ClíniCa do trauma e narrativa do sofrimento
http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1330
César Pessoa PimentelH
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
resumo
Pretende-se analisar o nexo entre trauma e narração. Nos concentraremos no
arco histórico que liga a categoria de “síndrome do sobrevivente”, popular
na década de 1960, até o reconhecimento da categoria de “Transtorno de
Estresse pós-traumático” em 1980. O tema é analisado pela leitura de autores
contemporâneos ligados à genealogia foucaultiana, como Ruth Leys, Ian
Hacking e Paulo Vaz. Conclui-se que essa nova concepção do trauma modifica
a relação entre trauma e narração, fazendo com que a experiência traumática
seja destacada em narrativas midiáticas, literárias e cinematográficas como
evidência de atrocidades externas e independentes do sujeito. Em outros termos,
tendem a realçar a fragilidade humana.
Palavras-chave: trauma; síndrome do sobrevivente; narrativa; subjetividade.
CliniC of trauma and narrative of suffer
abstraCt
It is intended to analyze the link between trauma and narration. We will focus on
the historic arch that connects the category of “survivor syndrome”, popular in
the 1960s, to a recognition of the category of “Posttraumatic Stress Disorder”
in 1980’s. The theme is analyzed by reading contemporary authors linked to
Foucault’s genealogy, as Ruth Leys, Ian Hacking and Paulo Vaz. It is concluded
that this new conception of trauma modifies the relationship between trauma and
narrative, making the traumatic experience is highlighted in media, literary and
cinematic narratives as evidence of atrocities external and independent of the
subject. In other words, tend to emphasize human frailty.
Keywords: trauma; survivor syndrome; narrative; subjectivity.
H
Endereço para correspondência: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Reitoria, Centro de
Filosofia e Ciências Humanas. Avenina Pasteur, 250 – Urca. 22290240 - Rio de Janeiro, RJ –
Brasil. E-mail:
[email protected]
César Pessoa Pimentel
O objetivo do artigo é analisar as implicações de uma certa concepção de
trauma psicológico, elaborada dentro da clínica psiquiátrica norte-americana, sobre a narração do sofrimento de indivíduos e coletividades. Nos concentraremos
no arco histórico que liga a categoria de “síndrome do sobrevivente”, elaborada
pelo psiquiatra Robert Jay Lifton (2005) na década de 1960, até a inclusão da
categoria de “Transtorno de Estresse pós-traumático” em 1980 no manual de psiquiatria americana DSM-III (APA, 1980).
Embora o campo estético não seja visado diretamente, é inevitável que
o tema da narrativa conduza a experiência estéticas que buscam dar sentido ao
sofrimento traumático, sejam estas literárias, advindas das artes plásticas ou do
cinema. Por outro lado, a sintomatologia da experiência traumática é cercada de
metáforas sobre imagens visuais que inundam o aparato psíquico (HACKING,
2000). De acordo com o psicanalista Ernst Simmel (apud SELIGMANN-SILVA,
2009, p. 1), a técnica de produção de imagens se assemelha à experiência traumática, que seria “uma estampa fotograficamente exata”
Conceituamos “trauma psicológico” no sentido empregado pelo filósofo
Ian Hacking (2009). Não se trata de uma realidade inscrita desde sempre na natureza humana, mas de um tipo de enunciado sobre essa natureza capaz de modificar as ações e o significado que os indivíduos constroem sobre seu sofrimento.
Isso não significa dizer que antes do surgimento do termo, pessoas não sofressem
e apresentassem sintomas tais como os descritos posteriormente pela psicanálise,
psicologia do desenvolvimento e psiquiatria. No entanto, a reunião desses sintomas, a explicação sobre sua origem e as possibilidades de modificá-los é própria a
um momento recente da História das sociedades industriais, podendo ser recuada
ao século XIX (HACKING, 2000; 2009). Quando isso é realizado dentro da clínica, os indivíduos passam a ser categorizados de diversas formas: responsáveis
ou não pelos seus atos, simuladores ou enfermos, as mais lúcidas das testemunhas
ou as mais atordoadas (FASSIN; RECHTMAN, 2009).
