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Across the Water

2014

RESUMO Objetivo: identificar o perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais peçonhentos no município de Santarém, Pará. Método: estudo quantitativo, descritivo e transversal, utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), da Divisão de Vigilância em Saúde de Santarém (DIVISA) e informações sobre o manejo clínico realizado no Hospital Municipal de Santarém. Resultados: foram notificados 2658 no SINAN e registrados 2754 casos na DIVISA, ocorrendo predominantemente nos meses de janeiro, setembro e outubro. A maioria dos casos foram indivíduos do sexo masculino, entre 20 a 64 anos. Os tipos de acidentes foram provenientes principalmente de serpentes e escorpiões. A maior parte dos acidentes foi classificada como "moderada", evoluindo para cura. Conclusão: os dados mostraram que existem possíveis falhas na notificação desses acidentes devido à expressividade da categoria "ignorado/branco". Além disso, constatou-se uma inconsistência entre as duas fontes de dados (SINAN e DIVISA). Descritores: Ecossistema Amazônico; Antivenenos; Animais Venenosos.

http://dx.doi.org/10.30681/252610104707 ARTIGO ORIGINAL Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais peçonhentos em Santarém – PA Epidemiological profile and clinical management of accidents by venomous animals in Santarém - PA Perfil clínico y epidemiológico de las víctimas de accidentes por animales venenosos en Santarém – PA Luan Duarte Lopes1, João David Batista Lisbôa2, Flávia Garcez da Silva3 RESUMO Objetivo: identificar o perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais peçonhentos no município de Santarém, Pará. Método: estudo quantitativo, descritivo e transversal, utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), da Divisão de Vigilância em Saúde de Santarém (DIVISA) e informações sobre o manejo clínico realizado no Hospital Municipal de Santarém. Resultados: foram notificados 2658 no SINAN e registrados 2754 casos na DIVISA, ocorrendo predominantemente nos meses de janeiro, setembro e outubro. A maioria dos casos foram indivíduos do sexo masculino, entre 20 a 64 anos. Os tipos de acidentes foram provenientes principalmente de serpentes e escorpiões. A maior parte dos acidentes foi classificada como “moderada”, evoluindo para cura. Conclusão: os dados mostraram que existem possíveis falhas na notificação desses acidentes devido à expressividade da categoria “ignorado/branco”. Além disso, constatou-se uma inconsistência entre as duas fontes de dados (SINAN e DIVISA). Descritores: Ecossistema Amazônico; Antivenenos; Animais Venenosos. ABSTRACT Objective: to identify the clinical and epidemiological profile of victims of accidents caused by poisonous animals in the municipality of Santarém, Pará. Method: quantitative, descriptive and cross-sectional study, using data from the Notifiable Diseases Information System (SINAN) from the Santarém Health Surveillance Division 1 Acadêmico de Farmácia. Universidade Federal do Oeste do Pará. Santarém, Pará, Brasil. E-mail: [email protected] ORCID ID: https://orcid.org/0000-0001-5604-7295 Autor para correspondência Endereço: Rua Vitória, 407-Caranazal, Santarém - PA - Brasil, CEP 6804-0305. 2 Farmacêutico. Mestre em Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida. Residente da Universidade Federal do Oeste do Pará Santarém, Pará, Brasil. E-mail: [email protected] ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-2885-1360 3 Farmacêutica. Doutora em Toxicologia. Docente da Universidade Federal do Oeste do Pará. Santarém, Pará, Brasil. Email: [email protected] ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-0513-6017 Este artigo está licenciado sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional, que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução em qualquer meio, desde que a publicação original seja corretamente citada Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. ISSN 2526-1010 161 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... (DIVISA), and information on clinical management carried out at the Santarém Municipal Hospital. Results: 2658 were reported in SINAN and 2754 cases were registered in DIVISA, occurring predominantly in the months of January, September and October. Most cases were male, between 20 and 64 years old. The types of accidents came mainly from