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10.4322/rbcv.2020.011
Íleo paralítico em três bovinos: relato de caso*
Paralytic ileus in three cattle: case report
Lucas da Costa Dutra,** Luiz Teles Coutinho,** Carla Lopes de Mendonça,** Rodolfo José Cavalcanti Souto,**
Jobson Filipe de Paula Cajueiro,** Nivaldo de Azevêdo Costa,** José Augusto Bastos Afonso**
Resumo
O íleo paralítico é uma obstrução do tipo funcional, na qual o lúmen intestinal está patente, comprometendo a passagem da
ingesta no intestino. Este relato objetiva descrever três casos em vacas com aptidão leiteira, atendidos na rotina hospitalar e
diagnosticados com íleo paralítico. Em seus históricos, os proprietários queixavam-se que os animais apresentavam redução
do apetite, timpania ruminal, diminuição da produção de leite e eliminação das fezes. Ao exame físico, alguns sinais clínicos
apresentaram destaque, como apatia, desidratação, redução da motilidade ruminal e intestinal, fezes em pequena quantidade
e com muco, distensão do abdômen e ao balotamento constatou-se a presença de líquido. Na análise do fluido ruminal todos
os animais apresentaram o teor de cloreto elevado (>30 mEq/L), caracterizando, dessa forma, um processo obstrutivo. Diante
dos achados, suspeitou-se inicialmente de um quadro de obstrução intestinal. Nos casos, a conduta adotada foi realizar uma
laparotomia exploratória através do flanco direito, porém constatou-se, que não existia qualquer segmento com obstrução de
natureza mecânica, que justificasse as alterações físicas e laboratoriais encontradas. Diante destes resultados, configurou-se
um quadro clínico indicativo de íleo paralítico. As vacas foram submetidas a um protocolo terapêutico pós-cirúrgico composto por
antibioticoterapia, anti-inflamatório, cálcio, procinético e tratamento de suporte. Os animais manifestaram uma resposta favorável
a conduta terapêutica, com restabelecimento da função gastrointestinal e dos demais parâmetros fisiológicos, recebendo alta
após uma evolução clínica variando entre dez a doze dias.
Palavras-Chaves: Afecções intestinais, Distúrbio digestivo, Obstrução funcional, ruminante.
Abstract
Paralytic ileus is an obstruction of the functional type, in which the intestinal lumen is patent, compromising the passage of the
intake in the intestine. The objective of this study was to describe three cases in dairy cows treated in the hospital routine diagnosed
with paralytic ileus. In their histories, the owners complained that the animals presented reduced appetite, ruminal tympany,
decreased milk yield and elimination of faeces. At the physical examination, some clinical signs were prominent in both, such as
apathy, dehydration, reduction of ruminal and intestinal motility, faeces were present in small quantity and with mucus present,
abdominal enlargement and the succession produced sloshing sounds. In the analysis of the ruminal fluid, the chloride content in
both was high (>30 mEq/L), characterizing an obstructive process. In the face of the findings, a diagnosis of intestinal obstruction
was initially suspected. In animals, the adopted approach was to perform an exploratory laparotomy through the right flank, but it
was verified that there was no segment with mechanical obstruction that justified the physical and laboratorial alterations found. In
view of these results, a clinical diagnosis indicative of paralytic ileus was established. The three animals were submitted to a postsurgical therapeutic protocol consisting of antibiotic therapy, anti-inflammatory, calcium, pro-kinetic and supportive treatment. The
animals showed a favourable response to therapeutic treatment, with restoration of gastrointestinal function and other physiological
parameters, and was discharged after a clinical evolution ranging from ten to twelve days.
Keywords: Digestive disorder, functional obstruction, intestinal disorders, ruminant.