Nesse sentido, a clínica do trauma dentro do presente recorte histórico é
visada como condição de possibilidade para a emergência de uma figura da subjetividade: a vítima de situações desumanas na qual permanece um resto de humanidade. No período compreendido pela invenção e uso das categorias de “Síndrome
do sobrevivente” e “Transtorno pós-traumático”, essa testemunha, conforme veremos, na medida em que se torna cada vez mais fidedigna e habilitada para narrar
se torna cada vez mais passiva frente a acontecimentos disruptivos.1
A hipótese com que iremos trabalhar, baseada nos trabalhos de Ian Hacking (2000), Ruth Leys (2008), Fassin e Rechtman (2009) e Paulo Vaz (2011),
estabelece o encontro da clínica americana do trauma e movimentos sociais entre
as décadas de 1960 e 1980 como condição de possibilidade para uma mudança
fundamental no nexo entre trauma e narração. A crítica literária Beatriz Sarlo
(2006) que aborda o mesmo tema no campo das ditaduras latino-americanas, sublinha que antes da Segunda Guerra, a dificuldade em narrar eventos traumáticos
aparece frequentemente realçada em textos como “O narrador” de Walter Benjamin. Benjamin (2008) afirma que após a Primeira Guerra os homens voltaram
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silenciosos, sem muito a dizer sobre o que viveram, apesar da intensidade dos
acontecimentos ao seu redor. Da década de 1960 em diante, a relação entre trauma e narração se reconfigura: não importa se a memória traumática é nebulosa, os
que sobrevivem a condições limite serão testemunhas do inacreditável. Portanto,
o silêncio deve ser rompido. Tentaremos mostrar que boa parte dessa reconfiguração toma impulso a partir da clínica psiquiátrica norte-americana do trauma, da
qual Robert Lifton (2005) é importante representante. O autor, entrevistou e registrou os sobreviventes de Hiroshima, ao final teorizando sobre a culpa da vítima
como sintoma de ocorrência de situações de extrema violência.
Dessa interpretação clínica e outras que a seguirão, sobreveio uma importância dada à memória, narração e ao trauma em campos geográficos e temas muito mais amplos do que os originais. Como apontam Fassin e Rechtman
(2009), a partir da publicação do DSM-III, a noção de trauma se generaliza, sendo aplicada hoje a situações que atravessam as fronteiras entre natureza e cultura.
O evento traumático é necessário para o diagnóstico, mas sua definição acolhe
eventos tanto intencionais, como abuso sexual e assassinato, como não intencionais, a exemplo de Tsunamis, enchentes e terremotos.
Segundo a linha de investigação dos autores citados, inspirada nos trabalhos genealógicos de Michel Foucault, quando um modo de explicar o comportamento humano é muito bem sucedido no presente, seu passado é esquecido.
Quando o trauma se generaliza a tal ponto que eventos de caráter tão diverso
são etiologicamente equiparados, cabe questionar por sua origem histórica direcionando a reflexão crítica para o tema ancestral, mas segundo a filósofa Susan
Neiman (2009), incontornável que é o sofrimento humano.
1-trauma e narração
A ligação entre o ato de narrar e a experiência traumática pode ser remontada ao século XIX. O filósofo Ian Hacking (2000) aponta que Pierre Janet e Freud
empregaram métodos psicoterapêuticos com finalidade de trazer à tona eventos
esquecidos porque experimentados com perturbadora intensidade. Apesar de explicitamente rivais na explicação do funcionamento psíquico, ambos usaram a
hipnose para tratar condições patológicas etiologicamente ligadas a certos conteúdos mentais relacionados a quadros com sintomas histéricos. Freud, ainda no
final do século XIX, propôs como método de cura a “ab-reação” que articulava,
hipnose e catarse afetiva, destacando que “é na palavra que o homem encontra
um substituto para ação” (FREUD apud LAPLANCHE; PONTALIS, 1980, p.
22). A ação referida seria aquela em que o indivíduo diante do horror despertado
por um acontecimento traumático não foi capaz de levar a cabo.
Segundo Lapalanche e Pontalis (1980), ainda nos primórdios da obra freudiana, se aventa a hipótese de que um acontecimento traumático possa ser inserido dentro de uma cadeia significativa sem o uso da hipnose, apenas por sua
associação com outras memórias. A narração do evento teria, portanto, o mesmo
efeito curativo da ab-reação. Com o amadurecimento da teoria da sexualidade,
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Melo e Ribeiro (2008) apontam o surgimento não apenas de uma, mas de diversas, teorias do trauma dentro própria da obra freudiana, que serão recuperadas e
revisadas por discípulos próximos, como Sandor Ferenczi e Douglas Winnicott.
Com a eclosão da Primeira Grande Guerra, o trauma foi tematizado também fora da clínica. O campo de batalha, orientado pela situação das trincheiras,
alarmes, disparos de bombas terrestres e aéreas desencadearia o que Walter Benjamin (2008) chamou de “pobreza da experiência”. O filósofo fala em dois tipos de
experiências: uma privada e somente acessível àquele que a vivencia e outra que
se dá no intercâmbio discursivo pela narração (BENJAMIN, 2000). As condições
ultra estimulantes da Guerra comprometeria a passagem da primeira para a segunda, processo essencial para tornar as sensações interiores em elementos psíquicos
estáveis. Ainda que a palavra não seja o único elemento que permita o compartilhamento de experiência, a arte de narrar, segundo Benjamin (2008), é um de seus
domínios mais desenvolvidos e importantes. É na ausência de estórias e histórias
sobre a Guerra, entre outros importantes fenômenos, que Benjamin (2008) encontra fundamento para seu diagnóstico da cultura moderna como espaço-tempo
veloz onde a informação circula de modo a obstruir a possibilidade de narrar.
