Academia.eduAcademia.edu

Resenha

2014, Revista Leia Escola

Resenha do livro "Pequena Gramática do Português Brasileiro", de Castilho e Elias.

Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 RESENHA CASTILHO, A. T. de; ELIAS, V. M. Pequena Gramática do Português Brasileiro, São Paulo: Contexto, 2012. 471p. Washington Silva de Farias* Há pouco mais de uma década linguistas começaram a assumir uma nova função-autor, a de produtores de gramática, fornecendo, através de obras descritivas, novos elementos para a compreensão da língua brasileira contemporânea, bem como para uma possível renovação de seu ensino e aprendizagem. Gramáticas como as de Neves (2000), Azeredo (2008), Perini (2010), Castilho (2010), dentre outras, podem ser compreendidas, portanto, como novos lugares de produção de sentidos sobre a língua a conhecer, aprender e ensinar no Brasil. A mais recente dessas publicações é a Pequena Gramática do Português Brasileiro, de Ataliba T. de Castilho e Vanda Maria Elias (CASTILHO; ELIAS, 2012). O primeiro desses autores dispensa apresentação, pois há cerca de trinta anos investiga o português falado no Brasil, tendo sido o idealizador, coordenador e pesquisador de vários projetos no campo da Linguística Brasileira, dentre eles o Projeto NURC (Norma Urbana Culta) e o Projeto da Gramática do Português Falado (PGPF). Vanda M. Elias, por sua vez, é pesquisadora na área de Língua Portuguesa e autora de obras que articulam conhecimento linguístico e ensino, tendo se tornado mais conhecida, nos últimos anos, pela coautoria de duas obras com a iminente linguista Ingedore V. Koch (KOCH; ELIAS, 2008, 2009). Na Apresentação da Pequena Gramática do Português Brasileiro (PGPB), seus autores informam que a obra foi produzida a partir de três eixos articuladores: a observância dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNs), no que se refere à recomendação do desenvolvimento e sistematização do saber linguístico do aluno; a * Doutor em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor da Unidade Acadêmica de Letras da Universidade Federal de Campina Grande (UAL/ UFCG). Contato: [email protected] 149 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 incorporação das pesquisas científicas dos últimos trinta anos sobre o português brasileiro (PB); e a adoção de uma abordagem reflexiva sobre a língua. Nesse sentido, a obra se diferencia das gramáticas tradicionais (GTs) por sua base eminentemente linguística e também de outras gramáticas de linguistas por sua pretensão pedagógica. A PGPB toma como referência o texto da Nova Gramática do Português Brasileiro (CASTILHO, 2010), monumental obra de referência publicada há poucos anos pelo primeiro dos dois autores da gramática sob apreciação. Pode-se mesmo afirmar que a obra mais recente, organizada a quatro mãos, é uma versão pedagógica da anterior. De acordo com Castilho e Elias, a PGPB se caracteriza por um viés “operacional” e “prático” (p. 15), refletido na “vastidão de exemplos” e nas “sugestões de atividades” que encerra. De fato, a exposição teórica dessa gramática, em todos os seus capítulos, é amplamente ilustrada com exemplos e exercitada com atividades frequentes, recorrendo a numerosa quantidade de textos orais e escritos, dentre os quais diálogos, tirinhas, anúncios, títulos e subtítulos de matérias jornalísticas. Uma ressalva se pode fazer, no entanto, a essa seleção: a predominância de textos da modalidade escrita, em sua maioria de tamanho curto e recolhidos da internet. Ainda de acordo com seus autores, a PGPB se destina a professores de Língua Portuguesa, alunos de Letras e Pedagogia e também a alunos de ensino médio. Ao que parece para tornar a obra mais palatável a esse público amplo, Castilho e Elias dão à exposição das matérias um tom informal, lembrando nisso os textos de livros didáticos e suas conhecidas estratégias de sedução dos leitores: os autores se dirigem a estes com frequência, algumas vezes assumem o seu lugar, simulando dúvidas e questionamentos, e até fazem piada de alguns fatos da língua. Do ponto de vista teórico, a PGPB se concentra sobre a dimensão gramatical do português brasileiro (aspectos fonético-fonológicos, morfológicos e sintáticos), com uma incursão preliminar sobre as propriedades semânticas e textuais das unidades da língua, dividindo-se a