Resumo
Pretendeu-se com este trabalho compreender, no que concerne o estudo das relações raciais na
sociedade angolana e ao longo do período compreendido entre 1950-1996, as razões que
concorrem para que determinadas classificações assentes na noção de raça tenham sido um
recurso fundamental nas lutas políticas, nomeadamente, em processos de inclusão e exclusão.
Para levar por diante este objectivo seleccionámos um conjunto de categorias «raciais» como
mestiço, branco, negro, indígena e assimilado, considerando que estas últimas são classificações
que assentam em propriedades rácicas/características somáticas.
Tendo em conta uma perspectiva interdisciplinar optámos por utilizar três conceitos nucleares:
campo político, ideologia identitária e crise.
Mediante estes três conceitos foi possível analisar a dinâmica do campo político angolano como
espaço de lutas de classificação, em que classificações assentes em propriedades
rácicas/características somáticas tiveram um papel fundamental, como recurso político, nos
processos de institucionalização do capital político.
Contudo, o campo não se estruturou nem configurou tendo em conta as propriedades
rácicas/características somáticas. A sua dinâmica foi condicionada por outros princípios que
relegaram para um segundo plano o papel que as classificações assentes em propriedades rácicas
desempenhavam na luta política.
Palavras-chaves: campo político; ideologia identitária; crise; lutas de classificação; negro;
mestiço; branco, indígena, assimilado.
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ii
Abstract
Regarding the study of racial relations in the Angolan society in the period of 1950-1996,
the aim of this research was to understand the reasons that lead certain classifications based on
the notion of race to be a fundamental resource in political fights, namely, in processes of
inclusion and exclusion.
In order to accomplish our objective we select a set of “racial” categories such as mestizo,
white, black, indigene and assimilado, considering that they are classifications based on racial
proprieties/somatic characteristics.
Taking into account an interdisciplinary perspective we chose to use three core concepts.
That is: political field, ideological identity and crises.
Through these three concepts it was possible to analyse the dynamics of the Angolan
political field as a space of classification fights. Classifications based on racial
proprieties/somatic characteristics played a central role, as a political resource, in the processes
of institutionalization of the political capital.
Nevertheless, the field was not structured nor set according to racial proprieties/somatic
characteristics. Its dynamics was shaped up by other principles that relegated to the background
the role classifications based on racial properties played in the political fight.
Keywords: political field; ideological identity; crises; classification struggle; black; mestizo;
white; indigene assimilado.
.
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iv
Agradecimentos
Os meus agradecimentos vão em primeiro lugar para a minha Orientadora, Professora
Dra Ana Mouta Faria, que se disponibilizou, a meu pedido, para orientar este trabalho e que o
acompanhou metódica e zelosamente em todas as suas fases, pautando sempre pelo rigor,
seriedade e cujas pertinentes sugestões contribuíram para consolidar as opções teóricometodológicas.
Este trabalho nunca teria sido possível sem o apoio desinteressado de instituições e
pessoas a quem quero manifestar o testemunho da minha gratidão.
À reitoria da Universidade Agostinho Neto que se prontificou a custear a tese.
À direcção da Faculdade Letras e Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto
pelo apoio a este meu projecto.
Ao departamento de História do ISCTE - IUL pela cedência de uma sala de estudo.
Às funcionárias e aos funcionários dos serviços de biblioteca e documentação do ISCTE
– IUL.
Aos funcionários dos serviços académicos do ISCTE – IUL, em particular a Ilda
Ferreira.
O meu agradecimento vai também para a professora Maria do Céu Carmo Reis que me
incentivou a realizar este projecto e sempre se prontificou a tecer considerações pertinentes.
Não posso deixar de agradecer o estímulo, compreensão e apoio pessoal do Prof. Dout.
Engº João Sebastião Teta no sentido de levar este projecto a bom porto.
A realização do trabalho de campo em Luanda teria sido bem mais demorada e incerta
se os militantes e Deputados do MPLA, da UNITA, da FNLA, PRS e AD/Coligação não se
tivessem predisposto a conceder-me as entrevistas
Também não posso deixar de manifestar a minha estima e gratidão a todos os que se
prestaram a dar informações sobre Angola, nomeadamente ao escritor Artur Pestana “Pepetela”,
à Dra. Maria Conceição Neto e ao Dr. Fernando Gambôa.
À Dr.ª Vitória de Almeida e Sousa, ao Adolfo Maria, à Helena Maria e ao João Vieira
Lopes (Bavil) o meu obrigado pelo apoio material e pessoal.
Quero também agradecer aos meus amigos que me apoiaram de várias maneiras neste
processo de aquisição de saber. Cada um sabe das razões do seu nome constar nesta lista:
v
Cláudia Casimiro Maria Elisa Fernandes, Joana Ribeiro, Antonica Maria (Tónica),
Henda Ducados, Wanda Lara., Constança Ceita, Paulo Fino, Vasco Pedro, Marcelino Paxe,
Alexandre Silva, Amílcar Sousa Andrade, Gentil Viana (Tilo), Cláudio Tomás, João Carvalho,
Luís Barreiros, Nendela Lihauca, Paulo Lara, Mário Jorge e Ayres de Menezes (Bebé) Lando
Teta, e a tantos outros a quem devo este pedaço de sabedoria.
O meu último agradecimento vai para o meu grupo etno-afectivo. À minha companheira
Elisabete Santa Bárbara, (Sempre Bolingô); aos meus dois Kandengues, Kamba e Cochise,
eterno afecto e eterno estamos juntos.
vi
À Céu, por tudo e (esse) mais alguma coisa: ser minha eterna amiga
À Lena, exemplo de força, inteligência, coragem e… ternura, eterno berçário
Ao Gentil, eterna lição de vida
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viii
Índice
Siglas ................................................................................................................... xv
Introdução ............................................................................................................ 1
PRIMEIRA PARTE – PROBLEMÁTICA. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
E METODOLÓGICO. ESBOÇO HISTORIOGRÁFICO .............................. 13
Capítulo I. Problema, construção do objecto de investigação e estratégia
metodológica ...................................................................................................... 15
1. Do problema à pergunta de partida ....................................................................................... 15
1.1 O historiador no seu labirinto ......................................................................................... 24
2. Objectivos, opção disciplinar e construção do objecto de investigação ............................... 33
2.1 Objectivos ....................................................................................................................... 33
2.2 Opção disciplinar ............................................................................................................ 34
2.3 A construção do objecto de investigação. A força dos conceitos ................................... 36
2.4 Construção do modelo de análise ................................................................................... 52
2.4.1 Ideologia identitária.............................................................................................................................. 52
2.4.2 Campo político ..................................................................................................................................... 53
2.4.3 Crise ..................................................................................................................................................... 54
2.4.4 Hipótese................................................................................................................................................ 55
3. Estratégia metodológica ........................................................................................................ 57
Capítulo II. Elementos históricos pertinentes para a compreensão da
dominação colonial. Séculos XVI - XX ............................................................. 60
1. Africanos e portugueses. Das relações de cooperação às relações de conflito. Chegada e
ocupação parcial........................................................................................................................ 61
1.1 Os limites do espaço português....................................................................................... 65
2. Uma conjuntura favorável à colonização .............................................................................. 70
3. Resistência e ocupação total ................................................................................................. 74
3.1 O acelerado definhar dos filhos do país. Resistência e dominação. O exemplo do movimento
associativo ..................................................................................................................................................... 77
4. Ditadura militar e Estado Novo. A Consolidação do espaço colonial .................................. 81
4.1 Uma resistência silenciosa. Fragmentos de reavaliação de propriedades
rácicas/características somáticas ........................................................................................... 85
SEGUNDA PARTE - DAS POLÍTICAS DE CLASSIFICAÇÃO ÀS
CLASSIFICAÇÕES POLÍTICAS. A QUESTÃO RACIAL NO CAMPO
POLÍTICO ANGOLANO. – (1950- 1996) ........................................................ 89
Capítulo III. Factores políticos e ideológicos que concorrem para a
compreensão da formação e dinâmica do espaço nacionalista angolano.
(1945-1963) ......................................................................................................... 91
ix
1. Esboço de uma conjuntura internacional. Guerra-fria, pan-africanismo e não-alinhamento.
Do fim da Segunda Guerra Mundial até à criação da Organização de Unidade Africana........ 91
1.1 Guerra-fria....................................................................................................................... 92
1.2 Pan-africanismo, negritude e não-alinhamento............................................................... 93
2. Aspectos da política colonial. (1950-1961) .......................................................................... 97
3. Breve caracterização do espaço colonial. Uma sociedade em permanente tensão. (19501961) ....................................................................................................................................... 102
3.1 O arbitrário classificatório ............................................................................................ 107
Capítulo IV. Um momento de reavaliação das propriedades rácicas
/características somáticas. O panfleto como lugar de enunciação. (1956-1960)
............................................................................................................................111
1. Da prática cultural à prática política ................................................................................... 111
2. O panfleto como lugar de enunciação. Estratégias discursivas que remetem para processos
de inclusão e exclusão na relação dominantes/dominados ou colonizadores/colonizados ..... 116
2.1 Documento (1). Manifesto “para um Amplo Movimento Popular de Libertação de
Angola”. Provavelmente de 1956. ...................................................................................... 118
2.2 Documento (2). Panfleto do Grupo ELA de Angola “O nosso relatório para a
conferência a realizar em Accra em Março do corrente ano”. Março de 1959. ................. 121
2.3 Os panfletos do MIA ..................................................................................................... 124
2.3.1 Documento (3). Panfleto do MIA “Aos Angolanos”. Provavelmente de 1959 .................................. 125
2.3.2 Documento (4). Panfleto do MIA “Aos Militares Angolanos”. Provavelmente de 1959 ................... 126
2.3.3 Documento (5). Panfleto do MIA “ Manifesto Africano”. Provavelmente de 1959........................... 129
2.4 Panfletos subscritos conjuntamente pelo MINA e pela UPA ....................................... 130
2.4.1 Documento (6). Panfleto subscrito pelo MINA e pela UPA “Ao povo de Angola”. Provavelmente de
1960 ............................................................................................................................................................. 131
2.4.2 Documento (7). Panfleto subscrito pelo MINA e pela UPA “Garantias Insofismáveis Aos Angolanos
De Independência”. Provavelmente datado de 1960 ................................................................................... 132
2.5 Documento (8). Panfleto do MLNA “Ameaça Psicológica”. Provavelmente de 1959 134
2.6 Os panfletos da UPA ..................................................................................................... 136
2.6.1 Documento (9). Panfleto incompleto da UPA “Estímulo”. Provavelmente de fins de 1959 princípios
de 1960 ........................................................................................................................................................ 136
2.6.2 Documento (10). Nota da UPA “Ao chefe da povoação e seus súbditos residentes em Kinkombo Kibenga”. A partir de Leopoldville, de Setembro de 1960 ......................................................................... 137
2.6.3 Documento (11). Panfleto da UPA “aos membros da UPA e a todos os nossos irmãos de Angola”. A
partir de Leopoldville. Provavelmente de fins de 1960 ............................................................................... 138
2.6.4 Documento (12). Panfleto da UPA “A Todos Os Nossos Irmãos Vindos de Angola Bem Como A
Quantos Ainda Residem em Angola”. A partir de Leopoldville. Provavelmente de 1960 .......................... 140
2.6.5 Documento (13). Panfleto da UPA “Associados da UPA Regozijai-vos”. Datado de 1 de Junho de
1960 ............................................................................................................................................................. 141
2.7 Os panfletos atribuídos a Agostinho Neto .................................................................... 143
2.7.1 Documento (14). Panfleto “Ao povo angolano. Há só um caminho para a resolução dos nossos
problemas. A Independência do nosso país”. Angola é nossa”. Atribuído a Agostinho Neto. Provavelmente
de 1960 ........................................................................................................................................................ 143
2.7.2 Documento (15). Panfleto “Um Ano de Cadeia Sem julgamento”. Atribuído a Agostinho Neto.
Datado de 29 de Março de 1960 .................................................................................................................. 145
2.8 Panfletos anónimos ....................................................................................................... 147
2.8.1- Documento (16). Panfleto“Manifesto africano”I. Provavelmente de 1958 ....................................... 147
2.8.2 Documento (17). Panfleto “Manifesto Africano”II. Provavelmente de 1 de Janeiro de 1959 ............ 149
x
2.8.3. Documento (18). Panfleto “ Manifesto Africano ”III. Provavelmente de fins de 1958 ou princípios de
1959 ............................................................................................................................................................. 150
2.8.4. Documento (19). Panfleto “Aos africanos. O grito de luta pela liberdade”. Provavelmente de 1959
..................................................................................................................................................................... 153
2.8.5 Documento (20). Panfleto “O Momento Aflito Que Atravessamos”. Provavelmente de 1957 ou 1958
..................................................................................................................................................................... 156
2.8.6 Documento (21). Panfleto “Contra as prepotências Governamentais e imperialistas. Reforcemos a
nossa unidade na luta pela liberdade”. Datado de 1959 .............................................................................. 158
Capítulo V. Crises, práticas políticas e lutas de classificação. A configuração
do campo político angolano. (1960-1964).........................................................164
1. Considerações acerca da nossa abordagem......................................................................... 165
2. Da UPA à FNLA/GRAE..................................................................................................... 170
2.1 A constituição da UPA e a institucionalização, truncada, do capital político .............. 172
2.1.1 O Congo Leopoldville. Esboço de evolução política. ........................................................................ 175
2.2 A primeira crise da UPA. Dissidência e recomposição ................................................ 176
2.2.1 A objectivação do capital militar e nova investidura ou a (des) salvadorização /(des)bakonguização da
UPA ............................................................................................................................................................. 180
2.3 Nova crise da UPA e nova delegação política. A constituição da FNLA e do GRAE . 181
2.3.1 A constituição do FNLA/GRAE ou duas novas delegações políticas ................................................ 183
3. O percurso de legitimidade do MPLA. Crise, capital político e questão racial .................. 187
3.1 A delegação política. A constituição do primeiro Comité director do MPLA ............. 188
3.2 Viriato da Cruz e a remodelação do Comité Director ou um segundo momento de
delegação do capital político ............................................................................................... 190
3.3 A chegada de Agostinho Neto ou o homem providencial ............................................ 195
3.3.1 O início da crise no MPLA. O tempo da implosão............................................................................. 196
3.4 A investidura de Agostinho Neto e o agravamento da crise ......................................... 199
3.4.1 As relações MPLA/ FNLA ................................................................................................................. 202
3.4.2 O papel do Congo Leopoldville ......................................................................................................... 208
3.5 O tempo da explosão. As classificações assentes em propriedades rácicas/características
somáticas como exemplo de lutas de classificações no seio do MPLA ............................. 213
3.5.1 A retórica do grupo Viriato ................................................................................................................ 213
3.5.2 A retórica do grupo Neto .................................................................................................................... 215
3.5.3 Os efeitos da crise do MPLA na questão da inserção dos classificados de brancos no espaço
nacionalista angolano. Entre a inclusão e a exclusão .................................................................................. 217
3.5.3.1 A “Carta Aberta ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), subscrita por
Nacionalistas Angolanos de Raça Branca” e as cartas de Jorge Pires. Indignação e compreensão. ....... 219
3.5.3.2 O lugar da FUA no espaço nacionalista angolano ...................................................................... 221
3.6 O fim da crise no MPLA ............................................................................................... 224
3.6.1 O Congo Brazzaville .......................................................................................................................... 225
3.6.2 A consagração de Agostinho Neto ou o corpo político reificado num médico .................................. 227
3.7 O estado latente da questão racial ................................................................................. 229
Capítulo VI. O período tripolar e o regresso da questão racial. (1966-1975) 233
1. Introdução ........................................................................................................................... 233
2. Dinâmicas das organizações armadas nacionalistas e evolução da luta anti-colonial. ....... 238
(1966-1974 )............................................................................................................................ 238
2.1 O percurso de legitimidade da UNITA. Ou a terceira força ......................................... 239
2.2 O percurso de legitimidade da FNLA ........................................................................... 244
2.3 O percurso de legitimidade do MPLA .......................................................................... 248
xi
3. 1972-1974. O regresso da questão racial no MPLA. A “crise de 1972” e a Conferência
Inter-regional dos Militantes do Moxico. ............................................................................... 252
3.1 Alguns elementos que possibilitam situar a “Manifestação Político-Militar dos
Militantes na II Região”. ..................................................................................................... 254
3.2 Caracterização da “Manifestação Político-Militar dos Militantes na II Região” ......... 257
3.2.1 Efeitos e limites da “Manifestação político-militar dos Militantes na II Região” no subcampo político
MPLA .......................................................................................................................................................... 261
3.3 A Conferência Inter-Regional do Moxico ou o fim – relativo – da crise racial no seio do
MPLA ................................................................................................................................. 262
4. A apropriação do espaço social colonial por parte do campo político angolano num quadro
de transição para a independência. A legitimidade das armas. (1974-1975) .......................... 264
4.1 Mobilização do maior número, fidelidade e traição ou o modo como o campo político
angolano se apropriou da questão racial. O exemplo da categoria branco ......................... 265
Capítulo VII. O tempo da “Dipanda”. A bipolaridade do campo. Do estado
latente da questão racial à lei do Bilhete de Identidade. (1975- 1996) ...........271
1. Introdução ........................................................................................................................... 271
2. A consolidação do MPLA/Estado em tempo de guerra. 1975-1991 .................................. 276
2.1 - As condicionantes externas ........................................................................................ 277
2.2. A consolidação do MPLA/Estado ................................................................................ 279
3. Consolidação da UNITA em tempo de guerra. Ou a investidura do dom .......................... 286
3.1. As condicionantes externas .......................................................................................... 286
3.2 Da “longa marcha” à investidura do dom ..................................................................... 289
4. A II República ou a nova divisão do trabalho político. (1992-1996) ................................. 295
4.1 Estado das relações de força no campo político angolano em 1996 ............................. 299
5. A Lei do Bilhete de Identidade. Ou a reificação jurídica do estigma (?)............................ 302
5.1 Esboço contextual. (1992-1996) ................................................................................... 302
5.2. O debate na Assembleia Nacional sobre a lei do BI visto pela Acta da Assembleia
Nacional .............................................................................................................................. 305
5.2.1. A raça no BI entre a inclusão e a exclusão ........................................................................................ 307
Conclusão ..........................................................................................................314
Fontes e Bibliografia .........................................................................................326
Fontes de Arquivo ................................................................................................................... 327
Fontes Impressas ..................................................................................................................... 329
Fontes orais. Entrevistas ......................................................................................................... 333
Bibliografia ............................................................................................................................. 334
Imprensa Escrita...................................................................................................................... 355
Audiovisuais ........................................................................................................................... 356
Fontes e Bibliografia On Line................................................................................................. 356
xii
Índice de Figuras
Figura 1 - Operacionalização dos conceitos de ideologia identitária, campo político e crise ...... 56
Figura 2 - Signatários dos estatutos da UPA .............................................................................. 173
Figura 3 - Bureau provisório da UPA que funcionou até 23 de Outubro de 1960. .................... 174
Figura 4 - Lista dos membros do Comité Central, Definitivo, Eleitos na Assembleia-geral de 11
de Março de 1961, nos termos do Artº 10 Cap IV – dos Estatutos da União das Populações
de Angola de 1 de Julho de 1960 . ...................................................................................... 179
Figura 5 - Comité Director remodelado, provavelmente em Novembro de 1961 ...................... 181
Figura 6 - Signatários da Frente Nacional de Libertação de Angola .......................................... 185
Figura 7 - Lista dos membros do GRAE .................................................................................... 185
Figura 8 - Primeiro Comité Director do MPLA em Conakry, 1960 ........................................... 188
Figura 9 - Comité Director do MPLA saído da remodelação de Maio de 1962 . ....................... 194
Figura 10 - Comité Director do MPLA saído da “Conferência Nacional” em Dezembro de 1962
............................................................................................................................................. 200
Figura 11 - Comité Político-Militar do MPLA saído da Conferência Nacional em Dezembro de
1962..................................................................................................................................... 201
Figura 12 - Classificação através da Estigmatização .................................................................. 207
Figura 13 - Resultados, por províncias nas eleições legislativas em Angola, 1992 ................... 298
Figura 14 - Partidos e número de deputados representados na Assembleia Nacional ................ 300
xiii
xiv
Siglas
AASA - Associação Africana do Sul de Angola
ACA - Associação Cívica de Angola
ACOA- American Commitée on África
AD – Aliança Democrática (coligação)
AHNA - Arquivo Histórico Nacional - Angola
ALLIAZZO - Alliance des Ressortissants du Zombo
AN - Assembleia Nacional
ANANGOLA - Associação dos Naturais de Angola
ANC - African National Congress
ANGOP - Agência Angola Press
AREC - Association des Ressortissants de l’Enclave de Cabinda
ASSOMIZO - Association Mutuelle des Ressortissant du Zombo
BI- Bilhete de Identidade
BN - Biblioteca Nacional
BRINDE - Brigada Nacional de Defesa do Estado
CA - Centro Africano
CD – Comité Director
CEA - Centro de Estudos Africanos
CEA - Centro de Estudos Angolanos
CEI - Casa dos Estudantes do Império
CIA - Central Intelligence Agency
CIAM - Centro de Imprensa “Aníbal de Melo”
CIDAC - Centro de Investigação e Documentação Amílcar Cabral
CMA - Clube Marítimo Africano
CNE - Comissão Nacional Eleitoral
CONCP- Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas
CVAAR – Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados
DOR - Departamento de Orientação Revolucionária
ELA - Exército de Libertação de Angola
ELNA - Exército de Libertação Nacional de Angola
EPLA – Exército Popular de Libertação de Angola
EUA - Estados Unidos da América
FDA – Fórum Democrático Angolano
FDLA - Frente Democrática para a Libertação de Angola
FLEC - Frente de Libertação para o Enclave de Cabinda
FNL - Frente Nacional de Libertação
FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola
FNLC- Frente de Libertação Nacional do Congo
FpD – Frente para a Democracia
FRA - Frente de Resistência Angolana
FRAIN – Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional
FRELIMO - Frente para a Libertação de Moçambique
FUA - Frente de Unidade Angolana
GE - Grupos Especiais
GRAE - Governo Revolucionário de Angola no Exílio
GURN - Governo de Unidade e Reconciliação Nacional
IANTT – Instituto Arquivo Nacional da Torre do Tombo
JDDA - Junta de Defesa dos direitos de África
JURA - Junta Revolucionária de Luanda
LA - Liga Angolana
LNA - Liga Nacional Africana
MAC - Movimento Anti-colonial
MBO – Mission des Bons Offices de l’OUA
MDA - Movimento Democrático de Angola
xv
MDB - Movimento Democrático de Benguela
MDH - Movimento Democrático do Huambo
MDIA - Movimento para a Defesa dos Interesses de Angola
MIA - Movimento para a Independência de Angola
MINA - Movimento de Independência Nacional de Angola
MLA - Movimento de Libertação de Angola
MLEC - Mouvement de Libération de l´Enclave de Cabinda
MLN - Movimento de Libertação de Nacional
MLNA - Movimento de Libertação de Nacional Angola
MNA-Movimento Nacional Angolano
MNC - Mouvement National Congolais
MPLA- Movimento Popular de Libertação de Angola
MPLA/PT - Movimento Popular de Libertação de Angola/Partido do Trabalho
NGUIZAKO - Nguizani yá Kongo
NTOBAKO - Origine du Peuple Bakongo
OCA - Organização Comunista de Angola
OIT - Organização Internacional do Trabalho
ONG - Organização Não-Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
OUA - Organização de Unidade Africana
PAG - Programa de Acção do Governo
PAJOCA - Partido da Aliança da Juventude, Operários e Camponeses de Angola
PCA - Partido Comunista Angolano
PCDA - Partido Cristão Democrático de Angola
PDA- Partido Democrático de Angola
PDP-ANA - Partido Democrático para o Progresso da Aliança Nacional Angolana
PIDE/DGS - Polícia Internacional de Defesa do Estado/Direcção Geral de Segurança
PLD - Partido Liberal Democrático
PLUAA - Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola
PNDA - Partido Nacional Democrático de Angola
PRC - Partido Republicano Colonial
PRD - Partido Renovador Democrático
PRS – Partido de Renovação Social
PSDA - Partido Social Democrático de Angola
RDA - República Democrática de Angola
RENAMO - Resistência Nacional Moçambicana
RPA - República Popular de Angola
RUA - Resistência Unida de Angola
SDN - Sociedade das Nações
SWAPO - South West African People’s Organization.
TE - Tropas Especiais
UA - União Africana.
UE – União Europeia
UGEAN - União Geral dos Estudantes da África Negra sob Domínio Colonial
Português
UN - União Nacional
UNATA- União dos Naturais de Angola
UNITA- União Nacional Para Independência Total de Angola
UNTA-União Nacional dos Trabalhadores Angolanos
UPA - União da Populações de Angola
UPNA - União das Populações do Norte de Angola
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ZML - Zona Militar Leste
xvi
Introdução
Pretende-se com este trabalho compreender, no que concerne ao estudo das relações
raciais na sociedade angolana e ao longo do período compreendido entre 1950-1996, as razões
que concorrem para que determinadas classificações assentes na noção de raça tenham sido um
recurso fundamental nas lutas políticas, nomeadamente, em processos de inclusão e exclusão.
De entre as múltiplas classificações, optámos por reter aquelas que assentam em
propriedades rácicas enquanto características somáticas1.
Esta
opção
por
um
sistema
de
classificação
assente
em
propriedades
rácicas/características somáticas, deve-se em certa medida a uma certa percepção de que, este
sistema de classificação desempenhou um papel fundamental no respeitante ao funcionamento,
estruturação e hierarquização das populações e, consequentemente, na organização – ao longo da
sua história – da sociedade angolana.
Tendo em conta o contexto em que emergem e se desenvolvem, podemos considerar
essas classificações como um princípio de dominação. Um princípio dinâmico que assenta, ao
longo dos diferentes períodos que caracterizam a história da dominação colonial, numa tensão
permanente entre integração e desintegração dos diferentes espaços sociais endógenos.
Acresce a este exercício contraditório, do princípio de integração no espaço social
colonial e de desintegração do espaço social dominado, a delimitação de um quadro estrutural de
relações económicas, culturais e políticas que concorrem para a emergência de contextos sociais
(família, escola, exército, etc.) nos quais se torna possível a miscigenação biológica e/ou cultural
entre grupos sociais.
Com efeito, podemos por exemplo ler nas estatísticas coloniais classificações do tipo
branco, pardo e negro; ou ainda branco, mestiço e negro que são resultado da agregação de
indivíduos em função, sobretudo, da cor da pele. Sendo esta última, frequentemente, associada à
noção de raça. Esta delimitação contabilística dos grupos vai-se tornando cada vez mais
complexa à medida que o Estado colonial vai introduzindo, na construção dessas categorias
estatísticas, novas categorias, de ordem jurídico-estatutária, como por exemplo: indígena e
cidadão2.
1
É uma classificação que associa fenótipos, com relevância para a cor, a uma noção de raça.
Ver Estatuto dos Indígenas das Províncias de Angola Guiné e Moçambique, em 1954. Decreto-Lei nº39.666 do
Ministério do Ultramar, Diário do Governo, 1ª Série, nº 110, de 1954.
2
1
Portanto, a emergência destas classificações e o seu desenvolvimento enquanto
categorias políticas e princípio organizador do mundo social, desenrola-se num contexto de
dominação colonial. A consideração dessa génese impele-nos a interrogar, também, acerca das
razões da sua permanência.
Julgamos que essas classificações, objectivadas em relações sociais (em instituições
diversas como o Estado, a família e a escola) e incorporadas pelas populações do espaço
colonial, sob a forma de categorias práticas e cognitivas, produziram efeitos quer nas dinâmicas
das lutas nacionalistas quer na construção da sociedade angolana independente3. Aliás, não é por
acaso que, na sociedade angolana actual, determinadas classificações de ordem racial como
mulato, cabrito, fronteiras perdidas, cafuzo, etc., façam ainda parte do léxico comum. Trata-se,
quanto a nós, do resultado de processos de interiorização da própria dominação4.
A constatação da perenidade, no todo ou em parte, de um sistema de classificação,
produzido pelo estado colonial e efectivado no exercício da violência física e simbólica
legítimas, até aqui delineada de um modo ainda um tanto ou quanto impressionista, vai servirnos como base heurística para a nossa proposta: Contribuir para a compreensão dos efeitos que
determinadas classificações assentes em propriedades rácicas/características somáticas tiveram e
têm na sociedade angolana, estudando-os do ponto de vista da construção do espaço político
angolano e em contextos históricos específicos5.
A escolha do arco temporal, entre 1950 e 1996 justifica-se porque no decurso de
contextos históricos específicos, de entre os quais, momentos crise, as propriedades
rácicas/características somáticas são repetidamente reavaliadas em articulação com a dinâmica
do campo político angolano. As crises são oportunidade para uma ampla observação de práticas
sociais (aqui, no caso de práticas políticas), muitas vezes pouco perceptíveis em contextos de
3
Reconhecendo, no entanto que esta se estruturou segundo outros princípios de dominação nomeadamente, socioeconómicos, políticos, linhageiros, etc. Contudo, as classificações raciais permanecem nos dias de hoje a pautar
distinções sociais entre os indivíduos. Facto que pudemos constatar ao longo da nossa vivência em Angola.
4
O que nos remete para o conceito de habitus: “ Condicionamentos associados a uma classe particular de condições
e existência produzem sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturas estruturantes, ou seja, como princípios geradores de práticas e representações que podem
ser objectivamente adaptadas ao seu fim, sem que isso suponha que se vise conscientemente fins ou que se vise o
domínio expresso das operações necessárias para atingi-los; objectivamente “reguladas” e “regulares” sem que, por
isso, sejam produto da obediência a regras. Tudo isto se apresenta como colectivamente orquestrado sem que isso
seja produto da acção organizada de um chefe de orquestra.” Quanto aos limites da sua aplicação ver o mesmo autor
(Bourdieu (1980: 89).
5
Reconhecemos que esta proposta está enquadrada pela complexidade histórica e sociológica do espaço social
angolano, que não se reduz, obviamente, à construção de relações sociais com base em classificações que temos
vindo a referenciar. Reis (2002: 3).
2
estabilidade. Assim, e como veremos mais adiante, o período compreendido entre 1950 e 1996 é
atravessado por sucessivas crises. Crises que se traduzem por constantes reavaliações
identitárias.
Mas a justificação para esta baliza cronológica, encontramo-la também num conjunto de
acontecimentos que marcam o período em estudo.
É na década de cinquenta, que se assiste, no quadro das políticas de classificação por
parte do Estado colonial, à consolidação estatutária das categorias indígena e cidadão;
consolidação que encontra tradução jurídica com a última promulgação do Estatuto dos
Indígenas das Províncias de Angola, Guiné e Moçambique6.
É igualmente nesta década, que se começam a sentir um dos efeitos das políticas de
reforço do povoamento branco em Angola, a saber, as tensões raciais entre colonizadores e
colonizados7.
Ainda nesta década, é desde já pertinente sublinhar a emergência de dois tipos de
discursos que, na sua interdependência, concorrem para a construção do nacionalismo da
modernidade8.
Referimo-nos por um lado, aos movimentos cultural-literários, de entre os quais
podemos destacamos no dealbar da década de cinquenta o Movimento dos Jovens Intelectuais de
Angola e que tem como suportes institucionais a ANANGOLA - a Associação dos Naturais de
Angola e a revista Mensagem9. Por outro lado, referenciamos a existência de um discurso
político sustentado por organizações políticas, que embora incipientes, contestam não só o
regime colonial como formulam propósitos em torno da questão identitária e, nomeadamente, da
identidade nacional.
6
Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias de Angola Guiné e Moçambique, Decreto-Lei n.º 39.666 do
Ministério do Ultramar, publicado no Diário do Governo, 1.ª Série, n.º 110, de 1954.
7
Foi portanto num contexto de tensão racial que o Estado colonial recorreu a uma nova ideologia: o lusotropicalismo. Relativamente ao nosso trabalho, o luso-tropicalismo leva-nos a perceber que as classificações
assentes na noção de raça reflectem a complexidade conflitual da sociedade angolana, que não se reduz a uma luta
de classificações em torno de brancos e negros ou indígenas e civilizados, mas pelo contrário, se organiza em torno
de outras classificações tais como mestiço e negro, mestiço e branco; indígena e assimilado, ou, entre civilizados a
priori e civilizados a posteriori (assimilado). Esta questão será desenvolvida nos capítulos seguintes.
8
Entendido aqui, grosso modo, como a veiculação de um conjunto de crenças e símbolos que exprimem a
identificação de uma população com um território delimitado por fronteiras físicas, com um Estado e seu respectivo
governo. Acerca do nacionalismo ver, entre outros, Hobsbawm (1998); Smith (1997); Cordelier (Coord) (1998) e
Andrade, (1998).
9
Não confundir com a revista publicada em Portugal pela CEI – Casa dos Estudantes do Império. A Revista
Mensagem era uma publicação da ANANGOLA entre 1951 e 1953. Nesta revista é possível encontrar escritos de
Viriato da Cruz, Agostinho Neto e Mário de Andrade. Figuras que se destacariam no espaço nacionalista angolano e
de que falaremos mais adiante. Ver Oliveira (1997:371-394).
3
É na interdependência entre estes dois pólos – cultural e político – que se geram um
conjunto de representações identitárias (frequentemente em torno da valorização do “homem
negro” e, por conseguinte, em torno da reavaliação das propriedades rácicas/características
somáticas) que são também práticas de questionamento dos processos de dominação colonial e
que, progressivamente, se materializam, sobretudo nos finais da década de cinquenta, no grupo
político. A década de cinquenta assinala, em nosso entender, a passagem de uma cultura de
contestação do arbitrário colonial para uma cultura de reivindicação territorial como projecto
político10.
A década de sessenta é assinalada pelo início da luta armada por parte de duas
organizações nacionalistas (MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola e UPA União das Populações de Angola), cujas relações são estruturantes de uma configuração bipolar
no espaço nacionalista angolano. Esta década caracteriza-se, sobretudo, por um duplo conflito: o
que opõe colonizadores e colonizados e o que opõe a FNLA - Frente Nacional de Libertação de
Angola (frente constituída, a partir de 1962, pela UPA e PDA - Partido Democrático de Angola)
e o MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola11. E, como veremos mais adiante, se
traduz também por uma luta de classificação/estigmatização, com recurso às propriedades
rácicas/características somáticas.
Assiste-se nessa mesma década, coincidindo com o desencadear da luta armada, ao
reforço da ideologia luso-tropicalista, e, no plano jurídico, à abolição, durante a vigência do
então Ministro do Ultramar Adriano Moreira, do Estatuto dos Indígenas Portugueses das
Províncias de Angola, Guiné e Moçambique12.
É ainda na década de sessenta que se podem vislumbrar significativas mudanças
económicas e sociais no espaço colonial: desenvolvimento do capitalismo de iniciativa estatal,
reforço do povoamento branco, investimento em infra-estruturas, industrialização e urbanização
aceleradas, alargamento do ensino às populações africanas, explosão demográfica, crescimento
dos afluxos de capitais e, provavelmente, surgimento de uma incipiente burguesia africana.
10
Podemos assinalar algumas organizações políticas. PCA - Partido Comunista de Angola, MIA - Movimento para a
Independência de Angola e UPA - União das Populações de Angola. Esta última surge menos ligada ao grupo
cultural da ANANGOLA ou à Revista Mensagem.
11
Reis (2002).
12
Decreto-lei nº 43893, de 6 de Setembro de 1961. Léonard em Bethencourt e Chaudhuri (2000: 48).
4
Já no final desta década, emerge no espaço nacionalista angolano uma terceira força
política, a UNITA - União Nacional Para Independência Total de Angola, criada e liderada por
um ex-dirigente da FNLA, Jonas Malheiro Savimbi.
A década de setenta tem um momento marcante, a proclamação no dia 11 de Novembro
de1975, da independência de Angola num contexto de guerra civil que envolve as três principais
organizações nacionalistas angolanas. Uma das consequências desta conflitualidade seria o início
do declínio político-militar da FNLA e a afirmação da UNITA como principal organização
político-militar rival do MPLA, o qual iria assumir o controlo do novo Estado independente.
A década de oitenta é, por sua vez, marcada pelo envolvimento, cada vez maior, das
potências mundiais e regionais no conflito político-militar angolano. Referimo-nos ao papel
desempenhado pelos EUA, URSS, Cuba e África do Sul no conflito militar que opunha o MPLA
e a UNITA.
A década de noventa caracteriza-se pelo processo de abertura política e de
institucionalização do multipartidarismo em Angola, num contexto internacional de
desmoronamento da URSS, e do fim dos regimes ditos socialistas que vigoravam na Europa
Central e do Leste. O que não impediu, contudo, que em Angola se vivesse um estado de
permanente tensão entre a guerra e a paz. Mas a década de noventa adquire um especial
significado para nós. Tal deve-se ao facto de em 1996 ter sido promulgado a Lei do Bilhete de
Identidade, o qual inclui a raça como um dos elementos de identificação.
Assim, duas décadas após a independência, foi publicado no Diário da República, a lei
nº 17/1996 de 8 de Novembro que regulamenta as indicações a aparecer no Bilhete de
Identidade. No artigo 4º desta lei, podemos ler quais os elementos de identificação do titular que
são exigidos: nome completo, filiação, residência, naturalidade, profissão, altura, sexo, raça,
estado civil, impressão digital, data de nascimento e fotografia13.
Mas este simples reparo remete, em certa medida, para uma última, mas não menos
importante, justificação da nossa escolha: a constatação de uma certa frequência na (re)utilização
de uma classificação assente num ultrapassado e controverso conceito: o de raça.
O que nos leva, na perscruta das razões desta prática classificatória, a formular duas
questões. Uma respeitante à prática política e outra, embora relacionada com aquela, no âmbito
das relações entre conhecimento científico e reflexividade social.
13
As categorias identificadoras são raça negra, raça branca e raça mista.
5
A primeira consiste na seguinte interrogação: a que se deve esta regularidade, na
utilização por parte dos nacionalistas angolanos de um sistema de classificação assente na noção
de raça que servira, juntamente com outras classificações produzidas ao longo do período
colonial, para identificar, delimitar, controlar e até excluir grupos?
A segunda questão reporta-se, não só a um provável mau uso da noção de raça mas, ao
próprio conceito em si: como foi possível introduzir o elemento identificador racial no Bilhete de
Identidade, numa época em que o conceito de raça fora cientificamente abolido?
Esta segunda questão reenvia para um contexto de “imperialismo universal”14. O da
produção discursiva europeia/ocidental sobre a raça. Torna-se portanto necessário caracterizar,
ainda que de modo sucinto, a construção do conceito de raça enquanto elemento de
classificações políticas, e factor explicativo de certas propostas científicas.
Grosso modo, os séculos XVIII e XIX caracterizaram-se por uma divisão dos homens
em raças, cujos critérios advêm do corpo (cor da pele, textura do cabelo, formato do rosto,
dentes, olhos, crânios) dando fundamento às teorias que postulam a existência na comunidade
humana, de estádios civilizacionais, culturais, psicológicos e morais diferenciados15. Podemos
assim, considerar que as explicações acerca da diversidade humana assentaram, entre outros, nos
seguintes pressupostos16:
• existência real de raças humanas constatáveis a partir dos caracteres físicos
imediatamente observáveis.
• “coincidência”, realçada pela biologia, desses caracteres com características morais
ou culturais.
• hierarquização dos grupos classificados com base em valores universais oriundos da
Europa (eurocentrismo).
14
Bourdieu (2001: 87).
Até ao século XVI a expressão raça tinha como referente significados prévios associados quer à pecuária quer à
linhagem e a ideia de pertença a uma linhagem, a uma linha de descendência que se estende muitas vezes a todo um
grupo social hegemónico (raça nobre, etc.). A partir do século XVI, o horizonte semântico da noção raça alarga-se.
E, se até então servira para definir um grupo restrito que se autodenominava como tal, o termo raça vai adquirindo o
estatuto de conceito à medida que se constrói uma tipologia de povos e culturas estranhas ao mundo europeu e
cristão. Fredricksson (2004:48-49). Todavia a palavra raça só adquire expressão científica com as ciências naturais,
na classificação dos seres vivos, com a noção de espécie e suas variedades. Sacarrão (1989: 150).
16
Marques (1995: 42).
15
6
Ao físico François Bernier17 (1684) é atribuída a primeira tentativa de classificação das
raças da humanidade, dividindo as populações mundiais em grupos que denominou por raças:
Europeus, do Extremo Oriente, Pretos e Lapões18.
Lineu19 caracterizou o homem europeu (branco) como vivo, claro, inventivo e
governado por leis; o homem americano (vermelho) como tenaz, alegre, colérico e governado
pelo hábito; o homem asiático (amarelo) como austero, avaro, altivo e governado por opiniões; o
homem africano (negro) como indolente, fleumático e governado pelo capricho.
Autores como Buffon20 e Blumenbach21 servem-se do conceito de raça para elaborar
uma tipologia dos grupos humanos.
O primeiro atribui graus variáveis de inferioridade aos grupos não europeus. Este autor
apresentou uma classificação das diferentes raças humanas; segundo ele existiam as raças
Lapónica, Tartárica, Sul-asiática, Europeia, Etiópica e Americana22. No seu entender: “as
23
diferenças de cor, de estatura, etc., são devido ao ambiente e que, fixando-se, são perpetuadas nas gerações”
.
Blumenbach considera que para além de critérios classificatórios como a religião, os
costumes e a personalidade, a cor da pele permanece o principal diferenciador das populações.
Assim, regista cinco raças humanas: caucasiana, mongólica, etíope, americana e malaia; sendo a
caucasiana a mais bela, a mais nobre e a mais antiga das raças24.
Outro cientista, Cuvier25, entende que a proporção e a feição física “mais bela” da raça
branca coincide com a superioridade do “génio” e do gosto da mesma raça e com o facto de ela
já ter subjugado grande parte do globo: “Não foi por acaso que os caucasianos ganharam
17
François Bernier (1625-1688), Viajante, antropólogo e médico francês. A sua obra Nouvelle division de la terre
par les differentes especes our races quil’ habitent publicada em 1684 é considerada a primeira classificação
moderna das raças humanas Encyclopaedia Universalis AD a Dieu (1990:400).
18
Cunha (1997: 51-52); Sacarrão (1989: 114-115).
19
Naturalista sueco (1707-1778). Autor do livro Systema naturae per regna tria naturae (1735). Sacarrão (1989:
115-116); Encyclopaedia Universalis corpus 13 (1992:863-864).
20
Naturalista francês (1707-1788) que teve a intuição da evolução das espécies e da transformação do universo.
Autor da obra Histoire naturelle, générale et particulière, em 36 volumes (1749-67 e 1774-89) Encyclopaedia
Universalis corpus 4 (1993:632-633).
21
Naturalista e médico alemão (1752-1840). Classificou a raças segundo o critério da cor da pele na sua obra De
generis humani varietate nativa liber(1776). Dictionary of Scientific biography Vol. 1 (1980: 203-204).
22
Sacarrão (1989: 116).
23
Sacarrão (1989: 116).
24
Reis (2002: 8). Um dos critérios de classificação racial, utilizada por este cientista, foi a craneometria: Cunha
(1997: 52)
25
Zoólogo e palentologista francês (1769-1832). Escreveu Discours sur les revolutions de la surface du globe
(1815). Encyclopaedia Universalis corpus 6 (1993:977-979).
7
domínio sobre o mundo e operaram o mais rápido progresso nas ciências.”
26
. Este cientista
apreendia as raças como hierarquia, obviamente, com os brancos no topo e os negros na base. O
mesmo considerava que as diferenças de cultura e de qualidade mental eram produzidas pelas
diferenças físicas.27
Por fim, um último exemplo, Artur Gobineau28 entende que a força de uma raça está na
sua capacidade de absorver outras raças ou outros povos, tendo como fatal consequência a
degenerescência das suas capacidades hereditárias provocadas pela mistura e mestiçagem.29 Este
processo explicaria a morte das civilizações desaparecidas, ao mesmo tempo que anunciaria a
decadência geral da humanidade. “A preocupação do Gobineau centra-se na degeneração.
Celebra o vigor da raça dos senhores e afirma que “o antagonismo irreconciliável entre as
diversas raças e culturas encontra-se claramente estabelecido pela história”30; apesar de tudo,
para evitar desaparecer nas massas que governa “a família branca necessita de acrescentar ao
poder do seu génio e coragem uma certa garantia do número31 e, consequentemente, perde parte
da sua potência, salvo se reforçada com migrações posteriores de outras populações arianas”32.
Todavia predominava, no século XIX, uma concepção fixista das espécies, a saber das
raças, pois, ignorava-se ainda os mecanismos produtores de modificações ao nível das estruturas
somáticas das populações33.
Esta concepção seria posta em causa pela proposta do modelo evolucionista de Charles
Darwin,34 que tornaram conhecidas as causas que regem a diversidade específica e racial. Com
26
Reis (2002: 8). Acerca de Cuvier ver também Banton (1979: 44-45).
Banton (1979: 45).
28
Arthur Gobineau, diplomata e escritor francês (1816-1882), autor do Essai sur l’inegalité des races humaines
(1853) Banton (1979:53); Encyclopaedia Universalis corpus 10 (1992:547-542).
29
Esta fatalidade civilizacional levou a que Gobineau, diplomata fosse considerado um pioneiro de teorias racistas
tais como a higiene social, etc. Contudo, segundo Banton (1979: 53): “Este autor precisa de ser estudado porque tem
sido, a maior parte das vezes, apresentado como poço envenenado donde brotou toda a teorização racista posterior,
sem que se tenha prestado atenção aos seus antecedentes no pensamento do século XIX.”
30
Gobineau (1853:181), cit. por Banton (1979: 55).
31
Gobineau (1853:393), cit. por Banton (1979: 55).
32
Banton (1979: 55) Encontramos aqui um pensamento que se aproxima das ideias poligenistas. Com efeito, Esta
construção do Outro que considera o nós como a medida dos outros, não era, contudo, consensual, como atestam os
conflitos entre o dogma cristão da monogénese, (descendência unilinear que parte de Adão e Eva) e da poligénese
ligada à diversidade das raças humanas e que postulava origens ou criações separadas das mesmas. Marques (1995:
41). Ver também Sacarrão (1989: 165).
33
Pereira (2001: 32-33).
34
Charles Darwin (1809-1882), naturalista britânico propôs uma teoria segundo a qual os organismos vivos evoluem
gradualmente através da selecção natural. O seu livro On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or
the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life). Foi publicado em 1859. Dictionary of Scientific
biography Vol. 3 (1981: 565-576).
27
8
efeito, grosso modo, Darwin considerava que a evolução das espécies vivas se processava pela
selecção natural dos mais aptos, sendo úteis, neste processo, as variações apresentadas por certos
indivíduos na medida em que elas lhe conferem vantagem na luta pela sobrevivência35.
Um dos efeitos perversos da teoria da selecção natural é possibilitar uma leitura política
ao aplicar-se ao estudo das sociedades humanas o princípio de sobrevivência dos mais aptos
(darwinismo social). Efeito perverso que seria complementado pela “contribuição da genética
que iria fundamentar a análise das populações apoiando-se, não nos caracteres físicos, mas sim
nos caracteres transmissíveis pela hereditariedade”36. Torna-se assim, possível, a emergência de
doutrinas que apelam para um racismo científico37.
Tal como afirma um autor: “Na viragem do século XX, o conceito de raça está
plenamente difundido por todos os campos do saber e do agir. (...) Será necessário chegar a 1945
para a humanidade se interrogar global e simultaneamente sobre a validade explicativa de um
conceito e sobre a sua aplicação política”38.
É a partir da circulação destas ideias que tipificam, em certa medida, um processo de
racialização do mundo que se pode abordar em Angola, a questão das classificações “raciais” 39.
Classificações indissociáveis, “Do lado mais sombrio do Iluminismo, que via no signo africano algo único, e
até mesmo indestrutível, que o separava de todos os outros signos humanos. A melhor testemunha desta
especificidade era o corpo negro, que supostamente não continha nenhuma forma de consciência, nem tinha
nenhuma das características da razão ou da beleza. Consequentemente, ele não poderia ser considerado um corpo
composto de carne como o meu, porque pertenceria unicamente à ordem da extensão material e do objecto
condenado à morte e à destruição. A centralidade do corpo no cálculo da sujeição política explica a importância
dada, ao longo do século XIX, pelas teorias da regeneração física, moral e política dos negros e, mais tarde, dos
35
Gaspar (2007: 64).
Convém salientar que: “As inúmeras classificações das raças sempre passaram pelo estabelecimento de uma
tipologia comportamental para cada raça e que supostamente as diferenciaria entre si. Tais diferenças seriam tão
biologicamente profundas quanto a variação da pigmentação da pele”. Mota. (1997: 34) e Sacarrão (1989: 150-151).
37
Tal como o eugenismo, que sustenta a melhoria do património genético das espécies vivas, advoga o impedimento
da procriação de indivíduos inadaptados ou daqueles em que se acredita serem portadores de genes nefastos,
encorajando o cruzamento entre indivíduos mais dotados. Mais tarde o discurso pseudo-científico sobre a higiene
social acompanhará a ascensão do nazismo na Alemanha e legitimará a eliminação de todo o ser considerado
inferior. Marques (1995: 45).
38
Marques (1995: 45).
39
Segundo Banton (1979: 30) “Havia um processo social, que poderia ser denominado racialização, pelo qual se
desenvolveu um modo de categorização, aplicado com hesitação nos trabalhos históricos europeus, e depois mais
confiadamente, às populações do mundo”. Segundo Cabecinha (2002: 61) citando (Miles,1989/1995): “O termo
‘racialização’ começou a ser utilizado a partir da década de setenta para fazer referência a um processo político e
ideológico pelo qual determinadas populações são identificadas mediante referência directa ou indirecta às suas
características fenotípicas, isto é, este termo refere-se à utilização da ideia de ‘raça’ enquanto estruturador da
percepção de determinada população”.
36
9
40
judeus”
. Não se pode portanto conceber a construção do espaço colonial em Angola descurando
um conceito de raça que fundamentou uma relação de dominação que partia do pressuposto de
que o branco europeu era superior ao negro africano.
O presente trabalho organiza-se em torno de sete capítulos divididos em duas partes. A
primeira trata de questões de ordem teórica e metodológica que orientam o nosso trabalho, e a
segunda parte remete para o que constitui a sua dimensão propriamente substantiva.
Na primeira parte, abordamos um conjunto de questões relativas à construção do
objecto de investigação e a estratégia metodológica seguida (Capítulo I). Inserimos ainda, nesta
parte, alguns fragmentos historiográficos que concorrem para a compreensão da construção do
espaço colonial em Angola. (Capítulo II)
A segunda parte trata das questões substantivas da nossa tese, articulando e
problematizando uma relação entre contextos de crise, dinâmicas do campo político angolano e
propriedades rácicas/características somáticas nomeadamente no respeitante à utilização destas
últimas como classificação política.
Começámos por apresentar (Capitulo III, 1945 -1963) um conjunto de factores políticos
e ideológicos, de ordem externa e interna, que do nosso ponto de vista concorrem para a
compreensão da formação e dinâmica do espaço nacionalista angolano, a saber, guerra-fria, panafricanismo, não-alinhamento e criação da OUA -Organização de Unidade Africana. Sendo os de
ordem interna, a política colonial e a caracterização do espaço social colonial.
No capítulo IV (1956-1960) abordamos uma das questões nucleares da nossa
dissertação: a reavaliação das propriedades rácicas/características somáticas. Neste período
denominado de fase panfletária, adquire grande importância, na política de contestação anticolonial, o panfleto como instrumento de enunciação.
O capítulo V (1960-1964) é constituído por dois pontos principais: o percurso de
legitimidade da UPA/FNLA e o percurso de legitimidade do MPLA. Veremos igualmente como
40
Mbembe (2001: 179) http://www.scielo.br/pdf/eaa/v23n1/a07v23n1.pdf. Convem recordar que: “A cor da pele era
nos séculos XVII e XVIII, o carácter mais significativo e por vezes exclusivo. Aliás, as apreciações sobre o negro
africano foram sempre mais depreciativas e aviltantes do que os emitidos relativamente à generalidade dos outros
povos não brancos, o que não deixa (em parte) talvez de representar como que uma justificação para a escravidão
maciça de que foi alvo, e um fenómeno também de demarcação em relação em relação a cor da pele do Branco, sinal
associado ao preconceito da superioridade racial.” Sacarrão (1989: 119).
10
o percurso de legitimação destas duas organizações é pontuado por sucessivas crises41. São crises
que remetem não só para práticas políticas mas, também para lutas de classificação em torno das
propriedades rácicas/características somáticas. Mas este período tem a particularidade de
assinalar um irreversível processo de configuração e estruturação do campo político angolano
O capítulo VI (1966-1975) assinala a emergência de uma terceira força político-militar.
A UNITA- União Nacional para a Independência Total de Angola. Este capítulo abrange três
pontos principais: o percurso de legitimidade de cada uma dos três movimentos nacionalistas
armados; o regresso da questão racial no seio do MPLA num quadro de imobilismo político e
militar; e a apropriação, num quadro de transição para a independência, pelas três organizações
armadas nacionalistas da questão racial, nomeadamente no que respeita à utilização da categoria
branco.
O capítulo VII (1975-1996) engloba quatro pontos principais. Sendo que os dois
primeiros abrangem um sub período que se estende de 1975 até sensivelmente 1991.
No primeiro ponto apresentamos uma caracterização do percurso do MPLA desde a
proclamação da independência até à sua consolidação como partido/Estado.
No segundo ponto, daremos saliência ao processo de consolidação, como força políticomilitar, da UNITA no campo político angolano.
Os terceiro e quarto pontos abrangem um sub período que vai de 1991 até 1996. No
terceiro ponto é dado enfoque à nova divisão do trabalho político como consequência da
introdução de um novo regime político assente no sistema multipartidário.
No último ponto, tentamos descortinar as razões que concorrem para aprovação da
denominada Lei do Bilhete de Identidade. Lei que tem a particularidade de incluir, como
elemento de identificação do titular do Bilhete de Identidade, categorias raciais como negro,
misto e branco.
Por fim não poderíamos deixar de inserir neste trabalho um anexo constituído por dois
corpus heurísticos fundamentais. Uma cronologia, dividida por capítulos que tem o seu início no
capítulo IV e que se estende até ao capítulo VII. Sendo que a mesma tem a particularidade de
sublinhar em itálico os momentos de utilização de categorias raciais. E, um corpus documental
ordenado de forma diacrónica, de modo a reforçar a compreensão do nosso trabalho. Optamos
41
Convém sublinhar que não é somente pelo facto de cada uma das organizações ser um espaço de crise que o
campo nacionalista se torna um espaço de crise, mas, é também devido à relação conflito/competição entre as duas
organizações na luta pela hegemonia do mesmo espaço.
11
por escolher os documentos “mais representativos” dos capítulos abordados. Os documentos são
provenientes não só do nosso arquivo pessoal mas de trabalhos realizados por outros
pesquisadores.
Reconhecendo uma certa arbitrariedade na escolha da documentação e na elaboração da
cronologia procurou-se não fugir ao controlo heurístico pois, esse trabalho, apesar dos seus
limites, é também um exercício de objectivação.
12
PRIMEIRA PARTE – PROBLEMÁTICA. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
E METODOLÓGICO. ESBOÇO HISTORIOGRÁFICO
13
14
Capítulo I. Problema, construção do objecto de investigação e estratégia
metodológica
1. Do problema à pergunta de partida
As classificações constituem conjuntos tendencialmente coerentes entre si, com lógicas
internas de organização e de desenvolvimento,42 pois, a prática de classificar implica a produção
de categorias (categorização). Ou seja, visa-se o carácter orgânico arrumado destes quadros
mentais43.
No entanto, classificar obedece sempre a um arbitrário artificial. Trata-se de um
artificialismo que pretende impor uma certa ordem no que concerne a variabilidade dos seres
vivos. “A realidade não comporta as unidades e categorias que o classificador inventa. Classificar é uma exigência
44
da mente, em parte inata, em parte (considerável) resultante da educação”
. Classificar é portanto um acto
social que se liga às nossas estruturas mentais. Daí a pertinência do estudo das condições sociais
de produção das classificações45.
Segundo um outro autor: “logo que se observa um conjunto complexo como o dos homens, sente-se
a necessidade de proceder a classificações e reagrupamentos e de incluir na mesma categoria os indivíduos que
46
parecem mais semelhantes
… Indo mais longe, pensar o mundo, as coisas, implica organizar, classificar, quer
sejam animais plantas etc”
Acontece, contudo, que quando se trata de classificar seres humanos, a classificação
objectiva, como instrumento de ordenação da realidade torna-se subjectiva porque a finalidade
não consiste em aperfeiçoar métodos de classificação de indivíduos que permitam eventualmente
definir grupos relativamente homogéneos. Ou seja, o acto de ordenar e organizar os seres
humanos assente em critérios de semelhança e diferença, tem por finalidade comparar, atribuir
um valor, estabelecer uma hierarquia e, de preferência, excluir47.
42
Hespanha (2003: 824).
Hespanha (2003: 824).
44
Sacarrão (1989: 111).
45
Entrevista concedida pela socióloga Maria do Céu Carmo Reis em 09/2008. A problemática das classificações, e a
sua importância para o estudo da sociedade angolana, foi constantemente enfatizada por esta socióloga. A opção por
esta perspectiva é devedora das inúmeras conversas que tivemos com a mesma.
46
Jacquard (1989: 73).
47
Jacquard (1989: 74). Será este o sentido que daremos quando nos estivermos a referir ao arbitrário classificatório.
43
15
Podemos assim considerar que a dominação colonial portuguesa não se furtou à
produção de um conjunto de classificações que, embora ocultando estratégias muitas vezes
contraditórias, assentaram igualmente na hierarquização e na exclusão.
Com efeito o pensamento europeu dos séculos XVIII e XIX influenciou o modo de
definir os negros por parte dos portugueses. Tal como nos outros países da Europa, a definição
dos negros partia do pressuposto de que eram inferiores, correspondendo o negro africano ao
último degrau das três fases do progresso da humanidade, ou seja, civilização para os brancos,
barbárie para os amarelos e selvajaria para os negros. Tal Não impediu, contudo, a emergência
de uma nova categoria racial: o pardo ou mestiço, produto da miscigenação biológica entre o
europeu e o africano: “Nos primórdios da ocupação e colonização portuguesa em Angola, o cruzamento das
48
raças branca e negra foi algo que, se não incrementado, também não foi, politicamente travado
acidental, a mestiçagem torna-se fenómeno usual e acessório necessário da colonização”
49
. Inevitável, mas
. Todavia isso não
impediu que a consciência de raça, presente desde os primeiros contactos com os portugueses, se
traduzisse, numa prática classificatória que dividia as populações segundo a cor da pele50.
Apresentamos um breve esboço classificatório, na diacronia, que exemplifica, em certa medida,
um longo processo de “invenção das populações”51.
Em 1754 o rei de Portugal D. José, através do Conselho Ultramarino decidira reforçar a
proibição, de entrada no sertão daqueles que estavam a criar instabilidade no negócio de
escravos. Estes foram classificados do seguinte modo: “brancos”, “mulatos” e “pretos
calçados”52.
O governador D. António de Lencastre, (1772-1779) nos mapas de população de
Luanda que enviou à coroa, apresentou uma divisão da população dos três grupos somáticos em
cinco classes53:
Primeira classe: “Do número de Homens Brancos estabelecidos, ou assistentes na cidade de São Paulo
da Assumpção e nos mais Portos de Mar de Reino de Angola”.
48
Vera Cruz (2005: 121).
Vera Cruz (2005: 121), citando José Gonçalo de Santa Rita.
50
Dias (1998: 350-351).
51
Le Brás (2000).
52
Exposição e catálogo do Arquivo Histórico Nacional. “A evolução das fronteiras de Angola” (1997: 28). Note-se
que a há uma divisão estatutária no seio dos classificados de negros. Num texto de 1773 é possível vislumbrar o
seguinte registo da população: “pessoas brancas”, “pessoas pardas”, “pessoas pretas livres”. Mourão (2006: 51).
53
Couto (1972:110), (Arquivo Histórico Ultramarino - Angola, Cod. 472, 1757-1791). Citado Por Mourão
(2006:51).
49
16
Segunda Classe. “Do número dos Homens Pardos Livres, residentes nos mesmos lugares”.
Terceira Classe. “Do número dos Negros também livres e residentes nos mesmos lugares”.
Quarta Classe. “Do número dos Homens Pardos escravos, que assistem com os seus Senhores, nos
mesmos lugares”.
Quinta Classe. “Do número dos Negros também escravos, que da mesma sorte assistirem com os seus
54
senhores”
.
No ano de 1778, durante a vigência do mesmo governador, encontramos uma forma
curiosa de catalogação social: “filhos de pais brancos, filhos de pardos forros, filhos de pardos
escravos, filhos de pretos forros, filhos de pretos escravos”. Trata-se de um classificação que
apresenta uma distinção social em torno de dois grupos: os “forros” ou “livres” e os “escravos”,
que tanto podiam ser mestiços como negros55.
Mas outros critérios foram sendo introduzidos. Assim, e provavelmente em finais do
século XVIII, um autor apresentou uma divisão da população: “em três castas diferentes, huma de
Europeus, outra de Indígenas e a terceira formada da mistura das duas, primária, ou sucessiva: designadas pois estas
castas pela apparência, podem chamar-se branca, negra, parda ou fusca». Sendo que: a primeira consta da maior
parte dos Empregados públicos, civis e militares, de alguns negociantes, de que o Capitam General costumava levar
da ilha dos Açores, e de degredados que servem para recrutar a tropa e para outros empregos de que se tornarão
56
dignos por sua aptidão e comportamento”
.
Num mapa estatístico de 1866, encontramos a seguinte designação: “filhos do país”,
“naturais do reino e ilhas adjacentes”, “naturais das colónias portuguesas”. Para Mourão, emerge uma distinção que,
entre “filhos do país” e “naturais do reino e ilhas adjacentes”, remete para uma certa visão autonomista, pelo menos
57
ao nível cultural”
.
É possível vislumbrar, num mapa da população de 1897, os termos “europeus” e
“africanos”58. No levantamento estatístico de 1923 encontramos as designações “brancos”,
“mistos” e “pretos”59.
54
Mourão (2006: 51). Para este autor, a relação raça/classe teve sempre importância nos vários contextos históricos;
importância que se materializava em critérios de classificação.
55
Mourão (2006: 51). O mesmo considera que: “a condição de «livre» ou escravo dependia essencialmente do
nascimento. Usualmente, os filhos de pais incógnitos, sendo as mães escravas, ou de condição social muito pobre
eram, em geral, considerados escravos”. Mourão (2006: 50).
56
Mourão (2006: 51), citando Torres, (1825:331).
57
Este mapa aparece publicado no Boletim Oficial da Colónia, nº 7, 1867. Ver Mourão (2006:51). E, convém
recordar que segundo Jill Dias, ser filho do país era sinónimo de pardo ou mulato. Dias (1998: 349). Eis um
pequeno indicador de uma luta de classificações protagonizada por quem classifica classificações.
58
Após 1897, começam a surgir os primeiros Anuários Estatísticos. Sendo que, em 1900 institui-se a
obrigatoriedade dos levantamentos decenais. Porem, os dados ainda não são consistentes. A título de exemplo o
17
No Anuário Estatístico de Angola referente ao ano de 1934, a “população civilizada” é
dividida do seguinte modo: “euro-africanos” (nacionais e estrangeiros)», “europeus” (nacionais e
estrangeiros)”, “população mista” e “assimilados”. Mourão considera que “o tratamento da
população branca” baseado na distinção entre “euro-africanos (nacionais e estrangeiros)” e
“europeus (nacionais e estrangeiros)” patente no censo de 1934 é extremamente significativo60.
O significado de euro-africanos filhos de país não é unânime. Certos autores
consideram a taxinomia euro-africano como sinónimo de mestiço, cabendo nela os cabritos
(mistura de branco e mulato), os mulatos (mistura de branco e de negro) e os cafusos (mistura de
mulato com negro)61. Encontramos, na tabela referente ao ano de 1934, a designação euroafricano que tem o sentido, segundo um autor de filhos do país, ou seja brancos nascidos na
colónia62.
O que significa que a designação euro-africano é, para Mourão, uma caracterização
mais social do que racial, pois engloba brancos e, provavelmente, “já não tão brancos”, e
mestiços: “A designação é ambígua: ora leva a crer que se trata de um grupo de «europeus», de “brancos” já
nascidos na colónia, “filhos do país”, “naturais da província”; ora de um grupo que também abrange os “mestiços”
de boa posição social. Acreditamos que ocorra esta última hipótese. A caracterização engloba duas variáveis: a
racial e a social. Este tratamento dado à população “branca” (com exclusão dos não nascidos na colónia), aos
“mestiços” com boa posição social e alguns “negros” igualmente com boa posição social revela significativa
63
apropriação do espaço “angolano”, dando-se importância ao critério do jus solis”
.
levantamento decenal de 1900, apresenta graves problemas praticamente metade da população mestiça não está
registada. Em relação à população negra os dados assinalam 963.592 indivíduos, e que num mapa posterior a cifra é
de 2.700.000 e, num outro quadro (o de 1935) a cifra passa a 4.777.636. Os censos de 1934 e 1940 são aqueles que
apresentam os dados mais consistentes. Mourão (2006:50-51).
59
Mourão (2006: 51). Note se que a taxinomia misto iria constar no Bilhete de Identidade angolano a partir de 1996,
como categoria racial.
60
A partir de 1940, são, os termos branco, mestiço e preto os mais usuais. O que segundo Mourão (2006: 52), tem
profundo significado político de natureza nacionalista, ou, pelo menos regionalista. O mesmo acrescenta que de
ponto vista racial as distinções variam contrapondo europeus», euro-africanos e africanos. Segundo o mesmo autor
o termo europeu é substituído pela designação branco, que por sua vez se contrapõe ao mestiço, anteriormente
designado por pardo ou fusco.
61
Mourão, (2006: 52) cit. Venâncio (1984: 78)
62
Ver tabela apresentada por Mourão (2006: 48), Mourão, apela para Lemos (1969: 196), que afirma: “embora
muito longe de sua passada grandeza, este núcleo euro-africano do norte angolense, com mais de dois séculos de
permanência continua ainda hoje, pelo número, pelas posições que ocupa e pela influência social que exerce. Com
as sobreposições dos elementos novos do século XX, esta colônia de naturais da província contava em 1940 com
vários efectivos”. Mourão (2006: 52-53), citando Lemos (1969: 196).
63
Mourão (2006: 53).
18
Mourão considera que: “O entrecruzar de elementos sociais e raciais resulta em leituras mais ou
menos ambíguas e determina a necessidade de se aprofundar, em termos de processo a relação entre classe e raça”
64
.
Desta panóplia de classificações, serão as categorias estatutárias e raciais como
indígena, assimilado, que se vão impondo como sistema classificatório, à medida que se
intensifica a consolidação do Estado colonial em Angola65. E, que, frequentemente produzirão
dicotomias, como indígena/não indígena; indígena/assimilado, indígena/cidadão. Mas esta
construção dicotómica deve-se em certa medida a um contexto particular que possibilitou a
criação da figura do indígena.
A abolição da escravatura, além de estimular o comércio clandestino de escravos abrira
uma profunda crise de recrutamento e de utilização de força de trabalho. Acresce ainda que na
sociedade portuguesa pairava uma profunda perturbação que se devia tanto aos interesses das
potências europeias pelos domínios portugueses bem como às dificuldades impostas pelas
populações africanas, que resistiam à ocupação dos seus territórios66. Contudo, este quadro de
perturbação política e militar não impede a continuidade dos projectos de exploração das
colónias. Projectos que assentam na obtenção de força de trabalho com um mínimo de custo de
modo a permitir uma produção abundante, barata e lucrativa67. Com efeito: “A partir da década de
90, à medida que as teses do darwinismo social penetravam no pensamento colonial europeu, os coloniais
portugueses redefiniram as bases da «política indígena» segundo padrões de realismo político, ao mesmo tempo que
a legislação assegurava o predomínio das novas concepções, reforçando a distinção legal entre «civilizados» e
«indígenas». Enquanto os primeiros se encontravam integrados ainda que teoricamente, no tecido social português,
os segundos deviam ser conquistados, desarmados, taxados e forçados a trabalho assalariado, sob administração
64
Mourão (2006: 54) O mesmo considera “mestiço” uma categoria racial e social, a categoria “euro-africano”, social
e a categoria “filhos do país” como política. Que nome se dá a este grupo, segundo as épocas? Filhos do país,
crioulos, mistos, assimilados, afros portugueses, euro-africanos; brancos” nascidos em Angola? Torna-se portanto,
necessário criar uma ciência das classificações, talvez uma classificologia/classificografia O que passa em certa
medida, por classificar quem classifica.
65
As categorias, branco, negro e mestiço permanecem, sobretudo como categorias de foro estatístico e como
categorias práticas sem contudo perderem a sua função hierárquica como veremos mais adiante. Aliás serão aquelas
que irão permanecer até aos nossos dias.
66
Henriques (2002: 83).
67
Henriques (2002: 83). É também neste contexto que emerge a categoria rácico-profissional do liberto, antigo
escravo a quem fora concedida a liberdade na condição de trabalhar dez anos ao serviço dos antigos senhores. Cunha
(1953:17). Era portanto uma medida destinada a minorar os efeitos do fim da escravidão. Criam-se categorias em
função das necessidades. Escravo, liberto ou serviçal e por fim indígena. Ver Almada (1932: 40); Cunha (1953: 17).
Todavia a emergência da categoria indígena também deve-se também: “A necessidade de impor o imposto indígena
(1906), à obrigatoriedade do plantio de certas culturas, como a do algodão (1907), ao Código do Trabalho Indígena
(1928), ao Estatuto Indígena, ao Estatuto Rural (1962): tudo isso manteve até tardiamente a distinção entre
população civilizada e população indígena; cidadão versus indígena. Mourão 2006: 53).
19
68
severa e paternal”
. Por conseguinte, torna-se necessária uma reavaliação da representação do
69
africano .
No entanto tal reavaliação mantém o mesmo pressuposto que outrora fundamentava a
condição de escravo: a ideia de inferioridade do negro. Graças a esse pressuposto, torna-se
possível fundamentar a ideologia da “missão civilizadora” que por sua vez iria legitimar uma
outra ideologia: a do trabalho como acto civilizacional do negro70. A partir daqui cria-se um
conjunto de categorias de foro jurídico que darão corpo ao processo de metamorfização do
escravo africano – passando pela figura do serviçal – em trabalhador indígena71. A
institucionalização jurídica da categoria indígena, vai assim possibilitar a continuação de uma
prática classificatória que complementa a imposição de valores de dominação colonial
fundamentando e legitimando, desse modo, uma estrutural diferença hierarquizante que remete
para processos, frequentemente violentos, de exclusão72.
Silva Cunha analisa a emergência desta categoria à luz do Direito Criminal e do Direito
do Trabalho. Considera o mesmo que: “Só em 1894 se publicou legislação sobre a matéria». Neste ano, um
Decreto de 20 de Fevereiro permitiu a substituição, relativamente aos indígenas, da pena de prisão pela de trabalho
correccional. (…) Este decreto foi regulamentado posteriormente por outro datado de 20 de Setembro do mesmo
ano. Nos termos do art. 10.º deste diploma deveriam considerar-se indígenas os nascidos no Ultramar, de pai e mãe
indígenas que se não distinguissem pela sua instrução e costumes do comum da sua raça
73
. Porém, tornava-se
74
necessário clarificar a condição de indígena perante o resto da população .
68
Freudenthal (2001: 301).
Henriques (2002:83-84).
70
Henriques (2002: 94).
71
Nesse caso, podemos afirmar que a criação do indígena assenta nos seguintes pilares: na ideia de raça concebida
ao longo século XIX pelos europeus, nomeadamente no quadro do desenvolvimento da antropologia científica que
acentua os fundamentos da inferiorização do outro; na ideologia do trabalho como forma de disciplinar os africanos;
na necessidade de colmatar os constrangimentos provocados pela abolição do tráfico de escravatura. Ver Henriques
(2002: 83). E também Vera Cruz (2005)
72
Segundo Alexandre, em Barreto e Mónica (1999: 261), no caso português, a legislação liberal consagrava a
cidadania (assimilação uniformizadora) a todos as populações tanto das colónias como da metrópole. O que é
interessante é que os escravos não estavam abrangidos por esta legislação. Mais, segundo o mesmo autor, grande
parte dos nativos estava sujeita a leis de excepção. A ocupação efectiva, juntamente com a abolição do tráfico
negreiro iria contribuir para que a assimilação se tornasse mais fechada. Significa isto que em termos práticos nunca
existiu a assimilação uniformizadora. Foi sempre tendencial.
73
Cunha (1953: 16-17).Ver também Boletim Official Governo-geral da província de Angola Nº45 de 10 de
Novembro de (1894: 630).
74
Para Messiant (2006: 69), com a mudança da doutrina da assimilação uniformizadora para a assimilação
tendencial surge, em 1894, a distinção, assente na instrução e nos costumes, de duas categorias de africanos (ou de
mestiços). Os primeiros são os indígenas e é sobre eles que incide o Regulamento e todos os textos que,
posteriormente, irão definir os direitos e obrigações dos africanos, vivendo segundo os costumes tradicionais. Os
69
20
Para Conceição Neto, a primeira lei que claramente separa os indígenas do resto da
população é a lei laboral de 1899, denominada “Código de Trabalho dos Indígenas”75.
Este código “consagrava a prestação de trabalho como uma obrigação moral e legal do
indígena”.76 E, Neto acrescenta: “a partir daí é necessário definir quem são os indígenas para se poder aplicar
o código de trabalho, só que como não estava muito bem regulamentado dependia em certa medida da boa vontade
das autoridades a definição de quem é indígena ou não é indígena, ou seja, se este último fosse cristão, bem vestido,
77
bem calçado e bem falante da língua portuguesa nunca seria indígena” .
“Foi por não ser clara e explícita a definição de indígena” que, em 1913, o então
governador-geral de Angola Norton de Matos decidiu: “são considerados indígenas os indivíduos dos
dois sexos, de côr, naturais ou residentes na Província que não estejam nas condições do nº2 desta Portaria”,
onde
constava, por sua vez: “não são considerados indígenas «os naturais da província que saibam falar
correctamente o portuguez ou exerçam alguma arte ou profissão liberal ou paguem contribuições e tenham hábitos
78
ou costumes europeus
.
A definição preconizada por Norton de Matos, fez com que se generalizasse ”a
diferenciação entre a elite nativa, cujos elementos durante a República eram cada vez mais designados por
«instruídos» ou «assimilados» e os restantes africanos, conhecidos por «indígenas». Para estes, Norton de Matos
79
criou o Departamento dos Negócios Indígenas”
.
A distinção entre indígena e não indígena seria clarificada com o Decreto de 16.473 de
6 de Fevereiro de 1929 que regulamentava o Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas
onde se podia ler, no Art. 2º: “Para os efeitos do presente Estatuto são considerados indígenas os indivíduos da
segundos são, desde a Lei Orgânica da Administração das Províncias Ultramarinas de 1914, os civilizados, ou então
posteriormente, os assimilados. Contudo, ressalva a autora, que estas duas categorias serão vagamente definidas.
75
Entrevista com a historiadora Conceição Neto em 09/2001.
76
Freudenthal em Serrão e Marques (2001: 302). Ver também Cunha (1953: 18).
77
Entrevista com a historiadora Conceição Neto em Luanda, 09/2001.
78
Portaria Provincial nº 43 de 20 de Janeiro de 1913, publicada no boletim oficial de Angola nº 4, 25 de Janeiro de
1913 (1913:42).
Rodrigues (2003: 24); ver Jornal Eco d’Africa, nº 10 de 1 de Fevereiro do mesmo ano. Convém salientar que ainda
não havia, por parte das autoridades metropolitanas, um consenso para se definir estatuto de indígena. Optara-se
portanto, por deixar “a definição do indígena para a legislação privativa de cada colónia. Muita embora, em 1914,
tivesse havido uma proposta -que não passou disso - que consistia no seguinte: “Considera-se indígena, para os
efeitos desta lei, o indivíduo de cor que não satisfizer cumulativamente às seguintes condições: 1º Falar o português
ou qualquer das suas variedades dialectais ou ainda alguma outra língua culta. 2º Não praticar os usos e costumes
caracterizados do meio indígena. 3º Exercer profissão, comércio ou indústria, ou possuir bens, de que se mantenha.
O indígena que satisfaça, cumulativamente, às condições precedentes será considerado cidadão da República, e
como tal isento de aplicação das leis e outras disposições exclusivamente adoptadas para indígenas, tendo garantido
o pleno uso de todos os direitos civis e políticos concedidos na colónia aos portugueses originários da metrópole.”
Cunha (1953: 33-34).
79
Rodrigues (2003: 24-25) ver também Messiant (1983: 83).
21
raça negra, ou dela descendentes que, pela sua ilustração e costumes, se não distingam do comum daquela raça, e
80
não indígenas, os indivíduos de qualquer raça que não estejam naquelas condições”
.
O Diploma Legislativo nº 237 de 26 de Maio de 1931 referente ao “recenseamento e a
cobrança do imposto indígena” tinha a particularidade de ter introduzido a expressão assimilado
para definir aqueles que não eram indígenas. Constava no seu artigo 1º o seguinte: “Por se distinguir
do comum da raça negra é considerado assimilado aos europeus o indivíduo daquela raça ou dela descendente que
reunir as seguintes condições:
1ª Ter abandonado inteiramente os usos e costumes da raça negra;
2ª Falar, ler e escrever correntemente a língua portuguesa;
3ª Adoptar a monogamia;
4ª Exercer profissão, arte ou ofício compatível com a civilização europeia, ou ter rendimentos por meio
lícitos que sejam suficientes para prover os seus alimentos, compreendendo sustento, habitação e vestuário, para si e
sua família”.
81
Antes de 1954, a passagem do indigenato para a cidadania não é codificada em Angola.
Um certificado ou alvará de assimilação é concedido pelos administradores. Mas como o
procedimento não é regulamentado pela lei, resulta que tudo é feito de forma arbitrária segundo
os critérios pessoais dos funcionários: Esta “anomalia” seria colmatada em 1954 com o Estatuto
dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique82.
Com o decreto-lei n.º 39.666 do Ministério do Ultramar, publicado no Diário do
Governo, 1.ª Série, n.º 110, de 1954 a semântica dicotómica de distinção indígena e não indígena
dá lugar à distinção entre indígena e cidadão: “Art. 2.°, Consideram-se indígenas das referidas Províncias
os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que, tendo nascido ou vivendo habitualmente nelas, não possuam
ainda a ilustração e os hábitos individuais e sociais pressupostos para a integral aplicação do direito público e
privado dos cidadãos portugueses”.
80
Colecção Oficial de legislação portuguesa publicada no ano de 1929 ( 1º semestre), Lisboa, Imprensa Nacional.
“Regulamento do recenseamento e cobrança do imposto indígena” aprovado por Diploma Legislativo nº 237, de
26 de Maio de 1931.Ver também “A questão do Bilhete de Identidade” in Angola Revista mensal de doutrina,
estudo e propaganda instrutiva, Ano XXIX, nº 162, Janeiro/Junho de 1961, pp. 11-15. Mas este diploma tem outra
particularidade. A de relacionar de forma evidente a categoria indígena às categorias pretos e mestiços: “Faz-se
incidir o indígena, como colecta individual, sobre todos os habitantes, pretos ou mestiços da colónia (…)”. Idem
“Regulamento do recenseamento e cobrança do imposto indígena”.
82
Pélissier (1978b: 67). Aliás, no que diz respeito à aquisição da cidadania, a mesma poderia ser revogada por
decisão do juiz de direito da respectiva comarca, mediante justificação promovida pela competente autoridade
administrativa, com intervenção do Ministério Público. Ver o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da
Guiné, Angola e Moçambique. Decreto-Lei nº39.666 do Ministério do Ultramar, publicado no Diário do Governo, 1ª
Série, nº 110, de 1954.
81
22
Segundo uma autora, o sistema legal português era uma combinação (muito pragmática)
de segregação e assimilação, porque distingue duas categorias de não brancos: os indígenas,
maioria que não atingiu o grau de civilizado, e susceptível de atingi-lo desde que tenha
preenchido os requisitos consignados no Estatuto do Indigenato; os assimilados que gozariam do
mesmo estatuto dos brancos, ou seja, o estatuto de civilizado, de não indígena e de cidadão83.
Esboçamos aqui em breve síntese um conjunto de classificações que foram tomando
forma de duas grandes classificações sócio-jurídicas. Uma que classificava segundo as
características somáticas, com relevância para a cor: brancos, negros e mestiços e outra que
distinguia somática e estatutariamente, segundo as épocas, os indígenas e não indígenas;
indígenas e civilizados; indígenas e cidadãos ou até por vezes indígenas e assimilados. Todavia
estas duas grandes classificações, além de partilharem o facto de serem categorias sóciojurídicas, apresentavam um elemento comum. Ambas assentavam na noção de raça. E, ambas
passaram a constituir uma matriz estruturante das relações de dominação que se foram
estabelecendo na sociedade angolana entre colonizadores e colonizados.
Com efeito, julgamos que esta complexa rede de classificações obedeceu, em certa
medida, a políticas de classificação num quadro de dominação colonial e que se traduziram, ao
longo do tempo em “marcas identitárias”, que ainda permanecem até aos nossos dias. Realizaram
e ainda realizam, por isso, a definição e auto definição dos grupos. E, presentemente em Angola,
categorias como negro, branco e mestiço, continuam a serem modos de (re) produção, históricos,
de processos de construção social. E, como tal, sujeitas a adquirir uma significativa importância
nas lutas de classificação; lutas que, por sua vez, remetem para práticas de reavaliação,
hierarquização e até de exclusão84.
Sendo assim, a nossa proposta temática ganha, agora, maior pertinência, pois
possibilitará – quanto a nós – vislumbrar, embora com rupturas, traços de continuidade, entre o
Estado colonial e o Estado angolano, no respeitante à passagem de uma política colonial de
classificações para uma política de classificações nacional.
83
Messiant (1989: 132).
Balibar (1988: 19). Não são apenas as categorias raciais. As categorias etnia e nação, permanecem também como
objecto de lutas de classificação e como tal sujeitas a reavaliações e hierarquizações. Aliás, ao longo da história, raça
etnia e nação frequentemente se sobrepuseram e se entreajudaram na edificação de processos identitários. Balibar
(1988:105).
84
23
1.1 O historiador no seu labirinto
Quando, de início, nos interrogámos sobre as razões da permanência e reaparecimento
institucional e jurídico de categorias assentes em propriedades rácicas/características somáticas,
o número de problemas com que nos confrontámos foi nitidamente superior àqueles que
sabíamos poder tratar no âmbito da nossa pesquisa.
Estamos, assim, perante um conjunto de problemas referentes à prática da investigação
histórica que, por sua vez, se manifestou num conjunto de preocupações respeitante à
exequibilidade do nosso trabalho.
A investigação histórica implica um lugar de produção. É em função desse lugar que se
instauram métodos, que uma topografia de interesses se concretiza, que se organizam processos e
questões a pôr aos documentos. Está por isso, submetida a constrangimentos de vária ordem85.
De entre estes constrangimentos, podemos assinalar os efeitos das múltiplas instâncias de poder
na prática da investigação histórica.
Com efeito: “A história foi sempre fabricada para reforçar um poder, para apoiar uma reivindicação.
Talvez tenha de facto sido para isso que ela serviu em primeiro lugar, a história. O passado foi sempre triturado,
colhido em redes de discursos entrelaçadas para envolver o adversário ou para nos protegermos em combates em
que o que está em jogo é o poder. (…) Há portanto, em certa medida, manipulação da memória, em função, é claro
86
de interesses.
Presentemente em Angola, a escrita da História é ainda um processo de construção de
uma ideologia/memória, sobretudo no que concerne a assegurar a passagem regular do passado
ao futuro ou indicar aquele passado que era necessário reter para preparar o futuro; quer se
tratasse da reacção, progresso ou revolução87. Sendo assim, a Historia funciona também como
“invenção” da memória colectiva, pois procura uma recordação homogénea dos factos. (Re) cria,
assim, o acontecimento – muitas vezes extraordinário – que se torna veículo de uma identidade.
A produção histórica serve para assegurar a continuidade temporal da memória colectiva88.
Torna-se portanto difícil, dissociar a produção historiográfica da instrumentalização da memória.
É aquilo que podemos definir como a politização da memória.89.
85
Certeau (1977: 18-19).
Duby (1989: 73).
87
Nora (1994: XVIII)
88
Mais do que um simples objecto da história, a memória parece ser uma das suas matrizes. Silva (2002: 426).
89
O conceito de politização é retirado de Bazenguissa- Ganga (1997: 16) que por sua vez o pediu emprestado a
Bourdieu em Homo Academicus ( 1984: 243) que consiste no processo pelo qual o princípio de visão e divisão
86
24
Colonização, luta de libertação nacional, independência e guerra civil são momentos
privilegiados onde se pode observar a memória como objecto de lutas e como tal, a sua utilização
como instrumento de dominação. São contextos em que podemos descortinar uma estreita
relação entre a prática da pesquisa histórica e a manipulação da memória. Apresentamos de
seguida três tempos que exemplificam uma estreita relação entre a produção historiográfica e o
exercício da politização da memória.
O tempo colonial, em que descortinamos no processo de politização da memória
enunciados assente no olhar etnocêntrico do dominante como: a noção de raça para fundamentar
uma civilização superior, legitimando assim a ocupação militar; a noção de que o contacto com
as culturas europeias fundamentavam a historicidade dos africanos, legitimando por sua vez a
colonização.
Por conseguinte, a memória, como instrumento de dominação, tornou-se também um
meio de controlar a circulação dos bens e populações, nomeadamente, com recurso ao
arquivamento mental da figura do escravo ou do indígena90, do assimilado, do ambundo, do
ovimbundo ou dos bakongos91; para não falar do processo de desoralisação das sociedades
africanas através da imposição da escrita. Esta acção de politização da memória contribuiu para
que: “Até 1974, o processo de produção do conhecimento português, respeitante a África, se mantivesse
profundamente dependente da ideologia colonial, nomeadamente no respeitante às restrições impostas pelo regime
92
ditatorial e colonialista português”
.
Temos de seguida um segundo momento de politização da memória, em que se produz
uma contra-memória. Em que se constrói a memória da luta anti-colonial; memória de uma
reivindicação territorial93. É o tempo nacionalista.
política predomina em relação aos outros princípios. Aproximando pessoas bem distantes segundo critérios antigos e
afastando pessoas que estão próximas umas das outras no que respeita aos juízos e escolhas de uma antiga
existência. E, memória, definida por Nora (1994: XIX ): “La mémoire est la vie, toujours portée par des groupes
vivant et a ce titre, elle est en évolution permanente, ouverte à la dialectique du souvenir et de l’amnésie,
inconsciente de ses déformations successives, vulnérables à toutes les utilisations et manipulations, susceptible de
longues latences et de soudaines revitalisations.
90
Basta estar atento à categoria indígena, que tinha por função controlar a mão-de-obra africana, materializada na
famosa caderneta.
91
“Permanece ainda no imaginário angolano a cartografia étnica de Angola produzida por José Redinha. Esta
última foi recentemente posta em causa por um sociólogo angolano. O que nos leva a pensar que um conflito étnico
pode ser igualmente um conflito de memórias de etnias. Ver o Site angolaxyami.com/crónica /angolana/ huila 2010
“Sociólogo Paulo de Carvalho defende elaboração de uma nova carta étnica em Angola”.
92
Henriques (1997: 18).
93
25
Esta contra memória, sendo homogénea no tempo, a saber, o nacionalista não o é, nos
lugares de enunciação. Ela apresenta-se heterogénea. A diversidade de organizações políticas
implica diversas memórias94.
Portanto, a memória tornou-se objecto de lutas. Não é por acaso que: “A re-escrita e a
instrumentalização da história do nacionalismo, por vezes a sua falsificação, haviam sido, no contexto do confronto
entre diversas organizações nacionalistas que travaram a luta como rivais – inimigas, muito precoces (e por parte de
todas as organizações nacionalistas), e tinham incidido, além do mais, sobre os factos, sobre os próprios
95
acontecimentos e não apenas sobre a interpretação dos mesmos”.
Uma prática de politização da memória
que desemboca, em geral, no: “momento fundador da nação, de carga sempre altamente
simbólica, que faz parte do património cultural de uma nação e do imaginário quase pessoal dos
cidadãos e se presta especialmente a uma mitologização”96. O que nos remete para um terceiro
tempo, de politização da memória, que é o da independência e guerra e civil.
“O acesso à independência em Angola não foi, como em muitos outros sítios, um momento de consenso
ou até de comunhão, mas de confronto militar generalizado entre essas organizações, (MPLA; FNLA; UNITA) pelo
97
que não existe em Angola um mito unanimista da independência”
.
No dia 11 de Novembro de 1975, decorreu uma dupla proclamação da independência.
Por um lado a UNITA e a FNLA proclamaram a República Democrática de Angola e por outro,
o MPLA proclamou em Luanda, capital, a República Popular de Angola. Temos portanto, no
processo de politização da memória, dois lugares de enunciação da memória da independência.
Acontece que o lugar de enunciação do MPLA é o espaço privilegiado de invenção da memória,
ao contrário da UNITA e da FNLA cujo lugar de enunciação, Nova Lisboa, é o espaço
constrangedor para o exercício da memória.
Com efeito, o lugar de onde o MPLA proclama a declaração de independência – o
palácio do Governador, situado na capital do país – é também lugar simbólico de apropriação e,
94
Aliás, no seio de cada organização nacionalista existiam vários lugares de enunciação politica. Tome-se como
exemplo o caso do MPLA. O exterior, com o seu espaço institucional de produção e enunciação e o maquis (espaço
da guerrilha) Podemos considerar que, no seio de cada organização política nacionalista, a questão da memória
também era objecto de lutas.
95
Messiant em Actas do II Seminário Internacional sobre a História de Angola (2000: 807). A título de exemplo a
luta pela invenção da memória respeitante ao início da luta de libertação: o 4 de Fevereiro para o MPLA e o 15 de
Março para a FNLA. Ou então pela primazia, na luta de pela memória da antecedência no respeitante ao surgimento
da primeira organização política armada. De que falaremos mais adiante.
96
Messiant em Actas do II Seminário Internacional sobre a História de Angola (2000: 807).
97
“Enquanto a lenda de uma França inteira resistente, ainda que mítica, servia a unidade nacional, em Angola a
versão oficial da história do nacionalismo reflectia e servia a desunião nacional”. Messiant (2000: 807). O
sublinhado é nosso.
26
na medida em que se apropriou do Estado, de (re) produção/institucionalização e legitimação da
memória colectiva. Instância reconhecida e reconhecedora de produção de uma historiografia
oficial; lugar, por excelência, de politização da memória98. Contudo, a verdade de Estado não
impediu que a luta pela definição legítima da memória legítima continuasse99.
Assim, paralelamente a uma memória oficial subsistia uma memória subterrânea100 –
que contudo, não deixa de ser memória politizada – que aguardava a oportunidade para disputar,
com a memória oficial, a legitimidade da “verdade” histórica. Esta oportunidade iria surgir com a
abertura ao multipartidarismo. O que possibilitou o surgimento de outros espaços de politização
da memória101.
Coexiste, desse modo, com a “verdade” histórica oficial veiculada pelo Estado uma
outra memória que prossegue o seu trabalho de subversão, invadindo o espaço público e que,
num contexto de crise, vai adquirindo visibilidade. Trata-se de uma memória outrora clandestina
e que, através dos meios de comunicação, (jornais e rádios privadas livros etc;) vai reivindicando
o seu lugar, legítimo, na historiografia oficial102. O que faz com que o Estado: “associe à mudança
103
política uma revisão (auto) crítica do passado”
.
Porém, esta revisão comporta por vezes riscos porque:
98
Este processo de institucionalização da memória tinha a sua génese na criação do Centro de Estudos Angolanos
situado em Argel, capital da Argélia, em 1964 e consubstanciada na feitura de, – entre outras obras ligadas à
História, à Política e à Sociologia – um livro de História que em certa medida reflecte a função que a historiografia
desempenha na (re) invenção da memória.
99
Apesar do conflito político-militar, entre a UNITA e o MPLA, ter tido um efeito inibidor de possíveis críticas aos
diferentes centros de poder". Pois: “qualquer nova verdade histórica que surgisse poderia ser encarada como sinal de
aproximação ao inimigo. Bittencourt (2000: 171). Aliás, a guerra civil também foi uma guerra de memória que se
tornou memória da guerra.
100
Termo usado por Pollack (1989: 5).
101
O período que abrange 1991-1996 teve um breve momento de paz armada. Assim o regime multipartidário
coexistiu com o estado de guerra civil.
102
Referimo-nos por exemplo, à historiografia oficial dos outros partidos políticos (caso da FNLA e da UNITA) ,
aos artigos escritos nos jornais privados como o Angolense, Folha 8. Acrescem ainda as obras e os artigos do
historiador Carlos Pacheco (1997 e 2000). Todas elas não se furtam a uma politização da memória. Apresentam por
vezes uma linguagem virulenta que: “Consiste muito mais na irrupção de ressentimentos acumulados no tempo de
uma memória da dominação e de sofrimentos que jamais puderam exprimir-se publicamente. Mas, por outro lado,
possibilita descortinar uma clivagem entre a ideologia oficial e a sociedade”. Pollack (1989: 5). O sublinhado é
nosso.
103
Podemos exemplificar com os processos simbólicos de reabilitação dos dissidentes: o caso de Viriato da Cruz,
antigo secretário-geral do MPLA, que seria reabilitado com a transladação do seu corpo da China, para Angola,
onde tinha falecido com o estatuto de persona non grata decretado pelo MPLA; as honras de Estado prestadas a
figuras outrora banidas da hagiografia nacional como foram o caso dos funerais de Gentil Viana, (Histórico e
dissidente do MPLA) a presença de altos dignitários do Estado na Igreja do Carmo onde estava, em câmara ardente,
o corpo de Joaquim Pinto de Andrade. Ou então de reconhecimento oficial do papel desempenhado por Holden
Roberto, (líder histórico da FNLA e inimigo fidagal) recentemente falecido, na giesta da luta anticolonial.
27
“os dominantes não podem, jamais, controlar perfeitamente até onde levarão as reivindicações que se formam ao
mesmo tempo em que caem os tabus conservados pela memória oficial anterior”
104
.
Essa súbita multivisão da História, indissociavelmente ligada à nova linha política, não
se traduziu, contudo, na alteração dos signos e símbolos que recordam o acto fundador da nação
(bandeira, hinos e monumentos, nomes de ruas etc.). O Estado permanece como instância de
legitimação e deslegitimação da História. Quem controla o Estado detém o poder de sancionar a
reconversão da memória em historiografia oficial, nomeadamente, através das constantes práticas
comemorativas, edificação de monumentos, nomenclatura das ruas etc.
Podemos assim considerar que presentemente em Angola subsiste um tempo de história
politizada em que prevalece uma “verdade” politizada oficial e uma “verdade” politizada
informal105.
Esta constante tensão entre lugar de produção e conteúdo histórico106 confrontam o
investigador com dificuldades específicas tanto no que se refere à reconstituição da história
“verdadeira” do nascimento do nacionalismo angolano e do seu desenvolvimento, como no
tocante à sua exposição. A forte mobilização da história nas lutas de poder, torna necessário (em
relação quer a situações nacionais pacificadas quer a manipulações históricas que vão num
sentido unanimista) abandonar esse tempo da história politizada, embora seja extremamente
difícil fazê-lo107.
Estamos perante um limite heurístico que não pode, contudo, impedir o exercício de
uma história inteligível. Por mais que a reconstrução do passado seja problemática e incompleta
será sempre necessário criar uma História que se distinga da historiografia oficial, daquela escrita
da História que tem por função a comemoração ou a celebração do património cultural, a saber,
de uma escrita da História que apenas tem por objectivo a construção identitária108.
Torna-se, por isso, imperativo praticar uma História Ciência, entendida como operação
intelectual, cujo discurso escrito tenha por conteúdo a análise. Uma História que, de ponto de
vista da construção do seu objecto tenha em conta que o que define a História não são objectos
104
Pollack (1989: 5).
A expressão “tempo de história politizada” foi retirada de Messiant em Actas do II Seminário Internacional sobre
a História de Angola (2000: 820). Recordamos que Angola vive um período de paz desde 4 de Abril de 2002.
106
Chartier e Leite Lopes (2002: 173).
107
Messiant em Actas do II Seminário Internacional sobre a História de Angola (2000: 820).
108
O que passa também por pensar a memória como espaço de prolongamento dos conflitos e de lutas sociais.
Mbembe (1985: 485); como lugar de lutas de classificação.
105
28
que ela estuda, mas sim o olhar que o historiador tem sobre eles109. Levar a cabo esta tarefa
implica, portanto, um diálogo interdisciplinar, nomeadamente, com as Ciências sociais110.
A História e as Ciências sociais debruçam-se sobre o mesmo objecto – mundo social –
possuem, por isso, os mesmos instrumentos teóricos, de observação, de construção e de
análise111.
Com efeito, tanto a História como as Ciências Sociais constroem o seu próprio objecto:
“quando delimitando um conjunto de problemas solucionáveis, abandona as questões cuja abordagem se poderia
fazer apenas no registo da filosofia, da religião ou da ideologia, e se situa a um nível de abstracção e generalidade
que lhe permite elucidar regularidades, formular leis, construir modelos interpretativos”
112
. Todavia tal prática
científica necessita de: “um conjunto coerente de conceitos e relações entre conceitos – as teorias –, uma
linguagem conceptual adequada e tanto quanto possível exclusiva, instrumentos técnicos de recolha e tratamento de
113
informação, métodos de pesquisa”
.
Acontece que, para o historiador, esta estratégia de investigação científica114 – no que
respeita à construção do seu objecto e ao método – perde consistência se não tiver em conta o
papel que o documento desempenha no processo de investigação histórica115. É que se, por um
lado, a análise do documento enquanto documento permite à memória colectiva recuperá-lo, por
outro, possibilita ao historiador usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento de
causa116.
Seria, com efeito, uma mais valia heurística combinar a utilização do aparelho
conceptual das Ciência Sociais com o trabalho de selecção e apreensão das fontes, apuramento e
a sequência dos factos… com a submissão à crítica histórica117, pois, “(…) independentemente do
109
http://www.acdijon.fr/pedago/histgeo/former/Pedago/tps_present/tempsp.htm. Poirier (2003:5). No caso de
Angola podemos falar da necessidade de se distinguir entre problemas históricos e problemas políticos. O que apela
para a necessidade do investigador ter uma postura de distinção entre a História e a memória.
110
É que a singularidade da história não é da ordem do método, mas da interrogação: a saber, daquela que se refere à
mudança no tempo. Idem Poirrier (2003:5).
111
O que passa, quanto a nós, pela transferência do ensino da História e das Humanidades para as Ciências Sociais;
ler Entrevista com Vitorino Magalhães Godinho no jornal Público de 2/5/2008, suplemento Ípsilon (14-16).
Bourdieu considera que: “poderia até definir-se como etnocentrismo essa dificuldade corrente dos cientistas sociais
para aceitarem e interpretarem resultados de áreas de saber que não a sua”. Silva e Pinto (1986: 16).
112
Silva e Pinto (1986: 12).
113
Silva e Pinto (1986: 12).
114
Expressão retirada de Silva e Pinto (1986: 10).
115
Esta articulação entre objecto método e fontes não só reforça o carácter científico da História como alarga o seu
campo de intervenção á outras áreas de saber. Recordamos que a noção de documento refere-se à todo e qualquer
vestígio do passado.
116
Le Goff (1984: 102).
117
Mas também submeter à crítica histórica categorias analíticas ou conceitos, que frequentemente são utilizados, na
linguagem do investigador, nomeadamente aqueles que dizem respeito à divisão do mundo social. Trata-se de
29
interesse específico da investigação, mesmo que não incida sobre a historiografia e os factos, mas, numa
perspectiva sociológica, sobre a compreensão das dinâmicas políticas e da sua articulação com os processos sociais:
dada estreita imbricação existente entre historiografia e construção da história, não existe, nenhuma elaboração
118
convenientemente científica que prescindir de um trabalho de apuramento da verdade e da sequência dos factos”
.
Adquire assim importância a crítica dos documentos, aperfeiçoada pela maioria dos historiadores
positivistas.
Mesmo que a crítica dos documentos seja uma “estenografia”119 do exercício da
História, nunca é demais recordar a sua importância no que toca à crítica externa e à crítica
interna120.
A crítica externa ou crítica da credibilidade tem por objectivo encontrar o documento
original e determinar a sua verdade ou falsidade121. Merece por isso duas observações:
•
“um documento falso é também um documento histórico e que pode ser um
testemunho precioso da época em que foi forjado e do período durante o qual foi
considerado autêntico e como tal utilizado”122;
•
“um documento, nomeadamente um texto, pode sofrer, ao longo das épocas,
manipulações aparentemente científicas que de facto obliteram o original”123;
A crítica interna consiste em interpretar o significado dos documentos, avaliar a
competência do seu autor, determinar a sua sinceridade, medir a exactidão do documento,
controlá-lo através de outros testemunhos124.
Todavia, este processo torna-se insuficiente se não se tiver em conta o estudo das
condições da produção do documento. Quer se trate de documentos conscientes ou inconscientes
(traços deixados pelos homens sem a mínima intenção de legar um testemunho à posteridade)125.
impedir que, (sociologicamente) na construção científica do objecto, o investigador seja objectivado pelo objecto
socialmente construído.
118
Messiant em Actas do II Seminário Internacional sobre a História de Angola (2000: 821-822).
119
Expressão usada por Bourdieu (1989: 29).
120
A este propósito ver Le Goff (1984: 221).
121
Le Goff (1984: 221).
122
Le Goff (1984: 221).
123
Le Goff (1984: 221).
124
Le Goff (1984: 221).
125
“A história tradicional dedicava-se a memorizar os monumentos do passado, a transformá-los em documentos e a
fazer falar os vestígios, que em si não são verbais ou, em silêncio, dizem algo de diferente que o que de facto dizem.
Todo o documento é um monumento que deve ser des-estruturado, desmontado. O historiador não deve ser apenas
capaz de discernir o que é «falso», avaliar a credibilidade do documento, mas também desmistificá-lo. Os
documentos só passam a ser fontes históricas, depois de estarem sujeitos a tratamentos destinados a transformar a
sua função de mentira, em confissão de verdade”. Le Goff (1984: 221).
30
A nossa reflexão estende-se também aos silêncios e omissões. O que implica, questionar
o documento, as suas lacunas, os esquecimentos, os hiatos, os espaços brancos da história.126
Devemos, portanto, fazer o inventário dos arquivos do silêncio, abordar a História a partir dos
documentos e das ausências de documentos127. É que o facto histórico nunca é dado como tal. É
construído. Nenhum documento é inocente. O documento não é qualquer coisa que fica por conta
do passado, é um produto da sociedade que o fabricou. É, em certa medida, fruto do estado de
relações de forças num determinado espaço social128.
Estamos pois, perante um quadro problemático claramente superior às nossas
interrogações. Assim, perante tal constrangimento e no que concerne ao desenvolvimento e
exequibilidade do nosso trabalho, apenas nos restou formular e delimitar de um modo mais
realista as nossas interrogações. O que nos levou a optar pelo enfoque da dimensão política das
lutas de classificação129.
Começámos assim, por consultar a ainda incipiente historiografia angolana sobre o
nacionalismo e colonialismo e cruzámos a informação obtida com informações recolhidas num
conjunto de fontes primárias que tínhamos na nossa posse.
Com efeito, através da consulta sistemática dos dados disponíveis, fomos descortinando
referências significativas não só relativas a questões de ordem rácica como também aos efeitos
dessas questões nas acções políticas.
126
Presentemente em Angola predomina esta ausência de questionamento do documento. Porque: “ Aprende-se nos
primeiros níveis escolares que a história é a narração dos factos passados. Nesta definição não há lugar para
diferentes interpretações ou cepticismos. A história que se ensina é a oficial consistindo o seu método em levar os
alunos a decorar passagens para as reproduzirem nos exames orais e escritos. (…) a ser uma deficiência, não é uma
particularidade do ensino em Angola. Tem que ver com o modelo em que se inspira, o português, que consiste por
um lado no modo como facilmente se passa da história para a mistificação; sobretudo quando em jogo estão
questões tidas como constituintes da consciência nacional portuguesa como as Descobertas. É também preciso
considerar o facto que Angola é ainda uma jovem nação. É pois normal que a História e o ensino da história, tenham
como principal motivação a exaltação do momento nacionalista através do qual o país se constituiu como
independente. Esta preocupação com a narratividade da gesta nacionalista serve de lente por meio da qual toda a
história é reescrita”. António Tomás em Semanário Angolense de 11 a 18 de Fevereiro de 2006. (2006:21).
127
Le Goff (1984: 220).
128
Trata-se de estar atento aos efeitos das intervenções ideológicas no questionamento dos documentos. É inegável
que existe uma: “estreita articulação das teorias científicas com postulados ideológicos e visões do mundo (e
portanto, através de complexas mediações – integradas no conjunto de condições sócio-institucionais da prática
científica – com a conflitualidade de interesses entre diversos grupos sociais”. Silva e Pinto (1986: 18); o que nos
remete, no caso de Angola, para a questão da autonomia do campo científico em relação ao campo político.
129
Seria irrealista alargar o nosso estudo a outras dimensões nomeadamente ao económico ou social ou cultural. Ou
até às categorias étnicas. Estas abordagens implicam muitos meios que o investigador não comporta. Ainda por cima
implicariam um alargamento interdisciplinar e como tal conceptual. Isto para não falar do alargamento temporal.
31
Assim, no período compreendido entre 1950 e 1996 é possível vislumbrar, nas fontes
consultadas,
uma
certa
regularidade
de
enunciados
alusivos
às
propriedades
rácicas/características somáticas. Enunciados, formulados por parte de agentes (individuais e/ou
colectivos do espaço colonialista e nacionalista angolano. São enunciados que nos alertam para a
existência de práticas e representações no seio desse mesmo espaço, que são indissociáveis de
classificações assentes nas referidas propriedades130.
Estas referências, que em certa medida pareciam condicionar tomadas de posição
políticas, são sobretudo legíveis na documentação (colonial e nacionalista) onde o léxico é fértil
em afirmações de ordem político-ideológica impregnadas por alusões raciais, tais como:
“negros” “mestiços”, “filhos de colonos”, “assimilados”, “indígenas”, “pretificação do comité
director”, “estatuto privilegiado dos mestiços”, etc131.
Foi também possível, graças ao material consultado, vislumbrar tomadas de posição, por
parte dos actores do campo nacionalista – os dominados do espaço colonial – em torno de
classificações assentes em propriedades rácicas/características somáticas. Tomadas de posição
que, no nosso entender, manifestam em certa medida, a aceitação desses mesmos princípios
classificatórios que por sua vez passam a funcionar como princípio e produto de identificação no
seio do espaço nacionalista132.
É igualmente possível vislumbrar no seio do campo político angolano, nas lutas
políticas, o recurso, – com maior ou menor frequência por parte de agentes individuais e
colectivos – às propriedades rácicas/características somáticas. O que pressupõe, quanto a nós,
uma variabilidade na utilização do referido recurso consoante o estado de relações de força no
seio do campo político angolano. Por conseguinte, somos levados a formular uma outra
conjectura decorrente da primeira, segundo a qual as propriedades rácicas/características
somáticas, estão sujeitas a frequentes reavaliações133.
Por último, esta iniciática abordagem do nosso trabalho permite-nos conjecturar o
seguinte: se por um lado, o recurso às propriedades rácicas na luta política é produto de uma
130
Cf Reis (2002).
Só para citar alguma literatura consultada: Tali I (2001); Moreira (1961); Uhuru (Boletim, FNLA: 1962);
Estatuto Civil e Criminal dos Indígenas (1954); MPLA (Comunicado do Comité Provisório 1963).
132
Ver Reis (2003); Reis e Reis (1996).
133
Reis (2003).
131
32
longa história de lutas de classificação134; por outro, o campo de poder de uma sociedade, ao
definir categorias sociais, dispondo-as hierarquicamente, lega consciente ou inconscientemente
testemunhos capazes de influenciar o destino da história135.
Uma vez chegados a este estado exploratório, julgamos ser possível e pertinente
formular uma primeira interrogação para melhor delimitar o nosso objecto de estudo. Trata-se
fundamentalmente de saber em que medida classificações assentes na noção de raça contribuíram
para a estruturação do campo político angolano. Ou de um modo mais explícito: em que medida
as propriedades rácicas/características somáticas condicionaram a dinâmica do campo político
angolano e que papel desempenharam no referido campo em contextos de crise?
2. Objectivos, opção disciplinar e construção do objecto de investigação
A este nível do nosso questionamento e uma vez formulada a nossa pergunta de partida,
parece-nos fundamental reflectir sobre os objectivos, a opção disciplinar e a construção do
objecto de investigação. É que esta reflexão seria incompleta se não tivermos em conta escolha
da abordagem a partir da qual, a resposta a esta última poderá ser encontrada.
2.1 Objectivos
Com a ajuda das precisões já efectuadas, podemos agora definir o(s) objectivo(s) da
nossa tese, tendo presente que nos confrontamos com questões relativas às classificações raciais,
aos processos da sua adopção/interiorização e à sua dimensão política.
Trata-se de demonstrar, numa perspectiva sócio-histórica, que as classificações assentes
em propriedades rácicas/características somáticas funcionam como recurso nas lutas políticas.
Classificações que, por sua vez, passam a funcionar como elemento identitário.
O campo político angolano, na sua dinâmica, é acompanhado de um discurso transversal
às suas múltiplas forças políticas antagónicas, a saber, o discurso nacionalista. Todavia essa
transversalidade não oculta uma dinâmica de relação de conflito e competição entre as principais
forças políticas nacionalistas.
134
Embora não seja nosso propósito fazer aqui o estudo detalhado de tais lutas, podemos assinalar os vestígios
deixados e que são perceptíveis nas instituições e nos actores, quer na sua dimensão objectiva, quer na sua dimensão
subjectiva. A nossa opção é a desocultação destes vestígios, possibilitada pelas lutas políticas, em contextos de crise.
135
Este poder sobre a memória futura, o poder de perpetuação, merece a desconfiança do historiador.
33
Assim, essas forças políticas, ao competirem entre si no sentido de assegurarem o
monopólio da definição legítima de construção da identidade nacional, utilizarão, como
estratégia política, argumentos em torno de propriedades rácicas/características somáticas para
efeitos de mobilização do maior número populacional tendo em conta a natureza sociológica da
sociedade angolana136. Uma dinâmica que implica a construção de identificações, ou seja,
(re)invenção de uma homogeneidade que passa simultaneamente por delimitar fronteiras e
territórios – frequentemente somáticos – no sentido de definir um interior e um exterior.
Julgamos que a construção de uma identidade nacional, gerada pelo campo político angolano,
implicou também o recurso, com maior ou menor intensidade, a determinados elementos
identitários de entre os quais a raça, com o intuito de construir e regular sentimentos de pertença.
Como tal, não podemos compreender o processo de luta pelo monopólio da definição da
identidade nacional sem incorporar, como objecto, o objectivo da luta pela definição da raça. Em
Angola, definir uma identidade racial, ou seja, veicular o sentimento de pertença a uma raça, é
parte integrante da acção política137.
Compreender o campo político angolano como espaço de luta de classificação, – e como
tal espaço de luta pela definição da identidade legítima – tendo em conta esta forma particular de
luta de classificação que é a luta pela definição de quem é branco, negro ou mestiço. Eis o nosso
propósito.
2.2 Opção disciplinar
No estudo das relações raciais na sociedade angolana ganha centralidade a análise
histórica.
Assim, pensamos o problema numa perspectiva histórica na medida em que tais
propriedades resultam de uma lenta construção social por parte de actores sociais
individuais/colectivos,
em
diversos
contextos
históricos,
através
de
processos
de
classificação/reavaliação sócio-rácica materializados em lutas que por sua vez contribuíram para
a (re) construção das identidades no espaço sócio político angolano.
136
No respeitante à dinâmica interna de cada uma das organizações políticas veremos como em momentos de crise a
questão racial, adquire importância nas lutas internas, no seio do MPLA quando o que está em jogo é o controlo dos
centros de decisão e a mobilização do maior número. Ver Reis (2002) e Reis e Reis (1996).
137
E, convém recordar, uma herança do Estado colonial no seu processo de criação identificadora dos grupos
sociais.
34
Será acima de tudo uma História do Presente, na sua dimensão política. Todavia, mais
do que descrever factos imediatamente apreensíveis, pretendemos descobrir a teia de relações, as
estratégias subjacentes a estas relações que, no domínio das lutas políticas, se apresentam
frequentemente como um estado de relações de força. Estado de relações, mais visível em
contextos de crise, em que determinadas categorias, politicamente instrumentalizáveis, se
assumem como elementos identitários.
Pretendemos elaborar uma História que articule a ruptura e a permanência. Que consiga
criar uma tensão entre a história narrativa e a história problema, sem que uma ganhe dianteira em
relação à outra.
Dada a extensão e profundidade dos fenómenos numa perspectiva histórica de longa
duração, escolhemos um tratamento histórico onde a análise diacrónica se combina com um
enfoque sincrónico de relativa profundidade. É razão do apelo à perspectiva sociológica,
sobretudo no domínio da sociologia política, porque é nesta última que encontrámos propostas
teóricas – que posteriormente desenvolveremos – pertinentes no respeitante a uma questão
nuclear na nossa análise: o fenómeno político abordado como espaço de relações de força, como
tal, de lutas políticas, que por sua vez podem apresentar-se como lutas de classificação em torno
das propriedades rácicas, e, assim, revestir a forma particular de lutas identitárias. Deste modo,
tendo em consideração a pergunta de partida, encontrámos ganhos teóricos ao estabelecermos, do
ponto de vista analítico, uma relação entre as classificações “raciais» e a sua possível
instrumentalização política.
