JOÃO PAULO RODOVALHO
PROTEÇÃO DE DADOS
PESSOAIS DEPOIS DA MORTE
A CONTINUAÇÃO DA CRISE DA INTIMIDADE E
DA PRIVACIDADE
Londrina/PR
2022
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)
Rodovalho, João Paulo.
Proteção de Dados Pessoais depois
da morte: a continuação da crise da
intimidade e da privacidade. / João
Paulo Rodovalho. – Londrina, PR:
Thoth, 2022.
© Direitos de Publicação Editora Thoth.
Londrina/PR.
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Diagramação e Capa: Editora Thoth
Revisão: Luize Êmile Cardoso Guimarães e
Joana D’arc de Souza
Editor chefe: Bruno Fuga
Coordenador de Produção Editorial: Thiago
Caversan Antunes
Diretor de Operações de Conteúdo: Arthur
Bezerra de Souza Junior
182 p.
Bibliografias: 163-182
ISBN 978-65-5959-236-4
1. Direito à privacidade. 2. Proteção de
Dados. 3. Legislação. 4. Direito Civil. I.
Título.
CDU 343.45(81)
Índices para catálogo sistemático
1. Direito à privacidade : Direito
Civil 343.45(81)
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crime estabelecido na Lei n. 9.610/98.
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pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se
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seus autores.
SOBRE O AUTOR
JOÃO PAULO RODOVALHO
Doutor em Direito Privado pela Universidad de Ciencias Empresariales
y Sociales (UCES). Mestre em Direito da Empresa e dos Negócios pela
Universidade do Vale do Rio Sinos (UNISINOS). Especialista em Direito
e Processo Previdenciário pelo Centro Universitário Unileão (UNILEÃO).
Graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO).
Advogado. Professor universitário de Direito Empresarial e Direito Civil
do Centro de Ensino Superior de Arcoverde (AESA-CESA). Professor
universitário de Direito Empresarial e Direito Previdenciário da Faculdade
de Ciências Humanas do Sertão Central (FACHUSC). Professor convidado
do curso de pós-graduação lato sensu em Direito do Trabalho e Direito
Previdenciário do Centro Universitário Unileão (UNILEÃO). Professor de
cursos on-line. Autor do livro Proteção de dados pessoais nas relações de
emprego: a prevenção da empresa depois da LGPD. E-mail: joaopaulo@
rodovalhoadvocacia.adv.br
“Não é à toa que se fala em ‘morte da privacidade’, crise ou
erosão da intimidade, pois a realidade que lhe é subjacente
demonstra que os dados pessoais são o que alimenta e
movimenta a economia da informação.”
(Bruno Ricardo Bioni)
Dedico este livro, que fala do post mortem, a todas
as pessoas que perderam suas vidas durante a
Pandemia da Covid-19, em especial, à minha Tia
Aliete Landim.
AGRADECIMENTOS
Sempre agradecerei a Deus pela dádiva da vida e pelas conquistas.
E no alcance de mais este objetivo não seria diferente. Por isso, o meu
agradecimento inicial é para ele, por ter me dado força e serenidade para a
conclusão desta obra.
Aos meus Pais, Otoni e Graça, o agradecimento é eterno, pela vida,
pelo amor, pela dedicação, pelo apoio, pela segurança, pela educação e por
estarem sempre ao meu lado, vibrando com minhas conquistas e sentindo
orgulho por elas. São meus heróis, minhas maiores riquezas.
Ao meu amor, Sabrina, agradeço por me fazer feliz ao seu lado. Sou
grato também pelo cuidado, pelo suporte, pela paciência, por todo amor
e por estar comigo, com Júlia e Chanel, vivendo a vida e alimentando e
concretizando os sonhos.
A Mayrton e a Everaldo, meus irmãos, a minha gratidão pelo amor,
pela presença e pela parceria, que também é profissional. Sou muito fã e
orgulhoso de ter como irmão cada um. Estamos e estaremos sempre juntos.
Agradeço ainda a Claudio Schifer que, além de me dar a honra
prefaciar esta obra, orientou-me na produção da minha tese de doutorado,
trabalho que inspirou este livro.
Por fim, deixo os meus agradecimentos a duas pessoas especiais:
Luize Emile, minha amiga e colega de docência, pela revisão desta obra
e pela parceria de sempre; e, ao meu eterno Professor Rolins, homem que
Deus colocou no meu caminho e que me abriu portas que me permitiram
alçar grandes voos na vida.
APRESENTAÇÃO
Dentre os muitos direitos da personalidade colocados em crise
pelo intenso avanço das tecnologias digitais sobre as relações humanas, a
intimidade e a privacidade são os que mais sofrem com violações e falta de
proteção. E isso não se encerra com o fim da vida. Diversos meios digitais
já existentes possibilitam a continuação da presença de pessoas falecidas
entre os vivos, seja no plano virtual ou físico.
Inteligência artificial, robótica, realidade virtual e hologramas são
exemplos de ferramentas tecnológicas que, alimentadas pelos dados de
uma pessoa falecida, são capazes de manter a presença antes mencionada.
Tal presença, anteriormente incogitável, agora é algo real e traz profundos
questionamentos éticos e jurídicos.