matéria da obra em dez capítulos. O capítulo inicial (O que se entende por língua) é uma espécie de introdução e nele é apresentada a perspectiva sob a qual a língua será estudada nos capítulos seguintes. Castilho e Elias defendem que o funcionamento da língua depende da mobilização de diferentes formas de conhecimento internalizadas na mente dos falantes. A partir desse 150 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 pressuposto de ordem cognitiva, definem a língua como um conjunto de sistemas (Vocabulário, Semântica, Discurso e Gramática), dominado por um Dispositivo Conversacional. O Capítulo 1 se ocupará, basicamente, da caracterização desse dispositivo, de seus sistemas e das unidades destes. Ainda no primeiro capítulo, Castilho e Elias assumem que a PGPB tomará como objeto a “variedade padrão [sic] numa perspectiva científica” (p. 44). Nesse ponto, chama a atenção o fato dos autores desconsiderarem a distinção entre os termos “culto” e “padrão”, bem como entre as expressões “norma padrão” e “variedade culta” (o que se repete em outros pontos da gramática), distinções que vêm sendo apontadas há alguns anos por vários linguistas, a exemplo de Faraco (2008), como um pré-requisito para a abordagem da questão da “norma culta” real no Brasil. Apesar dessa escorregadela, os autores entendem que “estudar a gramática do português brasileiro não se limita a ler uma gramática”, mas pesquisá-la (p. 46, grifos dos autores). Nessa perspectiva, ao final do Capítulo 1, sugerem um breve roteiro de como pesquisar cientificamente a “variedade brasileira”, realçando a apresentação de propostas de “atividades e projetinhos de pesquisa” ao longo de toda a gramática. A existência dessas propostas realmente se confirma no desenvolvimento da obra, ainda que, não se pode deixar de registrar, boa parte delas tenha o objetivo mais modesto de verificar a compreensão de terminologias e conceitos novos introduzidos na gramática. No Capítulo 2 (Estrutura fonológica e morfológica da palavra), os autores fazem uma exposição da estrutura fonológica e morfológica (stricto sensu) da palavra no português brasileiro (PB), abordando a produção dos sons da fala e sua transcrição, o estudo dos fonemas (consonantais e vocálicos), da sílaba e dos morfemas (nominais e verbais). Nesse capítulo, Castilho e Elias conseguem sintetizar, em relativamente poucas páginas e com bastante acuidade, o consagrado arcabouço teórico estruturalista dos campos da Fonética, Fonologia e Morfologia. Um destaque na seção referente à Morfologia está na descrição dos morfemas flexionais do verbo (p. 70-76) que, embora não muito didática em sua forma de apresentação, toma como referência um quadro de pronomes em uso efetivo na atualidade, com exclusão do pronome vós e inclusão das novas formas pessoais você/vocês e a gente. Esse fato merece ser destacado porque mesmo linguistas quando tratam da morfologia verbal muitas vezes ainda tomam o quadro tradicional de pronomes como 151 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 referência (cf. NEVES, 2000; MONTEIRO, 2002; AZEREDO, 2008). Nesse segundo capítulo, os autores introduzem o tradicional tema das classes de palavras, que será desenvolvido nos cinco dos capítulos subsequentes, fazendo menção a uma suposta unanimidade atual em relação à existência de cinco classes variáveis (verbo, substantivo, artigo, pronome e adjetivo) e três invariáveis (advérbio, preposição, conjunção). Essa afirmação de unanimidade, no entanto, não se sustenta, pois se sabe que a denominação e a quantidade das classes de palavras do português nunca foram consensuais, nem mesmo após oficialização da Nomenclatura Gramatical Brasileira (documento que na PGPB é equivocadamente denominado Nova [?] Nomenclatura Gramatical Brasileira), menos ainda no momento atual, em que linguistas estão produzindo suas gramáticas científicas, cada uma, pode-se dizer, não obstante muitas coincidências, com sua proposta particular de subcategorização das classes de palavras. Além disso, de modo diverso do que acontece na Nova Gramática do Português Brasileiro (CASTILHO, 2010)1, em que o estudo das palavras está subordinado à descrição dos diferentes tipos de sintagmas (verbal, nominal, adjetival, adverbial e preposicional), portanto à descrição das classes de sintagmas, na PGPB os autores optam pela