PUC
DEPARTAMENTO DE DIREITO
O INSTITUTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA
Por
LUCAS MEIRELES DA SILVA DELORENZI
ORIENTADOR: Salvador Bemerguy
2019.2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
RUA MARQUÊS DE SÃO VICENTE, 225 - CEP 22451-900
RIO DE JANEIRO - BRASIL
O INSTITUTO DA COLABORAÇÃO
PREMIADA
por
LUCAS MEIRELES DA SILVA DELORENZI
Monografia
apresentada
Departamento
de
Direito
ao
da
Pontifícia Universidade Católica do
Rio
de
Janeiro
(PUC-Rio)
como
requisito parcial para a obtenção do
Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Salvador Bemerguy
2019.2
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer à minha família, tão paciente e
motivadora nesse momento de toda complexidade e apreensão que uma
elaboração do trabalho de conclusão de curso e término de uma graduação
podem trazer.
À Júlia, que tranquilamente sempre me reconfortou e auxiliou nos
momentos difíceis de exaustão e receio.
Ao meu professor-orientador Salvador Bemerguy, profissional o qual
admiro, que nessa jornada sempre esteve à disposição, ajudando com toda
sua experiência e conhecimento.
E a todos os componentes do Departamento de Direito e do Núcleo de
Prática Jurídica da PUC-Rio, sempre solícitos e amigáveis.
RESUMO
DELORENZI, Lucas Meireles da Silva. O Instituto da Colaboração
Premiada. Rio de Janeiro, 2019. 109 p. Monografia de final de curso.
Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro – PUC-Rio.
O objetivo do presente trabalho é, num primeiro momento,
apresentar a colaboração premiada, explicando esse mecanismo tão
particular inserido no âmbito do processo penal, e quais foram as
inspirações que levaram à sua elaboração, inserção e evolução no
ordenamento jurídico brasileiro. Posteriormente, pretende-se realizar um
estudo aprofundado sobre os principais aspectos procedimentais do
instituto, que foram trazidos pela Lei 12.850 de 2013, e analisar os pontos
mais debatidos pela doutrina e jurisprudência, baseado em diversas
argumentações defendidas por autores conceituados e decisões proferidas
nos tribunais pátrios, inclusive no contexto da célebre Operação Lava Jato.
Ao final, serão elencadas algumas críticas feitas por juristas contrários à
expansão da justiça negocial e à aplicação da colaboração como ferramenta
na persecução penal. Por meio da leitura do presente, espera-se, por
derradeiro, demonstrar a verdadeira função e a serventia da colaboração
premiada como alternativa favorável à investigação criminal. Contudo,
deve-se atentar aos seus limites e condições, sempre resguardando-se sob o
prisma da legalidade para que não sobrevenham quaisquer violações aos
preceitos fundamentais.
Palavras-Chave: Colaboração premiada. Justiça negocial. Processo penal.
Procedimento. Legislação.
ABSTRACT
The purpose of this paper is, at first, to introduce the awarded
collaboration sistem, clarifying about this particular method within the
criminal process, and which were the inspirations that led to its elaboration,
insertion and evolution in the brazilian legal system. After that, it is
intended to make an in-depth study about the mais procedural aspects of the
institute, brought by the Law No. 12.850/13, and analyze the most
discussed point by the doctrine and jurisprudence, based on several
arguments defended by well-known and reputable authors and judgements
given throughout our national Courts, including those pronounced in the
context of the famous “Lava Jato” Operation. Finally, some criticisms made
by jurists that are against the expansion of negotiated justice and the use of
collaboration as a tool in criminal prosecutoin will be listed. By reading this
paper, in the end it is expected to evidence the truly role and value of the
awarded collaboration as a propitious alternative to criminal investigation.
Nevertheless, it must be considered its limits and conditions, always being
supported by legality, so that none fundamental rights would be violated.
Key-words: Awarded collaboration. Negotiated justice. Criminal process.
Procedure. Legislation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 7
CAPÍTULO 1 - PRIMEIRAS NOTAS SOBRE A COLABORAÇÃO
PREMIADA................................................................................................. 10
1.1. Natureza Jurídica da Colaboração Premiada .............................. 11
1.2. Diferença entre Colaboração Premiada e Delação Premiada .... 14
1.3. Histórico da Colaboração Premiada ............................................. 18
CAPÍTULO 2 - A EVOLUÇÃO DA COLABORAÇÃO PREMIADA
NO BRASIL ................................................................................................. 25
2.1. Lei 8.072/1990 - Lei de Crimes Hediondos ................................... 25
2.2. Lei 8.137/1990 - Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária,
Econômica e Relações de Consumo ...................................................... 27
2.3. Lei 9.034/1995 - Antiga Lei do Crime Organizado (Revogada) . 29
2.4. Lei 9.613/1998 - Lei de Lavagem de Bens e Capitais ................... 31
2.5. Lei 9.807/1999 - Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas ........ 33
2.6. Lei 10.409/2002 e Lei 11.343/2006 - Leis de Drogas ..................... 35
CAPÍTULO 3 - O SISTEMA DA LEI 12.850/2013 – LEI DE CRIME
ORGANIZADO........................................................................................... 39
3.1. Espécies de Colaboração Premiada ............................................... 41
3.1.1. A Delação Premiada ............................................................... 42
3.1.2. A Colaboração Preventiva ...................................................... 43
3.1.3. A Colaboração para Localização e Recuperação de Ativos .. 44
3.1.4. A Colaboração para Libertação ............................................. 46
3.2. Pressupostos e Requisitos para Celebração e Cumprimento do
Acordo de Colaboração Premiada ........................................................ 47
3.2.1. Pressupostos de Admissibilidade ............................................ 47
3.2.2. Requisitos de Validade ............................................................ 52
3.3.
Legitimidade
para
propor
o
Acordo
de
Colaboração
Premiada .................................................................................................. 58
3.3.1. A Decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 5508 –
Possibilidade de Acordos de Colaboração Premiada Firmados por
Delegados de Polícia ......................................................................... 62
3.4 Prêmios Legais: a Discussão Sobre a Taxatividade do Modelo
Previsto na Lei 12.850/13 e o seu Esvaziamento na Prática ............... 67
3.4.1. A Mitigação do Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal
Pública ............................................................................................... 72
3.5. Formalidades do Instrumento de Colaboração Premiada .......... 80
CAPÍTULO 4 - CRÍTICAS AO INSTITUTO......................................... 84
CONCLUSÃO ............................................................................................. 95
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 98
INTRODUÇÃO
Em virtude da perdurável crise há muito observada no sistema
persecutório brasileiro, combinado com a crescente criminalidade
desempenhada de forma articulada e inteligente, o poderio estatal (detentor
do monopólio da pretensão punitiva), amparado por anseios populares e
influências externas, se viu na obrigatoriedade de promover modificações
de forma a gerar maior auxílio nas suas atividades investigativa e punitiva.
De fato, nas últimas décadas, pudemos observar algumas reformas
legislativas e na prática da justiça criminal.
Uma das alternativas vislumbradas foi a tentativa de ampliação dos
consensos inseridos no processo penal, nos quais ambas as partes –
acusação e defesa – possuem maior autonomia para buscarem soluções
interessantes para ambos os lados, na medida do possível. Quando falamos
em justiça penal negocial, causa certa estranheza, e até certo temor por
parte de alguns, que o Estado possa ofertar prêmios, abrandando a sanção,
ou até mesmo perdoando réu confesso em processo criminal, visando obter
informações acerca de outros sujeitos ou elementos pertencentes àquela
prática delituosa. Estaríamos diante do exício do Estado Democrático de
Direito?
Apesar dessa liberdade conferida às partes nessa nova sistemática,
ela não possui caráter absoluto, devendo respeitar-se alguns postulados
inerentes ao devido processo legal, e por óbvio, os ditames constitucionais.
Temos então uma primeira e grande divergencia com a metodologia da plea
bargain norte-americana, instituto que serviu de inspiração nesse novo
caminho, adequando-se, contudo, às normas constitucionais.
Nesta toada, além das possibilidades já reguladas no final do século
passado por intermédio da lei 9.099 de 1995 (Lei dos Juizados Especiais),
nos últimos anos a colaboração premiada vêm ganhando uma notoriedade
cada vez maior no campo jurídico-penal, tornando-se instrument de grande
8
serventia na area processual. É bem verdade que a ideia de tal instituto,
como constatar-se-á no decorrer do presente, não é novidade em nosso
ordenamento; mas a Lei 12.850 de 2013 (Lei do Crime Organizado),
genuinamente, a detalhou e inovou ao trazer os aspectos procedimentais
relativos à sua aplicação.
Ainda que a Lei 12.850/13, principal pilar deste trabalho, tenha nos
brindado com significativos avanços no que concerne à colaboração
premiada, algumas questões passiveis de críticas ainda estão indefinidas na
doutrina e jurisprudência. Da mesma forma, quando do seu emprego, certas
diretrizes do Direito não estão sendo bem observadas nos casos em que o
diploma restou silente
Estabelecidas tais premissas, o objetivo principal deste trabalho é
realizar um estudo dogmático, fazendo um apanhado sobre o regramento
incorporado pela Lei do Crime Organizado e como os operadores do Direito
e tribunais vêm entendendo o disposto por esta norma. Nesta esteira,
pretende-se explicar os descontentamentos oriundos de uma nova legislação
que versa sobre um tópico tão importante e sensível para todos os
envolvidos no contexto; mas, simultaneamente, afirmar o valor e a
essencialidade que o instituto detém para a eficiência da persecução penal,
nos moldes em que esta se apresenta nos dias atuais.
A metodologia utilizada na elaboração do trabalho foi estruturada em
torno de alguns pontos centrais, como uma análise preliminar do instituto;
menção à algumas espécies de negócio no processo penal existentes no
plano internacional, quais sejam: a plea bargain nos Estados Unidos e o
pattenggiamento na Itália, elencando suas semelhanças e distinções com a
colaboração premiada; um breve exame das legislações nacionais anteriores
que previam algum instituto que se assemelhasse à colaboração premiada
que possuímos atualmente; uma profunda análise à Lei 12.850/13,
abordando seus aspectos materiais e procedimentais, especificando as
9
espécies de colaboração, atentando-se ainda aos seus pressupostos e
requsitos legais e às formalidades necessárias.
Serão trazidos ainda, alguns debates amplamente em voga, em sede
doutrinária e jurisprudencial, como a legitimidade para propor o acordo de
colaboração e a controversa decisão do Supremo Tribunal Federal que a
estendeu aos delegados de polícia; a dúvida sobre a taxatividade das
hipóteses de prêmios legais e a sua não observância nos acordos firmados
no âmbito da Lava Jato; e a colaboração como sendo uma tangível exceção
ao princípio da obrigatoriedade da ação pública, vigente em nosso
ordenamento. Por fim, sera posto em discussão algumas críticas inevitáveis
que se fizeram ao instituto, devido às suas tensões com o devido processo,
contrabalanceando-as com argumentos em sentido oposto.
Para o desenvolvimento da pesquisa e embasamento argumentative,
serão utilizados a legislação nacional, orientações e manuais desenvolvidos
na esfera interna do Ministério Público, bem como a vasta doutrina e
jurisprudência, que, dada a relevância do instituto, debruçaram-se sobre o
tema e produziram obras competentes e notáveis para a comunidade
jurídica; ainda que nem sempre uníssonas.
CAPÍTULO
1
-
PRIMEIRAS
NOTAS
SOBRE
A
COLABORAÇÃO PREMIADA
A colaboração premiada, como se apresenta atualmente, é, em linhas
gerais, um mecanismo de investigação na persecução penal, que tem como
objetivo a produção de provas.
De maneira simplória, é um ato praticado pelo réu, que, ao confessar
sua participação em determinada prática delituosa e integrante de uma
organização criminosa, quando preenchidos os requisitos legais, utiliza-se
de sua posição e presta ao Estado informações úteis para investigação
dessa, visando benefício pessoal no âmbito do processo penal.
Inúmeras são as conceituações doutrinárias sobre o instituto. Para
Mário Sérgio Sobrinho, a colaboração premiada:
É o meio de prova pelo qual o investigado ou acusado, ao prestar suas
declarações, coopera com a atividade investigativa, confessando crimes e
indicando a atuação de terceiros envolvidos com a prática delitiva, de sorte a
alterar o resultado das investigações em troca de benefícios processuais1.
Sobre o mesmo tema, Sérgio Fernando Moro leciona:
A delação premiada consiste, em síntese, na utilização de um criminoso como
testemunha contra seus cúmplices. Sua colaboração pode ser utilizada para que
ele deponha em juízo como testemunha contra seus pares ou apenas para que
sirva de fonte de informação para a colheita de outras provas2.
Já para Renato Brasileiro de Lima, trata-se de:
Espécie do Direito Premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como
uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da
infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos
órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes
SÉRGIO SOBRINHO, Mário. O crime organizado no Brasil. In: FERNANDES, Antonio
Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião; MORAES, Maurício Zanoide de (coord.). Crime
organizado: aspectos processuais. São Paulo: RT, 2009. p. 47.
2
MORO, Sérgio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 103.
1
11
para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em
contrapartida, determinado prêmio legal3.
No Recurso em Habeas Corpus nº 69.988/RJ, julgado pelo STJ, o
ministro relator do caso Reynaldo Soares da Fonseca assim definiu:
A colaboração premiada é uma técnica especial de investigação, meio de
obtenção de prova advindo de um negócio jurídico processual personalíssimo,
que gera obrigações e direitos entre as partes celebrantes (Ministério Público e
colaborador), não possuindo o condão de, por si só, interferir na esfera jurídica de
terceiros, ainda que citados quando das declarações prestadas, faltando, pois,
interesse dos delatados no questionamento quanto à validade do acordo de
colaboração premiada celebrado por outrem (…)4.
À luz da Lei nº 12.850/13, para fazer jus aos benefícios da
colaboração premiada, o investigado deve, além de confessar sua
participação, fornecer informações úteis e eficazes para a investigação da
organização criminosa a qual pertence, sem as quais os órgãos responsáveis
não teriam conhecimento; podendo indicar coautores, locais do crime,
planejamentos delituosos, liberação de sequestrado, etc; se, por sua vez,
fornecer informações já conhecidas pelas autoridades, estaremos diante de
simples e já conhecida atenuante de confissão, prevista no Código Penal.
1.1. Natureza Jurídica da Colaboração Premiada
A definição da natureza jurídica da colaboração premiada não
encontra revestimento uníssono e tampouco é pacífica na doutrina, e por
isso muitas vezes é dada como sendo “mista”. Marcos Paulo Dutra Santos,
por exemplo, defende que o acordo de colaboração premiada possui uma
natureza “processual material – forma e conteúdo processuais, mas com
efeitos materiais”5.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2ª ed., rev. ampl. e atual. Salvador:
JusPODIVM, 2014. p. 728-729.
4
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 69.988/RJ. Recorrente:
Artur Cruz Junior e outros. Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca. Brasília, 25 out. 2016.
5
SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Colaboração (delação) premiada. Salvador: Juspodivm, 2016. p.
3
12
Conforme redação da lei supracitada, pode-se considerar a
colaboração premiada como meio de obtenção de prova. O artigo 3º, I é
cristalino nesse sentido:
Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de
outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:
I - colaboração premiada; (...)6.
Fundamental, neste momento, fazer uma diferenciação entre meio de
obtenção de prova e meio de prova, para melhor compreensão. A
colaboração premiada não pertence a este último, mas sim ao anterior,
sendo ela uma técnica, uma ferramenta, um mecanismo que possibilita
obter provas. Gustavo Badaró é assertivo nesse ponto:
Enquanto os meios de prova são aptos a servir, diretamente, ao convencimento do
juiz sobre a veracidade ou não de uma afirmação fática (p. ex., o depoimento de
uma testemunha, ou o teor de uma escritura pública), os meios de obtenção de
provas (p. ex.: uma busca e apreensão) são instrumentos para a colheita de
elementos ou fontes de provas, estes sim, aptos a convencer o julgador (p. ex.: um
extrato bancário [documento] encontrado em uma busca e apreensão domiciliar).
Ou seja, enquanto o meio de prova se presta ao convencimento direto do julgador,
os meios de obtenção de provas somente indiretamente, e, dependendo do
resultado de sua realização, poderão servir à reconstrução da história dos fatos7.
Não se deve, portanto, atribuir à colaboração premiada status de
prova em si, uma vez que deve ser tratada como um caminho para se chegar
ao conteúdo probatório desejado. Tão somente pode o magistrado
estabelecer seu convencimento em relação às provas propriamente ditas, e
não somente ao teor dos acordos colaborativos, o que é expressamente
vedado pela mesma Lei 12.850/13, que em seu artigo 4º dispõe: “§ 16.
Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador”.
87.
6
BRASIL. Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013. Dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a
fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícitos de produtos,
substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, assim elencados pelo
Ministério da Saúde, e dá outras providências. Brasília, DF, 02 ago. 2013.
7
BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. Rio de Janeiro: Campus, 2012. p. 270.
13
O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Habeas
Corpus nº 127.483/PR, que teve como relator o Ministro Dias Toffoli,
debruçou-se sobre a conceituação do instituto, destacando a significação
atribuída pela lei, e, de acordo com entendimento do Ministro, definiu-o
como um “negócio jurídico processual”. Veja-se alguns trechos:
A colaboração premiada é um negócio jurídico processual personalíssimo, uma
vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como ‘meio de obtenção
de prova’, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o
processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse
negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção
premial a ser atribuída a essa colaboração. Dito de outro modo, embora a
colaboração premiada tenha repercussão no direito penal material (ao estabelecer
as sanções premiais a que fará jus o imputado colaborador, se resultar exitosa sua
cooperação), ela se destina precipuamente a produzir efeitos no âmbito do
processo penal (...).
Como se observa, a colaboração premiada, como meio de obtenção de prova,
destina-se à “aquisição de entes (coisas materiais, traços [no sentido de vestígios
ou indícios] ou declarações) dotados de capacidade probatória”, razão por que
não constitui meio de prova propriamente dito. Outrossim, o acordo de
colaboração não se confunde com os depoimentos prestados pelo agente
colaborador. Enquanto o acordo de colaboração é meio de obtenção de prova, os
depoimentos propriamente ditos do colaborador constituem meio de prova, que
somente se mostrarão hábeis à formação do convencimento judicial se vierem a
ser corroborados por outros meios idôneos de prova. (...)
Note-se que a Lei n. 12.850/13 expressamente se refere a um ‘acordo de
colaboração’ e às ‘negociações’ para a sua formalização, a serem realizadas
‘entre delegado de polícia’, o investigado e o defensor, com a manifestação do
Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o
investigado ou acusado e seu defensor’ (art.4º, §6º), a confirmar que se trata de
um negócio jurídico processual8.
Em que pese a divergência acerca da classificação da natureza
jurídica da colaboração premiada, não restam dúvidas sobre sua essência
penal, funcionando como um incentivo à cooperação com o Estado em
troca de uma diminuição da sanção penal, ou até mesmo de um perdão
judicial.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 127.483/PR. Paciente: Erton Medeiros
Fonseca. Impetrante: José Luiz Oliveira Lima e outros. Rel. Min. Dias Toffoli. Brasília, 27 ago.
2015.
8
14
Dessa forma, a partir do conteúdo doutrinário e jurisprudencial
esposado, parece correta, portanto, a atribuição de natureza mista à
colaboração premiada, identificada sua multidisciplinaridade em relação ao
direito material e processual. Do mesmo modo que constitui um
instrumento de investigação criminal com a finalidade de conquista de
provas, também pode ser vista sob a ótica de constituir uma maneira de
defesa, ou seja, o recebimento de benefícios ao contribuir com esta
investigação.
Sintetizando essa posição, o Procurador da República Flávio Pereira
da Costa Matias assim entende:
O acordo de colaboração premiada, destarte, possui natureza mista, a depender do
conteúdo da cláusula que estiver em xeque. Essa constatação, entretanto, não
rechaça o caráter negocial do acordo de colaboração premiada(...)9.
1.2. Diferença entre Colaboração Premiada e Delação Premiada
Ainda nesta parte inicial do presente trabalho, mister pontuar a
diferença existente entre os dois conceitos, que reiteradamente acabam por
ser empregados de forma equivocada, ou ainda, acabam sendo utilizados
como sinônimos. A princípio, podem parecer institutos iguais – o que de
fato são para alguns autores – mas analisando-os a fundo, podemos
perceber sua diferenciação.
Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto atribuem igualdade
a ambos: “O instituto da colaboração premiada, ainda que contando com
nomenclatura diversa, sempre foi objeto de análise pela doutrina, tratado
que é como “delação premiada (ou premial) (...)”10.
Do mesmo modo, Gustavo de Meringhi e Rejane Alves de Arruda
também entendem serem sinônimos as duas práticas:
MATIAS, Flávio Pereira da Costa. Sistema de Justiça Criminal. Brasília: Escola Superior do
Ministério Público da União. 2018. p. 117.
10
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado – comentários à nova
lei sobre o Crime Organizado – lei 12.850/13. Salvador: Juspodivm. 2013. p. 34.
9
15
Embora a nova lei tenha utilizado a expressão “colaboração premiada”, a maior
parte da doutrina emprega o termo “delação premiada, que podem ser
considerados sinônimos para fins didáticos11.
Não há como desconsiderar a posição dos juristas acima. Ainda
assim, não parece posição mais acertada a ser adotada. Como o próprio
nome sugere, ao falarmos de colaboração premiada estamos tratando de
uma concepção mais ampla que a delação premiada.
Todavia, antes de adentrar nesta separação que se pretende fazer,
devemos observar um ponto comum entre os dois institutos: a assunção da
culpa. Importante ressaltar que só há que se falar em delação ou
colaboração se o investigado assumir a culpa da infração. Em não
assumindo para si a responsabilidade junto com os quais imputa a prática
criminosa ou às demais informações prestadas, ou seja, negando sua própria
participação porém apontando supostos terceiros que teriam cometido tal
ato, produtos do crime, localizações, etc., estamos diante de mero
testemunho. Isso ocorre pela própria natureza do instituto. Ora, se o
indivíduo jura não ter cometido o crime, não há motivos para estar numa
colaboração premiada, para obter benefícios acerca de sanções resultantes
de uma ação penal a qual não teria de responder, ou que ao final no mínimo
seria declarado inocente.
Ao confessar a autoria da infração penal, assumindo assim a culpa, o
indivíduo têm algumas alternativas sobre a maneira como poderá colaborar,
se cumprir os requisitos legais e se assim desejar. Nos casos passíveis de
colaboração, pode o colaborador trazer à investigação o nome de diversas
pessoas que também tenham participado na ação delituosa, com o objetivo
de beneficiar-se, de acordo com a lei, a partir dessa acusação. Estamos,
nesse caso, diante da delação premiada (ou chamamento de corréu).
Percebe-se, neste caso, que está presente o elemento da denunciação, há
uma ideia intrínseca de insídia, que, demagogias à parte, é inerente à
ARRUDA, Rejane Alves de; PEREIRA, Ricardo Souza. (Org.). Organização Criminosa –
comentário à lei 12.850/13, de 05 de agosto de 2013. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 73.
11
16
própria prática da delação premiada. Este fator característico é inclusive
alvo de questionamentos e críticas por parte da doutrina, no que tange a
ética e moralidade.
Por outro lado, há também a possibilidade de o acusado, também
assumindo a culpa, não incriminar demais pessoas envolvidas no esquema
criminoso, mas ainda assim fornecer informações úteis e importantes no
âmbito da investigação, com o mesmo intuito de beneficiar-se desse ato.