O Direito, ainda de modo tímido começa a enfrentar a questão.
Nesta obra, os sistemas jurídicos de proteção de dados pessoais do Brasil e
Argentina serão o ponto de partida para uma discussão que é universal. A
intimidade e a privacidade post mortem serão confrontadas com as normas
existentes nos dois países e com normas de países que já regulamentam
especificamente a matéria.
O tratamento conferido pelos Judiciários do Brasil e Argentina aos
dados pessoais, à intimidade e à privacidade também é alvo de análise.
Decisões sobre casos de grande repercussão, e também sobre casos menos
conhecidos, são apresentadas e comentadas, contextualizando como os
magistrados têm aplicado o Direito existente aos novos fatos sociais criados
pela revolução tecnológica vivenciada nos dias atuais.
Com isso, a partir do Direito Comparado, surge uma proposta de
regulamentação da proteção de dados pessoais depois da morte, com foco
na efetiva tutela dos direitos da personalidade, em especial intimidade e
privacidade.
Além disso, a obra apresenta sugestões de práticas provisórias, que
podem ser implementadas até que surja uma adequada normatização
estatal. As ideias são extraídas das políticas de privacidade das principais
redes sociais, do uso do consentimento, do valor dos dados pessoais e do
“Direito ao Esquecimento”.
PREFÁCIO
Al escribir los primeros esbozos del presente prólogo recordé,
quizás por analogía, al eximio pintor surrealista belga, René Magritte, quién
produjo a través de sus obras, un cambio en la percepción de la realidad por
parte del espectador.
En la serie pictórica denominada, “La traición de las imágenes”, el citado
artista retrata con perfección una pipa, adosándole el título, “Esto no es una
pipa” (1928-1929); subvirtiendo las formas más tradicionales del arte. La
crítica e inquietud suscitada por el realismo mágico, no se hizo esperar. Sin
embargo, la combinación de formas, objetos y palabras, logró trascender
hasta el presente.
Sin duda, la pintura es una de las manifestaciones más bellas y antiguas
en la historia de la humanidad, y a la vez, un medio de comunicación.
En cambio, la lengua, no sólo es un medio, sino, además, el fin de la
comunicación. El lenguaje nos precede, está presente en nuestras vidas,
y después de nosotros. Por su parte, la escritura, al descontextualizar la
comunicación entre escritor y lector, operando en igual sentido en las formas
no glóticas de la escritura, como los textos algorítmicos y musicales, agrupa
a los lectores en comunidades interpretativas, relacionadas culturalmente a
través de la práctica e intereses comunes. Por sí misma, la escritura es una
actividad continuamente contradictoria. Como se ha señalado, ésta es la
trampa del texto escrito.
Lo mencionado precedentemente, a modo de introducción, nos
conecta con el libro del Dr. João Paulo Rodovalho de Oliveira, en el que
actualiza su tesis doctoral La garantía de los derechos a la intimidad y privacidad
post mortem a la luz de los sistemas jurídicos de protección de datos personales en
Argentina y Brasil, y en la necesidad de abordar el significante y el significado
que cada palabra de su obra nos ofrece. Al igual que el cuadro de Magritte,
en este caso, la tesis doctoral se aleja del título, ingresando en el espíritu de
la persona que la lee e interpreta; adquiriendo, por cierto, vida propia.
Frente a este escenario, la disrupción provocada por las nuevas
tecnologías, presente en los dispositivos conectados a Internet y en diversas
redes, en palabras del autor, “hace que las personas transmitan al mundo
virtual prácticamente todo sobre sus vidas, generándose así la personalidad
del usuario”.
Sin embargo, su mensaje no termina allí. Por el contrario, el objetivo
que se plantea, es el de transitar por un territorio por demás complejo,
relacionado con los derechos de la personalidad; qué en sus palabras,
perduran después de la muerte. A semejanza de Magritte, nuestro Doctor
en Derecho presenta el cuadro que debemos observar e interpretar, dejando
en nuestras propias manos, el arribo a no sencillas conclusiones.
Queda claro, que el desafío propuesto, es repensar cada frase y
párrafo de la obra.
¿Existe la intimidad y la privacidad de las personas fallecidas?
¿Debemos establecer un tratamiento eficaz sobre los datos personales, que
garanticen la inviolabilidad de la intimidad y privacidad post mortem? ¿Cómo
debemos entender el derecho a la imagen de las personas que ya no están
entre nosotros?
En el mismo sentido, sus reflexiones nos interpelan, fundamentalmente,
al referirse a las políticas de almacenamiento de datos personales de las
redes sociales, y de la necesidad de comprender la forma de su tratamiento;
especialmente, una vez que cada internauta se escapa del mundo terrenal.
En palabras del autor, este es el interrogante que nos acerca al problema
central del presente trabajo en Argentina y Brasil.
Un párrafo aparte merece el análisis del denominado “Derecho
al Olvido”, que, si bien garantiza en algunas ocasiones, que las personas
puedan eliminar información expuesta en las redes que no desean compartir
más, se complejiza en el caso de personas fallecidas.