descrição a partir da noção tradicional de classes de palavras. Essa opção dá à orientação teórica dessa gramática um caráter um tanto ambíguo, sendo uma provável concessão ao leitor habituado com a nomenclatura e forma de organização das gramáticas tradicionais (GTs). Isso não quer dizer que a PGPB siga a orientação teórica tradicional. De modo geral, há um evidente empenho dos autores em propor formas alternativas de descrição do PB. A ordem de apresentação das classes na PGPB também não é a tradicional: os autores iniciam o estudo do tema pelos pronomes e suas subclasses (Capítulo 3: O pronome), seguindo-se o estudo dos verbos (Capítulo 4: O verbo), dos artigos, substantivos e adjetivos (Capítulo 5: O artigo, o substantivo e o adjetivo), dos advérbios (Capítulo 6: O Advérbio) e das preposições (Capítulo 7: A preposição)2. Castilho e Elias não justificam, 1 Também faremos referência a essa gramática pela abreviatura NGPB. 2 As conjunções não são tratadas em capítulo especial da PGPB, aparecendo junto ao estudo da sentença (Capítulo 8). 152 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 porém, a escolha dessa ordem3. Ainda que a noção de sintagma não seja o eixo central organizador da PGPB, como acontece na NGPB, os sintagmas nucleados por substantivo ou pronome (sintagma nominal), adjetivo (sintagma adjetival), advérbio (sintagma adverbial) e preposição (sintagma preposicional) não deixam de ser descritos nos capítulos sobre as classes, em meio a outros tópicos4; além disso, uma síntese das estruturas dos diferentes sintagmas do PB é apresentada no Capítulo 7, ao final do estudo das classes de palavras (p. 313-315). No Capítulo 3, Castilho e Elias fornecem uma caracterização geral dos pronomes e suas subclasses. Nessa abordagem, várias atualizações descritivas são efetivadas pela PGPB. Um exemplo disso é o estudo dos pronomes pessoais a partir de um quadro que evidencia a reestruturação dos itens pessoais do português brasileiro, quer nas funções de sujeito, quer de complemento. Esse enfoque variacionista é inédito em gramática pedagógica e sugere um trabalho escolar promissor a partir da realidade linguística atual do PB. A partir do Capítulo 4, um mesmo plano será adotado na PGPB para a descrição das classes, considerando-se cada uma delas por suas propriedades gramaticais (em geral, morfológicas e sintáticas), semânticas e textuais (ou discursivas). As duas primeiras propriedades são sempre as mais longamente exploradas para todas as classes. A abordagem das propriedades mencionadas é também, na maioria dos casos, antecedida por uma apresentação geral, o que torna a exposição da PGPB, por vezes, mais longa do que o necessário para uma obra que se pretende pedagógica. No caso do Capítulo 4, que trata da classe dos verbos, dentre numerosos outros aspectos abordados, os autores redefinem a noção de transitividade, tradicionalmente associada à relação dos verbos com seus complementos (objeto direto e indireto), considerando-a uma propriedade dos verbos (plenos) de selecionar, nas sentenças, tanto o sujeito quanto o 3 Um outro aspecto da organização composicional da PGPB que causa estranheza é a seção intitulada “Sumarizando”, que aparece ao final de cada capítulo, uma vez que nem sempre sumariza (resume) o conteúdo a que se refere. É o caso, por exemplo, da seção final do capítulo dedicado ao advérbio, um recorte-colagem da NGPB (cf. CASTILHO, 2010, p. 276), que trata do significado geral de gramática. 4 O Sintagma Verbal (SV), porém, não é descrito na PGPB, senão em síntese constante do seu Capítulo 7. 153 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 objeto, tomados ambos como “complementos” do verbo. Disso resulta uma nova tipologia sintática: verbos que numa sentença selecionam apenas um sujeito, por exemplo, como em A porta bateu, são classificados como monotransitivos; os que selecionam um sujeito e um objeto, são bitransitivos, e assim por diante (cf. p. 136-147). Essa caracterização do verbo indica assim uma abordagem da língua centrada na sentença, que a PGPB, infelizmente, não assume em todos os seus capítulos, como o faz a sua matriz (a NGPB). Ainda na parte referente às propriedades gramaticais do verbo, ensaia-se uma discussão sobre as “regras” de concordância verbal do português brasileiro, sendo registradas, de forma