Esta – boa – tensão entre história narrativa e história problema apela para uma
aproximação à Sociologia, tendo como referência a teoria dos campos sociais de Pierre
Bourdieu. Assim, a abordagem diacrónica terá como referência um aparelho conceptual tomado
de empréstimo à Sociologia Política, de modo a concretizar o corte sincrónico por um lado e, por
outro, impedir que o facto histórico seja apreendido de um modo atomístico.
Convém sublinhar que, numa perspectiva científica, o facto histórico, se merece ser
individualizado, tem de ser explicitado, explicado, contextualizado no tempo e no espaço, em
suma conceptualizado. Somente assim a nossa investigação poderá determinar as circunstâncias
concretas que possibilitaram a permanência em Angola, de classificações assentes na noção de
raça.
35
2.3 A construção do objecto de investigação. A força dos conceitos
Uma vez identificada a opção disciplinar, podemos passar à discussão do ângulo de
abordagem a adoptar no estudo do objecto. A problematização da construção social das
identidades será o nosso ponto de partida.
No nosso entender, a identidade é pensada tendo em conta duas abordagens: a
essencialista e a construtivista.
A primeira trata a identidade como dado adquirido. O que torna mais fácil a
classificação de um objecto pré-construído na medida em que são realidades notadas. Por sua
vez, a perspectiva construtivista e relacional considera as identidades como espaços de relações,
construídas, fluidas e múltiplas. Reconhecemos que estas duas abordagens não põem fim a uma
certa banalização da categoria identidade, na medida em que segundo Brubaker: “as ciências sociais
e humanas capitularam perante o termo identidade. A Identidade é uma palavra-chave do vocábulo da política
contemporânea e deve ser tida em conta na análise social. Todavia, isto não significa que a identidade deva ser
utilizada como categoria analítica ou tornar o conceito de identidade como algo que nos remete para algo que as
138
pessoas procuram, constroem e negoceiam”
. No seu entender, a análise da política identitária apela
para a necessidade de categorias desprovidas de ambiguidade. Interpretar as particularidades em
termos de identidade é um limite tanto à imaginação política como à imaginação analítica, pois
elimina toda uma série de possibilidades de se debruçar sobre a acção política na medida em que
não ultrapassa, o mero recurso a determinadas noções que assentam numa pretensa identidade
partilhada139. Porém, julgamos que para o nosso trabalho a categoria identidade é pertinente, na
medida em que nos permite, na análise da dinâmica do campo político angolano, descortinar
processos de identificação e diferenciação.
Não nos vamos deter no debate teórico desta questão, nomeadamente em torno das
posições assentes na Psicologia e Sociologia, pois presentemente parece haver um consenso de
que a noção de identidade estabelece uma ligação entre o psicológico e o sociológico “visto que
140
receber uma identidade é um fenómeno que deriva da dialéctica entre o indivíduo e a sociedade”
138
. Todavia, não
“Ranger sous le concept d’«identité» tout type d’affinité et d’affiliation, toute forme d’appartenance, tout
sentiment de communité, de lien ou de cohésion, toute forme de autocompreension et d’auto-identification c´est
s’engluer dans une terminologie émoussé, plate et indifférenciée”. Brubaker (2001: 66).
139
Brubaker (2001: 84)
140
Amâncio em Vala e Monteiro (1993: 390); Berger e Luckman (1985: 230). Muito embora esta dialéctica entre
indivíduo e sociedade tenha sido objecto de diferentes conceptualizações. Assim por exemplo, na Sociologia, G. H.
Mead, no âmbito da articulação entre o psicológico e o sociológico no tratamento do conceito de identidade.
Considera que o eu emerge da interacção entre um elemento-sujeito criativo de ordem psicofisiológica e um
36
negando esta relação entre indivíduo e sociedade, convém reforçar que, tal como a Psicologia já
o tinha feito, “a margem de intervenção individual na construção identitária não é realizável no quadro de uma
141
autonomia e criatividade absolutas”
. O que significa que: “apesar de relativos, isto é, dependentes do lugar
dos agentes de socialização familiar na estrutura de distribuição do conhecimento, os sistemas de classificação (…)
são inexoravelmente vivenciados como absolutos. Por outras palavras, não são subjectivamente captados como
classificações arbitrárias, construídas em função de uma localização social objectiva, mas, ao contrário, como
142
realidades substantivas inerentes à própria natureza das coisas”
. Significa isto que, em certa medida, não
se pode dissociar a análise da génese das estruturas mentais dos indivíduos biológicos da análise
da génese das próprias estruturas sociais, na medida em que as primeiras são em parte o produto
da incorporação das segundas143. E, por conseguinte: “o espaço social e os grupos que nele se distribuem
são produto de lutas históricas nas quais os agentes se empenham em função das suas posições no espaço social e
144
das estruturas mentais através das quais apreendem este espaço”
. Porque essas lutas históricas são
também lutas de classificação, é possível estudar estas últimas do ponto de vista genético e
político da sua formação, selecção e imposição145.
No caso do estudo da sociedade angolana, o recurso a um ponto de vista teórico que
articule lutas históricas e lutas de classificação não pode estar dissociada da análise dos
processos de identificação e diferenciação com os processos de recomposições dos equilíbrios
entre sistemas pré-coloniais e os efeitos da dominação colonial.
É preciso, igualmente, ter em conta que as transformações verificadas no sistema
económico e político após a independência se repercutiram (embora num curto espaço de tempo)
nos esquemas de percepção e de avaliação dos grupos sociais relativamente à sua própria
condição e à do outro. O que, em certa medida, influenciou a reorientação do modo como se
estabeleceram afinidades, solidariedades e estratégias de acção.
elemento-objecto que constitui a interiorização das atitudes dos outros, e se traduz, nas interacções sociais pela
capacidade de assumir a posição do outro. Segundo ele, o eu, enquanto objecto para-si, é essencialmente uma
estrutura social e nasce da experiência social. Amâncio em Vala e Monteiro (1993: 390-391); Mead (1963: 115)
141
Gros (1998:277). Como exemplifica Vala (1993: 910): "A teoria distingue o nível das relações intergrupais do
nível das relações interindividuais. No nível intergrupal, o comportamento do indivíduo x não é explicado enquanto
dependente do indivíduo y, mas enquanto dependente das relações entre o grupo a e o grupo b. Contudo este nível
de análise das crenças e comportamentos individuais, supõe a saliência de uma dada dimensão da identidade social,
e a identidade social (dimensão do autoconceito que decorre do reconhecimento da pertença a grupos ou categorias
sociais) não é independente do processo psicológico de autocategorização. O conceito de identidade social, que
oferece vias de explicação da dinâmica das representações sociais e dos comportamentos, é, assim, um conceito
articulador de processos psicológicos e sociais."
142
Gros (1998:277).
143
Bourdieu (1987: 24).
144
Bourdieu (1987: 24).
145
Bourdieu e Wacquant (1992:22).
37
Estas considerações induzem-nos a pensar o processo de construção das identidades
tanto em termos diacrónicos como sincrónicos. Vamos pois, por um lado, pensar um tal processo
de um ponto de vista histórico e pluridimensional, e, por outro, vamos pensá-lo como processo
social em que cada domínio de socialização é relevante no percurso dos actores.
De entre esses domínios sublinhamos: i) as condições materiais de existência através
das quais se concretiza a apropriação simbólica do mundo, (produção de afinidades e
identificação das diferenciações sociais onde se gera a reprodução/naturalização de distinções
com elevada eficácia estrutural tal como a definição de hierarquias sociais); ii) as relações
sociais, desde a interacção às trocas afectivas até às redes de exercício de poder e autoridade; iii)
os registos simbólico-discursivos com a difusão de construções jurídico-normativas, de
ideologias, de mitologias que legitimam os fundamentos da organização social e as “qualidades»
dos diferentes grupos sociais”146. A identidade é, pois, um processo dinâmico e não um dado
objectivo e imutável147.
Podemos inferir desta discussão que a compreensão dos fenómenos identitários como
práticas de construção social exige que as Ciências Sociais façam uso de instrumentos teóricos
que considerem tais fenómenos como relacionais, como conjuntos estruturados de elementos
identitários, cuja definição pressupõe situações de acção e interacção. As situações que aqui nos
interessam são as situações de conflito e/ou competição em que as lutas de classificação são
parte integrante do jogo político148. Jogo este em que os sistemas de classificação (re) produzem
categorias que mobilizam, em forma irreconhecível, as divisões da estrutura social; A acção
política é também fundamentar uma determinada divisão do mundo social, através de um
discurso que converte propriedades sociais em propriedades de ordem natural149. Como tal, a
ideologia, sendo um sistema de classificação, pode contribuir para a (re) produção de
identidades150. Umas breves considerações acerca da ideologia ganham por isso pertinência, na
146
Pinto (1999: 11-12).
Procuramos uma abordagem que relacione sentimento de pertença com a acção social na sua dimensão política.
148
A identidade é também utilizada pelos líderes políticos para persuadir as pessoas a entenderem-se tendo em conta
os seus interesses e as suas dificuldades, em certa medida, para persuadir (com determinados fins) certas pessoas que
são idênticas entre elas e simultaneamente diferentes de outras pessoas, e para canalizar, com justificação, a acção
colectiva para um certo rumo. Brubaker (2001: 69).
149
Ex: dos brancos, mestiços e negros. É aquilo que Bourdieu denomina de efeito ideológico que consiste na
imposição de sistemas de classificação políticos sob a aparência legítimas de taxinomias filosóficas, religiosas,
jurídicas, etc. Bourdieu (1989: 14).
150
Segundo Althusser (1980: 111) a ideologia assegura: “o reconhecimento mútuo entre os sujeitos e o Sujeito, e
entre os próprios sujeitos e finalmente o reconhecimento do sujeito por ele próprio”.
147
38
nossa abordagem, na medida em que o nosso trabalho remete principalmente para a dimensão
política das classificações151.
Adquire importância, para a nossa abordagem, a perspectiva de Marx e Engels na
medida em que partem do pressuposto de que a ideologia é uma construção imaginária destinada
a encobrir a vida real.
A abordagem destes dois filósofos tem como ponto de partida a crítica à religião.
Segundo eles, o homem faz a religião e não é a religião que faz o homem152. É um primeiro
esboço do paradigma da consciência invertida que iria criar o cenário para a concepção de
ideologia153.
Marx e Engels consideravam que as concepções da religião e da política tinham bases
idealistas e, como tal, eram mal construídas. Tornava-se necessário explicar o mundo das ideias
através de uma concepção materialista; a partir da prática material: ”a produção das ideias,
representações, da consciência está a princípio directamente entrelaçada com a actividade material e o intercâmbio
154
material dos homens, à linguagem da vida material”
. Melhor dito, pensar a ideologia como produção
das ideias ligada à actividade material155.
Para Marx e Engels, a ideologia não é prática do real mas sim representação do real.
Pois, tem por função proteger os interesses da classe dirigente: “As ideias da classe dominante são, em
todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja da classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo
156
tempo o seu poder espiritual dominante”
. Significa isto que o que torna as ideias ideológicas é o facto
de elas esconderem a verdadeira natureza das relações sociais e assim servirem para justificar a
distribuição desigual, na sociedade, dos recursos sociais e económicos.
A partir do conceito de divisão do trabalho, Marx e Engels reforçam a sua noção de
ideologia. Segundo eles, há uma relação entre a divisão do trabalho material e divisão do
trabalho mental: ”A classe que tem os meios de produção material à sua disposição, dispõe assim, ao mesmo
tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo, submetidas em média as
157
ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual”
. O que pressupõe que a classe
151
O termo ideologia foi utilizado pela primeira vez por Cabanis, Desttut de Tracy e pelos seus amigos para
designar a ciência que tem por objecto o estudo da natureza e da origem das ideias. Althusser (1980: 69).
152
Marx e Engels (1976: 15-16); Ricoeur (1991: 96).
153
Ricoeur (1991: 96)
154
Marx e Engels (1982:13).
155
Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas pelo contrário, o seu ser é que determina a sua
consciência. Marx e Engels (1976: 26).
156
Marx e Engels (1982:38).
157
Marx e Engels (1982:38).
39
dominante é a força material dominante e simultaneamente a força intelectual dominante. Ou
seja, aqueles que não possuem os meios de produção mental estão sujeitos às ideias dominantes,
as quais, não são mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes apreendidas e
concebidas como ideias. Uma classe social dominante determina as ideias, numa determinada
época histórica, em todas as suas dimensões e como tal, entre estas últimas regula, através dos
pensadores como produtores de ideias158, a produção e distribuição das ideias do seu tempo que
são obviamente as ideias dominantes: “A divisão do trabalho, que já atrás encontrámos como uma das
principais forças da história até aos nossos dias, manifesta-se agora também na classe dominante como divisão do
trabalho espiritual e material, pelo que no seio desta classe (os ideólogos conceptivos activos da mesma, os quais
fazem da ilusão dessa classe sobre si própria a sua principal fonte de sustento), ao passo que outros têm uma atitude
mais passiva e receptiva em relação a estas ideias e ilusões, pois que na realidade são eles os membros activos desta
159
classe têm menos tempo para criar ilusões e ideias sobre si próprios”
. A ideologia está em oposição à
realidade, à vida material, às condições materiais dessa vida real, àquilo que existe, que é
verificável. Confirma-se o paradigma da inversão (ex: da câmara escura)160. Esta relação entre o
domínio das representações e a realidade só pode ser entendida e explicada a partir das relações
de produção ou seja da divisão do trabalho.
Com efeito, encontramos em Marx e Engels uma concepção de ideologia como um
sistema de representações ou ideias, as quais correspondem a formas de consciência que os
homens têm161. Há uma visão negativa dos “fenómenos ideológicos”, na medida em que são
associados a representações, ideias e pensamentos que são qualificados super-abundantemente
como quimeras, dogmas, formas imaginárias, ilusão, sonho, arbitrários em oposição a realidade
da vida material, condições materiais dessa vida real, aquilo que existe, que é verificável, o
homem em carne e osso, etc.162 Como tal, tornava-se necessário eliminar a ideologia e para isso
era necessário transformar as relações sociais existentes163.
158
Ou, dito de outra forma, produtores ideológicos.
Marx e Engels (1982:39).
160
Marx e Engels (1976: 25).
161
Belo (1977: 10).
162
Belo (1977: 10). Por um lado a ideologia distorce a realidade e por outro ela opõe se à ciência. Ver também Marx
e Engels (1976: 18-29); Boudon (1986: 30); Althusser (1977: 31).
163
Belo (1977: 11). Esta concepção de ideologia foi sendo aplicada aos conceitos de infra-estrutura e superstrutura.
“Marx concebe a estrutura de qualquer sociedade como constituída pelos níveis ou instâncias, articuladas por uma
determinação específica: a infraestrutura ou base económica (unidade das forças produtivas e das relações de
produção), e a superestrutura, que comporta em si mesma dois níveis ou instâncias: o jurídico-político (o direito e o
Estado) e a ideologia (as diferentes ideologias, religiosas, moral, jurídica, política, etc.).” Althusser (1980: 25-26).
159
40
Na senda de Marx e Engels, Althusser, considera que a ideologia, é uma representação
da relação imaginária dos indivíduos com as suas condições de existência: “ Não são as condições de
existência reais, o seu mundo real, que «os homens» «se representam» na ideologia mas é a relação dos homens com
estas condições de existência que lhes é representada na ideologia. É esta relação que está no centro de toda a
representação ideológica, portanto imaginária, do mundo real. É nesta relação que está contida a «causa» que deve
dar conta da deformação imaginária da representação ideológica do mundo real. (.....) Falando numa linguagem
Marxista, se é verdade que a representação das condições de existência real dos indivíduos que ocupam postos de
agentes da produção, da exploração, da repressão, da ideologização, da prática científica, releva em última instância
das relações de produção e das relações derivadas das relações de produção, podemos dizer o seguinte: toda a
ideologia representa, na sua deformação necessariamente imaginária, não as relações de produção existentes (e as
outras relações que delas derivam), mas antes de mais a relação (imaginária) dos indivíduos com as relações de
produção e com as relações que delas derivam. Na ideologia, o que é representado não é o sistema das relações reais
que governam a existência dos indivíduos, mas a relação imaginária destes indivíduos com as relações reais em que
vivem”
164
.
No entanto, considera o mesmo que a ideologia goza de uma autonomia relativa porque
a estrutura da ideologia é comandada pela sua problemática, conjunto de questões da estrutura
social complexa a que o discurso ideológico (aparenta que) responde. A unidade e coerência de
uma ideologia deve ser descortinada na unidade dessa problemática. É esta que é determinada
pelas instâncias económicas e políticas de formação social165.
Para Althusser a ideologia desempenha uma função histórico-social, na medida em que
esta última é considerada: “um sistema (com a sua lógica e rigor próprios) de representações (imagens, mitos,
ideias ou conceitos, conforme o caso), que tem uma existência e um papel histórico no seio de uma dada
166
sociedade”
. Assim ela é uma parte: “orgânica de toda a totalidade social. É como se as sociedades humanas
não pudessem sobreviver sem estas formações específicas, estes sistemas de representações (a vários níveis), as suas
ideologias. As sociedades humanas segregam ideologia como o próprio elemento e atmosfera indispensáveis à sua
respiração e vida históricas. Só uma concepção ideológica do mundo poderia ter imaginado sociedades sem
164
Althusser (1980: 81- 82).
Belo (1977: 13); Alhusser (1977: 59); Nico Poulantzas prolongou a tese althussseriana da autonomia do nível
ideológico, realçando a sua autonomia em relação ao económico e ao político. Segundo ele a ideologia, conjunto de
representações, valores, crenças com coerência relativa, diz respeito, em última análise, ao “vivido humano” dos
agentes da formação social. A sua função, contrária à da ciência, é ocultar as relações reais, reconstituindo num
plano imaginário um discurso que serve de “horizonte” ao “vivido” dos agentes, inserindo-os assim na unidade
relações sociais. Esta função de coesão foi assinalada por Gramsci, sob a metáfora da ideologia como cimento duma
formação social. Belo (1977:13)
166
Althusser (1977: 238). Recordamos que não pretendemos problematizar a ideologia por oposição à ciência. O que
podemos salientar é que, segundo Althusser, a ideologia, como sistema de representação, se distingue da ciência
pelo facto de nela, a função prático-social ser mais importante que a função teórica (função como conhecimento)
idem (1974: 238); ver também Ricoeur (1991:256-257).
165
41
ideologia e aceitado a ideia utópica de um mundo em que a ideologia (e não uma das suas formas históricas) viesse a
167
desaparecer sem deixar traço, para ser substituída pela ciência. A ideologia é um dado adquirido”
.
Althusser entende que a ideologia é essencialmente estruturante e não se esgota no
domínio de uma classe dominante pois ela tem como função a reprodução das relações de
produção quaisquer que sejam elas. Eis uma dimensão positiva da ideologia. Assim, ao contrário
de Marx e Engels, Althusser entende que nenhuma sociedade, quer seja capitalista ou comunista,
pode prescindir desta última, quer seja na arte, na moral ou na representação do mundo168. A
ideologia existe sempre num aparelho e na sua prática ou práticas. Como tal tem uma existência
material169.
Uma outra função da ideologia, segundo Althusser, é que esta última interpela os
indivíduos como sujeitos, ou seja “só existe ideologia pelo sujeito e para sujeitos”: “a categoria de
sujeito só é constitutiva de toda a ideologia, na medida em que toda a ideologia tem por função (que a define)
170
«constituir» os indivíduos concretos em sujeitos”
.
Georges Duby, influenciado em certa medida por Althusser,171 considera que as
ideologias apresentam as seguintes características:
• Surgem como sistemas completos, sendo por isso globalizantes172;
• A primeira função das ideologias é tranquilizar, como tal são, deformantes173;
167
Althusser (1977: 238) e Ricoeur (1991: 261).
Althusser (1977: 239).
169
“ Designamos por aparelho ideológico de Estado um certo número de realidades que se apresentam ao
observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas. (....) podemos desde já considerar como
aparelhos ideológicos de Estado as instituições seguintes (.....) AIE religioso (o sistema das diferentes igrejas), (......)
AIE político (o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos”. Althusser (1980: 43-44). O mesmo
considera que nenhuma classe pode deter de forma duradoira o poder de Estado sem exercer ao mesmo tempo a sua
hegemonia sobre e nos aparelhos ideológicos de Estado e que: “os Aparelhos Ideológicos de Estado podem ser não
só o alvo mas também o local de luta de classes e por vezes formas renhidas de luta de classes.” Althusser (1980:
49). Há uma definição de ideologia na sua dimensão funcional ao associar a ideologia, na sua eficácia, à noção de
aparelho ideológico como legitimadora dessa mesma função.
170
Althusser (1980: 94). O que nos remete para a questão da produção das identidades. Ainda a propósito da
dimensão funcional da ideologia, interessante é a abordagem de Karl Manhheim que distingue entre ideologia e
utopia. A primeira tem por função manter e justificar as estruturas sociais existentes, em benefício da classe
dominante, enquanto a utopia (considerada irrealizável pela classe dominante) é o discurso revolucionário que
propõe a transformação social. Belo (1977: 12-13).
171
Ver supra citado.
172
“Pretendendo oferecer da sociedade, do seu passado, presente e do seu futuro, uma representação de conjunto
integrada na totalidade de uma visão do mundo”. Duby (1977: 175)
173
Porque a “visão societal que apresentam, nomeadamente da organização social, dissimula e deturpa
determinados aspectos das relações sociais de modo a servirem interesses particulares,” sobretudo no que diz
respeito à determinadas funções sociais e económicas Duby (1977: 176)
168
42
• As ideologias são concorrentes, na medida em que numa dada sociedade
coexistem vários sistemas de representações174;
• As ideologias são estabilizantes. São sistemas de representações que têm por
objectivo preservar, muitas vezes, privilégios adquiridos pelas camadas sociais
dominantes. Esta estabilidade deve-se ao facto de que as representações
ideológicas “participam do peso inerente a todos os sistemas de valores, cuja
armadura é composta de tradições”175;
• As ideologias baseiam-se sempre numa visão da história. Como tal, estimulam a
acção. Possuem, por isso, um carácter prático, contribuindo assim para o
movimento da história. Neste processo, elas transformam-se porque existe uma
relação íntima entre as relações vividas e a representação que as pessoas fazem
delas176. Por outro, nos momentos de crise, as ideologias tendem a adaptar-se ou,
então, quando estão confrontadas com ideologias antagónicas, podem endurecer,
flexibilizar-se177;
• Os sistemas ideológicos sofrem transformações quando o conjunto cultural que os
envolve está sujeito a influência de culturas (dificilmente uma cultura está
isolada) alógenas e circundantes178;
174
“Reflectem antagonismos devido muitas vezes a justaposição de etnias separadas mas que são sempre
determinados pela disposição das relações de força. Numerosos caracteres comuns aproximam essas ideologias visto
que as relações vividas, cuja imagem oferecem, são as mesmas e visto que se edificam no interior de um mesmo
conjunto cultural e se exprimem na mesma linguagem. Normalmente, contudo, umas apresentam-se como imagens
invertidas, das outras, a quem afrontam que concorrem uma com as outras. Duby (1977: 176). Quanto a nós, a
mesma ideologia implica várias representações em torno dela ou então várias ideologias implicam uma mesma
representação em torno delas.), Ex: a luta pela definição de quem é nacional ou racial.
175
Duby, (1977: 177-178), realça o carácter conservador das ideologias: “ O conservantismo apoia-se na própria
hierarquia social. Os estratos dominantes, cujos interesses são servidos por modelos ideológicos mais bem armados
do que os outros, dão-se geralmente ao luxo, e na medida exacta em que a sua superioridade material lhes parece
mais certa, de encorajar as inovações no domínio da estética e da moda. Contudo, no mais íntimo deles mesmos,
mostram-se muito atentos em se defenderem contra todas as mudanças menos superficiais que poderiam vir a pôr
em questão o poder e as vantagens que detêm.” Nas sociedades agrárias a estabilidade apoia-se frequentemente no
costume. Idem (1977: 175).
176
Isso faz com que as modificações nas relações vividas afectem – pouco ou muito – as representações que as
pessoas fazem delas. Duby (1977: 178-179).
177
“Quando se acelera a evolução económica ou demográfica, ou então, sob o efeito dessa evolução, se operam
mutações no interior das estruturas políticas, as ideologias devem adaptar-se, para melhor resistir ou para melhor
vencer. Face às outras ideologias adversas, endurecem ou tornam-se flexíveis, afirmam-se ou dissimulam-se,
mascaram-se com o véu de novas aparências. Quando se encontram em situação de força, conseguem integrar, em
parte, no sistema que constituem as imagens ou modelos que do exterior as vinham ameaçar, dominá-las, submetêlas, empregá-las, na consolidação das suas posições Duby (1977: 179).
178
“Esta intrusão procede frequentemente de uma desigual relação de forças entre civilizações em confronto. Neste
caso, a irrupção é por vezes brutal quando ela acompanha as transformações políticas que a invasão ou a colonização
43
Como historiador mediavalista, Duby não descura a componente estrutural dos sistemas
ideológicos nomeadamente no que concerne à legitimar a divisão do mundo social através de
funções sociais e económicas179.
O sociólogo Pierre Bourdieu salienta a dimensão simbólica e a função política da
[ideologia], na medida em que, segundo ele: “[as ideologias] cumprem a sua função política de
instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação que cumprem a sua função política, contribuindo, assim,
180
para a domesticação dos dominados”
. O mesmo considera que as ideologias servem interesses
particulares, que tendem a apresentar-se como interesses universais, comuns ao conjunto do
grupo: trata-se de legitimar uma ordem estabelecida por meio do estabelecimento de distinções
(hierarquias) e para a legitimação das últimas; um efeito ideológico produzido pela cultura
dominante, que dissimula a função da divisão na função da comunicação181.
Sendo assim, a função ideológica (discurso dominante) do campo de produção
ideológico é que tende a impor a apreensão da ordem estabelecida como natural (ortodoxia) por
meio da imposição mascarada (ignorada como tal) de sistemas de classificação e de estruturas
mentais objectivamente ajustadas às estruturas sociais182.
Este sociólogo reforça a sua perspectiva relacional através da noção de campo de
produção simbólica, na medida em que as ideologias são sempre determinadas e porque elas
devem as suas características mais específicas não só aos interesses de classes ou das fracções
provocam. Muito frequentemente, é insidiosa e resulta do fascínio exercido de longe por crenças e ideias ou modos
de vidas sedutores. Mas a contribuição pode também ser deliberada, porque as ideologias procuram apoio em toda a
parte. Duby (1977: 180).
179
O autor refere-se a divisão do mundo social mediaval cujos fundamentos eram tão eficazes que influenciaram a
análise de certos historiadores. Duby (1977: 176).
180
Bourdieu (1989: 11).
181
“ A cultura que une (intermediário da comunicação) é também a cultura que separa (instrumento de distinção) e
que legitima as distinções compelindo todas as culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua
distância em relação à cultura dominante”. Bourdieu (1989: 10-11).
182
Discurso dominante que se adapta a definição de poder simbólico apresentada por Bourdieu: “O poder simbólico
como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão
do mundo e, deste modo, a acção sobre o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que
se pode obter pela força (física ou económica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for
reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico (…) se define numa relação
determinada – e por meio desta - entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na
própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. O que faz o poder das palavras e das palavras
de ordem, poder de manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as
pronuncia, crença cuja a produção não é da competência das palavras Bourdieu (1989: 14-15).
44
que elas exprimem (função da sociodiceia), mas também aos interesses específicos daqueles que
as produzem e à lógica específica do campo de produção183.
Portanto, não se pode conceber a ideologia sem ter em conta: “Os sistemas ideológicos que os
especialistas produzem para a luta pelo monopólio da produção ideológica legítima. (....) mais precisamente, por um
184
campo de produção e de circulação relativamente autónomo”
. Não se pode, portanto, apreender as
ideologias sem ter em conta a sua estrutura e as funções que elas exercem, quer dizer, as
condições sociais da sua produção e da sua circulação; as funções que exercem tanto para os
produtores ideológicos, como para aqueles que não possuem as competências para a produção
ideológica185. É uma abordagem que possibilita uma reflexão acerca das ideologias, sem cair, por
um lado, na tentação do marxismo ortodoxo que reduz os produtos ideológicos aos interesses de
classe, mas, por outro, evita a tentação idealista, que consiste em pensar as produções ideológicas
como totalidades auto-suficientes e auto geradas, passíveis de uma análise meramente interna.
Paul Ricoeur, procura, de entre as várias propostas, construir um conceito de ideologia
através de noções como integração ou identidade186. Considera, portanto, que a ideologia,
embora apresente um carácter de distorção e legitimação, tem uma função integrativa, isto é, de
preservar a identidade do grupo ao longo do tempo187na medida em que “A ideologia é a
instituição social que assegura a identidade”188. O autor, exemplifica com a comunidade política
como fenómeno histórico, a qual, segundo ele: “É um processo cumulativo que reclama alguma coisa do
183
Bourdieu (1989: 13). “As diferentes classes e fracções de classe estão envolvidas numa luta propriamente
simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus interesses, e imporem o campo das
tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posições sociais”183. “As
tomadas de posição ideológica são estratégias que tendem a reforçar dentro da classe e fora da classe a crença na
legitimidade da dominação da classe”. Idem (1989:10-11)
184
Bourdieu (1989: 12) O que implica uma História - não só da produção ideológica como da constituição de sub
campo - dos produtores ideológicos. O sublinhado é nosso.
185
Bourdieu (1989: 13). No nosso caso esta apreensão tem de ter igualmente em conta o processo da divisão do
trabalho político, que é uma dimensão da divisão do trabalho social; divisão que contém a desigual distribuição dos
bens de “salvação política”, ou seja, da relação entre os que possuem e não possuem, os instrumentos da produção
ideológica.
186
Para tal, vai recorrer a Clifford Geertz.
187
Ricoeur (1991: 364 e 426).
188
Ricoeur (1991: 431). Ricoeur apela para Erik Eriksson para justificar a função integrativa da ideologia: “Para
Eriksson, a ideologia é a guardiã da identidade. Pois a instituição social que é a guardiã da identidade é aquilo que
chamamos ideologia. E, Ricoeur continua a citar Eriksson: “De forma mais geral (...) um sistema ideológico é um
corpo coerente de imagens, ideias e ideais partilhados que (....) fornece aos participantes uma orientação global
coerente, ainda que sistematicamente simplificada, no espaço e no tempo em meios e fins
45
seu passado e antecipa alguma coisa do seu futuro. Um corpo político existe, não só no presente como no passado e
189
no futuro, e a sua função é ligar passado, presente e futuro”
.
Outro aspecto positivo da ideologia como integração, segundo Ricoeur, é que ela
suporta a integração de um grupo tanto no espaço como no tempo. Ela funciona tanto na
diacronia como na sincronia. E, no respeitante à diacronia: (.....) ”A memória dos acontecimentos de
fundação de grupo é extremamente importante; a repetida representação dos acontecimentos da sua fundação é um
190
acto ideológico fundamental”
.
Em suma, Ricoeur considera que a ideologia, apesar de pressupor distorção, legitimação
e integração, tem por função encenar um processo de identificação que espelha a ordem tanto no
sentido positivo como negativo; ela preserva a identidade mas conserva o que existe e, como tal,
é uma resistência.191. Desta abordagem “Ricoeuriana” vamos reter a função de legitimação e
identificação.
Sendo assim, a ideologia será também abordada, aqui no nosso trabalho, sobretudo
como sistema de classificação política tendo em conta discursos e práticas de identificação
produzidos pelo campo político angolano, nomeadamente, no que concerne a taxionomias raciais
aplicadas na construção de grupos sociais. Ou seja, nas estratégias de (re) produção da identidade
racial.
Com efeito, em Angola, quem detém o monopólio do exercício da classificação legítima
é o campo político192. Lugar privilegiado para legitimar processos de identificação, e por
conseguinte de identização. É que prevalecem no campo político, – como espaço de relações de
forças e como tal de lutas (de entre as quais as lutas de classificação) – práticas e discursos tanto
de exclusão como de inclusão193.
189
Ricoeur (1991: 364). Porém, Ricoeur não se restringe a uma definição de ideologia meramente política: “ (...) A
ideologia tem uma função mais vasta do que a política na medida em que é integrativa. Mas, quando a integração
chega ao problema da função autorizada de modelos, a política torna-se o centro das atenções e a questão da
identidade a moldura. O que está finalmente em causa no processo de integração (....) é o modo como podemos fazer
a transição da noção geral de uma relação social para a noção de governantes e governados”. (Nós acrescentamos
que no caso específico de Angola, acontece o inverso: é como fazer a transição do político para uma noção geral de
uma relação social).
190
Ricoeur (1991:435).
191
É aí que ela esgota a sua função. Ao contrário, a utopia tem por função transformar. Ricoeur (1991:441).
192
É, portanto, a dimensão política da ideologia que nos importa reter.
193
Significa isto, que a nossa abordagem vai realçar sobretudo a componente relacional do conceito, nomeadamente,
no respeitante a processos de identificação e identização
46
A referência ao político ganha, agora, pertinência para a nossa reflexão. Face a este
nível de abordagem, recorremos a algumas questões, levantadas pela sociologia política, que nos
ajudam a dar mais um passo na problematização do nosso objecto de estudo.
Assim, começamos por focar a nossa atenção sobre os mecanismos do poder e da
dominação, questão que constitui um dos eixos da investigação da sociologia política. O estudo
deste (s) fenómeno (s), incide, em grande parte, sobre temáticas decorrentes da questão do poder
político194. O estudo do poder político não é um espaço teórico homogéneo, mas sim
caracterizado por posicionamentos diferenciados.
O marxismo clássico fundamenta a sua argumentação na questão geral de saber quem
detém globalmente o poder e, neste sentido ganham relevância as explicações sobre o poder
político que buscam respostas no estudo da infra-estrutura económica. A análise do poder liga-se
assim à das classes sociais e à caracterização sobretudo económica destas últimas195.
O marxismo estruturalista, especificamente com Poulantzas, embora se sirva do
conceito de classes sociais para abordar a questão do poder, aceita o princípio de uma autonomia
relativa do espaço político. Para ele, o poder resulta da capacidade de uma classe realizar
interesses e impor decisões, o que, consequentemente, acarreta oposições por parte de outras
classes. É neste quadro que numa sociedade se assiste à emergência de relações de dominação,
que se exprimem através da luta de classes196.
Mas, centremos a nossa atenção sobre as propostas teóricas de Max Weber, que
constituem, relativamente a esta questão, uma referência fundamental. Na sua análise, ele
distingue entre os conceitos de poder e de dominação. Para este autor, o poder é definido como:
197
“a possibilidade de impor a sua própria vontade numa relação social contra toda a resistência”
; enquanto que a
dominação é definida como: “a possibilidade de conseguir obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre
198
pessoas dadas”
.
Todavia, para que quem mande mantenha a sua posição de liderança é preciso que
existam fundamentos que legitimem a dominação. Para Weber, as três fontes de legitimação são:
194
Lembramos que estas explicações são, contudo, em geral, atravessados pela questão da dicotomia micro versus
macro, materializada, grosso modo, por duas abordagens fundamentais relativamente ao poder: i) como interacção
entre grupos e indivíduos, ii) como um efeito das estruturas sociais globais.
195
Ver supra.
196
Poulantzas (1971: 119).
197
Weber (1983: 113).
198
Weber (1983:113). Aliás, para este autor, a dominação é relevante para a Sociologia quando se quer analisar
modos de relação entre senhor ou senhores e o aparato de mando, e, entre estes e os dominados, assim como os
princípios específicos da organização, quer dizer da distribuição dos poderes de mando. Weber (1983:705).
47
“a autoridade”, “a tradição” e o “carisma”. Fontes que, por sua vez, estão na base da sua
construção dos tipos ideais de dominação a que ele respectivamente chama: a dominação
racional, a tradicional e a carismática199.
Bourdieu serve-se dos contributos de Marx e Weber, entre outros, para propor um
estudo relacional do político, que ultrapasse as divisões micro/macro e indivíduo/sociedade. A
sua análise das práticas políticas em termos de campo, habitus200 e capital permite pensá-las
como fenómenos que se foram constituindo social e historicamente como políticos.
Bourdieu considera que as sociedades, sobretudo as mais diferenciadas, são,
constituídas por espaços de relações objectivas (microcosmos sociais) com lógicas e
necessidades específicas e apresentando uma autonomia relativa201. Sendo assim, do ponto de
vista analítico, o conceito de campo pode ser: “ definido como uma rede, ou uma configuração de relações
objectivas entre posições. Estas posições são definidas objectivamente na sua existência e nas determinações que
elas impõem ao seus ocupantes, agentes ou instituições, simultaneamente, pela sua situação actual e potencial na
estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos ganhos
específicos que estão em jogo no campo e pelas relações objectivas com as outras posições (dominação,
subordinação, homologia, etc.)”
202
. Bourdieu compara o campo a um jogo203. Serve-se da metáfora do
jogo para exprimir uma “primeira intuição” do seu entendimento de campo204. Como em
qualquer jogo, o campo inclui não só o que está em jogo como também um investimento
(illusio), ambos assentes na crença (doxa) de que vale a pena jogar o jogo. A colusão resultante
está na base da competição e de conflitos entre jogadores com trunfos (capitais)
hierarquicamente diferenciados205. O estado das relações de força, em cada momento, define a
199
Weber (1971: 219 e ss); Cruz (1989: 681 e ss).
Não utilizaremos no nosso estudo o conceito de habitus definido por Bourdieu (1972:178-179) como um
“sistema de disposições duráveis e transponíveis que integrando todas as experiências passadas, funciona em cada
momento como uma matriz de percepções, apreciações e acções que torna possível a realização de tarefas
infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da
mesma forma e graças às correcções incessantes dos resultados obtidos, dialecticamente, produzidas por estes
resultados”.
201
Bourdieu (1992: 73).
202
Bourdieu (1992: 72-73). Nesta medida, a lógica e as necessidades de cada campo são irredutíveis relativamente
aos outros campos. Idem (1992: 73).
203
Embora, contrariamente ao jogo, ele não seja produto de uma criação deliberada e obedeça a regras, ou melhor, a
regularidades não explícitas e codificadas (Bourdieu, 1992: 73).
204
Bourdieu (1992: 73 e ss).
205
"Da mesma maneira que a força relativa das cartas muda segundo os jogos também a hierarquia das diferentes
espécies de capital (económico, cultural, social, simbólico) varia nos diferentes campos". Bourdieu (1992:74).
200
48
estrutura do campo. Todo e qualquer campo tem uma história social do seu nascimento (génese
do campo) que constitui em certa medida o seu inconsciente histórico206.
A partir do conceito de campo, torna-se possível pensar a construção do político na
sociedade angolana, tendo em conta a sua especificidade não só relativamente à definição do que
está em jogo, às crenças que o sustentam e aos princípios que o organizam, como também
considerando as condições históricas e sociais da sua constituição. Por outro lado, pensar
relacionalmente o fenómeno político servindo-nos do conceito de campo permite-nos abordá-lo
como um campo de lutas por definições legítimas, isto é, como campo de conflitualidades, estas
últimas entendidas dentro dos limites da crença fundamental que sustenta o interesse genérico da
prática política. Permite ainda considerá-lo como um espaço de hierarquizações e
consequentemente organizado em torno de classificações sociais, de entre as quais merecem, no
nosso estudo, atenção analítica, as luta de classificações em torno das propriedades
rácicas/características somáticas, que têm a particularidade de se processarem em contextos de
crise. As crises apresentam um valor heurístico de grande importância, na medida em que são
instrumentos de observação de práticas políticas (e não só), que possibilitam descortinar
processos, dinâmicas, agentes, e estigmas muitas vezes dissimulados.
Segundo Bastien a noção de crise foi importada, ao que parece, das ciências médicas,
começando a generalizar-se no âmbito das análises do universo social nos séculos XVII e XVIII.
Período em que se começa a aplicar a expressão crise económica207. A partir do século XIX a
noção de crise é teorizada num duplo contexto: de grande progresso das ciências sociais, e de
desenvolvimento do sistema capitalista. O qual por sua vez se caracterizava por crises cíclicas. A
noção de crise estava frequentemente relacionada com movimentos periódicos da histórica
económica208.
Adquire nesta área disciplinar, grande relevância a abordagem marxista. A mesma
propõe uma abordagem teórica segundo a qual a história do capitalismo é marcada pela frequente
206
"Pode imaginar-se que cada jogador dispõe de pilhas de fichas de diferentes cores tantas quantas as diferentes
espécies de capital que detém, de modo que... a sua posição no espaço de jogo, e também as suas estratégias no jogo
dependem simultaneamente do volume global das suas fichas e da estrutura do empilhamento de fichas (...). Mais
precisamente do volume e da estrutura do seu capital num dado momento com as probabilidades que o jogo
oferece...mas também da evolução no tempo do volume e da estrutura do seu capital (...) da trajectória social e das
disposições (habitus) que se constituíram na relação prolongada com uma certa estrutura objectiva de possibilidades
(...) Os jogadores podem jogar para aumentar e conservar o seu capital (...) mas podem também trabalhar para
transformar parcial ou totalmente as regras imanentes do jogo. Bourdieu (1992: 74-75). Ver nota rodapé nº4.
207
Bastien (1989:12).
208
Barata (2002: 13).
49
e periódica produção de rupturas, desarticulações do equilíbrio global entre as esferas da
produção e do consumo. Isto deve-se à fisionomia própria das relações de produção capitalistas,
que se definem, num primeiro momento, pela interdependência contraditória entre as diversas
unidades de produção (interdependência que se manifesta e resolve na troca de mercadorias
regulada através da concorrência pela lei do valor) e, num segundo momento, pela separação e
contradição entre produtores directos assalariados e os capitalistas detentores dos meios de
produção e do produto resultante do trabalho daqueles209.
Poulantzas, no seu contributo para o estudo da noção de crise, critica a perspectiva da
abordagem puramente económica das crises porque considera que o político não é um simples
reflexo ou expressão do económico. Para este autor, a noção de crise deve definir-se em função
de objectos teóricos específicos, construídos no interior das diversas áreas disciplinares que
compõem o vasto espaço das ciências sociais210.
Os imperativos teóricos que norteiam a construção do nosso objecto remetem para uma
perspectiva englobante do conceito de crise, ou seja, para uma abordagem multidisciplinar e
multidimensional que não se pode dissociar das condições históricas da produção de qualquer
crise.
No caso da nossa investigação, constatamos que o campo político angolano é
atravessado por múltiplas crises, para as quais convergiram uma série de factores de ordem
militar (teatro de luta reduzido), económica (não assegurada a reprodução da vida material dos
militantes), política (sem consenso relativamente à ocupação de posições - distribuição de
lugares - tendo em conta a institucionalização do capital político adquirido) e simbólicoideológico (princípios de classificação como objecto de questionamento e de luta política). De
igual modo, na Angola independente estes mesmos factores (militar, económico, político e
simbólico-ideológico) iriam emergir como factores de convergência para que o novo Estado
independente se tornasse um espaço de crise.
209
“Esta contradição, entre forças produtivas e a forma de troca que, como vimos, já se produziu diversas vezes no
decorrer da história até aos nossos dias, sem todavia comprometer a sua base fundamental, traduziu-se
necessariamente, em cada um dos casos, numa revolução, revestindo ao mesmo tempo diversas formas acessórias
tais como todo um sem número de conflitos, choques de diferentes classes, contradições da consciência, luta
ideológica, luta política, etc. Marx e Engels (1976: 76).
210
Poulantzas (1978: 22). Ernest Labrousse já tinha demonstrado que os ciclos económicos não coincidiam,
necessariamente com os ciclos conjunturais ou sociais. Barata (2002: 13).
50
É nesta medida que o conceito de crise se apresenta como um instrumento analítico
pertinente, sobretudo, para o exame dos diferentes acontecimentos independentes na sua
dependência que convergiram para situações de crise no campo político angolano.
Ao longo da nossa reflexão articulámos quatro problemas centrais, a saber: a identidade,
a ideologia, o campo político e a crise. Para viabilizar esta articulação, considerámos ser
pertinente reter as propriedades rácicas/características somáticas como um elemento
ideológico/identitário. Trata-se, de problematizar estas propriedades como sistemas de
classificação integradas em dinâmicas de construção identitária sustentadas tanto pelo Estado
colonial como pelo campo político angolano
Em Angola, a colonização implicou uma desestruturação das denominadas sociedades
pré-coloniais. O resultado foi, obviamente, uma nova reconfiguração da cartografia social
africana nomeadamente nos espaços afectos ao Estado colonial.
A dominação colonial não se efectuou somente pela ocupação pura e simples dos
territórios africanos, mas também através da elaboração de um sistema de classificação que
fundamentou uma nova estrutura social, sobretudo nas “sociedades centrais”211. Sendo assim, o
Estado colonial funcionou também como promotor identitário212, na medida em que, através de
categorias identificadoras legitimou a imposição (com o seu efeito de adopção) de um sistema,
de classificação em torno de propriedades rácicas/características somáticas213. Esta promoção
identitária é também perceptível, se nos detivermos na dinâmica e funcionamento do espaço
nacionalista angolano.
Com efeito, o espaço nacionalista angolano, na a sua heterogeneidade, apresenta-se
como um campo de lutas, não só político-militar, mas ideológico/ identitário, em que o que está
em jogo é também a definição de quem é angolano. Lutas que ganham contornos mais
dramáticos em situações de crise214. Situações que propiciam reavaliações em torno de
taxionomias e categorizações. O que significa que, no caso angolano, as classificações em torno
211
O espaço colonial apresentava uma estrutura dualista: Uma sociedade central e urbanizada própria de uma
economia moderna e uma sociedade periférica constituída por africanos fortemente dependentes do modo de
produção capitalista. Heimer (1980: 18).
212
O Estado, como agente de identificação e categorização detém, o monopólio, para além do exercício da violência
legítima, de poder nomear, identificar, categorizar e enunciar aquilo que é e quem é quem. Brubaker (2001: 75-76).
Daí que classificações como negro, branco mestiço permaneçam na sociedade angolana com todas as consequências
sociais inerentes.
213
Efeito de reconhecimento entre os sujeitos.
214
Reis (2002); Reis e Reis (1996).
51
das propriedades rácicas/características somáticas são veiculadas, principalmente, pelo campo
político e, como tal, assumem a forma de classificações políticas215.
Somos levados, portanto, a reter como conceito operatório o de ideologia identitária, no
sentido de existirem práticas e discursos em torno de classificações políticas nas quais um dos
efeitos é, o de (re)construírem processos de integração e exclusão. É neste sentido que identidade
e ideologia são indissociáveis.
A partir da problemática exposta, estamos pois, em condições de enfrentar o conjunto
de problemas cruciais para uma análise do objecto em estudo, adoptando um ponto de vista que
cruza o fenómeno ideológico/identitário com o fenómeno político.
2.4 Construção do modelo de análise
Podemos, de novo, afinar a nossa pergunta de partida e formulá-la do seguinte modo:
em
que
medida
as
propriedades
rácicas/características
somáticas
como
elemento
ideológico/identitário condicionaram a dinâmica do campo político angolano e que papel
desempenharam no referido campo em contextos de crise?
Julgamos estar agora em condições de propor um modelo analítico, construído em torno
da articulação dos conceitos de ideologia identitária, campo político e de crise.
2.4.1 Ideologia identitária
Entende-se aqui por ideologia identitária um sistema de classificação, produzido e
trabalhado, que contém um discurso identitário (crença num sentimento de pertença) que
obedece a um duplo processo de integração (identificação) e de diferenciação (identização).
Trata-se, por isso, de um sistema de classificação que (re)produz a inclusão e a exclusão e
também distinções de classe e de estatuto. As diferenciações sociais fazem com que as
construções ideológicas/identitárias sejam igualmente lutas de classificação que se processam em
contextos societários historicamente determinados216.
215
O mesmo acontece com, o ideário nacionalista, que no entanto está bastante distante da dimensão identitária
Encarregar-se-á porventura, o tempo de colmatar esta última?
216
52
A referência ao identitário é extraída de Pinto (1991: 217-231).
O conceito de ideologia identitária é aqui definido como relação social, implicando,
deste modo, simultaneamente dinâmicas de identificação e de identização. Por conseguinte,
podemos considerar no conceito de ideologia identitária uma dupla dimensão na relação com o
outro. A primeira, diz respeito à capacidade de inclusão em que os actores são capazes de se
identificarem com conjuntos mais amplos. A segunda, diz respeito à capacidade de exclusão
(delimitando em relação aos outros distancias e fronteiras).
Um outro aspecto do conceito de ideologia identitária como relação social é a sua
dimensão política como lutas de classificação. Ora, para melhor apreender as características
desta dimensão torna-se pertinente cruzar o conceito de ideologia identitária com o conceito de
campo político.
2.4.2 Campo político
O conceito de campo político como utensílio teórico é um empréstimo contraído a
Pierre Bourdieu. Para ele a noção de campo: “é, em certo sentido, uma estenografia conceptual
de um modo de construção do objecto que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas
de pesquisa (...) a saber verificar que o objecto em questão não está isolado de um conjunto de
relações de que retira o essencial das suas propriedades”217. Trata-se pois, segundo ele, de pensar
o social de modo relacional e não substancialista.
Bourdieu, a partir desta ressalva epistemológica, propõe que o campo político seja:
“entendido simultaneamente como campo de forças e como campo de lutas tendo em vista transformar a relação de
forças, o que confere a este campo a sua estrutura num dado momento, (...) Os efeitos das necessidades externas
fazem-se sentir nele por intermédio sobretudo da relação que os mandantes, em consequência da sua distância
diferencial em relação aos instrumentos de produção política mantém com os seus mandatários e da relação que
estes últimos, em consequência das suas atitudes mantém com as suas organizações (...) O campo político é o lugar
em que se geram, na concorrência entre os agentes que nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas,
218
programas, análises, comentários, conceitos, acontecimentos”
. Este conceito permite tratar a relação
social do ponto de vista das práticas políticas tendo em conta os nossos objectivos. Por isso
retemos do respectivo conceito três dimensões fundamentais: uma dimensão conflitual, uma
dimensão institucional e uma dimensão discursiva.
217
218
Bourdieu (1989: 27).
Bourdieu (1989: 163-164).
53
A dimensão conflito/competição recobre lutas pela apropriação de recursos políticos,
tidos como relevantes em momentos escolhidos da luta política.
A dimensão institucional diz respeito a configurações das relações de força em função
da constituição e posterior desenvolvimento do campo político e dos momentos de
conflitualidade, mais especificamente de crise.
A dimensão discursiva abrange produtos políticos como lutas de classificação inscritas
nos discursos e nos pontos de vista expressos pelos actores entrevistados. Trata-se também aqui
de dar maior pertinência à dimensão conflitual alargando o campo dos seus atributos. Para isso
vamos cruzar o conceito de campo político com o conceito de crise.
2.4.3 Crise
Uma crise pode ser entendida como um momento de intersecção de uma série de
acontecimentos independentes que acontecem em diferentes “regiões” de um espaço social;
regiões com necessidades e temporalidades diferenciadas que caracterizam o referido espaço. A
crise como conjunção de séries causais independentes implica a existência de “mundos”
separados mas que participam do mesmo “universo” tanto no seu fundamento como no seu
funcionamento. É esta independência na dependência que torna possível o acontecimento
histórico219.
A partir deste conceito podemos reter duas dimensões. A crise como convergência de
factores e a crise como interdependência dos factores. No primeiro caso, focalizamos a nossa
observação, a partir de duas características fundamentais desses factores: a política e a militar.
219
54
Bourdieu (1984: 210-211 e 226- 227).
No segundo caso, recorremos aos atributos que conferem aos factores político-militares uma
interdependência. Referimo-nos, por um lado às influências internacionais e regionais (Estados
Unidos da América, União Soviética, Cuba, República do Congo, República Democrática do
Congo, Zâmbia, África do Sul e Namíbia) na relação de competição/conflito entre
MPLA/FNLA/UNITA, e, por outro, à própria dinâmica do campo político Angolano
(MPLA/FNLA/UNITA) no respeitante à reavaliação dos recursos políticos, de entre os quais, as
propriedades rácicas/características somáticas.
Na construção do nosso objecto teórico a operacionalização proposta, com base na
articulação dos três conceitos e na sobreposição das dimensões seleccionadas, constitui a matriz
analítica através da qual procederemos à verificação das seguintes hipóteses que passamos a
formular.
2.4.4 Hipótese
Recordemos, antes de tudo, a nossa pergunta de partida: em que medida as propriedades
rácicas/características somáticas como elemento ideológico/identitário condicionaram a dinâmica
do campo político angolano e que papel desempenharam no referido campo em contextos de
crise?
1. No seu processo de configuração e estruturação, o espaço nacionalista angolano
começa por ser um lugar de produção discursiva em torno da reivindicação territorial.
A produção discursiva será frequentemente complementada por um sistema de
classificação assente em propriedades rácicas/características somáticas. Assim,
classificações que outrora remetiam para processos de hierarquização e até de
exclusão, dos colonizados no espaço colonial serão (re)apropriadas e reavaliadas de
modo a denunciar o arbitrário colonial, e reivindicar a independência. Podemos assim
considerar que as duas categorias, a saber raça e nação tiveram um papel fundamental
na génese do espaço nacionalista angolano como lugar de produção discursiva e
gerador de processos de inclusão e exclusão.
55
2. À medida que se vai estruturando e configurando, o campo político angolano vai
adquirindo características de um espaço de crise onde se desenrolam lutas de
classificação pelo monopólio dos recursos materiais e simbólicos, que possibilitam a
imposição de múltiplas categorias, de entre as quais as classificações assentes em
propriedades rácicas/características somáticas. Sendo assim, estas classificações
começam a desempenhar um papel fundamental na luta pela hegemonia do espaço
nacionalista, na medida em que se tornaram objectos de actos de percepção e
apreciação, de conhecimento e reconhecimento, em que os militantes nacionalistas
irão investir os seus interesses e os seus pressupostos.
3. No caso do subcampo MPLA, o papel das classificações assentes em propriedades
rácicas/características somáticas nas lutas políticas torna-se uma regularidade
sobretudo em contextos de crise, nomeadamente em processos de institucionalização
do capital político.
4. A introdução das propriedades rácicas no BI é um acto de legitimação político-
jurídica de uma categoria que exemplifica um modo de (re)apropriação de categorias
raciais pelo campo político angolano, num contexto de crise e de lutas políticas.
Como tal, essa consagração jurídico-politica das propriedades rácicas/características
somáticas não obedece apenas a uma função identificadora dos indivíduos. A inclusão
de categorias como negro, misto ou branco no Bilhete de Identidade, não pode ser
dissociada de práticas políticas que remetem para processos de inclusão e exclusão.
Figura 1 - Operacionalização dos conceitos de ideologia identitária, campo político e crise
56
Conceitos
Dimensões
Componentes
Identificação/ Identização
Ideologia
identitária
Indicadores
Raça
Etnia
Inclusão/Exclusão
Sistema de classificação política
Região
Nação
Lutas de classificação
Lutas pela apropriação de
recursos
Conflitual
Lutas políticas
Lutas militares
Raça; etnia
Recursos relevantes
Região; ideologia
Aparelho militar
Anterioridade
Campo Político
Institucional
Configuração das relações de
forças
N.º de deputados
Controlo do Estado
Reconhecimento internacional
Coesão interna
Normativa
Estatutos; Lei/BI
Raça; etnia
Discursiva
Lutas de classificação
Região; ideologia
Bases militares; luta armada; resultados dos confrontos
Militares
Convergência de factores
Políticos
Crise
militares
Controle da direcção política; cisões
Relações com os dois Congos, África do Sul, Namíbia,
Regionais
Interdependência de
factores
Zambia
Internacionais
URSS, Cuba, EUA
Organizacional
MPLA/FNLA/UNITA
3. Estratégia metodológica
57
A perspectiva na construção do objecto de pesquisa que estivemos a explicitar está na
base de uma estratégia metodológica que tem em conta:
• o nosso campo de observação: o período compreendido entre 1950 e 1996;
• a articulação de técnicas documentais e não documentais;
• o enfoque interdisciplinar;
A abordagem do período compreendido entre 1950 e 1996 incidiu na dinâmica do
campo político angolano no que concerne, sobretudo, aos processos de reavaliação de
propriedades rácicas características somáticas.
Para o desenvolvimento do trabalho, usámos fundamentalmente técnicas documentais já
que a distância cronológica (1950-1996) pedia um tipo de observação indirecta. Assim, depois de
procedermos a um trabalho de selecção e apreensão das fontes possíveis, usámos o método
hermenêutico na análise e interpretação dos documentos, assegurando assim a sua autenticidade
e proveniência através da crítica externa e a sua credibilidade, recorrendo à crítica interna.
Consideramos aqui o termo documento no sentido lato para incluir não só textos
escritos de vária ordem, nomeadamente documentos oficiais, artigos de imprensa, obras literárias
existentes em arquivos públicos ou privados mas também fontes não escritas, como narrativas
orais, documentários e fotografias220.
De entre as fontes manuscritas que seleccionámos, destacamos os materiais existentes
em Portugal quer na Biblioteca Nacional quer no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, onde se
encontra o Arquivo da PIDE-DGS, além do Centro de Investigação e Desenvolvimento Amílcar
Cabral, (CIDAC). Em Angola adquiriu importância o Centro de Documentação da Assembleia
Nacional.
Ao longo dos anos conseguimos acumular um arquivo pessoal que inclui jornais da
época em estudo, documentação oficial, cartas e entrevistas com os protagonistas da luta de
libertação nacional. Foram igualmente consultadas fontes secundárias como teses, monografias,
romances, ensaios etc.
220
Tal como afirmamos anteriormente (nota 27) a noção de documento refere-se a todo e qualquer vestígio do
passado. Trata-se de atribuir à qualquer vestígio do passado o mesmo valor que as fontes escritas como tal sujeitos
aos mesmos parâmetros da hermenêutica.
58
Porém, a nossa periodização de 1950 a1996 é igualmente muito próxima do presente. O
que limitou o nosso acesso ao documento escrito221. Ora, isso fez com que valorizássemos as
fontes orais cruzando-as com as fontes escritas222. O que nos possibilitou interagir com a nossa
fonte já que existe contemporaneidade entre o entrevistador e a testemunha.
Esta proximidade temporal com o presente estimulou-nos para o uso de técnicas não
documentais, combinando a observação não participante e a participação-observação.
No quadro da observação não participante recorremos à entrevista semi-directiva de
forma a garantir ao entrevistado a margem de liberdade exigida pelo tratamento do tema em
questão. A construção da amostra não probabilística e em bola de neve assegurou a escolha de
um conjunto de elementos típicos do universo em estudo.
No respeitante aos entrevistados, fizemos questão que fizessem parte – ou tivessem feito
parte – do campo político (sobretudo organizações políticas). Não descurámos, porém, a
entrevista aos observadores privilegiados: historiadores, sociólogos etc.
A participação-observação constituiu uma técnica importante na medida em que, ao
longo do nosso trabalho, foi um importante meio de observação de alguns aspectos do modo de
funcionamento de espaços sociais (Assembleia Nacional, instituições religiosas, centros
artísticos e literários, universidade, etc.) susceptíveis de produzir efeitos no campo político. A
nossa observação estendeu-se aos espaços informais onde se pôde descortinar discursos acerca
das raças (a rua, os musseques, os mercados informais etc;)223.
Na construção do nosso objecto de estudo tivemos de recorrer a uma sucinta
contextualização histórica, anterior à nossa proposta cronológica. Optámos, aqui no caso, por
uma narrativa diacrónica. Neste trabalho, foi de primordial importância o recurso ao acervo
documental de instituições de referência como a Biblioteca Nacional situada em Lisboa e o
Arquivo Histórico Nacional de Angola, situado em Luanda.
221
A História, quanto mais próxima do presente, como tal memória dos vivos pode tornar-se um meio para ajustar
contas políticas e, até pessoais. É aquilo que nós definimos como uma espécie de historiografia político-rancorosa
222
Não significa praticar uma história oral.
223
A isso podemos acrescentar os funerais, as festas, lugares privilegiados onde é possível constatar relações sociais
profundamente marcadas por determinados sistemas classificatórios.
59
Capítulo II. Elementos históricos pertinentes para a compreensão da
dominação colonial. Séculos XVI - XX
60
1. Africanos e portugueses. Das relações de cooperação às relações de conflito. Chegada e
ocupação parcial
Podemos considerar que o espaço territorial que presentemente delimita a actual Angola
é, em certa medida, produto das recomposições internas das sociedades pré-coloniais e da
influência da colonização portuguesa com os seus jogos de alianças, conquistas e ocupação. Com
efeito a construção do espaço social colonial em Angola compreendeu diversas fases que, grosso
modo,
podemos
assim
caracterizar:
cooperação/conflito,
conflito/ocupação
e
ocupação/colonização sistemática.
Quando no fim do século XV os europeus aportaram na Foz do Rio Zaire, é muito
provável que tivessem se deparado com uma organização estatal poderosa, o reino do Kongo, e
que apresentava as seguintes características224:
• um exército centralizado na figura do Rei, mobilizado nos povos e nos escravos;
• uma economia desenvolvida, com artesanato e uma circulação de produtos muito
complexa, em que o dinheiro já existia: o nzimbo, cauri existente
fundamentalmente na ilha de Luanda, apanhado por mulheres ao serviço do rei,
que era de facto o banco emissor deste reino. Uma agricultura que fundamentava
essa mesma economia;
• uma emergente escrita comercial e rudimentar;
• uma rede de transporte constituída por extensas caravanas de escravos (de
centenas de kilómetros) de mercadorias dos centros de produção para os
mercados;
• uma bem sucedida indústria do ferro;
Acresce, uma organização da vida social que se processava através da interrelação entre
o nível simbólico e o nível político. Em que o simbólico está profundamente associado a
processos de investidura onde adquirem importância os que representam as forças mágicas: terra,
224
Lopes e Pigafetta (1989: 123-124). Dizemos, provável, porque o testemunho data dos fins do século XVI.
61
chuva e fertilidade. O nível político traduz-se na constituição do grupo mediante a aliança entre a
matrilinhagem e a filiação paterna, sendo que, esta última garante a investidura do filho225.
Perante tal poderio político, simbólico e administrativo não é de estranhar que, os
contactos entre kongueses e portugueses, sobretudo no que diz respeito ao poder central de
Mbanza Kongo, tivessem começado por ser relações de Estado. Havia portanto um
reconhecimento, mútuo, da parte de ambas as soberanias226.
Viveu-se assim, num breve período, um ambiente político de paridade entre os dois
Estados. O que proporcionou, às formações políticas desta região, uma nova dinâmica tanto nas
actividades económicas227 como no fortalecimento das instituições políticas e militares228.
Contudo: “A exportação de escravos conseguida quase imediatamente à descoberta do rio Zaire,
inicialmente em benefício do feitor da ilha de S. Tomé, foi elemento de contradição nessa relação, pois sendo
elemento motivador da parte dos mercadores que nela se envolveram, contrariava o objectivo missionário e
provocava a reacção de alguns dos interesses locais, eles próprios não desconhecedores, porém, da realidade
229
esclavagista, mas confinada às próprias sociedades”
. Daí que o tráfico de escravos tenha, em certa
medida, contribuído para algum arrefecimento das relações entre os dois Estados.
Com efeito, em Mbanza Kongo e Mpinda, existiam mercados importantes de escravos,
resgatados no Alto Kwangu e no Alto Zaire, que eram vendidos aos europeus230. Além de que, os
225
Gonçalves (2005:196). O mesmo acrescenta um terceiro nível. O nível matrimonial. Os casamentos permitem
alianças com grupos de linhagem patrilinear, criando assim novos laços de solidariedade e paradoxalmente novos
conflitos. Idem.
226
Esta relação solidificou-se graças ao papel desempenhado por Portugal226 no que concerne à sua acção
missionária no Kongo, nomeadamente: com conversão ao cristianismo de Mvemba-a-Nzinga, (que subiria ao trono
em 1506) cujo nome de baptismo é D. Afonso I, “ Com ele principia o período mais brilhante, (….) da missão de
cooperação portuguesa. É neste período que cristianismo e instrução conseguem ampla difusão Gonçalves
(2005:88).
227
Permitindo transaccionar mais produtos agrícolas, (embora relativamente poucos, porque a terra pertencia ainda à
colectividade e não conduzia à produção maciça de excedentes para o comércio), e produtos manufacturados em que
se logrou uma autêntica revolução, com o aperfeiçoamento das técnicas de produção e com a entrada no comércio de
produtos europeus, estabelecendo-se verdadeiras relações de complementaridade entre africanos e europeus nas
trocas que efectuaram. Caley em Medina e Henriques (1996: 213).
228
Caley em Medina e Henriques (1996: 213); “A vigência da cooperação luso-conguesa, exemplar e sem
precedentes na história da convivência entre europeus e africanos, prolongou-se por aproximadamente meio século,
ou seja de finais do século XV até meados do século XVI. Foi no decurso deste período que (…) os dois povos
estabeleceram uma comunicação sem qualquer tipo de constrangimento e aparentemente numa base de plena
equidade. Mavinga (2002: 121).
229
Oliveira (1990: 15-16).
230
O rei Afonso I antevira o perigo do tráfico para o seu reino. “Neste sentido, os reis de Portugal e do Kongo
publicaram vários regulamentos para controlar e regularizar os mercados”. Gonçalves (2005: 92).
62
escravos funcionavam frequentemente como moeda de troca para o pagamento dos produtos e
assistência técnica (custo dos estudos em Portugal) adquiridos pelos kongueses, aos europeus231.
Com a morte de Afonso I, sociedade konguesa entrou num período de sucessivas
crises
232
que se traduziam, de ponto de vista político, por constantes lutas pelo poder contribuindo
deste modo para a fragmentação do poder centralizado. Nos períodos de concentração do poder
verificava-se uma hierarquização dos reis e dos seus dignitários acentuando a estratificação
social. Enquanto que, nos períodos de poder relativamente difuso se verificava o retorno ao
conjunto mais igualitário de linhagens, com o consequente reforço da autoridade tradicional dos
chefes naturais das matrilinhagens233.
Mas a morte de D. Afonso I reforçara igualmente um clima de tensão – já existente –
entre kongueses e portugueses. Com efeito, se para muitos chefes kongueses o sistema político
português constituía uma solução decisiva e vantajosa, para outros, a presença portuguesa, era
um obstáculo à manutenção das estruturas tradicionais konguesas.234 Daí que as relações entre os
dois Estados tenham começado a oscilar entre o conflito e a cooperação235. Esta ambiguidade
relacional culminaria com a ruptura definitiva entre os dois Estados, selada na famosa batalha de
Ambwila236.
231
“O rei D. Manuel chegou a intimar o seu Embaixador a assumir, em seu nome pessoal, a “cobrança” do serviço
que a Corte de Portugal foi prestando aos Reis do Kongo pois que, a Simão da Silveira foi solicitado que acautelasse
o carregamento dos navios com escravos, marfim, cobre, etc., sem falha, ainda que tivesse que fazer lembrar ao Rei
do Kongo quão elevado era o custo dos estudos dos seus familiares em Portugal”. Mavinga (2003: 120).
232
Estas crises eram reforçadas não só pelo incremento do tráfico de escravos, como pela diminuição da acção
evangelizadora e cultural; guerra civil. Gonçalves (2005: 96); acresce ainda a colonização holandesa entre 1641 e
1648; além da peste, trazida pelas embarcações portuguesas, que dizimou a população. Parreira (2003: 27).
233
Gonçalves (2005: 96).
234
Apesar das suas contradições externas, a sociedade konguesa gozava de uma certa autonomia. Esta ficou
arruinada quando os portugueses expulsaram os holandeses da colónia de Angola e resolveram invadir o reino do
Kongo, sob o pretexto de os seus dirigentes terem mantido alguma cumplicidade com os holandeses. Assim, o
Ntotela Garcia II foi obrigado a negociar a paz com os portugueses e reforçar a submissão do reino. Mavinga (2003:
130).
235
A título de exemplo, quando os Jagas invadem o Reino do Kongo, o Ntotela Mpanzu-a- Nimi- Álvaro I a solicita
o apoio dos portugueses, o que veio a acontecer com a resposta pronta do rei D. Sebastião que enviou, em auxílio
do Ntotela 600 homens com armas de fogo, vindos de Lisboa e repondo o Ntotela que estava refugiado nas ilhas do
rio Zaire. Porém, o Ntotela, Mpangu-a-Nimi a Lua Mvembe- D. Álvaro II iria expulsar os portugueses do Estado,
rejeitando assim o contrato de vassalagem assinado pelo seu antecessor. O que levará os portugueses a abandonarem
o Kongo e a instalarem-se na região do Ngola. Aliás, segundo um autor em meados da segunda metade do século
XVII, a corte portuguesa já não mostrava interesse pelas hierarquias konguesas. Mavinga (2003: 129).
236
Ocorrida em 29 de Outubro de 1665. A batalha de Ambwila assinala a fragmentação definitiva da sociedade
Kongo. O reino nunca mais conseguiu adquirir o poderio do tempo de Afonso I. Gonçalves (2005: 59); Idem
(2005:132-133). Chegara-se assim, a um ponto em que os portugueses interferiam constantemente na indicação de
quem deveria reinar de facto no Kongo. Parreira (2003:86-87).
63
Ao contrário das relações com a sociedade Konguesa (cooperação e depois conflito),
com o reino do Ndongo o pressuposto foi o conflito237: “No século XVI nenhum Ngola recebeu de braços
abertos as missões evangelizadoras, nenhum Ngola teve secretário para se corresponder com os soberanos
portugueses, nenhum mereceu o tratamento de «meu irmão» tantas vezes utilizado pelo rei de Portugal e do Congo
nas missivas trocadas. Nada foi semelhante ao Congo. Desde o início, o reino de Angola foi visto como reserva de
escravos e de metais ricos, terreno de conquista, território a subjugar, para exploração dos seus recursos naturais e
238
humanos”
.
A partir da segunda metade do século XVI, a importância do Ndongo como zona de
comércio, para os portugueses, é cada vez maior: “As fortes motivações para apoiar e encorajar a
conquista do território dos Ngola, era por demais evidente, tendo em conta que o Brasil a construir depois de
239
quinhentos reclamava mão-de-obra abundante, que só a África poderia oferecer”
. Tornava-se, por isso,
imperioso, mais do que desenvolver um comércio vantajoso com as das autoridades do Ndongo,
ocupar a região. Sendo assim, as relações entre o estado do Ndongo e a coroa portuguesa pautarse-iam pela lógica do confronto.
Em 1571, a carta de doação de D. Sebastião era clara: “Aos que esta minha carta virem, faço
saber que vendo e considerando eu quanto convém ao serviço de Nosso Senhor e também ao meu mandar sujeitar e
conquistar o reino de Angola assim para se nele haver de celebrar o culto e ofícios divinos e acrescentar a nossa
santa fé católica e promulgar o santo Evangelho como pelo muito proveito que se seguirá a meus reinos e senhorios
e aos naturais deles de se o dito reino de Angola se sujeitar e conquistar houve por bem com parecer e deliberação
dos do meu conselho e dos deputados da Mesa da Consciência e dois letrados teólogos e canonistas de mandar
entender na conquista do dito reino por se assentar e determinar que pelas causas acima ditas conforme as bulas
240
apostólicas concedidas aos reis destes reinos meus antecessores tinha obrigação de o fazer assim”
. Tratava-se
de garantir, por um lado, a ocupação militar e a propagação da fé cristã e, por outro lado, a
protecção dos comerciantes que se deslocavam ao sertão para obterem, a preços favoráveis, as
mercadorias necessárias para o funcionamento das cidades costeiras. Estavam, assim, lançadas as
bases para um modelo de ocupação territorial assente na edificação de uma série de presídios,
237
A formação do Estado do Ndongo terá ocorrido a partir do século XIV. O fundador do reino foi Ngola – Musuri
que tinha como profissão ferreiro. A maioria dos soberanos era ferreiros e titularizados como Nogola. Os súbditos
deste reino designavam-se por isso Ana-á-Ngolà, razão porque os portugueses, desde os fins do século XVI
generalizaram nas fontes escritas este povo pelo designativo de “Ngola”. É da generalização do título Ngola ao povo
e ao primeiro território conquistado pelos portugueses, que surge o nome Angola que se foi estendendo
paulatinamente por todo o país. Coelho ( mimeo); ver também Miller (1995:55-70).
238
Amaral (1996: 33).
239
Silva em Medina e Henriques (1996: 222). Este interesse passava também pela cobiça dos minérios que se
encontravam na região, nomeadamente, prata, ferro e cobre. Embora o intento de cristianizar estivesse patente.
Amaral (1996: 14).
240
Delgado I (1946: 276).
64
acompanhado da fortificação dos espaços ocupados que, por sua vez, ficavam sob o controlo da
administração portuguesa241.
O avanço, embora penoso, dos portugueses, iria prosseguir praticamente ao longo do
corredor do Kwanza. A conquista ao sul do rio Kwanza culminaria com a construção de um
presídio em Caconda (após um tratado de paz assinado com a autoridade local)242. A partir daqui,
o avanço português para o interior é praticamente estagnado. Um status territorial praticamente
preservado até à primeira metade do século do XIX243. Sendo que, durante o mesmo período,
para Luanda eram encaminhados escravos provenientes de zonas longínquas da África central,
por intermédio dos reinos de Matamba e, sobretudo, de Cassange, adquiridos principalmente
através do comércio com o império Lunda. Este último tributava em escravos numa vasta região,
trocando-os depois por produtos importados através do Cassange. Mais a sul, é o povo ambundo
que exerce a função de intermediário entre o litoral (Benguela) e o interior do continente244.
“Estes circuitos, que funcionavam desde meados do século XVII, iriam prevalecer ao longo da
primeira metade do Oitocentos”245.
1.1 Os limites do espaço português
É portanto de considerar que: “Até ao século XIX e durante sensivelmente três séculos, a interacção
entre as contradições e as tensões inerentes nas relações sociais africanas internas e o tráfico transatlântico parecem
ter reestruturado, profundamente, as instituições sociais e políticas africanas, sobretudo nas zonas mais directa e
intensamente envolvidas com a economia atlântica - nomeadamente o Luango, a bacia do Congo, e o interior mais
distante a leste do rio Cuango, para além das regiões do médio Cuango e do planalto central nos Hinterlands de
246
Luanda e de Benguela”
. Nem mesmo durante o século XVIII, na vigência do Governador Sousa
241
Henriques (1997:113); Silva e varii (1997: 18). Contudo não podemos deixar de salientar que a ocupação, militar,
não se realizou sem resistência dos povos africanos. Assim, em 1589, o exército da Matamba derrota o exército
português morrendo em combate Paulo Dias de Novais. Em 1590, Ngola Kiluanje forma uma coligação (Kongo,
Ndongo e Matamba) e derrota os portugueses em Angoleme-a-Kitambo. Esta resistência ganharia consistência
graças ao Estado da Matamba que funcionava como rectaguarda, dos Ambundos encabeçados pela Rainha Ginga.
Mas a resistência beneficiara da conquista de Luanda, e de parte de Angola, pelos holandeses. Uma ocupação que
duraria de 1641 até 1648.
242
Tendo sempre como pano de fundo a luta pelo acesso às rotas dos escravos, os portugueses conseguem alguns
progressos também ao norte do rio Kwanza. Assim novos presídios são edificados: Dondo (1625); Kassange (1625);
Golungo 1658), ao norte do Kwanza. Freudenthal e AA.VV (2006: 19).
243
Pélissier (1979: 90).
244
Alexandre (2000: 232).
245
Alexandre (2000: 232).
246
Dias em Alexandre e Dias (1998: 330).
65
Sousa Coutinho (1764-1772) – em que se tenta diversificar a economia247, fundar novos
presídios no interior de Angola, ou seja, concretizar, uma política colonial – se consegue
contornar esta realidade, uma ocupação territorial profundamente limitada em que apenas os
benefícios da escravatura e do tráfico dão sentido à presença portuguesa ao longo do litoral248.
Para contornar a escassez territorial, os portugueses acrescentavam às relações
comerciais com os seus espaços africanos, relações de vassalagem. Assim, por intermédio dos
seus “vassalos africanos”, os portugueses podiam manter relações de dominação/dependência
com os africanos do interior249. Esta estratégia de conquista resultava quando as autoridades
africanas acatavam as pretensões das autoridades coloniais. Estas podiam assim exercer um
controlo indirecto sobre os territórios, onde o comércio se podia desenvolver e onde os
investimentos eram seguros250. Pretendia-se, desse modo, colmatar os limites da dominação
directa.251
No entanto a presença portuguesa, nomeadamente a sua sobrevivência em Angola, era
também devida a uma complexa rede de interesses mútuos entre o governo colonial, as
denominadas famílias afro-portuguesas do litoral e interior da colónia “e das autoridades
políticas dos Estados africanos autónomos do sertão”252. O que nos remete para o papel
desempenhado pelas denominadas famílias afro-portuguesas.
Com efeito, desde o século XVII que existia um processo de miscegenação biológica
e/ou cultural entre europeus e africanos, devido à pouca implantação colonial, que
geograficamente se reduzia a Luanda e Benguela, com escassez de população branca portuguesa
acrescida de desequilíbrio no ratio homens/ mulheres (mais homens que mulheres) na população
branca253. Emerge assim um grupo social de mestiços que se vai reafirmando ao longo da história
colonial, sobretudo, graças aos recursos económicos acumulados com o tráfico de escravos e aos
247
“Determinou o cultivo de terras pelos colonos que as detivessem; fomentou a exportação dos produtos locais,
como as gomas e as resinas e o marfim; mandou prospectar as riquezas minerais e estabeleceu fundições de ferro;
construiu hospitais; regulamentou as feiras e incentivou a produção agrícola e fomentou o povoamento urbano”. In
Portugal Província de Angola: (1972: 15).
248
Pélissier (1979: 91).
249
Henriques (1997: 145), segundo a mesma deve-se: “a concepção de Estado absolutista enraizado em Portugal.
Este primeiro facto associa-se ao atraso português em relação à lógica do capitalismo moderno.
250
Freudenthal Marques (2001: 267).
251
Tratava-se de colmatar a escassez de recursos militares e eliminar a concorrência dos comerciantes estrangeiros.
Freudenthal em Marques (2001: 267).
252
Dias em Alexandre e Dias (1998: 366-367).
253
“Um conjunto diferente de circunstâncias históricas tinham forçado a Coroa portuguesa a seguir uma política de
integração racial”. Dias (1982: 271).
66
postos ocupados na hierarquia militar254. Estes mestiços, culturais e/ou biológicos, recorriam
também a estratégias matrimoniais (conscientes ou inconscientes) visando sobretudo “adiantar a
raça” para facilitar a sua inserção nas instituições coloniais255.
No século XIX, os elementos desse grupo social eram designados por filhos do país,
africanos, angolenses e nativos256. Distinguiam-se da “indistinta massa de civilizados sob o
domínio português e dos outros africanos designados de gentios”257.
Este grupo, no seu conjunto, apresentava predominantemente raízes mais africanas do
que europeias. No interior de Luanda, a sua língua franca era o Kimbundo. Todavia, os estratos
mais elevados tinham igualmente por referência padrões europeizados, nomeadamente, na
arquitectura, na decoração das suas moradias, no vestuário, nos transportes (luxuosas carruagens
ou liteiras); nos actos sociais (frequência de teatros, praças de touros, organização de recepções
frequentadas pelo Governador e idas ao palácio do mesmo)258.
Contudo, não era um grupo social homogéneo. Podemos considerar três subgrupos
distribuídos hierarquicamente:
1) No topo apresentava-se um grupo com características mais europeizantes, cuja
ascendência provinha do século XVII. A estes juntavam-se por vezes, através do
casamento, elementos oriundos de Portugal e do Brasil. A sua riqueza era sobretudo
proveniente da posse de escravos, mas também da aquisição de terras (em Luanda e
arredores; no Bengo e Dande). Também adquiriam bens através do comércio, cuja
acumulação era feita mediante alianças familiares. Exerciam cargos no exército, igreja e
254
Segundo Pélissier (1978b:215): “O século XIX é, no espaço lusitano, o século dos mestiços. Eles ocupam postos
importantes, na alta administração, igreja, exército, justiça, Câmaras municipais de Luanda e Benguela; também
eram proprietários de plantações até a última década do mesmo século”. Sobre esta visão pan-angolana, ver Andrade
(1997).
255
Este grupo constituía em 1850 menos de 1% da população da Angola e adoptava deliberadamente os hábitos dos
brancos. Esta “táctica” obedecia às vantagens que lhes proporcionava o relacionamento com os portugueses (postos
na administração política e militar, etc. (Dias: 1984: 56).
256
Este grupo é também objecto de lutas de classificação entre investigadores. Designados muitas vezes de euroafricanos, crioulos, assimilados. Ver entre outros Oliveira (1961); Dias (1984); Messiant (2006); (Rodrigues (2003);
Bittencourt (1999).
257
A nova constituição imanada da revolução liberal de 1820 reconhecia aos habitantes africanos, considerados
civilizados, direitos civis e políticos da metrópole. Assim usufruíam de direitos de cidadania, nomeadamente,
isenção de trabalho forçado e direito de propriedade. Pelo contrário, os outros africanos, dependentes dos sobas
avassalados, “estavam sujeitos a serviços forçados como o de carregador”. Rodrigues (2003: 18); Dias (1984: 66).
258
Rodrigues (2003: 19).
67
administração. Funções que, eram “a fonte do seu prestígio social e político no âmbito da
sociedade africana”259.
2) O segundo “grupo resultava das ligações entre europeus, comerciantes e funcionários, e
africanas, geralmente escravas”. Não possuíam a riqueza do primeiro grupo. Procuravam
atingir um estatuto mais elevado, também, através do matrimónio260.
3) O último grupo era constituído por gente “fundamentalmente negra” e estava sedeado
nos centros de administração e comércio do interior, sobretudo no Golungo Alto e
Ambaca. Tinham fortes ligações com os sobados do interior “mas tentavam ligar-se às
famílias do litoral”. Na base deste grupo existia um estrato inferior constituído por
artífices, que eram na sua maioria ex-escravos emancipados261.
À medida que a administração colonial se foi impondo os filhos do país foram sendo
cada vez mais subalternizados em detrimento de um crescente poder económico e social dos
colonos europeus262. Estes últimos entraram num gradual processo de definhamento social
devido, sobretudo, ao fim do tráfico negreiro, ao incremento da chegada dos colonos europeus, e
à consequente subida de tensões raciais263. As relações de conflito entre colonos e os filhos do
país tornaram se inevitáveis.
A partir da década de sessenta do século XIX, as relações fortemente competitivas entre
os filhos do país e os europeus recentemente chegados da metrópole traduziam-se num crescendo
da consciência da raça264. De ponto de vista cultural o processo de lusitanização tornara-se cada
vez mais notório, nomeadamente no respeitante às críticas, cada vez mais frequentes à cultura
local, por parte dos colonos265. O que provocou uma vigorosa resposta cultural por parte dos
filhos do país266. Influenciados pelas correntes filosóficas europeias, nomeadamente o
259
Rodrigues (2003: 18); Dias (1984: 67).
Rodrigues (2003: 19); Dias (1984: 66).
261
Rodrigues (2003: 19); Dias (1984: 66).
262
Ver Rodrigues (2003); Pélissier (1978b); Dias (1984); Dias (1998).
263
Dias (1984: 69-70). A reconversão para a agricultura foi mal sucedida devido à falta de capitais, provocando
desse modo muitas falências devido aos empréstimos não solvidos para a compra de equipamentos. Com a subida do
preço do café, os colonos começaram a apropriarem-se das terras por métodos violentos (tanto dos sobados como
dos crioulos) Dias (1984: 69-70); Rodrigues (2003: 20-21); sobre o definhamento deste grupo ver também Dias
(1998) Pélissier (1978b).
264
Dias (1984: 277); ( Dias (1982: 277).
265
Este clima negativo em relação aos filhos do país já era notório, quando, em 1845, um conjunto de orientações
legislativas haviam imposto o português como língua oficial da colónia. Dias (1998: 518).
266
Dias (1998: 518). Este vigor protestatório deve-se também a uma política colonial de afastamento dos cargos
administrativos e militares em detrimento dos candidatos oriundos da metrópole. Dias (1998:525); ver também
Rodrigues (2003: 20-21); Pelissier (1978: 218).
260
68
romantismo, estes últimos começaram a tomar posições em torno da defesa e reafirmação de
uma identidade africana267.
Foi desta forma que determinados grupos, possuidores de algum capital cultural deram
início, sensivelmente a partir da sexta década do século XIX, à divulgação da língua, provérbios,
e folclore kimbundos268. De entre estes, podemos assinalar o médico Saturnino Sousa de
Oliveira, co-autor com Manuel Alves de Castro Francina, dos Elementos Gramaticaes de Língua
N’Bundu, publicado em Luanda em 1864269.
Esta afirmação no plano cultural traduziu-se, por sua vez, em tomadas de posição
política, através de abaixo-assinados, panfletos ou apelos judiciais, bem como na publicação de
artigos na imprensa periódica270. Parecia que se esboçavam, sobretudo em Luanda e Benguela,
ideais separatistas ou independentistas. Todavia: “Parece evidente que tais sonhos exprimiam, sobretudo, a
mágoa e a angústia sentidas por muitos naturais da terra face a sua crescente rejeição, exclusão e marginalização
271
económica e política, expressas sobretudo na legislação colonial”
. Além de que: “os filhos do país
encontravam-se profundamente divididos, cultural e politicamente, de acordo com as suas origens e circunstâncias
sociais”.
Assim, se havia os que reclamavam a independência política de Portugal em nome dos
ideais republicanos, subsistiam, igualmente, os que manifestavam convictamente a defesa do
regime monárquico português272.
Esta divisão reflectia, em certa medida, uma ambígua afirmação identitária. Muitos dos
filhos do país manifestavam orgulho em relação a sua ascendência europeia e portuguesa e ao
papel desempenhado pelos seus antepassados na conquista do território angolano273. Mesmo
aqueles que faziam questão em afirmar a sua africanidade em oposição aos portugueses
metropolitanos, faziam também questão em se distinguirem “claramente da massa da população
africana, rural e gentia, que os rodeava”274. Significa isto que, a maioria parece ter optado por
267
Dias (1998: 518).
Dias em Alexandre e Dias (1998: 518).
269
Este empenho na valorização das raízes culturais africanas teve um assinalável contributo dos europeus, como o
advogado e comerciante Alfredo Trony, ou o missionário protestante suíço Héli Chatelain. Dias (1998: 518). Na
década de 1890 Joaquim Dias Cordeiro da Matta reforça esta corrente cultural e identitária com a criação de uma
literatura angolana própria. Pélissier (1978b: 220); Freudenthal em Marques (2001: 415-450).
270
Dias em Alexandre e Dias (1998: 519). Com efeito a partir da década de 1860, a imprensa escrita tornou-se o
meio por excelência de manifestação de um descontentamento cada vez maior. Entre 1866 e 1890, fundaram-se em
Angola mais de trinta jornais, na sua maioria efémeros. Dias em Alexandre e Dias (1998: 529).
271
Dias em Alexandre e Dias (1998: 540-541).
272
Dias em Alexandre e Dias (1998: 541).
273
“Muitos filhos do país subscreveram, em clima de crescente concorrência internacional, o ideal da «União LusoAfricana» contra as pretensões de nações europeias estrangeiras”. Dias em Alexandre e Dias (1998: 541).
274
Dias em Alexandre e Dias (1998: 542).
268
69
afirmar a sua identidade dentro do quadro metropolitano275. Daí que, nas duas últimas décadas do
século XIX, a maioria dos filhos do país empenhava-se no triunfo dos republicanos em
Portugal276.
Convém, contudo, salientar, que o definhamento dos filhos do país é ainda um processo
bastante lento pois, em finais do século XIX, subsiste ainda em Angola uma sociedade,
geográfica e economicamente marginal, dominada por uma burguesia multirracial e sociedades
africanas pouco pacificadas e integradas no espaço colonial277.
Com efeito, a ocupação efectiva cingia-se praticamente à faixa costeira: “Até então
conquista, povoamento e exploração, resultavam, acima de tudo, de esforços e execuções governamentais, com
objectivos de natureza política, mas suscitando interesses limitados e escasso capital por parte da iniciativa
privada”278.
Era um período de incertezas, de dilatação e contracção de fronteiras, na medida em
que “a superioridade numérica e a crescente autonomia política dos «Estados» e das sociedades africanas em redor
da colónia portuguesa constituíam uma ameaça constante aos estabelecimentos comerciais, quer da costa quer do
interior”
279
. E, no que se refere ao interior, o relatório do Governador-geral da época (1877) era
claramente elucidativo, “… Diria a Vossa Excelência que a extensão da província para o interior é um mal sem
proveito…pois os principais estabelecimentos parecem ilhas perdidas num oceano indígena sem limites… é preciso,
280
portanto, confessar tristemente que o nosso império no interior é imaginário”
.
2. Uma conjuntura favorável à colonização
É num contexto de produção ideológica colonial e de concorrência com as outras
potências – com pretensões coloniais – que Portugal se prontifica a assegurar o seu domínio nos
territórios africanos, muito particularmente em Angola281.
275
“Deste modo, os activistas de Luanda e dos centros urbano do interior concentravam esforços na eleição de
conterrâneos seus como deputados por Angola ao parlamento de Lisboa”. Dias (1998: 542)
276
“Convencida de que a aplicação prática das ideias de fraternidade e igualdade na metrópole traria às elites
angolanas uma maior autonomia económica e política”. Dias (1998: 541-542).
277
Messiant (2006: 60).
278
Marques (1998: 142).
279
Dias em Alexandre e Dias (1998: 410).
280
Pelissier (1986: 91-92).
281
Contudo, convém acrescentar um contexto mais amplo, quão fundamental para se entender o processo de
aceleração de ocupação do continente, aqui no caso de Angola. Trata-se do próprio desenvolvimento do capitalismo
e respectivo progresso técnico, que se repercutiu significativamente em três sectores: nos transportes e
comunicações, onde é possível assinalar a crescente utilização da navegação a vapor e a instalação de cabos
submarinos, reforçando deste modo a densidade da população europeia em África e tornando mais eficaz as
comunicações entre Portugal e respectiva colónia; na saúde e na higiene, cujos progressos possibilitaram uma taxa
de sobrevivência mais elevada da população europeia, nomeadamente nas regiões mais insalubres; por último, no
70
A ocupação do território merece ser vislumbrada, em primeiro lugar, à luz de uma
matriz ideológica comum a toda a Europa: a missão civilizadora e a superioridade da “raça
branca” ou da civilização “ocidental”282.
Esta matriz ideológica que se ia afirmando em finais do século XIX, no âmbito europeu,
era reforçada por um crescendo darwinismo social que se traduzia na crença do domínio do
mundo da raça branca e sujeição e eliminação das raças inferiores283.
Tal contexto ideológico de “imperialismo universal”, inserido num contexto, mais
amplo, o de um cada vez maior interesse pelo continente africano, reforça por parte de Portugal,
o desejo de colonizar os “seus territórios africanos”. Um desejo perceptível, a partir de três
perspectivas:
• o “alargamento das elites directamente envolvidas nos problemas coloniais,
corporizado, desde a década de setenta, pela fundação da Sociedade de
Geografia de Lisboa em 1876”284. A partir de agora o número de sócios da
Sociedade de Geografia torna-se mais eclético: “oficiais do exército e da
marinha funcionários, engenheiros e técnicos de obras públicas negociantes e
industriais, proprietários, intelectuais de diversa origem. As colónias, antes lugar
marginal, passam a ser lugar de honra”285;
• quando a questão colonial mobiliza, não só as elites mas, múltiplos sectores da
sociedade lusitana. Esta dinâmica deve-se em certa medida à “confluência entre
os temas específicos da expansão ultramarina e os do nacionalismo antibritânico,
de forte tradição popular ao longo do século XIX”286;
sector militar, no qual o desenvolvimento das respectivas técnicas, nomeadamente na utilização de novas arma
(espingardas de repetição), acentuou uma correlação de forças favorável às tropas europeias em detrimento dos
africanos. Alexandre (2000: 235-236).
282
Guerra (1993: 20).
283
Alexandre (1993: 58) Tratava-se de uma doutrina que “transpunha para o estudo das sociedades humanas as
noções de selecção natural, e de sobrevivência das espécies mais favorecidas que Darwin havia utilizado no campo
da biologia.
284
Até então os que intervinham em questões coloniais eram sobretudo, os antigos detentores de cargos coloniais.
285
Alexandre (1993: 58). È neste contexto que se assiste entre as décadas de setenta e oitenta do século XIX a um
incremento das grandes expedições científicas e militares de entre as quais podemos assinalar as viagens de
Hermenegildo Capelo (1844-1917) e Roberto Ivens (1850-98); as viagens de Serpa Pinto (1846-1900).
286
(Alexandre (1993: 58-59). Recordemos o isolamento de Portugal na conferência de Berlim, Já antes a sentença de
Berna e por fim o ultimato inglês pelo qual o governo de Londres exigiu a retirada de quaisquer forças militares
portuguesas dos territórios dos macololos e dos mashonas (a leste de Moçambique), sob pena de corte de relações
diplomáticas. Idem (1993:58-59).
71
• este interesse não é só perceptível no que concerne à expansão e ao enraizamento
da ideologia. É visível também quando esta última altera a sua doutrina. Assim,
em detrimento de uma política colonial que defendia que: “Quanto à «raça indígena»,
a administração, perdendo o seu carácter militar, passaria a tomar como base o «princípio da
atracção», procurando incorporar os Africanos «na nação, não como povos sujeitos, mas como
parte integrante dela» e contando «com a influência e acordo dos sobas sobre as povoações que
lhes estão subordinadas”,
optou-se por uma politica colonial, de “cariz racista,
assente na conquista militar e na submissão dos africanos”287;
Oliveira Martins torna-se na eminência parda de tal doutrina. Este criticava a política
colonial do liberalismo português, a seu ver, “pouco branda e pouco compensadora, em nome
das realidades práticas da vida”288. Entendia Oliveira Martins que só “sem escrúpulos,
preconceitos e quimeras» se poderia fazer a exploração do ultramar”289.
Este conjunto de pressupostos, iria influenciar as políticas coloniais sobretudo no que
respeita ao domínio da mão-de-obra, justificando o trabalho forçado; à propriedade, sancionando,
a apropriação da terra pelos colonos brancos; ao ensino, remetendo para formas rudimentares de
aprendizagem os africanos, direccionando-os para o trabalho manual290.
Todavia, a ocupação do território deve também ser vislumbrada à luz de um quadro
competitivo entre as potências europeias, no que concerne às vantagens económicas do
continente africano. Era um processo que estava gradualmente em marcha, desde o terceiro
quartel do século XIX, devido à acção de comerciantes, exploradores e missionários, que se iam
instalando no continente, aumentando desse modo a sua esfera de influência291.
287
Alexandre (1993: 59). Assim entre 1834 e a última década do mesmo século duas correntes predominavam, em
matéria de política colonial. Os pragmáticos, constituídos por antigos detentores de cargos no ultramar, que se
opunham às reformas em nome de um certo realismo, que defendiam os interesses dos estratos sociais dominantes
nas possessões, e os universalistas, influenciados pelo espírito das luzes, que pretendiam transformar as sociedades
esclavagistas. Esta segunda corrente iria predominar, não de forma absoluta, até ao final da década do século XIX.
Idem (1993: 59).
288
Segundo Oliveira Martins: “Toda a história prova, porém, que só pela força se educam os povos bárbaros”.
Martins (1978: 254).
289
Alexandre (1993: 59) ver também Martins (1978: 257).
290
Podemos assinalar os mais significativos defensores destas políticas coloniais: António Enes, Mouzinho de
Albuquerque e Eduardo Costa. Alexandre (2000: 238).
291
Entre a década de sessenta e setenta do século XIX, dá-se uma expansão da actividade missionária católica
estrangeira (missionários católicos da Congregação do Espírito Santo, quer no Congo quer no sul de Angola; a
missão católica de S. Tiago em Lândana sob a direcção de um padre francês). Mas, também a chegada das primeiras
missões protestantes nomeadamente da Inglaterra e do País de Gales como a Baptitst Missionary Society que se
instalou em S. Salvador; os primeiros missionário evangélicos americanos que se instalaram no Bailundo e no Bié;
as missões Metodistas que se instalaram em Luanda, Ndondo, Nhangue-a-Pepe e Pungo Andongo e posteriormente
até Malanje, Caxito e Ndalatando, constituídas por europeus e americanos, de entre os quais podemos assinalar o
72
Vivia-se um período de frenética concorrência pelo controlo dos territórios, sobretudo
devido à abundância de matérias-primas. Em Angola, tornava-se cada vez mais notória, uma
crescente actividade comercial, que indiciava uma mudança da economia no território, sobretudo
no que diz respeito às relações com os estados africanos292. O que se devia, em certa medida, ao
comércio praticado in loco por comerciantes estrangeiros.
Perante esta frenética corrida pelas riquezas do continente, não constitui surpresa, pois,
que a questão da ocupação/delimitação das fronteiras africanas não fosse pacífica. E, como as
potências europeias não se entendiam, foi necessário a realização de uma conferência em Berlim
de 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereiro de 1885, considerada como um marco para o
início do colonialismo293. Assim, o continente é partilhado entre as potências europeias sem que
se tenha em conta uma longa história, de afinidades sócio linguísticas, das populações
autóctones. Doravante as políticas tendentes à construção de um Estado colonial moderno irão
afirmar-se cada vez mais a partir da década seguinte, passando, em primeiro lugar pela
constituição do próprio corpo territorial das diversas possessões, definindo fronteiras e ocupando
o terreno294.
O que podemos igualmente salientar é que a competição entre Portugal e as outras
potências europeias reforçou a matriz ideológica colonial conferindo-lhe, porém, um cunho
específico.
Com efeito a crise desencadeada pelo ultimatum britânico, que culminara com o tratado
anglo-luso de 11 de Junho de 1891, cujo o desfecho foi o abandono por parte de Portugal a
filólogo suíço Heli Chatelain. Dias em Alexandre e Dias (1998: 495-496); no respeitante aos exploradores podemos
assinalar para além dos portugueses supra assinalados, as viagens de David Livingstone (1852 a 1873 e H.
M.Stanley (1874 a 1877).
292
Com efeito, à medida que se intensificava e diversificava o comércio com os europeus, os produtos, que estavam
nas mãos dos chefes africanos começaram a ser comercializados por outras entidades independentes –
nomeadamente os jovens – das autoridades centrais africanas, contribuindo assim deste modo para a desintegração
das sociedades centralizadas africanas. Convém contudo salientar que esta fragmentação das sociedades africanas se
desenrolou a um ritmo desigual. Dias (1998: 482-483).
293
Segundo Alexandre em Alexandre e Dias (1998: 112-113), a Conferência de Berlim marca definitivamente a
emergência de um sistema multipolar nos assuntos da política africana”. No que respeita a Portugal, os resultados
foram os seguintes: perdia parte do baixo Congo na medida em que a margem direita do rio era concedida ao Estado
Livre do Congo então na posse do rei Leopoldo I da Bélgica. Contudo Portugal assegurava a margem esquerda do
mesmo rio, e, a norte do Zaire assegurava a posse dos territórios de Cabinda e Molembo. Mas o sentimento das
elites políticas foi de humilhação.
294
Alexandre (2000: 182-183).
73
qualquer pretensão de construir um império que fosse da costa à contracosta, unindo Angola e
Moçambique, teve por consequência ideológica a exacerbação de um nacionalismo imperial295.
O nacionalismo imperial consistia, grosso modo, num conjunto de pressupostos (como o
mito da herança sagrada) que assentavam na ideia de que a posse de “toda e qualquer parcela do
território ultramarino é um imperativo histórico”. Como tal, sendo estes domínios testemunhos
da grandeza e dos feitos da nação, pertenciam por direito a Portugal296. “Doravante, o projecto
colonial é o elemento central do nacionalismo português, remetendo-se a sua eventual contestação para a categoria
297
ético-jurídica da traição à pátria”
. Tornava-se cada vez mais visível a finalidade fundamental da
política, de dominação, colonial, a saber, a progressiva e lenta desintegração das estruturas
materiais e simbólicas das populações indígenas, com vista a uma colonização sistemática298.
3. Resistência e ocupação total
À medida que se definiam as fronteiras, os confrontos com os africanos aumentavam de
intensidade299. Com efeito, o esquema das relações de vassalagem com os chefes africanos fora
definitivamente posto de parte em detrimento de uma solução militar, pois: “recurso à força e a
imposição mais rápida dos meios de controlo colonial, tornariam Portugal uma potência imperial activa e
300
responsável”
.
No início do século XX a prática de uma política cada vez mais militarizada por parte
de Portugal tornava-se cada vez mais notória.
Graças à modernização do seu equipamento militar, o estado das relações de forças
político-militar, até então equilibrado, alterou-se substancialmente. O processo de ocupação
tornara-se cada vez mais célere301. É neste âmbito que emerge a figura de Paiva Couceiro
295
Alexandre (2000: 153).
Alexandre (2000:220).
297
Alexandre (2000: 222).
298
Os objectivos principais desta “guerra de conquista” passavam pelo castigo dos nativos que se rebelavam contra
a soberania lusitana e por capturar os sobas e os revoltosos. Era uma guerra que opunha portugueses aos africanos
que defendiam a preservação das suas estruturas políticas e sociais. Freudenthal em Marques (2001: 270).
299
Freudenthal em Marques (2001: 268).
300
Freudenthal em Marques (2001: 268-269).
301
Esta modernização foi acompanhada, a partir de 1895 pela integração no exército colonial, além de oficiais e
soldados da metrópole, de cidadãos de 20 a 30 anos de idade residentes na colónia. A partir de 1901 “foi atribuída
função às «companhias indígenas», (enquadradas por europeus) de infantaria, mais resistentes do que as europeias
aos climas tropicais. Criaram-se companhias mistas que incluíam infantaria africana, enquanto que a artilharia era
296
74
corporizando a tendência belicista portuguesa. O seu mandato como governador-geral (19071909) marca a grande viragem na política de ocupação, “que passou de fortuita a planificada”. A
estratégia de Paiva Couceiro assentava na ocupação das fronteiras e subjugação das regiões
revoltosas, de modo a assegurar a prática do comércio e a colecta dos impostos302.
Apesar dos portugueses disporem de um exército mais bem organizado, apetrechado e
contarem ainda com o apoio de companhias indígenas, as sociedades autóctones conseguiram
constituir uma pujante resistência que susteve durante trinta anos a conquista portuguesa303.
Tal, contudo não impediu que fosse consumada uma política de salvaguarda das
fronteiras acordadas internacionalmente e, por conseguinte, a desarticulação das estruturas
tradicionais africanas, pondo fim às unidades políticas até então existentes304.
À medida que Portugal estendia a sua ocupação pelo território angolano, a questão da
administração colonial tornava-se uma questão central. Tornava-se necessário conciliar
ocupação militar do território com o controlo dos recursos humanos e naturais – qual objectivo
de uma exploração intensiva – bem como com a respectiva imposição da lei e da ordem.
Garantir a posse do território implicava, por parte da coroa lusitana, um maior empenho
na exploração dos recursos, através da implantação de novas estruturas económicas e
administrativas. Tornava-se fundamental, por isso, incrementar a chegada de colonos, e adquirir
o máximo de mão-de-obra africana, quão necessária para assegurar o crescimento económico.305
Assim, a ocupação militar foi sendo acompanhada pela implantação gradual da administração
efectiva306.
constituída apenas por soldados europeus. O exército colonial utilizava ainda forças irregulares, constituídas por
colonos boers (recompensados com gado e outros despojos capturados às populações”. Freudenthal em Marques
(2001: 269).
302
Pélissier (1986: 221).
303
Até aos anos vinte do século XX deparamo-nos perante um cenário de convulsões, de conquista e resistência que
ocupa 22% do período de 1848-1878, 44% do período 1879 -1926 e 83% dos dois decénios fatais (1902-1920). Um
mínimo de 35 operações secundárias ou campanhas importantes de 1848 a 1878, mais de 154 entre 1879 e 1926.
Mais de 9000 militares envolvidos entre 1848 e 1878 e mais de 30800 entre 1879 e 1926. Pélissier (1987: 280). Na
década de quarenta do século XX assiste-se ainda à revolta dos herreros.
304
Freudenthal em Marques (2001: 276) Esta desestruturação foi acentuada pela perda de vidas humanas e
deportação ou eliminação física dos principais chefes africanos. Idem (2001: 276).
305
Processo acelerado a partir do início do século XX, com o definhar de sectores da economia africana, devido ao
declínio da exportação da borracha a partir de 1910; e também devido as secas e epizzotias que acabaram com
grande parte dos bovinos; o que levou a uma reorientação da mão-de-obra africana, direccionada a partir daí para o
sector europeu da economia colonial. Freudenthal em Marques (2001: 277).
306
Freudenthal em Marques (2001: 276); Em 1899 é aprovado o Regulamento Geral do Trabalho que consagrava: a
obrigatoriedade moral e legal do trabalho a todos os africanos adultos. Freudenthal em Marques (2001: 303).
75
No entanto, será a partir da implantação da República (5 de Outubro de 1910) que em
Angola, “ainda por pacificar”, se realizará um grande esforço no sentido de reorganizar a
administração, estimular o povoamento branco e impedir os excessos militaristas307.
No respeitante à administração colonial, o debate girava em torno da opção entre as
formas civis e militares de governo e o maior ou menor grau de autonomia a conceder aos
territórios ultramarinos face a metrópole308.
Tendo sido a opção principal, nos territórios recentemente conquistados, a
administração militar – “muito combatida por permitir todas as violências e extorsões” – foi
sendo substituída (não sem resistências) pela administração civil, durante a primeira República:
“num processo que tem um dos seus marcos principais no famoso «Regulamento das circunscrições da província de
309
Angola» promulgado pelo então governador Norton de Matos em 1913”
.
No que respeita à autonomia do território, foram publicados os primeiros diplomas a
garantir a autonomia colonial e as Bases Orgânicas Civis e Financeiras das Colónias, aprovadas
em 1914, estabelecendo desse modo o princípio da descentralização. Mas a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) impediu que o processo de descentralização e, como tal de “ampla
autonomia dos territórios ultramarinos se concretizasse”310. Este processo seria retomado pelo
Decreto nº 80, de 14 de Dezembro de 1921, que, separando as funções administrativas das
militares, transformava as capitanias-mores em circunscrições, que deveriam passar a constituir a
célula de base da autoridade colonial, agindo como “organismos independentes”, embora
fiscalizados, com amplas atribuições”311.
Estamos portanto num contexto – o da I República – profundamente marcado pela
figura de Norton de Matos,312 “portador de um vasto plano de modernização da sociedade
colonial” cuja finalidade política era o reforço da soberania de Portugal em Angola313. Norton de
307
Alexandre (1993: 60); Pélissier (1979: 92).
Alexandre (1993: 60).
309
Alexandre (1993: 60). De acordo com o regulamento, Angola passava a ser constituída por trinta e cinco
circunscrições civis, vinte e cinco capitanias, onze concelhos e uma intendência. Dáskalos (2004: 33).
310
Alexandre (1993:60).
311
Alexandre em Bethencourt e Chadhuri, Vol 4 (2000: 200).
312
Para além de ter sido governador-geral de Angola (1912-1915) foi ministro das Colónias e da Guerra (19151917). Assumiu o cargo de alto-comissário do Governo de Angola entre 1921 e 1924. Dáskalos (2004: 32); ver
também Malheiros (2003: 173-200).
313
Contudo este reforço da soberania, passava também por um controlo mais rigoroso das missões religiosas,
sobretudo as estrangeiras bem como, pelo desenvolvimento das «missões civilizadoras laicas» nacionais. Alexandre
(2000: 185).
308
76
Matos defendia uma política de substituição da administração militar pela administração civil314.
Tratava-se de assegurar uma ocupação administrativa sistemática, contínua e constante. O que
implicava acabar com as unidades políticas africanas e fomentar a ocupação portuguesa nas
colónias através de uma colonização intensiva315. Era uma concepção que defendia a política de
fixação das populações metropolitanas como meio de consolidar a administração colonial.
Significa isto que: “ Segundo Norton, o povoamento era o elemento mais importante em que assentava a
unidade nacional, pois a aplicação em África dos princípios nacionais obrigava a um povoamento com gente
portuguesa que levasse consigo a concepção nacional de pátria. E, estes cidadãos não só formariam a Nação nessas
316
regiões, mas impediriam que influências estranhas se implantassem nesses mesmos locais”
. Daí que fosse
estimulada a fixação do funcionários de origem metropolitana, barrando, assim as possibilidades
de ascensão social aos naturais da colónia e aos filhos do país317.
Esta política colonial, de carácter segregacionista, era reforçada pela consagração de
uma legislação específica para os indígenas a regulamentar num futuro «estatuto civil político e
criminal»318. Seria, aliás, neste capítulo que a dominação colonial se iria também definir no
respeitante ao estatuto dos africanos. Estes deixavam de ser parceiros, tornando-se meros
subalternos ao serviço dos interesses do colonizador319.
3.1 O acelerado definhar dos filhos do país. Resistência e dominação. O exemplo do
movimento associativo
Será num quadro de fortes campanhas militares contra os africanos e de reforço do
discurso da raça, que se processará o definhamento dos filhos do país320.
Com efeito, os últimos anos do século XIX assinalam a aceleração do declínio das
“casas grandes mestiças”. Sobretudo, devido à crise económica e à concorrência metropolitana
na administração. Tornava-se cada vez mais insustentável manter um alto estilo de vida com
meios cada vez mais reduzidos. Assim muitas famílias acabaram na indigência, outras foram
314
Alexandre (2000: 185).
Alexandre (2000: 185).
316
Dáskalos (2004:33).
317
Sendo que os protestos destes últimos foram seriamente reprimidos. Norton chegou a ordenar o encerramento de
associações e de jornais, e a deportação políticos, tanto europeus como de filhos do país. Alexandre em Barreto e
Mónica (1999: 46).
318
Alexandre em Barreto e Mónica (1999: 46).
319
Freudenthal (2001: 262).
320
Alexandre em Vala (1999: 137); Freudenthal em Marques (2001: 447-450).
315
77
para Portugal, mais ou menos arruinadas, diminuindo desse modo a influência das grandes
famílias na política local321. Este declínio, cada vez mais notório em finais do século XIX e
princípios do século XX, iria ser proporcional ao crescente descontentamento deste grupo social,
que começa a questionar a dominação colonial.
Podemos considerar que, grosso modo, no espaço temporal compreendido entre o fim
do século XIX e o advento da República, vive-se um processo que assinala a progressiva
assimetria nas relações económicas e sociais entre colonizados e colonizadores e que se traduz,
também, na degradação das condições de vida das elites letradas, a saber os denominados filhos
do país. Como tal o advento da República é também pautado por um forte descontentamento
deste grupo social. Descontentamento, que, por sua, vez se traduz em discursos de contestação da
superioridade do homem branco e de valorização da raça negra.
Não surpreende por isso que, no dito período, os discursos produzidos sejam pontuados
por uma série de classificações que são a expressão de uma longa história de relações de força
entre africanos e europeus: “preto”, “raça cruzada”, “indígena”, “gentios”, “raça crioula”,
“mulato”, “naturais civilizados”, “branco boçal”, “nativos”, “europeus” e “serviçais”322. Estamos
assim perante um momento de reavaliação de classificações assentes na noção de raça. E, como
tal, vive-se um tempo de lutas de classificação.
Com a instituição da República, os filhos do país alimentaram alguma esperança, na
medida em que o regime republicano, portador dos ideais da revolução francesa, iria ter em conta
que: “Considerados cidadãos pela Carta Constitucional, aos mestiços e negros «civilizados» fora reconhecido pela
monarquia o direito a manifestação de opiniões políticas e ao voto que se havia traduzido na colónia pelo exercício
323
da actividade jornalística e pela participação em eleições municipais e de deputados às Cortes”
. Expectativas
no entanto goradas. Os conflitos raciais não abrandaram. As arbitrariedades e discriminações
sobre os africanos acentuaram-se, pois os direitos preconizados pela Carta Constitucional haviam
sido “restringidos, particularmente com a «aplicação das leis repressivas da liberdade de imprensa, que atingiam
alguns publicistas mais ousados na última década do século”
321
324
.
Pélissier (1978b: 220).
Voz de Angola AA.VV. (1984. passim). No mesmo consta também a denúncia da injustiça social associada aos
preconceitos raciais e a leis de excepção o atraso na instrução e a persistência da escravatura. Idem (1984);
Freudenthal em Marques (2001: 438-439).
323
Freudenthal em Marques (2001: 439).
324
Freudenthal em Marques (2001: 439); Pélissier (1978b: 222). É neste período -1910- que é introduzido a
caderneta para os indígenas.
322
78
Contudo, a actividade política não esmorecia. Era cada vez mais visível uma postura de
reivindicação política que, por sua vez, se iria institucionalizar na criação de duas associações
nativas325. A Liga Angolana, oficializada na vigência de Norton de Matos em 6 de Março de
1913326. E, posteriormente, o Grémio Africano autorizado a 20 de Março de 1913327, fruto de
uma cisão com a Liga Angolana328. Convém assinalar que, estas duas associações nativas
emergem num contexto de maior conflito entre angolenses e europeus devido, as crescentes
chegadas destes últimos, as guerras de ocupação e as constantes revoltas dos denominados não
civilizados329.
O surgimento dessas duas associações, embora com o beneplácito do Governador
Norton de Matos, não agradava aos colonos. Com efeito, os litígios por causa da usurpação das
terras, do aumento do trabalho forçado e da subalternização dos funcionários nativos reforçavam
com mais vigor os protestos dos angolenses da Liga330. Um desagrado acabaria por se estender
às autoridades coloniais.
Assim, e embora reiterando a sua lealdade a Portugal e ao governo republicano, a Liga
Angolana tornara-se objecto de desconfiança por parte das autoridades coloniais.331. Aliás: “o
Governo reconhecera em 1914 razões objectivas para a agitação dos nativistas de Malanje, pelo facto de «terem sido
excluídos… quase todos os pretos e mulatos que concorreram aos logares administrativos”, além de uma provável
325
É o termo com que se começou generalizar no seio dos filhos do país a partir da década de vinte. Sobre a questão
do movimento nativista, ler Andrade (1998: 110-113); Freudenthal em Marques (2001: 441-444). Daí que a partir de
então optemos por denominar esse grupo social de elite nativa, tendo em conta que ela possuía algum capital
cultural.
