indumentária do pensamento, necessárias, não para o próprio
pensar, mas para comunicar o pensamento; e terceiro (ponto de vista
que adotamos), que, embora a linguagem não seja o pensamento, é
necessária ao pensamento e à comunicação (DEWEY, 1959a., p.
227).
Dewey partiu da definição etimológica da palavra lógica, buscando suas
origens na língua grega, para demonstrar a reunião em uma mesma expressão de
duas dimensões aparentemente antagônicas: linguagem e pensamento ou palavra e
razão. Por sua vez, evitou o palavrório da secura mental e do pseudopensamento.
Aqui caberia uma ressalva para lembrar as críticas deweyanas à escola tradicional,
por insistir num verbalismo estéril. Para William James: “Tantas disputas em filosofia
giram em torno de palavras e ideias mal definidas, afirmando cada lado que a sua
própria palavra ou ideia é verdadeira, que qualquer método aceito de tornar
significações claras deve ser de grande utilidade” (JAMES, 1943, p. 18). A palavra,
produto da linguagem, pode ou não expressar o pensamento; esse é o problema a
que Dewey se refere. Muitos embates no campo das ideias giram em torno das
palavras. Por isso, para James, é preciso submeter os debates à regra pragmática.
Dewey apresentou a complexidade do problema da relação entre linguagem e
pensamento. Sustenta duas posturas mais radicais: pensamento e linguagem se
equivalem e a linguagem mascara o pensamento. Por outro lado, a postura que ele
mesmo defende é a de que pensamento e linguagem não se equivalem, mas que
ambos são necessários à comunicação.
Para Dewey (1959a, p. 228-229), a linguagem, como já sinalizamos, não se
reduz ao elemento verbal, às palavras orais ou escritas. Ela também contempla
“gestos, figuras, monumentos, imagens visuais, movimento dos dedos – tudo que
seja empregado, intencional e artificialmente, como sinal é, logicamente, linguagem”
(cf. Ibidem). Ainda insistiu Dewey que “o pensamento não trabalha com meras
coisas, mas com seus significados” (cf. Ibidem). Sobre a compreensão das coisas
entendeu: “Privadas de seu sentido, as coisas não passam de estímulos cegos,
coisas brutas ou fontes casuais de prazer ou dor” (cf. Ibidem). Os significados são
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A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM EM JOHN DEWEY
expressos por meio de coisas físicas que fixam e transmitem o seu conteúdo, “são
os símbolos”. Aqui Dewey demonstra claramente seu vínculo com a semiótica de
Peirce. Pensar é recorrer à linguagem, aos significados e aos símbolos que lhes
correspondem. “Quando vemos um sinal, não nos importa como seja em si mesmo,
mas importa-nos tudo que significa e representa” (DEWEY, 1959a. p. 228-229). A
respeito do símbolo esclareceu Dewey: “Um símbolo é, como todo instrumento, todo
utensílio artificial, projetado para fim de transmitir um significado” (DEWEY, 1959a.
p. 228-229). Desse modo, a linguagem seria a dimensão simbólica do pensamento,
ou, em outros termos, o pensamento traduzido em símbolos, favorecendo a
comunicação e a associação entre as pessoas. A linguagem tem uma função
representativa, segundo as ideias deweyanas.
A palavra, para Dewey tem uma tríplice função; ela é apresentada como:
cerca, rótulo e veículo. O entendimento da palavra como cerca mostra a sua
referência a algo real e concreto. Do contrário, o seu significado seria “obscuro e
vago”. Afirmou Dewey (1959a): “A alegria das crianças quando perguntam e
aprendem os nomes de tudo que as cerca mostra que, para elas, as significações se
estão tornando entidades concretas e que as relações com as coisas estão
passando do plano físico para o plano intelectual” (p. 230). Na linguagem temos a
conjugação desses dois planos: físico (ou natural) e intelectual. Para Dewey, dar
nome a alguma coisa é significá-la, isto é, outorgar-lhe um título, honrá-la. Por isso,
a coisa como simplesmente objeto físico e natural não consegue ser um instrumento
de comunicação. O segundo elemento da palavra é compreendê-la como rótulo, ou
seja, essa é a dimensão da “significação que foi fixada por um sinal linguístico que
se conserva para uso futuro” (p. 231). Lembrou Dewey que “muitas vezes, as
palavras corrompem e alteram os significados que se supõe deveria conservar
intactos; o risco de infecção é, porém, o preço pago por todo ser vivo que tem o
privilégio de viver” (p. 231). Quanto à ideia da palavra como veículo, esse seria o
aspecto do novo contexto de uso e da transferência. “As formas verbais são, para
nós, o grande serviço de transporte, veículos de boa marcha, que carreiam as
significações das experiências que já não mais conosco se relacionam, para as que
ainda são obscuras e dúbias” (p. 232). A palavra seria o elo com o tempo, inclusive,
promovendo a relação entre passado, presente e futuro.
