O diálogo
das
estrelas:
SILVIO NUNES PINTO
Sainy C. B. Veloso
Brasil. Professora da Faculdade de Artes Visuais
da Universidade Federal de Goiás, Goiânia.
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Resumo
O artigo sintetiza um olhar/pensamento sobre a obra artística de Silvio Nunes Pinto,
trabalhador rural que, no exercício de suas atividades cotidianas e para atender às
demandas de suas realidades concreta e psíquica, produziu objetos ricos em detalhes
e acabamentos, apesar de não se restringir somente às funções a elas destinadas. Sua
obra é regida pela demanda imaginária e criativa que fabrica e dá forma à matéria
indistinta da doméstica e distinta do sistema de arte. Para pensar sua poética do
silêncio, recorri ao poema “Um lance de dados jamais abolirá o acaso” de Mallarmé
(2014) de maneira associativa, e interdisciplinaridade de autores como Jacques
Lacan (1982, 1985, 1992); Gilbert Durand (1989); Homi Bhabha (2007), entre
outros.
Palavras-chave
interdisciplinar, poética, obra artística.
[...] Uma constelação
fria de olvido e dessuetude
não tanto
que não enumere
sobre alguma superfície vacante e superior
o choque sucessivo
sideralmente
de um cálculo total em formação
vigiando
duvidando
rolando
brilhando e meditando
antes de se deter
em algum ponto que o sagre
Todo pensamento emite um Lance de Dados
(MALLARMÉ, [1897]2014, p. 387)
Prelúdio
Em “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”, poema publicado pela primeira vez
na revista Cosmópolis no ano de 1897, Stéphane Mallarmé invoca um indivíduo em
uma embarcação à deriva em mar revolto condenado ao naufrágio, hesitante em
lançar seus dados sob um céu estrelado. Aparentemente absurdo, esse seu poema
tipográfico foi alçado à condição de enigma. Há décadas o poema vem sendo motivo
de deslumbramento formalista e enigmático. Sobre ele se debruçaram autores como
Jacques Rancière, Alan Badiou, Jean-Paul Sartre, Roland Barthes, Paul Valéry, entre
outros, na tentativa de decifrá-lo.
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Portanto, não me atreverei assim fazê-lo. Recorro ao poema para escutar seu eco na
contemporaneidade e dele retirar uma imagem mental do nonsense e redizer da
poética do silêncio de um artista chamado Silvio Nunes Pinto.
O mar revolto, náufrago, sob o céu estrelado.
À existência de Silvio Nunes Pinto foi destinada uma vida dura, tempestiva, à deriva
das necessidades de sua sobrevivência. Negro, pele áspera, mãos e pés na terra,
trabalhador rural. De sol a sol cuidava de um pedaço de terra, no lugar onde viveu
toda sua vida comezinha, no município de Viamão, próximo de Porto Alegre, RS.
Nessa terra, construiu uma minúscula casa de madeira, com aproximadamente 10
m2, perto da casa de sua família, e ali viveu por 65 anos. Homem de gostos simples,
com pouca instrução, não teve a oportunidade de concluir uma educação formal e
nem o acesso à literatura, ao teatro, à dança, às exposições, museus, galerias.
Silvio nasceu em 1940 em Viamão, e ali morreu em 2005. Pertencente a uma família
numerosa, além de trabalhar no campo, quando mais jovem foi jogador amador em
dois clubes de futebol local. Sua existência se entrecruza com a da artista Vera
Barcellos e seu marido, o escultor chileno Patrício Farias, quando ambos passaram a
morar na chácara do casal em Viamão e nela construíram seu ateliê. Ali, já se
encontravam a propriedade de Sílvio e a de sua família (Barcellos, 2016).
Imagino que, um dia, Silvio olhou para as estrelas, sempre no mesmo lugar, no
mesmo meridiano – sempre as mesmas –, e começou a jogar seus dados. As estrelas
lhe traçavam as constelações, e os dados, seu destino. Por certo que os astros
luminosos, desconhecidos uns dos outros, não se configuraram por si sós. Se o real é,
como afirma Jacques Lacan (1985, p. 49), “o que retorna sempre ao mesmo lugar”,
como as estrelas, então só o apreendemos por meio do imaginário o que é inscrito
pelo simbólico. As constelações evidenciam o modo como ambos – o real e o
imaginário – se efetivam, subjetivando o real.