Modry Eksteins (1991), historiador da Primeira Guerra mundial, afirma
que o ambiente da Guerra favorecia uma condição subjetiva de encapsulamento
e distanciamento do mundo. Pesquisando diversos relatos de soldados, o historiador encontrou mais descrições de estados emocionais de espanto e êxtase do
que propriamente narrativas sobre o exterior. Nesse sentido, o diagnóstico que o
psicanalista Sandor Ferenczi fez dos combatentes enfermos psiquicamente corresponderia à condição geral de todo combatente: “a libido recua do objeto para o
ego, aumentando o amor a si mesmo e reduzindo o amor objetal ao ponto da total
indiferença” (FERENCZI apud EKSTEINS, 1991, p. 273).
Indo ao encontro de Benjamin (2008), o historiador também nota a escassez de relatos escritos por combatentes que estiveram no front. Apesar disso, a
partir de 1918, algumas obras começam a ser publicadas, sobretudo na Alemanha,
retratando o conflito bélico como ocasião propícia a demonstrações de heroísmo.
Não eram exatamente relatos pessoais, mas descrições exemplares da situação de
guerra e dos valores que os combatentes deveriam exaltar, como honra, sacrifício
e patriotismo. O sofrimento do combatente era geralmente reconhecido por intelectuais, como foi o caso do escritor E. C. Cummings. Este autor, nota Ekstein,
expressa pessoal e publicamente sua desolação com os “grandes valores” quando
passa a assinar seu nome com letras minúsculas.
Segundo Eksteins (1991), um retrato bastante diverso, surge no ano de
1929, com a publicação do romance do ex-combatente Erich Maria Remarque,
“Nada de novo no front”. Refletindo sobre o absurdo das situações vivenciadas
pelos soldados, a obra aponta o panorama de inutilidade da guerra, a falta de perspectiva e sentido como a condição psicológica predominante. No mesmo ano, é
publicado uma obra que SeligmaNn-Silva (2009) considera inaugural do ponto
de vista historiográfico por se basear inteiramente nos testemunhos dos soldados:
Témoins de Jean Norton Cru.
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2) dois modelos de trauma
No entanto, para os antropólogos Didier Fassin e Richard Rechtman
(2009), as condições patológicas dos militares foram predominantemente veladas
ao público e seus relatos restritos à escuta psicoterapêutica.
Como ilustração, lembram que o cineasta John Huston finalizou uma trilogia de documentários sobre a Segunda Guerra com uma obra sobre a Mason
House, instituição situada em Long Island empregada para o tratamento de combatentes psiquicamente adoecidos. Finalizado em 1946, Let There Be Light teve
sua divulgação proibida por mais de 30 anos. Segundo os autores, mesmo dentro
da clínica psicanalítica do trauma desenvolvida durante a Segunda Guerra por autores como Sandor Ferenczi, Karl Abraham, Ernst Simmel e Victor Tausk, não se
considerava que a Guerra seria causa suficiente para a eclosão de sintomas neuróticos. Em geral, os quadros tratados não eram vistos como reflexo das situações-limite (que mais tarde, filmes como O franco atirador ou Platoon e, sobretudo,
Apocalypse Now irão sublinhar em relação à Guerra do Vietnã). Abraham (apud
FASSIN; RECHTMAN, 2009, p. 61-62) é bastante representativo dessa posição,
ao se referir aos “neuróticos de guerra” como indivíduos incapazes de sacrifício:
Na ocasião da guerra, esses homens são colocados sob
condições diferenciadas e sob cargas extraordinárias. Eles
devem estar preparados todo tempo para sacrificar-se
incondicionalmente em prol do bem comum. Isso envolve
renúncia a todos privilégios narcísicos. Indivíduos
saudáveis são capazes de inibir totalmente seu narcisismo.
Assim como são capazes de transferir seu amor, são
também capazes de sacrificar seu ego à comunidade.
Nesse aspecto aqueles predispostos à neurose ficam para
trás dos que apresentam boa.
Para a historiadora da ciência Ruth Leys (2008), a narração de experiências
traumática ganhará maior publicidade pelo jogo/ tensão entre dois modelos de
trauma. Para distinguir modelos de trauma, a autora parte de uma leitura da teoria
freudiana do trauma na qual a identificação é o processo psíquico de maior importância. A partir dessa interpretação, Leys frisa que existe uma perpétua tensão
entre um modelo mimético e outro anti-mimético. No modelo mimético, o trauma
é produzido por uma situação violenta a ponto de obstruir o processo de assimilação psíquica. Paralisado pelo espanto, o indivíduo permanece inteiramente dentro
da cena, sem conseguir o distanciamento suficiente entre sujeito e objeto, entre
interno e externo, para que possa representá-la.