Introdução
As obstruções intestinais são condições nas quais afetam o
trânsito da ingesta através do trato intestinal, reduzindo ou
cessando totalmente o seu fluxo. Frequentemente, acomete
os bovinos de todas as idades, sendo capaz de levar à morte
caso não sejam instituídos o diagnóstico e o tratamento correto
(Constable et al., 2017). As obstruções podem ser classificadas
em físicas e funcionais. As físicas, nas quais são mais frequentes
em bovinos, se caracterizam por uma oclusão física do lúmen
intestinal, podendo esta oclusão ser de origem intraluminal ou
extraluminal, sendo as principais: fitobezoários, intussuscepção,
vólvulo, torção de mesentério, linfoma e linfossarcoma (Hussain
et al., 2015; Afonso, 2017; Constable at al., 2017). As obstruções
funcionais têm uma menor ocorrência, se caracterizando pelo
lúmen intestinal estar patente, porém não ocorre o trânsito da
ingesta devido a um problema funcional presente no intestino
Dentre estas, destaca-se a ocorrência do íleo paralítico, na qual
*Recebido em 11 de julho de 2018 e aceito em 30 de julho de 2020.
**Unidade Acadêmica de Garanhuns, Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, Garanhuns/PE.
R. bras. Ci. Vet., v. 27, n. 2, p.55-60, abr./jun. 2020
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vêm acometendo habitualmente vacas leiteiras, entretanto, a sua
etiopatogenia é pouco descrita na literatura (Pearson e Pinsent,
1977; Pradhan et al., 2016). A sintomatologia apresentada
pelos animais acometidos com íleo paralítico são comuns em
animais que apresentam algum tipo de transtorno gastrointestinal
obstrutivo, não apresentando sinais patognomônicos, consistindo
na maioria das vezes em apatia, inapetência/anorexia, redução
da motilidade ruminal, hipomotilidade ou atonia intestinal e
diminuição ou ausência das fezes, na qual pode evidenciar a
presença de muco (Francoz e Guard, 2014).
O objetivo deste relato é descrever os achados clínicos em três
bovinos acometidos por íleo paralítico, visto que relatos sobre
esse tipo de obstrução são escassos. Em função disso foram
abordados os aspectos clínicos-epidemiológicos e a conduta
terapêutica empregada em cada caso.
Relato dos casos
Relatam-se três casos de bovinos atendidos na Clínica de
Bovinos de Garanhuns – Campus da Universidade Federal
Rural de Pernambuco (CBG/UFRPE), durante o ano de 2017 e
2019, apresentando transtorno digestivo como queixa principal.
O primeiro caso (A1) ocorreu no mês de abril, no ano de 2017,
próximo ao início do período chuvoso, acometendo uma fêmea
de cinco anos, girolanda, criada em sistema semi-intensivo e
parida há 90 dias. Sua alimentação era composta por bagaço
de cana (Saccharum officinarum), palma forrageira (Opuntia
ssp) (20kg/dia) e concentrado produzido na propriedade a base
de milho e soja (6kg/dia). Durante a anamnese, o proprietário
relatou que o animal desde o dia anterior estava apático, sem
alimentar-se, sem ruminar e apresentando timpania e que era
caso único dentro do rebanho. O proprietário ainda relatou que
medicou o animal na propriedade com bicarbonato de sódio (VO)
e complexo de aminoácidos (mercepton®, bravet, Rio de Janeiro,
Brasil) (IV). O segundo caso (A2) ocorreu no mês de dezembro,
no ano de 2017, período seco na região, acometendo um bovino
adulto, fêmea, girolanda, criada em sistema semi-intensivo e
parida há 60 dias. Sua alimentação era composta por capim
elefante (Pennisetum purpureum), mandioca (Manihot esculenta)
(6kg/dia) e concentrado produzido na propriedade a base de
milho e soja (4kg/dia). O proprietário relatou que o animal a cinco
dias vinha apresentando quadros de timpania, sendo relatado
ainda redução do volume das fezes e aspecto pegajoso das
mesmas, citado como caso único dentro do rebanho. Segundo
o proprietário, o animal foi medicado com 50 ml de um complexo
de aminoácidos (mercepton, bravet, Rio de janeiro, Brasil) (VO)
mais 5 litros de solução fisiológica (IV) e 50 ml de acetil tributil
acetato (Blo-trol®1, zoetis, São Paulo, Brasil) (VO).