Nesse cenário, o acusado é um mero colaborador, que pode atuar de
diversas formas sem necessariamente incriminar terceiros, mas sim utilizar
outras variedades da colaboração premiada, que serão examinadas em
momento oportuno deste trabalho.
Importante ressaltar que apenas pode-se caracterizar como delação
ou colaboração se o investigado assumir a culpa da infração. Se este não
assume para si a responsabilidade junto com os quais imputa a prática
criminosa, ou seja, negando sua própria participação porém apontando
supostos terceiros que teriam cometido tal ato, estamos diante de mero
testemunho. Isso ocorre pela própria natureza do instituto. Ora, se o
indivíduo jura não ter cometido o crime, não há motivos para estar numa
colaboração premiada, para obter benefícios acerca de sanções resultantes
de uma ação penal a qual não teria de responder, ou que ao final no mínimo
seria declarado inocente.
Não obstante esse caráter de generalidade da colaboração premiada
em detrimento da especificidade da delação premiada, o surgimento deu-se
de maneira contrária. Isto é, a delação premiada foi a primeira a surgir
normativamente; depois, com uma ampliação do entendimento e perícia nas
investigações, a evolução do processo penal, bem como da própria
sociedade e suas tecnologias, a colaboração premiada foi regulamentada de
forma a abranger mais possibilidades ao investigado.
Saindo do plano teórico e partindo para o plano concreto, é de fácil e
clara compreensão a diferença apontada. A Lei nº 8.072/90, chamada Lei de
17
Crimes Hediondos, foi a primeira em nosso ordenamento a prever a
chamada delação premiada, como se verá no capítulo seguinte. O parágrafo
único de seu artigo 8º dispõe que “o participante e o associado que
denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu
desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”.
Observa-se que o benefício de redução de pena o qual a lei previa
apenas seria concedido àquele que denunciasse outros integrantes do que a
lei chamou de “bando ou quadrilha”, sendo esta a única possibilidade para a
benesse. É o que podemos chamar de delação premiada.
Por sua vez, a Lei 12.850/13, conhecida como Lei de Crime
Organizado, a qual disciplina a colaboração premiada, estabelece “a
identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e
das infrações penais por eles praticadas” (que seria a delação) como apenas
uma das cinco possibilidades de colaboração possíveis, segundo os incisos
do artigo 4º.
Não é estritamente necessário, portanto, para aplicação do benefício,
delatar outras pessoas. Invariavelmente, a imputação de terceiros
envolvidos em estrutura criminosa pode advir de outros atos colaborativos,
mas não há esta obrigatoriedade. É possível existir a figura do colaboradornão-delator.
Resta claro, então, que a delação premiada é uma das modalidades de
colaboração premiada, e está inserida nesta. Segundo Renato Brasileiro de
Lima, “a colaboração premiada funciona, portanto, como gênero, do qual a
delação premiada seria espécie”.
No mesmo sentido, Luiz Flávio Gomes diferencia os dois institutos:
Não se pode confundir delação premiada com colaboração premiada. Esta é mais
abrangente. O colaborador da justiça pode assumir a culpa e não incriminar outras
pessoas (nesse caso, é só colaborador). Pode, de outro lado, assumir a culpa
(confessar) e delatar outras pessoas (nessa hipótese é que se fala em delação
18
premiada). Em outras palavras: a delação premiada é uma das formas de
colaboração com a justiça12.
A questão já apareceu no julgado da Apelação Criminal nº
20170610089843-DF de relatoria do Desembargador Waldir Leôncio Lopes
Júnior, que assim votou:
(…) Inicialmente, convém esclarecer que delação premiada e colaboração
premiada não se confundem. Delatar é uma forma de colaborar, mas nem sempre
a colaboração decorre de uma delação (…). Assim, em que pesem as expressões
delação premiada e colaboração premiada sejam usadas indistintamente, cada
uma preceitua uma situação particular, merecendo, portanto, a devida
diferenciação13.
Inegavelmente, tanto na doutrina como na jurisprudência, e
sobretudo na mídia, a expressão “delação premiada” ganhou maior
notoriedade e é mais empregada, seja pelo fato de ser a modalidade mais
comum e utilizada de colaboração; de teoricamente fornecer maiores
resultados práticos; de alguns entendimentos doutrinários tratando-os como
sinônimos; ou ainda de simples desconhecimento acerca das demais
espécies de colaboração.
Mostra-se incorreto o ligame feito desta forma entre os dois termos,
uma vez que tratam-se de institutos semelhantes, porém distintos, conforme
pudemos observar. Podemos concluir que toda delação premiada é uma
forma de colaboração premiada, mas nem toda colaboração premiada será
através da delação premiada.
1.3. Histórico da Colaboração Premiada
Embora a origem mais longínqua de que se tem conhecimento do
instituto provavelmente remonte à Idade Média, no sistema anglo-saxão, na
GOMES, Luiz Flavio. Coordenador e autor responsável. Lei de drogas comentada. 3ª ed., São
Paulo: RT, 2008. p. 227.
13
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Criminal nº 20170610089843-DF
(0008817-73.2017.8.07.0006). Apelante: Carlos Daniel Araujo Rodrigues. Apelado: Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios. Rel. Desembargador Waldir Leôncio Lopes Júnior.
Brasília, 19 jul. 2018.
12
19
qual existia a expressão crown witness (testemunha da coroa), os maiores
relatos do início desta prática, no Brasil – àquela época simplesmente a de
delação – são acerca do sistema ibérico, com as Ordenações Filipinas, que,
desde o século XVII eram aplicadas no sistema brasileiro, ainda
subordinado à coroa portuguesa.
A parte criminal do Código Filipino encontrava-se no Livro V, no
qual, em seu título CXVI, continha uma ideia embrionária de uma delação
premiada, denominada “Como se perdoará aos malfeitores, que derem
outros à prisão”, transcrito abaixo:
Qualquer pessôa, que der à prisão cada hum dos culpados, e participantes em
fazer moeda falsa, ou em cercear, ou per qualquer artifício mingoar, ou corromper
a verdadeira, ou em falsar nosso sinal, ou sello, ou da Rainha, ou do Principe meu
filho, ou em falsar sinal de algum Vedor de nossa fazenda, ou Dezembargador, ou
de outro nosso Official Mór, ou de outros Officiaes de nossa Caza, em cousas,
que toquem a seus Officios, ou em matar, ou ferir com bêsta, ou espingarda,
matar com peçonha (2), ou em a dar, ainda que morte della se não siga, em matar
atraiçoadamente, quebrantar prisões e Cadêas (3) de fóra per força, fazer furto, de
qualquer sorte e maneira que seja, pôr fogo acinte para queimar fazenda, ou
pessôa, forçar mulher, fazer feitiços, testemunhar falso, em soltar presos por sua
vontade, sendo Carcereiro, em entrar em Mosteiro de Freiras com proposito
deshonesto, em fazer falsidade em seu Officio, sendo Tabellião, ou Scrivão; tanto
que assi der à prisão os ditos malfeitores, ou cada hum delles, e lhes provar, ou
forem provados cada hum dos ditos delictos, se esse, que o assi deu à prisão,
participante em cada hum dos ditos malefícios, em que he culpado aquelle, que he
preso, havemos por bem que, sendo igual na culpa, seja perdoado livremente,
postoque não tenha perdão da parte.
E se não fôr participante do mesmo maleficio, queremos que haja perdão para si
(tendo perdão das partes) de qualquer maleficio, que tenha, postoque grave seja, e
isto não sendo maior daquelle, em que he culpado o que assi deu à prisão.
E se não tiver perdão das partes, havemos por bem de lhe perdoar livremente o
degredo, que tiver para Africa, até quatro annos, ou qualquer culpa, ou meleficio,
que tiver commettido, porque mereça degredo até os ditos quatro annos.
Porém, isto se entenderá, que o que dér à prisão o malfeitor, não haja perdão de
mais pena, nem degredo, que de outro tanto, quanto o malfeitor merecer.
E além do sobredito perdão, que assi outorgamos, nos praz, que sendo o
malfeitor, que assi foi dado à prisão, salteador de caminhos, que aquelle, que o
20
descobrir, e dér à prisão, e lho provar, haja de Nós trinta cruzados de mercê14
(mantida a ortografia original).
Cumpre ressaltar um ponto interessante nesta sistemática, em que o
indivíduo não necessariamente teria de ter participado do crime “delatado”,
e ainda poderia ser beneficiado, desde que o delito cometido por este não
fosse considerado mais grave que a infração que fora delatada. Outro
aspecto que chama atenção é uma efetiva “premiação” de trinta cruzados ao
“delator”.
Esta ideia do Código Filipino como introdutor de uma futura delação
premiada, e ainda, colaboração premiada, em nosso ordenamento jurídico
foi reconhecida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello,
que, na PET 7.074/DF de 29 de junho de 2017, ligada à Operação Lava
Jato, assim asseverou:
A colaboração premiada, embora em voga no direito processual penal italiano,
notadamente a partir de meados da década de 1970, em contexto de combate ao
terrorismo (que, em momento subsequente, no início da década de ‘90, veio a ser
utilizada na operação “Mãos Limpas”, objetivando a repressão a práticas de
corrupção governamental), surgiu, entre nós, no direito reinol, fundada nas
Ordenações do Reino (1603), instituída, primariamente, com o objetivo de
agraciar aqueles que delatassem os autores e partícipes do crime de falsificação
de moeda (Título 116) e, sobretudo, do crime gravíssimo de “lesa-majestade”
(Título 6), que constituía o mais sério delito previsto no temível Livro V do
Código Filipino, o “liber terribilis”, tal a prodigalidade com que esse estatuto
legal cominava a pena de morte!!! Na Conjuração Mineira (1789), Joaquim
Silvério dos Reis valeu-se desse meio e delatou os inconfidentes de Vila Rica,
hoje Ouro Preto, havendo sido beneficiado pela legislação portuguesa
consubstanciada, quanto a esse ponto, nas (então) vigentes Ordenações
Filipinas!15 (grifos originais).
O Código Filipino permaneceu vigente no Brasil até 1830, quando
foi promulgado o Código Criminal do Império do Brasil, que foi a primeira
legislação criminal genuinamente brasileira. Entretanto, não havia mais
previsões sobre a delação premiada e assim permaneceria até pouco tempo
ALMEIDA, Candido Mendes de. Codigo Philippino ou Ordenações e leis do Reino de Portugal:
recopiladas por mandado d'El Rey D. Philippe I. Rio de Janeiro: Typ. Do Instituto Philomathico.
1870. p. 1272.
15
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição nº 7.074/DF. Distrito Federal. Relator: Ministro
Edson Fachin. DJ: 29 jun. 2017.
14
21
atrás, quando, no final do século XX, influenciado por legislações
estrangeiras, o direito brasileiro voltou a olhar para esse instituto como uma
opção válida e útil.
Duas dessas grandes influências são: (i) os Estados Unidos, com o
instituto da plea bargain; e (ii) a Itália, com o chamado pattenggiamento.
O primeiro caso diz respeito ao direito norte-americano, que é dotado
de alta permissividade. Devemos atentar para o fato de que o sistema
jurídico americano é o da common law, no qual os Promotores dispõem de
grande discricionariedade em suas atuações. Essa discricionariedade é
tamanha que alguns doutrinadores a entendem como “um absoluto arbítrio
com relação à ação penal”16. Isto posto, a plea bargain surge como uma
alternativa de forma a diminuir o número de processos e dar uma tratativa
mais célere aos casos, substituindo-os por uma negociação com o acusado,
que deve se declarar culpado.
São dois os tipos mais comuns de plea bargain: (i) o charge bargain,
que diz respeito à “carga penal”, no qual o acusado, após negociação,
assume autoria de um crime com pena menor ao qual fora inicialmente
acusado; e (ii) o sentence bargain, no qual a sentença é “combinada”, ou
seja, o acusado e a promotoria chegam a um consenso sobre a sentença que
será proposta, e então o acusado se declara culpado ou “não contesta”17.
A decisão final ainda fica com o juiz, que deve analisar os termos da
negociação e ver se esta é adequada, mas a verdade é que com a ampla
discricionariedade dos promotores, o controle judicial não é muito incisivo.
Este procedimento é amplamente utilizado, de forma que a máquina
jurídica dos Estados Unidos está profundamente condicionada a esta
PASCHOAL, Janaína Conceição. Breves Apontamentos Relativos ao Instituto do ‘Plea
Bargaining’ no Direito Norte-Americano. Revista do Curso de Direito do Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas – UniFMU, ano XV, nº 23, 2001. p. 115.
17
FIND LAW. Plea Bargains: In Depth. Disponível em: https://criminal.findlaw.com/criminalprocedure/plea-bargains-in-depth.html. Acesso em: 21 ago. 2019.
16
22
prática, como explica o juiz federal do distrito de Maryland, Peter Messitte,
em palestra ministrada no Brasil, em 2017:
Nos EUA, 95% dos processos terminam em ‘plea bargain’. Seria impossível a
Justiça norte-americana funcionar sem este instrumento, pois simplesmente não
teríamos capacidade de cumprir todas as etapas de cada processo 18.
Percebe-se, então, uma alta dependência pelo instituto, que foi
implantado com o surgimento da ideologia de uma justiça negocial, de
forma a conter a grande quantidade de processos que tomaram conta do
judiciário americano com a crescente de criminalidade que ocorreu há
algumas décadas.
A experiência italiana com essa forma de negociação iniciou por
volta da década de 70, quando o governo passou a tratar a situação do
terrorismo e das máfias de forma emergencial, visto o crescimento dessas
práticas em território italiano. Os delatores eram então chamados de pentiti.
Um dos casos mais célebres que merece menção foi a instauração do
“maxiprocesso”, que em meados da década de 80, tinha a finalidade de
apurar os crimes cometidos pela máfia siciliana e acabou por condenar
duramente centenas de réus que estavam envolvidos. Naquela oportunidade,
o juiz Giovanni Falcone contou com a colaboração do famoso Tommaso
Buscetta – mafioso italiano que havia sido capturado no Brasil e extraditado
à Itália – para investigar e sentenciar os responsáveis.
O pattenggiamento, por sua vez, surgiu no ano de 1981 em
legislação esparsa, e, sendo pouco utilizado, acabou passando por
aperfeiçoamentos e voltou a aparecer no Código de Processo Penal de 1988
– que revogou a referida lei – possuindo uma dinâmica muito mais regrada
que o plea bargain americano.
FUNDAÇÃO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. Delação premiada: uma comparação
entre Estados Unidos e Brasil. Disponível em:
https://fundacaofhc.org.br/iniciativas/debates/delacao-premiada-uma-comparacao-entre-estadosunidos-e-brasil. Acesso em: 20 ago. 2019.
18
23
Uma das principais diferenças entre essas duas figuras é a maior
possibilidade de controle judicial no pattenggiamento, uma vez que: (i)
incide sobre certos tipos de crime (inicialmente seria cabível a crimes cuja
sentença se limitasse a até dois anos, mas, com reforma legislativa em 2003,
esse limite subiu para até cinco anos, ambos os prazos após o cômputo da
redução de um terço que beneficia o réu); (ii) o Ministério Público deve
motivar a recusa; e (iii) o juiz deve homologar o acordo.
Esta diferença é explicada do ponto de vista prático por Vinicius
Gomes de Vasconcellos e Bruna Capparelli, em trecho do volume 15 da
Revista Eletrônica de Direito Processual da Pós-Graduação da UERJ:
A análise do instituto da aplicação da pena por requisição das partes propicia
importantes contribuições à análise crítica dos mecanismos negociais em sistemas
processuais continentais. Primeiramente, ponto fulcral do exemplo italiano é a
necessidade de motivação da decisão do Ministério Público acerca do cabimento
do patteggiamento e as consequências da recusa ilegítima. Em contraste com o
modelo estadunidense, cuja ampla discricionariedade do promotor impede amplo
controle acerca da barganha, na Itália os motivos da recusa são verificados pelo
juiz, que, se entendê-la injustificada, assegurará a redução solicitada pelo
acusado, mesmo após o transcorrer de todo o procedimento ordinário(...)19.
Cumpre frisar o elucidado no final do trecho transcrito: “mesmo após
o transcorrer de todo o procedimento ordinário”. Isso significa que a
negociação tem grande prestígio e deverá ser adotada, contanto que
homologada pelo juiz. O artigo 445 do Código Processual italiano dispõe
que o pactuado entre as partes equivale a uma condenação, permitindo que
o juiz suspenda a sentença20.
Segundo leciona Ada Pellegrini Grinover, existem três posições que
o acusado pode assumir na colaboração premiada do direito italiano:
'Arrependido', aquele que antes da sentença condenatória, dissolve ou determina a
dissolução da organização criminosa; retira-se da organização, se entrega sem
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. CAPPARELLI, Bruna. Revista Eletrônica de Direito
Processual. v. 15. Periódico semestral da pós-graduação stricto sensu em Direito processual da
UERJ. 2015. p. 446.
20
VAN CLEAVE, Rachel. An Offer You Can't Refuse? Punishment Without Trial in Italy and the
United States: The Search for Truth and an Efficient Criminal Justice System. San Francisco,
Califórnia, Estados Unidos. 1997. p. 442-443.
19
24
opor resistência ou abandona as armas, fornece em qualquer caso informações
sobre a estrutura e organização da societas celeris, e impede a execução dos
crimes para os quais a organização se formou.
'Dissociado', é o que antes da sentença condenatória, se empenha com eficácia
para elidir ou diminuir as consequências danosas ou perigosas do crime ou
impede a prática de crimes conexos e confessa os crimes cometidos.
'Colaborador', aquele que antes da sentença condenatória, com os
comportamentos acima previstos, ajuda as autoridades policiais e judiciárias na
colheita de provas decisivas para a individualização e captura de um ou mais
autores dos crimes ou fornece elementos de prova relevantes para a exata
reconstituição dos fatos e a descoberta dos autores21.
Realizando um exercício de direito comparado entre esses dois
ordenamentos com o procedimento empregado no Brasil, podemos observar
uma aproximação clara entre a colaboração premiada e o pattenggiamento,
até pelo fato de ambos os países adotarem o sistema da civil law e serem
norteados pelo princípio da indisponibilidade da ação penal.
Entretanto, a contrario sensu, é fácil também afirmar que a
colaboração premiada brasileira distancia-se do plea bargain, que possui
um regime muito mais amplo e conta com uma liberdade maior do
promotor na elaboração dos acordos, bem como os termos nos quais este
será ajustado. Isso se dá, entre outros aspectos, pelo Princípio da
Oportunidade (ou Conveniência) que rege a sistemática da instauração da
ação penal no sistema jurídico americano.
GRINOVER. Ada Pellegrini. O crime Organizado no sistema Italiano. RT, 1995. p. 15 apud.
GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime Organizado. França
Lemos & Cruz, 2006. p.103-104.
21
CAPÍTULO
2
-
A
EVOLUÇÃO
DA
COLABORAÇÃO
PREMIADA NO BRASIL
Conforme observou-se anteriormente, a colaboração premiada esteve
presente na história da humanidade desde os primórdios, e no Brasil, desde
antes de sua independência. Ao passar dos anos, o instituto vêm se
modificando e se modernizando, especialmente após a Constituição de
1988, na qual passou-se a ter uma ideia mais patente de proteção ao
infrator.
Nessa toada, diversas leis que contemplam alguma forma de justiça
negocial começaram a surgir no cenário nacional, com o intuito de
beneficiar acusados que trouxessem informações úteis ao poder público a
fim de ajudar na investigação e persecução penal dos demais envolvidos.
Este capítulo será responsável por ementar todas essas leis que
surgiram a partir de 1990 até chegar na legislação mais atual que prevê a
aplicação do instituto, de forma a melhor compreender-se a dinâmica
adotada nesses anos e as modificações as quais o instituto sofreu até chegar
na Lei do Crime Organizado de 2013.
2.1. Lei 8.072/1990 - Lei de Crimes Hediondos
A Constituição de 1988 trouxe pela primeira vez a menção aos
crimes denominados hediondos, oportunidade na qual, em seu artigo 5º,
XLIII, considerou inafiançáveis os delitos desta natureza. Pouco menos de
dois anos depois, entraria em vigor a lei 8.072, que teve como finalidade
caracterizar tais crimes, bem como editar algumas disposições sobre o
cumprimento de pena nesses casos previstos, além de acrescentar e
modificar a redação de alguns dispositivos no Código Penal.
Vejamos a lei. O artigo 7° acrescentou o seguinte parágrafo ao
Código Penal:
26
Art. 7º Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o seguinte parágrafo:
Art. 159 (…) § 4º Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que
denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena
reduzida de um a dois terços22.
De forma semelhante, o artigo seguinte dispôs sobre a possibilidade de redução
de pena do acusado que incorresse nos crimes hediondos. Veja-se:
Art. 8º Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código
Penal, quando se tratar de crimes hediondos, prática da tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando
ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a
dois terços23.
Analisando os transcritos, podemos fazer algumas observações
importantes sobre a redação dos dispositivos. Inicialmente, o sujeito a ser
beneficiado no primeiro trecho é classificado como “coautor” enquanto o
segundo artigo trazido fala em “participante e associado”.
Em ambos os casos, para obter a redução da pena, seria necessário
“denunciar” à autoridade o grupo, à época denominado de “bando ou
quadrilha”, de forma que ainda não se possuía a mentalidade nem os
atributos técnicos necessários a se pensar numa “organização criminosa”
nos moldes que temos hoje. Além disso, tal denúncia deveria “facilitar a
libertação do sequestrado” na primeira hipótese; e “possibilitar o
desmantelamento” da dita quadrilha ou bando, na segunda hipótese aqui
analisada.
Verifica-se então que o embrião da colaboração premiada no
ordenamento brasileiro, por esta lei inaugurada, basicamente restringia-se a
uma incipiente delação premiada. Ainda que o artigo 7° pareça encaixar-se
BRASIL. Lei nº 8.072 de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do
art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Brasília, DF, 25 jul.
1990.
23
Ibid., Brasília, DF, 25 jul. 1990..
22
27
na hipótese de colaboração para libertação24 (que será analisado
posteriormente no item 3.1.2) o coautor deveria facilitar a libertação do
sequestrado necessariamente por meio da denúncia do bando ou da
quadrilha.
Na explicação de Vinicius Gomes de Vasconcellos, inicialmente a
doutrina caracterizava o instituto como possuindo uma natureza penal
material, de forma que posteriormente esse conceito mudou, mormente com
o advento da Lei do Crime Organizado em 2013:
Isso ocorreu em razão da postura adotada pelo legislador brasileiro no sentido de
prever o instituto, seus requisitos e consequências, mas não o seu procedimento
em caráter processual.[…] Entretanto, tal cenário foi profundamente alterado pela
Lei 12.850/13, diploma normativo que trata, quase que exclusivamente, de
matéria processual, introduzindo espaços de não obrigatoriedade (como o art. 4º,
§ 4º) e benefícios concedidos a partir de lógica de direito adjetivo, além de um
regramento mais detalhado do procedimento a ser adotado25.
Fica claro que o legislador pouco preocupou-se com a delimitação
procedimental ou as consequências dessa colaboração no curso do processo,
o que tentou se corrigir nos últimos diplomas legais que versam sobre o
tema. Importante também mencionar que estas previsões ainda encontramse vigentes.
2.2. Lei 8.137/1990 - Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária,
Econômica e Relações de Consumo
A Lei nº 8.137, do mesmo ano, trouxe conceituações acerca dos
crimes que atentam contra a ordem tributária, a ordem econômica e as
relações de consumo. As inspirações vieram do então recém-promulgado
Código de Defesa do Consumidor, norteado pela ideologia surgida à época
de maior proteção ao consumidor, bem como a necessidade de maior
arrecadação tributária.