Nessa condição, se experimentaria uma angústia ligada à sensação de não
mais existir. Então, o modelo mimético dirá que se regride a um estado de profundo desamparo, no qual ocorrerá um tipo de identificação bastante primitiva
próxima à imitação cega que se dá em estados hipnoides. Devido a esse estado
de diminuição de atividade psíquica, a cena não é assimilada plenamente, retornando sob a forma de comportamentos imitativos da cena originária, pesadelos
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ou então imagens repentinas que assaltam à consciência. O psicanalista Ernst
Simmel (apud SELIGMANN-SILVA, 2009, p. 1) tentou assim descrever o aspecto intrusivo das imagens traumáticas: “A luz do flash do terror cunha/estampa
uma impressão fotograficamente exata”. Pode-se dizer que a experiência não se
dá como memória. Ao contrário, se dá como percepção, como se estímulos exteriores estivessem naquela ocasião posterior imediatamente chegando ao aparelho
psíquico com intensidade esmagadora.
Aplicado a situações onde há violência provocada por agentes humanos,
esse modelo tende a desacreditar a narração de eventos traumáticos. Isto se explicaria pelo fato de o modelo mimético enfatizar um narrador psiquicamente
entretecido com seu agressor. Uma ilustração bastante curiosa, mas pertinente
é dada por Leys (2008) no campo do interrogatório sob tortura. Por exemplo,
até a década de 1960 a Agência americana de informações (CIA) produziu manuais que recomendavam o uso de hiper estimulação, voltados para a produção
de fadiga e desorientação, com a finalidade obter informações fidedignas em
condições de tortura. Posteriormente, o método é questionado porque a situação
de extremo desamparo induziria uma identificação com o agressor, tornando
qualquer informação dada como suspeita. Se o torturado se identificava com o
torturador, ele agiria para agradá-lo, relatando situações que não eram verdadeiras. Segundo Melo e Ribeiro (2006), esse modelo está igualmente presente
na obra de Ferenczi, sobretudo em seus estudos sobre abuso sexual. A criança
quando abusada sexualmente por um adulto em que confiava tende a negar o
acontecimento. Seu relato não seria, portanto, fidedigno em relação à situação
traumática. Caberia perfeitamente à clínica psicanalítica acolhê-lo, mas sua divulgação pública não teria sentido.
Tanto Leys (2008) quanto Fassin e Rechtman (2009) apontam uma mudança na relação entre trauma e narração lentamente instalada no período posterior à
Segunda Guerra Mundial. Usando a terminologia da autora, a tensão entre modelos de trauma se resolverá em direção ao modelo anti mimético. Nesse modelo,
o trauma também é compreendido pelo mecanismo de imitação, porém entendido de modo diferente. A experiência emocionalmente perturbadora é igualmente apontada na gênese das condições traumáticas, no entanto ela não dispara
um processo de imersão na cena, mas um alheamento totalmente em relação ao
acontecimento. Em outros termos, enquanto no outro modelo, o distanciamento
é insuficiente, neste, o distanciamento é excessivo. No modelo mimético, o indivíduo passa pela experiência apavorante de indistinção entre si e mundo externo,
no anti-mimético, há, forçando o contraste, a experiência absolutamente passiva
onde o indivíduo observa a si mesmo. Então, Leys (2008) conclui que a narração
da experiência traumática tende a ser validada nesse último modelo, pois sujeito e
objeto estão numa posição onde é possível haver a distância necessária ao conhecimento do exterior. Ainda que as memórias traumáticas possam ser consideradas
imensamente perturbadoras e extremamente fragmentadas, a atividade do evento
confrontada à passividade do sujeito abre terreno para um tipo de narrativa realista, por não se estar comprometido pela identificação com o agressor.
