Pesquisa qualitativa no contexto da
Educação no Brasil
Qualitative research in the context of
Education in Brazil
Marcos Suel Zanette*
RESUMO
Neste artigo foi feita, a partir de dados historiográficos, uma investigação
sobre o tema “pesquisa no contexto da educação brasileira”. Para a realização deste trabalho empírico bibliográfico, perpassou-se pelos textos
publicados que versam sobre o início das pesquisas em Educação no Brasil
e das reflexões sobre metodologias das pesquisas qualitativas nos trabalhos
acadêmicos. O texto destaca que o dispositivo entrevista individual ou em
grupo, como instrumento para construir achados de campo, é uma ferramenta
apropriada para compreender os dizeres dos entrevistados no processo da
descrição do objeto da investigação pedagógica em educação.
Palavras-chave: Pesquisas em Educação. Pesquisa qualitativa. Entrevista.
ABSTRACT
In this article, I present, based on historiographical data, an investigation on
the subject of “research in the context of the structure of Brazilian education.”
In order to accomplish this empirical bibliographical work, I went through
published texts that deal with the beginning of the research about education
in Brazil and the reflections on the methodologies of qualitative research in
academic papers. The text highlights that the individual and group interview
device as an instrument for building field findings, is an adequate tool for
understanding the interviewees’ words in the process of describing the object
of pedagogical investigation about education.
Keywords: Education research. Qualitative research. Interview.
DOI: 10.1590/0104-4060.47454
* Instituto Vianna Junior. Curso Veritas. Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Av. Barão do
Rio Branco, nº 2370 - 2º andar. Centro. CEP: 36016-903. E-mail:
[email protected]
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Considerações iniciais
O debate metodológico qualitativo tem acompanhado as pesquisas em
diversos campos, de forma que diferentes posições têm sido assumidas pelos
investigadores em educação, diversificando entre aceitação, negação ou, até
mesmo, meio-termo entre o que se convencionou chamar de debate qualitativo/
quantitativo, além de outras terminologias.
Na pesquisa acadêmica, o pesquisador depara-se constantemente com a
necessidade de conhecer e discutir sobre o caminho a percorrer a fim de elaborar
de que forma transformar o fenômeno de investigação em um objeto de pesquisa.
Ao enfocar a fundamentação metodológica e o instrumental técnico ou
ferramenta, este artigo discute o desenvolvimento e a consolidação da pesquisa
científica no contexto da educação brasileira, descreve de forma introdutória os
métodos qualitativos nas pesquisas e, por fim, apresenta a entrevista como um
mecanismo pertinente para se dar lugar a palavra ao outro a fim de se construir
dados em pesquisas de campo.
Consolidação das pesquisas em Educação no Brasil
Do ponto de vista metodológico, a melhor maneira para se captar
a realidade é aquela que possibilita ao pesquisador “colocar-se
no papel do outro”, vendo o mundo pela visão dos pesquisados.
Arilda Schmidt Godoy
A pesquisa em Educação no Brasil, nos seus fundamentos teórico-metodológicos, perpassou por diversos ciclos históricos. Em linhas gerais, buscando
identificar fatores que proporcionaram o seu desenvolvimento, destacam-se dois
aspectos fundamentais: primeiramente, efeitos das influências das pesquisas
iniciadas em Ciências Sociais e Humanas em diversos países; e, posteriormente,
expansões das pós-graduações, a fim de qualificar e investir na formação dos
profissionais, e da necessidade de investir em recursos de fontes financiadoras.
A produção de pesquisa, de modo mais regular, data do final dos anos 1930,
com a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) em 1938,
hoje, denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. O
INEP, com seu desdobramento no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
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(CBPE) e nos Centros Regionais em alguns estados (Rio Grande do Sul, São
Paulo, Bahia e Minas Gerais), constituiu-se em foco produtor e irradiador de
métodos e técnicas de investigação científica em Educação, inclusive os de
natureza experimental. Esses órgãos proporcionaram espaço específico de
produção e de estímulo sistemático em Educação. (VEIGA, 2007, p. 303-304).
Segundo Gatti (1983, p. 3),
Até então, os estudos em Educação se expressavam apenas pelo trabalho
isolado de alguns professores da área. No mesmo período, consolidavam-se algumas Escolas Normais de alto nível, que se tornam a fonte de
recursos humanos especializadas em educação, sob diferentes ângulos
de formação, e despontam os cursos de pedagogia nas Faculdades de
Filosofia.