Fato é que Silvio, em um determinado momento de sua vida, certamente tempestivo,
pois ele próprio é náufrago de um barco à deriva, começou a lançar seus dados e
produzir objetos artísticos. Para além da vida, a pulsão de morte lhe apontava,
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paradoxalmente, seu sintoma: ser artista. Essa alegoria – de náufrago de um barco à
deriva – evoca a angústia, o nada e a incerteza do processo criativo. Mallarmé (2014),
no prefácio de seu poema, explica: “Pegue um Mestre, coloque-o em um navio que
está naufragando e imagine o lance de dados. Ele está nas mãos do destino. É o
último desafio que lança ao céu. Mas será ele mais forte do que o acaso?”.
Fazer arte é isso. É o último desafio aos céus e aos mares, pois o sentido do objeto
artístico exige ser “mais forte” que um dilúvio na linguagem instituída. Trata-se da
ruptura de todos os sentidos configurados e da realização, no caos, do mergulho
profundo no mar criativo. Nesse momento o simbólico dá lugar ao nada, ao sem
sentido, mas sempre à espreita está o real: a morte.
O lance dos dados
lance dos dados
Fig. 1 – Sílvio Nunes Pinto (1940-2005). S/T. Objeto em madeira. Fundação Vera
Barcellos. Porto alegre (RS)
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Vemos na figura 1 um dos objetos de Silvio. Uma roda que se movimenta com o tocar
dos dedos, uma suposta família de símios – pai, mãe e filho, representados em
madeira esculpida. Eles se encontram em seus devidos lugares, presos a uma haste
na vertical, assentada na parte inferir de uma base, em madeira, circular. Na ponta
superior da haste, uma figura não identificada (figuras 2 e 3). Uma cabeça de
carneiro, que se assemelha a uma caveira? Na base, treze números arábicos se
destacam também em madeira de cor mais clara. Sobre ela e preso na parte inferior
da haste, mas sem tocar os números, um passarinho parece ser o responsável pelo
giro da roda. O que simbolizam? Estariam expressando o entendimento de Silvio de
que, mesmos presos às normas, valores e padrões culturais, o animal que reside em
nós anseia pela liberdade, sabedoria, leveza, uma maneira de vencer nossa miséria
humana?
Um porto que o sagre
Do dito, o que podemos afirmar que é a força do imaginário e do simbólico em Silvio,
inscrita na linguagem artística, que dá sentido ao mundo. Por meio dela, ele busca
respostas para a angústia existencial no processo de vida, na tensão entre a
constituição do sujeito e sua apreensão do mundo, diante da experiência da
passagem do tempo, do destino inevitável da vida: a morte.
Fig. 2 – Sílvio Nunes Pinto (1940-2005). S/T. Detalhe. Objeto em madeira.
Fundação Vera Barcellos. Porto alegre (RS)
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Os objetos de Silvio resultam de um “trajeto antropológico” (Durand, 1989), em cujo
percurso há uma troca incessante entre as pulsões subjetivas e as intimações
objetivas (os fatos que nos demandam na realidade concreta). O trajeto é moldado
por um movimento dinâmico e organizador, com expressões de interações múltiplas,
além de ser representado por um objeto que se deixa moldar com a reversibilidade
dos imperativos pulsionais do sujeito.
A teoria do imaginário de Durand (1989) baseia-se na convergência de símbolos que
se (re)agrupam ao redor de núcleos organizadores – as constelações. Estas,
estruturadas por isomorfismos, constituem uma polarização das imagens, sugerindo
uma estreita relação entre os gestos do corpo e as representações simbólicas. Os
símbolos constelam porque são desenvolvidos de um mesmo tema arquetípico. São,
portanto, variações de uma imagem primeira. Assim é que a obra de Silvio se agrupa
em uma produção de objetos militares, peças utilitárias de mobiliário como cadeiras
esculpidas, mesas, estantes, armários, luminárias; objetos de uso pessoal como
abotoaduras, pingentes de madeira; figuras do mundo rural: esculturas de animais,
pássaros e mamíferos, e também pequenas esculturas de figuras humanas;
equipamentos e instrumen tos utilizados em seu ofício de trabalhador rural.