O terceiro caso (A3) ocorreu no final do mês de outubro, no
ano de 2019, início do período seco na região, acometendo
1
Zoetis.
R. bras. Ci. Vet., v. 27, n. 2, p. 55-60, abr./jun. 2020
uma fêmea bovina, da raça holandesa, com três anos de
idade (1a lactação), criada em sistema intensivo e parida há
90 dias. Sua alimentação era composta por silagem de sorgo
(16 kg/dia), caroço de algodão (2kg/dia), resíduo de cervejariabagaço (12 kg/dia), palma forrageira (Opuntia sp.) (12 kg/dia) e
concentrado produzido na propriedade (8kg/dia). O proprietário
relatou que no mesmo dia de enviou a CBG/UFRPE, notou o
animal com cólicas e escoiceando o abdômen. Medicou com
analgésico (Neglumine, Hertape, Minas gerais, Brasil) (IV) e
observou que houve melhora, entretanto, durante a tarde os
episódios de cólicas se repetiram, mesmo realizando a mesma
medicação. Era caso único no lote onde se encontrava. Os três
animais descritos neste estudo não apresentaram o quadro
anteriormente ao relatado pelo proprietário, bem como foram
os primeiros casos em suas respectivas localidades.
Foi realizado exame clínico e análise do fluido ruminal dos
animais de acordo com o modelo proposto por Dirksen et
al. (1993). Amostras de sangue foram obtidas através da
venopunção da veia jugular com tubo a vácuo contendo
EDTA (Tubo EDTA K3 vacuette® 4ml, Turquia) para realização
de hemograma de acordo com o método proposto por Jain
(1993).
Os achados clínicos dos animais estão descritos na tabela 1.
Em especial, apresentavam comportamento de calmo a apático,
desidratação moderada, taquicardia, inapetência e anorexia,
timpania de branda a moderada, hipomotilidade intestinal e
redução na eliminação das fezes. O exame retal evidenciou
alças intestinais distendidas e, fezes escassas, fétidas e com
muco. Os bovinos A1 e A3 apresentaram ressonância metálica
na auscultação com percussão da região dorsal do flanco direito,
presença de som de chapinhar em líquido ao balotamento,
com abdômen distendido e tensão da parede abdominal pouco
aumentada. Ainda, constatou-se um quadro de pneumonia
aspirativa no A1, possivelmente devido à administração oral de
bicarbonato de sódio, feita pelo proprietário, sendo encontrado
como sinais principais durante o exame físico um animal com
respiração taquipneica e polipnéica, apresentando dispneia
mista e durante a auscultação pulmonar evidenciou áreas de
hipofonese e abafamento em ambos os campos pulmonares,
bem como presença de crepitação em regiões crânio-ventrais
de ambos campos pulmonares.
No hemograma dos animais A1 e A2 constatou-se leucocitose
por neutrofilia com desvio a esquerda regenerativo, além de
hiperproteinemia e hiperfibrinogenemia, enquanto no A3 havia
uma leucocitose por linfocitose e desvio regenerativo. O exame
de urina foi negativo para a presença de corpo cetônico (Tabela
2). Na análise do fluido ruminal, havia comprometimento da
microbiota ruminal. Entretanto, destaca-se o resultado do teor
de cloretos que foi de 69,93 mEq/L, 105,0 mEq/L e 35,1 mEq/L,
no A1, A2 e A3, respectivamente (Tabela 3).