Com a implantação desses institutos, intensificaram-se os trabalhos e
a formação de pessoal dos Centros Brasileiros e Regionais de Pesquisa em
Educação, proporcionando o surgimento das primeiras tentativas de publicação
sistemáticas de trabalhos especializados na área. Com o início, na década de
1940, da publicação da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBPE-INEP)
e, na década de 1950, com as séries “Monografias”, “Estudos”, “Documentos”,
“Pesquisas e Planejamento”, entre outras, todas no âmbito do CBPE ou dos
CRPEs, historicamente configurou-se a produção do pensamento pedagógico
especificamente a partir da realidade do sistema educacional brasileiro (GATTI,
1983, p. 3-4). Contudo, vale lembrar que essa afirmação não exclui outros dados
registrados por educadores, antes da década de 1930, e não contemplados e
descritos neste trabalho bibliográfico e empírico.
Conforme descreve Gatti (1983, p. 4),
Fora do sistema INEP-CBPE-CRPE(s), também despontaram algumas
revistas, como a Atualidades Pedagógicas da Editora Civilização Brasileira
(1950), a Revista Pedagógica, da Universidade de São Paulo (1955), etc.,
todas acabando por não ter sequência após alguns anos).
Essas instituições, com suas publicações, também contribuíram com a
pesquisa em Educação, no âmbito teórico-metodológico, pela divulgação e
aplicabilidade na prática pedagógica.
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Na década de 1960, assiste-se à expansão dos quadros das universidades,
com a emergência de alguns grupos de pesquisa, impulsionada pela implantação
de curso de Pós-Graduação. Com a consolidação da reforma de 1968, vieram os
programas de pós-graduação em Educação (stricto sensu), “que responderam
por alguns dos trabalhos relevantes na área e, somente entre os anos 1971/1972,
criaram-se dez cursos de pós-graduação em Educação no sentido estrito; e, até
1975, dezesseis estavam instalados.” (GATTI, 1983, p. 4).
Outro aspecto fundamental a ser demarcado é em relação à intensificação
dos incentivos que proporcionaram a formação e qualificação acadêmica nos
programas de mestrado e doutorado no exterior. Com o retorno e a integração
de professores especializados em trabalhos acadêmicos, de ensino e pesquisa,
constatam-se muitas mudanças nas temáticas, nos problemas, nos referenciais
teóricos, nas abordagens metodológicas e nos contextos de produção de trabalhos
científicos. Os temas ampliam e se diversificam conforme apontava e assinalava
o documento “Avaliação & Perspectivas-1978” do CNPq. (GATTI, 1983, p. 4).
Pelo fato de os enfoques se ampliarem e diversificarem, o pensamento
educacional brasileiro passa por diferentes ciclos ou convergências temáticas
e metodológicas. Vários autores começaram a escrever sobre as mudanças e
inovações das pesquisas científicas. Gatti (1983, p. 4), citando Aparecida Joly
Gouveia (1971-1975), afirma que
As pesquisas, inicialmente de caráter psico-pedagógico, em que a temática abrangia estudo do desenvolvimento psicológico, processo de
ensino e instrumentos de medida de aprendizagem, deslocam-se, em
meados da década de cinquenta, para as condições culturais e tendências
de desenvolvimento da sociedade brasileira, e o objeto de atenção passa
a ser as relações entre o sistema escolar e certos aspectos da sociedade.
A partir de meados da década de sessenta, começam a ganhar fôlego e
destaque os estudos de natureza econômica em que aparecem trabalhos
sobre a educação como investimento, demanda profissional, formação
de recursos humanos, etc.
Na década de 1970, aconteceu a ampliação das temáticas de estudos como
o aprimoramento metodológico, especialmente em alguns setores, em diferentes
problemáticas enfocadas:
currículos, avaliação de programas, caracterizações de redes e recursos
educativos, relações de educação e trabalho, características de alunos,
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famílias e ambiente de que provêm, nutrição e aprendizagem, validação e
critica de instrumentos de diagnósticos e a validação, estratégia de ensino
entre outros. (GATTI, 1983, p. 4).
Segundo a análise de Gouveia, no texto “A pesquisa sobre Educação no
Brasil: de 1970 para cá”, feita em diferentes fontes de dados, tais como, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); dos projetos financiados
pelo INEP e dos estudos publicados em Cadernos de Pesquisa realizados nos
períodos de 1970 e 1976, constata-se que as pesquisas em Educação figuram
sobre os “relatos de experiências ou tentativa de renovação educacional” com
“estudos descritivos” (GOUVEIA, 1976, p. 75-9), entre outros, sem uma preocupação de controles metodológicos mais sistemáticos.
Os relatos das publicações das pesquisas em Educação demonstram que foi
uma época de grande inquietação, quando grande parte do discurso acadêmico
na área educacional se travava em discursos pró ou contra esta ou aquela metodologia, com diferentes técnicas de coleta e análise de “dados”, cujo interesse
era cada vez mais crescente pela utilização de método e pesquisa intercomplementares – quantitativo e qualitativo. (GONÇALVES, 1984, p. 55-62).
