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Editorial 27

2015, Via Atlântica

A sobrevivência e a resistência da vida cultural representam, nas palavras de Amílcar Cabral, a segurança e a garantia da possibilidade da perpetuação de um povo, de um país, diante do domínio estrangeiro. Esse universo cultural alimentado pela vigorosa contestação constitui uma nova realidade inabalável que convoca novas formas políticas, econômicas e sociais no confronto das lutas de libertação nacional dos países africanos subjugados pelo colonialismo Em 2015 vemos completados 40 anos das independências dos países africanos de língua portuguesa. E refletindo acerca dessa importante data, também para os estudiosos que se dedicam ao continente africano, a Via Atlântica, em seu número 27, organizada em parceria com a Université Paris-Sorbonne e a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), reúne as colaborações de especialistas de universidades nacionais e internacionais sobre as literaturas desses países, que atualmente enfrentam diferentes panoramas histórico-políticos. Do processo de formação da consciência nacional ao pós-independência, as literaturas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, vêm revelando complexos painéis, seja pela diversidade de memórias , pela dinâmica social ou ainda pela forma como lidam com tensões e cenários de crise político-econômica. Com o «DOSSIÊ Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e o Pós-Independência, da passagem do tempo e suas histórias: as literaturas africanas de língua portuguesa hoje», apresentam-se os modos de representação do tema das independências e do período posterior às independências no fazer literário, as suas questões e impasses, os diálogos com outras manifestações artísticas, além das imbricações entre Literatura, História e Memória. O artigo "Nação crioula, de José Eduardo Agualusa: romance epistolar e identidade comunitária", de Agnès Levécot, aborda os trânsitos atlânticos encontrados no romance angolano, a partir dos quais a história colonial de Portugal é revisitada problematizando as identidades e a construção identitária de uma

