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Práticas de intermidialidade

Letras de Hoje

Editorial para o dossiê "Qual é a amplitude da literatura quando a palavra literária se espalha pelas artes?".

OPEN ACCESS LETRAS DE HOJE Studies and debates in linguistics, literature and Portuguese language Letras de hoje Porto Alegre, v. 55, n. 1, p. 1-3, jan.-mar. 2020 e-ISSN: 1984-7726 | ISSN-L: 0101-3335 http://dx.doi.org/10.15448/1984-7726.2020.1.36663 EDITORIAL Práticas de intermidialidade Intermediate practices Practicas intermédias Prof. Dr. Antonio Hohlfeldt1 orcid.org/0000-0001-5284-8730 [email protected] A intermidialidade, como prática, é tão antiga quanto as artes e até mesmo quanto a cultura, se pensamos as primeiras formas de comunicação humana e sua transformação na midiação entre o pensamento e a expressão. Pode-se dizer que a ela está na criação de Profa. Dra. Ana Claudia Munari2 orcid.org/0000-0002-6629-588X [email protected] Prof. Dr. Moisés de Lemos Martins3 orcid.org/0000-0003-3072-2904 [email protected] todo novo modo de se comunicar. Já os primeiros estudos em Intermidialidade e a construção de uma linguagem própria para pensar e discutir essas práticas entre mídias remontam aos anos 60 do século XX, sobretudo a partir dos anos 80 desse mesmo século, no início da era que Lúcia Santaella convencionou chamar de cultura das mídias. É justamente quando as mídias se multiplicam, se definem, caem nas mãos de diferentes usuários, ganham novas e diferentes áreas de pesquisa, que os estudos sobre os modos como elas se imiscuem iniciam. Entre as formas de intermidialidade, a prática trasmidiática é também Prof. Dr. Jorgen Bruhn4 orcid.org/0000-0003-2685-9510 [email protected] um procedimento muito antigo, embora se tenha tornado mais comum com o cinema. Ela é a ação de transferir um valor cognitivo, nos termos de Lars Elleström, de uma mídia a outra, o que até pouco tempo somente conhecíamos através do termo adaptação. Um conteúdo já Recebido em: 16 dez. 2019. Aprovado em: 16 dez. 2019. Publicado em: 14 abr. 2020. midiado é midiado novamente para outra mídia e, para tanto, ocorrem transformações. Nos processos de adaptação, cobrava-se uma certa subserviência à chamada obra segunda, porque, de algum modo, pressupunha-se uma certa hierarquia em relação à obra primeira, muitas vezes também denominada de obra original. Muitos teóricos da Literatura discutiram estas práticas, sob os mais diferentes aspectos. Lembremos, por exemplo, Mikhail Bakhtin que, logo no início do século XX, entendia que não existe um texto isolado, eis que todos os textos resultam de uma espécie de diálogo entre eles (e daí o termo dialogia, por ele cunhado). Gérard Genette, ao discutir a transtextualidade da literatura, na esteira de Bakhtin, refere-se a esse processo como Artigo está licenciado sob forma de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional. 1 2 3 4 hipertextualidade, quando um hipotexto dá origem a um hipertexto, este, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, Brasil Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Santa Cruz do Sul, RS, Brasil Universidade do Minho (UMinho), Braga, Portugal. Universidade de Linnaeus (LNU), Växjö, Suécia. 2 Letras de hoje Porto Alegre, v. 55, n. 1, p. 1-3, jan.-mar. 2020 | e-36663 uma obra segunda. A paródia, para Genette, é Camati apresenta uma bela provocação em assim um hipertexto, próximo ao que entende, “Sonho de uma noite de verão: reflexões sobre a por exemplo, Linda Hutcheon, quando discute ópera de câmara de Benjamin Britten”, viajando no as teorias da adaptação, sobretudo aquelas que tempo e, também, pelas apenas aparentemente envolvem a transferência de valores cognitivos distantes linguagens do teatro e da música. da narrativa. Mas é a televisão e, mais recentemente, os Na prática mais antiga das artes audiovisuais, serviços de streaming que ganham a maior atenção o Cinema – logo alcunhado como sétima arte, dos pesquisadores. Desde o artigo de Alexandre designação que não deixava de reconhecer de Assis Monteiro e