rápida, algumas ocorrências “não aceitas pelo português padrão”. Aqui a PGPB escorrega, de novo, no discurso tradicional normativo, ao tomar o “português padrão” como parâmetro de aceitação de outras variedades. Na verdade, falta nesse aporte da concordância uma maior sistematização, bem como melhor sustentação sociolinguística. Algo similar acontece, no Capítulo 5, quando se trata da concordância nominal. Na consideração das propriedades semânticas do verbo, vários temas são abordados de forma inovadora em relação às GTs. Dois exemplos apresentados a seguir podem demonstrar isto. Os usos e valores dos tempos verbais (simples e compostos, do indicativo e do subjuntivo) são explicitados de forma sistemática na PGPB a partir de uma série de quadros (p. 166-173), combinando as categorias de tempo e aspecto. No caso do tempo verbal, além disso, são consideradas três dimensões semânticas: a expressão de tempo real, de tempo fictício e de tempo vago ou atemporal. Esse enfoque integrado das categorias de tempo e aspecto amplia as possibilidades de interpretação dos efeitos de sentido dos verbos nos textos. Deve-se ponderar, no entanto, que uma abordagem escolar desses conhecimentos exige um tratamento didático mais particularizado, bem como uma complementação de sua base teórica5. 5 Um traço perturbador na PGPB, vale ser lembrado neste momento, é a existência, por vezes, de um certo desequilíbrio na apresentação de algumas proposições teóricas e de seus respectivos dados, ora feita com grande detalhamento ora de forma minguada, atribuindose excessivamente ao leitor, em repetidas ocasiões, implícita ou implicitamente, a tarefa de completar teorias e dados. 154 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 O tratamento da voz verbal e seus tipos, igualmente, não coincide com a de gramáticas tradicionais. Castilho e Elias explicam a voz verbal também a partir da propriedade de transitividade do verbo, por eles ressignificada, demonstrando, com simplicidade, os tipos de complemento (sujeito, inclusive) selecionados pelo verbo na voz ativa (sujeito agente e complemento – objeto direto – paciente), na voz passiva (sujeito paciente e complemento agente) e na voz reflexiva (sujeito ao mesmo tempo agente e paciente). Um dado importante ainda sobre esse tópico é que os autores não distinguem dois tipos de voz passiva (analítica e sintética), como nas GTs. Para eles, as estruturas ditas “passivas sintéticas” são estruturas ativas, indicando o pronome se a indeterminação do sujeito. Merece destaque ainda nesse capítulo, a identificação feita pelos autores de algumas funções textuais de certos verbos, a exemplo da inserção de tópico discursivo em textos (caso de verbos chamados apresentacionais, como em: É o seguinte: ..., Trata-se de...) e da construção dos tipos textuais descritivos, argumentativos e narrativos. Sobre as propriedades textuais consideradas na PGPB, vale frisar que, de modo geral, se referem a aspectos da coesão (do texto escrito ou falado) ou dos tipos textuais, aspectos tratados mais sistematicamente no Capítulo 9. Após o estudo dos verbos, já no quinto capítulo, são abordadas as classes dos artigos, substantivos e adjetivos. Tais classes são agrupadas num mesmo capítulo por se constituírem nas unidades componentes do Sintagma Nominal (SN), para Castilho e Elias estrutura trimembre composta de um especificador (artigo ou pronome – demonstrativo, possessivo ou quantificador indefinido) + núcleo (substantivo) + complementador (adjetivo, sintagma preposicional, etc.). Cada uma das classes contemplada no Capítulo 5 é descrita em seção específica e em multiplicados tópicos e subtópicos relacionados às dimensões descritivas gramatical, semântica e textual. Os substantivos e adjetivos são considerados, dentre numerosos outros aspectos, a partir de seu papel na estruturação de sintagmas: os autores demonstram assim que o substantivo funciona como núcleo do Sintagma Nominal (SN), em contraste com seus especificadores e complementadores, que são facultativos. O adjetivo, por sua vez, funciona como núcleo do Sintagma Adjetival (SAdj), estrutura constituída, à semelhança do SN, de um especificador + núcleo + complementador. No SAdj, os especificadores são advérbios; os complementadores, sintagmas preposicionais ou orações. 