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Um quadro denominado “síndrome do sobrevivente” (que ganhará muita
força na década de 1960) une tanto traços de configuração anti-mimética quanto
de traços de configuração mimética (LEYS, 2008). Os estudos que levaram à
essa classificação surgem relacionados à situação psíquica do sobrevivente dos
campos de concentração. Segundo Fassin e Rechtman (2009), o psicanalista
Bruno Bettelheim publicou os primeiros escritos sobre o tema. Bettelheim vivenciou essa condição como ex-prisioneiro de Dachau e Buchenwald nos anos
1938-1939, conseguindo escapar e imigrar para os Estados Unidos, onde inicia
pesquisas sobre seus efeitos traumáticos. Nota com frequência um imenso e desolador sentimento de culpa entre os sobreviventes, que encaram sua sorte como
resultado do sacrifício da vida de outrem. A libertação dos campos de concentração ao invés de ser vivenciada como um retorno à vida, instala a dúvida quanto
ao próprio caráter e mérito por ter escapado ao destino de milhões. Na absoluta
aleatoriedade da morte, que se furta a qualquer explicação, a busca do sentido se
faz obrigação incontornável para o sobrevivente. O problemático é que tal aleatoriedade cancela a priori qualquer coerência narrativa (LIFTON, 2005)
Embora frise o impacto do evento exterior sobre um sujeito passivo, Bettelheim, segundo Leys (2008) ainda trabalha a partir do modelo mimético do
trauma. A sintomatologia típica da síndrome do sobrevivente seria uma culpa
atordoante e injustificada pelo destino diferenciado. A explicação desse sentimento se dava a partir da regressão a um estado de identificação com o agressor. Como resultado, a vítima experimenta um vínculo ambíguo de amor e ódio
pelo seu carrasco, enxergando a si mesmo com características alheias. Imagina-se
agressivo, ainda que imensamente desamparado. No momento seguinte, a violência que acredita possuir é inconscientemente voltada para seu interior Ao final, se
transforma em culpa, ou seja, é traduzida como ódio por si mesmo.
3- a CrítiCa à “síndrome do sobrevivente”
A teoria de Bettelheim será muito importante na clínica psiquiátrica do
trauma americana da década de 1970. Um dos principais autores a expandir sua
teoria para contextos distintos dos campos de concentração foi Robert Jay Lifton (2005), que realizou extensas pesquisas com os sobreviventes da bomba de
Hiroshima chegando a conclusões semelhantes. O autor, que em artigo recente afirmou que os americanos, todos sem exceção, devem ser considerados sobreviventes em virtude do atentado terrorista às torres gêmeas em 2001, buscou
também investigar os mecanismos comportamentais que favoreceriam a sobrevivência em situações-limite.
A partir dos estudos de Fassin e Rechtman (2009), Hacking (2000) e de
Leys (2008), pode-se dizer que a contribuição de Lifton para a predominância de
um modelo anti-mimético reside em duas instâncias. Em primeiro, por articular
em seus estudos os mecanismos intra-psíquicos com condições objetivas que acabam sendo melhor especificadas em seu funcionamento. As chamadas situações
limites estão ligadas, como igualmente sublinhou a filósofa Hannah Arendt, não
tanto à extensão dos assassinatos, mas à sua aleatoriedade, que as tornam imperFractal, Rev. Psicol., v. 26 – n. esp., p. 535-550, 2014
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meáveis a explicações racionais. Em segundo lugar, Lifton desenvolve pesquisas
a partir de entrevistas com sobreviventes, nas quais a expressão do sofrimento
está referida a acontecimentos coletivos e objetivos. O próprio sintoma de culpa
intensa é uma evidência de que o indivíduo vivenciou situações desumanizadoras
(FASSIN; RECHTMAN, 2009). Com Lifton, a clínica do trauma vai do sintoma
ao acontecimento, enquanto uma geração anterior realizava o movimento contrário, indo da Guerra ao, por exemplo, narcisismo.
Endossando a necessidade de se narrar publicamente vivências traumáticas, as demandas formuladas por movimentos sociais se funde ao tipo de abordagem empregado por Bettelheim e Lifton. Este último relata como foi procurado
por organizações de sobreviventes dos campos de concentração para expandir a
importância dos testemunhos, que já havia se destacado no julgamento de Eischman em Israel Enquanto no imediato pós-guerra, predominavam depoimentos
escritos como peças jurídicas usadas contra nazistas, esse julgamento foi marcado pela presença das vítimas e por relatos dentro do tribunal (VAZ, 2010).
Torna-se importante nesse momento, usar a memória contra a repetição do
passado (HACKING, 2000). O cineasta Uli Edel, no filme O grupo Baader-Meinhof, frisa a generalização do holocausto como modelo de exploração humana.
No relato do filme, fica claro que o grupo se configura inicialmente contra a Guerra do Vietnã entendendo-a como um segundo Holocausto.
Segundo Leys (2008), essa mesma geração se sente de tal forma impelida
a dar credibilidade aos depoimentos dos sobreviventes a ponto da própria categoria de “síndrome do sobrevivente” se tornar questionável. Nesse momento,
o modelo anti-mimético do trauma ganhará mais um terreno contra o modelo
mimético. O objetivo de várias críticas dirigidas à noção de “culpa do sobrevivente” é retirar todo e qualquer peso do indivíduo sobre seu sofrimento. Aquele
que foi poupado das máquinas de destruição do século XX não sofre pelo ódio
que dirige a si mesmo, mas simplesmente porque o fizeram sofrer. Qualquer
explicação que se demore muito em vetores intermediários entre o agressor e o
sofredor será considerada imoral por ampliar a dor da vítima (VAZ, 2010). Leys
(2008) cita a crítica de Terence De Pres dirigida diretamente a autores como
Lifton e Bettelheim: “Nós estamos em meio a uma conspiração do silêncio e
retiramos a autoridade do sobrevivente definindo-a pela culpa. Se ele é culpado,
talvez então seja verdade que as vítimas da atrocidade colaboraram para sua
própria destruição” (DE PRES apud LEYS, 2008, p. 62).