snakes and scorpions. Most accidents were classified as “moderate”, evolving to cure. Conclusion: the data showed that there are possible failures in reporting these accidents due to the expressiveness of the “ignored / white” category. In addition, there was an inconsistency between the two data sources (SINAN and DIVISA). Descriptors: Amazonian Ecosystem; Antivenins; Animals, Poisonous. RESUMEN Objetivo: Identificar el perfil clínico y epidemiológico de las víctimas de accidentes causados por animales venenosos en el municipio de Santarém, Pará. Método: Estudio cuantitativo, descriptivo y transversal, utilizando datos del Sistema de Información de Enfermedades Notificables (SINAN), de la División de Vigilancia Sanitaria de Santarém (DIVISA) e información de gestión clínica realizada en el Hospital Municipal de Santarém. Resultados: en el SINAN se notificaron 2658 y en la DIVISA se registraron 2754 casos, ocurriendo predominantemente en los meses de enero, septiembre y octubre. La mayoría de los casos fueron de sexo masculino, entre 20 y 64 años. Los tipos de accidentes provinieron principalmente de serpientes y escorpiones. La mayoría de los accidentes se clasificaron como "moderados", evolucionando para curar. Conclusión: los datos mostraron que existen posibles fallas en la notificación de estos accidentes debido a la expresividad de la categoría “ignorados / blancos”. Además, hubo una inconsistencia entre las dos fuentes de datos (SINAN y DIVISA). Descriptores: Ecosistema Amazónico; Antivenenos; Animales Venenosos. No Brasil, os escorpiões lideram INTRODUÇÃO as causas de acidentes por animais são peçonhentos, sendo as espécies com biologicamente capazes de produzir e mais casos graves: Tityus bahiensis, armazenar substâncias potencialmente Tityus serrulatus e Tityus stigmurus5,6. tóxicas em glândulas para inoculá-las em Dentre as serpentes estão Bothrops ssp. suas presas ou predadores, através de (jararaca); aparelhos Lachesis ssp. (surucucu pico-de-jaca) e Os animais peçonhentos excretores modificados, aguilhões como dentes ferrões1,2. e Micrurus Crotalus ssp. ssp. (coral (cascavel); verdadeira)7. Estima-se que existam mais de 100 mil Enquanto as aranhas de maior interesse espécies peçonhentas espalhadas pelo para a saúde pública são do gênero mundo3 com incidência maior em países Phoneutria tropicais Latrodectus (viúva-negra) e Loxosceles e subtropicais. Os latino- americanos se destacam por possuírem (aranha-armadeira), (aranha-marrom)8. maior diversidade de habitats4. Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 162 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... principais danos à saúde coletiva13. Uma análise animais peçonhentos registrados são as dos acidentes causados por animais serpentes, escorpiões, lagartas, abelhas, peçonhentos possibilita a implementação aranhas, lacraias, formigas, vespas e de métodos eficazes de prevenção, arraias9. Os acidentes provocados por controle e identificação dos casos14. O esses tratamento consiste majoritariamente Na Amazônia, animais os possuem grande importância no mundo, devido a sua na frequente ocorrência, grande número de antivenenos, casos, gravidade clínica, podendo levar a cientificamente capaz de neutralizar a morbidade e/ou mortalidade7,9,10. ação das substâncias tóxicas injetadas O manejo clínico das vítimas acidentadas por animais venenosos segue um protocolo de pois soroterapia é o único por esses animais, através de anticorpos específicos15,16. pelo Atualmente, o Brasil conta com Ministério da Saúde, podendo sofrer Sistema de Informação de agravos de alterações de acordo com a região em Notificação (SINAN), Sistema Nacional de que acontecem esses acidentes11. O Informações fluxo (SINITOX/FIOCRUZ), desse seguinte preconizado administração manejo forma: acontece primeiramente da o Tóxico-Farmacológicas Informações Sistema Hospitalares do de Sistema paciente é estabilizado (avaliação dos Único sinais vitais), verifica-se o histórico Informação sobre Mortalidade (SIM), para (local da picada, tempo aproximado as notificações de acidentes por animais decorrido, se fez usa de garrote ou usou peçonhentos17. algum espécie remédio) e causadora. identificação O da tratamento de Saúde Segundo Estado do e o dados Pará se Sistema do SINAN, destaca de o em consiste na higienização do local da notificações de acidentes de animais picada, peçonhentos na região Norte. No