Dewey apontou para a relação entre as palavras e as sentenças, mostrando
assim o aspecto lógico da linguagem. A significação pode ser compreendida como
conceito ou noção. Aqui o foco está na ideia ou na dimensão racional, mais um
indício da formação hegeliana de Dewey. “A gramática exprime a lógica popular
inconsciente. As principais classificações que constituem o capital ativo de nossos
pensamentos foram estabelecidas para nós, por nossa língua materna” (p. 232). A
relação da linguagem com a educação no pensamento de Dewey mereceria um
estudo à parte. No entanto, vamos apresentar apenas alguns elementos resumidos
que nos permitam entender a complexidade da articulação dessas duas dimensões.
Segundo as ideias deweyanas, houve historicamente um “abuso dos métodos
verbais na educação”. Lembrou William James que: “Reações verbais, apesar de
úteis, são insuficientes” (JAMES, 1943, p. 157).
Para Dewey, “tanto crianças como adultos são capazes de empregar até
fórmulas verbalmente precisas, sem entender o sentido delas, senão vaga e
confusamente” (DEWEY, 1959a. p. 234). Só a palavra não é suficiente para o
processo educativo; é preciso abranger também a dimensão do significado. “Uma
palavra é um instrumento que serve para pensar na significação que ela traz” (p.
235). Ainda segundo Dewey, há um problema: “Como transformar a linguagem
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habitual em instrumento intelectual?” (p. 236). Nesse ponto, Dewey procura reunir a
linguagem habitual, que, segundo ele, está plena da vivacidade da língua materna,
com o elemento intelectual. Desse modo, o homem não fica apenas restrito ao uso
cotidiano da linguagem, no plano natural ou espontâneo, mas também é capaz de
pensá-lo, conduzindo-o à dimensão intelectual.
3 Linguagem e Comunicação
Como já apresentamos, para Dewey, a linguagem é um instrumento a serviço
do pensamento e da comunicação. O plano da comunicação é propriamente aquele
que atinge a vida social e política. Dewey também tratou do discurso, embora essa
não tenha sido uma preocupação central de seus estudos. No entanto, a expressão
discurso aparece em seus escritos, sobretudo, em Experiência e Natureza, de 1925.
Há uma diferença substantiva entre linguagem e discurso. A preocupação com o
efeito de sentido é uma marca do discurso. Por sua vez, a linguagem leva em conta
o aspecto da significação, da sintaxe e da semântica. Para Bakhtin (2009), há um
abismo entre o discurso e a sintaxe. Cabe ressaltar que, para Dewey, a língua
materna tem uma função importantíssima na linguagem. O pensador norteamericano defendeu o uso da língua materna de modo enfático. Essa expressão é
recorrente quando Dewey trata do tema da linguagem. Isso nos fornece argumentos
para sustentar a figura de Dewey como intelectual orgânico, na acepção de Gramsci
(2006). A linguagem de acordo com o pensamento deweyano não é algo estanque,
mas progride e evolui.
Na história da linguagem, encontramos dois aspectos do
desenvolvimento do vocabulário na evolução das palavras: algumas,
tomadas no princípio em sentido lato, adquiriram com o tempo,
acepção restrita, para designar modalidades da significação; outras
cujo sentido era, no começo, específico, tiveram-no depois ampliado,
a exprimir relações. O termo vernáculo, que agora significa “língua
materna”, provém da generalização da palavra verna, que significa
um escravo nascido na casa do seu senhor. A palavra publicação
agora significa “comunicação pela imprensa”, mas antigamente se
aplicava a todas as espécies de comunicações (DEWEY, 1959a., p.
240).
Alguns elementos são fundamentais na caracterização da relação entre
linguagem e comunicação operada por Dewey: a importância do vernáculo, agora
chamado de língua materna, e a publicação, entendida como comunicação pela
imprensa. Dewey já observara de modo bastante claro a evolução da linguagem no
século XX, ao perceber a importância da língua materna para os processos
comunicacionais. O mesmo pode ser dito em relação aos aspectos sociais e
culturais, uma vez que a língua-mãe procura salvaguardar a legitimidade da
identidade cultural e étnica de um povo. Segundo Dewey, a comunicação ficou
reduzida ao mundo da imprensa, embora no passado ela estivesse circunscrita a
uma gama muito maior de possibilidades. Aqui temos a importância da imprensa
como modo de veiculação dos discursos estabelecidos.