155 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 Do ponto de vista textual, Castilho e Elias registram o papel dos substantivos na construção de sentidos à medida que o texto progride – a introdução (construção), retomada (manutenção) e desfocalização de referentes. Nesse ponto, no entanto, vale mencionar, há uma ampliação de foco da classe dos substantivos para o conjunto de recursos linguísticos utilizados na retomada de referentes: substantivos, pronomes, advérbios, etc. Diferentemente das GTs, Castilho e Elias propõem uma categorização semântica bastante detalhada dos adjetivos, subdividindo-os em vários tipos e subtipos: predicativos (modalizadores, qualificadores e quantificadores), não predicativos (classificadores, pátrios, gentílicos, etc.) e dêiticos (locativos e temporais), com divisões por vezes muito específicas (caso dos adjetivos não predicativos “de cor”). Quanto às propriedades textuais, consideram o papel dos adjetivos na configuração dos tipos textuais (narração e descrição), no arranjo informacional e coesivo do texto (adjetivos continuadores de tópico, adjetivos dêiticos introdutores de tópico) e na construção do eixo argumentativo do texto (adjetivos predicativos modalizadores). No Capítulo 6, onde tratam da classe dos advérbios, os autores problematizam o excesso de subcategorizações dessa classe de palavras em propostas tradicionais, propondo também uma reclassificação dos advérbios em apenas três tipos gerais: os predicadores, os verificadores e os dêiticos, estes dois últimos tipos não-predicadores. Cada um desses tipos tem suas subclasses semânticas, detalhadas pelos autores em seção própria. Essa proposta de subcategorização oferece uma sistematização menos grosseira dos advérbios, minimizando a heterogeneidade da longa e indiferenciada lista tradicional dos itens dessa classe, embora nem sempre, na PGPB, sejam bem explicados e exemplificados os tipos e subtipos de advérbios aventados. Além disso, os autores poderiam ter buscado uma aproximação terminológica mais rigorosa na subcategorização de adjetivos e advérbios, tendo em vista as evidentes semelhanças entre os tipos das duas classes. Os advérbios também são descritos a partir da estrutura sintagmática que integram, no caso o Sintagma Adverbial (SAdv), onde ocupam o lugar de núcleo, passível de especificação por advérbios intensificadores e de complementação por estruturas preposicionadas (tradicionalmente locuções adverbiais). 156 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 Quanto às propriedades textuais dos advérbios, uma breve anotação é feita sobre alguns advérbios que conectam unidades discursivas na língua falada (antes, agora, primeiramente, consequentemente), remetendo-se o estudo dos advérbios “sentenciais” ao Capítulo 8. O estudo da preposição encerra o conjunto de capítulos sobre as classes de palavras na PGPB, sendo desenvolvido no Capítulo 7, com grande sistematicidade e detalhamento. No início do capítulo, os autores contestam a afirmação tradicional de que as preposições são palavras “vazias de sentido”, demonstrando que o sentido básico das preposições está relacionado à localização no espaço ou no tempo dos termos que elas ligam. Da mesma forma que procederam para outras classes, também definem a preposição em função das palavras que compõem com ela uma estrutura sintagmática mais complexa, o Sintagma Preposicional (SP). Nesse caso, o especificador de um SP é um advérbio ou sintagma adverbial (longe da escola, junto com a namorada), enquanto o complementador é um substantivo ou sintagma nominal ou, ainda, um verbo, dente outras classes (para comer, para dois, para muitos). Na subseção relativa às propriedades textuais, um dado novo é a demonstração da função dos SPs enquanto instauradores de uma moldura a partir da qual se desenvolve o texto, modalizando (De certo, ....), temporalizando (Antes de tudo...) ou delimitando (Com respeito a...) o desenvolvimento tópico. Também é registrada a função dos SPs no estabelecimento da conectividade textual (Com isso...). Esse tópico dá relevância ao estudo das preposições para além da mera identificação de sua função de ligar palavras ou sentenças, principal característica da classe normalmente abordada nas gramáticas tradicionais. Ao final do estudo das preposições, preparando o capítulo seguinte, os autores destacam a importância das