Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.57, n.6, p.732-735, 2005
Demodicose bovina: relato de caso
[Bovine demodicosis: a case report]
L.S. Lemos1, A.S.O. Santos1, L.G. Sales1, L.S. Silveira2, E.C.Q. Carvalho2
1
Doutorando em Produção Animal – UENF – Campos dos Goytacazes, RJ
2
Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias – UENF
Rua dos Goitacazes, 500 - Centro
28010-460 - Campos dos Goytacazes, RJ
RESUMO
Amostras de tecidos colhidas à necropsia de uma vaca da raça Holandesa, nove anos de idade, foram
fixadas em formol neutro a 10% e enviadas para exames histológicos. A macroscopia não revelou lesões
nodulares cutâneas típicas de demodicose. Secções microscópicas de tegumento cutâneo da vulva
evidenciaram ácaros (Demodex bovis) isolados ou em grupos no interior de folículos pilosos e glândulas
sebáceas.
Palavras-chave: bovino, demodicose, parasitose, dermatopatologia
ABSTRACT
Tissues samples collected at necropsy from a 9 year-old Holstein cow were fixed in buffered 10%
formalin for histological examination. Macroscopic finding did not reveal typical nodular cutaneous
lesions. Vulvar microscopic sections of cutaneous tegument showed mites (Demodex bovis), alone and
grouped in hair follicles and sebaceous glands.
Keywords: bovine, demodicosis, parasitosis, dermatopathology
INTRODUÇÃO
A demodicose bovina é causada pelo Demodex
bovis, ácaros moles, pequenos e em forma de
charuto, habitantes dos folículos pilosos e das
glândulas sebáceas (Jones et al., 1996). A
transmissão natural pode ocorrer em animais de
todas as idades, por contato direto (Matthes,
1994; Jones et al., 1996) entre mãe e bezerro
logo após o nascimento ou durante a
amamentação nos primeiros dias de vida (Fisher,
1973). Também pode ocorrer por contato entre
bovinos susceptíveis e altamente infectados
(Kennedy, 2001).
Clinicamente, a demodicose em bovinos pode
apresentar lesões cutâneas visíveis (Abu-Samra
et al., 1984) e, algumas vezes, estar associada a
sinais clínicos, como pápulas, que evoluem para
nódulos (Santos, 1979) distribuídos na superfície
dos membros (Gearhart et al., 1981; Matthes,
1994), face, pescoço e, principalmente, na região
escapular (Santos, 1979; Matthes, 1994), ou por
todo o corpo (Matthes, 1994; Mbuthia et al.,
1994). A doença tem pouca gravidade e pode
regredir espontaneamente (Santos, 1979;
Gearhart et al., 1981).
O tamanho dos nódulos, alguns ou centenas
deles, varia entre alguns milímetros até mais que
três centímetros de diâmetro (Freitas et al., 1984;
Kennedy, 2001) e seu conteúdo consiste em
material muco-purulento ou caseoso (Abu-Samra
et al., 1984), branco a amarelado (Kennedy,
2001).
A biopsia dos nódulos cutâneos é o material de
eleição para o diagnóstico anatomopatológico da
Recebido para publicação em 3 de fevereiro de 2004
Recebido para publicação, após modificações, em 14 de outubro de 2004
E-mail:
[email protected]
Demodicose bovina...
demodicose (Gearhart et al., 1981; Jubb et al.,
1993) e para o exame direto. Seu conteúdo pode
ser obtido de um raspado profundo da área
infectada, ou da compressão na base dos nódulos
(Abu-Samra et al., 1984; Freitas et al., 1984;
Kennedy, 2001). Nesse caso, o conteúdo pode
ser mantido em solução de volumes iguais de
etanol-glicerol (Abu-Samra et al., 1984).