326
A Liga Angolana preconizava os seguintes objectivos: i) lutar pelos interesses gerais da Província; ii)
desenvolver o ensino; iii) defender os direitos dos associados; iv) criar aulas educação físicas, etc..
327
Os objectivos preconizados pelo Grémio Africano eram sobretudo instrutivos, educativos e recreativos “e atingirse iam promovendo conferências, prelecções ou palestras; estabelecendo um gabinete de leitura; organizando jogos,
saraus, concertos e outras festas tendentes á educação e diversão dos sóciosetc”. Pélissier (1978b: 224); Rodrigues
(2003: 28).
328
Freudenthal em Marques (2001: 441-442); A existência de duas associações em Angola reflectia em certa medida
velhas as clivagens existentes na elite nativa, dividida por diferentes estatutos sociais, cor da pele e rivalidades
pessoais”. Rodrigues (2003: 27). Acerca das associações angolenses ver também Pélissier (1978b); Rodrigues
(2003). Para saber mais acerca do nativismo ver além de Freudenthal em Revista de estudos Afro-asiáticos (2001);
ver também Venâncio (2000:). Aliás, já antes, em 1910, constituíram-se diversas organizações como a Junta de
Defesa dos Direitos de África criada em Lisboa. Em Angola foi criada a Junta Revolucionária de Luanda
posteriormente transformada em Partido Reformista de Angola e o Partido Republicano Colonial, criados sob os
auspícios de republicanos da metrópole. Estes partidos tiveram uma duração efémera. Neles predominavam os
colonos, secundarizando, assim, o papel dos angolenses.
329
Período conturbado, reforçado pela Primeira Guerra Mundial e pela agudização de tensões raciais. Rodrigues
(2003: 25-26); Freudenthal em Marques (2001: 442).
330
Rodrigues (2003: 30). Angolense uma designação dos filhos do país. Andrade (1998:56).
331
Convém assinalar que, a Liga não contemplava no seu programa a autonomia da colónia, o que poderia provocar
a animosidade das autoridades coloniais e dos colonos Rodrigues (2003. 29).
79
332
aspiração à autonomia”
. Uma desconfiança que passou rapidamente à acusação de que, a Liga
“acolhe no seu seio angolenses reivindicadores da independência e que pretendiam matar os
colonos brancos”333. Sucederam-se algumas prisões e a suspensão de um jornal334. A Liga
Angolana seria dissolvida em 21 de Fevereiro de 1922. Interrompendo, porventura, a emergência
de um nacionalismo que só se manifestaria nos anos cinquenta335.
Embora houvesse durante um breve momento um melhor relacionamento com o novo
Alto-comissário (Rego Chaves)336, vigilância e repressão policial eram norma vigente. A partir
de então, entrava-se num período de hibernação contestatária, mais propriamente, de resistência
insonora. Durante aproximadamente uma geração, os nativos terão de se contentar com
iniciativas muito limitadas, dado o quadro cada vez mais autoritário337. Chegara o tempo da
denominada geração silenciosa ou geração silenciada338.
O período da I República fora pontuado por tomadas de posição, por parte dos nativos,
contra as autoridades coloniais. Nativos que, por sua vez, tiveram de “enfrentar a hostilidade dos
europeus”339. É muito provável que estas tomadas de posição contra o arbitrário colonial não se
tivessem sobreposto: “A consciência de elite que tinham de si próprios [os nativos] em contraposição à maioria
da população africana, não integrada completamente na sociedade colonial e então designada pejorativamente de
340
«gentio» ou «preto boçal», (com quem não se identificavam socialmente)”
. Todavia, esta distinção já não
era uma fatalidade porque era um «defeito tido como provisório e a sua responsabilidade
atribuída à colonização portuguesa»341.
332
Freudenthal em Marques (2001: 442-443).
Trata-se de António Joaquim de Miranda, recebedor da Fazenda e destacado elemento da Liga, que criticara os
moldes da cobrança do imposto da palhota e que fora desterrado para Cabinda. Rodrigues (2003: 31)
334
Elementos da Liga foram presos, no entanto devido a falta de provas foram libertados. Trata-se do jornal A
Verdade. As pretensões separatistas foram prontamente desmentidas. Rodrigues (2003: 31).
335
Mesmo sem uma estrutura associativa, os nativos continuavam a manifestar o seu descontentamento contra as
leis criadas por Norton de Matos. Rodrigues (2003: 41)
336
O mesmo optou por conceder maior liberdade aos nativos. Por ocasião do 15º aniversário da revolução
republicana, amnistiou os desterrados e autorizou a reconstituição da Liga. Todavia, “o ressurgimento da liga seria
um processo demorado e complexo”. Rodrigues (2003:40-41).
337
Pélissier (1978b: 237).
338
Silenciosa segundo Pélissier (1978b:235); silenciada segundo Rodrigues (2003).
339
Dias (1984: 90).
340
D’Almeida (2000: 647).
341
D’Almeida (2000: 653).
333
80
4. Ditadura militar e Estado Novo. A Consolidação do espaço colonial
Em meados dos anos vinte a crise económico-financeira de Angola era por demais
gravosa. O esforço de modernização realizado na vigência de Norton de Matos, sustentado
mediante o contraimento de empréstimos, saldara-se por um forte endividamento da colónia342.
A situação da económica da colónia piorou com o incremento da concorrência de
produtos estrangeiros. O que levou ao aumento dos protestos dos comerciantes contra as
concessões feitas ao capital estrangeiro343. Neste estado de crise ressurgiu o velho fantasma do
temor de uma nova partilha dos territórios ultramarinos pelas potências europeias344. Um
conjunto de factores que agravaria a já delicada situação da colónia, provocando o descrédito da
política de descentralização colonial, abrindo assim caminho para soluções autoritárias e
centralizadoras, contribuindo desse modo para a instauração da ditadura militar mediante o golpe
de 28 de Maio de 1926 e, como tal, para a reafirmação da vocação imperial de Portugal345.
Tomaram-se de imediato medidas relacionadas com a promulgação de um conjunto de
leis “estruturantes” de modo a conferir maior consistência e eficácia à acção do aparelho do
estado colonial346. Podemos enunciar algumas:
• as novas Bases Orgânicas da Administração Colonial (decreto nº12.421, 2-101926). “Limitavam a autonomia dos governos coloniais, reforçando a
superintendência e fiscalização do poder central”347;
• O Estatuto Orgânico das Missões Católicas Portuguesas de África e Timor
(decreto nº 12485, de 13-10-1926). Este decreto “dava finalmente campo livre á
acção das congregações religiosas no ultramar”. Procurava “combater a
influência das missões estrangeiras, nomeadamente as protestantes, consideradas
342
Estes empréstimos eram contraídos junto das empresas privadas, sobretudo estrangeiras. Numa conjuntura de
inflação e de desvalorização da moeda local perante a libra o pagamento de tais dívidas acabava por sobrar para a
colónia, reforçando deste modo o descontentamento daqueles que se opunham à política de Norton de Matos. Este
acabaria por pedir a sua demissão em Junho de 1924. “Falhando embora na sua tentativa de modernização rápida da
exploração colonial, o governo dos Altos-Comissários, e em especial o de Norton, marca um momento importante
no arranque das novas estruturas administrativas. Alexandre em Barreto e Mónica (1999: 47).
343
Freudenthal (2001: 288).
344
“(…) temiam-se os projectos coloniais da Itália e sobretudo da Alemanha, cujas pressões poderiam conduzir a
uma nova divisão do continente africano”. Alexandre (2000: 187). Acresce, o famoso relatório Ross que denunciava
“formas de trabalho próximas da escravatura” em Angola, contribuindo assim para fragilizar a posição portuguesa
em África. Alexandre (1993: 61).
345
Alexandre (1993: 61). Ver também Rosas (1994: 128-135).
346
Alexandre (2000: 187).
347
Alexandre (2000:187).
81
como desnacionalizadoras e potencialmente subversivas”. Garantia-se assim, “o
apoio institucional da igreja para o exercício do controlo ideológico que o
Estado, por si só, se via incapaz de fazer”348;
• O Estatuto Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique
(decreto nº 12533, de 30-10-1926, reformulado pelo decreto nº 16473, de 6-21929. “Consagrava juridicamente uma distinção básica da prática colonial
portuguesa moderna: a que separava civilizados e indígenas, ficando estes
últimos, regidos, não pelo direito geral, mas pelos seus usos e costumes
tradicionais, sob a tutela do Estado349;
• Código de Trabalho dos Indígenas (decreto nº 16199, de 6-12-1928). Trata-se de
uma nova regulamentação Código de trabalho de 1899. A inovação principal era
a substituição da “obrigação legal de trabalhar” consagrada nos regulamentos
anteriores para a “obrigação moral de trabalhar”. “Era um recuo táctico, perante
as pressões da Sociedade das Nações e da Organização Internacional do
Trabalho”350;
Estas quatro leis promulgadas durante a ditadura militar iriam lançar as bases da
política colonial das décadas seguintes. E, seria na vigência do regime do Estado Novo que
essa política iria adquirir sistematicidade: “Marco simbólico de transição para esta nova fase está no o
Acto Colonial- diploma publicado a 8 de Julho de 1930- sendo Salazar ministro interino das Colónias e que passa
351
a vigorar como lei constitucional na área colonial”
.
O Acto Colonial consubstancia, por sua vez, a constitucionalização de uma concepção
imperial, no que respeita à vertente ideológica da política colonial352.
348
Alexandre (2000: 187).
Alexandre (2000: 187-188).
350
Alexandre (2000: 188).
351
Alexandre (2000:188). O Acto Colonial marca o início de uma reestruturação do sistema de poderes colonial.
Esta reestruturação seria completada, em 1933, pelos seguintes diplomas, na sequência do mesmo: a Carta Orgânica
do Império Colonial Português e a Reforma Administrativa Ultramarina Ambas, imbuídas de um forte “sentido
centralizador, restringindo fortemente a autonomia das colónias nomeadamente no respeitante aos poderes
conferidos aos altos comissário”. Tratava-se de reforçar uma política de centralização administrativa que tinha tido o
seu início nos primórdios da ditadura militar, em 1926. De agora em diante os altos-comissários eram substituídos
por Governadores. Contudo, aos ministros das Colónias, eram conferidos poderes de ordem legislativa e executiva.
Alexandre (2000: 189).
352
Este processo de constitucionalização legislativa abrange, por sua vez, a distinção entre civilizados e indígenas
que tinha sido já codificada na legislação anterior, nomeadamente no Estatuto Político, Civil e Criminal dos
Indígenas de Angola e Moçambique publicado em 1926 e reformulado em 1929. A partir de então o Estatuto
349
82
Com efeito esta espécie de constituição, direccionada para as colónias declarava no seu
artigo 2º: “É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar
domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que nelas se compreendam, exercendo também a
influência moral que lhe é pelo Padroado do Oriente"353.
Significa isto que, o Acto Colonial fundamentava
juridicamente um conjunto de pressupostos, elaborados desde o século XIX de entre os quais
podemos salientar o tema da defesa do império: ”por um imperativo categórico da história, pela sua acção
ultramarina em descobertas e conquistas, e pela conjugação e harmonia dos esforços civilizadores das raças, o
354
património marítimo, territorial, político e espiritual abrangido na esfera do seu domínio ou influência”
.
Tal como acontecera no século XIX, esta ideologia imperial apresenta um forte carácter
nacionalista. Isto deve-se, também a um quadro internacional: “onde se faziam sentir certas correntes de
ideias mais ou menos desfavoráveis aos dogmas tradicionais da soberania colonial das metrópoles, revestindo-se,
muitas vezes com razões de humanidade os desígnios do imperialismo. Estavam sobretudo em causa, embora não
fossem expressamente nomeadas, as recentes iniciativas da Sociedade das Nações tendentes a ilegalizar o trabalho
forçado nas colónias – vistas em Portugal como uma ingerência ilegítima e uma ameaça velada à própria existência
do império, e como tal denunciadas numa campanha de imprensa em que se apelava à união nacional contra o perigo
355
externo”
.
Esta legitimidade histórica da soberania portuguesa sobre as colónias assentava,
igualmente, num conjunto de fundamentos etnocêntricos e raciais.
No
que
respeita
aos
princípios
etnocêntricos,
desenvolvia-se
um
discurso
profundamente lusocêntrico. Por um lado, fazia-se a: “distinção entre o império português, vindo do
fundo dos tempos e os das outras potências europeias, resultado acidental da conjuntura política de finais
oitocentos”.
Por outro, “salientava-se uma alegada aptidão especial do colono português, e a sua capacidade única
para lidar com os indígenas, caracterizada por uma infinita tolerância e piedade pelo que lhe é inferior na gente do
356
sertão
. Contudo este lusocêntrismo continuava a apoiar-se no velho argumento etnocêntrico da
superioridade da civilização europeia e da raça branca357.
A noção de raça branca em contraponto com a noção de raça negra continuava a ser
influenciada pelo darwinismo social dos finais de Oitocentos, embora sob forma «mitigada»358.
Segundo Armindo Monteiro, ministro das Colónias entre 1931 e 1935: “estaríamos perante raças
Político, Civil e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique adquiria “um carácter permanente, estrutural,
consolidando o seu papel de pólo condutor da política ultramarina”. Alexandre em Barreto e Mónica 7 (1999: 44).
353
Alexandre em Barreto e Mónica (1999 : 43).
354
Alexandre (2000: 188).
355
Alexandre em Barreto e Mónica (1999: 43); ver o mesmo Alexandre (2000: 188)
356
Alexandre (2000: 189).
357
Alexandre (2000:189).
358
Alexandre em Vala (1999: 140).
83
inferiores, por essência e não por acidente histórico, sendo parte delas votadas a extinção, «por insusceptíveis de
aperfeiçoamento», enquanto outras, capazes de «compreenderem a beleza de uma disciplina e de a ela se sujeitaram,
ficariam, para povoar selva, dando à Pátria trabalhadores agrícolas e soldados que em África lhe são preciosos»”
359
.
Assim, parte da fatalidade do Darwinismo social podia ser contornada se «parte das populações
africanas» fossem enquadradas por Portugal – «um processo lento que, no entender do ministro
Armindo Monteiro, principal arauto da mística do império, ocuparia várias gerações e duraria
séculos»
360
. Assim, alguns africanos, embora despojados de quaisquer valores civilizacionais,
poderiam atingir o grau civilizacional graças à ajuda de Portugal361.
Todavia, torna-se necessário estender este alicerce ideológico, em torno da mística do
império, a todos os quadrantes da vida social, de modo a solidificar a integração das colónias à
metrópole. É neste sentido, que nos anos trinta e quarenta se desenvolve uma vigorosa campanha
com o fim de fomentar um processo de identificação, do povo português, com os pressupostos da
ideologia imperial.
Sob o impulso do então ministro das colónias Armindo Monteiro, são promovidas um
conjunto de iniciativas assentes numa lógica discursiva de incorporação massificada em torno da
mística imperial. Este processo é materializado em acções que visam ter impacto na opinião
pública, através, de Conferências de governadores coloniais, semanas coloniais, visita do
Presidente da república às colónias a africanas, Congresso Colonial na Sociedade de Geografia,
Exposição do Mundo Português, etc362.
Perante tal cenário ideológico-identitário vai-se gerando um processo de naturalização
da dominação que se reflectirá nas práticas quotidianas dos colonizadores. Sendo assim: “o colono
parte do princípio de que a sua superioridade é sempre «naturalmente» reconhecida pelos «colonizados» que, desta
maneira perdem a sua condição de «proprietários» do seu próprio território, para serem instalados num espaço
mítico, que depende inteira e exclusivamente das decisões das autoridades portuguesas, entre as quais se deve contar
a decisão do «colono» que é também o «colonizador». As operações de dominação criam uma sociedade onde as
diferenças geram hierarquias somáticas, ou raciais, as quais por sua vez, decidem a organização das hierarquias
363
socioprofissionais”
. Estavam assim criadas, nos anos trinta e quarenta, condições, políticas e
ideológicas, legitimadoras de uma desigual divisão do mundo social em benefício de uma
359
Alexandre em Vala (1999:140).
Alexandre (2000: 189).
361
Uma das formas de civilizar os africanos era através do trabalho (herança colonial dos finais do século XIX)
Ideologia do trabalho assente no esforço manual, sobretudo na agricultura. Socializar o corpo para domesticar a
mente
362
Alexandre (2000: 191); Revista dos Centenários (1940); inclusive nos programas de ensino. Rosas (1994: 286).
363
Henriques em Bethencourt e Chaudhuri, (2000:220).
360
84
população metropolitana. O que, reflectia em certa medida, uma hegemonia colonial no
respeitante à ocupação de «todos os cargos que decidiam a organização das escolhas técnicas e
políticas»364. Hegemonia cujo fundamento, é reforçado por categorias, jurídico-estatutárias,
assentes na noção de raça: civilizado, indígena, assimilado, etc.
4.1 Uma resistência silenciosa. Fragmentos de reavaliação de propriedades
rácicas/características somáticas
No período do Estado Novo, a repressão sobre os nativos prosseguiu nomeadamente
com prisão e deportação daqueles que outrora tinham encabeçado movimentos contestatários365.
Apesar da crescente hegemonia da população metropolitana, nos aparelhos administrativos, e da
degradação das condições de vida das populações africanas, subsistia ainda uma elite nativa,
possuidora de algum capital cultural366.
Seria por iniciativa desta última que o movimento associativo seria reactivado367. Assim
nasceria a Liga Nacional Africana, autorizada por alvará do governo da colónia em 1930 e
posteriormente, o Grémio Africano («associação composta de mestiços e brancos nascidos na
colónia») passou a designar-se por Centro Africano, na sequência da legislação regulamentar das
organizações sociais nas colónias que restringia a aplicação da designação «Grémio» aos
organismos económicos368.
Estas duas associações iriam corporizar a «eterna» divisão entre nativos tanto na cor
como no posicionamento socio-económico369. O que não invalida que: “Embora mais censurada do
que as suas antecessoras, a elite dos anos trinta esteve longe da imagem de passividade que lhe foi atribuída. É certo
364
Henriques em Bethencourt e Chaudhuri (2000:254).
Wheler em Vidal e Andrade (2006: 81).
366
Daí que segundo um autor, no meio rural, haja a assinalar a escolarização de razoável número de nativos, graças
sobretudo às igrejas protestantes. Como resultado desta “sanzalização” do ensino primário rural surgiu a figura do
mundele wa dyala, figura que pretende caracterizar o “preto que virou branco pelo facto de ter aprendido a ler e
escrever, a contar e falar a língua do branco tal-qualmente o colono, a vestir-se tal-qualmente o branco, uma coisa
impensável antes”. Adão (2007: 83).
367
“Segundo a historiografia, o novo poder, tendo depurado os elementos mais activos e mantido o controlo sobre o
movimento associativo, terá autorizado em 1930 a sua reconstituição, encarando-o como instrumento de
enquadramento dos africanos, tanto mais que as actividades de assistência, recreio e instrução seriam, de ponto de
vista político, inócuas”. Rodrigues (2003:53).
368
Rodrigues (2003: 55) Somente em 1947, o Centro Africano passaria a denominar-se com o nome de
ANANGOLA- Associação dos Naturais de Angola. Ambas as associações iriam pautar-se por uma atitude de não
confronto com as autoridades coloniais.
369
“Por conseguinte, a «filiação, moradas, vestuário, salões que frequentam, hierarquia burocrática, coloração
epidérmica e outras coisas deste jaez» mantinham-se como critérios de pertença a um certo estrato socialmente
distinto no seio da sociedade colonial”Rodrigues (2003: 55.)
365
85
que não tiveram lugar as acções espectaculares que marcaram o confronto entre a Liga Angolana e o governo
republicano, mas cuja a ressonância se deveu, por vezes, mais à desproporcionada reacção das autoridades coloniais
do que ao carácter presumivelmente violento de que se revestiria a iniciativa dos nativos. Ainda assim, apesar da
censura e da ditadura política, a elite dos anos trinta revelou um grande dinamismo, visível até no confronto interno,
370
e empenhou-se em marcar a posição dos nativos em relação a todos os problemas da colónia”
.
Podemos considerar que, grosso modo, e à medida que a população metropolitana
aumentava, se tornava cada vez mais notória uma percepção da sociedade angolana dividida
entre brancos e negros. Como tal, a consciência racial ia também se apoderando desta elite371.
Mas, esta consciência já não era formulada nos mesmos moldes daquela que era ditada pela
ideologia identitária colonial372.
Com
efeito,
em
resposta
às
dicotomias
impostas
pelo
Estado
colonial:
(civilizado/indígena ou assimilado /indígena; branco/mestiço; negro/mestiço; branco/negro) esta
elite nativa propõe um quadro classificatório que parte do princípio de que a sociedade angolana,
está dividida em dois grandes grupos raciais: brancos e negros. Esta ampla noção de raça negra
abrangia tanto os mestiços como os denominados indígenas. “(…) A consciência racial em cristalização,
gerada pelas divisões raciais em que assentava a sociedade colonial, levou os nativos a aproximarem-se também dos
africanos legalmente considerados indígenas (…). Nesta década os estratos mais baixos dos nativos foram
formulando uma nova representação de si próprios enquanto dominados e essa consciência permitiu a inclusão dos
indígenas num grande grupo cujo denominador comum era a raça373. Assim “Enquanto a legislação forçava à
separação entre assimilados e indígenas, pelo menos um grupo fazia o percurso inverso. Até ao início do século XX,
para além de induzida pelas diferenças culturais, a elite dos nativos – tal como os europeus – encarava a maioria dos
africanos, sobretudo, como mão-de-obra para fins produtivos, comerciais e militares374. “Na década de 30, o que
parecia distinguí-los eram sobretudo as diferenças culturais ou de civilização que, na perspectiva dos elementos da
LNA, eram superáveis ou negligenciáveis em razão da comunhão de condição racial e de naturalidade375. E, no que
respeita aos mestiços: “(…) A integração dos mestiços no grupo dos negros implicava o alargamento da noção de
negro a todos os seus descendentes independentemente dos antepassados brancos e do tom de pele. Assim,
370
Rodrigues (2003: 202).
Sobretudo no que concerne à Liga Africana.
372
Não pretendemos afirmar que esta consciência abrangia toda a população colonizada, nem sequer toda a elite
nativa. O que se pretende salientar é que a ideologia colonial se esbateu com práticas de resistência classificatória.
Resistência, exemplificada através dos discursos produzidos por elementos da LNA. A contribuição do livro de
Eugénia Rodrigues foi determinante para esta nossa abordagem.
373
Rodrigues (2003: 79).
374
Dias (1984: 79).
375
Rodrigues (2003:80).
371
86
decorrente da própria diferenciação sócioeconómica prevalecente, eram vulgares os apelos à solidariedade entre os
diversos sectores da elite dos nativos, fundada precisamente numa alargada e inclusiva base racial”376
.
Assim, a distinção entre nativo e branco boçal ou nativo e gentio, exercitada pelos filhos
do país, começa a dar lugar a uma nova distinção entre negros (negros e mestiços) e brancos.
Esta
dicotomia
que
reflecte
também
uma
dicotomia
geográfica,
(Europa=brancos/
África=negros), torna-se passível de ser convertida na dicotomia angolanos/metropolitanos…
princípio semi-holístico de uma (re)classificação racial que possibilitará no plano político, a
formulação de uma nova distinção, na década de cinquenta, entre colonos e colonizados, em que
os colonizados serão todos os negros e mestiços e os colonos todos os brancos.
376
Rodrigues (2003: 78). Este alargamento, da noção de raça negra, a todos os africanos, não põe em causa a doxa
colonial. Trata-se então de saber se tal dissimula desejos independentistas que não podiam ser expressos no contexto
colonial e ditatorial.
87
88
SEGUNDA PARTE - DAS POLÍTICAS DE CLASSIFICAÇÃO ÀS
CLASSIFICAÇÕES POLÍTICAS. A QUESTÃO RACIAL NO CAMPO
POLÍTICO ANGOLANO. – (1950- 1996)
89
90
Capítulo III. Factores políticos e ideológicos que concorrem para a
compreensão da formação e dinâmica do espaço nacionalista angolano.
(1945-1963)
1. Esboço de uma conjuntura internacional. Guerra-fria, pan-africanismo e nãoalinhamento. Do fim da Segunda Guerra Mundial até à criação da Organização de
Unidade Africana
“Com efeito a guerra marcou uma etapa determinante na tomada de consciência política em África. Nesse
despertar, os Estados Unidos e a URSS desempenharam indirectamente um papel importante. A guerra e sobretudo
as negociações de paz erigiram esses dois países em grandes potências; ora, ambos, por razões ideológicas, políticas
e estratégicas diferentes, se opunham firmemente à colonização. Participaram na difusão das ideias anti-colonialistas
e suscitaram, nos povos colonizados, a esperança de serem encorajados e apoiados na sua marcha para a
377
liberdade”
.
Esta convergência de pontos de vista no respeitante ao fim da colonização possibilitou,
em certa medida, a criação da Organização das Nações Unidas em 26 de Junho de 1945,
consagrada pela Carta das Nações Unidas e que entraria em vigor a 24 de Outubro de 1945, após
a ratificação dos EUA, URSS, França, Reino Unido e China, bem como pela maioria dos outros
Estados signatários378.
No artigo 73º da Carta das Nações Unidas, Capítulo XI, relativa aos territórios nãoautónomos constava o seguinte: “Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam
responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos
reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada,
a obrigação de promover no mais alto grau, dentro do sistema de paz e segurança internacionais estabelecido na
presente Carta, o bem-estar dos habitantes desses territórios, e, para tal fim:
a) Assegurar, com o devido respeito pela cultura dos povos interessados, o seu progresso político,
económico, social e educacional, o seu tratamento equitativo e a sua protecção contra qualquer abuso;
b) Promover o seu governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos povos e auxiliá-los no
desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres, de acordo com as circunstâncias peculiares a cada
território e seus habitantes, e os diferentes graus do seu adiantamento;
c) Consolidar a paz e a segurança internacionais;
377
M’bokolo (2007: 493).
http://treaties.un.org/doc/Publication/CTC/uncharter-all-lang.pdf. Augusto ( 2004: 32-33); De Campos e AA.VV.
(1999: 296-304).
378
91
d) Favorecer medidas construtivas de desenvolvimento, estimular pesquisas, cooperar entre si e, quando e
onde for o caso, com organizações internacionais especializadas, tendo em vista a realização prática dos objectivos
de ordem social, económica e científica enumerados neste artigo;
e) Transmitir regularmente ao Secretário-Geral, para fins de informação, sujeitas às reservas impostas por
considerações de segurança e de ordem constitucional, informações estatísticas ou de outro carácter técnico relativas
às condições económicas, sociais e educacionais dos territórios pelos quais são respectivamente responsáveis e que
não estejam compreendidos entre aqueles a que se referem os capítulos XII e XIII.
Este pressuposto jurídico deu um forte contributo no sentido de acelerar o processo de
descolonização, primeiro na Ásia e depois na África379.
Este princípio jurídico da Carta da ONU, seria reforçado pela resolução 1514 (XV) da
Assembleia-geral da ONU, de 14 de Dezembro de 1960 que iria estabelecer o direito à
autodeterminação para os territórios e povos colonizados (não autónomos), na medida em que:
“todos os povos têm um direito inalienável à plena liberdade, ao exercício da sua plena soberania e a integridade do
seu território nacional. Neste sentido, “proclama solenemente a necessidade de por rapidamente e
380
incondicionalmente fim ao colonialismo sob todas a suas formas e em todas as suas manifestações”
.
Esta resolução iria praticamente consagrar juridicamente a independência acelerada dos
países africanos. A partir de então, os movimentos nacionalistas angolanos iriam ter à sua
disposição um espaço privilegiado de reivindicação política, juridicamente reconhecido, à luz do
direito internacional381.
1.1 Guerra-fria
A concordância entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS), no que concerne aos direitos das antigas colónias europeias serem
independentes, nunca secundarizou uma relação de permanente competição entre estas duas
superpotências.
Com efeito, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a URSS, potências
vitoriosas, edificaram um mundo bipolar em que cada uma procurava reforçar o seu campo de
acção, nomeadamente, com o alargamento das respectivas zonas de influência em vários pontos
do globo. As duas superpotências competiam entre si através de conflitos locais renunciando,
379
http://www.un.org/french/; http://www.fd.uc.pt/hrc/enciclopedia/onu/textos_onu/cnu.pdf; Castelo (107: 2007).
http://www.un.org/french/.
381
Pereira e Quadros (1997: 540-541).
380
92
porém, ao confronto directo382. A África não fugiu à regra e os novos países independentes são
frequentemente identificados e classificados em função de filiações político-ideológicas
relativamente aos Estados Unidos e à URSS383.
Contudo, na década de sessenta esta presença das duas superpotências em África ainda
não era significativa384, muito embora os países ditos progressistas385 gozassem de um certo
apoio por parte da URSS386. Por seu turno, os Estados Unidos começavam a manifestar um certo
interesse pelo continente, apoiando ou substituindo as antigas potências europeias. No entanto
esta potência privilegiava, ainda, estrategicamente o Sudoeste Asiático e a América Latina387.
1.2 Pan-africanismo, negritude e não-alinhamento
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, em África, o nacionalismo ia adquirindo
cada vez mais contornos de protesto, e de reivindicação territorial, assumindo formas de
oposição à dominação política, económica, e cultural das potências europeias. É por oposição ao
sistema colonial e à dominação estrangeira que a ideologia nacionalista se consolida em África.
Trata-se de um nacionalismo sem nação. É, portanto, um processo de: “construção mental imposto à
388
realidade social para a estruturar e que procura agrupar elementos igualmente heterogéneos”
.
382
Uma competição que se desenvolveu a par do conflito ideológico a saber: capitalismo versus socialismo ou
mundo livre versus comunismo.
383
“São as consequências de um facto político exógeno em que as duas superpotências estiveram de acordo, com o
resultado de que o partido armado ou a força armada eram a frequente única alternativa de ocupação do vazio local
causado pela fim da colonização europeia. Moreira (1989: 94). O sublinhado é nosso.
384
A África foi até à década de 70 uma região de interesse limitado para os dois grandes. É somente a partir desta
década que, no nosso entender, se pode falar de uma geoestratégia das superpotências.
385
É o caso de países como Argélia, Gana, Sudão, Somália Guiné e Congo Leopoldville (aquando da retirada dos
belgas, até a queda de Patrice Lumumba). A URSS apoiava também uma política de ajuda [incipiente auxílio militar
e formação de quadros] aos movimentos de libertação das colónias portuguesas.
386
No princípio da década de 60, o «bloco socialista» ficou dividido em dois (conflito sino-soviético), tendo a china
rivalizado com os soviéticos em África, segundo o princípio de apoiar qualquer grupo que não fosse pró soviético. À
título de curiosidade, a China foi o primeiro país a auxiliar o MPLA, tendo posteriormente apoiado a UNITA e mais
tarde a FNLA, contrapondo a relação MPLA/URSS.
387
A sua presença foi notória no Congo Leopoldville, nomeadamente, no respeitante ao afastamento de Patrice
Lumumba do poder. Este país auxiliava também à UPA-FNLA. Esse apoio era, no princípio dos anos sessenta,
praticado sobretudo através das missões americanas diplomáticas e culturais que se sucediam no continente africano,
como foi o exemplo da ACOA- American Commitée on África. Era, todavia, um comportamento ambíguo pois
mantinham ligações de importância variável com o regime sul-africano e português. A importância da base das
Lajes, o facto de Portugal ser membro da NATO e o temor de um governo comunista em Angola foram factores que
pesaram na ambivalência da política externa americana. Ver Wrigth (1997); ver também DVD, “Cuba uma Odisseia
em África”. Tahri (2007).
388
Hobsbawm (1985: 18-19).
93
É neste sentido que ganha significado o papel desempenhado pelo pan-africanismo
como ideologia identitária e pela sua variante cultural, a negritude. Pan-africanismo e negritude
podem ser considerados como inspiradores do nacionalismo africano. Ambos são, por isso,
exemplos de respostas à dominação colonial, por parte das denominadas elites do chamado
terceiro mundo389. Estes dois movimentos iriam influenciar, embora variáveis nas opções de luta,
dinâmicas independentistas africanas390.
“A negritude, considerada por alguns como a versão cultural do pan-africanismo”, foi
um movimento que adquiriu grande expressividade no mundo africano de língua francesa391.
Manifestou-se profundamente na literatura e na investigação histórica392.
Grosso modo, a negritude assentava num mundo dominado pela idiossincrasia do
homem branco, numa concepção de retorno às origens, na afirmação intelectual do homem
negro, da valorização do seu passado histórico e da sua cultura tradicional como formas de tornar
mais autêntica essa afirmação intelectual393.
A negritude como projecto cultural reivindicou não só a existência de um conjunto de
valores culturais e espirituais do mundo negro como também inscreveu, nomeadamente na
poesia, a crítica à civilização ocidental, o triunfo da raça negra, a passagem do negro – objecto
para o negro – sujeito394.
Terá, porventura, tido influência em posturas político-culturais de actores do
nacionalismo angolano. Contudo, seria posteriormente ultrapassada, soçobrando portanto a
389
Segundo Dieng O ideal Pan-africanista é uma herança conceptual oriunda de intelectuais ou homens políticos
negro-americanos ou caribenhos, possuidores de um forte capital escolar e engajados na luta pela emancipação dos
negros vítimas do tráfico negreiro. Este combate abrangeu o princípio do século XIX até às vésperas do fim da
Segunda Guerra Mundial. Trata-se de um conceito importado para África. http://www.ukzn.ac.za/ccs/filesdieng.pdf
2010.
390
Embora a negritude se defina pela sua componente cultural ela não deixou de ser encaminhada para um programa
político-social. Santos (1968: 53); ver também Laranjeira (1995: 85).
391
A designação da palavra negritude teria surgido pela primeira vez na revista Volontés. Laranjeira (1995: 57);
Santos ( 1975: 7). Todavia Leopold Sédar Senghor chegou a considerar que a palavra negritude fora lançada por ele
e Aimé Cesaire. Ver também Ferra (2004).
392
Terá um papel determinante na divulgação e afirmação da “negritude (na dimensão histórica e literária) a revista
Presence Africaine fundada em 1947. Neves (1975:85). Este movimento cultural foi também pontuado por inúmeros
congressos de escritores como por exemplo o «Primeiro Congresso Internacional dos Escritores e Artistas Negros»
em Paris (Setembro de 1956) e o Segundo Congresso Internacional dos Escritores e Artistas Negros, em Roma
(Março de 1959). Neves (1975: 100-108).
393
Podemos assinalar alguns africanos que marcaram profundamente a dinâmica da negritude. Léopold Sedar
Senghor, escritor e primeiro Presidente do da República do Senegal independente, o historiador Cheik Anta Diop e
Alioune Diop que dirigiu o primeiro número da revista Presence Africaine, entre outros. Santos (1968: 47-62);
Santos (1975: 7-41); Neves (1975).
394
Laranjeira (1995: 92). Ver também Santos (1975: 20).
94
influência política do pan-africanismo político nomeadamente no que concerne à luta anticolonial395.
Com efeito, o surgimento de um nacionalismo moderno e anti-colonial iria possibilitar o
surgimento de novos estados independentes na África subsariana. É sobretudo neste aspecto que
reside o contributo do pan-africanismo, na sua dimensão política.
Será com Kwame Nkrumah396 que o pan-africanismo, como projecto político, atingiria a
sua máxima expressão, na medida em que deixou de ser um problema de negros para se tornar
num projecto político, mobilizador do continente africano397.
Em 1945 no V Congresso Pan-africano, em Manchester, o pan-africanismo assume um
carácter marcadamente político, nomeadamente com a reivindicação da independência e a
organização de massas como forma de adquiri-la: “Estamos firmemente convencidos de que todos os
povos têm o direito de se governarem a si próprios. Afirmamos o direito de todos os povos colonizados a decidirem
por si próprios do seu próprio destino. Todas as colónias devem ser libertadas do controlo imperialista estrangeiro,
tanto político como económico. Os povos das colónias devem ter o direito de eleger os seus próprios governos,
governos livres de qualquer limitação imposta por uma potência estrangeira. Afirmamos aos povos colonizados que
devem lutar por todos os meios ao seu alcance para atingir estes objectivos“
398
. Sendo assim, para Nkrumah,
o pan-africanismo adquirira uma função económica e política e por conseguinte histórica399.
Económica porque, embora rico em recursos, o continente sofria ainda as agruras do
colonialismo: desenvolvimento desigual entre os Estados e regiões e no seio de um mesmo
Estado, concorrência ruinosa entre países produtores das mesmas matérias-primas, diferença
entre as moedas, etc400. Politicamente a África estava ameaçada pelo neocolonialismo sendo seu
instrumento, a balcanisação401. Historicamente, porque servindo-se dos exemplos da URSS e
EUA, (e tentativa de uma Europa unida), considerava que o futuro residia nos grandes blocos
continentais402.
395
A propósito da influência da negritude sobre alguns actores políticos angolanos ver entrevista de Mário de
Andrade concedida a Michel Laban em Laban (1997) e entrevista do mesmo concedida a Christine Messiant em
Andrade-Messiant (1999); Lara (1997).
396
Kwame Nkrumah (1909-1972), primeiro Presidente do Gana independente.
397
Antes da inflexão, praticada por Nkrumah, o pan-africanismo não abrangia o continente africano mas sim a «raça
negra». No nosso entender, este último teve um papel fundamental na reconversão do pan-africanismo em corpo
doutrinário assente na defesa da igualdade racial e na luta contra o colonialismo.
398
Benot (1981: 146). Ver também Venâncio (2000:69).
399
Mbokolo (1985: 355-356).
400
Mbokolo (1985: 356).
401
Mbokolo (1985. 356).
402
Mbokolo (1985. 356).
95
As suas ideias eram consideradas radicais, pois considerava que uma África unida só
podia ser socialista403. Estas ideias iriam influenciar tomadas de posição dos movimentos
nacionalistas angolanos404.
O pan-africanismo politico sairia reforçado com a Conferência de Bandung na medida
em que a formação de um bloco Afro-asiático abria a possibilidade de reunir, pela primeira vez,
num país do terceiro mundo, ao mais alto nível e em grande número, líderes dos Estados mais
desfavorecidos, empenhados em reflectir, fora dos centros dominantes, sobre modos de resolução
de problemas que afectavam os seus países405.
Com efeito Bandung lançara os alicerces para o Movimento dos Não Alinhados,
através, da aprovação de princípios nucleares como a: “não-intervenção e não-ingerência nos assuntos
internos dos outros países; renuncia a acordos de defesa colectiva destinados a servir os interesses particulares das
grandes Potências, quaisquer que elas sejam; renuncia por toda a potência a exercer pressão sobre todas as outras;
406
Respeito pela soberania e integridade territorial de todas as nações”
.
Relativamente ao continente africano, a Conferência de Bandung assinalou uma
viragem política407. Mais do que a busca de uma distância relativa às duas superpotências, esta
Conferência assinala o fim da hegemonia das velhas potências europeias coloniais e, consagra,
igualmente, o reconhecimento internacional do pan-africanismo político veiculado por Nkrumah
ao retirar, da sua doutrina, a componente racial desta última ideologia identitária, convertendo
desse modo, um princípio de afirmação racial e regional num conjunto de pressupostos
universais.
Todavia, separavam os países africanos profundas divergências políticas que punham
em causa o projecto unificador veiculado pelo pan-africanismo, nomeadamente, no que
concernia à aplicabilidade do não-alinhamento relativamente às superpotências. Países pobres e
dependentes do sistema-mundo, dificilmente os novos Estados independentes conseguiriam uma
real postura de não-alinhamento, sobretudo num quadro de luta hegemónica entre as
403
Mbokolo (1985: 356). Nota-se a influência dos países socialistas. Contudo esta influência não acontece após a
Segunda Guerra Mundial. A aproximação ao sovietismo já tinha sido protagonizada por Du Bois a partir da sua
visita à União soviética em 1923, aquando da III Internacional. Venâncio (2000: 69).
404
Nomeadamente a UNITA e a FNLA.
405
A Conferencia de Bandung (Indonésia) teve o seu início a 18 de Abril de 1955.
406
Santos (1968: 136-137). A Conferência de Bandung marca um momento decisivo no processo de descolonização.
Um ano depois da realização da Conferência, a França votou a lei-quadro da descolonização da África de língua
francesa; de 1959 a 1961 tornaram se independentes 24 novos Estados e no final de 1962 existiam em África 36
Estados independentes (86,8% do território africano correspondendo a 93% da população africana). Guerra (1993:
27-31).
407
Venâncio (2000: 74). Mas também porque confirmava a eliminação da componente racial do pan-africanismo.
96
superpotências. É tendo em conta estes constrangimentos que podemos situar a emergência de
dois grupos antagónicos a partir de 1961. O grupo de Casablanca, formalizado em Janeiro de
1961 e o grupo de Monróvia formalizado em Maio do mesmo ano. O primeiro englobava o
Gana, Guiné Konacry, Mali, Líbia, Egipto, Marrocos e a FNL/Frente Nacional de Libertação,
(movimento armado independentista argelino) e identificava-se ideologicamente com o bloco
socialista. O segundo grupo compreendia os Camarões, a Libéria, a Nigéria e o Togo
identificados ideologicamente com os denominados países capitalistas408.
Contudo, apesar de tais constrangimentos os Estados soberanos africanos conseguiram
chegar a um consenso aquando da criação da Organização de Unidade Africana (OUA)409.
A OUA, criada em 25 de Maio de 1963, em Adis Abeba, iria legitimar por sua vez as
novas formas de lutas contra o colonialismo português ao sancionar o recurso à luta armada para
liquidar os regimes coloniais sobreviventes410. Esta organização africana desempenhará um papel
fundamental no que concerne ao reconhecimento jurídico dos movimentos independentistas
angolanos.
2. Aspectos da política colonial. (1950-1961)
As transformações operadas no pós Segunda Guerra Mundial, nomeadamente o novo
cenário geopolítico bipolar, iriam reflectir-se na política colonial metropolitana. Uma nova
ordem político-económica ameaçava as velhas relações coloniais411.
Com efeito, desde o fim da Segunda Guerra Mundial que a legitimidade do
colonialismo europeu era posta em causa. Cada vez mais se afirmava o princípio da
autodeterminação dos povos; era o fim da crença na superioridade da civilização ocidental e na
408
Santos (1968: 281-288 e 325-330); Venâncio (2000: 75).
Corresponde à actual Unidade Africana (UA). E, que quanto a nós consagra, em certa medida, a
institucionalização do pan-fricanismo na sua dimensão política.
410
Na declaração da OUA consta, no artigo II nº1 alínea d), o seguinte: “Eliminar sob todas as suas formas o
colonialismo da África. Para alcançar os objectivos do Artigo II consta um dos seguintes princípios:”Dedicação sem
reservas à causa da emancipação total dos territórios africanos que ainda não são independentes”. Fernandes
(1980:202).
411
Aliás a própria Europa sofrera mudanças. A Europa assegurara a sua reconstrução económica e caminhava a
passos largos para a constituição de um espaço económico europeu unificado, de modo a constituir uma alternativa a
hegemonia económica americana. Alexandre (1999: 355).
409
97
missão tutelar das nações europeias sobre as raças até aí geralmente tomadas como “atrasadas”
ou “inferiores”412.
As potências coloniais começaram por encetar pequenas reformas. Modernizaram o
sistema de exploração, suprimindo as suas formas mais gritantes (como, por exemplo, o trabalho
forçado que era prática comum durante a guerra na África negra) e outorgaram mais extensos
direitos de representação política às populações locais413.
No que concerne ao trabalho forçado, Portugal não fugiu a esta tendência. Em 1945, o
ministro das Colónias deslocou-se ao ultramar com “a missão de eliminar da legislação e da
prática administrativa os indícios mais evidentes de discriminação racial e de trabalho
forçado”414.
Todavia, a contestação ao regime colonial português caminhava para um processo sem
retorno. Goa, Damão e Diu (três pequenos territórios situados na recém independente União
Indiana), contestavam a soberania portuguesa. Uma situação que prenunciava uma futura estreita
margem de manobra política, sobretudo quando se avizinhava a aceleração do processo de
descolonização de África415.
Assim, face ao aumento das pressões internacionais e temendo que acontecesse o
mesmo com as suas colónias africanas, o governo de Lisboa começou por alterar os fundamentos
jurídico-institucionais desses territórios. Tratava-se de contornar os preceitos da Carta das
Nações Unidas no respeitante à autodeterminação.
Em 1951, com a revisão da Constituição, foi substituída a ideia imperial, vigente entre
as duas guerras, por uma concepção assimilacionista, passando as colónias e a metrópole a
constituírem uma nação416. Assim, as designações de “império” e “colónias” foram banidas
sendo substituídas pelas terminologias “províncias ultramarinas” e “ultramar”.
Graças a esta engenharia jurídica Portugal torna-se doravante uma “nação
pluricontinental”,
composta
por
províncias
europeias
e
ultramarinas,
integradas
harmoniosamente no todo nacional uno e indivisível. “Escudando-se no facto de nominalmente não
412
Alexandre (2000: 194). Acerca do contexto internacional ver também Léonard em Bethencourt e Chaudhuri
(2000: 32-34).
413
Alexandre (2000: 194).
414
Alexandre (2000: 194).
415
Alexandre (2000: 195).
416
Alexandre (2000: 195).
98
possuir «colónias», o Estado Novo considera que não tem de prestar contas à comunidade internacional do que se
417
passa no interior das suas fronteiras. A tónica da política ultramarina seria, daí em diante, a «assimilação»
.
Contudo, esta concepção assimilacionista necessitava de ser alicerçada por um conjunto
de medidas que abrangesse sobretudo a economia e o povoamento territorial.
De ponto de vista económico, “a lógica mundial livrecambista reivindicou a liberdade
de acesso às matérias-primas e aos mercados ultramarinos, fragilizando a ordem colonial
definida desde o século XIX”418. Ora isso, implicou reestruturar a economia nacional no seio do
espaço português, integrando o território metropolitano e o espaço ultramarino. Uma estratégia
que obrigava a forte intervenção estatal com participação de capital estrangeiro419. E, como tal,
assente em três vectores principais420:
• integração das economias metropolitanas e ultramarinas tendo em conta a
inserção internacional do conjunto nacional;
• criação de meios, incluindo o abandono gradual dos direitos aduaneiros, para a
livre circulação de produtos no espaço nacional;
• aplicação do mesmo princípio à livre circulação dos capitais e das pessoas421;
Contudo, esta política só teria a sua real concretização a partir da década de sessenta.
Com efeito, até princípios desta década, Angola permanecia ainda essencialmente um
reservatório de matérias-primas, produtos primários e um mercado de produtos semitransformados da economia metropolitana. Os sectores industriais eram praticamente
inexistentes, os investimentos desencorajados e a penetração de capitais estrangeiros
severamente regulados422.
417
Assimilação progressiva não só dos territórios no seio do império mas também no que respeita à situação jurídica
dos indígenas. Castelo (2007: 108).
418
Leite em Barreto e Mónica 7 (1999: 355).
419
Sobretudo americano, dada as fragilidades, ainda, da economia europeia, ela mesmo dependente do Plano
Marshal. Alexandre (1999: 355).
420
Leite em Barreto e Mónica 7 (1999: 356).
421
A concretização desses três vectores tornou necessária a criação do «Espaço Económico Português» assente em
três eixos interventivos da política económica: regulação do circuito mercantil, o que passava por uma nova
orientação do sistema tarifário entre a metrópole e os territórios ultramarinos: tratava-se de reduzir as pautas
aduaneiras de modo a acelerar a livre circulação de produtos entre a colónia e a metrópole; execução de uma política
de desenvolvimento industrial, o que passava pela reestruturação das relações económicas entre as colónias e a
metrópole; e, implementação dos Planos de Fomento como instrumentos privilegiados de desenvolvimento
económico nacional. Leite em Barreto e Mónica 7 (1999: 356).
422
Torres, (1983:1101) Em meados dos anos cinquenta as indústrias de Angola que absorviam mais força de
trabalho eram a exploração mineira, a produção açucareira, pesca e derivados. Começavam a ganhar importância a
exploração da madeira de Cabinda e Moxico. No que diz respeito às exportações, o café irá adquirir cada vez mais
99
Ao princípio económico que apelava para a livre circulação de capitais, juntou-se, por
conseguinte, a livre circulação de pessoas; o que implicou, por parte do Estado metropolitano,
uma política de encorajamento de fixação das populações metropolitana nas colónias,
nomeadamente em Angola.
O novo contexto internacional, nomeadamente o crescimento das economias coloniais,
obrigara a uma nova atitude por parte das autoridades metropolitanas no que respeita ao
povoamento branco. A partir de 1945, de forma gradual, começaram a ser levantados os limites à
entrada de metropolitanos sem capital ou formação superior, em Angola e Moçambique423.
A década entre 1950-1960 caracteriza-se, por um forte envolvimento do Estado
português em matéria de povoamento424. É neste sentido que o Ministério das Colónias/do
Ultramar começou a financiar de forma crescente o transporte de colonos sem recursos425.
Tratava-se de pôr em prática a valorização de uma África lusitana. Ou seja, fazer de Angola uma
colónia de povoamento. Surgem assim os colonatos (Cela e Cunene) exemplos de criação de um
Fundo de desenvolvimento e povoamento com o adequado financiamento426. Este forte empenho
estatal tinha por objectivo informar, transportar, proteger e subvencionar aqueles que no
vocabulário oficial serão os colonos, ou seja aqueles cujo bilhete de passagem é pago pelo
Estado mesmo que não sejam funcionários. Tratava-se de preparar as terras, construir as
fazendas e enquadrar tecnicamente os colonos427.
Convém contudo salientar que na década de cinquenta, Angola conta com 78.826
portugueses classificados de brancos, fruto sobretudo de uma emigração que não é
subvencionada pela administração portuguesa428. Em 1960 a população classificada de branca
cresce significativamente, 118,87%, passando assim para 172.529 habitantes na sua maioria a
uma importância primordial. Muito embora os diamantes o milho, o algodão, entre outros, fossem também produtos
exportáveis. Neto em Medina (2003: 22).
423
Castelo (2007: 376). Em 1947, a emigração para o estrangeiro esteve suspensa durante sete meses como forma de
fomentar a ida de portugueses para as colónias Idem (2007: 127).
424
Pélissier (1978b: 42).
425
Pélissier (1978b: 40).
426
Pélissier (1978b: 40).
427
Pélissier (1978b: 40). Acerca do povoamento dirigido ver Castelo (2007).
428
No entanto a população branca continua a representar menos de 2% da população total de Angola. 60% é
constituída por homens. Os portugueses nascidos na metrópole constituem 52,32% do total dos 78.826, enquanto os
europeus nascidos no território angolano já representam 42,57%. A maioria dos classificados de brancos estão nas
cidades e menos de 10% destes últimos são agricultores, sobretudo no sector do café, motor da economia e que atrai
a emigração A politica de povoamento rural dirigida não surtira os efeitos desejados. Pélissier. (1978b: 38-43).
100
viver nas cidades429. Será neste quadro de povoamento branco que, à concepção assimilacionista
seria acrescentada a doutrina do luso-tropicalismo inspirada em Gilberto Freire. Esta doutrina
preconizava que as relações estabelecidas pelos portugueses com os povos das regiões tropicais
seguiriam um modelo específico, fundado na compreensão e na adesão aos seus valores dando
origem por interpenetração cultural e biológica a um todo integrado, uma verdadeira “civilização
luso-tropical”430.
Como afirma uma autora, o pensamento de Gilberto Freyre revela-se de grande
utilidade para o fortalecimento da ideia de nação pluricontinental portuguesa» e para o programa
de fixação de metropolitanos no ultramar. A mesma, socorrendo-se de uma comunicação de
Alberto Lemos, chefe da Repartição Técnica de Estatística de Angola pode dar mais ênfase a sua
afirmação: “ O luso tropicalismo de que Gilberto Freyre tem sido o cientista máximo e o melhor crítico e
historiador é a única solução possível do continente sul-africano. Nenhuma construção será viável à base de
extermínio ou da segregação das populações aborígenes. A integração destas na nossa etnia e na nossa civilização
corresponde às exigências de Deus e da natureza [… «O português que é já, por si mesmo, o produto de tantas e tão
variadas etnias, desde europeias, africanas, ameríndias, orientais - cadinho onde se fundem múltiplas aptidões,
virtudes e mesmo defeitos - parece ser, pelo condicionalismo da sua história e da sua origem, o povo por excelência
431
para conduzir os destinos do continente sul-africano”
.
Porém, estas políticas encetadas pelo Estado colonial na década de cinquenta não se
traduziram numa melhoria das condições de vida dos colonizados. Antes pelo contrário, as
relações entre colonos e colonizados pautaram-se por um conjunto de arbitrários fomentados
tanto pelo Estado colonial como pelas populações oriundas da metrópole: “Não obstante desde pelo
menos o último quartel do século XIX se detectar no discurso político a ideia de que os portugueses, devido aos seus
fundamentos étnicos, tinham uma capacidade especial para se relacionarem com os povos nativos de África, o certo
é que a colonização portuguesa, como qualquer outra, assentou em barreiras raciais, gerou conflitos e promoveu a
432
discriminação”
.
Com efeito, o aumento significativo da população classificada de branca iria endurecer
as relações raciais entre colonos e colonizados, na medida em que, se o aumento da imigração
branca provocou um alargamento do mercado interno e a diversificação das actividades
429
Castelo (2007: 216).
Alexandre (2000: 195). Este sociólogo brasileiro formulou uma teoria que pretendia dar base científica a uma
alegada «vocação» de Portugal. Segundo esta teoria os portugueses tinham uma aptidão especial para se misturar
biológica e cultural com os povos tropicais e isto era devido a um traço específico: a ausência do preconceito racial,
que caracterizava os povos anglo-saxónicos. Alexandre (2000: 227).
431
Castelo (2007: 116).
432
Castelo (2007: 283).
430
101
económicas, ela traduziu-se por sua vez, numa maior concorrência em desfavor dos classificados
de mestiços e negros angolanos que viam as suas oportunidades cada vez mais limitadas433: “por
conseguinte, a imigração crescente dos anos 50 teve o efeito de aumentar o desfasamento entre as aspirações dos não
-brancos integrados na sociedade central434, e as suas expectativas quanto às «chances» que lhes daria esta
sociedade. E é de sublinhar que o «sistema politico local» que se articulou em Angola, nos anos 40 e 50, inclui todos
os brancos, em virtude da cor da sua pele, mas apenas muito poucos não-brancos, e estes, geralmente em posições
435
marginais”
.
3. Breve caracterização do espaço colonial. Uma sociedade em permanente tensão. (19501961)
A constante discriminação sobre as populações, na sua gritante maioria classificadas, de
indígenas e negras criou um ambiente de profunda tensão social. Sobretudo: quando existe
violência na exploração da força de trabalho, nomeadamente no que respeita ao amplo recurso as
mulheres e crianças em serviços sem remuneração nas obras públicas locais, a par do forçado
angariamento de trabalhadores (formalizado por um compulsivo contrato cujo salário na época
mal servia para cobrir despesas básicas, sendo que, o contratado, muitas vezes, regressava já
endividado à terra de origem)436; quando se obriga a pagar o imposto indígena anual pago em
dinheiro, como meio de forçar a população rural a entrar na economia monetária, com os seus
bens ou a sua força de trabalho, (além de outros impostos aplicados à revelia da lei por
autoridades pouco escrupulosas)437; quando se impõem culturas obrigatórias, de que o algodão se
tornou exemplo maior, provocando fome e emigração, (nomeadamente na zona de Malanje onde
a Cotonang tinha a concessão da produção algodoeira)438; quando as expropriações legais e
ilegais de terras de cultivo ou de pasto são em benefício de colonos ou de empresas439; quando
são cometidos abusos por funcionários administrativos e seus auxiliares (castigos corporais,
ofensas graves) ou por comerciantes que roubavam impunemente, (fosse nos pesos e valores das
433
Medina (2003: 16- 22).
Acerca do conceito de sociedade central ver Heimer (1980).
435
Heimer (1980: 21).
436
Neto em (Medina (2003: 23).
437
Neto em (Medina (2003: 23).
438
Neto em (Medina (2003: 23).
439
Neto em (Medina (2003: 23).
434
102
mercadorias, fosse a coberto de crédito ou de empréstimos que facilmente degeneravam na
apropriação de terras e gado dos camponeses)440.
Às arbitrariedades acima referidas juntavam-se os obstáculos no que concerne ao acesso
ao ensino. Nas colónias, só muito tardiamente se começou a investir na escolarização dos
africanos441. As condições de ensino para os classificados de indígenas eram praticamente
inexistentes. Desde 1940, que as missões católicas administravam um ensino rudimentar de
modo a impedir que “os africanos se transformem em doutores”442.
Com efeito, a sociedade colonial apresentava um reduzido nível de instrução que,
limitava o acesso à literatura, informação e propaganda escritas. As escassas oportunidades
escolares, nomeadamente, básicas e técnico-profissionais: “era um dos grandes factores de ressentimento
contra o domínio português, recorrente no enunciado de queixas dos nativos, que não se coibiam de apontar o
contraste com a colónia belga”
443
.
Nas cidades, o arbitrário não deixava de ser exercido. No emprego ou mesmo na rua,
uma pessoa classificada de indígena estava sempre sujeita a um insulto gratuito, ou até ao
espancamento, tal como acontecia com os criados (empregados domésticos) que viviam nos
musseques444.
Basta estarmos atentos a evolução urbana de Luanda. Esta última evoluiu de modo a
reforçar dois núcleos: o dos colonos, predominantemente classificados de brancos e o dos
africanos, lugar de dominados e servidores de brancos, espaços predominantemente escuro445.
Como constata uma historiadora: “Esta oposição assenta no direito ao território africano que permite que os
autóctones sejam rejeitados, obrigados a apinhar-se nos musseques, que entretanto iam caracterizando a estrutura
446
social e urbana das cidades, ou então empurrados para as periferias cada vez mais longínquas”
. Assim, os
440
Neto em (Medina (2003: 23).
Castelo (2007: 286).
442
Expressão do cardeal patriarca citado por Henriques em Bethencourt e Chaudhri (2000: 224). Um actor salienta a
relação entre escolaridade e características somáticas: “A escola era para filho de branco, quer fosse brancos de
segunda ou mestiços. Isso eu vivi porque eu fui o primeiro negro a ser admitido na escola primária nº 54, do Luau,
creio eu, na Vila Teixeira de Sousa porque o meu pai se bateu por isso, senão iria parar a missão católica ou missão
protestante. Que eu saiba isso passa-se em 1945 e até hoje mais nenhum negro daquela zona se formou depois em
estudos universitários, que eu saiba”. Entrevista com Manuel Lima em 08/2007, ex-militante antigo comandante da
guerrilha do MPLA.
443
Neto em Medina (2003: 20).
444
Adolfo Maria em Pimenta (2006: 33).
445
Henriques em Bethencourt e Chaudhri (2000:220).
446
Henriques em Bethencourt e Chaudhuri (2000: 222). Adelino Torres demonstra como o estado da habitação
também é revelador da evolução económica de uma região e naturalmente da estratificação social dos habitantes. O
que se traduz pela apropriação do espaço geográfico (residência na cidade ou arredores) mas igualmente pela
capacidade de inserção dos indivíduos no espaço social através do tipo e qualidade dos materiais utilizados na
441
103
africanos foram sendo remetidos para lugares cada vez mais distantes dos espaços asfaltados,
onde residiam os europeus447. Estes últimos eram expulsos dos espaços brancos mesmo quando
eram proprietários das casas448.
Tal como no ensino, no emprego a discriminação era gritante limitando assim as
hipóteses de mobilidade social ascendente dos africanos.
Em meados da década de cinquenta, a percentagem de classificados de negros e
mestiços nos departamentos de Estado não chegava a 15% (excluindo os soldados e os
serventuários)449 “Nos organismos de coordenação económica, nas actividades particulares e no
Banco de Angola (apesar de se tratar de uma instituição oficial) a percentagem de empregados
africanos era muito diminuta”450:
“Em Luanda encontra-se um ou outro preto a trabalhar em escritórios ou armazéns particulares. Podemos,
porém, correr de ponta a ponta a cidade que não descobrimos nenhum ao balcão de mercearias, de casas de modas
ou cafés. Quanto aos mestiços, a percentagem dos que trabalham nos escritórios é já maior em relação aos pretos.
Todavia ao balcão de casas comerciais existem ao todo uns seis, três dos quais são filhos ou parentes dos donos
desses estabelecimentos.
Outro sector que traduz bem as dificuldades com que os mestiços e pretos lutam para se empregar é o de
motoristas. Na praça desta capital, exceptuando os poucos que trabalham nos Serviços Públicos e nalgumas grandes
organizações particulares, não há nenhum preto a exercer a sua actividade, e mestiços apenas conseguimos encontrar
451
três”
.
O pessoal da estiva que, durante muito tempo era totalmente constituído por indígenas
de Angola, foi sendo gradualmente substituído por indivíduos da metrópole, destinando ao
desemprego e à miséria centenas de famílias que nessas actividades encontravam o seu
rendimento452. E, no que concerne aos salários, a discrepância entre os classificados de indígenas
construção de casas. O mesmo considera que em Angola, sobretudo nos anos quarenta e cinquenta a maior parte da
população branca morava em casas edificadas com materiais «ricos» em betão (tijolo e cimento) enquanto que a
quase totalidade da população africana, negra e mestiça residia em construções feitas a partir de materiais «pobres»
(tijolos de lama secas ao sol e outros materiais). Torres (1986).
447
Henriques em Bethencourt e Chaudhuri (2000:256).
448
Henriques em Bethencourt e Chaudhuri (2000: 256).
449
Castelo (2007: 327).
450
Castelo (2007:327).
451
Lourenço Mendes da Conceição, citado por Castelo (2007: 327). “Mesmo nos lugares mais modestos, os naturais
das colónias estavam a ser substituídos por metropolitanos. Em Angola, nos hotéis e restauração, por exemplo,
apenas os antigos estabelecimentos, como o Hotel Paris, Hotel Central, o Grande Hotel de Luanda, o Café Gelo, a
Cervejaria Biker, a Portugália, o Baleizão e pouco mais, mantinham ao seu serviço de mesa pessoal «negro». Nos
estabelecimentos novos deste género, os brancos tomam os lugares que outrora eram ocupados pelos «negros» e os
seus proprietários fazem gala em anunciar que o seu pessoal doméstico é todo europeu. Idem (2007: 327).
452
Castelo (2007: 327). “A necessidade de expulsar os africano do próprio espaço urbano conheceu a sua mais grave
manifestação delirante nos anos cinquenta, quando se decidiu importar ardinas lisboetas, que deviam vender em
104
e europeus era, em geral, abismal453. No espaço público, a segregação era perfeitamente visível:
(…) “Nos comboios as carruagens de 1ª e 2ª classe eram apenas para brancos e assimilados. Nos hotéis, restaurantes,
cafés, bares, cinemas era raro ver-se um cliente negro. Há testemunhos que indicam que nas piscinas do Huambo e
454
de Malanje, nos anos 50, os negros e os mestiços eram impedidos de tomar banho”
.
As autoridades europeias não permitiam a circulação dos africanos nas zonas “brancas”,
a não ser com autorização do empregador. As rusgas sistemáticas levadas a cabo pelas
autoridades coloniais “arrastam” consigo dezenas ou centenas de africanos que são
frequentemente recrutados à força para os trabalhos forçados ou de interesse público ou então
agredidos pelas autoridades coloniais e pelos cidadãos455.
Alfredo Margarido sublinha “a extrema tensão em que se vive numa cidade em que, na
aparência, consagra a maior parte do seu tempo à administração e ao comércio”456. Tensão
confirmada por Viriato da Cruz aquando do seu encontro com Mário Pinto de Andrade: “Um
estado de tensão que se manifestava em todas as manifestações, num jogo de futebol, na rua: a tensão negro-branco,
esta nítida demarcação que se tornava cada vez mais clara; que estava em crescendo; um crescendo de um
movimento anti colonial, mas que passava também para uma forma racista- racial, talvez não racista mas racial - e
de uma proliferação de organizações, de pessoas que queriam realmente organizar-se. Mas o elemento central era a
tensão. E, do outro lado também, a organização da violência por parte do colonialismo. Ele [Viriato da Cruz] que
457
tinha pressentido aquilo que acabaria por se manifestar”
.
Este arbitrário na relação colono/colonizado estava inserido num quadro fortemente
repressivo de ponto de vista dos direitos políticos fundamentais, nomeadamente no respeitante à
proibição de liberdades associativas, sindicais, imprensa, literatura e claro, o direito de constituir
organizações políticas (excepto o partido salazarista, União Nacional). Qualquer tomada de
posição contra o regime ditatorial e colonial metropolitano estava sujeito, tal como acontecia na
metrópole, à prisão arbitrária, tortura e até à morte, sobretudo a partir do momento em que a
PIDE se instalou definitivamente em Angola no ano de 1956458. Esta tensão iria culminar,
naquilo que Viriato tinha pressentido, numa explosão de violência entre colonizadores e
Luanda os jornais diários, expulsando os africanos. Chegou-se ao ponto de equacionar a importação de engraxadores
de Portugal. Henriques em Bethencourt e Chaudhuri (2000: 255).
453
Anuário Estatístico de Angola 1958 Ano XXIV (1959: 58-59). Ver anexos nº 7.
454
Castelo (2007: 286). No cinema Restauração, os africanos estavam proibidos de se instalarem no balcão e muitos
proibidos simplesmente de entrar, sendo remetidos para o Nacional ou o São Paulo, localizados próximos dos
musseques. Estas distinções eram reforçadas no quotidiano, em que não eram autorizados filmes onde houvesse
africanos batendo em europeus ou brancos. Henriques em Bethencourt e Chaudhuri (2000: 257).
455
Idem (2000: 257).
456
Citado por Henriques em Bethencourt e Chaudhuri (2000: 257).
457
Andrade em Messiant (1999: 215). O sublinhado é nosso.
458
Acerca do processo de implementação da PIDE em Angola ver Medina (2003: 38-39); Mateus (2004:24-25).
105
colonizados e, traduzir-se-ia em sangrentas revoltas protagonizadas pelos colonizados,
assinalando dessa forma o regresso dos confrontos armados entre europeus e africanos459.
No ano de 1961, o regime metropolitano enfrenta uma série de dificuldades políticas.
Pela primeira vez, ao longo dos seus trinta e sete anos de governo, António de Oliveira Salazar
corre o risco de ser afastado do poder460. A pressão internacional sobre Portugal acentuava-se,
tornando cada vez mais legítimas, internacionalmente, as tomadas de posição anticolonialistas461. Doravante a política definida para Angola vai assentar em cinco pontos:
• militarização do aparelho colonial que se traduziria na rápida contra-ofensiva
militar nas zona de insurreição em Angola462;
• apelo, na metrópole, aos sentimentos nacionalistas463 e a assumpção do lusotropicalismo como matriz estruturante da ideologia colonial464;
• promulgação de um vasto número de medidas legislativas (abolição do Estatuto
do Indígena; das culturas obrigatórias e do trabalho forçado), no sentido de
reforçar o sistema e suster as pressões internacionais465;
• política de modernização da economia angolana assente num crescimento da
indústria transformadora com base nas potencialidades do mercado interno e na
expansão de outros sectores industriais e agrícolas apoiados no mercado
externo466;
459
O levantamento na Baixa de Kassange, o ataque às prisões de Luanda no dia 4 de Fevereiro, a revolta do 15 de
Março são datas que marcam o prelúdio de um confronto sistemático entre angolanos e portugueses.
460
O assalto ao paquete «Santa Maria», por Henrique Galvão (Janeiro), o golpe militar de Botelho Moniz,
(dominado pelo regime salazarista), e a ocupação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana (Dezembro). Castelo
(2007:109)
461
Esta pressão atingiria um ponto crítico graças ao contínuo geográfico e as afinidades etnolinguísticas dos povos
dos dois Congos recentemente independentes desde 1960, tornando assim possível o fortalecimento das
«veleidades» anti coloniais em Angola. Alexandre (2000: 195). Com efeito, a partir do momento em que o número
de países africanos independentes engrossa a Assembleia-geral da ONU, Portugal vê a sua margem de manobra
diplomática cada vez mais reduzida. “Em 1960 17 países do continente africano haviam alcançado a independência
o que contribuiu para fortalecer o poder de pressão do grupo afro - asiático no seio da ONU. Castelo (2007: 109)
462
Alexandre (2000: 196). De ponto de vista militar, “no início dos anos setenta, a guerra era uma realidade remota
para a maioria da população branca em Angola. Omnipresente, na visibilidade militar portuguesa, ela nunca atingiu
centros urbanos importantes”. Pinto em Bethencourt e Kirti Chaudhri (2000: 84).
463
Alexandre (2000: 196).
464
Sobretudo na fase final do regime, após o início da denominada guerra colonial, servindo nomeadamente de
suporte ideológico das reformas encetadas na vigência do então ministro do Ultramar Adriano Moreira, em 1961.
Alexandre (1999: 143).
465
Alexandre (2000: 196).
466
Um exemplo: a diminuição das importações de calçado e vestuário que reflecte o quanto este sector cresceu em
Angola. Rosas (1994: 490). É também sensivelmente nesta década, que a metrópole toma medidas em que se revela
a influência das estratégias de desenvolvimento do pós Segunda Guerra. Mundial: industrialização, substituição das
106
• política de alargamento de ensino aos naturais das colónias, nomeadamente aos
africanos467;
Não obstante as reformas introduzidas terem tido alguns efeitos na sociedade colonial,
nomeadamente no que concerne a economia e ao ensino468, o governo metropolitano nunca
conseguiu captar a seu favor a maioria da população colonizada angolana. Apenas restava
protelar a inevitável independência, pela via militar. Todavia, o envolvimento militar de
Portugal, em outras frentes coloniais iria criar as condições para o derrube do regime colonial
liderado então por Marcelo Caetano, e, por conseguinte, acelerar o processo de independência de
Angola: “A guerra prolongada e sem fim à vista fazia abrir brechas nas instituições que haviam sido os grandes
pilares do sistema – a Igreja e as Forças Armadas. O resultado final é o movimento militar de 25 de Abril, com a
469
explosão popular que o acompanha e a rápida descolonização que se lhe segue”
.
3.1 O arbitrário classificatório
O incremento das tensões raciais não pode estar dissociado de um arbitrário
classificatório que reflecte, em certa medida, uma desigual divisão social do trabalho alicerçada,
por sua vez, numa hierarquização sócio-racial sustentada por dois grandes grupos de
classificações político-jurídicas. Uma que classificava segundo os grupos somáticos, com os três
grupos de brancos, negros e mestiços, e, outro que classificava segundo os grupos estatutários,
os indígenas e não indígenas. Daí que uma autora considere que o sistema colonial português é,
tal como os outros sistemas, um sistema de dominação racial, porque os brancos não precisam de
preencher nenhuma condição económica ou cultural para ter o estatuto de civilizado, além de que
estão protegidos por uma série de disposições discriminatórias. Mas ao contrário das outras
colónias da África negra com forte povoamento branco, para os não brancos não se trata de um
sistema racial com uma base legal direccionada, pois não é a cor da pele que determina o estatuto
dos não brancos, além de que os mestiços não são reconhecidos como uma categoria estatutária
distinta. É portanto um sistema aberto, dado que um indígena pode tornar-se assimilado. Mas que
simultaneamente, sanciona e reforça a clivagem social na medida em que concede aos
importações, intensificação da prospecção e exploração dos recursos minerais; O mesmo período é assinalado pelo
reforço dos grandes investimentos em infra-estruturas já iniciado na década de cinquenta. Ver Torres (1983);
Heimer (1980).
467
Ver Silva (1994: 103-130); Heimer (1980); Paulo (2000: 304-326).
468
Ver anexo nº 8 e Silva (1992-1994: 112-115).
469
Alexandre (2000:197).
107
assimilados direitos incomparáveis aos dos indígenas470. Quanto aos mestiços esta diferença
estatutária aplica-se-lhes também, tal como acontece com os negros. No entanto os mestiços
possuem uma diferença em relação aos negros que se traduz numa vantagem que só é válida no
interior de cada categoria estatutária471.
Pese embora, não ser “um sistema racial com uma base legal” direccionada, estas
propriedades (raciais e estatuárias) não deixam de ter o efeito de tornar ainda mais visíveis
processos de exclusão e inclusão que caracterizam a relação colonizador/colonizado, sobretudo
no que respeita às opções, económicas, culturais e políticas472. Estas categorias fundamentadas
pela lei e pela estatística consubstanciam-se em graus de distância, nomeadamente, em relação,
ao capital económico e ao capital cultural (variante escolar) instituídos pelo Estado colonial473.
Distância que é reforçada por um dado subjectivo e arbitrário que são as propriedades
rácicas/características somáticas.
Assim, a relação colonizador/colonizado torna-se passível de ser percepcionada a partir
de categorias como indígena, civilizado, assimilado, branco, negro e mestiço. Criam-se assim,
formas particulares de relações sociais assentes em princípios de distinção como por exemplo a
distinção entre negros e brancos; assimilados e indígenas; civilizados e assimilados; negros e
mestiços; brancos naturais e brancos metropolitanos474.
470
Messiant (1989: 132).
Messiant (1989:132). Concordamos em parte com a autora, na medida em que se nos situarmos na categoria
estatutária de indígena esta vantagem, em nossa opinião, não existe. A vantagem de um mestiço em relação ao negro
passa quanto a nós por um conjunto de factores que vão desde aquele que classifica, o grau de
distância/aproximação em relação a linhagem africana, reconhecimento pelo pai classificado de branco, capital
económico, cultural e social, etc.
472
A esmagadora maioria da população africana continuava sem representação política. Estava excluída do
sufrágio eleitoral. Alexandre (2000:197).
473
A título de exemplo, os classificados de indígenas estão mais distantes do capital económico e do capital escolar,
limitados portanto a um quadro etnolinguístico ou religioso. A questão da etnia e da religião, embora relevante para
se compreender a dinâmica do campo político angolano, merece quanto a nós uma abordagem específica e profunda,
nomeadamente no respeitante à metodologia de investigação (entendimento das línguas bantas). Sendo um aspecto
heuristicamente incontornável, só nos resta assumir tal lacuna como um dos limites do nosso trabalho.
474
Segundo Adolfo Maria “Os brancos de Angola eram preteridos nos empregos a favor dos brancos
metropolitanos. Aliás eram considerados brancos de segunda. Eu próprio, na escola primária, recebi um carimbo de
«euro-africano», pelo que não era branco como os outros, apesar de ser filho de transmontanos. (…) Para muitos
brancos angolanos, a chegada contínua e maciça de colonos portugueses, que se acentuou na década de 1950,
arrogantes e cheios de preconceitos raciais quer contra os negros e mestiços, quer contra os brancos nados e criados
em Angola, representava uma afronta e uma humilhação. Existia um sentimento de alteridade: nós éramos
angolanos, eles (os novos colonos) eram «matarroanos» e «bezugos», isto é, portugueses! Neste sentido, quando
adolescentes, alguns de nós iam (brancos negros e mestiços) para o porto de Luanda «receber os novos colonos com
insultos orgulhosamente lançados sobre os recém chegados! Víamos neles os instrumentos do sistema de dominação
de que não gostávamos”. Adolfo Maria em Pimenta (2006:37-38).
471
108
Estas distinções, inseridas num quadro de dominação colonial, reflectem uma relação
entre indivíduos categorizados e a sua respectiva distribuição no espaço colonial, na medida em
que a taxionomia indicia o grau de distância em relação aos bens de reconhecimento social
(sobretudo o capital económico e o capital cultural)475. Significa, que estas categorias funcionam
não só como um arbitrário mas também como um capital, ou seja, possuem um valor no mercado
de produção e circulação dos bens de reconhecimento social, nomeadamente, no respeitante ao
capital económico e cultural. E, por conseguinte tornaram-se categorias práticas, estando por isso
subordinadas a funções práticas e, como tal, orientadas para a produção de efeitos sociais476. E
que se traduzem, frequentemente, em percepções de que a cor e estatuto social estão
perfeitamente associados. São portanto efeitos devedores da prática de classificar e hierarquizar
indivíduos tendo em conta não só indicadores económicos, culturais mas igualmente uma
propriedade distintiva como por exemplo a cor da pele477:“Então a sociedade angolana que vai ser…
imaginarmos a pirâmide, uma pirâmide racial. No topo da pirâmide os brancos e na base os negros. Entre o topo e as
bases, digamos que a meio caminho os 50% de brancura temos os mestiços. De entre a base entre os negros e os
mestiços temos os cafuzos 25% de brancura. De entre os mestiços e os brancos temos os cabritos com 75% de
brancura; brancos 100% de brancura mas com intervenção de uma classificação especial: há brancos de primeira e
há brancos de segunda. Até essa divisão que consagrada na própria constituição portuguesa, por exemplo, nenhum
478
presidente da República portuguesa podia ter nascido nas colónias portuguesas”
.
É neste sentido que as propriedades rácicas/características somáticas se tornam passíveis
de serem objectos de representações mentais, quer dizer, de actos de percepção e apreciação, de
conhecimento e de reconhecimento, em que os colonizados, na sua heterogeneidade, irão investir
475
Designação utilizada por Pierre Bourdieu: “As propriedades actuantes, tidas em consideração como princípios de
construção do espaço social, são as espécies de poder ou de capital que ocorrem nos diferentes campos”. Bourdieu
(1989: 134).
476
Bourdieu (1989: 112). Mesmo depois da abolição do indigenato é como assimilado ou como indígena que ainda
se definem os colonizados Messiant (1989: 132). Além de que, classificações como mestiço, negro, e branco
mantiveram o seu carácter prático ou seja sujeitas a funções práticas, mesmo durante a independência.
477
Um caso exemplar o daqueles emigrantes que, ocupavam lugar mais baixo da escala social na metrópole,
deparam-se de repente em Angola perante pessoas que lhes são socialmente inferiores pelo simples facto de a sua
cor da pele e o seu estatuto lhes concederem o «posto» de civilizadores. Ou seja, deixam de estar no último degrau
da escala social pelo simples facto de serem brancos. Castelo (2007: 283-287).
478
Entrevista, com Manuel Lima antigo membro do MPLA, em 08/2007. Note-se o desdobramento da categoria
mestiço em várias sub categorias e que variam hierarquicamente em função da categoria branco. Holden Roberto
acrescenta a esta visão hierárquica da sociedade colonial a seguinte proposta classificatória, que combina as duas
grandes classificações: “o branco nascido em Portugal; o branco nascido em Angola; o mestiço; o negro assimilado;
o indígena. Nganga (2008:145).
109
os seus interesses e os seus pressupostos, não só na luta anti-colonial mas também no seio do
espaço nacionalista angolano479.
Importa doravante saber qual será o valor destas propriedades rácicas/características
somáticas no mercado de produção e circulação de bens políticos.
479
Bourdieu (1989: 112).
110
Capítulo IV. Um momento de reavaliação das propriedades rácicas
/características somáticas. O panfleto como lugar de enunciação. (1956-1960)
1. Da prática cultural à prática política
Na década de cinquenta, Angola é marcada pela passagem de posições de compromisso
com as autoridades coloniais para uma ruptura com as mesmas.
É nesta década que actores sociais ligados a determinadas práticas culturais, como o
ensaio, a poesia a música e o desporto, se pautam por práticas e representações identitárias que
questionam os processos de dominação colonial480. Progressivamente, pelas exigências do
contexto colonial, estes actores vão passando de práticas culturais para práticas políticas481.
Torna-se, dever prioritário de intelectuais e homens de cultura o engajamento na luta contra o
colonialismo português482.
480
Os suportes institucionais de tais práticas foram fundamentalmente a escola (o Liceu Salvador Correia), as
associações africanas (a ANANGOLA - Associação dos Naturais de Angola e a Liga Nacional Africana], as
publicações literárias {Revista Mensagem}, os conjuntos musicais {Ngola Rítmos com Liceu Vieira Dias à cabeça].
Mas também nos musseques, indivíduos com afinidades etnolinguísticas, regionais e religiosas haviam criado uma
série de grupos desportivos e recreativos (como o Botafogo, o Atlético, o Espalha Brasa). No sul de Angola, os
trabalhadores ferroviários de Nova Lisboa e do Lobito tentavam criar a Associação Africana do Sul de Angola,
rapidamente encerrada pelas autoridades coloniais. Rocha I (2002: 79-87); Ver também Messiant (1989); Marcum
(1978); Pélissier (1978b).
481
Todavia, neste processo, convém não esquecer o papel desempenhado pelas Associações legais constituídas fora
de Angola, nomeadamente aquelas que se formaram em Portugal e no Congo Belga. Assim temos o CEI - Casa dos
Estudantes do Império, O CEI de Coimbra, o CEA - Centro de Estudos Africanos e o Clube Marítimo Africano.
Estas Associações que tinham um carácter sobretudo cultural e recreativo tinham em comum o facto de os seus
membros estarem na origem de movimentos políticos clandestinos e também nos movimentos armados anticoloniais de todas as colónias portuguesas, nomeadamente, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau e São
Tomé e Príncipe. No Congo Belga podemos assinalar a Assomizo - Association Mutuel des Ressortissant du Zombo
que depois se designaria Alliazzo - Alliance des Ressortissants du Zombo). A propósito dessas associações ver,
Mateus (1999); Zau (2005); Rocha I (2002); e Lara (1997) e Marcum (1969) e (1978).
482
Contudo, esta passagem do homem cultural, crítico do colonialismo, para o ideólogo do nacionalismo é
extremamente complexa. Existem construções ideológicas, no plano dos discursos, que comprovam imbricações
profundas entre práticas culturais e práticas políticas, sobretudo no respeitante à literatura, ao ensaio e a música. Mas
é importante sublinhar que a “maturação” das ideias nacionalistas passa também por um processo político que se
desenrolou num quadro religioso, nomeadamente no que concerne ao papel desempenhado pelas igrejas
protestantes, (Igrejas Baptista, Metodista e Congregacionista). No que concerne as igrejas é igualmente importante
salientar o papel desempenhado pelo tokoismo e, por conseguinte, de Simão Toko. Segundo Lara (1997: 11): “o
nome de Simão Toco está inscrito entre os iniciadores do nacionalismo moderno como mobilizador da juventude
dos anos cinquenta, sobretudo da juventude do Zombo, que teve um interessante papel cultural através de coros e
outras acções políticas”. O tokoismo é uma doutrina religiosa veiculada por Simão Gonçalves Toko (1918-1984)
que teve bastante influência em tomadas de posições anti-coloniais. Ver Santos (1965: 276-278); Paxe (2010);
Acerca do papel das igrejas no quadro da luta anti-colonial ver Schubert (2000); Messiant (2006); e Henderson
(1990).
111
A década de cinquenta é, portanto, marcada pela emergência de uma série de
organizações políticas, com diversas origens, de contestação ao regime colonial. Esta diversidade
era igualmente constatável nos seus discursos políticos. No entanto, estas organizações políticas
eram convergentes, tanto na recusa do sistema colonial português como no desejo de
independência483. É neste sentido que encontramos organizações políticas, como o PLUAA Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola, formado em 1956, em Luanda484. O PCA Partido Comunista Angolano, cuja instituição ocorreu em 1955, a 12 de Novembro em
Luanda485. O MIA - Movimento para a Independência de Angola, criado em 1957 ou em 1958,
em Luanda486. O ELA - Exército de Libertação de Angola, criado provavelmente em 1952 ou
1953, Luanda487. A UPA - União das Populações de Angola, criada em 1958, em
Leopoldville488. O MLA - Movimento de Libertação de Angola, criado em 1958, provavelmente
em Luanda489. O MINA - Movimento de Independência Nacional de Angola, criado em 1959,
483
Outra característica dessas pequenas organizações políticas era o uso de panfletos para veicularem as suas
mensagens anti-coloniais. Rocha I (2002: 134). Rocha I (2002: 134) considera esta fase como sendo o início do
nacionalismo moderno angolano “marcada não só pela actividade de movimentos de cariz nacionalista marxista ou
católico, mas também pela influência marcante dos grupos ligados à UPA”. Mas também porque o panfleto era o
meio, por excelência, de contestação ao regime colonial e de reivindicação da independência. Daí que este autor
apelide este período de fase panfletária. Idem
484
Sob a direcção de Viriato da Cruz, Ilídio Machado, António Jacinto e Mário António Fernandes de Oliveira.
Pacheco (1997: 63); Segundo Rocha I (2002: 118) a ausência nos arquivos da PIDE/DGS de qualquer documento
original sobre a Fundação do PLUAA é deveras perturbadora. O que põe em causa a real existência deste partido.
485
Fundadores: Viriato da Cruz, (Monamundo) Ilídio Machado, (Paulo Costa); Mário António Fernandes de
Oliveira (José Nunes); António Jacinto (Carlos Duarte). Pacheco (1997: 64); MPLA (2008).
486
Por iniciativa de Andre Franco de Sousa. Constituído por Ilídio Machado, Higino Aires de Sousa e Almeida,
Liceu Vieira Dias, Gabriel Leitão, Joaquim Figueiredo, Eduardo Correia Mendes, António Monteiro, António
Rebelo de Macedo e Beto Van-Dúnem. Rocha I (2002: 121). Ver também Mbah (2005).
487
Pacheco (1997: 36); MPLA (2008: 89); Rocha I (2002: 127-128) considera que este grupo iniciou as suas
actividades na mesma época que o MIA, e, também Mbah (2005:131) considera que este grupo: “est né, lui aussi, à
la même époque que le MIA, c’est à dire vers la fin de 1957 ou au debut de l’ánnée de 1958”. Podemos assinalar
algumas figuras: Joaquim de Figueiredo, Fernando Pascoal da Costa, António Pedro Benje. Idem.
488
Acerca da UPA ver Marcum (1978); Pélissier (1978b); Rocha I (2002); Mbah (2005).
489
Pacheco (1997: 37). Algumas figuras: Ilídio Machado, André Franco de Sousa, Segundo Rocha I (2002: 124):
“Existe uma certa confusão à volta deste Movimento de Libertação de Angola (MLA) o qual, por vezes, parece ser
um grupo individualizado ou parece confundir-se com o Exército de Libertação de Angola (ELA). O MPLA I (2008:
87) acrescenta neste movimento as seguintes figuras: o cónego Manuel das Neves, o cónego Franklin da Costa, o
padre Alexandre do Nascimento, André Mingas, Higino Aires, entre outros.
112
em Luanda. O MLNA - Movimento de Libertação de Nacional Angola,
Luanda
491
490
criado em 1959, em
.
À proliferação de organizações políticas em Angola, as autoridades coloniais
responderam com uma vaga de repressão de grande envergadura492. A PIDE - Polícia
Internacional e de Defesa do Estado, dá início em Março de 1959 a uma vaga de prisões de
militantes nacionalistas. Estas detenções dariam origem ao denominado «processo dos
cinquenta»493
Apesar da prisão da maioria dos nacionalistas, a luta clandestina iria ser retomada meses
depois por alguns militantes que tinham escapado às prisões da PIDE. A UPA e o MINA iriam
desempenhar um papel fundamental, no prosseguimento da luta anti colonial. Como afirma um
autor: ”O exemplo, entretanto deixara raízes. Porque logo a seguir, nesse mesmo ano, o impulso seria recuperado
pela luta unitária desencadeada pela UPA (já largamente inserida nos espaços urbanos dos eixos
Luanda/Malanje/Benguela Bié) e o Movimento de Independência Nacional de Angola (MINA) ”
494
. Todavia, em
1960, os dirigentes do MINA seriam todos detidos tornando deste modo residual a actividade
política dos nacionalistas angolanos no país495. Apenas a UPA conseguirá resistir à vaga de
repressão: ”objectivamente, a UPA aparece nos anos 1959-1961, como o único grande movimento de massas,
490
Rocha I (2002: 153). Segundo Pacheco (1997: 82): o MINA despontou em Dezembro de 1959. Quanto à sua
evolução, ela apresenta duas fases distintas. “Uma primeira, francamente unitarista com a UPA que dura, mais ou
menos, até fins de Fevereiro de 1960 e uma segunda marcada pela admissão de Agostinho Neto (médico que viria
ser o primeiro presidente da República de Angola) e Joaquim Pinto de Andrade, que obrigou a uma reorganização
do Movimento e à sua consequente conversão em MPLA na segunda semana de Maio.
491
A partir de uma fusão do MLA com o MLN- Movimento de Libertação de Nacional, promovida por Ilídio
Machado, contudo esta fusão não teve expressão nenhuma. Rocha I (2002: 122-124). O mesmo autor afirma que
também houve uma tentativa de unidade do MIA com o MLA, promovida por Joaquim Figueiredo
492
Note-se que a maioria das organizações políticas foi criada em Luanda, que, por sua vez, se tornou o principal
palco da actividade política clandestina até 1959. Ver Rocha I (2002).
493
Segundo Maria do Carmo Medina: O “Processo dos 50 é uma designação errada dos primeiros processos
políticos que se iniciaram em 1959, em Luanda, contra os patriotas angolanos. É errada porque não eram 50, eram
60 e tantos”. A mesma considera: ”que pelo facto de haver três processos, esta é a minha impressão subjectiva, que a
PIDE quis fazer racismo nestes processos. Porque maioritariamente no processo 1º, eram angolanos negros; no
processo 2º eram angolanos mestiços e no processo 3º, eram sobretudo indivíduos brancos. Portanto eu estou
convencida de que houve, digamos um certo maquiavelismo da PIDE em dividir presos, porque no fundo todos
lutavam contra a situação injusta e de opressão que existia em Angola e queriam a independência, cada um, cada
grupo na sua forma de luta da maneira como encontrou a forma de se juntar, de se unir e de se tornarem solidários
para a luta; a PIDE resolveu compartimentar as pessoas para as separar”. Jaime e Barber (1999: 74-75).
494
Pacheco (1997: 38).
495
O MINA teria a partir de Maio de 1960 mudado de nome passando a denominar-se MPLA. Contudo este MPLA
no interior seria completamente decapitado com a vaga de prisões de Junho de 1960. Podemos assinalar as prisões
de duas figuras relevantes: Joaquim Pinto de Andrade e Agostinho Neto. Ver Rocha I (2002: 159) e Pacheco (1997:
49).
113
496
implantado não só nos musseques das cidades como também nas sanzalas do noroeste angolano”
. Significa
isto que as restantes organizações políticas que actuavam em Angola estavam ainda, numa fase
embrionária, pouco estruturada e com escasso número de militantes. Segundo Joaquim Pinto de
Andrade: ”A filiação nestas organizações era feita à base de afinidades naturais, de vária ordem: as afinidades
etárias, gente da mesma geração, da mesma idade, reunia-se num grupo, gente mais jovem ou mais velha reunia-se
noutro grupo; afinidades de classes sociais; proximidades de bairro; proximidades de emprego; o nível escolar; e até
mesmo a confissão religiosa. Todos aqueles factores que juntam pessoas serviam para formar grupos políticos.
Portanto, uma pessoa podia, por um lado, ter afinidades com um determinado grupo pela sua confissão religiosa e
podia ter outro, pelo seu grupo etário ou pelo seu grupo social e, então, pertencia a um e a outro, pertencia a vários.
(...) Mais ainda, os nomes, também, a composição, por imposição da clandestinidade, pelo grau de repressão policial
e, também pela inexperiência organizativa, aconteceu que esses grupos não chegaram a ter uma acção visível
publicamente, nunca tiveram manifestações públicas, nunca fizeram reivindicações de massa, nem greve, nem nada
disso. Toda a sua acção se resumia a escrever panfletos e distribui-los, deixar nas repartições, atrasar-se na saída,
deixar sair os outros todos e, no dia seguinte, aparecerem as mesas da repartição todas cheias de panfletos
independentistas (....) as pessoas pertenciam a vários movimentos ao mesmo tempo, passavam de um para outro,
segundo as necessidades, segundo as afinidades. Isto levou mesmo a que Salazar, uma vez, dissesse, em 1960, num
discurso pronunciado na Assembleia Nacional, na sua vozinha flautada: «Eles não são muitos, mudam de nome para
parecerem muitos» ”
497
.
Somente a partir do exterior é que o espaço nacionalista angolano se iria configurar e
estruturar, num processo que iria conduzir à criação do grupo político, com o seu programa, o
seu porta-voz, as palavras de ordem, as ideias força, etc. Esta dinâmica irá consubstanciar-se em
duas principais organizações políticas nacionalistas angolanas: a UPA/FNLA - Frente Nacional
de Libertação de Angola e o MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola que, durante
praticamente toda a década de sessenta, iriam disputar a hegemonia do espaço nacionalista
angolano498.
Feita a síntese contextualizante, estamos em condições de apresentar alguns exemplos
panfletários (num total de vinte e um) cujos enunciados discursivos remetem, sobretudo, para
processos de inclusão e exclusão (o com e o contra), num quadro de negação do sistema colonial
496
Rocha I (2002: 167).
Jaime e Barber (1998: 80).
498
De que falaremos mais adiante.
497
114
e de afirmação da ideologia identitária nacionalista499. Os panfletos datam de 1956, 1958, 1959 e
1960500. Antes porém queríamos apresentar algumas considerações acerca da nossa abordagem.
Muito embora não tenhamos a certeza de que esses exemplos possam esgotar o
universo, da fase panfletária, a nossa pesquisa nos arquivos da Torre do Tombo e a consulta de
vários transcritores de entre os quais, Edmundo Rocha, Maria do Carmo Medina, Lúcio Lara,
entre outros, levam-nos a constatar que estes vinte e um panfletos dão-nos uma aproximação da
produção discursiva real, porventura não na quantidade dos panfletos mas no conteúdo dos
discursos.
Os panfletos caracterizados foram localizados nos anexos das obras de Edmundo Rocha,
Maria do Carmo Medina, Lúcio Lara e na «História do MPLA» produzido pelo próprio
Movimento. Todavia, fizemos questão em confirmar (não todos) a existência dos panfletos nos
Arquivos da Torre do Tombo. Não pomos contudo em causa a idoneidade tanto dos autores
como a veracidade dos panfletos recolhidos pelos mesmos. A ordenação dos mesmos não foi por
ordem cronológica sequencial.
Os panfletos foram divididos em dois grupos, sendo um primeiro constituído por
panfletos atribuídos a uma determinada organização política. Organização identificada
claramente no texto. O segundo grupo corresponde a panfletos anónimos onde não se descortina
o nome de qualquer organização política. Todavia fazemos questão em atribuir a autoria dos
panfletos a certas organizações políticas às quais por sua vez fora atribuída por autores e
investigadores que se debruçaram sobre a época em estudo.
Por fim, não podemos deixar aqui um breve esclarecimento no que respeita à construção
dos quadros que se apresentam.
Os quadros têm por objectivo sintetizar e clarificar a caracterização dos discursos
contidos nos documentos tendo em conta o nosso aparelho conceptual que, recordamos, assenta
no conceito de ideologia identitária cujas dimensões remetem também para processos de inclusão
e exclusão, tendo em conta a componente de sistemas de classificação política e ainda porque os
discursos questionam sistemas de classificação produzidos pelo Estado colonial.
499
Daí que as categorias utilizadas assentem nesta rigidez fronteiriça tendo em conta princípios de inclusão e
exclusão. Convém não esquecer que a luta política anti-colonial é também uma luta para mudar a visão do mundo
social criada pelo Estado colonial. Ver anexos nº 9 e nº 10.
500
A datação dos panfletos obedeceu aos seguintes critérios: ao conteúdo do texto, a datação definida por um autor
da obra onde está anexado o panfleto e também a datação definida pela PIDE.
115
No primeiro quadro sobre cada documento, referente às «classificações que remetem
para processos de inclusão e exclusão», as categorias inseridas são retiradas do discurso
panfletário; aliás, as designações constam nas nossas transcrições dos discursos produzidos. As
designações contidas na tabela não obedecem a pressupostos dicotómicos por nós elaborados. As
dicotomias são fruto do discurso produzido; muito embora as designações não estejam contidas
na mesma frase ou mesmo parágrafo.
No segundo quadro optámos pela categoria em si. Por vezes há coincidência entre esta
última e a designação contida no discurso. O mesmo acontece com os outros quadros seguintes,
referentes a cada discurso.
A elaboração dos quadros é comandada pelo texto. Daí que por vezes o número de
quadros varie conforme as características do discurso.
2. O panfleto como lugar de enunciação. Estratégias discursivas que remetem para
processos de inclusão e exclusão na relação dominantes/dominados ou
colonizadores/colonizados
Podemos constatar, na maioria dos discursos produzidos, que noções como raça, nação
e condição de dominado/colonizado se articulam e gravitam em torno de um eixo central que é a
reivindicação independentista.
A reivindicação independentista é complementada por discursos enunciadores de um
forte sentimento de pertença que se traduz em designações como “nós”, “eles”, população de
Angola, povo de Angola, angolanos, Africanos “nação” e até irmãos em oposição a designações
como, “população europeia”, “brancos portugueses”, “indígenas de Portugal”, “europeus”,
“eles”, etc. Procurava-se assim criar um processo de identificação entre uma população e um
território (espaço físico) com fronteiras politicamente bem definidas. Este processo de
identificação era reforçado por discursos de denúncia do arbitrário colonial, nas suas múltiplas
vertentes, nomeadamente o arbitrário racial.501.
Assim, através de noções como raça, nação e condição política (dominado/colonizado),
faz-se uso de categorias, no exercício discursivo, que remetem para processos de inclusão e
exclusão. Daí que os discursos apresentem, igualmente, uma visão da sociedade angolana
501
Todos os panfletos sem excepção veiculam uma ideologia identitária de nação. Todos os signatários dos
panfletos manifestam o desejo de independência de Angola e excluir a potência colonial. Trata-se portanto de um
nacionalismo anti-colonial. Smith (1997: 107).
116
dividida entre brancos e negros; angolanos e portugueses; europeus e africanos502; dominantes e
dominados. Para tal, fazia-se uso de designações como “colonizado”, “Aborígene”, “angolano”,
“africano”, “negro”, “preto”, “mestiço”, “indígena”, por oposição a “europeu”, “branco”,
“português” e “colonizador”503.
A noção de raça está sempre presente nos discursos, quer seja em princípios de
inclusão/exclusão, reavaliação/valorização ou de mera identificação somática504.
Com efeito, encontramos discursos de questionamento e reavaliação de um sistema de
classificação, racial e estatutário, produzido e imposto pelo Estado colonial, como são os casos
das categorias “preto”, “mestiço”, “indígena” e “assimilado"505. É possível igualmente constatar
que as mesmas categorias raciais e estatutárias remetem para processos identificação no seio dos
angolanos506.
Todavia é possível descortinar discursos que inseriam, na condição de colonizado,
aqueles que eram classificados de branco. O que significa que a distinção de raças no seio dos
colonizados não impedia que se veiculasse um sentimento de pertença em torno de uma
população colonizada («multirracial») que se revê num território chamado Angola, e, como tal,
se autodesigna de angolanos507.
Os discursos procuram, igualmente, demonstrar que Angola possui uma história,
anterior à memória colonial e que fora brutalmente interrompida por meio milénio de
colonização. Daí as referências ao Reino do Congo, à Rainha Njinga ou ao Ngola Kiluanje. São
discursos que fundamentam uma Angola singular, com um destino próprio508.
502
O princípio de inclusão, e exclusão, é igualmente notório no respeitante à relação antinómica África/Europa
sendo esta associada à antinomia Angola/Portugal. O que significa que ser angolano implica obrigatoriamente ser
africano.
503
A variabilidade dos processos de inclusão e exclusão não impede que o princípio em si atravesse todos os
discursos produzidos pelos panfletos. O que significa que o principio de inclusão/exclusão é, quanto a nós, uma
matriz estruturante de qualquer processo de formação de um campo político.
504
É perfeitamente notório nos discursos um princípio de reavaliação/valorização da categoria negro. Era, quanto a
nós, uma forma de eliminar o estigma que acarretava esta classificação. O que significa que a noção de raça
permanece uma constante. Não está, portanto, em causa portanto o arbitrário da classificação em si. Estamos perante
a amnésia da génese da classificação.
505
A maioria das estratégias discursivas, de aproximação entre os classificados de indígenas e assimilados, eram
veiculadas através da noção de raça (negra).
506
Encontramos, na maioria dos discursos, as categorias preto e mestiço inseridas na categoria negro.
507
Contudo, na sua maioria, os discursos, apresentam uma visão da sociedade angolana dividida em duas raças:
brancos e negros. Esta visão dicotómica implicou, em geral, a exclusão dos classificados de brancos de qualquer
afinidade com os angolanos, dada a sua associação, por um lado, ao arbitrário colonial, mas também, por outro,
devido a ausência de consanguinidade, tida por fundamental como marca identificadora.
508
Esta reinvenção de um passado remoto possibilita relacionar a história com o espaço físico, reforçando, assim, a
fronteira entre o nacional e o estrangeiro. Esta etnogénese parte do pressuposto: “de que as nações existem desde
117
Por fim não podemos deixar de assinalar, nos discursos, a influência do contexto
político da época, nomeadamente a nova conjuntura internacional e regional. Referimo-nos, por
exemplo, a guerra-fria, aos processos de descolonização na Ásia e África, pontuados pela
Conferência de Bandung; a influência do pan-africanismo político veiculado por Nkrumah e,
claro, aos processos de independência em curso em países africanos, nomeadamente os dois
Congos, territórios que fazem fronteira com Angola.
2.1 Documento (1). Manifesto “para um Amplo Movimento Popular de Libertação de
Angola”. Provavelmente de 1956509.
No discurso produzido, contido no manifesto para um «amplo movimento popular de
libertação de Angola», começa-se por contextualizar historicamente (discurso marxisante) as
etapas da colonização europeia, sendo esta última considerada como um processo que
desembocou no «aniquilamento dos Estados africanos», na «conquista dos territórios africanos»
e na «subjugação dos povos africanos»510, é a denominada fase capitalista: “Deste modo os
capitalistas europeus transformaram toda a África em colónias e países dependentes”.
Posteriormente, entrou-
se na fase imperialista através do colonialismo e da escravização, com o: “ (…) alargamento das
esferas de influência e dos domínios coloniais até abarcar todo o mundo: (…) isto é a transformação do capitalismo
num sistema mundial de opressão colonial e de escravização financeira da imensa maioria da população do mundo
por países imperialistas”.
Esta situação dividiu o mundo em dois campos: o dos poucos países
imperialistas, exploradores e opressores e o grosso ´«campo das colónias e dos países
dependentes». Significa que:”diante desta frente imperialista Mundial as colónias e os países dependentes
viram-se obrigados a criar a frente Mundial contra o imperialismo”.
Esta grande frente que engloba países
asiáticos e africanos teria tido a sua consagração na conferência de Bandung. A partir daí, passase do contexto internacional para a abordagem continental, nomeadamente, em África. Trata-se,
portanto, de mobilizar todos os africanos contra o imperialismo: “Nenhum africano deve ficar
tempos imemoriais e que os nacionalistas devem despertá-las dos seu longo sono, para que ocupem o seu lugar num
mundo de nações”. Smith (1997: 35).
509
A autoria deste manifesto é atribuída a Viriato da Cruz (1928- 1973) Nacionalista angolano e primeiro secretáriogeral do MPLA entre 1960 e 1962. Viriato Destacou-se na prática literária, nomeadamente na poesia. Viriato
Francisco Clemente da Cruz, nasceu em Porto Amboim, a sul de Luanda em 25 de Março. Afastado do MPLA em
1963, viria a integrar num curto espaço de tempo o FNLA/GRAE. Acabaria por viver na China a até a data do seu
falecimento em 1973. Para saber sobre esta figura ver entre outros, Rocha (2008); Messiant (2003).
510
Lara (1997: 23); Laban e Messiant (2003).
118
indiferente perante a luta contra o imperialismo que se trave em qualquer parte do nosso continente por uma África
511
para os africanos”
.
A partir desta breve contextualização histórica no plano internacional e regional, a
estratégia discursiva do manifesto centra-se no contexto angolano, nomeadamente no que
respeita à dominação colonial portuguesa.
No discurso, começa-se por criticar um longo arbitrário colonial: “Não obstante isso,
gerações e gerações do povo angolano vêm arrastando uma vida triste, na miséria, na ignorância, na perseguição, no
trabalho forçado, na exploração desumana do seu trabalho, desagregando lhes as famílias, morrendo
prematuramente, sem assistência médica e farmacêutica. Num país rico e com três habitantes por quilómetro
quadrado, a população indígena cresce, (…) num ritmo lento, a natalidade infantil indígena é baixa e a mortalidade
512
das crianças e dos trabalhadores indígenas é altíssima”
. Considera-se que tais injustiças se devem,
obviamente à «dominação imperialista e em particular, à «opressão colonialista que pesa, há
séculos sobre o nosso povo»513.
Neste discurso de questionamento/crítica da dominação colonial é notória a reavaliação
da categoria indígena consignada pelo Estatuto Civil e Criminal dos Indígenas, nomeadamente,
no que respeita à sua definição como categoria jurídica, qual obstáculo jurídico e racial no acesso
à cidadania: “(…) Milhões de indígenas não são considerados cidadãos pelo governo colonialista português”514.
Esta reavaliação estende-se à denúncia das condições sociais dos classificados de indígenas: “não
têm direito à posse individual da terra angolana. (…) Toda a vida social indígena foi desorganizada. A cultura
indígena é desprezada silenciada e aniquilada. Fazem silêncio sobre os povos indígenas, ou a deturpam e difamam.
515
Desconsideram as línguas indígenas e impedem o cultivo delas”
.
A memória de um passado, fundamentado na história da civilização egípcia, era um dos
grandes
argumentos
para
valorizar
a
cultura
africana/negra.
Há
portanto
uma
reavaliação/negação de uma memória histórica concebida pelos europeus: “Falseiam grosseiramente
os factos referentes à tradição histórica e cultural dos africanos. (….) Reduzem a zero a contribuição do homem
negro para o desenvolvimento da cultura humana, esquecendo de propósito ter sido negra a primeira grande
516
civilização que se conhece, a civilização egípcia”
.
511
Todas as expressões citadas neste parágrafo estão em Lara (1997: 23).
Lara (1997: 23).
513
Lara (1997: 23).
514
Recordamos que eram considerados indígenas os indivíduos de raça negra e seus descendentes. Distinguiam-se
juridicamente dos cidadãos.
515
Lara (1997: 23).
516
Lara (1997: 23).
512
119
No discurso, considera-se que a «luta revolucionária» é a melhor solução para pôr fim
ao arbitrário colonial, mas só será bem sucedida através de um amplo movimento de libertação
de Angola: “Esta luta, no entanto, só alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças antiimperialistas de Angola, sem ligar às cores políticas, à situação social dos indivíduos, às crenças religiosas e às
tendências filosóficas dos indivíduos, através do mais amplo Movimento Popular de Libertação de Angola. O
movimento será a soma das actividades de milhares e milhares de organizações”.
Na medida, em que «o
inimigo é o colonialismo»; mais concretamente: “todos os organismos e todos os indivíduos interessados
na manutenção do actual Estado de coisas em Angola, e são todos quantos colaborem, de qualquer modo, consciente
517
ou inconscientemente, clara ou veladamente, com os primeiros”
.
A definição dos inimigos implica, por sua vez, a definição dos aliados: “São nossos aliados
todos quantos lutem ao nosso lado, todos quantos nos dêem qualquer ajuda, temporária ou duradoura, condicional ou
incondicional – ou todos quantos mantenham, pelo menos uma atitude de neutralidade favorável à luta do povo
angolano”518.
Significa isto que: “Os “europeus residentes em África que queiram continuar a viver neste
continente, vendo respeitados os seus direitos justos, terão de manter, pelo menos, uma atitude de neutralidade
519
favorável à luta dos povos africanos pela sua liberdade”
.
Por último, é feito um apelo ao “povo negro de Angola” no sentido de lutar pela
“sobrevivência da raça negra que os colonialistas querem assassinar”.
O discurso é pautado por um conjunto de classificações que remetem para processos de
inclusão e exclusão. Parte-se do pressuposto que a raça negra (ou o povo negro) é
angolana/africana. Há também uma distinção entre europeus e africanos. Estamos perante um
discurso de inclusão/exclusão assente no espaço geográfico e na população. Contudo não é uma
exclusão radical, na medida em que: “Os povos coloniais oprimidos e as massas trabalhadoras exploradas da
metrópole são aliados naturais na luta comum contra os exploradores de ambos. Levante-se a bandeira da
solidariedade internacional dos trabalhadores de todos os países! Seja vivificada e fortalecida a nossa justa e
indestrutível frente mundial contra os exploradores das metrópoles e das colónias, nossos inimigos comuns.
520
Lutemos pela coexistência e pela colaboração pacífica entre os povos”
.
É patente a valorização da raça negra. Porém é uma reavaliação, de inserção no
universal, na medida em que inclui a raça negra como fazendo parte da luta contra o
colonialismo, que é, também por sua vez, uma luta dos explorados contra os exploradores521. A
517
Lara (1997: 26).
Lara (1997: 26).
519
Lara (1997: 29).
520
Lara (1997: 29).
521
No princípio do texto podemos encontrar a expressão “todas as raças”. Lara (1997: 26).
518
120
valorização da raça negra não explicita a definição de quem é angolano ou português em função
da noção de raça. Contudo, é notória a permanência da noção de raça.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no “Manifesto do MPLA”
Negros
Angola
Africanos Povos coloniais oprimidos
Inclusão Povo angolano Indígena
Exclusão
Portugueses
Colonialistas portugueses
Brancos
Portugal
Europeus
Exploradores...*
*...das metrópoles e colónias
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais e estatutárias
Negro
Indígena
2.2 Documento (2). Panfleto do Grupo ELA de Angola “O nosso relatório para a
conferência a realizar em Accra em Março do corrente ano”. Março de 1959.
No discurso, começa-se por saudar de forma elogiosa “o Dr Kuwame NKrumah: o homem
522
digno da nossa veneração e de respeito, que felizmente Deus deu ao mundo Africano para a sua libertação”
.
O texto refere-se, igualmente, de forma elogiosa “aos ilustres representantes das
repúblicas saídas das antigas colónias francesa”. O elogio aos representantes das antigas colónias
estende-se também à antiga potência colonizadora: “Aproveitamos o ensejo da vossa presença (…), para
lhes apresentar as nossas felicitações pela resolução tomada pelo nobre Povo Francês, na pessoa do Grande Homem
523
que é o general Charles De Gaule, de conceder-lhes a independência”
.
Contudo, no documento, ressalva-
se que a independência só se concretizaria em 1960, na medida em que essas “repúblicas” iriam
permanecer ainda num regime de autonomia. Os autores do panfleto lamentam este facto, porque
limitava o auxílio aos nacionalistas angolanos: “embora lamentamos a detenção ainda nas mãos do
governo francês das três chaves principais – assuntos externos, finanças e justiça – em que reside a possibilidade de
poderem contribuir para a emancipação dos vossos irmãos da Raça ainda dominados por minorias de portugueses
524
em Angola, Moçambique, Guiné e S. Tomé ansiosos por se libertarem de tal jugo”
.
O discurso prossegue, a partir de então, com uma breve contextualização histórica cuja
temporalidade tem o seu início com a Conferência de Berlim, ponto de partida para recordar o
arbitrário colonial metropolitano: “Angola e outras colónias que, infelizmente, foram cair nas mãos de
522
Medina (2003: 185).
Medina (2003: 185).
524
Medina (2003: 185).
523
121
525
verdadeiros vândalos como são os portugueses
.” Sendo assim: “Portugal é a Nação que menos merece o alto
encargo de civilizar outros Povos, por ser a mais atrazada e pobre, mas de uma pobreza geral em tudo na verdadeira
acepção da palavra: mental, material, moral, económico, etc. Isto aliado a um sentimentalismo egoísta, na verdade,
nada Portugal poderá fazer no sentido de encaminhar as populações autóctones para a senda do progresso e
consequente emancipação, conforme os próprios dirigentes da Nação o declaram abertamente nos seus discursos e
através da Imprensa. Nós que lidamos com essa Nação há cinco séculos, conhecemos melhor a índole dos
526
portugueses que em pleno século XX ainda pensam e administram as populações pelos métodos do século XV”
.
Os autores não se furtam a comparar o tipo de colonização belga, com a portuguesa, de
modo acentuar a desvalorização desta última: “Há que ter presente na memória que a situação miserável
das populações aborígenes de Angola, imposta pelo dominador, é muito diferente da dos congoleses sob domínio
Belga que, apesar de tudo, gozam de um nível de vida bastante desafogado, liberdade e economia relativamente
527
humana”
. Está assim subjacente, o reconhecimento de algum mérito na colonização europeia.
Contudo Portugal não é parte integrante deste mérito colonizador. Era como se, se amaldiçoasse
o facto de Angola ter sido colonizada pelos portugueses em vez dos outros Estados europeus.
A estratégia discursiva apela para a necessidade do recurso a violência no sentido de
adquirir a independência: “Daí conclui-se que a emancipação das populações aborígenes de Angola e outras
528
sob domínio dessa nação, só é possível efectivar-se com o derramamento de sangue”
.
O texto é também um apelo à solidariedade dos países africanos no sentido de
auxiliarem a luta contra o arbitrário colonial português: ” (…) torna-se necessário e imprescindível uma
colaboração conjunta, uma cooperação estreita e uma coordenação de esforços conjugados de todos os
529
africanos”
;
No documento, realça-se a importância que os dois Congos (nomeadamente quando
adquirirem a independência total) podem vir a ter, no sentido de expulsar os portugueses: “A
actual situação geográfica de Angola e ainda o desejo dos portugueses de fazerem desaparecer todos os vestígios da
existência de elementos aborígenes capaz de lhe embaraçar os seus planos de permanência em África, levam-nos a
convicção de que qualquer movimento de levantamento prematuro nosso para escorraçar os portugueses de Angola,
só poderia vingar, produzindo os efeitos desejados, depois da completa emancipação ou independência do Congo
Belga e da República do Médio Congo. É nesse territórios onde se devem constituir os arsenais com material de
guerra e de instrutores para o treino dos angolanos no manejo de toda a espécie de armas para a luta contra os
525
Medina (2003: 185).
Medina (2003:186).
527
Medina (2003: 186).