4- ClíniCa do trauma e movimentos soCiais
No cenário americano dois movimentos sociais em particular tiveram suas
trajetórias intensificadas pela clínica psiquiátrica do trauma (FASSIN; RECHTMAN, 2009). Primeiramente, na década de 1960, o movimento feminista se voltou fortemente para a temática do abuso sexual. Pela compreensão sócio-histórica
empregada, o índice superior de crianças do sexo feminino entre as vítimas estava
relacionada profundamente ao patriarcalismo da sociedade. Se o poder se concentrava em torno dos membros masculinos da família, a autoridade sobre bens e
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nas deliberações poderia facilmente deslizava para o corpo e sexualidade feminina. Reverter essa configuração histórica passaria pela denúncia pública do abuso,
dando voz à vítima. As feministas tiveram sucesso na mobilização de profissionais
clínicos como pediatras e radiologistas que eram capazes de mostrar as marcas
físicas da violência. Porém, esbarraram na questão de não haver provas objetivas
para as feridas invisíveis impressas no psiquismo das vítimas. Demonstrar essas
marcas também implicaria em revelar nexos causais entre passado e presente, já
que muito das vítimas de abuso infantil eram agora adultas (VAZ, 2010).
Como afirma Leys, jamais houve momento histórico em que um dos
modelos de trauma desaparecesse, estes sempre conviveram com diferentes
ênfases. Não basta, portanto, remontar às teorias psicológicas do trauma, é
preciso ampliar o escopo para os atores interessados em que uma das versões
se tornasse proeminente.
A demanda do movimento feminista encontrou na clínica psiquiátrica do
trauma bases clínicas para sua crítica social. Afirmar que as vítimas sofrem em
silêncio, que não se pronunciam porque se dividem entre a sua dor e o ponto de
vista do agressor, foi um mecanismo importante para superar o problema do hiato
temporal. O silêncio seria sinal do segredo. Por outro lado, o estudo de autores
como Lifton sobre as situações desumanizadoras, foram interessantes para o movimento em defesa dos ex-combatentes do Vietnã. Como já havia sido notado, ao
final da década de 1960, o Holocausto estava se tornando modelo de compreensão
para diversos tipos de regimes e situações totalitárias (FASSIN; RECHTMAN,
2009). A Guerra do Vietnã foi interpretada nessa chave não somente como massacre imposto aos vietnamitas, mas também em relação aos combatentes enviados
contra vontade própria. O estado americano deveria, então ser responsabilizado
pela morte e sofrimento de milhares de sobreviventes.
Neste momento, a clínica do trauma começou a se dirigir para outro fenômeno: a agressividade dos combatentes. Até então, o fenômeno majoritariamente
estudado estava ligado à vítima evidente de uma agressão, mas o algoz não tinha
ainda recebido a mesma atenção. As teorias se expandiram para os efeitos psicológicos de situações adversas sobre o comportamento de combatentes envolvidos
em extermínio de aldeias como May Lai. A partir de entrevistas, foi sugerido um
retrato bastante diferente do esperado. Esses militares teriam conduta e caráter
à prova de dúvida, criando vínculos profundos de solidariedade entre si. Ao ver
seus companheiros abatidos, eles reagiam exageradamente. Corroborava a hipótese, as entrevistas terem revelado que aqueles que se recusaram a participar dos
ataques aos vietnamitas não tinham vínculos grupais fortes.
Essa explicação estimulava a empatia dos não militares com os combatentes e,
a contraluz, depositava a responsabilidade pelo sofrimento coletivo no Estado americano, que passou a indenizar financeiramente os ex-combatentes traumatizados.
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5- estresse pós-traumátiCo e narração do sofrimento.
Um passo fundamental para que essa indenização se tornasse procedimento corrente foi dado pela força-tarefa psiquiátrica responsável pela elaboração
da terceira versão do DSM. Os principais responsáveis pelas pesquisas compartilhavam pelo menos duas ambições: dar fundamento clínico para que os ex-combatentes traumatizados pudessem ser financeiramente ressarcidos e criar um
sistema classificatório mais objetivo, centrado na descrição dos sintomas ao invés
de em sua explicação. Enquanto nas versões exteriores, predominava o vocabulário psicanalítico expresso no campo traumático como “neurose de guerra”, novas
nomenclaturas recobriram o campo.
