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(Outros) trabalhadores livres no atlântico oitocentista

2011, Mundos do Trabalho

GRUPO O DE D TRABALHO “MUNDOS DO TRABALHO” (http://ww //www.ifch.unicamp.br/mundosdotrabalho/) Coordenação Nacional Paulo Fontes Coordenações Estaduais Mato Grosso Do Sul Vitor Wagner Neto de Oliveira Rio Grande Do Sul Dio Diorge Alceno Konrad - Coordenador Clarice ce Gontarski Go Esperança - Vice Coordenadora Santa Catarina Adriano Luiz Duarte São Paulo Dainis Karepovs http://www.pe .periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalh balho Equipe Editorial EDITORES Deivison Gonçalves Amaral, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Fabiane Popinigis, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil Marcelo Mac Cord, Universidade Federal Fluminense, Brasil Osvaldo Batista Acioly Maciel, Universidade Estadual de Alagoas e Universidade Federal de Alagoas, Brasil Samuel Fernando de Souza, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Vinícius de Rezende, Universidade Estadual de Campinas, Brasil CONSELHO EDITORIAL Alexandre Fortes, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil Antonio Luigi Negro, Universidade Federal da Bahia, Brasil Barbara Weinstein, New York University, Estados Unidos Beatriz Ana Loner, Universidade Federal de Pelotas, Brasil Beatriz Mamigonian, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Cláudio Henrique de Moraes Batalha, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Dick Geary, Nottingham University, Grã-Bretanha Flavio dos Santos Gomes, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil John D. French, Duke Universtiy, Estados Unidos José Ricardo G. P. Ramalho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil José Sérgio Leite Lopes, Museu Nacional - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Juan Suriano, Universidad de Buenos Aires, Argentina Marcel Van Der Linden, International Institute of Social History, Holanda Marcelo Badaró Mattos, Universidade Federal Fluminense, Brasil Marco Aurélio Santana, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Maria Célia P. M. Paoli, Universidade de São Paulo, Brasil Michael Mcdonald Hall, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Michel Ralle, Université de Paris IV (Sorbonne), Paris Mirta Zaida Lobato, Universidad de Buenos Aires, Argentina Norberto Osvaldo Ferreras, Universidade Federal Fluminense, Brasil Prabhu Mohapatra, University of Delhi, Índia Sidney Chalhoub, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Vitor Wagner Neto de Oliveira, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil GERENTE Henrique Espada Lima Filho, Universidade Federal de Santa Catarina Ficha Técnica ORGANIZAÇÃO DO NÚMERO Beatriz G. Mamigonian E Fabiane Popinigis REVISÃO DE TEXTO Marília Mezzomo EDITORAÇÃO ELETRÔNICA João Carlos Furlani COLABORARAM COM ESSE NÚMERO (consultores ad hoc) Maurício Sarda Faria, Claudio de Farias Augusto, Maria Verónica Secrteto, Ronaldo Perreira de Jesus, Beatriz Mamigonian, Marcus de Freitas Rosa, Cesar Monaco, Elaine Regina Amorim, Valéria Silvina Pita. DOSSIÊ (Outros) Trabalhadores livres no Atlântico oitocentista Apresentação Beatriz G. Mamigonian Fabiane Popinigis O uso da expressão “transição do trabalho escravo para o trabalho livre” – no sentido de que a abolição da escravidão nas Américas se devia ao avanço do capitalismo industrial, forçando a abertura de mercados consumidores e requerendo não apenas trabalhadores livres, mas também assalariados – há tempos tem sido criticado por pesquisadores da escravidão e do trabalho. Nesse esquema explicativo, a abolição no Brasil, em 1888, teria sido acompanhada da emergência de um mercado de trabalho livre, que, por sua vez, impulsionara a industrialização, estabelecendo as condições para o surgimento do movimento operário. Pesquisas empíricas nas áreas de História Agrária, História do Trabalho e História da Escravidão minaram esse modelo, mostrando que não só existiu um mercado de trabalho antes da abolição, como ele incluía escravos que sabiam o valor do seu trabalho individual. Além disso, as pesquisas têm mostrado que, entre trabalhadores juridicamente livres, o assalariamento não era predominante, nem antes nem depois da abolição. Na verdade, inúmeras formas de trabalho compulsório ou não remunerado coexistiram com a escravidão e se expandiram depois da abolição. Em comparação com outras partes do Atlântico escravista, tal processo ganha novos contornos. Este dossiê reúne artigos que abordam variados temas acerca das transformações no mundo do trabalho no século XIX. No período, marcado pelos processos de construção dos Estados Nacionais, pela condenação do tráfico de escravos e da escravidão, pela expansão do capitalismo industrial e pelo aumento da demanda por produtos tropicais, os paralelos entre os diferentes países são notáveis. A maioria dos artigos se integra ao que tem sido chamado de história atlântica, na área de escravidão, ou de história global, nos estudos de história do trabalho. Seus autores partilham a preocupação com a reconstituição de redes, práticas e costumes que informam as ações individuais ou coletivas desses homens e mulheres, reconhecendo a necessidade de estabelecer conexões ou comparações entre processos produtivos em transformação e a circulação de bens e trabalhadores entre diferentes territórios nacionais e imperiais. São pesquisas que exploram os sentidos da liberdade e as relações de trabalho estabelecidas por pessoas juridicamente livres, antes e depois da abolição da escravidão. Entre essas formas de trabalho, estão as resultantes do recrutamento forçado promovido ou sancionado pelo próprio Estado. O artigo de Cláudia Fuller sobre os Corpos de Trabalhadores,  Professora do Departamento de História da UFSC. Professora do Departamento de História da UFRRJ.  