Entre o final dos anos 1970 e o início da década de 1980 aparecem trabalhos sobre “política educacional, tema até então ausente em trabalhos de análise
institucional e organizacional”. (GATTI, 1983, p. 4). Fatores que contribuíram
para essa investigação foram a implantação de 27 programas de pós-graduação
em Educação, funcionando em 27 instituições de ensino superior, que resultaram na produção de centenas de dissertações e de dez teses de doutorado,
concluídas até 1981.
Tais investimentos levaram as pesquisas a serem avaliadas constantemente, buscando aproximar o sujeito e o objeto a ser investigado no seu contexto
histórico-cultural. Como afirmamos na epígrafe, um bom trabalho científico, que
utiliza metodologia mais próxima da realidade a ser pesquisada, deve ser aquele
que propicia ao pesquisador “colocar-se no papel do outro”, ou seja, compreender a realidade pela visão dos pesquisados como forma de aproximação entre a
vida e o que vai ser investigado. Para isso, ainda um melhor caminho é através
da pesquisa qualitativa com metodologia que vise compreender a questão do
humano através da dimensão educacional.
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Enfoque metodológico de pesquisas qualitativas
Quando o estudo é de caráter descritivo e o que se busca é o
entendimento de fenômeno como um todo, na sua complexidade,
é possível que uma análise qualitativa seja a mais indicada.
Arilda Schmidt Godoy
No Brasil, as abordagens das pesquisas qualitativas configuram-se, como
enfoque metodológico, a partir da década de 1970, devido às concepções epistemológicas interpretarem a realidade de forma distorcida nas suas metodologias.
Além da preocupação da metodologia em Ciências Humanas e em Educação,
chega-se, neste caminho percorrido historicamente, a avistar a preocupação com
o método mais do que com o problema a ser estudado no contexto da educação.
As distorções quantitativas são devidas à precariedade das fontes, à manipulação da informação social, à imprecisão das técnicas em excluir certas variáveis
para a explicitação do fenômeno escola, por exemplo. Na concepção positivista
tradicional, a objetividade é desejada, por meio da quantificação, como modo de
eliminar as distorções devidas à subjetividade do pesquisador. Nesse período,
esse modelo de ciência passa a receber severas críticas filosóficas, políticas e
técnicas. O alvo dessas críticas direcionou-se para a aplicabilidade dos modelos
de ciências naturais nas Ciências Sociais e Humanas, cujos princípios teóricos
separavam os fatos dos seus contextos histórico-culturais.
Esse modelo constituiu um marco na prática da pesquisa em Educação
no Brasil devido à exigência de outros campos fora da academia (na esfera
governamental e técnica), tais como os organismos internacionais (Banco
Mundial/BIRD, FMI), os potenciais financiadores (junto às três dimensões de
Poder Executivo: o municipal, o estadual e o federal) que instigaram o exercício
da investigação como precedência para as ações de intervenção na realidade.
(SILVA, 2009, p. 163-164).
Silva (2009, p. 164) afirma que
Esse procedimento foi modificado ainda no final da década de 1970 e,
especialmente, na de 1980, quando os ministérios e/ou outros organismos
públicos, que intermediavam a concessão dos recursos, passaram a exigir
um maior rigor técnico para efeito de liberação das verbas, com critérios
mais rígidos para a elaboração de projetos e relatórios com a finalidade
de obter uma qualidade técnica de excelência.
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Segundo Gatti e André (2011, p. 31), na área de avaliação de currículos e
programas, pode-se citar uma importante publicação do
livro Beyond the Numbers Game (1977), editado por David Hamilton,
David Jenckins, Cristine King, Barry MacDonald e Malcolm Parlett, que
resultou de um seminário realizado em Cambridge (Reino Unido), em
1972, no qual foram discutidos métodos não convencionais de avaliação
e foram feitas propostas para novos estudos na área.
Neste seminário, o texto de Parlett e Hamilton faz uma contundente crítica ao paradigma quantitativo vigente nas pesquisas avaliativas ao propor uma
abordagem iluminativa, apoiada nos princípios teóricos socioantropológicos.
Para os autores, a pesquisa a ser investigada e os programas deveriam “levar
em conta as dimensões sociais, culturais e institucionais” (GATTI; ANDRÉ,
2011, p. 31) de cada sujeito.
Segundo Gatti e André, ao final do seminário, redigiu-se um manifesto em
que os participantes resumiram suas inquietações em três pontos:
1) Que sejam mais usados dados de observações, devidamente validos,
em substituição aos usuais dados de testes. 2) Que haja flexibilidade no
design da pesquisa para inclusão de eventos não previstos, ou seja, uso
de focalização progressiva em lugar de delineamento preestabelecido e
fixo. 3) Que os valores e pontos de vista do avaliador sejam revelados no
relato da pesquisa (GATTI; ANDRÉ, 2011, p. 31).