classes anteriormente estudadas para o estudo das sentenças, uma vez que organizam seus sintagmas constituintes. Concluem também aí que as várias unidades da língua – palavras, sintagmas e sentenças – se organizam segundo um mesmo padrão estrutural básico (especificador + núcleo + complementador), apresentando então uma síntese de todas elas (p. 314). A constatação dessa recorrência estrutural, ainda que um tanto embaçada no desenvolvimento da PGPB por outros tópicos, nos parece uma orientação alternativa bastante consistente para a descrição geral das unidades gramaticais do PB, dado que não as isola de suas relações entre si. O Capítulo 8 (Minissentença, sentença simples, sentença complexa) 157 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 se ocupa do estudo de três tipos de estruturas maiores que os sintagmas: a minissentença, a sentença simples e a sentença complexa, correspondendo tal estudo ao que em uma gramática tradicional seria o estudo da frase e dos períodos simples e composto. O aspecto mais inovador desse capítulo é, sem dúvida, a proposição do conceito de minissentença, estrutura intermediária entre o sintagma e a sentença propriamente dita. Para definir as noções abordadas no capítulo, os autores retomam a noção de verbo (pleno) enquanto classe predicativa que seleciona os termos constituintes da sentença. Assim, a sentença simples é definida como aquela dotada de um único verbo pleno; a sentença complexa, a constituída de mais de um verbo pleno. A minissentença, por fim, é um sintagma não selecionado por um verbo, mas dotados de entoação própria da sentença, tendo como função dar maior rapidez ao texto. Exemplos dessa estrutura seriam as manchetes e títulos de matérias jornalísticas. A noção de minissentença, nos parece, supre uma lacuna da descrição tradicional, que, de modo geral, só possibilita a identificação e análise de frases nominais (conceito restrito) e de frases verbais. As sentenças simples, termo preferido pelos autores em lugar do tradicional período simples, são abordadas na PGPB quanto a sua tipologia, propriedades textuais e propriedades sintáticas. Uma tipologia das sentenças é proposta, por analogia com a tipologia dos verbos, sendo assim as sentenças simples classificadas como intransitivas, monotransitivas, bitransitivas, etc. As propriedades textuais da sentença simples, também brevemente tratadas, são relacionadas à expressão de atos de fala (asseverativos afirmativos e negativos, interrogativos e imperativos), sendo o estudo ampliado a partir de um conjunto variado de atividades. No estudo das sentenças complexas (períodos compostos), três tipos de estruturas (e não duas como nas GTs) são considerados: as coordenadas, as subordinadas e as correlatas. Estas últimas são aquelas marcadas por conjunções coordenadas ou subordinadas complexas, desdobráveis entre as sentenças constituintes da sentença complexa (a exemplo de estruturas consecutivas do tipo tanto...que). À caracterização geral dos tipos estruturais de sentenças complexas segue-se o detalhamento de cada tipo, com algumas reordenações, exclusões, inovações e também lacunas explicativas em relação à metalinguagem tradicional. Nesse último caso, chama a atenção no capítulo, por exemplo, a consideração de apenas dois tipos de sentenças coordenadas – as aditivas e adversativas –, bem como a ausência de explicação sobre o destino das tradicionais sentenças alternativas, explicativas e conclusivas. Quanto às 158 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 subordinadas, os autores as distribuem, inovadoramente, em três classes funcionais: substantivas (funções de sujeito e complemento), adjetivas (função de adjunto adnominal) e adverbiais (função de adjunto adverbial). Também são apresentadas e exemplificadas as sentenças correlativas (aditivas, alternativas, comparativas e consecutivas). No Capítulo 9 (O texto), os autores descrevem uma grande variedade de tópicos relacionados à organização do texto como unidade maior da língua: transcrição textual, tópico discursivo, estratégias de estruturação da informação, conexão textual, dentre outros. Na abordagem desses tópicos fica visível o recurso a elementos teóricos dos Estudos Conversacionais e da Linguística Textual. Embora mencionem os textos escritos, no capítulo sob análise há uma ênfase sobre