ano de controle administração do dos soro sintomas e antiveneno, quando necessário12. Através 2017, a região notificou aproximadamente 17.340 novos casos de de estudos acidentes por animais peçonhentos, epidemiológicos, é possível compreender sendo 7.520 casos no estado do Pará18. o processo saúde-doença na população, Nesse sentido, este artigo tem como avaliando a distribuição, a frequência e objetivo identificar o perfil clínico e os fatores determinantes relacionados a epidemiológico de vítimas de acidentes Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 163 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... por animais peçonhentos no município notificações das Unidades de Saúde e de Santarém, Pará. transmiti-las para o SINAN. Já as informações a respeito do manejo clínico dos acidentes por animais peçonhentos MÉTODO foram Trata-se de um estudo disponibilizadas pelo Hospital Municipal de Santarém (HMS). quantitativo, descritivo e transversal As variáveis observadas na DIVISA pautado em dados de acidentes com foram: residência; anatomia do local da animais picada; frequência de manifestações peçonhentos ocorridos no munícipio de Santarém, Pará, no período locais; alteração de janeiro de 2012 a dezembro de 2017. administração de soroterapia. Para a Utilizou-se duas fontes de dados de criação do fluxo do manejo clínico foi domínio público, disponibilizados pelo analisado Sistema de Informação de Agravos de utilizado Notificação (SINAN) e pela Secretaria urgência/emergência do HMS das vítimas Municipal de Saúde de Santarém, Pará. acidentadas por animais peçonhentos. o da coagulação protocolo pelo de e conduta setor de Os dados foram coletados entre O Sistema de Informação de é agosto e dezembro de 2019, transcritos responsável por coletar, transmitir e utilizando o programa Microsoft Excel disseminar dados de doenças e agravos 2010, de notificação compulsória nacional. As planilhas, variáveis tabelas. E analisados por estatística Agravos de Notificação observadas (SINAN) nesse sistema para a sistematização montagem de simples. gráficos e foram: mês e ano; gênero; faixa etária; descritiva escolaridade; tipo de agente e tipo de quantitativas foram descritas pelo seu serpente; classificação dos casos quanto valor absoluto e por meio da distribuição à gravidade; tempo decorrido entre o de frequências relativas. As acidente e o atendimento e evolução dos estimativas empregadas casos. As em para o variáveis populacionais cálculo do epidemiológicos coeficiente de incidência foram obtidos obtidos na Secretaria Municipal de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e de Santarém, foi por meio da Divisão de Estatística (IBGE). Em 2012 a estimativa Vigilância em Saúde (DIVISA), que é era responsável por receber as fichas de município de Santarém, em 2013 de Os dados Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. de 286.343 mil habitantes no 164 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... 288.462 mil habitantes, em 2014 de mineração, agricultura e turismo. O 290.521 mil habitantes, no ano de 2015 turismo se destaca devido aos atrativos eram 292.520 mil habitantes, em 2016 naturais um total de 294.447 mil habitantes e em praias, como Alter-do-Chão, conhecida 2017 como o “Caribe Amazônico”. foram estimados 296.302 mil habitantes no município. Santarém está da região, principalmente O presente estudo seguiu todas as na normas de éticas em pesquisa, sendo região do Baixo Amazonas, constituída submetido e aprovado pelo Comitê de por uma ampla área urbana e por Ética em Pesquisa de acordo com CAAE: diversas 99005918.8.0000.5168 comunidades localizada oriundas de planaltos, florestas e rios. As principais parecer atividades econômicas dessa região são a dezembro de 2018. 