Um exemplo do impacto dessas reflexões, no Brasil, encontra-se na publicação, em 1978, do artigo “A abordagem etnográfica: uma nova perspectiva
na avaliação educacional”, de André (1978), defendendo a pesquisa qualitativa
nos estudos em Educação. As autoras citam, também, outra fonte importante
para a introdução dos métodos qualitativos em Educação com a publicação do
livro Explorations in Classroom Observation, organizado por Michel Stubbs e
Sara Delamont (1976). Faz-se uma crítica aos estudos em sala de aula que se
baseiam em análise de interação e ignoram o contexto espacial e temporal das
ocorrências e dos eventos nesse espaço. (GATTI; ANDRÉ, 2011, p. 31-32). A
alternativa seria fazer estudos a partir das abordagens antropológicas, das quais
“os acontecimentos da sala de aula só podem ser entendidos no contexto em que
ocorrem e são permeados por uma multiplicidade de significados que, por sua
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vez, fazem parte de um universo cultural que deve ser estudado pelo pesquisador”
(GATTI; ANDRÉ, 2011, p. 32). Propõe-se, para isso, a observação participante,
a qual envolve registro de campo, entrevista, fotografias, gravações, entre outras.
Segundo Gatti e André (2011, p. 32), ao final dos anos de 1970, Sara
Delamont esteve no Brasil, para uma série de seminários na Fundação Carlos
Chagas, em São Paulo, ocasião em que defendeu o uso da abordagem antropológica na investigação das problemáticas escolares.
Outro evento importante destacado pelas autoras foi o Seminário de Pesquisas em Educação da Região Sudeste, realizado em Belo Horizonte, em 1980.
Neste evento houve uma mesa-redonda sobre o tema “A pesquisa qualitativa
e o estudo da escola”, em que vários pesquisadores tiveram a oportunidade de
refletir as possibilidades e os limites no uso de métodos qualitativos.
Os textos apresentados nessa mesa por André (1984), Campos (1984),
Gonçalves (1984), Thiollent (1984) e os comentários de Joly Gouvêia
(1984) forma posteriormente publicados na revista Cadernos de Pesquisa (1984), favorecendo uma divulgação bastante ampla dessas ideias.
(GATTI; ANDRÉ, 2011, p. 32).
Segundo Menga Lüdke, durante os trabalhos preparatórios do II Seminário Regional de Pesquisa da Região Sudeste (Belo Horizonte, outubro/1983),
a comissão organizadora, da qual ela fazia parte, “estabeleceu que o encontro
devesse ter pelo menos uma vez por dia uma ocasião de reunião geral dos
participantes. Essa reunião diária deveria se fazer sob a forma de um simpósio,
que girasse sobre um tema aglutinador de interesse” (LÜDKE,1984, p. 43-44).
Ao se iniciar a discussão sobre quais seriam esses temas, a proposta sobre a
metodologia qualitativa e após consenso e dissenso chegou-se ao tema proposto:
o foco deveria centrar sobre a pesquisa qualitativa em escola como objeto de
estudo metodológico.
Para Lüdke (1984, p. 44), a realização do Simpósio deixou-lhe uma impressão muito viva, “a de que a pesquisa em educação está franqueando um
período de grande fertilidade, com a incorporação de muitas possibilidades de
soluções metodológicas até agora inacessíveis”. Este encontro demarca a “saída
do bloco monolítico de soluções disponíveis dentro do esquema de pesquisa
convencional, em que grande parte dos nossos pesquisadores recebeu sua formação” (LÜDKE, 1984, p. 44).
No ano de 1983, Marli E. D. A. de André publica o artigo no Cadernos
de Pesquisa, denominado “Texto, contexto e significados: algumas questões na
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análise de dados qualitativos”, em que apresenta reflexões relacionadas à análise
de dados qualitativos em literatura educacional.
A pesquisa educacional, em boa parte, vai integrar e acompanhar as transformações sociais ocorridas no Brasil, no momento da passagem de um período
ditatorial militar para um mais democrático. As pesquisas, especialmente nas
dissertações de mestrado e nas teses de doutorado, passam a ser grande fonte
de produção de conhecimento, cuja hegemonia do tratamento das questões tem
base em teorias de inspiração e tendência “crítico-reprodutivista”.
Para Saviani (2011, p. 292-393), na década de 1970, na pós-graduação,
“insurgiram estudos empenhados em fazer a crítica da educação dominante”
que fora implantada, no Brasil, no período do regime militar, com ênfase no
modelo “técnico-operativo” americano e com a “ênfase teórica” a partir do
“modelo europeu”. Segundo o autor, “fundindo a estrutura organizacional do
modelo americano com a densidade teórica resultante da influência europeia,
a pós-graduação brasileira acabou por produzir um modelo novo, decerto
superior àqueles que lhe deram origem”. A denominação pedagógica “crítico-reprodutivista” se justifica nos seguintes termos:
Trata-se de uma tendência crítica porque as teorias que a integram
postulam não ser possível compreender a educação senão a partir dos
seus condicionantes sociais. [...] Mas é reprodutiva porque suas análises
chegam invariavelmente à conclusão de que a função básica da educação
é reproduzir as condições sociais vigentes. (SAVIANI, 2011, p. 293).