Não podemos cronologicamente precisar uma data para o início da materialização de
seu imaginário em objetos criados pelo artista, pois não há registros deles. Barcellos
(2016) conta que Silvio começou sua obra artística na década de 1960, mas não se
sabe o que a determinou. Neles deixa transparecer, nos detalhes, em seus
acabamentos e criatividade, uma subjetividade muito singular de ser, pensar e
simbolizar seu cotidiano, tal como podemos perceber na figura 1.
O silêncio de Silvio, metaforizado em seus objetos, buscou por uma “coerência
significante” (Lacan, [1960-1961]1982, p. 310) entre si mesmo e o absurdo do
mundo? Primeira tentativa de linguagem, a constelação significante surge como
associações, inscreve a falta. É o nascimento do sujeito para a linguagem, “o momento
em que o desejo se humaniza [...]”. Lacan ([1960-1961] 1982, p. 143-144) prossegue:
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Os símbolos envolvem, com efeito, a vida do homem, com uma rede
tão total que conjugam antes que ele venha ao mundo aqueles que
vão engendrá-lo “pelo osso e pela carne”, que trazem em seu
nascimento com o dom dos astros, senão com os dons das fadas, o
desenho de seu destino, que dão as palavras que o farão fiel ou
renegado, a lei dos atos que o seguirão mesmo até onde ele não está
ainda e para além de sua morte mesma, e que por eles seu fim
encontra seu sentido no julgamento final onde o verbo absorve seu
ser ou o condena – salvo ao atingir a realização subjetiva do serpara-a-morte.
De tal modo, Silvio viveu a partir de sua produção artística, iniciada na década de
1960, até morrer. Como artista pôs linguagem em seu silêncio e sem interlocutores
produziu objetos pequenos, grandes, úteis, sem utilidade, e até mesmo com utilidade,
mas sem uso, como um par de abotoaduras em madeira. Para tanto, usava o que
tinha em mãos: arame, barras de metal, restos de madeira, canivete, serras e
ferramentas por ele improvisadas. Jamais mostrou a alguém o que fazia e guardou
tudo em sua pequena casa de 10 m2.
No silêncio de seu processo constelar, ele abarcou o inconsciente como memória do
gozo, e se inscreveu de maneira similar ao nó borromeano de Lacan, articulando o
real, o imaginário e o simbólico em uma cadeia significante. A arte tem dessas coisas:
ao tentar encobrir o desejo, mostra a demanda do inconsciente desnudado dos
papéis sociais.
Após a morte de Silvio, Vera Barcellos tomou contato com a “diversidade” e “riqueza
de imaginário” de sua obra (Barcellos, 2016) ao entrar em sua casa de madeira.
Encontrou objetos diversos, auxiliares ou inúteis às atividades de jardineiro,
organizacionais de fatos da vida cotidiana de Silvio, que ultrapassam suas
funcionalidades para fazer suturas parciais em sua relação eu-mundo. Assim,
compreendo sua obra como produtos originários de fatos – reais e psíquicos – que
lhe demandaram representações visuais, relacionados às suas questões existenciais.
Fatos episódicos, vividos por ele imaginariamente, transformados em objetos artísticos
como uma série de veículos militares: Tanque de guerra (07/10/1990); Helicóptero
(29/07/1992); Avião de guerra (06/03/1991); Jipe de guerra (02/08/1992); Militar
(05/1992); Barco de guerra (13/03/1991). Atualmente, a obra de Silvio encontra-se
incorporada ao acervo da Fundação Vera Barcellos, em Viamão.
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“Todo pensamento é um lance dos dados”.