Para el Dr. Rodovalho de Oliveira, “[l]a aplicación de este derecho
puede ser una medida eficaz para resguardar la información, lo cual ya lo
hacen, por ejemplo, algunas redes sociales”; aspectos que son explicados
acertadamente a lo largo de su trabajo de tesis. Por ello afirma, que hoy en
día, la vida en el mundo online es más activa para una gran mayoría, que en el
mundo offline; aquella que no deja de existir sincrónicamente con la muerte
del cuerpo físico. En este último aspecto, seguramente coincidiremos con
el autor, al observar cómo los clásicos de la literatura universal perduran,
potenciados en su alcance y lectura, gracias a Internet.
La tesis, si bien plantea la dificultad en la protección de los derechos
personalísimos de las personas vivas -pleonasmo, que en este caso adquiere
fuerza expositiva-, debe ser valorada, por su referencia de quiénes han perdido
su vida. A ello agrega, que “[l]as personas vivas tienen a su disposición
numerosas herramientas legales y tecnológicas para intentar salvaguardar
su intimidad-privacidad; en cambio, las fallecidas se encuentran, de por sí,
indefensas”.
Nuestro jurista percibe que, en la sociedad de la información, los
datos personales, definidos como información relacionada con la persona
humana identificada o identificable, resultan el principal factor de riesgo
para la intimidad y privacidad. “[S]on ellos quienes llevan la información de
todas las acciones de cada individuo, incluidas las de carácter íntimo, y por
tiempo indefinido. No hay fecha de vencimiento para los datos personales.
Existirán para siempre si no se suprimen”.
Por lo ya expuesto, la obra cobra importancia por su creatividad,
profundidad y análisis, al reformular la necesidad de resignificar el sentido y
destino de nuestros datos personales en el universo virtual, durante nuestras
vidas, y una vez que dejamos de existir, físicamente.
La preocupación -siempre presente en el texto-, es si los sistemas
instrumentados en Argentina y Brasil, están garantizando el tratamiento
de estos activos digitales, sin violar la intimidad-privacidad de una persona
fallecida.
La respuesta a ello, requiere de la lectura de la presente obra, ya que
mi intención no es la de convertir el prólogo, en un spoiler del libro, que
generosamente nos ofrece el Dr. João Paulo Rodovalho de Oliveira.
En este sentido, su trabajo constituye una gran contribución para el
estudio de los sistemas de protección de los datos personales en Argentina
y Brasil; resultando un texto fundamental en la materia, para académicos y
operadores legales en la elaboración de soluciones a los vacíos regulatorios
existentes, que merece un abordaje interdisciplinario, por los múltiples
aspectos que la temática tratada conlleva.
En palabras del flamante Doctor, la tesis es una base jurídica, “[p]
ara futuros estudios sobre protección de datos e intimidad-privacidad post
mortem en la sociedad de la información, además de servir como material
de apoyo para las decisiones de mercado y para las personas que utilizan
los diversos medios masivos de comunicación, en constante expansión y
evolución tecnológica”.
Concluyo, expresando mi agradecimiento a mi querido colega, al haber
confiado en mi persona, como guía para su trabajo de tesis, como así
también, por honrarme con la realización del prólogo de su brillante obra,
en la que asume un fuerte compromiso con la defensa de los derechos
humanos, en todo tiempo y lugar.
Claudio Schifer
Buenos Aires
SUMÁRIO
SOBRE O AUTOR .......................................................................................................7
AGRADECIMENTOS ..............................................................................................13
APRESENTAÇÃO .....................................................................................................15
PREFÁCIO ..................................................................................................................17
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................23
CAPÍTULO I
O PONTO DE PARTIDA: A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E A CRISE
DA INTIMIDADE E DA PRIVACIDADE ..........................................................27
CAPÍTULO II
A PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS NO BRASIL E NA
ARGENTINA..............................................................................................................35
2.1 A proteção dos dados pessoais no Direito brasileiro......................................35
2.2 A proteção dos dados pessoais no Direito argentino ......................................45
2.3 O tratamento da proteção de dados pessoais nos tribunais............................63
CAPÍTULO III
OS DIREITOS À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE A PARTIR DOS
DADOS DAS PESSOAS VIVAS ARMAZENADOS NA INTERNET ..........75
3.1 O valor dos dados pessoais ..................................................................................76
3.2 A importância do consentimento........................................................................83
3.3 As políticas de privacidade e armazenamento de dados nas redes sociais. ...91
CAPÍTULO IV
A UTILIDADE DOS DADOS DE PESSOAS FALECIDAS HOSPEDADOS
NA INTERNET....................................................................................................... 109
4.1 Para que servem os dados de pessoas falecidas registrados na Internet? .. 110
4.2 O tratamento jurídico dos dados das pessoas falecidas ............................... 119
4.3 O “Direito ao Esquecimento” como guia para a proteção dos dados pessoais
e garantia da intimidade e da privacidade das pessoas falecidas ........................ 128
CAPÍTULO V
UMA PROPOSTA JURÍDICA PARA SALVAGUARDAR A UTILIZAÇÃO
DOS DADOS DAS PESSOAS FALECIDAS ARMAZENADOS NA
INTERNET .............................................................................................................. 141
CAPÍTULO VI
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ................................ 151
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 157
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 163
INTRODUÇÃO
A inteligência humana aliada à inteligência artificial tem permitido
experiências antes consideradas impossíveis por muitos. A permanência
de perfis de pessoas falecidas no meio virtual e a interação com elas a
partir desse conglomerado de dados é uma das possibilidades que, poucos
anos atrás, só se cogitava na ficção científica ou na mentalidade dos mais
sonhadores.