Nesse sentido: ARAS, Vladimir. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. CARLI,
Carla Veríssimo de (Org.). Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011. p. 427.
25
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração Premiada no Processo Penal. São Paulo:
Thomson Reuters, 2018. p. 60-61.
24
28
Da mesma forma que os dispositivos analisados no item anterior, o
artigo 16, parágrafo único, desta lei, disciplinou, de forma muito
semelhante, a redução de pena para o colaborador:
Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos
crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a
autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou
coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de
um a dois terços26.
Chama atenção a aparição da expressão “confissão espontânea” que
não era explícita nos dispositivos citados anteriormente, assegurando um
dos requisitos primordiais da colaboração, conforme se verifica nos moldes
atuais.
Atente-se que tal parágrafo fora introduzido pela Lei nº 9.080 de
julho 1995, ou seja, cinco anos depois da promulgação da original e poucos
meses antes da Lei nº 9.099, que trouxe o já conhecido instituto
flexibilizador da suspensão condicional do processo (sursis processual)
evidenciando uma orientação do legislador no sentido de aumentar as
possibilidades de negociações inter partes na persecução penal.
Importante salientar que a lei tratada neste item surgiu quase que
simultaneamente à Lei nº 9.034, a antiga Lei do Crime Organizado (que
será tratada a seguir), antecessora da afamada Lei nº 12.850/13, objeto
principal deste trabalho, que será posteriormente analisada em capítulo
apartado.
BRASIL. Lei nº 8.137 de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária,
econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Brasília, DF, 27 dez. 1990.
26
29
2.3. Lei 9.034/1995 - Antiga Lei do Crime Organizado (Revogada)
A Lei nº 9.034 de 1995 foi a primeira em nosso ordenamento que
tratou da matéria da organização criminosa. No seu escopo, a lei ocupou-se
em descrever de forma tímida as atividades criminosas praticadas de forma
organizada, mencionava alguns meios de produção de prova e de
procedimentos investigativos. Faz alusão também à colaboração premiada,
conforme será visto a seguir.
Mas, infelizmente, o legislador não foi feliz na edição desta norma,
de maneira que a Lei pouco agregou no cenário jurídico, muito pela
flagrante deficiência no conteúdo dos seus dispositivos. Luiz Flávio Gomes,
em 2002 (portanto antes da edição da atual Lei de Crime Organizado)
ressaltou a ineficiência das normas que existiam até então em conceituar
tais institutos e incentivar suas aplicações na prática:
[...] cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente
poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador
não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta
concluir que, nesse ponto, a lei (9.034/95) passou a ser letra morta. Organização
criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma
enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que
atenda o princípio da legalidade). Se as leis do crime organizado no Brasil (Lei
9.034/95 e Lei 10.217/01), que existem para definir o que se entende por
organização criminosa, não nos explicaram o que é isso, não cabe outra
conclusão: desde 12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais
fundados nesse conceito que ninguém sabe o que é. São eles: arts. 2º, inc. II
(flagrante prorrogado), 4º (organização da polícia judiciária), 5º (identificação
criminal), 6º (delação premiada), 7º (proibição de liberdade provisória) e 10º
(progressão de regime) da Lei 9.034/95, que só se aplicam para as (por ora,
indecifráveis) organizações criminosas27.
Conforme citado acima, o artigo que versa sobre a colaboração
premiada é o artigo 6º, que reza:
GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei nº 10.217/01?
Apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95. Jus Navigandi, Teresina,
ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/2919. Acesso em: 30 ago. 2019.
27
30
Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de
um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao
esclarecimento de infrações penais e sua autoria28.
Primeiramente é importante destacar que, muito embora o
prestigiado professor Luiz Flávio Gomes utilize o termo delação premiada,
ainda que o trecho seja datado anteriormente ao advento da Lei nº
12.850/13, que trouxe o conceito de colaboração premiada, parece mais
assertivo a utilização deste segundo termo, haja vista que pela primeira vez
o legislador fez uma dissociação entre uma colaboração quase que
indeterminada - “esclarecimento de infrações penais” - e a delação
propriamente dita - “e sua autoria” - como já foi visto no início deste
trabalho, quando tratou-se da diferenciação dos dois termos.
Feita esta prévia explicação, passemos agora a analisar criticamente
o diploma legal apresentado.
Em sentido amplo, a lei falha em conceituar a figura da organização
criminosa, de maneira que, em nenhum dos seus pouco mais de 10 artigos,
preocupou-se em definir de maneira concreta o que viria a ser efetivamente
uma organização criminosa e quem viria a ser o integrante desta. Não só
isso, mas também falhou ao não estabelecer limites e diretrizes
procedimentais no tocante a alguns aspectos investigativos, bem como a
colaboração premiada.
Em sentido estrito, averiguando o artigo 6º, sua escrita acabou por
gerar dúvidas quanto a necessidade da voluntariedade da colaboração
premiada, de forma que levantou-se essa discussão entre autores e
operadores do direito. Uma vez o dispositivo insere a condicionalidade ao
dizer a pena será reduzida “quando a colaboração espontânea do agente
levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria” passou-se a
questionar se a colaboração poderia ser de outra forma que não
BRASIL. Lei nº 9.034 de 3 de maio de 1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais
para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Brasília, DF, 3 mai.
1995.
28
31
espontânea29, e se esse caso fosse possível, quais benefícios o colaborador
teria direito. Veja-se que à época o instituto ainda não era difundido como
nos dias atuais, quando sabemos claramente que a voluntariedade é
requisito essencial para a validade da celebração de um acordo de
colaboração premiada.
A Lei nº 9.034/95, antiga lei do crime organizado, foi inteiramente
revogada de maneira expressa pela Lei nº 12.850 de 2013.
2.4. Lei 9.613/1998 - Lei de Lavagem de Bens e Capitais
A Lei de Lavagem de Bens e Capitais é de grande importância para o
refinamento do instituto. Desde 1998, tal lei previa também a possibilidade
de certos benefícios àquele que decidisse colaborar com as autoridades no
transcorrer da persecução. Aliás, não só previa o mesmo benefício que
todas as legislações anteriores previam (a redução da sanção penal de um a
dois terços), como estendeu as formas de beneficiar o colaborador. Em sua
redação original, o parágrafo 5º do artigo 1º previa o seguinte:
§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida
em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena
restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente
com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores
objeto do crime30.
Como nos demais casos, vemos que, ainda que haja uma evolução
normativa, o instituto ainda carecia de maiores instruções técnicas acerca do
procedimento a ser adotado quando da feitura do acordo de colaboração
premiada.
VASCONCELLOS, 2018, p. 78.
BRASIL. Lei nº 9.613 de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou
ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os
ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá
outras providências. Brasília, DF, 3 mar. 1998.
29
30
32
Em 2003, o então senador Antonio Carlos Valadares apresentou o
Projeto de Lei nº 209 que modificaria a Lei de Lavagem de Bens e Capitais,
objetivando uma maior eficiência no combate a estes tipos penais. A
redação final que fora aprovada pelo plenário do Senado Federal continha
algumas alterações significativas e que serviriam de baliza no método da
realização dos acordos da então denominada “colaboração espontânea”31:
§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime
aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a
qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe
colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que
conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores
e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
§ 6º Na hipótese do § 5º deste artigo, não se lavrará termo nos autos da
negociação autorizada pelo juiz e referendada pelo Ministério Público, devendo
constar de termo separado e mantido sob sigilo.
§ 7º O acordo de que tratam os §§ 5º e 6º deste artigo, se cumprido, obrigará a
sentença aos seus termos32.
Tal proposta gerou certo otimismo em parte da doutrina entusiasta do
instituto, como o Procurador da República Celso Costa Leal evidenciou:
Até o momento não existe qualquer regulamentação legal do procedimento a ser
adotado. Experiências bem sucedidas em muito contribuíram, mas uma lei
adequada sobre o tema faz falta, até mesmo como forma de uniformização do
procedimento adotado.
Ao que tudo indica, o Projeto de Lei n. 209 do Senado Federal será aprovado e
com ele a sonhada regulamentação da matéria. O crime organizado está em
constante modernização e, a cada momento, novas formas de crimes são
implementadas. A Justiça e os órgãos de persecução penal têm igualmente que se
modernizarem e desenvolverem novas formas de combate ao crime33.
Nesse sentido: VASCONCELLOS, 2018, p. 79.
BRASIL. Projeto de Lei nº 209, de 2003 (do Senado Federal). Dá nova redação a dispositivos
da Lei nº 9.613, de 3 mar. 1998, objetivando tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes
de lavagem de dinheiro. Brasília, DF, 8 mai. 2008. Disponível em:
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/58211. Acesso em: 02 set. 2019.
33
LEAL, Celso Costa Lima Verde. Aspectos procedimentais da delação premiada e a nova lei de
lavagem de dinheiro. In: Capacitar. VII Curso de ingresso e vitaliciamento para Procuradores da
República. Brasília: ESPMU, 2011. p. 62.
31
32
33
Após tramitar na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº
3.443 a partir de 2008, foi finalmente transformado na Lei nº 12.683 em
julho de 2012. Ocorre que os parágrafos 6º e 7º, que haviam sido acrescidos
pelo Senado inicialmente, foram suprimidos e não apareceram na redação
final que tornou-se lei. Destarte, a regulamentação do procedimento a ser
adotado – ainda que não tivesse recebido, mesmo no PL 209, a atenção que
de fato merece – foi novamente deixada de lado pelo legislador.
Por outro lado, com a mudança do texto do §5º, houve progresso em
relação às formas de colaboração possíveis: a) esclarecimentos que
conduzam à apuração das infrações penais; b) identificação dos autores,
coautores e partícipes; e c) localização dos bens, direitos ou valores objeto
do crime, confirmando a tendência de abarcar diversas formas de
colaboração, e não somente a delação.
Outro ponto interessante que a reforma trouxe foi a inserção do
trecho “a qualquer tempo”, o que tornou possível a concessão do benefício
a qualquer momento, dilatando o momento possível para a celebração do
acordo de colaboração inclusive para a execução penal, aspecto que não
havia sido regido por nenhuma legislação anterior.
2.5. Lei 9.807/1999 - Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas
Até este dado momento, o ordenamento jurídico brasileiro não previa
maiores proteções ao colaborador, o que, para alguns juristas, foi motivo
que levou a uma pouca aplicabilidade do instituto. A Lei nº 9.807 surgiu
antes da virada do século para suprir essa necessidade de proteção da
integridade física do colaborador, bem como de sua família. É bem da
verdade que o diploma legal não esgota o tema como deveria, tanto na
regulação do procedimento em si, como na própria seara da proteção ao
colaborador.
34
Uma grande diferença em relação às demais leis, é que esta difunde o
instituto da colaboração premiada. Ao passo que as normativas anteriores
conferiam a possibilidade de celebração de acordos de colaboração
premiada adstrita aos crimes específicos nelas previstos, a Lei de Proteção a
Vítimas e Testemunhas é uma lei de caráter geral que também disciplina o
instituto, expandindo assim, seu campo de aplicação.
A redação da Lei nº 9.807 relacionada à colaboração premiada, que
está localizada no capítulo II – “Da proteção aos réus colaboradores”, pode
ser dividida em duas partes: a primeira, dos artigos 13 e 14, é a parte que
regra o instituto em si, com as possibilidades e requisitos de aplicação para
obter os prêmios, indo de concessão de perdão judicial à redução de pena,
respectivamente:
Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo
criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade
do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato
criminoso.
Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a
investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores
ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total
ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um
a dois terços34.
BRASIL. Lei nº 9.807 de 13 jul. 1999. Estabelece normas para a organização e a manutenção de
programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal
de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou
condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao
processo criminal. Brasília, DF, 13 jul. 1999.
34
35
A segunda parte deste capítulo II é a que efetivamente veio para
tratar sobre a proteção ao colaborador, no artigo 15 e parágrafos seguintes
da lei:
Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela,
medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando
ameaça ou coação eventual ou efetiva.
§ 1o Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante
delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais
presos.
§ 2o Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor
do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8o desta Lei.
§ 3o No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal
determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em
relação aos demais apenados35.
Observa-se que o texto, sobretudo o caput do art. 15, deu algumas
soluções generalizadas para a situação em que o colaborador necessite de
amparo, enquanto os parágrafos 1º e 3º previram algumas situações mais
específicas. Com essas mudanças, o legislador esperou incentivar ainda
mais a utilização destas práticas, tanto por parte dos colaboradores, que
estariam mais resguardados; quanto por parte das autoridades, revestidas de
um pouco mais de segurança jurídica e conhecimento técnico.
2.6. Lei 10.409/2002 e Lei 11.343/2006 - Leis de Drogas
A lei nº 10.409 surgiu em 2002 para combater os crimes ligados à
entorpecentes, e foi mais uma legislação que previu em sua composição a
figura do réu colaborador, mais especificamente no capítulo IV, intitulado
“Do procedimento penal”. Apesar de vigorar por um breve tempo, a
metodologia adotada neste âmbito foi a mais completa em termos de
detalhes procedimentais e a que mais se assemelha ao sistema que temos na
35
BRASIL. Lei nº 9.807 de 13 jul. 1999. Brasília, DF, 13 jul. 1999.
36
Lei nº 12.850. Assim diziam os parágrafos 2º e 3º do artigo 32 da referida
lei:
§ 2º O sobrestamento do processo ou a redução da pena podem ainda decorrer de
acordo entre o Ministério Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a
existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus
integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que,
de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça.
§ 3º Se o oferecimento da denúncia tiver sido anterior à revelação, eficaz, dos
demais integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou da localização
do produto, substância ou droga ilícita, o juiz, por proposta do representante do
Ministério Público, ao proferir a sentença, poderá deixar de aplicar a pena, ou
reduzi-la, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), justificando a sua decisão36.
Alguns comentários sobre ambos dispositivos supracitados merecem
ser feitos: primeiramente, este foi o primeiro de diploma que tratou a
colaboração como uma negociação entre as partes (réu e Ministério
Público).
Em segundo lugar, o final do parágrafo 2º deixa em aberto as formas
de se “contribuir para os interesses da Justiça”; não se restringindo nem
somente à delação premiada, nem às maneiras elencadas no dispositivo;
mas dando liberdade às partes para acordarem sobre eventuais formas
diversas de contribuição não previstas, que, nada obstante, poderiam ser
ajustadas num acordo de colaboração premiada.
Por último, mas não menos importante, o parágrafo 3º ainda veio
disciplinar o tema numa ótica procedimental, baseado na temporalidade da
celebração do acordo e na atuação do Ministério Público.
Todavia, em 2006 essa lei foi substituída pela Lei n° 11.343, a Nova
Lei de Drogas, que manteve o réu colaborador em seu artigo 41, porém com
consideráveis mudanças:
BRASIL. Lei nº 10.409 de 11 de janeiro de 2002. Dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a
fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícitos de produtos,
substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, assim elencados pelo
Ministério da Saúde, e dá outras providências. Brasília, DF, 11 jan. 2002.
36
37
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a
investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores
ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no
caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços37.
À primeira vista já podemos perceber que o tema, que havia sido
tratado em dois dispositivos anteriormente, fora abreviado em apenas um
artigo. Além disso, a espécie premial de perdão judicial também não foi
repetida nesse texto, caracterizando uma real diminuição de incentivo por
parte da lei.
Focando-se no texto em si, outra diferença notável é na própria
redação. Enquanto sua predecessora, nos parágrafos 2º e 3º previa requisitos
alternativos, a lei de 2006 dá a entender que os requisitos são cumulativos.
Porém, ainda assim, a interpretação mais correta é a de não cumulatividade,
como se extraía da normativa anterior. Assim lecionam Paulo Roberto
Galvão Carvalho e Andrey Borges de Mendonça:
Apesar da conjunção aditiva, nada impede que o magistrado aplique a causa de
redução se o agente tiver delatado apenas quem são os demais partícipes da
empreitada criminosa ou apenas onde se encontra a droga, dentro de suas
possibilidades. Isto porque, em determinadas hipóteses, o agente não saberá onde
se encontra o produto do crime ou, ainda, porque este já foi recuperado ou, ao
contrário, saberá onde se encontra o produto do crime, mas não terá possibilidade
de identificar os demais autores e partícipes38.
Resta claro, portanto, que o legislador foi profundamente infeliz
nessa transição da Lei de Drogas no que tange o instituto da colaboração
premiada. É evidente o retrocesso, que simplesmente faz alusão às
legislações ultrapassadas, com conteúdo técnico escasso e esclarecimentos
procedimentais nulos, numa redação pobre e defeituosa, retornando à maior
BRASIL. Lei nº 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.
Brasília, DF, 23 ago. 2006.
38
CARVALHO, Paulo Roberto Galvão; MENDONÇA, Andrey Borges de. Lei de Drogas: Lei
11.343 de 23 de agosto de 2006 – Comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2012. p. 191.
37
38
importância para a perspectiva material do instituto conforme o
ordenamento costumava dar anteriormente.
CAPÍTULO 3 - O SISTEMA DA LEI 12.850/2013 – LEI DE
CRIME ORGANIZADO
Conforme visto no capítulo anterior, a colaboração premiada, ainda
que com denominações distintas ao passar dos anos, não era novidade no
Brasil. Desde a década de 90 possuíamos leis que previam institutos
precursores do que hoje conhecemos como colaboração premiada.
Entretanto, como já bem observado, embora a figura da colaboração
premiada existisse, não resta dúvida que esta carecia de maior atenção por
parte do legislador. Não é possível falar numa regulamentação satisfatória
sobre o procedimento, nem em um regramento detalhado como se deveria
ter até pouco tempo atrás, quando do surgimento da Lei nº 12.850.
Não há como negar que tal norma é bem-vinda. A lei inovou,
trazendo aspectos procedimentais de forma a tentar sanar as lacunas
deixadas por regramentos insuficientes que pretenderam, sem sucesso,
tratar do tema no passado. Buscou-se abarcar a perspectiva de todos os
personagens envolvidos. Nas palavras de Renato Brasileiro:
Daí a importância da nova Lei das Organizações Criminosas: sem descuidar da
proteção dos direitos e garantias fundamentais do colaborador(…), a Lei
12.850/13 passa a conferir mais eficácia à medida sob comento, seja por
regulamentar expressamente a celebração do acordo de colaboração premiada,
dispondo sobre a legitimidade para a proposta, conteúdo do acordo e necessária
homologação judicial, seja por prever expressamente que nenhuma sentença
condenatória poderá ser proferida com fundamento apenas nas declarações do
colaborador39.
Analisando-se a lei, verificamos já no artigo 1º a preocupação em
corrigir definitivamente um dos que tinham sido um dos maiores equívocos
da antiga Lei de Crime Organizado, responsável por boa parte das críticas
que recebeu: a falta de conceituação do principal elemento que a Lei
regrava. Dessa forma, o capítulo I – “Da organização criminosa” incumbe-
39
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 802.
40
se de definir organização criminosa, outros grupos que equiparam-se a ela
para os efeitos legais, as penas aplicáveis, e algumas disposições de cunho
processual. De modo a melhor compreender o desígnio do diploma legal e o
âmago ao qual se insere o objeto de estudo deste trabalho, observemos o
artigo 1º e o parágrafo 1º da Lei 12.850/13:
Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o
procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais
pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda
que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de
qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas
sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional40.
O capítulo II - “Da investigação e dos meios de obtenção de prova”
por sua vez, como o enunciado já dá a entender, traz um rol dos possíveis
meios de obtenção de provas que são permitidos. A colaboração premiada
aparece logo no inciso I, o que corrobora com a natureza jurídica atribuída
ao instituto, em discussão já devidamente tratada no início deste texto.
Outro aspecto que merece destaque é a primeira parte do art. 3º, que
deixa bem claro que um acordo de colaboração premiada pode ser
constituído “em qualquer fase da persecução penal”. Isso abre imensas
possibilidades, uma vez que o conteúdo desse acordo moldar-se-á segundo
as circunstâncias em que as partes estarão, e a fase da persecução pode
influenciar substancialmente nesta questão.
Num primeiro olhar, temos a tendência de imaginar que o acordo de
colaboração premiada somente seria aplicável na fase investigativa, pré
processual; ou ainda, no máximo, até o fim da instrução probatória, dada
sua própria natureza jurídica de meio de obtenção de prova. De fato, o mais
BRASIL. Lei nº 12.850 de 11 de janeiro de 2002. Dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a
fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícitos de produtos,
substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, assim elencados pelo
Ministério da Saúde, e dá outras providências. Brasília, DF, 11 de janeiro de 2002.
40
41
comum é que as tratativas sejam feitas no início da persecução penal, para
que, com ulterior homologação do juiz, o recebimento da denúncia e
consequentemente o início da fase processual, ocorra a efetiva produção de
provas.
Não obstante, devemos reconhecer a possibilidade da celebração do
acordo desde a fase de investigação preliminar até a execução penal,
mesmo após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória (desde
que a colaboração ainda seja plenamente eficaz). Para Andrey Borges de
Mendonça, o acordo poderá ser celebrado em todas as fases, seja ela pré
processual, processual ou pós processual, já que “mais importante do que o
momento é a efetiva contribuição para a persecução de infrações penais
graves”41.
3.1. Espécies de Colaboração Premiada
No item 1.2 deste trabalho buscou-se, de forma clara, realizar uma
diferenciação entre a colaboração premiada e delação premiada. Para isso,
foi mostrado que a colaboração não necessariamente deverá estar ligada ao
ato de delatar terceiros envolvidos, muito embora essa talvez ainda seja a
forma mais comumente utilizada por colaboradores. Nesta parte, serão
apresentadas tais subespécies e quais os possíveis resultados cada uma
pretende atingir, que por sua vez estão elencados nos incisos I a V do artigo
4º da Lei 12.850/13.
Seja qual for a espécie adotada, o § 1º do artigo 4º disciplina que “a
concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a
natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato
criminoso e a eficácia da colaboração”. Esses fatores serão diferentes em
casa caso, podendo influenciar na forma de colaboração que será feita,
conforme veremos a seguir.
MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado
(Lei 12.850/13). Revista Custos Legis, v. 04, 2013. p. 7.
41
42
Amparado por algumas legislações anteriores que já remavam nesse
sentido de ampliar as formas possíveis de colaboração, Vladimir Aras
distinguiu quatro subespécies da colaboração premiada42, demonstradas a
seguir.
3.1.1. A Delação Premiada
Também denominada chamamento de corréu, essa é a modalidade na
qual o colaborador, além de confessar sua participação no delito, informa
quais outras pessoas também estão envolvidas. Alguns autores chamam o
colaborador adepto a esta espécie de “agente revelador” pelo fato deste
expor terceiros que contribuíam no esquema da ação criminosa, seus atos
ilícitos e sua organização (assegurando a continuidade e hierarquia do
grupo, visando o êxito da operação).
Nesse sentido, sobrevém a conceituação do ilustre professor
Fernando Capez:
Delação ou chamamento de corréu é a atribuição de prática do crime a terceiro,
feita pelo acusado em seu interrogatório, e pressupõe que também o delator
confesse a sua participação43.
Essa espécie está atrelada aos incisos I e II do parágrafo 4º da Lei
12.850, que preveem como possíveis resultados da colaboração premiada “a
identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e
das infrações penais por eles praticadas” e “a revelação da estrutura
hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa”.
Dada a redação dos incisos, podemos extrair duas informações: a
primeira, em relação ao inciso I, como o legislador utilizou a expressão
“demais coautores e partícipes” fica claro que para fazer jus ao benefício, o
42
43
ARAS, 2011, p. 427.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral: v. 1. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012.