528
Medina (2003: 186).
529
Medina (2003: 186).
526
122
530
portugueses em Angola”
. Contudo, chama-se a atenção para o incremento da violência colonial
devido à proclamação da República do Médio Congo: “Após a proclamação da República do Médio
Congo (…) Todo o funcionalismo público preto, natural do Enclave de Cabinda ou de outras terras (….) foram
531
afastados para terras longínquas”
.
A influência do ideal pan-africanista político veiculado por NKrumah é notória: “Aqui
fica exposta a nossa opinião, entretanto os nossos amigos dirão a forma que acharem mais conveniente para se
chegar o mais rápido possível à consumação da independência de Angola e, consequentemente, a criação dos
532
Estados Unidos de África que seria a grande resposta para manter distante futuros imperialistas”
. Todavia, ao
panafricanismo político, é acrescentado uma certa dose de pan-negrismo com uma
argumentação, geopolítica, de peso: “Não aceitaremos formar uma nação com brancos, como muitos
colonos, aqui, pensam, para evitar a repetição da África do Sul”
533
. Há uma rejeição completa dos
classificados de brancos no projecto nacionalista.
Este pan-negrismo é igualmente notório no que concerne à imigração dos negros
americanos para África: “É uma ideia divinal que deve ser acarinhada, estimulada e apoiada por toda a
Imprensa do mundo Negro para que ela se torne uma realidade, dado o valor que ela representa, (….). A colaboração
e a presença dos negros americanos em África, em grandes massas, viria acelerar a marcha da total emancipação de
África”534. O ELA justifica da seguinte maneira a insistência ao apelo da imigração para África dos negros
americanos: “A teimosia dos nossos irmãos americanos em permanecer na América do Norte, é absurda dada a
desvantagem para eles de estarem em «menoria» perante uma maioria esmagadora de brancos que os hostiliza e
absorvem, não podendo nunca tornar realizável o almejado sonho de colocar um Negro na Presidência da República
535
dos Estados Unidos da América do Norte”
O
pan-negrismo
é
.
agora
fundamentado
por
uma
fraseologia
imbuída
de
cristianismo/messianismo, na valorização da raça negra como sujeito universal: “As portas de
Angola digo, de África, devem estar completamente abertas para receber todos os Negros do mundo, bem
intencionados, é claro, que aqui queiram entrar para colaborar na grande obra de Redempção da África, continente
que Deus Omnipotente na sua distribuição do Património do Universo doou à raça negra”
536
. O que significa
530
Medina (2003: 188).
Medina (2003: 187).
532
Medina (2003: 190).
533
Medina (2003: 190). A questão dos classificados de brancos merece portanto ser também vista não só à luz da
raça e da consanguinidade, mas também equacionada tendo em conta o temor de um regime, tipo apartheid sulafricano, em Angola.
534
Medina (2003: 190).
535
Medina (2003: 191).
536
Medina (2003: 191).
531
123
que a conjuntura, internacional e regional contribuíu para veicular uma identidade racial,
nomeadamente, através da ideologia pan-africanista.
É possível contudo descortinar, no discurso, os efeitos que as categorias de civilizado e
indígena, impostas pelo arbitrário colonial, tiveram no seio dos angolanos, nomeadamente no
respeitante às distinções no seio destes últimos: ”Entrou em acção em toda a Colónia as medidas
repressivas do governo contra os nativos civilizados, ao mesmo tempo que procura assegurar-se dos sobas e
regedores indígenas com dádivas e outros processos aliciantes e subversivos para levar o indígena a apoiar a causa
de permanência de Portugal em África por toda a vida.
Mas apesar de todas as dificuldades económicas para poder intensificar uma propaganda interna capaz de
convencer os nossos irmãos atrasados a lutarem pelo nosso progresso, incutindo-lhes o espírito nacionalista, alguma
coisa se vai fazendo, embora lento mas seguro para combater as mentiras subversivas do governo”
537
. Esta
distinção valorativa entre “atrazados” e “civilizados” pode prenunciar, a curto prazo, lutas de
classificação no seio do campo nacionalista angolano. Nomeadamente entre aqueles que foram
classificados de civilizados e de indígenas.
Inclusão
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no panfleto do ELA.
Angolanos
Negros
Angola
África
Nós Aborígenes
Exclusão
Portugueses
Brancos
Portugal
Europa/América do Norte
Branco Português
Dominador
Categorias de identificação no seio dos angolanos: estatutárias e raciais
Civilizado
Indígena
Categoria reavaliada/valorizada: racial
Negro
2.3 Os panfletos do MIA
Os documentos produzidos por esta organização política, em número de três, datam de
fins da década de cinquenta. São documentos que não destoam dos anteriores. Raça e nação
pontuam os discursos.
537
Medina (2003: 188).
124
2.3.1 Documento (3). Panfleto do MIA “Aos Angolanos”. Provavelmente de 1959
No documento intitulado “Aos angolanos” encontramos referências independentistas do
território angolano com exemplos de outros países africanos: “A África entrou «Decisivamente» no
caminho da Libertação. Diversos territórios africanos que se encontravam debaixo da exploração dos europeus
(roças como a nossa Angola), estão alcançando a sua independência, como o Ghana e a Guiné, já totalmente livres, a
538
Nigéria, os Camarões, e o Togo cuja independência será proclamada em 1960, quer dizer daqui a 12 meses”
.
O MIA faz questão em afirmar fronteiras geográficas e raciais, tecendo considerações
que apelam por uma nova hierarquização das propriedades rácicas/características somáticas no
respeitante à condução dos destinos do país: “Devemos pensar o que significa para os Povos Negros a
Independência. Quando dizemos liberdade e independência queremos dizer: - que os destinos daquelas terras são
orientados pelos próprios negros, como em França, na Inglaterra ou em Portugal são orientados pelos próprios
brancos. Nos territórios livres, os Comandantes Militares, os Juízes dos Tribunais, os Comandantes da Polícia, os
directores de Serviços Públicos como Fazenda, Saúde, Instrução, Administração Civil, etc, todos eles são africanos,
539
filhos da terra”!!!
.
O(s) autore(s) apelam para um novo conceito de cidadania, uma nova hierarquia nos
processos de mobilidade social e para uma distribuição equitativa (no respeitante a mestiços e
negros) do capital escolar: “Quando dizemos liberdade e independência queremos dizer: - que não há mais
dificuldade para conseguir um simples bilhete de identidade; os empregos são primeiros para os negros e não
principalmente para os brancos como aqui em Angola, onde chegam aos montes, em todos os vapores, para tomarem
nossos bens e direitos, para usurparem as nossas terras, como sucede e sucedeu na Lunda, Amboim, Congo, no Vale
do Bengo, na Cela, no Cunene, ou melhor dizendo em toda a Angola. Lá os professores não terão a preocupação de
ensinar só aos alunos brancos e perseguir os negros dando a estes notas baixas, chamando-lhes seus «pretos» e
540
outras coisas”
.
No texto, de fervoroso patriotismo, vislumbra-se cada vez mais a dicotomia
classificatória “negros (pretos e mestiços)” /brancos: “Intensifiquemos a luta pela nossa libertação no ano
que corre, Com Cautela, Mas sem Medo! Não Tenhamos Medo de Morrer por Angola! NEGRO de Angola (preto ou
mestiço) forma o teu grupo de patriotas (…) até cobrirmos Angola inteira lutando pela liberdade do nosso Povo!
541
538
Lara (1997: 452).
Lara (1997: 452).
540
Lara (1997: 452).
541
Lara (1997: 453).
539
125
O panfleto não deixa de apelar para uma memória de secular resistência à presença
portuguesa: “ sigamos o exemplo da Nossa Mãe Rainha Njinga e Honremos a memória do nosso Rei Ngola
543
Kiluanji542! Encontramos no fim do discurso as palavras, “Liberdade Fraternidade e Prosperidade”
.
O panfleto não termina sem referir a situação de conflito no Congo (dito Belga),
prenúncio da independência deste último: “Ultima Hora- Sem Luta Não Haverá independência no Congo
(dito Belga) Acaba de Rebentar Uma Revolta porque os colonialistas de lá, ajudados por portugueses e gregos
tentaram impedir que todos os congoleses soubesses o que se passou na conferência de Accra”
544
…
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento do MIA, intitulado “aos
Angolanos”.
África
Negros
Pretos
Mestiços
Nossa Angola
Inclusão
Europeus
Brancos
Portugal
Colonialistas
Exclusão
Categorias de identificação no seio dos angolanos: raciais
Preto
Mestiço
Negro
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais
Preto
Mestiço
2.3.2 Documento (4). Panfleto do MIA “Aos Militares Angolanos”. Provavelmente de 1959
O panfleto “Aos militares Angolano” chama atenção para a situação de discriminação
dos “soldados de Angola, pretos e mestiços”545.
O discurso, em jeito de uma mea culpa, é um apelo a uma memória de cumplicidade
com a colonização portuguesa, ao recordar que outrora os soldados angolanos haviam cometido:
“a asneira e a traição de matarem os seus próprios irmãos de sangue e de raça, para defenderem os brancos
546
portugueses”
542
.
Segundo Lara (1997: 453), as referências à Rainha Njinga e ao Ngola Kiluanji mostram a composição principal
de pessoas de etnia kimbunda”.
543
As duas primeiras remetem-nos para a revolução francesa.
544
Lara (1997: 453).
545
Medina (2003: 294).
546
Medina (2003: 294).
126
A consequência desta traição foi a imposição do “grande castigo de uma vida de miséria
e de escravatura”547. Sendo assim, considera(m) o(s) signatário(s): “Deus castigou-nos bem (…) O
soldado negro não passa de um valente desgraçado que vive pobre e morrerá a defender o seu maior inimigo que é o
548
branco português”
.
A partir daqui a estratégia discursiva gira em torno das más condições de vida do
“soldado negro de Angola” perante as boas condições de vida do “branco português”.
Os autores dão a entender que a condição de “soldado negro” implica uma grande
distância dos bens de reconhecimento económico, social e cultural549: “O soldado negro ganha 12
550
angolares por mês enquanto os brancos ganham contos de reis”
.
“Os negros deixam ficar a família abandonada, não têm um tostão para mandar para o sustento dos filhos
e mulheres, durante anos seguidos, enquanto os brancos trazem as suas mulheres e filhos, moram em boas casas, têm
551
carro, boa roupa e bom sapato, mobília, rádio geleira e tudo”
.
“Os soldados negros não podem mandar os filhos para as escolas porque não têm dinheiro, nem há
escolas para os seus filhos, visto que as escolas que há são para os “assimilados”e lá não recebem os seus filhos, que
ficam na sanzala até o chefe do posto mandar agarrar para ir trabalhar onde o chefe quiser. Os soldados negros não
podem, portanto dar um futuro aos seus filhos, quando os soldados brancos têm escolas para os filhos deles, liceus
especiais na metrópole, e podem chegar até doutores, engenheiros e tudo quanto quizerem ”
552
.
No discurso não se deixa de conjugar a categoria negro com o continente africano:
“Irmão – soldado, a vossa inteligência tem que acompanhar o andamento do mundo negro que é a África onde
553
nascemos”
.
O uso da categoria indígena serve para chamar a atenção para a falta de união no seio
dos “militares angolanos”554. Tratava-se de impedir os efeitos produzidos por categorias
estatutárias como indígenas e assimilados, nomeadamente, no que respeita à percepção, por parte
dos africanos mais desfavorecidos, de desigual divisão do mundo social: “Soldado miliciano (preto ou
mestiço) com pouca diferença, ou mesmo nenhuma a vossa sorte é igual ao do nosso irmão «indígena». Vós também
547
Medina (2003: 294).
Medina (2003: 294).
549
O que por sua vez, pressupõe uma associação (causa-efeito) entre a categoria branco e a proximidade relativa aos
bens de reconhecimento económicos, sociais e culturais.
550
Medina (2003: 294).
551
Medina (2003: 294).
552
Medina (2003: 294). Repare-se como a categoria assimilado surge -entre aspas- para acentuar as condições
nefastas do “soldado negro”. Talvez um questionamento desta classificação.
553
Medina (2003: 295).
554
Distinguiam-se deste modo unidades militares de europeus e assimilados em relação às unidades indígenas.
Correia (2000: 144).
548
127
nunca terão as regalias e a boa vida que têm os brancos. As pequenas vantagens que vos dão, em comparação com
os soldados «indígenas», é uma táctica para impedir a vossa união e amizade”555.
Impedir tais efeitos implicava criar um espírito de coesão assente, na noção de raça, mas igualmente
assente num questionamento da categoria indígena: “Mas para conseguirmos a Liberdade e a Independência, deve
haver uma forte união, amizade e estima entre vós milicianos negros de Angola (pretos ou mestiços) e os soldados
chamados “indígenas”556!
“ (….) Soldados negros de Angola (pretos ou mestiços, milicianos ou indígenas) se algum dia vos
mandarem disparar contra os vossos próprios irmãos de sangue e de raça, se algum dia vos mandarem lutar (prender,
cercar assaltar ou atirar) contra os vossos irmãos negros (pretos ou mestiços) não devem aceitar! Nunca aceitem
557
fazer isso. O nosso maior inimigo é o branco português”
. Estava assim, racialmente, definido, quem era
o inimigo.
O texto é, por sua vez, um apelo à revolta armada contra o colonialismo português:
“Força de Angola! Soldados negros milicianos, indígenas e civis, formemos com ânimo uma frente unida e corajosa
para combatermos e corrermos da nossa terra o nosso inimigo verdadeiro: Os Brancos Portugueses Colonialistas E
558
Imperialistas”
.
Deparamo-nos aqui com um discurso identitário de forte cunho nacionalista e racial na
medida em que a definição de angolanos assenta na consanguinidade e na raça. É provável que a
consanguinidade e a cor definam o ser angolano já que encontramos referências, a determinadas
expressões como “nossos irmãos de raça e de sangue”.
O acto de exclusão dos classificados de brancos é perfeitamente visível no fim do
panfleto: “Lê com cuidado e depois passa a outro. Os brancos não devem saber”559. Este panfleto
exemplifica processos de inclusão e exclusão assentes em propriedades rácicas características
somáticas.
O panfleto termina com a evocação dos reis Ngola Kiluange, Raínha Ginga e António
de Manimulasa do reino do Congo. O que denota, quanto a nós, afinidades etnolinguísticas do(s)
autor(es). É portanto uma narrativa identitária igualmente com fundamentos genealógicos e
etnolinguísticos, Ambundo e Bakongo.
555
Medina (2003: 295).
Medina (2003: 295).
557
Medina (2003: 295).
558
Medina (2003: 295).
559
Medina (2003: 295).
556
128
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento do MIA “Aos Militares
Angolanos”.
Nação/Angola
Negros
Pretos Mestiços Negros de Angola
África
Inclusão Angolanos
Portugueses colonialistas
Exclusão Brancos Portugueses Nação/portuguesa Brancos
Categorias de identificação no seio dos angolanos: raciais e estatutárias
Preto
Mestiço
Indígena
Assimilado
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais
Negro
Preto
Mestiço
Categorias reavaliadas/negadas: raciais e estatutárias
Indígena
Assimilado
2.3.3 Documento (5). Panfleto do MIA “ Manifesto Africano”. Provavelmente de 1959
Os panfletários começam por manifestar indignação contra um despacho governamental
que proibia o uso da expressão “enclave” referente a Cabinda. Criticava-se o modo arbitrário
como Cabinda se tornara um protectorado de Portugal desde o tratado de Simulambuco560. Há
aqui um questionamento do estatuto de Cabinda.
Contudo, o que nos interessa salientar é que encontramos um duplo princípio de
identificação assente na noção de raça e na noção de nação na medida em que encontramos
designações como: “Angolano – sejas Negro (preto ou mestiço) ou Branco Progressista – Ajuda A Libertação
561
Da Tua Terra”
. Estamos assim perante um princípio de inclusão assente na ideologia identitária
nacionalista, perceptível na classificação angolano; classificação que inclui, na ideia de nação,
uma população constituída por três raças, preto, mestiço e branco em oposição/exclusão aos
portugueses ou colonialistas.
É também vislumbrável uma diferenciação da categoria negro (que engloba, pretos e
mestiços) relativamente à categoria branco. Esta última categoria acaba por gerar um outro
princípio de inclusão/exclusão entre “brancos progressistas” e (o que supostamente pressupõe a
existência de) brancos colonialistas562.
É possível constatar uma reavaliação da categoria negro, na medida em que, à
classificação colonial que distingue negros e mestiços se sobrepõe um conceito de negro que
560
Tratado assinado em 22 de Janeiro de 1885 entre portugueses e autoridades cabindesas, pelo qual Cabinda se
tornaria um protectorado de Portugal.
561
Medina (2003: 293).
562
O sublinhado é nosso.
129
inclui os mestiços. O que nos leva a supor que a luta contra o arbitrário colonial não é apenas
uma luta de classificação em torno do conceito de territorialidade Angola/Portugal mas também
uma luta em torno da definição da categoria negro.
Permanece, contudo, a noção de raça. Mas, a classificação racial adquire aqui, no caso,
uma função meramente identificadora no seio dos angolanos/colonizados.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento do MIA “O Manifesto
Africano”.
Angola/Cabinda
Nós Africanos
Angolanos
Negros
Pretos
Mestiços Branco Progressista
Inclusão
Europeus
Portugueses
Branco
Exclusão Portugal
Categorias de identificação no seio dos angolanos: raciais
Branco
Preto
Mestiço
Negro
Categorias de identificação no seio dos angolanos: territoriais (espaço físico)
Angola
Cabinda
Branco
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais
Negro
Mestiço
Preto
2.4 Panfletos subscritos conjuntamente pelo MINA e pela UPA
Sensivelmente datados da mesma época, encontramos dois panfletos intitulados: “Ao
Povo de Angola” e “Garantias Insofismáveis Aos Angolanos De Independência”produzidos pelo
MINA e pela UPA.
Estes dois panfletos têm a particularidade de serem subscritos por duas organizações
que iriam ter destinos distintos. Considera Carlos Pacheco que o MINA evoluiu em duas fases,
uma primeira francamente unitarista com a UPA que dura até mais ou menos até fins de
Fevereiro de 1960, e uma segunda marcada pela admissão de Agostinho Neto e Joaquim Pinto de
Andrade que levou a uma reorganização do Movimento e à sua consequente passagem para o
MPLA na segunda semana de Maio563. Quanto à UPA iria, posteriormente, juntar-se a um
pequeno partido e constituir a FNLA.
563
Pacheco (1997: 83). Agostinho Neto iria tornar-se no presidente do MPLA. Quanto a Joaquim Pinto de Andrade
embora preso, iria ser consagrado como presidente do honra do MPLA.
130
2.4.1 Documento (6). Panfleto subscrito pelo MINA e pela UPA “Ao povo de Angola”.
Provavelmente de 1960
O(s) autor(es) não se coíbem em denunciar a violência colonial dando-lhe um cunho de
dimensão histórica de violência universal: “Esses massacres, pelos seus métodos ultrapassa o propagado e o
propagandeado massacre húngaro, o lamentável lançamento da Bomba atómica no Japão e a barbaridade do nazismo
na Polónia e França. Um dia a História falará alto e claro nestes massacres de Angola mais do que nós o fazemos
agora. (…) Eis a interrogação que precisa de resposta e que o próprio Continente Africano faz”
564
.
O discurso contém uma definição de povo de Angola que engloba negros e mestiços, e
populações regionais: “Negros de Angola (pretos e mestiços). O momento que atravessamos é de grandes
trabalhos e lutas. Vamos trabalhar todos unidos e sem discernimento de terras, sem haver Catetenses ou Malanjinos,
Bailundos ou Congueses, Luandenses ou Ambaquistas, mas unidos todos como angolanos, sem medo, para
alcançarmos o nosso ideal – A Independência Total. Vamos Lutar contra a opressão do jugo colonialista e a nossa
victória é certa. Que cada um de nós sinta a mesma dor daqueles que a sofram direitamente no seu próprio
565
corpo”
.
Encontramos, na produção discursiva, um princípio de identificação/inclusão na medida
em que se procura esbater as distinções regionais e raciais no seio dos angolanos. O documento
termina com “respeitosos cumprimentos a Lúcio Lara e Viriato da Cruz”. E, termina com três
palavras de ordem: “Liberdade”, “prosperidade” e “Fraternidade”566.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento do MINA e da UPA “Ao
povo de Angola”
Inclusão Negros de Angola Mestiços Pretos Pátria/Angola C. Regionais567 Povos Africanos
Imperialistas
Regime colonial português
Exclusão
Catetenses
Categorias de identificação no seio dos angolanos: regionais
Malanjinos Bailundos Congueses Luandenses Ambaquistas
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais
Negro
Preto
Mestiço
564
História do MPLA I (2008: 432)
História do MPLA I (2008: 432).
566
História do MPLA I (2008: 432). As palavras Liberdade e fraternidade remetem-nos para a revolução francesa de
1789.
567
Catetenses, Malanjinos, Bailundos, Congueses, Luandenses, Ambaquistas
565
131
Categorias de identificação no seio dos angolanos: raciais
Mestiço
Preto
2.4.2 Documento (7). Panfleto subscrito pelo MINA e pela UPA “Garantias Insofismáveis
Aos Angolanos De Independência”. Provavelmente datado de 1960
O panfleto, em alusão à chegada do novo governador-geral Silva Tavares, salienta-se as
origens cabo-verdianas do mesmo: “Ele não é português mas é representante dos déspotas, que não merecem
568
a nossa consideração”
.
O texto pauta-se por um princípio de inclusão e exclusão assente na dicotomia
angolanos/portugueses. “Quem lhe disse a ele que os angolanos são portugueses”569?
A estratégia discursiva assenta na denúncia de uma longa história de arbitrário colonial;
contestados são, igualmente, os princípios luso-tropicalistas veiculados pela ideologia colonial:
“O padre apóstata, do reis ventura, (seja ventura de reis) no jornal «A província de Angola» diz uma série de
dislates, um dos quais é dizer que os Congolenses (independentes a partir de 30 de Junho deste ano) nada têm a
recear dos portugueses. Muito têm a recear, pois, sobretudo a proverbial aldrabice portuguesa. (…) O sr. reis ventura
diz: «antes pelo contrário, podem contar com ajuda, compreensão e respeito de um povo que a história consagrou
como pioneiro e mestre na fraterna convivência com as raças africanas. (…) Ora exactamente, irmãos angolanos,
encontramos um mentiroso, estilo português, doido como os chefes dele. Caso os nossos irmãos congoleses podem
contar com ajuda de esclavagistas? Em quê? Na escravatura de triste contrato? Nas mortandades provocadas para
dizimar a juventude nos hospitais? Nas rusgas por causa do vinho palhete, a 275$00 a multa? Nos 7 milhões de
escudos, a bem pouco revelados em Tânger pelo representante deles em progresso de Angola? Esse progresso
algumas vezes nos atingiu? (…) A história consagrou-os como ladrões da marca perigosa, racistas, (…) que só vive
com pretas, misturando o vosso sangue com o nosso, fazendo-se nossos conhecidos abandonando vossos filhos
570
mestiços como incógnitos, apenas para satisfazerem os vossos intentos”
.
O discurso é também direccionado aos angolanos prestes a serem incorporados no
exército; salienta-se no mesmo, os efeitos perversos que podem advir em caso destes últimos se
alistarem no exército português. É portanto um discurso que apela para uma ruptura total com os
568
Rocha I (2002: 322).
Rocha I (2002: 322).
570
Rocha I (2002: 322).
569
132
portugueses: “Acautelai-vos, que haveis de levar máscaras brancas para num caso de conflito vos confundirem
571
que sois nossos inimigos e então morrereis em vez deles, ficando os cobardes ilesos”
.
O princípio de inclusão e exclusão alarga-se “aos irmãos colonizados, como nós;
Caboverdianos, Santomenses, Guineenses, Moçambicanos, Indianos”. Todos eles se distinguem
do “branco português”572.
O discurso prossegue com um apelo “Aos Brancos Cuja Ideologia É Contrária A Dos
Salazaristas”: “Até aqui temos falado mas sem fazer alusão directa aos homens brancos cuja ideologia é contrária
a dos abutres salazaristas. Nós sabemos que vós tendes alma e como tal sabem e compreendem a nossa luta que
embora diverja um pouco não deixa de ser vossa também”. Nosso plano de acção é de colaborar com todos os
573
homens de boa vontade. Assim, esperamos que nos interpreteis bem, sem quaisquer equívocos”
. Esta alusão
aos “brancos liberais” não se furta à construção antinómica entre colonizados/brancos liberais.
Significa que permanece, quanto a nós, uma exclusão da categoria branco relativa à condição de
colonizado.
O panfleto termina com as palavras de ordem em alusão aos reis Ngola Kiluanje (?),
Rainha Nginga e um apelo à Libertação dos presos políticos574.
Numa espécie de Post-scriptum o texto apela para um boicote aos “carrosséis” (uma
espécie de feira popular), porque “é onde frequentes vezes o negro é barbaramente vexado”. O
apelo ao boicote justifica-se com as seguintes interrogações: “Até agora ainda não enxergastes que a
vossa presença aí desenvolve o erário desse povo mercanterista sem literatura e sem civilização e mais retarda a
575
nossa evolução”
? Nota-se aqui a reavaliação/inversão da noção de civilização termo que outrora
distinguia portugueses (civilizados) e africanos (bárbaros).
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento do MINA/UPA “Garantias
Insofismáveis Aos Angolanos De Independência”,
Angolanos
Nós
Negros
Nossa Pátria
Colonizados
Inclusão
Portugueses
Vós Brancos liberais
Brancos
Portugal
Colonizadores
Exclusão
Categoria reavaliada/valorizada: racial
Negro
571
Rocha I 82002: 323).
Rocha I (2002: 323).
573
Rocha I (2002: 323).
574
Rocha I (2002: 323).
575
Rocha I (2002: 323).
572
133
2.5 Documento (8). Panfleto do MLNA “Ameaça Psicológica”. Provavelmente de 1959
No discurso, em alusão a um festival, militar, aéreo organizado pelos portugueses,
considera-se tal evento como uma prova de força, intimidadora, contra “Nós os africanos”576.
O MLNA contesta a designação de “província ultramarinas” atribuída às colónias e
manifesta uma reivindicação independentista fundamentada na constatação de uma longa história
de arbitrário colonial: “O território de Angola pertence aos seus legítimos donos e não aos conquistadores
577
traficantes de estradas com todo o seu cortejo de crimes seculares (…)
.
No apelo dirigido aos democratas portugueses é notória a dissociação dos portugueses
da noção de angolano: “Todos os portugueses democratas, conscientes, devem procurar redimir os crimes dos
seus entes, e que em caso contrário terão que pagar caro, com juros de justa causa e de moras o sangue angolano que
578
têm derramado”
.
O MLNA não deixa de salientar que «o povo de Angola, luta pela sua independência
total». Contudo, não deixa de igualmente de sublinhar, em contraponto, o papel desempenhado
negativamente pela “cínica América, aliada à interesseira, Inglaterra» que fornecem armas aos
portugueses”579. Nota-se aqui, a influência de uma conjuntura da guerra-fria. Provavelmente uma
possível simpatia do(s) autor (es) do texto pelos denominados países socialistas.
No documento enfatizam-se os inúmeros arbitrários coloniais, sublinhando o arbitrário
racial exercido sobre os classificados de pretos:”É preciso acabar com a miséria, a crise do desemprego, a
mortalidade infantil assustadora, (…) acabar com os chauffeurs que matam pretos com os carros, mesmo de
propósito; acabar com os crimes nos hospitais onde os pretos morrem à porta do Banco sem assistência médica
depois de longas horas de sofrimento; acabar com todo o pessoal racista dos hospitais (…); acabar com todas as
entidades que dão e mandam dar palmatoadas aos pretos, a ponto de rebentar com a palma das mãos, inchar as
580
nádegas e deixar numa miséria a planta dos pés e o corpo”
;
O texto contém uma proposta de reavaliação/negação das categorias raciais e
estatutárias, consideradas como factor de divisão no seio dos angolanos: “acabar com as distinções do
preto indígena, preto assimilado, mulatos e brancos de segunda classe, porque essas classificações são ardis
colonialistas para nos atirarem uns contra os outros, porque eles sabem que essa união apressa o momento da
retirada dos colonialistas. Sejamos prudentes e vigilantes não permitindo que o opressor estabeleça a confusão entre
576
Lara (1997: 455).
Lara (1997: 455).
578
Lara (1997: 455).
579
Lara ( 1997: 455).
580
Lara (1997: 456).
577
134
581
nós”
. O que significa que, de ponto de vista das identificações políticas: “Nos anos 50 do século
XX, a ideia de Angola como país com identidade própria estava amplamente difundida nos meios instruídos
mestiços e negros e nas associações que dirigiam (Liga Nacional Africana, Associação dos Naturais de Angola e
outras) e na maioria da população urbana negra, sobretudo em Luanda. Em certos meios desportivos e culturais de
Luanda (Clube Atlético de Luanda e Sociedade Cultural de Angola), a definição de Angolano englobava todos os
indivíduos negros, mestiços e brancos naturais de Angola ou que pela sua vivência local se sentissem totalmente
identificados com o país. Esta concepção é sobretudo urbana (a convivência na escola e, por vezes no bairro foi um
582
facto muito importante”
.
Esta reavaliação das classificações estatutárias e raciais não impede, contudo, que
permaneça, mesmo que ponto de vista da mera identificação, no seio dos colonizados, a noção de
raça583.
No discurso informa-se que a designação MLNA é fruto da fusão do MLA com o MLN.
O texto não termina sem denunciar as arbitrariedades da PIDE e sem apelar para uma acção de
protesto junto do Governo-geral no sentido de «reclamar a liberdade dos angolanos presos
arbitrariamente».
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento do MLNA.
Povo de Angola Angolanos
Inclusão Nós Africanos de Angola Pretos Angola
Portugal Colonialistas
Exclusão Colonialistas portugueses
Categorias de identificação no seio dos angolanos: raciais e estatutárias
Preto indígena Preto assimilado Mulato Branco de 2º classe Indígena Preto
Categorias e estatutárias reavaliadas/negadas: raciais
Preto indígena Preto assimilado Mulato Branco de 2ª classe
581
Lara (1997:456). O MLNA era uma organização política que era provavelmente constituída, na sua maioria por
indivíduos classificados de brancos e mestiços. Contudo, em nossa opinião, é demasiado redundante reduzir tomadas
de posição política relacionando-as com meras características somáticas.
582
Entrevista de Adolfo Maria a Pimenta (2006:30). O itálico é nosso.
583
Num outro panfleto MLNA esta reavaliação é ainda mais notória: “Lutemos Independentemente Da Cor E Da
Raça Pela Libertação de Angola”. Lara (1997: 459).
135
2.6 Os panfletos da UPA
A partir de 1959 a UPA começa a afirmar-se como a organização de referência no seio
dos nacionalistas. A sua influência estende-se não só no seio dos refugiados e emigrantes
angolanos residentes no Congo Leopoldville, mas também à faixa noroeste de Angola atingindo
Luanda, Benguela, Lobito e Malanje.
2.6.1 Documento (9). Panfleto incompleto da UPA “Estímulo”. Provavelmente de fins de
1959 princípios de 1960
O panfleto é dirigido a todos os adeptos da associação da UPA, residentes em Angola,
no Congo Belga e no Congo Francês. O texto refere-se a um conjunto de artigos publicados num
jornal denominado “Kongo Dietu” (Nosso Congo)584. Em resposta, a UPA fez saber o seguinte:
“Ficai a saber, como sempre vos recomendamos, que a UPA não é obra de brancos, não foi criada nem em Portugal
nem em Luanda, mas sim foi fundada por todos nós filhos do Reino do Congo em Angola. Se tivermos adeptos das
localidades marítimas, não será caso para admirar porque também eles Angolanos necessitam de ser independentes e
585
livres da escravidão dos portugueses
586
admitido qualquer branco”
. Sabeis que nesta associação não foi ainda admitido nem poderá ser
. É patente um processo de exclusão dos classificados de brancos, sendo
estes últimos associados a Portugal.
Encontramos no texto (independentista) um fundamento de nação genealógico e
dinástico, na medida em que se recorda que a entidade fundadora da UPA é descendente do
Reino de Congo.
Classificações que remetem para processos de identificação e exclusão contidas no documento da UPA intitulado
“Estímulo”
Angola
Negros de Angola
Inclusão Pretos
Exclusão Brancos Portugal Portugueses
584
De que não sabemos o conteúdo, provavelmente, o discurso não era favorável à UPA.
Num panfleto da UPA intitulado “Principais recomendações a todos quantos queiram pertencer à Associação
UPA” é feita a seguinte recomendação. “ Longe de ti o pensamento da existência de tribos considerando que um é
natural de Luanda, um outro de S. Salvador, de Maquela, do Zaire, de Cabinda, visto que nós somos todos
Angolanos, somos todos súbditos dos Portugueses que muito nos fazem sofrer e somos na realidade irmãos”. Rocha
I (2002: 450). O que significa, que há na génese do grupo político um um constructo genealógico. Todavia há
intenção de esbater as identizações regionais.
586
Rocha I (2002: 452).
585
136
Categorias de identificação no seio dos angolanos: territoriais (espaço físico)
Reino do Congo Luanda
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais
Negro
Preto
2.6.2 Documento (10). Nota da UPA “Ao chefe da povoação e seus súbditos residentes em
Kinkombo - Kibenga”. A partir de Leopoldville, de Setembro de 1960
A nota, proveniente de Leopoldville, dirigida ao chefe da povoação e seus súbditos
residentes em Kinkombo-Kibenga (autoridades tradicionais), começa por agradecer o envio de
fundos, embora considere a quantia recolhida escassa. O discurso procura enfatizar a necessidade
de reforçar os apoios monetários à causa libertadora: “Lembrai-vos sempre, irmãos que o dinheiro é a
587
melhor arma para a nossa libertação”
;
A retórica apresenta um fundo religioso cristão: “Sabemos que ainda não conseguistes mais do
que isso e por isso vão os nossos agradecimentos para todos os contribuintes bem como ao bom Deus que vos
588
inspirou sentimentos de tanta generosidade”
.
No discurso, enfatiza-se a unidade contra o inimigo principal: “Fomos inimigos em tempos
idos, mas por agora o nosso maior inimigo em que havemos de pôr os nossos olhos são os portugueses. (….) A UPA
deseja veementemente que nos unamos para juntos, combatermos os Portugueses (…). Sempre para frente e nunca
589
te deixes, povo de Angola, afastar por qualquer vendaval.
. Nota-se, aqui, que a categoria branco não
está explicitada no texto. É portanto uma distinção territorial, nomeadamente entre o povo de
Angola e os portugueses.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento da UPA dirigido “Ao
chefe da povoação e seus súbditos residentes em Kinkombo-Kibenga”
Inclusão Povo de Angola
Portugueses
Exclusão
587
Rocha I (2002: 476).
Rocha I (2002: 476).
589
Rocha I (2002: 476).
588
137
2.6.3 Documento (11). Panfleto da UPA “aos membros da UPA e a todos os nossos irmãos
de Angola”. A partir de Leopoldville. Provavelmente de fins de 1960
Através deste panfleto a UPA procura esclarecer, junto dos «membros» e dos «irmãos
angolanos», acerca dos motivos das suas divergências em relação a uma organização política
denominada NGWIZAKO, criada em 1960, cujo objectivo era a restauração do antigo reino do
Kongo. A mesma não se opunha a negociações com os portugueses para atingir tal fim. O
NGWIZAKO considerava que não era necessário o recurso à violência contra Portugal590.
No discurso, a UPA salienta que é a única organização política “que há de conseguir
libertar Angola das garras escravizantes dos portugueses”591. E, fundamenta esta afirmação com
o facto de ser reconhecida, internacionalmente: “A UPA (…) é conhecida e oficialmente reconhecida em
592
muitos países da Europa e sobretudo em todos os países independentes de África”
.
A UPA reforça a sua distinção em relação ao NGWIZAKO do seguinte modo: “Desde o
início da nossa organização política nunca trabalhamos hipocritamente, mas sempre dentro da verdade, por isso nada
tememos, pois muito dos nossos inimigos maquinaram manobras diversas para derrubarem a nossa obra e nunca
conseguiram. A UPA espalhada está e continuará a espalhar por todos os pontos de Angola onde viva um único
negro593. Entra nas intenções do NGWIZAKO que nos separemos nós, gentes do Congo, das outras gentes de
Angola, interessando-nos apenas reivindicações respeitantes à restauração do Reino do Congo, mas isso não pode
corresponder aos nossos desejos humanos visto terem dito em adágio os nossos antepassados que não devemos
rejeitar um indivíduo que queira construir a nosso lado ou por outra o conjunto dos dedos é que toca o batuque. (…)
594
por isso, já que nos entendemos com os nossos irmãos de Angola unamo-nos a eles até a libertação”
.
A UPA prossegue seu discurso de distinção, servindo-se do exemplo do ex-Congo
Belga: “Por quanto os congoleses obtiveram a Independência e não foi nem um Rei nem qualquer outro potentado
que a pediu, foi sim todo o povo que escolheu depois para seu dirigente máximo o senhor Kasavubu o qual fora
595
apresentado às autoridades”
. Sendo assim, a UPA considera que de momento a questão do reino do
Congo não se põe, mas fica em aberto: “Não pensemos agora na organização de reinos porque isso é uma
596
coisa bem segura e convenientemente guardada que não poderá ser arrancada”
.
A distinção em relação ao NGWIZACO é enfatizada do seguinte modo: “A UPA tem um
único fim em vista – libertar a nossa terra do jugo –. (…) “Com a sua política separatista (NGWIZAKO) desejam
590
A sua sede localizava-se em Leopoldville. Pélissier (1978b: 276); Santos (1965: 344-345).
Rocha I (2002: 477).
592
Rocha I (2002: 477).
593
Rocha I (2002: 477).
594
Rocha I (2002: 477-478).
595
Rocha I (2002: 478).
596
Rocha I (2002: 478).
591
138
ver separados os filhos de Angola Norte dos de Angola Sul para que os portugueses se aliem a uns e outros e
continua a escravizar os outros; desejam continuar a ver o Congo sob a escravidão portuguesa para que a tribo
Kivuzi continue a ocupar o trono e quem assim arma ciladas é o Martins Kiditu e outros membros daquela tribo
597
Kivuzi”
. A UPA reitera o seu carácter de organização anti-colonial/portuguesa e
nacional/indígena: “Mas a UPA (…) considera como únicos inimigos os portugueses e nunca qualquer indígena
598
da sua terra. (…) Pois que a UPA deseja libertar toda a terra de Angola conjuntamente com todos eles”
.
O discurso é revelador de um princípio de inclusão/exclusão veiculado não só na
relação de oposição angolanos/portugueses mas, igualmente, veiculado a partir da organização
política angolana em oposição a outra organização política angolana. Significa isto que, no seio
dos Angolanos, a organização política adquire cada vez mais a forma de espaço identitário, que
remete para um princípio de inclusão/exclusão relativamente tanto a Portugal como a outras
organizações políticas angolanas.
É de assinalar o facto do panfleto ser elaborado a partir de Leopoldville. O que
significa, quanto a nós, que se caminha paulatinamente para um processo de estruturação da
organização política, simbolizado pela sede, lugar de excelência de identificação do grupo
político.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento da UPA de dirigido a
partir de Leopoldville
Indígena
Negro
Inclusão Angola África
Exclusão
Europa
Portugueses
Categorias de identificação no seio dos angolanos: territoriais599
Reino do Congo
Angola
Categorias reavaliadas/valorizadas: estatutárias e raciais
Indígena
Negro
597
Rocha I (2002: 478). A referência à tribo Kivuzi está relacionada com disputas pelo trono do reino do Congo.
Uma questão que originaria o surgimento da UPNA, antecessora da UPA. Ver Marcum I (1978) e Pélissier (1978b)
598
Rocha I (2002: 478).
599
No próprio Reino do Congo encontramos uma distinção em relação à tribo Kivuzi, o que nos remete para uma
heterogeneidade no seio do grupo etnolinguístico Bakongo.
139
2.6.4 Documento (12). Panfleto da UPA “A Todos Os Nossos Irmãos Vindos de Angola Bem
Como A Quantos Ainda Residem em Angola”. A partir de Leopoldville. Provavelmente de
1960
O panfleto dirigido, a partir de Leopolville, aos “nossos irmãos em Cristo» e
conterrâneos amados” recorda que: «somos irmãos oriundos duma mesma terra de Angola sob
domínio português»600.
No seu discurso, a UPA faz questão em se demarcar das várias religiões de Angola. A
UPA apresenta-se como uma organização política congregadora de todos os angolanos
independentemente das suas crenças religiosas, na medida em que a sua única preocupação é a
libertação do país: “Notai ainda como já deveis ter notado nas primeiras recomendações, que não se trata aqui de
diferentes religiões mas unicamente dum assunto da libertação duma terra onde todos nós nascemos e, formando a
UPA (União das Populações de Angola) nosso fim em vista é tornarmo-nos livres a nossa terra do jugo dos intrusos
portugueses que nos roubaram as nossas propriedades fazendo de nós seus escravos. Tratamos dum assunto da nossa
601
terra e não das nossas religiões a que pertencemos indiferentemente”
. Contudo, a UPA não se furta a um
discurso nacionalista com forte cariz racial e religioso: ”Sabemos que a promessa do próprio Deus foi que
toda a África deverá libertar-se das garras das nações europeias com todos os seus malévolos governos, por isso esta
é também a nossa hora de nos sublevarmos para mostrarmos ao mundo que também nós não mais queremos ser
governados por brancos, visto pertencer-nos esta terra, não é pertença dos brancos, foi-nos legada e destinada pelo
602
próprio Deus”
. Deus é o fundamento da exclusão dos classificados de branco no processo de
construção de um sentimento de pertença relativamente ao território angolano.
Posteriormente, o discurso torna-se num verdadeiro apelo à revolta contra os
portugueses. Para tal, o discurso socorre-se dos exemplos do ex-Congo Belga que adquirira a
independência, através de acções de protesto contra a presença Belga.
A UPA apela para a necessidade de contribuições monetárias no sentido de ajudar a
causa libertadora. O dinheiro adquire assim uma enorme importância na luta anti-colonial: “É o
dinheiro que é a arma da independência. Podemos não ter experiência suficiente e se tivermos dinheiro os
experientes e peritos aparecerão para nos ajudarem porque tudo irá ser tratado a dinheiro. Por isso, sede generosos
em dar donativos e contribuirdes com avultadas somas ou com pouco mas todos para conseguirmos a libertação da
603
nossa terra Angola”
600
.
Rocha I (2002: 479).
Rocha I (2002: 479).
602
Rocha I (2002: 479).
603
Rocha I (2002: 480).
601
140
O discurso produzido pela UPA é também de mobilização para a luta clandestina:
“Lembrai-vos ainda que os portugueses tornaram-se como uma pacaça ferida, por isso trabalhai ocultamente e vivei
604
com eles como se tudo se passasse clandestinamente para evitardes qualquer malefício contra vós”
.
O discurso introduz uma nova categoria – «os indiferentes» – cuja ambiguidade é de
assinalar: “Guardai segredo sem nunca nada dizerdes a qualquer branco e nem mesmo aqueles que vedes que estão
ligados aos brancos e não querem, mas tranquilizai-os sempre -os indiferentes – porque mais tarde hão de aliar-se a
605
nós. É que eles não terão para onde seguir senão para o seio da UPA”
.
Encontramos, no discurso, uma referência à chegada de emissários vindos de Angola. O
que denota alguma implantação deste movimento, em território angolano, apesar da forte
vigilância da PIDE.
É notório como se articulam, no discurso produzido pela UPA, a exclusão racial e
geográfica; ambas dão sentido ao princípio do «nós» / «eles».
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento da UPA “A todos os nossos
irmãos vindos de Angola...”
Inclusão/
Angola
África
Nós
Exclusão
Portugueses
Europa
Brancos
Dominados
2.6.5 Documento (13). Panfleto da UPA “Associados da UPA Regozijai-vos”. Datado de 1
de Junho de 1960
Este panfleto, cujo signatário é P.J.E. Kiasulamwa está redigido na língua Kikongo,
anuncia a venda de cartões de associados da UPA de modo a garantir um fundo para o
movimento na luta contra os portugueses606: “Fazemos isso para aumentarmos cada vez mais o nosso
capital, visto que o dinheiro é a nossa melhor arma. (…) Irmãos meus, devemos ter grande empenho em possuirmos
dinheiro porque só ele nos libertará de tanta escravidão”607.
604
Rocha I (2002: 480).
Rocha I (2002: 480).
606
Convém salientar que, além do português, a UPA redigia panfletos nas seguintes línguas: kikongo, kimbundo e
francês. Rocha I (2002: 165).
607
Rocha I (2002: 459).
605
141
(…)“Gentes de Angola tende esperança de vos libertares porque o dinheiro das vossas contribuições
trabalhará para isso”608.
Trata-se de um discurso imbuído de religiosidade: “Sabemos que Deus é o primeiro dos nossos
609
protectores; ele é o Senhor todo poderoso que nos está a indicar o caminho a seguir”
.
O signatário apela para a unidade e fraternidade na luta contra o «branco português»:
“Desejo ainda recomendar-vos que não façais inimigos uns dos outros vivei como irmãos, o único inimigo e grande
610
inimigo deve ser apenas o branco português”
.
O mesmo apela para uma forte crença na UPA, crença reforçada através da exclusão do
«branco português»: “Os membros da UPA devem acreditar apenas nas notícias dos dirigentes da UPA. Todas
as instruções deverão estar carimbadas com o carimbo a óleo da UPA. A UPA não foi feita por brancos nem para
611
brancos, por isso confiai nela. UPA. Quer dizer União das Populações de Angola”
.
É importante assinalar, aqui, mais um passo na ruptura com a fase panfletária,
nomeadamente, através de um discurso de apelo à forte crença no grupo político legitimado,
simbolicamente pelos carimbos e insígnias, que por sua vez vão legitimando a existência do
grupo como organização burocrática.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento da UPA “Regozijaivos”
Inclusão Gentes de Angola Populações de Angola Angola Países negros
Exclusão
Branco português
Brancos
Países europeus
Categoria reavaliada/valorizada: racial
Negro
608
Rocha I (2002: 460).
Rocha I (2002: 460).
610
Rocha I (2002: 460).
611
Rocha I (2002: 460).
609
142
2.7 Os panfletos atribuídos a Agostinho Neto
Em 1959, Agostinho Neto regressa a Angola após ter concluído o curso de medicina,
onde se destacaria na actividade política clandestina612. Os dois panfletos traduzem em certa
medida esta fase da vida política de Agostinho Neto.
2.7.1 Documento (14). Panfleto “Ao povo angolano. Há só um caminho para a resolução
dos nossos problemas. A Independência do nosso país”. Angola é nossa”. Atribuído a
Agostinho Neto613. Provavelmente de 1960
A estratégia discursiva assenta no pressuposto de que somente com a independência se
poderá acabar com o arbitrário colonial: “Ninguém hoje tem a ilusão de procurar encontrar a
solução dos nossos problemas económicos, políticos e sociais, fora da independência nacional.
Angola é nossa terra e não dos portugueses. Somos nós os angolanos herdeiros das tradições
africanas dos nossos povos, os únicos donos desta esbulhada terra”614. É um discurso que
distingue, claramente de ponto de vista populacional, os angolanos dos portugueses.
Agostinho Neto não se furta a apontar os múltiplos arbitrários da política colonial
portuguesa de modo a acentuar os propósitos independentistas: “A independência é a condição primeira
do nosso progresso. Enquanto que não formos independentes seremos sempre pobres, teremos de obedecer, à força
do chicote e da palmatória, às leis que os colonialistas fazem sem nos ouvir; seremos sempre os negros ordinários
cujo orgulho tem sido afogado em sangue e dor. (….) Enquanto não formos governados por representantes nossos,
eleitos pelo povo, que garantam a defesa dos interesses da população nacional; (…).
Por isso, a todos os angolanos honestos que sentem o vexame diário feito ao povo e a exploração infame
mantida pela violência colonialista, só um caminho se apresenta para solução dos nossos problemas básicos: A
615
independência nacional”
.
A partir daqui, o autor apresenta os meios para a aquisição da independência, de entre
os quais o recurso às armas: “Por isso, é cada vez mais necessário que nos preparemos todos os angolanos,
612
António Agostinho Neto, (1922-1979), nasceu a 17 de Setembro de 1922, em Kaxicane. Fez os estudos primários
na Escola Evangélica e o ensino liceal em Luanda no Liceu Salvador Correia. Ingressou na Universidade de
Coimbra para cursar medicina em 1947. Destacou-se no ensaio e na literatura, nomeadamente na poesia. Militou no
MUD juvenil, tendo sido preso várias vezes. Regressou a Angola em 1959 retomando a actividade política. Em 1960
foi novamente preso. Em 1962, tendo fugido, juntou-se ao MPLA onde iria ocupar o cargo de presidente da
organização. Foi igualmente o primeiro presidente de Angola, cargo que assumiu, juntamente com o cargo de
presidente do MPLA, até à sua morte em 1979. MPLA I (2008).
613
O documento não faz referência a nenhuma organização política nacionalista angolana.
614
Rocha I (2002: 336).
615
Rocha I (2002: 336).
143
para uma luta mais enérgica e decidida contra o ocupante português. Temos de unir-nos cada vez mais, em todo o
país, para salvar urgentemente a nossa terra da exploração dos assassinos colonialistas portugueses, mesmo que para
616
isso tenhamos de pegar em armas”
.
Porém, num plano mais imediato, Neto sugere que se passe para acções de
reivindicações de justiça social e salvaguarda de exercício de cidadania, tendo em conta a
situação dos presos políticos e a desigual divisão do mundo social entre brancos e negros:
“Exijamos a libertação imediata de todos os presos políticos. Exijamos salários iguais para brancos e negros;
exijamos o acesso às escolas para brancos e negros, exijamos condições de trabalho iguais. Exijamos a devolução
617
das terras que nos roubaram”
.
O discurso assenta também numa estratégia de reinvenção de um passado negro e
africano: “Façamos reviver as nossas tradições, o orgulho da nossa raça e do nosso povo618.
No final do discurso, reitera-se o propósito independentista: “Fomentemos a solidariedade de
todos os homens do nosso povo, na luta pela libertação do país.
A independência nacional é a vontade do povo angolano. Angola é nossa! É a nossa pátria! Libertemo-la
619
das mãos dos colonialistas. A luta pela nossa independência é obrigatória”
.
Estamos perante um discurso bastante marcado pela ideologia nacionalista. As
classificações, que remetem para processos de inclusão e exclusão, enunciados no discurso, são
fundamentadas pela história, cultura, espaço geográfico e, obviamente, pelo arbitrário – racial –
colonial. As designações brancos e negro funcionam, aqui, mais como distinções no seio da
sociedade (percepcionada como) angolana. Há, contudo, uma adopção das categorias produzidas
pelo Estado colonial, tais como brancos e negros. Como tal, a noção de raça está interiorizada.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento redigido por Agostinho
Neto
Nós Angolanos
População nacional Negros
Nossa Raça
Inclusão Angola
Exclusão
Portugueses
Colonialistas portugueses
Colonos
Categoria reavaliada/valorizada: racial
Negro
616
Rocha I (2002: 336).
Rocha I (2002: 337).
618
Rocha I (2002: 337).
619
Rocha I (2002: 337).
617
144
Brancos
2.7.2 Documento (15). Panfleto “Um Ano de Cadeia Sem julgamento”. Atribuído a
Agostinho Neto. Datado de 29 de Março de 1960
Agostinho Neto começa por recordar a situação dos presos políticos: “Faz hoje, dia 29 de
Março, um ano desde que os carrascos da PIDE levaram presos os nossos irmãos. Precisamente um ano passado nos
620
cárceres dos colonialistas portugueses”
.
No discurso, de carácter territorial, procede-se, igualmente, a uma reavaliação da
definição de Angola, contestando a noção portuguesa da mesma. Esta reavaliação tem por
fundamento uma longa história de Angola, com uma génese e uma geografia própria, que foi
adulterada pelos portugueses: “E assim foi acontecendo nesta coisa pacífica Ngola, Ngola da Rainha Jinga e
de Ngola Kiluanji, Ngola dos nossos avós e nosso património que os portugueses cinicamente chamam província de
Portugal e mesmo a custa do nosso bendito sangue, procuram manter a ocupação portuguesa, como fazem os
621
franceses na Argélia”
.
O comunicado, – ao recordar que os presos estão detidos sem julgamento – contém um
princípio de identificação com remissão para um princípio de inclusão/exclusão no seio dos
presos políticos, nomeadamente, através do uso de designações como «irmãos» e «população
europeia»: “Assim foi acontecendo irmãos, dizíamos nós, ficando presos mais. (…) Vieram presos de toda a parte
de Ngola, nomeadamente, de Malanje, Lobito, de Benguela, Luanda, Noqui, Lunda, etc., etc. Também alguns
elementos da população europeia que tiveram a coragem de manifestar compreensão activa pela nossa luta caíram
sob as malhas da PIDE”
622
.
A estratégia discursiva não deixa de apelar com veemência para a independência: “Mas a
623
nossa luta, irmãos, é justa, humana e intransigente e só terminará com a vitória final – A independência total”
.
A partir daqui, Agostinho Neto apresenta os fins da luta nacional: a saber:
a Independência - “Pretendemos obter dentro do prazo mais curto a nossa
independência”624;
a inserção na comunidade africana - “Pretendemos fazer parte da comunidade africana”625;
620
Rocha I (2002:334).
Rocha (2002: 334). Note-se o processo simbólico de delimitação fronteiriça do território simbolizado pela
supressão da letra “A” que nos remete uma origem genealógica e kimbunda do espaço Angola.
622
Rocha (2002: 334). Os classificados de irmãos são: Mendes de Carvalho, Sebastião Gaspar, Pascoal da Costa,
Garcia Contreiras, João Teixeira, Vieira Dias, Ilídio Machado, Higino, (ilegível) Martins, Armando Nobre Dias,
Florentino Amorim, Noé, etc. Os elementos da população europeia são os seguintes: Dra Julieta Gandra, arquitecto
Veloso, engº Calaans. Idem (2002: 334).
623
Rocha (2002: 334).
624
Rocha (2002: 334).
621
145
a igualdade no acesso aos bens materiais - “Queremos construir o nosso país, fazer dele um
país progressivo onde (…) os bens materiais, não sejam apenas benefício dos brancos, mas postos em
626
benefício do povo angolano”
;
a manutenção das tradições africanas e a negação da «assimilação» - “Queremos manter
as nossas características africanas, viver as nossas tradições africanas - Recusamo-nos a ser
assimilados pelos portugueses. Em Ngola Só há Ngolanos e ocupantes estrangeiros. Os Ngolanos são
627
cidadãos com os mesmos direitos e deveres perante o povo. Não faremos divisões entre nós”
;
A negação de uma identidade portuguesa - “Queremos dizer ao governo português que não
temos o menor desejo de ser portugueses. Desejamos sim que nos restitua a nossa soberania”
628
;
Agostinho Neto defende que de imediato seja assegurada a liberdade de imprensa, a
liberdade de acção política, a liberdade de associação; incluindo o reconhecimento dos direitos
que constam na Carta dos Direitos do Homem. Mas, também o direito de escolha e representação
nas instituições políticas e administrativas: “Para já, queremos liberdade para utilizarmos a imprensa em
serviço do nosso povo; liberdade para o nosso movimento agir legalmente; para nos associarmos (…) queremos
reconhecidos aos Ngolanos os direitos essenciais que constam na Carta dos Direitos do Homem. Para já queremos
representantes nossos, escolhidos por nós, na Assembleia Nacional, no Conselho Legislativo, nas Câmaras
629
Municipais, na Administração do nosso país”
.
Agostinho Neto não deixa de apelar para o fim do arbitrário colonial e racial nas suas
múltiplas vertentes: “Queremos que o governo português nos faça devolver as terras roubadas; acabe com a
escravidão do contrato; castigue os colonos que praticam a violência e o racismo contra nós, nos dê casas decentes
630
para vivermos; nos dê remunerações justas
.
O panfleto termina reiterando o apelo à independência, à libertação dos presos políticos
e à legalização do «Movimento»631.
O texto redigido por Agostinho Neto veicula um forte sentimento de pertença, a um
território (Angola) alicerçado na história e na cultura, mas igualmente no arbitrário colonial. As
aspas na designação «assimilada» denotam a negação desta classificação, considerada, pelo
autor, como factor de divisão. É de sublinhar a proposta de nova designação do território
625
Rocha (2002: 335).
Rocha (2002: 335).
627
Rocha (2002: 335).
628
Rocha (2002: 335).
629
Rocha (2002: 335).
630
Rocha (2002: 335).
631
Provavelmente o MINA.
626
146
Angolano retirando lhe a vogal «A» sendo designada por Ngola. O que nos remete para uma
construção genealógica da identidade nacional a partir do grupo etnolinguístico Ambundo.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento redigido por Agostinho
Neto.
Inclusão Ngola
Povo angolano
Irmãos
Ngolanos
África
Nós
Exclusão Portugal População europeia Colonialistas portugueses Portugueses Brancos Estrangeiros
2.8 Panfletos anónimos
Os panfletos que iremos apresentar têm a particularidade de não terem as siglas das
organizações políticas clandestinas. Como tal não se descortina o nome de uma organização
política. Todavia procuramos atribuir a autoria dos panfletos a determinadas organizações
políticas.
2.8.1- Documento (16). Panfleto“Manifesto africano”I. Provavelmente de 1958632
Neste manifesto, critica-se a natureza da campanha para a eleição do Presidente da
república, nomeadamente, no respeitante ao desprezo a que estavam vetados os angolanos nos
debates realizados: “ A campanha que acabou de desenvolver-se para eleição do presidente da Républica
portuguesa, veio, mais uma vez, demonstrar-nos a perfídia e a má fé que contra nós existe por parte dos governantes
portugueses (…) A última campanha eleitoral mostrou-nos que somos considerados animais, por quanto, existindo
os nossos problemas – Humanos – chegaram a afirmar que o problema número um é o das estradas (na nossa terra),
633
para permitir a continuidade de brancos colonisadores”
.
632
Medina (2003: 68). O MPLA atribui a autoria do panfleto ao MIA. MPLA I (2008: 83); Pacheco considera o
mesmo (1997: 110).
633
Medina (2003: 283)
147
A estratégia discursiva passa por um questionamento da ordem colonial, fundamentado
pela cultura e pela história: ”Não há raças inferiores634. Cada africano verdadeiro deve perguntar-se: Como
ocuparam Angola os portugueses. Como pode Angola fazer parte integrante de Portugal? Já nos consultaram, a nós
legítimos filhos de Angola? Será justo entrar alguém em casa de outrem e, oferecendo-lhe amizade e religião, vir
635
intitular-se dono da casa, afirmando que veio para ficar e de lá não sairá”
?
É notório a distinção, entre
angolanos e portugueses que se traduz na antinomia Angola /Portugal. Mas também encontramos
categorias raciais, que remetem para processos de inclusão e exclusão como «Negros» e
«africanos» em oposição aos «portugueses»636.
É constatável, no discurso, uma proposta de ruptura, com a ordem colonial. Ideia de
ruptura que tem o seu fundamento num passado de arbitrário exercido pelo Estado colonial, e
que ainda continua no presente: “Basta! Já pagamos demasiado caro a miserável civilização que disseram
trazer-nos. Já pagamos e continuamos a pagar com Sangue, Suor, Lágrimas, Cárcere, Deportações, Espancamentos,
637
Fome, Honra, Chacina e Solo Pátrio. Isto dura há 500 anos”
.
No discurso, independentista, é resgatada a memória da figura da rainha Ginga.
Veicula-se assim uma filiação matriliniar e genealógica, do território angolano, reiterando uma
etnogénese originária do grupo etnolinguístico Ambundo. O documento termina com as
seguintes palavras de ordem. «Liberdade», «Fraternidade» e «Prosperidade»”638. As duas
primeiras palavras remetem-nos para os ideais da revolução francesa de 1789. Estamos perante
um cônstruo de nacionalismo influenciado pela modernidade europeia ocidental.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento intitulado “Manifesto
Africano” I.
Inclusão
Angola
Negro
Africano
Exclusão
Portugal
Portugueses
Brancos colonizadores
Categoria reavaliada/valorizada: racial
Negro
634
Note-se a noção de raça, apesar de o conceito não implicar um juízo qualificativo.
Medina (2003: 283).
636
Medina (2003: 283).
637
Medina (2003: 283).
638
Medina (2003: 283).
635
148
2.8.2 Documento (17). Panfleto “Manifesto Africano”II. Provavelmente de 1 de Janeiro de
1959639
O discurso produzido, tem como referente a Conferência dos Povos Africanos que se
tinha realizado em Accra, capital do Gana, em Dezembro de 1958.
Trata-se portanto de um panfleto elaborado num contexto de pan-africanismo político.
O espaço geográfico, veiculador de um sentimento de pertença, é o continente africano que se
distingue dos colonialistas que, por sua vez, devem estar “fora de África”. No prosseguimento,
do discurso, cita-se Kwane Nkrumah: “Queremos a libertação de toda a África. Os colonisadores
aproveitaram-se da nossa divisão para ocuparem as nossas terras; vamos unir-nos agora para corrermos com os
640
colonisadores. Dentro dos próximos dez anos toda a África será livre! Este é o último aviso aos imperialistas”
.
Veiculada que está a distinção entre a África e os colonisadores/imperialistas, torna-se necessário definir quem são
os africanos. Para tal, o discurso socorre-se de uma citação de Tom Mboya
641
, o então Presidente da Conferência:
“Queremos a África a falar por si própria, pela boca dos seus filhos negros e não queremos os colonialistas a falarem
642
por ela”
.
No discurso salientam-se as decisões tomadas na conferência no que respeita à situação
angolana, das quais podemos assinalar duas:
“Prestar auxílio material ao povo da colónia de Angola na sua luta pela liberdade. Rejeitar a leviana
tese portuguesa de que as colónias de África fazem parte integrante de Portugal da Europa”;
“Recomendar o reconhecimento internacional imediato do Direito do Povo de Angola à sua
643
independência e auto-determinação”
;
O manifesto, de circulação restrita, veicula um princípio independentista, para Angola,
no quadro do continente africano e, apresenta também, uma definição de «Negros de Angola»
que engloba «pretos e mestiços» que, por sua vez, se distinguem dos «colonizadores»
(subentenda-se dos portugueses)644: “Negros de Angola (pretos e mestiços)! Entramos no ano decisivo para a
nossa liberdade. Vamos aumentar a nossa união, os nossos esforços, a nossa luta para corrermos com os
645
colonizadores na nossa querida Angola”
.
No discurso, tal como no anterior, não deixa de se fazer alusão à «Mãe Rainha N’Jinga»
mas, acrescenta a esta última, outra figura de referência do grupo etnolinguístico Ambundo, o
639
Segundo o MPLA (2008: 83) da autoria do MIA. Pacheco (1997: 110) considera o mesmo.
Medina (2003: 284). Datamos o dia 1 de Janeiro devido a frase “hoje que começa um ano novo”.
641
Nacionalista Queniano assassinado em 1969.
642
Medina (2003: 284-285).
643
Medina (2003: 284).
644
Medina (2003: 284-285).
645
Medina (2003: 284).
640
149
«Grande Rei N´Gola Kiluanji». Cria-se assim uma ordem trinitária de concordância, que engloba
um rei, uma rainha e um território, que dá sentido (mesmo que mitológico) a uma nação que se
chama Angola. O panfleto tal como outros anteriores, termina com as palavras de ordem
“Liberdade, Fraternidade e Prosperidade “646.
Todavia, numa espécie de post scriptum, o discurso retoma a distinção entre a Europa e
a África num princípio de inclusão/exclusão. São enunciados que apelam para uma
temporalidade, quase centenária, de exercício da dominação colonial sobre o continente africano:
“De 1884 a 1885 realizou-se a Conferência Africana de Berlim, concluo dos países europeus para partilharem a
África entre si. Aludindo a esse facto histórico, proclamou (…) o jovem patriota do Kénia Tom M’Boya: «Visto que
já lá vão mais de 72 anos desde que se concentraram em África as ganâncias das potências imperialistas, de Accra
anunciamos que a essas mesmas potências deve ser dito clara, firme e definitivamente: - Fora de África!!!»”
647
.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento intitulado ”Manifesto
Africano ” II
Inclusão África
Angola
Negros de Angola Pretos Mestiços Angolanos
Negros
Exclusão Europa Portugal Colonizadores
Estrangeiros Colonialistas
Categorias de identificação no seio dos angolanos: raciais
Preto
Mestiço
Negro
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais
Preto
Mestiço
2.8.3. Documento (18). Panfleto “ Manifesto Africano ”III. Provavelmente de fins de 1958
ou princípios de 1959648
Neste terceiro «Manifesto Africano» critica-se a presença portuguesa em Angola. Como
tal, considera-se necessário que «Os Nativos Angolanos Devem Por Todos Os Meios Promover A
649
Desocupação Da Sua Terra Pelos Portugueses»
646
.
A questão da autoria documento remete-nos mais uma vez para a UPA e o MINA.
Medina (2003: 284-).
648
Quanto a nós, provavelmente do MIA.
647
150
Segue-se, no discurso, a apresentação dos motivos nefastos da presença portuguesa em
Angola, nomeadamente:
de ordem político-institucional - “a composição do Conselho Legislativo da colónia, sendo que
650
este último era composto por 24 europeus e 2 nativos”
;
de ordem histórica, moral, material e instrutiva - “Após 500 anos do paternalismo português
sobre Angola, os negros estão num nível de pobreza tal, de pobreza moral, pobreza material e pobreza
651
de instrução”
;
Os enunciados do discurso são de reforço às críticas ao arbitrário colonial, nas suas
múltiplas vertentes:
na negação de uma história e uma cultura própria - “A Nossa Cultura, as nossas tradições
652
têm sido aniquiladas”
;
Na imposição de um sistema classificatório - “Foram-Nos Impostas Classes (Indígenas E
Assimilados) Para Mais Facilmente Nos Dominarem. Dividir Para Reinar»”
653
;
na negação do acesso ao capital escolar -“A Instrução Tem Nos Sido Recusada
654
Sistematicamente Sob Pretextos Absurdos”
;
na discriminação quanto à inserção no mercado de trabalho - “Os Empregos Tem-Nos
Sido Roubados, Retirados Os Poucos Que Nos Restavam Com O Fim De Nos Levarem Ao
655
Desespero”
;
na espoliação fundiária: -“As Nossas Terras, As Nossas Riquezas Têm Sido Saqueadas”656;
na negação da condição humana: -“Tiraram-Nos Tudo E Aproveitaram-Nos Ao Máximo Como
Bestas De Carga
”657
;
A partir daqui o(s ) autor(es) apelam aos “Negros De Angola (pretos ou mestiços)” no
sentido de lutarem pela independência. O que implica: a formação de uma organização
649
Medina (2003: 286).
Medina (2003: 286).
651
Medina (2003: 286).
652
Medina (2003: 286).
653
Medina (2003: 286).
654
Medina (2003: 286).
655
Medina (2003: 286).
656
Medina (2003: 286).
657
Medina (2003: 286).
650
151
constituída por «Negros de Angola»658: “Negro de Angola organiza-te para a luta Forma o teu grupo –
659
quatro negros da tua inteira confiança – escolham o vosso chefe de grupo e paguem uma cota mensal”
.
Não podemos deixar de assinalar, no discurso, para além da crítica ao colonialismo no
que concerne às condições materiais dos colonizados, um questionamento e negação das
categorias indígena e assimilado. É também perfeitamente descortinável uma reavaliação da
categoria negro, (que engloba pretos e mestiços) nomeadamente no que respeita à sua
valorização660.
Contudo há um aspecto curioso, constatável no discurso: a existência de “maus
angolanos” e “péssimos africanos”661.
A distinção dos negros relativamente aos “colonizadores portugueses” remete para a
exclusão destes últimos. Encontramos também, no texto, um princípio geográfico de
inclusão/exclusão aquando da distinção da «Angola Africana» de “portugueses europeus”662. O
documento termina com a referência à “nossa Mãe Rainha NJinga” e com as palavras de ordem:
“Liberdade, Fraternidade e Prosperidade”663.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no terceiro documento intitulado
“Manifesto Africano”III
Inclusão África
Nativos de
Angola
Negros de Angola
Negros
Mestiço Preto
Angola
Exclusão
Europa
Portugueses
Portugal
Portugueses
europeus
Colonizadores
portugueses
Categorias de identificação no seio dos angolanos: raciais e estatutárias
Indígena
Assimilado
Preto
Mestiço
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais
Negro
Preto
Mestiço
Categorias reavaliadas/negadas: estatutárias e raciais
Indígena
Assimilado
658
Medina (2003: 287).
Medina (2003: 287).
660
Medina (2003: 287).
661
Medina (2003: 287). Prenúncio de uma figura construída pelo campo politico: o traidor: “Cuidado com os
vendilhões. Não duvides em aniquilar um traiçoeiro, um mau angolano, um péssimo africano”.
662
Medina (2003: 286)
663
O que nos leva a pensar na UPA e no MINA.
659
152
2.8.4. Documento (19). Panfleto “Aos africanos. O grito de luta pela liberdade”.
Provavelmente de 1959664
O panfleto “Aos africanos” apela aos “Angolanos de consciência”, no sentido de se
unirem de modo a tornarem a luta pela independência mais eficaz.
Verifica-se no discurso produzido o uso dos exemplos do «eu», e do «nós» para dar
mais ênfase a uma argumentação de espírito de grupo: “Angolanos de consciência (…) dispam o eu
vistam o nós porque só quando assim pensarmos e não somente isto mas agimos com crueldade a nossa luta será
665
eficaz”
. Argumentação reforçada pelos exemplos dos processos revolucionários em Cuba,
Argélia, além do Congo Belga: “Só o nós triunfou, triunfa, em todas as frentes de libertação em todos os
tempos. – Fidel Castro, o terror Cubano, não luta sozinho, é apoiado pela sua massa. Ferath Abbas, «o cabeça»
Argelino, é também apoiado pela sua massa. Josepf Kasavubu, leader do movimento congolês, com quem temos
ligação recebe o inteiro apoio do seu povo”
666
.
A estratégia discursiva assenta na criação de um espírito de corpo uno e indivisível sem
distinções de carácter regional no seio dos angolanos todavia, assenta igualmente, num princípio
de inclusão/exclusão, entre pretos/brancos: “(…) ó Angolanos de consciência, lembrem-se que se nasceram
em Luanda são como os pretos de Ganguelas, de Kissama, de Ambaca, de Catete, do Songo, do Kin’Zau, do
Ambrizete, do Lucharães, dos Dembos e do irresistível reino do Congo. Ninguém vos convença o contrário e se
algum branco bater-vos no ombro ou nas costas pretende-vos convencer que sois diferentes a nós, somente para
667
haver desintendimento entre nós”
.
Contudo, queremos salientar, na produção discursiva, um questionamento e reavaliação
das categorias raciais e estatutárias indígenas e assimilados. Significa isto que, a luta contra a
dominação colonial é também uma luta contra o arbitrário classificatório colonial: “Mas reparem,
irmãos, essa designação de indígena empregam-na simplesmente como arma número um, para nos enfraquecer, pois
se nós que lemos e escrevemos graças ao nosso esforço, chamam-nos assimilados (termo nojento que deve ser
prontamente repudiado porque não corresponde a verdade porquanto vemos brancos vindos da terra deles em estado
de completa selvajaria) com esse nome de assimilados querem que vós vos afasteis de nós e nós a vós, para
facilmente dominarem-nos, (negros de Ngola) porque se vós vos afasteis de nós e nós de vós a nossa força
v…(ilegível) fica dividida e por conseguinte enfraquecida, e quem só beneficia disso são eles que nos manobram
como querem e lhes apetecem. O termo indígena quer dizer indígena quer dizer unicamente isto: Natural de uma
664
O MPLA (2008: 430) atribui a autoria do panfleto ao MIA. Contudo Rocha I (2002: 165) atribui à autoria do
panfleto a UPA. Pacheco (1997: 83) atribui a autoria ao MINA.
665
MPLA (2008: 430).
666
MPLA (2008: 430).
667
MPLA (2008: 430).
153
terra. Portanto somos indígenas de Angola (preto e mulato) assim como eles indígenas de Portugal. Vós, irmãos que
não sabeis ler nem escrever nunca vos julgueis diferentes dos que lêem, ainda que esses sejam Governadores,
Presidentes, Administradores, etc. embora que vaidosos há mas…”
668
.
Estamos perante um princípio de inclusão do indígena de Angola (pretos e mulatos) que
exclui o “branco selvagem”. A categoria indígena é reavaliada e associada à categoria Angolano
(preto e mulato) deixando de ser uma categoria estatutária, mas mantendo, contudo, a sua
propriedade racial na medida em que engloba todos os angolanos classificados de pretos e
mestiços. Há, portanto, um princípio nacionalidade que interrelaciona o jus solis, o jus sanguinis
e o jus colorem.
O panfleto, dirigido também aos angolanos que estão presos, não deixa de sublinhar
uma longa história de arbitrário colonial no que respeita ao modo como se deu a conquista
portuguesa de África, nomeadamente, o facto de os portugueses terem praticado uma política de
dividir para reinar669: “Não estamos adormecidos na contemplação do passado, esse passado que tem duas fases:
a) do cuanhama e cuamato com uma figura de destaque que deve ser mais do que nunca lembrada neste momento;
não fora a traiçoeira, a sempre traiçoeira Táctica portuguesa que assim conseguira o que já se considerava invencível
– Gungunhana b) em, que com as suas falsas ideias de comerciar os nossos antepassados, franquear as portas ao
670
invasor – fase que deve ser profundamente esquecida – e a prol de nós devemos as misérias que atravessamos”
.
A partir daqui, o(s) «panfletários» apelam aos «Angolanos de consciência» no sentido
de lutarem até a «Independência Total». Um apelo, que tem por referência os outros países
africanos nomeadamente: Congo Belga, Argélia, Niassalandia. Ao sublinhar que existe uma
conjuntura favorável desde a Segunda Guerra Mundial para uma insurreição que só terminará
com as independências: ” (…) A insurreição, começada depois da Segunda Guerra Mundial é a insurreição
671
definitiva e que essa só terá fim quando os povos de cor conseguirem a independência”
. São assim refutadas
as teses do então governador-geral Sá Viana Rebelo defensor de uma permanência, dos
portugueses em Angola, por tempo indefinido de672. O discurso recorda o lema da independência
do Brasil em 1822, «Independência Ou Morte»673.
668
MPLA (2008: 430).
O sublinhado é nosso.
670
MPLA (2008: 430-432).
671
MPLA (2008: 431).
672
Segundo a qual “aqui estamos há quinhentos anos, sentimo-nos bem para mais quinhentos anos aqui
permaneceremos”. MPLA (2008: 431).
673
MPLA (2008: 431).
669
154
Na produção discursiva não deixa de se salientar que o regime sul-africano não será um
factor impeditivo do processo independentista: “ (….) Nem mesmo o «igniminioso» sistema Afrikander
674
poderá nos constranger à aceitação pacífica dos seus conceitos de aristocracia racial por Divino Direito”
.
Os autores não se furtam a apontar o uso da doutrina católica como instrumento de
exercício da dominação colonial: “Sabe-se que Portugal e Espanha teem outra arma: a doutrina católica, para
dominar o moral dos africanos”
675
.
A estratégia discursiva culmina com uma tripla exclusão. A primeira no seio dos
angolanos, a figura do traidor. E, as duas seguintes, a saber, branco e Portugal, ou seja,
geográfico e racial: “Não te assustes, irmão, por causa de muitos de nós vendidos ao homem branco, para
prejudicar-nos. A Providência já está pronta para dar-lhes o salário que merecem. É termos consciência do nosso
676
valor como donos de Angola e nunca aceitarmos que isto é um prolongamento de Portugal, Nunca!..
.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento intitulado “Aos Africanos.
O grito da luta pela liberdade”
Inclusão*
Nós
Indígenas de
Angola
Negros
de Ngola
Angola
Africanos
Exclusão
Eles
Indígenas de
Portugal
Branco
português
Portugal
Brancos
África
Preto
Mulato
Angolanos
Colonizados
Homem
Negro
Colonialista
Homem
Branco
*Incluindo categorias regionais677.
Categorias de identificação no seio dos angolanos: regionais
Categorias regionais 678
Categorias de identificação no seio dos angolanos: raciais e estatutárias
Assimilado Indígena
Preto
Mulato
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais e estatutárias
Negro
Indígena
Preto
Mulato
674
MPLA (2008: 431). O que reforça a nossa constatação de que a questão dos classificados de brancos em Angola
merece ser pensada tendo em conta a questão dos sistema do Apartheid na África do Sul.
675
MPLA (2008: 431). Todavia nunca pondo em causa o universalismo cristão. Deus ajuda os corajosos – os
tímidos terão sempre sofrimentos aborrecidos. A terra pertenceu sempre aos fortes de espírito”. Idem (2008:431).
676
MPLA (2008: 431).
677
Luanda,Ganguelas, Kissama, Ambaca, Catete, Songo, Kin ‘Zau, Ambrizete, Lucharões, Dembos e Reino do
Congo.
678
Luanda,Ganguelas, Kissama, Ambaca, Catete, Songo, Kin ‘Zau, Ambrizete, Lucharões, Dembos e Reino do
Congo.
155
Categoria reavaliada/negada: estatutária e racial
Assimilado
2.8.5 Documento (20). Panfleto “O Momento Aflito Que Atravessamos”. Provavelmente de
1957 ou 1958679
No seu início, a prática discursiva caracteriza-se por questionamento da ideia de
superioridade da «civilização ocidental» em contraponto com a falta de capacidade de
aprendizagem e assimilação dos “negros africanos”. No documento, recorda-se que as
dificuldades de assimilação das “noções ensinadas na escola” se devem sobretudo ao facto de
estas últimas serem ministradas numa língua diferente (subentenda-se uma língua europeia).
Contudo, no discurso sublinha-se a espantosa capacidade de adaptação dos “negros levados para
as Américas” em comparação com os germanos: “Mas ainda assim, é espantosa a adaptação rápida dos
negros levados para as Américas, à civilização Ocidental, pois esses em cerca de 500 anos revelam uma assimilação
completa e perfeita dessa mesma civilização; isto é espantoso se considerarmos que os germanos (povo europeu)
que se pôs em contacto com a civilização Greco-Romana (resultante da fusão entre civilização grega e Romana) na
680
segunda metade do século V, só no século XVI manifestou os frutos deste contacto”
.
O argumento de negação da noção de superioridade europeia é reforçado com o papel
do Egipto – considerado território africano – como sujeito «da história universal»: “centro mais
importante das civilizações da Antiguidade e que influenciou as civilizações Grega e Romana”.
Esta constatação é consubstanciada pelo argumento de autoridade, dos estudos de Cheik-AntaDiop, que alegadamente tinham provado que a civilização egípcia fora genuinamente negra. No
discurso recorda-se igualmente o exemplo de outras civilizações brilhantes do continente
africano, exemplificadas pelo Benin, Afra, Bacia do Congo cujo processo evolutivo fora
interrompido quando: “a Europa a afastou do caminho do progresso independente, para satisfazer os seus
681
interesses comerciais
679
. São esses mesmos Interesses que hoje justificam a teimosia do Europeu em chamar e
Alegadamente da autoria da UPA. Rocha I (2002: 165). Como o documento não faz referência ainda as
independências nos outros países africanos, o sublinhar da mudança de colónia para províncias ultramarinas, a
questão do BI, levam-nos a situar o documento entre 1957 e 1958. O que nos leva a considerar poder não ser da
autoria da UPA.
680
Rocha I (2002: 453).
681
Rocha I (2002: 453).
156
considerar seu um território que tem habitantes nativos ou indígenas”
682
. Está assim fundamentado um
princípio de inclusão/exclusão geográfica na relação entre o continente europeu e o continente
africano. Esta relação dicotómica é reforçada pela categoria negro: “Todos sabem que a África é um
683
continente negro” (…)
.
Os «panfletários» criticam o arbitrário colonial, nomeadamente no que concerne à
discriminação quanto ao acesso ao capital cultural na sua variante escolar, considerada fonte do
atraso dos africanos: “Somos bastante atrasados só existem escolas onde a população branca justifica; para essas
escolas só entram os filhos e como quem faz um favor os filhos dos assimilados, sendo interdita a entrada dos filhos
dos não assimilados e, no entanto esses são os que têm os salários mais baixos e pagam os impostas mais
684
elevados”
. Note-se como é percepcionada uma divisão hierárquica entre os classificados de
brancos, assimilados e não assimilados.
No discurso, contam-se os efeitos nefastos das classificações – indígena e assimilado –
impostas pelo Estado colonial, nomeadamente no que concerne ao acesso dos bens de
reconhecimento social (salários, escolaridade, propriedade), mas salienta-se, igualmente, como
tais efeitos de divisão no seio dos angolanos se traduziram na violência física exercida por parte
de angolanos sobre os seus compatriotas: “Criaram os grupos Assimilados e Indígenas apenas para nos
dividir e sermos mais facilmente dominados. Hoje o «Assimilado» desconfia-se do seu irmão não «assimilado» e
este desconfia-se daquele. A divisão e o ódio entre os próprios africanos são tão grandes que o Cipaio mesmo
quando não o mandam, já sabe que tem de fazer rusgas, espancar nos seus irmãos, e levar os únicos tostões que
685
encontra na sua algibeira”
.
O(s) autores do comunicado não deixam, igualmente, de sublinhar que os efeitos
nefastos da distinção entre assimilados e indígenas se estendem, em particular, à dificuldade em
adquirir o Bilhete de Identidade. Sendo que o mesmo, depois de adquirido, poder ser revogado:
“Qualquer de nós sabe com tanta dificuldade se obtém o Bilhete de Identidade e, mesmo depois disso, o que o
possui pode ficar sem ele, se o Snr. Administrador achar que ele não deve ter”
686
.
No nosso entender, os discursos, pelo modo como são questionadas estas classificações,
demonstram que estas tiveram o efeito de dividir os angolanos. Divisão, que torna premonitória
uma luta de classificações no seio do campo político angolano em torno de categorias como
indígena e assimilado.
682
Rocha I (2002: 453).
Rocha I (2002: 453).
684
Rocha I (2002: 453).
685
Rocha I (2002: 454).
686
Rocha I (2002: 454).
683
157
No texto insiste-se nas denúncias do arbitrário colonial, nomeadamente, nos bairros, nos
campos e, nas relações comerciais com os europeus: “Se precisar de uma certa quantia, o único que lhe
pode valer é o comerciante europeu, mas também já sabe que tem de pagar o dobro e muitas vezes o triplo; este
687
dobro ou triplo não é recebido em dinheiro mas em géneros transformando-se assim em quádruplo ou mais”
.
Os autor(es) apelam para um forte sentimento de pertença nacional e racial: “Todo aquele
que seja angolano não só de nome mas também de coração, não deve ficar indiferente, porque é seu dever procurar
ajudar a solucionar e a banir esses males, Custe O Que Custar. A Bem do Povo Angolano E Da Raça Negra”
688
.
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão contidas no documento “O momento aflito que
atravessamos”.
Inclusão
Negros
África
Africano
Raça Negra
Povo Angolano
Exclusão
Brancos
Europa
Europeu
População branca
Colonialistas portugueses
Categorias de identificação no seio dos angolanos: estatutárias e raciais
Indígena
Assimilado
Categorias reavaliadas/valorizadas: raciais e estatutárias
Negro
Indígena
Categoria reavaliada/negada: racial e estatutária
Assimilado
2.8.6 Documento (21). Panfleto “Contra as prepotências Governamentais e imperialistas.
Reforcemos a nossa unidade na luta pela liberdade”. Datado de 1959689
No discurso retrata-se um cenário dualista da sociedade colonial de ponto de vista
racial, a saber, negro/brancos. Realça-se o arbitrário colonial, sobretudo na sua componente
racial, nomeadamente no que respeita à violência efectiva exercida pelas autoridades coloniais:
“A polícia à noite continuará a fazer o que quer, cometendo quantas barbaridades e abusos que lhe apetecer. A nós
os negros (e só a nós), bate, prende, rapa o cabelo, revista as algibeiras, chama nomes, enquanto os brancos circulam
livremente à qualquer hora (ainda que sejam ladrões e assassinos) armados de pistola, fazendo barulho nas ruas,
687
Rocha I (2002: 454).
Rocha I (2002: 454).
689
Segundo o MPLA (2008: 83) é da autoria do MIA.
688
158
insultando os negros com quem se cruzam”690. “Eles Têm Uma Organização Diabólica (O Estado Português
691
Colonialista”
.
O arbitrário colonial/racial, no respeitante à condição económica e laboral, não deixa de
ser apontado: “No panorama económico o negro não pode ganhar mais de 2000$00 e os que ultrapassam tal verba
são pessoas que eles precisam exibir para propaganda”692. (…) Nos empregos, se aparece um candidato negro e
outro branco, ao primeiro fazem inúmeras exigências, enquanto que ao outro admitem imediatamente bastando saber
693
ler e escrever”
.
A denúncia do arbitrário colonial é interrompida para apelar à união na luta contra o
mesmo: ”Todos Temos Que Nos Unir porque a luta é de Todos694” No discurso, recorda-se uma conjuntura
internacional favorável a tal opção: “Não Estamos Sozinhos!!! A união mundial dos Povos contra o
695
Imperialismo, libertou já mais de metade da população do Globo, incluindo Povos da Ásia e da causa Africana!!
Na denúncia do arbitrário colonial/racial é salientada a dificuldade no acesso à
escolaridade: “Nas escolas, os filhos dos negros só podem ser matriculados se os pais tiverem Bilhete de
696
Identidade. Porquê? Se os brancos, mesmo analfabetos, podem matricular os filhos em qualquer parte”?
Considera-se que o arbitrário colonial é produto de uma longa história de dominação:
“Irmãos! É preciso agir para aqueles nossos irmãos serem postos em liberdade e desmascarar as prepotências do
697
Estado Colonial que domina Angola Há 400 anos!!”
Mais uma vez, a denúncia do arbitrário colonial é interrompida para lembrar uma
conjuntura internacional favorável aos ideais independentistas: “Quantas mais vítimas eles fazem, mais
se desacreditam perante a opinião pública internacional e quanto maior é o descrédito deles mais se aproxima a
698
nossa libertação que será a definitiva e verdadeira Restauração de Angola”
.
O texto finda com um apelo de luta contra a subjugação colonial inspirado no
nacionalista Amílcar Barca699. “Lutem Até Alcançarem A Liberdade”.
690
Medina (2003: 288).
Medina (2003: 288).
692
Medina (2003: 288).
693
Medina (2003: 288).
694
Medina (2003: 288).
695
Medina (2003: 288).
696
Medina (2003: 288).
697
Medina (2003: 288).
698
Medina (2003: 288).
699
Nacionalista Angolano, natural de Benguela referido em muitos panfletos.
691
159
Classificações que remetem para processos de inclusão e exclusão no documento intitulado “Contra as prepotências
Governamentais e imperialistas. Reforcemos a nossa unidade na luta pela liberdade”
Inclusão Nós os negros Negros
Angola
África
Africanos de Angola
Exclusão
Eles
Brancos
Estado português colonialista
Imperialismo
Brancos colonialistas
Categoria reavaliada/valorizada: racial
Negro
A extensa caracterização dos discursos conduziu a elaboração do conjunto dos quadros
acima apresentados, a partir dos quais é legítimo considerar que em todos os discursos se veicula
uma identidade nacional e continental porque:
em todos os discursos se remete para processos de inclusão e exclusão;
em todos os discursos se assume a condição de colonizado;
em todos os discursos se assume a condição de angolano;
em todos os discursos se assume uma africanidade;
Podemos considerar que todos os discursos remetem para processos de inclusão e
exclusão tendo em conta os seguintes princípio antinómicos:
Inclusão
Angola
Angolanos
Africanos
África
Colonizados
Exclusão
Portugal
Portugueses
Europeus
Europa
Colonizadores
Outro aspecto comum a todos os discursos é o facto veicular-se um sentimento de
pertença à uma raça. São discursos que remetem para processos de identificação, inclusão ou
exclusão. Sendo que a categoria negro/preto é valorizada em todos os discursos. Em nenhum
discurso a categoria mestiço remete para processos de exclusão.
Contudo os quadros possibilitam descortinar diferenças nos discursos, sobretudo quando
se trata de definir quem é angolano ou africano.
160
A maioria dos discursos veicula uma identidade nacional e continental assente numa
identidade racial. Sendo que a categoria branco remete para processos de exclusão. Na maioria
dos panfletos a categoria branco está associada aos portugueses, europeus e colonizadores.
O que significa que, na sua maioria, os discursos remetem para processos de inclusão e
exclusão tendo em conta os seguintes princípio antinómicos:
Inclusão
Angola
Angolanos
Africanos
África
Colonizados
Negros (pretos e mestiços)
Exclusão
Portugal
Portugueses
Europeus
Europa
Colonizadores
Brancos
Todavia, encontramos pelo menos dois panfletos que, embora assentes na noção de
raça, remetem para processos de inclusão da categoria branco associando esta última aos
angolanos. O que significa que existem discursos que remetem para processos de inclusão e
exclusão tendo em conta os seguintes princípio antinómicos:
Inclusão
Angola
Angolanos
África
Colonizados
Negros
(pretos
mestiços)
Europa
Colonizadores
Colonizadores
Africanos
Exclusão
Portugal
Portugueses
Europeus
e
Brancos Angolanos
Brancos
Colonizadores
No que respeita aos processos de identificação no seio dos angolanos, podemos
assinalar o uso das seguintes categorias raciais e estatutárias: civilizado ou assimilado; indígena;
preto; mestiço; branco; que se podem traduzir nos seguintes princípios dicotómicos:
Branco/Negro
Branco/Mestiço
Preto/Mestiço
Indígena/assimilado
Indígena/civilizado*
*Neste caso trata-se de uma distinção valorativa na medida em que os indígenas são considerados
«atrazados»
Encontramos igualmente processos de identificação regionais e territoriais no seio dos
angolanos que se podem traduzir nas seguintes dicotomias:
Angola/Cabinda
Reino do Congo/Luanda
Reino do Congo/Angola
Entre outras
regiões
161
Quanto à reavaliação das categorias raciais e estatutárias, muito embora a categoria
negro seja valorizada em todos os discursos, encontramos algumas diferenças:
na maioria dos discursos a categoria mestiço é valorizada quando inserida na
categoria negro;
a categoria mulato quando inserida na categoria negro é valorizada. Todavia, é
igualmente negada;
a categoria assimilado é negada;
a categoria indígena tanto pode ser negada como valorizada;
a categoria branco é valorizada pelo menos em dois panfletos;
Podemos resumir os processos de reavaliação com o seguinte quadro:
Valorizado
Negro
Negado
Assimilado
Mestiço
Preto
Branco
Indígena
Mulato
Indígena
Mulato
Em síntese:
A partir dos vinte e um panfletos caracterizados, podemos tecer as seguintes
considerações:
é possível vislumbrar, em todos os discursos, uma reivindicação territorial no sentido
de se pretender expulsar os governantes estrangeiros e substituir o velho território
colonial por um novo território nacional. Nesta dinâmica, a raça adquire um papel
fundamental sobretudo quando se trata de definir quem é o colonizador ou o
colonizado; quem é o português ou o angolano; quem é o europeu ou o africano;
162
o uso de categorias raciais de inclusão como «negro», «preto» ou «mestiço», remete
para fortes processos de exclusão, nomeadamente, quando se trata de excluir aqueles
que não eram considerados angolanos ou africanos;
esta ideia de distintas raças (população negra /população branca) estava associada a
distintos espaços geográficos: Angola/África versus Portugal/Europa;
esta construção de um sentimento de pertença, a um território e a uma raça – esta
ideia racialista de nação – era reforçada pelo condição de dominado/colonizado em
oposição ao dominador/colonizador;
os discursos panfletários não podem ser dissociados de uma longa história de tensões
raciais entre africanos e portugueses. Tensões, que se agudizaram com o incremento
do afluxo de imigrantes portugueses em Angola, na década de cinquenta;
a noção de raça é também perceptível, mesmo quando se trata apenas de distinguir
grupos somáticos no seio dos angolanos. Daí as expressões, como «preto» ou
«mestiço, «nossa raça», «sem distinções de cores, e sem distinção de raças». Este
processo de identificação, no seio dos angolanos, estendia-se ao uso de classificações
estatutárias/raciais através das categorias «indígena» e «assimilado»/«civilizado»;
estamos em crer que, nos discursos, esta frequência no uso de classificações
legitimadas
pela
jurisprudência
colonial
assentes
em
propriedades
rácicas/características somáticas demonstra uma forte incorporação das mesmas no
seio da sociedade angolana, nomeadamente no que diz respeito a distinções entre
pretos e mestiços ou entre assimilados/civilizados indígenas. São, portanto,
distinções, que remetem para processos de inclusão e exclusão no seio dos
colonizados, que nem os discursos unitários contidos nos panfletos conseguem
dissimular700: “Sim de certa forma tem razão… Teve impacto, na realidade, por exemplo: o negro
não se identificava com o mestiço; o mestiço também não se identificava com o negro. Praticamente
no período colonial, o mestiço era considerado o elemento mais próximo do negro mas o próprio
mestiço aproximava-se mais do branco, que era normalmente dos pais. Naquele momento, quando
você se encontrava com um mestiço em 99% o pai era português e a mãe era angolana, não era o
700
As contradições no seio da Liga nacional Angolana confirmam tais processos: “…Os incidentes que se deram
ultimamente na Liga entre uma quadrilha de mulatos de mistura com alguns pretos inconscientes e imbecis que
conseguiram arrebanhar, de um lado, os elementos da Direcção e os seus adeptos como eu e outros de outro lado, é a
revelação da rivalidade de raças e terras que sempre reinou no espírito da mulatada de Luanda. Pacheco (1997: 80).
Não podemos deixar de notar que às contradições raciais se juntavam às regionais. Quanto as contradições entre
indígenas e assimilados ver supra documento 20, “O Momento Aflito Que Atravessamos”.
163
contrário. No passado, no emprego só havia promoção do elemento branco e do mestiço e o negro só
701
podia entrar se se tornasse assimilado”
;
esta frequência, no apelo a classificações assentes em propriedades rácicas
características somáticas, quer seja para excluir os classificados de branco ou
colonizadores, quer seja para distinções no seio dos colonizados leva-nos a
considerar que categorias como preto, mestiço ou até assimilado já foram
(re)convertidas em crenças mobilizadoras da acção política tanto na luta anti-colonial
como - embora ainda de um modo pouco explícito - na luta pela hegemonia de um
espaço que cada vez mais se vai estruturando: o espaço nacionalista angolano;
esta amnésia da génese (consciente ou inconsciente) do arbitrário – classificatório –
da política de classificação colonial abre a possibilidade para formas de lutas de
classificação no seio do espaço nacionalista angolano, em torno de taxinomias que
remetem para fortes processos de inclusão e exclusão no seio dos nacionalistas. A
partir de então, categorias como preto, mestiço, assimilado transformam-se em
classificações políticas. Como tal, tornam-se politicamente valorizadas, dado o seu
efeito mobilizador702. E, sendo assim, politicamente capitalizáveis. Trata-se agora de
saber se a eficácia mobilizadora, destas classificações, se pode traduzir, em
determinadas circunstâncias, numa espécie de capital político;
Capítulo V. Crises, práticas políticas e lutas de classificação. A configuração
do campo político angolano. (1960-1964)
701
Entrevista concedida por Carlinho Zassala, professor universitário membro de uma corrente interna da FNLA em
09/2007.
702
Efeito mobilizador testado, e, porventura com algum sucesso, aquando da rejeição dos classificados de
braços/colonizadores.
164
1. Considerações acerca da nossa abordagem
O início da década de sessenta é assinalado pela luta armada contra a dominação
colonial portuguesa, protagonizada por duas organizações nacionalistas: MPLA - Movimento
Popular de Libertação de Angola e a FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola. O que
significa que a luta anti-colonial foi um factor decisivo para a configuração e estruturação do
campo político angolano.
Todavia, o campo político angolano não se estrutura apenas tendo em conta a luta anticolonial. Estrutura-se e configura-se igualmente através da relação competição/conflito, entre o
MPLA e a FNLA, nomeadamente na luta pela hegemonia no/do respectivo espaço nacionalista
angolano. Esta disputa, pela hegemonia do espaço nacionalista angolano, seria por sua vez
influenciada pelo contexto sub-regional, a saber, o Congo Leopoldville e o Congo Brazzaville703.
Estes dois países, que limitam Angola a norte, iriam contribuir para que as acções políticas
destas duas organizações se traduzissem numa configuração bipolar do espaço nacionalista
angolano704.
Esta configuração bipolar, devedora da rivalidade entre as duas organizações
nacionalistas armadas, torna o campo político angolano um espaço de crise para onde convergem
uma série de factores: de ordem militar (teatro de luta reduzido), de ordem económica (não era
assegurada a reprodução da vida material dos militantes), de ordem política (não havia consenso
relativamente à ocupação de posições - distribuição de lugares - tendo em conta a
institucionalização do capital político adquirido) e simbólico-ideológico (princípios de
classificação que eram objecto de questionamento e de luta política, nomeadamente as
classificações assentes em propriedades rácicas características somáticas). Ora, convém ainda
salientar que, no seu percurso de legitimidade, cada uma destas duas organizações políticomilitares é igualmente atravessada por sucessivas crises internas. Crises em que também
convergiram factores militares, económicos, políticos e simbólico-ideológicos.
Tendo em conta os nossos objectivos heurísticos, daremos saliência aos processos de
institucionalização do capital político em articulação com princípios de classificação que são
703
O Congo Leopodville ou República do Congo corresponde à actual República Democrática do Congo. A
designação na época mais utilizada é Congo Leopoldville ou Congo Leo. Optámos por manter a nomenclatura da
época. O mesmo critério se aplica à outra República do Congo que denominaremos de Congo Brazzaville.
704
Note-se que os dois países, recém independentes, vivem igualmente uma conjuntura de crise.
165
objecto de questionamento e de luta política, sobretudo aqueles que dizem respeito às
classificações assentes em propriedades rácicas/características somáticas. Neste caso, estas
últimas estão sujeitas a serem percepcionadas como recurso político, nomeadamente nos
momentos de institucionalização do capital político. Antes porém, e a fim de possibilitar uma
maior clarificação da nossa abordagem, apresentamos desde já algumas considerações acerca da
noção de capital político, tendo em conta as características do campo político angolano.
“O capital político é uma forma de capital simbólico, «crédito» firmado na crença e no reconhecimento
ou, mais precisamente nas inúmeras operações de crédito pelas quais os agentes conferem a uma pessoa – ou a um
705
objecto – os próprios poderes que eles lhe reconhecem”
. Significa isto que a capacidade de mobilização
está profundamente relacionada com a posse de capital político.
Bourdieu considera que existem duas espécies de capital político: o capital político a
título pessoal e o capital político por delegação706.
Estas duas espécies de capital político estão obviamente, não é demais repeti-lo,
relacionadas com a capacidade de mobilização do maior número de indivíduos. E, como tal,
podem combinar-se. Todavia, o capital político a título pessoal está ligado ao indivíduo. Este
divide-se em dois tipos: o capital pessoal de notoriedade e o capital pessoal profético ou heróico.
O primeiro: “é frequentemente produto da reconversão de um capital de notoriedade acumulado
em outros domínios e, em particular, em profissões que, como as profissões liberais, permitem
tempo livre e supõem um certo capital cultural ou como no caso dos advogados, um domínio
profissional da eloquência. O capital de notoriedade é produto duma acumulação lenta e
contínua, a qual leva em geral toda uma vida”707. O capital político a título pessoal “profético ou
heróico” é: “produto de uma acção inaugural, realizada em situação de crise, no vazio e no
silêncio deixados pelas instituições e os aparelhos: acção profética de doação de sentido, que
fundamenta e se legitima ela própria, retrospectivamente, pela confirmação conferida pelo seu
próprio sucesso à linguagem de crise e à acumulação inicial de força de mobilização que ele
realizou”708.
Por sua vez: “Ao contrário do capital pessoal que desaparece com a pessoa do seu portador (embora
possa originar querelas de herança) o capital delegado da autoridade política é (…) produto da transferência limitada
e provisória (apesar de renovável, por vezes vitaliciamente) de um capital detido e controlado pela instituição e só
705
Bourdieu (1989: 187-188).
Bourdieu (1989: 190-194); Bourdieu (2000:16-17).
707
Bourdieu (1989: 191).
708
Bourdieu (1989: 191).
706
166
por ela: é o partido que, por meio da acção dos seus quadros e dos seus militantes, acumulou no decurso da história
um capital simbólico de «reconhecimento» e de «fidelidade» e que a si mesmo se dotou, pela luta política e para ela,
de uma organização permanente de membros permanentes capazes de mobilizar os militantes, os aderentes e os
simpatizantes e de organizar o trabalho de propaganda necessário à obtenção dos votos e, por este meio, dos postos
que permitem que se mantenham duradoiramente os membros permanentes. (…) Este aparelho de mobilização
assenta ao mesmo tempo em estruturas objectivas, como a burocracia da organização propriamente dita, os postos
que ela oferece, com todas as vantagens correlativas, nela própria”.
Mas, assenta igualmente: “em atitudes,
quer se trate da fidelidade ao partido, quer se trate dos princípios de incorporação de di-visão do
mundo social que os dirigentes, os membros permanentes ou os militantes põem em prática no
dia-a-dia e na sua acção propriamente política”709.
O mesmo autor sublinha que: “A aquisição de um capital delegado obedece a uma investidura (acto
propriamente mágico de instituição pelo qual o partido consagra oficialmente o candidato oficial a uma eleição e que
marca a transmissão de um capital político). (…). A investidura: não pode ser senão a contrapartida de um longo
investimento de tempo, de trabalho, de dedicação, de devoção à instituição. (…). Em resumo: a instituição investe
710
aqueles que investiram na instituição”
.
“A delegação do capital político pressupõe a objectivação desta espécie de capital em instituições
permanentes, a sua materialização em máquinas políticas, em postos e instrumentos de mobilização e a sua
reprodução contínua por mecanismos e estratégias.
(…). Com efeito, quanto mais o capital político se institucionaliza em forma de postos a tomar, maiores
são as vantagens em entrar no aparelho, ao contrário do que se passa nas fases iniciais ou nos tempos de crise – em
711
período revolucionário – em que os riscos são grandes e as vantagens reduzidas”
.
Convém, contudo, salientar que o campo político angolano está numa fase inicial e
iniciática de institucionalização de aparelhos e de criação de mecanismos de delegação política
sendo igualmente atravessado por sucessivas crises. Ou seja, as vantagens em entrar no aparelho
ainda são reduzidas e os riscos de entrar no mesmo são maiores. Com efeito, a organização
política ainda não adquiriu “um capital político acumulado no decurso das lutas passadas”712. A
instituição ainda não tem força para ser reconhecida.
Para suplantar este constrangimento o grupo político instituído necessita de indivíduos
possuidores de um capital, qualquer que seja, desde que tenha a capacidade de mobilizar o maior
número de militantes/militares e aderentes a causa. Com efeito, por estar ainda numa fase inicial
709
Bourdieu (1989 :191-192).
Bourdieu (1989: 194-195).
711
Bourdieu (1989: 194-195).
712
Bourdieu (1989:190). Sobretudo, porque não possui ainda este factor fundamental de legitimidade e autoridade
do grupo político que é o capital militar. E, tendo em conta o contexto de luta anti colonial, o capital militar é
inerente à organização política.
710
167
e iniciática, o campo político é um mercado aberto, propício à entrada de outras formas de
recursos, desde que possibilitem a mobilização do maior número e o reforço das posições no
emergente campo político angolano713. É neste sentido que todo o capital adquirido no mundo
social, adquirido fora do campo político, é passível de ser reconvertido em capital político desde
que beneficie o grupo político constituído e instituído714. Tudo o que é politicamente mobilizável
é capitalizável politicamente. Esta máxima aplica-se na luta anti-colonial715, na luta pela
hegemonia do espaço nacionalista angolano (nomeadamente entre o MPLA e UPA/FNLA) e na
luta pelo controlo da direcção em cada organização política nacionalista (tanto no seio do MPLA
como no seio da UPA/FNLA).
Nesta fase inicial e iniciática de institucionalização do grupo constituído – em contextos
de crise – as múltiplas formas de capitais confundem-se. Assim, por exemplo, o capital político a
título pessoal pode confundir-se com o capital de autoridade do grupo político. Daí que muitas
vezes a investidura, ou seja, o acto de delegação do capital político, não seja controlado pelo
grupo. Aqui não se aplica o lema de: “a instituição investe aqueles que investiram na
instituição”, mas sim, a instituição investe aquele que investe na instituição para que a instituição
tenha as condições de investir naqueles que investiram na instituição; o que investe na instituição
investe igualmente a instituição.
O capital político a título pessoal adquire, assim, um papel fundamental no processo de
reconhecimento do grupo político. Sendo assim, as competências para o exercício da política não
são determinadas pelo grupo. Tais direitos decorrem da trajectória do indivíduo, da origem
social, do capital adquirido, nomeadamente do capital social (e de duas das suas formas
específicas na sociedade angolana: capital sócio-rácico e etnolinguístico), do capital cultural
(com particular incidência para o capital escolar e de participação em movimentos culturais
associativos). Podemos acrescentar um capital político de notoriedade adquirido no quadro da
repressão colonial (por exemplo o currículo prisional). Estes capitais tornam-se assim passíveis
de serem convertidos em capital político, nomeadamente em capital político delegado. Mas, este
713
Como tal, vive-se ainda uma acumulação primitiva de capital político. Este processo de acumulação primitiva de
capital político estende-se tanto aos postos dentro da organização política como aos indivíduos ligados a esses
postos.
714
Daí o recurso a determinadas categorias como: a etnia, a cultura, a raça, e, por vezes até a religião.
715
Como pudemos constatar no capítulo anterior.
168
último é um capital não controlado pelo grupo e sim pelo indivíduo716. Feito este esclarecimento
podemos prosseguir com a nossa abordagem.
Será, portanto, neste quadro de crise e de fase inicial e iniciática de institucionalização
do grupo constituído e como tal de institucionalização do capital político, que determinadas
categorias raciais, provenientes do mundo social, serão percepcionadas como recursos políticos
relevantes, sendo por isso objecto de lutas pela sua apropriação, abrindo assim a possibilidade de
serem reconvertidas em capital político717. Sendo assim, as classificações assentes em
propriedades rácicas/características somáticas tornam-se um exemplo de como categorias
oriundas do mundo social colonial podem ser erigidos em princípios de acção política718.
Podemos então enfatizar o nosso propósito quanto ao presente capítulo. Compreender o
modo como o campo político se apropria: “de uma «lógica de dominação exercida em nome de um
princípio simbólico conhecido e reconhecido pelo dominante e dominado, (…) uma propriedade distintiva cujo
aspecto simbolicamente mais eficiente é essa propriedade corporal perfeitamente arbitrária e não predictiva que é a
719
cor da pele”
.
Não sendo nossa intenção fazer a história do movimento nacionalista angolano, a
abordagem terá em conta o percurso de legitimação das duas organizações político-militares:
MPLA e UPA/FNLA. Começaremos por destacar o processo de delegação política em cada uma
delas. Processo que, quanto a nós, marca o início da configuração e estruturação do espaço
nacionalista angolano funcionando como campo político720. Daremos igualmente saliência aos
716
Quanto a nós, o grupo limita-se a gerir esse capital de modo a garantir a existência e a reprodução do grupo
instituído. Daí que as lutas políticas no seio de uma organização possam adquirir características de confronto entre
duas espécies de capital político: o capital a título pessoal e o capital político delegado. Mas este confronto é
também visível aquando da oposição entre dois grupos políticos distintos. O exemplo mais plausível é o confronto
entre o MPLA e a UPA/FNLA. Esta rivalidade era percepcionada como uma luta entre Agostinho Neto e Holden
Roberto, líder da UPA/FNLA.
717
Convém recordar que no espaço colonial funcionavam como um capital sócio-rácico ou seja, possuíam um valor
no mercado de produção e circulação dos bens de reconhecimento social. Passam, a partir de agora, a funcionar
como um bem de reconhecimento político sobretudo aquando de estratégias de mobilização.
718
Estamos diante de um exemplo de apreensão de uma lógica de dominação colonial (racial) pelo campo político.
O que nos leva à seguinte constatação: “Em situações de dominação colonial e de ruptura com a dominação a
questão torna-se mais complexa, pois estamos perante uma luta por novos sistemas de classificação, que encobre em
geral, a incorporação da história (sobretudo colonial) na luta e na construção dos novos sistemas. A construção
ideológica da ruptura com o colonialismo tende a fazer esquecer a história incorporada pelos agentes sociais em
processo de ruptura”. Reis e Reis (1996: 704).
719
Bourdieu (1999: 1-2).
720
A delegação política é: ”um acto pelo qual o grupo se faz, dotando-se de um conjunto de coisas que fazem os
grupos, quer dizer uma permanência e permanentes, um birô, em todos os sentidos do termo, e primeiro no sentido
de modo de organização burocrática, com selo, sigla, assinatura, tampão oficial, etc. O grupo existe, quando se dota
de um órgão permanente de representação dotado da plena potentia agendi e do sigillum authenticum, e, pois, capaz
de se substituir (falar em nome de, é falar no seu lugar), ao grupo serial, feito de indivíduos separados e isolados, em
169
momentos de institucionalização do capital político, considerado por nós como forma
privilegiada de concentração de capital político. Veremos igualmente que o percurso de
legitimação, tanto do MPLA como da UPA/FNLA, é marcado por sucessivas crises721. Crises,
em certa medida, ligadas a processos de objectivação e institucionalização do capital político.
O presente capítulo é constituído por dois pontos principais: o percurso de legitimidade
da UPA/FNLA e o percurso de legitimidade do MPLA. Todavia, as características do nosso
trabalho impelem-nos a dar mais centralidade ao percurso de legitimidade do MPLA,
nomeadamente no que concerne ao momento de crise vivido por este movimento. Não porque
este último tenha um peso no campo político superior ao da UPA/FNLA, antes pelo contrário.
Mas, porque os efeitos das lutas em torno das questões raciais no campo político angolano são
mais notórios no seio do MPLA, no que diz respeito à relação entre as classificações assentes em
propriedades rácicas/características somáticas e processos de institucionalização do capital
político.
2. Da UPA à FNLA/GRAE
renovação constante, não podendo agir e falar por eles próprios. Bourdieu (1987: 187). (…) Esta espécie de acto
originário de constituição, no duplo sentido filosófico e político, que representa a delegação, é um acto de magia que
permite fazer existir o que não era senão uma colecção plural de pessoas, uma série de indivíduos justapostos, sob
forma de uma pessoa fictiva, um corporatio, um corpo místico incarnado num ou em corpos biológicos, corpus
corporatum in corpore corporato”. Bourdieu (1987:190). O mesmo (1987: 187) considera haver um: “Segundo acto
da delegação, muito mais escondido é o acto pelo qual a realidade assim constituída, o partido, a Igreja, vai
mandatar um indivíduo”. E, que quanto nós corresponde à delegação do capital político, que é igualmente uma
forma de concentração do mesmo. No respeitante ao nosso trabalho optámos por considerar a delegação política a
partir da existência de uma sigla e de um órgão permanente (estatutos, da UPA e primeiro Comité Director do
MPLA), só consideraremos como nova delegação política a partir da mudança de sigla (como por exemplo,
passagem da UPA para FNLA). Consideramos os actos de investidura duma organização como delegação do capital
político, na medida em que a sigla permanece como sendo a mesma. Ver igualmente Reis e Reis (1998)
721
Convém sublinhar que não é somente pelo facto de cada uma das organizações ser um espaço de crise que o
espaço nacionalista se torna um espaço de crise, mas é também devido à relação conflito/competição entre as duas
organizações na luta pela hegemonia do mesmo espaço.
170
A UPA tem a sua origem na UPNA - União das Populações do Norte de Angola, a qual,
por sua vez, encontra as suas raízes nas dinâmicas ligadas a questões de sucessão dinástica que
remetem para o antigo Reino do Congo722.
Contudo, é importante sublinhar que a luta política pela sucessão do reino do Congo
adquiriu contornos de luta religiosa entre Protestantes e Católicos. Com efeito, as autoridades
coloniais apoiavam um rei católico, Dom António José da Gama. Por sua vez, os protestantes
(Baptistas) preferiam Dom Manuel Kiditu que partilhava a confissão destes. Apesar do
descontentamento dos protestantes, os portugueses impuseram o rei católico723. Não tendo
conseguido impor o seu rei, os protestantes liderados por Manuel Barros Nekaca724 e José
Eduardo Pinnock725 iniciaram contactos internacionais com o auxílio das missões Protestantes,
chamando a atenção para a existência do reino do Congo sublinhando a sua especificidade
relativamente a Angola. É neste contexto que surge a UPNA – União das Populações do Norte
de Angola, que preconizava a restauração do antigo reino do Kongo726.
Num contexto nacionalista e pan-africanista em que a soberania nacional se pautava
pelo “Mapa de Berlim”, o carácter regionalista e dinástico da UPNA era não só perigoso como
desfasado da nova realidade política africana.
Em 1958, por proposta de Holden Roberto727, a UPNA passa a denominar-se UPA. Com
efeito, na abertura da Primeira Conferência dos povos africanos em Accra, capital do Gana, (513 de Dezembro) Holden Roberto faz circular um manifesto redigido em nome da UPA,
722
O Reino do Congo dispunha de um reconhecimento formal por parte das autoridades coloniais. Segundo estas: “
Os indígenas (...) podem manter as suas instituições políticas tradicionais (Sobado, Regulado, Reino, etc.)”. Ver.
Estatuto dos indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique, Decreto-lei n.º 3966 de 20 de
Maio de 1954, artigos 7º e 8º.
723
O rei católico viria a falecer em condições misteriosas a 11 de Julho de 1957. Pélissier (1978b: 268); ver também
Marcum (1969)
724
Manuel Barros Nekaka , (1914-?) tio materno de Holden Roberto, enfermeiro de profissão, nasceu a 18 de Julho
de 1914 em São Salvador, foi estudante na BMS- Baptist Missionary Society, filho do catequista Baptista Miguel
Nekaka. Pélissier (1978b: 265); Marcum (1969: 53).