Atualmente, por meio dos mais diversos meios tecnológicos, é possível
sentir a presença, inclusive material, de pessoas que já não vivem mais – ou
cópias delas. Isso, além de satisfazer os interesses daqueles que só querem
matar um pouco da saudade de alguém que já morreu, começa a abrir uma
possibilidade de nicho de mercado e a criar uma série de problemas éticos
e jurídicos.
A revolução no universo das tecnologias de informação e
comunicação tem produzido, ao mesmo tempo, benefícios significativos e
múltiplas questões para a humanidade. Conceitualmente, o surgimento da
Indústria 4.0 e da Sociedade 5.0 indica que a evolução da tecnologia está
em permanente movimento, sendo imprevisíveis os limites dos caminhos
percorridos, a transformação dos hábitos e o seu impacto na dinâmica
social.
O que não pode ser integrado ao progresso tecnológico tem sido
gradativamente substituído por ferramentas e comportamentos sociais da
era digital. Nesse contexto, a produção, a transferência e o armazenamento
de dados das mais variadas origens são eventos que não podem mais
ser desvinculados do cotidiano humano, fazendo com que as pessoas se
tornem cada vez mais dependentes do uso da informatização, intensamente
aumentada no mundo inteiro, a partir da pandemia do coronavírus/
Covid-19.
A informação transportada em dispositivos e redes conectados à
Internet de forma contínua, às vezes inconsequente e inconsciente, faz
com que as pessoas transmitam praticamente tudo sobre suas vidas para
o mundo virtual, gerando assim a personalidade digital de cada usuário.
22
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS DEPOIS DA MORTE
a continuação da crise da intimidade e da privacidade
Tais informações geralmente são armazenadas em uma ampla variedade de
bancos de dados.
Esse armazenamento também se aplica aos setores econômicos e
governamentais que, ao contrário da maioria das pessoas, buscam, cada vez
mais, proteção das informações que registram e que pertencem, ao mesmo
tempo, aos mundos real e virtual. Não é por acaso que, nos últimos anos,
começou uma corrida global pela proteção de dados com grande parte das
nações buscando adequar seus sistemas jurídicos à revolução tecnológica
e à virtualização da vida com a criação e atualização da legislação sobre a
proteção de dados pessoais.
É claro que os seres humanos são as figuras mais vulneráveis neste
mecanismo de virtualização das relações pessoais. O que falam, buscam,
compram, transferem, publicam e escondem na Internet é extremamente
valioso para quem atua no mundo virtual, pois, com esses dados, é possível
investigar os vínculos famíliares, econômicos, tributários, sociais, afetivos,
sindicais, religiosos, históricos, tecnológicos, policiais e judiciais, para
citar exemplos. Assim, estende-se o conceito de “vida virtual” à saúde e à
sexualidade, entre outros âmbitos da personalidade.
Os conceitos de intimidade e privacidade precisam de uma ampla
atenção no âmbito da inovação legislativa internacional sobre a proteção de
dados, o que deve abranger também o tratamento dos dados e informações
das pessoas depois do falecimento. A preocupação com a proteção desses
dados estende-se uma vez terminada a vida, pois, embora a personalidade
jurídica tenha expirado, os dados e informações sobre a pessoa falecida
continuam existindo no mundo virtual. Ou seja, seu perfil virtual não é
desligado no final da vida.
Neste ponto, argumenta-se ser de grande importância investigar
o alcance da proteção conferida pelos sistemas jurídicos aos dados que
transitam pela Internet depois da morte. Brasil e Argentina, por exemplo,
não produziram, até o momento, legislação específica sobre o uso de
dados e informações de pessoas falecidas hospedados na Internet. Por
esse motivo, esses países foram escolhidos como ponto de partida para o
estudo desse tema, o qual é de interesse universal, uma vez que utilizam
regras gerais sobre o uso da Internet e sobre a proteção de direitos da
personalidade para protegerem a intimidade e a privacidade em tempos de
revolução tecnológica.
Dos estudos preliminares emergiu a convicção sobre a importância
da investigação, uma vez que o problema não oferece respostas concretas
devido à ausência de normas específicas e à escassa judicialização do tema
na atualidade. Por esse motivo, este trabalho trata de vários aspectos do
interesse científico sobre direitos de personalidade, principalmente aqueles
23
• JOÃO PAULO RODOVALHO
relacionados ao universo virtual. Observa-se também que a doutrina tem
pouca preocupação com o tema escolhido, exigindo assim, um estudo
aprofundado dos aspectos mais importantes que surgem em torno dele.