Revista Mundos do Trabalho, vol. 3, n. 6, julho-dezembro de 2011, p. 4-6. APRESENTAÇÃO criados no Pará após a Cabanagem, revela um extenso sistema militarizado de extração de trabalho compulsório pelo Estado, utilizado como forma de controle social da população livre pobre. Os artigos de Céline Flory e Beatriz Mamigonian abordam a participação dos Estados francês e britânico na montagem de sistemas de recrutamento de trabalhadores para favorecer os proprietários de terras depois da abolição da escravidão nas colônias. Como demonstra Mamigonian, em nome da liberdade, o governo britânico operou um sistema de recrutamento de africanos conectado à repressão ao tráfico de escravos, que canalizava para o Caribe os africanos encontrados a bordo de navios negreiros que seriam desembarcados no Brasil. O sistema desencadeou vários conflitos diplomáticos e revelou embates sobre a legalidade da escravidão no Brasil. As formas legais do recrutamento e da exploração do trabalho dos africanos são bem exploradas por Flory, ao tratar do sistema de “resgate” de africanos que se seguiu à abolição da escravidão e vigorou entre 1857 e 1862 nas colônias francesas na África, no Caribe e no Oceano Índico. Legalmente, tratava-se de uma alforria condicionada à assinatura de um contrato de trabalho, mas o sistema encobria suas origens no tráfico de escravos. Outro tema que perpassa o dossiê é o das migrações transatlânticas, voluntárias e involuntárias, tão centrais à história do trabalho, em particular no século XIX. Os sistemas de recrutamento de africanos operados por britânicos e franceses mal disfarçavam seu caráter involuntário. Ainda assim, nas margens, é possível encontrar casos de indivíduos que optaram pela migração para o Caribe, como alguns africanos emancipados do navio português Flor de Luanda, que cumpriram tempo de serviço no Rio de Janeiro e aceitaram a oferta britânica de partir para Trinidad, em 1846. Como expôs Mamigonian, a escolha parece ligada a uma estratégia familiar, como a chance de criar os filhos em um território sem escravidão, caso das colônias britânicas. Já o artigo de Walter Hawthorne reconstitui a trajetória de um grupo da Costa Ocidental africana que, após a travessia atlântica involuntária – a bordo da escuna Emília, em 1821– e a emancipação pela Comissão Mista Anglo-Portuguesa no Rio de Janeiro, manteve os laços que uniam seus membros e, quatorze anos depois, empreendeu a migração, desta vez voluntária, de volta à África. Hawthorne explora habilmente a construção de identidade entre “malungos” e remete aos estudos que exploram as identidades entre africanos na diáspora. Nesse caso, identidades fortemente influenciadas pelo estatuto e pelas condições de trabalho, uma vez que se tratava de africanos livres. O artigo de Leonardo Pereira também explora identidades a partir de uma análise transnacional sobre trabalhadores de origem africana no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, iluminando questões específicas sobre a região platina e a importância das tensões raciais, étnicas e nacionais na dinâmica associativa e na formação de culturas de classe no final do século XIX e início do XX. Perpassam os textos de Hawthorne, Pereira e Fuller o estreitamento dos espaços de ascensão social e mobilidade para os africanos, de forma mais geral, e a ampliação das políticas de controle social da população livre pobre, frequentemente mestiça. julho - dezembro de 2011 5 BEATRIZ G. MAMIGONIAN; FABIANE POPINIGIS Devemos ressaltar o fato de que os trabalhadores discutidos nos artigos desse dossiê são, na maior parte, livres ou estão em processo de aquisição da liberdade. É evidente a proximidade entre a liberdade jurídica e as formas de coerção do trabalho, fosse através do recrutamento nos Corpos de Trabalhadores, da tutela dos africanos livres ou dos contratos de engajamento dos africanos imigrantes nas colônias francesas e inglesas do Caribe pósabolição. Além do tema das políticas estatais de apoio (quando não exploração direta) a formas compulsórias de trabalho, merecem destaque as estratégias associativas formais e informais, como proteção contra a exploração e a formação (ou reconstituição) de laços com base em origens étnicas. Nos artigos aqui apresentados, o cenário da liberdade torna-se, portanto, complexo e multifacetado, a partir de pesquisas que contemplam as dimensões transnacionais da vida de trabalhadores de diferentes estatutos jurídicos e em variadas condições, apontam as marcas de suas tradições culturais mescladas à experiência de trabalho na diáspora e exploram a relação com políticas públicas informadas por critérios raciais. São análises inovadoras de temas partilhados pela história social do trabalho e pela história da escravidão, que demonstram o potencial da abordagem atlântica das transformações no mundo do trabalho no século XIX. Esperamos que os trabalhos aqui reunidos possam estimular o debate e colaborar para uma integração cada vez maior entre esses interesses e temas comuns de pesquisa. Revista Mundos do Trabalho, vol. 3, n. 6, julho-dezembro de 2011, p. 4-6. 6