43
delator deve fornecer informações sobre os demais envolvidos na prática
criminosa em concurso de agentes, que é objeto do processo.
A segunda, em relação ao inciso II, diz respeito à hierarquia e
organização. Conforme visto acima, o artigo 1º define que um dos
elementos para a identificação do grupo como organização criminosa é ser
uma associação com no mínimo quatro pessoas, numa estrutura “ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas”. Com isso, foi dada importância à
obtenção de informações sobre as tarefas atribuídas a cada integrante, de
forma a facilitar seu estudo, para por fim, conseguir seu desmonte.
Provavelmente esta seja a espécie mais efetiva no sentido de
desmantelamento das organizações criminosas, de forma que as autoridades
conseguiriam mais celeridade e possibilidade de êxito ao terem alvos
certeiros para investigar.
3.1.2. A Colaboração Preventiva
Nesta modalidade, como o próprio nome sugere, o colaborador dá
aos órgãos responsáveis informações de forma a evitar um crime ou cessar
a continuidade de uma atividade ilícita. O inciso III prevê como um dos
possíveis resultados da colaboração “a prevenção de infrações penais
decorrentes das atividades da organização criminosa”.
Esta hipótese tem uma peculiaridade, que é a inversão da ordem
padrão do que geralmente se tem na colaboração. Ao invés do colaborador
indicar crimes já consumados, tal modalidade prevê a prestação de
informações sobre atos criminosos que ainda virão a ocorrer, os quais muito
provavelmente as autoridades não tomariam conhecimento sem o auxílio do
colaborador. Por essa razão, trata-se de uma forma importante e bastante
interessante de colaboração que a Lei 12.850 consagrou.
Com essas informações, os órgãos responsáveis pela segurança
pública e também pela persecução penal ficariam “um passo a frente”,
44
podendo impedir a consumação de delitos de forma inteligente e
estratégica, utilizando ainda outras ferramentas do nosso ordenamento que
contribuem para um sistema preventivo e não apenas repressivo, como
exemplo do flagrante esperado, ou ainda o flagrante diferido44.
3.1.3. A Colaboração para Localização e Recuperação de Ativos
Nesta hipótese bem específica, o colaborador exerce seu papel ao
comunicar às autoridades a localização precisa do produto ou proveito do
crime e dos bens que possam ter sido submetidos a esquemas de lavagens
de capitais. O inciso IV descreve outro possível resultado da colaboração, o
qual se encaixa com a modalidade ora demonstrada: “a recuperação total ou
parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela
organização criminosa”.
Nesse desiderato, “produto” da infração (producta sceleris) é o
produto imediato do delito. Os bens que efetivamente chegam ao controle
do criminoso. Cite-se como exemplos o objeto roubado ou o dinheiro
obtido com corrupção. “Proveito” da infração (fructus sceleris), por sua
vez, vem a ser o ganho obtido pelo resultado da utilização econômica do
produto oriundo do delito, como o dinheiro obtido com a venda do objeto
roubado, por exemplo45.
Sobre esta recuperação de produtos ou proveitos das infrações,
indagação relevante seria sobre qual a destinação tais recursos deveriam
ter46. A decisão monocrática de 16 de junho de 2016 do Ministro Teori
Zavascki, na Petição nº 5.210 reconheceu a lacuna legislativa existente na
Lei 12.850/13 sobre este aspecto, devendo ser aplicado, por analogia,
dispositivo do Código Penal:
Para Guilherme de Souza Nucci, flagrante diferido ou retardado “é a possibilidade que a polícia
possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter maiores dados e informações a
respeito do funcionamento, componentes e atuação de uma organização criminosa”. NUCCI,
Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 5ª ed., São Paulo, 2006. p. 593.
45
LIMA, 2018, p. 803.
46
VASCONCELLOS, 2018, p. 193.
44
45
4. Embora a Lei 12.850/2013 estabeleça, como um dos resultados necessários da
colaboração premiada, “a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito
das infrações penais praticadas pela organização criminosa” (art. 4º, IV), o
diploma normativo deixou de prever a destinação específica desses ativos. A
lacuna, conforme aponta o Procurador-Geral da República, pode ser preenchida
pela aplicação, por analogia, dos dispositivos que tratam da destinação do produto
do crime cuja perda foi decretada em decorrência de sentença penal condenatória.
O art. 91, II, b, do Código Penal estabelece, como um dos efeitos da condenação,
“a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boafé: […] b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua
proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”. É certo que,
como a Petrobras é o sujeito passivo dos crimes em tese perpetrados por Paulo
Roberto Costa e pela suposta organização criminosa que integrava, o produto do
crime repatriado deve ser direcionado à Sociedade de Economia Mista lesada,
para a restituição dos prejuízos sofridos, uma vez que o dispositivo legal
invocado (art. 91, II, b, do Código Penal), ao tratar da perda do produto do crime
para a União, ressalva expressamente o direito do lesado.
Não se afigura razoável, portanto, limitar a restituição à Petrobras a 80% (oitenta
por cento) dos ativos repatriados, direcionando o restante à União. O próprio
Procurador-Geral da República sustenta, na petição que deu origem a este
procedimento, que os prejuízos causados à Petrobras ultrapassariam “o montante
de R$ 1.600.000.000,00 (um bilhão e seiscentos milhões de reais)” (fl. 7). Por
isso, e considerando que o patrimônio repatriado nestes autos amonta a R$
79.000.000,00 (setenta e nove milhões de reais), não há justificativa legal para
limitar a 80% (oitenta por cento) desse valor a reparação devida à Petrobras47.
Destarte, foi negado o pedido do Ministério Público Federal, que,
com base no art. 7º, § 1º da Lei 9.613/9848 (Lei de Lavagem de Bens e
Capitais) pretendia a destinação parcial de 20 por cento do valor “aos
órgãos responsáveis pela negociação e pela homologação do acordo de
colaboração premiada que permitiu tal repatriação”. Ou seja, almejava o
Procurador-Geral da República a destinação dos recursos ao próprio MPF e
à Justiça Federal, o que ao final não foi acolhido, tendo sido destinado à
Petrobras na sua integralidade.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição nº 5.210/DF. Decisão monocrática, Rel. Min.
Teori Zavascki, julgado em 16 jun. 2016. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/teorimpf.pdf. Acesso em: 11 set. 2019.
48
Reza o referido artigo que “a União e os Estados, no âmbito de suas competências,
regulamentarão a forma de destinação dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido
declarada, assegurada, quanto aos processos de competência da Justiça Federal, a sua utilização
pelos órgãos federais encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos
crimes previstos nesta Lei, e, quanto aos processos de competência da Justiça Estadual, a
preferência dos órgãos locais com idêntica função.”
47
46
3.1.4. A Colaboração para Libertação
A última variedade que pode-se identificar no sistema atual é a
chamada colaboração para libertação. Nesta, o colaborador indica o local
onde se encontra a vítima mantida refém ou sequestrada, de forma a
facilitar e possibilitar sua libertação. Trata-se do possível resultado
proveniente da colaboração que está no inciso V do mesmo artigo 4º: “a
localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada”.
É imprescindível a efetividade das informações prestadas pelo
colaborador para que este receba os prêmios decorrentes do acordo de
colaboração premiada, como será melhor analisado mais a frente. Neste
caso em particular, a lei preocupou-se em deixar esse requisito bem visível,
à medida que não basta somente a revelação do local no qual a vítima é
mantida em cativeiro, mas também o resgate deve ser plenamente eficaz,
estando a vítima com sua integridade física preservada.
Nesse sentido, caso as autoridades encontrem a vítima morta ou se
por acaso esta tenha conseguido escapar, seja por ter fugido com seus
próprios esforços ou resgatada por terceiros que não tenham relação com as
informações dadas pelo colaborador, não deverá ser autorizada a concessão
dos benefícios avençados no contrato, ainda que o agente colaborador tenha
dado a localização correta imaginando que a vítima estivesse viva, ou ainda
aprisionada.
É possível ainda traçar um paralelo com um dispositivo do Código
Penal, adicionado pela Lei nº 9.269 de 1996. O § 4º do artigo 159 do
Códex, o qual versa sobre o crime de extorsão mediante sequestro, já previa
que “se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à
autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida
de um a dois terços”.
Verifica-se, contudo, que a Lei 12.850 é mais benéfica ao réu, pois
além de conferir a possibilidade da redução da penal, o juiz, observado o
caso, pode ainda conceder o perdão judicial.
47
3.2. Pressupostos e Requisitos para Celebração e Cumprimento do
Acordo de Colaboração Premiada
Conforme já exarado, para que a colaboração premiada seja efetiva e
respeite os princípios constitucionais e diretrizes legais, é necessário que ela
seja instituída da forma mais clara e detalhada possível, criando balizas bem
delimitadas com o intuito de eliminar ao máximo as incertezas que possam
surgir sobre a forma de aplicação do instituto na prática.
Nesse sentido, é fundamental a presença de certas premissas, a serem
respeitadas durante todo o processo de formação do acordo. Isso nos
permite então separar a análise substancial do termo em dois momentos: o
primeiro, num momento anterior à produção do acordo em si, verificando
os pressupostos de admissibilidade deste; e o segundo momento, após a
elaboração do trato, recaindo o exame sobre os seus requisitos de validade.
Os pressupostos de admissibilidade servem, de certa forma, para
limitar a aplicabilidade do instituto, uma vez que a sua generalização
significaria na violação de certas diretrizes do processo penal. Assim, o
acordo apenas pode ser proposto pelas autoridades competentes, se, no caso
concreto, verificar-se presentes tais pressupostos.
Por sua vez, os requisitos de validade são aqueles que condicionam a
plena legitimidade na implantação e execução do acordo. Devem ser bem
observados pelo juiz na homologação de modo a assegurar que o termo
final respeitou o trâmite adequado e mostra-se coerente com a finalidade da
colaboração.
Analisaremos ambos, separadamente.
3.2.1. Pressupostos de Admissibilidade
O primeiro pressuposto, conforme já explicitado no início do
presente trabalho, quando da conceituação do instituto, é justamente a
confissão do colaborador. A doutrina majoritária, constituída por nomes
48
como Michelle Barbosa de Brito, Gustavo Badaró, Pierpaolo Bottini,
Walter Barbosa Bittar e demais prestigiados autores definem a confissão
como condição para realização da colaboração premiada49. Traduzindo essa
ideia, Luiz Flávio Gomes leciona:
Aquele que simplesmente aponta a responsabilidade penal de terceiros é um
informante ou testemunha, mas não um investigado ou réu colaborador50.
Do mesmo modo, Guilherme de Souza Nucci:
Se se realiza o interrogatório de um corréu e este, além de admitir a prática do
fato criminoso do qual está sendo acusado, vai além e envolve outra pessoa,
atribuindo-lhe algum tipo de conduta criminosa, referente à mesma imputação,
ocorre a delação. Note-se, pois, que ela somente tem valor caso o interrogado,
além de atribuir a outrem a prática do crime, também se confesse a autoria. Se
negar, imputando-a a terceiro, não se trata de delação, mas de mero testemunho 51.
Ainda nessa esteira, alguns precedentes do STJ corroboram o
entendimento aqui adotado. O REsp nº 1.102.736, julgado pela 5ª turma,
decidiu:
O instituto da delação premiada incide quando o Réu, voluntariamente, colabora
de maneira efetiva com a investigação e o processo criminal. Esse testemunho
qualificado deve vir acompanhado da admissão de culpa e deve servir para a
identificação dos demais coautores ou partícipes e na recuperação do produto do
crime, o que não se verificou no caso dos autos52.
Nesse sentido: BRITO, Michelle B. Delação premiada e decisão penal: da eficiência à
integridade. Belo Horizonte: D'Plácido, 2016. p. 55;
BADARÓ, Gustavo; BOTTINI, Pierpaolo. Lavagem de dinheiro. Aspectos penais e processuais
penais. São Paulo: RT, 2013. p. 174;
BITTAR, Walter Barbosa. A delação premiada no Brasil. In: BITTAR, Walter Barbosa (Coord.)
Delação premiada. Direito estrangeiro, doutrina e jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011. p. 168-171.
50
GOMES, Luiz Flávio; SILVA, Marcelo Rodrigues da. Organizações criminosas e técnicas
especiais de investigação: questões controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei
12.850/2013. Salvador: JusPODIVM, 2015. p. 240.
51
NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. São
Paulo: RT, 1997. p. 213.
52
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.102.736/SP. 5ª Turma, Rel. Min.
Laurita Vaz, julgado em 4 mar. 2010. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19152204/recurso-especial-resp-1102736-sp-20080264316-6-stj. Acesso em: 13 set. 2019.
49
49
De igual natureza, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento
nº 1.285.269 definiu: “o instituto da delação premiada consiste em ato do
acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às autoridades
elementos capazes de facilitar a resolução do crime”53.
Outro aspecto importante a salientar é que o colaborador deve ter
conexão com o delito que imputa, caso contrário implicará na mesma
situação e deverá igualmente ser considerado mera testemunha. Segundo
Frederico Valdez Pereira, se o acusado não tiver nenhuma relação com os
fatos que delata, considera-se “mera comunicação de crime”54.
Isso não significa que o colaborador apenas pode informar acerca de
crimes os quais é partícipe ou coautor. A Orientação Conjunta 1/2018 do
MPF determinou que:
É também cabível a celebração de acordo de colaboração ainda que algum dos
resultados previstos no art. 4º, I, II, III, IV e V, da Lei 12.850 advenha
unicamente em relação a fato(s) diverso(s) daquele(s) para o(s) qual(is) o
colaborador tenha concorrido55.
Neste cenário, em que a distinção se torna muito tênue, parece mais
correto, com a finalidade de evitar desacertos, que o acordo defina em seus
termos de forma precisa os fatos os quais o colaborador tenha participação
(mesmo que indireta) ou que possua pelo menos uma conexão com estes,
delimitando as obrigações assumidas, direitos garantidos e possíveis
benefícios. Assim, os prêmios não devem depender da atuação do
colaborador em auxiliar quanto a crimes diversos aos do seu processo, o
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº
1.285.269/MG, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 4 nov. 2010. Disponível em:
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17584427/agravo-regimental-no-agravo-de-instrumentoagrg-no-ag-1285269-mg-2010-0041883-6/inteiro-teor-17584428?ref=juris-tabs. Acesso em: 13
set. 2019.
54
PEREIRA, Frederico Valdez. Delação Premiada. Legitimidade e Procedimento. 3ª ed. Curitiba:
Juruá, 2016. p. 167.
55
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação Conjunta nº 1/2018. Dispõe sobre os acordos
de colaboração premiada. 2ª e 5ª Câmaras de Coordenação e Revisão – Combate à Corrupção.
Brasília, 23 de maio de 2018. Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/atuacaotematica/ccr5/orientacoes/orientacao-conjunta-no-1-2018.pdf. Acesso em: 13 set. 2019.
53
50
que sem sobra de dúvida geraria danos ao colaborador. Sobre isso, os
egrégios professores Canotilho e Nuno Brandão lecionam brilhantemente:
A colaboração premiada não só não pode ser pactuada fora de um processo, como
não pode ter efeitos fora do seu processo, designadamente, em relação a crimes
legalmente insusceptíveis de processamento conjunto com aqueles que já formam
o objecto processual dos autos em que o acordo é celebrado56.
O segundo pressuposto é o da adequação da colaboração com o fim
pretendido. Isso significa que o que se busca, ao realizar um acordo de
colaboração, é uma efetiva contribuição para com a persecução penal.
Sendo assim, cabe aos proponentes do acordo verificar se este é um meio
eficaz, viável e confiável para atingir um benefício na persecução penal do
caso concreto que se pretende resolver.
Explicando esse pressuposto, Borges de Mendonça leciona:
O membro do MP e o Delegado de Polícia devem verificar a adequação da
colaboração àquele caso concreto, à luz da estratégia investigativa e da
persecução penal, sem olvidar a própria repercussão social do fato criminoso e
sua gravidade57.
Cabe mencionar também, acerca deste pressuposto, entendimento de
parte da doutrina58 que diz não ser possível aferir com antecedência essa
efetividade da colaboração premiada, desconsiderando-a como um
pressuposto de admissibilidade.
Isto porque, no momento da negociação e celebração do acordo o
que se deve sopesar é a potencialidade da colaboração, no sentido de
verificar elementos indicadores da probabilidade de êxito e benefício à
persecução; a efetividade concreta só será constatada no decorrer do
processo, culminando na sentença que determinará o benefício conferido, a
partir do grau de cooperação.
CANOTILHO, J. J. Gomes; BRANDÃO, Nuno. Colaboração premiada: reflexões críticas sobre
os acordos fundantes da Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
v. 133, ano 25, julho de 2017. p. 155.
57
MENDONÇA, 2013, p. 11.
58
Nesse sentido: SILVA, Eduardo Araújo da. Organizações Criminosas. Aspectos penais e
processuais da lei n. 12.850/13. São Paulo: Atlas, 2014. p. 57-58.
56
51
Ancorado nesse pressuposto, poder-se-á descartar eventuais acordos
que não tragam resultados benéficos ao caso concreto, o que se revela de
extrema importância nos dias atuais, em que os acordos de colaboração
premiada têm sido altamente fomentados e se proliferado de uma forma no
mínimo questionável.
Relacionado a isso, temos outro pressuposto, qual seja a necessidade
da colaboração. Esse pressuposto determina que a colaboração como meio
de obtenção de prova deve ser necessária no casso concreto. Isso se dá
basicamente pela importante dimensão dos dois polos concatenados num
acordo de colaboração premiada: o grau de eficiência em relação ao fim
almejado, que é justamente o desbaratamento da organização criminosa, a
benefício da coletividade; e o nível do direito fundamental a ser restringido,
em detrimento do colaborador.
O pressuposto da necessidade basicamente estrutura-se em dois
fatores atinentes à colaboração premiada: (i) sua indispensabilidade para a
persecução penal, de forma que evite-se uma generalização da aplicação do
instituto, o que seria prejudicial, devendo-se assumir portanto um caráter de
subsidiariedade no sistema probatório59; e (ii) a complexidade da
investigação do caso concreto, de modo que apenas é razoável conceber
prêmios ao infrator uma vez que sua participação é imprescindível para que
as autoridades possuam alguma possibilidade de sucesso na investigação.
Essa excepcionalidade do emprego da colaboração premiada é
aclarada por Fábio Bechara: “a colaboração premiada deve ser empregada
na ausência de outros meios legais menos restritivos”60. Podemos afirmar,
então, que o Ministério Público apenas pode propor um acordo de
colaboração premiada se este for motivado na indispensabilidade para a
persecução penal, em razão da complexidade da investigação.
AMODIO, Ennio. Processo penale, diritto europeo e common law. Dal rito inquisitorio al giusto
processo. Milano: Giuffrè, 2003. p. 245.
60
BECHARA, Fábio Ramazzini. Colaboração processual: legalidade e valor probatório. Boletim
IBCCrim, São Paulo, ano 23, v. 269, 2015. p. 7.
59
52
3.2.2. Requisitos de Validade
Logo de início, cumpre trazer o que provavelmente é o requisito
mais importante no tocante à validade de um acordo de colaboração
premiada. Trata-se da voluntariedade do colaborador, ponto que talvez
cause as discussões de maior animosidade justamente por ser objeto de
grande controvérsia em relação aos críticos do instituto.
Antes de adentrar no requisito em si, importante notar que essa
voluntariedade deve ser precedida, por óbvio, pela constatação de
capacidade do réu em estar em juízo, ou seja, sua imputabilidade e plena
capacidade de discernimento sobre sua situação.
Para além disso, deve-se verificar a chamada liberdade de agir. Isso
significa que o colaborador não pode ser vítima de coação, nem ser
persuadido por promessa ilícita ou acerca de vantagens não estipuladas no
acordo. Sobre o tema, Leonardo Dantas Costa afirma que o colaborador
deve “querer declarar sua vontade” de colaborar. Isso quer dizer que a
merda
declaração
do
agente
não
implica
na
comprovação
da
voluntariedade; esta deve ser acompanhada de um plus, qual seja a vontade
de manifestar esse desejo de cooperar61.
Neste momento, há de se abrir um parêntese trazendo à baila o
debate sobre a necessidade da espontaneidade junto à voluntariedade
impressas no acordo, e a diferenciação entre estas, algumas vezes tratadas
como sinônimos.
Para Renato Brasileiro de Lima, “ato espontâneo é aquele cuja
intenção de praticá-lo nasce exclusivamente da vontade do agente, sem
qualquer interferência alheia”62. Já o ato voluntário “é aquele que nasce de
COSTA, Leonardo Dantas. Delação premiada. A atuação do Estado e a relevância da
voluntariedade do colaborador com a justiça. Curitiba: Juruá, 2017. p. 156.
62
LIMA, 2018, p. 804.
61
53
sua
livre
vontade
[do
colaborador],
desprovido
de
qualquer
constrangimento”63.
A doutrina brasileira vêm travando muitas discussões sobre este
requisito em especial. Um dos pontos debatidos é a necessidade ou não,
além da não-coação e manifestação própria (voluntariedade), que essa
vontade decorra do próprio colaborador, independente da iniciativa do
acusador (espontaneidade).
Esta dubiedade surge em razão de alguns dispositivos mais antigos,
conforme vimos no início do presente trabalho, mencionarem a palavra
“espontaneidade” como necessidade para celebração do acordo. Cite-se
como exemplo, a Lei nº 9.034/95 e a Lei nº 9.613/98. De maneira oposta,
demais legislações que versam sobre a colaboração, sobretudo as mais
recentes, passaram a utilizar o termo “voluntariedade”. Como exemplo, as
Leis nº 9.080/95, nº 11.343/06, e por óbvio, a Lei nº 12.850/13 (esta última
inclusive revogando a Lei nº 9.034/95).
O STJ, num primeiro momento, adotou a tese de que a
espontaneidade seria requisito inequívoco à colaboração, conforme voto do
Ministro relator Arnaldo Esteves Lima no REsp nº 628.048, in verbis:
De fato, a Lei 9.034/95, que dispôs sobre os meios de prevenção e repressão de
ações praticadas por organizações criminosas, previu a redução da pena de 1/3 a
2/3 para os que, espontaneamente, colaborarem no esclarecimento de infrações
penais e sua autoria (art. 6º). Tal contribuição por parte do indiciado deverá ser
espontânea, ou seja, de livre vontade, sem a instigação ou coação de terceiros. A
revelação deve ser eficaz, ou seja, deve produzir efeitos práticos quanto aos
demais integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou na localização
do produto, substância ou droga ilícita64.
Entretanto, devido ao sólido alicerce conferido ao regime, graças à
boa redação da Lei nº 12.850/13, atualmente prevalece o entendimento de
que o requisito para a validade do acordo de colaboração é a
LIMA, 2018, p. 804.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 628.048/SP. 5ª Turma, Rel. Min.
Arnaldo Esteves Lima, julgado em 24 mar. 2009. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?num_registro=200400118156&dt_publicacao=1
3/04/2009. Acesso em: 21 out. 2019.
63
64
54
voluntariedade, e não a espontaneidade65, podendo a proposta e o princípio
das negociações surgirem por parte do acusador66.
Amparado a isso, temos a decisão do STF no HC 129.877, no qual o
relator Ministro Marco Aurélio considerou ambos os vocábulos como
sinônimos, o que gerou divergência entre os demais ministros. O Ministro
Luis Fux, após vista dos autos, proferiu o seguinte voto, destacando a
distinguibilidade dos conceitos, bem como a necessidade da voluntariedade,
mas não da espontaneidade, para a validade e pela efetividade do acordo:
De toda sorte, como já sublinhado anteriormente, embora a Lei 9.613/98
estabelecesse a necessidade da espontaneidade da colaboração premiada, a partir
da Lei 9.807/99 (em jogo no presente caso), deixou-se de exigir a espontaneidade
da colaboração, passando-se à previsão de que a voluntariedade do ato, somada
à efetividade da colaboração, são suficientes para a concessão dos benefícios ao
réu colaborador. É esta, também, a previsão da Lei 12.850/2013.
