revista.pucsp.br/esp | ISSN: 2318-7115
Volume 40 Número 1 | Ano 2019
EDITORIAL
Verdade
A porta da verdade estava aberta
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só conseguia o perfil de meia verdade.
E a segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia os seus fogos.
Era dividida em duas metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era perfeitamente bela.
E era preciso optar. Cada um optou
conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade (1992)
A Revista The ESPecialist, volume 40, número 1, inicia o editorial de 2019 com o poema de
Drummond intitulado Verdade por considerar que toda palavra constitui-se como algo desafiador, que
requer no processo de interpretação diferentes olhares para as verdades que são pronunciadas no mundo.
Falar sobre verdade pressupõe atenção, cuidado, respeito para com os sentidos e significados que podem
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surgir com a palavra, que por si, já se evidencia como polêmica. A leitura cuidadosa, o olhar crítico e
reflexivo sobre o que acontece ao nosso redor e ao mundo se tornaram o “viveiro das incertezas dos
tempos líquidos” (BAUMAN, 2007), de modo que ao derrubar as portas e perceber que a verdade é
dividida, a opção é subjetiva e atua conforme o “capricho, a ilusão, a miopia”, da incompletude própria
do ser humano.
Nos tempos líquidos, na porta da verdade em que meia pessoa passa de cada vez, a educação, as
ciências humanas vêm sendo consideradas como algo que precisam ser controladas, descentralizadas, sem
que haja argumentos lógicos sobre suas ineficiências. Assistimos, pelas mais diferentes mídias, os ataques
e os efeitos que as “verdades” sobre as ciências humanas, as Universidades e Institutos constroem no
imaginário dos leitores não apenas no Brasil, como no mundo.
Qual o papel da pesquisa científica? Quais suas contribuições? Por que é necessário pensar no
valor das ciências para o desenvolvimento do Brasil, da educação? É emergente pensar nas formas como
se (des)constroem ciências no Brasil e se torna imprescindível refletir como as tecnologias de informação
e comunicação provocam movimentos que ora evidenciam discursos sobre “verdades” subjetivas e
totalitárias, ora solicitam sentimentos que prezem pelo humanismo, pela valorização da educação
nacional.
Conforme destacado por Drummond ao discutir sobre a verdade, chega-se à conclusão de que ela
é incompleta e subjetiva, que impossibilita uma única perspectiva de olhar. Pelo contrário, é diante das
variadas possibilidades que surgem nos discursos sobre a verdade, que podemos mostrar o quão valioso e
significante é produzir ciência e educação que buscam, incessantemente, movimentos para uma
transformação na sociedade que vivemos.
É na incansável ação de promover ciência, em busca de transformações linguísticas, sociais,
históricas e culturais que apresentamos mais um volume desta revista. Assim, o primeiro artigo, intitulado
A BNCC E O ENSINO DE INGLÊS PARA CRIANÇAS: ANÁLISE DE MATERIAIS DIDÁTICOS
PARA A FAIXA ETÁRIA DE 6 A 10 ANOS, de Dias e Silva, analisa a partir dos pressupostos
preconizados pela BNCC (2018) sob o viés do “Campos de Experiência”, dois materiais didáticos (um
impresso e outro em formato digital) para ensino de inglês para crianças. Os autores destacam a
aprendizagem da língua estrangeira como (inter)ação social. Os resultados evidenciam que, em maior ou
menor grau, os cinco campos da experiência das ações pedagógicas se fazem presentes nos materiais
didáticos analisados, embora haja um predomínio no material didático digital, o LearnEnglishKids.
O segundo artigo, A BNCC E O PAPEL DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA, de
autoria de Striquer, analisa o papel do professor como responsável pela transposição das prescrições
constantes na BNCC para o ensino em sala de aula. Por meio dos princípios teóricos do
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sóciointeracionismo discursivo, a autora analisa se o professor é ator ou agente da BNCC e em que medida
ele se configura como mero colaborador do processo.
No terceiro artigo, de autoria de Cani e intitulado A DIDATIZAÇÃO DE GÊNEROS
MULTIMODAIS: PRÁTICAS DE LEITURA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS EM
LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA, destacamos a abordagem dos aspectos
linguísticos, gramaticais e imagéticos de HQs em livros didáticos. A autora se baseia na teoria cognitiva
de aprendizagem multimodal de Mayer (2009) e no tratamento dado à leitura de HQs por Luyten (1985).
O corpus da pesquisa qualitativa é formado por livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático
destinado às escolas públicas no período entre os anos de 2014 e 2016. A autora conclui que apesar do
uso recorrente do gênero HQ nos livros examinados, a leitura multimodal fica em segundo plano e o
aspecto mais explorado é o gramatical.
O quarto artigo, EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS DA LÍNGUA INGLESA: UMA
COMPREENSÃO SOB O OLHAR DA PRAGMÁTICA, de autoria de Lopes, Araújo Neta e Arré,
mostra a compreensão de alunos do Ensino Médio acerca das expressões idiomáticas em língua inglesa.
Com base em teorias pragmáticas como as de Levinson (2007), Armengaud (2006), Fiorin (2013, 2014),
os dados partiram de conceitos clássicos como contexto, sentido e significado, sentido literal e sentido
implicado, discutidos sob a perspectivas desses autores. Os resultados das análises apontam para
dificuldades apresentadas pelos alunos quando da tentativa de entender o significado das expressões em
uso descontextualizado, o que não acontece quando inseridos em contextos específicos.