3.078.530 e no número dia 28 do de Figura 1 – Localização geográfica do estudo epidemiológico Santarém, Pará, Brasil. Fonte: Próprios autores. cada 100 mil habitantes. O ano de 2012 RESULTADOS foi Primeiramente, que os dados da foi DIVISA observado e SINAN divergiram. No período entre 2012 a 2017 foram notificados (n1=2754) casos pela DIVISA/Santarém-PA e (n2=2658) casos no SINAN de acidentes por animais peçonhentos no município de Santarém/PA. O ano que apresentou o o segundo ano com a maior incidência (184,39 casos/100 mil hab.), seguidos dos anos de 2013, com (178,45 casos/100mil hab.), e 2015 com (81,69 casos/100mil hab.). Os anos de 2016 e 2017 obtiveram as menores notificações, (99,85 casos/100mil casos/100mil hab.) hab.) e (96,18 respectivamente (Tabela 1). maior número de ocorrências foi o de 2014, apresentando 187,59 casos para Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 165 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Na Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... distribuição mensal dos maior frequência dos casos dos acidentes acidentes, o mês de janeiro foi o que ocorreu nos pacientes do sexo masculino apresentou mais casos, seguidos dos (75,10%), sendo (24,9%) do sexo feminino meses de setembro e outubro. Os meses (Figura 2), com maior ocorrência na com menos acidentes foi dezembro, idade adulta, 20 a 64 anos (65,39%), seguido por junho. Os meses de inverno seguidos de 5 a 19 anos (25,13%), e 65 a (dezembro a maio) quando somados 79 anos (5,42%). Houve menos casos em apresentaram 51,70% dos casos, e os indivíduos iguais ou maiores de 80 anos meses de verão (junho a novembro) (0,68%) e <1 a 4 anos (3,38%) (Figura 2). somaram 48,3 % dos casos (Tabela 1). Ao analisar a população notificada por sexo e faixa etária, a Tabela 1 - Distribuição dos acidentes por animais peçonhentos em Santarém (PA), segundo o mês de ocorrência e ano de ocorrência, no período de 2012 a 2017. Ano Mês de ocorrência 2012 2013 2014 2015 2016 2017 Total Janeiro 55 53 68 51 24 39 284 Fevereiro 40 48 49 43 31 23 234 Marco 45 45 47 49 18 33 237 Abril 46 38 56 45 20 29 234 Maio 41 40 38 43 27 24 213 Junho 40 31 41 37 19 12 180 Julho 40 31 46 43 29 22 211 Agosto 36 40 45 42 25 13 201 Setembro 60 47 48 32 23 34 244 Outubro 51 61 32 52 23 25 244 Novembro 39 52 34 37 25 17 204 Dezembro 35 36 41 10 30 14 172 Total 528 522 545 484 294 285 2658 Fonte: SINAN, 2019. Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 166 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... Figura 2 – Distribuição dos acidentes avaliados por sexo e faixa etária, no período de 2012 a 2017, em Santarém (PA). Fonte: SINAN, 2019. Em Quanto ao nível educacional das relação aos animais vítimas, (52,71%) não apresentaram essa causadores dos acidentes, as serpentes informação. Já os casos notificados em apresentaram que as vítimas possuíam entre 5ª e 8ª Bothrops série incompleta (64,29%), seguido de Lachesis (15,71%), seguido Crotalus (2,14%), Micrurus (0,36), em completa representaram ou (16,93%), (42,14%), foi o o gênero representativo daquelas que possuíam entre 1ª e 4ª (1,43%) série completa ou incompleta (16,70%). peçonhentas e (16,07%) ignorado ou Nos branco. demais níveis educacionais as mais e serpentes Os não escorpiões eram causaram ocorreram menores notificações, sendo (35,55%), (0,56%) como analfabetos, (12,27%) para (3,20%) e lagartas (0,79%). Os acidentes o ensino médio completo ou incompleto causados e corresponderam a (13,77%), e (0,79%) (0,83%) para o ensino superior completo ou incompleto. Quanto a localidade aranhas por (3,76%), “outros” abelhas animais foram ignorados ou brancos. de As regiões anatômicas corpóreas residência das vítimas, a zona rural foi a agredidas com maiores registros foram mais notificada (68,20%), seguida pela nos membros inferiores, com destaque urbana (31,00%). Na região periurbana, para o pé com (49,75%), seguido por área onde as atividades rurais e urbanas perna se misturam, foram notificados (0,15%), superiores a mão foi o membro mais e (0,65%) foram ignorados ou brancos. acometido com (13,00%). acometimentos Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. com na Nos membros (17,28%). cabeça, Os braço, 167 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... antebraço e tronco totalizaram (7,34%) (10,16%) levaram até uma hora, (21,51%) casos. de uma a três horas, (56,38%) mais de E (12,63%) estavam como três horas e (11,95%) ignorados. Nos ignorados ou brancos. Os acidentes foram classificados casos graves (7,6%) levaram até uma de acordo com o estado clínico dos hora, (21,92%) de uma a três horas, pacientes (61,75%) mais de três horas e (8,73%) como leves (39,35%), moderados (37,77%), graves (16,82%) ignorados (Figura 3). Os escorpiões e as serpentes casos e ignorados (6,05%) (Figura 3). Nos casos leves decorrido analisando entre o o tempo acidente e o obtiveram maiores frequência nos casos graves, (49,66%) e (45,64%) atendimento, (13,19%) levaram até uma respectivamente, seguido de “outros” hora, (19,98%) de uma a três