Luiz Antonio Mousinho – “O aquela hierarquia antes mencionada – ao modo como expressão do ponto de vista em Dom concretizar sua primeira obra de ficção, o fez Casmurro, o romance, e Capitu, a microssérie” sob a inspiração da literatura, quando Georges – em que títulos de obras e seus personagens Méliés levou para a tela a narrativa de “Viagem verbalizados, cujos pontos de vista parecem ser à lua”, romance de aventuras de Jules Verne. privilegiados, ganham nossa atenção, atualizando O que este dossiê propõe é, justamente, uma um debate permanente a partir de um de nossos reflexão que, partindo da Literatura, pretende textos mais clássicos; passando por outra figura pensar as múltiplas, divergentes ou convergentes introjetada em nosso imaginário, graças ao artigo possibilidades da intermidialidade, seja aquelas de Camila Augusta Pires de Figueiredo – “In the que envolvem ajustes entre mídias para pensar post-TV era: transmedia and fandom in Shelock, o híbrido, seja aquelas que tratem de referências by Moffat and Gatiss” – que também atualiza a entre mídias, ou até mesmo as transferências, caso figura do célebre Sherlock Holmes. da transposição transmidiática ou transmidiação. Brunilda Tempel Reichmann e Anuschka R. Os artigos navegam entre produções da própria Lemos preferem utilizar o termo adaptação, em Literatura, do Cinema, do Teatro, da Arquitetura e seu texto, “Adaptação em três atos: Shakespeare, da Música, abrindo um largo leque de reflexões Dobbs e BBC”, e podem ser cotejadas com a extremamente provocativas e produtivas e análise de Rogério Caetano de Almeida e que, sobretudo, como propõem os estudos em Matheus Gustavo Cavalheiro, em “O insólito em Intermidialidade, as fronteiras entre essas mídias. Stardust: análise intermidiática”, culminando com Para guiar o leitor através dessas múltiplas “Arquitetura in absentia no conto “Catedral”, de propostas, o dossiê se inicia com os textos Raymond Carver”, que Miriam Vieira propõe, de Moisés de Lemos Martins – “Tecnologia e “Transmidiações do poema ‘O grande circo e literatura – as narrativas transmediáticas” – místico’”, que Antonio Hohlfeldt apresenta, e de Ana Cláudia Munari – “Intermidialidade encerrando este dossiê. na literatura brasileira contemporânea” – que O leitor terá, por certo, múltiplos motivos para servem, ambos, como referenciais teóricos seguir os textos aqui reunidos, com muito interesse primordiais e, por isso mesmo, colocam-se e motivações, graças às suas complexidades e como dois excelentes textos editoriais para este às inovadoras análises propostas. conjunto. Logo depois, seguimos para a sempre fascinante, mas desafiadora, prática poética, com o artigo de Teresa Jorge Ferreira “A lente incerta da poesia: Herbert Helder e Fernando Lemos”; a literatura ainda é discutida por Alex Martoni, em “Texto, imagem e visualidade na literatura contemporânea brasileira”, o que abre uma série de caminhos que começam a mostrar as possibilidades da intermidialidade: Anna Stegh REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ELLESTRÖM, Lars. Midialidade. Ensaios sobre comunicação, semiótica e intermidialidade. Porto Alegre: EDIPUCRS. 2017. GENETTE, Gérard. Palimpsestos. A literatura de segunda mão. Belo Horizonte: Viva Voz. 2010. Prof. Dr. Antonio Hohlfeldt • Profa. Dra. Ana Claudia Munari • Prof. Dr. Moisés de Lemos Martins • Prof. Dr. Jorgen Bruhn Práticas de intermidialidade HUTCHEON. Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio de Janeiro: Imago. 1991. LOPEZ, Manuel Villegas. Cine francês. Buenos Aires: Nova. 1947. MÉLIES, Georges. Le voyage dans la lune. Paris: Star Film. 1902. SANTAELLA, Lúcia. Cultura das mídias. São Paulo: Experimento. 1992. Endereço para correspondência: Prof. Dr. Antonio Hohlfeldt Av. Ipiranga, 6681 - Partenon, Porto Alegre - RS, 90619-900 Profa. Dra. Ana Claudia Munari Av. Independência, 2293 - Universitário, Santa Cruz do Sul - RS, 96815-900 Prof. Dr. Moisés de Lemos Martins R. da Universidade, 4710-057 Braga, Portugal Prof. Dr. Jorgen Bruhn P G Vejdes väg, 351 95 Växjö, Suécia 3