725
Johny Eduardo Pinock primo de Holden Roberto nascido em S. Salvador em 1905. Estudou na BMS. Chefe de
estação em Matadi, Congo Leopoldville. Marcum (1969: 56); Pélissier (1978b: 266). Também referido nas fontes
como João Eduardo Pinock. Rocha I (2002: 445) Ou Johny Eduardo Pinnock. Rocha I (2002: 628).
726
O presidente seria Manuel Barros Nekaka, o secretário-geral Francisco Borralho Lulendo. Pélissier (1978b: 270);
Marcum (1969: 63).
727
Álvaro Holden Roberto (1923-2006) ou Ruy Ventura ou ainda José Gilmore, nasceu em São Salvador (actual
Mbanza Congo) em 12 de Janeiro de 1923. A sua formação (religiosa e escolar) deve-se às missões Baptistas. É
considerado o arquitecto do aggiornamento da UPA. Acerca da passagem da UPNA para UPA ver Marcum (1969:
64-70); Pélissier (1978b: 270-271).
171
reclamando a independência de Angola728. Assim com a reconversão da UPNA em UPA
passava-se de um movimento de pré-independência, cujo conceito de nação é basicamente
regional e genealógico para um movimento em que nação tem um significado cívico e territorial
na medida em que se pretende expulsar os governantes estrangeiros e substituir o estado colonial
por um novo estado nação. Assim, tal reconversão criava do ponto de vista político uma
dinâmica identitária mais ampla de modo a suplantar um conceito de etno-regional.
2.1 A constituição da UPA e a institucionalização, truncada, do capital político
É no quadro da independência do Congo Belga e da subida de Patrice Lumumba ao
poder que o processo de institucionalização da UPA se concretiza, com a segunda etapa do seu
processo de institucionalização como grupo político, através da publicação dos seus estatutos (1
de Julho de 1960729) e a constituição de um Comité Director Provisório constituído por vinte
personalidades. Punha-se, assim, fim a dois anos de existência praticamente clandestina730. No
mesmo ano a UPA era formalmente legalizada com a instalação da sua sede em Leopoldville;
obteria ainda autorização para editar o jornal A Voz da Nação Angolana, impresso em quatro
línguas (português, francês kimbundo e kikongo). Também fora cedido à UPA um espaço
radiofónico para efeitos de propaganda na rádio Leopoldville731. A isso tudo podemos somar a
afirmação de Holden Roberto como líder de facto da UPA732.
A UPA apresenta-se no início como uma organização política constituída sobretudo por
elementos provenientes do grupo mobilizado etnolinguístico bakongo733, mais propriamente da
região de S. Salvador734, com características urbanas, emigrada no Congo Leopoldville onde o
colonialismo belga era acentuadamente racial. Sendo na sua maioria de formação Baptista, estes
elementos mantinham ligações regulares com os espaços sociais de onde eram originários,
728
É quanto a nós um momento decisivo de delegação política, todavia ainda incompleto, pois a sigla existe mas o
grupo não está instituído. Mas é igualmente um momento de concentração de capital político na pessoa.
729
Ver anexos nº13
730
Rocha I (2002: 444).
731
Pélissier (1978b. 279).
732
Com efeito a UPA começa a confundir-se com a figura de Holden Roberto na medida em que ele é o arquitecto
do aggiornamento, o obreiro da primeira etapa de institucionalização do grupo. Como tal, ele fez o grupo e por isso
o capital político do grupo está concentrado na sua pessoa.
733
O critério aqui aplicado de classificação dos grupos étnicos é linguístico. Ex: bakongo corresponde à língua
kikongo. São restrições impostas pelas características do nosso do trabalho.
734
Actual Mbanza Congo.
172
circulando entre o Norte de Angola e Leopoldville. No entanto, a UPA até 1961 ainda não se
afirmara como organização nacionalista armada de âmbito nacional735.
Na retórica de contestação colonial, produzida pela UPA, é possível vislumbrar um
discurso de valorização da raça negra e de associação da categoria branco ao arbitrário
colonial736.
Figura 2 - Signatários dos estatutos da UPA
Nome
Manuel Barros Nekaka
António Francisco Maiembe
Rosário André da Conceição Neto
Holden Roberto
Francisco Borralho Lulendo
João Eduardo Pinock
Alexandre Tati
Martin Sumbu
Origem geográfica
S. Salvador
Ambriz?
Malanje
S. Salvador
S. Salvador
S. Salvador
Cabinda
Maquela?
Fonte: Rocha (441-444) ou ANTT/Proc. UPA 2126/59
Até 23 de Outubro a liderança do grupo pertencia a Manuel Barros Nekaka, um dos
fundadores da UPNA mas o líder de facto era Holden Roberto, sobrinho de Nekaka737.
Com efeito, todo o capital político da UPA se concentrava na sua pessoa, que era a face
mais visível da organização. Todos os contactos e apoios internacionais eram mediados por ele.
Holden Roberto tornara-se por isso uma figura de referência do nacionalismo angolano738.
Assim, muito embora a UPA fosse formalmente dirigida por um bureau provisório, encabeçado
por Barros Nekaka e o seu respectivo Comité Director Provisório, a realidade é que: “At the same
time, whereas Barros Necaca and other veteran political personalities felt constrained by both family and party
requirements not to abandon hard-won income producing jobs, Roberto was free to devote himself full time to the
735
Segundo Carlos Pacheco, a UPA estava inserida nos espaços urbanos dos eixos Luanda - Malanje, Benguela Bié. A própria revolta do 15 de Março ultrapassou o território denominado Bakongo. Pacheco (1997: 38); Pélissier
(1978b).
736
Ver capítulo anterior.
737
O que nos remete para o papel das relações de parentesco na constituição e no percurso de legitimidade da UPA.
Note-se que Johnny Eduardo Pinock é primo de Holden Roberto. Holden em Jaime e Barber (1999: 16).
738
No caso de Holden Roberto aplica-se o conceito de capital pessoal de notoriedade. Graças a sua a linhagem
dinástica, pois é descendente da realeza Konguesa, e a um conjunto de relações sociais com figuras africanas
proeminentes da época (Lumumba, Fannon, Nkrumah, Bourguiba) Holden adquirira rapidamente um capital de
notoriedade que seria reforçado pelo seu papel principal no aggiornamnto da UPNA em UPA. Beneficia igualmente
de um outro capital social e de rápida conversão em capital político, a identificação com o grupo etnolinguístico
Bakongo. Identificação contudo relativa na medida em que Holden é de S. Salvador.
173
direction of party work. This advantage, along with his careful cultivation of Congolese political leaders, helped
739
materially to further Robert’os personal political fortune”
. Estamos assim, no caso de Nekaka, diante de
um caso de capital político institucionalizado, mas não objectivado. Não existe essa relação entre
capital instituído e capital objectivado. O que é objectivado, quanto a nós, não são os postos mas
sim os indivíduos independentemente dos postos. E, de entre estes indivíduos, o que possui
maior volume de capital é Holden Roberto740.
Figura 3 - Bureau provisório da UPA que funcionou até 23 de Outubro de 1960.
Nome
Origem Geográfica
Funções
Manuel Barros Nekaka
Holden Roberto
S. Salvador
S. Salvador
Presidente Fundador
Adjunto de Barros
Nekaka
Secretário-geral
Francisco Borralho
S. Salvador
Lulendo
François Dombé
Maquela do Zombo
António Francisco
Ambriz
Maiembe
Martin Sumbu
Ambriz
Rosário André da
Malanje
Conceição Neto
João Eduardo Pinock
S. Salvador.
Fonte (Rocha: 2003:445) ou ANTT/Proc. UPA 2126/59
No entanto, a UPA iria viver o seu primeiro momento de crise política que seria por sua
vez um momento de questionamento da liderança de Holden Roberto741. O que confere a esta
crise uma característica típica do funcionamento de um campo político em fase inicial, isto é, a
incompatibilidade entre duas espécies de capital político: o capital a título pessoal e o capital
político delegado.
Sem pretender entrar numa abordagem minuciosa, podemos considerar que, o contexto
político vigente no Congo Leopoldville foi um elemento contributivo para esta primeira situação
de crise. Com efeito, o contexto de crise que se vivia no Congo Leopoldville, com sucessivas
739
Marcum (1969 : 85).
Não é por acaso que, nos momentos de crise da organização, todo o questionamento da mesma se torna um
questionamento de Holden Roberto.
741
Para saber mais acerca desta crise ver ANTT/PIDE/DGS Processo: 2126/59 UPA. Ver também Mbah (2005);
Marcum (1969); Pélissier (1978b).
740
174
mudanças de governo, reflectiu-se nos apoios concedidos por este país à UPA. Tal
constrangimento, por sua vez, reflectiu-se em tomadas de posição no seio da UPA,
nomeadamente, no que concerne às posições entre aqueles que preconizavam a luta armada e
aqueles que preferiam optar por uma via mais pacífica. Para se tentar perceber os efeitos do
contexto congolês na crise da UPA observe-se, ainda que sucintamente, a evolução política deste
país.
2.1.1 O Congo Leopoldville. Esboço de evolução política.
A 30 de Junho de 1960, data da independência do país, Joseph Kasavubu742 é eleito
Presidente da República pelo parlamento congolês. O mesmo partilha o poder com Patrice
Lumumba743 que assumira o cargo de primeiro-ministro, conferindo ao Estado congolês
características de um regime semicentralizado e semifederal em que tanto o Presidente da
República como o primeiro-ministro detinham o poder executivo744.
Todavia, no período que se seguiu à independência, o Congo Léopoldville era um
espaço de crise caracterizado pelo êxodo rural, hiperurbanização, clivagens étnicas, regionais e
sociais, movimentos secessionistas745 e guerra civil746. O que reflectia, em certa medida,
dinâmicas sociais e políticas anteriores à independência747.
Podemos acrescentar ainda o facto de este país se ter tornado num palco privilegiado da
guerra-fria e de lutas entre potências ocidentais pelo controlo das suas riquezas minerais (cobre e
diamantes)748. Todo este conjunto de factores contribuiu, de certo modo, para que as relações
entre Lumumba e Kasavubu nunca tivessem sido cordiais. Lumumba preconizava uma sociedade
de tipo socialista e com alguma influência dos países do leste europeu, a saber a URSS.
Kasavubu, por sua vez, representava uma corrente mais ligada aos interesses ocidentais,
sobretudo americanos. Este período conturbado no relacionamento entre os dois líderes seria
742
Joseph Kasavubu (1910-1969) outras fontes referem como nado em 1917, nasceu em Tsela no Maiombe.
Primeiro Presidente do Congo Leopoldville independente.
743
Patrice Lumumba (1925-1961). Nasceu em Onalua em Sakuru. Fez os seus estudos primários em escolas
católicas e protestantes. foi primeiro-ministro de Maio até Setembro de 1960, mês em que foi destituído por
Kasavubu. Em Janeiro de 1961, foi assassinado. Ver Kanyarwunga (2006); Kana K (2005);
744
Magalhães Ferreira (1998: 127).
745
Referimo-nos as secessões do Katanga e do Kasai, ocorridas sucessivamente em Julho. Kanyarwunga (2006:
479).
746
Ver Kanyarwunga (2006); Kana K (2005); Esta crise obrigaria a intervenção das tropas da ONU em 1961.
747
Dinâmicas ligadas às características da colonização belga. Ver Kana K. (2005); Kanyarwunga (2006).
748
Ver Kanyarwunga (2006); Kana K. (2005).
175
marcado pelo afastamento e posterior assassinato de Lumumba em 1961, pondo fim ao projecto
lumumbista.
A morte de Lumumba assinala a entrada definitiva do novo Estado independente nas
esferas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos da América749. Todavia, esta inserção foi
gradual pois o clima de rebelião, guerra civil e de vazio do poder ainda iriam permanecer por
algum tempo750.
Fora para colmatar este vazio que em Agosto de 1961, e com o apoio dos capacetes
azuis da ONU, que Cyrille Adoula751 foi indigitado como primeiro-ministro no quadro de um
governo de unidade nacional. E, será durante a sua vigência que, em 1963, se porá fim à secessão
no Katanga liderada por Moisés Tshombé752 acabando este último por exilar-se na Europa.
Em Janeiro de 1964 surgem novas rebeliões na área do Kwuilu e na parte Leste do
território. Em 30 de Junho de 1964 Tshombé substitui Adoula, no lugar de primeiro-ministro,
que havia apresentado a sua demissão753. A continuação da guerra civil e a rivalidade entre o
novo primeiro primeiro-ministro, Evaristo Kimba754 e o presidente, terão porventura contribuído
para que Joseph Desiré Mobutu, através de um bem sucedido golpe de estado, assumisse a chefia
absoluta do país em 1965, pondo fim ao clima de incerteza política755.
2.2 A primeira crise da UPA. Dissidência e recomposição
A política do governo congolês respeitante à UPA merece ser entendida num quadro de
afinidades historicamente construídas, que se apresentam sob a forma de construção de relações
pessoais, de âmbito linhageiro e de redes sociais. Mas convém, contudo, salientar que em
determinados momentos estas afinidades históricas não se consubstanciaram em relações
privilegiadas. Com efeito, é de salientar que em determinados momentos o apoio, por parte do
749
Acerca do envolvimento dos Estados Unidos no Congo Leopoldville ver Wright (2001:65-69). DVD uma
odisseia em África Tahri (2007).
750
Este período de instabilidade só terminaria em Dezembro de 1965, já com Mobuto no poder.
751
Cyrille Adoula (1925- 1978), nasceu em Leopoldville, foi co-fundador de um partido dissidente do MNC, o
MNC – Kalonji. Foi Ministro do interior até Agosto de 1961, mês em que ocupou o cargo de primeiro-ministro.
Terá desempenhado um papel fundamental no apoio a UPA/FNLA.
752
Moisés Tshombé (1919-1969). Nasceu em Musamba no Katanga. Primeiro-ministro entre 1964 e 1965. Morreu
assassinado misteriosamente numa prisão da Argélia.
753
Benot I (1981: 519). Não há concordância relativamente a esta data, por exemplo para Guerra (1993:431) esta
ocorrência teve lugar a 12 de Julho. Ver igualmente Gomes e Afonso 4 (2009: 93-94).
754
Que havia substituído Tshombé por decisão de Kasavubu em Outubro de 1965. Gomes e Afonso 5 (2009: 96).
755
Joseph Desiré Mobutu ou Mobutu Seseko Kuku Ngendu wa za banga (1930-1997), liderou este país até 1997.
Acerca do protagonismo de Mobutu, ver: Kanyarwunga (2006); Kana K (2005); Guerra (1993: 82); Chomé (1975).
176
governo congolês relativamente à UPA, deixou praticamente de existir, pondo em causa a
própria existência da mesma.
Com a destituição e posterior assassinato de Patrice Lumumba, em Janeiro de 1961, a
UPA iria ver os apoios do governo congolês drasticamente reduzidos756. A nova conjuntura
governativa congolesa obrigaria Holden Roberto a ter de partir para os Estados Unidos757. Antes,
porém, Holden iria passar pelo Gana e pela Tunísia em busca de apoio financeiro758.
Entretanto, Joseph Kasavubu impusera as seguintes condições para garantir a existência
da UPA em solo congolês: o afastamento de Holden Roberto da direcção do movimento e a
renúncia, por parte da organização, à luta armada759.
É num quadro de pressão do Presidente do Congo Leopolville que, por iniciativa de
Manuel Barros Nekaka, é convocada uma reunião da UPA. A mesma realizou-se no dia 23 de
Outubro de 1960 e não contou com a presença de Holden Roberto que havia sido encarregado de
defender a questão angolana nas Nações Unidas760; muito embora ignorando provavelmente que
na dita reunião se iria optar por uma nova orientação política, no respeitante à questão da
independência de Angola, o que, obviamente implicava o seu afastamento da UPA761.
Nesta reunião, a maioria dos dirigentes da UPA defendia uma nova política
relativamente à independência de Angola, de modo a não ferir a susceptibilidade do governo
congolês. Preconizava-se, assim, não uma independência imediata mas faseada, segundo o
modelo de descolonização francês. Renunciava-se igualmente à luta armada como forma de
expressão política762. Esta nova inflexão política, por parte dos dirigentes da UPA, traduziu-se no
envio de uma delegação, como observadora, à conferência dos chefes de Estados africanos que
se ia realizar em Dezembro de 1960 no Congo Brazzaville763.
756
O próprio Holden Roberto viu-se remetido para uma situação de clandestinidade, tendo estado refugiado em
embaixadas estrangeiras sedeadas em Leopoldville, nomeadamente na Embaixada da Tunísia, um fiel apoiante da
UPA. Marcum (1969: 96); Pélissier (1978b: 279).
757
Como delegado da UPA na XV sessão das Nações Unidas. Mbah (2005: 84).
758
Todavia o Governo ganês fez saber que: “The government of Ghana has given orders that we must not help you
because you are in the pay of America”. Marcum (1969: 96). O que significa que a percepção de Holden ser
comunista não abrangia todos os países africanos, provavelmente a diplomacia do MPLA tenha tido a sua influência
na tomada de posição do governo ganês. Ver Mbah (2005: 67). No entanto Holden assegurara o apoio do governo
tunisino. Pélissier (1978b: 279).
759
Mbah (2005 84).
760
Mbah (2005: 85).
761
Mbah (2005: 84).
762
Mbah (2005: 84-85).
763
A decisão de enviar esta delegação fora tomada imediatamente após reunião de 23 de Outubro em que se
preconizara o afastamento de Holden da direcção da UPA. Mbah (2005: 85-88).
177
Neste encontro, entre dirigentes dos países africanos recentemente independentes,
encontravam-se Leopold Sédar Senghor (presidente do Senegal), Félix Houphouet-Boigny
(presidente da Costa do Marfim), Philibert Tsiranana (présidente do Madagáscar) e Fulbert
Youlou (presidente do Congo Brazzaville). Estes líderes pautavam-se por um discurso idêntico
ao dos representantes da UPA no respeitante ao problema colonial764.
Acresce ainda que, durante a ausência de Holden Roberto, a UPA participara em
Novembro de 1960 numa Conferência realizada com outras forças nacionalistas angolanas no
quadro da criação de uma frente comum que englobava a UPA, o ALIAZO, o MPLA e a
AREC765.
Temendo provavelmente que esta decisão pusesse em causa a sua preponderância no
espaço nacionalista angolano, Holden regressou a Leopoldville para reassumir a liderança da
UPA766. Seguiram-se uma série de demissões no seio da UPA, nomeadamente de 17 membros do
comité director, incluindo o seu tio Barros Nekaka, considerado no seio da organização como
“presidente fundador”767. Quanto a Jean Pierre Mbala768 e ao seu grupo, estes acabariam por sair
da UPA e constituírem uma nova organização política: O MDIA - Movimento para a Defesa dos
Interesses de Angola, que preconizava a independência de Angola mediante o diálogo com as
autoridades coloniais769. Contudo, o MDIA, tal como outras organizações nacionalistas não
armadas, nunca iria adquirir grande expressão no espaço nacionalista angolano.
764
Mbah (2005: 85).
AREC – Association des Ressortissants de l’Enclave de Cabinda. Esta última acabaria por não se associar à
frente. A AREC iria mudar de nome passando a denominar-se MLEC – Mouvement de Libération de l´Enclave de
Cabinda. Marcum (1969: 95). Recordamos que a questão de Cabinda não faz parte do nosso estudo.
766
As fontes são aqui contraditórias. Segundo Pélissier e Marcum, Holden regressou a Leopoldville em Dezembro
de 1960, sendo que a cisão do grupo se dá no mesmo mês. Pélissier (1979: 132); Pélissier (1978b: 282-283); Por sua
vez, Mbah propõe o mês de Janeiro como sendo a data de regresso de Holden a Leopoldville. O que significa que a
cisão se deu no mês de Janeiro. Mbah (2005: 87-88); Quanto à PIDE, apresenta duas versões no que respeita à cisão:
a primeira versão data a cisão no dia 24 de Fevereiro de 1961 AN/TT. Proc. Holden Roberto 1159/59, vol.2. Ver
Rocha I (2002: 467-469). Uma segunda Fonte da PIDE considera que a cisão se deu em Janeiro de 1961.
AN/TT.Proc. Viriato da Cruz 1153/51. Ver Rocha II (2002:267).
767
Todavia Barros Nekaka iria permanecer na UPA embora afastado da direcção. Marcum (1969: 98); Pélissier
(1978b: 283). Manuel Barros Nekaka, embora advogasse igualmente a não-violência, não aceitara a destituição do
seu sobrinho. Rocha I (468-469); Mbah (2005: 88).
768
Jean Pierre Mbala, nascido em 1929 ou 1930 na Maquela do Zombo encabeçava a corrente no seio da UPA que
preconizava o afastamento de Holden Roberto e o diálogo directo com as autoridades coloniais. Obrigado a demitirse, Mbala acabaria por ser o arquitecto do MDIA, criado em Janeiro de 1961, mas cujo os estatutos só seriam
publicados em Março do mesmo ano. O MDIA, segundo certos autores, era constituído por Bazombos
(Classificados de sub grupo Bakongo da região da Maquela do Zombo). Marcum (1969: 98 e 139); Pélissier (1978b:
284); Mbah (2005: 81-88); Rocha II (2002: 267).
769
Ver anexos nº 15.
765
178
A partir de então, Holden Roberto podia consolidar a sua posição de liderança no seio
da UPA. Tornava-se, portanto, necessário formalizar de jure a sua liderança. É neste sentido que,
para acabar com a incerteza política no seio da UPA, é constituído um “Comité Central,
Definitivo”, em Março de 1961. Assim, com Holden Roberto oficialmente na presidência da
UPA, conseguira-se pela primeira vez conciliar o capital político a título pessoal com o capital
político delegado. Mesmo que de ponto de vista meramente formal e num curto espaço de tempo.
Figura 4 - Lista dos membros do Comité Central, Definitivo, Eleitos na Assembleia-geral de 11 de
Março de 1961, nos termos do Artº 10 Cap IV – dos Estatutos da União das Populações de Angola
de 1 de Julho de 1960 .
Nome
Origem geográfica Função
John Eduardo Pinock
S. Salvador
Conselheiro Geral do Partido e Presidente Regional em Matadi
Holden Roberto
S. Salvador
Presidente geral e Director Geral da Informação e das Relações Externas
Rosário André da Conceição Malanje
Vice-Presidente Geral
João Baptista
S. Salvador
Secretário-geral
Maurice Ndombele
Maquela do Zombo Secretário-geral adjunto
Aníbal da Silva Melo
Lunda
Director Político
Sebastião Roberto
S. Salvador
Director Político Adjunto
Antoine Villa
Maquela do Zombo Secretário de Direcção das Relações Externas
Francisco Borralho Lulendo S. Salvador
Tesoureiro Geral (Interino)
Luyeye Garcia
Maquela do Zombo Tesoureiro Adjunto
Alexandre Taty
Cabinda
Comissário de Contas
Pierre Nanintela
?
Comissário Adjunto de Contas e Presidente da secção de Ndjili
Francisco Borralho Lulendo S. Salvador
Inspector-geral, e Director do Movimento Feminino
Philippe Kiaku
Maquela do Zombo Inspector-geral, Adjunto e Presidente da secção de Matete
J. Pinock Eduard
S. Salvador
Director Adjunto da Informação e da Imprensa
José Manuel K. Peterson
S. Salvador
Secretário Administrativo
Alphonse Masseko
Maquela do Zombo Secretário Administrativo Adjunto
António Narciso Necaca
S. Salvador
Secretário de Propaganda
A designar
Secretário Adjunto da Propaganda
Simão Andrade Freitas
S. Salvador
Secretário do Movimento Feminino
Eduardo Mankenda Vieira
S. Salvador
Secretário Adjunto do Movimento Feminino
Fonte: Rocha I (2002: 487-489) ou ANTT/Proc. Holden Roberto 1139/59 vol. I;ANTT/Proc.UPA 2126/59
Apesar dos obstáculos impostos pelo Presidente Kasavubu, Holden conseguira retomar
o controlo da UPA. É portanto muito provável que no seio do governo congolês houvesse
correntes próximas das posições políticas preconizadas por Holden Roberto. Significa isto, que
talvez terão pesado aqui, no quadro das afinidades historicamente construídas, seriam as relações
de âmbito pessoal entre Holden e determinados membros do Governo congolês770. Todavia, o
preço a pagar seria o gradual alinhamento da UPA com os interesses americanos e europeus
770
A título de exemplo, Adoula e Holden Roberto jogaram juntos no clube de futebol Daring Club de Leopoldville.
Marcum (1969: 65). O mesmo Marcum (1969: 143) refere que Adoula era, em Março de 1961, ministro do interior.
179
ocidentais. E, assim, muito embora as relações entre o governo do Congo Leopoldville e a
UPA/FNLA mereçam ser entendidas à luz de um espaço de afinidades construído e sedimentado
ao longo de uma secular história, que nem a colonização portuguesa conseguiu interromper,
convém reter que, tendo em conta o contexto da guerra fria, em que se jogam múltiplos
interesses, internacionais e regionais, as relações entre o Congo Leopoldville e os movimentos
nacionalistas angolanos obedeceram sempre a este imperativo categórico: o realismo da política.
2.2.1 A objectivação do capital militar e nova investidura ou a (des) salvadorização
/(des)bakonguização da UPA
Para que o percurso de legitimidade da UPA adquirisse credibilidade política tornava-se
necessário que a mesma fosse objectivada como organização político-militar. Sendo assim,
tornava-se urgente uma acção política pela via das armas. É neste sentido que seria concretizada
a revolta do 15 de Março cuja principal consequência seria obrigar a um envolvimento contínuo
do aparelho militar colonial em Angola. Assim, a UPA podia ser objectivada não apenas como
organização política mas igualmente como organização militar771: “L’idée que la violence armée était
772
la seule alternative pour la liberation de l’Angola ne faisait plus de doute auprés des militants de l’UPA
.
Todavia, um problema subsistia: a maioria dos dirigentes da UPA era oriunda do Norte
de Angola, sobretudo de S. Salvador, o que lhe retirava o carácter de movimento nacional, o que,
por sua vez, limitava a sua capacidade de mobilização e expansão territorial. Foi para ultrapassar
este constrangimento que o então líder da UPA entabulou negociações com jovens universitários
oriundos do sul de Angola773, de entre os quais podemos destacar Jonas Malheiro Savimbi774 e o
médico José João Lihauca775. Ambos serão admitidos na cúpula da UPA. O primeiro como
771
Note-se que praticamente um mês antes o MPLA iniciara, em certa medida, um processo de
apropriação/reivindicação dos acontecimentos do 4 de Fevereiro que se haviam desenrolado em Luanda. Muito
embora questionada a real paternidade da mesma, sendo até objecto de polémica entre políticos e
investigadores o facto é que o “4 de Fevereiro” teve o efeito de dotar o MPLA de um notável capital político.
Por vezes, “em política, o que parece é”. Frase alegadamente atribuída a Oliveira Salazar.
772
Mbah (2005: 273).
Mbah (2005: 88).
774
Jonas Malheiro Savimbi (1934-2002) nasceu a 3 de Agosto de 1934 no Munhango, filho de Loth Malheiro
Savimbi que era chefe de estação no caminho-de-ferro. Liderou a UNITA até à sua morte em combate, em 2002, no
Moxico. Brighland (1988); Guerra (2002). ver pagina” 239, nota 1006.
775
José Liahuca (1929-1974), nascido em Elende Cuma, na Caala perto do Huambo, filho de Paulino Gonga e Ana
Chinganove. Médico, integrou a UPA em 1961. Em 1964 saiu da mesma integrando a UNITA. Acabaria por exercer
a sua profissão de médico em Ponta Negra (Congo Brazzaville) onde viria a falecer. Marcum (1969: 178); Rocha I
(2002: 497).
773
180
secretário-geral, e o segundo como director do Bureau Político. Estava assim constituído um
novo Comité Director mais adequado à realidade sociológica angolana. Tudo indicava que o
período de incerteza chegara ao fim 776.
Figura 5 - Comité Director remodelado, provavelmente em Novembro de 1961
Nome
Origem Geográfica Estudos
Funções
Holden Roberto
S. Salvador
Presidente
Rosário André da Conceição Neto
Malanje
1º Vice-presidente
Alexandre Tati
Cabinda
2º Vice-presidente
Jonas M. Savimbi
Bié
Superior Secretário-geral
Francisco Paca ou Paka
Secretário Administrativo
José João Lihauca
Huambo
Superior Director do Bureau Politico
Pedro Francisco de Almeida Sobrinho Kwanza Norte
Superior Secretário Cultural
João Eduardo Pinock
São Salvador
Secretário Encarregado dos Assuntos Especiais
Francisco Borralho Lulendo
São Salvador
Secretário Encarregado dos Assuntos Sociais
Fonte: (Rocha 2003:497); AN/TT Proc. Holden Roberto 1139/59 vol. 2; AN/TT Proc UPA 2126/59
2.3 Nova crise da UPA e nova delegação política. A constituição da FNLA e do GRAE
Em 1962 a UPA não se furtaria a uma nova crise. Em princípios de Março de 1962
numa “Conferência de Imprensa proferida pelo Chefe do Estado-maior do Exército de Libertação
Nacional de Angola, Marcos Kassanga”777 a UPA e o seu líder máximo Holden Roberto foram
alvo de fortes críticas778.
Kassanga responsabilizava a direcção da UPA pela morte de um oficial do Exército de
Libertação Nacional de Angola de nome João Baptista Traves Pereira779. Holden Roberto era,
776
Sobretudo porque em Agosto de 1961 Cyrille Adoula fora nomeado primeiro-ministro do Congo Leopoldville.
Graças a esta nomeação a UPA voltará a gozar de um grande apoio por parte do governo congolês.
777
Nascido em Vila Artur de Paiva actual Ganguelas em 20 de Março de 1937, estudou no Seminário da Caala,
perto de Nova Lisboa, actual Huambo, estudou também numa escola privada em Sá da Bandeira, actual Lubango,
onde militou numa provável UNATA - União dos Naturais de Angola, foi mobilizado para o exército português em
1957 como oficial miliciano de infantaria (Recrutamento Local). Ingressou na UPA em Fevereiro de 1961. Após a
revolta do 15 de Março Holden ou o bureau executivo converteu, em Junho de 1961 a comissão militar em ELNA –
Exército de Libertação Nacional de Angola, sendo Kassanga Chefe do Estado-maior do ELNA. O mesmo acabaria
por ser afastado da UPA, acusado de alta traição. Marcum (1969: 157).
778
Lara (2006: 264-269).
779
Nascido em Sá da Bandeira a 3 de Fevereiro de 1933, era cabo no exército português. Segundo um autor, era dos
raros Cuanhamas que tinha completado os estudos secundários. Ingressou na UPA em 1961. Quando o ELNA foi
criado, João Baptista assumiu o posto de chefe das operações militares. Todavia, a instituição do ELNA só se
181
por sua vez, também acusado de conduzir uma guerra tribalista em múltiplas vertentes: “ A luta
armada desencadeada no norte de Angola é sob todos os seus aspectos uma verdadeira luta fratricida. Um número
aproximado a 8.000 angolanos foram selvaticamente massacrados pelos elementos tribalistas da UPA,
estupidamente armados e indisciplinados ao extremo. Esse desumano massacre efectuado por angolanos contra
angolanos nasce dum cego tribalismo que se apresenta em quatro aspectos: religioso, linguístico, étnico e
ideológico. Tribalismo religioso, porque todos devem ser protestantes; tribalismo linguístico porque todos devem
falar a língua “kikongo”; tribalismo étnico porque todos devem descender de S. Salvador; tribalismo de ideologia
780
política porque todos devem defender os interesses de Holden e a sua “UPA” falsamente assim denominada”
.
Em resposta, Holden Roberto, em conferência de imprensa, desmentiu a versão da
morte de João Baptista Traves Pereira apresentada por Marcos Kassanga, recordando que: “certos
indivíduos quizeram, sem a menor decência, explorar a morte do comandante Baptista e, assim dividir o povo, no
momento em que havia sido cruelmente atingido pela perda do melhor dos seus filhos”. Holden
recorda: “que o
dito Kassanga (…) havia sido nomeado por decisão do Bureau Executivo da União das Populações de Angola, chefe
do Estado-Maior do Exército de Libertação Nacional de Angola. Tal nomeação foi, por mim mesmo anunciada,
781
durante uma conferência de imprensa, dada a 7 de Junho de 1961, em Leopoldville”
.
Feita a definição da pertença do capital militar, torna-se necessário reforçar o grupo com
um forte princípio de inclusão/exclusão, nomeadamente, com a construção da figura do
herói/mártir em detrimento da figura do traidor: “Foi no decorrer duma das suas operações, exactamente a
6 de Fevereiro, que tombou, no campo de honra, no Bembe, após uma das mais rijas batalhas que tem travado o
nosso Exército na sua luta de libertação nacional contra as forças de repressão portuguesas. A perda do comandante
Babtista foi sentida por todos os angolanos. (…) Cumpre apenas recordar o prestígio e a influência de que o
Comandante Baptista gozava junto dos combatentes. Por tal razão, assim que teve conhecimento da sua morte o
Bureau Executivo da União das Populações de Angola órgão supremo da revolução angolana, o promoveu, «post
782
morten» ao posto de coronel”
.
“ Em todo o caso, o povo de Angola, unido no seio da União das Populações de Angola e, apoiando o Exército de
Libertação Nacional, sua Organização militar prossegue na luta pela independência, sem se preocupar com as
locubrações dum Cassanga, traidor à causa e consciente do mal que faz além de que não representa já senão a sua
própria pessoa, porque demitido das suas funções, pelo Bureau Executivo da União das populações de Angola,
783
órgão Supremo da Revolução Angolana – o mesmo Bureau que o havia nomeado”
.
concretizaria em Agosto de 1962. Marcum (1969: 135). Temos aqui um exemplo de objectivação do capital militar
sem institucionalização.
780
Lara (2006: 267). Ver anexos nº 17.
781
Rocha I (2002: 506). Kassanga aponta para 7 de Julho. Marcum (1969: 157) tem como fonte o Jornal Le Monde
de 9 de Junho de 1961. Estamos inclinados que na comunicação de Kassanga haja uma gralha.
782
Rocha I (2002: 506).
783
Rocha I (2002: 506).
182
A conferência não termina sem um discurso de reforço de objectivação do capital
militar: “O Exército de Libertação Nacional Angolano, organização Militar da União das Populações de Angola –
ao Norte, Centro, Este e Sul – continua, desde 15 de Março de 1961, a travar duros combates, causando perdas, as
784
mais pesadas, às tropas de ocupação”
.
Note-se que esta crise, igualmente ligada a processos de institucionalização do capital
político, é também uma crise de formação de um recente aparelho militar; e como tal de
institucionalização do mesmo. Estamos perante uma disputa entre dois aparelhos recentemente
constituídos – o aparelho militar e o aparelho político – pela condução da guerra. Não é por
acaso que, segundo Kassanga, Holden Roberto: “designou-se Comandante em Chefe, no decurso duma
Conferência de Imprensa que teve lugar no dia 7 de Julho de 1961, em Leopoldville, sem o consentimento das
personalidades que constituíam o Estado-maior do ELNA”
785
. Dessa forma Holden Roberto submetia o
aparelho militar ao aparelho político, o que significa que convertia o capital militar da UPA em
capital pessoal pois reforçava o seu capital político com o posto mais alto da chefia militar. Esta
segunda crise tornava novamente visível a discrepância entre o capital político a título pessoal e
o capital de autoridade do grupo político. O que indiciava uma permanente tensão no seio da
UPA.
2.3.1 A constituição do FNLA/GRAE ou duas novas delegações políticas
As contradições no seio da UPA não impediram que esta protagonizasse um novo
momento de delegação política através da constituição de uma frente comum786. Assim,
juntamente com um pequeno partido angolano, o PDA - Partido Democrático de Angola a UPA
constituí, a 27 de Março de 1962, a FNLA - Frente Nacional de Libertação de Angola787.
784
Rocha I (2002: 506).
Lara (2008: 265). Ver também Marcum (1969: 157). Note-se que a crise acontece num contexto de forte ofensiva
militar por parte do Estado colonial.
786
A questão da frente iria adquirir importância política, sobretudo no que diz respeito ao reconhecimento jurídico
internacional, como veremos mais adiante.
787
O PDA – Partido Democrático de Angola é uma organização política emanada de organizações de solidariedade
de base etno-regional como o Assomizo-Association Mutuelle des Ressortissants de Zombo ou o ALLIAZOAlliance des Ressortissants de Zombo cujos membros são originários da região da Maquela do Zombo, berço do
tocoismo. O que nos remete para o papel desempenhado pelo Tocoismo no surgimento dos movimentos
785
183
Posteriormente, em 5 de Abril do mesmo ano, as duas formações políticas iriam constituir o
GRAE - Governo Revolucionário de Angola no Exílio, presidido por Holden Roberto, que seria
reconhecido de jure pela OUA788. Em Agosto de 1962 é constituído e proclamado o ELNA789 –
Exército de Libertação Nacional de Angola cuja base central se situava em Kinkuzo790. José
Kalundungo791 foi designado como Chefe do Estado-maior do ELNA.
Estes sucessivos actos de investidura marcam, no nosso entender, um momento decisivo
de reforço do capital político da FNLA e, sobretudo, de Holden Roberto792.
nacionalistas no Norte de Angola. O Tocoismo é um movimento religioso e sincrético fundado por Simão Gonçalves
Toco (1918-1984) nascido em Maquela do Zombo, que ao longo dos anos foi assumindo um carácter de
desobediência civil. Lara (1997: 11); Pélissier (1978b: 276-277); Marcum (1969:76-83) e (233-236). Ver igualmente
Paxe (2003) e Fernando em “Angola 40 anos” (s/data).
788
Analisaremos este processo de reconhecimento jurídico à luz da relação entre MPLA e o governo do Congo
Leopoldville.
789
Segundo a FNLA a 26 de Agosto de 1962. http://www.fnla.net/historique/historia_da_fnla.htm;;)
790
A base de Kinkuzo fora cedida pelo governo congolês dirigido pelo então primeiro-ministro Adoula. A aldeia de
Kinkuzo situava-se a 16 Km, sul, de Leopoldville. http://www.fnla.net/historique/historia_da_fnla.htm;;)
791
Originário da região do Bailundo e educado nas missões protestantes. Marcum (1969: 259).
792
Note-se que Holden acaba por ser líder de três organizações políticas: a UPA, a FNLA e o GRAE.
184
Figura 6 - Signatários da Frente Nacional de Libertação de Angola
Nome/UPA
Holden Roberto
Nome/PDA
Emanuel Kounzika
Rosário André da Conceição Neto David Livramento
Alexandre Taty
Dombele Ferdinand
Jonas M. Savimbi
Lubaki Sebastien
José Lihauca
Domingos Vetokele
Jonhy Eduardo
Sanda Martin
Pinock. J. Eduardo
Dontoni Lulukilavo Antoine
Vasco José António
Fernando Pio Amaral Gourgel
Kiatalua Norbert
M’ Vila André
Francisco Paca ou Paka
Kumpesa Simon
Fonte Chilcote: (1972: 105).
Figura 7 - Lista dos membros do GRAE
Nome
Org. política Cargo
Holden Roberto
UPA
Primeiro-ministro
Emanuel Kounzika
PDA
1º Vice - Primeiro-ministro
Cónego Manuel das Neves
UPA
2º Vice - Primeiro-ministro
John Eduardo Pinock
UPA
Ministro do Interior
Jonas Malheiro Savimbi
UPA
Ministro dos Negócios Estrangeiros
Alexandre Taty
UPA
Ministro da Guerra
André Rosário Neto
UPA
Ministro da Informação
Emanuel Ziki
PDA
Ministro das Finanças
Ferdinand Ndombele
PDA
Ministro dos Assuntos Sociais
André M’Vila
PDA
Ministro da Educação
Fernando Pio do Amaral Gourgel UPA
Secretário de Estado da Guerra
Johny Eduardo Pinock
UPA
Secretário de Estado de Negócios Estrangeiros
António Matumona
PDA
Secretário de Estado de N. Estrangeiros Adj.
Domingos Vetokele
PDA
Secretário de Estado da Informação
Ndombele Maurice
UPA
Secretário de Estado das Finanças
Fonte: FNLA http://www.fnla.net/historique/historia_da_fnla.htm; Matos e Afonso 3 (2009: 33)
O nacionalismo da UPA/FNLA é anti-colonial. Porém, o seu modelo de grupo
dominante nunca deixou de se confundir com um sistema simbólico reduzido a determinadas
características: região, etnia ou raça793 e até religião794. Esse modelo, embora seja forjador de
793
Muito embora a UPA preconizasse oficialmente que: “Tout les hommes et les femmes habitant L’Angola quelles
soient leur nationalité, leur race et leur religion auront les mêmes droits et seront respectés dans leurs personnes
comme dans leurs biens ». Doc. UPA, Comité Director (1960 : 16)
185
práticas identificadoras, pode funcionar como um estigma dado o contexto nacionalista e panafricano. Se num dado momento esta dinâmica mobilizadora tem efeitos na consolidação rápida
do grupo, este particularismo, que por sua vez limita a sua expansão territorial, põe em causa a
universalidade tão necessária ao alargamento da mobilização do maior número795. Tal
constrangimento torna-se notório, na utilização de categorias como etnia e região, aquando da
caracterização desta organização político-militar796. Assim, o nacionalismo da UPA/FNLA é
frequentemente percepcionado como uma organização que tem uma ideia de nação alicerçada na
reconstrução do núcleo étnico ou regional em harmonia com as exigências do Estado moderno.
São estas características de tensão permanente entre projecto etno-regional e projecto nacional
que conduzem a que certos autores definam a UPA como um movimento etnonacionalista797.
Com efeito, a mobilização político-militar deste grupo coincidiu com um espaço físico
restringido praticamente ao grupo etnolinguístico Bakongo798. Ora, este espaço, restrito, de
mobilização contribuiu em certa medida para o enfraquecimento dos apoios internos, externos e
da redução do capital militar799. O que limitou, em certa medida, os efeitos da UPA/FNLA no
campo político angolano. Não sendo, por isso, de estranhar o surgimento de sucessivas crises e
dissidências ao longo do seu percurso de legitimidade político-militar.
Com efeito, a FNLA/GRAE estaria a braços com duas novas crises na década de
sessenta (1964 e 1965). A primeira originaria a dissidência de um grupo de militantes que em
1966 iriam criar a UNITA-União Nacional para a Independência Total de Angola. Seria a
794
Daí que quando se trata de fazer o inventário classificatório da UPA/FNLA encontremos expresões como: “grupo
de São Salvador”, “tribalistas”, “racistas”, “protestantes” e “bakongos”.
795
Nomeadamente em relação aos apoios internacionais.
796
E também porque a ideia de nação é percepcionada como fundamento na reconstrução do núcleo reconstrução do
núcleo étnico, em “harmonia” com as exigências do estado moderno.
797
Pélissier (1978b); Heimer (1980: 35-37). Na entrevista que fizemos a um alto dirigente da FNLA esta
classificação é refutada: “ A UPA como qualquer movimento do mundo tem as suas raízes históricas. O facto de
estarem na base da formação da UPA indivíduos ligados à etnia Bakongo, não significa que a UPA fosse,
inicialmente, um movimento regional ou que tivesse por doutrina o etnonacionalismo. Nos primórdios da fundação
apareceram indivíduos de outras etnias: Fernando Pio de Amaral Gourgel- natural do Golungo Alto, Jonas Savimbi e
José Lihauka ambos do sul do país, incluindo eu que sou militante da UPA desde 1958”. Entrevista com Ngola
Kabangu em 08/2001 à data secretário-geral da FNLA. Presentemente o mesmo é Presidente da FNLA.
798
Um membro de uma corrente interna da FNLA não refuta o facto de a FNLA ter sido formada por Bakongos.
Contudo considera o mesmo: “ há sempre um grupo de indivíduos que estiveram na base dessa iniciativa [formação
de uma organização política] e a partir dessa base a pessoa tenta pelo menos conotar o partido com base naquele que
vem na base de iniciativa desse partido. Na realidade, as primeiras figuras que se movimentaram para se poder falar
de libertação no seio da FNLA foram mesmo os bakongos; no seio da UNITA foram os ovimbundos; e no seio do
MPLA foram justamente os brancos, os mulatos e os assimilados, principalmente em torno do Partido Comunista
Angolano. Entrevista concedida por Carlinhos Zassala em 09/2007.
799
O que se devia também ao facto de o aparelho militar colonial ter conseguido limitar as acções da UPA/FNLA.
186
terceira organização político-militar a ser criada e a adquirir gradualmente um lugar de relevo no
espaço nacionalista angolano. Mais uma vez o capital militar seria a chave para a consagração de
uma organização política800. A segunda crise daria origem à dissidência de Alexandre Taty, que
se entregaria às autoridades portuguesas com algumas centenas de guerrilheiros da UPA, a 30 de
Junho de 1965 e que por sua vez estariam na origem das Tropas Especiais (TE)801.
3. O percurso de legitimidade do MPLA. Crise, capital político e questão racial
A génese do MPLA permanece uma questão em aberto e objecto de polémica política e
de controvérsia científica802. De qualquer forma, é o estudo do núcleo urbano angolano que nos
permitirá compreender as condições de emergência desse movimento.
Os elementos iniciais do MPLA são longinquamente descendentes de uma elite
africana, por nós já referenciada, cuja decadência iniciada na segunda metade do século XIX é
acompanhada da emergência, no seu seio, de uma cultura de protesto. Esta cultura é para alguns
dos indivíduos implicados na génese do MPLA, uma referência constituída em herança histórica.
Herança que se traduz na preocupação pela preservação do capital cultural, sobretudo na sua
forma escolar803 e pela constatação do afunilamento das esperanças sociais resultantes de uma
trajectória social intergeracional descendente804.
A historiografia oficial data a fundação do MPLA a 10 Dezembro de 1956, em resultado
da fusão do PLUAA com outros partidos nacionalistas805. Não é nossa intenção discutir aqui a
800
Gomes e Afonso 6 (2009: 45). Para saber mais sobre essas crises ver Marcum (1978).
Mateus (2004:79).
802
A este propósito ver Pacheco (1997); Tali I (2001).
803
As dinâmicas de recomposição social levaram a um estreitamento das oportunidades de ascensão social e a
consequente resistência em torno da manutenção de postos da função pública (integração na fracção subalterna da
pequena burguesia) cujo acesso exigia um certo grau de capital escolar. A esse respeito Mário de Andrade Uma
Entrevista (1997: 135) afirma: ” O grupo que frequentava a casa do meu pai tinha uma conversa sempre à volta
desta promoção social através da burocracia.”
804
Trajectória social ascendente/descendente como referenciámos na primeira parte do nosso trabalho (capítulo II).
Viriato da Cruz, primeiro secretário-geral do MPLA, no seu poema Sô Santo alude a uma tal condição: (...) Sô Santo
teve riqueza/Dono de Musseques e mais Musseques...Lá vai descendo a calçada/que outrora subia” Freudenthal e al.
(1994: 134-135). Aliás muitos actores do MPLA destacaram-se na literatura e no ensaio, como Mário Pinto de
Andrade, Agostinho Neto e Viriato da Cruz. Ver capítulo anterior.
805
Na sua última versão oficial, o MPLA já não faz referência à fundação mas sim, à génese do MPLA que tem
como ponto de partida o “manifesto para um amplo Movimento Popular de Libertação de Angola”, considerado: “o
primeiro marco da História do MPLA. MPLA I (2008: 26-27).
801
187
questão da datação806e da designação precisa das organizações que deram origem ao MPLA807. O
que nos importa salientar é que a sua formação passa pela reconstituição da história de pequenas
organizações políticas que se foram constituindo clandestinamente com o objectivo de se oporem
ao Estado português, colonialista e autoritário. De entre estas, podemos designar algumas para as
quais existe suporte empírico: o MAC - Movimento Anti-Colonial, o PCA, o PLUAA, o MIA,
MINA a FRAIN – Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das Colónias
Portuguesas criada em 1960 em substituição do MAC808.
3.1 A delegação política. A constituição do primeiro Comité director do MPLA
A configuração do MPLA como campo tem, quanto a nós, um momento significativo
aquando da constituição do seu primeiro Comité Director, qual processo decisivo de delegação
política,809e de institucionalização do capital político.
Figura 8 - Primeiro Comité Director do MPLA em Conakry, 1960
Nome
Raça
Mário de Andrade
Viriato da Cruz
Lúcio Lara
Luís de Azevedo
Matias Miguéis
Eduardo M. Santos
Hugo de Menezes
Mestiço
Mestiço
Mestiço
Negro
Negro
Mestiço
Negro
Origem Geográfica
Kwanza N.
Kwanza S.
Huambo
Bengo
Kwanza Sul
Kwanza N.
São Tomé
Estudos
Funções
Superiores
Médios
Superiores
Secundários
Secundários
Superiores
Superiores
Pres. Rel. Ext.
Secretário-geral
Def. e Seg.
Diversas
Diversas
Serviços Sociais
Inf. e Cul.
Fonte: Lara (1997: 364); Tali I (2001: 68)810
806
Uma questão quanto a nós pertinente pelos ganhos heurísticos que comporta é saber porque razão a questão da
datação da fundação do MPLA é objecto de lutas políticas e científicas.
807
Versão contestada pelo historiador Carlos Pacheco (1997) para quem o MPLA teria sido formado no exílio,
aquando da Conferência de Tunes, em 31 de Janeiro de 1960. Para este autor, o grande artífice na criação,
concepção do manifesto, elaboração dos primeiros estatutos, assim como da primeira estrutura provisória do MPLA
foi Viriato da Cruz (1997: 61).
808
Ver capítulo anterior.
809
Muito embora tenhamos plena consciência de outros indícios do processo de delegação política: a existência de
uma sigla, um carimbo, uma sede, um grupo de signatários etc.
810
O critério racial é de Tali.
188
A partir de então torna-se necessário que o MPLA seja (re)conhecido como digno
representante dos angolanos/colonizados, pois: “A simples «corrente» de ideias não se torna num
movimento político senão quando as ideias propostas são reconhecidas no exterior do círculo dos
profissionais”811. É preciso recordar que: “O campo político é pois o lugar de uma concorrência pelos
profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos
812
profanos”
. Muito embora o grupo instituído seja constituído por indivíduos possuidores de
competências que os tornam aptos para o exercício da política (Viriato da Cruz ou Mário de
Andrade813), no sentido de se adaptarem às normas e regras do jogo político, acontece que as
circunstâncias não favorecem uma relação privilegiada entre o MPLA e as “massas”, na medida
em que este não possui os recursos materiais e simbólicos para a acção política. Com efeito, de
nada vale o capital político institucionalizado se não for objectivado como tal814. O MPLA é
assim um sub-campo político fechado pois não consegue mobilizar a população para a sua causa.
Sobretudo, porque as suas redes sociais, que poderiam ser convertidas em capital político se
encontram distantes, nomeadamente da cidade de Luanda e da região dominada pela população
etnolinguística ambunda (ausência de capital etnolinguístico).
Mas, existe um outro constrangimento, de ordem simbólico-ideológica: as
características somáticas de alguns membros do Comité Director (classificados de mestiços ou
brancos) constantemente questionados no que respeita à sua angolanidade e africanidade.
Convém recordar que o arbitrário racial colonial é também recordado/percepcionado
através dos traços fisionómicos dos indivíduos, como vimos no capítulo anterior815. Será este
arbitrário racial, (in)corporado, que será utilizado como recurso político no processo de
desvalorização do capital político do MPLA e que, por sua vez, terá efeitos em tomadas de
posição no seio da própria organização. É neste sentido que podemos tentar compreender as
razões do segundo momento de delegação do capital político, ou seja, os motivos que concorrem
811
Bourdieu (1989: 183).
Bourdieu (1989: 185).
813
Mário Coelho Pinto de Andrade (1928-1990), natural do Golungo Alto, Kwanza Norte. Escritor e ensaísta. O
protótipo do “intelectual emprestado à política”. Foi o primeiro presidente do MPLA, cargo que abdicaria a favor de
Agostinho Neto Em 1963 demitiu-se do MPLA por não concordar com a criação da FDLA. Voltaria a integrar o
movimento em 1964. A sua ruptura definitiva com o MPLA deu-se com a sua adesão em 1974 à denominada
Revolta Activa, grupo dissidente do MPLA. Morreu no exílio em 1990 num hospital de Londres. Ver Andrade
(1997); Andrade e Laban (1997).
814
Torna-se assim um capital truncado.
815
Nomeadamente no que respeita ao exercício da violência física e simbólica.
812
189
para a remodelação do Comité Director, em Maio de 1962, por proposta de Viriato da Cruz. É
um processo que começa a esboçar-se no início de 1961.
3.2 Viriato da Cruz e a remodelação do Comité Director ou um segundo momento de
delegação do capital político
A partir das epístolas de Viriato da Cruz podemos compreender melhor como a questão
racial foi adquirindo relevância política. De tal modo, que obrigou à remodelação do Comité
Director em Maio de 1962.
Pelo conteúdo discursivo de uma carta escrita por Viriato da Cruz, datada de 4 de Março
de 1960, intitulada “Caros Amigos”, dirigida a Lúcio Lara e Amílcar Cabral, podemos inferir
que o mesmo ainda não tinha a percepção da dimensão política da questão racial: “Mas discordo
absolutamente que as considerações de cor e de raça sejam erigidas em princípios da nossa política (mesmo
nacionalista) e do nosso trabalho. Não considero a chamada África negra como reserva rigorosamente só para
negros, e muito menos admito que na luta organizada e popular pela libertação dos nossos países só haja lugar para
negros. (…) Todos os africanos (de todas as cores) provavelmente anti colonialistas são bem vindos nas fileiras da
luta pela liquidação do colonialismo nos nossos países. O mérito da participação nessa luta deve provir das
qualidades de cada africano, considerado individualmente, sem considerações de cor da pele ou de árvore
genealógica. A aplicação rigorosa deste princípio pelo método selectivo é que deverá decidir da composição étnica
das nossas fileiras. (…).
[À margem: Estou em absoluto de acordo que devemos excluir das n/ fileiras todas as tendências rácicas
ou tribais. (…) Há brancos e mestiços cuja «africanidade» é também indiscutível. De acordo em que há que
seleccionar rigorosam/ todos os elementos, atendendo sobretudo à posição anti-col., à participação na luta pela
816
libertação q. cada um assuma]”
.
Em Maio de 1961 é possível vislumbrar, por parte de Viriato da Cruz, uma nova
percepção acerca da questão racial. A postura de inclusão racial começa a ser questionada tendo
em conta o novo contexto da época. Esta nossa constatação é suportada empiricamente por três
epístolas produzidas por Viriato da Cruz e também pelas “Actas de Reuniões do Comité Director
do MPLA” 817. E que, quanto a nós, são um exemplo do pensar a questão racial tendo em conta
as circunstâncias políticas. Torna-se assim possível descortinar o quão a questão racial vai
816
Lara (1997: 280). Ver anexos nº12.
Ver cartas de Viriato da Cruz a José Carlos Horta de 5 de Maio de 1961 e 3 de Setembro de 1961 em Rocha II
(2002: 100-106) e Cartas de Viriato da Cruz a Luís de Almeida, Carlos Rocha e Edmundo Rocha em Lara (2006:
171-173). Ver igualmente a “Actas de Reuniões do Comité Director de 21 de Maio de 1962” em Lara (2006: 362371). Ver também anexos nº 16
817
190
adquirindo importância no campo político angolano. Nomeadamente, no respeitante aos
processos de delegação do capital político.
Viriato apresenta um modelo de análise de influência marxista sobre a questão racial à
luz da relação explorador/explorado, considerando que o fim dos problemas raciais, nacionais e
de classe passam pelo fim da exploração do homem pelo homem: “Quanto ao problema racial dentro
da UGEAN818: o problema racial existe em todos os sectores ligados à luta anti-colonial. Em todos os partidos
africanos, esse problema está presente, com maior ou menor gravidade. É evidente que os conflitos entre
nacionalidades e classes são determinados pelo regime de exploração e de opressão. O apelo à compreensão e à boa
vontade entre indivíduos de raças, nacionalidades ou classes diferentes não resolve o fundo do problema. Só um
longo processo de luta concreta pela liquidação da exploração do homem pelo homem vai acabar por resolver
819
radicalmente o problema racial”
.
Partindo das categorias branco, negro e mestiço, Viriato da Cruz considera que cada
uma dessas categorias corresponde, de ponto de vista de atitude, a uma percepção negativa que
se tem do outro: “Em África, existem conflitos inegáveis e sérios entre as comunidades negra, branca e mestiça.
Não vale a pena iludir o problema (…) A quasi totalidade das gentes da comunidade negra não considera os brancos
como nativos dos países da chamada África Negra. Essa mesma gente considera os mestiços como um produto de
uma coexistência forçada dos brancos e negros. Para a maioria dos negros, os mestiços estão condenados a não
aumentar de número, e a diluir-se ou na comunidade negra ou na comunidade branca Para a maioria dos negros, os
brancos e os mestiços são incapazes de uma fidelidade completa aos interesses dos negros. Daí a desconfiança que
essa maioria nutre em relação aos brancos e aos mestiços. Escusado é dizer que essa interpretação racista dos
problemas nacionais e sociais corresponde, infelizmente, ao nível da consciência política da maioria das populações
negras, mestiças e brancas. Em todas estas comunidades nós encontramos essa óptica racista de analisar os
820
problemas”
.
Viriato considera ainda que, tendo em conta o contexto de competição política, as
classificações assentes em propriedades rácicas/características somáticas desempenham um papel
fundamental nas lutas políticas: “Na luta política, os conflitos raciais costumam ser artificialmente aguçados.
Tem-se notado uma actividade consciente tendente a afastar os negros dos partidos onde há massas mestiças ou
brancas ou dirigentes destas duas etnias821. Muitos líderes negros, desejosos de afastar qualquer concorrência que
822
líderes mestiços e brancos lhes possam fazer, fomentam o racismo entre as massas”
.
818
União Geral dos Estudantes da África Negra sob Domínio Colonial Português; provavelmente, criado entre 1960
e 1961. Rocha (2002: 228-236).
819
Rocha II (2002: 100).
820
Rocha II (2002: 100-101).
821
Viriato converte, aqui categorias raciais em categorias étnicas. Passagem do biológico para o social.
822
Rocha II (2002: 101).
191
Mas Viriato da Cruz considera haver razões que concorrem para o recurso às
classificações assentes em propriedades rácicas/características somáticas nas lutas políticas,
nomeadamente no que concerne aos seus efeitos no campo; o que faz com que adquiram grande
eficácia política. De entre as razões sublinhadas por Viriato da Cruz podemos assinalar aquelas
que nos remetem para uma relação entre a competição política e o arbitrário racial colonial
incorporado: “A ambição de alguns leaders negros angolanos. Estes, para afastar toda a possível competição com
naturais de Angola de outras raças, vêm desenvolvendo silenciosamente, e de maneira sistemática e não raro
inescrupolosa, uma propaganda contra a presença de elementos não negros em organizações nacionalistas angolanas.
A infelizmente falsa compreensão das massas negras sobre a natureza do colonialismo. É certo que a
vulgar identificação, que as massas fazem, do colonialismo com o facto “raça não-negra, constitui terreno fértil para
823
todas as manobras de divisão do povo”
.
Viriato constata os efeitos políticos, negativos que podem ter as características
somáticas incorporadas e visíveis, nos militantes do MPLA. Sobretudo porque podem limitar os
efeitos do MPLA no espaço nacionalista angolano. Assim, o facto haver militantes classificados
de não negros torna o MPLA, politicamente, vulnerável: “O MPLA tem sido acusado, às escondidas e
por vezes abertamente, de ser uma organização em que dominam os não-negros e os intelectuais (subentenda-se,
ainda neste caso, os “mestiços e brancos”, dado que a comunidade negra é, incontestavelmente a maior vítima da
política obscurantista do colonialismo). Evidentemente que isso é falso. Mas as falsidades também produzem os seus
824
efeitos, efeitos muito nocivos. Nós temos sido vítimas dessas falsidades”
.
Como tal, Viriato considera ser necessário uma postura de realismo político no que
concerne aos processos de investidura, de modo a que as características somáticas incorporadas e
visíveis nos militantes do MPLA não ponham em causa o processo de acumulação de um capital
de autoridade e legitimidade do grupo instituído. É neste sentido que, em nome do realismo
político, apela para as “comunidades mestiças e brancas” – subentenda-se, em nome de uma
longa história de exploração e humilhação da comunidade negra – no sentido de se
secundarizarem no processo de luta anti-colonial: “ (…) os não negros só poderão dar uma contribuição
positiva à solução desse problema, se adoptarem uma atitude abnegada, lúcida, superior e plena de bom tacto.825
Convinha, portanto, que os classificados de não negros: “continuassem engajados na luta com toda a
alma, mas também com um espírito de desinteresse em relação à hierarquia das organizações políticas e outras em
823
Lara (2006: 172).
Lara (2006: 172).
825
Carta de Viriato da Cruz a José Carlos Horta datada de 3/9/1961 Rocha (105: 2002).
824
192
relação às questões de representatividade (viagens, delegações, etc.), ao problema dos postos do Estado angolano
826
independente de amanhã, etc.
.
Esta convicção é enfatizada numa carta dirigida a Luís de Almeida, Carlos Rocha e
Edmundo Rocha, em vésperas do Congresso da UGEAN827. Na dita epístola, Viriato da Cruz faz
referência a composição da delegação angolana, nomeadamente no que respeita às características
somáticas dos mesmos, mas, igualmente no respeitante às suas confissões religiosas: ”É meu
parecer que devereis dar uma atenção muito reflectida, inteligente e plena de tacto à escolha dos estudantes que
comporão a delegação de Angola ao Congresso da UGEAN. (…) No caso concreto do próximo congresso da
UGEAN, é meu parecer que a Delegação de estudantes angolanos deveria ser constituída tanto quanto possível por
negros. Considero decisivo – para o consolidamento da autoridade, para afirmação universal da representatividade e
para o alargamento da audiência da futura união de estudantes de Angola – que a delegação angolana ao Congresso
828
constitutivo dessa união seja formada por negros, parte dos quais deve ser de Confissão protestante”
.
Deste modo e partindo de categorias produzidas pelo estado colonial, Viriato da Cruz
propõe uma nova dicotomia: não negros/negros (inserindo nos não negros os brancos e os
mestiços). Esta nova dicotomia é no seu entender a percepção dominante no contexto africano e
angolano. Trata-se de impedir que “identidades” imputadas pelo arbitrário colonial tenham
efeitos políticos. Na medida em que os portadores dessas propriedades raciais podem ser
questionados e estigmatizados por outras forças políticas, sobretudo por aquelas que, por serem
constituídas por indivíduos com características somáticas adequadas à “realidade africana”,
podem imputar uma classificação negativa de modo a poder mobilizar o maior número (das
percepções). Sendo assim, o sacrifício identitário829 seria recompensado a longo prazo com o fim
dos problemas e dos conflitos raciais.
Ao secundarizar o papel político dos mestiços e brancos, Viriato da Cruz procura
impedir a possibilidade de emergência de um capital político construído a partir de uma
característica somática – a cor da pele. Ou, mais precisamente, impedir a reconversão de um
capital sócio-rácico (produzido no quadro da dominação colonial) em capital político. Trata-se
de evitar que a noção de raça se torne o fundamento de uma nova divisão do trabalho político no
826
De que ele dá o exemplo: “ (….) há muito que venho pedindo a minha substituição do posto que ocupo dentro do
n/movimento, In Carta de Viriato da Cruz à José Carlos Horta datada de 21/5/1961. Rocha II (103: 2002).
827
Lara (2006: 173).
828
Lara (2006: 172-173). Sublinhado no original.
829
No sentido de abdicarem de uma “Angolanidade”, em igualdade de circunstâncias, com os negros; ou seja,
assumirem-se como minoria étnica. E, como minoria, terem um papel político “minoritário”.
193
seio do espaço nacionalista angolano e, como tal, tenha um papel estruturante no processo de
configuração do mesmo campo político830.
Viriato apresenta um cenário, político-racial, de constrangimento para a acção política
de modo a tornar inevitável a remodelação do Comité Director:”Não é uma táctica ingénua. É uma
táctica defensiva e não ofensiva. Estou convencido que não faço uma política racista. (...) São concessões que temos
que fazer. (…) “Um Comité Director formado por mulatos não poderá dar palavra de ordem que seja aceite e que
quando se vai para uma entrevista sem a companhia de malta negra as pessoas chateiam se”
831
.
Figura 9 - Comité Director do MPLA saído da remodelação de Maio de 1962 .
Nome
Raça
Estudos
Funções
Mário de Andrade *
Matias Miguéis
Graça da Silva Tavares
João Vieira Lopes
Desidério da Graça
Hugo de Menezes
Luís de Azevedo
José Miguel
João Gonçalves Benedito
R. Domingos da Silva
Deolinda Rodrigues
Georges Manteya de Freitas
José Bernardo Domingos
Mestiço
Negro
Negro
Mestiço
Negro
Negro
Negro
Negro
Superiores
Médios
Superiores
Superiores
Superiores
Superiores
Secundários
Médios
Presidente
Vice-Presidente
1º Secretário
2º Secretário
3º Secretário
Relações Exteriores
Relações Exteriores
Negro
Negra
Médios
Médios
CVAAR
CVAAR
* Pertença simultânea ao conselho de Guerra do Movimento.
Fonte: Lara (2006: 379 e 399) e Tali I (2001: 81); MPLA (2008: 206).
830
Ao contrário da sua anterior percepção e, como tal, da sua anterior postura, acima referenciada, que era
sustentada por uma classificação embora racial mas de inclusão (sem recurso à exclusão), Viriato da Cruz procura,
num contexto iniciático de configuração do campo político angolano, construir “uma realidade política,” que tenha
em conta a "realidade política” (colonial e africana) e assim, impedir os efeitos de uma proposta política que,
embora voluntariosa, limita os efeitos políticos do sub campo político MPLA no mais vasto campo político
angolano. Na medida em que ele considera que o momento histórico não se adequa a uma construção política sem
(re)avaliação e hierarquização raciais. Julgamos que os acontecimentos de 15 de Março de 1961, nomeadamente os
excessos cometidos, terão tido influência na sua nova proposta dicotómica. Quanto à influência da UPA nesta
questão, é exprimida do seguinte modo por Mário de Andrade: “A estratégia da UPA é explorar os pontos dos pretos
casados com as brancas, os mulatos que estão a dirigir por trás”. Lara (2006: 366).
831
Frase atribuída a Viriato da Cruz. Lara (2006: 367). Viriato abdicaria do cargo de Secretário-geral da
organização, não ocupando nenhum lugar no remodelado Comité Director.
194
A remodelação do Comité Director não alterara a correlação de forças entre o MPLA e
a FNLA
832
. O impasse militar permanecia. Muito embora a remodelação tivesse sido aprovada,
não fora consensual. Aliás, um certo mal-estar instalara-se no seio do movimento833. E, nem a
presença de Agostinho Neto em Leopoldville, iria desanuviar o ambiente de tensão que se vivia
no seio do MPLA. Antes pelo contrário, a situação iria agravar-se.
3.3 A chegada de Agostinho Neto ou o homem providencial
Agostinho Neto evadira-se de Portugal a 30 de Junho de 1962 com o auxílio de Partido
Comunista e chegara à Leopoldville, provavelmente, em finais de Julho do mesmo ano834.
Segundo um nacionalista angolano: “a libertação de Agostinho Neto (…) foi um acontecimento
importante para a direcção do MPLA – que tinha, entretanto algumas dificuldades de unidade, de coesão (…) Por
consequência, a vinda de Neto – um homem novo em relação a esta direcção – iria dar um pouco mais de
dinamismo. Foi o que nós pensamos”
835
.
É, em certa medida, como homem providencial que Agostinho Neto profere a sua
conferência de imprensa, em Leopoldville, na qualidade de Presidente de Honra836. No nosso
entender, é um momento decisivo não só de exposição mas igualmente de conversão do capital
de notoriedade em capital político, pois Agostinho Neto expõe publicamente os elementos de
(re)conhecimento
que constituem o seu capital de notoriedade adquirido ao longo da sua
trajectória social e política. São elementos justificadores de competências – não só para o
exercício da política – para a liderança política837:
capital cultural: adesão às associações de estudantes e participação nas reuniões
político-literárias;
capital escolar: formação em medicina e especialização em medicina tropical;
832
A estratégia da frente comum com a FNLA continuava a não dar resultados. Marcum (1969: 299).
Ver Lara (2006: 362-380). Um antigo membro do comité director do MPLA confirma: “Foi uma iniciativa do
Viriato, nem todos alinharam nessa tese, eu pessoalmente mostrei o meu desagrado. Mas a proposta de Viriato de
retirar todos os mestiços da Direcção foi aprovada com fraca maioria. Instalou-se um grande mal-estar”. Entrevista
de João Vieira Lopes, antigo membro do Comité Director, a Rocha (2008: 193).
834
Antunes (1996: 327); Neto (1987: 164).
835
Andrade e Laban (1997: 178): “O que nos remete para a construção da figura do salvador.
836
A conferência é datada de 10 de Agosto de 1962. Lara (2006: 435-439).
837
Lara (2006: 435-437). Tal como o jogador que não necessita de fazer bluff, na medida em que os trunfos que ele
possui lhe garantem a vitória antecipada no provável jogo da institucionalização do capital político.
833
195
capital político adquirido: no MUD; como membro do MAC; participação em
manifestações contra o regime metropolitano; luta clandestina em Angola; prisões e
deportações; resistência às humilhações infligidas pela PIDE838;
capital de reconhecimento e autoridade internacional: solidariedade para com a sua
pessoa por parte de diversos países incluindo a Europa;
Este capital político de notável terá porventura originado um dos primeiros actos de
delegação informal do capital político: a investidura de facto de Agostinho Neto como líder do
Movimento: “Dei o lugar voluntariamente. Considerei sempre que o meu lugar era provisório, que eu era um
presidente interino, porque já no momento em que tínhamos começado a nossa acção política – desde Conacry no
ano de 60 –, Neto era internamente, o homem capaz de reunir organizações que deviam exprimir-se em nome do
MPLA. Ele foi preso alguns meses mais tarde, em 1960. Era portanto natural que, de regresso da prisão, ele
839
retomasse a função que devia ser internamente. Portanto ele retomava a sua função no interior”
.
Todavia, apesar do notável currículo, havia quem não se revisse na figura de Agostinho
Neto e demonstrava-o manifestando o seu desagrado pelo modo como assumira a liderança. João
Vieira Lopes840 considera que na época, a entrega do poder nas mãos do Neto não fora uma
medida correcta: “Correcto não foi, pois se alguns de nós já conheciam o trajecto cultural e político de Agostinho
Neto em Portugal, a grande maioria não o conhecia, nem mesmo Viriato. Neto não só era completamente
desconhecido entre os dirigentes e militantes no Congo mas também não tinha qualquer carisma. O Congo era um
meio completamente estranho para Neto. Por outro lado, os seus métodos, os seus processos de luta eram
841
completamente estranhos ao que se ia passar ali no MPLA e no Congo”
.
3.3.1 O início da crise no MPLA. O tempo da implosão
É num quadro de imobilismo militar que se começa a esboçar, no seio do MPLA, um
cenário de crise. Perante o advir de tal constrangimento, um grupo de jovens quadros do MPLA
838
Aqui no caso, não estamos num processo de conversão, mas sim de remissão para um provável processo de
institucionalização do capital político adquirido fora do aparelho.
839
Andrade (197: 179). Esta construção do líder natural já tinha antecedentes. No Jornal Unidade Angolana de
Dezembro de 1961 era possível ler o seguinte: “bien que président honoraire du MPLA, le Docteur Agostinho Neto,
par la qualité de son oeuvre, para son caractère et son comportement exemplaire de nationaliste combattant et lucide,
doit être placé au-dessus de tous les partis pour être considéré comme le leader incontestable du peuple angolais et le
symbole de l’héroïque résistance de notre peuple aux forces d’oppression et d’humiliation.
840
João Baptista Vieira Lopes (1932-) nascido em Luanda a 8/5/1932, Médico, foi membro do segundo Comité
Director do MPLA. Foi deputado eleito pela AD/coligação nas eleições legislativas de 1992.
841
Rocha (2008: 195).
196
encabeçados por Gentil Viana842, mobilizaram-se em torno da “Ideia força”. Com efeito, Gentil
Viana apresentara uma proposta do “Plano de Acção do MPLA denominado “Ideia força” datada
de 24 de Outubro de 1962843. Neste documento, muito crítico no que respeita à condução da
guerra por parte da direcção do MPLA, Viana considerava que: ”A crise actual é mais uma crise de
vontade, de alma revolucionária do que uma crise por falta de organismos devidamente eleitos ou nomeados”. O
mesmo defendia a necessidade de se criarem as condições no sentido de: “Entrar em Angola com os líderes à cabeça
– na arrancada inicial dum movimento revolucionário, a posição dos líderes não é na rectaguarda, como acontece
com os generais de escola, no exército regular em detrimento dos chefes que se mantinham na retaguarda”.
Considerava o mesmo que: “Na fase difícil que atravessamos – fase de desconfiança e intolerância entre os
responsáveis directos pela condução da luta, só uma acção iniciada pelos militantes pode assegurar a formação do
«grupo ligado por uma só uma ideia força» e evitar exclusivos injustos, lançados contra qualquer dos camaradas que
até aqui comandaram a nossa acção nacionalista. É preciso evitar que as dissenções entre os dirigentes do
Movimento se radicalizem entre a massa dos militantes”
844
.
Todavia apesar do voluntarismo do “grupo ideia força”, a crise entrara num processo
irreversível, tornara-se um facto consumado. Facto este perfeitamente constatável nas sucessivas
tomadas de posição de determinados dirigentes e militantes do MPLA, nos meses que
antecederam a Conferência Nacional do MPLA que se ia realizar em Dezembro de 1962. Destas
tomadas de posição podemos assinalar as seguintes:
•
a “Carta de Viriato da Cruz ao MPLA”datada de 31 de Outubro de 1962, em
que o mesmo apresenta as razões do seu afastamento do Congo Leopoldville
tecendo fortes críticas a alguns membros de MPLA, de entre os quais
Agostinho Neto e Mário de Andrade. Considera o mesmo que: “O MPLA está
nas mãos de liquidacionistas”845;
•
a carta de demissão de Edmundo Rocha apresentada ao MPLA, datada de 31
de Outubro de 1962 onde constam as razões da sua tomada de posição: “a
842
Gentil Ferreira Viana, (1935-2008) nasceu em Luanda a 13 de Novembro de 1935, estudou em Portugal onde se
licenciou em Direito. Ingressou no MPLA em 1961. Em 1963 demitiu-se do MPLA e foi viver para a China. Voltou
a integrar o MPLA em 1971. Foi o principal arquitecto da denominada “Revolta Activa”, movimento de contestação
à liderança de Agostinho Neto. Foi preso em 1976, sem julgamento e solto em 1978. Viveu exilado em Portugal
onde exerceu advocacia, faleceu em 2008. Para saber mais, ver entrevista de Adolfo Maria em Pimenta (2006); ver
igualmente o texto redigido por Adolfo Maria em homenagem a Gentil Viana, difundido por via elctrónica.
843
Lara (2006: 474-477).
844
Lara (2006: 474). Ver igualmente Reis e Reis (1996). Este grupo acabaria por apoiar Agostinho Neto, na
Conferência Nacional. Entrevista concedida por Gentil Viana em 08/1982 a Maria do Céu Carmo Reis. Ver
igualmente Reis e Reis (1996).
845
Lara (2006: 477-482).
197
gravidade de uma crise que grassa entre os principais dirigentes do MPLA” e
a solidariedade para, provavelmente, com Viriato da Cruz que havia
anunciado a sua partida do Congo Leopoldville846;
•
a Carta aberta de Viriato da Cruz aos militantes do MPLA e do EPLA, datada
de 15 de Novembro de 1962 em que o signatário denuncia a teoria da
inevitabilidade do neocolonialismo defendida por certos militantes, as
manobras caluniosas e policiais de militantes recentes, com o fim de impor ao
movimento uma direcção cujo núcleo é constituído por um grupo de pessoas
que criaram relações íntimas no tempo em que eram estudantes em Portugal.
O mesmo apela para realização de “um Congresso ou uma Conferência
Nacional”847;
•
a carta de demissão de Matias Migueis de membro do Comité Director,
datada de 28 de Novembro de 1962: “Minha contribuição, no quadro da
direcção do MPLA, tem sido nula. Não responde às exigências da hora grave
que vive o nosso país. Sinto-me eu próprio”848;
•
o Comunicado do Comité Director do MPLA, datado de 28 de Novembro de
1962, em resposta a carta de Viriato da Cruz de 15 de Novembro. No mesmo,
consta a acusação ao primeiro secretário-geral do MPLA e outros militantes
de terem divulgado a carta de Viriato. Considera-se, no mesmo comunicado,
que o documento de Viriato da Cruz: “Traduz-se por uma actividade
fraccional no seio do Movimento”. Na mesma consta também um aviso aos
militantes do MPLA: “para os perigos em que se incorre ao conduzir a discussão dos
problemas do MPLA fora dos organismos legalmente constituídos» e proíbe a circulação de
849
documentos que destruam o espírito unitário da Conferência nacional”
•
;
a carta circular de Graça Tavares, primeiro secretário-geral do MPLA, datada
de 28 de Novembro de 1962, em resposta ao comunicado do MPLA
difundido na mesma data. Na mesma consta que: “Pouco depois da chegada do Dr
846
Lara (2006: 482-483). Pensamos que a carta de Rocha se refere à carta com igual data de Viriato da Cruz. Porém,
na carta de Viriato não consta nenhuma apresentação de demissão, mas apenas a sua saída do Congo Leopoldville.
Todavia, na carta de Viriato consta uma alusão a uma carta elaborada anteriormente a mesma. Provavelmente nesta
carta terá pedido a sua demissão. Porem, a dúvida subsiste.
847
Lara (2006: 491-492).
848
Lara (2006. 501).
849
Lara (2006: 501).
198
Agostinho Neto, “Presidente de Honra do MPLA”, nasceu uma crise profunda de ordem
política entre os (dirigentes) principais responsáveis pelos destinos do MPLA, crise essa hoje
do domínio público, mas cujas razões fundamentais houve sempre o cuidado de as guardar
num círculo restrito”.
O signatário manifesta a sua solidariedade com Viriato da
Cruz850;
São tomadas de posição por parte de militantes e dirigentes que contribuem para que
este sub campo adquira uma configuração bipolar, um espaço de relações de forças corporizado
em dois grupos: o denominado “grupo Viriato” e o denominado “grupo Neto”851. Assim, muito
embora a crise não tivesse ainda atingido o estado de ruptura explosiva, entrara-se
definitivamente num processo de concorrência, isto é, de luta política, pelo controlo da direcção
do MPLA cujo primeiro momento decisivo iria ter um tempo e um lugar: a Conferência Nacional
do MPLA de Dezembro de 1962.
3.4 A investidura de Agostinho Neto e o agravamento da crise
Viriato da Cruz apresentava um capital de autoridade política materializado no
reconhecimento de uma competência conferida pelo cargo de Secretário-geral do MPLA e pela
produção ideológica (fora ele o autor do manifesto e, como tal, o autor da génese do grupo)852.
Todavia, estes atributos não foram suficientes para impedir que Agostinho Neto assumisse o
posto de Presidente do Movimento.
Com efeito, o capital de notoriedade de Agostinho Neto era reforçado por um capital de
reconhecimento social – incorporado e adquirido – perceptível pela maioria dos militantes do
MPLA. Nomeadamente, no que respeita às afinidades académicas, religiosas e etnolinguísticas:
“Na realidade, Neto beneficiou também de uma conjunção que lhe era favorável no seio do MPLA. Por um lado,
predominavam no movimento dirigentes estudantis, antigos estudantes em Portugal como o próprio Neto, assim
como jovens de origem (ki)mbundo. Acrescenta-se, por outro lado, a predominância de dirigentes de filiação
protestante. Estes tiveram um papel fundamental no desenrolar dos trabalhos da I Conferência Nacional do MPLA,
850
Lara (2006: 505).
Eufemismo de identificação, dos dois grupos rivais, na medida em que cada um deles era corporizado por
Agostinho Neto e Viriato da Cruz.
852
“Viriato tinha muito prestígio, não só junto da juventude, mas de todos nós. Era ele quem orientava tudo, mesmo
quando deixou de ser Secretário-geral. (…) Viriato era alguém profundamente dedicado aos problemas da luta
nacionalista. (…) Todo aquele trabalho de organização do MPLA, desde Conacry até Leopoldville, foi obra de
Viriato. Entrevista de João Vieira Lopes a Rocha (2008: 195-196).
851
199
853
em Dezembro de 1962”
. Evento político que iria assinalar um novo acto de investidura que, por
sua vez, iria consagrar a conversão do capital de notoriedade acumulado por Agostinho Neto em
capital político institucionalizado no posto de presidente do MPLA.
De ponto de vista político-institucional, e no que se refere aos postos garantidores do
controlo da direcção política do movimento, o desfecho foi o seguinte: i) extinção do posto de
Secretário-geral da organização e o afastamento de Viriato da Cruz da direcção política; ii)
consagração de Agostinho Neto como Presidente do MPLA.
De ponto de vista político-ideológico, é postulado o papel de comando do político e
reconhecida a necessidade de militarização do MPLA como organização854. O que corresponde,
quanto a nós, à criação do Comité-Político Militar, processo de institucionalização do capital
político-militar do grupo855. Este órgão torna-se o principal condutor da guerra de libertação.
Obviamente, com Neto à cabeça.
Mas a Conferência assinalava, igualmente, o início de uma nova postura perante a
questão racial no MPLA: “Neto havia posto em causa a teoria do recuo táctico dos mestiços e brancos dos
856
órgãos de direcção, defendida por Viriato da Cruz e pelo médico Eduardo dos Santos
. E, segundo João
Vieira Lopes: “os argumentos de Neto eram muito fortes, sobretudo no que respeita aos mestiços, fazendo com
857
que todos os mestiços alinhassem com Neto”
.
Figura 10 - Comité Director do MPLA saído da “Conferência Nacional” em Dezembro de
1962
Nome
Agostinho Neto**
Matias Miguéis**
R. D. da Silva
Manuel Lima**
853
Raça
Negro
Negro
Negro
Negro
Estudos
Superiores
Médios
Médios
Superiores
Funções
Presidente
1º Vice-Presidente
2º Vice-Presidente
Chefe Dep. da Guerra
Tali I (2001: 82).
Generalização de uma disciplina militar a todos os escalas dos organismos do MPLA, de acordo com o
estabelecimento de uma síntese entre o político e o militar. Doc. MPLA. Conferência Nacional (1962: 25).
855
Este processo tinha tido um momento decisivo com a criação do EPLA – Exército Popular de Libertação de
Angola, em meados de 1962. Ver “Lei da disciplina do EPLA” em Lara (2006:231). Muito embora em MPLA I
(2008:219) conste que: “Na I conferência Nacional do MPLA nasceu oficialmente o Exército Popular de Libertação
de Angola”.
856
Tali I (2001: 82).
857
Rocha (2008: 198).
854
200
Mário de Andrade ** Mestiço Superiores Chefe Dep. Rel. Ext.
Lúcio Lara**
Mestiço Superiores Chefe Dep. Org. e Quad.
Aníbal de Melo
Mestiço Médios
Chefe Dep. Informação
Deolinda Rodrigues Negra Médios
Chefe Dep. Ass. Sociais
Desidério da Graça** Negro Superiores Chefe Dep. Finanças
Henrique Carreira
Mestiço Superiores Chefe Dep. Segurança
** Membros de direito do Comité Político-Militar formado em resultado da Conferência
Fonte: Tali I (2001: 81) e Lara (2006: 531).
Figura 11 - Comité Político-Militar do MPLA saído da Conferência Nacional em Dezembro
de 1962
Nome
Raça
Estudos
Agostinho Neto
Matias Miguéis
Manuel Lima
Mário de Andrade
Lúcio Lara
Desidério da Graça
Negro
Negro
Negro
Mestiço
Mestiço
Negro
Superiores
Médios
Superiores
Superiores
Superiores
Superiores
Funções no Comité Director
Presidente
1º Vice-Presidente
Chefe Dep. da Guerra
Chefe Dep. Rel. Ext.
Chefe Dep. Org. e Quad.
Chefe Dep. Finanças
Fonte: Lara (2006: 525) e Tali I (2001: 81).
Todavia, se de ponto de vista político-institucional o MPLA conseguira legitimar
através da eleição a nova liderança e clarificar a política a seguir definindo o MPLA como
“movimento de massas, revolucionário” e confirmando a recusa do reformismo colonial858, a
realidade é que o MPLA não tinha posto fim à crise, antes pelo contrário, a luta política no seio
do movimento iria entrar numa fase de confronto aberto e de ruptura definitiva entre Viriato da
Cruz e Agostinho Neto. E, não é demais enfatizar, sempre com este pano de fundo: o imobilismo
militar. Com efeito, um relatório ultra-secreto dos departamentos de Guerra e Segurança,
divulgado provavelmente imediatamente a seguir à Conferência Nacional, confirmava um
quadro negativo da realidade político-militar. Considerava o mesmo relatório que o MPLA não
controlava nenhuma parcela de Angola, sendo que a mobilização política era nula. “As forças
inimigas limparam todo o norte de Angola”; o MPLA não possuía nem armas e nem uma base
militar no Congo. O que impedia a possibilidade de instalação de “maquis” organizados em
858
Lara (2006: 515-525).
201
Angola. No mesmo documento constava que: “A propaganda e a informação não correspondiam ao estado
actual da luta, nem penetravam suficientemente no território nacional”.
O relatório sublinhava que: “a
propaganda inconsciente e inconsequente da UPA mantém as populações do norte sob o erro e o obscurantismo, sem
consciência nacional nem espírito revolucionário. A participação dos mestiços continua a sofrer a incompreensão
dirigida pela UPA e pressão de elementos racistas da massa populacional angolana”859. Significa
que: “Quaisquer
que sejam as interpretações que dela façam, os principais autores concordam em dizer que a crise no interior do
860
MPLA, fortemente agravada pelo meio congolês onde se desenvolve, é sobredeterminada pela questão da UPA”
.
O que nos remete, no respeitante à nossa abordagem, para o papel desempenhado pela
UPA/FNLA para o governo do Congo Leopoldville, no respeitante ao agravamento da crise no
MPLA. Julgamos, assim, ser o momento apropriado, antes de prosseguirmos a abordagem da
evolução da crise no MPLA, de apresentar uma breve caracterização das relações entre o MPLA
e a UPA-FNLA, e das relações que governo do Congo Leopoldville estabeleceu com o MPLA.
3.4.1 As relações MPLA/ FNLA
As relações entre as duas organizações político-militares foram fundamentalmente de
conflito/competição. Não obstante a questão da frente comum ter estado sempre na ordem do dia,
sobretudo para o MPLA. O que se deve, em certa medida, ao estado de relações de força entre as
duas organizações: “Quanto à questão da aliança com a FNLA, ela está na ordem do dia para todos no MPLA. A
procura de uma unidade de acção com a UPA (e mais tarde com a FNLA) constitui desde sempre uma linha de força
política do MPLA e vai sê-lo ainda mais com a perspectiva de uma selecção pela OUA dos movimentos que poderão
861
vir a receber ajuda”
859
.
Doc. MPLA (1962). “Ultra-secreto: Para a consecução das directrizes traçadas pela Conferência Nacional, depois
de analisada a realidade angolana – sob os aspectos militar e político -, estudadas as possibilidades do MPLA e as
necessidades revolucionárias de luta pela independência, os Departamentos da Guerra e Segurança elaboraram um
plano de estruturação dos meios disponíveis, plano que põem à apreciação do Comité Político-Militar”. (s/l)
Dezembro, Mimeo arquivo pessoal. Muito embora a datação do documento seja posterior à realização da
Conferência, julgamos que a sua elaboração tenha sido anterior à Conferência. Como tal, o seu conteúdo abarca
provavelmente o período compreendido entre os meses de Outubro e Dezembro.
860
Laban e Messiant (2003: 241).
861
Laban e Messiant (2003: 243-244). Messiant prossegue: “Considerando as pressões mais ou menos amigáveis
(dos argelinos por exemplo) para que as duas organizações se unissem, e os numerosos obstáculos colocados pela
UPA ao desenvolvimento do MPLA, todo o empenho do Movimento (enquanto àUPA estava numa posição de
força) era em levar Holden Roberto a uma aliança ou, pelo menos, a uma unidade de acção. Esta necessidade, numa
altura em que o MPLA estava em crise, tornou-se ainda mais urgente com, por um lado, a formação da FNLA (que
entre outros objectivos visava a evitar que Holden Roberto tivesse que se unir ao MPLA) e, por outro, o envio pela
OUA de uma missão de conciliação entre as duas organizações. (…) Mas não há hipótese de que essa posição
chegue a abalar a vontade hegemónica de Roberto e a sua recusa de qualquer tipo de associação. A política de
unidade do MPLA está portanto condenada”. Idem. É também possível que os Estados Unidos tenham contribuído
202
Em Setembro de 1961, o MPLA transfere a sua direcção para Leopoldville, com o
objectivo de utilizar esse país como rectaguarda político-militar, mas depara-se com um espaço
monopolizado, política e militarmente, pela UPA. Não são portanto de estranhar as infrutíferas
alianças entre as duas organizações nacionalistas, preconizadas desde a Conferência Pan-africana
de Tunes, em Janeiro de 1960862. Este impasse político-militar levou a que um autor
considerasse, na época, o MPLA como um “grupo de quadros à procura de tropas”863.
Quanto à relação de competição/conflito entre as duas forças político-militares, é
perfeitamente perceptível tanto no plano do confronto militar como no plano discursivo.
No plano militar, os confrontos demonstram um estado de relações de forças favorável à
UPA/FNLA em detrimento dos meios do MPLA. Assim, todas as tentativas do MPLA de
conseguir penetrar no interior de Angola através da fronteira congolesa eram barradas pelas
forças militares da UPA/FNLA864.
Mas não é só no confronto militar que se desenrola a luta pela hegemonia do espaço
nacionalista angolano. Esta luta entre os dois beligerantes é também notória na produção de
discursos.
No intuito de se legitimarem perante as massas ou perante as instâncias de
reconhecimento internacional, as duas forças político-militares produzem discursos, que nos
remetem para a acumulação de um capital político de autoridade, em torno da
fundação/anterioridade e da desvalorização do outro através da classificação/estigmatização.
para a agudização do antagonismo entre as duas organizações. Com efeito segundo Guerra (1994: 151) O Estados
Unidos condicionavam a ajuda a UPA, através do Comité Norte-americano para África, na condição de que a UPA
não se unisse com as forças do MPLA.
862
Segundo a versão do MPLA: em Outubro de 1960 constituiu-se uma efémera Frente Comum dos Partidos
Políticos de Angola (FCPPA) englobando o MPLA, a UPA e o PDA; em Maio de 1961 foi feita, mais, uma
tentativa de unificação das forças nacionalistas, mas a UPA não aderiu, tendo sido elaborado um projecto de acordo
para a constituição da Frente de Libertação de Angola apenas entre o MPLA, ALIAZOe o AREC. A 5 de Dezembro
de 1961, foi crida uma organização comum de juventude entre as duas organizações, o RDJA (Reunião Democrática
da Juventude Angolana), de curta duração devido à oposição da direcção da UPA. Em 6 Junho de 1962, por
proposta de Nkrumah, a UPA o PDA e o MPLA assinaram em conjunto com o presidente Ganês a “Formação de
uma Aliança Militar e Criação dum Comando Unificado”. A propósito das tentativas de unificação entre as duas
principais forças nacionalistas ver Lara (2006); Jornal Vitória ou Morte (1968); Rocha II (2002).
863
Pélissier (1969: 1209). Não subscrevermos inteiramente a afirmação do autor, pois a informação consultada sobre
o MPLA permite deduzir a existência de uma política de recrutamentos com vista à luta de guerrilhas; política
contudo, de efeito mínimo devido aos obstáculos impostos pelo governo do Congo Leopoldville: ausência de apoio
logístico necessário (instauração de bases militares, livre circulação de homens e armas, etc.).
864
Em Novembro de 1961 um comunicado do MPLA acusa a UPA de ter abatido uma coluna do MPLA constituída
por cerca de 20 elementos que tentavam penetrar na região dos Dembos. Lara (2006: 201-202). A 28 de Abril de
1963, perto do rio Loge, uma coluna militar do MPLA é interceptada pelas forças militares da FNLA tendo sido
abatidos cerca de uma dezena de militares do MPLA, e alguns militares da FNLA. Lara (2008: 149).
203
A questão da fundação/anterioridade torna-se, tendo em conta o contexto, um trunfo
político extremamente importante na luta pela hegemonia no/do campo nacionalista angolano na
medida em que a dimensão do reconhecimento simbólico de cada uma das organizações pode
variar em função do seu maior ou menor grau de anterioridade. É assim que as duas organizações
utilizarão, na sua relação de conflito/competição, o argumento da anterioridade como forma de
luta pela legitimação perante o outro, que é também uma forma de luta pelo monopólio do
reconhecimento pelos outros.
Na sua versão oficial, o MPLA proclamava ser a emanação de um agrupamento de
forças nacionalistas que lutavam no interior do país pela independência de Angola e que tivera
como acto constitutivo o manifesto de Dezembro de 1956. Quanto à versão da FNLA, numa
exposição à Comissão dos Bons Ofícios da OUA, Holden Roberto afirmara que a UPA tinha sido
fundada em 10 de Julho de 1954865, contradizendo assim a versão anterior e oficial da FNLA,
segundo a qual: “Em 1954 criou-se clandestinamente no seio dos angolanos dos distritos setentrionais e dos
exilados no Congo (Leopoldville), a União das Populações da Angola do Norte, que se iria tornar na UPA em
866
1958”
.
Esta luta pela anterioridade entre os dois movimentos é por conseguinte uma luta pelo
espaço da história porque, num contexto de luta pela independência, se torna imperativo reforçar
a criação de um modelo de unidade que se antecipe à constituição de uma lei comum. A
fundação adquire assim um papel fundamental aquando da institucionalização de um aparelho
gerador e criador de identidade, acrescido de um substrato político e ideológico, que poderemos
definir como nacionalismo, cujo discurso pretende matizar uma identidade nacional867.
Um outro argumento recorrente na retórica utilizada diz respeito, como afirmámos mais
acima, às formas de classificação/estigmatização de que se servem as duas organizações políticas
para cada uma definir, assim, uma identidade – negativa – a outra.
865
Documento FNLA (1963). Arquivo pessoal.
Documento FNLA (1962). Arquivo pessoal.
867
Mas a fundação efectiva-se igualmente no espaço do mito, pois estamos perante um acontecimento – a luta de
libertação nacional - que se apresenta como extraordinário. Nesta medida é possível, na luta de verdades pela
verdade da luta, em determinadas circunstâncias a fusão entre o espaço da história e o espaço do mito. A primazia da
anterioridade reforça a legitimidade “como distintivo da autoridade”
866
204
No caso da FNLA, muito embora Holden Roberto (ainda na qualidade de líder da UPA)
em 1961 considerasse que: “não há questões raciais”868, a questão dos mestiços e assimilados
serviu, com maior ou menor subtileza, para limitar os efeitos do MPLA no campo869: “A
intolerância política-partidária atingia o rubro, com a manifestação de divergências profundas entre mim e Mário
Pinto de Andrade. (…) A questão racial voltou a baila, levantada por nós, devido a supremacia e quase
exclusividade de mestiços no seu seio; com o MPLA a ripostar acusando-nos de pretender o genocídio dos
870
mestiços”
.
A 12 Abril, de 1962 em Leopoldville, Emmanuel Kunzika871 o 1º vice-presidente do
PDA, vice-presidente da FNLA e 1º vice-ministro do GRAE, afirmava o seguinte sobre a
definição de quem é angolano e referindo-se aos “mulatos”: “São angolanos (...) e porque não? Mas com
a condição que estes últimos não façam o jogo do morcego declarando-se, por um lado angolanos autênticos, e por
outro, instrumentos dóceis nas mãos dos seus pais, para melhor subjugarem o povo angolano. Não são aliás, os
únicos susceptíveis de agirem assim. Pretos existem, também, que parecem servir os interesses do povo, quando,
872
afinal se não ocupam senão dos seus próprios interesses”
.
Aqui no caso, estamos perante um princípio
de classificação/estigmatização em que o princípio de exclusão não é tão evidente, (na medida
em que o “porque não” abre a possibilidade de os classificados de mestiços serem angolanos e
haver “pretos que parecem servir os seus interesses”). O discurso de estigmatização/exclusão é
mais explícito no Boletim nº1 Uhuru Angola da FNLA de Novembro de 1962, onde se considera
que: “a principal causa da fraqueza do MPLA deve-se ao estatuto privilegiado dos mestiços e dos assimilados
concedido pelos colonialistas (instrução, isenção do trabalho forçado, acesso oficial à propriedade e profissões
liberais, direitos cívicos, nível de vida superior à massa camponesa explorada)”.
É ainda afirmado que esse
868
“Entre nós não há questões raciais – eu acentuo isso expressamente – nem tão pouco questões ou diferenças de
religião. Todo aquele que deseje a liberdade de Angola e uma Angola africana é bem-vindo entre nós”. Entrevista ao
“Deutshte de Munique 17 de Maio de 1961. AN/TT, PIDE/DGS, Proc. Holden Roberto 1139/59-s-12 1º vol.
869 Segundo Carlinhos Zassala: “No início a UPA/FNLA tinha uma certa hostilidade em relação ao homem branco,
em relação ao mestiço, em relação ao assimilado, pelo facto de existir essa divisão durante a colonização”. Contudo
o mesmo acrescenta: “(…) a partir do momento que os líderes começaram, pelo menos a politizar, a aparecer a
ideologia correcta da luta: (“Nós não estamos a lutar contra os portugueses, mas estamos a lutar contra o
colonialismo português”). Foi naquele momento que as pessoas começaram a corrigir. Mas no início foi mesmo uma
grande confusão”. Entrevista com Carlinhos Zassala em 09/2007.
870
Holden Roberto em Nganga (2008: 133).
871
Emannuel Kunzika (1925-) nasceu em 14 de Junho de 1925 na aldeia de Kintoto perto da Maquela do Zombo.
Este filho de plantadores de café emigrou com os seus país para o Congo Leopolville com a idade de 11 anos.
Estudou na Escola do Exército de Salvação em Leopoldville. Prosseguiu os seus estudos no Ateneu Real e no
Colégio Alberto I. Este profundo admirador de Simão Toko assegurou um lugar administrativo numa empresa
comercial local. Continuou os seus estudos no Institut d'Études Politiques, tendo igualmente tirado um curso por
correspondência na École de Science et Arts de Paris. Foi um dos criadores do ALLIAZO e do PDA. Marcum
(1969: 88).
872
Doc. FNLA/1962) Arquivo pessoal. A comunicação de Kunzika exemplifica um momento de apropriação pelo
campo político angolano de um sistema de classificação racial produzido pelo Estado colonial. Ver anexos nº 18.
205
“estatuto criou um fosso social e psicológico entre os mestiços e assimilados e a massa
camponesa explorada”873.
Quanto ao MPLA, todo o seu discurso de estigmatização será direccionado tanto para a
UPA como para o seu líder Holden Roberto874. Assim, as classificações gravitarão em torno do
carácter racista, tribalista e não nacional da UPA/FNLA, com alusões a “traição nacional”875:
“Está provado que o presidente da UPA vê nos 30000 mestiços angolanos os seus principais inimigos e vê nos
300000 portugueses de Angola (que monopolizam efectivamente em suas mãos, o poder político, militar, económico
e cultural da colónia) elementos com que ele pode chegar a um compromisso para liquidar aquele “principal perigo”.
É claro o carácter frágil e suspeitoso do patriotismo do presidente da UPA. É evidente que não tendo hesitado em
proclamar uma política com base racial, o presidente da UPA arrasta o seu partido para uma política de genocídio
contra um grupo racial angolano, política que acabaria por desprestigiar totalmente a UPA e por prejudicar o
876
nacionalismo angolano”
.
No comunicado datado de Março de 1962, o Comité Director do MPLA produz um
discurso de estigmatização da UPA através da desvalorização do seu líder relacionando a (in)
competência política à ausência de capital cultural de Holden Roberto: “Sabendo haver em Angola,
africanos com mais carácter, instrução e capacidade do que ele, inspirou e incitou a liquidação física de negros
877
assimilados instruídos”
.
O discurso prossegue de modo a reduzir a UPA ao local, ao residual, ao fragmentário e
ao alógeno; atributos, esses, corporizados no seu líder Holden Roberto: “para conquistar o apoio dos
dirigentes do movimento protestante mundial, procurou dividir os angolanos por razões de crença religiosa e
ordenou medidas para impor a religião protestante nas regiões de Angola onde actuavam africanos enganados por
ele”. Ele fomentava uma política de hegemonia dos povos do distrito do Congo sobre as outras regiões de
Angola”
878
. Porque conhece mal a língua portuguesa, Holden Roberto, falho de senso das realidades, desenvolveu
879
uma campanha para impor a língua francesa na Angola independente”
.
A constituição da FNLA/GRAE e o seu provável reconhecimento internacional
direccionou o discurso de estigmatização não apenas ao líder, mas ao novo grupo instituído.
873
UHURU (Boletim da FNLA/1962) arquivo pessoal. O sublinhado é nosso. No número seguinte podemos
encontrar as seguintes considerações: ”[Agostinho] Neto speaks of “clas” and we very much agree, for the mestiçassimilado group, in our humble opinion,constitutes the prototypes of what will be an Angola national bourgeoisie if
the revolution we want should fail (Marcum1978: 336) citando a revistaUhuru-Angola, nº 2 de Março de 1963.
874
O que confirma a nossa percepção de que capital político da UPA/FNLA está corporizado em Holden Roberto.
Denegar o líder é denegar o grupo.
875
“O MPLA na ONU”, Fevereiro de 1962 em Lara (2006: 257-264).
876
Lara (2006: 263).
877
“Comunicado do Comité Director do MPLA” datado de 26 de Março de 1962, em Lara (2006: 281-284).
878
Lara (2006: 282).
879
Lara (2006: 282).
206
Talvez porque, quando se trata do reconhecimento jurídico internacional, todo o capital político é
atribuído ao grupo instituído: “A UPA e o PDA, e por conseguinte a FNLA, são organizações de carácter
tribal e regional que não possuem nem estruturas sólidas nem um programa susceptível de lhes assegurar o apoio das
880
massas angolanas”
.
Podemos considerar que na luta de classificações entre as duas formações políticomilitares, as estratégias de classificação/estigmatização assentam num lógica de atribuição
identitária, que pode ser sintetizada desta maneira881:
Figura 12 - Classificação através da Estigmatização
MPLA FNLA
FNLA
Tribalistas, racistas, estrangeiros
MPLA Assimilados, filhos de colonos, mestiços
Trata-se de uma forma particular de luta de classificações, em que se empregam
taxinomias que visam reduzir o outro ao particular em detrimento do universal, ao regional em
detrimento do nacional, ao exógeno em detrimento do endógeno. Classificações cuja produção
não pode ser dissociada da construção um espaço social colonial.
Mas, as categorias usadas pela FNLA serão, até finais de 1963, mais eficazes de ponto
de vista da mobilização política porque: “A organização de Holden Roberto beneficia, na altura, de duas
vantagens políticas essenciais: goza de um forte apoio internacional e é sobretudo ela quem recebe o apoio das
massas. Para um MPLA que chegou muito depois da insurreição e que tem na sua direcção e nos seus quadros
muitos mestiços – a maior parte vindos da Europa –, conquistar estas massas é um imperativo para poder conduzir
uma luta armada. Ora, a UPA – que se tornara FNLA, em Março de 1962, tentará impedir, a todos os níveis, essa
ligação do MPLA com as massas: através do seu exército consegue impedir as primeiras tentativas do MPLA de
enviar guerrilheiros para Angola; negará, desde os primeiros contactos, a unidade de acção com o Movimento;
880
Memorando do MPLA ao Comité de Coordenação, datado de 6 de Agosto de 1963, em Lara (2008: 278).
Muito embora o MPLA não se furtasse de recordar que: “existe de facto no seio do MPLA uma pequenina
percentagem de mulatos, como os há também na UPA e noutros partidos angolanos. Esta é uma verdade que
ninguém de qualquer partido o poderá negar sem cair em terrível contradição. Mas os nossos poucos mulatos que se
encontram no seio do MPLA valem tanto em matéria de patriotismo como os seus irmãos negros. Irmãos disse,
porque são filhos das nossas irmãs de raça”. Carta Aberta do Rev. Domingos da Silva em Lara (2008: 191). O que
denota quanto a nós um indício da apropriação e utilização pelo campo político, da questão racial segundo as
circunstâncias.
881
207
882
desenvolve uma campanha de mobilização racial contra o MPLA tendo em conta a cor dos seus dirigentes”
. E,
ainda por cima, beneficia do apoio do governo congolês. Significa isto que o breve relato das
relações entre o MPLA e FNLA merece ser contextualizado à luz do papel desempenhado pelo
Congo Leopoldville, nomeadamente no que respeita ao estado de relações de forças no campo
político angolano.
3.4.2 O papel do Congo Leopoldville
A tendência para que este país tenha considerado mais a UPA/FNLA em detrimento do
MPLA deve-se a um conjunto de factores relevantes de entre os quais podemos assinalar dois,
que no nosso entender têm significativa importância.
O primeiro releva de certas características do Congo que constituíram trunfos de que
dispunha o país, quanto se analisa a sua participação no jogo de relações políticas regionais e
internacionais: densidade populacional considerável, extensão territorial, matérias-primas
(riquezas estratégicas) e um posicionamento político-ideológico favorável ao Ocidente883. São,
pois, trunfos suficientemente importantes para que o Congo, por um lado, influencie os
acontecimentos na região, como foi o caso da luta nacionalista em Angola e, por outro, seja
considerado, no quadro da guerra fria, um aliado privilegiado dos Estados Unidos e da Europa
ocidental na região.
O segundo factor diz respeito às afinidades históricas884 entre populações do Congo
Leopoldville e populações situadas na região do Norte de Angola nomeadamente, o grupo
etnolinguístico Bakongo. São afinidades que se apresentam sob a forma de construção de
relações pessoais, linhageiras e de redes sociais, etc. O que contribuiu, embora com oscilações,
para que a UPA/FNLA fosse a principal beneficiada do apoio por parte do Governo Congolês,
em detrimento do MPLA.
Segundo Mário de Andrade: “A crise congolesa iniciada em Julho de 1960, arrastando com ela o
desaparecimento de Lumumba e decomposição dos movimentos políticos, introduz o primeiro factor negativo na
questão da ajuda aos movimentos de libertação. Na corrida ao apoio logístico, o MPLA é à partida um perdedor,
882
Laban e Messiant (2003:241).
Excepto quando Lumumba era primeiro-ministro.
884
São afinidades históricas construídas antes da ocupação colonial, no quadro do antigo reino do Congo como se
referiu.
883
208
pois há um trabalho no sentido de tornar impraticável a mobilidade dos seus quadros militares; enquanto que se vai
885
instalando, em torno de uma ampla publicidade a base militar de Kinkouzou, sob o exclusivo controle da UPA”
.
No decurso do ano de 1961, o governo congolês, embora política e materialmente mais
favorável à UPA, tolera a presença do MPLA no seu território. Esta tolerância deve-se em certa
medida ao facto de no MPLA existirem militantes com formação superior e estarem, por isso, em
condições de contribuir para a supressão do vazio de quadros, sobretudo na área da saúde,
resultante da partida de quadros belgas aquando da independência do Congo886.
A partir de 1962, é possível notar um descontentamento, por parte do MPLA, face à
política de favorecimento unilateral praticada pelo governo do Congo Leopoldville. Por
exemplo, Mário de Andrade, em 1962, numa Conferência de Imprensa afirmava que: “a UPA era
um movimento cuja clientela era recrutada no seio dos emigrantes angolanos e cujos dirigentes beneficiavam, dada a
sua longa vivência no Congo, de apoios pessoais e de acessos facilitados aos Ministérios”887.
E, apesar de
Agostinho Neto, exprimir publicamente, o seu contentamento pela solidariedade e compreensão
em relação à sua pessoa, por parte do governo congolês, o relatório ultra-secreto do MPLA
considerava que: “As dificuldades impostas pela incompreensão das autoridades congolesas (...) completam o
888
quadro negro da realidade angolana
”.
Em 1963 o MPLA manifesta directamente ao governo congolês a sua preocupação pela
política unilateral da mesma: “A União das Populações de Angola (UPA) recusa sistematicamente qualquer
troca de pontos de vista no sentido de encontrar as bases comuns para a colaboração na Luta. O MPLA considera
que um dos factores essenciais desta divisão é justamente a ajuda unilateral que a UPA recebe da parte do Governo
da República do Congo. Por outro lado, essa ajuda toma uma amplitude maior face às dificuldades criadas ao
MPLA. (…) No entanto a nossa actividade político-militar é travada pelas autoridades congolesas de uma forma que
889
nos parece discriminatória”
. Lúcio Lara890, em carta891 redigida a partir do Congo e dirigida aos
885
Andrade (1964). Não há, contudo, consenso relativamente a esta questão. Para Lara, Lumumba defendia uma
integração do MPLA na UPA. Lara (1997: 372). Ver o ponto acima referente à delegação da UPA.
886
Sobretudo no respeitante aos médicos. Muitos membros e simpatizantes do MPLA eram médicos e o seu número
suplantava o dos médicos de todo o espaço congolês. Serão estes médicos que estariam na origem do CVAAR,
Corpo de Voluntários Angolanos de Assistência aos Refugiados, cujos estatutos seriam aprovados em 21 de Agosto
de 1961. Em nosso entender a implantação da direcção do MPLA em Leopoldville não pode ser dissociada do papel
desempenhado pelo CVAAR. O papel desempenhado da mesma em solo congolês funcionava, em certa medida,
como moeda de troca para a tolerância do governo congolês relativamente à presença do MPLA.
887
Conferência de Imprensa em Bruxelas a 27 de Abril de 1962. Documento MPLA, 1962. Citação livre.
888
Doc. MPLA (1962) . Arquivo pessoal, já citado.
889
Carta da Direcção do MPLA as autoridades congolesas. Lara (2008: 99).
890
Lúcio Lara (Tchiweca) nasceu no Huambo a 9 de Abril de 1929. Fez os estudos primários e secindários no
Huambo e em Sá da Bandeira, cursou os estudos superiores (Ciências) em Portugal. Em 1960, integrou o primeiro
Comité Director do MPLA. Presentemente encontra-se afastado da vida política. A sua trajectória confunde-se com
a história do MPLA. Ver Tali I (2001: 93).
209
“camaradas Agostinho Neto e Mário de Andrade”, acentua as preocupações do MPLA quanto à
postura do governo congolês: ”Sabemos que o primeiro deste país está agora fazendo uma campanha junto dos
892
outros países africanos nomeadamente, Nigéria, Accra e outros que cá se encontram para reconhecerem H
893
único interlocutor válido”
como
.
As preocupações dos dirigentes do MPLA que aqui transcrevemos encontram
justificação em virtude do governo congolês ter reconhecido de jure o GRAE, a 29 de Junho, no
decurso da reunião do Comité de Coordenação para a Libertação de África, em Dar-es- Salam,
que se iria realizar de 25 de Junho a 4 de Julho de 1963894. Esta opção política, por parte do
governo Congolês era contrária aos interesses do MPLA, que ainda por cima não só conhecia
uma crise interna profunda como também encontrava dificuldades em estabelecer com a FNLA
relações de entendimento político.
Fora a questão do entendimento político que motivara a decisão, do Comité de
Libertação Africano reunido em Dar-es-Salam, de enviar uma Comissão dos Bons Ofícios a
Leopoldville com a intenção de reconciliar os dois movimentos nacionalistas. Esta medida
colocava ao MPLA novos problemas, pois este passaria a estar sujeito a uma avaliação da
Comissão, numa situação desfavorável. Situação agravada pelo facto de a 29 de Junho o
Governo congolês ter reconhecido de jure o GRAE.
Foi em certa medida para tentar impedir que o reconhecimento do GRAE pelo governo
congolês alastrasse aos outros países africanos que a 8 Julho em Leopoldville, na semana que
antecede a reunião da Missão dos Bons Ofícios fora constituída a FDLA - Frente Democrática
para a Libertação de Angola, constituída, por sua vez pelo MPLA, MNA-Movimento Nacional
Angolano, NGUIZAKO - Ngwizani-ya-Kongo e UNTA - União Nacional dos Trabalhadores
Angolanos. Quanto a nós, a criação da FDLA obedecia a uma estratégia de equiparar-se a outra
891
Carta de Lúcio Lara, dirigida a Agostinho Neto e Mário de Andrade que se encontravam em Adis-Abeba. A carta
é datada de 20 de Maio de 1963. Documento MPLA. Arquivo pessoal
892
H designa Holden Roberto.
893
Carta de Lúcio Lara, de 20 de Maio de 1963. Documento MPLA (1963).
894
Comité constituído aquando da criação da OUA com o fim de auxiliar materialmente os movimentos
nacionalistas e independentistas. Procurava igualmente garantir a eficácia desta ajuda. Gomes e Afonso 4 (2009:
108).
210
Frente (FNLA)895, de modo a conseguir o reconhecimento internacional e impedir o
desaparecimento do MPLA896. Porém, a criação da FDLA não surtira os efeitos desejados897.
O Congo Leopoldville reiterara o seu reconhecimento de jure evocando dois motivos
principais: i) o facto do GRAE constituir uma frente angolana organizada militarmente e
ocupando efectivamente uma parte de Angola; ii) o facto de existirem desentendimentos
comprovados no seio do MPLA. Para o governo Congolês, estes motivos constituíam razões
suficientes para manter a sua irrevogável decisão de apoio ao GRAE898. Decisão que iria
influenciar, no nosso entender, o relatório final da Comissão dos Bons Ofícios que continha um
conjunto de considerações nada favoráveis ao MPLA.