57
Tabela 1: Achados clínicos nos três bovinos fêmeas diagnosticados com íleo paralítico
Achados Clínicos
A1
A2
A3
Atitude
Estação / Posição ortopédica
Estação
Estação
Comportamento
Apático
Apático
Calmo
Escore nutricional
III
II
III ½
Temperatura retal
38,3ºC
37,2ºC (↓)
39,4ºC (↑)
Grau de desidratação
Excicose grau III
Excicoce grau II
Excicoce grau I
Mucosas
Levemente congestas
Rosadas
Rosadas
Vasos episclerais
Levemente Injetados
Levemente Injetados
Injetados
Frequência cardíaca
100 bpm (↑)
100 bpm (↑)
104 bpm (↑)
Frequência
respiratória
60 mrpm (↑)
20 mrpm
56 mrpm (↑)
Intensidade da
respiração
Polipnéica
Oligopnéica
Polipnéica
Dispneia
Mista
Ausente
Ausente
Ausculta pulmonar
Presença de crepitação nas regiões
crânio-ventrais de ambos os antímeros
com presença de hipofonese
Sem alteração
Sem alteração
Apetite
Ausente
Reduzido
Ausente
Peristaltismo ruminal
Ausente
Hipomotílico
Hipomotílico
Timpania ruminal
Moderada
Moderada
Ausente
Formato abdominal
distensão abdominal
distensão abdominal
distensão abdominal
Motilidade intestinal
Hipomotílico
Hipomotílico
Hipomotílico
Ausculta com
percussão na Fossa
paralombar direita
Presença de ressonância metálica, com
presença de chapinhar em líquido ao
balotamento.
Sem alteração
Presença de ressonância metálica,
com presença de chapinhar em
líquido ao balotamento.
Fezes
Diminuídas e com muco
Diminuídas e mal digeridas
Diminuídas e mal digeridas
Tabela 2: Valores hematológicos, proteína plasmática total e fibrinogênio plasmático obtidos dos três
bovinos fêmeas com diagnóstico de íleo paralítico
Animal 1
Animal 2
Animal 3
Valores de referência*
Hemácias (x 10 / μL)
8,15
6,71
7,3
(5,0 – 10,0)
Hematócrito (%)
29
37
36
(24 - 46)
6
Hemoglobina (g/dL)
10,6
12,05
12,59
(8,0 – 15,0)
VCM (fL)
35,58
55,1
49,31
(40,0 – 60,0)
CHCM (%)
36,5
32,45
34,97
(30,0 - 36,0)
Proteína plasmática total (g/dL)
8,9
9,1
7,4
(7,0 – 8,5)
Fibrinogênio plasmático (mg/dL)
800
1.100
500
(300 – 700)
Leucócitos totais (μL)
14.700
16.350
14.900
(4.000 – 12.000)
Neutrófilos segmentados (μL)
9.849
10.627
1.192
(600 – 4.000)
Bastonetes (μL)
1.911
164
596
(0 - 120)
Linfócitos (μL)
2.499
5.232
13.112
(2.500 – 7.500)
Monócitos (μL)
411
163
0
(25 - 840)
Eosinófilos (μL)
0
164
0
(0 – 2.400)
*Jain (1993).
R. bras. Ci. Vet., v. 27, n. 2, p.55-60, abr./jun. 2020
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Tabela 3: Análise de fluido ruminal dos três bovinos fêmeas diagnosticados com íleo paralítico
Animal 1
Animal 2
Animal 3
Valores de referência*
Cor
Castanho
Castanho claro
Castanho escura
Verde oliva a acastanhado
Odor
Alterado
Alterado
Alterado
Aromático
Consistência
Levemente Viscosa
Aquosa
Aquosa
Viscosa
PH
6,0
6,0
6,0
6 - 7(pastagens), 5,5-6,5(concentrado)
% de infusórios vivos
60%
0%
40%
90-100%
Distribuição dos infusórios
P*,M,G
---
P, M*, G
P,M,G
Densidade
++-
---
++
+++
Motilidade
+++
---
++
+++
PRAM
4 minutos
Não ocorreu
2:30 minutos
3 – 6 minutos
TAS
>10 minutos
8’
Não realizado
4 – 8 minutos
FLOT
>10 minutos
Não ocorreu
Não ocorreu
4 – 8 minutos
Teor de cloreto (mEq/L)
69,93
105,0
35,18
< 30 mEq/L
*Dirksen et al. (1993)
P* - Predomínio dos infusórios pequenos.
M* - Predomínio dos infusórios médios.