Uma expressão desse esforço foi a inclusão do “Transtorno de Estresse
pós-traumático”, apontado em uma pesquisa extensa realizada em 1995 com
sendo a quinta enfermidade mental com maior prevalência nos Estados Unidos
(KESSLER, et al, 1995). No Brasil, tanto no campo emergente da psicologia
das emergências, há preocupações em se delimitar sua prevalência e tratamento
adequado (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2011), quanto estudos
de neuro-imagem que revelam modificações estruturais e funcionais em sistemas ligados às memórias emocionais (PERES, 2009). Pode-se notar demandas
para o desenvolvimento de pesquisas, usando-se argumentos ligados a alta taxa
de criminalidade urbana e óbitos por acidentes de trânsito (FIGUEIRA; MENDOWLICZ, 2003). Mas o que talvez seja mais interessante aqui destacar é que a
introdução do TEPT expandiu a compreensão do que se considera evento traumático e o papel desses eventos na eclosão dos sintomas.
São três tipos de critérios considerados: em primeiro, a experiência direta
ou indireta de um evento estressor; em segundo distúrbios da memória, como amnésia e hipermnésia e uma suscetibilidade exacerbada a estímulos que disparam
reações de fuga e enfrentamento, e terceiro, o evitar fóbico de situações que podem suscitar reações de alarme (GROHOL, 2014). O primeiro critério não apresenta uma definição precisa do que seria um evento estressor. Na primeira versão,
são mencionados acontecimentos súbitos e violentos, que incluem desde assaltos
até catástrofes naturais. Na segunda versão do TEPT, apresentada no DSM-IV na
década de 1990, incluem-se como critérios a resposta emocional aos acontecimentos. Deste modo, um evento relativamente banal, destaca o DSM-IV-R, como ser
informado sobre óbitos de parentes poderia ser incluído como evento estressor
desde que seja recebido com intensidade emocional. Na versão mais recente do
DSM, lançada em 2013, são retirados os aspectos subjetivos de resposta emocional e os critérios tornam-se novamente estritamente objetivos (GROHOL, 2014).
Trata-se de uma concepção do trauma anti-mimética, na medida em que
separa claramente um sujeito passivo e um evento disruptivo. A noção de culpa
do sobrevivente que ainda permanecia no DSM-III, tornou-se secundária em sua
revisão publicada em 1987 (LEYS, 2008). Embora, o escopo psicanalítico que
garantia um espaço para o processo de identificação tenha sido retirado, o DSM
em sua terceira versão em diante é considerada por Leys um modelo anti-mimético por separar etiologicamente sujeito e objeto. Como efeito, a narração do
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sofrimento traumático que já havia sido valorizada a partir do movimento feminista torna-se inteiramente habilitado, apesar das memórias traumáticas serem
tomadas como fragmentárias. Hacking (2000) nota que o retorno de imagens do
evento traumático é considerado uma prova da inscrição desse acontecimento no
psiquismo. Essa observação é validada em um caso de perícia psiquiátrica realizado no Brasil. O fato do demandante de indenização, um militar que participou
de operações militares na República Dominicana, ter relatado com clareza suas
memórias invalidou o diagnóstico de TEPT (MENDLOWICZ; BERGER, 2011).
Com a separação clara entre sujeito e evento traumático embutida na categoria de TEPT, as narrações de experiências traumáticas têm adquirido maior
credibilidade. O filósofo Paulo Vaz (2010), a partir de pesquisa extensa sobre a
narrativa midiática tanto em semanários impressos e telejornais, propõe que a
forma narrativa para o sofrimento traumático está ligada à compaixão. Hannah
Arendt (2001) estabelece uma diferença entre compaixão e piedade a fim de
apreender o posicionamento dos que não sofrem frente ao sofrimento alheio.
A compaixão tem na crucificação de Cristo seu protótipo; trata-se de uma exposição ou narração de um sofrimento único, fortemente individualizado. Já na
piedade, o sofrimento representado tem caráter exemplar, pois pretende ser a
representação de uma realidade coletiva.
Comentando a narração midiática das fortes chuvas que assolaram a região
de Angra dos Reis em 2010, o filósofo nota uma representação individualizada
do sofrimento, onde são relatados detalhes pessoais da vida das vítimas, seus
hobbies e vínculos afetivos e projetos inconclusos. As referências ao sofrimento
traumático aparecem tanto sob a forma de distúrbios da memória, como pesadelos, como invasão do passado no presente apagando a perspectiva de futuro. O
relato é feito a partir da perspectiva das vítimas frequentemente fotografadas em
expressões emocionais de desespero.