A histopatologia evidencia numerosos ácaros
preenchendo folículos pilosos e glândulas
sebáceas, podendo revelar centenas de parasitos
em várias fases de desenvolvimento. A
microscopia do nódulo revela, ainda, foliculite
associada a múltiplos cistos preenchidos com
queratina e ácaros (Jubb et al., 1993), podendo
haver linfadenite eosinofilica e paniculite,
resultante da migração de ácaros (Mbuthia et al.,
1994). A ruptura do cisto suscita uma reação
granulomatosa (Jubb et al., 1993), com ácaros,
células epitelióides, células gigantes do tipo
corpo estranho e infiltrado rico em linfócitos
(Bukva et al., 1985). O centro da lesão é
cavitário, contendo material basofílico e
leucócitos degenerados, envoltos por numerosos
eosinófilos, poucos neutrófilos, ocasionais
células gigantes do tipo corpo estranho e de
Langhans, fibrose dermal além do fenômeno
Splendore-Hoeppli (Gearhart et al., 1981).
O objetivo deste trabalho foi registrar, mediante
achados histopatológicos, a ocorrência de
demodicose bovina.
CASUÍSTICA
Uma vaca da raça Holandesa, de alta produção
de leite, já no segundo mês da lactação, com
nove anos de idade, foi indicada para eutanásia
por apresentar caquexia e emaciação e histórico
de repetidos tratamentos, sem sucesso, para
mastite crônica recidivante por Streptococcus sp,
papilomatose cutânea e freqüente infestação por
ectoparasitas (Boophilus microplus).
A eutanásia, seguida de necropsia, foi realizada
com fins didáticos. Amostras de tecido para a
histologia foram fixadas em formol neutro
tamponado a 10% e processadas segundo rotinas
indicadas para exames dessa natureza (Prophet et
al., 1994).
A região perivulvar apresentava pequenas
nodulações com espessamento cutâneo, cujas
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secções evidenciaram ácaros isolados ou em
grupos no interior de folículos pilosos. O agente
caracterizava-se por apresentar três ou quatro
pares de patas atrofiadas na superfície ventral do
corpo, visto inteiro (Fig. 1) ou em partes.
Associado, havia ácaros em glândulas sebáceas,
hiperqueratose e foliculite, representada por
infiltrado misto com abundância de neutrófilos
(Fig. 2).
DISCUSSÃO
A literatura pouco dispõe sobre a demodicose
bovina, seja por sua baixa expressão clínica
(Santos, 1979; Kennedy, 2001) ou pela
possibilidade de remissão espontânea (Gearhart
et al., 1981), fatores que contribuem para que
não haja suspeita clínica e, conseqüentemente,
poucos relatos da enfermidade (Kennedy, 2001).
Embora a parasitose não comprometa seriamente
a saúde do animal, pode comprometer sua
aparência. A demodicose bovina em geral é
subclínica e, apenas algumas vezes, os achados
surgem em biopsias ou no post-mortem que
procuram outras dermatopatias (Abu-Samra et
al., 1984).
A lesão encontrada pela demodicose era
clinicamente sugestiva de papilomatose cutânea,
pois não houve o diagnóstico laboratorial in vivo,
visto que na clínica de animais de produção a
solicitação de biopsia não é freqüente.
Até o parto o animal fora medicado várias vezes
para controle de carrapatos com ivermectina,
portanto, supõe-se que a medicação tenha inibido
a expressão da parasitose (Wagner e
Wendlberger, 2000; Rehbein et al., 2003;
Mueller, 2004). O uso freqüente das ivermectinas
visando ao controle de endo e ectoparasitos pode
ter sido um fator que, aliado às condições
adversas de manejo, nutrição e patologias
intercorrentes, contribuiu para mascarar a
manifestação clínica da demodicose, o que
dificultou o diagnóstico. Este depende do apoio
laboratorial, por isso, o caso só foi diagnosticado
pela histopatologia (Gearhart et al., 1981; Jubb et
al., 1993; Mbuthia et al., 1994). Dessa forma,
quando houver suspeita clínica, a microscopia
direta do conteúdo nodular é indicada para o
imediato diagnóstico dessa parasitose (Fisher,
1973; Abu-Samra et al., 1984; Kennedy, 2001).
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Lemos et al.
Figura 1. Pele de bovino. Demodicose. Folículo piloso com Demodex sp. (seta longa). Notar a silhueta
das patas (seta curta). HE. Obj. 20×.
Figura 2. Pele de bovino. Demodicose. Hiperplasia de glândulas sebáceas. Notar Demodex sp. imersos no
adenômero (seta). HE. Obj. 20×.
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