Nesse contexto, neste livro se entenderá em que medida os sistemas
jurídicos de proteção de dados pessoais, especialmente de Brasil e Argentina,
garantem a intimidade-privacidade das pessoas depois do falecimento. A
ideia inicial é de que o direito à intimidade e à privacidade, nos dois países
e em outros de semelhantes ordenamentos jurídicos, no que diz respeito
aos dados pessoais de pessoas falecidas hospedados na Internet, está
insuficientemente tutelado. Portanto, através desta obra é oferecida uma
solução jurídica para a regulamentação do uso de dados de pessoas falecidas
armazenados na Internet, com vistas a torná-la útil a juízes e legisladores
e para que sirva de fonte de estudo para pesquisas futuras e projetos
normativos relacionados ao tema.
Para avançar nessa direção, no Capítulo I, dar-se-á conta do estado
atual no qual a matéria se encontra, fazendo-se uma apresentação de como
os sistemas jurídicos de proteção de dados pessoais têm tratado – ou não –
a intimidade e a privacidade das pessoas mortas.
No Capítulo II, será feita uma comparação entre as normas jurídicas,
a jurisprudências e a doutrinas do Brasil e da Argentina acerca da proteção
geral dos dados pessoais, com algumas considerações sobre o tema no
cenário pós-morte.
No Capítulo III, mostrar-se-á como a proteção de dados pessoais
existente garante os direitos à intimidade e à privacidade das pessoas vivas.
A ideia é poder fazer uma comparação desse tema com o problema principal
desta obra. Ao mesmo tempo, será demonstrada a importância dos dados
pessoais no contexto da revolução tecnológica, razão pela qual se analisará
o valor econômico desse tipo de informação e a quem ela interessa; também
serão investigadas as políticas de registro e armazenamento de dados das
redes sociais mais utilizadas, tendo como base Brasil e Argentina.
No Capítulo IV, será dado direcionamento para o problema principal,
passando-se a dar conta da utilidade dos dados de falecidos hospedados na
Internet. Nesse ponto, será explicado de que maneira países como Brasil
e Argentina se comportam no tratamento jurídico dos dados pessoais de
pessoas falecidas armazenados na Internet.
O Capítulo V apresentará uma proposta jurídica para salvaguardar a
utilização de dados pessoais na Internet após a morte do titular, a partir de
uma análise das normas europeias, especialmente de Espanha e França. A
intenção é propor uma possível solução jurídica para o problema central
apresentado nesta obra.
CAPÍTULO
I
O ponto de partida: a revolução
tecnológica e a crise da intimidade e
da privacidade
Os direitos de personalidade não escaparam à disrupção causada
pelo avanço da tecnologia na sociedade da informação, pois os sistemas
tradicionalmente garantidores da inviolabilidade de institutos como a
intimidade e a privacidade já não conseguem ter a mesma eficácia de
antes. As ações intimas e privadas das pessoas deixam rastros que agora se
eternizam nos meios tecnológicos, demandando uma proteção moderna e
alinhada com os novos comportamentos sociais.
Há a consciência de que o armazenamento de dados em computadores
e outros tipos de bancos de dados pode significar uma agressão à intimidade
da vida privada e, também, ofender outros bens jurídicos fundamentais
(GULARTE, 2021, p. 12). É nesse contexto que este trabalho dá especial
atenção aos dois direitos da personalidade mais vulnerados pela revolução
tecnológica: a privacidade e a intimidade.
A regulamentação europeia, que influencia fortemente as leis da
Argentina e do Brasil no que diz respeito à proteção de dados pessoais, tem
estado na vanguarda da proteção das garantias individuais. Ela encontra
sua base jurídica na proteção dos direitos fundamentais à intimidade e à
privacidade, garantidas pela Convenção Europeia de Direitos Humanos de
1950, em seu art. 8 (FALIERO, 2018, pp. 57-58).
No entanto, não devemos esquecer a Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948, que estabelece no artigo 12 que:
ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada,
na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem
a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem
direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, acima
mencionada, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem
(artigo 5), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e seu
Protocolo Facultativo (artigo 17), a Convenção sobre os Direitos da criança
26
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS DEPOIS DA MORTE
a continuação da crise da intimidade e da privacidade
(artigo 16) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 11)
recepcionam o dito direito; tratados que foram incorporados ao texto da
Constituição da República Argentina (artigo 75, parágrafo 22), gozando de
hierarquia constitucional.
De acordo com Villegas Carrasquilla (2012, p. 127), esse tipo de
regulamentação baseia-se, principalmente, no direito de cada indivíduo
à sua intimidade. No entanto, a noção de intimidade e vida privada, seus
fundamentos como direitos e as formas de regulá-los e protegê-los variam
de região para região, de país para país.
Diferenciando tais institutos, Bidart Campos (2014, p. 213) afirma que
privacidade seria a possibilidade irrestrita de realização de ações privadas –
que não prejudiquem terceiros – por mais que sejam realizadas sob a visão
dos outros e por eles conhecidas. É sempre uma zona de reserva pessoal,
própria da autonomia do ser humano. E a intimidade seria a esfera pessoal
isenta do conhecimento generalizado de outras pessoas.
Para Silva (2018, p. 210), não é fácil distinguir privacidade de
intimidade. Aquela, em última análise, integra a esfera íntima da pessoa,
pois é um repositório de segredos e particularidades da jurisdição moral e
íntima do indivíduo. Com efeito, de acordo com Piton (2017, parágrafo 66),
a intimidade, vale dizer, não se confunde com a vida privada, pois aquela
guarda segredos íntimos e anseios que só o indivíduo sabe. Por outro lado,
a vida privada é menos secreta.