Não percebo as obras do artista em categorias diferentes, com propostas intencionais
distintas: objetos utilitários e não utilitários, arte, e/ou design. Silvio produziu arte
com liberdade criativa e deu vazão à sua potência sem que seu pensamento seja
dissociado da vida cotidiana e categorias propostas pelo campo da arte. O que ele
consome – os fatos cotidianos – consome-lhe em representações criativas. Ligado à
terra, em sua exterioridade, e ao infinito de seu interior, Silvio se submeteu às
instâncias do inconsciente para, marcadamente, evidenciar o ato fundador da ordem
simbólica: a morte do Pai, ou como preferiu Sigmund Freud, “a aparição do
significante do Pai, enquanto autor da Lei, à morte, até mesmo ao assassinato do Pai"
(Lacan, 1998, p. 556). A morte do pai e seu reaparecimento subsequente como totem
apontam para o paradigma da morte da coisa que dá ensejo ao significante1.
A morte do pai pode ser entendida como aspecto primordial do significante: "O
verdadeiro pai, o pai simbólico, é o pai morto", anuncia Lacan (1998, p. 469), para
dizer como ele permanece vivo como lei. Enquanto significante ele é designado por
Jacques Lacan (1998, p. 812) como nome-do-pai. O pai não é aqui o pai em realidade,
mas equivalente à realidade psíquica. Lacan faz uma alusão a sua função, a função
paterna. Este é, pois, o marco simbólico do primeiro desenho ordenador das estrelas
em constelações. Na terra, é significante primevo da autoridade como ordenadora da
lei, do cultural.
De tal modo, o artista é lei. Autoridade criadora. O que pode ele, diante do real, senão
reinventar a vida sob a forma de obra de arte? O artista é deus criador, é – por sua
obra – recriado em toda sua humanidade. Talvez seja este o destino da arte: realizarse em um corpo que age, pensa e sofre o seu próprio pathos, o trágico de seu drama
solitário em um mundo absurdo. Negação. Aceitação. Em sua análise sobre o enigma
do absurdo percebido no poema de Mallarmé, Octávio Paz (1972, p. 187) afirma: “A
negação da negação anula o absurdo e dissolve o acaso. O poema, o ato de lançar os
dados ou pronunciar o número que suprimirá o acaso […] é absurdo e não é”. A
negação é, simultaneamente, aceitação, pois somente negamos o que reconhecemos.
1
O significante aponta ou designa algo, ao passo que o significado é aquilo que é designado.
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Evidentemente que os objetos de Silvio não foram assentados, conscientemente, em
bases mítica e poética como instâncias de contato com a totalidade. Eles não unificam
os seres humanos em torno de si para reforçar o reconhecimento da própria
humanidade perante um deus eterno, transcendental, e uma verdade absoluta. O
artista apresenta fragmentos, cacos de seu mundo reordenados desde a concepção
ou planejamento de seus objetos, na diversidade de seus temas, no uso dos pedaços
de madeira que encontrou, até na ausência de sentido universal.
Sem o olhar/reconhecimento de Vera, sua obra não mais existiria. A “partilha do
sensível” – estética, política, e comunicacional – foi fundamental para que se
efetivasse a transformação dos "objetos banais" em obras de arte. A linguagem da
arte é complexa e “é ferramenta epistemológica: determina o fazer, a apresentação e
a recepção da arte”, aponta Angélica Melendi (1999, p. 43). Ainda que Silvio tenha se
balizado em experiências da realidade concreta, o peso maior recaiu na função
simbólica de sua realidade psíquica. Suas obras são contraditórias e dialéticas, pois
herméticas e abertas a novos sentidos. Ao rés do chão e com o olhar/pensamento nas
estrelas, a arte de Silvio conquista sua autonomia; não serve nada além da demanda
de seu desejo, ao Outro, na criação de sua “constelação de insígnias”.
Em 1958, Lacan referia-se à "constelação de insígnias” (Lacan, 1998, p. 686) como
outra configuração, mencionando-as como traços da resposta ao Outro,2 que
transformam o grito primordial em apelo. Se em um primeiro momento Silvio libera
o grito contido em seu silêncio, percebo posteriormente, em seus objetos artísticos,
marcas distintivas, situadas no campo simbólico que, na fantasia, correspondem à
resposta ao apelo ao desejo: que queres tu? O ideal do eu corresponde a questões
fantasiosas, formuladas ao Outro, para a busca de respostas ideais que o sujeito
elabora para si: casar, ter filhos, ser artista, advogado, ser inteligente, educado, entre
outros. São traços significantes vindos do Outro materno ou paterno que o sujeito vai
apreender como veiculando ao desejo do Outro, constituindo assim seus ideais. O
2
O “Outro” para Lacan corresponde à relação do ser humano com tudo aquilo que determina boa parte do
seu modo de ser. No entanto, nada mais é do que o efeito da incidência da linguagem sobre o corpo. É
lugar da palavra que nos determina dos “outros”, com o minúsculo, que são as pessoas com as quais nos
relacionamos, nos identificamos e às vezes nos confundimos.