In casu, o eminente Relator entendeu, em seu voto, que a sentença e o acórdão
condenatórios, ao empregarem o conceito de 'espontaneidade', utilizaram-no
como mero sinônimo de 'voluntariedade', e não no sentido que lhe é atribuído
juridicamente, a acrescentar, ao caráter voluntário do ato, as características da
ausência de fatores externos motivadores e da iniciativa do agente.
(…)
À luz das premissas teóricas lançadas no presente voto, entendo importante
deixar assentado que os conceitos jurídicos de 'voluntariedade' e 'espontaneidade'
vêm sendo diferenciados, pela doutrina e pela jurisprudência, de modo que a
voluntariedade implica, unicamente, a ausência de coação, o ato praticado
livre de qualquer constrangimento. Já a espontaneidade exige, em regra, além
da voluntariedade, também 'a livre disposição do agente de procurar a autoridade
para, evidenciando alto grau de responsabilidade moral, informar a prática da
infração penal ignorada ou imputada a outrem'.
Nesse sentido: SUXBERGER, Antonio H. G.; MELLO, Gabriela S. J. V. A voluntariedade da
colaboração premiada e sua relação com a prisão processual do colaborador. Revista Brasileira de
Direito Processual Penal, v. 3, n. 1. Porto Alegre, Jan./Abr. 2017. p. 204;
AIRES, Murilo T.; FERNANDES, Fernando A. A colaboração premiada como instrumento de
política criminal: a tensão em relação às garantias fundamentais do réu colaborador. Revista
Brasileira de Direito Processual Penal, v. 3, n. 1. Porto Alegre, Jan./Abr. 2017, p. 266;
LEMOS, Bruno E.; QUINTIERE, Victor M. Técnicas especiais de investigação no processo penal.
Belo Horizonte: D'Plácido, 2017. p. 35;
LIMA, 2018, p. 804.
66
VASCONCELLOS, 2018, p. 151.
65
55
In casu, a leitura da sentença condenatória conduz à conclusão de que foi exigida
a espontaneidade, e não apenas a voluntariedade da colaboração, especialmente
em razão dos seguintes trechos: 'Entretanto, considero que a conduta da ré não
resultou de espontaneidade. [...] Em verdade, a ré apenas colaborou com a
atuação policial porque sentiu-se intimidada com a situação vivenciada'.
Cuida-se de fatores absolutamente irrelevantes para a análise do cabimento
do perdão judicial, uma vez que o art. 13 da Lei 9.870/99 não exige a
espontaneidade, mas tão somente a voluntariedade. Portanto, se a
colaboração foi um ato de vontade da paciente, não há de se perquirir os
motivos que a conduziram a praticá-lo67. (grifos originais).
Destarte, resta claro que conforme o entendimento mais atual,
esposado na cristalina decisão acima colacionada, a lei não exige
espontaneidade, sendo irrelevante uma análise quanto à motivação interna
do agente colaborador, se esta resultou de legítimo arrependimento, mero
temor, puro interesse na obtenção de vantagens ou qualquer outro motivo;
até mesmo porque (i) tal exame não encontra amparo legal; (ii) seria
impossível apurar as verdadeiras razões que conduziram o acusado a
celebrar o acordo; e (iii) a preocupação do Direito está em buscar o
resultado benéfico da colaboração e não com os motivos internos que
transformaram o sujeito num colaborador.
Isto posto, desde que não haja coação, é tranquilamente possível que
o acusado tenha sido aconselhado ou até mesmo incentivado por terceiro
(inclusive pelas autoridades) a realizar a colaboração premiada, eis que não
se vislumbra vício nessa hipótese68.
Em seguida, temos outro requisito que se correlaciona com a
voluntariedade. Segundo Leonardo Dantas Costa e Vinicius Gomes de
Vasconcellos, é o chamado requisito da inteligência/informação. Tal
requisito imprime a ideia de que o colaborador deve ter pleno conhecimento
e compreensão da sua situação fática, sobre a acusação que lhe é imputada,
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 129.877/RJ. 1ª Turma, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgado em 18/04/2017. Disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=312161444&ext=.pdf. Acesso em: 22 out.
2019.
68
Nesse sentido: SUXBERGER; MELLO, 2017;
LIMA, 2018, p. 804.
67
56
seus direitos e garantias que devem estar presentes no acordo, bem como as
possíveis renúncias (admitidas) à estes que poderá ter que vir a fazer.
Em relação à acusação, o imputado deve conhecer as alegações, a
maneira que deve ser provada a sua participação nos eventuais delitos, e
que elementos probatórios já estão em posse das autoridades, possibilitando
desta forma um vislumbre sobre suas reais possibilidades. Nas palavras de
Mariana Lauand, “deverão, imputado colaborador e seu advogado,
outrossim, ter ciência do inteiro teor dos autos antes de decidirem realizar a
colaboração processual”69.
No que tange ao acordo em si, deve ser claro as consequências deste,
ou seja, as obrigações que o colaborador assumirá e seus possíveis
benefícios, os reflexos de uma eventual condenação (por exemplo os efeitos
gerados em esfera cível e administrativa), bem como a abrangência do
acordo de colaboração, outras possíveis sanções aplicadas, etc.
Finalmente, tratando-se dos direitos, o agente colaborador deve ter
ciência de certas renúncias que deverá realizar, como por óbvio o direito ao
silêncio, sem prejuízo de demais termos previstos no acordo. Na lição de
Frederico Valdez Pereira, sobre este exemplo, deve-se “alertar o agente de
seu direito constitucional ao silêncio e de que a opção pela colaboração vai
importar em renúncia a esse direito no caso concreto”70.
O Manual da Colaboração Premiada, lançado por iniciativa da
Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro
(ENCCLA) – por sua vez criado no âmbito do MPF em 2003 – prevê o
chamado “dever de esclarecimento ao colaborador”, no qual “as autoridades
responsáveis pela investigação devem informar ao colaborador, na presença
de seu defensor: (a) o seu direito constitucional ao silêncio; (b) a
colaboração implicará renúncia a esse direito e compromisso legal de dizer
LAUAND, Mariana de Souza Lima. O valor probatório da colaboração processual. Dissertação
(Mestrado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. p. 114.
70
PEREIRA, 2016, p. 131.
69
57
a verdade; (c) os benefícios previstos em lei; (d) as informações devem ser
completas, verdadeiras e úteis, do contrário, não terá direito ao benefício”71.
Resumidamente, em termos práticos, este requisito consiste em
deixar claro ao colaborador que a formalização e a homologação garantem
maior segurança e previsibilidade ao acordo, no entanto, os benefícios estão
adstritos à real efetividade daquela cooperação; isto é, os prêmios não vêm
garantidos de forma automática com a simples celebração do acordo de
colaboração.
Em seguida, temos a necessidade da assistência de um defensor
técnico ao colaborador, de caráter indispensável e irrenunciável. A
legislação atual andou no sentido de garantir esse direito ao colaborador de
uma maneira afincada.
Surge como instrumento para assegurar os requisitos anteriormente
citados, posto que a presença do defensor público ou advogado (podendo
ser indicado pelo colaborador) visa assegurar justamente a voluntariedade e
a inteligência/informação do consentimento do acusado, afastando acordos
desleais, injustos, excessivamente onerosos, prejudiciais ao imputado ou
realizados sob coação.
Analisando-se a lei, podemos citar o art. 4º, § 15 da Lei do Crime
Organizado, que assevera que “em todos os atos de negociação,
confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar
assistido por defensor”. No mesmo sentido, a Orientação Conjunta 1/2018
do MPF dispõe: “nenhuma tratativa sobre colaboração premiada deve ser
realizada sem a presença do advogado constituído ou Defensor Público”72.
Saliente-se
que
a
presença,
acompanhamento,
consulta
e
aconselhamento do defensor são de fundamental importância para a
proteção do colaborador, mas por si só não geram presunção de legalidade e
Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/eventos2/eventos-internacionais/conteudo-banners-1/enccla/restrito/manual-colaboracao-premiadajan14.pdf/view. Acesso em: 30 out. 2019.
72
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação Conjunta nº 1/2018. Acesso em: 13 set. 2019.
71
58
veracidade ou efetividade das alegações feitas no âmbito da colaboração
premiada.
Por último, mas não menos importante, o requisito da corroboração
externa. Este requisito é de larga relevância na dinâmica do sistema de
colaboração premiada, haja vista que não basta que o colaborador apenas
relate e/ou divulgue as informações, mas confirme-as com elementos
externos.
Este requisito possui uma dupla função, que é a chancela dos
elementos trazidos como forma de cooperação na persecução, sendo de
interesse do acusador; mas também a garantia dos direitos fundamentais do
acusado, pois, nos termos do artigo 4º, § 16 da Lei 12.850/13, “nenhuma
sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas
declarações de agente colaborador”. Essa concepção decorre da própria
natureza da colaboração premiada, que conforme já averiguamos73, é de
meio de obtenção de prova, e não de prova em si, de modo que a sentença
não pode apenas se embasar no teor da colaboração.
A supradita Orientação Conjunta 1/2018 do MPF também tratou do
tema:
Desde o início das tratativas, o membro do Ministério Público Federal deve se
preocupar em analisar se os fatos apresentados pelo colaborador estão
suficientemente corroborados por outros elementos probatórios, inclusive
externos e em poder de terceiros, ou se serão passíveis de corroboração, tendo em
vista as técnicas de investigação normalmente desenvolvidas, observando-se o
disposto no art. 4º, § 16, da Lei 12.850/201374.
3.3. Legitimidade para propor o Acordo de Colaboração Premiada
A Lei 12.850/13 trouxe, em seu art. 4º, § 6º, a seguinte redação, que
determina a legitimidade do proponente dos acordos de colaboração
premiada:
73
74
Ver item 1.1.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação Conjunta nº 1/2018. Acesso em: 13 set. 2019.
59
O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a
formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia,
o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou,
conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu
defensor75.
Um pouco antes, no § 2º do mesmo dispositivo, tal é a redação
referente à legitimidade para requerer ao magistrado a concessão do perdão
judicial que não houver sido requerida a princípio:
Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a
qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a
manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela
concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha
sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do
Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)76.
Tais dispositivos, quando da edição da lei, passaram a ideia de que a
legitimidade para propor os acordos de colaboração seria concorrente entre
o Ministério Público e os delegados de polícia. Essa excentricidade trazida
pela legislação causou estranheza, e, logo em seguida à sua entrada em
vigor, diversos doutrinadores criticaram, de forma lúcida e apropriada, o
teor de tais artigos, assentando seu desalinho com a Constituição, uma vez
que apenas o Ministério Público poderia negociar e/ou propor acordos no
âmbito da persecução penal77.
Nesse ponto de vista, ensina Renato Brasileiro de Lima:
BRASIL. Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013. Dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a
fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícitos de produtos,
substâncias ou drogas ilícitas que causem dependência física ou psíquica, assim elencados pelo
Ministério da Saúde, e dá outras providências. Brasília, DF, 02 ago. 2013.
76
Ibid., Brasília, DF, 02 ago. 2013.
77
Nesse sentido: MENDONÇA, 2013, p. 14;
BITENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo Cesar. Comentários à Lei de Organização
Criminosa: Lei n.12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 122-124;
FILIPPETTO, Rogério; ROCHA, Luísa C. V. C. Colaboração premiada: contornos segundo o
sistema acusatório. Belo Horizonte: D'Plácido, 2017. p. 146-154;
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2016. p. 856-858;
DEMERCIAN, Pedro H. A colaboração premiada e a lei das organizações criminosas. Revista
jurídica ESMP-SP, v. 9, nº 1, Jan./Jun. 2016. p. 75-76;
ROMERO, Eneas. A colaboração premiada. In: AMBOS, Kai; ROMERO, Eneas (Coord.). Crime
organizado. Análise da Lei 12.850/2013. São Paulo: Marcial Pons, 2017. p. 267;
FONSECA, Cibele B. G. Colaboração premiada. Belo Horizonte: Del Rey, 2017. p. 118;
LIMA, 2018, p. 818.
75
60
No entanto, por mais que a autoridade policial possa sugerir ao investigado a
possibilidade de celebração do acordo de colaboração premiada, daí não se pode
concluir que o Delegado de Polícia tenha legitimação ativa para firmar tais
acordos com uma simples manifestação do Ministério Público. Por mais que a Lei
n° 12.850/13 faça referência à manifestação do Ministério Público nas hipóteses
em que o acordo de colaboração premiada for "firmado pelo Delegado de
Polícia", esta simples manifestação não tem o condão de validar o acordo
celebrado exclusivamente pela autoridade policial. Isso porque a Lei n° 12.850/13
não define bem o que seria essa manifestação, que, amanhã, poderia ser
interpretada como um simples parecer ministerial, dando ensejo, assim, à
celebração de um acordo de colaboração premiada pela autoridade policial ainda
que o órgão ministerial discordasse dos termos pactuados78.
No mesmo sentido, cabe também trazer a lição do professor Eugênio
Pacelli de Oliveira, quando do advento da lei em comento, aprofundando a
discussão na seara processual:
Se o sistema processual penal brasileiro sequer admite que a autoridade policial
determine o arquivamento de inquérito policial, como seria possível admitir,
agora, a capacidade de atuação da referida autoridade para o fim de: a) extinguir a
persecução penal em relação a determinado agente, sem a consequente
legitimação para promover a responsabilidade penal dos demais (delatados), na
medida em que cabe apenas ao Parquet o oferecimento da denúncia; b) viabilizar
a imposição de pena a determinado agente, reduzida ou com a substituição por
restritiva de direito, condicionando previamente a sentença judicial; c) promover
a extinção da punibilidade do fato, em relação a apenas um de seus autores ou
partícipes, nos casos de perdão judicial.
(…)
Por todas essas considerações, não nos parece aceitável a possibilidade de
propositura e de formalização de acordo de colaboração pelo delegado de polícia,
não se podendo aceitar, então, que o juiz decida por homologação um ajuste com
tais características.
Ou bem se admite a inconstitucionalidade de tais normas, ou, se for possível
aceitar a validade da atuação policial na colaboração premiada, que esteja ela
condicionada à manifestação favorável do Ministério Público, caso em que o
acordo, naturalmente, teria como parte legítima o Parquet e não o delegado de
polícia79.
LIMA, 2018, p. 818.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Atualização da 17ª edição do curso de processo penal em
virtude da Lei nº 12.850/13. Disponível em:
http://www.criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/ANEXOS/INF_264_Organizacoes_criminosas_pac
elli.pdf. Acesso em: 25 out. 2019.
78
79
61
Além do posicionamento acima exarado, que parece o mais correto,
a irresolução gerou as mais variadas interpretações. Sob outra ótica, há
ainda entendimento de parte da doutrina80 de que a Lei 12.850/13 em
momento algum concedeu legitimidade aos delegados de polícia para
elaborarem os acordos de colaboração premiada. Isso porque, segundo essa
corrente, o texto seria claro em condicionar a atuação policial à
manifestação do Ministério Público. Frederico Valdez Pereira afirma que:
Na prática, a autoridade policial somente poderá iniciar as tratativas direcionadas
a verificar o interesse na colaboração, e, em seguida, representar ao membro do
MP para que conduza a formalização do acordo e encaminhe a postulação 81.
Para Flávio Cruz, “o Ministério Público – o dominus litis (art. 129, I,
CF) – não fica vinculado às representações e deliberações das autoridades
policiais”82.
Por outro lado, há corrente que sustenta a legitimidade dos delegados
de polícia para propor o acordo83. De maneira mais moderada,
intermediária, haveria a possibilidade dos delegados tomarem a iniciativa
para propor acordos de colaboração que prevejam alguns benefícios que
não dependem do posicionamento do Ministério Público (como por
exemplo medidas de proteção ao delator previstas em legislação
Nesse sentido: MENDRONI, Marcelo Batlouni. Comentários alei de Combate ao Crime
Organizado: Lei n. 12.850/13. São Paulo: Atlas, 2014. p. 44;
ESSADO, Tiago C. Delação premiada e idoneidade probatória. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, São Paulo, ano 21, v. 101, 2013. p. 213;
DIDIER JÚNIOR, Freddie; BOMFIM, Daniela. Colaboração premiada (Lei n. 12.850/2013):
natureza jurídica e controle da validade por demanda autônoma – um diálogo com o Direito
Processual Civil. Civil Procedure Review, v. 7, n. 2, Mai./Ago. 2016. p. 147;
BEZERRA, Edson A.; MELLO, Luis Fernando. Colaboração premiada: um instituto questionável
para a produção de provas. Iurisprudentia, Juína, a. 5, n. 9, p. 9-42, Jan./Jun. 2016. p. 22.
81
PEREIRA, 2016, p. 132.
82
CRUZ, Flávio A. Plea bargaining e delação premiada: algumas perplexidades. Revista jurídica
da Escola Superior de Advocacia da OAB–PR, Curitiba, v. 1, n. 2, Dez. 2016. p. 193.
83
Nesse sentido: SANTOS, Marcos Paulo Dutra. Colaboração unilateral premiada como
consectário lógico das balizas constitucionais do devido processo legal brasileiro. Revista
Brasileira de Direito Processual Penal. Porto Alegre, v. 3, nº 1, Jan./Abr. 2017. p. 159-160;
COSTA, 2017, p. 117;
ANSELMO, Márcio A. Colaboração premiada. O novo paradigma do processo penal brasileiro.
Doutrina e prática. A visão do delegado de polícia. Rio de Janeiro: Mallet, 2016. p. 84.
80
62
específica)84. Há ainda posição que, em eventual situação de ilegítima
negativa do Ministério Público em proceder com o acordo de colaboração,
excepcionalmente a proposição poder-se-ia ser feita pelo delegado de
polícia85. Este último entendimento parece incorreto, adotando a doutrina de
Andrey Borges de Mendonça, pois nesse caso a melhor solução seria a
remessa ao PGJ, aplicando-se por analogia o art. 28 do CPP86, inclusive
mencionado como diretriz no próprio art. 4º, § 2º da Lei 12.850/13.
De maneira expectável, em abril de 2016 o então Procurador-Geral
da República Rodrigo Janot ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade
em face de ambos os dispositivos supracitados, que será objeto do próximo
item.
3.3.1. A Decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 5508 –
Possibilidade de Acordos de Colaboração Premiada Firmados por
Delegados de Polícia
A Ação Constitucional proposta pela Procuradoria-Geral da
República combatia os trechos da lei que conferem legitimidade aos
delegados poder para realizar os acordos de colaboração, uma vez que estes
violariam princípios-base do ordenamento brasileiro, mesmo com a
manifestação do MP assegurada nos mesmos parágrafos impugnados.
Em apertada síntese, foi alegado que os dispositivos atacados:
Contrariam o devido processo legal (Constituição da República, art. 5º, LIV), o
princípio da moralidade (art. 37, caput), o princípio acusatório, a titularidade da
ação penal pública conferida ao Ministério Público pela Constituição (art. 129, I),
a exclusividade do exercício de funções do Ministério Público por membros
legalmente investidos na carreira (art. 129, § 2º, primeira parte) e a função
CAVALI, Marcelo Costenaro. Duas faces da colaboração premiada: visões “conservadora” e
“arrojada” do instituto na Lei 12.850/2013. In: MOURA, Mara Thereza A.; BOTTINI, Pierpaolo
C. (Coord.). Colaboração premiada. São Paulo: RT, 2017. p. 269-270.
85
Ibid., p. 85.
86
MENDONÇA, 2013, p. 14.
84
63
constitucional da polícia, como órgão de segurança pública (art. 144,
especialmente os §§ 1º e 4º)87.
Ainda que, em linhas gerais, o Brasil não tenha formalmente adotado
o princípio acusatório puro, é inegável a presença de várias de suas
características na tônica do processo penal aqui praticado, asseguradas pela
Constituição, que assim o fez visando afastar uma contaminação dos
processos por aspectos que seriam inerentes ao sistema inquisitivo.
O Poder Constituinte imprimiu essa ideia no citado art. 129, I, da
Constituição de 1988, o qual conferiu, privativamente, a função de
promoção da ação penal pública ao Ministério Público. Assim, não se pode
conferir legitimidade aos delegados de polícia, o que implicaria em afastar
o protagonismo das partes (acusação e defesa).
Princípio basilar do Direito, a interpretação das leis conforme a
Constituição
integra
a
perfeitamente
no
caso
Hermenêutica
em
Constitucional
comento.
Significa
e
que
encaixa-se
as
leis
infraconstitucionais devem ser interpretadas à luz do texto Constitucional, e
não o inverso (gesetzeskonform Verfassungsinterpretation)88.
Admitindo uma proposta de um sujeito que não é parte da relação
processual, a lei faz aflorar papel inquisitorial do julgador, pois sua
imparcialidade e inércia ficam prejudicadas, colocando o próprio devido
processo legal em xeque. Para além disso, o direito de defesa também é
ferido, uma vez que o juiz verificará proposta resultante de negociação feita
sem a provocação do titular da ação penal; ou pior, contra a vontade deste89.
PGR, Petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.508, Supremo Tribunal
Federal. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/adi-5508. Acesso em: 25 out.
2019.
88
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 2ª ed.,
Coimbra: Almedina, 1998. p. 1.106;
Walter Leisner, autor da ideia, indica o risco da “interpretação da Constituição segundo a lei”,
dando à Constituição um caráter muito aberto, preenchido por leis ordinárias, levando-se ao
paradoxo de interpretações constitucionais inconstitucionais. LEISNER, Walter. Die
Gesetzmäßigkeit der Verfassung. Schriften zu Staatslehre und Staatsrecht 1957-1991. Berlin:
Duncker & Humblot, 1994. p. 276-289.
89
LEISNER, 1994, p. 276-289.
87
64
Contudo, apesar de vasta argumentação lastreada pelos princípios
constitucionais, e de igual forma, respaldada por inúmeros doutrinadores,
como se tentou mostrar aqui, o Supremo Tribunal Federal, de maneira
infeliz, julgou improcedente a ação, entendendo pela possibilidade de
delegados de polícia firmarem acordos de colaboração premiada. Nos
termos do voto do relator Ministro Marco Aurélio:
(...) Os preceitos asseguram ao delegado de polícia a legitimidade para a
proposição do acordo de colaboração premiada – instrumento de obtenção de
prova – na fase de investigação, quando desenvolvida no âmbito do inquérito
policial. Sendo a investigação o principal alvo da polícia judiciária, ante a
conformação constitucional conferida pelo artigo 144, meios previstos na
legislação encontram-se inseridos nas prerrogativas da autoridade policial. Sendo
a polícia a única instituição que tem como função principal o dever de investigar,
surge paradoxal promover restrição das atribuições previstas em lei. Retirar a
possibilidade de utilizar, de forma oportuna e célere, o meio de obtenção de prova
denominado colaboração premiada é, na verdade, enfraquecer o sistema de
persecução criminal, inobservando-se o princípio da vedação de proteção
insuficiente. (...)
Não se trata de questão afeta ao modelo acusatório, deixando de caracterizar
ofensa ao artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, estando relacionada, tão
somente, ao direito de punir do Estado, que se manifesta por intermédio do Poder
Judiciário. (...)