horas, (3,13%) e (1,57%) foram causados por (39,58%) levaram mais de três horas e aranha. (27,25%) ignorados. Nos casos moderados Figura 3 – Distribuição dos acidentes avaliados do tempo percorrido pelo paciente entre a picada e o tratamento e classificação dos casos no período de 2012 a 2017, em Santarém (PA). Na gravidade moderada, as Em relação ao tempo decorrido serpentes e os escorpiões foram os entre o acidente e o atendimento, animais mais causadores (51,89%) e (20,05%) (36,06%) informação. concomitantemente, (6,97%) não registraram Dentre os essa tempos estão como “outros”, (2,68%) causados registrados, observou-se que (20,20%) por abelhas, foram atendidos no intervalo de uma a (0,30%) por lagartas e (0,10%) ignorado três horas e (18,89%) apresentaram ou branco. registros de tempo variando de três a aranhas, (1,99%) por Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 168 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... foram As notificações sobre a alteração atendidas nos intervalos de 6 a 12 h e 12 da coagulação informaram que (34,82%) a dos pacientes tiveram a coagulação seis horas. 24 As horas vítimas que totalizaram (12,49%) e (11,63%) casos, respectivamente. Em alterada (10,80%) dos pacientes foram atendidos normalidade. No entanto, em (30,47%) em até uma hora após o incidente e dos pacientes não foi realizado o teste (5,94%) levaram 24 horas ou mais pelo de atendimento. registros estavam como ignorados ou Em (86,81%) apresentaram dos alguma pacientes e (31,77%) coagulação, e apresentaram em (2,94%) dos brancos. No que se refere ao uso da manifestação clínica local, tais como dor, edema, soroterapia, eritema, calor, parestesia, sudorese ou administrado em (61,76%) dos casos, dor proximal. Enquanto, (6,14%) não enquanto manifestaram necessários. Os demais registros (3,45%) quaisquer sintomas. O estudo também reporta que (7,04%) o soro (34,79%) antiveneno não foi foram ignoraram essa informação. foram notificados como ignorados ou deixados brancos na folha de notificação. Tabela 2 – Distribuição dos acidentes avaliados do tipo de animal e evolução dos casos no período de 2012 a 2017, em Santarém (PA). Óbito pelo agravo Óbito por Ign/Branco Cura Total notificado outra causa Ign/Branco - 21 - - 21 Serpente 27 1086 7 - 1120 Aranha 3 97 - - 100 Escorpião 21 922 1 1 945 Lagarta 2 19 - - 21 Abelha 2 83 - - 85 Outros 9 357 - - 366 Total 64 2585 8 1 2658 As maiorias dos pacientes ignorados ou brancos e um (0,04%) teve evoluíram para cura (97,25%), por outro o óbito por outra causa (Tabela 2). lado oito pacientes (0,30%) vieram a Correlacionando as mortes ao tempo óbito, (2,41%) foram notificados como percorrido Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. entre o acidente e o 169 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... atendimento, um óbito levou até 1 hora, infectologistas três de 1 a 3 horas e cinco levaram mais seguem de 3 horas. disponibilizado pelo Ministério da Saúde, O Santarém é um colaboradores, fluxo de que manejo Municipal de que obedecem a alterações específicas considerado um de acordo com cada região (Figura 4). Hospital (HMS) e Os hospital de portas abertas, por ser pacientes de responsável por uma grande parte da urgência/emergência demanda do Oeste do Pará. Atendendo animais peçonhentos são direcionados ao pacientes de complexidade, por e média atendimento médico para avalição e 130 leitos, identificação baixa possui acidentados do agressor, sem a incluindo Unidade de Terapia Intensiva. necessidade de um cadastro no primeiro É Baixo momento ou barreira que impeça a Amazonas em atendimentos de vítimas rapidez do atendimento. Os pacientes por animais venenosos. Esses pacientes com sintomas leves são mantidos em são observação por no mínimo oito horas. referência na região atendidos por do médicos Figura 4 – Fluxograma do manejo clínico para acidentes por animais peçonhentos para o uso de soroterapia específica realizado no Hospital Municipal de Santarém (HMS). Fonte: HMS, 2019. Em quadro sugestivo para picada de cobra, algumas condutas os sinais vitais e balanço hídrico, são higienização do local da picada, sem importantes como a elevação membros curativo oclusivo; uso de analgésicos; e afetados a 45º (caso seja nos membros coleta de sangue para a realização de superiores utiliza-se a tipoia); avaliação exames Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. laboratoriais: hemograma 170 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... (HMG), Ureia (UR), Creatinina (CR), hiperemia, sensação de “choque” no eletrólitos, membro, parestesia e dormência, não se coagulograma e creatina quinase total (CK). são realiza a soroterapia. O tratamento é Para a neutralização do veneno feito utilizados entanto, o caso é reclassificado se os antibotrópicos apenas com analgésicos. No pentatavalente (SAB) para acidente por apresentar Bothrops jararaca; soro antibotrópico Nos pentavalente e antilaquético (SABL) para apresenta Lachesis muta e Bothrops jararaca; mioclonias discretas e disartria leve. O (SABC) soro antibotrópico pentavalente e tratamento consiste na aplicação de anticrotálico para duas a três ampolas de antiescorpiônico Bothrops jararaca e Crotalus durissus; (SAEsc) ou antiaracnídico (SAA). No (SAC) para Crotalus durissus; e o soro entanto, antielapídico (SAELa) contra Micrurus mioclonias intensas ou generalizadas, lemniscatus. disartria, ataxia, alteração de pares soro anticrotálico Em casos de reações adversas ao manifestações casos moderados, sintomas se cranianos, a sistêmicas. o paciente sistêmicos vítima convulsões ou como apresentar alterações soro antiveneno, deve-se interromper a cardiovasculares, edema pulmonar agudo infusão do soro e utilizar um anti- e choque, o caso é considerado como histamínico, leve grave, e neste caso, são necessárias de (urticária, hiperemia conjuntival, tosse, quatro a seis ampolas. Nos casos de edema, dispneia); em uma reação mais mioclonia, também se considera o uso de grave (hipotensão, síncope, insuficiência diazepam (5 a 10mg em adultos e 1 a respiratória ou circulatória), utiliza-se 2mg/kg adrenalina intravenosa se a reação intramuscular for (IM) ou intravenosa (IV); após a melhora do em crianças) para e manter hidratação o balanço hídrico. paciente, retoma-se ao tratamento com Em ataques por Loxosceles spp. o soro antiofídico. Em alguns casos (aranha-marrom) em gravidade leve e críticos e/ou graves, recomenda-se fazer moderado, a administração do soro não na é necessária. Contudo, no quadro clínico “sala de estabilização” com assistência 24 horas. Nos acidentes grave sem hemólise, utiliza-se cinco causados por ampolas de SAA. Quando ocorre escorpiões, quando os sintomas são hemólise, aplica-se dez ampolas de SAA apenas locais, como dor local, edema, ou antiloxoscélico trivalente (SALox). Em Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 171 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. casos picados por Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... Phoneutria spp. (armadeira) ou Latrodectus spp. (viúva– inflamatórias, Em quadro utilizar anti- histamínico e corticóide tópico. negra), nos casos leves não é realizada a soroterapia. deve-se Para Lonomia spp. é necessário moderado, solicitar exames, a cada 6 a 12 horas, de devem ser realizadas aplicações de duas tempo de coagulação (TC), tempo de a quatro ampolas de SAA. Em quadro protrombina grave, aplica-se cinco a dez ampolas de tromboplastina parcial ativada (TTPA), SAA. relação normatizada internacional (RNI). (TP), tempo de acidentes Também devem ser realizados exames causado por arraias consiste em realizar laboratoriais de ureia e creatinina. Se os a assepsia com água potável ou soro resultados estiverem normais, o paciente fisiológico. Imergir o local afetado em é liberado com tratamento sintomático água morna desnatura a toxina por ser (analgésicos uma compressa O tratamento substância remoção de termolábil. materiais necróticos, realiza-se debridamento cirúrgico picada, com (lidocaína). em Para isquêmicosuma no bloqueio o local da anestésico Após o procedimento de corticoides tópico e entanto, se fria). No o paciente alterados e pequenas hemorragias apresentar na pele ou mucosa, faz-se uso de cinco ampolas de soro antilonomia. manifestar Se o paciente hemorragia intensas emergência, é indicado a prescrição de (hematêmese, antibióticos Insuficiência Renal Aguda (IRA), fazer profiláticos por 5 dias: amoxicilina com clavulanato de potássio, dez ciprofloxacino (SALon). com metronidazol ou ampolas hematúria) de soro ou antilonômico ciprofloxacina com clindamicina. Na alta do paciente, recomenda-se uma DISCUSSÃO reavaliação. Em casos de largatas urticantes, No período em estudo, notou-se o procedimento consiste na lavagem com uma diminuição acentuada dos casos nos água fria para