Essa perspectiva pedagógica da visão crítico-reprodutivista desempenhou
um papel importante em 1970, pelo fato de que essas “teorias se concentravam
na crítica à educação vigente, não apresentando alternativas, isto é, não propondo
uma nova maneira de lidar com as escolas”, (SAVIANI, 2011, p. 397).
Segundo Gatti e André (2011), ainda na fase da aproximação dos métodos
qualitativos com a pesquisa em Educação, em 1983, o pioneiro das abordagens
qualitativas em Educação, Robert Stake – pesquisador e coordenador do CIRCE
(Center for Instructional Research and Curriculum Evaluation, localizado na
Universidade de Illinois em Urbana/Champaign – USA) –, realizou reflexões
em várias instituições brasileiras,
como a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a Universidade Federal
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do Espírito Santo, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a
Fundação Carlos Chagas em São Paulo, o que possibilitou uma ampla
discussão do potencial das abordagens qualitativas em Educação (GATTI;
ANDRÉ, 2011, p. 32).
Neste mesmo ano, o INEP-MEC1 promoveu um seminário para refletir
sobre outro processo de se fazer pesquisa em Educação, denominado “pesquisa
participante”2, cujos textos dos pesquisadores e professores – Pedro Demo,
Maria Malta Campos, Carlos Rodrigues Brandão, Nicanor Palhares Sá, Luiz
Eduardo W. Wanderley e Justa Ezpeleta – foram publicados no Em Aberto (n.
20, 1984). Nesse seminário, a pesquisadora mexicana Justa Ezpeleta (1984, p.
37-45) afirmou que o seu “campo de trabalho não é a pesquisa participativa”,
mas o interesse pela “teoria da educação” em pesquisa empírica, relacionando-a
com o interesse teórico. Os atores principais de sua reflexão são os referenciais
teóricos do que se compreende por “pesquisa”, “participação” e “política”.
Esse modelo de fazer pesquisa deve-se pautar em análises que rompam com os
modelos dominantes de interpretação, buscando um novo tipo de conhecimento
sobre a realidade da problemática escolar, para conhecê-la e transformá-la.
Tais iniciativas comprovam que, para compreender e interpretar as
questões e os problemas da área da Educação, torna-se necessário recorrer a
diferentes enfoques entre as múltiplas disciplinas e campos teóricos. Ganha
força a propagação de metodologias e técnicas de estudos do tipo etnográfico,
estudo de caso, pesquisa-ação, análise de discurso e de narrativas, estudos de
memória, história de vida e história oral3. Portanto, no início dos anos 1980,
ao lado de uma descrença nas soluções técnicas para resolver os problemas da
educação brasileira, tais estudos fazem mudar o perfil da pesquisa educacional,
proporcionando reflexões mais críticas. Busca-se não mais exclusivamente “à
Psicologia ou à Sociologia, mas à Antropologia, à História, à Linguística, à
Filosofia”. (ANDRÉ, 2001, p. 53-54).
Segundo Marli André (2001, p. 54), nas duas últimas décadas, assistiu-se
a uma mudança no contexto de produção dos trabalhos de pesquisa.
Se, nas décadas de 1960 a 1970, o interesse se localizava nas situações
controladas de experimentação, do tipo laboratório, nas décadas de 1980
1 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais – Ministério da Educação e Cultura.
2 Seminário promovido, no dia 21/09/1983, pelo laboratório de Psicologia Social e Psicologia
Educacional da PUC/SP e, posteriormente, em Brasília.
3 Cf. o trabalho do antropólogo Brandão (1984, p. 14-18).
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a 1990, o exame de situações “reais” do cotidiano da escola e da sala de
aula é que constituiu uma das principais preocupações do pesquisador.
Se o papel do pesquisador era sobremaneira o de um sujeito de “fora”,
nos últimos dez anos, tem havido uma grande valorização do olhar “de
dentro”, fazendo surgir muitos trabalhos em que se analisa a experiência
do próprio pesquisador ou em que este desenvolve a pesquisa com a
colaboração dos participantes.
Esse movimento da história da pesquisa qualitativa no contexto da
educação brasileira, na busca da credibilidade e da garantia de rigor, gerou a
necessidade de se refletir sobre a produção de conhecimentos que levasse em
conta as múltiplas e variáreis influências externas e internas da própria realidade
focada. O uso do método qualitativo gerou diversas contribuições ao avanço do
saber na dinâmica do processo educacional e na sua estrutura como um todo:
reconfigura a compreensão da aprendizagem, das relações internas e externas
nas instâncias institucionais, da compreensão histórico-cultural das exigências
de uma educação mais digna para todos e da compreensão da importância da
instituição escolar no processo de humanização.