Diante dos achados clínicos e laboratoriais suspeitou-se de
um quadro de obstrução intestinal nos animais, principalmente
devido a evidência do teor de cloreto elevado (>30 mEq/L)
na análise do fluido ruminal. Inicialmente suspeitou de uma
obstrução do tipo física, comumente encontrada na região,
porém não descartou obstruções do tipo funcional como íleo
paralitico ou indigestão vagal. Os animais foram submetidos a
laparotomia exploratória através do flanco direito de acordo com
o método proposto por Fubini e Ducharme (2017). Na celiotomia,
ao explorar as alças intestinais e demais órgãos, constatou-se
a ausência de qualquer elemento intraluminal ou extraluminal,
que fosse responsável pelo transtorno digestivo e obstrutivo
de natureza física. Nenhuma evidência de motilidade intestinal
– delgado e grosso - foi observada durante o procedimento
cirúrgico. Com isso, os achados do exame físico aliados aos
encontrados durante a celiotomia levantou a hipótese da
ocorrência de um quadro de obstrução intestinal do tipo funcional
ocasionada por íleo paralitico nos bovinos. Assim, foi instituído
um protocolo terapêutico com a finalidade de reestabelecer a
função motora intestinal. Além da conduta terapêutica do pós
operatório.
O A1 devido ao histórico de administração de medicamentos
(VO) por parte do proprietário, aos achados de exame clínico e
hematológico foi submetido a exame ultrassonográfico de região
pulmonar. No exame, constatou-se irregularidades pleurais em
ambos os campos pulmonares, diminuição da quantidade de
reverberação e diversas imagens hiperecóicas, concentradas
nas regiões crânio ventrais, sugestivas de pequenos abscessos,
decorrentes possivelmente de uma broncopneumonia aspirativa.
O protocolo terapêutico e de suporte instituído nos animais
durante o pós-operatório baseou-se em: A1 – Cloridrato de
metoclopramida (0,3mg/kg/SC – dose única), Cálcio (250 ml/
IV – aplicação única), fluidoterapia intravenosa com solução
fisiológica (5 litros/IV – aplicação única), fluido ruminal (10L/
VO) e suco de mandacaru (10L/VO), tulatromicina (2,5mg/kg/
SC – duas doses intervaladas em 72 horas), Dipirona (25mg/
kg/IV – duas doses intervaladas em 12 horas após a celiotomia
e Meloxican (0,5mg/kg/IV – cinco doses SID); A2 - Cloridrato de
R. bras. Ci. Vet., v. 27, n. 2, p. 55-60, abr./jun. 2020
metoclopramida (0,3mg/kg/SC – três doses SID), Cálcio (200 ml/
IV – três aplicações SID), fluidoterapia intravenosa com solução
fisiológica (7 litros/IV – aplicação única), fluido ruminal (10L/VO)
e suco de mandacaru (10L/VO), oxitetraciclina (20mg/kg/IM –
três doses intervaladas em 72 horas), Flunixin niglumine (2,2mg/
kg/IV – uma dose logo após a celiotomia) e Meloxican (0,5mg/
kg/IV – quatro doses SID iniciado no dia posterior a celiotomia);
A3 - Cloridrato de metoclopramida (0,3mg/kg/SC – três doses
SID), Cálcio (300 ml/IV – três aplicações SID), fluidoterapia
intravenosa com solução fisiológica (5 litros/IV – seis dias), fluido
ruminal (10L/VO), Gentamicina (4,0mg/kg/IM – oito aplicações,
24/24 h), Flunixin niglumine (2,2mg/kg/IV –– cinco aplicações
SID iniciado no dia da celiotomia).
Todos animais responderam positivamente ao tratamento
instituído durante o pós-operatório, sendo restabelecidos os
parâmetros fisiológicos, possuindo o animal A1 uma evolução
clínica de 10 dias, enquanto para os A2 e A3 foram 12 dias.
Após a alta médica os animais voltaram as suas respectivas
propriedades, retornando à produção de leite, e não foi relatado
recidiva do quadro clínico inicial ou aparecimento de outra
enfermidade. A opção pela tulatromicina no A1, se decorreu
devido ao quadro de pneumonia apresentado pelo mesmo,
por ser um antibiótico macrólidio mais adequado para o caso
clínico. Os demais animais seguiram o protocolo determinado
pela CBG/UFRPE para pós operatório decorrente de celiotomia.