No dito relatório considerava-se que havia uma cisão no seio do MPLA e que um
significativo número de pessoas que tinham recebido treino militar sob os auspícios do MPLA
tinha integrado a FNLA ou abandonado o MPLA, sendo que aqueles que permaneceram no
MPLA não estavam engajados em nenhuma actividade militar. Comparativamente à FNLA, a
importância do MPLA era reduzida899.
As considerações da Comissão iriam sustentar as recomendações finais do relatório de
19 de Julho de 1963, cujo conteúdo, não era nada abonatório relativamente aos interesses do
MPLA. No mesmo consta que: i) toda a ajuda para a libertação de Angola deve ter como único
intermediário o Congo Leopoldville; ii) a FNLA deve ser considerada a única Frente de
Libertação de Angola; iii) o relatório geral da Comissão dos Bons Ofícios, entre outras decisões,
convida o Conselho dos Ministros da OUA a recomendar o reconhecimento do GRAE, aquando
da sua próxima reunião em Dakar, a todos os Estados africanos independentes. Esta medida é
considerada pela Comissão, como uma acção não só eficaz e positiva contra Portugal, como
também favorável à rápida libertação de Angola.900. E assim aconteceu: em Agosto de 1963 os
895
Mas a criação da FDLA merece ser equacionada à luz dos interesses na região por parte do governo do Congo
Brazzaville, sobretudo no que concerne a Cabinda, aquando da vigência de Fulbert Youlu. Ver Marcum (1978: 8182).
896
Muito embora segundo Lara (2008: 173) o projecto existisse desde os fins de Maio de 1963. Projecto, esse, talvez
inserido no sentido de retirar as bases etnolinguísticas que sustentavam a FNLA.
897
Por causa da criação da FDLA, uma figura de vulto do MPLA iria apresentar a sua demissão: Mário de Andrade.
898
“Comunication du Governement Congolais sur L’Angola“. Documento 12. Provavelmente de 15 de Julho de
1963. Arquivo pessoal.
899
Rapport General de la Mission des Bons offices de la Commission de Coordination pour la Libération de
L’Afrique Auprès des nationalistes de L’Angola. Leopoldville, 19 Juillet de 1963. Ver igualmente Reis (2002).
900
“Rapport Général de la Mission des Bons Offices de la Commission de Coordination pour la Libération de
L’Áfrique Auprès des Nationalistes de L’Angola“. Leopoldville 19 de Juillet de 1963 .Ver igualmente Lara (2008);
Mbah (2005); Marcum (1978); Reis (2002).
211
ministros dos negócios estrangeiros dos países da OUA reunidos em Dakar acatavam as
recomendações da Comissão dos Bons Ofícios reconhecendo o FNLA/GRAE901.
Em Outubro de 1963, as autoridades governamentais congolesas decidem encerrar as
delegações do MPLA no Congo Leopoldville, passando a organização nacionalista a ter como
alternativa fixar-se no Congo Brazzaville, de modo a poder dar continuidade às suas actividades
político-militares. O Congo Brazzaville passa, assim, a constituir a base de apoio prioritária do
MPLA, na prossecução da luta armada em Angola.
As relações de tensão entre o MPLA e o governo do Congo Leopoldville, não se
limitam às questões relativas ao apoio material e político que este último, na sua condição de
país hospedeiro dos movimentos nacionalistas, deveria conceder ao primeiro. O Congo
Leopoldville, como espaço social, era um contexto desfavorável de ponto de vista dos
fundamentos culturais e ideológicos que estão na origem da estranheza manifestada pelo meio
político congolês em relação à presença de determinados angolanos, menos ligados ao norte de
Angola. Segundo João Vieira Lopes: “ (…) tudo isso são factos da história. (…) Gerações completamente
diferentes, modos de comportamento resultantes de uma formação social, cultural e política diferente, associando a
isso um sentimento tribal que nós sentimos encontrar no zairense e influenciando fortemente os angolanos residentes
no Zaire. É coisa que os angolanos que integravam o MPLA vindos quer do exterior de Portugal quer mesmo do
interior não demonstravam possuir. Eu acho que isso pode ter contribuído para dificultar a implantação do MPLA no
Zaire. Para além, está claro, da grande alegação que faziam de que o MPLA e, por conseguinte, todos os seus
902
militantes eram comunistas”
. Mas não era só um contexto desfavorável para o MPLA de ponto de
vista cultural e político-ideológico, era um contexto igualmente desfavorável de ponto de vista de
fundamentos simbólicos que estão na origem da estranheza manifestada pelo meio político
congolês em relação à presença de mestiços na direcção do MPLA. Essas manifestações de
estranheza teriam influenciado a decisão de Viriato de Cruz relativamente à remodelação do
Comité Director do MPLA, em Maio de 1962903.
901
Gomes e Afonso 4 (2008: 70-71); Marcum (1978: 97:99).
Jaime e Barber (1998: 106). Ver igualmente as declarações de Daniel Chipenda e Calos Belli Belo igualmente em
Jaime e Barber (1998: 114-153).
903
Entrevista, de 1982, concedida pelo médico Eduardo Macedo dos Santos. O Dr. Eduardo Santos (1921- 2001) foi
responsável do CVAAR em Leopoldville. A sua trajectória está associada à formação do primeiro Comité Director
do MPLA, em Conakry, em 1960. Ver igualmente entrevista de Carlos Belli Belo em Jaime e Barber (1998: 121).
902
212
3.5 O tempo da explosão. As classificações assentes em propriedades rácicas/características
somáticas como exemplo de lutas de classificações no seio do MPLA
Tal como afirmámos anteriormente, a eleição de Agostinho Neto como presidente do
MPLA não tinha posto fim à crise. Antes pelo contrário. Confrontos físicos, demissões,
expulsões, e perigo de fragmentação tornam-se características da dinâmica interna da crise904. É
a bipolarização do grupo político que se iria traduzir em duas direcções políticas: o novo Comité
Director proclamado pelo grupo Viriato e o Comité Director do MPLA liderado por Agostinho
Neto905.
Tendo em conta a nossa abordagem e de ponto de vista do discurso produzido, podemos
considerar que a partir de 1963 a retórica produzida pelos actores individuais e colectivos
envolvidos na crise reenvia, em certa medida para lutas em torno da institucionalização do
capital político em articulação com princípios de classificação que, por sua vez, são objecto de
questionamento e luta política – como tal utilizadas como classificações políticas –
nomeadamente aquelas que dizem respeito às classificações assentes em propriedades
rácicas/características somáticas.
Estas lutas de classificação tiveram também consequências fora do sub-campo político
do MPLA, sobretudo no respeitante aos grupos ou indivíduos classificados de brancos. A
questão do lugar dos classificados de brancos, no espaço nacionalista angolano, não pode ser
dissociado do contexto de crise vigente na época.
3.5.1 A retórica do grupo Viriato
904
No respeitante aos confrontos físicos podemos assinalar os que se travaram a 7 Julho, em Leopoldville, entre os
partidários das duas facções. Quanto às demissões, podemos assinalar algumas: Manuel Lima, Mário de Andrade,
Gentil Viana, João Vieira Lopes, Manuel Videira. Os motivos destas demissões são diversos e denotam outras
posições políticas, mais pessoais, do que a adesão a um dos dois grupos em confronto. Das expulsões podemos
assinalar as de Graça Tavares, Matias Migueis e do próprio Viriato da Cruz. Ver Gomes e Afonso (2009), Lara
(2008); Reis e Reis (1996).
905 A 5 Julho, Leopoldville uma proclamação assinada por Viriato da Cruz, Matias Migueis, José Bernardo
Domingos e José Miguel na qual se retira toda a autoridade ao Comité Director eleito pela Conferência Nacional. É,
igualmente anunciada a criação de um Comité para a Unidade e Cooperação mandatado para: a) “Dirigir todo o
Movimento com o seu Executivo Supremo provisório;” b) “Liquidar todas as divisões no seio do MPLA;” c) “Unir
o MPLA à FNLA, mantendo porém a autonomia do MPLA no seio da FNLA;” d) “Apoiar o GRAE e resolver o
problema da participação do MPLA nos órgãos do GRAE;” e) “Convocar num prazo de três meses um Congresso
do MPLA para a eleição de novos órgãos dirigentes;” Ver Reis e Reis (1996); Reis (2002). Em Lara (2008: 217221) encontramos duas proclamações do grupo Viriato.
213
Na retórica do grupo Viriato a utilização de categorias raciais permite associar estas
últimas à traição: ”Não quero a troca de poderes para portugueses pintados de preto ou mulato. Não aceito dar o
meu lugar aos enteados de Angola. Hoje duvido da honestidade de muito filho de colono, ele não é mais do que o
produto do pai. Qual foi o ambiente que o modificou? De Portugal?...
“906. Mas a relação com a traição
possibilita questionar não só os dirigentes considerados mais claros mas igualmente toda a
direcção do MPLA: “Não aceito as palavras mansas dos pretos vendidos ao imperialismo, que directa ou
indirectamente receberam deles favores porque se os cães são reconhecidos aos seus donos como não o serão os
homens. Eu nunca deixarei de lutar tanto contra os brancos colonialistas como contra os pretos, mulatos ou cabritos
exclusivicionistas”
907
.
A retórica em torno da questão racial possibilita assinalar a incapacidade, por parte do
grupo Neto, de ruptura com a política colonial portuguesa: “Por outro lado, o grupo que usurpou a
direcção do nosso Movimento marcha, desde há muito, em direcção dos desejos dos portugueses. Eles vêm
repetindo que é preciso impedir que o Holden chegue ao poder e que quem deve chegar ao poder são eles; eles vêmse esmerando em dar lições de moral ao povo, condenando principalmente o “racismo” (como ousaram escrever
908
numa das resoluções da Conferência) que, segundo eles, o povo teria praticado durante a luta armada no norte”
;
O uso de categorias raciais possibilita questionar e desacreditar o Comité Director
emanado da Conferência Nacional de 1962, considerado como factor de descrédito e
fragmentação do grupo instituído: “Depois da remodelação do C. Director, em Maio de 1962, ele qualificou
essa remodelação como uma “vendilhagem” da direcção do Movimento aos negros. Uma das razões porque ele
apoia servilmente o Neto é que ele (como aliás, uns tantos como ele) pensa que o Neto é a garantia de que o
Movimento nunca será dirigido apenas por negros. Nem outra é a posição do Lara. Isto tudo mostrou aos olhos da
opinião estrangeira um MPLA a desfazer-se aos bocados”
909
.
As categorias raciais possibilitam questionar a seriedade e a coerência política de
Agostinho Neto: “ (…) durante todas as sessões da Comissão os mestiços do Comité Director Neto foram
deixados em casa. A essas sessões Neto só apareceu com dirigentes negros”
910
.
Uma das formas de desvalorização do capital político instituído é o questionamento da
relação entre competência para o exercício da política e posse de capital escolar: “Não vos tomeis de
906
Carta de Graça Tavares a Lúcio de 28 de Fevereiro de 1963 em Lara (2008: 65-66).
Lara (2008: 66).
908
Carta de Viriato da Cruz de 13 de Março de 1963 dirigida a Matias Migueis em Lara (2008: 81).
909
Lara (2008: 41).
910
Reis (2002: 77); ver Também Reis e Reis (1996).
907
214
complexos de inferioridade diante de indivíduos com títulos. A política não se aprende nas universidades, mas
911
defendendo corajosamente os interesses do povo, defendendo a verdade, a justiça e a democracia”
.
Mas, convém recordar que é Agostinho Neto quem corporiza o capital político do
grupo. O facto de Neto ser portador de um notável crédito político limita o efeito mobilizador
das classificações raciais912. Sendo assim, a estratégia discursiva do grupo Viriato assentará na
denegação da crença de que o grupo liderado por Neto é depositário. Dois argumentos servirão
para pôr em causa o capital político de Agostinho Neto, a traição pura e simples e a ambição
pessoal: “a verdade é que o grupinho, dirigido pelo Dr Neto tem acordos secretos com os colonialistas portugueses
(…) os colonialistas portugueses resolveram ganhar para o seu lado alguns dirigentes angolanos, prometendo-lhes
uma participação no poder político, no quadro da autonomia interna e dando-lhes garantias para que eles pudessem
regressar a Angola no momento oportuno. Os colonialistas fizeram tais promessas e deram tais garantias ao Dr Neto
e a alguns dos seus amigos. (…) É evidente que esse comportamento revela uma ambição exagerada, uma grande
sede de poder de riqueza e de prestígio”
913
.
3.5.2 A retórica do grupo Neto
No que diz respeito ao denominado grupo Neto, é possível constatar na produção
discursiva o recurso às categorias raciais. Contudo, o uso destas obedece a uma estratégia de
manutenção e consolidação do capital político instituído no decurso da Conferência Nacional.
Mas, as categorias raciais servem igualmente para as associar à fidelidade política (tanto
nacional, como racial): “Diz-se que deves odiar o MPLA porque é um movimento de mulatos. Que os mulatos
são traidores. Calúnia dos inimigos da pátria! Traidores há em todos países e em todas raças. Pode haver traidores
mulatos como há traidores pretos e como os há brancos. Além de terem nascido em Angola e de terem sangue
africano nas veias, os mulatos de MPLA nunca quiseram passar por brancos nunca renegaram a sua pátria nunca
914
foram a favor de Salazar como muitos pretos conhecidos”
.
A estratégia de manutenção do capital instituído implica, igualmente, um discurso de
valorização do capital escolar, sendo este último, considerado como atributo fundamental – de
competência – para o exercício da política. Daí que no discurso produzido constatemos a
denegação do estigma de “universitários”: “Diz-se que o MPLA é o inimigo do povo só porque tem
doutores universitários e filósofos. Calúnias dos inimigos da pátria. Os doutores do MPLA saíram do Povo.
911
Lara (2008: 41); Tali I (2001: 84); Cruz (1964).
Sendo que ele é percepcionado como negro.
913
Doc. Do Comité Director Provisório de 31 de Outubro de 1963. Arquivo pessoal.
914
Panfleto do MPLA datado de 20 de Março em Lara (2008: 98).
912
215
Estudaram para saber. Sabendo defendem melhor os interesses de Angola. Em todos os países do mundo, os
representantes do Povo são gente que sabe, são gente que estudou. Para tratar com os outros países mais adiantados
é preciso estudar, é preciso saber. Ainda bem que o MPLA tem doutores, universitários e filósofos nas suas fileiras.
915
Assim o povo angolano fica melhor defendido”
.
Todavia, a retórica do grupo Neto adquire força quando é o porta-voz que assume o
exercício da classificação legítima. Assim, através de uma carta dirigida aos quadros dirigentes
estagiários na Argélia redigida por Agostinho Neto, podemos vislumbrar um discurso de
denegação da crença de que as classificações assentes em propriedades rácicas/características
somáticas e o capital escolar descapitalizam o capital político instituído916. Neto desvaloriza,
assim, a eficácia simbólica destas últimas através de um trabalho de objectivação da traição, e da
ambição pessoal: “Começando por palavras de ordem esquerdistas, (como por exemplo o combate contra a tese
da inevitabilidade do neocolonialismo, gratuitamente atribuído a nós) acabou este grupo fraccionista917 por se
submeter à orientação da UPA propagando as suas frases racistas, incluindo os ataques aos mestiços e suas esposas
brancas, repetindo um ódio estranho contra os universitários, e finalmente assobiando mal a ária do
colaboracionismo que já o Holden cantava contra o MPLA desde há muito [mais] tempo. Esse grupo fraccionista
procura hoje após a sua expulsão uma integração na corrente Holden e no seu “governo”, ao mesmo tempo que
continua a sua acção para destruir totalmente o MPLA. E o que é triste é que tudo acontece porque Viriato da Cruz
«foi o primeiro na escola, foi o primeiro no liceu, foi o primeiro na política e não pode ficar no quintal do Senhor
918
Neto» – conforme ele próprio explicou”
.
Neste discurso, que é também de descrédito do capital político de Viriato da Cruz,
encontramos uma estratégia de responsabilização/culpabilização mediante um trabalho de
objectivação não só da traição e da ambição pessoal, mas igualmente da covardia, da divisão do
grupo e da falta de convicções: “De facto, desde há um ano, começaram a revelar-se as contendas enquistadas
entre os dirigentes do Movimento, minando as relações entre estes, bem desde Conakry e mesmo desde Paris e
Accra. O pessoalismo, a sede de poder, a ambição mal escondida, a presunção e ainda a falta de coragem para
enfrentar directamente o inimigo, eram notórios em alguns. Os aspectos mais declarados destas competições
intestinas foram revelados recentemente, com a actividade fraccionista de Viriato da Cruz mais tarde pela tentativa
de golpe de força dirigido por este, ou ainda os planos de liquidação física dos dirigentes actuais do movimento. Os
camaradas menos avisados, não notaram que quem hoje se submete incondicionalmente ao Holden, sob [a] frágil
capa de “Unidade”, não foi capaz de se entender com os seus próprios camaradas de Conakry e guerreia com ódio
aqueles entre os quais se encontrava; não foi capaz de falar de conciliação senão depois de terem sido abortados os
915
Lara (2008: 98).
“Carta de Agostinho Neto aos camaradas da Argélia” de 27 de Agosto de 1963 em Lara (2008: 287-292).
917
Fraccionista é quanto a nós uma classificação estruturante do sub-campo político MPLA, pois remete para a
heresia em detrimento da ortodoxia.
918
Lara (2008: 287).
916
216
planos de destruição do Movimento e da liquidação física dos seus antigos companheiros. Sejam quais forem os
princípios ultra-revolucionários invocados toda esta prática exala desonestidade, e compreende-se como é difícil
pactuar com ela”
919
.
Mas o discurso produzido por Agostinho Neto retira também a sua eficácia pelo facto de
o MPLA viver uma situação de crise. E, como tal, Neto produz um discurso de dramatização
associado à perda e à orfandade: “os acontecimentos dos últimos meses e, especialmente, a recomendação da
Comissão de Conciliação, assim como o reconhecimento do «governo» de Holden por alguns países, provocaram
aos militantes do nosso Movimento as mais justificadas preocupações. Provocaram também alarme e desespero. E a
tal ponto que todas as dificuldades internas do Movimento foram hipertrofiadas, e a conspiração imperialista contra
o MPLA desprezada na análise apreciativa destes factos. Pensar na deserção, no recuo, na desistência é hoje
920
consequência da sensação de derrota irreversível que alguns experimentam”
.
Da dramatização passa-se para a salvação e o plebiscito de modo a garantir a coesão do
grupo: “Nós estamos firmes no nosso posto, continuaremos a orientar a luta. Mas, porque somos um Movimento
Democrático (…), teremos um confronto com os militantes dentro uma Reunião Alargada a realizar em breve e à
qual podereis mandar o vosso representante e expor as vossas críticas, as vossas sugestões e mesmo as vossas
inquietações (…). Rascunhada sobre o joelho com a pressa de apanhar o avião, esta carta não vos satisfará.
Compreendei porém as insuficiências de quem se encontra mergulhado até ao pescoço nos problemas do nosso
921
país
.
O discurso produzido por Agostinho Neto reenvia-nos para a emergência da figura do
salvador que em situação de crise se torna não só o porta-voz do grupo mas o porta-voz da crise
do grupo, mas sempre dissociado da causa da crise do/no grupo922; o que torna o grupo devedor
perante a sua pessoa. E, assim, Agostinho Neto reforça a sua autoridade no seio do Movimento.
3.5.3 Os efeitos da crise do MPLA na questão da inserção dos classificados de brancos no
espaço nacionalista angolano. Entre a inclusão e a exclusão
919
Lara (2008: 289).
Lara (2008: 287).
921
Reis e Reis (1996: 707); ver igualmente Lara (2008: 292).
922
Este distanciamento face à crise é exprimido do seguinte modo: “De facto, desde há um ano, começaram a
revelar-se as contendas que viviam enquistadas entre os dirigentes do Movimento, minando as relações entre estes,
bem desde Conakry e mesmo desde Paris e Accra”. Lara (2008: 288).
920
217
A questão dos classificados de brancos e do seu lugar no espaço nacionalista tornou-se
igualmente num problema político de difícil solução923. À primeira vista, é inegável que estamos
perante uma exclusão dos classificados de brancos do espaço nacionalista angolano.
No caso do MPLA, podemos considerar que o contexto do Congo Leopoldville924, a luta
pela hegemonia do espaço nacionalista com a UPA/FNLA e, obviamente, a situação de crise
interna, não favoreciam uma política de integração de elementos classificados de brancos no seio
deste Movimento, nomeadamente de grupos políticos como era o caso da FUA - Frente de
Unidade Angolana.
Muito embora o MPLA condenasse a intolerância racial, na prática, a questão da
integração dos classificados de brancos revestiu-se de uma profunda ambiguidade. Com efeito,
podemos vislumbrar, no texto referente à linha política do Movimento, um forte indicador desta
ambiguidade. Por um lado, temos a condenação vigorosa do “tribalismo, regionalismo,
sectarismo, a intolerância racial e religiosa”925; por outro, encontramos uma distinção entre
“grupos políticos dirigidos por portugueses progressistas nascidos em Angola” e “movimentos
nacionalistas angolanos”926.
Esta ambiguidade, nomeadamente no que respeita ao princípio de inclusão/exclusão,
daria azo a tomadas de posição por parte de alguns nacionalistas quer a título individual quer a
título colectivo e, ainda, no âmbito da organização política.
Dessas tomadas de posição, podemos distinguir aquelas que interpretam esta
ambiguidade como um princípio de exclusão racial e aquelas que exprimem a sua compreensão
perante a postura do Movimento, atendendo às circunstâncias da época.
Menos ambígua foi a posição do MPLA perante a FUA. Aqui no caso, predominou o
princípio da exclusão. Muito embora fosse uma exclusão com fundamento político, pois obedece
à dinâmica de um campo político, em processo iniciático, num contexto de crise. Aliás como
organização política, a FUA foi excluída pelas duas principais organizações político-militares do
espaço nacionalista; tal não impediu que, após a sua dissolução como organização política,
alguns dos seus membros integrassem o MPLA.
923
Com efeito convém recordar que a categoria branco era frequentemente associada ao arbitrário colonial. Ver
Capítulo anterior.
924
Julgamos que nas percepções congolesas dos nacionalistas angolanos, ser mestiço ou branco era igual. Ambas as
categorias estavam associadas ao arbitrário colonial/europeu.
925
Lara (2008:527).
926
Lara (2008: 528).
218
Assim, pensamos que a questão da inserção dos classificados de brancos no espaço
nacionalista angolano merece também ser abordada tendo em conta o papel que a FUA
desempenhou no referido espaço.
3.5.3.1 A “Carta Aberta ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA),
subscrita por Nacionalistas Angolanos de Raça Branca” e as cartas de Jorge Pires.
Indignação e compreensão.
Numa carta aberta ao MPLA, um grupo auto designado “Nacionalistas Angolanos de
raça branca”, 927 provavelmente de alguns militantes da FUA, manifesta o seu descontentamento
pelas “resoluções finais da 1ª Conferência Nacional do MPLA realizada, em Dezembro de
1962”928. De entre as resoluções, a que mais indignou os signatários foi a classificação:
“portugueses progressistas nascidos em Angola”929. Classificação, que para os autores da
referida carta os marginaliza do espaço nacionalista angolano pois a designação “portugueses
progressistas nascidos em Angola” implica serem considerados não angolanos. A indignação
face à utilização do termo português é acrescida pelo facto de equivaler a uma alusão à cor da
pele, fenótipo que impede a inclusão do referido grupo no território circunscrito das tarefas
necessárias à produção e circulação dos bens políticos930.
É neste sentido que os signatários apelam para uma reformulação do conceito de
angolano. Sendo assim, os mesmos consideram-se angolanos por jus solis. (argumentação
jurídica): “(…)Verifica-se extremamente difícil: diríamos mesmo impossível definir um tipo nacional na presente
conjuntura (a não ser no “jus solis”) que procurasse uma nacionalidade com base no “jus sanguinis)”.931 Ao
argumento jurídico os signatários acrescentam o argumento do sacrifício patriótico assumido até às últimas
consequências: “ (….) para além de um gritante acto de injustiça, seria desconhecer (….) as prisões e perseguições
de toda a ordem de que têm sido vítimas aqueles que, embora de “raça branca, mas animados do mesmo espírito de
932
liberdade e descolonização (….) se têm dedicado ardorosamente à luta pela libertação da nossa pátria”
;
927
Rocha II (2002: 110-113); Tali I (2001: 454-456).
“Carta aberta ao Movimento Popular de Libertação de Angola” em Rocha II (2002: 110-113); ver igualmente
Tali I (454-456).
929
Note-se que a afirmação que consta no texto produzido pelo MPLA é: “Do mesmo modo, o MPLA encoraja a
acção dos grupos políticos dirigidos por Portugueses progressistas nascidos em Angola que a exemplo de alguns,
visam neutralizar o apoio que os colonos concedem às forças de repressão e se dispõem a bater-se pelos mesmos
objectivos dos movimentos nacionalistas angolanos”. Lara (2006: 522). A frase é bastante polissémica, pois dá azo a
múltiplas interpretações.
930
Rocha II (2002: 110-113) Ver igualmente Tali I (454-456).
931
Tali I (2001: 455).
932
Tali I (2001: 455-456).
928
219
julgamos estar subjacente no texto, uma nova proposta classificatória dicotómica: angolanos de
raça branca/portugueses de raça branca.
Estamos perante um discurso que é igualmente um exercício de rejeição de uma
categorização identitária resultante do trabalho de construção da realidade política que, mais do
que hierarquizar, exclui.
Ao contrário dos signatários anteriores que assumem uma posição colectiva e se
intitulam de “angolanos de raça branca”, Jorge Pires assume, numa posição a título individual, o
facto de a sua cor ser associada ao arbitrário colonial933. Como tal, o mesmo compreende a
postura do MPLA tendo em conta as circunstâncias políticas. Assim, para contornar o
constrangimento do branco = colonizador, Jorge Pires apresenta uma proposta de duplo sacrifício
de modo a garantir o seu lugar como indivíduo no seio dos angolanos.
O primeiro, refere-se ao sacrifício identitário (do espírito) de modo a conquistar a sua
identidade. O autor da carta assume-se como não angolano, embora deseje sê-lo: “Até vir para
Moscovo soube de diversos problemas que tinham surgido, um deles era que os indivíduos brancos não podiam
pertencer ao MPLA por motivos tácticos. (…) Eu sou branco, filho de portugueses, natural de Angola, sem que isso
me dê de antemão o direito de me intitular angolano. (Ora o que eu quero não é mais do que conquistar o direito à
934
cidadania angolana)”
. Todavia, para conseguir resgatar a “boa identidade”, o autor propõe um
segundo sacrifício, o sacrifício do corpo: “E acho que nesta altura, a melhor maneira de a conquistar é com
935
as armas na mão
.
Desse modo, através do duplo sacrifício, o autor propõe um acto de doação de
sentidos
936
de modo a que a sua cor não seja associada ao arbitrário colonial e por conseguinte
lhe seja reconhecida a sua identidade de angolano: “Eu sei, perfeitamente que me vão apontar uma série
de obstáculos, como por exemplo o da cor da pele e à reacção das massas angolanas ao verem um branco que se diz
também angolano, mas que é da mesma cor dos colonialistas e filhos de colonialistas. A isto eu posso responder que
não é após a independência que se vão habituar a ver brancos, filhos ou não de Angola que estão com eles de corpo
937
e espírito, porque só duma delas não é muito satisfatório”
.
Um outro aspecto interessante que importa aqui salientar é que o autor, ao contrário dos
signatários anteriores, dos quais ele se demarca, deixa ao critério do sub campo político MPLA a
933
“Carta de Jorge Pires ao MPLA” de Janeiro de 1963 em Lara (2008: 42) e “Carta de Jorge Pires a Lúcio Lara
de 2 de Março de 1963 em Lara (2008: 76-77). Ver anexos nº 19.
934
Lara (2008: 42).
935
Lara (2008: 42).
936
Expressão utilizada por Bourdieu (1989: 191).
937
Lara (2008: 42).
220
atribuição da sua identidade tanto política como nacional: “Sou filho de país portugueses e por
consequência branco. Ora é devido a essa circunstância que eu lhe escrevo. (…). Mas o problema agora já não é só
oferecer-me para o “maquis”, mas sim a minha condição de branco frente ao MPLA. Numa das resoluções
referentes à linha política do MPLA que li no Vitória ou Morte, vem o seguinte: «Encorajar a acção de grupos
políticos dirigidos por portugueses progressistas nascidos em Angola que visem neutralizar o apoio dispensado às
forças de repressão pelos colonos, e a lutar pelos objectivos dos movimentos nacionalistas angolanos». A conclusão
que se pode tirar é que isto é um encorajamento à FUA tal como ela está organizada. Ainda surge outro problema.
Actualmente sou considerado como português o que não permite de modo algum ser militante do MPLA e por
consequência também não me permite entrar no maquis. Sendo esse o meu maior desejo é natural que eu pergunte o
que fazer? Qual a ideia do MPLA em relação ao elemento branco? Devo esperar que a situação em Angola mude,
que a revolução evolua, que se faça um Front, para poder ir combater? Ou devo agregar-me a FUA sem pensar mais
938
em tal solução
.
É muito provável que a carta não tenha tido resposta. Todavia merece ser
sublinhado, a interpretação que o autor da carta faz da frase, “grupos político dirigidos por
portugueses progressistas nascidos em Angola”. Considera o mesmo que a frase não é dirigida
aos classificados de brancos939. No seu entender, a dita frase é uma alusão à FUA e mais
propriamente, às suas características organizacionais. O que nos leva a tecer algumas breves
considerações acerca do lugar da FUA no espaço nacionalista angolano.
3.5.3.2 O lugar da FUA no espaço nacionalista angolano
A FUA - Frente de Unidade Angolana, criada em Janeiro de 1961, defendia a:
“autonomia política do território, como primeiro passo para uma futura independência de
Angola”. A FUA era apenas uma organização política, não militar, que se constituíra numa
frente porque: “ (…) naquela altura existiam vários movimentos, grupos e grupinhos, sem considerar o MPLA e
a UPA, dispersos por todo o país, que, importantes ou não, interessava congregar para unir forças num objectivo que
era comum a todos eles: a independência nacional. Ora, a FUA aspirava a unificar todos, sem excepção, numa frente
940
única, e daí a sua designação: Frente de Unidade Angolana”
.
No seu manifesto de 5 de Abril de 1961, em Benguela, a FUA apelava para o exercício
duma pressão constante sobre a governação salazarista e condenava o recurso à violência por
parte quer do regime colonial, quer dos movimentos nacionalistas. Esta frente chegara a apelar à
mobilização de toda a população de Angola em torno dela de forma a lutar ordeira e
938
Lara (2008: 77).
Como tal, retira o conteúdo racial a frase.
940
Dáskalos (2000: 84). A propósito da FUA ver igualmente entrevista de Adolfo Maria a Pimenta (2006). Ver
igualmente Pimenta (2008).
939
221
pacificamente pela “autonomia a que todos os povos têm direito”941 Acontece que tais propósitos
não eram compatíveis com os projectos políticos da UPA/FNLA e do MPLA.
A partir de 1962 e já no exílio, em Paris, a FUA altera o seu projecto político de modo a
torná-lo mais adequado aos desígnios políticos do MPLA. Segundo Pimenta: “a análise da
composição sociológica da FUA no exílio revela diferenças assinaláveis em relação ao movimento que cerca de ano
e meio antes tinha sido fundado em Benguela. Muito significativo de ponto de vista político foi o facto de todos os
membros do movimento no exílio serem intelectuais. Do núcleo dirigente original apenas Sócrates Dáskalos foi para
o exterior. Muitos desses intelectuais tinham uma formação marxista e alguns tinham mesmo pertencido a
organizações comunistas (por exemplo Adolfo Maria). Esta transformação da composição social e política da FUA
no exílio reflectiu-se na sua orientação e ideológica, no sentido em que o movimento esboçou uma aproximação ao
nacionalismo africano, nomeadamente ao MPLA”
942
. É neste sentido que a FUA preconiza, no seu
Programa mínimo: “como objectivos principais a luta – por todos os meios – contra o colonialismo português e
943
qualquer outra forma de imperialismo, no sentido de conquistar a independência de Angola”
. O que significa
que a FUA passou a aceitar o recurso à luta armada.
Mas o novo rumo político da FUA nunca impediu que esta fosse encarada com
desconfiança pelas organizações nacionalistas armadas, nomeadamente pelo MPLA944.
Tal desconfiança deve-se, porventura, ao facto de a FUA nunca ter sido dissociada
daquela “fua” que preconizava: uma independência por etapas e o diálogo com as autoridades
coloniais. Daí que o MPLA tenha manifestado uma profunda desconfiança perante um
“Movimento de brancos bons”, com fraco poder de mobilização política: “A prontidão com que a
repressão salazarista agiu leva à conclusão de que a FUA nunca deve ter existido como organização, sendo de
duvidar que os diferentes grupos tenham tido qualquer acção clandestina que ultrapasse o aliciamento de novos
aderentes ou a recolha de abaixo-assinados de protesto. Apesar disso é necessário ter em conta que a FUA é
expressão de razões objectivas, inquietudes e ambição dentre da população branca de Angola há muito radicada e
que este elemento estático pesará em todas as oportunidades que a luta oferecer. (…) O MPLA deve encarar desde já
uma conduta definitiva relativamente à FUA e que diga respeito ao futuro da população branca de Angola. Da
exposição feita e dos factos que cada dia se vão amontoando, impõe-se como primeira precaução, que a FUA seja
941
Pimenta (2008: 235).
Pimenta (2008: 245).
943
Pimenta (2008: 246).
944
E igualmente pelo FNLA/GRAE que considerava a FUA de: “organização de portugueses com interesses
suspeitos sobre Angola”. Pimenta (2008: 251). Segundo Rocha II (2002: 96) a UPA considerava a FUA como: “ (…)
organização (…) constituída por brancos que não simpatizam com Salazar, mas que para Angola apenas pretendem
a autonomia interna, a que se poderá seguira independência por escalões. Mais claramente: o neocolonialismo, em
que a minoria parda ou branca, mais privilegiada e organizada, continua a torpedear os interesses de milhões de
negros. Aliás, a revolta do 15 de Março tornara difícil a aproximação entre os classificados de brancos e a
UPA/FNLA.
942
222
encarada como “brancos bons” que querem assegurar o seu futuro em Angola e que aproveitando-se das condições
de luta pela independência comandada do exterior, está tentada a fazer um jogo de oportunismo para manter a
945
supremacia da sua influência durante a luta e na Angola independente
.
Outro factor dissuasor de uma aproximação entre o MPLA e a FUA foi o contexto de
crise em que vivia o MPLA. Como vimos acima, as classificações assentes em propriedades
rácicas/características somáticas haviam sido convertidas em recurso político. Assim, à mínima
suspeita de aproximação à FUA era imediatamente pretexto de denegação por parte do outro,
nomeadamente do grupo Viriato: “eles vêm declarando que a FUA é um “movimento nacionalista formado
por brancos negros e mulatos” (como o Neto declarou numa Conferência de imprensa que deu em Paris, em 30 de
Janeiro último”946. “Presentemente como politização se está martelando aos ouvidos dos camaradas do EPLA a
necessidade de uma colaboração com a FUA que dizem pretender ajudar o MPLA como se aos colonos e aos filhos
destes interessasse uma verdadeira independência de Angola”
947
.
Mas, o que dividiu a FUA não foram nem as considerações do grupo Viriato em relação
a mesma nem a questão dos “portugueses progressistas nascidos em Angola”. Foi sobretudo
porque o dualismo vigente no seio do MPLA se traduziu em tomadas de posição no seio da FUA,
acabando esta por ficar dividida em dois grupos: “ (…). A crise que se instalara no MPLA reflectiu-se no
interior da FUA. Face à crise do MPLA, uma parte dos «fuistas» considerava Viriato da Cruz como o elemento mais
credível para dirigir o movimento, enquanto para outros Agostinho Neto era visto como o presidente mais adequado
para o MPLA. Eu e o João Mendes apoiávamos o Agostinho Neto por afinidades ideológicas: nós éramos os
comunistas da FUA, tínhamos tido relações com o PCP, tal como Agostinho Neto e, ao fim e ao cabo, para nós,
naquela época a URSS era tida como o farol que iluminava o caminho para a liberdade dos povos!"
948
. O que
significa que a postura do MPLA perante “os portugueses nascidos em Angola” não fora
945
“Relatório ao departamento de Segurança do MPLA de Março de 1963 em Lara (2008: 106- 107). A partir destas
considerações podemos afirmar que a nova FUA não mais se livrarà do estigma da FUA de Benguela. E, como tal
uma aliança do MPLA com esta última era uma aliança com o estigma.
946
Carta de Viriato da Cruz a Matias Migueis de 11 de Março de 1963 em Lara (2008: 81).
947
Carta de Matias Migueis a Viriato da Cruz em Lara (2008: 166). Estas declarações proferidas pelo “grupo
Viriato” obrigaram o MPLA a um rápido desmentido: “Para restabelecer completamente a verdade, o Comité
Director do MPLA opõe um desmentido categórico à caluniosa declaração do Sr. Migueis, aparecida na imprensa
nomeadamente com a FUA. Além disso o MPLA nunca teve contactos com homens de negócios portugueses. Nós
repetimos que a difamação, a mentira e a desonestidade não servem a causa angolana”. “Comunicado do MPLA
sobre as provocações do grupo Viriato”, de 9 de Julho de 1963, em Lara (2008: 237).
948
Pimenta (2006: 66); Segundo Adolfo Maria esta divisão no seio da FUA reflectia clivagens ideológicas em torno
do conflito sino-soviético. Conversa telefónica do doutorando com Adolfo Maria em 26/5/09.
223
entendida da mesma maneira pelos militantes da FUA. Para alguns era apenas uma concessão
feita pelo MPLA tendo em conta as circunstâncias do momento949.
Muito embora a questão da FUA reflicta dinâmicas de exclusão através da utilização da
categoria branco, é preciso ter em conta que o capital político da FUA era pouco significativo,
sendo o seu efeito no emergente campo político angolano bastante limitado950. Aliás, todas as
organizações nacionalistas que não possuíam recursos militares estavam condenadas a extinção
ou a desempenhar um papel residual. E como tal, sujeitas às condições ditadas quer pela
UPA/FNLA quer pelo MPLA951. Ora quanto à FUA, num contexto de crise sem fim à vista: “O
952
MPLA, na época, só tinha a perder em ser associado a uma organização de “nacionalistas angolanos brancos”
.
Somente com o fim da crise é que os classificados de brancos foram sendo integrados no
MPLA953.
3.6 O fim da crise no MPLA
A Conferência de Quadros do MPLA realizada em Brazzaville, entre os dias 3 e 10 de
Janeiro de 1964, marca de ponto de vista político-insitucional a consolidação interna do MPLA.
Mas, assinala igualmente a consagração definitiva de Agostinho Neto como presidente do
MPLA954.
949
Adolfo Maria em conversa telefónica com o doutorando 06/2009. O mesmo confirma que a FUA estava
completamente à margem dos acontecimentos em Leopoldville. E, porventura, ignorando as considerações do grupo
Viriato no respeitante à FUA.
950
No nosso entender a direcção do MPLA não tolerava inserção de um grupo político instituído no seu seio.
Poderia tolerar sim a integração individual, o que viria de facto a acontecer de forma gradual.
951
E mesmo nos casos da criação da FNLA e da efémera FDLA, ditadas mais pela necessidade do reconhecimento
internacional e pela necessidade de mobilização do maior número populacional, as regras foram ditadas pelas duas
forças políticas armadas.
952
Maria da Conceição Neto em Lara (2008: 6).
953
Em 1964 a FUA acabaria por oficialmente dissolver-se sendo que alguns dos seus militantes iriam gradualmente
integrar o MPLA. Dizemos gradual porque: “entretanto chegou a Argel Henrique Abranches – um branco estudioso
de etnologia – que, face ao insucesso em se integrar no MPLA, naquele momento, teve a ideia de formar um centro
de estudos sobre Angola, capaz de valorizar a cultura da nossa terra. (…). Em 1964 foi, finalmente, instituído um
centro de estudos e de documentação do nacionalismo angolano, que tomou a designação formal de Centro de
Estudos Angolanos (CEA). O CEA começou por prestar alguns serviços ao MPLA, passando de seguida para uma
colaboração intensiva, até que por iniciativa de Agostinho Neto o CEA acabaria por ser enquadrado politicamente
pelo MPLA, culminando assim com a sua integração no movimento. Esta integração culminaria no quadro da
militância a partir de finais de 1960 Adolfo Maria em Pimenta (2006: 66 e 84)
954
“Relatório Geral da Conferência de Quadros”, de 10 de Janeiro de 1964, em Lara (2008: 409-435).
224
Todavia, o desfecho da crise não pode ser compreendido sem ter em conta o papel
desempenhado pelo Congo Brazzaville – não só como rectaguarda militar – para o
reconhecimento internacional e jurídico do MPLA.
3.6.1 O Congo Brazzaville
A ex-colónia francesa adquiriu a independência a 15 de Agosto de 1960, sendo seu
primeiro presidente o Abade Fulbert Youlu955. Até 1963 o país situara-se na órbita da França.
Talvez pela influência da mesma, o Congo Brazzaville assumira uma posição flexível nas suas
relações diplomáticas com Portugal. O que confere sentido à seguinte afirmação: “Dentro da
relatividade do panorama político africano, o Congo Brazzaville era um país moderado. Veja-se como por exemplo
actuava quanto às forças francesas estacionadas no país ou o modo como processa as suas relações com o bureau
956
regional da Organização Mundial de Saúde, apesar de este ter sido dirigido por um português”
.
Esta política, relativamente a Angola, sofrerá uma nova inflexão a partir de Agosto de
1963: “De facto, o destino do MPLA no Congo decidiu-se em três dias que iriam revolucionar a história do CongoBrazzaville e oferecer àquele movimento uma nova e acolhedora terra de exílio: a 13, 14 e 15 de Agosto de 1963, o
regime do Padre Fulbert Youlou foi derrubado, instituindo-se um regime «revolucionário» que ofereceu acolhimento
«militante» a muitos exilados africanos e, em particular, àqueles que travavam lutas armadas contra o
957
colonialismo”
. Com efeito fora instituído um Conselho Nacional da Revolução, que iria
assegurar a fase transitória até à realização de eleições que, por sua vez, iriam consagrar
Massamba Debat958 como Presidente do Congo Brazzaville, no quadro de um regime de tipo
socialista e direccionado para relações privilegiadas com a China, União Soviética e Coreia do
Norte959. Esta viragem iria favorecer o MPLA.
Assim, graças ao apoio do novo governo do Congo Brazzaville, o MPLA possuía
finalmente uma rectaguarda segura para a abertura de uma frente político-militar que viria a ser
conhecida como a frente de Cabinda ou 2ª Região Político-Militar960. Convém recordar que o
955
Fulbert Youlou, 1917/1972. Nasceu em Brazzaville. Primeiro Presidente do Congo Brazzaville de 15 de Agosto
de 1960 a 15 de Agosto de 1963.
956
Carvalho (1964: 235).
957
Tali I (2001: 89).
958
As eleições foram simultaneamente legislativas e presidenciais e realizaram-se em Dezembro de 1963. Alphonse
Massamba-Débat, (1921-1977). Nasceu em Nkolo, foi presidente do Congo Brazzaville de Dezembro de 1963 até
Agosto de 1968. Foi julgado e fuzilado em 1977. Para saber mais sobre este país ver o magnífico trabalho de
Bazenguissa-Ganga (1997:437).
959
Bazenguissa-Ganga (1997: 98-99).
960
Provavelmente em Abril de 1964. MPLA I (2008: 332).
225
critério fundamental para o reconhecimento internacional era a “implantação militar no
terreno”961. Mas, seria no terreno da diplomacia que o governo do Congo Brazzaville iria dar o
seu contributo para o reconhecimento internacional do MPLA.
Aquando da realização da Conferência dos chefes de Estado de 34 países africanos no
Cairo, de 17 a 21 de Julho de 1964, um dos pontos da ordem do dia era a apreciação do relatório
do Comité de Libertação de África e o exame da situação nas colónias portuguesas962.
A intervenção do presidente do Congo Brazzaville Massamba-Debat, em favor do
MPLA963, muito embora não tivesse demovido a OUA de continuar a apoiar o FNLA/GRAE,
levou a que se criasse um novo comité encarregado de inquirir em profundidade acerca da
situação militar em Angola964. Este novo comité seria constituído por três países: Gana,
República Árabe Unida e Congo Brazzaville965. O mesmo tinha por missão principal retomar o
antigo mandato da Missão dos Bons Ofícios no sentido de encontrar as vias e os meios para uma
reconciliação entre o MPLA e a FNLA/GRAE e os mecanismos para a criação de uma frente
militar. Todavia, tinha também por objectivo indagar acerca da situação político-militar de cada
organização966.
A Comissão deslocou-se a Brazzaville e constatou-se que: “O MPLA possui uma organização
política, militar e administrativa; os militantes do MPLA estão animados de um sentimento nacional e patriótico
muito desenvolvido, mas carecem de meios materiais necessários para conduzir até ao fim o seu objectivo de
libertação total de Angola; os dirigentes do MPLA, tendo em conta a importância do problema e os limites do seu
potencial militar, contentam-se, pelo momento, com uma acção restrita que não esteja em desproporção com os
meios que possuem, mas que poderia a vir a ser alargada à medida que eles obtivessem o material militar
967
necessário”
.
Este relatório da denominada “Comissão dos Três” teve como consequência a tomada
das seguintes medidas por parte do Comité de Coordenação para a Libertação de África, reunida
em Dar-es-Salam nos dias 24 e 25 de Novembro: “Adopta as conclusões do relatório do comité dos três e
decide submetê-las à aprovação do próximo Conselho de Ministros da OUA, em Nairobi; Decide, com vista ao
961
Tali I (2001: 89).
Gomes e Afonso 5 (2009: 52); Mbah (2005: 330).
963
“Que faire de ces nombreux militants du MPLA qui se trouvent sur notre territoire et qui demandent à lutter et
ont besoin de notre aide ? le moment n’est-il pas venu de se pencher sur ce grave dilemme ? Car il s’agit après tout
de combattants qui désirent se joindre à la lutte nationale“. Mbah (2005: 330) citando a revista Jeune Afrique
Nº195 de 3 de Agosto de 1964, pp 19-20.
964
Mbah (2005: 330); Marcum (1978: 141).
965
Lara (2008: 644); Mbah (2005: 332); Marcum (1978: 141).
966
Relatório do Comité de Conciliação, Novembro de 1964, em Lara (2008: 692-694).
967
Lara (2008: 694); Mbah (2005: 565-566).
962
226
reforço da luta de Libertação em Angola, prestar entretanto, para além da assistência concedida ao GRAE, uma
ajuda técnica e material à frente de luta aberta pelo MPLA no enclave de Cabinda em Angola”
968
.
A esta
primeira etapa de reconhecimento seguir-se ia a grande vitória diplomática com o
reconhecimento pelo Comité de Libertação da OUA em 1965969.
3.6.2 A consagração de Agostinho Neto ou o corpo político reificado num médico
É na dita Conferência que se confirma a criação de novas estruturas cuja função era
criar as condições de legitimação e objectivação do capital político delegado em instituições
permanentes: “as novas estruturas deverão resolver o problema da representatividade dos órgãos superiores e
970
dinamismo necessário à administração”
.
De ponto de vista militar o EPLA modificou a sua estrutura, passando a funcionar com
destacamento de guerrilheiros971.
Inicia-se igualmente o processo de institucionalização da fides política em oposição à
figura do traidor: “A Conferência constatou com entusiasmo que a Unidade do nosso Movimento saiu fortalecida
das duras provas que sofreu. (…). “O MPLA depurado continua uno. A traição, a deserção ou o abandono de alguns
972
dirigentes e militantes reafirmaram a determinação dos elementos mais fiéis à luta do nosso povo”
.
As sucessivas demissões de militantes como Gentil Viana, Mário de Andrade ou João
Vieira Lopes terão porventura contribuído para uma desconfiança em relação a determinados
militantes possuidores de capital escolar, classificados de intelectuais e associados não à traição,
mas à covardia e à deserção973. É neste sentido, que a responsabilidade da crise é também
968
Lara (2008: 699); Mbah (2005: 567).
Tali I (2001: 333); MPLA I (2008: 333). Este sucesso da diplomacia congolesa em conjunto com o MPLA devese igualmente a dois factores, prejudiciais para o FNLA/GRAE: o primeiro diz respeito à demissão, de Jonas
Savimbi, em Julho de 1964 do GRAE, o que coincidira com o desenrolar da Conferência da OUA. O segundo factor
prende-se com o facto de Moisés Tchombé ter assumido a chefia do Governo Central do Congo Leopoldville, em
Junho/Julho de 1964. Gomes e Afonso 5 (2009: 53). Durante a vigência de Tschombé, o FNLA/GRAE viu o seu
capital militar reduzido, pois o novo governante era um profundo aliado de Portugal. Gomes e Afonso 5 (2009: 94).
Idem 6 (2009: 96). Ver igualmente Marcum (1978:141-149).
970
Lara (2008: 427).
971
Lara (2008:421).
972
Lara (2008: 423) figura que iria adquirir consistência quando a 2 1 Abril, de 1964, um comunicado do GRAE
anuncia a integração do MPLA/ Viriato na Organização. Rocha II (2002: 322).
973
Segundo Tali I (2008: 89): “A «traição» de Viriato da Cruz (a sua aliança à FNLA) e o abandono do movimento
pelos quadros e pelos «intelectuais» juntos às velhas contradições (…) marcariam de então em diante as relações de
poder no interior do MPLA e, em particular, a relação entre os «intelectuais» e a direcção política”. Estamos perante
categorias estruturantes do campo político como por exemplo a traição, a fidelidade a deserção, mas surgem
igualmente novas práticas políticas como a reabilitação através do mecanismo redentor que é a autocrítica. Com
efeito, muitos militantes que tinham abandonado o MPLA foram reabilitados mediante a autocrítica, como foi o caso
969
227
imputada aos «intelectuais»974: “A ideia de duma pretensa divisão do MPLA em tendências, mais se acentuou
no exterior quando certos militantes, sobretudo intelectuais, desorientados ou tomados de pânico pelos atentados
sucessivos contra a integridade do MPLA, abandonaram a organização, preferindo procurar empregos fora dos
Congos. Propagando a falsa ideia de três tendências no MPLA, esses elementos encontraram os argumentos de que
975
carecem para justificar a sua defecção”
.
São criados mecanismos de aplicação da disciplina tendo em conta a antinomia
sanção/recompensa: “A Conferência de quadros, tendo em consideração o contexto em que prossegue a nossa
luta e a necessidade de aplicar rigidamente os princípios disciplinares adoptados decide: Que as sanções a aplicar
pelo MPLA sejam as seguintes: repreensão; censura; afastamento temporário ou definitivo do exercício de funções;
prisão; suspensão da qualidade de membro do MPLA; exclusão de membro do MPLA; (…) Que o desempenho de
976
tarefas muito delicadas seja premiado, conforme a sua natureza por: louvor; condecoração
.
São introduzidas classificações relativamente às práticas de adesão ao MPLA977: “O
combate ao espírito filantrópico da nossa organização, pela mobilização dos militantes dispostos a todos os
sacrifícios. Aparece como fundamental, por isso, estabelecer imediatamente e cumprir na prática, uma divisão dos
978
membros do Movimento nas seguintes categorias a) Aderente b) Militante”
.
São igualmente adoptadas classificações relativamente às práticas político-militares
quotidianas numa lógica de consolidação identitária de representação do grupo pelo grupo, mas,
igualmente numa lógica de submissão às hierarquias consignadas pelo grupo: ”O Combatente trata
os seus companheiros da maneira seguinte: “dirigindo-se directamente aos comandantes: camarada comandante;
referindo-se a um dos chefes, dirá “o nosso camarada comandante; dirigindo-se directamente ao Comissário Político
dirá o camarada comissário”; quando se refere ao Comissário Político dirá o nosso camarada comissário; dirigindo979
se a um combatente do mesmo posto dirá: “o camarada”
.
O fim da crise assinala também uma nova etapa no processo de objectivação e
institucionalização do capital político. Com efeito, a consagração de Agostinho Neto é também a
investidura do seu capital político a título pessoal. Significa isto que o capital político do grupo
iria inscrever-se no corpo de Agostinho Neto combinando assim o capital político a título pessoal
de Mário Pinto de Andrade em 1964. Lara (2008: 661); conversa telefónica com Maria do Céu Carmo Reis.
Novembro de 2007.
974
A questão dos intelectuais surgirá em outras crises. Ver Tali I (2001). É igualmente um exemplo de recurso
político de conteúdo variável. A figura do intelectual pode ser valorizada ou desvalorizada segundo as circunstâncias
da luta política. Convém recordar que questão dos intelectuais não faz parte da nossa abordagem
975
Lara (2008: 422). Note-se como o par intelectual/defecção se opõe também ao par militante/fidelidade.
976
Lara (2008: 426-427).
977
MPLA (1964: 12).
978
Lara (2008: 418-419).
979
Lara (2008: 438). Estas classificações são introduzidas após o termo da Conferência. Muito embora estejam
inseridas no âmbito dos princípios gerais que regem a disciplina interna do MPLA aprovado na Conferência de
Quadros.
228
e o capital político delegado. Sendo que, o capital político delegado a Agostinho Neto só adquire
valor no mercado dos bens de salvação política porque investido pelo capital politico a título
pessoal. É que, ainda por cima, ao capital político de notoriedade de Agostinho Neto juntara-se, a
partir de então, o capital político profético ou carismático, na medida em que: “Agostinho Neto
podia já invocar uma legitimidade simultaneamente «nacional» e internacional: por um lado, perante o abandono da
luta por muitos quadros, salvara, pessoalmente, o movimento da infalível fagocitose pela FNLA/GRAE; por outro
lado, seria ele quem iniciaria verdadeiramente a acção armada do MPLA contra o colonialismo e quem anularia,
portanto, a desvantagem deste movimento perante a FNLA. O seu reconhecimento pela OUA chegava, portanto,
980
como a coroação desse esforço. A autoridade de Neto, assim fortalecida, seria desde então incontestável”
.
3.7 O estado latente da questão racial
Na Conferência de Quadros de Janeiro de 1964 formalizou-se a abolição das distinções
raciais nas práticas políticas: “Convida-se insistentemente a todos os angolanos sem distinção de sexo, idade,
raça, crença religiosa, origem étnica, condição social e de fortuna, lugar de domicílio, confissão filosófica, a
concentrarem os seus esforços, no sentido de imprimirem à luta uma intensidade, elevação e ritmo que assegure a
981
conquista da nossa Independência Nacional no mais curto de espaço de tempo”
. Com efeito, a
institucionalização do capital político corporizado em Agostinho Neto (percepcionado como
negro) desvalorizara o papel das propriedades rácicas/características somáticas como recurso nas
lutas políticas na medida em que: “Se se conseguiu encontrar uma solução coerente com o anti-racismo –
princípio fundamental – do MPLA foi graças à chegada de Neto à direcção do Movimento, isto é, de um negro, e
por isso mesmo em posição de defender o direito igual dos mestiços a serem dirigentes – ficando por assim dizer,
sob a sua autoridade e a sua protecção. Portanto a chegada de Agostinho Neto transformou profundamente os
dados do problema racial no MPLA”
982
.
Doravante, do ponto de vista ideológico-identitário, o nacionalismo do MPLA na sua
dinâmica de expansão, podia apresentar-se como: cívico e territorial; anti-colonial e multirracial;
“humanista e cristão”983 e proclamar assim um ideário de nação total e abrangente na busca de
uma dimensão universal. É de salientar que o MPLA era igualmente constituído por indivíduos
980
Tali I (2001:89).
Lara (2008: 429).
982
Messiant in Laban (2003: 243). Itálico no original. Não só no seio do MPLA como no mais amplo espaço do
nacionalista angolano.
983
Messiant (1994: 162).
981
229
que, embora envolvidos na génese e consolidação desta conceptualização ideológico-identitária,
tinham uma formação marxiana e marxista984.
Graças a esta representação da “realidade política”, o MPLA iria alargar as suas bases
de apoio não só junto da maioria do denominado grupo etnolinguístico ambundo – grupo que
passa a funcionar como grupo mobilizado em torno do MPLA e do seu presidente Agostinho
Neto – como, igualmente estender a sua influência à faixas populacionais do denominado grupo
etnolinguístico bakongo. Mas o MPLA iria igualmente, conseguir uma forte adesão da maioria
das populações “urbanas” de Luanda e Benguela.
Todavia, se com o fim da crise as classificações assentes em propriedades
rácicas/características somáticas são formalmente abolidas como recursos nas lutas políticas,
podemos inferir que em certa medida estas classificações permanecem em estado latente, prontas
a serem apropriadas em novos contextos de crise985.
Em síntese:
A luta anti-colonial foi um factor decisivo para a configuração e estruturação do
campo político angolano. Mas o campo político angolano estrutura-se e configura-se
igualmente através da relação competição/conflito, entre o MPLA e a FNLA.
984
Está ainda incompleto o estudo dos actores políticos em Angola nas suas relações com as filiações ideológicas.
Por vezes tem-se recorrido à filiação política de tipo organizacional para se caracterizar certos agentes. É o caso de
Viriato da Cruz considerado marxista por estar na origem da criação do Partido Comunista Angolano ou então
Agostinho Neto, pelo facto de ter estado ligado ao Partido Comunista Português. Quanto a nós, uma tal questão pede
investigações ligadas, por exemplo, à construção social do marxismo e, de um modo mais abrangente, do campo
ideológico nacionalista em Angola, assim como o estudo da circulação internacional das ideias revolucionárias.
Merece, contudo, destaque um artigo pioneiro, acerca dessa questão, de Christine Messiant em Laban e Messiant
(2003).
985
Com efeito um indicador dessa latência é vislumbrável pela seguinte afirmação que consta nas actas das sessões
da Conferência: “ Quanto ao racismo é preciso acabar com isso dentro do Movº. É preciso acabar com a
superioridade dos mulatos e dos pretos assimilados pensarem que os mulatos são privilegiados. (…) Quanto ao
racismo, (que é tão complicado como o próprio homem. Os maus hábitos duma existência não se mudam num dia e
isso depende da sua vontade. Exercício pessoal para podermos suportar a convivência de pessoas que por instinto
nos pareçam incompatíveis com a nossa maneira de ser”. Lara (2008: 403-404).
230
A dinâmica do campo político angolano merece ser compreendida à luz do contexto
sub-regional, nomeadamente no que concerne à influência que tiveram os dois
Congos nas acções políticas destas duas organizações.
A relação de conflito/competição, entre os dois protagonistas da luta armada anticolonial, confere ao campo político angolano as características de um espaço de crise.
Foi possível constatar, através do percurso de legitimidade política destas duas
organizações, que cada uma dessas organizações é atravessada por sucessivas crises.
O que confere, a cada uma das mesmas, as características de um espaço de crise.
Estas sucessivas crises estão, em certa medida, ligadas a processos de
institucionalização do capital político.
Quanto ao capital político, vimos que as lutas políticas são também um confronto
entre as duas espécies de capital político, o capital delegado e o capital a título
pessoal sendo que, frequentemente, o capital político de autoridade e reconhecimento
do grupo instituído estão submetidos ao peso específico do capital político a titulo
pessoal.
No respeitante à questão racial, foi possível constatar a conversão das classificações
assentes em propriedades rácicas/características somáticas em classificações
políticas. Constatação vislumbrável não só nas lutas políticas entre o MPLA e a
UPA/FNLA, mas sobretudo no seio do MPLA, onde adquirem grande relevância nas
lutas políticas pelo controlo da direcção do Movimento.
Estamos assim perante um conjunto de elementos que indiciam, por um lado, dinâmicas
de continuidade no respeitante ao recurso a um sistema de classificação que contém um
princípio, de inclusão/exclusão, fundamentado na noção de raça. Indiciam, por outro lado,
dinâmicas de ruptura no respeitante à (re)avaliação, (re)hierarquização e à consequente
recomposição estatutária de grupos com base em categorias raciais.
Mas a ruptura estabelece-se igualmente no respeitante ao monopólio de um sistema de
classificação racial. Assim, se estas classificações eram monopolizadas pelo Estado e pela
sociedade colonial, a partir de então e à medida que o campo político angolano se estrutura e
configura, estas categorias começam igualmente a serem apropriadas por esse mesmo campo
político angolano. O que é um indicador de que, doravante, serão as circunstâncias políticas que
determinarão a raça e não o contrário.
231
O período compreendido entre 1960-1964 assinala um momento de transformação de
um sistema de classificação racial, (re)produzido no quadro da política colonial e que se havia
disseminado no espaço social colonial – tanto no seio dos colonizados como dos colonizadores –
em classificação integrante do mais vasto sistema de classificação, política. Processo de
(re)conversão que, por sua vez, confirma, num tempo de ruptura com a ordem colonial, a
existência de um universo autónomo com características e regras próprias. Sendo estas, já não
ditadas pelo mundo social mas sim por este mesmo universo que se denomina campo político
angolano.
232
Capítulo VI. O período tripolar e o regresso da questão racial. (1966-1975)
1. Introdução
O ano de 1966 assinala a extensão do conflito militar, até então confinado no Norte de
Angola, para o Leste do país. Esta região tornar-se-á doravante, e sobretudo a partir de 1968, o
principal teatro do conflito militar entre a guerrilha nacionalista angolana e o exército português.
233
Esta expansão territorial da luta armada é protagonizada, de modo variável, pelo MPLA, pela
FNLA/GRAE e pela UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola que se
constituíra na terceira força político-militar desde 1966986.
A expansão no Leste possibilitara à guerrilha nacionalista contornar as dificuldades
sentidas no Norte de Angola onde o exército português havia dado início às operações militares
de grande envergadura. Tal devia-se ao facto de o exército luso ter adquirido uma maior
capacidade militar de combate contra a guerrilha, pois conseguira não só aumentar as suas
unidades de combate como melhorar o equipamento das mesmas.987 Esta situação militar,
favorável, era reforçada pela pressão económica que Portugal exercia sobre o Congo Kinshasa,
nomeadamente quando se tratava de negar a este país o acesso ao caminho-de-ferro de Benguela,
tão indispensável para o escoamento do seu principal produto de exportação: o cobre. Tal forma
de pressão obrigava o governo congolês a limitar o apoio aos guerrilheiros nacionalistas da
FNLA.
Podemos assim considerar que, a partir de 1968, no Norte de Angola, o exército
português tinha conseguido, se não extinguir, pelo menos reduzir significativamente os efeitos da
guerrilha na região988. Pelo contrário, no Leste de Angola, o exército português e apesar de
alguns resultados apreciáveis, ainda não conseguira deter o avanço da guerrilha na região989.
986
Sendo que, no Norte de Angola, a actividade militar se restringia a FNLA e ao MPLA.
Referimo-nos, por exemplo, as operações “Nova luz” (1968) e “Robusta” (1969) ambas realizadas no Norte de
Angola. A primeira consistia em desalojar as forças militares do MPLA que estavam sitiadas na região. A segunda
consistia sobretudo na deportação e aldeamento das populações locais em grande escala de modo a retirar o apoio
das populações aos movimentos de libertação. Gomes e Afonso 7 (2009: 47-49) Idem 10 (2009: 37-39). Mas a
estratégia do exército colonial passava igualmente pela destruição das terras de cultivo das populações através do
recurso a desfolhantes químicos, de modo a cortar a ligação entre estes últimos e a guerrilha, com forte impacto na
saúde e alimentação das populações Gomes e Afonso 10 (2009: 74-75); Gomes a Afonso 11 (2009: 23-24). O uso de
herbicidas e desfolhantes deu-se tanto no Norte de Angola como no Leste. Idem 10 (2009: 74-75). A primeira
experiência de guerra química fora feita em 1966 no Norte de Angola, na zona de Nambuangongo em que foram
empregues desfolhantes químicos. Idem 7 (2009: 47-49).
988
Gomes em “Balanço da guerra“ Angola 40 anos de Guerra”(s/data: 38). Obviamente que a eterna falta de
unidade entre o MPLA e a FNLA, agravara ainda mais o nefasto o quadro militar da guerrilha nacionalista na região.
989
A título de exemplo: “com a abertura da “Frente Leste», a área abrangida pelas operações passará dos cerca de
200.000 km2 anteriores, apenas no Norte do território, para uma área muito maior, de cerca de 500.000 km2”. David
Martelo em Gomes e Afonso 9 (2009:6). Em Fevereiro de 1970 a situação militar atingira um tal estado de
gravidade que as autoridades coloniais consideravam que: “a situação político-subversiva em Angola é grave e tudo
indica que venha a piorar a curto prazo”. Gomes a Afonso 11 (2009: 16-17). Ver igualmente Joaquim Chito
Rodrigues em Moreira e varii (2000:111); Nunes (2002: 6)
987
234
A partir de 1970, o comando militar português iria reformular a estratégia militar de
modo a alterar correlação de forças com o braço armado nacionalista990. Estratégia que passava
pela concentração de um maior número de forças em armas no leste de Angola. Foi assim criada
em 1971 a ZML (Zona Militar Leste): “com um Comando Conjunto, dos três Ramos das Forças Armadas e
991
em que foram descentralizadas e atribuídas responsabilidades operacionais e de Governo civil”
.
Em termos operacionais, nova estratégia de luta contra a guerrilha caracterizou-se por
operações prolongadas de forças especiais e helicópteros numa acção conjugada com a
PIDE/DGS. O principal objectivo era impedir a constituição e fixação de bases da guerrilha em
solo angolano992.
Outro mecanismo, de contenção do inimigo, foi o recurso à acção psicológica de modo
a captar as populações para os novos aldeamentos e também a aliciar os guerrilheiros
nacionalistas no sentido de combaterem a favor da causa colonial993. Esta acção era
acompanhada por uma política de “recrutamento local de voluntários”; o que possibilitou a
criação de “forças auxiliares” do exército português994.
990
Neste processo de reformulação da estratégia político militar podemos salientar dois dos seus principais
promotores. O General Costa Gomes que havia assumido o cargo de comandante em chefe das forças armadas em
Angola em Abril de 1970 e, no plano da aplicabilidade da mesma, José Manuel Bettencourt Rodrigues. Antunes
(1996: 113-122); Gomes e Afonso 11 (2009: 28); Nunes (2002:51-52).
991
Rodrigues em Moreira e AA.VV. (2000: 115). A propósito da guerra no Leste ver igualmente Antunes (1995);
Nunes (2002). Ver anexos nº 22 e nº 23.
992
Também conhecido por conceito Siroco. Fora posto em prática pela primeira vez, no Leste, em 1969. Mas,
somente a partir de 1970 é que se intensificou. A constituição do agrupamento Siroco correspondia a um conceito de
emprego de forças especiais desenvolvido pelo Centro de Instrução de Comandos (CIC) de Angola e em especial
pelo seu comandante, o tenente-coronel Gilberto Santos e Castro, a partir da experiência dos Comandos de caça
muito utilizado pelos franceses na Argélia. Tratava-se de um conceito de desenvolvimento de acções de caça em
ambiente de contraguerrilha com apoio de meios aéreos: aviões de reconhecimento e ligação, helicópteros de
transporte táctico de modo a garantir uma maior mobilidade nas acções contra a guerrilha. A PIDE/DGS tinha um
papel fundamental nas acções de recolha e análise de informações tácticas. Gomes e Afonso 10 (2009: 76-77); Idem
11 (2009: 62). Nunes (2002:45-49). Aliás, a PIDE/DGS iria desempenhar um papel crucial, não só no que respeita
ao desmantelamento de grupos de guerrilha situados nas regiões libertadas mas igualmente no respeitante ao
desmantelamento de grupos que se podiam constituir em guerrilha urbana. Gomes e Afonso 10 (2009: 42).
993
Tali I (2001: 133-134); Gomes e Afonso 11 (2009: 76-78). Ver igualmente de modo mais detalhado a questão da
acção psicológica os mesmos Gomes e Afonso 12 (2009: 64-70).
994
Referimo-nos por exemplo a criação de GE - Grupos Especiais, TE -Tropas Especiais e Flechas que participavam
nas operações integrados nas forças militares portuguesas. Gomes e Afonso 11 (2009: 76-78). Ver igualmente
Correia (1996: 29); ver o mesmo Correia em Moreira e AA.VV. (2000: 153); Nunes (2002:63-70). Trata-se, quanto
a nós, de uma estratégia de desracialização/africanização do carácter da guerra dando lhe assim um cariz de
confronto entre angolanos independentistas e angolanos integracionistas. Baralhava-se assim o jogo político das
identidades.
235
Mas Portugal soube tirar partido da relação conflito/competição entre os três
movimentos armados nacionalistas, tendo chegado ao ponto de ter conseguido um acordo com
uma das organizações armadas: a UNITA995.
Mas os constrangimentos da guerrilha nacionalista no Leste não se ficavam por aí.
Deviam-se igualmente a um contexto regional pouco favorável para o desenvolvimento da
guerrilha nacionalista. Com efeito, a Zâmbia, que adquirira a independência em 23 de Novembro
de 1964, desempenhava um papel fundamental para a expansão da guerrilha desde 1966, ano em
que este país, situado junto à fronteira leste angolana, começou a funcionar efectivamente como
terceira retaguarda geo-militar dos movimentos nacionalistas armados. Todavia, a Zâmbia iria
igualmente contribuir para os limites da expansão da guerrilha nacionalista armada. E, mais uma
vez, entra aqui a questão do caminho-de-ferro de Benguela.
Com efeito o novo Estado independente, geograficamente encravado e sem acesso ao
mar, dependia do Caminho-de-ferro de Benguela e do porto do Lobito para escoar o seu
produtos, sobretudo o cobre, como se disse, principal produto de exportação deste país. Sendo
assim, os guerrilheiros podiam usar o território zambiano como ponto de partida para a
actividade militar, mas, na condição de não atacarem ou sabotarem a linha do caminho-de-ferro
de Benguela. Acontece que tal condicionante limitava substancialmente um dos principais efeitos
pretendidos pela guerrilha no respeitante à luta de libertação nacional: abalar profundamente a
estrutura económica colonial996.
Não é demais sublinhar que a dimensão regional do conflito armado entre portugueses e
nacionalistas armados também se manifestou no aproveitamento por Portugal de alguns
refugiados, que se haviam estabelecido em Angola,997como forma de pressão sobre governos
vizinhos que apoiavam os movimentos de libertação,
995
“ O Leste convertera-se na zona de guerra de todos contra todos, o que, a longo prazo, só beneficiava a potência
colonial”. Josep Sánchez Cervelló em Gomes e Afonso 8 (2009: 102). Ver igualmente Daniel Chipenda em Antunes
(1996: 851).
996
Daí que um autor considerasse que: “A sua política externa foi filha do compromisso entre a necessidade
económica e os princípios independentistas”. O sublinhado é nosso. Antunes (1996: 611). Acerca do papel da
Zâmbia na região ver o mesmo Antunes (1996: 611-622); Tali I (2001:119-120); ver Gomes e Afonso (2009)
Volumes 7, 8, 10,11,12 e 13. Mas havia um outro factor de interdependência regional que afectava negativamente os
movimentos nacionalistas: o papel desempenhado pela África do Sul. Adquirira significativa importância o apoio
logístico ao exército português sobretudo no que concerne a utilização uso de meios aéreos para combater os
guerrilheiros. Gomes e Afonso 11 (2009: 72-75); Nunes (2002: 72-74).
997
Nomeadamente aqueles que eram oriundos do Congo Kinshasa (os antigos gendarmes catangueses) ou oriundos
da Zâmbia. Sendo os primeiros intitulados Fieis e os segundos de Leais. Estes, como forças auxiliares, cooperavam
com o Exército Português. Os primeiros iriam adquirir significativa importância quer em termos quantitativos e
236
Desta breve síntese da evolução do estado de relações de forças entre a guerrilha
nacionalista e o exército português podemos considerar que, em Angola no plano militar,
aquando do golpe do 25 de Abril de 1974, a guerrilha nacionalista nunca ultrapassara a escassez
de implantação territorial. Dos três teatros de guerra (Angola, Moçambique e Guiné), Angola
apresentava-se, militarmente, como a colónia mais bem sucedida. A luta armada nacionalista
nunca ultrapassara o estádio de: “uma guerra de guerrilhas típica, que percorreu as sucessivas fases que os
compêndios assinalam, sem nunca ter chegado à ultima fase, que é aquela em que os guerrilheiros estão prontos a
998
organizar-se em unidades de tipo regular”
.
O presente capítulo compreende três pontos principais: o percurso de legitimidade de
cada um dos três movimentos nacionalistas armados; o regresso da questão racial ao seio do
MPLA num quadro de imobilismo político-militar; o modo como as três organizações armadas
nacionalistas, num quadro de transição para a independência se apropriaram da questão racial, no
respeitante ao uso da categoria branco, num contexto de competição tripolar mas igualmente de
tensão e de confrontos raciais, no espaço social colonial.
No que diz respeito ao primeiro ponto apresentaremos uma sintética descrição da
trajectória de cada uma das organizações nacionalistas armadas, até à assinatura do acordo de
cessar-fogo com as autoridades coloniais, de modo a situar melhor o novo contexto tripolar do
espaço nacionalista angolano. Contexto profundamente marcado não só pela luta armada anticolonial, mas igualmente por uma relação de conflito/competição entre as três organizações
nacionalistas armadas999.
Quanto ao segundo ponto, daremos saliência a dois momentos em que a questão racial
adquiriu grande relevância nas lutas políticas. Referimo-nos à denominada “crise racial de 1972”
que se materializaria na divulgação por parte de um grupo de militantes do MPLA de um
manifesto intitulado “Manifestação Político-militar dos Militantes na II Região”1000. No mesmo é
possível vislumbrar a recorrência, na produção discursiva, de propriedades rácicas/características
somáticas no exercício de questionamento da direcção do MPLA. O segundo momento assinala,
qualitativos na luta contra a guerrilha, nomeadamente no Leste de Angola. Correia em Moreira e AAA.VV.
(2000:147-157); ver igualmente Furtado RTP/DVD (2009) intitulado “Africanizar a guerra”.
998
Correia (1996: 28).
999
E, mais uma vez, voltamos a salientar que no seu percurso de legitimidade cada uma destas organizações será
igualmente atravessada por dificuldades internas. Dificuldades de ordem militar, económica e política as quais, por
sua vez, iriam contribuir para que a quantidade e qualidade das suas acções militares, se tivessem distribuído de
forma equitativa tanto no tempo como no espaço.
1000
Ver anexos nº 24.
237
quanto a nós, o desfecho formal da crise racial no MPLA. Desfecho que teria a sua consagração
com uma resolução, aprovada na Conferência Inter-regional realizada no Moxico em 1974,
intitulada “o problema da comunidade branca”. Esta resolução iria, através da inserção da
categoria branco no princípio da nacionalidade, definir os critérios de inclusão e de exclusão
daqueles que eram classificados de brancos, tanto no MPLA como no mais amplo espaço social
de uma Angola independente.
No respeitante ao terceiro ponto, a nossa abordagem terá em conta o modo como o
campo político angolano, a saber, as três organizações armadas nacionalistas, se apropriou da
questão racial no espaço colonial, num contexto de transição para a independência, apelando
para o princípio da nacionalidade1001. Todavia, tal princípio será complementado por um
emergente princípio, este, gerado pelo próprio campo político angolano, assente numa ordem
trinitária e relacional: a mobilização, a fidelidade e a traição. Ordem que, por sua vez, se torna
fundamento de um outro princípio estruturante: a inclusão/exclusão.
2. Dinâmicas das organizações armadas nacionalistas e evolução da luta anti-colonial.
(1966-1974 )
O período compreendido entre 1966 e 1974 continua a caracterizar-se pela luta armada,
contra a dominação colonial portuguesa então protagonizada, como se disse, por três
organizações nacionalistas: MPLA, a FNLA UNITA. O que significa que a luta anti-colonial
continua a ter um papel decisivo no processo de configuração e estruturação do campo político
angolano. Todavia, o campo político angolano irá igualmente continuar a estruturar-se e a
configurar-se através da relação competição/conflito – desta vez a três – na eterna luta pela
hegemonia no/do respectivo espaço nacionalista1002. Assim, tal como no início da década de
sessenta, o vasto campo político angolano permanece um espaço de crise. Crise em muito
devedora, por um lado, da eficácia do exército colonial e, por outro, da permanente
conflitualidade entre as três organizações nacionalistas armadas.
1001
Sendo que aqui no caso a nossa abordagem terá em conta apenas a categoria branco. Esta opção justifica-se
sobretudo porque tal categoria está fortemente inserida nas estratégias de mobilização política das três organizações
nacionalistas armadas. Em nosso entender a categoria mestiço não terá o mesmo peso político que a categoria
branco. A utilização desta categoria não se traduz num efeito de grupo. Reconhecemos contudo que esta opção
limita a profundidade e extensão do nosso trabalho.
1002
A 2 de Dezembro de 1967 já haviam ocorrido combates entre a UNITA e o MPLA na região de Léua. No Leste
o MPLA chegara a criar um destacamento específico para aniquilar a UNITA, o denominado Esquadrão Anti-Noka.
Gomes e Afonso 8 (2009: 87). Ver igualmente Oliveira Marques em Antunes (1996: 999).
238
Este duplo constrangimento terá em certa medida contribuído para que no plano militar
as organizações nacionalistas armadas se apresentassem, aquando da assinatura do cessar-fogo
com as autoridades coloniais, bastante enfraquecidas militarmente. Porém, e apesar de uma
guerrilha de baixa intensidade que se reflectira num sinuoso percurso político-militar, cada uma
das três organizações nacionalistas armadas acumulara um capital político suficiente para
adquirir o estatuto de incontornável no quadro de uma solução política e independentista para
Angola.
2.1 O percurso de legitimidade da UNITA. Ou a terceira força
A UNITA, terceira força armada do espaço nacionalista angolano, é oficialmente
constituída a 13 de Março de 1966, durante um congresso realizado no interior de Angola, na
região do Moxico, mais precisamente no Muangai. Foi elaborado no mesmo congresso o
“Ideário da UNITA”, conhecido como “O Projecto dos Conjurados do 13 de Março”1003. No dito
Congresso elegeu-se um comité central provisório tendo sido igualmente, por “unanimidade e
aclamação”, eleito presidente da UNITA, o antigo militante da FNLA/GRAE, Jonas Savimbi1004.
Segundo Tony da Costa Fernandes: na sua génese, a UNITA era constituída por aqueles
que estavam mal representados nos outros dois movimentos, o MPLA e a UPNA/UPA/FNLA:
“Éramos originários de Cabinda, Cunene, Huambo, do Bié e de Malanje, muito poucos de Luanda”1005. Esta
diversidade sócio-cultural, que está na origem da composição política da UNITA, não impede
1003
Somente a partir de Setembro é que se constitui um comité central definitivo, do qual podemos destacar os
seguintes elementos: Jonas Savimbi presidente; Smart Chata, Kaniumbu Muliata, Salomon K. Njolomba (vice
presidentes); Kaposo Muliata (finanças) Musole M. Mutapi; Davis Musunga (assuntos laborais). Marcum (1978:
167).
1004
Deparamo-nos com um problema de fontes acerca da presença de Savimbi no Congresso realizado no Muangai.
Na sua versão, Samuel Chiwale, considera que:” O Dr. Savimbi entrou em Angola vindo da Zâmbia em princípios
de Março de 1966. Chegou a Muangai, passando por Lungué-Bungo e Lucusse. (…). O cenário do Congresso foi
simples: o Dr. Savimbi sentado ao lado de uma grande tenda; acompanhavam-no, diante dele, alguns membros mais
destacados, acomodados em cadeiras feitas de caules de árvores”. Chiwale (2008: 94-95). Em Antunes (1996: 97)
Savimbi afirma que: “ Eu entrei em Angola em Outubro de 1966 e fiquei até 1967”. Na revista Jeune Afrique Hors
Série, totalmente dedicado à UNITA, de (Abril de 1996: 88) encontramos o seguinte texto: “C’est le 13 mars 1966,
alors que Jonas Savimbi est encore em Republique de Chine, que s’est tenu le congrés constitutif de L’UNITA”.
Josep Sanchez Cervelló em Gomes e Afonso 7 (2009: 104) considera que aquando do Congresso constitutivo da
UNITA Savimbi encontrava-se ainda na China, tendo entrado em Angola em Outubro de 1966.
10 05
Loanda (1997: 65).
239
que, na memória da génese e no percurso de legitimidade, se confundisse a UNITA com a
trajectória política e pessoal do seu líder Jonas Malheiro Savimbi1006.
A ideologia identitária veiculada pela UNITA assenta no modelo do Estado-nação. A
população e o território nacional – espaço físico com fronteiras definidas – coincidem com a área
de exercício do poder. E, o Estado, responsável pelo processo administrativo, é corporizado por
um governo e sua respectiva política. É portanto, neste quadro ideológico-identitário que a
UNITA considera estar inserida. Trata-se de incorporar na construção do Estado-nação um
conjunto de símbolos e crenças que participam de configurações identitárias em torno da ideia de
pertença a uma única comunidade política1007. A esta ideologia identitária, a UNITA acrescenta
uma doutrina que preconiza uma “autêntica africanidade” assente em valores da negritude
diferenciando-se dos “assimilados” do MPLA e dos “tribalistas” da FNLA1008. Mas, a UNITA,
procurou afirmar-se igualmente como um movimento de guerrilha de base camponesa, através de
uma prática revolucionária frequentemente expressa em termos de símbolos maoistas1009.
10 06
Jonas Malheiro Savimbi (1934-2002), Nasceu no Munhango, Bié, A sua formação educacional deveu-se muito
às missões congregacionistas e católicas. É considerado o mais guerrilheiro dos três líderes nacionalistas. Em 1960
manteve contactos com o MPLA, optaria no entanto por aderir a UPA em 1961 onde assumiria o cargo de Secretário
dos Negócios Estrangeiros do GRAE. Em Julho de 1964 abandona a FNLA/GRAE, tendo se fixado
temporariamente em Brazzaville, onde esteve na iminência de ingressar no MPLA. A partir daí encetou um percurso
singular que o levaria a criar um organização política e militar à sua imagem. O mesmo Tony da Costa Fernandes
considera que: “Foi Savimbi que teve a ideia de uma nova organização política, e acreditávamos que a UNITA
pudesse ser uma formação com expressão nacional, porque nós tínhamos uma concepção diferente da dos outros”.
Loanda (1997: 65).
10 07
O que implica que a UNITA seja reconhecida e incorporada num duplo espaço: o da história e do mito. Para tal
necessita contornar a legitimidade/anterioridade – monopolizada pela FNLA e pelo MPLA – através da legitimidade
da luta armada no interior e da africanidade/angolanidade.
1008
Revista Jeune Afrique Hors série – Angola (Abril de 1996: 91-92). No que diz respeito à distinção perante o
MPLA estamos perante uma nova posição no que concerne à questão racial. Assim, Savimbi que em anos anteriores
rejeitava o MPLA por ser um movimento liderado por mestiços, distingue-se agora do MPLA por ser um
movimento de “assimilados” Estamos perante um discurso de ruptura com uma categoria de exclusão, produto do
arbitrário racial/colonial incorporado. Mas o discurso é igualmente de continuidade, na medida em que se socorre de
uma categoria representativa do arbitrário colonial a categoria assimilado. Quanto à categoria mestiço, Savimbi
justifica, retrospectivamente, numa entrevista a sua anterior desconfiança em relação aos classificados de mestiços:
“Pode parecer racismo e não será a forma como pensamos hoje [...] Contudo era muito difícil, naquela altura, para
os africanos, compreender por que é que os mestiços estavam a liderar um movimento de libertação contra os
portugueses. Para nós não se tornava nada claro que os mestiços sofressem em Angola, eles eram uns privilegiados”.
Bridgland (1987: 50).
10 09
Daí que os primeiros quadros da UNITA se tivessem formado onde se acredita ser possível a aquisição de
saberes necessários para levar a cabo uma estratégia de luta mais adequada às características do espaço social
angolano: a China. A revolução chinesa exemplificava o lugar ideal de lutas travadas e bem sucedidas no plano
político-militar. Savimbi manifesta esta preferência pela China da seguinte maneira: “A revolução de Outubro,
apesar da sua contribuição à luta mundial, não dá no presente os princípios de luta do povo colonial ou semi-colonial
onde as principais forças são os camponeses”. Savimbi (1978:143).
240
Numa perspectiva político-militar, a UNITA veicula uma forte distinção relativamente
aos outros dois movimentos nacionalistas armados: “Eu penso que os vínculos mais importantes de
diferenciação que se pode considerar no passado, [são] os métodos de luta. Os dirigentes da UNITA desmembraramse da FNLA porque partiam do princípio de que os dirigentes que conduziam a luta armada tinham que se fixar no
1010
interior de Angola”
. Uma distinção que iria adquirir forte carga simbólica, pelo facto de a
UNITA ter organizado o seu primeiro congresso dentro do território angolano antes da
independência1011.
Todavia a UNITA é ainda, no plano militar, uma organização incipiente1012. No ano de
1966 a UNITA havia realizado três acções militares, contra posições militares portuguesas, com
resultados ínfimos1013.
Em 1967, devido ao ataque contra linha do caminho-de-ferro de Benguela, a UNITA
viu o seu apoio por parte do governo Zambiano bastante reduzido, chegando ao ponto de
Savimbi ter permanecido preso no dito país durante dez dias; tendo sido posteriormente expulso
para o Egipto1014. A partir daí, a UNITA, e até à realização do seu segundo congresso que iria
assinalar o regresso do líder providencial, entrou num estado de crise político-militar que iria pôr
em risco a coesão do grupo político recentemente constituído: “Quando lá cheguei havia divisões na
UNITA e desentendimentos entre comandantes. A minha ausência prolongada tinha feito com que houvesse
fragmentação e o meu primeiro trabalho consistiu em unir toda a gente, as facções militares. Trabalhamos
1015
duramente até congregar outra vez todos os esforços e recomeçar o combate”
.
Do segundo congresso realizado em 1969, entre 24 e 30 de Agosto, iria emanar um
efectivo programa político, com objectivos internos e externos definidos. Foram igualmente
1010
Entrevista com Alcides Sakala, dirigente da UNITA, em 08/2007.
Gomes e Afonso 10 (2009: 85).
10 12
As actividades militares da UNITA em Angola desenrolaram-se, inicialmente, no distrito do Moxico com o
apoio das populações locais. No entanto o MPLA e a FNLA disputavam também essa área em nome de uma
legitimidade/anterioridade, tanto na génese como na luta armada.
1013
Em Setembro de 1966 atacou os postos de Kalungula; a 4 de Dezembro atacou o posto de Kassamba e a 25 de
Dezembro atacou a vila de Teixeira de Sousa operação na qual foi morto o chefe de posto local da PIDE. Embora
mal sucedido o ataque a Teixeira de Sousa adquirira o estatuto de data mítica. Marcum (1978: 160-169).
1014
Guerra (2002:53). Antunes (1996: 97).
1015
Savimbi em Antunes (1996: 98). A UNITA chegara ao ponto de ter sofrido uma série de deserções de alguns
militantes de entre os quais podemos salientar o major Tiago Sachilombo, que em Fevereiro de 1969 fora aliciado
pela PIDE e desertara com centenas de guerrilheiros entregando-se às autoridades portuguesas e, no mesmo ano,
Samuel Chavala Muanangola que se entregara à FNLA. Deparamo-nos com mais um exemplo duma figura
estruturante da organização política: o traidor. Savimbi (1979:21-22); Josep Sánchez Cervelló em Gomes e Afonso
10 (2009:102).
1011
241
criadas estruturas orgânicas típicas de um partido político. Assim, foi eleito um comité central
constituído por 30 elementos dos quais 12 formaram o bureau político1016.
Todavia, importa aqui sublinhar que de nada valem aqui os mecanismos de delegação
política. A investidura, mera formalidade jurídica, tem apenas por função reforçar o capital a
título pessoal de Jonas Savimbi. O chefe corporiza não só o capital político delegado como o
capital político a título pessoal1017. Estamos perante um caso de institucionalização do grupo
político pelo indivíduo e corporizado pelo mesmo desde a génese até à estruturação do grupo
político-militar1018.
No entanto a UNITA continuava a não ter grande expressão militar. Sendo que as suas,
raras, actividades de guerrilha se restringiam praticamente à zona do Lungué-Bungo. A decisão
chinesa de suspender o auxílio militar, a ausência de um apoio efectivo por parte do governo
zambiano, a concorrência do MPLA no leste de Angola, e a pressão da tropa portuguesa eram
factores contributivos para a sua reduzida margem de manobra político-militar. A UNITA,
praticamente isolada no Leste de Angola, ainda lutava pela sua sobrevivência1019.
Talvez, por uma questão de sobrevivência política, a UNITA tivesse necessidade de
fazer acordos com as autoridades coloniais1020. A primeira plataforma de entendimento, que se
assemelhava mais a uma espécie de imposto revolucionário, acontecera com os madeireiros
portugueses1021. Estes para poderem extrair a madeira pagavam à UNITA em víveres e
medicamentos ou em dinheiro os produtos que os guerrilheiros obtinham na floresta1022.
Posteriormente, este entendimento foi assumindo as características de um verdadeiro acordo de
cessar-fogo quando se estendeu às autoridades militares coloniais. Grosso modo, o entendimento
1016
Bridgland (1988: 97); Guerra (1993:166), considera que o comité central era constituído por 31 membros. Ver
também Josep Sánchez Cervelló em Gomes e Afonso 10 (2009:102-103).
1017
E, à medida que o grupo instituído se estrutura e configura, o chefe concentra na sua pessoa não só o capital
político mas igualmente o capital militar.
1018
Daí que tenhamos optado por não apresentar a lista dos membros do “bureau político” como indício de capital
político delegado.
1019
O que explica em certa medida o facto de a UNITA não conseguir afirmar-se como efectiva organização política
de âmbito nacional. Com efeito, a UNITA era constituída por uns escassos 1300 guerrilheiros, e dispunha de um
armamento bastante reduzido, sendo que a escassez populacional das suas zonas de actuação impedia o
recrutamento de novos militantes. Gomes e Afonso 12 (2009:99) Todavia há quem considere que a UNITA
realizava um notável trabalho de mobilização das populações nas suas zonas de actuação, não só no Moxico mas
igualmente no Bié região de onde Savimbi era originário. Socorro Folques em Antunes (1996: 698). Ferrrand
d’Almeida em Antunes (1996: 745).
1020
Gomes e Afonso 12 (2009: 99).
1021
“A extorsão de «impostos de guerra» dos proprietários brancos de plantações, e de outros empresários brancos,
era também prática corrente da FNLA, em parte dos distritos no norte”. Heimer (1980:115).
1022
Gomes e Afonso 12 (2009: 49).
242
entre a UNITA e os militares portugueses consistia no seguinte: à UNITA era assegurada a livre
circulação, numa extensa área situada nos rios Lungué-Bungue, ao sul do caminho-de-ferro de
Benguela, área onde as tropas portuguesas não podiam penetrar. Por seu turno, a UNITA
combateria o MPLA e fornecia informações militares acerca do mesmo. O acordo implicava,
também, o fornecimento por parte das autoridades portuguesas de material e de logística1023. Esta
relação entre a UNITA e o exército português nunca deixou de funcionar como um estigma para
a organização nacionalista1024. O que fez com que nas lutas políticas de classificações no seio dos
nacionalistas, a UNITA fosse classificada de traidora. Epíteto corporizado pelo seu líder1025.
Em Setembro de 1973, depois de praticamente dois anos de tréguas com o exército
português, a UNITA voltou a dar início às actividades militares. A partir daí as autoridades
militares portuguesas da ZML começaram a planear as operações militares de grande
envergadura. Foi o caso da denominada “Operação Castor” executada Em Janeiro de 19741026.
A UNITA tornava-se assim o movimento militar que, à chegada do golpe de Estado
revolucionário do 25 de Abril, obrigava ao empenhamento de maior número de efectivos do
exército português e que mais baixas vinha, provocando1027. Mas mesmo naquele tempo
dispunha apenas de algumas centenas de homens armados, e de um equipamento militar bastante
reduzido1028.
1023
O nome de código Operação Madeira deriva do facto de o contacto entre a UNITA e o exército português se ter
estabelecido através dos madeireiros portugueses que trabalhavam nas regiões florestais ocupadas pela UNITA. Os
acordos duraram até 1973. Josep Sanchez Cervelló em Gomes e Afonso 7 (2009: 25). Manuel Catarino em Gomes e
Afonso, Separata XII (2009: 12); Nunes (2002:82-83).
1024
Com efeito, a correspondência entre a UNITA e as autoridades portuguesas viria a ser publicada na revista
Áfrique-Ásie com o título “La Longue Trahison de l’UNITA” no nº 61 de 3 de Julho de 1974 num artigo não
assinado mas da autoria de Aquino Bragança. Joseph Sanchez Cervelló em Gomes e Afonso 7 (2009: 25). Ver os
mesmos Gomes e Afonso 12 (2009: 75-76) Gomes e Afonso 13 (2009: 51 e 54)) ver igualmente a posição da
UNITA acerca da Operação Madeira a posteriori em Savimbi (1979: 37-39) e Chiwale (2008:141-146).
1025
Savimbi refuta a posteriori tal epíteto justificando que: “A UNITA ficou assim entre três fogos: as tropas
portuguesas, o MPLA e a FNLA. O general Bethencourt Rodrigues e os outros militares portugueses acharam que a
UNITA não representava grande perigo e que o MPLA e a FNLA é que eram um perigo”. O mesmo confirma a
relação (acima supracitada embora não se refira ao dinheiro) com os madeireiros e que os mesmos serviram de
intermediários nas tréguas com as tropas portuguesas. E no respeitante ao acordo com o exército português, Savimbi
reconhece que aceitou o pacto de não agressão mútua: “Se o objectivo deles era não nos atacarem e nós não os
atacarmos a eles, porque é que não havíamos de aceitar? Nós aceitamos. Mas nunca o Governo nem qualquer militar
nos pediu para atacarmos o MPLA. (…). Era necessária esta arte da sobrevivência. Aprendi-a com homens como
Mao e Nasser se você não pode combater, você negoceia”. Savimbi em Antunes (1996: 98-99).
1026
Este retomar do conflito deveu-se, em certa medida, à chegada de um novo comandante-em-chefe da ZML,
Abel Hipólito Raposo que defendia o fim do cessar-fogo pois considerava a UNITA ao mesmo nível que os outros
movimentos armados. Vasconcelos Raposo em Antunes (1996: 598); Costa Gomes em Antunes (1996:120); Correia
(1991: 39-40).
1027
Correia (1991: 76).
1028
Heimer (1980: 39-40).
243
Em Junho de 1974 a UNITA assinaria um acordo de cessar-fogo com as autoridades
militares portuguesas. Ao antecipar-se às outras duas forças rivais, a UNITA ganhara tempo no
trabalho de mobilização da população1029. O que justifica em certa medida o facto de em finais
de 1974, a UNITA ter conseguido uma forte adesão de jovens das zonas do centro e sul,
permitindo-lhe assim dispor de cerca de 4000 homens, muito embora não possuísse ainda o
apetrechamento militar necessário para enfrentar os seus rivais da FNLA e do MPLA1030.
2.2 O percurso de legitimidade da FNLA
Em finais dos anos sessenta, a actividade político-militar militar da FNLA chegara a
uma estagnação quase total. Com efeito, a FNLA ainda não conseguira ultrapassar as sequelas
das crises e dissidências de 1964 e 1965.
Muito embora mantivesse alguma actividade armada no Norte de Angola junto à
fronteira com o Congo Kinshasa1031, onde se destacara igualmente pelo confronto com o rival
MPLA, a ausência de uma efectiva implantação no interior de Angola teve consequências no seu
capital de reconhecimento internacional como legítimo representante da luta anti-colonial1032.
Somente a partir de 1968 é que a FNLA inicia as suas primeiras actividades de carácter
militar no Leste, a partir de fronteira congolesa com a Vila de Teixeira de Sousa, sem contudo
conseguir uma real implantação militar na região1033. A mobilização político-militar permanecia
restringida praticamente a um território composto sobretudo por uma população inserida no
grupo etnolinguístico Bakongo1034.
1029
Quanto a nós esse trabalho de mobilização tivera o seu desenvolvimento aquando do cessar-fogo com o exército
português no âmbito da Operação Madeira.
1030
Tali II (2001: 43).
1031
A actual República Democrática do Congo teve várias designações. Já fora República do Congo, passou a ser
Congo Kinshasa e por último a partir de 1971 passou a denominar-se de República do Zaire.
1032
Em 1968 o Comité Especial da OUA recomendava que todos os países se recusassem a reconhecer o GRAE.
Gomes e Afonso 9 (2009: 54). A 21 a 23 de Junho de 1971 a OUA retirara o seu reconhecimento ao GRAE. Muito
embora a Nigéria conseguira fazer aprovar uma resolução que autorizava os países que o desejassem a continuar a
apoiar o GRAE. Gomes e Afonso 12 (2009: 57).
1033
Gomes e Afonso 9 (2009: 45); Nunes (2002: 16). A 20 de Janeiro de 1969 guerrilheiros do ELNA atacaram
uma brigada de trabalhadores do Caminho-de-ferro de Benguela na região de Cafungo, Moxico, resultando a morte
de 15 trabalhadores e 32 feridos e dois desaparecidos. Gomes e Afonso 10 (2009:19).
1034
O que facilitava, nas lutas classificação política, a sua inserção num quadro étnico e regional, retirando-lhe deste
modo o carácter de organização nacional.
244
Mas os constrangimentos político-militares da FNLA eram acentuados por um conjunto
de factores de ordem internacional e regional que, na sua interdependência, contribuíam para
uma fraca actividade militar, limitando assim os efeitos da mesma no campo político angolano.
Um destes factores foi o contexto de guerra-fria que se reflectiu na variabilidade, quer
em termos qualitativos como quantitativos, dos apoios externos concedidos à FNLA.
Podemos assim considerar que a FNLA fora em parte uma vítima da nova ordem
internacional emanada após o fim da Segunda Guerra Mundial. O que se deve, em certa medida,
ao modo como o governo norte-americano encarou, no quadro da rivalidade com a URSS, a
questão angolana: “A instalação do quadro da guerra-fria contribuiu para tornar mais difíceis as opções de
Washington, obrigado a ter em conta dos seus aliados europeus. Em termos muito genéricos, a administração norteamericana oscilou entre duas tendências: a de favorecer a conservação dos sistemas coloniais, para evitar um vazio
que a União Soviética poderia vir a preencher; e a dar o seu apoio a formas moderadas de nacionalismo cortando o
caminho à penetração comunista (um perigo que variava de região para região, tendo muito maior peso na Ásia do
1035
que em África”
. Assim, e apesar de defender o princípio do direito à autodeterminação dos
povos colonizados, tornara-se prioritário para o governo de Washington “moderar” o
nacionalismo da FNLA de modo a garantir um bom relacionamento com o governo de Lisboa.
Sendo assim um envolvimento em grande escala na causa independentista angolana não fazia
parte das prioridades do governo norte-americano1036. Esta política foi consubstanciada de forma
mais evidente a partir da tomada de posse de Richard Nixon1037.
Num quadro de guerra-fria Portugal, como membro da NATO, era um aliado
fundamental na luta contra o “comunismo soviético”. Esta aliança era reforçada pela necessidade
que os EUA tinham de utilizar a base militar das Lajes situada numa das ilhas dos Açores para
defender os seus interesses no Médio Oriente, cuja situação militar se tinha agravado com a
dimensão regional do conflito israelo-palestiniano1038.
Mas essa privilegiada relação com Portugal também era sustentada por interesses
económicos. Com efeito, os Estados Unidos faziam parte dos países beneficiados, tal como os
1035
Manuel (2006:42). Considera um autor que : “Ainsi au cours de cette première période, les EUA jouent deux
cartes : l’une, celle de l’équilibre des forces au niveau mondial en ménageant leur allié, le Portugal, l’autre celle du
régionalisme, en aidant secrètement, l’un des mouvements de libération, favorable à leurs intérêts“. Gonidec (1993:
49).
1036
Convém ainda recordar que a escalada da guerra do Vietname obrigara os EUA a uma forte concentração de
meios logísticos e financeiros no Sudoeste Asiático. Wright (2000:108-109).
1037
Wright (2000:110-117).
1038
O conflito israelo-palestiniano adquirira proporções regionais devido à intervenção dos países árabes como por
exemplo o Egipto, a Síria e a Jordânia. Wright (2000:112-113).
245
outros países ocidentais, da política de abertura por parte do regime português à entrada de
capital estrangeiro. Esta política possibilitou aos Estados Unidos investir em Angola em
múltiplos sectores da economia colonial: o petróleo, as minas e a agricultura. Sendo que o
primeiro adquirira o estatuto de sector chave para os interesses económicos americanos1039.
Este exercício de realismo político por parte de Washington terá condicionado a
dimensão dos apoios do governo zairense à FNLA a qual, obviamente, estava condicionada tanto
pelo quadro da guerra-fria como pelos interesses norte americanos em Angola1040.
Todavia, num quadro estritamente regional, convém recordar que Portugal dispunha
ainda de dois trunfos fundamentais: os refugiados do Katanga e o caminho-de-ferro de Benguela.
Os refugiados katangueses sedeados em Angola, gozavam da protecção das autoridades
coloniais, e podiam a qualquer momento funcionar como elemento desestabilizador do regime
presidido por Mobutu, caso as autoridades coloniais assim o entendessem; quanto ao caminhode-ferro de Benguela, tal como foi assinalado, tornara-se cada vez mais vital para a economia
zairense.
Essa fragilidade de ordem político-militar e económica contribuiu, em certa medida,
para o estabelecimento de relações directas entre Kinshasa e Lisboa1041. Um entendimento que se
reflectiu na, fraca, capacidade militar da FNLA1042.
Esta relação de dependência relativamente ao governo do Zaire ir-se-ia tornar mais
notória quando em 1972 soldados do ELNA, incluindo o seu Estado-maior, se amotinaram, na
base de Kinkuzu, contra a direcção da FNLA1043. A revolta, que só fora contida graças à
1039
Referimo-nos por exemplo às actividades da Cabinda Gulf Company, filial da Gulf Oil Corporation, que
começara a explorar petróleo em Cabinda em 1968. Wright (2000:114-116); (Mbah (2005: 420-426).
1040
Segundo Heimer (1980: 37) o governo de Mobutu nunca permitiu que a FNLA perturbasse a presença
portuguesa em Angola nem deixou crescer a FNLA ao ponto de se tornar uma ameaça ao governo zairense como
acontecia com os palestinianos no Líbano. O mesmo considera que: “Como é evidente, esta política foi acordada, e
tornada possível, pelo principal mentor internacional de Mobutu, os Estados Unidos”.
1041
Através da Embaixada de Espanha no Zaire onde em Setembro de 1971 passou a ser acreditado o diplomata
português António Monteiro, como encarregado de Negócios. Também se estabeleceram contactos directos entre as
mais altas autoridades coloniais e a cúpula do poder zairense. As relações entre Portugal e o Congo Kinshasa
permitiram também que este último país aumentasse o seu abastecimento pois abriu-se ao comércio com Angola e
África do Sul. Esta abertura por parte do governo do Zaire permitiu que Portugal estivesse ao corrente do que
sucedia no Zaire. O que tornou possível ter um controlo indirecto, da actividade da FNLA. António Monteiro em
Antunes (1996: 638-640). Sobre a situação militar no Norte de Angola ver Josep Sánchez Cervelló em Gomes e
Afonso 12 (2009:92).
1042
Em 1971 a actividade política e militar da FNLA cessara praticamente no Norte e no Leste. Josep Sánchez
Cervelló em Gomes e Afonso 12 (2009:97). Ver igualmente António Monteiro em Antunes (1996:635-640).
1043
Após a revolta de Kinkuzo, a FNLA anunciou a reorganização das suas forças militares. Foi assim criado um
Comando Supremo em substituição do Estado-maior Central, sendo igualmente criados três estados-maiores nas
246
intervenção do exército zairense, demonstrara o quão frágil era a posição de Holden Roberto no
seio da FNLA1044. Kinkuzo assinala quanto a nós, um momento crucial de desvalorização, do
capital político a título pessoal, de Holden Roberto, percepcionado, cada vez mais, como
dependente do capital político do governo congolês, para não dizer de Mobutu1045.
De um modo retrospectivo Holden Roberto dá a entender que a aliança com Mobutu
fora sobretudo ditada mais pelas circunstâncias geopolíticas do que por um quadro de afinidades
historicamente construídas; nem mesmo o facto de ter sido, alegadamente, casado com uma irmã
do mesmo parece ser razão suficiente para um tipo de relacionamento em que a afinidade
suplante a necessidade1046: “ para mim, a aliança com Mobutu foi sempre uma nevrálgica questão táctica, o
ponto estratégico foi a manutenção da guerra em Angola contra o colonialismo português. Podem inventar o que
quiserem, mas quando olho para trás e observo a importância geoestratégica do Congo, permaneço com a
consciência tranquila. (…) esta «relação pecaminosa» foi a única opção possível contra o colonialismo português e
a manutenção da guerra em Angola. O nosso objectivo político-militar foi sempre conquistar uma fracção do
território nacional alargado de forma a instalarmos o GRAE e não ficarmos dependentes do cenário político
congolês e da sua estabilidade”
1047
.
Convém salientar que apesar das “boas relações” com Portugal o governo de Mobutu
garantira sempre um apoio mínimo à FNLA. Com efeito, assegurar a existência da FNLA era um
trunfo político no quadro da diplomacia internacional e regional. Ao apoiar a FNLA o governo
de Mobutu mantinha a pressão sobre Portugal e demonstrava perante os países membros da OUA
o seu engajamento na luta anti-colonial1048.
Mas este empenho do governo da República do Zaire, na causa nacionalista angolana,
merece ser também apreendido no quadro de uma nova relação triangular: China/Zaire /FNLA;
relação que terá efeitos tanto na luta armada como no lugar que a FNLA irá ocupar no espaço
frentes de guerra. Gomes e Afonso 13 (2009:23). Todavia, segundo Mbah (2005: 441), somente
em 1973 é que
o governo zairense decidiu reorganizar as suas tropas e as da FNLA em simultâneo.
1044
Para saber a versão de Holden Roberto acerca da revolta de Kinkuzo ver Nganga (2009: 229-232).
Daí que nas estratégias de estigmatização, da FNLA, o MPLA recorria a uma nova designação. Às expressões
“tribalistas” e “racistas” foram complementadas com a designação de “movimento de fantoches”. Tali II (2001:
104).
1046
Holden Roberto era cunhado de Mobutu. Guerra (2009: 87). Põe-se aqui quanto nós a questão do tipo de relação
que o campo político estabelece com as relações linhageiras ou de parentesco, nomeadamente no que respeita aos
efeitos destas últimas no dito campo e vice-versa.
1047
Holden Roberto em Nganga (2008: 195).
1048
O desaparecimento da FNLA teria como consequência a marginalização deste país num quadro regional e
africano. Interessava portanto a este país ser reconhecido como um Estado engajado na luta de libertação de Angola.
Não é, pois, de estranhar o empenho de Mobutu no fracassado acordo, posterior, entre o MPLA e a FNLA de
Dezembro de 1972. Este empenho garantia ao Zaire um lugar cimeiro no contexto regional africano. E,
provavelmente, um papel relevante no quadro de uma solução independentista para Angola.
1045
247
nacionalista angolano. Com efeito, graças ao substancial auxílio chinês, sobretudo a partir de
1973, tanto em equipamento militar como em instrutores militares, a FNLA iria por fim sair de
um estado de letargia político-militar1049.
Assim graças ao apoio da China, a luta armada iria ganhar assim um novo impulso,
sobretudo a partir de 1974 ano em que a FNLA se afirmaria como a principal força militar
angolana. Estava, por isso, em condições de desencadear uma nova ofensiva no Norte, pois já
contava com algumas unidades organizadas em moldes mais clássicos do que simples grupos de
guerrilha1050. Assim e embora se tenha transformado de ponto de vista militar numa extensão das
forças armadas da República do Zaire, de entre as três organizações nacionalistas armadas, a
FNLA era, em 1974, aquela que dispunha das condições necessárias para assumir o primeiro
plano de ponto de vista militar1051. Foi nessa qualidade que se apresentou, quando assinou um
cessar-fogo, a 15 de Outubro de 1974, com o exército português.
2.3 O percurso de legitimidade do MPLA
1049
No nosso entender o apoio chinês à FNLA merece ser perspectivada tanto à luz do conflito sino-soviético, bem
como no quadro da rivalidade entre os EUA e a URSS. Há como que um efeito de dominó.
Paralelamente ao clima de guerra-fria, existia o conflito sino-soviético. A China e a URSS disputavam de ponto de
vista ideológico a definição legítima do socialismo. Sendo assim, o conflito sino-soviético possibilitara uma
aproximação entre Pequim e Washington, segundo o velho princípio de que “o inimigo do meu inimigo é meu
amigo”. Este entendimento permitiu à China substituir a República de Taiwan (que por sua vez fora expulsa) da
Assembleia da ONU como representante de todo o povo chinês. Além de ter conseguido igualmente ser admitida
como o quinto membro do Conselho de Segurança da ONU. Tal mudança deveu-se, em certa medida, ao apoio
norte-americano. O clima de aproximação entre os dois Estados teria a sua consagração quando Richard Nixon, o
então presidente norte-americano, foi visitar a China, a 21 de Fevereiro de 1972, tendo aí permanecido durante nove
dias. Esta détente entre os EUA e a China terá porventura influenciado uma aproximação entre a República do Zaire
e esta última que se traduziria na visita do presidente deste país africano à China. Segundo Holden, a dita visita iria
preparar a chegada, ao mesmo país, de uma delegação da FNLA liderada pelo mesmo em Novembro do mesmo ano,
confirmando assim o engajamento da China na causa nacionalista angolana. Ao praticar um bem sucedido jogo
duplo os EUA conseguiam, de forma indirecta, enfraquecer a URSS e ao mesmo tempo garantir o apoio a FNLA
sem melindrar as autoridades portuguesas. Com efeito, o apoio chinês tanto ao Zaire como à FNLA dificilmente se
concretizaria sem um acordo tácito ou implícito entre a China e os EUA. Reconhecemos, no entanto, que estas
considerações carecem de substancialidade empírica. Como tal, situamo-nos no plano das conjecturas. Para saber
mais sobre as influências externas na dinâmica do espaço nacionalista angolano, nomeadamente da URSS, EUA e
China além de outros países ver Josep Sánchez Cervelló em Gomes e Afonso 12 (2009:89-90); Holden Roberto em
Nganga (2008: 254-255); Marcum (1978:221-240); acerca do papel dos EUA em Angola, Wright (2000); Milhazes
(2009), acerca do papel da URSS.
1050
Correia (1991: 76).
1051
Em 4 de Junho de 1974 o Diário de Luanda anunciava que a FNLA tinha recebido o primeiro contingente de
instrutores chineses. O mesmo Diário considerava a FNLA como o movimento de libertação com maior efectivo
armado. Segundo Mbah (2005: 441) juntos, o exército zairense e o ELNA, constituíam um exército de 17000 a
20000 homens. Ver Heimer (1980: 36-37).
248
Desde 1964 que o MPLA tinha conseguido uma residual implantação militar na
denominada Frente Norte1052. Fora graças à abertura da II Região político-militar que o MPLA
fora reconhecido pela OUA como legítima representante do povo angolano. E, será
sensivelmente a partir deste período, que o MPLA iria adquirir de forma mais sistemática apoios
externos, nomeadamente da URSS e da maioria dos restantes países do denominado bloco
socialista1053.
No entanto a implantação militar na denominada Frente Norte era mais aparente do que
real. Com efeito, na I Região aberta desde 1961, as actividades militares do MPLA restringiamse praticamente às zonas dos Dembos e Nambuangongo onde a guerrilha iria praticamente lutar
pela sobrevivência até 1974. Constantemente assediada quer pelo exército português quer pela
FNLA, que impediam o almejado abastecimento da região, os escassos guerrilheiros que
atingiam esta região político-militar nunca foram suficientes para colmatar as necessidades, de
armamento e outras condições materiais, de uma guerrilha sitiada por todos os lados desde os
primórdios da sua existência1054.
Quanto a Cabinda, II Região Político-militar, o MPLA estava circunscrito a uma
guerrilha de fronteiras pois nunca conseguira ultrapassar as dificuldades naturais da densa
barreira florestal do Mayombe, praticamente sub-povoada, nem tão pouco contar com o apoio
das populações locais, mais inclinadas aos apelos das organizações políticas armadas que
1052
O MPLA tinha delimitado as suas zonas de actuação em regiões político-militares. Estas regiões estavam
inseridas em dois espaços igualmente delimitados pelo MPLA: a Frente Norte e a Frente Leste. A Frente Norte
compreendia I Região político-militar e a II Região político-militar. A I Região abarcava os então distritos de
Luanda, Kuanza Norte, Uije e Zaire. A II Região abrangia o distrito de Cabinda. A partir de 1966 o MPLA abriu a
denominada Frente Leste que por sua vez seria constituída pela III Região político-militar que englobava o Moxico e
Kuando Kubango; em 1969 era aberta a IV Região político-militar que compreendia os distritos da Lunda e
Malanje; em 1970 dá-se a abertura da V Região político-militar constituída pelos distritos do Bié, Huambo, Kuanza
Sul e Benguela. Uma última região estava em vias de ser aberta a VI Região político-militar que compreendia os
distritos da Huila e Moçâmedes. Adolfo Maria em Pimenta (2006: 87); Tali I (2001: 121).
1053
Costa Pinto (2000: 83).