Parece-nos que, segundo as ideias deweyanas, a imprensa teria limitado o
horizonte de possibilidades da linguagem. O surgimento da indústria cultural, das
grandes empresas de comunicação transformou a imprensa em um negócio. Dewey
comparou a linguagem ao dinheiro, por possibilitar as trocas culturais e as
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A CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM EM JOHN DEWEY
comunicacionais entre as pessoas. A linguagem tem sua função natural que é
permitir a associação humana.
As palavras estão para o falar como as moedas para o dinheiro.
Ouro, prata e as instrumentalidades do crédito são, primeiramente,
coisas físicas, com suas próprias qualidades inatas e finais, não o
dinheiro. Mas enquanto dinheiro, são substitutos, representantes, e
incorporam a si relações. O dinheiro, enquanto substituto, não
apenas facilita a troca das utilidades existentes antes de seu uso,
mas também revoluciona a produção e o consumo de todas as
utilidades, porque traz à existência novas transações, criando novas
histórias e acontecimentos. A troca a partir do dinheiro não é um
evento que possa ser isolado. Representa a emergência da produção
e do consumo em um novo meio e em novo contexto, onde adquirem
novas prioridades (DEWEY, 1980, p. 33).
Uma comparação com Pierre Bourdieu pode ser realizada aqui, se não no
plano histórico, ao menos no lógico e no especulativo. Embora Dewey tenha
afirmado que a linguagem não é uma simples agência de economia de “energia” na
interação entre os seres humanos, podemos compará-lo, considerando as evidentes
diferenças, com as reflexões de Bourdieu sobre a linguagem. Para o pensador
francês, a linguagem supõe uma economia linguística, que ele compara à indústria
cultural (BOURDIEU, 2008, p. 48). A linguagem possibilita trocas culturais,
linguísticas e promove determinados vínculos sociais. Quando Dewey compara a
linguagem com o dinheiro, isso nos chama atenção. A palavra está para a linguagem
assim como a moeda está para o dinheiro, ou seja, permite não só trocas culturais,
mas também (e principalmente) sociais e econômicas.
Para Dewey (1980), a comunicação visa expressar os significados por meio
da linguagem. Afirmou: “A comunicação é consumatória tanto quanto instrumental. É
um meio de estabelecer cooperação, dominação e ordem” (p. 50). Esses três
elementos pontuados por Dewey na compreensão da comunicação têm uma grande
importância: a cooperação, a dominação e a ordem. A dimensão da cooperação é o
âmbito da experiência compartilhada. Por sua vez, a dominação mostra que a
comunicação pode servir para subjugar as pessoas. O aspecto da ordem visa
promover a associação entre as pessoas, ou seja, impulsionar um determinado tipo
de vínculo social. “A comunicação e seus objetos afins são objetos dignos de
veneração, admiração e legítima apreciação. São valiosos enquanto meios, pois são
os únicos meios que tornam a vida rica e variada em significados. São preciosos
como fins, pois em tais fins o homem é libertado do seu isolamento imediato e
participa da comunhão dos significados” (p. 51). Segundo Dewey, a comunicação
deve ser “livre e completa” e favorecer “a posse da significação das coisas”. Por
outro lado, a comunicação pode ser também um agente corruptor, quando não
favorece o pensamento e nem a atitude crítica diante da vida.
Conclusão
Por meio desse estudo procuramos demonstrar algumas reflexões sobre a
concepção de linguagem no pensamento de John Dewey. Tal questão se torna
complexa devido a vasta produção intelectual deweyana. Consideramos os aspectos
da significação, do pensamento e da comunicação como elementos centrais na
compreensão da linguagem em Dewey.
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Rodrigo Augusto de Souza
Ao fundamentar-se nas noções de signo e significação, muito utilizadas no
pragmatismo norte-americano, principalmente com Charles Peirce, evidenciamos o
vínculo de Dewey com pensadores da sua época e de seu contexto. A semiótica de
Peirce trouxe importantes contribuições para a compreensão da linguagem fundada
em novas perspectivas. Dewey utilizou-se de algumas dessas ideias para forjar sua
concepção de linguagem.
As noções de signo e significação procuram evitar a teoria de inspiração
cartesiana, sustentada na linguagem como o invólucro ou a indumentária do
pensamento. Dewey identificou as dificuldades concernentes à relação entre
linguagem e pensamento. Chegou ao entendimento de que o pensamento só é
possível nos limites da linguagem. Por outro lado, mostrou o pensamento como
atividade distinta da linguagem, mas dela dependente para a comunicação. Desse
modo, esses elementos se articulam na concepção deweyana de linguagem.
* * *
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