Gatti e André (2011, p. 34) destacam quatro pontos importantes desta
contribuição:
1) A incorporação, entre os pesquisadores em Educação, de posturas
investigativas mais flexíveis e com maior adequação para estudos de processos micro-sócio-psicológicos e culturais, permitindo iluminar aspectos
e processos que permaneciam ocultados pelos estudos quantitativos. 2)
A constatação de que, para compreender e interpretar grande parte das
questões e problemas da área de Educação, é preciso recorrer a enfoques
multi/inter/transdiciplinares e a tratamentos multidimensionais. 3) A retomada do foco sobre os atores em educação, ou seja, os pesquisadores
procuram retratar o ponto de vista dos sujeitos, os personagens envolvidos
nos processos educativos. 4) A consciência de que a subjetividade intervém
no processo de pesquisa e que é preciso tomar medidas para controlá-la.
Segundo as pesquisadoras, a pesquisa qualitativa gerou especificamente
outros aspectos mais específicos, com nova conotação:
1) Compreensão mais profunda dos processos de produção do fracasso
escolar, um dos grandes problemas na Educação brasileira, que passa a
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ser estudado sob diversos ângulos e com múltiplos enfoques. 2) Compreensão de questões educacionais vinculadas a preconceitos sociais e
sociocognitivos de diversas naturezas. 3) Discussão sobre a diversidade
e a equidade. 4) Destaque para a importância dos ambientes escolares e
comunitários. (GATTI; ANDRÉ, 2011, p. 34).
Os avanços da produção científica das pesquisas qualitativas vêm se
desvelando de forma diversificada nas pós-graduações, seja em termos de
fundamentação teórica/epistemológica e reflexões metodológicas, seja em
termo da aplicabilidade de procedimentos técnicos para investigar o objeto
nas diversas áreas acadêmicas em Educação. Entre os exemplos de produção
de textos e revistas já citados, podemos acrescentar a produção do Centro de
Estudos Educação e Sociedade, que surgiu em março de 1979, em Campinas
(Unicamp/SP), como resultado da atuação de alguns educadores preocupados
com a reflexão e a ação ligadas às relações da educação com a sociedade. Em
outubro de 1984, o Cadernos CEDES, n. 12, apresentou vários artigos, cujo
tema gerador foi “Pesquisa Participante e Educação”. Outro grupo de pesquisa
qualitativa que vem crescendo e publicando diversos textos é o que foi criado
pelo Prof. Joel Martins da PUC/SP, nos anos de 1980, o qual foi identificado
com as correntes fenomenológicas que, em 2005, editavam a Revista Pesquisa
Qualitativa.
Acresça-se, também, nestas últimas décadas, a consolidação de Grupos
de Pesquisas em subáreas acadêmicas educacionais, quer por necessidade
institucional, em razão das avaliações de órgãos de fomento à pesquisa; quer
pela maturação própria de grupos que, durante as décadas anteriores, vinham
desenvolvendo trabalhos integrados e com interlocuções internas e externas4.
Descortinam-se, ao final deste período, grupos sólidos de investigação, por
exemplo, de Alfabetização e Linguagem, Aprendizagem Escolar, Formação de
Professores, Ensino e Currículo, Educação Infantil, entre outros. Esse movimento pode ser acompanhado pelas reuniões anuais da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (Anped).
Na atualidade, é pacífico que a produção do conhecimento na área das
Ciências Humanas e Sociais não elimina a imbricação entre técnicas quantitativas
e qualitativas; e que o valor dos estudos não se mede pela dimensão de uma ou
outra abordagem, mas pela concepção que determina a orientação dos resultados
e os vínculos estabelecidos com os sujeitos e os problemas investigados. Numa
sociedade cada vez mais marcada pelas diferenças culturais, há de se levar em
4 Sobre os eventos de interlocução entre Brasil e Alemanha, cf. o texto de Weller e Pfaff, 2011.
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consideração a necessidade de métodos qualitativos para poder evidenciar as
diferenças, sobretudo, na atualidade, em que as culturas estão sendo forçadas a
se submeterem aos interesses econômicos do sistema, globalizado e hegemônico.
Entrevistas como dispositivos de construções de dados
Todo entrevistador/pesquisador deve conduzir a entrevista de
maneira adequada e ética, devendo sempre: fazer com que a
Entrevista se limite aos princípios científicos e justifique as
possibilidades concretas de responder a incertezas; que seja
realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter
não possa ser adquirido por meio de outros meios [...].
Maria Virgínia Rosa e Marlene Arnoldi
Lüdke e André (1986, p. 25-44) na obra Pesquisa em educação: abordagens qualitativas, no terceiro Capítulo, descreve três métodos de “coleta” de
dados: a observação, a entrevista e a análise documental.
Pergunta-se: qual o dispositivo mais adequado para a realização da investigação científica levando em conta a especificidade de um trabalho de campo?