Há um efeito indiretamente terapêutico quando as notícias denunciam a
irresponsabilidade das autoridades, frisando sua inépcia na gestão de riscos. Visa-se que essa memória narrada e divulgada no espaço público impeça que novos
desastres ocorram. As entrevistas conduzidas pelo historiador Michael Pollak
(2010) com vítimas do Holocausto são mais diretamente articuladas à terapêutica. O autor afirma que é somente através desses depoimentos que a subjetividade
da vítima pode ser reconstruída. Criticando as teorias de Lifton e Bettelheim, o
historiador afirma que a experiência de condições desumanas afeta o psiquismo
sempre de modo individual e não há como determinar que a culpa é o que articula
a condição psíquica dos sobreviventes.
No terreno cinematográfico, o polêmico Shoah de Claude Lanzmann e o
mais recente A imagem que falta do cambojano Rithy Pahn apresentam características da forma compassiva de narração. O primeiro é um estudo pormenorizado da dificuldade de narrar o Holocausto, mas que insiste em sua possibilidade,
recolhendo testemunhos de sobreviventes. Com mais de nove horas de duração,
Shoah alterna silêncios com paisagens que nada mais aparentam do cenário destrutivo do passado. Diante desse enorme apagamento histórico que é mostrado,
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é enfatizada a importância do relato em primeira pessoa. Ainda que o acontecimento seja impossível de plena representação, a estrutura fragmentada do filme
busca ser fiel à forma ilógica, irracional do acontecimento. A impossibilidade de
representar não cancela a busca da representação, mas a move por caminhos não
lineares, não linearidade própria à experiência traumática.
A imagem que falta se refere ao genocídio conduzido pelo Kmher vermelho entre 1976-1979, que resultou na morte de aproximadamente dois milhões de
cambojanos. O autor vivenciou ainda no início da adolescência, os eventos que
busca resgatar a partir da narrativa cinematográfica. Essa recorre a um recurso
poético, usando pequenas miniaturas feitas de madeira para compor cenários de
uma memória nebulosa que vai ganhando seus contornos com o desenvolvimento
narrativo. Alternam-se essas imagens estáticas com cenas documentais produzidas
pelo regime totalitário com a finalidade de mostrar a adesão da população, que
apesar de apresentar movimento, se mostram extremamente automáticas. Curiosamente, as cenas estáticas formadas por cenários artesanais com peças de madeira
comparativamente aparentam mais vitalidade. Esse recurso é usado para dar conta
da ausência de registro imagético, bem como suplementar a memória com a atividade manual que resultou nos cenários estáticos. A memória é artesanalmente
forjada, sem que isso comprometa sua autenticidade. Pelo contrário, na narrativa
da compaixão, a memória pode ser criada e ser verdadeira ao mesmo tempo.
Considerações finais
O percurso aqui traçado envolve diversos atores sociais e teorias acerca do
trauma, resultando na predominância de um modelo anti-mimético. Tal modelo
enfatiza a fragilidade humana perante acontecimentos externos, permitindo a distância necessária para uma narração da experiência traumática.
Roger Luckhurst (2003) nota alguns paradoxos envolvidos nessa narração. Ao supor um “sujeito traumático”, a narração do sofrimento se dá a partir
da premissa de que esse sujeito é faltoso, impossível e fragmentado. O autor
diagnostica uma espécie de “traumatofilia” na extensa publicidade que alguns
relatos de experiências traumáticas adquirem. Seria fundamentalmente arriscado
articular trauma e narração em primeira pessoa, na medida em que a legitimação
do sofrimento das vítimas se dá a partir de um evento externo que encontra um
indivíduo passivo. Narrar de modo compassivo o sofrimento traumático recorre a
enunciados clínicos que descrevem a condição humana pelo sofrimento de emoções profundamente perturbadoras.
E, sobretudo, a etiologia vaga e ampla do TEPT expande a possibilidade
de sofrer a todo indivíduo. Na visão de Paulo Vaz (2010), essa etiologia contribui
para a formação de uma condição subjetiva vulnerável tão generalizada, ao ponto
de ser capaz de nos tornar vítimas virtuais.
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nota
1
Como observa Michael Rothberg (2000), existem diversos pesquisadores do Holocausto que
consideram-no inarrável, usando o argumento que o sujeito do Holocausto não é o sobrevivente,
mas os que foram exterminados. No entanto, pode-se dizer que ainda assim, essa linha teórica
costuma reconhecer que há verdade na memória dos sobreviventes, ainda que seja, como memória
traumática, fragmentada, de difícil acesso, fundamentalmente inacabada. Assim argumentam
documentários sobre o genocídio judeu como Shoah (“acidente” em hebraico) de Claude
Lanzmann (1985) ou o A imagem que falta, sobre o genocídio cambojano, de Rithy Panh (2013),
nos quais se frisa a impossibilidade de resgatar a totalidade do acontecimento.
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Recebido em: 02 de julho de 2014
Aceito em: 03 de setembro de 2014
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