1054
Tali I (2001: 170). Com efeito o MPLA tentara sempre reabastecer esta zona. Em Julho de 1966 uma primeira
expedição comandada por Jacob Caetano vulgo “Monstro Imortal” denominada Destacamento Cienfuegos, (em
memória de Camilo Cienfuegos, herói da revolução cubana), saiu do Congo Brazzaville e atravessou o Congo
Kinshasa tendo atingido a região situada na área dos Dembos-Nambuangongo. A coluna atingiu a I Região mas em
número reduzido. Em Março de 1967, um segundo destacamento denominado Destacamento Kamy, (em
homenagem a um guerrilheiro morto em Cabinda), seria praticamente dizimado pela fome e pelas tropas da FNLA,
tendo apenas sobrevivido 27 guerrilheiros. Pouco tempo depois, em Julho de 1967, uma nova expedição
denominada Esquadrão Ferraz Bomboko partiu de Dolisie (Congo Brazzaville). O mesmo foi interceptado pelas
autoridades do Congo Kinshasa tendo sido presos, desarmados e expulsos para Brazzaville todos os 152 integrantes
da expedição. A mesma expedição seria reconstituída em Dezembro 1969 e transferida para Frente Leste, na III
Região político-militar de modo a reatar a operação. Todavia a expedição conheceria um novo fracasso, em
Dezembro de 1970, em Malanje, num confronto com o exército português. Tali I (2001:109-110).
249
veiculavam o nacionalismo “cabindês”1055. Sendo assim, para além de ter contribuído para o
reconhecimento internacional do MPLA, a II Região funcionou mais como uma escola de treino
e formação de quadros para a luta de guerrilha que se iria expandir para o Leste de Angola1056.
Com efeito, a abertura da Frente Leste apresentava inúmeras vantagens, de entre as
quais o sair do gueto cabindense e a possibilidade de abastecer a I Região sem ter que atravessar
o Congo Kinshasa. Assim, a partir da Zâmbia, o MPLA podia, através da abertura de novas
regiões político-militares, abrir um corredor militar de modo a conseguir a almejada ligação entre
a Frente Leste e a Frente Norte1057. Mas a abertura da Frente Leste possibilitava também que o
MPLA, ao alargar a sua base territorial, reforçasse o seu carácter de organização política armada
de âmbito nacional. O que tornava ainda mais consistente o seu estatuto de sujeito do direito
internacional.
Assim, a mencionada abertura possibilitara que a guerrilha do MPLA, durante o período
compreendido entre 1966 e 1970, conseguisse, não obstante as dificuldades levantadas pelo
exército português,1058 uma notável progressão tanto no noroeste como no sul do país1059.
Mas em 1971 a guerrilha do MPLA começou a perder terreno face à virulência da
contra-ofensiva desencadeada pelo exército português cujo aumento de eficácia se foi tornando
proporcional ao definhamento das operações militares deste movimento1060. Esta periclitante
situação militar iria agravar-se em 1972 com o acordo selado entre a UNITA e o exército
1055
Como era o caso da FLEC- Frente de Libertação do Enclave de Cabinda.
“Foi aos elementos provenientes desse «laboratório vivo» (na expressão que se impôs no interior do próprio
Movimento) que o MPLA recorreu em 1966 para abrir aquela que iria ser a denominada Frente Leste”. Tali I (2001:
110).
1057
A abertura da Frente Leste para além de abrir uma nova frente de combate obedecia à abertura de um corredor:
Rota Agostinho Neto: eixo pelo qual o MPLA pretendia ligar a III Região, no Leste, à I Região. Gomes e Afonso 7
(2009: 26).
1058
Com efeito a partir de 1969, a guerrilha começou a sentir as primeiras dificuldades na sua progressão devido à
forte reacção das forças armadas portuguesas que tinham intensificado as acções militares, dificultando desse modo
a territorialização das regiões político-militares nomeadamente no que respeita tanto à consolidação das bases da
guerrilha como à mobilização das populações locais. Este primeiro sintoma de constrangimento político-militar tem
a sua expressão através de uma manifestação de descontentamento no interior do MPLA, na Frente Leste. Segundo
Tali I (2001: 135), a revolta estalou em Dezembro de 1969 e é a primeira grande manifestação de descontentamento
no interior do MPLA na Frente Leste. A revolta estalara na sequência do fuzilamento de um dirigente originário do
Leste. No entanto a revolta fora contida pela direcção do MPLA com a desmobilização dos revoltosos e o castigo do
seu mentor que fora despromovido e mantido na fronteira zambiana. Esta manifestação é conhecida como a “revolta
de Jibóia” nome de guerra do seu promotor (Barreiro Freitas, também conhecido por Katuwa Mitwé). Tali classifica
Jibóia como sendo de origem mbunda, um subgrupo situado no Leste de Angola na fronteira com a Zâmbia.
1059
Nunes (2002: 12). Em 1970 o MPLA podia vangloriar-se de ter em sua posse cinco regiões político-militares
sendo que a 6ª região político-militar estava em vias de ser aberta Tali I (2001: 121).
1060
Sensivelmente, na mesma altura o MPLA sofria um duro revés nas cidades: a desarticulação das suas células
clandestinas em Luanda nomeadamente nos musseques quando a PIDE deteve mais de meia centena de pessoas em
Fevereiro de 1970. Gomes e Afonso 11 (2009:103)
1056
250
português1061. Estavam assim criadas as condições para um estado de crise generalizado, no seio
do movimento, que se iria prolongar até 1974. Da expectativa de luta armada generalizada
passava-se para a realidade de um estado de crise generalizada. Estado de crise que se iria
traduzir, tanto na Frente Norte como na Frente Leste, em sucessivas manifestações de
descontentamento no seio do MPLA. Estas foram adquirindo formas de contestações, e revoltas
contra a direcção política. Sendo que estas desembocaram frequentemente em processos de
ruptura, tanto com a direcção como com o próprio movimento. Referimo-nos por exemplo à crise
racial na II Região1062; à denominada Revolta do Leste1063 liderada por Daniel Chipenda1064; e ao
surgimento da tendência Revolta Activa igualmente na II Região1065.
Um dos efeitos políticos das duas revoltas foi a realização do Congresso de Lusaka
(Zâmbia), em Agosto de 1974, que reuniu as duas tendências juntamente com a ala liderada por
Agostinho Neto ( “ala presidencialista”). O congresso iria saldar-se por um fracasso, tendo a “ala
presidencialista”, liderada por Agostinho Neto abandonado o mesmo. Posteriormente, a 3 de
1061
A isso podemos acrescentar o facto de a URSS ter deixado de prestar auxílio ao MPLA. Tali I(2001:137).
De que abordaremos de forma detalhada.
1063
A Revolta de Chipenda iria assinalar um momento de ruptura com a direcção liderada por Agostinho Neto e
originar uma facção no seio do MPLA denominada Revolta do Leste que acabaria por não conseguir impor-se no
seio do movimento, fracassando desse modo a sua tentativa de substituir a direcção do MPLA liderada por
Agostinho Neto. Esta revolta remete para o modo como foram utilizados em princípios de acção política, categorias
como, etnia, e região. Trata-se, quanto a nós, de um exemplar exercício ideológico-identitário inserido na lógica da
dinâmica de um sub campo político, que, como espaço de lutas de classificação, obedece ao duplo processo de
inclusão e exclusão. Para saber mais sobre esta crise e os limites da perspectiva etno-regional da mesma ver Tali I
(2001: 119-168).
1064
Tali I (2001: 152-153). Daniel Júlio Chipenda (1931-1997) filho do Reverendo Jessé Chipenda pastor da igreja
congregacional de Benguela que havia sido preso pela PIDE em 1968 e que viria a falecer na cadeia em Outubro de
1969. Ingressou no MPLA em 1962. Integrou o primeiro grupo que entrou no Leste. Entrou em dissidência com a
direcção do MPLA em 1973, tendo criado uma tendência denominada Revolta do Leste. Acabaria por ingressar na
FNLA o que iria assinalar o declínio do seu capital político. Para saber mais acerca da trajectória de Chipenda e da
sua versão acerca da Revolta do Leste ver entrevistas do próprio em Jaime e Barber (1998: 134-153); Antunes
(1996: 845-852).
1065
O segundo momento de contestação e ruptura, na Frente Norte, com a direcção do movimento, encontra
expressão num documento publicado em 11 de Maio de 1974, intitulado “o Apelo dos 19”. “Apelo” que assinala e
oficializa o surgimento da denominada Revolta Activa. O surgimento da Revolta Activa marca, em nosso entender,
um momento de reavaliação do capital político complementada com uma tentativa de institucionalização do capital
político delegado de modo a controlar o capital de notoriedade a título pessoal corporizado em Agostinho Neto. Daí
o uso de designações como “presidencialismo absoluto” para classificar a gestão do MPLA por parte de Agostinho
Neto. A mesma acabaria por dissolver-se acabando uma parte dos seus elementos por serem reintegrados no MPLA,
mediante o mecanismo redentor da autocrítica; outros foram presos ou viveram em regime de clandestinidade.
Sendo o exílio um dos epílogos deste processo político no seio do MPLA. Para saber mais sobre a Revolta Activa
ver Tali I (2001); ver igualmente Adolfo Maria em Pimenta (2006).
1062
251
Setembro de 1974, as três facções assinaram um acordo assente no documento preparatório do
fracassado Congresso de Lusaka. Mais uma vez, o acordo não vingou1066.
Podemos reter dois momentos que assinalam um processo de ruptura definitiva entre a
“ala presidencialista” e as duas revoltas: a ausência/exclusão das mesmas dos trabalhos da
Conferência Inter-regional de Militantes realizada no Moxico em Setembro de 1974; e, um
segundo de momento de exclusão, este simbólico e decisivo. Pois foi em nome do MPLA, como
seu máximo e legítimo representante, que Agostinho Neto assinaria o cessar-fogo com as
autoridades militares portugueses no dia 21 de Outubro de 19741067. Dois momentos que, por sua
vez, simbolizam a vitória da “ala presidencialista” corporizada por Agostinho Neto; dois
momentos que assinalam o princípio do fim de um estado de crise generalizado em que o MPLA
se encontrava desde 19721068.
Todavia importa aqui sublinhar que a Conferência Inter-regional do Moxico, sendo um
ponto de partida para o fim do estado de crise generalizado é ponto de chegada no respeitante ao
fim da crise racial. Com efeito, foi no Congresso do Moxico que se encontrou uma solução de
compromisso que poria formalmente fim ao problema racial que, desde 1972, permanecia uma
questão em aberto. Contudo, para se compreender o modo como se encontrou uma solução para
a questão racial no MPLA, torna-se necessário regressar a um passado, historicamente bastante
recente, no ano da denominada “crise de 1972”, na Frente Norte em que a questão racial
adquirira uma proporção como nunca se vira desde a crise de 1962-1964.
3. 1972-1974. O regresso da questão racial no MPLA. A “crise de 1972” e a Conferência
Inter-regional dos Militantes do Moxico.
Antes de prosseguirmos o trabalho, e em ordem a clarificar a nossa linha de acção, será
conveniente apresentar um breve esclarecimento acerca do modo como abordaremos a questão
1066
Neste acordo previa-se a existência de um presidente: Agostinho Neto e dois Vice-presidentes: Daniel Chipenda
e Joaquim Pinto de Andrade pela Revolta Activa e um comité central constituído por 39 membros. Adolfo Maria em
Pimenta (2006:120-121); Tali I (200-204).
1067
Segundo Adolfo Maria em Pimenta (2006:122): “este acto representou um momento chave na evolução dos
acontecimentos, uma vez que, a partir da assinatura das tréguas com as autoridades portuguesas, a direcção de
Agostinho Neto obteve a desejada legitimidade internacional no processo conducente aos acordos para a
independência tornando-se parceira dos outros dois movimentos nacionalistas armados, a UNITA e a FNLA (que já
tinham assinado o cessar-fogo)”.
1068
Tali I (229-230).
252
racial no MPLA tendo em conta o estado generalizado de crise que se vive neste sub campo no
período compreendido entre 1972-1974.
Consideramos que o período compreendido entre 1972 e 1974 pode ser perspectivado
como um tempo e um lugar para onde convergem um conjunto de factores que tornam o MPLA
um espaço de crise generalizada. Todavia, ao contrário da primeira crise no MPLA que tem um
tempo e um território definido, esta crise é mais complexa na medida em que os seus sintomas se
manifestam em territórios diferenciados e em tempos variáveis1069. Os sintomas, na sua
variabilidade territorial e temporal, participam num universo comum que se designa por
MPLA1070. Mas isso não impede que o sub campo MPLA possa ser também abordado como um
espaço de várias crises.
A esta variabilidade temporal e territorial podemos acrescentar um outro elemento que
acentua o grau de complexidade dessa crise. Trata-se da diversidade no respeitante ao exercício
de questionamento. Assim, as diversas formas de contestação à direcção do MPLA podem ser
apreendidas como um questionamento não só variável no território e no tempo mas igualmente
como um questionamento diferenciado nem que seja pelos diversos recursos políticos utilizados
(etnia, raça, região). A título de exemplo, podemos apontar dois territórios distintos no quadro da
crise generalizada vivida pelo movimento: a Frente Leste e a Frente Norte. Sendo que na Frente
Norte podemos considerar a existência de duas crises distintas inseridas num quadro de crise
generalizada: a crise racial de 1972, e a crise da Revolta Activa em 1974. Estas duas crises
distinguem-se não só por acontecerem em tempos distintos mas porque de ponto de vista das
lutas de classificação são também diferenciadas1071.
É neste sentido que destacaremos, no ano de 1972, um momento que indicia um forte
sintoma de crise racial no MPLA num quadro de crise generalizada: a apresentação de um texto
intitulado “Manifestação Político-Militar dos Militantes na II Região”.
1069
Há uma outra diferença que convém salientar relativamente à crise de 1962-1964. A crise militar do MPLA não
significa que o mesmo não seja reconhecido como organização armada. Aqui no caso o MPLA é percepcionado
como uma organização armada em crise. No caso da crise de 1962-1964 o MPLA era uma organização em crise
pelo facto de não ser uma organização armada.
1070
Como afirma um autor: “Embora se encontrassem nas antípodas uma da outra, a Frente Leste e a Frente Norte
faziam parte de um único processo, gerido por uma única estrutura política. Deste modo, a crise na Frente Leste teve
forçosamente, repercussões na Frente Norte a que se somaram à decadência generalizada de todo o processo da luta
de libertação nacional”. Tali I (2001: 173).
1071
Mas que contudo não deixam de ser parte integrante de um questionamento generalizado da direcção do MPLA.
253
Quanto à Conferência Inter-regional dos militantes do MPLA realizada no Moxico, a
retenção deste momento deve-se ao facto de ter sido na dita Conferência que se encerrou o
“debate racial”, que fora (re)aberto pela “Manifestação Político-Militar dos Militantes na II
Região”. Debate que gravitou sobretudo em torno dos critérios que iriam definir o lugar daqueles
que eram classificados de brancos numa Angola independente. E, como tal, o lugar deles no
MPLA. Porém a Conferência adquire também pertinência porque é um momento que marca não
só o fim formal da crise racial, mas porque o fim da mesma assinala o princípio do fim de um
estado de crise generalizada no MPLA.
3.1 Alguns elementos que possibilitam situar a “Manifestação Político-Militar dos
Militantes na II Região”.
No dia 14 de Março de 1972 Lúcio Lara, representante do MPLA em Brazzaville, foi
sequestrado nas instalações do MPLA por um grupo de quadros militares que em 1971 ali
haviam chegado da I Região em busca de meios materiais e logísticos1072. As razões
apresentadas pelos sequestradores eram de que pretendiam protestar contra “certas atitudes
daquele dirigente para com os militantes acerca dos problemas do material que servia para a
defesa do escritório”1073. Começava assim a denominada “crise de 1972”1074.
Posteriormente, os contestatários redigiram e apresentaram um manifesto, intitulado
“Manifestação político-militar dos Militantes na II Região”, pedindo: “a realização imediata
duma reunião alargada com a participação de todos os combatentes (GUERRILHEIROS) na II
Região, assim como os diversos organismos do Movimento”1075. Os contestatários consideravam
que: “Esta manifestação, tem por fim melhorar a situação política do nosso Movimento para se evitar os distúrbios
1072
Tali I (2001: 174). A versão oficial do MPLA é a seguinte: “a 14 de Março de 1972, cerca de 43 guerrilheiros do
grupo sob comando de Jacob Caetano João “Monstro Imortal” e Joaquim Domingos “Valódia” amotinaram-se e
raptaram o camarada Lúcio Lara, representante do MPLA em Brazzaville, na ausência do Presidente do Movimento,
Agostinho Neto, que se encontrava em Dar-es-Salam”. MPLA II (2008: 93).
1073
Segundo a versão de Lúcio Lara: “soubera-se na véspera que certos homens originários de Nambuangongo (I
Região) tencionavam roubar as armas que se encontravam guardadas no escritório do MPLA com o fim de fomentar
um acto de força contra a direcção do movimento. Lara tomara a precaução de esconder as armas, o que originou a
ira dos amotinados”. Tali I (2001: 174). Acerca da versão dos revoltosos ver igualmente o documento “Manifestação
Político-Militar dos Miltantes na II Região em IANTT/PIDE/DGS António Agostinho Neto Processo 88 vol.1 pasta
9. Segundo Adolfo Maria em Pimenta (2006: 100), Lara seria libertado graças à intervenção das autoridades
congolesas.
1074
Designação de Tali I (2001: 174).
1075
“Manifestação Político-Militar dos Miltantes na II Região” em IANTT/PIDE/DGS António Agostinho Neto
Processo 88 Vol. 1 pasta 9. O que se convocou foi uma assembleia-geral a realizar em Dolisie (Congo Brazzaville),
de 9 a 16 de Abril de 1972. Tali I (2001: 174).
254
frequentes, no seio do MPLA; só pois desta maneira, que encontraremos uma plataforma, para a solução dos
1076
problemas relacionados [em] outras regiões em particular e da luta em geral”
.
Na origem da contestação estavam, essencialmente, os chefes militares originários da I
Região que haviam chegado a Brazzaville em 1971 depois de atravessarem o território zairense
em busca de auxílio material e de armamentos com o intuito de reforçar a dita região, que por
sua vez corria risco de desaparecer devido aos sucessivos ataques praticados pelo exército
colonial1077. Durante a sua estadia no Congo Brazzaville os mesmos tomaram consciência da
gravidade e dimensão dos problemas de todos os géneros que afligiam o MPLA, de entre os
quais, a constatação de que o impasse militar não se restringia somente à I Região mas que
abrangia igualmente a II Região1078.
Mas os futuros manifestantes iriam constatar, tanto na II Região como no Congo
Brazzaville, uma organização política, cuja estrutura e população era bastante heterogénea de
ponto de vista sócio-cultural e somático. Assim, enquanto na I Região predominava uma
população/MPLA de origem ambunda, na denominada II Região predominava uma população
bakongo oriunda do Norte de Angola e de Cabinda a que se haviam juntado guerrilheiros,
oriundos de Nambuangongo/Dembos e alguns militantes vindos da Frente Leste. A esta
população podemos acrescentar elementos que, pelas suas características somáticas, eram
frequentemente classificados de mestiços ou brancos. Quanto à sua localização territorial, esta,
distribuía-se por Dolisie, Ponta Negra, Brazzaville e em bases situadas ao longo da fronteira de
Cabinda1079.
No respeitante às estruturas do MPLA, o aparelho político que coordenava a II Região
estava situado em Brazzaville, sede da direcção do MPLA; sendo que na gestão políticoburocrática do movimento havia uma efectiva participação de “quadros mestiços e brancos”.
Aliás, alguns destes elementos ocupavam cargos na direcção do MPLA enquanto outros
ocupavam cargos específicos ligados à gestão quotidiana do movimento, como as finanças, a
imprensa e a propaganda1080.
1076
Idem “Manifestação Político-Militar dos Militantes na II Região”. Ver anexos, nº 24.
Tali I (2001: 177).
1078
Tali I (2001: 170).
1079
Tali I (2001: 171).
1080
O representante do MPLA em Brazzaville era Lúcio Lara, classificado frequentemente de mestiço. Os serviços
de imprensa e propaganda eram pensados e coordenados por Adolfo Maria e a respectiva esposa Helena Maria
ambos classificados de brancos. Tali I (2001: 172).
1077
255
Tali considera ainda que, grosso modo, existia em Brazzaville uma concentração de
quadros mestiços. Alguns deles eram funcionários dos serviços públicos congoleses, que
mantinham com o movimento de libertação laços mais afectivos que estruturais, mas que tinham
importância na sua vida e no Congo e participavam nos acontecimentos que a assinalavam.
Considera o mesmo que se formou a longo prazo uma comunidade que partilhava em comum o
“sonho do regresso à pátria”. Para a maioria das pessoas que compunham esta “comunidade”, o
MPLA era a sua principal referência identitária relativamente a Angola1081. Porém considera o
mesmo que: “Esta mescla de quadros de todas as origens e raças não era todavia, sinónimo de qualquer unidade
de tipo de vida. Com efeito, mesmo não sendo um tipo de vida institucionalizado, o facto é que o quotidiano dos
militantes de diversas raças e condições sociais não era o mesmo nem era compartilhado no âmbito de uma
comunidade unida. Pelo contrário, os militantes negros e não negros, embora convivendo, viviam em cenários
sociais mais ou menos diferentes. E, especialmente, frequentavam meios congoleses diferentes. Os meios oficiais, e
mais ou menos da elite social congolesa, eram frequentados pelos quadros e intelectuais mestiços e brancos ou por
alguns raros dirigentes negros do MPLA ao passo que de uma maneira geral, e embora com excepções havia de
facto um MPLA «popular» que vivia no meio popular congolês e não tinha contacto com os meios oficiais
congoleses a não ser no âmbito de acontecimentos específicos e portanto raros. Por esse facto, eram inexistentes os
contactos desse MPLA «popular» do Congo com a elite congolesa”1082.
Não concordamos de todo com esta constatação pois o autor fundamenta-se na sua
vivência pessoal. Sendo esta vivência uma componente relevante do trabalho analítico ela
solicita, contudo, abordagens sóciodemográficas que a fundamentem.
Este reparo é, contudo, acompanhado da seguinte ressalva: o carácter racial das
manifestações de descontentamento é indissociável das características, de vária ordem, de uma
população afecta ao MPLA na II Região e nomeadamente em Brazzaville. População, cuja
heterogeneidade remete para relações histórica e sociologicamente complexas.
Mas, por outro lado, estas manifestações de descontentamento dos “militantes na II
Região” merecem também ser apreendidas no quadro da lógica do funcionamento de um sub
campo que se vai configurando e estruturando como tal. Ou seja, o MPLA atingira um estádio
em que a luta política se tornara semelhante à “ revolta religiosa contra o monopólio» dos
clérigos “ 1083: “Le champ politique se trouvait décrit comme une espèce de jeu à part où, en fonction d’enjeux
spécifiques qui s’y définissent et le définissent, des différences se font ou se défont (par exemple entre les fractions,
les factions ou les courants d’un même parti, ou entre des partis idéologiquement proches. Loin d’être «purement
1081
Tali I (1972).
Tali I (2001: 173).
1083
Bourdieu (1989:169).
1082
256
personnelles», ces distinctions sont à base sociale mais la base sociale n’est pas là ou l’on croit qu’elle est, c'est-àdire dans l’espace social global, elle est à l’ínterieur du microcosme politique “
1084
.
Por fim, não podemos deixar de sublinhar um aspecto que consideramos relevante no
respeitante à dimensão racial de um estado de crise generalizado no seio do MPLA. É que a
mesma merece ser apreendida no quadro interventor do Estado colonial, com especial saliência
para o papel desempenhado pela PIDE/DGS.
Num ofício da PIDE/DGS, datado de 1972, podemos reter as seguintes linhas1085: “tem a
nossa Embaixada em Kinshasa procurado aproveitar os conflitos internos surgidos daquele movimento antiportuguês, nomeadamente o que opõe a maioria dos elementos naturais do Norte de Angola (que compõe a chamada
“II Região Militar”) aos mestiços mais bem colocados na hierarquia da organização, com destaque para Lúcio Lara”.
Afigura-se no entanto, de toda a conveniência a nossa representação em Kinshasa, continuar a fomentar a
perturbação em Brazzaville, não só pelo enfraquecimento que tal facto não pode deixar de provocar ao nível
directivo do movimento (com os correspondentes reflexos nas frentes militares), como por parecer que a divisão
assim mantida contribuirá para tornar mais remotas as hipóteses de uma próxima e efectiva reconciliação do GRAE
e do MPLA”
1086
. O que denota que, para as autoridades coloniais, a raça adquirira um lugar fulcral
na sua estratégia de combate às organizações nacionalistas armadas, aqui no caso, ao MPLA1087.
3.2 Caracterização da “Manifestação Político-Militar dos Militantes na II Região”
Na estratégia discursiva dos manifestantes é possível reter um princípio de
responsabilização/culpabilização dirigido tanto aos militantes como aos dirigentes. Assim,
designações como “liberalismo” e “oportunismo” servem para assinalar a falta de empenho de
certos militantes do MPLA. Estas acusações de alheamento aos problemas do movimento
estendiam-se aos dirigentes que não tinham em conta o “sofrimento das massas populares”. Os
“manifestantes” não se furtam a tecer fortes críticas ao comando militar da II Região igualmente
responsabilizado pelo estado de impasse militar pois, segundo os mesmos, o comando
1084
Bourdieu (2000 : 23).
O documento está a anexado à “Manifestação político-militar dos militantes na II Região”. Trata-se de um ofício
datado de Dezembro de 1972, proveniente do Ministério do Ultramar dirigido ao governador-geral de Angola.
IANTT/PIDE/DGS. António Agostinho Neto. Proc.88 Vol1 pasta 9, pp-221-428.
1086
IAN/TT António Agostinho Neto. Proc. 88 Vol1 pasta 9. Considera a PIDE que o documento: “é precisamente
representativo da tensão, que aproveitando aquelas dissidências se procurou criar em Brazzaville”.
1087
Mas denota igualmente uma cada vez maior capacidade da PIDE/DGS de infiltração nas cúpulas das
organizações político-militares nacionalistas.
1085
257
permanecia na base da rectaguarda congolesa: “Porque é que o comando da II Região não vai para o
interior; analizando isto no contexto da lei militar, vimos que o soldado não pode ir a guerra sem um Comando. O
exemplo de um bom Comando é de encorajar os soldados a avançar e, em certos casos o Comando deve estar na
vanguarda. Fora disso, significa chamar os soldados, para as linhas da rectaguarda. O que é grave”
1088
.
Os contestatários chegam ao ponto de não só questionar a direcção mas igualmente o
presidente Agostinho Neto: “Os manifestantes exprimem com profundo sentimento, a grave atitude do
camarada presidente do MPLA, que oculta os direitos e deveres em poder exprimir os seus sentimentos, pelo
contrário ameaça-os porque porque ele pensa que este ou aquele militante só irá expor problemas pessoais de calça
ou camisa, segundo ele. Todas as vezes que o camarada presidente convoca uma reunião de militantes os aspectos
desta reunião parecem aos militantes ser um «mitings» porque só tem a palavra o presidente e os militantes são
obrigados a escutá-lo no fim vão as palavras de ordem. Este método, não parece aos militantes como sendo um
princípio correcto”. (…). Sendo assim, nós imputamos a responsabilidade da actual situação ao presidente do
1089
MPLA, que soube confiar bastante a vida do nosso glorioso Movimento a elementos tecnocratas e burocratas”
.
Mas o cerne do discurso produzido pelos “manifestantes” está com efeito na utilização
das propriedades rácicas/característica somáticas de modo a fundamentarem uma discriminação
racial no seio do MPLA tanto no que concerne aos lugares ocupados nas estruturas da
organização como em outros aspectos da vida quotidiana do Movimento. Faz-se assim
novamente uso de categorias como negro, mestiço e branco, de modo a justificar uma antinomia
entre privilegiados e sacrificados.
Trata-se, quanto a nós, de uma estratégia de responsabilização/culpabilização que, por
sua vez, fundamentará uma outra – estratégia discursiva – assente no princípio da
inclusão/exclusão. Assim, as propriedades rácicas/características somáticas terão por função não
só responsabilizar e culpabilizar os causadores do estado de crise do movimento mas igualmente
definir os critérios que regem as competências para o exercício da política. Categorias como
branco, mestiço e negro terão por função determinar quem tem ou não tem as habilitações
1088
Todavia ressalvam, os manifestantes que: “Frequentes vezes certos dirigentes, tomam como sendo atitudes
tribais ou regionais, a todos os combatentes que vêm da I Região, quando exigem a solução dos problemas
relacionados a Região em referência. (….). Nós concluímos que, estas posições são também processos de
sabotagem, e nós estamos determinados (….), porquanto em todas as regiões do MPLA, encontram-se espalhados
combatentes da I Região, combatendo duramente e por vezes dando as suas vidas sem ter em conta, a questão de
origem regional ou tribal. IAN/TT António Agostinho Neto Proc. 88 Vol. I pasta 9. No nosso entender a negação da
classificação tribal e regional, deve-se em certa medida à diversidade da composição etno-regional do movimento.
Ao refutar esta taxinomia os “manifestantes” alargam o seu espaço de mobilização.
1089
Idem IANTT/PIDE/DGS Proc.88. Os mesmos chegaram a dirigir um ultimato ao líder máximo do MPLA: “ (…)
e previne-se o camarada presidente do Movimento que, a não consideração destes factos aqui demonstrados, todas
as consequências caberão à sua responsabilidade; e lembre-se que, em qualquer sociedade, o Povo é o criador da
HISTÓRIA.
258
somáticas adequadas para o bom funcionamento de um “Movimento que se quer genuinamente
angolano”1090.
Começa-se por estabelecer uma dupla relação – somática – de causa efeito no que
concerne à gestão do matrimónio por parte do Movimento: privilegiado = mestiço sacrificado =
negro: “O MPLA, dispõe-se de muitos quadros angolanos formados nos países socialistas; (…). Mas acontece que
estes quadros trazem consigo compromissos, quer dizer que eles regressam casados com estrangeiras e, propõe à
direcção do Movimento a estabilidade da sua família para poder engajar-se melhor na luta. Estes militantes não são
acolhidos, porque teria se casado sem permissão da Direcção do Movimento, por outro lado, odeiam-no por ter
casado com uma branca. Enquanto verifica-se que os mestiços que vêm da França, Argel e de diversos pontos da
Europa, mesmo casados sem autorização do Movimento, são acolhidos imediatamente e [sem] mais preocupação.
Estas atitudes parecem aos militantes injustas, na medida em que se vai reduzindo os direitos dos filhos puros de
Angola”.
A questão do matrimónio e a sua somatização possibilita aos “manifestantes”, através
da
categoria
mestiço,
formularem
um
questionamento
que
remete
para
a
responsabilização/acusação no respeitante a práticas de racismo no seio do movimento: “Mas a
isso segue a seguinte pergunta: Quantos são os mestiços que se encontram no MPLA, casados com pretas
1091
angolanas? Da nossa parte, aqui tendes a nossa pergunta e sirva de resposta”
.
A distinção entre intelectuais mestiços e os “puros filhos angolanos” possibilita, através
do recurso à categoria mestiço, apontar uma hierarquização somática no seio do movimento
associando esta última categoria à eterna questão dos privilégios dos intelectuais: “Existe mais
privilégios para os intelectuais mestiços em busca ou em visita dos seus familiares, em França, Argel, etc, etc.. São
aceites em constituir famílias com estrangeiros, direitos esses que os puros filhos angolanos não os têm. Isto também
é grave”.
O discurso assente no princípio de responsabilização/culpabilização permite accionar
um duplo mecanismo de antinomia: mestiços versus angolanos; cobardes versus mártires. Graças
a essa dupla antinomia abre-se assim caminho para o acesso ao princípio estruturante do sub
campo: a identização/exclusão: “porque se encontram em minoria os mestiços nas zonas de combate com
armas na mão? Se os deveres são iguais, porque é que não há igualdade? São apenas os angolanos obrigados a ir em
frente do canhão, enquanto que estes ocupam os postos da rectaguarda sobretudo o centro dos mestiços em
Brazzaville. Este aspecto visa precisamente para conservar a suas vidas, para apenas amanhã serem chamados nas
1090
Estamos perante um exemplo de apropriação, pelo sub campo, de ressentimentos raciais produzidos pela
sociedade colonial. A coisificação do indivíduo funciona também como estratégia política.
1091
Idem IANTT/PIDE/DGS Proc.88.
259
cadeiras dos Ministérios; porque na verdade eles não estão dispostos a dar as suas vidas pela causa da Pátria,
esperando que tudo se faça pelo sacrifício de alguém. Esta posição é oportunista”.
A antinomia mestiço versus negro permite sublinhar uma desigual distribuição
respeitante às condições logísticas dos pioneiros do MPLA de modo a reforçar o carácter
negativo, num exercício de coisificação, da categoria mestiço: “Por outro lado, os filhos mestiços só
esperam a ida para o Internato depois da construção do melhor Internato, por ser mais cómodo e de boas condições;
ao passo que há pioneiros que vivem até aqui nas condições difíceis cujo seu comportamento tem mostrado como
sendo o de maior exemplo, de pertencer a um Povo sofredor e revolucionário. Para isso segue a seguinte pergunta:
Qual é a diferença que existe entre o pioneiro mestiço e o pioneiro preto angolano”.
No respeitante à categoria branco, o apelo à história apresenta-se como um argumento
de peso no âmbito da estratégia discursiva de responsabilização/culpabilização: “E quando se fala do
racismo no MPLA; esta questão é a mais clara e simples. Desde quando o nosso povo conheceu o racismo? É
exactamente desde a chegada doutra raça em Angola que começou por inferiorizar a raça encontrada. Também hoje
isso acontece no MPLA”.
Exemplificado com casos individuais, no âmbito das competências para o exercício da
gestão quotidiana do MPLA, a relação entre portugueses e a categoria branco volta a ser parte
integrante de um discurso de identização, que remete para processos de exclusão: “A segurança do
nosso Movimento não é vista como um problema fundamental. (…). A integração de elementos portugueses no
MPLA: - todos os desertores angolanos que se desertam pela Frente da II Região, à chegada, são entrevistados por
um português. O que é grave. (…) A administração das finanças por um português. Com certeza não há mais hoje no
MPLA, elementos fiéis capazes de assegurar esta tarefa, senão estes? Ou então é necessário, uma especialidade para
este Departamento? Se assim for, porque é que até hoje não há elementos para isso? Também é uma das formas de
sabotagem; declaramos pois que isto é também gravíssimo”.
A relação de postos e privilégios com as propriedades rácicas/características somáticas é
enfatizada pelos contestatários de modo a justificar o estatuto privilegiado dos classificados de
mestiços e brancos em detrimento dos classificados de negros. Assim, os “manifestantes”
atingem o objectivo de identificar para incluir e identizar para excluir. Todavia, no respeitante à
prática de identizar para excluir, os manifestantes apresentam, em função das características
somáticas dos visados, dois níveis de exclusão: interna e externa. A primeira corresponde à
exigência de exclusão no interior do MPLA, a saber, dos postos e privilégios para os
classificados de mestiços; e a segunda refere-se à exclusão do MPLA daqueles que eram
classificados de brancos e como tal considerados estrangeiros/portugueses: “O Povo angolano
conhece os seus genuínos filhos a quem o Direito lhes pertence porque lhes fora dado pelo seu Povo; infelizmente,
260
não gozamos destes direitos. No Quadro da administração, os principais Departamento do Movimento assim como
algumas secções de trabalho, não são ocupados pelos próprios angolanos; os angolanos são nomeados em segundo
ou terceiro lugar; quem são os chefes? São exactamente os mestiços e certo número de portugueses que dirigem e
1092
controlam pelas actividades dos organismos do Movimento
. Os angolanos escolhidos a trabalhar nestes
organismos com mais capacidade que tenha, estão sob a orientação destes; isto significa, a perca aos bocados dos
nossos direitos. Nós, militantes, filhos de origem da camada mais explorada, pedimos a substituição imediata de
todos os mestiços, ao nível da direcção do Movimento, assim como em outros departamentos que constituam a
segurança e a vida do Movimento e da luta”. (…) “Por outro lado, pede-se a retirada para fora do nosso Movimento,
de todos os portugueses considerados como militantes. Estes devem enquadrar-se activamente nas organizações
revolucionárias portuguesas a fim de cerrarmos fileiras para pôr fim ao fascismo em Portugal e ao colonialismo nos
territórios ocupados. É o MPLA e o seu povo, os responsáveis pela administração no seu país; é o povo angolano,
sob a direcção dos seus próprios filhos que irão conhecer o seu próprio destino”.
3.2.1 Efeitos e limites da “Manifestação político-militar dos Militantes na II Região” no
subcampo político MPLA
As medidas tomadas na Assembleia-geral realizada em Dolisie, em Abril de 1972,
tornam possível constatar a eficácia política das categorias raciais mas igualmente os seus
limites: “A assembleia exprime a necessidade dos mestiços e intelectuais em geral de participarem de modo mais
efectivo nas frentes de combate no interior do paiz, evitando atitudes oportunistas que os retenham na rectaguarda
sem razões válidas. Assim muito embora se considere que os mestiços beneficiam em geral maiores facilidades
económicas e de educação, a assembleia considera que estes angolanos têm o dever e o direito de participar
inteiramente na luta de libertação nacional. Notou-se porém a sua fraca presença nas frentes de combate ou no
Internato 4 de Fevereiro. Por vezes gozam de privilégios dentro da Organização. No que respeita aos indivíduos de
côr branca, a assembleia é de opinião que estes nunca devem exercer funções directivas nem ter acesso aos
1093
documentos ou problemas confidenciais e vitais para a nossa organização”
.
De ponto de vista dos efeitos produzidos no sub campo MPLA a “Manifestação
político-militar dos Militantes na II Região” demonstrava mais uma vez que em momentos de
crise as propriedades rácicas/características somáticas voltavam a adquirir relevância nas lutas
políticas nomeadamente no que respeita ao accionamento de mecanismos que assentam num
princípio estruturante do funcionamento do sub campo MPLA: a inclusão/exclusão. Todavia, o
1092
Repare-se que tanto à categoria branco e como a categoria negro é-lhes atribuída uma identidade nacional. Pelo
contrário a categoria mestiço não está associada a nenhuma identidade nacional como se fosse uma categoria ligada
a orfandade.
1093
Tali I (2001: 340).
261
levantamento da questão racial não iria atingir a dimensão desejada pelos autores da
“manifestação”. Ao contrário do que os contestatários pretendiam aqueles que eram classificados
de mestiços, como por exemplo, Lúcio Lara ou Iko Carreira mantiveram os seus lugares no
movimento1094. Agostinho Neto iria empenhar o seu capital político de modo a conservar estes
dois elementos na direcção do MPLA: “a custa de uma ameaça política, a sua demissão”1095.
No que diz respeito aos classificados de brancos, houve com efeito uma periferização
dos mesmos. Contudo, esta periferização não significou a sua exclusão do MPLA, tal como
pretendiam os manifestantes1096. Mas, é inegável que o lugar dos assim classificados na luta de
libertação nacional permanecia uma questão em aberto. E, terá que se esperar pela realização da
Conferência Inter-regional dos Militantes do Moxico, – outro lugar, e momento, de delegação do
capital político – para que se pudesse encontrar uma solução. Solução essa que passava
obrigatoriamente pela definição, do lugar dos classificados de brancos, não só no seio do MPLA
como no mais vasto espaço social de uma Angola independente.
3.3 A Conferência Inter-Regional do Moxico ou o fim – relativo – da crise racial no seio do
MPLA
De 12 a 20 de Setembro de 1974 realizou-se no Moxico a Conferência Inter-Regional
dos Militantes do MPLA. Muito embora não fosse formalmente um congresso, a Conferência
possuía poderes deliberativos1097.
É muito provável que o estado de crise generalizado tenha condicionado a ordem de
trabalhos, nomeadamente no que respeita às questões levantadas e resoluções tomadas1098.
1094
Tali I (2001: 179).
Tali I (2001:179).
1096
A título de exemplo, Adolfo Maria e a sua mulher Helena Maria haviam sido afastados do programa radiofónico
“Angola combatente” e proibidos de participarem em reuniões de militantes, tendo passado a fazer actividade só no
Centro de Estudos. Mas aquando do denominado Movimento de Reajustamento na Frente Norte, Adolfo Maria iria
participar no mesmo movimento por iniciativa de Agostinho Neto. Segundo o mesmo, Agostinho Neto confiava
bastante nele. Agostinho Neto mais uma vez empenhara o seu capital político pessoal. Adolfo Maria em Pimenta
(2006:100 e 106).
1097
Para saber mais sobre a Conferência Inter-Regional dos Militantes do MPLA no Moxico ver MPLA II (2008:
121- 136 e 365-413); Tali I (2001: 207-230).
1098
Tali I (2001:218).
1095
262
No respeitante às resoluções tomadas, podemos salientar aquelas que possibilitaram a
criação de novas estruturas de reprodução do capital político instituído, nomeadamente, o Comité
Central e o Bureau Político1099. Mas a Conferência do Moxico seria igualmente uma excelente
oportunidade para fechar um capítulo que fora reaberto em 1972; e, cujo ponto final passava
indubitavelmente pela definição do lugar que os brancos deviam ocupar no seio do MPLA.
Muito embora os estatutos do MPLA preconizassem que: “O MPLA (…) é uma organização
política constituída por angolanos sem distinção de sexo, raça, idade, origem étnica, crença religiosa, lugar de
1100
nascimento ou de domicílio
, a realidade é que o lugar dos classificados de brancos no seio do
MPLA ainda não fora definido1101.
Segundo Tali: “Grosso modo predominavam duas correntes no seio do MPLA. Uma que se opunha a
qualquer concessão automática da nacionalidade angolana aos brancos nascidos em Angola, por seculares que
fossem as suas raízes no país. Só tinham direito a nacionalidade angolana as pessoas de raça negra ali nascidas. A
outra corrente regia-se pelos princípios estatuários do movimento e consideravam que não se devia confundir a luta
contra o regime colonial com a luta contra uma determinada raça, mesmo que esta fosse a do colonizador. Esta
posição baseava-se a sua argumentação na presença e participação activa de activistas brancos na luta de libertação
na sua globalidade (clandestinidade, prisão e guerrilha, etc)”1102.
A solução adoptada foi conjugar o princípio do jus solis com o princípio de fidelidade
política: “Direito de nacionalidade reconhecido a todos os que nasceram em Angola e a todo o
estrangeiro que participou na luta de libertação nacional”; acrescentava-se o direito de
naturalização para os estrangeiros que satisfaçam as condições previstas pela lei1103.
A Conferência do Moxico assinala quanto a nós um momento de viragem no percurso
de legitimidade do MPLA. Não só porque marca o princípio do fim de um estado generalizado
de crise, e, aqui no caso o fim da crise racial, mas porque a partir de então o MPLA estava em
condições de disputar a apropriação do espaço social colonial com a UNITA e a FNLA; disputa
que iria passar obrigatoriamente pela apropriação da questão racial. E, neste processo de
1099
O Comité Director foi extinto pondo fim a mais de uma década de funcionamento como instância suprema da
direcção política do MPLA. MPLA II (2008: 396-397).
1100
MPLA II (2008: 393)
1101
“As divergências político-ideológicas, até então evitadas e proteladas, tanto no plano das individualidades como
das diversas «escolas de guerrilha», encontraram nesta questão racial o seu primeiro tema de confronto, e o
voluntarismo exibido nos estatutos foi profundamente atacado, até onde menos se esperava, no plano das mais altas
personalidades”Tali II (2001:226).
1102
Tali I (2001: 226-227).
1103
Tali I (2001:226-227). Quanto aos outros estrangeiros era-lhes garantida o direito de permanência no país
mediante a sujeição às leis e desde que não atentem, por actos comprovados contra a luta de libertação e a dignidade
do Povo angolano. Esta resolução aprovada no fim da Conferência intitula-se “o problema da comunidade branca”.
A designação “comunidade branca” pode adquirir aqui significado étnico. Ver igualmente MPLA II (365-392).
263
apropriação, as três organizações nacionalistas armadas, embora divergentes, irão convergir em
dois pontos fundamentais: na opção de impor a Portugal o princípio da legitimidade
revolucionária; e no modo como, através da utilização da categoria branco, se iriam apropriar da
questão racial.
4. A apropriação do espaço social colonial por parte do campo político angolano num
quadro de transição para a independência. A legitimidade das armas. (1974-1975)
A partir do 25 de Abril e até à independência, a luta anti-colonial vai deixando de ser o
factor contributivo para a configuração e estruturação do campo político angolano.
Com efeito, o vazio deixado pela luta armada contra a dominação colonial vai sendo
preenchido pela estruturante relação de conflito/competição entre as três organizações
nacionalistas armadas. Relação de conflito/competição que confere ao campo político angolano
características de um lugar de lutas pela hegemonia do espaço nacionalista e pela apropriação do
espaço social colonial 1104.
No entanto, tal relação de conflito/competição não impediu que, de forma quer implícita
quer explícita, as três organizações nacionalistas armadas se entendessem quanto ao principal
imperativo estruturante do espaço nacionalista angolano: um percurso político, legitimado por
treze anos de luta armada1105. Assim, a regra ditada para um acordo político entre as
organizações nacionalistas armadas e Portugal não deixava quaisquer dúvidas no respeitante ao
principal critério de legitimidade destas últimas: o capital militar1106. Este princípio de
1104
Podemos reter três momentos simbólicos de apropriação do espaço social colonial: a chegada das organizações
nacionalistas armadas a Luanda em Novembro de 1974; a assinatura do Acordo de Alvor; e a aquisição oficial da
independência no dia 11 de Novembro de 1975.
1105
Em Maio de 1974, Mário Soares, então ministro dos negócios estrangeiros português afirmava: ”Temos de
desfazer equívocos. Portugal só reconhecerá os grupos que pegaram em armas. Que lutaram contra o Exército
Colonial. Não negociaremos com mais ninguém a independência do território angolano”. Marques. J.Rocha (2002:
92).
1106
O 25 de Abril de 1974 possibilitou a emergência de inúmeras organizações políticas em Angola. Muitas dessas
organizações eram constituídas por indivíduos frequentemente classificados de brancos, muito embora houvesse
aquelas que tinham uma composição multirracial. Estas forças políticas apresentavam distintos “modelos de
descolonização”. Algumas organizações, como a Frente de Resistência Angolana - FRA e a Resistência Unida de
Angola - RUA, defendiam a reintrodução de uma discriminação racial legal pelo menos durante um período
considerável e preconizavam que tal medida seria um pré-requisito para o crescimento económico, ou mesmo para
uma consolidação económica, necessária depois de uma saída do “espaço português”. Considerava-se como óbvia
uma integração política no “bastião branco” da África Austral. Outras organizações políticas preconizavam uma
participação, juntamente com as organizações nacionalistas armadas, no processo de descolonização de Angola
como o Partido Cristão Democrático de Angola - PCDA e a ressurgida FUA. Mas existiam igualmente aquelas
forças políticas que se tinham oposto ao regime ditatorial português. Ideologicamente próximas do MPLA,
264
legitimidade revolucionária seria aceite, embora com algumas resistências, por parte de alguns
elementos que compunham o governo português1107.
Este princípio seria concretizado no dia 15 de Janeiro de 1975 com a assinatura do
Acordo de Alvor entre os três movimentos e as autoridades portuguesas. Foram, assim,
estabelecidos, pelos representantes dos três movimentos de libertação (FNLA, MPLA e UNITA)
e pelo governo português, os termos em que devia processar-se a independência de Angola e o
ordenamento institucional que devia vigorar durante o período de transição até ao momento da
transferência do poder1108. No acordo de Alvor podemos destacar as seguintes premissas: o
reconhecimento por parte do Estado português dos três movimentos de libertação como únicos e
legítimos representantes do povo angolano; o reconhecimento do direito do povo angolano à
independência; a independência e soberania plena de Angola proclamadas no dia 11 de
Novembro de 1975; a constituição de um governo de transição representado pelas autoridades
portuguesas e pelos três movimentos de libertação1109. A partir de então toda e qualquer
formação política (re)emergente estava definitivamente excluída de um espaço de lutas, reduzido
a três actores: MPLA, FNLA e a UNITA1110.
4.1 Mobilização do maior número, fidelidade e traição ou o modo como o campo político
angolano se apropriou da questão racial. O exemplo da categoria branco
No seu processo de apropriação do espaço social colonial, as três organizações
nacionalistas armadas tiveram porventura o ensejo de constatar, nomeadamente nas cidades, um
universo social que, nas suas múltiplas dimensões, sofrera significativas transformações. Com
efeito, a política de modernização económica e as reformas legislativas encetadas a partir de
apresentavam-se como Movimentos Democráticos. Todavia, independentemente dos seus rumos ideológicos todas
essas forças políticas possuíam dois principais constrangimentos: a ausência de capital militar e uma fraca
mobilização das populações. Para saber mais sobre estas organizações políticas ver Heimer (1980), nomeadamente
no que respeita aos vários modelos de descolonização em Angola. Ver igualmente Pimenta (2008); Tali II (2001);
Correia (1991).
1107
Pimenta (2008: 372) citando o jornal Província de Angola de 10 de Agosto de 1974 afirma que: “Spínola
consciente da fraqueza militar propôs um plano de descolonização de Angola que consistia na realização de um
cessar fogo com as guerrilhas nacionalistas e a constituição de um governo provisório de coligação que
representasse todos os movimentos de libertação, em paralelo com os agrupamentos étnicos mais expressivos do
Estado de Angola incluindo a «etnia branca». Tanto o MPLA como a FNLA recusaram tal plano”.
1108
Correia (1996: 25).
1109
Correia (1996: 271-280).
1110
“As formações políticas nascentes não tinham a partir de então, outra alternativa a não ser desaparecer por auto
afundamento. Ou desaparecer por fusão com um dos três movimentos de libertação, conforme a suas afinidades
ideológicas, como grupo ou a título individual”. Tali II (2001: 39).
265
1961 pelo governo metropolitano tiveram o condão de produzir múltiplas transformações que se
reflectiram na paisagem social colonial. Todavia, e tal como pudemos verificar no capítulo IV,
não obstante as reformas introduzidas terem tido alguns efeitos na sociedade colonial, o governo
metropolitano nunca conseguira captar a seu favor a maioria da população colonizada angolana
que continuava subjugada por uma ordem colonial cujo carácter arbitrário, pautado por um
sistema político autoritário, era reforçado por um princípio de exclusão social com forte
componente racial. Tal permanência da componente racial do arbitrário colonial explica em certa
medida o carácter violento dos confrontos raciais, imediatamente após o 25 de Abril de 1974
sobretudo nas cidades, entre aqueles que se consideravam brancos e os que se consideravam
negros1111. Sendo assim e em resposta às práticas quotidianas que legitimavam o arbitrário
colonial através da coisificação/subjugação da categoria negro, o sentimento de revolta perante o
arbitrário colonial, foi coisificado na categoria branco que, por sua vez era percepcionado como
o símbolo da dominação colonial. As reformas coloniais não tinham conseguido derrubar uma
imaginária fronteira somática que se traduzira numa real (di)visão do mundo social colonial entre
brancos e negros. E, provavelmente as organizações nacionalistas armadas não perderam a
oportunidade política de capitalizar a seu favor tal (di)visão, de modo a acelerar o processo de
apropriação do espaço social colonial.
Todavia, por mais paradoxal que seja, é importante sublinhar que estas, mais do que
explorar o mero sentimento de revolta das populações contra o arbitrário racial colonial, optaram
por uma estratégia que consistia na mobilização do maior número1112. Para tal, as três
organizações nacionalistas armadas começaram por atribuir à categoria branco um significado
1111
Sendo que, grosso modo, tanto uns como outros se encontravam distantes dos bens de reconhecimento da
sociedade colonial. Acontece que aqueles que eram classificados de brancos tinham apesar de tudo a sua cor como
distintivo social perante aqueles que eram classificados de negros. Acerca da violência racial ver, entre outros,
Pimenta (2008); Heimer (1980); Tali II (2001); Cahen (1989); Correia (1991); Marques. J. Rocha (2002); Freitas
(1975).
1112
Segundo Heimer (1980: 73), “os três movimentos seguiram uma estratégia idêntica na medida em que tentaram,
por um lado, «segurar» as suas bases sociais tradicionais, enquanto por outro, tentavam mobilizar simpatias e apoios
mais amplos. Estas duas metas não eram fáceis de conciliar, e levaram os movimentos a adoptar tácticas nitidamente
distintas. Nas suas declarações públicas, transparecia a intenção de não se tornarem inaceitáveis para nenhum dos
segmentos populacionais. Em função disto, formularam as suas doutrinas políticas, pelo menos durante certo tempo,
de uma forma cuidadosamente «codificada», de modo a não chocar seriamente nenhuma parte importante do futuro
eleitorado, quer se tratasse de classe, de raça ou de grupo étnico. Em particular, condenavam, unanimemente, a
discriminação racial e étnica. Uma das consequências foi que os brancos de Angola, tendo perdido a sua
proeminência política, eram naquela fase considerados, antes de tudo, como um grupo de eleitores potenciais, e
tratados com cuidado notável, pelos três movimentos”. Convém recordar que estes, de ponto de vista estatístico, se
apresentavam em número considerável, o que reforçava a sua importância no âmbito das estratégias de mobilização
das organizações nacionalistas armadas
266
étno-somático de modo a possibilitar o efeito de grupo. Daí o uso de designações como
“brancos” ou “comunidade branca”. Este exercício de classificação legítima foi complementado
por um discurso que procurava associar a categoria branco ao princípio da nacionalidade
angolana.
A UNITA preconizava um conceito de nacionalidade angolana que ia para além do jus
solis reforçando assim o efeito de grupo politicamente mobilizável. Esta posição seria assumida
publicamente pelo seu líder máximo em Agosto de 1974: “Nós, desde o princípio, marcamos a nossa
posição. Consideramos angolanos, não só aqueles que cá nasceram mas também aqueles que cá se radicaram. E,
ainda aqueles outros que quiserem adoptar Angola como Pátria. Esse princípio mantém-se válido. A unidade de
todos os angolanos, quer pretos, quer brancos, quer mestiços, será a unidade do povo angolano. Angola não poderá,
nunca mais, construir-se contra pretos, contra brancos, contra mestiços. Por isso, a UNITA acha que esta
manifestação de solidariedade, que desponta em Luanda e no sul de Angola, deve ter aspecto essencialmente
humano e que não venham apenas os europeus, mas venham pretos e mestiços unir-se a volta do ideário da UNITA,
1113
porque – repetimos – só nós poderemos construir a paz e construir a independência”
.
A FNLA e o MPLA tinham uma estratégia de mobilização similar à da UNITA. Ambas
se apresentavam como organizações anti-racistas e eram defensoras do princípio do jus solis no
respeitante à atribuição da nacionalidade.
A FNLA, na sua estratégia de mobilização do maior número, procurava denegar o
estigma de organização racista fruto em certa medida dos efeitos da revolta do 15 de Março de
1961. Mas introduziu, de modo subtil, no respeitante à concessão da nacionalidade, o princípio
da fidelidade: “O angolano nunca foi racista, pelo menos aqueles que militam na FNLA e são a maioria do povo.
(…) eu afirmo-lhe com a maior das convicções que ninguém, ninguém em Angola ou no mundo poderá provar ter
havido declaração minha ou de qualquer dirigente da FNLA contra os brancos de Angola ou qualquer minoria racial
ali existente. Nunca a FNLA proclamou o racismo como sua linha de rumo. (…). Angolano é aquele que, sem
diferença de qualquer tipo e salvo pedido contrário, tenha nascido em Angola. Mas também se pode acordar a
nacionalidade angolana aqueles que, vivendo em Angola, aceitando e submetendo-se a soberania angolana e a
constituição do País e dispondo-se a perder a nacionalidade anterior, assim o desejem e como tais sejam aceites
1114
pelas instituições jurídicas nacionais”
. Quanto ao MPLA, como se viu acima, resolvera o problema,
conjugando o princípio do jus solis, com o princípio da fides política.
1113
Entrevista de Savimbi ao Jornal Província de Angola no mês de Agosto de 1974 em Marques. J. Rocha
(2002:153-154).
1114
Holden Roberto em entrevista concedida ao semanário Notícia em Setembro de 1974. Holden Roberto em
Nganga (2008: 278-279). Um militante de FNLA comprova esse anti-racismo ao recordar as palavras de uma
melodia cantada por Teta Lando, famoso músico e compositor angolano que na época era conotado com a FNLA:
Angolano segue em frente teu caminho é só um/ se você é branco isso não interessa a ninguém/ se você é mulato
267
O que podemos reter destas afirmações é que a UNITA optara por uma estratégia de
pura mobilização do maior número. Quanto ao MPLA e a FNLA, muito embora tivessem optado
por uma estratégia de mobilização similar à da UNITA, tinham rejeitado a concessão automática
da nacionalidade aos que não tinham nascido em Angola, sujeitando deste modo o critério de
aquisição da nacionalidade não só ao local de nascimento mas igualmente à fidelidade1115.
O Acordo de Alvor assinado a 15 de Janeiro de 1975 acabaria por confirmar em certa
medida, as “teses” defendidas pela FNLA e pelo MPLA. Pois, MPLA, UNITA, FNLA e Portugal
haviam subscrito em comum um conceito de nacionalidade assente num duplo princípio: o do jus
solis e da boa fides:
Capítulo VII da nacionalidade angolana.
Artigo 45º
“O Estado Português e os três movimentos de libertação, FNLA, MPLA e UNITA comprometem-se a agir
concertadamente para eliminar todas as sequelas do colonialismo. A este propósito, a FNLA, o MPLA e a UNITA
reafirmam a sua política de não discriminação segundo a qual a qualidade de angolano se define pelo nascimento
em Angola ou pelo domicílio desde que os domiciliados em Angola se identifiquem com as aspirações da Nação
Angolana através de uma opção consciente.
Artigo 46º
“A FNLA, o MPLA e a UNITA assumem desde já o compromisso de considerar cidadãos angolanos todos os
indivíduos nascidos em Angola, desde que não declarem, nos termos e prazos a definir, que desejam conservar a
sua actual nacionalidade, ou optar por outra.
Artigo 47º
Aos indivíduos não nascidos em Angola e radicados neste país é garantida a faculdade de requererem a
cidadania angolana, de acordo com as regras da nacionalidade angolana que forem estabelecidas na Lei
fundamental.
Artigo 48º
Acordos especiais, a estudar ao nível de uma comissão paritária mista, regularão as modalidades da
concessão da cidadania angolana aos cidadãos portugueses domiciliados em Angola, e o estatuto de cidadãos
portugueses residentes em Angola e dos cidadãos angolanos residentes em Portugal
1116
.
isso não interessa a ninguém/ se você é negro isso não interessa a ninguém/. Entrevista com Carlinhos Zassala em
09/2007. Este músico faleceu recentemente.
1115
O que se deve, talvez, ao facto de estarem preparados para o confronto militar. Com efeito, das três organizações
nacionalistas a UNITA era aquela que estava menos interessada na guerra, pois era a mais fraca de ponto vista
militar e, como tal, menos apta para apelar para os mecanismos de fidelidade. Messiant (1994: 168). O sublinhado é
nosso.
1116
Correia (1996: 277-278).
268
Este modo de actuação dos três movimentos possibilitou, em certa medida, não só
acelerar o processo de independência mas igualmente permitir que o estado de anomia racial se
diluísse no quadro da relação de competição entre as três organizações nacionalistas armadas.
Mas se a questão racial fora, formalmente, resolvida a quatro no acordo de Alvor
através da definição da natureza da nacionalidade angolana, a sua efectiva aplicabilidade iria
revestir-se de uma enorme complexidade.
Com efeito, à medida que no horizonte se avizinhava a guerra, os mecanismos de
mobilização que haviam sido activados na lógica de uma campanha eleitoral foram dando lugar a
uma lógica, comum, de aparelhos militares. Sendo assim, o campo começou a estruturar-se em
torno de dois princípios fundamentais: a fidelidade/recompensa e a traição/punição.
No que diz respeito à categoria branco, podemos reter dois notórios momentos de
exercício e exorcização destes princípios1117. O primeiro, o da fidelidade/recompensa, praticado
pelo MPLA e o segundo, o da traição/punição, praticado pela UNITA.
No dia 3 de Março de 1975, num discurso solene perante a imprensa que fora
especialmente convocada para o efeito, Agostinho Neto anunciou a integração de três
“movimentos democráticos” no MPLA, o MDA - Movimento Democrático de Angola, MDH Movimento Democrático do Huambo e MDB - Movimento Democrático de Benguela . No seu
discurso, Agostinho Neto, debruçou-se sobre a questão racial: ”Penso que é de ressaltar um outro
aspecto importante do problema, deste problema que nos traz aqui diante da imprensa. É que a maioria dos membros
dos Movimentos Democráticos é branca. (…). E sempre nos quiseram opor a nós, MPLA, contra a comunidade
branca em Angola. Embora nós, desde o início da nossa luta, fôssemos anti-racistas, embora nós admitíssemos
sempre nas nossas fileiras elementos de todas as etnias em Angola, nós a certa altura e por efeito da propaganda dos
nossos inimigos, quase que fomos considerados como racistas no nosso país. (…) esses camaradas terão acesso não
somente aos organismos de base, aos grupos de acção, aos organismos regionais, mas também terão acesso ao
1118
próprio Comité Central do nosso Movimento”
.
1117
O MPLA tinha, na época, uma noção “bem definida” de quem devia ser excluído ou de quem merecia ser
incluído, a saber, quem eram os traidores e quem eram os fiéis: “A população branca portuguesa que estava cá e os
que tinham nascido cá, o grande capital, estava com a FNLA; aqueles que tinham muito dinheiro, são da FNLA,
tinham ido a Kinshasa fazer conversas com Mobutu. A grande maioria dos portugueses que estavam cá, os pequenos
desempregados, os pequenos comerciantes, esses, estavam com a UNITA. Porque a UNITA fazia um esforço, dizia
que iria apoiar; portanto estes estavam com a UNITA. Havia uma franja muito pequena, gente mais liberal que se
revia no MPLA. Muitos jovens de raça branca (embora os pais fossem FNLA… simpatizassem com a FNLA), esses
simpatizavam mais com o MPLA. Entrevista com Lopo do Nascimento antigo primeiro-ministro e ex-secretário
geral do MPLA, em 08/08.
1118
Tali II (2001:61-62) citando Agostinho Neto. Na mesma cerimónia encontramos um processo de tripla
interiorização por parte daqueles que juram fidelidade: o do significado étnico da categoria branco, a da
269
Por sua vez a UNITA, pela voz do seu líder, fez questão em evidenciar o princípio da
traição/punição. Jonas Savimbi, num comício proferido na povoação do Cuma, província do
Huambo, em Julho de 1975 apelara para a unidade nacional, ao mesmo tempo que deixara um
severo aviso aos portugueses em fuga: ”Nós queremos a paz mas não a paz dos famintos. Os problemas que
o nosso país atravessou e atravessa são graves, mas todos de possível solução, desde que os filhos de Angola tomem
consciência da validade que possam vir a usufruir e que não aceitem a propaganda falsa que os leve a enveredar por
1119
combates fratricidas”
.
O mesmo, dirigindo-se aos “portugueses que querem abandonar Angola,
por processos ilegais”, alerta: “Foi anunciado que partiram 2500 camiões em direcção ao Zaire, com destino a
Portugal. Mas agora fala-se na hipótese de atravessarem a Zâmbia. Como a UNITA está entre as fronteiras da
Zâmbia com as de Angola, eles não passarão, pois a UNITA não os deixará passar e nem levarão os carros ou os
camiões que foram comprados com o dinheiro de Angola. E, como sigo para o Zaire, pedirei ao Governo do Zaire
para que não os deixe sair de Angola com destino à Europa. O combate da UNITA para fazer com que os brancos
portugueses sejam considerados angolanos não foi fácil e nós sentimo-nos traídos pelo facto desses, que nós
defendemos, estarem a fugir só por ouvirem uns tiros. Portanto, os brancos que querem lutar para o progresso e o
futuro deste país devem persuadir os seus compatriotas para ficarem aqui pois, o comício aqui no Cuma é mais do
que um desafio aos brancos que aqui ficarem e saber se estão dispostos – na realidade – a ficar e lutar ao nosso
1120
lado”
.
Estes dois momentos pontuam, em nosso entender, um exemplo de uma dinâmica de
apropriação do espaço social colonial, a saber, da questão racial, por parte de um campo político
militarizado que se vai estruturando através de uma ordem trinitária: a mobilização, a fidelidade
e a traição. Sendo assim qualquer recurso político, por mais mobilizável que seja, dilui-se neste,
cada vez mais estruturante, princípio assente na mobilização, fidelidade e traição. Esta relacional
ordem trinitária seria aplicada, pelas três organizações nacionalistas armadas a todos os
angolanos independentemente da sua etnia, ou da sua raça. Como tal, o êxodo populacional
daqueles que eram classificados de brancos ou portugueses merece igualmente ser entendido à
luz de um princípio estruturante assente nesta ordem trinitária. Sobretudo quando esta,
responsabilização/culpabilização e o do arrependimento/redenção: “Gostava de dizer quanto nos é grato a
possibilidade de ter tido esta reunião e isso nos dá força, principalmente nós que estávamos numa posição
relativamente difícil, uma vez que reconhecendo que fazemos parte integrante da população de Angola, sem dúvida
fazíamos parte de uma etnia que tinha, até aqui gozado de uma situação de tal maneira escandalosamente vantajosa
que sofríamos um pouco da situação em que, por acidente histórico, estávamos integrados. Esta possibilidade que
temos agora de participar, sem qualquer ambiguidade como Angolanos, ao lado de todos os angolanos, desfaz
totalmente todas as reservas que pudesse haver, ou ainda haja da parte de uma população que, mesmo sem querer,
não pode deixar, muitas vezes, de confundir uma determinada exploração que sofreu com o grupo que,
principalmente simbolizou essa exploração”. Idem citando David Bernardino do MDH.
1119
Marques. J. Rocha (2002: 389)
1120
Marques. J. Rocha (2002:390).
270
consubstanciada numa lógica tripartida, de efectivo e real aparelho militar, se traduz num
efectivo e real confronto armado protagonizado pelas três organizações armadas nacionalistas. A
partir de então, e salvo algumas interrupções pontuais, o firmamento de uma Angola
independente será uma longa guerra civil.
Capítulo VII. O tempo da “Dipanda” 1121. A bipolaridade do campo. Do
estado latente da questão racial à lei do Bilhete de Identidade. (1975- 1996)
1. Introdução
A construção do nosso problema de investigação implica algumas considerações
referentes ao período que vai de 11 de Novembro de 1975 até 1996, objecto do presente capítulo.
Às zero horas do dia 11 de Novembro de 1975, Agostinho Neto proclama solenemente
“em nome do Povo angolano” e como porta-voz do “Comité Central do MPLA”, “perante a
África e o mundo, a independência de Angola” que passou denominar-se RPA - Répública
Popular de Angola. Enquanto isso a UNITA e a FNLA proclamavam em conjunto, no Huambo, a
República Democrática de Angola1122. Estava assim consumada a última etapa, simbólica, de
apropriação do espaço colonial em Angola.
1121
Dipanda. Nome pelo qual se designa o dia da independência em Angola. Provavelmente um termo importado da
República do Democrática do Congo. Segundo o historiador Elias Mbokolo: “A designação independência foi
traduzida em língua língala para o termo Dipanda. O língala é uma língua franca, banta, originária da República
Democrática do Congo e que se disseminou em Angola devido ao regresso de muitos refugiados que se encontravam
naquele país. Revista l’Histoire nº 350, de Fevereiro (2010:43).
1122
Guerra (2002:299). A proclamação feita no Huambo não adquiriu o mesmo significado que a proclamação feita
em Luanda. Nenhum país reconheceu o dito governo. Savimbi nem sequer estava presente na cerimónia. Dos que
estavam presentes constam Nzau Puna, José Ndele e Jerónimo Wanga. Chiwale (2008: 214); Savimbi (1979:59-64);
Marcum (1978:276). Segundo um autor, a proclamação da independência em Luanda dera ao MPLA uma
substancial vantagem, na medida em que fora na capital que simbolicamente Portugal arriara a bandeira. Tali II
(2001:139). M. Rocha faz referência também a uma cerimónia de contornos desconhecidos em Ambriz, local onde
Hoden Roberto teria proclamado a sua independência de Angola. M. Rocha (2002: 448).
271
Todavia este momento simbólico de ruptura com uma velha ordem é igualmente
prenúncio, salvo algumas interrupções, de permanência e prosseguimento de uma longa guerra
civil. Guerra que iria contribuir, ao longo do mesmo período, para um endémico estado de crise
económica e social1123.
Assim na nossa abordagem podemos identificar, como uma das características
fundamentais da nova República, um estado de permanente tensão entre a guerra e a paz. Uma
situação que se deve, sobretudo, à relação de conflito/competição entre dois protagonistas: a
UNITA e o MPLA1124.
Com efeito, e sobretudo a partir de 1978, o campo político angolano vai gradualmente
adquirindo uma configuração bipolar. Um processo cada vez mais notório na década de
oitenta1125.
Mas essa configuração bipolar é profundamente condicionada por uma convergência de
factores de ordem internacional e regional, pois até 1991: “Os reflexos em Angola do conflito lesteoeste, do patamar mitigado e contido nos limites dos apoios aos movimentos de libertação e à potência colonial, que
era aquele em que se situava até ao Alvor, passou ao nível mais elevado das intervenções armadas por delegações,
mas mantendo a coerência dos apoios anteriores”
1126
. Contudo este envolvimento das grandes potências,
que se traduziria numa escalada de guerra, envolvia não apenas os movimentos nacionais mas
igualmente outros países, nomeadamente a África do Sul, o Zaire e Cuba. Significa isto que: “As
superpotências continuaram a preferir não se empenharem de uma forma demasiado visível, optando pelas guerras
por delegação e assim fazendo com que, em parte, a expressão do conflito leste-oeste, se confundisse, quer com a
1127
componente do conflito regional, quer com a componente de guerra civil”
. Angola tornara-se assim um
exemplar laboratório do conflito leste-oeste que se desenrolava através de um complexo jogo de
alianças que envolvia não só países africanos, mas, igualmente Estados extra-africanos1128.
Muito embora se possa reconhecer o papel dos factores externos nas dinâmicas políticas
endógenas, convém salientar que as tomadas de posição política necessitam de ser
1123
Ver a propósito da economia angolana, entre outros, Ferreira (1999); e Messiant, I e II (2008); Vidal em Vidal e
Andrade (2006).
1124
Dizemos, sobretudo, porque o conflito militar tinha um outro protagonista. A FLEC, que reivindicava a
independência do Cabinda. A sua actividade militar restringia-se a esta região.
1125
Ver anexos nº25 e nº 26.
1126
Correia (1996:33).
1127
Correia (1996:43).
1128
Mas Angola tornara-se também um exemplar espaço de luta de classificações. Luta pela imposição do
imperialismo universal que consiste para uma determinada sociedade em universalizar a sua própria particularidade,
instituindo-a tacitamente em modelo universal (democracia liberal e, na tradição marxista, toda a revolução
possível). Bourdieu (2001: 87).
272
percepcionadas pelas populações1129. Não se pode pensar que a guerra civil angolana é o
resultado de uma intervenção interesseira, projectada em forças exógenas; ela é também
resultado de condições sociológicas, históricas e culturais que sustentam o combate político com
homens, meios e energia. Pensar, por isso, que a guerra civil é imposta aos angolanos por um
conjunto de países, ricos e poderosos, é esquecer que o combate político, para prosseguir – aqui
no caso, no terreno militar –, necessita de uma crença mobilizadora em nome da qual o sacrifício
é aceite.
Assim, o campo político angolano irá estruturar-se e configurar-se numa relação de
competição/conflito – entre o MPLA e a UNITA – que é, por sua vez, também expressão de uma
luta entre duas crenças, que se traduzem em reivindicações políticas e em projectos societários
distintos1130. Sendo assim, o quadro bipolar de competição mundial entre os dois blocos não
impediu a emergência de projectos políticos, autónomos e singulares, endógenos. Feita esta
constatação, podemo-nos debruçar sobre uma outra e, esta diz respeito ao nosso trabalho em
curso. Trata-se do facto de, praticamente até 1992, a questão racial não ter adquirido grande
relevância nas lutas políticas, a saber, nas estratégias de mobilização encetadas pelas duas
principais forças político-militares angolanas. Para tal terão contribuído os alinhamentos
políticos e ideológicos que as duas forças políticas angolanas armadas protagonizaram, tendo em
conta a necessidade de garantir os apoios materiais e logísticos das grandes superpotências, de
modo a satisfazerem o seu combate político1131.
Contudo, em nosso entender, este estado latente da questão racial1132 deve-se também ao
facto de o campo político continuar a funcionar numa lógica de aparelho de modo a responder
1129
Como foi o caso da luta contra uma ordem colonial opressora.
www.homme-moderne. Org/societe/sócio/laddi/par60-76.html. Lahori Addi (2003).
1131
Mas também, porque o “imperialismo universal” veiculado pelas duas superpotências não era compatível com
uma ideologia que veiculasse uma identidade racial.
1132
Dizemos latente porque as características somáticas dos militantes do MPLA viabilizam em certa medida a
permanência destas classificações nem que seja para efeitos de identização. E, como tal sempre prontas para serem
utilizadas como recursos políticos em contextos de conflitualidade interna (o gole do 27 de Maio exemplifica essa
ressurgência racial, mas sem a relevância das crises anteriores). Contudo mesmo no mais vasto campo político
angolano é possível encontrar indícios que nos confirmam que em qualquer momento estas classificações podem
emergir num quadro de lutas de classificação. Em 1982 Savimbi considerava que: “Dissemos que várias vezes que o
Angolano é o preto, o mulato ou o branco (…) A maioria do Povo de Angola é negra e é justo que deva controlar o
poder político. Iremos continuar a atacar frontalmente a maneira desproporcionada como os mulatos controlam o
poder no seio do MPLA. Nós contestamos essa posição. Porque é que o MPLA educa o povo Angolano no
complexo de inferioridade? Com a maioria negra no controlo do poder em Angola, ninguém ficará excluído; os
mulatos terão o seu lugar no exercício do poder político, pois não têm outra pátria”. Savimbi in UNITA (2009:49)”.
Ver também “Michel” (2010). Daí considerarmos a questão racial em estado latente.
1130
273
rapidamente às exigências estratégicas inscritas do campo1133. Trata-se de uma dinâmica que
caracteriza o campo político angolano, na medida em que o estado de permanente tensão entre a
guerra e a paz obriga a que as duas principais organizações nacionalista armadas, a saber, o
MPLA e a UNITA, tendam não apenas a funcionar numa lógica de aparelho1134 mas sobretudo a
reforçar esta dinâmica, pois estão predispostas para o confronto militar real. Assim, cada
organização necessita de apelar para um modelo organizacional de tipo militar e militarizado1135.
Cada um dos dois protagonistas do campo político angolano partilhará esta similitude: realizar a
acção política em forma de espírito de corpo. Assim, tanto o MPLA como a UNITA: “aparelhos ou
(instituições totais) ordenados com vista a luta, real ou representada, e firmados na disciplina que permite fazer agir
um conjunto de militantes) «como um só homem», com vista a uma causa comum, encontram as condições dos seu
funcionamento na luta permanente que tem lugar no campo político angolano e que pode ser reactivada ou
intensificada sem restrições”
1136
. Sendo assim, esta “dinâmica intensiva de aparelhização” irá
igualmente assegurar uma ordem interna no seio de cada uma das organizações políticas
armadas, pois é também um processo que: ”consiste em basear a autoridade na situação de guerra com que
1133
Bourdieu (1989: 196).
Bourdieu manifesta-se contra a noção de aparelho pois remete para uma máquina infernal programada para
atingir determinados fins. Para ele há uma diferença entre um campo e um aparelho. Num campo há lutas e portanto
existe história. No entanto, Bourdieu considera que em determinadas condições históricas, um campo pode
funcionar como um aparelho, quando o dominante consegue esmagar e anular a resistência e as reacções do
dominado, quando todas as movimentações se processam exclusivamente de cima para baixo, a luta e a dialéctica
que são parte integrante do campo tendem a desaparecer. Assim, os aparelhos representam um caso limite, algo que
se pode considerar no domínio do patológico, dos campos. Todavia é um limite que nunca é realmente atingido
mesmo nos regimes ditos totalitários. Contudo, este autor considera que: “os partidos estão tanto mais condenados a
funcionarem segundo a lógica do aparelho de modo a responder instantaneamente às exigências estratégicas
inscritas na lógica do campo político quanto mais desprovidos culturalmente e mais presos aos valores da fidelidade,
logo, mais dados à delegação incondicional e duradoura estão os seus mandantes; e também quanto mais antigos e
mais ricos eles são em capital político objectivado, quanto mais fortemente determinados estão nas suas estratégias
pela preocupação de defender as suas conquistas; ou ainda quanto mais, expressamente ordenados para a luta,
quanto mais organizados eles estão segundo o modelo militar de aparelho de mobilização; Bourdieu (1992:78-79);
Bourdieu (1989:196-197). Iremos reter sobretudo os valores de fidelidade e o modelo militar, na medida em que
consideramos estas duas componentes essenciais para a aquisição de um capital político, objectivado tendo em conta
uma situação real de guerra. Situação que relega para um plano secundário a importância do o capital económico e
do capital cultural.
Trata-se aqui no caso de pensar o universo político como campo que contudo não deixa de funcionar numa lógica de
aparelho. Esta dinâmica adquire grande intensidade pelo facto de se viver um clima de guerra efectivo. O que
implica a activação dos mecanismos de comando e obediência com fundamento no princípio da fidelidade/inclusão.
Princípio que remete para um outro, o da traição/exclusão. Sendo que a exclusão assume, aqui no caso, formas
violentas. Daí que optemos por abordar o campo político angolano como um espaço de “dinâmica intensiva de
aparelhização”. Convém, contudo, sublinhar que não pretendemos considerar, na nossa abordagem, a noção de
aparelho, em oposição à noção de campo, pois a distinção entre estes dois conceitos permanece uma questão em
aberto.
1135
Em nosso entender este modelo já se havia imposto, embora ainda de forma incipiente, antes da independência,
no quadro da luta anticolonial.
1136
Bourdieu (1989: 200). Citação livre.
1134
274
se defronta a organização e que pode ser produzida por um trabalho sobre a representação da situação, a fim de
produzir e reproduzir continuamente o medo de ser contra, fundamento último de todas as disciplinas militantes ou
1137
militares”
. O que faz com que, embora prevaleça o princípio da mobilização, ordem-
comando/obediência, fidelidade/traição se assumam como princípios estruturantes do campo. É
neste sentido que podemos considerar que, até 1991, e à medida que se intensifica a guerra entre
as duas principais organizações políticas armadas angolanas, a questão racial adquire pouca ou
nenhuma relevância política1138.
Será portanto necessário aguardar por um contexto de nova divisão do trabalho político,
de afrouxamento dos aparelhos militares dos dois principais protagonistas do campo político
angolano, para que se possa assistir no espaço social angolano e no campo político angolano, ao
ressurgir
das
classificações
raciais1139.
Um
regresso
racial
pontuado,
jurídica
e
institucionalmente, pela proposta e posterior aprovação, em 1996, de uma lei referente à criação
de um novo Bilhete de Identidade. Onde iria constar, de entre os vários elementos de
identificação do titular, a raça.
O presente capítulo abarca um período que se estende de 1975 até 1996. Neste lapso de
tempo abordaremos quatro pontos principais. Sendo que os dois primeiros irão abranger um subperíodo que se estende de 1975 até, sensivelmente, 1991.
No primeiro ponto apresentaremos uma caracterização do percurso do MPLA desde a
proclamação da independência até à sua consolidação como partido/Estado. Ao longo deste
processo, Angola iria conhecer um momento de paz relativa, sobretudo entre 1976 e 1978, ano
em que se começaram a fazer sentir os efeitos da guerrilha da UNITA e da intervenção sulafricana no território angolano. Paradoxalmente, o processo de consolidação do MPLA/Estado
1137
Bourdieu (1989: 202). Assim: toda a oposição interior, dado que está condenada a aparecer como concluio com
o inimigo, reforça a militarização por ela combatida ao reforçar a unanimidade do nós ameaçado que predispõe à
obediência militar. Idem (1989: 202).
1138
Uma observadora privilegiada confirma: “Acontece, parece-me a mim que 74-75 foi uma reviravolta tão grande
no país com a migração massiva, portanto o abandono massivo da maior parte dos portugueses, portanto da maior
parte da população branca de Angola, embora também fosse outra população não branca, e o facto de rapidamente
termos passado para a guerra civil onde negros e negros se opunham, brancos e brancos se opunham, mestiços e
mestiços se opunham, portanto, essa reviravolta, de 74, 75, 76, 77, tal como eu a vivi pelo menos e como hoje a
analiso permitiu desfazer uma data de barreiras de desconfiança de grupos diferentes quer no campo meramente
social – socio-económico, quer no campo racial, religioso, etc., e eu acho que isso foi um enorme salto em frente que
Angola conseguiu dar nessa altura, se calhar não porque fôssemos melhores que os outros mas porque nos vimos
envolvidos num conflito que passava por uma divisão política e que se sobrepôs a todas as outras divisões que havia
entre nós”. Entrevista concedida pela historiadora Maria da Conceição Neto em Luanda, 09/2001.
1139
Classificações cuja ressurgência acontece, igualmente, num contexto de uma estruturante crise económica e
social.
275
vai adquirir maior consubstancialidade à medida que se intensifica a guerra. Significa isto que
será num quadro de bipolarização do campo que o MPLA se vai consolidar no aparelho de
Estado.
No segundo ponto, daremos saliência ao processo de consolidação da UNITA como
força político-militar, no campo político angolano. Com efeito, a afirmação político-militar da
UNITA possibilitou que a mesma se tornasse na principal alternativa ao MPLA/Estado,
contribuindo desse modo para uma configuração bipolar do campo político. Um novo cenário
que deve em muito ao seu líder Jonas Savimbi que em finais da década de oitenta atingira uma
notável projecção nacional e internacional.
No terceiro ponto é dado enfoque à nova divisão do trabalho político como
consequência da introdução de um novo regime assente no sistema multipartidário. A nossa
abordagem terá em conta uma perspectiva que articula efeitos das eleições multipartidárias e
efectivo estado de relações de força no campo político angolano.
Por fim, no último ponto, começaremos por apresentar um subsídio contextual embora
fragmentário, de modo a situar a proposta e a aprovação da “Lei do Bilhete de Identidade”. Neste
ponto e com base na análise das diversos materiais recolhidos – entrevistas e actas das reuniões
da Assembleia – tentaremos apreender o modo como o campo político se (re)apropriou da
questão racial. Apropriação exemplificada pela promulgação da lei do Bilhete de Identidade.
2. A consolidação do MPLA/Estado em tempo de guerra. 1975-1991
Nos poucos meses que se seguiram à independência, o MPLA, deu início a uma contraofensiva militar que lhe permitiu adquirir o controlo de praticamente todo o país.
Em Dezembro de 1975 a ofensiva militar contra a FNLA permitiu que o MPLA
ocupasse praticamente todos os pontos importantes do norte do país. Em Fevereiro de 1976 o
Norte de Angola estava praticamente pacificado. Em Março do mesmo ano o governo de Luanda
conseguira assegurar o controlo administrativo na maior parte dos pontos-chave do território1140.
Heimer (1980: 87); MPLA II (2008: 252). Esta vitoriosa contra-ofensiva militar traduziu-se também
na retirada das tropas sul-africanas em Março de 1976 em direcção à Namíbia. Anstee (1997: 34-35);
1140
George (2005: 293).
276
2.1 - As condicionantes externas
Graças ao auxílio das tropas cubanas e do apoio logístico e financeiro da União
soviética1141, o MPLA conseguira uma vitória militar não apenas sobre as outras duas forças
nacionalistas armadas mas conseguira igualmente forçar a retirada das forças militares zairenses
e sul-africanas que tinham marcado presença no território, em auxílio da UNITA e da FNLA1142.
Quanto à sorte das duas organizações, o destino de cada uma delas foi distinto.
A FNLA que fora apoiada pelo Zaire viu o seu lugar de principal rival militar do MPLA
ser gradualmente substituído pela UNITA, sobretudo a partir de 19781143. Com os sucessivos
reveses militares, a FNLA vira o seu capital político e militar cada vez diminuído1144. O seu
definhamento iria acelerar-se a partir do momento em que o regime liderado por Mobutu
estabeleceu relações com o governo de Luanda, em 19781145.
1141
Ao contrário do que se pensa, o auxílio soviético não foi automático. Por um conjunto de razões, as relações
entre Moscovo e o MPLA nunca foram pacíficas. Somente após a chegada de tropas cubanas a Angola por iniciativa
do governo de Cuba é que o engajamento soviético se tornou significativo. Significa isto que a decisão de Cuba em
apoiar o MPLA fora uma decisão à revelia do governo soviético. Tudo indica que a URSS não vira esta iniciativa
com bons olhos. O que reforça a nossa convicção, de que o contexto de guerra-fria nunca impediu a autonomia de
projectos dos países que intervieram em Angola como Cuba e África do Sul. Para saber mais sobre o papel dos
soviéticos e cubanos em Angola ver Gleijeses em “Angola 40 anos” (s/data); Gleijeses (2002); Milhazes (2009);
George (2005). Ver DVD “Cuba uma Odisseia Africana” Tahri (2007). A respeito das relações entre a URSS e o
MPLA no período da luta anticolonial até 1977 ver também Tali II (2001).
1142
Uma destacada figura do MPLA confirma esta nossa afirmação, todavia o mesmo realça sobretudo o papel
desempenhado pela Argéla e Jugoslávia: “Foi com a ajuda externa que o MPLA ganhou força militar senão tinha
sido liquidada pela FNLA. Aí jogou um papel importante (até agora fala-se muito na União Soviética e em Cuba),
eu acho que quem jogou um papel importante sem estar presente naquilo foi a Argélia. Foi o Boumediene (na época
Presidente da República da Argélia) que conseguiu juntar os fios e permitir que a União soviética se acalmasse e
ajudasse o MPLA. Foi a Argélia que mandou as primeiras armas, os primeiros tanques que desembarcaram (aliás
Argélia e Jugoslávia), mas os primeiros foram os argelinos”. Entrevista com Lopo do Nascimento em 08/08. O
sublinhado é nosso.
1143
Heimer (1980: 86).
1144
Confrontado com as razões de tão rápido definhamento, um militante da FNLA considera que tal se deve a duas
ordens de factores: internos e externos. A interna: “Hoje em dia todos grandes comandantes que estiveram no
ELNA, reconhecem que os massacres dos oficiais na base Kinkuzo fragilizou bastante a direcção militar da FNLA,
que era o ELNA, porque os oficiais superiores do ELNA praticamente foram mortos. Esses que se tinham preparado
nas academias militares foram mortos por intrigas, que hoje em dia não se consegue explicar, de maneira que em
1974, quando houve aquela abertura negocial com o governo português, praticamente a cabeça do ELNA estava
cortada. É assim que precipitadamente se fez recurso aos oficiais superiores do exército zairense (MOBUTU) que
desconheciam o terreno, não conhecia a realidade angolana. Isto foi uma das causas internas do fracasso da FNLA”.
Factores externos: “O apoio das grandes potências. O apoio socialista foi muito mais célere que a ajuda capitalista”.
Entrevista com Dr. Carlinhos Zassala em 09/2007.
1145
O que se deveu ao facto de o governo de Luanda ter conseguido cooptar os refugiados katangueses. Estes tinham
adquirido significativa importância na geoestratégia do governo de Luanda. Para pressionar a República do Zaire, o
governo de Angola começou a promover uma política de desestabilização da República do Zaire ao apoiar a FNLCFrente de Libertação Nacional do Congo, organização político-militar constituída por antigos rebeldes e refugiados
277
A UNITA, após um breve período de letargia político-militar, iria ressurgir como
movimento de guerrilha em finais da década de setenta, graças ao apoio do governo sul-africano.
Mas seria em meados da década de oitenta, com o apoio dos Estados Unidos da América, que a
UNITA se iria afirmar como a principal alternativa político-militar, relativamente ao MPLA1146.
No entanto, se o papel dos soviéticos e cubanos fora fundamental para o triunfo militar
do MPLA, outras condicionantes de ordem externa iriam contribuir para a consolidação do
MPLA/Estado.
Com efeito, em 1976 o Congresso norte-americano aprovara uma emenda que proibia o
envolvimento dos Estados Unidos em Angola, nomeadamente no respeitante ao apoio financeiro
e militar aos movimentos subversivos1147. Esta lei iria assinalar o fim do engajamento oficial, dos
Estados Unidos no conflito angolano em contraste com um maior envolvimento político e militar
da URSS e de Cuba1148.
Mas a hegemonia político-militar do MPLA no território angolano seria complementada
por um contexto diplomático, favorável, que iria proporcionar condições para a legitimidade
política e jurídica da recém nascida República Popular de Angola1149.
katangueses entre os quais, se incluíam os antigos “fieis”. Estes, temendo uma vitória da FNLA optaram por se
aliarem ao MPLA. O que possibilitou ao governo de Luanda fomentar duas invasões naquele país que, por sua vez,
estava a braços com uma forte crise económica. Uma primeira invasão foi protagonizada em Março de 1977.
Todavia, graças à intervenção multinacional militar promovida pela França, a invasão foi travada. Uma segunda
invasão aconteceu em Maio de 1978 e, mais uma vez, graças à intervenção dos países ocidentais a invasão
fracassou. No entanto, esta pressão militar criou as condições para que Agostinho Neto concluísse com Mobutu um
pacto de não agressão. O que implicou o fim do apoio do governo zairota à FNLA e à FLEC. Por sua vez, o governo
de Luanda comprometia-se a não apoiar os rebeldes do FLNC. O pacto seria formalizado em Julho de 1978 com a
assinatura de um acordo de reconciliação e normalização das relações entre os dois Estados africanos. A partir de
então as actividades militares da FNLA iriam cessar definitivamente. Wright (2000:163-167); Guerra (2002: 302);;
George (2005: 293-294). O fim definitivo da FNLA como força militar foi simbolicamente marcado pela expulsão
de Holden Roberto do Zaire em 1979 por ordem de Mobuto. Holden em Nganga (2008:195). A partir do mesmo ano
o governo do MPLA, no âmbito de uma política de amnistia, começou a integrar muitos elementos da FNLA no
Partido/Estado. Messiant (2008: 69); Presidente José Eduardo dos Santos em entrevista ao “Washington Post” em
José Eduardo dos Santos (1985: 208-209).
1146
De que falaremos mais adiante.
1147
Correia (1996:39 e 193) Conhecida como a Emenda Clark, nome do Senador que a propôs, fora aprovada em 19
de Dezembro de 1975 no Senado e em 27 de Janeiro de 1976 na Câmara dos Representantes. A lei seria promulgada
pelo então Presidente Gerald Ford a 29 de Junho do mesmo ano. Para saber mais sobre esta lei ver Wright
(2000:154).
1148
Cerca de 35.000 cubanos em 1976. Sendo que no mesmo ano, a ajuda soviética cifrava-se em meio bilião de
dólares. George (2005: 303). Ver anexo 26.
1149
Esta legitimidade era igualmente reforçada pela fragilidade da aliança FNLA/UNITA cuja proclamação da RDA
não tivera o efeito desejado, pois, como se disse, a RDA proclamada em Angola não fora reconhecida por nenhum
país. Além de que a coligação se desfez no próprio dia da independência quando os soldados da UNITA expulsaram
as tropas da FNLA do Huambo. Savimbi (1979: 59-64); Chiwale (2008:213-215).
278
No plano restritamente africano, o MPLA conseguira uma vitória diplomática com o
reconhecimento da República Popular de Angola a 11 de Fevereiro de 1976 pela maioria dos
Estados africanos da OUA tendo-se tornado o 47º membro desta organização1150. Mas a vitória
diplomática do MPLA não se ficara por aí. O reconhecimento por parte da maioria dos países da
OUA, da República Popular de Angola estendeu-se à ONU onde, mais uma vez, o efeito África
do Sul acelerou o processo de viabilização de admissão da jovem República como membro da
Assembleia da ONU, no dia 22 de Novembro de 1976 1151.
Com o afastamento definitivo da FNLA do teatro militar e a derrota parcial da UNITA,
o MPLA, que se iria converter em partido marxista-leninista, estava em condições de instituir
uma ordem política não só na maior parte do território angolano mas igualmente no seio da
própria organização. Ordem que teria que ser garantida através de uma dinâmica intensiva de
aparelhização1152.
2.2. A consolidação do MPLA/Estado
Embora, em termos formais, a constituição do novo Estado independente estabelecesse
a primazia do partido e, desse modo, também o papel decisor nuclear dos seus órgãos dirigentes
(o Comité Central e o Bureau Político) o novo sistema político revelou desde o início uma forte
tendência para o presidencialismo1153. Depois da morte de Agostinho Neto, esta tendência
1150
MPLA II (2008: 259). Este reconhecimento pela maioria dos países africanos deveu-se, em certa medida, ao
facto de o envolvimento da África do Sul ao lado da FNLA e da UNITA ter tido o condão de unir os países africanos
em torno da luta antiapartheid. Com efeito, apesar das suas divergências, os africanos partilhavam o sentimento
comum de rejeição do sistema político sul-africano assente em pressupostos raciais. O MPLA tivera de resto a
habilidade de arrastar, algemados, para a cimeira da OUA, mercenários portugueses e militares do exército regular
sul-africano, capturados no decurso dos combates. Um gesto de forte impacto que facilitou a admissão de Angola na
OUA. Tali II (2001: 137).
1151
Correia (1996: 194). Silva (2002: 254).
1152
“Por detrás da fachada de uma unidade política organizacional proclamada, conhecida pelo nome de
«centralismo democrático» o MPLA ainda não tinha uma filosofia ou ideologia política uniformes. Pelo contrário, o
MPLA oferecia uma notável variedade de pontos de vista: as diferenças iam das questões de palavras aos conflitos
acerca das opções fundamentais”. Citação livre. Bourdieu (1989: 196). A propósito dessas diferenças ver Tali II
(2002).
1153
“A sua posição preeminente introduziu o factor «presidencial» na política partidária e na política nacional.
Embora a tomada de decisões fosse uma prerrogativa do Congresso, do Comité Central e do Bureau Político, Neto
era claramente a força dominante, liderando quer o trabalho do partido, quer o dos órgãos do Estado. Tinha de ter o
apoio dos seus colegas, mas era, de facto, o primeiro entre iguais. Hodges (2002:79-80).
279
manteve-se com o seu sucessor, José Eduardo dos Santos1154; e acentuou-se à medida que a
guerra, contra UNITA e a África do Sul, se intensificou1155.
Todavia, o MPLA/Estado não deixa de funcionar como um poderoso instrumento
ideológico-identitário na construção de uma representação da sociedade angolana estruturada em
torno do projecto de entrada na modernidade, no quadro de uma economia de direcção central e
planificada1156, da unidade do estado nação (materializada em palavras de ordem como, por
exemplo “Angola de Cabinda ao Cunene”1157 e da “construção do homem novo”1158. O que
significa que, com a instituição de um regime de partido único, o MPLA irá tutelar o modo como
as populações devem representar o mundo e representarem-se a si próprios1159.
Este processo centralizador e de homogeneização da sociedade ganhou um forte alento
após a tentativa de um golpe de Estado, de 27 de Maio de 1977, que teve o efeito de reforçar o
carácter unipessoal e centralizador, mas igualmente autoritário do regime1160.
O golpe de 27 de Maio remete para o modo como foram utilizados em princípios de
acção política categorias puramente ideológicas, fundamentadas no marxismo-leninismo1161.
Muito embora haja quem considere a utilização de categorias raciais nas estratégias de
1154
José Eduardo dos Santos nasceu a 28 de Agosto de 1943 em Luanda, filho de Eduardo Avelino dos Santos,
pedreiro reformado, e de Jacinta José Paulino, doméstica. Ingressa no MPLA em 1961; licenciou-se em Engenharia
na antiga União Soviética (Baku, capital do actual Azerbeijão) em 1969. Com a proclamação da independência é
nomeado ministro das Relações Exteriores; sucedeu a Agostinho Neto na presidência de Angola, que havia falecido
na antiga União Soviética no dia 10 de Setembro de 1979, em 20 de Setembro do mesmo ano. Biografia em José
Eduardo dos Santos (1985: 9-11). Ver igualmente os dois volumes do MPLA (2008).
1155
Hodges (2002: 80).
1156
Ferreira (1999: 14).
1157
MPLA II (2008: 459).
1158
MPLA II (2008: 456).
1159
“Os Órgãos do Estado na República Popular de Angola guiar-se-ão pelas directrizes superiores do MPLA,
mantendo-se assegurada a primazia das estruturas do Movimento sobre as do Estado”. MPLA II (2008: 452). Artigo
2º da constituição: ao MPLA (…), cabe a direcção política, económica e social da nação. MPLA (2008: 461).
Razão pela qual utilizamos a designação de MPLA/Estado. Muito embora esta classificação mereça ser questionada
e até reavaliada. A propósito desta designação ver Messiant (2008:55).
1160
Com efeito, após o fracasso do golpe de Estado, o regime protagonizou uma sangrenta repressão que afectou não
apenas os militantes do topo até à base do MPLA, mas a própria sociedade angolana. As purgas internas tinham tido
o seu início em 1976 com as prisões dos antigos militantes da “Revolta Activa” e de membros da Organização
Comunista de Angola. Todavia não tinham atingido as proporções da violenta repressão que se sucedeu após o golpe
de 1977. Tali II (2001); Adolfo Maria em Pimenta (2006:151-153); “Michel” (2007); Fragoso (2009); Cabrita
Mateus (2007); Botelho (2007). Ver igualmente o site da Associação 27 de Maio (2010); ver o mesmo “Michel”
(2010); Existe uma opinião discordante por parte de elementos afectos ao regime ao então regime vigente, como é o
caso de Carreira (1996).
1161
Ver as treze teses de Nito Alves no site da “Associação 27 de Maio” (2010); Pacheco (1997). Nito Alves nome
pelo qual ficou conhecido Bernardo Alves Baptista o alegado líder do golpe de 27 de Maio.
280
mobilização política1162. Porém, no nosso entender, a resposta, violenta, do MPLA/Estado denota
que a amplitude popular do golpe ultrapassara a mera mobilização racial1163.
A mobilização afecta aos alegados golpistas abrangera múltiplos sectores da sociedade
angolana1164.
Uma das consequências imediatas desta crise foi, provavelmente, acelerar o processo de
criação de um “Partido orientado pelo “Marxismo-Leninismo”1165. Este alinhamento ideológico
levou a que o MPLA alterasse a sua designação, passando a denominar-se MPLA-PT Partido do
Trabalho, no Congresso realizado em Dezembro de 1977, que assinalaria a adesão de jure ao
marxismo-leninismo e ao “socialismo científico”1166. Esta assumpção do marxismo-leninismo foi
acompanhada de um reforço dos critérios, cada vez mais selectivos, de filiação no partido1167.
Todavia, o paradoxo também dita a sua lei. Assim, por exemplo, quando se tratou de
escolher os delegados para o Congresso de Dezembro de 1977: “A trajectória ideológica de cada um
1162
Messiant I (2008: 52), considera que: “esta oposição, liderada por Nito Alves, aquilo que se designa por corrente
«nitista» no seio do MPLA, mobilizou nas cidades e sobretudo em Luanda uma importante base popular. Esta
oposição, onde cabiam divergências entre fracções de elites sociais e políticas, apresentava um forte acento racial
(anti mestiço), um pró sovietismo integral e a defesa do “poder popular” dirigido pelo partido. Segundo Bridgland
(1988: 304) apareceram panfletos clandestinos, que atacavam, em termos racistas, os portugueses brancos que
trabalhavam como cooperantes para o governo angolano. MPLA- Informação do Bureau Político sobre a tentativa
de golpe de estado de 27 de Maio de 1977. MPLA/República Popular de Angola 12/7/ 1977. Ver igualmente Tali II
(2001:181-227); “Michel” (2010).
1163
Um historiador angolano foi confrontado com a seguinte pergunta o “27 de Maio foi uma crise racial”? A
resposta foi a seguinte: “Julgo que não, talvez tenha sido explorada como crise racial. Havia muitos mestiços no
movimento como o Charrula, Sita Vales. O 27 de Maio não foi uma crise racial, mas uma crise de crescimento do
próprio MPLA. Porque a sua juventude… aquilo que se chama de esquerdistas, de quererem a revolução já, de um
dia para outro, esses indivíduos é que queriam apressar a revolução angolana então enveredaram pelo esquerdismo,
mas que tenha sido racial… mas não obstante algumas fontes contradizerem-se que… e sobretudo a fonte do poder
explorar muito esse aspecto racial; (“racista porque o Nito Alves dizia que “os brancos e mulatos deviam varrer as
ruas”) e então isso pode sugerir uma leitura racial, foi esta utilizada sobretudo pelo poder”. Entrevista com o
historiador e docente universitário Fernando Gambôa a 09/2007.
1164
Todavia reconhecemos que a história do golpe do 27 de Maio ainda está por contar. As abordagens acerca da
mesma, mais apaixonadas do que reflexivas denotam no entanto uma profunda divisão no seio tanto do MPLA,
como de uma grande parte da sociedade angolana.
1165
O processo de adesão tinha tido o seu início oficial em 1976. MPLA II (2008:267); Tali II (2001:230-231).
1166
Relatório do Comité Central ao 1º Congresso do MPLA (1978: 26-27).
1167
De entre estes critérios constavam a aplicação dos “princípios do marxismo-leninismo”, a posse de “qualidades
políticas e morais revolucionárias irrepreensíveis e a não adopção de ideia religiosa”. Estatutos e programa do
Partido do Trabalho/MPLA 1977 (1977) Gentilmente cedidos por Wanda Lara. A propósito deste processo ver Tali
II (2001:230-243). Muito embora, à rigidez dos critérios de adesão se possa também associar a massificação das
purgas e, como tal, um maior distanciamento do MPLA em relação às suas bases populares, (O número de membros
do partido caíra de 110.000 para 31000): “Em paralelo à purga, foi lançado um movimento de rectificação de forma
“a depurar organização dos elementos nocivos” estabelecendo rígidos critérios para a filiação no partido,
degenerando nos primeiros sinais de “elitismo” partidário expresso no slogan de então – “não é do partido quem
quer, mas quem merece”.. Vidal em Vidal e Andrade (2006: 15). Relatório do Comité Central ao 1º Congresso do
MPLA 1978 (1978: 26-27).
281
pesou menos, portanto, e o Congresso recebeu uma massa de pessoas designadas segundo um critério comum: a
1168
fidelidade ao MPLA e a Neto”
.
Podemos, contudo, considerar que o Congresso de 1977 assinala a institucionalização
de um processo de consolidação de um regime, corporizado pelo MPLA, que reforça a sua
omnipresença no seio da sociedade. Partido que, por sua vez domina todas as vias de promoção
social, além de decidir e controlar o lugar que cada um deve ocupar, tanto no seu seio como no
Estado1169.
Assim para quem não quer estar excluído do jogo do processo de acumulação de capital
político torna-se portanto necessário entrar no partido, e, para aquele que já lá está, obviamente
subir na hierarquia; os critérios, para tal, não são raciais nem étnicos, nem religiosos1170. Basta
fazer prova de fidelidade ao partido e/ou ao presidente, independentemente do seu passado de
traidor1171. Como tal, o fortalecimento de posições na hierarquia do MPLA/Estado, ou seja, a
posse de capital político objectivado – principal critério de diferenciação no seio do MPLA –
está obviamente sujeito a outros critérios, mas a fidelidade é o garante fundamental de acesso ou
acumulação de capital político1172.
Esta percepção de que o capital político se adquire no partido reforça a percepção de
que aquele é o princípio diferenciador, cuja desigual distribuição dará, provavelmente, origem a
diferenças comprovadas não só pelos postos, mas igualmente pelos privilégios que estes
1168
Tali II (2001:237). O que torna, quanto a nós, a fidelidade como um dos principais índice da bolsa de valores do
capital político objectivado.
1169
Messiant 2 (2008: 255).
1170
O que significa que os rígidos critérios de filiação podiam ser contornados. Assim, a título de exemplo, a
exclusão dos militantes assumidamente pertencentes a confissões religiosas (cristãs) dera origem a determinadas
práticas distintas. Aqueles que eram profundamente religiosos (sobretudo protestantes) irão abandonar o partido, por
vezes sem problemas pois opõem-se ao comunismo ateu. Outros, pelo contrário, esquecerão sem sentimento de
culpa a sua religião e tornar-se-ão ateus convictos; outros ainda, no seio destes últimos – nomeadamente alguns
dirigentes do partido – recusarão abandonar o partido e farão questão em declarar que não são cristãos, todavia
mantendo as suas convicções religiosas e, por vezes de forma visível. Messiant I (2008: 310); O que reforça, quanto
a nós, o a importância do critério de fidelidade para aquisição e acumulação do capital político.
1171
Messiant II (2008: 255). Um exemplo. A integração dos antigos dirigentes da FNLA (os “clementinos”) que
haviam aceite a política de clemência oferecida pelo partido/Estado. O que possibilitou a muitos desses novos
membros o acesso a postos de elevado nível no seio do Comité Central e do governo. Com efeito, aqui o mecanismo
mobilização/fidelidade terá obviamente efeitos no seio da adesão de uma população classificada como bakongo,
sobretudo a partir de 1992.
1172
Segundo um autor, Lenine definira quais seriam os critérios para a escolha dos colaboradores.. A selecção
deveria ser feita segundo: 1) a fidelidade; 2) a posição política; 3) conhecimento técnico; 4) capacidade em matéria
de administração. Há igualmente similitudes com o pressuposto estalinista de que se trata de seleccionar os
funcionários de maneira a que os postos sejam ocupados por homens que saberão compreender as directivas,
considerar essas directivas como sendo as suas próprias directivas e transformá-las em realidade. No caso contrário,
a política perde o seu sentido e transforma-se em meros discursos. Voslensky (1980: 71 e 100).
282
acarretam. A esta forma de acumulação de capital político, que se poderia chamar de
“patrimonialização”, estende-se aos principais recursos do Estado (sobretudo o petróleo) e
possibilita o desenvolvimento de uma espécie de capital social de tipo político que se reproduz
através de uma rede de relações – de tipo clientelista – familiares, linhageiras; contribuindo desse
modo para a constituição de um verdadeira nomenclatura de privilégios. Sendo que esta vai
levando até às últimas consequências a apropriação dos bens públicos e colectivos1173. Todavia,
não é demais enfatizar, que esta acumulação continua subjugada ao princípio nuclear de
diferenciação do subcampo: o capital político1174. Podemos assim considerar que estão criadas as
condições que possibilitam a constituição e reprodução de uma nomenclatura de privilégios a
partir de posições ocupadas no Partido e, por conseguinte, no aparelho de Estado1175. Configura
se assim uma complexa rede de relações que se consubstanciam em postos, privilégios e
ideários1176.
Essa dinâmica, consubstanciada pelo MPLA/Estado, é acompanhada por um sistema de
classificação, produzido e trabalhado, que comporta um discurso identitário que veicula um
sentimento de pertença, não só a um território, mas também a um partido, (re)produzindo assim
rígidos critérios de inclusão e exclusão1177. Adquire grande eficácia simbólica o recurso aos
instrumentos conceptuais provenientes do marxismo-leninismo.
1173
“Uma complexa estrutura institucional de privilégios sociais e materiais inerente aos escalões superiores da
estrutura hierárquica Estatal/Partidária/Militar (estas esferas desde cedo que se justapuseram a nível do topo), foi
colocada em prática, desde logo esbatendo a distinção entre dimensão pública e privada e impondo uma grande
diferenciação social entre as elites no poder e a maioria da população, (…). A justaposição das estruturas partidárias
e estatais e a centralização política e económica, típicas de um modelo Marxista, serviram na perfeição as
necessidades de um modelo patrimonial distributivo”. Vidal em Vidal e Andrade (2007:13).
1174
Reconhecemos que para a elaboração de um índice do capital político não basta reter apenas a posição na
hierarquia do aparelho partidário/estatal, mas outros elementos como um passado de luta armada anticolonial e de
luta contra os “imperialistas e seus fantoches”. A isso podemos acrescentar as competências técnicas para o
exercício de funções administrativas e burocráticas tanto do partido como do Estado e seus apêndices.
1175
“A Nomenclatura consiste na lista dos postos mais importantes; as candidaturas são previamente examinadas,
recomendadas e sancionadas por um comité do Partido. Quer da cidade, quer do distrito, quer da região, etc. É
necessário o acordo do comité do Partido, para que as pessoas admitidas a comparticipar na Nomenclatura possa ser
libertadas das suas funções. A Nomenclatura compreende as pessoas que ocupam os postos chaves”. Voslensky
(1980: 20).
1176
Serão sobretudo as receitas do petróleo que possibilitarão consolidar e reforçar uma nomenclatura de
privilégios. Mas esta consolidação deve-se em certa medida a crescente corrupção que vai atingindo um crescente
número de responsáveis e indivíduos no partido e no Estado uma vez que estes gozam de uma impunidade conferida
pelos seus postos. Enquanto isso as dificuldades e penúrias aumentam para a maioria da população que reage às
dificuldades e desigualdades ora com o silêncio, medo e a submissão; ora com a desobediência as leis e no
aproveitamento das oportunidades (desvios, roubos, candonga). Messiant (1998: 258); acerca da evolução da
economia angolana ver igualmente Ferreira (1993: 1360-1386), Idem (1995: 11-26) Idem (1999).
1177
Uma rigidez que se traduz, frequentemente num afunilamento dos critérios de inclusão e no alargamento dos
critérios de exclusão.
283
Designações como “socialismo científico”1178, “centralismo democrático”1179, “poder
popular”1180 exemplificam a edificação de um sistema de classificação que assegura o monopólio
da classificação legítima que, por sua vez, possibilita ao MPLA/Estado fundamentar e assegurar
o controlo da manipulação legítima do discurso e da acção política1181. Graças a esta relação de
equivalência perfeita entre o representante e os supostos representados, “o MPLA é o povo e o
povo é o MPLA”1182; o partido monopolista pode simplesmente substituir-se ao povo, o qual fala
e age através dele1183. E, desse modo assegurar o seu monopólio através duma dupla
legitimidade: “a científica e revolucionária”1184.
Mas este sistema de classificação remete igualmente para um princípio estruturante não
só do funcionamento do subcampo mas igualmente de todo o espaço social, sob a vigência do
MPLA: a fidelidade/traição. Assim, por exemplo, “camaradas/inimigos”, “revolucionários/
reaccionários”, “patriotas/fantoches”, são antinomias que contribuem para definir aqueles que
estão ou não inseridos no espaço MPLA, ou seja aqueles que estão contemplados pela ideologia
identitária de nação1185. Trata-se de um princípio de inclusão/exclusão que possibilita, por sua
vez, assegurar uma ordem no espaço social angolano, mas igualmente assegurar uma ordem
interna. Pois possibilita, não só excluir aqueles que não se revêem no MPLA, mas igualmente
excluir aqueles que sendo do MPLA são considerados “nocivos”. Porém, este sistema de
classificação, possibilita igualmente o reforço da mobilização, sobretudo e à medida que a guerra
se intensifica, não só contra a UNITA como contra os “racistas sul-africanos”1186.
1178
José Eduardo dos Santos (1985:14).
Relatório do Comité Central ao 1º Congresso do MPLA (1978: 29).
1180
Estatutos do e Programa do MPLA (1977).
1181
Bourdieu (2000:100).
1182
Tali II (2001: n 22 p 92).
11 83
Bourdieu (2000:101). Trata-se, quanto a nós, de um trabalho ideológico-identitário que impede o recurso às
propriedades rácicas/características somáticas ou até o recurso às categorias étnicas e religiosas no exercício da
prática política. A tese de que as classificações predominantemente ideológicas eram mais importantes do que as
classificações raciais é defendida por informadores privilegiados: “Eu creio que houve um momento em que estas
questões eram menos importantes nos primeiros anos da independência, em que as palavras de ordem do MPLA, em
torno do anti-racismo, anti-tribalismo, e anti-regionalismo mobilizavam muita gente que, nelas acreditando ou não,
seguiam-nas com mais ou menos empenhamento. Sentia-se na rua, nas relações entre as pessoas, pouca tensão entre
as raças. Entrevista com o escritor Artur Pestana “Pepetela”, em 09/2001.
1184
Bourdieu (2000: 100).
1185
Ver Santos José Eduardo dos Santos (1985) onde abundam estas expressões.
1186
Ver Santos José Eduardo dos Santos (1985: 42-53).
1179
284
Assim o novo regime instituído, através de um presidente, um partido e uma ideologia
“pode absorver a «sociedade civil» no Partido/Estado, os dominados nos dominantes, realizando sob a forma de uma
1187
ditadura realmente disfarçada em ditadura do proletariado, o sonho da burguesia sem proletariado”
.
Porém, a nova conjuntura internacional1188, a pressão militar exercida pela UNITA e o
fracasso da economia planificada e de direcção centralizada iriam contribuir para uma notável
viragem ideológica, com substituição do “marxismo-leninismo” pelo “socialismo democrático”.
Em 1990: “O III Congresso do MPLA-Partido do Trabalho ratificou a opção pelo sistema político multipartidário,
pelo sistema de economia mista baseada nas leis de mercado e pela transformação do carácter e orientação do
1189
Partido”
.
A 6 de Maio de 1991 o Presidente da República José Eduardo dos Santos promulgou as
leis do Sistema Político Multipartidário, publicadas no Diário da República de 11 do mesmo
mês: Lei Constitucional, (alteração parcial da Constituição), Lei dos Partidos Políticos, Lei das
Associações, Lei do Direito de Manifestação, Lei do Estado de Sítio e da Emergência, Lei da
Nacionalidade, Lei do Plano e do Orçamento Geral do Estado para 19911190.
José Eduardo dos Santos pôde assim apresentar-se, no dia 31 de Maio de 1991 em
Bicesse, na qualidade de porta-voz legítimo do grupo constituído e instituído em instância
legítima – de grande eficácia simbólica – o MPLA/Estado. Mas, esta “felina” viragem ideológica
demonstrara, acima de tudo, que o MPLA se adaptara rapidamente a uma nova conjuntura
política. O que pode querer dizer que, no seio do partido e apesar do monolitismo político
vigente, havia sempre “alguém” com “coragem”, “profundidade” e “pragmatismo” que pensara
em alargar a clientela política» do MPLA1191. “Alguém” que se apercebera de que para não ser
excluído do jogo político, o MPLA não se poderia limitar a “virtudes tão exclusivistas”, pois
necessitava de trazer para a sua causa o maior número possível de “refractários”. Havia,
1187
Bourdieu (2000:100-101).