Ao longo deste trabalho a intimidade e a privacidade serão
confrontadas com os avanços tecnológicos, sendo apresentados os riscos,
os interesses e as proteções existentes relacionados com estes direitos. A
proteção dos dados pessoais será a matéria em evidência, já que são eles
os principais agentes que põem em risco não só os institutos em foco, mas
também muitos outros direitos da personalidade.
Segundo os ensinamentos de Tomasevicius Filho (2016, p 269):
Em menos de vinte anos de uso comercial, a internet
modificou diversos aspectos da convivência humana.
O principal deles foi a ampliação do conhecimento e do
acesso à cultura. Tomando apenas por base os cinquenta
anos anteriores à abertura da internet, as informações
difundiam-se pelos livros impressos. As pesquisas escolares
eram realizadas em enciclopédias e almanaques, disponíveis,
respectivamente, em bibliotecas e bancas de jornais. Na
internet, esses materiais logo perderam espaço para as
homepages com seus reduzidíssimos custos de divulgação
das informações. Pela facilidade do acesso em qualquer
hora e lugar, a velocidade da transmissão do conhecimento
aumentou quase ao infinito (TOMASEVICIUS FILHO,
2016, p. 269).
27
• JOÃO PAULO RODOVALHO
Ao ampliar a capacidade e as oportunidades de ação dos indivíduos,
os meios de comunicação e informação ampliam, na mesma dimensão, os
riscos a que os indivíduos estão submetidos (HARTMANN; WIMMER,
2011, p. 21).
É a partir de tais assertivas que se tenta entender a evolução do
armazenamento e proteção de dados e o seu impacto na vida social e
privada do ser humano. Esta, talvez, seja a mais intensa preocupação da
humanidade para a atual e para as futuras gerações (RODOVALHO, 2021,
p. 26). Afirmam Becerra e Zárate (2015, p. 218) que a superexposição
do privado que permite a tecnologia a quem participa de redes pessoais,
profissionais e sociais, em muitos casos, permite que seja vulnerada a
dignidade e que se causem danos à integridade das pessoas.
Westin (1970, p. 158-159) explica que, por diversas razões, tais como
a ampliação da complexidade do sistema industrial, a burocratização dos
setores público e privado e a transformação das ciências sociais, o certo é
que nos tornamos a sociedade que mais gerou dados pessoais na história
da humanidade, o que pode ser demonstrado pelas dezenas de bancos de
dados nos mais variados setores: registros de nascimento e casamento,
registros escolares, dados do censo, registros militares, dados de passaporte,
registros de empregados e de servidores públicos, registros do serviço de
saúde, registros da defesa civil, registros de seguros, registros financeiros,
registros de dados telefônicos, entre outros.
Embora longínqua, eis que feita em 1970, a afirmação de Westin
registra que o armazenamento de dados não é preocupação gerada na
sociedade em que vive a revolução tecnológica. Evidencia-se, contudo,
que a preocupação da sociedade daquela época girava em torno do citado
armazenamento, especialmente para fins burocráticos (RODOVALHO,
2021, p. 26). Bennett (1992, p. 43) afirma que a utilização massiva de dados
pessoais a partir da segunda metade do século XX pode ser associada a
duas características principais do Estado pós-industrial: a burocratização
(dos setores público e privado) e o desenvolvimento da tecnologia da
informação.
A disciplina da proteção de dados pessoais emerge no âmbito da
sociedade de informação como uma possibilidade de tutelar a personalidade
do indivíduo, contra os potenciais riscos a serem causados pelo tratamento
de dados pessoais. A sua função não é a de proteger os dados per se, mas a
pessoa que é titular desses dados (MENDES, 2014, p. 32).
Placzek (2006, p. 2) explica que nos mais diversos papéis sociais, como
contribuinte, paciente, trabalhador, beneficiário de programas sociais ou
como consumidor, o cidadão tem seus dados processados diuturnamente. A
vigilância deixa de ser esporádica e torna-se cotidiana. A utilização massiva
28
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS DEPOIS DA MORTE
a continuação da crise da intimidade e da privacidade
de dados pessoais por organismos estatais e privados a partir de avançadas
tecnologias da informação apresenta novos desafios ao direito à intimidade
e à privacidade. A combinação de diversas técnicas automatizadas permite
a obtenção de informações sensíveis sobre os cidadãos e a construção de
verdadeiros perfis virtuais, que passam a fundamentar a tomada de decisões
econômicas, políticas e sociais.
Exemplo disso é a técnica de construção de perfis pessoais em
função dos quais podem ser tomadas importantes decisões a respeito dos
consumidores, trabalhadores e cidadãos em geral, afetando diretamente
a vida das pessoas e influenciando o seu acesso a oportunidades sociais
(MENDES, 2014, p. 34).