Os textos impugnados versam regras claras sobre a legitimidade do delegado de
polícia na realização de acordos de colaboração premiada, estabelecendo a fase
de investigações, no curso do inquérito policial, como sendo o momento em que é
possível a utilização do instrumento pela autoridade policial. Há previsão
específica da manifestação do Ministério Público em todos os acordos
entabulados no âmbito da polícia judiciária, garantindo-se, com isso, o devido
controle externo da atividade policial já ocorrida e, se for o caso, adoção de
providência e objeções. As normas legais encontram-se em conformidade com as
disposições constitucionais alusivas às polícias judiciárias e, especialmente, às
atribuições conferidas aos delegados de polícia. Interpretação que vise concentrar
poder no Órgão acusador desvirtua a própria razão de ser da Lei nº 12.850/2013,
na qual presente que todas as autoridades envolvidas – delegado de polícia,
membro do Ministério Público e juiz –, como agentes essenciais à consecução da
Justiça criminal, possam realizar, cada qual no exercício legítimo das próprias
funções, as atividades que lhes são constitucionalmente atribuídas. (...)
Ante o quadro, julgo improcedente o pedido, assentando a constitucionalidade
dos parágrafos 2º e 6º do artigo 4º da Lei nº 12.850/201390.
90
STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.508. Voto Min. Rel. Marco Aurélio. Disponível
65
Conforme o entendimento já consignado no decorrer deste trabalho,
aparenta inadequado tal percepção da Corte, seja pela violação da atribuição
privativa do Ministério Público para promover a ação penal (art. 129, I,
CF), seja pela vedação de um juiz com atributos inquisitivos – conforme já
declarado pelo próprio STF na ADI nº 1.57091 – mas, sobretudo, pela
flagrante usurpação dos poderes próprios dos integrantes do Ministério
Público pelos delegados de polícia, ao negociarem e conduzirem acordos de
colaboração premiada.
Não se pretende, em nenhum momento, desqualificar e excluir os
integrantes das organizações policiais num sistema penal complexo como
temos, ou mesmo negar sua importância. O cerne da questão é a vontade do
Constituinte, que não pode ser mascarada pela legalidade conferida a
dispositivos nefastos como estes contestados, ora chancelados, pela Corte.
Corte essa, que deveria como incumbência principal, zelar pela
Constituição; obstando normas que, porventura venham a chocar-se com os
propósitos entalhados pela Assembleia de 1987-1988. Mais uma vez,
brilhantemente, Eugênio Pacelli nos ensina:
(...) a função de titularidade da ação penal pública é privativa do Ministério
Público. E não porque queiramos, mas por expressa determinação constitucional
(art. 129, I, CF). E por ação penal há que se entender a iniciativa da persecução
penal em juízo. Nesse contexto, tanto o oferecimento de denúncia quanto o
requerimento de arquivamento do inquérito policial constituem regular exercício
da titularidade da ação penal e, de modo mais amplo, da persecução penal em
juízo. Também outras providências não relacionadas diretamente com a acusação
em juízo são privativas do Ministério Público, precisamente por se inserirem no
contexto da respectiva modalidade de persecução penal, tal como ocorre em
relação à titularidade para a proposta de suspensão condicional do processo (art.
89, Lei 9.099/95) e [a] transação penal (art. 76, Lei 9.099/95). E nem poderia ser
de outro modo, na medida em que a única instituição pública no Brasil com
em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI5508MMA.pdf. Acesso
em: 25 out. 2019.
91
BRASIL. Lei 9034/95. Lei Complementar 105/01. Superveniente. Hierarquia superior.
Revogação implícita. Ação prejudicada, em parte. "Juiz de Instrução". Realização de diligências
pessoalmente. Competência para investigar. Inobservância do devido processo legal.
Imparcialidade do magistrado. Ofensa. Funções de investigar e inquirir. Mitigação das atribuições
do
Ministério
Público
e das Polícias Federal e Civil.
Disponível em:
http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E
+1570%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+1570%2EACMS%2E%29&b
ase=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/c5jws8j. Acesso em: 18 nov. 2019.
66
legitimidade ativa para a persecução penal em juízo é o Ministério Público. No
que toca às ações penais públicas, evidentemente. (...)
Eis então que se chega ao art. 4º, § 2º e § 4º, da Lei 12.850/13, que elege o
Delegado de Polícia como autoridade com capacidade postulatória e com
legitimação ativa para firmar acordos de colaboração, a serem homologados por
sentença pelo juiz. Nada temos e nada poderíamos ter (quem sabe apenas em um
passado longínquo e sombrio...) contra a autoridade e contra a importância do
Delegado de Polícia na estrutura da investigação. (...) Todavia, o que a citada
legislação pretende fazer é de manifesta e evidente inconstitucionalidade. E isso
por uma razão muito simples: a Constituição da República comete à polícia,
inquinada de judiciária, funções exclusivamente investigatórias (art. 144, § 1º, IV,
e § 4º). E, mais, remete e comete ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica
(art. 127) e a promoção privativa da ação penal (art. 129, I)92.
Nessa toada, a polícia tem o dever de atuar para o processo, e não no
processo93, o que resultaria num apoderamento indevido das funções
exclusivas dos membros do Ministério Público, ferindo de igual forma o §
2º do mesmo artigo 129 da Constituição.
Isso ainda é agravado à medida que, tratando-se de instituto que tem
um potencial despenalizador, apenas o Ministério Público tem legitimidade
para transigir, já que estaríamos na prática diante de uma forma de
mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, que será tema de
estudo num próximo tópico. Nas palavras do ilustre professor Mirabete:
O Ministério Público é o titular, privativo, da ação penal pública, afastada a
possibilidade de iniciativa e, portanto, de disponibilidade por parte do juiz (art.
129, I, da Constituição Federal). Não podendo, portanto, a lei, e muito menos
uma interpretação extensiva dela, retirar-lhe o direito de pedir a prestação
jurisdicional quando entende que deva exercê-la. Consagrado pela Constituição
Federal o sistema acusatório, onde existe separação orgânica entre o órgão
acusador e o órgão julgador, não pode um usurpar a atribuição ou competência do
outro. Por consequência, ao titular do ius persequendi pertence com
exclusividade também a disponibilidade da ação penal quando a lei mitiga o
princípio da obrigatoriedade94.
OLIVEIRA, Atualização da 17ª edição do curso de processo penal em virtude da Lei nº
12.850/13. Acesso em: 25 out. 2019.
93
PGR, Petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.508, Supremo Tribunal
Federal. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/adi-5508. Acesso em: 25 out.
2019.
94
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência,
legislação. São Paulo: Atlas, 2002. p. 153.
92
67
3.4 Prêmios Legais: a Discussão Sobre a Taxatividade do Modelo
Previsto na Lei 12.850/13 e o seu Esvaziamento na Prática
Adentrando no conteúdo em si dos acordos, será examinado agora o
que lhe confere sentido e torna-os interessantes aos imputados: os prêmios
legais que poderão ser conferidos. Afinal, a essência dos acordos de
colaboração premiada reside no oferecimento de prêmios pelo Estado ao
imputado, diminuindo sua resistência, de forma que este assinta à acusação
e contribua com a persecução penal.
Na lei objeto de estudo, não existe um rol que elenca as hipóteses de
benefícios que podem ser conferidos ao colaborador, como o faz nos
possíveis resultados advindos de uma colaboração (conforme visto no item
3.1), mas as especificam na redação dos dispositivos pertencentes ao
regramento legal do instituto (Seção I – Da Colaboração Premiada).
Destarte, temos as seguintes previsões legais: antes da prolação da
sentença, podem as partes convencionar (a) o perdão judicial; (b) a redução
da pena privativa de liberdade em até dois terços95; ou (c) a substituição da
pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (artigo 4º, cáput). Ainda
nesta fase pré-sentença, pode também o Ministério Público (d) deixar de
oferecer a denúncia se o colaborador não for o líder da organização
criminosa ou se for o primeiro a prestar efetiva colaboração (artigo 4º, § 4º,
incisos I e II).
Se, por outro lado, a colaboração for firmada após o sentenciamento
do acusado, ora colaborador, (e) a pena poderá ser reduzida até a metade,
Discussão pertinente sobre este ponto é que, de forma diferente às legislações anteriores, a Lei
12.850/13 não previu um mínimo para o prêmio de redução de pena. Alguns doutrinadores, como
Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues da Silva, defendem que deva-se aplicar por analogia os
demais dispositivos do ordenamento brasileiro, ainda que em vigência nova legislação, para
assegurar o mínimo de um terço na hipótese de redução da pena. Outros autores, como por
exemplo Renato Brasileiro de Lima, tomam como parâmetro o mínimo previsto no Código Penal e
na legislação especial, cujo valor é de um sexto. Sobre isso, ver: GOMES, Luiz Flávio; SILVA,
Marcelo Rodrigues da. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação: questões
controvertidas, aspectos teóricos e práticos e análise da Lei 12.850/2013. Salvador: JusPODIVM,
2015. p. 260-261;
LIMA, 2018, p. 808.
95
68
ou ainda, (f) será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os
requisitos objetivos (artigo 4º, § 5º).
Em confronto com a sistematização trazida pela lei, alguns acordos,
sobretudo os realizados no bojo da operação Lava Jato têm destoado dos
limites legais vistos nesse item do trabalho. Algumas benesses previstas
nesses acordos, como os chamados “regimes de cumprimento de pena
diferenciados” e a liberação dos bens oriundos das atividades ilícitas trazem
à tona questionamentos sobre a possibilidade das partes convencionarem
sobre tópicos não abarcados pela lei.
A título de exemplo, cite-se o recente acordo de colaboração na Pet
6.138 STF96, no qual a pena máxima, unificada em 20 anos de reclusão, se
concedidos os benefícios, será cumprida em dois anos e três meses em
“regime fechado diferenciado” e nove meses em “regime semiaberto
diferenciado”, cumulado com prestação de serviços à comunidade
(conforme a cláusula 5ª, § 1º do acordo). Sendo assim, o prêmio final, além
do privilégio de cumprimento nesses “regimes diferenciados”, representaria
uma redução de 20 anos para 3 anos, o que significa uma porcentagem de
diminuição de 85%, extrapolando em muito aquilo que fora designado na
legislação (máximo de dois terços).
Como estes “regimes diferenciados” não encontram regulação
alguma no ordenamento, suas condições são delimitadas nos próprios
acordos de colaboração, muitas vezes com diversos benefícios, como
cumprimento de pena domiciliar, datas previstas de ausência da residência,
lista de visitantes autorizados, dentre outras97.
Outra circunstância por vezes observada é a liberação dos bens
oriundos das atividades ilícitas. No acordo de colaboração premiada na Pet
Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/peca-pet-6138.pdf. Acesso em: 29 out. 2019.
No caso concreto analisado, foram anexados dois apensos, nos quais delimitaram-se as
condições do “regime fechado diferenciado”, substituindo-se o disposto nos artigos 34 do Código
Penal e 87 a 90 da Lei de Execuções Penais; e do “regime semiaberto diferenciado”, também em
substituição aos artigos 35 do Código Penal e 91, 92 e 112 c/c 146-B, II e IV da Lei de Execuções
Penais.
96
97
69
5.244 STF98, foi permitida a permanência dos bens, frutos de crimes, com
familiares do delator, como carros blindados e imóveis99. Na ocasião, a
justificativa dada foi que tal ato seria uma espécie de medida de segurança
aos familiares enquanto o colaborador estivesse preso, retornando depois
estes bens ao poder da Justiça.
A grande questão, então, é justamente se há uma taxatividade da lei
no tocante aos prêmios legais que podem ser conferidos ao colaborador; ou
se as partes podem transacionar sobre quaisquer quesitos aplicando-se
analogias, desde que respeitada a moralidade, licitude, dignidade da pessoa
humana etc.
Adeptos à concessão de benefícios extralegais, alguns doutrinadores,
como Andrey Borges de Mendonça100 e o ministro Luís Roberto Barroso101
inferem que para o colaborador ser agraciado com um benefício, basta que
este não seja expressamente vedado por lei, utilizando-se da analogia in
bonam partem.
Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wpcontent/uploads/sites/41/2015/01/acordodela%C3%A7%C3%A3oyoussef.pdf. Acesso em: 30 out.
2019.
99
“(…) se a colaboração frutífera também pode conduzir ao não oferecimento da denúncia e, por
via de consequência, à impossibilidade de perda patrimonial como efeito da condenação, pareceme plausível que determinados bens do colaborador possam ser imunizados contra esse efeito no
acordo de colaboração, no caso de uma sentença condenatória”. BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. Habeas Corpus nº 127.483/PR. Brasília, 27 ago. 2015. p. 61.
100
MENDONÇA, Andrey B. Os benefícios possíveis na colaboração premiada: entre a legalidade
e a autonomia da vontade. In: MOURA, Mara Thereza A.; BOTTINI, Pierpaolo C. (Coord.).
Colaboração premiada. São Paulo: RT, 2017. p. 104.
101
“Se em acordo com o Ministério Público, firmado com assistência de advogado de defesa
técnica e homologado pelo juiz competente, se neste acordo se der uma condição mais favorável
do que aquela que esteja expressamente prevista na lei, se o juiz a aceitar e homologar, não vejo
nenhum problema. E nós fazemos isso em favor do acusado, dar sanção mais benéfica do que a
que está prevista em lei. Aliás, ainda na terça-feira passada, na Primeira Turma, decidiu-se, por
maioria, no sentido de uma prisão domiciliar fora das situações que o Código Penal regula para a
prisão domiciliar. Como era em favor do réu, e não contra o réu, a ninguém pareceu fora de
propósito. Portanto, a sanção negociada, mais favorável e homologada pelo juízo, parece-me
perfeitamente legítima. E por qual razão? É que, se a lei permite o não oferecimento da denúncia,
se a lei permite a concessão de perdão judicial, isto é, permite que se isente o colaborador da
imposição de qualquer pena, a meu ver, é intuitivo que se admita o estabelecimento de condições
outras, que não resultem na total liberação do colaborador. Simplesmente porque quem pode o
mais - não oferecer denúncia ou negociar o perdão judicial - pode perfeitamente negociar uma
sanção mais branda do que a que consta da textualidade da lei”. STF, Voto na Questão de Ordem
na Pet 7.074/DF. Plenário, Rel. Min. Edson Fachin. Data do julgamento: 22 jun. 2017. p. 7.
98
70
Apesar de, a priori, possa-se crer que esta lógica de atribuir benesses
não previstas na legislação atual favoreceria o réu, a bem da verdade,
estamos diante de uma falácia, pois se os efeitos concretos de tal ação
destoam da finalidade perseguida em sede legal, o resultado inevitável é o
esvaziamento de direitos e garantias fundamentais. Ainda que em alguns
casos práticos, num primeiro olhar apenas constate-se vantagens ao
acusado, não podemos deixar de atentar para o fato de que, aumentando-se
o poder punitivo, incontinenti diminui-se a defesa e a garantia dos direitos
fundamentais.
Ao ofertar tamanha discricionariedade, abre-se margem para futuros
acordos que possam não ser tão favoráveis assim aos réus. Nesse
seguimento, imperioso destacar o exemplo norte-americano anteriormente
visto102, em que 95% dos casos penais resolvem-se em condenações
provindas de acordos, com “benefícios” aos réus, e ainda assim trata-se do
país com a maior população prisional do planeta103. Vale ainda recordar que
um dos pontos que nos permitiu diferenciar a plea bargain do sistema
brasileiro da colaboração premiada foi propriamente a soberania que os
promotores americanos detêm para conduzir a negociação, diversamente do
que ocorre aqui.
Nas palavras de Frederico Valdez Pereira:
(…) a solução é um pouco mais complexa do que poderia sugerir um raciocínio
embasado na lógica simplista de ‘quem pode o mais, pode o menos’, pois a
relação entre sanções penais e civis é de qualidade, e não de quantidade; (…)
somente a lei pode disciplinar natureza e extensão das medidas premiais,
retirando, deste modo, alguma ampla discricionariedade dos órgãos repressivos, e
mesmo jurisdicionais, quanto à sanção a ser aplicada104.
Com igualdade, sustenta Afrânio Silva Jardim:
Ver item 1.3.
WORLD PRISON BRIEF. Disponível em:
https://www.prisonstudies.org/highest-tolowest/prison-population-total?field_region_taxonomy_tid=All. Acesso em: 30 out. 2019.
104
PEREIRA, 2016, p. 151.
102
103
71
(…) o Poder Judiciário não deve homologar acordos de cooperação que
consagrem 'prêmios' não autorizados na lei cogente e, com mais razão, que
contrariem tal lei. Não devem ser homologadas 'delações premiadas' que
prevejam cumprimento de penas altas em regimes não permitidos pela lei penal
ou de execução penal, prisão domiciliar para penas de dez anos105.
Logo, os acordos de colaboração premiada, como instrumentos da
justiça
criminal
negocial
brasileira,
precisam
ser
restringidos
e
necessariamente respeitar ao máximo os parâmetros estabelecidos nos
diplomas
legais106, buscando-se
uma
“cultura de
legalidade
dos
benefícios”107 que fora muito bem traduzida no ensinamento de Canotilho e
Nuno Brandão:
Nisto vai implicada a taxatividade do catálogo legal dos benefícios que poderão
ser atribuídos ao colaborador: vantagens que não se encontrem legalmente
previstas não podem ser prometidas e concedidas. Não se divisando no regime
legal qualquer lacuna que careça de integração, será ainda inaceitável a outorga
de privilégios extralegais com base em argumentos de identidade ou maioria de
razão ou em analogia. Técnicas que, aliás, sempre seriam de reputar-se como
inadmissíveis num meio de obtenção de prova que contende com direitos
fundamentais de terceiros como é o caso da colaboração premiada108.
Consubstanciado nessa visão, o Ministro do STF Ricardo
Lewandowski deixou de homologar acordo de colaboração premiada
prevendo forma de cumprimento de pena diversa da prevista legalmente,
porque este “deve ser estabelecido pelo magistrado competente, nos termos
do disposto no art. 33 e seguintes do Código Penal, como também no art.
387 do Código de Processo Penal, os quais configuram normas de caráter
cogente, que não admitem estipulação em contrário por obra da vontade das
JARDIM, Afrânio Silva. Acordo de cooperação premiada. Quais são os limites? Revista
Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro, ano 10, v. 17, n. 1, Jan./Jun. 2016. p. 3.
106
Nesse sentido: BOTTINO, Thiago. Colaboração premiada e incentivos à cooperação no
processo penal: uma análise crítica dos acordos firmados na “Operação Lava Jato”. Revista
Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 24, n. 122, agosto de 2016. p. 376;
SILVA, Marcelo R. A colaboração premiada como terceira via do direito penal no enfrentamento à
corrupção administrativa organizada. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto
Alegre, v. 3, n. 1, Jan./Abr. 2017. p. 310;
COSTA, 2017, p. 140.
107
QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir provas contra si mesmo. 2ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 259.
108
CANOTILHO; BRANDÃO, 2017, p. 156.
105
72
partes do acordo de colaboração” e que “validar tal aspecto do acordo,
corresponderia a permitir ao Ministério Público atuar como legislador”109.
Por derradeiro, vale ainda citar o disposto no Manual ENCCLA:
Também não devem ser homologadas propostas que tragam, por exemplo, local
de prisão preventiva ou de cumprimento de pena, promessas de celas especiais
(ressalvado o que consta do art. 5.º, inciso VI, da Lei 12.850/13) ou outras
benesses cujo atendimento dependa de outro órgão ou autoridade, em momento
presente ou futuro. Ninguém pode prometer e o juiz não pode homologar aquilo
que não se saberá se poderá ser efetivado110.
Resta claro, portanto, que o mais apropriado, conforme tentou-se
elucidar neste tópico, é ater-se às normas legais, afastando do acordo
cláusulas que versem sobre matéria não antevista na legislação, em especial
a Lei 12.850/13. Desta feita, pretende-se evitar uma possível deturpação das
premissas e princípios do processo penal, o que poderia ocasionar excessos
e arbitrariedades, bem como coações e inseguranças.
Apesar de parecer paradoxal, ao restringir os benefícios ao réu
colaborador o que se objetiva é justamente a manutenção de seus direitos e
garantias fundamentais; indubitavelmente postos em risco se dermos
anuência a uma atuação irrefreada do acusador proponente.
3.4.1. A Mitigação do Princípio da Obrigatoriedade da Ação Penal Pública
A Constituição de 1988 designou ao Ministério Público uma gama
de atribuições, dentre elas, a já mencionada anteriormente111 de “promover,
privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”, contida no artigo
129, inciso I da Carta Magna.
STF, Decisão monocrática na Pet 7.265/DF. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Data do
julgamento 14 nov. 2017, p. 23. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/PET7265.pdf. Acesso em: 30 out. 2019.
110
Disponível em:
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/dados-da-atuacao/eventos2/eventos-internacionais/conteudo-banners-1/enccla/restrito/manual-colaboracao-premiadajan14.pdf/view. Acesso em: 30 out. 2019.
111
Ver item 3.3.1.
109
73
Diferentemente da Constituição italiana, que prevê expressamente o
princípio da obrigatoriedade em seu corpo, ao estabelecer em seu artigo 112
que “Il pubblico ministero ha l’obbligo di esercitare l’azione penale”112, tal
preceito, no ordenamento jurídico brasileiro, decorre da interpretação
conjunta o supracitado artigo 129, inciso I, da Constituição e os artigos 24
do Código de Processo Penal113 e 100, § 1º do Código Penal114.
O âmago deste princípio, então, é a obrigação do Parquet em
oferecer a denúncia ao tomar conhecimento do fato, após apuração e
colheita de indícios suficientes para embasá-la. Não pode o órgão
ministerial quedar-se inerte uma vez que dispuser do necessário para
proceder com a acusação penal. Ressalte-se que esta regra é atinente às
ações penais públicas.
Renato Brasileiro de Lima conceitua o princípio de maneira clara:
De acordo com o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, também
denominada de legalidade processual, aos órgãos persecutórios criminais não se
reserva qualquer critério político ou de utilidade social para decidir se atuarão ou
não. Assim é que, diante da notícia de uma infração penal, da mesma forma que
as autoridades policiais têm a obrigação de proceder à apuração do fato delituoso,
ao órgão do Ministério Público se impõe o dever de oferecer denúncia caso
visualize elementos de informação quanto à existência de fato típico, ilícito e
culpável, além da presença das condições da ação penal e de justa causa para a
deflagração do processo criminal115.
A atuação não discricionária está ligada ao monopólio do dever de
punir que o Estado possui, vedando-se a vingança privada e o exercício
arbitrário das próprias razões. Fábio Ramazzini Bechara explica o princípio
nessa ótica de ser uma garantia à proteção dos interesses sociais, uma vez
infringidos:
ITÁLIA,
Costituzione
della
Repubblica
Italiana.
Disponível
em:
https://www.senato.it/documenti/repository/istituzione/costituzione.pdf. Acesso em: 31 out. 2019.
113
“Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas
dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do
ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo”. BRASIL, Código de Processo Penal.
1941.
114
“A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de
representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça”. BRASIL, Código Penal.
1940.
115
LIMA, 2018, p. 229.
112
74
A obrigatoriedade da ação penal representa um duplo corolário: garantir a
universalidade do acesso à jurisdição a qualquer pessoa, no caso do Direito
brasileiro por meio do Ministério Público; assegurar que o interesse público será
tutelado de forma simétrica e indiscriminadamente. Essa dupla função da
obrigatoriedade permite presumir que a ação penal constitui um mecanismo
eficiente para a tutela do interesse ou direito violado116.