E de que modo esse modelo deve ser aplicado em pesquisas qualitativas?
Ao realizar a investigação científica através do método qualitativo à luz
do enfoque analítico histórico-cultural, não se investiga em razão de resultados, mas para construir e obter “a compreensão do comportamento a partir da
perspectiva dos sujeitos da investigação”, correlacionado como contexto de que
fazem parte. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 16).
Para os pesquisadores que problematizam a questão metodológica de pesquisa em Educação, Lüdke e André (1986, p. 34), “a vantagem da entrevista sobre
outras técnicas é que ela nos permite a captação imediata e corrente da informação
desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados
tópicos”. Esse dispositivo nos permite aprofundar o ponto que buscamos escutar
nas entrevistas. No ato da entrevista, o pesquisador realiza “correções necessárias
solicitando esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz na
obtenção das informações” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34).
Rosa e Arnoldi (2008), na obra A entrevista na pesquisa qualitativa,
confirmam que a entrevista nem sempre foi vista da mesma forma entre pes-
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quisadores para pesquisadores e nem entre período para período. Segundo as
pesquisadoras referidas:
. Dos primórdios científicos até 1982, os autores seguiam uma linha em
que prevalecia a mensuração, as definições operacionais, as variáveis, os
testes hipotéticos e as análises estatísticas, nesta época, a Entrevista não
se constituía de um instrumento privilegiado de investigação.
. Após 1982, priorizou-se enfatizar a descrição, a indução e a teoria que
fundamentam o estudo das percepções pessoais. Passou-se a designar
essa abordagem como sendo a Investigação Qualitativa. (...). Privilegiam,
essencialmente, a compreensão do comportamento a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. As estratégias mais representativas
são: Observação Participante e a Entrevista em Profundidade. (ROSA;
ARNOLDI, 2008, p. 18).
Para esse modelo de dispositivo, as questões formuladas previamente
para uma realização de pesquisa não são recomendadas, mas se orientam para
a compreensão dos fenômenos em sua máxima complexidade. Nesse sentido,
acreditamos que esse dispositivo proporciona uma consistente contribuição
científica da investigação desejada, com fidedignidade e validação, e, também,
para o entrevistador que a considera conhecedor do mecanismo e do procedimento, no seu processo de desenvolvimento, em campo.
O uso do método entrevista torna-se a estratégia mais adequada para
“construir” os dados descritivos na linguagem do próprio sujeito no ato da
mesma. Em investigação científica, todo o contexto do processo é fundamental
quando se deseja mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios
de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os
conflitos e contradições não estejam claramente explicitados.
Para Duarte (2004, p. 215), as entrevistas,
se forem bem realizadas, elas permitirão ao pesquisador fazer uma espécie
de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada
um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica
que preside as relações que se estabelece no interior daquele grupo, o que,
em geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados.
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A entrevista, na pesquisa qualitativa de cunho histórico-cultural, também
é marcada por essa dimensão dos contextos interpretativos em que o sujeito
está inserido. Ela não se reduz a uma troca de perguntas e de respostas previamente preparadas, mas é concebida como uma produção de linguagem,
portanto, dialógica. Os sentidos são criados na interlocução e dependem da
situação vivenciada, dos horizontes espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo
entrevistado. As enunciações acontecidas dependem da situação concreta em
que elas se realizam, da relação que se estabelece entre os interlocutores, ou
seja, depende de com quem se fala. Na entrevista é o sujeito que se expressa,
mas sua voz carrega o tom de outras vozes, refletindo a realidade de seu grupo,
gênero, etnia, classe, momento histórico e cultural.
Seguindo o apontado por Rosa e Arnoldi (2008, p. 19-20), a entrevista
implica “microssituação”, cuja “definição por parte do entrevistador e do entrevistado dependerá de uma série de fatores psicossociais que afetam, favorável
ou negativamente, o processo comunicativo”; e, “macrossituação”, “contextualização de escola local, social e cultural” em que se insere. A complexidade
da aplicação de uma entrevista inicia-se, portanto, na análise inicial de todo um
contexto externo, em que estarão envolvidos inevitavelmente tanto o entrevistado
como o tema em estudo.
A entrevista é um mecanismo que favorece a aproximação do sujeito para
recolher, de modo discursivo, o que ele pensa sobre um determinado fato. Ao
falar sobre uma questão, já se coloca em evidência a própria questão para si,
enquanto o sujeito fala, ele ouve o que diz. Ao falar para alguém, escuta-se o
que é dito. Esse dispositivo proporciona com que os sons das palavras façam
eco para o próprio sujeito que fala e, também, para o outro que as ouve.
Deve-se salientar que essa técnica não impede certos inconvenientes. Rosa
e Arnoldi (2008) citam alguns, entre os quais o “fator tempo”, acrescento também o fator da autorização da realização da entrevista nas instituições escolares.