Sob essa ótica e para possibilitar a resposta adequada aos desafios
sociais advindos da revolução tecnológica, ensina Pérez Luño (1996,
p. 10) é fundamental que a teoria do direito se reconstrua a ponto de
compreender e solucionar os novos problemas enfrentados pelo homem na
era da informação. Nesse sentido, é importante que os juristas adquiram a
capacidade de refletir de forma crítica e responsável perante as dificuldades
decorrentes da tecnologia, o que se denominou “consciência tecnológica”.
Tal ideia, defende Pérez Luño (1996, p. 10), embora venha sendo
incorporada por juristas do mundo inteiro, demonstra a impossibilidade
dos sistemas jurídicos de acompanharem a meteórica inserção da tecnologia
na vida social. Por mais que exista uma verdadeira corrida mundial para
acompanhar e regulamentar a proteção de dados, é fato que a consciência
tecnológica dos juristas não tem conseguido albergar os inúmeros novos
problemas criados pela revolução tecnológica.
O ponto de partida desta investigação é a crise dos direitos de
personalidade, especialmente os direitos à intimidade e à privacidade, que
vêm sendo profundamente impactados pela revolução tecnológica. Segundo
Schwab (2016, p. 15), atualmente, enfrentamos uma grande diversidade
de desafios fascinantes; entre eles, o mais intenso e importante é o
entendimento e a modelagem da nova revolução tecnológica, a qual implica
nada menos que a transformação de toda a humanidade. Estamos no início
de uma revolução que alterará profundamente a maneira como vivemos,
trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, escopo e complexidade, a
quarta revolução industrial é algo considerado diferente de tudo aquilo que
já foi experimentado pela humanidade.
Neste momento de disrupção pelo qual passa o mundo, inúmeras
novas situações são geradas sem que governos, instituições, empresas e
cidadãos saibam como agir de maneira adequada. Essa realidade também
envolve a intimidade e a privacidade, pois são direitos colocados em risco
pela revolução tecnológica. A doutrina clássica, mencionada nos próximos
29
• JOÃO PAULO RODOVALHO
capítulos, continua a conceituar tais direitos de personalidade da mesma
forma de décadas atrás. O mesmo é sentido quando o tema se volta para o
período posterior ao falecimento do indivídio.
É natural que situações criadas pela abrupta inserção da tecnologia no
cotidano humano careçam de regulamentação. Raras são as vezes em que
o Direito consegue se antecipar aos fatos sociais e não é adequado esperar
que o mundo jurídico acompanhe a tecnologia na mesma velocidade.
Mas a verdade é que, mesmo sendo nova a realidade digital pela
qual passamos, não foi algo criado do dia para a noite. Ela já se iniciou
na terceira revolução industrial, tendo apenas se intensificado nas últimas
duas décadas. Não é à toa que já existem normas regulamentando episódios
sociais ligados à tecnologia desde o início dos anos 90.
De acordo com Zampier (2021, p. 1), a dogmática jurídica vem
desconhecendo quase que por completo este novo momento social,
insistindo, muitas vezes, em trabalhar hipóteses que fazem referência a uma
sociedade calcada apenas na realidade e não na virtualidade. Esta cautela, ou
mesmo omissão, do Direito no que diz respeito às influências tecnológicas,
favorece a criação de um espaço hermenêutico para um pensamento crítico
de nossa ciência, quer sob o viés da formulação de normas adequadas, quer
seja pela aplicação judicial do normativo ora existente.
O que motiva este trabalho então é a ausência de normatização
específica sobre a intimidade e a privacidade post mortem em um mundo
completamente novo, onde os conceitos e as normas tradicionais não são
mais garantidores da segurança de antes. Esta obra surge em um momento
em que os direitos de personalidade ainda são regulamentados por normas
antigas ou por normas novas incompletas. Na mesma linha, os poderes
judiciais pouco têm se debruçado sobre o tema e a doutrina, a mais atenta à
nova realidade observa e propõe soluções abstratas.
Não se pode negar, é claro, a amplitude dos problemas jurídicos
relacionados aos direitos da personalidade post mortem. Evidentemente, não
só a intimidade e a privacidade estão em risco com o fim da vida. Outros
direitos personalíssimos, como a imagem, o nome, a honra e a dignidade
da pessoa falecida, merecem ser atendidos, se é que projetamos para esses
direitos igual proteção jurídica.
A delimitação do objeto aqui enumerado vem da proteção de dados
pessoais. Diversos são os aspectos que, tradicionalmente, colocam em crise
intimidade e privacidade, mas, entende-se que, na sociedade da informação,
o tratamento dos dados das pessoas é o principal fator que põe em risco
tais direitos. É através desses dados que se materializam, armazenam
e eternizam informações sobre ações de cunho íntimo e privado dos
indivíduos, demandando uma efetiva proteção que limite o acesso indevido.
30
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS DEPOIS DA MORTE
a continuação da crise da intimidade e da privacidade
Para Bioni (2019, p. 57), não se trata somente de dados ou de banco
de dados, mas, necessariamente, da dinâmica de um sistema de informação,
que é o que permite um manancial de fatos – dados – ser estruturado,
organizado e gerenciado para produzir um conhecimento que possa ser
revertido para tomada de uma decisão, por exemplo, de uma ação publicitária.