Este dever de punir também fica evidenciado na leitura do artigo 5º
do Código de Processo Penal, que por sua vez estabelece a instauração de
inquérito policial de ofício, a partir da requisição de autoridade judiciária,
do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido. Cabe citar ainda a
existência da ação penal privada subsidiária da pública, figura sui generis
com previsão constitucional no artigo 5º, inciso LIX, na qual o ofendido
pode ingressar com ação penal privada ainda que se trate de crime de ação
pública, caso o Ministério Público não se manifeste no prazo legal, regrada
também pelos artigos 100, § 3º do Código Penal e 29 do Código de
Processo Penal; admitindo-se ainda a retomada da titularidade pelo
Ministério Público em casos de manifesto desinteresse do querelante no
decorrer do processo.
Desta feita, após conclusão do inquérito policial, o órgão ministerial
deve então agir adotando uma das “hipóteses legais de procedimento: (a)
oferece denúncia; (b) requer novas diligências para sanar falhas ou lacunas;
(c) requer a extinção da punibilidade do indicado; ou (d) requer o
arquivamento”117. Não poderia o Ministério Público, em tese, afastar-se de
uma dessas possibilidades. Nessa seara, por força do princípio da
obrigatoriedade, não o poderia também deixar de oferecer a denúncia
mediante evidências que a dessem justa causa.
Cumpre salientar que o princípio ora examinado não propende, sob
nenhuma hipótese, constranger os promotores a deflagrarem a ação penal
sempre, mesmo sem os indicativos necessários. Portanto, não deve-se
BECHARA, Fábio Ramazzini. Colaboração premiada segundo o projeto de lei das
organizações criminosas. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 20, nº 233, abril de 2012. p. 4.
117
NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 4ª ed.,
Rio de Janeiro: Forense, 2015.
116
75
confundir o princípio da obrigatoriedade da ação penal com um
“oferecimento de denúncia a todo custo”.
Noutro giro, o princípio da oportunidade surge numa condição de
adversidade ao da obrigatoriedade, uma vez que reflete a conveniência ou
não da instauração da persecução penal. Como visto anteriormente118, os
Estados Unidos adota sistemática criminal fundada neste princípio da
oportunidade, materializado na plea bargain que possui grande destaque no
ordenamento norte-americano.
No intuito de demonstrar as ideias contrastantes, Tourinho Filho
utiliza dois axiomas para distinguir os dois princípios. Para o autor, o
princípio da obrigatoriedade é pautado no “nec delicta maneant impunita
(os delitos não podem ficar impunes)”119, enquanto o princípio da
oportunidade calca-se no “minima non curat praetor (o Estado não se
preocupa com as coisas mínimas)”120.
Não obstante a consolidação inconteste da obrigatoriedade como um
princípio vigente no processo penal pátrio, sua sustentação se dá
eminentemente por legislações infraconstitucionais e em sede doutrinária.
Ocorre que, ultimamente, revela-se tendente a inserção cada vez maior de
uma justiça negocial penal no cenário brasileiro. E essa inclinação,
inevitavelmente, mostra-se com o potencial de mitigar o princípio
obrigacional.
Quando da promulgação da Lei nº 9.099, em setembro de 1995 (Lei
dos Juizados Especiais), alguns de seus dispositivos trouxeram diretrizes até
então inéditas em nosso ordenamento121. A transação penal, disposta no
artigo 76 da referida lei, autoriza que:
Ver item 1.3.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 1. 35ª ed., São Paulo: Saraiva,
2013. p. 390.
120
Ibid., p. 390.
121
Muito embora, como não podia deixar de ser, a Constituição já antevisse a possibilidade da
transação penal em seu artigo 98, inciso I: “A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os
Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos,
competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor
118
119
76
Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública
incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá
propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser
especificada na proposta.
O parágrafo 2º elenca as hipóteses em que não cabe a transação
penal:
§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:
I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa
de liberdade, por sentença definitiva;
II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela
aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;
III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente,
bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da
medida122.
Por sua vez, a suspensão condicional do processo (também chamada
de sursis processual) encontra amparo legal no artigo 89 da mesma lei, que
rege:
Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano,
abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia,
poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o
acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro
crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional
da pena123.
Grandes entraves doutrinários acerca da natureza de tais institutos
surgiram à época e perduram até hoje, intensificados por jurisprudências
dissonantes dos mais diversos tribunais124: de um lado, a corrente
complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e
sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por
turmas de juízes de primeiro grau.” BRASIL, Constituição Federal. 1988.
122
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais e dá outras providências. Brasília, DF, 26 set. 1995.
123
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Brasília, DF, 26 set. 1995.
124
Acerca da suspensão condicional do processo, o STF tem entendido ser obrigatória a sua
aplicação, conforme precedente: "Uma vez atendidos os requisitos do artigo 89 da Lei nº
77
majoritária125 que entende serem direitos subjetivos do acusado, isto é, uma
vez preenchidos os requisitos deveria o Ministério Público propor a
transação penal e a suspensão condicional do processo; e do outro, a
corrente minoritária126 que defende ser a proposição de ambos uma
discricionariedade do membro do Parquet; culminando este debate ainda
numa outra questão: tais dispositivos representariam uma mitigação do
princípio da obrigatoriedade?
Não se pretende nesse trabalho, ainda que o tema ostente interesse e
importância, aprofundar-se em tal discussão. No entanto, há de se afirmar
que, ainda que não se estabeleça um consenso sobre uma possível mitigação
do princípio da obrigatoriedade – ou ainda uma “disponibilidade regrada”,
termo que surgiu à época127 – resta claro que tais disposições despontaram
9.099/1995, cumpre implementar a suspensão condicional do processo, podendo o Juízo atuar,
nesse campo, de ofício". STF, HC 136053. Rel. Min. Marco Aurélio, primeira turma, Julgado em:
07 ago. 2018. A matéria já foi inclusive objeto de súmula: “Reunidos os pressupostos legais
permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a
propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia o
art. 28 do Código de Processo Penal.” (Súmula nº 696 do STF).
Por outro lado, o STJ entende de forma diversa, conforme julgado: "(...) A suspensão condicional
do processo é solução de consenso e não direito subjetivo do acusado, consoante precedentes desta
Corte”. STJ, AgRg no RHC 91.265/RJ. Quinta Turma. Rel. Min. Felix Fischer, Data do julgamento
27 fev. 2018.. Tal entendimento resultou na tese nº 3 do STJ sobre os Juizados Especiais: "A
suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do
Ministério Público, titular da ação penal, a quem cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade
de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada”.
125
Tourinho Filho, sobre o instituto da transação penal: “Uma vez satisfeitas as condições
objetivas e subjetivas para que se faça a transação, aquele poderá converter-se e deverá, surgindo
para o autor do fato um direito a ser necessariamente satisfeito. O Promotor não tem a liberdade de
optar entre ofertar a denúncia e propor simples multa ou pena restritiva de direitos. Não se trata de
discricionariedade. Formular ou não a proposta não fica à sua discrição. Ele é obrigado a formulála. E esse deverá é da Instituição. Nem teria sentido que a proposta ficasse subordinada ao belprazer, à vontade, às vezes caprichosa e frívola, do Ministério Público”. TOURINHO FILHO,
Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 8ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 92.
126
Sobre a suspensão condicional do processo, afirma Fernando Capez: “A iniciativa para propor a
suspensão condicional do processo é uma faculdade exclusiva do Ministério Público, a quem
compete promover privativamente a ação penal pública (CF, art. 129, I), não podendo o juiz da
causa substituir-se a este, do mesmo modo que descabe ao magistrado, ante a recusa fundamentada
do Ministério Público a requerimento de suspensão condicional do processo, o exercício de tal
faculdade, visto que não se trata de direito subjetivo do réu, mas de ato discricionário do parquet.”
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 7ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2001. p. 555.
127
Sobre isso, Ada Pelegrinni Grinover: “A discricionariedade regulada constitui resposta realista
do legislador (e, em nosso sistema, do constituinte), à ideia de que o Estado moderno não pode
nem deve perseguir penalmente toda e qualquer infração, sem admitir-se, em hipótese alguma,
certa dose de discricionariedade na escolha das infrações penais real”. GRINOVER, Ada
Pelegrinni. Juizados especiais criminais – comentários à Lei 9.099/1995, de 26/09/1995. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 95;
78
de forma a fortalecer a cultura da justiça negocial, uma vez que possuem
inegavelmente um caráter despenalizador.
No mesmo sentido parece caminhar a Lei 12.850 de 2013.
Entretanto, maior atenção merece esta discussão no que concerne ao
instituto da colaboração premiada. Mesmo que maiores hesitações
(baseadas no mesmo dissenso acima apresentado) possam surgir em relação
aos demais prêmios legais previstos na Lei do Crime Organizado, um deles
parece ter a capacidade de afastar quaisquer dúvidas sobre uma possível
mitigação do princípio da obrigatoriedade, precisamente pelo seu caráter
arrojado e assertivo.
Falamos do artigo 4º, § 4º da lei analisada. Tal dispositivo introduziu
a possibilidade do Ministério Público deixar de oferecer a denúncia se o
colaborador (i) não for o líder da organização criminosa e (ii) for o primeiro
a prestar efetiva colaboração. Na prática, o membro do órgão ministerial,
analisando os pressupostos da necessidade e adequação, poderia deixar de
promover a ação penal, em face de alguém que admitiu prática criminosa
(conforme o pressuposto da confissão, visto no item 3.2.1).
Cuida-se
seguramente
de
uma
mitigação
do princípio da
obrigatoriedade, que no caso hipoteticamente apreciado, deixa-se de buscar
a condenação de um sujeito para que se possa conseguir a de outros,
desmantelando a organização criminosa; abre-se mão de uma punição que
eventualmente não geraria maiores frutos positivos e edificantes em prol de
um bem maior. Nas palavras de Renato Brasileiro:
Como se percebe, o legislador aí inseriu mais uma exceção ao princípio da
obrigatoriedade, porquanto o órgão ministerial poderá deixar de oferecer
denúncia se a colaboração levar à consecução de um dos resultados constantes
dos incisos do art. 4º128.
Não é diferente a lição de Vinicius Gomes de Vasconcellos:
No mesmo sentido: LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 13ª ed., São Paulo: Saraiva,
2016. p. 203.
128
LIMA, 2018, p. 809.
79
Trata-se de mecanismo que atesta cristalina expansão das exceções à regra da
obrigatoriedade da ação penal pública, autorizando o não oferecimento da
denúncia por critérios distintos à estrita existência de um ilícito com justa
causa129.
O chamado “acordo de imunidade” busca adaptar uma nova visão do
Direito no cenário mundial em que cada vez mais as organizações
criminosas estão se aperfeiçoando tecnicamente e tecnologicamente. Por
essa razão, o não oferecimento da denúncia passa a ser considerado como
uma alternativa que pode gerar resultados mais benéficos à sociedade como
um todo.
Tal ocasião era inconcebível antes do advento da Lei 12.850/13. À
luz do julgado do STF em sede da Ação Penal 470/MG, na Questão de
Ordem nº 3, firmou-se entendimento de que seria forçoso o oferecimento da
denúncia mesmo que se objetivasse a concessão do perdão judicial ao
delator, o que deveria ser obtido apenas ao final de todo o trâmite
processual130.
Atente-se para o fato de que estes “acordos de imunidade” apenas
são possíveis se celebrados na fase de investigação preliminar, dado que
após o oferecimento da denúncia, é inadmissível a desistência da ação penal
pelo Parquet, conforme orientação do art. 42 do CPP, que exprime o
princípio da indisponibilidade da ação penal. Em tal caso, deve-se proceder
conforme orientação mencionada no parágrafo acima, intentando o
benefício do perdão judicial, em equiparação.
Importante também assentar que, nos termos do § 12 do mesmo
artigo 4º, o colaborador, mesmo beneficiado pelo perdão judicial ou não
denunciado, poderá ser requisitado a depor em juízo, seja por demanda das
partes ou por vontade de autoridade judicial.
VASCONCELLOS, 2018, p. 245-246;
No mesmo sentido: MENDRONI, Marcelo Batlouni. Comentários alei de Combate ao Crime
Organizado: Lei n. 12.850/13. São Paulo: Atlas, 2014. p. 41;
SILVA, 2014, p. 62;
MENDONÇA, 2013, p. 20.
130
STF, AP 470/MG. 3ª Questão de Ordem, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julgado em: 23 out. 2008.
129
80
Cabe frisar, por fim, que a Lei não pretende, e nem poderia, carregar
uma dogmática apoiada na conveniência/oportunidade, não havendo que se
falar em alargar a interpretação, estendendo-se a aplicação para demais
casos que não aqueles previstos nos incisos I e II do artigo 4º, § 4º.
Retomando inclusive o enunciado no item anterior, mostra-se inescusável a
obediência à legalidade, uma vez que tal dispositivo versa sobre exceção do
princípio da obrigatoriedade numa circunstância estritamente singular.
3.5. Formalidades do Instrumento de Colaboração Premiada
Os acordos de colaboração premiada, por tratarem de objetos
importantes para todos os envolvidos (os direitos fundamentais do
colaborador e a pretensão punitiva do Estado, por exemplo) é permeado por
algumas formalidades que visam proteger as partes e darem maior
legitimidade ao avençado.
Estas formalidades estão concentradas no final da Seção I da Lei
12.850 de 2013, mais especificamente nos seus artigos 6º e incisos; e 7º e
parágrafos. Tais requisitos formais servem para ratificar os requisitos
materiais aqui elencados anteriormente em item próprio, conforme se
constatará a seguir.
O artigo 6º traz a seguinte redação:
Art. 6º O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e
conter:
I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de
polícia, do colaborador e de seu defensor;
81
V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família,
quando necessário 131.
Primeiramente, de acordo com cáput do dispositivo acima, o acordo
deverá ser sempre por escrito, evitando-se contradições e demais lesões a
qualquer uma das partes. Olhando para os incisos, podemos correlacionálos com algumas discussões já trazidas no decorrer do presente estudo.
Importante ressaltar, no inciso I, o termo “possíveis resultados”,
afirmando a ideia de que os benefícios não decorrem do acordo de forma
automática, o que deve ser levado a conhecimento inequívoco do
colaborador, que deverá ter ciência de sua situação, conforme dispõe o
requisito da inteligência/informação.
De igual forma, o inciso II também relaciona-se a este requisito e
proteção, para que, reduzindo a termo as condições do acordo pelo
proponente, evita-se eventuais surpresas ou mudanças no teor que não
haviam sido combinadas. Por outro lado, prestigiando o acusador, tal
formalidade também permite ao acusador a efetivação do pressuposto da
adequação, ou seja, com a proposta devidamente reduzida a termo, maior a
facilidade para verificar a finalidade perseguida na persecução penal, quais
os resultados são esperados, etc.
O inciso III, obviamente ligado ao requisito da assistência do
defensor técnico, também está diretamente associado à voluntariedade do
colaborador. Conforme já explicitado, a mera aceitação da proposta pelo
colaborador não confere legitimidade ao requisito da voluntariedade;
entretanto, o inciso III dispõe de mera formalidade do instrumento escrito,
sendo indispensável tal item. Para uma inspeção material mais profunda,
esse aceite deve ser analisado de forma ampla com as demais peças
existentes para comprovação da real voluntariedade do colaborador.
O inciso IV, também relativo à necessidade de presença de um
defensor técnico, imprime uma ideia além disso. Conforme Antonio
131
BRASIL. Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013. Brasília, DF, 02 ago. 2013.
82
Scarance Fernandes, este inciso prevê a chamada “dupla garantia” que
devem conter os acordos no processo penal, para, que além da
voluntariedade do colaborador, identifique-se também a anuência do seu
advogado132.
Por último, o inciso V versa sobre as medidas de proteção ao
colaborador e sua família, que são exemplos de direito do colaborador,
conforme assegura o artigo 5ºda Lei.
Prosseguindo para o artigo 7º e seus parágrafos, temos as seguintes
disposições:
Art. 7º O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído,
contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu
objeto.
§ 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente
ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito)
horas.
§ 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado
de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao
defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que
digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de
autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
§ 3º O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a
denúncia, observado o disposto no art. 5º133.
A homologação do acordo, prevista no artigo 7º, é o que confere
legitimidade ao mesmo. Para tal, deve ser feita à luz de um lastro probatório
mínimo para que se verifique os demais pressupostos e requisitos materiais
e formais.
Ainda que a Lei 12.850 de 2013, em seu artigo 4º, § 7º diga que o
juiz apenas verificará regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo,
bem como a posição do Supremo no HC 127.483/PR afirme que “o juiz, ao
FERNANDES, Antonio Scarance. Teoria Geral do Procedimento e o Procedimento no
Processo Penal. São Paulo: RT, 2005. p. 283.
133
BRASIL. Lei nº 12.850 de 02 de agosto de 2013. Brasília, DF, 02 ago. 2013.
132
83
homologar o acordo de colaboração, não emite nenhum juízo de valor a
respeito das declarações eventualmente já prestadas pelo colaborador à
autoridade policial ou ao Ministério Público, tampouco confere o signo da
idoneidade a seus depoimentos posteriores”134, é parcialmente questionável,
de certa forma leviana, essa percepção.
Primeiro, porque no campo fático, é de difícil – para não dizer quase
impossível – essa distinção no exame do juiz. A linha que separa uma
análise meramente formal para uma análise cognitiva mostra-se muito
tênue, de maneira que, por mais que o julgador tente não adentrar no mérito
da proposta, esse transpasse teórico é basicamente inevitável ao vistoriar o
conteúdo ao praticar o juízo homologatório.
Isto posto, ainda que evitável fosse, deveria da mesma forma o
julgador adentrar – mesmo que de forma limitada – no termo do acordo,
para, assim, validar a necessidade da colaboração e quais suas contribuições
à persecução penal, que é a sua verdadeira finalidade. Até porque, em certo
grau, seu terreno decisório ficará adstrito àquilo que homologar, se forem
cumpridas as condições do acordo no caso concreto.
O juiz deve verificar, de forma amena, a coerência dos fatos narrados
e se estes estão de acordo com os demais elementos investigativos colhidos.
Tal atuação visa um controle sobre a negociação, balizando por exemplo os
poderes do Ministério Público acerca de cláusulas prejudiciais ou
destoantes dos fatos, ou ainda, obstar acordos sobre fatos, como por
exemplo os charge bargains e sentence bargains, figuras da plea bargain já
estudadas no início do trabalho, que não encontram respaldo em nosso
ordenamento jurídico.
134
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 127.483/PR. Brasília, 27 ago. 2015.
CAPÍTULO 4 - CRÍTICAS AO INSTITUTO
Após todo o conteúdo apresentado, conforme já fora notado, o
instituto da colaboração premiada está longe de ser uma unanimidade entre
os doutrinadores e juristas; pelo contrário: trata-se de temática ainda hoje
muito controversa, em diversos pontos, mesmo passados mais de seis anos
desde a entrada em vigor da Lei aqui estudada.
Quase que simultaneamente à aparição da Lei 12.850, deu-se a
deflagração da Operação Lava Jato, que rapidamente veio a se tornar a
maior investigação em matéria de corrupção/lavagem de dinheiro já
realizada no Brasil. À vista disso, desde 2014 os acordos de colaboração
premiada passaram a estar muito mais em voga devido à sua ampla
utilização na Lava Jato; o que não ocorria anteriormente, sendo uma
ferramenta pouco utilizada, muitas vezes até pelo desconhecimento da
existência de um instituto desses moldes no ordenamento pátrio.
Notoriamente, tratando-se de uma operação dessa magnitude,
interesses grandiosos foram envolvidos, a mídia passou a participar mais
ativamente, contribuindo para a formação da opinião pública; e
consequentemente, os operadores do direito se mobilizaram e debruçaramse sobre o tema. Logo, não causa maior estranheza que se verifiquem
críticas à colaboração premiada neste ínterim, umas mais temperadas e
outras mais enérgicas.
Há quem entenda pela total inconstitucionalidade do instituto,
taxando-o como incompatível com nosso devido processo legal, devendo
assim ser excluído do nosso ordenamento. Maria Lucia Karam, por
exemplo, defende a ilegitimidade da delação premiada, uma vez que esta
acaba com as liberdades fundamentais, descrevendo-a como uma “venda de
indulgências”135. Juarez Cerino dos Santos, por sua vez, enxerga na
KARAM, Maria Lucia. Delação premiada: doutrina e jurisprudência. Histórico doutrinário. Rio
de Janeiro: OAB-RJ, 23 ago. 2019. (Comunicação oral).
135
85
colaboração premiada uma introdução à mercantilização da justiça, na qual
a pena é uma espécie de mercadoria; e, do mesmo modo que John
Langbein136, classifica-a, ainda, de maneira hiperbólica, como uma
tortura137. Na mesma linha, Renata Rieger diz que a delação premiada
deveria ser “expurgada do ordenamento jurídico brasileiro”138.
Sem embargo a posição contundente e depreciativa do instituto
estampada por alguns legistas como as assentadas acima, existem quatro
críticas feitas pela doutrina contrária à prática da colaboração que são as
mais recorrentes. São elas: (i) a suposta coação sofrida pelo acusado para
realizar o acordo de colaboração premiada; (ii) a reprovabilidade ética e
moral da delação; (iii) a adoção de institutos negociais simboliza a falência
estatal na sua função investigativa; e (iv) a renúncia do colaborador a
alguns de seus direitos.
A principal lógica de desenvolvimento do argumento (i) na verdade
pode ser estendida a todo o sistema de justiça criminal negocial: a dinâmica
utilizada, de forma indissociável, acaba por gerar pressões psicológicas e
coerções ao imputado para que este aceite realizar o acordo de colaboração,
afastando-o assim de sua posição de resistência, ainda que não lhe seja
favorável ou somente contra seu desejo. Haveria tendência no sentido de
que, uma vez que o sistema se molde no formato negocial, tenhamos
sentenças mais gravosas aos que decidirem não colaborar. Por conseguinte,
existiria maior chance de condenações de inocentes que possam aderir a
uma acusação infundada, tão somente por serem coagidos a tal ponto; ou
ainda, a disseminação de colaborações falsas fundadas no anseio de receber
o prêmio de qualquer forma.
“Ameaça-se o réu com uma sanção penal materialmente mais severa se houver o exercício do
direito ao julgamento e posterior condenação. Essa diferença no sentenciamento é o que torna a
barganha coercitiva. (…) A barganha, como a tortura, é coercitiva”. LANGBIEN, John H. Torture
and plea bargaining. The University of Chicago Law Review, v. 46, n. 1, 1978. p. 12-13.
137
DOS SANTOS, Juarez Cerino. Delação premiada: doutrina e jurisprudência. Histórico
doutrinário. Rio de Janeiro: OAB-RJ, 23 ago. 2019. (Comunicação oral).
138
RIEGER, Renata J. C. Breves considerações sobre o instituto da delação premiada no
ordenamento jurídico brasileiro. Revista Bonijuris, v. 20, n. 537, Ago. 2008. p. 10.
136
86
Esta crítica deu origem ao termo jocoso que vem sendo utilizado por
adeptos dessa corrente: a colaboração premiada na verdade é uma “extorsão
premiada”. Assim, a voluntariedade do colaborador não se verificaria no
plano dos fatos, pois o funcionamento do instituto é baseado em ameaças.
Para Alberto Bovino, por exemplo, a justiça consensual importaria numa
inversão lógica, já que “não foi projetada para ser utilizada aos réus
confessos, mas para gerar réus confessos a quem aplicá-la”139.