Discussão
Apesar de existirem relatos, que são poucos em bovinos e
búfalos acometidos por íleo paralítico, a sua etiopatogenia
não está bem definida. A condição em que há perda do tônus
e motilidade como resultado da inibição do reflexo, segundo
alguns autores, pode ocorrer nos casos de peritonite aguda, nas
situações em que surge uma severa e prolongada distensão dos
intestinos devido as obstruções intestinais e enterite, e quando
existe excessiva manipulação das vísceras durante cirurgias
abdominais, em que há dor (Pearson e Pinsent, 1977, Pradhan
et al., 2008, Khalphallah et al., 2016; Desrochers e Anderson,
59
2016, Constable et al., 2017, Fecteau et al., 2018). Em humanos,
a disfunção do sistema nervoso autônomo parece ser primordial
no desenrolar da dismotilidade intestinal pós-operatória, nesta
condição, o sistema nervoso simpático, que geralmente é
inibitório para o trato gastrointestinal, torna-se hiperativo. Em
contrapartida, o efeito estimulante do nervo vago, que promove a
liberação da acetilcolina no plexo mioentérico pode estar inibido
(Goulart e Martins, 2010). Existe registro em vaca, com desfecho
desfavorável, que esta desordem digestiva tenha ocorrido em
função de uma ganglionite no mesentério, a qual comprometeu
o plexo mioentérico (Auerbach) do intestino delgado e grosso,
provocando com isso uma perda parcial do controle neural da
peristalse (Baker et al., 1985). Há ainda relato da obstrução
funcional com quadro de íleo paralítico, devido a uma severa
parasitose por anfistomoses, acometendo o intestino delgado,
em uma vaca, com resolução clínica favorável após o protocolo
terapêutico (Yogeshpriya et al., 2011) Todavia, nenhuma destas
condições foram constatadas nos casos descritos.
Quanto as vacas acometidas serem adultas e estarem no início
da lactação, coincidem com relatos de Pearson e Pinsent (1977)
e Francoz e Guard (2014), que relatam a ocorrência deste
transtorno digestivo neste período de produção e recebendo
dietas de elevada densidade energética, o que coincide com
as dietas dos animais do presente estudo.
Segundo Francoz e Guard (2014), a condição clínica de íleo
paralítico acometendo vacas leiteiras adultas apresentam uma
sintomatologia variada, podendo chegar a mimetizar um quadro
de obstrução intestinal completa. Em adição, Pearson e Pinsent
(1977) e Constable et al. (2017) relataram que os principais sinais
clínicos encontrados são anorexia, ausência de ruminação,
hipomotilidade ruminal, presença de cólicas abdominais,
redução ou ausência da eliminação das fezes, distensão da
região abdominal direita com som de tilintar de líquidos ao
balotamento, hipomotilidade ou atonia com distensão intestinal,
variando de discreta a acentuada, impondo certa dificuldade
no exame retal. Os animais do presente relato apresentaram
sinais clínicos semelhantes, assim como segmentos intestinais
dilatados durante a laparotomia exploratória, porém apenas
no A3 foi observado cólicas abdominais. Destacou-se a pouca
quantidade de fezes e a presença de muco na ampola retal.
Neste contexto, Fecteau et al. (2018) comentam que poucas
fezes podem ser encontradas na ampola retal nos primeiros
dias após a obstrução intestinal mecânica ou funcional, sendo
a presença de muco misturado às fezes um indicador de estase
intestinal.
O resultado do hemograma apresentado pelo A1 está relacionado
ao quadro pulmonar detectado no exame físico, possivelmente
originado pela administração oral de medicamentos, de forma
inadequada, praticada pelo produtor. Com relação ao animal
A2 a resposta leucocitária pode estar associada a reação
inflamatória insipiente encontrada, que pode ser atribuída a
estase intestinal prolongada (Khalphallah et al., 2016). Quanto
ao leucograma do A3 é sugestivo que animal tenha produzido
uma resposta a um estímulo vacinal, devido à época coincidir
com campanha vacinal na região. Em relação à análise de fluido
ruminal, destacou-se o elevado teor de cloretos (> 30 mEq/L)
nos casos, evidenciando um refluxo de conteúdo abomasal rico
em ácido clorídrico para o rúmen, devido ao comprometimento
do trânsito aboral da ingesta, semelhante a outros tipos de
distúrbios digestivos descritos em bovinos (Braun et al., 1990;
Afonso et al., 2008; Câmara et al., 2010; Silva et al., 2010; Silva
et al., 2011; Silva et al., 2014).