No quinto artigo, AS AVALIAÇÕES CERTIFICATIVAS EM LÍNGUA FRANCESA: UM
DIFERENCIAL NO CURRÍCULO DO PROFISSIONAL DE SECRETARIADO EXECUTIVO
BRASILEIRO?, Santos e Souza argumentam em que medida a obtenção de um diploma de certificação
de proficiência em língua francesa impacta como elemento diferencial para a carreira de egressos do curso
de graduação em Secretariado Executivo. Com base na teoria das representações, de acordo com Bonardi
e Roussiau (1999) e das representações sociais, segundo Moscovici (1989), os autores analisaram o corpus
composto pelo discurso fornecido por dezoito estudantes do referido curso em momentos acadêmicos e
profissionais distintos. Os discursos convergiram para representações semelhantes no que tange à
obtenção da avaliação certificativa em língua francesa.
No sexto artigo, ALTERNATIVAS QUE BUSCAM NEUTRALIZAR O GÊNERO
GRAMATICAL: USOS E MOTIVAÇÕES, Defendi e Gomes discutem a questão do gênero gramatical
como fator de transposição da fronteira do gênero social, avaliando questões como desinência de gênero
gramatical e afirmação da identidade social. Para compor o corpus da pesquisa, as autoras selecionaram
textos no site da rede social Facebook, analisando a frequência do uso de escolhas lexicais que neutralizam
o gênero social e as que o destacam, realizando ao mesmo tempo um levantamento quantitativo e
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qualitativo. Amparadas em teóricos da gramática normativa (CUNHA e CINTRA, 1984; MATTOSO
CÂMARA, 1985; CEGALLA, 2009) e da identidade de gênero (LOURO, 2001; STERLING, 2002;
BUTLER, 2003; LIVIA e HALL, 2010), as autoras demonstram a oposição binária de termos ora
marcados e ora não marcados expressando o gênero gramatical e social desses termos.
O sétimo artigo, MOVING FROM AN INTERNAL DATABANK TO A SHARABLE
MULTIMODAL CORPUS: THE MULTEC CASE, Aranha e Lopes descrevem o processo de criação
de um banco de dados multimodal com corpus compartilhado entre usuários de uma plataforma digital
utilizada por estudantes da Universidade Estadual de São Paulo – UNESP, para aprendizagem de
português por usuários americanos e do inglês por usuários brasileiros. A pesquisa descreve a maneira
pela qual os dados gerados entre os anos de 2012 e 2015 foram armazenados segundo o método traçado
por Aranha, Luvizari-Murad e Moreno (2015), dando origem ao Multimodal Teletandem Corpus
(MulTeC).
O oitavo artigo, de Quartoloto e Nicolaides intitulado AULAS ONLINE E O CONFLITO COMO
INSTRUMENTO DE APRENDIZADO E TRANSFORMAÇÃO, traz como tema discutir como a
Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP contribui para a aprendizagem de participantes de um curso
oferecido por meio digital (Skype). Amparadas na teoria de Vygotsky (1978, 1998), as autoras evidenciam
que as discussões tensas e conflituosas ocorridas no curso geraram discussões transformadoras, uma vez
que em conjunto, mediados pela linguagem e com o auxílio de pares mais experientes, entremeados cada
um por suas próprias Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZDP), buscaram resolver problemas de ordem
interpretativa e técnica para que pudessem seguir adiante nas discussões do curso.
No nono artigo, intitulado A ENUNCIAÇÃO EM LAVOURA ARCAICA1: RELAÇÕES
DISCURSIVAS, Scoparo destaca destaca no romance (1975) e filme (2001) Lavoura Arcaica, de Raduan
Nassar e Luiz Fernando Carvalho, respectivamente, a produção de sentidos por meio da qual o enunciador
lança mão para convencer seu enunciatário sobre algo, ressaltando a diferença dessa produção de sentido
num texto literário e no roteiro fílmico. A autora mostra que tanto o leitor quanto o espectador recuperam
a unidade dos textos (romance e roteiro) para delinear os elementos que o compõem (narração e
encenação), delineando assim uma trajetória e capturando as inter-relações estabelecidas entre romance e
filme.
Encerrando a apresentação dos artigos que compõem este volume, apresentamos o décimo deles: A
CORREÇÃO DIALÓGICA COMO PROPOSTA PARA O ENSINO DO GÊNERO ABSTRACT,
de Silva e Conceição. As autoras, amparadas na perspectiva bakhtiniana de discursividade indicam como
metodologia de produção de abstracts as quatro qualidades discursiva propostas por Guedes (1994):
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Grifo da autora.
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unidade temática, questionamento, objetividade e concretude. Essas qualidades, utilizadas como
ferramenta de correção textual, apresentando movimentos de reescrita, evidenciam uma melhora no texto
escrito quando utilizam essas qualidades discursivas supramencionadas.
Finalizamos, agradecendo a toda equipe editorial pelos esforços que tornaram possível a publicação
deste volume.
Grassinete C. de A. OLIVEIRA (UFAC)2
Rosemeyre Moraes de OLIVEIRA (SEE-SP)3
Angela B. Cavenaghi T. LESSA (PUC-SP)4
Adolfo TANZI NETO (UFRJ)5
Antonio Bruno Cavalcante FERREIRA (PUC-SP)6
Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.
BAUMAN, Zygmunt.Tempos líquidos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2007.
2
Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre, Brasil. Centro de Educação, Letras e Artes (CELA); Bolsista CAPES.
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2765-8705;
[email protected]
3
Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-16609542;
[email protected]
4
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, São Paulo Brasil. Departamento de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem;
[email protected]
5
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janerio, Rio de Janeiro, Brasil. Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação
em Linguística Aplicada. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0347-7077;
[email protected]
6
Pontificia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, São Paulo Brasil; Bolsista CAPES.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3913-3743;
[email protected]
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