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desejo, então, está vinculado à identificação simbólica constituída pelo ideal do eu,
que na verdade é o ideal do outro.
No entanto, a “constelação de insígnias” difere da “constelação significante”, porque
esta última refere-se a um agrupamento dos traços em cadeia significante, na qual
prevalece a ordem linear da representação. Na primeira, há um excesso que vai além
da representação, e sua configuração evoca a dimensão de algo oculto, situação na
qual seria legível como memória de gozo. Lacan ressalta a importante ideia freudiana
de um “mais além do princípio do prazer”, ou seja, em que há a presença viva da
pulsão de morte, que ele articula com o gozo, com o real. Na mesma moeda, pulsão de
vida e de morte.
As insígnias podem funcionar como significantes civilizadores. Podem representar o
sujeito, podem fazer com que seja reconhecido pelo Outro. Mas podem também se
soltar do sistema significante, e existirem absolutamente sós em seu conjunto. Os
significantes desconectados e, portanto, fora do sistema simbólico como
representação e comunicação sobrevivem, tais como algumas obras de Silvio, como
“isso fala, o isso”. Isso goza e nada sabe (Lacan, [1972-1973]1982, p.142). É signo.
Portanto, a insígnia é signo, signo de gozo.
Aquém do sistema de arte (Cauquelin, 2005), da história da arte, Silvio fabrica sua
história, seus objetos signos e procedimentos. Sua autonomia e transgressão residem
em sua ruptura com a distribuição dos lugares e enunciações instituídas, em
redesenhar o espaço e o tempo das coisas comuns para servir às potências da vida e
da morte, do imaginário e necessidades humanas. Não obstante o artista não
estivesse preocupado em fazê-las.
O fazer secreto, silencioso e artístico de Silvio, demarcado pela sua invisibilidade,
criou uma crise em sua representação: estar no mundo dos objetos concretos, mas
senti-los de maneira diferente e recriá-los sem qualquer outra referência. Assim, a
esfera de representação prescinde do mundo físico para dele extrair outro mundo e
criar objetos para o mesmo, de maneira ideal e simbólica. Assim, instaura a
possibilidade de subversão política. A invisibilidade apaga os referenciais de um “eu”
mediado pelo Outro, em termos do qual funcionam os conceitos tradicionais de
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agência política e domínio narrativo. Assim, a obra de Silvio abre seu próprio espaço,
atravessando as fronteiras dos imperativos hegemônicos.
A subversão poética silenciosa do artista está relacionada com o deslizamento do
sentido dos signos, pois estes possuem possibilidades inesgotáveis de significação e
só podem ganhar um sentido particular – provisório e incompleto – em um contexto
significativo determinado como o de Silvio. Sua ação criativa redefiniu os signos, a
partir de seu lugar enunciatório deslocado dos sistemas de representação fechados.
Trata-se, portanto, de um lugar fronteiriço, de alguma maneira fora dos sistemas de
significações totalizantes (Bhabha, 2007). Lugar capaz de estar entre o céu e o mar e,
por isso, capaz de introduzir inquietação e revelar o caráter fragmentário e
ambivalente de qualquer lance de dados e sistemas de representações. Não obstante
ser uma ação do sujeito, ela está fora de seu controle.
Somente assim, os astros podem brilhar no mar e acalmarem os deuses da tormenta,
nos céus.
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Referências
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Ofício e Engenho. 2016. Disponível em: <http://fvcb.com.br/?page_id=346>.
Acesso em: 9 abr. 2017.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.
CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins
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LACAN, Jacques. O Seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da
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MELENDI, Maria Angélica. "A linguagem não é transparente". In: ______. A imagem
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