Esses são os inconvenientes mais citados nesse dispositivo por consumir mais
tempo do entrevistado; “na informação”, em entrevista, qualquer deslize afeta a
validação dos dados obtidos, tais como a “falta ou excesso de questionamentos,
excessivo direcionamento por parte do entrevistador; excesso de perspicácia
de ambas as partes; ‘a confiança’; ‘a observação’; [...]” (ROSA; ARNOLDI,
2008, p. 88). Podemos apontar outro fator inconveniente que, segundo Ruquoy
(1997, p. 85), “evocamos o paradoxo que consiste em interrogar um ser singular
quando as ciências sociais, por exemplo, interessam-se pelo coletivo. [...]. O
indivíduo é interrogado enquanto representante de um grupo social”. Esse ponto
de vista deve estar constantemente presente na ideia de qualquer investigador
que pretenda evitar o risco de “psicologizar” o trabalho ou, a partir de um ponto
de vista, generalizar as opiniões.
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Segundo Bogdan e Biklen (1997, p. 67), na investigação qualitativa, “o
objetivo principal do investigador é o de construir conhecimentos e não dar
opinião sobre determinado contexto”. A finalidade dessa pesquisa é a capacidade
de “gerar teoria, descrição ou compreensão”, busca-se compreender o processo
mediante o qual os agentes entrevistados constroem significados sobre o tema
a ser investigado.
Entre os autores que sistematizam sobre a prática da pesquisa qualitativa,
é consenso que o papel do investigador “não consiste em modificar pontos de
vista” do entrevistado; mas, antes, compreender os pontos de vista dos sujeitos
e as razões que os levam assumi-las e praticá-las. (BOGDAN; BIKLEN, 1997,
p. 138). “Na investigação qualitativa em educação, o investigador comporta-se
mais de acordo com o viajante que não planeja do que com aquele que o faz
meticulosamente” (BOGDAN; BIKLEN, 1997, p. 83).
Ao realizar a entrevista5, esse dispositivo pode atender satisfatoriamente
por permitir a obtenção das informações contextualizadas, mesmo que estas não
estejam explícitas nas argumentações das entrevistadas. Por serem dotadas de um
estilo especialmente aberto, deve-se utilizar questão semiestruturas. Esse modelo
também permite ao entrevistador solicitar ao agente entrevistado que explique
o significado do que estava sendo dito no ato da fala. Para o entrevistador, a
entrevista proporciona uma oportunidade de esclarecimento dos dizeres sobre
o objeto investigado, possibilitando-lhe a inclusão de perguntas mais abertas,
flexíveis e espontâneas conforme o que estava sendo analisado.
A confiabilidade torna-se um dos aspectos relevantes para se efetivar um
trabalho de campo na coleta de dados. Por isso, o entrevistador tem que levar
em consideração os seguintes dados ao realizar o trabalho de entrevista: danos
sociais, sigilos e autorizações dos implicados no trabalho, conforme descreve
o texto da epígrafe que inicia esta parte do texto.
Considerações finais
A partir deste trabalho empírico bibliográfico que se fundamentou nas
diferentes fontes, as quais abordaram reflexões e problematizações das questões
metodológicas, demonstrou-se que o pensamento educacional brasileiro passou
por diferentes ciclos entre convergências e divergências temáticas epistemológicas e metodológicas, cujas configurações são historicamente comprovadas
5 Sobre um exemplo de uma temática investigada, cf. o texto de Zanette (2013).
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nas produções dos trabalhos científicos. Constatou-se também que a pesquisa
na Educação, pelas abordagens qualitativas, desenvolveu-se conforme novas
fundamentações teórico-epistemológicas foram sendo aplicadas nas investigações pedagógicas. Contudo, torna-se pertinente pontuar que o fio condutor
dessa pesquisa não exclui outras perspectivas a serem problematizadas em
trabalhos científicos.
Além desses dados básicos descritos em relação à pesquisa qualitativa e o
dispositivo entrevista, como uma ferramenta investigativa para se construir dados
no campo científico, conclui-se que o foco da pesquisa é a análise interpretativa
e não a quantificação de dados. Portanto destaca-se o processo e não o resultado
em si; busca-se uma compreensão contextualizada no sentido de que as atitudes
e as situações liguem-se na formação, dando lugar para as representações das
experiências e das palavras; e, no reconhecimento do impacto do processo de
investigação sobre os que estão envolvidos no contexto da pesquisa, ou seja,
o pesquisador exerce influência sobre a situação em que está investigando e é
por ela também influenciado.
Sendo assim, reforça-se a necessidade e a importância em retornar o projeto
de formação permanente de estudos, leituras e debates em torno da temática
“pesquisa qualitativa” nos trabalhos de investigação que envolvem questões
da existência humana.
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Texto recebido em 27 de junho de 2016.
Texto aprovado em 03 de janeiro de 2017.
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