a organização do texto falado. Essa ênfase liga esse penúltimo capítulo da PGPB mais ao seu capítulo inicial (onde se trata do conceito de língua e do dispositivo conversacional que a constitui) do que aos demais capítulos, que abordam a gramática do PB, porém, de modo geral, a partir de exemplos de textos escritos. Além dos temas acima mencionados, o capítulo traz algumas considerações teóricas sobre gêneros textuais e leitura. A abordagem dos gêneros, no entanto, não se inscreve no marco dos estudos atuais de orientação bakhtiniana (gêneros como práticas sociais), mas ainda na perspectiva dos tipos textuais. No caso do tópico sobre leitura, em pouco mais de duas páginas, Castilho e Elias definem a noção enquanto produção ativa e estratégica de sentidos, listam os pressupostos (cognitivos ou sociocognitivos) subjacentes a essa noção e os exemplificam a partir da análise de um pequeno texto. O último capítulo da PGPB (História e diversidade do português brasileiro) é uma espécie de apêndice onde os autores dão notícia sobre a história social do PB, tratam das principais mudanças morfológicas e sintáticas que vêm ocorrendo nele e de sua variação interna atual. Diferentemente do enfoque recorrente em gramáticas tradicionais, que tendem a tratar da história da língua portuguesa na perspectiva da unidade entre as “variedades” europeia e brasileira, a PGPB, ainda que não entrando no debate acerca da “língua brasileira”, privilegia a história e o uso linguístico brasileiro. A diversidade do PB é considerada a partir de cinco parâmetros de variação – geográfico, sociocultural, individual, de canal e temático –, buscando os autores caracterizá-los por certos traços linguísticos particulares. No que se refere às variações geográfica, sociocultural e individual, vários 159 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 quadros comparativos registram, ainda que de forma bastante esquemática, variantes fonéticas, morfológicas e sintáticas do português brasileiro do Norte e do Sul do país, populares e cultas, informais e formais. Além desse esquematismo dualista, alguns dados dos quadros apresentados carecem de maior precisão sociolinguística: no quadro referente à dicotomia popular/culto, por exemplo, os autores vinculam a ditongação de vogais tônicas seguidas de sibilantes (como ocorre na pronúncia das palavras mês [‘meis] e luz [‘luis]) apenas ao português popular, afirmando, na coluna correspondente ao português culto, que neste há “manutenção das vogais”. Os elementos acima destacados dão à PGPB uma feição um tanto desigual – por vezes consistente e precisa, por vezes lacunar ou excessivamente alongada em suas proposições e dados. Ainda assim, pelo esforço que representa em introduzir e vulgarizar novas dimensões descritivas para o estudo do PB, acreditamos que a obra de Castilho e Elias é uma importante tentativa de movimentar o discurso gramatical e pedagógico sobre a língua no Brasil a partir de elementos teóricos oriundos da pesquisa linguística. Se nos fosse permitido, no entanto, ousar algumas sugestões para uma segunda edição, proporíamos que os autores da Pequena Gramática do Português Brasileiro, além de fazerem uma seleção mais apurada dos tópicos abordados nos seus vários capítulos e seções, assumissem a mesma orientação descritiva da NGPB, tratando as unidades morfossintáticas da língua centralmente a partir das classes de sintagmas que integram e de suas propriedades gramaticais, semânticas e textuais, o que, a nosso ver, tornaria mais “operacional” e “prática” essa instigante obra. 160 Leia Escola, Campina Grande, v. 12, n. 2, 2012 – ISSN 2358-5870 Referências AZEREDO, J. C. de. Gramática Houaiss da língua portuguesa. 2 ed. São Paulo: Publifolha, 2008. CASTILHO, A. T. de. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. CASTILHO, A. T. de; ELIAS, V. M. Pequena gramática do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012. FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2008. _____. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. NEVES, M. H. de M. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora da UNESP, 2000. MONTEIRO, J. L. Morfologia portuguesa. 4 ed. Campinas: Pontes, 2002. PERINI, M. A. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. Recebido em: outubro de 2012. Aprovado em: fevereiro de 2013. 161