A tecnologia da informação – dos bits ao sistema de informação – permitiu
agregar e acumular dados que revelam muitas informações sobre nós.
Em relação aos sistemas jurídicos de proteção de dados pessoais,
Villegas Carrasquilla (2012, p. 128) identifica três visões: o sistema dos
Estados Unidos, o europeu e o latino-americano. Para o citado autor, o
sistema dos Estados Unidos responde ao problema da privacidade –
principalmente – por meio de mecanismos de autorregulação; entretanto,
a privacidade é parcialmente protegida pela quarta emenda à Constituição.
Por outro lado, o modelo europeu baseia-se no artigo 8º da Convenção
Européia de Direitos Humanos de 1950, que garante o respeito aos direitos
à vida privada e familiar como um direito fundamental (CARRASQUILLA,
2012, p. 129). Por fim, o modelo latino-americano é aquele que se baseou
principalmente no direito fundamental do habeas data, posteriormente
tendendo a um modelo de proteção fortemente influenciado pelo da
Diretiva Européia de 1995 (CARRASQUILLA, 2012, pp. 129-130).
Sustenta Villegas Carrasquilla (2012, p. 130) que a principal diferença
entre os modelos europeu e estadunidense encontra-se no fato de que,
neste último, o conceito de liberdade é a resposta à interferência do Estado
na vida dos indivíduos, sendo, portanto, voltado para a autorregulação e
regulações setoriais; Em vez disso, a abordagem europeia se manifesta
como uma proteção mais geral e uniforme, partindo do conceito de direito
fundamental à intimidade, no qual o Estado deve intervir ativamente para
proteger o indivíduo.
Ainda segundo Villegas Carrasquilla (2012, pp. 130-131), o sistema
de proteção de dados na América Latina tem, em geral, uma característica
particular que o diferencia dos modelos europeu e estadunidense: o caráter
constitucional dessa proteção em grande quantidade de países e sistemas
jurídicos.
Nas últimas décadas, as nações têm tentado criar sistemas jurídicos
de proteção de dados pessoais embasados em leis setoriais e gerais, mas a
experiência ainda não tem alcaçado resultados animadores. Por isso, mais
recentemente, principalmente depois da criação do Regulamento Geral
de Proteção de Dados Pessoais da União Europeia - RGPD, edições e
atualizações de leis de proteção de dados passaram a ser objeto de maior
preocupação em todos os continentes.
Esta investigação parte do estudo de normas constitucionais e
infraconstitucionais existentes, argentinas e brasileiras, sobre intimidade e
31
• JOÃO PAULO RODOVALHO
privacidade, proteção de dados pessoais e direito sucessório. Tais normas
versam, desde disposições genéricas até normatizações específicas, a
exemplo de relações de consumo, acesso à informação pública, propriedade
intelectual, comunicações e uso da Internet.
As tentativas iniciais de normatizar o tema demontraram-se ineficazes
por causa da dificuldade de legislar sobre algo que não se limita às fronteiras
territoriais de um país. Outros fatores que fragilizaram as primeiras normas
foram a violação de direitos fundamentais e a supervalorização da autonomia
da vontade dos indivíduos.
Atualmente, devido ao reconhecimento de que o tratamento dos
dados pessoais é assunto transnacional e que não permite tratamento
excessivamente limitado, as nações buscam nas suas novas normas a
adequação ao cenário internacional. Nesse panorama, Brasil e Argentina
foram escolhidos como alvos desta investigação, pois, hipoteticamente,
até aqui, têm sistemas de proteção de dados pessoais que não tutelam
adequadamente a intimidade e a privacidade de falecidos. As duas nações
vêm tentando se adequar ao cenário internacional de proteção de dados
pessoais, mas estão em realidades diferentes.
Enquanto o Brasil tem uma moderna Lei Geral de Proteção de
Dados Pessoais, já em vigor e fortemente inspirada no sistema europeu,
a Argentina tem vigente uma lei de duas décadas atrás e, mesmo tendo
projetos de novas leis minimamente adequados aos padrões internacionais,
não avança nos respectivos processos legislativos.
Para Becerra e Garziglia (2019, parágrafo 3), a Argentina fechou a
segunda década do século 21 com uma lei de dados pessoais desatualizada
e engessada, pois pertence a uma era antiga da Internet. A Lei 25.326 foi
promulgada em 2000 e sofreu pelo menos 85 modificações (decretos,
resoluções) que turvaram seu objetivo, possibilitando seu descumprimento
pelos poderes do Estado. Esse quadro contrasta com os esforços feitos em
outras latitudes que trouxeram mudanças regulatórias recentes, como na
União Européia.
O estudo voltado especialmente para a intimidade e a privacidade
de pessoas falecidas no Brasil e na Argentina se faz necessário para
garantir o ineditismo desta obra. A condição inédita é garantida pelas
raras produções científicas que tratam do tema em um ou em outro país.
Além disso, os trabalhos encontrados e que embasaram esta obra tratam
de temas aproximados, envolvendo, na maiora dos casos, abordagens mais
gerais, voltadas para os direitos de personalidade. Outro ponto que merece
destaque é que não se encontrou nenhuma obra que cuide de analisar os
sistemas legais dos dois países conjuntamente.
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