A Lei 12.850/13 buscou ser bem clara, na sua redação, ao prever
como um dos seus alicerces, a voluntariedade na colaboração premiada. A
ausência de constrangimentos ilegais na concepção do colaborador, é,
portanto, uma das suas bases, traduzindo-se em um dos requisitos mais
importantes (quiçá o mais importante) para a autenticação do instrumento
do acordo de colaboração. Ademais, no momento da homologação, o
acordo será examinado pelo juiz, que, ao exercer jurisdição, pode inclusive
manifestar sua recusa a validá-lo caso o mesmo não atenda aos requisitos
legais, conforme o disposto no artigo 4º, § 8º da lei.
Do mesmo modo, faz-se mister reforçar o regulamento da
colaboração premiada, que pressupõe a corroboração da acusação por
outros meios dela desligados, sem excluir a necessidade de um lastro
probatório suficientemente capaz de embasar uma condenação, assim como
a inafastabilidade dos atos próprios do procedimento de instrução e efetivo
julgamento140.
As objeções morais (ii) também se fazem rumorosas entre os críticos.
Comumente associada ao instituto da delação premiada, a problemática
ética relativa à possibilidade do Estado incentivar atitudes tidas como
imorais em troca de benefícios resultantes da deslealdade, gerou a ideia de
uma traição institucionalizada.
BOVINO, Alberto. Procedimiento abreviado y juicio por jurados. In: MAIER, Julio B. J.;
BOVINO, Alberto. El procedimiento abreviado. Buenos Aires: Del Puerto, 2005. p. 77.
140
SOUZA, Mariana M. Os limites e o controle dos acordos de colaboração premiada: o rei está
nu, ou, em terra de cego quem tem um olho é louco? In: MENDES, Soraia da Rosa (Org.). A
delação/colaboração premiada em perspectiva. Brasília: IDP, 2016. p. 42.
139
87
Para o professor Damásio E. de Jesus, a delação “não é pedagógica,
porque ensina que trair traz benefícios”141. Aprofundando-se um pouco
mais nessa linha, temos que “ao preconizar que a tomada de uma postura
infame (trair) pode ser vantajosa para quem o pratica, o Estado premia a
falta de caráter do codelinquente, convertendo-se em autêntico incentivador
de antivalores ínsitos à ordem social”142.
Aqui, o argumento parece não se sustentar sob nenhuma ótica. A
desaprovação do instituto que invoca tal pensamento mostra-se duplamente
equivocada, pois falaciosa em dois sentidos: primeiramente, conforme já
acentuado anteriormente, é dificílima a missão de apurar quais as
motivações mais íntimas levaram de fato o acusado a tornar-se colaborador
– de modo que nem esforçamo-nos a fazê-lo, quando da discussão acerca da
necessidade de voluntariedade versus espontaneidade143. Entretanto, não
pode ser descartada a possibilidade de um arrependimento pessoal. Ora,
como sustentar uma crítica sob a égide da lógica e a espada da moral, contra
um instituto que permite a um criminoso confesso arrepender-se de fato, e,
assim, buscar suavizar os danos por ele cometidos em conluio com seus
comparsas?
Não fosse só essa contradição, o que podemos inferir sobre “ética”
entre criminosos? O próprio Renato Brasileiro contrapõe estas alegações,
inclusive consentindo com a ideia de uma traição com respaldo oficial:
Sem embargo de opiniões em sentido contrário, parece-nos não haver qualquer
violação à ética, nem tampouco à moral. Apesar de se tratar de uma modalidade
de traição institucionalizada, trata-se de instituto de capital importância no
combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso,
além de beneficiar o acusado colaborador. De mais a mais, falar-se em ética de
criminosos é algo extremamente contraditório, sobretudo se considerarmos que
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 5.
CARVALHO, Natália Oliveira apud LIMA, 2018, p. 795.
No mesmo sentido: VALLE, Juliano Keller do. Crítica à delação premiada: uma análise através da
teoria do garantismo penal. São Paulo: Conceito Editorial, 2012. p. 114.
143
Ver item 3.2.2.
141
142
88
tais grupos, à margem da sociedade, não só têm valores próprios, como também
desenvolvem suas próprias leis144.
Aliado a isso, alguns fatores como grande notoriedade que a
Operação Lava Jato teve a partir da atuação midiática, bem como a grande
proporção que tomou, também moldaram certas críticas. A partir do
momento que os delitos investigados passaram a ser, em sua grande
maioria, os ligados à administração pública e à classe política (os chamados
crimes de colarinho branco) algumas condutas passam a ser moralmente
reprováveis, de forma a beneficiar um ou outro lado, contaminando
qualquer argumentação que pretendia ser puramente jurídica.
Não há que se falar, portanto, em desprezar a colaboração premiada
fundamentando-se em supostas objeções morais. Por outro lado, uma falta
de ética poderia ser mais claramente vislumbrada num recuo estatal baseado
na preservação de um degenerado companheirismo nas relações criminosas.
O mais adequado é sopesar, recordando que os infratores – sobretudo os
beneficiados pela corrupção – desobedeceram agudamente os tais preceitos
morais, e não deveriam pugnar pela observância desses entre si.
A incapacidade do Estado suscitada por uns145 (iii) tampouco merece
guarida. O pressuposto da necessidade, em substância, afasta este entender.
Foi explicitado que esse pressuposto visa comedir a aplicação em massa da
colaboração premiada, posto que sua utilização deve ser apenas quando for
crucial à persecução penal; em caráter excepcional. Quando os critérios
analisados no caso concreto giram em torno da impossibilidade de se obter
outras provas e da oportunidade de furar a coesão das organizações
criminosas, é plenamente justificável (e mais que isso, desejável) o uso
LIMA, 2018, p. 795.
Nesse sentido: BITENCOURT, Cezar Roberto. Delação premiada é favor legal, mas antiético.
Consultor Jurídico, publicado em 10 de junho de 2017. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2017-jun-10/cezar-bitencourt-delacao-premiada-favor-legal-antietico.
Acesso em: 08 nov. 2019.
144
145
89
deste mecanismo. Se a colaboração ergue-se como modo eficaz de romper
tais barreiras, deve ser incentivada sempre que possível146.
Seria de bom proveito, se, diversamente de apenas tentar impedir a
adoção da lei, esta corrente fosse guarnecida de uma proposta igualmente
eficiente. Todavia, não é o que se verifica até o momento. Nesta toada,
lembre-se novamente da natureza jurídica do instituto objeto deste trabalho:
meio de obtenção de provas. Subvertendo a lógica apresentada pelos
críticos, não se trata de reconhecimento da falência do Estado; mas sim de
mais um instrumento para obtenção de provas à disposição das autoridades,
para, fazendo seu bom uso, ter o potencial de solucionar os casos que sem o
auxílio da colaboração não o seria possível.
Em contrapeso às benesses as quais o colaborador pode vir a fazer
jus, por óbvio, este deverá aderir à acusação e efetivamente cooperar, o que
pode acabar gerando certas renúncias a alguns de seus direitos, que tanto
podem ser expressas no acordo, como naturalmente decorrentes do ato de
colaborar. No campo das renúncias impostas ao colaborador (iv) algumas
críticas também emergem de maneira destacada.
Primeiramente, a polêmica renúncia ao direito ao silêncio.
Indiscutivelmente, ao assumir o papel de colaborador, o imputado estará
anuente com o fato de que deverá adotar uma postura ativa para que sua
cooperação seja efetiva e dela decorra os benefícios prometidos. Esta
renúncia está estampada no artigo 4º, § 14 da Lei 12.850/13. Por se tratar de
direito fundamental garantido constitucionalmente (artigo 5º, LXIII da
CF/88), bem como presente também na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (artigo 8º, § 2º, g da CADH) o termo “renúncia” gera
acalorados debates.
LIMA, Márcio Barra apud FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê; DEZAN, Willy Potrich da Silva.
Delação premiada e direitos fundamentais do sujeito passivo da persecução penal a partir da
regulamentação constante na Lei 12.850/2013. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP.
Rio de Janeiro, ano 11, v. 18, n. 1, Jan./Abr. 2017, p. 54. Disponível em:
https://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/27822. Acesso em: 08 nov. 2019.
146
90
Figurando em cláusula pétrea e sendo uma garantia fundamental, do
direito ao silêncio, a princípio, não poderia se dispor. Nessa linha de
pensamento, alguns pensadores defendem a incompatibilidade da
colaboração premiada com a normativa constitucional eis que esta violaria
o direito ao silêncio, por intermédio do supramencionado artigo da Lei
12.850/13. Assim é o entendimento de Bitencourt:
Uma vez iniciado o processo, sendo o colaborador, induvidosamente, parte no
processo, goza de pleno direito ao silêncio. A lei incorrendo em grave
inconstitucionalidade estabelece em seu parágrafo 14º do artigo 4º, que o
colaborador renunciará — utiliza-se voz cogente — ao direito ao silêncio, na
presença de seu defensor. Ora, o dispositivo legislativo é claramente
inconstitucional enquanto obriga (ou condiciona, o que dá no mesmo) o réu a
abrir mão de um direito seu consagrado não apenas na constituição, como em
todos os pactos internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é
signatário. Afinal, o réu simplesmente não está obrigado a fazer prova contra si
em circunstância alguma, mesmo a pretexto de “colaborar” com a Justiça, ou seja,
na condição de colaborador147.
Em contrapartida, entendendo ser possível esta renúncia, Pedro
Adamy a define nos seguintes termos:
(…) pode-se afirmar que a renúncia a direito fundamental é a situação definida
em lei, em que o titular do direito fundamental, expressamente, renuncia a
determinadas posições ou pretensões jurídicas garantidas pelo direito
fundamental, ou consente que o Poder Público restrinja ou interfira mais
intensamente, por um determinado espaço de tempo e a qualquer momento
revogável, tendo em vista um benefício proporcional e legítimo, direto ou
indireto, pessoal ou coletivo148.
Noutro giro, alguns autores entendem que o vocábulo “renúncia” foi
empregado de forma desacertada pelo legislador, eis que na realidade não
se trata de renúncia propriamente dita. É o caso, por exemplo, de Andrey
Borges de Mendonça e Fernando Dias:
A norma em questão, ao contrário do que sua redação literal faz crer, não previu a
renúncia ao direito em si, mas apenas a obrigatoriedade de não exercício dessa
BITENCOURT, Cezar Roberto. Traição Bonificada. Delação premiada na "lava jato" está
eivada de inconstitucionalidades. Consultor Jurídico, publicado em 4 de dezembro de 2014.
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-dez-04/cezar-bitencourt-nulidades-delacaopremiada-lava-jato. Acesso em: 09 nov. 2019.
148
ADAMY, Pedro A. Renúncia a direito fundamental. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 58.
147
91
garantia pelo réu colaborador, como requisito indispensável à eficácia do
acordo149.
Não é diferente o entendimento de Renato Brasileiro de Lima, que
esclarece:
Parece ter havido um equívoco por parte do legislador ao fazer uso do verbo
renunciar. Afinal, se se trata, o direito ao silêncio, de direito fundamental do
acusado previsto na Constituição Federal e na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, é evidente que não se pode falar em renúncia, porquanto tais
direitos são, por natureza, inalienáveis (ou indisponíveis). Por consequência, o
caráter indisponível do direito ao silêncio conduziria à nulidade absoluta, por
ilicitude de objeto, do acordo de colaboração premiada em que fosse pactuada
renúncia a esse direito. Na verdade, não há falar em renúncia ao direito ao
silêncio, mas sim em opção pelo seu não exercício, opção esta exercida
voluntariamente pelo investigado/acusado, que, para tanto, deverá contar com a
assistência técnica de seu defensor e ser previamente informado de que não é
obrigado a ‘colaborar para a sua própria destruição’ (nemo tenetur se detegere)150.
Isto posto, restou demonstrado que o direito ao silêncio, bem como o
de não produzir provas contra si mesmo são compatíveis com a colaboração
premiada, pois seus exercícios são plenamente respeitados. A cooperação
com a Justiça em troca de prêmios legais não é compulsória. Como não há
um “dever ao silêncio” e sim um direito ao silêncio, qualquer investigado
pode, por sua livre vontade, confessar os fatos que lhe são imputados151.
Caso o imputado deseje permanecer calado, ele não será prejudicado, mas
também não será favorecido.
Outra abdicação por vezes observada no contexto dos acordos
celebrados é a referente à possibilidade de recorrer de decisões processuais.
A crítica que se faz é que tais disposições violam o direito de acesso à
justiça, e, por consequência, acabam ferindo o devido processo legal.
Ancorado nessa visão, Jorge de Figueiredo Dias afirma:
MENDONÇA, Andrey Borges de; DIAS, Fernando L. A renúnuncia ao direito recursal em
acordo de colaboração premiada. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson B. (Org.). Temas atuais da
investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017. p. 134.
150
LIMA, 2018, p. 796.
151
Ibid., p. 796.
149
92
À renúncia ao recurso no âmbito dos acordos processuais não parece estar
subjacente qualquer interesse legítimo; e, pelo contrário, à sua pretendida eficácia
poderiam ligar-se perigos duradouros para a subsistência de um processo penal
adequado ao Estado de Direito152.
Alguns acordos chegaram a prever a renúncia total a recursos em
face das sentenças condenatórias; o que foi anulado pelo STF na Pet. nº
5.244, pois se tratava de violação ao direito fundamental de acesso à
Justiça, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição153.
Na mesma esteira, o habeas corpus, remédio constitucional, também
foi objeto de renúncia imposta a alguns colaboradores, a saber, na Pet 5.244
(cláusula 11ª)154; Pet 5.210 (cláusula 12ª)155; e Pet 6.138 (cláusula 19ª)156,
todas do STF. Nesta toada, Afrânio Silva Jardim postula que:
Seria nula qualquer cláusula que vedasse ao indiciado o direito de exercer,
futuramente, o seu direito de ação, mormente em se tratando de Habeas Corpus,
como seria também inválida a renúncia prévia ao duplo grau de jurisdição157.
Há corrente que defenda a legitimidade da renúncia ao direito de
recorrer158. Há ainda a possibilidade de recorrer exclusivamente acerca do
que não fora delimitado ou estipulado no termo. Nesse sentido, o acordo
firmado no caso da JBS previa que:
As partes poderão recorrer de sentenças referentes aos fatos constantes nos
anexos desse instrumento apenas naquilo que extrapolar os parâmetros deste
acordo, prejudicados os recursos já interpostos com objetos diversos159.
DIAS, Jorge de Figueiredo. Acordos sobre a sentença em processo penal. O “fim” do Estado de
Direito ou um novo “princípio”? Porto: Conselho Distrital de Porto, 2011. p. 97.
153
STF, Pet 5.244. Rel. Min. Teori Zavascki, Julgado em: 19 dez. 2014. p. 117.
154
Disponível em:
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wpcontent/uploads/sites/41/2015/01/acordodela%C3%A7%C3%A3oyoussef.pdf. Acesso em: 30 out.
2019.
155
Disponível em: https://s.conjur.com.br/dl/acordo-delacao-premiada-paulo-roberto.pdf. Acesso
em: 18 nov. 2019.
156
Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/peca-pet-6138.pdf. Acesso em: 29 out. 2019.
157
JARDIM, 2016, p. 4.
158
Nesse sentido: FONSECA, 2017, p. 132.
159
STF, Pet. 7.003. Cláusula 9ª. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/stf/Inq4483/INQ_4483_Volume_12_Fl._2.941_DVD/6_5%20PET%20
7003/PET%207003/PET%207003%20Apenso%2003.pdf. Acesso em: 09 nov. 2019.
152
93
Essa, inclusive, é a diretriz dada pela Orientação Conjunta 1/2018 do
MPF, que diz que “o acordo de colaboração deve prever a recorribilidade da
sentença condenatória ou absolutória somente na parte que extrapolar os
limites do acordo, como desdobramento do princípio do nemo potest venire
contra factum proprium”160.
Novamente, Andrey Borges de Mendonça e Fernando Dias
interpretam que na verdade não há renúncia de fato ao direito de recurso
uma vez que “eventual descumprimento desse compromisso – interposição
de recurso com pretensão antagônica aos termos do acordo – não afetaria o
conhecimento do recurso, pois o direito recursal continua válido e, nessa
condição, é irrenunciável em abstrato”161 Sendo assim, estaríamos diante de
um mero compromisso de não recorrer (cujo descumprimento pode até
mesmo acarretar numa rescisão do acordo), posto que na prática é
impossível cercear esse direito ao colaborador.
Pode-se concluir, portanto, que não restam dúvidas sobre as tensões
perceptíveis entre o instituto da colaboração premiada e alguns princípios e
garantias fundamentais, que, se não forem bem observadas à luz das balizas
da legalidade, pode-se dar ensejo a abusos indesejáveis.
Esse estranhamento revela-se natural, dado que a dinâmica da
colaboração premiada, bem como da justiça negocial em si, trazem
dogmática um pouco distinta à metodização habitual que possuímos. Com o
passar do tempo e a inserção cada vez maior de mecanismos consensuais no
campo penal (o que, comprovadamente, é uma tendência que vem sendo
seguida pelo nosso legislador).
As garantias tradicionais não darão respostas necessárias e adequadas, pois
pensadas, criadas e implementadas para situações em que há posições antagônicas
entre as partes162.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação Conjunta nº 1/2018. Acesso em: 13 set.
2019.
161
MENDONÇA, 2017, p. 142.
162
Ibid., p. 126.
160
94
Por conseguinte, não devemos acreditar que o problema da
colaboração premiada (e da justiça negocial como um todo) é intrínseco e
inevitável; e sim que “o problema não reside no instituto em si, mas no
abuso ou no mau uso destes”163, sendo seus desvios eventuais equívocos de
sujeitos específicos, e não defeitos cogentes.
Apesar de confirmadamente existir uma densa e legítima doutrina
que sustente a inconstitucionalidade da colaboração premiada, o que vemos
é um cenário no qual os personagens do campo processual penal no Brasil
estão inclinados à aquiescência para com o instituto, inclusivamente com a
ampliação da sua utilização. Outrossim, tal propensão vem sendo
repetidamente reiterada no Supremo Tribunal Federal164.
Entretanto, este aval cedido até agora não afasta o caráter de
excepcionalidade que deve ser observado quando da aplicação do instituto,
amparando-se em restrições legais e limitações consolidadas, para “afastar
eventual amorfismo que permita abusos e brechas para arbitrariedades”165.
Neste ínterim, o que devemos almejar é uma obra da doutrina e do
legislador que se proponha a preencher eventuais lacunas e solucionar
inevitáveis inconveniências decorrentes da aplicação de um novo sistema.
SUXBERGER; MELLO, 2017, p. 211.
“(...) a constitucionalidade da colaboração premiada, instituída no Brasil por norma
infraconstitucional na linha das Convenções de Palermo (art. 26) e Mérida (art. 37), ambas já
submetidas a procedimento de internalização (Decretos 5.015/2004 e 5.687/2007,
respectivamente), encontra-se reconhecida por esta Corte (...)”.STF, Pet. 5.244/DF. Rel. Min.
Teori Zavascki, Julgado em: 19 dez. 2014. p. 117;
STF, Pet. 5.952/DF. Rel. Min. Teori Zavascki, Julgado em: 14 mar. 2016. p. 254.
165
VASCONCELLOS, 2018, p. 42.
163
164
CONCLUSÃO
Foi possível, através desse estudo, num primeiro momento,
conceituar o instituto e dirimir certas confusões que têm sido feitas sobre o
tema da colaboração premiada. Sua diferenciação para a delação premiada,
sua natureza jurídica e sua relação com a plea bargain e o pattenggiamento
serviram para situar o instituto e delimitar o campo que foi tratado.
Buscou-se também, no decorrer do presente trabalho, explorer os
principais pontos do instituto da colaboração premiada trazidos pela Lei
12.850/13 e como eles estão inseridos no combate à criminalidade
sofisticada que é praticada na contemporaneidade. As controvérsias e
incertezas indicadas por parte da doutrina contrária ao seu emprego foram
expostas e contrapostas, no sentido de acenar para uma favorável aplicação
do mecanismo, conforme os argumentos assentados.
Restou evidenciado, sem espaço para dúvidas, que o país vem se
inclinando para uma expansão do modelo negocial, seja pelas opções do
legislador em introduzir tais conteúdos nas normas legais, seja pela postura
majoritaria dos tribunais de base e superiors em garantir a plena utilização
de tais acordos, reafirmando sua harmonia com os mandamentos
constitucionais. Devido aos resultados obtidos, não só a postura tende em
permanecer nessa anuência, como também vislumbra-se a possibilidade de
alargamento dessa modalidade, ainda nova em nossa realidade processual.
Entretanto, diante dessa tendência do ordenamento e dos juristas,
bem como de uma vontade latent da sociedade em busca de resultados cada
vez mais rápidos e contundentes, devemos assumir uma postura cautelosa.
Conforme demonstrado durante várias fases deste texto, a colaboração
premiada deve possuir o caráter de necessidade e excepcionalidade, sendo
repudiada sua aplicação genérica e excessiva, o que dificultaria o controle
de suas condições e as garantias fundamentais que estão interligadas à
prática negocial entrariam em risco.
96
De igual forma, desejando afastar qualquer ameaça a estes direitos, a
colaboração premiada deve estar, a todo momento, coadunável com o
princípio da legalidade, de maneira que não existam brechas que ensejem a
violação de tais preceitos em decorrência de uma má aplicação do instituto;
o que não faria sentido, posto que este coloca-se como uma ferramenta do
Estado para justamente fazer valer diversos direitos conferidos aos
cidadãos.
Consoante ao que foi asseverado em relação às respeitáveis críticas
ao instituto trazidas à baila no capítulo final, podemos afirmar com
segurança que a colaboração premiada está em concordância com a ordem
constitucional, e que não pretende, de forma alguma, estabelecer
prioridades ou distribuir impunidades entre os acusados; mas sim
proporcionar aos órgãos e autoridades que subsistam em suas funções
investigativas e persecutórias diante do inegável refinamento que aliou-se
aos grupos criminosos nos últimos anos, exigindo maior gabarito e
criatividade na atuação estatal nestas áreas.
Nesse sentido, concluímos que a colaboração premiada não pode se
tornar barganha166, devendo-se respeitar todas as fases inerentes ao processo
penal tal qual conhecemos, para que não caiamos no erro de transformar os
institutos negociais em uma forma de excluir o processo, sendo esse
utilizado somente para validar os depoimentos do colaborador. Segundo o
brilhante professor Eugênio Pacelli:
Há que se observar que a colaboração premiada no Brasil não dispensa a sentença
condenatória, isto é, ela depende da apreciação de todos os fatos e provas, ao final
do que somente a procedência da acusação é o que permitirá a aplicação da pena
assim negociada167.
Em síntese, a colaboração premiada, muito controversa na doutrina e
jurisprudência, deve sim ser utilizada, porém com muita responsabilidade.
Devido aos polos envolvidos e as consequências resultantes de uma
166
167
VASCONCELLOS, 2018, p. 57.
PACELLI, 2016, p. 844.
97
aplicação atécnica, não cabem interpretações extensivas dos dispositivos
que a regulamenta, e a estrita observância à legalidade se faz necessária,
bem como a limitação das disposições contidas nos acordos.
Em algum momento da nossa sociedade, as autoridades deixaram-se
descuidar: foi quando as organizações criminosas obtiveram modernização
e inteligência. Todavia, se empregada em conformidade com o exposto
acima e nos critérios mais profundamente esmiuçados no decurso de todo
esse trabalho, temos em mãos um útil instrumento para satisfazer as
pretensões legítimas do Estado e combater essas atividades abomináveis,
tão malignas e reprováveis num país como o que vivemos, em que faltam
insumos básicos para muitos, enquanto outros locupletam-se em
desvantagem destes, valendo-se das mais diversificadas e engenhosas
práticas, que, ao invés de serem empregadas para o bem, têm como objeto
aspirações criminosas.
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