Referimo-nos à desagregação do sistema sovietizado, simbolizado pela “queda do muro de Berlim”, de que
falaremos mais adiante.
1189
MPLA/PT. Discurso do Presidente José Eduardo dos Santos (1990), Paralelamente, promoveu-se a aceleração
da liberalização económica e da economia do país, de acordo com o Programa de Acção do Governo (PAG),
lançado em Agosto de 1990. Guedes e vari (2003: 238).
1190
Guedes e AA.VV. (2003: 240); Carlos Albuquerque (2002:40). O MPLA apresentou a sua candidatura a
membro da Internacional Socialista em 1991. Idem (2002: 42). Onofre dos Santos (2005: 40).
1191
“A transformação do carácter do Partido de classe em Partido de massas, ampliando a composição social para o
recrutamento dos seus membros”. O que implicou a abertura do partido à entrada de camponeses, que “constituem a
maioria da população”, “crentes” ou até “outros cidadãos que exerçam actividade económica individual”.
MPLA/PT, Linhas Mestras dos Projectos de Teses ao III Congresso (1990).
MPLA/PT, “Resolução Geral do III Congresso do MPLA (1990)”. Ver também MPLA/PT. “Discurso do Presidente
José Eduardo dos Santos no enceramento do II Congresso” (1990).
1188
285
portanto, “alguém” que tinha a perfeita noção de que “a lógica da real politik era a condição do
acesso à realidade política”1192.
3. Consolidação da UNITA em tempo de guerra. Ou a investidura do dom
Em 1976, derrotada militarmente, a UNITA iria dar início a um processo de reactivação
das suas estruturas político-militares. Para tal iria contar com o apoio de dois países: a África do
Sul e, sobretudo a partir de 1985, os Estados Unidos da América. Mas seria a África do Sul o
primeiro país a garantir, a partir de finais da década de setenta, um efectivo apoio à UNITA.
3.1. As condicionantes externas
O envolvimento sul-africano em Angola obedecia a uma “estratégia nacional total”
delineada pelo governo sul-africano no sentido de responder à “ameaça total” que representavam
os movimentos de contestação ao apartheid1193.
No domínio da política externa a estratégia sul-africana procurava aplicar a teoria da
desestabilização
segmentarisada,
que
consistia
empreendimentos das subversões nos países vizinhos
em
1194
encorajar
sistematicamente
os
. O que passava, obviamente, pelo apoio
aos movimentos subversivos1195. Tratava-se de pressionar os governos dos países vizinhos a
abdicarem do apoio aos movimentos que se opunham ao apartheid como a SWAPO na Namíbia
e o ANC-Congresso Nacional Africano na África do Sul. O fundamento ideológico deste plano
traduzia-se numa ideia força: a luta contra o avanço do comunismo soviético1196.
1192
Bourdieu (1989 : 185).
Campos (1996: 246); Jeune Afrique (Economie) (Abril de 1996: 148).
1194
No plano interno o objectivo era identificar e desmantelar as redes de influência susceptíveis de fomentarem
uma agitação política generalizada, nomeadamente nos towship. Jeune Afrique (Economie) (Abril de 1996: 148).
Campos (1996: 250-278). No caso de Angola, o apoio a UNITA estava também associado ao objectivo de criar uma
zona tampão no sul de Angola de modo a impedir as acções da SWAPO na Namíbia. Campos (1996: 280).
1195
Em Moçambique, por exemplo, o governo sul-africano apoiava a RENAMO - Resistência Nacional
Moçambicana que se opunha ao governo moçambicano dirigido pela FRELIMO - Frente para a Libertação de
Moçambique.
1196
Campos (1996: 250-251).
1193
286
No caso angolano, as intervenções militares frequentes consistiam, por um lado, em
atacar as bases da SWAPO - South West African People’s Organization que estavam sedeadas
em Angola1197; e, por outro lado, em reforçar o apoio militar à UNITA com o intuito de
desestabilizar e enfraquecer o regime de Luanda, impedindo assim este último de apoiar a
SWAPO1198.
Mas será devido ao envolvimento dos Estados Unidos da América na questão angolana,
que a UNITA se iria afirmar como a principal força político-militar, alternativa ao MPLA.
Este empenhamento tornou-se notório com a ascensão de Ronald Reagan à presidência
dos Estados Unidos em 19811199. A partir de então, a política externa norte americana em Angola
iria também estar inserida na estratégia de minar todas as regiões e territórios influenciadas pela
URSS1200.
Com a revogação da Emenda Clark, em Julho de 1985, o apoio norte-americano à
UNITA adquiriu maior intensidade1201. O que contribuiu para que a guerra civil angolana
começasse a adquirir contornos de conflito regional e de guerra convencional nacional
protagonizada não só por países distintos1202, África do Sul e Cuba, como ainda por dois
exércitos nacionais1203.
Mas a política dos EUA em Angola não se restringia ao plano militar. Havia também
uma dimensão diplomática cujo objectivo era encontrar uma solução política que garantisse a
estabilidade na região da África Austral. O que, obviamente, implicava salvaguardar o papel da
As forças militares sul-africanas chegaram ao ponto de ocupar a província do Cunene durante anos.
Hodges (2002:28).
1198
Hodges (2002: 28). As operações militares sul-africanas em Angola cifraram-se em 4 na década de setenta,
sendo que entre 1980 e 1988 tinham se realizado 20 operações de carácter militar. George (2005: 300-301).
1199
Guerra (2002: 142). Correia (1996).
1200
Wright (2000: 201). A presença das tropas cubanas em Angola considerada pelos EUA como um atentado à
sua segurança nacional será o primeiro grande pretexto para um primeiro apoio oficial à UNITA. Muito embora este
auxílio fosse prestado ainda de forma velada. Idem (2000:216-218).
1201
A 10 de Julho de 1985, a Câmara dos Representantes votou, um mês após resolução semelhante por parte do
Senado, a revogação da Emenda Clark, pondo assim termo à proibição, de uma década de ajuda militar dos Estados
Unidos aos movimentos resistentes angolanos”. Bridgland (1988:524). Ver também Wright (2000:235-249). Guerra
(2002:309).
1202
Começava assim a tornar-se cada vez mais notório a existência de um eixo EUA/Africa do Sul /UNITA em
oposição ao eixo Moscovo/Havana/Luanda.
1203
O que se devia ao grande número de armamento fornecido pelas duas grandes potências mas também ao
crescendo de tropas cubanas que na primeira metade da década de oitenta atingira cerca de 50.000 homens. Hodges
(2002: 28); George (2000:303). Sendo que a ajuda soviética se cifrava em 1985 no valor de dois biliões de dólares.
Idem (2000:303). Em 1986 a Administração Reagan concedeu à UNITA 15 milhões de dólares dos financiamentos
em operações secretas da CIA (Central Intelligence Agencie). Nesta ajuda estavam incluídos mísseis antiaéreos
TOW e Stingers, armas antitanques, canhões de 106 milímetro sem recuo; munições e combustíveis. Wright (2000:
248).
1197
287
África do Sul na região considerado um bastião da defesa do ocidente contra a hegemonia
comunista1204.
É neste sentido que se pode entender a fórmula implementada por Chester Crocker1205
para a África Austral denominada de Constructive Engagement (Envolvimento Construtivo),1206
a qual que se materializaria na denominada política de linkage. Consistia, esta, em ligar ao
cumprimento das resoluções tomadas pelas Nações Unidas relativamente ao reconhecimento da
independência da Namíbia à retirada das tropas cubanas de Angola1207.
A estratégia diplomática americana acabaria por se consubstanciar no Acordo de Nova
Iorque quando África do Sul, Angola e Cuba assinaram formalmente, a 22 de Dezembro de
1989, um tratado relativo à retirada sul-africana e à implementação da resolução 435. No mesmo
dia, Angola e Cuba assinariam um tratado bilateral acerca da retirada das tropas cubanas1208. Para
Wright, a administração Reagan tinha atingido dois dos seus principais objectivos em Angola: os
cubanos estavam a retirar de Angola e o MPLA tinha começado a desmantelar o sistema de
economia planificada1209.
Porém, o envolvimento político e militar dos EUA em Angola não tinha terminado. A
fase seguinte seria de pressão dos Estados Unidos sobre o governo angolano para que aceitasse a
reconciliação nacional com a UNITA. Este fim seria atingido graças a um novo contexto
geopolítico mundial: o colapso dos regimes “socialistas” na Europa do Leste e a respectiva
desintegração da União soviética em Agosto de 19911210.
1204
Estabilidade entendida como estando a região livre da ameaça do expansionismo soviético/cubano. Mas também
estando a mesma sob o controlo dos Estados Unidos. A este propósito ver Wright (2000:201-202).
1205
Na época secretário de estado adjunto para os assuntos africanos. Wright (2000:201).
1206
“A proposta de Chester Crocker era de cooperação com a África do Sul no sentido de libertarem a África Austral
das chamadas “ameaças”, que mais não representavam do que extensões do alegado expansionismo soviético.
Wright (2000:201-202).
1207
Em 1978 a resolução nº 435 do Conselho de segurança da ONU de 29 de Setembro estipulava a retirada da
administração sul-africana da Namíbia e a entrega da sua soberanias ao povo namibiano. Esta resolução reconhecia a
SWAPO como legítimo representante do povo namibiano. George (2005: 294). Site da ONU. A propósito de linkage
ver Wright (2000:201-205); Guerra (2002:143). Messiant 1 (2008:181).
1208
Wright (2000:268).
1209
Wright (2000:268). Não concordamos de todo com esta afirmação pois o processo de desmantelamento da
economia planificada tinha tido o seu início em 1987, muito embora tenha sido com a publicação da Revisão Parcial
da Lei Constitucional de Maio de 1991 que se procederá, finalmente, a ruptura formal do sistema económico
baseado na direcção centralizada e planificada substituindo-o pelo princípio de uma economia de mercado. Enes
Ferreira (1999:105-106). Guedes e AA.VV (2003:236-237).
1210
Wright (2000: 268). Simbolicamente assinalado pela “queda do muro de Berlim” em 1989. As mudanças
operadas tinham tido o seu, visível, início com a subida de Mikhael Gorbachov ao poder, em Março de 1985, numa
conjuntura de crise económica e social que afectava a URSS. Uma crise que apelava para a necessidade de suster o
declínio do “império” através de uma política de relançamento, de reestruturação – perestroika - assente num triplo
288
Graças a esta nova conjuntura mundial os EUA estavam em condições de alcançar o seu
principal objectivo: assegurar as condições para uma reconciliação nacional1211. Reconciliação,
que passava indubitavelmente pelo estabelecimento de um sistema político multipartidário, à
imagem e semelhança das denominadas democracias ocidentais1212. Estavam assim abertas as
condições políticas para um processo negocial entre a UNITA e o MPLA que culminaria nos
Acordos de Paz, assinados em Bicesse, Portugal, no dia 31 de Maio de 19911213.
Se até aos acordos de Bicesse a luta pelo poder político se circunscrevera ao quadro
geral da procura de hegemonia por parte das duas superpotências, a partir de então as novas
guerras civis subsequentes (1992-1994; 1999-2002), iriam adquirir características de um conflito
à escala nacional1214. Todavia tal, não impede que o realismo da política internacional tenha tido
uma “palavra” a dizer. O novo contexto unipolar e de hegemonia norte americana a isso
obrigava.
3.2 Da “longa marcha” à investidura do dom
Tendo sido obrigada a retirar dos seus bastiões no Planalto Central em 1976, a UNITA
deu início à sua “longa marcha”1215 até às distantes regiões do sudeste de Angola, onde iria
encetar um processo de reactivação da sua estrutura político-militar contando para isso, com o
auxílio da África do Sul, a partir de 19781216.
objectivo. Reduzir as despesas militares através de uma nova política externa; aumentar a produtividade através de
uma mobilização intensiva de recursos materiais e tecnológicos; e revivificar a sociedade através de um projecto de
justiça social fundado sobre uma linguagem de verdade (glagnost). Rego (1999:67).
1211
Wright (2000: 289-291).
1212
Havia também a percepção por parte da diplomacia norte americana de que uma vitória militar da UNITA
era impossível. Wright (2000: 203).
1213
A propósito do processo negocial entre o MPLA e a UNITA até a assinatura dos Acordos de Bicesse ver Correia
(1996: 46-47); Wright (2000: 279-300).
1214
Paulo de Carvalho em “Angola a Festa e o Luto” (2000: 94) pp 88-99. “Mais l’intervention internationale aux
côtés des deux belligérants a permis la constitution de deux appareils foncièrement indépendants de leurs base de
soutien et dont la logique est l’établissement d’une hégémonie sur l’État et la société n’étant prés ni à une paix qui
ne soit aussi une victoire sur l’autre ni à une démocratie qui signifierait que le pouvoir, gagné ou maintenu, ne serait
pas sans partage. Messiant 1 (2008:207).
1215
Uma referência emprestada à China e que faz parte da mitologia revolucionária do séc. XX. Chiwale
(2008:221).
1216
Para evitar a estigmatização que acarretava tal apoio, Savimbi iria socorrer-se, em nome do realismo da política,
e da justeza da causa (sendo que os fins justos justificam os meios) de dois fundamentos: a sobrevivência e a
história. “Se estiveres a afogar-te num rio infestado de crocodilos e tiveres ido ao fundo pela terceira vez, não
perguntes quem te puxa para a margem até te sentires em segurança”. Bridgland (1988: 157). “Ninguém pode dizernos com sinceridade que seria melhor sermos massacrados pelos Cubanos do que aceitar a ajuda da África do Sul
289
Em princípios da década de oitenta a UNITA conseguira implantar-se em grande parte
das zonas rurais do centro e do sudoeste do país e começara a estender as suas acções militares
no Norte de Angola1217.
Graças aos apoios concedidos pelos EUA e África do Sul conseguiu não apenas fixar-se
na região do Sudeste de Angola como administrar um vasto território, à semelhança de um
Estado omnipresente, e tutelar a vida económica, social e cultural das populações. Pôde assim a
UNITA a partir da Jamba1218, principal centro militar e administrativo situado na região do
Sudeste por ela ocupada, expandir-se para outras partes do território angolano e assim reforçar o
seu estatuto de organização político-militar nacional1219.
Essa dinâmica é realizável porque conseguira um apoio significativo das populações,
nomeadamente daquelas que estavam situadas no sul e sudeste do país1220.
Com efeito, a Jamba tornara-se um verdadeiro pólo de atracção para as populações que,
cada vez mais afectadas pela guerra, procuravam abrigo em alternativa ao espaço MPLA/Estado.
Ao garantir a segurança da população, a UNITA recebia em troca o apoio e adesão da mesma1221.
Uma adesão frequentemente recompensada, não só com a segurança, mas, com a escolarização,
os cuidados de saúde, a promoção social pela via militar e, até, à atribuição de bolsas de estudos
para formação de quadros1222. Mas é, também, provável que tal apoio populacional tenha sido
reforçado devido a práticas de exclusão exercidas, por parte do MPLA/Estado, nomeadamente
sobre os camponeses1223; mas também sobre populações citadinas1224.
(…). Queremos viver e queremos a nossa independência. Não estamos interessados em que nos prometam o título de
revolucionários póstumos. (…). Lenine assinou o tratado de Brest-Litvosk (que entregava a Ucrânia, a Finlândia, as
províncias Bálticas, o Cáucaso, a Rússia Branca e a Polónia aos Alemães); Estaline assinou o Pacto Soviético-Nazi
(em que a Alemanha e a União Soviética dividiam entre si a Europa Central); Samora Machel, o acordo de Nkomati;
Eduardo dos Santos, o acordo de Lusaka. Hoje, os homens de Luanda jantam com os Sul-Africanos e, juntos,
perseguem a SWAPO no Cunene. Quem, por conseguinte, pode esperar vir dar-nos lições”? Idem (1988: 542).
1217
Ver anexo 25.
1218
Região situada ao extremo sudeste junto a fronteira com a Zâmbia. Verdadeiro santuário protegido pela força
aérea sul-africana. Messiant 1 (2008:139).
1219
Em meados da década de oitenta a UNITA atingira a fronteira da República do Zaire, sendo que este país
começou a servir de rectaguarda para as suas actividades militares no Norte do País. Hodges (2002: 27-28); ver
igualmente Bridgland (1988).
1220
Messiant 1 (2008: 48).
1221
Com efeito, o apoio sul-africano permite levar a guerra sem custos materiais para a população. Messiant 1 (139).
1222
Messiant1 (2008: 140).
1223
Um exemplo: Os critérios de selecção para a filiação no MPLA privilegiavam aqueles que tinha a capacidade de
estudar e divulgar os princípios do socialismo. “Estatutos e programa do Partido do Trabalho/MPLA “1977. Tais
critérios educacionais acabaram por discriminar os camponeses, dada a sua limitada instrução (a maioria eram
iletrados). Após o movimento de rectificação eles apenas representavam 1,9% dos membros do partido. A esta
criteriosa selecção acrescenta-se o facto de que 74% da população viver nas áreas rurais. Além de que o petróleo
290
A UNITA, tal como o MPLA, não deixa de funcionar como um poderoso instrumento
ideológico-identitário na construção de uma representação da sociedade angolana estruturada em
torno do projecto de entrada na modernidade da unidade do Estado nação. Mas este projecto será
acompanhado, provavelmente até ao apoio norte-americano, de um sistema de classificação
assente num discurso revolucionário imbuído de signos maoístas1225.
Em princípios da década de oitenta, a UNITA começa a preconizar a realização de
eleições multipartidárias, e: “para desfazer a imagem marxista que algumas pessoas tinham do movimento, a
UNITA adoptou também novos nomes para o seu Comité Central e Bureau Político. Eles transformaram-se,
1226
respectivamente, em Comité Executivo e Comité Nacional”
.
Contudo é importante referir que, na sua dimensão prática, o maoísmo permanece e
apresenta-se como fundamento de uma organização que nunca deixou de funcionar numa lógica
militarizada de modo a assegurar não só o combate contra o MPLA, mas igualmente a garantir o
controlo das populações sujeitas ao seu aparelho administrativo e militar; este funcionamento
assegura também uma ordem interna, no seio da própria organização1227. Mas esta
funcionalidade se, por um lado, assegura a eficácia do combate político, por outro, desemboca
numa permanente tentação totalitária.
A UNITA desenvolvera, no território sob sua administração, uma sociedade militarizada
regida por um tipo de disciplina em que a ordem e obediência assentavam num comando de cima
tornou a mão-de-obra agrícola dispensável. Assim, o partido era o principal fornecedor dos bens e serviços, aos
quais os camponeses não tinham acesso. Importa também reter que a produção agrícola havia decaído
significativamente devido à guerra e ao modelo de “gestão socialista”. São constrangimentos que acentuaram o
fosso entre estes e o MPLA. Este elitismo económico e social terá porventura aberto caminho para uma forte adesão
da população rural à UNITA. Vidal (2006: 15); ver igualmente Messiant 1 (2008: 55). Mas este distanciamento do
mundo rural por parte do MPLA estendeu-se provavelmente às denominadas “autoridades tradicionais”. O que
também terá reforçado a base “rural” de apoio da UNITA.
1224
Referimo-nos às populações que viviam nas cidades como Nova Lisboa (actual Huambo) e que abandonaram as
mesmas devido aos excessos praticados pelas forças afectas ao MPLA; excessos confirmados por um militante do
MPLA: “Ali onde realmente, houve excessos nossos na repressão [confessa Ndalu]. Senão tínhamos ficado com os
quadros da UNITA… Mas, como houve uma repressão, os ovimbundos pensaram, deixa cá ver estes gajos vão-nos
matar, vão dizer que estivemos com os sul-africanos”. Não eram da UNITA mas ficaram com a UNITA. Havia
quadros ovimbundos que não eram da UNITA. O pessoal ainda estava a ver como é que ia ser a coisa, então ali
tiveram que se definir”. Nogueira Pinto (2008: 76).
1225
Designações típicas de uma organização revolucionária como “camarada presidente”; “social imperialismo”
“regime pequeno burguês”; “governo fantoche do MPLA”. Savimbi (1979: 206-210).
1226
Bridgland (1988:517). Doc. UNITA, Identidade de uma Angola Livre (1985).
1227
Daí que optemos por definir mais esta assumpção como maoísmo metodológico.
291
para baixo, típicas das organizações militares, cujas relações de autoritarismo/totalitarismo
assentam no princípio da fidelidade não só ao partido como ao chefe1228.
Trata-se, portanto, de uma dinâmica de intensiva aparelhização corporizada por um
chefe que impõe, no seio da organização e no seu espaço administrativo, não só o culto da
personalidade, mas igualmente um constante exercício de unanimismo. Sendo este último,
sustentado por uma violência típica de uma sociedade /militar que assenta num exército cada vez
mais hipertrofiado e plenipotenciário e numa polícia política omnipresente (BRINDE - Brigada
Nacional de Defesa do Estado). O resultado: prisões arbitrárias, purgas, julgamentos sumários,
em nome de conjuras, quer fictícias ou reais. Um arbitrário que assenta igualmente num poder,
pessoal e omnipresente, com legitimidade para julgar e condenar de um modo punitivo qualquer
militante desde a base até ao topo da mais alta hierarquia da UNITA1229. Modo de punir, que
exemplifica um modo de apropriação, pelo político, de “valores tradicionais africanos”, quando
se trata de excluir inimigos reais ou imaginários 1230.
Todavia esta dupla assumpção, do “maoísmo metodológico” e da democracia
multipartidária, talvez uma conjugação de uma necessidade táctica e doutrinária, não impede que
a UNITA se mantenha fiel a um princípio ideológico-identitário que a diferencia relativamente
ao MPLA: “Os princípios ideológicos veiculados pela UNITA eram diferentes dos do MPLA. Se para este a
revolução partia dos centros urbanos para a periferia, a nossa perspectiva era contrária, ou seja, devia se partir do
campo para a cidade por não termos em Angola, dado o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas, uma
classe operária na real acepção da palavra”
1228
1231
. Trata-se de tentar veicular uma ideologia que: “responda
Messiant (2008: 48). No respeitante à fidelidade ao chefe, o programa da UNITA de 1984, no capítulo referente
aos membros, na secção dos deveres consta o seguinte: “Ser leal ao Movimento e ao seu Presidente. UNITAIdentidade para Angola livre (1985: 115). Há aqui uma diferença relativamente ao MPLA, pois este, no capítulo dos
deveres, preconiza nos seus estatutos de 1977 a fidelidade “ao partido e ao povo”.
1229
Messiant (2008: 140). Mas esta omnipresença de Savimbi estende-se igualmente às relações conjugais dos
militantes: “Também te queria informar que eu sei que as tuas mulheres te abandonaram, mas não te preocupes que
eu hei-de arranjar-te uma outra”. Chiwale (2008: 272). A propósito dessa violência ver Guerra (2002); Loanda
(1995:63-71); Anstee (1997:190).
1230
“Organizou-se um julgamento onde participaram anciãos, oficiais e quadros dos mais elevados escalões do
partido: os inocentes foram libertados e os culpados condenados à pena capital, ou seja a morte na fogueira,
conforme rezam os costumes africanos.” Chiwale (2008: 270). Ver igualmente Messiant 1 (2008: 140).
1231
Chiwale (2005: 250). Alcides Sakala confirma: “a UNITA é uma força que, talvez bebendo um pouco da
experiência chinesa, tem como base social os camponeses que foram praticamente esquecidos pelas outras
organizações políticas de então. O MPLA assentava numa visão marxista da sociedade, via no operariado como o
ponto de partida; um pouco na visão marxista-leninista, naquela altura. E os dirigentes que vieram a fundar a
UNITA sabiam que havia um grupo importante de angolanos, de norte a sul, que os camponeses são cerca de 90%
que estavam praticamente ostracizados, estavam praticamente esquecidos neste processo de revolução então… havia
que conciliar esta visão da modernidade que a UNITA defende, como se pode ver nos seus programas, mas também
292
cabalmente às condições práticas, naturais, objectivas e subjectivas de Angola, para que o nosso socialismo sirva as
1232
populações de Angola”
.
Mas neste projecto de sociedade “original” não pode deixar de estar subjacente uma
lógica inerente a qualquer organização política, a saber: “a produção das ideias, acerca do mundo social
1233
achar-se sempre subordinada de facto à lógica do poder, que é a da mobilização do maior número”
. Como tal:
“A força das ideias que [o porta-voz da. Organização·] propõe, mede-se, (…), pela força de mobilização que elas
1234
encerram, pela força do grupo que as reconhece”
. Uma força que possibilita igualmente tirar proveito
do maior número possível de signos e símbolos que estruturam os múltiplos espaços sociais em
Angola: poder das “autoridades tradicionais”, ou da religião cristã. Certamente, uma apropriação
em benefício da organização, mas, sobretudo em benefício do seu líder que corporiza todo o
capital político da organização. Toda a história da UNITA se resume à história do seu líder1235.
O que se deve em certa medida a um percurso, singular, e indissociável de uma
acumulação de capital político. Sendo esta reforçada por: “toda a aprendizagem necessária para adquirir
o corpus de saberes específicos (teorias, problemáticas, conceitos, tradições históricas,) produzidos e acumulados
por um trabalho político profissionalizado que passa pelo domínio de uma certa linguagem e de uma certa retórica
1236
política”.
.
Mas esta trajectória de acumulação de capital político remete igualmente para a
realização de feitos heróicos1237 e desemboca “naturalmente” na investidura do dom: poder
simbólico adquirido ao longo de seu percurso social e político que, obviamente, passa também
por um percurso de conversão de outras espécies de capitais adquiridos, em outros universos
sociais, que o habilitam não só para prática política como também para a liderança1238. A, saber:
tem que se partir da defesa dos interesses de uma classe que era a mais sacrificada”. Entrevista com Alcides Sakala,
dirigente da UNITA, em 08/2007.
1232
Savimbi (1979: 96). Este socialismo veiculado é igualmente reforçado por um discurso de influências da
negritude cultural veiculado por Senghor. Idem (93-95). Ver também UNITA - Identidade para Angola livre (1985:
25-26). Uma distinção reforçada em termos práticos pela inclusão dos elementos representativos das confissões
religiosas (a igreja católica e protestante) e das “autoridades tradicionais” na vida política da UNITA como órgãos
de consulta. Savimbi (1979: 209). Ver igualmente Bridgland (1988: 290).
1233
Bourdieu (1989: 175).
1234
Bourdieu (1989: 185).
1235
Jeune Afrique economie (1996: 104).
1236
Bourdieu (1989:169). “Savimbi era um grande orador. Alguém claramente dotado para usar da palavra em
público”. Palla e Soares (2003: 180). Savimbi publicou três obras que se podem inserir no quadro do pensamento
político que remetem não só para o capital político, mas para o capital militar. O já citado A resistência em busca de
uma nova nação; “Cartilha do guerrilheiro; Quo Vadis Angola. Doc. UNITA 40 anos por Angola (2006: 34).
1237
Exílio, liderança na luta armada anticolonial, liderança na luta armada contra o regime “comunista” do MPLA.
1238
Uma trajectória que, porventura, lhe tenha incutido um espírito de missão, uma visão messiânica de um papel na
história que o poderia levar ao posto mais elevado do país; a noção de que poderia conduzir o seu povo “à terra
prometida”. Anstee (1997:207).
293
•
capital escolar: licenciatura em Ciências Políticas na Suiça1239;
•
capital cultural (variante linguística): capacidade de se exprimir em várias
línguas, europeias e africanas. Sendo que o domínio das línguas bantas,
faladas em Angola, possibilita o reforço do capital etnolinguístico; capital que
se deve também a uma (con)vivência com os signos e símbolos de poder
tradicional africano1240;
•
capital político objectivado pelo posto de presidente da UNITA e pelo posto
de Alto-comando das FALA e respectiva promoção a General de Quatro
Estrelas1241;
Toda esta acumulação/aquisição do capital político possibilita a (re)produção de uma
reconstituição/representação, em jeito de narrativa mítica, de uma trajectória individual, em
forma de sociodiceia1242.
Assim, a esta acumulação de um capital político de notável, a narrativa mítica
acrescenta, num contexto de real crise do campo, a saber, a guerra civil, um conjunto de
elementos “épicos” que conjugam com aquela espécie de capital político um capital pessoal
heróico ou profético; acto de narração do dom, que é, por sua vez, investidura do dom, cuja
1239
Brindgland (1988:74). Publicou igualmente um livro de poesia intitulado “Quando a terra voltar a sorrir um dia”.
UNITA (2005:34).
1240
“Exprimia-se fluentemente em várias línguas de entre as quais oito das dez línguas nacionais, o que lhe
facilitava o relacionamento com as autoridades tradicionais”. Palla e Soares (2003:44). Esta convivência tem um
momento marcante com a “entrada na floresta do ritual” para sujeitar-se à circuncisão e adquirir a entrada no grupo
etnolinguístico ovimbundo. Jeune Afrique (1996:107): “Com o seu grosso anel de ouro e o seu bastão de chefe,
impunha respeito e manifestava sobriedade e dignidade”. Palla e Soares (2003: 43). Os seus detractores consideram
que: “assumiu certos aspectos obscuros da cultura africana, a magia, o feitichismo. Eis a razão do uso da bengala, do
ceptro, dos anéis, sinais com que ele quer dar uma imagem invulnerável de um super-homem”. Guerra (2002: 166).
Trata-se quanto a nós de um processo de apropriação por parte de um sub campo que se estrutura em torno do
capital político a título pessoal. Este processo estendeu-se à (con)vivência com os símbolos de poder religiosos;
Savimbi é filho de um pastor protestante e estudou numa escola católica: liceu dos Irmãos Maristas. Brindgland
(1988: 29 e 35).
1241
Guerra (2002:176); UNITA (2005:36). Talvez o único capital político de reconhecimento da UNITA, o capital
de força física, materializado por um exército poderoso que não só ocupa como administra um vasto território
nacional.
1242
A narrativa mítica deve-se obviamente ao facto de Savimbi deter e controlar a produção ideológica da
organização, a saber, concentrar na sua pessoa o monopólio da manipulação do discurso e da acção política. Sendo
assim, relativamente ao MPLA, encontramos outra diferença. Enquanto que na UNITA é Savimbi que detém o
monopólio da produção ideológica, no caso do MPLA, o presidente delega esta função a um aparelho de produção
ideológica; o que possibilita uma relativa autonomia perante o chefe e, por conseguinte, uma certa valorização do
capital delegado.
294
simbólica epifania se consubstancia em epítetos como “Dr Savimbi”; “chefe africano”, “estratega
militar” “líder carismático” e até “combatente da liberdade”1243.
Trata-se, contudo, e apesar da eficácia política que ela contém, de um acto meramente
simbólico, pois a efectiva e real investidura teria de culminar com a apropriação do Estado
angolano, simbólica, mas efectiva epifania, que se consubstancia no cargo de presidente da
república. Será com esta expectativa que a UNITA e o seu líder se apresentarão, no ano de 1992,
às primeiras eleições multipartidárias em Angola. Entramos na II República1244.
4. A II República ou a nova divisão do trabalho político. (1992-1996)
O processo de abertura política tivera um momento decisivo com a aprovação a 11 de
Maio de 1991 da Lei dos Partidos Políticos consagrando assim de jure a nova divisão do trabalho
político, a saber o multipartidarismo1245.
Este novo quadro abrira espaço para a emergência de partidos políticos que procuravam
apresentar-se como alternativa à configuração bipolar, delineada pelas duas forças políticomilitares, legitimada pelos acordos de Bicesse e que, em certa medida, conduzira à
marginalização de facto de outros sectores da vida política angolana1246.
1243
“Et dans cette image de l’organisation, celle de son dirigeant, Jonas Savimbi, occupe une place centrale : chef
charismatique et grand stratège militaire, à la foi chef africain et «docteur» de l’Université (occidental), il
représenterait en cela aussi «une clef pour l’Afrique». Messiant I (2008 : 135-136); ver também UNITA (2005:35).
A autora faz alusão à biografia hagiográfica produzida pelo jornalista Fred Brindgland (1988). (que temos vindo a
citar). È, um exemplo de reconstituição de uma trajectória, através de uma narrativa mítica. Espelha, em certa
medida, o quão se torna difícil encontrar uma narrativa rigorosa e imparcial sobre a UNITA e o seu chefe. A maioria
dos escritos, não só jornalísticos como académicos, oscila sempre entre a hagiografia ou culto da personalidade, e a
diabolização. Aí se vê a força e singularidade do campo político. Contudo, faça-se justiça a Christine Messiant.
12 44
Entendemos por II República o período iniciado com as eleições de 1992 e que corresponde à instituição de um
novo regime político: o multipartidarismo.
1245
Angola. Constituição, Lei Eleitoral e Legislação Complementar (1994; 164-181).
1246
O acordo de Bicesse, compreendia um conjunto de documentos que iam do acordo de cessar-fogo ao protocolo
de Estoril, incluindo a questão da realização das eleições multipartidárias. Este seria assinado pelo presidente da
República Popular de Angola, José Eduardo dos Santos e Jonas Malheiro Savimbi, na qualidade de presidente da
UNITA. O que interessa aqui salientar, no quadro da nossa abordagem sobre a bipolarização político-militar em
Angola, são alguns dos propósitos enunciados por Messiant a este respeito: a ausência de conhecimento da realidade
angolana por parte da troika de observadores (Portugal, EUA e URSS) que se traduzia na rigidez dos calendários
relativamente aos passos político-militares a realizar antes das eleições (menos de ano e meio); o papel subalterno
das Nações Unidas, nomeadamente no respeitante aos meios humanos e financeiros sabendo que para acções
similares a ONU dispusera de recursos substancialmente superiores. Mas acima de tudo esta autora critica a ausência
de um quadro preciso para uma política de transição que reforçasse o quadro multipartidário, em detrimento do
excessivo protagonismo das duas forças político-militares. Messiant 1 (2008:87-89); Idem 1 (186-88); Idem 1 (201237); Idem 1 (239-240); ver também Anstee (1997).
295
Mas o novo clima político possibilitara também o surgimento, à luz do dia, de
organizações fora do quadro político-partidário1247. Associações cívicas, organizações das
igrejas, meios de comunicação social privados, sindicatos profissionais independentes, e ONGs,
indiciavam uma dinâmica de emergência de “uma sociedade civil”1248.
O processo de abertura política iria ganhar um novo alento com a aprovação por parte
do MPLA/Estado, da Lei Eleitoral, publicada no Diário da República de 16 de Abril de 19921249;
seguir-se ia, com o objectivo de implementar os acordos de Bicesse, a aprovação da Lei de
Revisão da Constitucional, em 25 de Agosto de 19921250.
Por fim, as primeiras eleições realizaram-se nos dias 29 e 30 de Setembro de 1992. A
elas concorreram 11 candidatos presidenciais e 18 partidos políticos; mais de 91% dos eleitores
inscritos participaram na votação. As mesmas foram acompanhadas por de 800 observadores,
representando as Nações Unidas, ONGs, governos estrangeiros como os EUA, Rússia, Portugal,
França, Bélgica, Canadá e Alemanha, a UE - União Europeia e a OUA - Organização de
Unidade Africana entre outros1251.
No cumprimento da Lei Eleitoral, a televisão e a rádio abriram tempos de antena para os
candidatos presidenciais e para os partidos. No entanto, a maioria dos partidos nem sequer
chegou a preenchê-los1252. O que demonstra, em certa medida, que os partidos emergentes se
apresentavam de ponto de vista estrutural e organizacional bastante debilitados1253. E, como tal,
não estavam em condições de se apresentarem como alternativa válida às duas forças políticas
armadas. Excepto o caso da histórica FNLA ou do PRS - Partido de Renovação Social, a maioria
destes partidos não apresentavam uma base de “sustentação popular”1254.
12 47
Vidal em Vidal e Andrade (2006: 25); ver também Hodges (2002:83). À medida que o clima de abertura se
implantava as contestações iam aumentando. As contestações não eram todavia apenas de ordem política. As
mesmas eram também ordem económica e manifestavam-se por vezes através de violentas greves. Vidal em Vidal e
Andrade (2006: 25).
12 48
A propósito da sociedade civil ver Messiant 1 e 2 (2008) e também Vidal e Andrade (2008).
1249
Guedes e AA.VV. (2003: 241).
1250
Angola, Constituição, Lei eleitoral e legislação complementar (1994; 13-14). A Lei continha algumas alterações
de entre as quais podemos salientar, a alteração da designação de República Popular de Angola para República de
Angola e a alteração da denominação de Assembleia do Povo para Assembleia Nacional.
1251
Onofre dos Santos (2005:141-144).
1252
No primeiro dia, dos dez tempos de antena previstos, apenas a FDA, a UNITA, o MPLA e o PRS preencheram
os seus. Albuquerque (2002: 186).
1253
Acerca das dificuldades dos pequenos partidos ocuparem o seu lugar no campo político ver Messiant 1 (2008:
114-116);idem (2008: 216-219), Ver também Lira “angola 40 anos” (s/data: 133-137).
1254
“Gravitando em torno de interesses de pequenos clãs familiares e de grupos de amigos, os partidos entretanto
emergentes, não tinham qualquer base de sustentação popular, dispondo apenas de alguma capacidade de
296
Os resultados finais das eleições foram anunciados a 17 de Outubro de 1992. Nas
presidenciais, nenhum dos candidatos obteve maioria absoluta: José Eduardo dos Santos obteve
49,57 % de votos e Jonas Savimbi 40,07 %1255. Deveria, pois, realizar-se uma segunda volta no
prazo de seis semanas. O que não viria a acontecer.
Nas eleições legislativas o MPLA obteve a maioria absoluta com 53,74% de votos,
enquanto a UNITA apareceu como a segunda força parlamentar com 34,10 %de votos. Ao nível
provincial o MPLA adquirira treze maiorias absolutas e a UNITA quatro.
A leitura dos resultados eleitorais das legislativas organizadas por províncias permitenos tirar algumas ilações. Assim, confirma-se:
•
a bipolarização entre a UNITA e o MPLA, praticamente em todas as
províncias, com excepção da Lunda Norte, da Lunda Sul e do Zaire. Nas duas
Lundas emerge o PRS a rivalizar com o MPLA (o qual no entanto ganhou
com maioria absoluta);
•
a “ovibundização” da UNITA que assegura a maioria absoluta nas províncias
de Benguela, Huambo, e Bié;
•
a implantação do MPLA nos seus “feudos” tradicionais, nomeadamente em
Malanje, Luanda e Bengo;
•
a relativização da importância do factor étnico nos resultados eleitorais, dado
que a UNITA ganha também, com maioria absoluta, no Cuando Cubango,
região de línguas Ocindonga e Gangela; a vitória do MPLA que se estende as
regiões de Língua Kikongo, como o Uige, e a outras províncias como o
Cunene e Namibe;
•
a provável importância da implantação político-militar durante a guerra como
factor de adesão eleitoral;
•
a singularidade do caso de Cabinda onde se verificou um boicote às eleições
de mais de 80%1256;
intervenção, proporcionada por figuras à margem do regime, como Joaquim pinto de Andrade, e por jornalistas e
intelectuais não alinhados com o poder instituído”. Albuquerque (2002: 185);; Anstee (1997:179).
1255
Onofre dos Santos (2005:199-208). Podemos considerar que o capital político a título pessoal vingou na UNITA.
Enquanto que o capital delegado vingou no MPLA, embora predominasse o capital a título pessoal.
1256
Note-se que em Cabinda a estimativa de potenciais eleitores cifrava-se em cerca de 84.000. Os eleitores
registados foram apenas de 16.79; os votos expressos foram de 9379. Jornal Jango 20 de Novembro de 1992, p12.
297
•
a vitória da FNLA por um escasso ponto, relativamente ao MPLA na
província do Zaire;
Figura 13 - Resultados, por províncias nas eleições legislativas em Angola, 1992
Eleitores registados Votos expressos Total brancos e nulos % MPLA % UNITA % Outros %
Bengo
91.921
73.727
14
71
18
Benguela
567.825
460.362
11
38
54
Bié
354.537
253.521
14
14
77
Cabinda
16.079
9379
4
74
15
C. Cubango 133.161
118.856
6
21
72
Cuanza Nte. 137.962
106.508
12
87
6
Cuanza Sul
369.150
273.438
18
74
20
Cunene
148.528
98.707
11
80
4
Huambo
467.811
359.257
11
15
74
Huila
509.167
355.603
15
64
26
Luanda
854.981
694.486
7
71
19
Lunda Nte.
141.545
106.443
20
67
7
PRS 16
Lunda Sul
87.451
65.107
21
55
4
PRS 33
Malange
327.337
216.538
18
79
11
Moxico
137.798
110.689
11
59
24
Namibe
84.918
60.716
18
67
18
Uige
318.289
226.628
19
54
30
Zaire
80.166
61.662
14
32
25
FNLA 33
Quadro elaborado a partir de: Santos (2005:199-209); e Comissão Nacional Eleitoral de Angola (2010). As percentagens estão
arredondadas. http: //www.cne/estatística1992.cfm.
A 19 de Outubro as Nações Unidas consideraram que as eleições em Angola foram
“genericamente livres e justas e solicitaram a realização urgente da segunda volta das
presidenciais”1257. No entanto os dois beligerantes, entre acusações e contra-acusações, estavam
prestes a retomar as hostilidades.
O MPLA não abdicara da sua legitimidade representativa e, por sua vez, a UNITA, que
já estava mobilizada para a guerra, retomava um processo de legitimação pela via das armas. Os
confrontos tiveram o seu início com a luta pelo controlo das cidades, nomeadamente Luanda e
1257
298
Comerford (2005:XV); Anstee (1997: 318).
Huambo1258. E, mais uma vez, a acção política das duas forças político-militares volta a estar
submetida à lógica dos aparelhos militares.
Apesar da complexidade da nova situação e da sua dimensão paradoxal, podemos
considerar que, pelo menos no plano formal, se instituíra em Angola uma nova ordem.
A 26 de Novembro de 1992 tomaram posse na Assembleia Nacional 150 dos 220
deputados eleitos nas eleições de Setembro/Outubro1259.
Por fim, a 12 de Março de 1993, 28 de Maio de 1993 e 4 de Junho de 1993 são
publicados nos respectivos Diários da República, o Regimento Interno da Assembleia Nacional,
a Lei Orgânica do Estatuto dos Deputados e a Lei Orgânica do Estatuto da Assembleia
Nacional1260. Esta nova ordem sairia reforçada quando os confrontos, entre MPLA e a UNITA,
foram pontualmente interrompidos, graças ao acordo de paz assinado em Lusaka em fins de
Novembro de 1994. Esta paz relativa iria durar até 1998, ano em que se reiniciou a guerra1261.
4.1 Estado das relações de força no campo político angolano em 1996
Em 1996, Angola apresenta um quadro singular. O multipartidarismo coexiste com uma
situação de tensão entre a guerra e a paz em que o maior partido da oposição é simultaneamente
oposição parlamentar e significativa oposição militar1262. O processo eleitoral permitiu uma nova
12 58
Em Luanda os confrontos tiveram o seu início em 31 de Outubro de 1992, e culminaram com a vitória do
MPLA, graças ao armamento de civis pelo governo: nesta batalha morreram Salupeto Pena, Jeremias Chitunda e
Alicerces Mango, figuras proeminentes da cúpula da UNITA. Messiant (2004: 20) considera que: “Os
acontecimentos que se seguiram foram e continuam a ser controversos mas provas documentais e orais permitem
que sejam assim descritos: enquanto se discutiam as condições para a realização da segunda volta, a UNITA
montava a sua máquina de guerra por todo o país; o governo denunciou uma tentativa por parte da UNITA de tomar
o poder na capital, e organizou um “golpe preventivo” em Luanda e em várias capitais provinciais. Como a UNITA
detinha armas legais e ilegais em Luanda, deram-se violentos confrontos e milhares de pessoas terão morrido em
três dias”. Messiant em Meijer (2004: 20). No que respeita às outras regiões do país a UNITA ocupara rapidamente
cinco capitais provinciais: Caxito, Huambo, Mbanza Congo, Ndalatando e Uige. Em meados de Novembro, 57 dos
municípios estavam nas mãos da UNITA. Hodges (2002:32); Vines (1995: 29-30).
1259
Somente a partir de 11 Abril de 1997 é que a maioria dos deputados da UNITA ingressou na Assembleia. Até
esta data os deputados presentes no parlamento oscilaram entre os 6 e 10.
1260
Reis (2002:93).
1261
Das várias medidas do protocolo de Lusaka podemos assinalar: o restabelecimento do cessar-fogo, a conclusão
da formação das Forças Armadas Angolanas, “incluindo a desmobilização”; e a constituição de um Governo de
Unidade e Reconciliação Nacional - GURN (que só tomaria posse a 11 de Abril de 1997). Note-se que tanto José
Eduardo dos Santos (presente na cerimónia) e Jonas Savimbi (ausente) não subscreveram o acordo. Os signatários
foram Faustino Muteka, por parte do MPLA e Eugénio Manuvakola por parte da UNITA. O que era prenúncio de
uma paz bastante relativa.
1262
Embora tivesse subscrito o Protocolo de Lusaka, a UNITA ainda não tinha desmobilizado o seu exército em
1996. Hodges (2002: 33-34); Vines (1995: 32-33).
299
divisão do trabalho político, com a entrada de novos partidos na Assembleia Nacional. No
entanto, os resultados eleitorais e o número de deputados na Assembleia confirmam o cenário
bipolar em torno do MPLA e da UNITA.
Figura 14 - Partidos e número de deputados representados na Assembleia Nacional
MPLA
UNITA
PRS
FNLA
PLD
PRD
AD
PSDA
PAJOCA
FDA
PDP-ANA
PNDA
129
70
6
5
3
1
1
1
1
1
1
1
Quadro elaborado a partir de Marques 1993 (138-139); Comissão Nacional Eleitoral de Angola (2010).
A leitura do quadro permite confirmar o que já dissemos: o MPLA tem a maioria
absoluta com 129 deputados e a UNITA, com 70 deputados, é o segundo partido mais votado.
Ou seja, as eleições confirmaram a configuração bipolar do campo. Mas esta configuração não é
simétrica pois, do ponto de vista do capital político e militar, as duas organizações tinham
atingido objectivos distintos.
O MPLA conseguira uma confortável maioria absoluta, reforçando assim a sua
legitimidade no respeitante ao controlo do aparelho de Estado. Esta legitimidade fora reforçada
quando o Estado norte-americano presidido pelo democrata Bill Clinton decidiu reconhecer o
governo de Angola em Maio de 19931263. De ponto de vista militar, o MPLA tinha revertido a
correlação de forças a seu favor. Em 1994, tinha conseguido expulsar a UNITA das cidades que
ela tinha ocupado nos anos de 1992 e 19931264. Assim, este reforço do capital político e militar
possibilitou ao MPLA conduzir sozinho um processo de recuperação autoritária do
multipartidarismo1265.
A UNITA vive um período de crise interna, apesar de ter conseguido eleger 70
deputados para a Assembleia Nacional1266. Com efeito, desde 1989 que a coesão interna da
UNITA sofrera os primeiros abalos. No início de 1992, dois dissidentes da organização e antigos
membros da direcção da UNITA, Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes tinham acusado a
UNITA de assassinar outros dirigentes por ordem de Savimbi. Estas duas deserções tiveram
1263
Silva (2002: 145).
Vines (1995:27-39).
1265
Ao longo do nosso trabalho de campo em 2001 de forma irónica considerava-se que o regime de partido único
fora substituído pelo regime do “partido sozinho”.
1266
Segundo Vines (1995: 33). A direcção da UNITA estava em crise e estava dividia entre aqueles que defendiam o
protocolo de Lusaka e os que preconizavam a continuação das hostilidades. Os deputados da UNITA só tomariam
posse na Assembleia Nacional no dia 11 de Abril de 1997. Ver também entrevista de Savimbi em Jeune Afrique
(economie), hors série (1996: 40-59).
1264
300
provavelmente efeitos na desvalorização do capital político da UNITA e do seu chefe. Mas
também o capital militar da organização sofrera alguns abalos, não só devido à retoma da
iniciativa militar por parte das tropas governamentais, a partir segundo semestre de 19941267, mas
também porque alguns generais de peso na hierarquia militar haviam aderido ao governo dirigido
pelo MPLA. Provavelmente, a participação de figuras como Adriano Mackenzie, ou Geraldo
Sapichengo Nunda, terá contribuído para uma diminuição do capital militar da UNITA1268.
Um outro factor, este de ordem externa, iria contribuir para uma diminuição do capital
de reconhecimento da UNITA. Em Setembro de 1993, o Conselho de Segurança das Nações
Unidas declarou um embargo de armas à UNITA1269. Seria portanto num clima de revés político
e militar que a UNITA assinaria o Protocolo de Lusaka. Todavia, em 1996, ainda tem a maior
parte da sua estrutura militar intacta e está ainda em condições de prosseguir a guerra. Tal devese ao facto de ter assegurado o controlo administrativo e militar das ricas regiões diamantíferas,
situadas nas províncias da Lunda Norte e Lunda Sul1270. No entanto a UNITA nunca mais teria
capacidade militar para reverter a correlação de forças a seu favor e assim levar a cabo o seu
principal objectivo político: a apropriação do Estado.
Quanto aos outros partidos, estruturalmente fracos, pelas suas características, acabam
por funcionar no sentido de animar um sistema político mutilado. A FNLA não parece ter
colhido o fruto da sua história, nomeadamente no respeitante a um passado de luta armada e às
afinidades etnolinguísticas. Ao contrário do que se esperava, o factor étnico e regional não jogou
a seu favor, pois, conseguiu eleger apenas 5 deputados. Um número bastante reduzido para um
partido que, devido a sua história de luta anticolonial, se apresentara como uma das grandes
alternativas às duas principais forças políticas.
O PRS - Partido Renovador Social conseguiu, surpreendentemente, eleger 6 deputados.
A maioria dos seus votos concentrou-se nas duas Lundas. O que pode remeter para um apelo a
sentimentos etno-regionais1271.
1267
Simbolicamente marcado pela reconquista do Huambo por parte das tropas governamentais no início de
Novembro de 1994. Correia (1996: 86); Guerra (2002:319); Vines (1995: 33).
1268
Semanário Expresso de 7 de Janeiro de 1995.
1269
Human Rights Watch (1999:134); Silva (2002: 297-302).
1270
Hodges (2002: 221-244).
1271
“Houve, por exemplo nas Lundas uma divisão entre o MPLA (…) e o PRS este sim é mais ou menos
regionalista, apelando ao factor étnico, aí sim, jogou e funcionou em boa parte. Entrevista com Artur Pestana
“Pepetela” em 09/2001
301
O PLD - Partido Liberal Democrático é liderado por uma mulher e assume-se como
Liberal. E, tem a particularidade de ter conseguido três lugares no parlamento. Uma outra
particularidade é o facto de os três elementos que compõem a sua bancada serem todas do sexo
feminino.
À soma dos deputados destes três partidos podemos acrescentar o número de sete
deputados presentes na Assembleia e que correspondem ao único deputado que cada um dos
restantes sete partidos conseguiu eleger.
Uma última constatação: a representação multipartidária na Assembleia Nacional é do
ponto de vista formal um forte indicador de uma nova ordem, político-jurídica, instituída: o
multipartidarismo. Nova ordem que adquire um significado especial nesse acto de magia social
que é a investidura da figura do deputado. Acto simbólico de alargamento do campo mas que,
todavia, não consegue ocultar o efectivo e real estado de relações de forças do campo político
angolano. Será, portanto, tendo em conta este efectivo e real estado de relações de forças que nos
debruçaremos acerca da denominada Lei do Bilhete de Identidade.
5. A Lei do Bilhete de Identidade. Ou a reificação jurídica do estigma (?)
A abertura política não travara o processo de degradação económica e social que estava
em curso desde a independência. O que significa que a aprovação da Lei do Bilhete de
Identidade é indissociável do contexto de crise que se vivia no país.
5.1 Esboço contextual. (1992-1996)
Entre 1992 e até 1996 a crise económica e social, em Angola, assumira proporções
gravosas1272. A inflação galopante era apenas um dos múltiplos indicadores de um endémico
estado de crise económica que se reflectira, não só no agravamento das condições de vida da
maioria da população angolana mas, também, num significativo aumento da criminalidade1273:
1272
Esta nossa contextualização abrange sobretudo o espaço social sob tutela do governo do MPLA. Mais
especificamente Luanda onde funciona o novo Parlamento. Mas tal delimitação deve-se sobretudo ao facto de que
embora se possa considerar o papel da UNITA nesta dinâmica, pois mantém em funcionamento a sua máquina
militar, a realidade é que este contexto está obviamente inserido no quadro de um aparelho de Estado que é ocupado
pelo MPLA.
1273
Tali (1997: 88); Rocha (2001: 34-35). Rocha (1999: 15-20). Acerca da criminalidade ver também Albuquerque
(2002: 144-147).
302
“Anos de declínio económico e de muito pouco investimento, nos sectores sociais, a par de um rápido crescimento
populacional de deslocações da população e da urbanização, empurraram milhões de angolanos para os limites da
sobrevivência. No extremo oposto, o desmantelamento do antigo sistema socialista, a partir do final da década de
1980, e a sua substituição por uma forma desregrada de capitalismo, distorcida pelo clientelismo, criaram
oportunidades de enriquecimento a uma escala inimaginável para uma pequena elite politicamente bem
1274
colocada”
. Este estado de anomia agravou-se ainda mais com o recomeço do conflito militar
(fins de 1992 até Novembro de 1994) entre o MPLA e a UNITA1275.
À crise económica juntou-se um clima de revolta social fruto em certa medida de um
conjunto de expectativas, frustradas, que as populações tinham criado aquando das eleições.
Estes ressentimentos das populações abarcavam igualmente militantes e simpatizantes do
MPLA. Entre Abril e Maio de 1996, os riscos de uma revolta social eram cada vez mais
iminentes1276.
Para tentar conter os protestos cada vez mais constantes das populações, o governo
reactivará os mecanismos de repressão, contra os “agitadores”1277. O pretexto: o conluio destes
com uma determinada força política, a saber, a UNITA1278. No entanto a pressão social atingira
uma tal intensidade que o presidente da República fora forçado a demitir o então primeiroministro Marcolino Moco que havia sido indigitado para o cargo em finais de 1992. O que
indiciava uma provável situação de crise interna que atingira as cúpulas do MPLA1279.
Mas ao contexto de profunda tensão social iria associar-se um novo fenómeno
sóciodemográfico bastante heterogéneo.
Com efeito, desde os Acordos de Bicesse e da abertura política que se assistira a entrada
no país de uma população europeia e asiática. Esta nova população iria engrossar universos
sociais onde havia, de facto, num quadro de profundas desigualdades, “coincidência” entre bens
1274
Hodges (2002:42). Um outro autor apresenta o seguinte quadro em Angola no ano de 1992: “A abertura política
em 1992, surge numa altura profundamente marcada pela crise socio-económica; inflação galopante, aumento de
crimes, banditismo, flagelo do quotidiano marcado por uma luta tremenda de sobrevivência. Nzatuzola (1997: 54).
A isso tudo podemos acrescentar uma galopante corrupção que se estende da base social ao topo da nomenclatura.
Tali (1997: 96). É óbvio que esta dinâmica é em muito devedora à situação de guerra civil que assolou o país.
1275
Um conflito que atingira proporções dantescas não só no que concerne ao número de vítimas das populações
(centenas de milhar) mas igualmente a destruição de várias cidades Hodges (2002: 32-33); Meijer (2004: 21).
1276
Messiant 2 (2008:286); Tali (1997: 95).
1277
Para justificar a repressão sobre os revoltosos, o governo desenterrou uma velha lei de 1978 sobre os crimes
contra a segurança do Estado (lei nº7/78). Hodges (2002: 120).
1278
Tali (1997: 98). “Em Junho de 1996, com uma taxa de inflação de quase 3000 por cento ao ano e uma série de
greves feitas por funcionários do governo, este temia graves levantamentos da população em Luanda, iniciando
então um policiamento agressivo e utilizando a sua Polícia de Intervenção Rápida”. Human Rights Watch (1999:
65).
1279
Tali (1997: 88-95); Messiant 2 (2008: 286).
303
de reconhecimento social e características somáticas, reavivando assim memórias de um
arbitrário colonial aparentemente adormecido. Tais mudanças morfológicas da população
urbana, sobretudo em Luanda, prestaram-se a um reavivar das tensões raciais: “Bom, em 91-92, com
a fase da abertura e da mudança sucede uma outra coisa. E aqui já não estou a falar como historiadora mas como
observadora interessada. Dá-se o regresso de muita gente que tinha ido embora de Angola e uma boa parte desta
gente era não negra, dá-se um afluxo de gente europeia e até não europeia, também asiática que nunca tinha havido
aqui, mas europeia, nomeadamente portuguesa, e eu volto a ver em Luanda, espaços cada vez mais claros e mais
claros porque eram frequentados por uma boa parte de estrangeiros mas também por um certo número de angolanos
com algumas possibilidades económicas, nem que seja para ir tomar um café, porque é preciso dinheiro para isso e
não é pouco. E evidentemente a parte negra destes frequentadores destes espaços cada vez era menor, mesmo que
ela fosse crescendo ela era proporcionalmente menor por causa dessas novas correntes de chegada de gente mais
clara quer fossem angolanos que tinham ido embora, quer fossem gente que nunca cá tinha estado. Donde as
questões da cor da pele voltaram a ser muito, muito, visíveis associadas a questões de à vontade económico e
muito... usadas quando se queria chatear alguém, quer dizer, voltamos a preocuparmo-nos muito em saber quantos
1280
mais claros ou mais escuros estão no sector C”
.
Mas este ressurgimento das propriedades rácicas/características somáticas merece
também ser perspectivado tendo em conta uma nova lógica de funcionamento do campo político
angolano.
Com efeito, a entrada na II República caracterizara-se por uma relativa liberdade de
expressão, que iria contribuir para o reavivar de submersas construções identitárias1281.
Construções que outrora estavam submetidas aos imperativos de uma dinâmica intensiva de
aparelhização no quadro do combate militar1282. Adquire assim grande importância, na luta
política, a produção ideológico-identitária. A categoria raça não irá fugir a esta regra1283.
Em 1992, em plena campanha eleitoral e como tal de mobilização do maior número de
votantes, a UNITA através do seu líder exemplificava um discurso de reificação do velho
estigma da relação entre privilégios e a categoria mestiço: “Angola primeiro, os angolanos primeiro. A
UNITA nunca poderá maltratar os mestiços pois eles são sangue do nosso sangue. Mas o governo de Angola deveria
ser o reflexo da vontade do povo. Os mestiços deviam identificar-se com o nosso combate. Se nós devíamos aceitar
1280
Entrevista concedida pela historiadora Maria Conceição Neto na qualidade de observadora interessada em
09/2001.
1281
Um autor considera que: “O processo de democratização da sociedade angolana iniciado em 1992 teve, pelo
menos o mérito, de trazer ao debate estes problemas artificialmente adormecidos e silenciados”. Pinto em Vidal e
Andrade (2006: 119).
1282
O contexto de paz relativa e de liberdade da palavra irá obviamente reactivar a mobilização das massas nas
estratégias de inclusão e exclusão.
1283
No que respeita ao uso de categorias etno-regionais ver, entre outros, Messiant 1 (2008); Tali (1997) e o mesmo
Tali em Vidal e Andrade (2006:175-205).
304
que o mestiço, porque teve mais oportunidades, seja o detentor do poder, nós estaríamos a perpetuar a obra colonial
portuguesa”
1284
.
Um outro momento de (re)produção ideológico-identitária será protagonizado pelo subcampo político representado na Assembleia Nacional. Em nome de uma legitimidade conferida
pelo plebiscito, sectores do MPLA tomarão a iniciativa de fazer aprovar no parlamento a menção
raça no Bilhete de Identidade.
As razões de tal iniciativa ainda são pouco esclarecedoras. No entanto esta última
acontece num contexto de crise económica e social e num quadro de nova divisão do trabalho
político que possibilitara a produção ideológico-identitária1285. Mas a adopção desta acontece
também num quadro de lutas internas que se desenrolam no seio do próprio MPLA; lutas que
frequentemente gravitam em torno de postos e privilégios1286.
Será portanto num contexto de crise económica social mas igualmente de luta inter e
intra partidária que a denominada lei do Bilhete de Identidade será debatida e aprovada pela
Assembleia Nacional no dia 26 de Junho de 1996.
Trata-se agora de tentar saber se essa consagração jurídico-política, das propriedades
rácicas/características somáticas pretende fundamentar um sistema de classificação em que
categorias como negro, misto ou branco adquirem somente uma mera função identificadora. Ou
se, pelo contrário, e tendo em conta uma conjuntura de crise, remetem para uma divisão social
em que determinadas classificações, arbitrariamente atribuídas, sejam identificadas como
qualidades sociais.
5.2. O debate na Assembleia Nacional sobre a lei do BI visto pela Acta da Assembleia
Nacional
Antes de nos debruçarmos sobre o debate, convém apresentar alguns esclarecimentos. A
discussão do projecto de Lei sobre o Bilhete de Identidade foi aprovada como Ordem do Dia por
96 votos a favor, 17 votos contra e 5 abstenções. O que significa que estavam presentes 118
1284
Africano (1995: 25).
Nomeadamente na luta inter partidária.
1286
Considera Messiant que sectores do poder, envolvidos em lutas internas exacerbadas por interesses económicos,
vão com cada vez mais insistência e com o manifesto aval do Presidente da República utilizar a questão racial para
desviar os ressentimento contra o poder, retomando assim a velha questão do lugar dos mestiços e brancos na
sociedade angolana eternamente posta em causa por sectores do MPLA mas também pela UNITA e a FNLA.
Messiant 2 (2008: 285-287); Ver igualmente Tali (1997).
1285
305
deputados, num total de 156 deputados1287. Dos restantes 38, constam 17 ausências justificadas e
12 injustificadas. O que perfaz no total de ausências 29 deputados1288. Todavia ainda há 9
deputados que não tendo marcado presença na Assembleia não constam das listas, ora referentes
às ausências justificadas ora às ausências injustificadas. E, acresce que, pelo que consta da acta, a
lei foi aprovada apenas por 111 votos a favor, nenhum voto contra e nenhuma abstenção1289.
Da proposta de lei apresentada pelo governo não constava o elemento de identificação
raça. Isto foi-nos confirmado por um deputado da maioria:
“Quanto à lei do BI, o projecto de lei apresentado pelo governo, ministério da Justiça, não tinha esta clausula e foi
por proposta de um deputado da maioria que o debate surgiu e irrompeu, ele teve a adesão de muitos membros da
bancada da maioria e de muitos votos da oposição. E durante o debate na Assembleia, o Ministro da Justiça que nem
sequer é uma figura do MPLA, foi dos que mais defendeu que essa menção à raça no BI não fazia sentido, era uma
1290
coisa anacrónica”
. O mesmo nos foi afirmado por uma outra fonte: “ O que me foi dito, é que era
preciso mudar o BI. Então foi feito uma lei que ao ser discutida na Assembleia, mereceu por parte de um deputado
do MPLA - a mim foi me dito que era o Xiribimbi, actualmente Governador do Namibe, depois mais tarde já me
disseram que não foi ele. De qualquer modo havia uma tendência no MPLA que defendia que era preciso estar
especificado a raça para efeitos estatísticos. Isso deu aso a uma certa discussão, houve pessoas que não
1291
concordavam, mas a lei acabou por ser aprovada”
.
A apresentação da Lei do Bilhete de Identidade Nacional foi feita pelo então ministro da
Justiça Paulo Tchipilica. Na dita apresentação, este sublinha as razões do projecto. De entre as
quais, podemos assinalar a facilidade de falsificação do vigente Bilhete de Identidade e daí a
necessidade da sua informatização.
Pelo conteúdo da acta é possível constatar considerações jurídicas e técnicas,
justificativas do projecto, que vão desde a terminologia para definir a nomenclatura à própria
estrutura do Bilhete de Identidade, nomeadamente os critérios de leitura codificada do mesmo.
Todavia, aquilo que nos interessa salientar é a discussão em torno do artigo 4º no
respeitante “aos elementos de identificação do titular” que devem constar no Bilhete de
1287
Os outros restantes deputados da UNITA só iriam tomar posse a 11 de Abril de 1997.
Os deputados João Maiomona e António João Maichicungo e Jaime António Chimguimbo constam tanto da lista
das presenças como das ausências. Ver anexos, nº 30
1289
Seria interessante encontrar as razões de tais discrepâncias, mas para tal precisaríamos de mais informações que
não tivemos a possibilidade de recolher. Numa entrevista feita por nós um deputado afirma ter votado contra,
provavelmente não contra a lei, mas contra a aprovação da mesma como Ordem do Dia. Entrevista concedida por
Costa Andrade “Ndunduma” em 08 /2001.
12 90
Entrevista com o então deputado do MPLA João de Melo em 08/2001.
12 91
Entrevista com Artur Pestana “Pepetela” em 09/2001.
1288
306
identidade, nomeadamente aquela que diz respeito à proposta de inclusão da categoria raça como
“elemento de identificação do titular”.
Podemos considerar a existência de duas correntes, que são independentes das suas
filiações partidárias: os que estão a favor da inclusão da categoria raça e os que manifestam a sua
discordância com tal medida.
5.2.1. A raça no BI entre a inclusão e a exclusão
Os discursos que, seguidamente, vamos caracterizar foram, pois, produzidos pelos
deputados durante o debate parlamentar que se desenrolou na Assembleia Nacional, e que é
possível acompanhar pela acta da Sessão de 26 de Junho de 1996:
•
O argumento predominante dos defensores da inclusão, é o da função
identificadora do BI1292. Deparamo-nos portanto aqui com um discurso que
remete para um princípio de identização com a função identificadora;
O primeiro deputado a intervir, do MPLA, começa por justificar a necessidade da
inclusão da categoria raça no BI pela relação entre o valor do mesmo e o maior número de
elementos de identificação. Muito embora comporte alguma ironia, os exemplos dados pelo
mesmo, são de defesa de inclusão das três categorias raciais no BI: a branca, a mestiça e a preta:
“Ora não entendo porque aqui não há de vir a raça, o senhor Ministro disse que as catorzinhas1293 é que tem lá no
artigo 7º... que há umas catorzinhas que dizem então o sexo e tal... mas é preciso que fique lá bem assente e até eu
propunha que as velhas do lanche... do branco sujo, o mulato escovado ou o preto kilombo kiassa, devia também
constar, é essencial, [.....] que esteja bem definido, a raça de um indivíduo assim como o sexo, [....] há muita menina
que anda de cabelo rapado e muito rapaz que até tem caracóis e trancinhas, e isto dá uma certa confusão
1294
principalmente para mim que tenho que virar a cabeça e as vezes não merecia porque é um rapaz”
. A cor da
pele justifica para o deputado a inclusão do elemento raça: “E, sobre a cor vou terminar por dizer que na
minha certidão de idade, baptizado (…), consta, baptizei um indivíduo (….) de cor parda calculem que eu até [sou
pardo] não é isso que até que me tenha pesado porque o meu comportamento tem sido sempre dum indivíduo
incolor, insípido e as vezes um pouco doloroso, muito obrigado”
1295
.
1292
A sigla BI será também utilizada, por nós para designar, o Bilhete de Identidade.
Eufemismo para designar as mulheres que já atingiram a puberdade. Com ressalva, podemos considerar uma
faixa que vai dos 14 anos até 18 anos.
1294
Acta nº1 de 26 de Junho (1996: 18).
1295
Acta nº1 de 26 de Junho (1996: 18-19).
1293
307
Alinhando no mesmo diapasão, outro deputado do MPLA acrescenta ao argumento
identificativo «razões de Estado» e de ordem «política e sociológica»: “Eu corroboro o que ele referiu
a este aspecto e gostaria apenas referir de que, se mais não houvesse, bastariam os fundamentos de natureza
estatística e de gestão estatal e política-sociológica para que este elemento raça estivesse explícito no Bilhete de
Identidade, independentemente de o mesmo apresentar como foi referido pela Sua Excelência o Ministro da Justiça
um campo informático para o efeito e mesmo este campo informático para o efeito, também costumava ser comum
em alguns países apresentar lei, pode não ser no Bilhete de Identidade, na lei sobre estatística ou em outra qualquer
que descodifique os tais dígitos, a sociedade tem que saber o que é que estes dígitos significam e nesta lei do Bilhete
de Identidade nós não temos artigo nenhum que venha a descodificar o campo reservado para a numeração do
Bilhete de Identidade e como foi referenciado vai ao fim e ao cabo aglutinar uma série de elementos de informação
que constam ou não do Bilhete de Identidade. Outra questão se prende com a própria entidade [por: identidade], tem
haver com a necessidade de estabelecer neste Diploma um articulado que manda repor em relação aos demais
elementos de identificação todos os elementos que o Bilhete de Identidade consagra, isto é, depois da independência
em 1975, não sei se por força da lei ou foi apenas por uma razão meramente política, alguns elementos de
identificação foram suprimidas entre os quais por exemplo o da raça, hoje no registo não sei se pôr a raça e tal como
o deputado Mac-Mahon, eu fui baptizado numa missão católica e consta a minha raça, mas o meu filho que também
já foi baptizado já não consta, porque nasceu agora na década de 80, então com a introdução desse novo Bilhete de
Identidade e se for aceite a incorporação e como está subjacente no bilhete o elemento raça é importante que
também fique claro no bilhete a necessidade de repor em todos os documentos de identificação em que venham
colher elementos pessoais de identificação o elemento raça e todos os demais elementos que constam do Bilhete de
1296
Identidade”
.
Um outro deputado do MPLA assume a defesa da inclusão da referida categoria de um
modo que torna notório o quanto a noção de raça, associada às características somáticas está
interiorizada e naturalizada nas práticas quotidianas: “eu [sou] apologista que de facto deve constar o
problema da raça no Bilhete de Identidade, deve figurar a questão da raça no Bilhete de Identidade agora se há
outros porquês, isto já é um problema posterior, nós podemos analisar, mas sou desta opinião, muito obrigado
1297
senhor Presidente tenho dito”
.
O deputado do PDP-ANA (Partido Democrático para o Progresso da Aliança Nacional
Angolana) apresenta um argumento similar: “eu penso que a questão da raça é fundamental (…), a raça
1298
deve constar neste projecto do Bilhete de Identidade, por várias razões que não me interessa aqui focar”
O deputado do PSDA- (Partido Social Democrático de Angola)
.
manifesta a sua
concordância argumentando com a função de identificação, e refutando quaisquer intenções de
12 96
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 19).
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 22).
1298
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 23).
1297
308
arbitrário racial. Para tal, socorre-se de exemplos de outros países. O mesmo reforça a sua
argumentação com um princípio de identização/inclusão através do recurso à categoria nação:
“Quando se levanta a questão das raças nós não podemos levar essa palavra em outros sentidos, porque o que me
parece é que nós queremos levá-lo num outro sentido (o racismo), eu penso que o sentido não é esse, portanto, nós
de antemão sabemos que o nosso país é multisectorial (temos negros, mestiços e temos brancos), se for introduzida a
questão de raças nós podemos achar ofensivo, mas essa é uma forma de controlo, eu estive em Cuba e vi o Bilhete
de Identidade do cidadão cubano está lá escrito raça, se é de raça negra é de raça negra, há um outro camarada
também que levantou a questão dos Estados Unidos também eu estive lá e vi o Bilhete de Identidade desta forma,
mas quer dizer, nós temos que ter aquela consciência que somos todos angolanos de Cabinda ao Cunene, ninguém é
1299
ofendido tenho dito obrigado”
.
Um outro deputado do MPLA parte do pressuposto de que a cor do indivíduo define a
sua raça (princípio do jus coloris). O mesmo considera que a inclusão da raça no BI obrigará os
indivíduos a assumirem-se tal como eles são na «realidade»: brancos pretos e mestiços. Uma
assumpção que adquire força de lei com a inclusão da raça no BI: “A questão das cores ou raças, são
muitas raças, podem entrar sim senhor, porque são só três não pode haver complexos, se sou mulato, sou mesmo
mulato, se sou branco, sou branco, se sou preto sou mesmo, é assim, não há complexos, porque amanhã um
indivíduo vai dizer olha você é branco mas ele é preto e não vai aceitar, a culpa será da Assembleia que concordou,
não é nada disso vamos colocar as coisas no seu lugar”1300.
Uma deputada do MPLA, relacionando raça e cor, defende a inclusão desta categoria no
BI pois, considera a existência de “várias raças” em Angola: “a inclusão da raça é indispensável. Senhor
Presidente, insisto também que seja incluída, pois que identifica na realidade a cor do cidadão. Sabe-se que Angola é
1301
um país multirracial, logo a sua importância”
.
Uma outra deputada domesmo partido, é exemplo do quão a noção de raça está
interiorizada, ao definir quais são as taxinomias que devem constar no Bilhete de Identidade: “Eu
(…) acho que devíamos ter três tipos: raça branca, mestiça e negra”
1302
.
12 99
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 25). A afirmação do deputado está correcta. Pudemos confirmar através de uma
fonte fidedigna que o elemento raça consta no BI cubano. Sendo que as categorias identificadoras são: raça branca,
raça negra, raça mestiça. No entanto há uma diferença Trata-se do facto de a atribuição da “identidade racial” ser
uma opção não de Estado, ou seja não são os funcionários da repartição que “atribuem a raça”, mas, sim o indivíduo
que preenche o formulário é que determina a sua categoria. Acontece o mesmo nos Estados Unidos. Mas neste país
há outra diferença: a categoria raça tem um significado étnico e geográfico (black american, indian native, asian
pacific, hispanic, white etnic). Petruccelli (2002:533-561). No caso angolano é o funcionário da repartição que irá
definir a raça a atribuir. António Tomàs quando a “raça rasteira o Brasil” jornal Angolense 13 a 20 de Outubro de
2007. (2007: 28). Esta constatação fora confirmada por nós em 2003, quando tratamos do processo de aquisição do
Bilhete de Identidade.
1300
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 27).
1301
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 27).
1302
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996:29).
309
Outro deputado do MPLA justifica a inclusão da raça no BI sustentando-se na história.
Todavia, o mesmo esquece o carácter arbitrário de um sistema de classificação produzido pelo
sistema colonial, pois retém apenas a função identificadora: “são de apoiar que a expressão raça conste
do bilhete de identidade, no mesmo artigo 4º. “Queria acrescentar que (…) constava noutro bilhete, o bilhete que o
colono nos deu noutros tempos, constavam sinais particulares, falava-se de olhos castanhos, cabelo carapinha, creio
ser alguma coisa assim. Portanto, deste bilhete, sugiro [que] deve constar, essas características ou esses sinais
1303
particulares “
.
Um deputado do partido da maioria, socorrendo-se do argumento de função
identificadora do BI propõe não só a inclusão da categoria raça mas também da categoria tribo
(eufemismo para definir o grupo etnolinguístico). Outra curiosidade: o mesmo exclui as
taxinomias branco e mestiço da noção de grupo etnolinguístico. Deparamo-nos aqui perante uma
definição de etnia assente no critério racial: “tenho a pedir uma informação relativamente a um elemento
que, eu, considero muito importante de identificação [da] pessoa, é claro, não abrange todo o cidadão Angolano,
nem todas as classes mas é respeitante à raça negra, existe é a questão de tribo. Tribo (…) eu penso que é uma
questão importante (…) acho que é uma forma de identificação. (….) E então, se nós formos pela filosofia de que a
Identificação não é para mal, é simplesmente para completar a Identificação de um indivíduo, tribo também devia
1304
constar. Essa é a sugestão”
•
.
Para os que se opõem à inclusão da categoria raça no BI, a fundamentação
centra-se na (in)definição do conceito de raça, e na dificuldade em classificar
grupos sociais em função das características somáticas, nomeadamente da cor
da pele;
Um deputado do MPLA realça o carácter subjectivo da definição de raça socorrendo-se
de um exemplo: os Estados Unidos da América. Mas o mesmo reforça a sua argumentação com a
incompatibilidade entre categorizações práticas e a proposta trinitária de categorização jurídica.
E, será com auxílio de uma figura de estilo, a ironia, que o deputado sustentará a sua intervenção:
“Em relação a introdução da raça no Bilhete de Identidade, eu não estou de acordo, porque a noção de raça hoje é
uma coisa um bocado.... Neste momento não é assim é assim tão taxativa, tão definida, como nós estamos a pensar e
para exemplo disso basta só lembrar que nos Estados Unidos, quem não é branco é negro e, eu preferia que em vez
de raça que se quer por, se pusesse cor e nessa altura, então, punha-se as várias cores, os vários matizes que
13 03
1304
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 30).
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 30.
310
constituem a nossa população e para terminar, eu queria apenas também dizer que esta questão das raças é de tal
maneira indefinida, porque eu queria ler com a devida vénia do meu colega, as raças mais ou menos conhecidas aqui
no nosso país, negro, fulo, cafuzo, fronteiras perdidas um...quer dizer os que estão juntos dos negros, mulato,
cabrito, fronteiras perdidas dois os que estão perto dos brancos, kilombo kiassa, albino mukotó, esbranquiçado,
1305
branco do caraças e conforme os casos...”
.
O deputado do PAJOCA (Partido da Aliança da Juventude, Operários e Camponeses de
Angola) manifesta a sua discordância da inclusão da raça no BI tendo em conta o carácter
subjectivo dessa noção; carácter subjectivo que se traduz na dificuldade em classificar
grupos1306. O mesmo considera que a identificação cromática não resolve o problema da
subjectividade classificatória. Mas, para contrapor o fundamento da inclusão da categoria raça, o
deputado socorre-se de um argumento da de peso. A jurisprudência, a saber, o carácter
anticonstitucional da lei: “eu também não concordo que este elemento seja inserido no Bilhete de Identidade
novo, na medida em que hoje falar de raça ou de etnia é difícil encontrarmos esta separação, (....) há uma
animosidade sem precedentes de raças, seja americano, como africanos asiáticos, etc. etc. e alem disso se optar pela
identificação da cor também levaria o problema que já foi lido ai, portanto, num número indeterminado de cor da
pele que os cidadãos tem, portanto, eu penso que se evite este problema porque nada mais adianta constar no BI a
raça, aliás a própria constituição no artigo 18º, diz nos que «os cidadãos perante a lei são iguais, tem os mesmos
1307
direitos e deveres» não sei qual seria o fundamento para a distinção”
.
Por fim, o ministro da Justiça, em jeito de síntese, tomou a palavra e debruçou-se acerca
das múltiplas questões levantadas pelos deputados. Iremos salientar as considerações, do mesmo,
relativamente à categoria raça.
É possível descortinar no discurso produzido pelo ministro a convicção de que a
inclusão da categoria raça no BI, “à luz da modernidade vigente”, não se coaduna com a função
identificadora do BI. O ministro exemplifica com os casos da África do Sul e da Namíbia1308. O
mesmo não deixa de reforçar o seu argumento com o facto de a categoria raça estar inserida na
leitura codificada do BI e como tal não necessitar de estar explícita no Bilhete de identidade.
Todavia, sublinha que as suas convicções e o “anacronismo” da inserção da categoria raça no BI
não podem suplantar a razão de estado que é a soberania parlamentar: “O conceito moderno de raça,
mesmo a sensibilidade que hoje se verifica a nível internacional e as últimas recomendações até da própria Nações
Unidas, apontam no sentido de omitirem, vamos lá designações ou identificação desta ordem e desta natureza. Não
13 05
1306
13 07
1308
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 21-22).
O deputado acrescenta que etnia e raça são noções que se confundem.
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 23 – 24).
Países que tinham instituído o apartheid, com fundamento nas propriedades rácicas/características somáticas.
311
vou especificar mas gostaria de dar alguns exemplos: mesmo aqui no nosso lado quer seja na África do Sul e na
Namíbia, no Bilhete de Identidade do cidadão nacional não consta o elemento raça. Por outro lado, representaria
quanto a mim um sinal inovador, tudo que é inovador é sempre de aplaudir, mas se nós formos a identificar ou
analisar o anterior diploma e sobretudo o Bilhete de Identidade que cada um de nós tutela neste momento,
representaria de algum modo alguma regressão, algum retrocesso. Vale isto por dizer que, o antigo bilhete de
Identidade já estava mais próximo do entendimento que hoje se tem a nível internacional do que aquela proposta que
hoje se pretende fazer consignar no Bilhete de Identidade. (…) mas a Assembleia Nacional é soberana, se assim for
votado na sua maioria nada teremos efectivamente a opor e nem haverá dificuldade de ordem técnica de se poder
1309
fazer inserir, porque já prevenimos justamente os técnicos desse sentido”
.
Em síntese, podemos dizer que para os apoiantes da inclusão da categoria raça no BI, a
argumentação gira em torno da identificação dos cidadãos e do controlo dos grupos. Para os
oponentes, o debate centra-se na (in)definição da noção de raça e na desvalorização da função
identificadora desta categoria no BI.
As razões apresentadas pelos defensores da inclusão da raça no BI não nos permitem
inferir, taxativamente, que a aprovação da lei remete para uma divisão social em que
determinadas classificações, arbitrariamente atribuídas, são identificadas como qualidades
sociais, a saber, consagram uma prática de identização que remete para práticas de exclusão. O
que não impede contudo de subsistir a dúvida. E isso por um conjunto de razões que passamos
desde já a expor:
Com efeito, a longa história das classificações assentes em propriedades
rácicas/características somáticas demonstrou que estas remeteram sempre para processos de
hierarquização e exclusão.
No respeitante à componente jurídica, o carácter arbitrário e subjectivo da inclusão do
elemento raça no Bilhete de Identidade é sublinhado por um jurista angolano: “Consideramos a
qualificação inconstitucional, pois, não respeita a objectividade jurídica, científica e igualdade como critério da
justiça. Existem filhos de comunidades endógenas diferentes e que são culturalmente mestiços, ora o critério que
qualifica o cidadão como “mistiço1310, negro ou branco” é polissémico e não unívoco, portanto, viola o artigo 18.º da
1309
1310
Acta nº 1 de 26 de Junho (1996: 32).
Há aqui uma gralha. O autor refere-se à designação de misto. Recordamos que o BI contempla as raças negras,
brancas e mistas.
312
Lei Constitucional Angolana ex vi (n.º 1 do artigo 153.º da Lei Constitucional). A igualdade é um princípio
1311
estruturante do Estado de Direito”
.
Mas o carácter arbitrário e subjectivo da lei é também notório quando se trata de definir
os critérios raciais. Ou seja quando se trata de definir quem é misto, branco ou negro. E, aqui
encontramos uma conjugação entre a subjectividade e o arbitrário. Pois ao contrário de outros
países em que o critério racial é uma opção dos indivíduos1312, no caso angolano, os critérios não
foram definidos; e, como tal, o funcionário do Estado é que determina quem é branco negro e
misto, com toda a carga subjectiva que isto comporta: “o que presentemente ocorre nas repartições da
identificação civil é uma bizarrice assistem – se a actos classificatórios realizados de modo arbitrário pelos
”1313
funcionários do Ministério da Justiça, pois são eles que catalogam os cidadãos de acordo com a cor da pele
.
Sendo assim, e dentro do quadro das suposições, é perfeitamente compreensível a opinião
daqueles que consideram que a intenção subjacente à aprovação da Lei do Bilhete de Identidade
tivessem por função excluir: Ao fazer esta proposta - do BI- o MPLA não foi totalmente ingénuo, não era só
uma questão de estatística. Isto vem numa linha que é quase inevitável, antes eu achava que não, mas hoje começo a
convencer-me de que é quase inevitável, realmente hoje em África, na África é negra quem não é negro é uma
1314
minoria e tem que começar á pensar que é uma minoria e tem que haver leis que defendam essas minorias
.
“Restam poucas dúvidas de que na génese desta iniciativa política - através da sua aprovação na
Assembleia Nacional - esteve a intenção de excluir”,(…) se não for a intenção de excluir, não é fácil encontrar outra
razão (…)Com isto pretende-se apenas levar as minorias a terem consciência de que são, de facto, minorias e devem
permanecer no seu canto”
1315
.
Por fim uma última nota. Apesar destas opiniões reforçarem a nossa impressão de que
por detrás desta lei existe uma intenção política que remete para um processo de hierarquização e
exclusão, elas por si só não são dados suficientes que nos levam a constatar que aqueles que
aprovaram a Lei do Bilhete de Identidade tivessem por intenção excluir1316. Temos que dar o
1311
João Pinto “Cultura e a razão de Estado. A Identidade do Estado Angolano e o nacionalismo constitucional.
http//wwwcaaai/org/anexos/78.pdf 2010.
1312
Menos arbitrário, mas permanece o carácter subjectivo.
1313
Semanário Folha 8 (2001: 15). Esta “bizarria” foi confirmada ao longo do nosso trabalho de campo em Angola.
Indivíduos classificados de negros que passaram a ser mistos; classificados de mistos que passaram a ser
classificados de negros e até classificados brancos que passaram a ser classificados de negros.
1314
Entrevista com Artur Pestana “Pepetela” em 09/2001.
1315
Justino Pinto de Andrade em Ricardo Bordalo, da Agência Lusa Agência LUSA - Agência de Notícias de
Portugal, S.A.2008-02-05 09:50:01. O mesmo considera Paulo de Carvalho: “Se fizesse sentido essa justificação,
então esses elementos poderiam ficar apenas na folha de registo e não de acesso público. (…) A intenção é de
excluir.” Idem (2008)
1316
Um membro da Frente para Democracia considera que a lei do BI não tem relevância para a questão racial pois
esta questão põe-se presentemente noutros termos, a saber, em termos de estrutura política: “A questão da raça, para
313
benefício da dúvida aos que entendem que o uso destas categorias obedece apenas a uma mera
função estatística e identificadora.
O que não impede, contudo, que possamos constatar que os discursos produzidos pelos
deputados na Assembleia Nacional e pelos actores sociais se pautarem por posições
diferenciadas, mas que participam de uma característica comum: o de serem discursos políticos e
nesta medida serem discursos realistas de reificação da categoria raça. E, que tendo em conta as
circunstâncias, com fortes possibilidades de serem discursos, que remetem provavelmente para
uma reificação do estigma.
Conclusão
alguns estudos, pode ser importante, mas no caso do BI não tem grande significado. As pessoas podem ver quem
está e quem não está… mas não sei se se conseguiu praticar alguma discriminação. Digamos que num dado
momento do nosso processo histórico a selecção era feita a base da raça (no tempo colonial) e actualmente a
selecção é política. Portanto num dado momento, quem é negro não tem acesso à riqueza, não tem acesso ao poder
político; num outro momento quem não é do partido que está no poder é que não tem esses acessos, como tal, não
entra na estrutura de oportunidades. Há uma estrutura de oportunidades que está muito filtrada pela política. E
depois, é dentro dessa estrutura de oportunidades, é dentro dessa primeira discriminação política que se fazem as
outras discriminações: na base da raça, na base da etnia pois a partirde de uma certa altura os interesses conjugam-se
com esses elementos. Os interesses têm que se consubstanciar na fidúcia, na confiança e a confiança está mais ligada
ao sentimento de pertença; ou é a família, ou é a etnia ou é a raça e é por aí que depois há a segunda discriminação,
mas a primeira é claramente política. Entrevista com Filomeno Vieira Lopes dirigente do então FpD, em 09/2007.
314
O nosso ponto de partida começou com um objectivo geral: compreender, no que
concerne ao estudo das relações raciais na sociedade angolana e ao longo do período
compreendido entre 1950-1996, as razões que concorrem para que determinadas classificações
assentes na noção de raça tenham sido um recurso fundamental nas lutas políticas,
nomeadamente, em processos de inclusão exclusão.
Seleccionámos um conjunto de classificações assentes em propriedades rácicas tidas
como características somáticas, nomeadamente aquelas que tiveram recorrência nos discursos
produzidos pelos actores do campo político angolano. Sendo assim, optámos por seleccionar dois
grandes grupos de classificações um primeiro grupo com um vertente racial e somática: branco,
negro, mestiço e um outro grupo com uma vertente racial e estatutária indígena, civilizado ou
assimilado. Foi possível constatar que, na sua génese, estas classificações não podem ser
dissociadas do processo racialização do mundo que se estendeu ao continente africano e, como
tal, em Angola. Foi também possível constatar que funcionaram como um princípio organizador
do Estado e da sociedade colonial. Princípio dinâmico, que assentou numa tensão permanente
entre integração e desintegração dos diferentes espaços sociais com dinâmicas societais
endógenas.
Será, portanto, num quadro de arbitrariedade que o Estado colonial irá organizar o
controle das populações autóctones, contabilizando-as estatisticamente e classificando-as
hierarquicamente do ponto de vista das propriedades rácicas/características somáticas e tendo em
conta, sobretudo, a cor da pele. Todavia, estas duas grandes classificações, além de partilharem o
facto de serem categorias assentes em propriedades rácicas/características somáticas, apresentam
outro elemento comum: ambas passaram a constituir uma matriz estruturante das relações que se
foram estabelecendo na sociedade angolana entre colonizadores e colonizados, mas também uma
matriz estruturante das relações no seio dos próprios colonizados. O que significa que estas
classificações foram sendo incorporadas e interiorizadas de tal forma que as populações
começaram a definir-se segundo esta categorias, realizando assim a definição e auto definição
dos grupos. Criaram-se assim, formas particulares de relações sociais assentes em classificações
como branco, negro, mestiço, indígena, assimilado ou civilizado. Categorias, que foram
adquirindo uma significativa importância, nomeadamente aquando da produção discursiva no
respeitante à denúncia do arbitrário colonial, pois estas classificações reflectiam, em certa
315
medida,
a
relação
de
dominação
colonial
que
se
consubstanciava
na
antinomia
colono/colonizado. Como tal, estas classificações irão integrar parte do discurso nacionalista e
anticolonial. O que nos remete para a primeira hipótese que passamos desde já a recordar: No seu
processo de configuração e estruturação, o espaço nacionalista angolano começa por ser um
lugar de produção discursiva em torno da reivindicação territorial. A produção discursiva será
frequentemente complementada por um sistema de classificação assente em propriedades
rácicas/características somáticas. Assim, classificações que outrora remetiam para processos de
hierarquização e até de exclusão, dos colonizados no espaço colonial serão (re)apropriadas e
reavaliadas de modo a denunciar o arbitrário colonial e reivindicar a independência. Podemos
assim considerar que as duas categorias, a saber raça e nação tiveram um papel fundamental na
génese do espaço nacionalista angolano, como lugar de produção discursiva e gerador de
processos de inclusão e exclusão.
Os discursos produzidos a partir da década de cinquenta assinalam a primeira etapa de
um processo de configuração e estruturação do espaço nacionalista angolano que vai adquirindo
as características de um lugar privilegiado de luta contra o arbitrário colonial. Nesta fase os
discursos de reivindicação independentista são sustentados por duas categorias principais: nação
e raça. Sendo assim, estas duas categorias tiveram por função contribuir para uma ruptura com a
ordem colonial vigente. Muito embora subsista uma linha de continuidade, não só devido à
recorrência destas classificações mas, também, pela função que desempenham, a de remeter para
processos de inclusão e exclusão. Sendo assim a confirma-se a nossa primeira hipótese.
Mas, no que respeita às classificações raciais, convém recordar que estas tiveram
também o efeito de criar clivagens não só na relação entre colonizadores e colonizados, mas
igualmente no seio dos colonizados; clivagens que reflectem, em certa medida, a eficácia de um
sistema de classificação que, foi interiorizado e naturalizado1317. O que faz com que antinomias
como indígena/assimilado, mestiço/negro, branco/negro, que distinguiam grupos sociais no seio
dos colonizados, sejam também passíveis de serem utilizadas em lutas de classificação no seio
do espaço nacionalista angolano. É o que nos remete para a segunda hipótese: À medida que se
vai estruturando e configurando, o campo político angolano vai adquirindo características de
um espaço de crise onde se desenrolam lutas de classificação pelo monopólio dos recursos
1317
Todavia como vimos nos capítulos anteriores, as categorias indígena e assimilado serão frequentemente negadas
como categoria, sobretudo a taxinomia assimilado. Esta última adquirira um duplo sentido. Por um lado estava
associada a um estatuto de privilégio, mas por outro era associada à perca de uma identidade africana.
316
materiais e simbólicos, que possibilitam a imposição de múltiplas categorias, de entre as quais
as classificações assentes em propriedades rácicas/características somáticas. Sendo assim, estas
classificações começam a desempenhar um papel fundamental na luta pela hegemonia do
espaço nacionalista, na medida em que estas se tornaram objectos de actos de percepção e
apreciação, de conhecimento e de reconhecimento em que os militantes nacionalistas irão
investir os seus interesses e os seus pressupostos.
No respeitante à questão racial, foi possível constatar a conversão das classificações
assentes em propriedades rácicas/características somáticas em classificações políticas.
Constatação vislumbrável não só nas lutas políticas entre o MPLA e a UPA/FNLA, mas
sobretudo no seio do MPLA, onde adquirem grande relevância nas lutas políticas pelo controlo
da direcção do Movimento. À medida que se estrutura e configura, o espaço nacionalista
angolano vai adquirindo as características de um campo de forças e, como tal, torna-se um lugar
de lutas – não só militares – de classificação pelo monopólio dos recursos materiais e simbólicos
que possibilitam a imposição de múltiplas categorias, de entre as quais as classificações assentes
em propriedades rácicas/características somáticas. Há como que uma transferência das
antinomias produzidas pelo arbitrário colonial para o espaço nacionalista angolano. Estas
clivagens vão, em certa medida, contribuir para o processo de estruturação e configuração do
campo político angolano como espaço de lutas de classificação, pois categorias como branco,
mestiço, negro, indígena ou assimilado começam a desempenhar um papel fundamental, como
recursos políticos, na luta pela hegemonia do espaço nacionalista entre os dois protagonistas
principais: MPLA e UPA/FNLA1318. Trata-se de uma relação de conflito/competição que confere
ao campo político angolano características de um espaço de crise. Parece confirmar-se a nossa
segunda hipótese.
Quanto a terceira hipótese: No caso do subcampo MPLA, o papel das classificações
assentes em propriedades rácicas/características somáticas nas lutas políticas torna-se uma
regularidade
sobretudo
em
contextos
de
crise,
nomeadamente
em
processos
de
institucionalização do capital político.
Ao longo do seu percurso de legitimidade cada uma das organizações nacionalistas
armadas é atravessada por várias crises, sendo que estas são frequentemente ligadas a processos
1318
Recorde-se que a partir da década de setenta as categorias indígena e assimilado começam a desaparecer do
léxico político. O que terá provavelmente influído a abolição destas categorias estatutárias em 1961. Doravante as
categorias que irão prevalecer no léxico político serão as categorias branco, mestiço e assimilado.
317
de institucionalização do capital político. No caso do MPLA a utilização das classificações
assentes em propriedades rácicas/características somáticas nas lutas políticas começa a assumir
uma certa regularidade, sobretudo em contextos de crise, nomeadamente em processos de
institucionalização do capital político.
Antes de nos debruçarmos sobre a hipótese seguinte, adquire pertinência sublinhar um
aspecto relevante e que apenas se tornou notório ao longo do nosso trabalho. E que, convém
sublinhar, não fazia parte nem do nosso objectivo, nem das nossas interrogações.
Consiste este no facto de, ao longo do período compreendido sensivelmente entre 1976
e 1992, a questão racial não ter adquirido grande relevância nas lutas políticas. O que implica, da
nossa parte, um breve comentário a tal incongruência.
No processo de estruturação e configuração do campo político angolano, o período
compreendido entre 1960-1964 assinala um momento de conversão de um sistema de
classificação racial em sistema de classificação integrante do mais vasto sistema de classificação
política. Assim, se estas classificações eram outrora e sobretudo monopolizadas pelo Estado e
pela sociedade colonial, a partir de então, e à medida que o campo político angolano se estrutura
e configura, as categorias raciais começam igualmente a ser geridas pelo campo político
angolano. É um primeiro indício de que começam a ser as circunstâncias políticas que
determinam a questão racial e não o contrário. Como tal, os critérios de classificação vão
deixando de ser ditadas pelo mundo social mas sim pelo campo político angolano. Assim,
qualquer categoria, oriunda do mundo social, está sujeita à lógica de funcionamento de um
campo, que embora fazendo parte do mais amplo espaço social, não deixa de funcionar de um
modo próprio. Tal dinâmica de apropriação e incorporação destas categorias ganha novo alento à
medida que o campo político se vai apropriando do espaço colonial, num contexto de transição
para a independência. Mas esta submissão, das propriedades rácicas características/somáticas aos
ditames do campo, iria ser mais notória quando a questão racial ficou em estado latente
praticamente ao longo do período compreendido entre 1976 até 1992. Tal deve-se ao facto de,
durante este período, o campo político continuar a funcionar numa lógica de aparelho. Trata-se
de uma dinâmica característica do campo político angolano como universo autónomo, a saber:
“como campo de forças e como campo das lutas que têm em vista transformar a relação de
forças, que confere a este campo a sua estrutura em dado momento”1319. Ora, “a sua estrutura, em
1319
Bourdieu (1989: 163-164).
318
dado momento”, é o funcionar não só numa lógica de aparelho, mas sobretudo o reforçar esta
dinâmica. Pois o estado de guerra generalizado que se vive no país apela para um modelo
organizacional militar e militarizado que leva a que a acção política se realize em forma de
espírito e de corpo. Sendo assim, esta dinâmica intensiva de aparelhização irá igualmente
assegurar uma ordem interna no seio de cada uma das organizações políticas armadas pois, cada
uma destas organizações irá “reproduzir o medo de ser contra fundamento último de todas as
disciplinas militantes ou militares”. O que faz com que comando/obediência, fidelidade/traição
se tornem princípios estruturantes do campo. E, como tal, principais fundamentos do princípio de
inclusão/exclusão, cuja aplicabilidade se estende a todos os angolanos independentemente da sua
etnia, ou da sua raça. Será portanto necessário aguardar por um contexto de nova divisão do
trabalho político, de afrouxamento dos aparelhos militares dos dois principais protagonistas do
campo político angolano, para que se possa assistir no espaço social angolano e no campo
político angolano ao ressurgir das classificações raciais. Um regresso do racial, num contexto de
crise social e política, pontuado, pela criação da Lei do Bilhete de Identidade. O que nos remete
para a hipótese seguinte; porventura a mais inconclusiva do nosso trabalho: A introdução das
propriedades rácicas no BI é um acto de legitimação político-jurídica de uma categoria que
exemplifica um modo de (re)apropriação de categorias raciais pelo campo político angolano,
num contexto de crise e de lutas políticas. Como tal, essa consagração político-jurídica das
propriedades rácicas/características somáticas não obedece apenas a uma função identificadora
dos indivíduos. A inclusão de categorias como negro, misto ou branco no Bilhete de Identidade
não pode ser dissociada de práticas políticas que remetem para processos de inclusão e
exclusão.
A questão do Bilhete de Identidade emerge num contexto de crise. Um contexto que
possibilita o recurso às categorias raciais aquando de lutas políticas. É nesta medida que as
propriedades rácicas/características se tornam passíveis de servir estratégias interessadas de
manipulação, a partir da percepção que as populações têm dessas propriedades e dos seus
portadores.
Com efeito reconhecer juridicamente uma identidade de raça é, em certa medida,
reificar uma identidade veiculada por um arbitrário colonial; é reificar um incorporado processo
de inclusão/exclusão. O que nos leva a pensar que a inserção da categoria raça no BI, visa
sobretudo a delimitação e a reestruturação de grupos sociais em termos de uma nova
319
reorganização de identidades, sustentada, por sua vez, na ideia de diferenciações baseadas em
termos de maiorias e minorias raciais. Um processo veiculatório sustentado pela existência de
indivíduos portadores desta propriedade visível e distintiva que é a cor da pele.
No entanto não podemos deixar de considerar que muitos daqueles que aprovaram a lei
tinham a convicção de que estas categorias tinham apenas a função de identificar os indivíduos.
Ou seja, de que se podia instituir uma categoria retirando-lhe o carácter arbitrário da
hierarquização e exclusão. Trata-se, em certa medida, de um dos efeitos do arbitrário
classificatório colonial. Fazer crer que estas classificações tinham uma função meramente
identificadora. O que não invalida a constatação de que, provavelmente, por causa desta
propriedade distintiva tenha prevalecido no debate da Assembleia Nacional uma lógica
discursiva que apelava constantemente para relações entre raça e identidade. O que nos remete
para uma consideração final, sendo que esta diz respeito à problemática das identidades raciais
em Angola. E, que de certo modo remete para o uso do conceito de ideologia identitária.
A categoria raça tem desempenhado um papel relevante nas lutas políticas e nas
estratégias de mobilização, tornando-se por vezes um capital político nas lutas pelo controlo dos
centros de decisão. Todavia, o facto de se incorporarem (tanto nos discursos como nas práticas
do dia a dia) determinados sistemas classificatórios – que por sua vez produzem efeitos – que se
reflecte na constituição de grupos, não significa que se possa tomar como um dado adquirido a
existência de identidades raciais em Angola, Com efeito o debate na Assembleia Nacional
exemplifica um acto de amnésia da génese relativamente a uma longa história de imposição
identitária, sustentada por um conjunto de classificações que comportavam consigo o peso de
uma subjectividade sustentada pelo arbitrário classificatório. É portanto, a partir desta relação
entre o subjectivo e o arbitrário classificatório que se torna possível pensar a questão racial em
Angola sem partir do pressuposto essencialista da constatação de identidade(s) racial(is). Para
tal, iremos começar por nos debruçar sobre cada uma das três principais categorias práticas
raciais.
•
320
A categoria branco.
É uma categoria, naturalmente, associada ao arbitrário colonial. Pois foi em torno da
ideia de superioridade da raça branca que se forjaram um conjunto de classificações que
remetiam para processos de exclusão em Angola. Como tal, esta categoria não deixa de ser
produto de um arbitrário classificatório.
Porém, esta categoria não deixou de se caracterizar por um forte grau de subjectividade,
na medida em que não deixou de ter múltiplos significados. A categoria branco tanto podia
significar a população colonizadora europeia estabelecida no território angolano durante a
ocupação colonial portuguesa, como podia remeter para os indivíduos que tinham adoptado o
estilo de vida europeu ou ocidentalizado, independentemente da sua cor, ou então para aqueles
que tinham adquirido um determinado estatuto social ou jurídico no quadro da sociedade
colonial1320.
Contudo reconhecemos que esta categoria foi estigmatizada ao ponto de a mesma ter
desencadeado processos de coisificação dos indivíduos portadores desta propriedade distintiva.
E, como, pudemos constatar nos capítulos anteriores, a categoria branco remeteu para fortes
processos de exclusão, aquando das lutas políticas no seio do espaço nacionalista, nomeadamente
em processos de institucionalização do capital político. Todavia esta dinâmica não pode ser
interpretada como um mera reacção aos efeitos do arbitrário racial colonial e que pressupõe uma
mera inversão das práticas raciais coloniais.
Com efeito, a questão dos classificados de brancos não pode estar dissociada da lógica
de um campo que se estrutura e configura como tal, ou seja, com normas e regras de
funcionamento próprios e que como vimos se tornaram inerentes ao campo.
Mas há um outro aspecto a salientar. O arbitrário classificatório efectivou-se também na
produção de uma antinomia entre branco natural/branco metropolitano. Esta antinomia terá
porventura contribuído para que muitos dos classificados de branco participassem no processo de
reivindicação territorial, não como grupo somático mas como fazendo parte de uma ampla
população que se considerava vítima do arbitrário colonial.
•
1320
A categoria mestiço.
Pimenta (2008: 59-63).
321
No respeitante à categoria mestiço é possível constatar que, em Angola, esta categoria
nunca se traduziu na constituição de um grupo homogéneo que se identificasse como tal1321.
A invenção desta categoria teve como consequência o surgimento de novas
identificações somáticas que acentuaram ainda mais a impossibilidade de este alegado grupo
social se pensar como tal. Referimo-nos a designações como cabrito, cafuzo etc, que já foram
referenciadas em capítulo anteriores. Como tal, a definição dos classificados de mestiços
revestiu-se sempre de uma forte ambiguidade1322.
Contudo, à semelhança da categoria branco, a categoria mestiço também está sujeita aos
imperativos do campo político angolano. Todavia com variabilidades, segundo as épocas e
circunstâncias.
Como vimos, na década de cinquenta predominava, na “fase panfletária” um critério que
distinguia a categoria negro/angolano (“pretos e mestiços”), da categoria branco/português.1323
Posteriormente, na década de sessenta, esta categoria foi remetida juntamente com a categoria
branco para processos de exclusão. Mas, mesmo no próprio campo político, as dificuldades em
classificar este grupo eram notórias. Assim, por exemplo Lúcio Lara ou Paulo Jorge, dois militantes
e dirigentes do MPLA, podiam ser considerados mestiços ou brancos conforme a pessoa que os
classificava e, provavelmente o lugar que esta ocupava no campo1324.
Mas há um outro critério de subjectividade que exemplifica o modo como o campo
político se apropriou de uma categoria em nome da manipulação legítima das percepções sobre as
propriedades rácicas/características somáticas. É a sua exclusão da categoria etnia. Ou melhor
dizendo, a exclusão desta categoria do grupo etnolinguístico alegadamente devido à cor.
Como vimos mais acima, considerava um deputado que a categoria etnia era incompatível
com a categoria mestiço: tenho a pedir uma informação relativamente a um elemento que, eu,
considero muito importante de identificação [da] pessoa, é claro, não abrange todo o cidadão
Angolano, nem todas as classes mas é respeitante à raça negra, existe é a questão de tribo”. Se
1321
Ver o capítulo I “Do problema à pergunta de partida”.
Esta ambiguidade é perfeitamente notória se atentarmos que no recenseamento de 1950 constavam 29.648
mestiços e que este número quase duplicou passando a constar no recenseamento de 1960 53.392 mestiços. Pélissier
(1978: 53).
1323
Muito embora na categoria negro esteja subjacente uma distinção entre pretos e mestiços, premonitória do modo
como o campo político se irá apropriar destas duas últimas.
1324
”Toutefois, on doit noter que le numéro deux du régime, jusqu'à la chute du mur de Berlin, fut Lúcio Lara, un
blanc, et que Paulo Jorge, un autre blanc, est resté dix ans à la tête du Ministère des Affaires Etrangères. Africano
(1995: 20). Tali I (2001 : 68 ) considera Lúcio Lara “mestiço”. Para Anstee (242-243). Paulo Jorge era “um
mestiço”.
1322
322
no respeitante à categoria branco e com ressalva, podemos aceitar esta incompatibilidade, no
respeitante à categoria mestiço é preciso ter em conta que as sociedades africanas são linhageiras
como tal é a linhagem que define os critérios de filiação a um determinado grupo etnolinguístico, e
não a cor. Sendo assim, a categoria mestiço pode ser compatível com a categoria etnia1325.
•
A categoria negro.
A categoria negro será porventura o exemplo somático mais visível, do arbitrário
classificatório, pelas consequências que daí advieram (violência simbólica e efectiva). Contudo,
não se consegue subtrair a lógica subjectivante do arbitrário classificatório.
Um primeiro exemplo e que em certa medida está na senda do boletim anteriormente
citado na nota anterior. No Anuário Estatístico de 19591326 a população civilizada é caracterizada
segundo o tipo somático, sexo, idade, estado civil, instrução, nacionalidade e religião. Ou seja,
quem tinha adquirido o estatuto de civilizado deixava de fazer parte de um grupo
etnolinguístico1327. Outro exemplo: também é sabido que nos cruzamentos biológicos muitos
classificados de mestiços estavam condenados a “atrasar raça” e como tal, podiam ser
estatisticamente classificados de negros; mas esse processo de escurecimento não implicava
obrigatoriamente uma filiação linhageira. O que significa que o ser negro não determinava
obrigatoriamente, fazer parte de um grupo etnolinguístico, a saber, ser considerado
“genuinamente africano” como veremos mais adiante1328.
Por fim, um último exemplo de subjectividade de pratica classificatória, e, que engloba
o conjunto das três categorias arbitrariamente construídas. Referimo-nos à Lei do Bilhete de
Identidade, precisando melhor, aos efeitos que esta lei teve nos critérios de definição de quem é
negro, misto ou branco.
1325
A ressalva da categoria branco não é devida à cor é apenas devido ao critério do jus sanguinis e unilinear.
Aquando da nossa estadia numa província de Angola, no quadro de um seminário sobre autoridades tradicionais,
pudemos constatar que uma das autoridades tradicionais apresentava uma característica peculiar. Tinha olhos azuis.
Um outro exemplo: no Anuário Estatístico de 1958 (1959:21) encontramos um quadro estatístico intitulado:
“População não civilizada, preta e mestiça, segundo o sexo, por idade, religião e grupos étnicos”. O que significa
que os classificados de mestiços, quando considerados indígenas tinham uma filiação étnica.
1326
Anuário estatístico Ano XXV 1959 (1960:20).
1327
O que, em princípio, pode significar duas coisas. Primeiro, um assimilado deixava de fazer parte de um grupo
etnolinguístico e segundo um indígena estava obrigatoriamente remetido para um quadro etnolinguístico.
1328
Daí que Paulo de Carvalho, um sociólogo angolano, considere o seguinte: “Por outro lado, penso que o
problema do racismo entre nós é mais uma maquinação de algumas pessoas (fundamentalmente com familiares mais
claros, por absurdo que possa parecer), que procuram com isso tirar dividendos no acesso ao poder e ao emprego”.
Entrevista de Paulo de Carvalho ao Semanário Angolense de 27 a 5 de Outubro (2003: 16-17).
323
Como vimos no último capítulo, práticas classificatórias exercidas pelos funcionários do
Ministério da Justiça foram consideradas como uma “bizarrice”. Uma das consequências desta
“bizarrice” é o facto de, por exemplo, ser um cafuzo social, ser juridicamente negro e,
porventura, ser até considerado um mestiço político. O que significa que quando o campo
político devolve estas classificações ao mundo social, devolve-as a um espaço social complexo,
dinâmico, com múltiplas percepções relativamente não só ao conjunto destas três categorias mas
relativamente a cada uma delas. Não foi portanto de estranhar, perante tal fracasso de atribuição
identitária, a posterior abolição da categoria raça como elemento de identificação do titular1329. O
que pode também significar que uma súbita memória da génese da noção de raça no período de
dominação colonial terá, provavelmente, contribuído para a abolição do elemento raça como
categoria político-jurídica. Pelos vistos, a inclusão da categoria raça no BI, não conseguira
dissimular o carácter simultaneamente arbitrário e regulador da ordem das classificações raciais.
Esta tentativa de exercício classificatório, no respeitante à constituição de grupos, era tão
subjectiva e arbitrária que a escolha dos critérios definidores de quem é misto, branco ou negro,
deixara de ser portanto uma “ilusão bem fundamentada”1330. Assim, quando se parte do
pressuposto de que Angola é um país multirracial convém não esquecer que a subjectividade e o
arbitrário não remete apenas para a dificuldade em classificar os negros, brancos e mestiços. Mas
está, acima de tudo, na dificuldade em classificar grupos sociais recorrendo a estas categorias e
que convém recordar são produto de um outro arbitrário classificatório e subjectivo que se chama
raça.
Porém, o campo político é um universo que não se coíbe de produzir novos arbitrários
classificatórios, quer se trate de definir grupos para incluir, quer se trate de definir grupos para
excluir. Angola é um espaço social que possibilita a construção de configurações identitárias que
não assentam, apenas, em classificações ligadas à propriedades rácicas/características somáticas.
Assim, categorias, como região, etnia1331 ou até crioulo que já tinham emergido na década de
noventa1332 têm estado a afirmar-se cada vez mais no léxico classificatório, demonstrando deste
1329
Tal como consta no Diário da República de Angola de 30 de Junho de 2009, I Série – Nº. 120, Lei nº. 4/09 de 30
de Junho e promulgada pela Assembleia Nacional no dia 16 de Junho de 2009.
1330
Bourdieu (1989: 121).
1331
Dois dos nossos entrevistados consideraram que as identidades mais fortes em Angola Angola são as identidades
regionais. Entrevistas com Filomeno Vieira Lopes e Manuel Lima.
1332
É interessante a velocidade com que o termo crioulo (ora confundido com caluanda, ora com mulato ora com
assimilado de outras eras) saltou do mundo dos linguistas para a discussão política e os comentários jornalísticos. Deixo
324
modo que a ausência de classificações raciais não significa o fim do trabalho arbitrário – com a
sua devida carga subjectiva1333 – como parte integrante do trabalho de classificação política1334.
Quer isto dizer que quando se atribui, por exemplo, uma identidade racial a um conjunto de
indivíduos convém nunca esquecer o carácter subjectivo e arbitrário de uma longa história de
trabalho classificatório.
Foi portanto com a intenção de evitar que o nosso trabalho fosse condicionado pelo
subjectivo e arbitrário classificatório que optámos pela proposição do conceito de ideologia
identitária, em detrimento do conceito de identidade tout court. Restringirmo-nos apenas ao
conceito de identidade seria, em certa medida, deixar que uma longa história de arbitrário
classificatório se sobrepusesse a este exercício de livre arbítrio: o pensamento analítico e
reflexivo.
a outros a tarefa de esclarecer os significados (no tempo e no espaço) de tal palavra, hoje usada indiscriminadamente”.
Artigo terminado em 16/04/93. Maria da Conceição Neto em Correio da Semana gentilmente cedido pela autora.
1333
Assim e a título de exemplo os critérios de filiação étnico-regiona,l dos membros do governo angolano,
propostos por um Jornal denotam mais uma vez a conjugação do subjectivo e do arbitrário quando se trata de definir
quem é crioulo, kimbundo, bakongo ou umbundo. Ver Semanário Angolense de 27 de Fevereiro (2010:8-11).
1334
Numa entrevista concedida ao Jornal Folha 8 o secretário-geral da UNITA Kamalata Numa da UNITA
apresenta a seguinte divisão do mundo social angolano “Angola está constituída por várias nações. Angola não tem
uma única nação, inclusivamente há uma nação que, à passagem por aqui do colonialismo português, essa nação se
reafirmou, (…). Falo da Nação Crioula”. As várias nações entendidas como: “E quando falo dos umbundos, estou a
falar de outras nações, por exemplo, os kwanhamas, tchkwés, os cabindas”. http://www.angola24horas.com (2010).
325
Fontes e Bibliografia
326
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