Com relação às abordagens diagnósticas e cirúrgicas adotadas,
segundo Pearson e Pinsent (1977) e Francoz e Guard (2014), a
realização da laparotomia não é indicada imediatamente, já que a
condição não é passível de alívio cirúrgico e pode ser tentado o
tratamento conservativo. Porém, os autores também relatam que a
manipulação das alças intestinais durante a laparotomia exploratória
pode ocasionar um efeito benéfico na motilidade. Estudos
conduzidos por Goulart e Martins (2010) na medicina humana
se contrapõe e mostra um efeito inibitório na motilidade intestinal
em casos de manipulação durante cirurgia, podendo o sucesso
do tratamento dos animais citados está associado ao protocolo
terapêutico empregado no pós operatório realizado nos animais.
A conduta terapêutica adotada no pós-operatório dos animais
apresentou resultado satisfatório, a qual foi composta pela
terapia antibiótica, analgésica e anti-inflamatória, correção da
desidratação e do equilíbrio ácido-básico, reposição do cálcio,
além da administração de fluido ruminal com a finalidade de
recompor a microbiota ruminal. Ainda, enfatiza-se o do emprego
do suco de mandacaru na qual atua como um agente emoliente
sobre o conteúdo fecal e a utilização da metoclopramida como
um agente prócinéticos. Nesta categoria, o emprego deste
fármaco vem se destacando, por produzir um efeito satisfatório
em ruminantes e por possuir um custo financeiro mais
acessível quando comparado as outras opções de prócinéticos.
(Roussel, 2004). No contexto clínico abordado, o uso deste
prócinético, visando tratar quadros de hipotonia à atonia do trato
gastrointestinal, vêm sendo utilizado com resultados favoráveis
na clínica de ruminantes, auxiliando em restabelecer a motilidade
ao padrão fisiológico (Spinosa et al., 2011).
Há de se comentar que Pradhan, Waghaye e Jadhave (2008)
empregaram como conduta terapêutica, em um bovino acometido
por este transtorno digestivo, a administração de sulfato de
magnésio para ação laxativa (VO), bem como administração
de soluções a base de dextrose e ringer lactato. Enquanto,
Reddy e Sivajothi (2017) adotaram uma conduta parecida com
a dos animais do presente estudo, utilizando antibioticoterapia
associada com administração de cálcio e antinflamatorio. Em
ambas situações houve sucesso.
Conclusão
Concluiu-se que o quadro de íleo paralítico, apesar de ter uma
ocorrência baixa em bovinos, deve ser incluído como diagnóstico
diferencial nos transtornos digestivos que comprometem total
ou parcialmente o trânsito da ingesta. Ainda, ratifica-se a
eficiência do protocolo terapêutico adotado, contendo cálcio,
fluidoterapia , analgésicos e prócinéticos, que deverá ser usado
inicialmente como base nestes tipos de caso. A utilização da
ultrassonografia deve ser considerada uma ferramenta auxiliar
como exame complementar para o diagnostico destes casos,
visando identificação da presença ou ausência de motilidade
intestinal e o diagnóstico diferencial com outras afecções que
acometem o intestino. Quanto a etiologia da sua ocorrência não
está bem definida os principais fatores de risco, entretanto há
apenas o relato da sua ocorrência em vacas de leite em produção
recebendo dietas com elevada densidade energética. Estudos
de observação da sua ocorrência são necessários para suportar
esta hipótese e outras que estejam associadas.
R. bras. Ci. Vet., v. 27, n. 2, p.55-60, abr./jun. 2020
60
Referências
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