remover as espículas e últimos analgesia com compressa fria, analgésico contrapondo-se ao padrão nacional onde tópico, analgésico sistêmico e bloqueio houve um aumento de casos nesse analgésico. mesmo Em casos de reações dois anos período18,19. (2016 Essa e 2017), diminuição pode estar relacionada ao fato que no Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 172 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... estado do Pará, a não realização de laborais, agrícolas, pastoris, pesca, lazer registros dos acidentes no SINAN é e fora do ambiente doméstico21,22. A bastante permitindo maior ocorrência das notificações se uma contagem real das notificações, o concentra na zona rural23. Atividades que se torna um entrave para a adoção rotineiras de políticas públicas no setor9. extrativismo, pesca, caça e o roçado recorrente, não Nota-se também uma inconsistência entre os dados cedidos no campo, tais como, predispõe a exposição a acidentes por animais peçonhentos15. pela DIVISA/Santarém-PA e os retirados As serpentes são os principais do SINAN, demostrando uma possível animais causadores dos acidentes da subnotificação. informações região norte, seguido dos escorpiões24,14. colhidas com omissões rotineiras ou Opondo-se ao perfil epidemiológico de sendo subnotificadas podem gerar uma Minas barreira identificou para Essas se conseguir dados Gerais, por os exemplo, escorpiões como que os confiáveis a fim de realizar medidas de principais responsáveis pela maioria dos saúde públicas efetivas9. acidentes, seguido por ofídicos5. O mês de janeiro apresenta o Os casos graves foram causados maior número de acidentes e este por resultado está relacionado ao início da gravidade moderada, eram acidentes estação chuvosa na região amazônica 19. ofídicos seguido por escorpiões25,23. Em Além disso, o mês de junho também um estudo feito na região do Baixo apresenta um maior índice de acidentes Amazonas, estado do Pará, observou-se ofídicos, sendo este período o início da que as espécies de serpentes mais estação com menos chuva na região. As causadoras da região pertencem ao chuvas e o calor fazem que os animais gênero Bothrops, seguido por Lachesis, e saiam à procura de abrigo, alimento e também relatam casos dos gêneros, um ambiente seguro para reprodução8. Crotaluse Os fatores climáticos aliados ao incidentes com animais e e nos Micrurus casos em com menores proporções19. trabalho no campo contribuem para esses serpentes, Ao analisar a região anatômica de maior ocorrência, os membros peçonhentos20. As principais vítimas são inferiores foram os mais atingidos7,12. adultas do sexo masculino e faixa etária Esses acidentes poderiam ser evitados 20 a 59 anos, devido as suas atividades mediante ao uso de equipamentos de Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 173 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... proteção individual (EPI) ao realizar A distância percorrida dos atividades rurais, limpeza de jardins, moradores quintais, terrenos baldios e adentrar em planalto) residentes do município de matas, roçados e rios15. Ademais, as Santarém gravidades dos acidentes podem estar amazonas para o atendimento na cidade relacionadas a proximidade da picada que é polo no atendimento desses aos órgãos vitais, além da rápida procura agravos, é um dos principais problemas por atendimento e ao tipo de animal que dificultam as vítimas ao tratamento causador1. imediato, pois podem levar horas ou até nível rurais ou (rios, da floresta região do e baixo Observa-se que em relação ao mesmo dias para chegarem ao HMS, o educacional único das vítimas, as que faz o tratamento com notificações são maiores em indivíduos soroterapia específica26. Quanto menor com apenas o ensino fundamental18. for o tempo percorrido entre o acidente Apesar ser e o atendimento, melhor será a evolução determinante para as ocorrências, o do paciente3. Uma vez identificado o desconhecimento animal causador, se inicia o tratamento dessa variável sobre não as medidas preventivas pode predispor uma maior imediato, incidência de acidentes25. internação, os riscos de complicações e De acordo com o registro do tempo decorrido entre o acidente e o diminuindo desenvolvimento o tempo de de infecções hospitalares. atendimento, poucos pacientes (10,80%) Nos acidentes ofídicos, a foram atendidos em até uma hora, que determinação do tempo de coagulação é corresponde em uma importante medida para auxiliar na relação aos resultados encontrados em confirmação do diagnóstico e avaliação Minas Gerais3,22, onde uma boa parte dos da pacientes foram atendidos na primeira Segundo os dados colhidos na DIVISA, a hora maioria dos casos realizou teste de um número (48,98%) e baixo (43,8%) eficácia soroterapia10,11,15. da respectivamente. Esta procura imediata, coagulação todavia, não é regra para todos os casos, monitoramento dos pacientes. principalmente ocorrem em para locais aqueles distantes atendimento de saúde12. Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. que do O para o protocolo urgência/emergência Municipal de acidentes provocados diagnóstico utilizado do Santarém/PA por e na Hospital para animais 174 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... peçonhentos segue o mesmo preconizado e/ou pelo Ministério da Saúde (MS)10,11. medicinais, com o intuído de combater o animais pelas agressores são ou identificados tipos veneno, de remédios conhecidos como relatadas pela “contraveneno”, deixando muitas vezes acompanhante e, de irem ou tardarem a ida ao Hospital, características vítima Os outros principalmente, pelo quadro clínico dos podendo gerar complicações tardias26. pacientes15. Segundo esse manejo, os pacientes com manifestação no local da CONCLUSÃO agressão são classificados como leves e não precisam de (com O perfil epidemiológico descrito exceção quando são ocasionados por nesse estudo possibilitou uma ampla serpentes análise da real situação dos acidentes dos soroterapia gêneros Botrópico, Crotálico, Elapídico e Laquético, que causados animais mesmo nos casos leves é preciso a município de administração da soroterapia)19. identificada uma regressão dos acidentes O conhecimento Santarém (PA). no Foi dos no período avaliado, com uma maior sintomas é fundamental na classificação frequência dos casos em pacientes do dos sexo casos. Os clínico peçonhentos acidentes leves masculino, em idade apresentam sintomas transitórios que se economicamente ativa e com maior resolvem espontaneamente. Enquanto incidência no período de chuvas (janeiro que os acidentes moderados, são mais a pronunciados causadores foram as serpentes, seguida e prolongados. Os junho). Os principais acidentes graves apresentam sintomas por escorpiões e aranhas. graves, podendo ocasionar a morte do Contudo, paciente2. foram animais identificadas possíveis falhas na notificação desses Os antivenenos são os únicos acidentes devido à expressividade da “ignorado/branco”. Além tratamentos capazes de neutralizar as categoria substâncias por disso, constatou-se uma inconsistência animais peçonhentos, sendo este o único entre as duas fontes de dados (SINAN e tipo de tratamento específico indicado DIVISA), dificultando na obtenção de um pelo Ministério da Saúde16. Entretanto, a resultado mais próximo da realidade. região em estudo tem o hábito cultural Essas de realizar o tratamento com plantas realizadas tóxicas inoculadas Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. notificações produzem quando bem indicadores 175 Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. epidemiológicos Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais... promissores para os Oliveira Neta AI, Ferreira IR, Fonseca gestores em saúde, garantido um melhor ADG. direcionamento acidentes por animais peçonhentos dos recursos Perfil epidemiológico dos terapêuticos, de acordo com a realidade notificados da região. Gerais durante o período de 20102015. REFERÊNCIAS no Rev Estado de SUSTINERE. Minas 2017; 5(2):199-217. 6. Ferreira LC, Rocha YCS. Incidência 1. Beraldo HS, Anchieta DW, Kupka FS, de acidentes por escorpiões no Maraschin MS, Alves DCI. Acidentes município de Januária, Minas Gerais, com Brasil. animais peçonhentos notificados em um hospital escola. 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Participação dos autores:  Concepção: Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG.  Desenvolvimento: Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG.  Redação e revisão: Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Como citar este artigo: Lopes LD, Lisbôa JDB, Silva FG. Perfil clínico e epidemiológico de vítimas de acidentes por animais peçonhentos em Santarém – PA. J Health NPEPS. 2020; 5(2):161-178. Submissão: 12/07/2020 Aceito: 02/10/2020 Publicado: 04/12/2020 Journal Health NPEPS. 2020 jul-dez; 5(2):161-178. 178