Editorial A sobrevivência e a resistência da vida cultural representam, nas palavras de Amílcar Cabral, a segurança e a garantia da possibilidade da perpetuação de um povo, de um país, diante do domínio estrangeiro. Esse universo cultural alimentado pela vigorosa contestação constitui uma nova realidade inabalável que convoca novas formas políticas, econômicas e sociais no confronto das lutas de libertação nacional dos países africanos subjugados pelo colonialismo Em 2015 vemos completados 40 anos das independências dos países africanos de língua portuguesa. E refletindo acerca dessa importante data, também para os estudiosos que se dedicam ao continente africano, a Via Atlântica, em seu número 27, organizada em parceria com a Université Paris-Sorbonne e a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), reúne as colaborações de especialistas de universidades nacionais e internacionais sobre as literaturas desses países, que atualmente enfrentam diferentes panoramas histórico-políticos. Do processo de formação da consciência nacional ao pós-independência, as literaturas de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, vêm revelando complexos painéis, seja pela diversidade de memórias , pela dinâmica social ou ainda pela forma como lidam com tensões e cenários de crise político-econômica. Com o «DOSSIÊ Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e o Pós-Independência, da passagem do tempo e suas histórias: as literaturas africanas de língua portuguesa hoje», apresentam-se os modos de representação do tema das independências e do período posterior às independências no fazer literário, as suas questões e impasses, os diálogos com outras manifestações artísticas, além das imbricações entre Literatura, História e Memória. O artigo “Nação crioula, de José Eduardo Agualusa: romance epistolar e identidade comunitária”, de Agnès Levécot, aborda os trânsitos atlânticos encontrados no romance angolano, a partir dos quais a história colonial de Portugal é revisitada problematizando as identidades e a construção identitária de uma 10 VIA ATLÂNTICA Nº 27 Jun/2015 nação. Para analisar os aspectos da carnavalização e do realismo grotesco, Benhur Bortolotto analisa a novela Quem me dera ser onda, do escritor angolano Manuel Rui no artigo “Revolução, camarada porco”, revelando o riso como um decodificador e elemento crítico da sociedade angolana após a independência do país. Carmen Lúcia Tindó Secco, no texto “A memória como ‘lugar de escrita’ em dois romances angolanos contemporâneos”, propõe ao leitor essa retomada da memória para abordar a recente produção romanesca angolana com Noites de vigília, de Boaventura Cardoso e Travessia por imagens, de Manuel Rui. Narrativas contemporâneas em que memória e ficção revisitam e reescrevem a história do país. Ainda nas discussões acerca de Angola, Claudia Fabiana de Oliveira Cardoso é a autora de “A poesia de Ruy de Carvalho para além das fronteiras”, em que propõe a leitura de Lavra, discutindo como o escritor faz da poesia espaço de trânsito para o reencontro do sujeito com a palavra primordial. A análise da identidade nacional sob o olhar de Doris Wieser, no seu artigo “Discriminação racial e (re)construção nacional em Moçambique: O alegre canto da perdiz, de Paulina Chiziane”, problematiza o racismo colonial e seus reflexos no período após a independência de Moçambique por meio da leitura do romance de Paulina Chiziane, para identificar os espaços mítico e histórico, bem como de um devir no processo da construção nacional. Elena Brugioni, por sua vez, apresenta-nos “Por detrás de tantos nomes, o mar. Moçambique e o Oceano Índico: discursos, imaginários e representações”, em que a autora discute e problematiza a imagem de Moçambique como “Pérola do Índico”, apontando algumas direções entre os discursos identitários e os imaginários culturais para (re)pensar a relação entre Moçambique e o Oceano Índico. Na perspectiva das interfaces entre as literaturas africanas e a literatura brasileira, Fabiana Carelli nos apresenta o texto “Casas com rio atrás: Jorge Amado em África” para analisar o papel do escritor brasileiro Jorge Amado como catalizador para os escritores africanos, além de refletir acerca das relações e reverberações nas opções estéticas e temáticas literárias, trazendo a lume o romance A vida verdadeira de Domingos Xavier, de Luandino Vieira, bem como a sua adaptação cinematográfica em Sambizanga, de Sarah Maldoror. Em “Uma alegoria literária do pós-independência”, de Fabiana Miraz de Freitas Grecco, temos a discussão sobre a situação da escrita literária no período após a independência de Cabo Verde, na comparação entre o conto “Réquiem” e a sua versão manuscrita, “Ale- goria”, de Orlanda Amarílis. A perspectiva pós-colonial, em que se problematizam as metáforas da nação e das identidades, bem como a representação destas últimas nas literaturas de Angola e de Moçambique, também está presente nas inquietações apresentadas por alguns autores. Nesse sentido, temos o artigo de José Pires Laranjeira e Júlia Parreira Zuza Andrade, “Entra a guerra, a natureza e a infância – um retrato das máscaras pós-coloniais na obra A guerra dos fazedores de chuva com os caçadores de nuvens: guerra para crianças, de Luandino Vieira”, que analisa os vestígios coloniais e pós-coloniais plasmados na metáfora entre a natureza e a nação utilizada pelo escritor angolano para descortinar a violência colonial e a luta de libertação nacional. A literatura como resistência e o papel dos escritores na intelligentsia de seus países são os temas trazidos e discutidos por Sueli da Silva Saraiva e Luana Antunes Costa. Respectivamente, com os artigos “Angola e Moçambique (40 anos): os intelectuais e a utopia no romance africano” e “Minúsculos sinais da esperança: intuições sobre o político na escrita de Mia Couto”, o leitor poderá aproximar-se mais criticamente das questões sobre a tensão presente nos cenários sociocultural e político contemporâneos dos países africanos de língua portuguesa, que permeiam a ficção e o discurso ensaístico em relação às distopias do presente. E ainda no campo da autoria literária feminina, temos o texto “Poemas de autoria feminina na antologia angolana Todos os sonhos”, em que Maria Nazareth Soares Fonseca analisa o novo fazer poético na poesia moderna angolana, a partir das expressões priorizadas na manifestação de novas tendências poéticas no pós-independência. Refletindo sobre a mediação possível entre culturas tradicionais rurais e culturas letradas urbanas, Naira Almeida Nascimento apresenta em perspectiva comparatista escritores consagrados de Moçambique e do Brasil. Em “Travessias: romance e experiência em Mia Couto e Guimarães Rosa”, a ensaísta aproxima as respectivas produções romanescas para destacar a figura do mediador como um alter ego narrativo. O sentido das tradições e seus confrontos, contribui ao corpo do presente dossiê o texto “A esperança como revide ou o maravilhoso mundo da literatura de Abdulai Sila”, de Sebastião Marques Cardoso. A partir da última obra publicada pelo escritor guineense, Dois tiros e uma gargalhada (2013), o crítico confronta dois sistemas culturais de representação: o africano e o ocidental, com a apreciação das redes e relações de alteridade presentes nas 12 VIA ATLÂNTICA Nº 27 Jun/2015 personagens. Confrontos na recriação da realidade angolana e suas incongruências compõem o tema do artigo da ensaísta Terezinha Taborda Moreira: “(Re)ler Luuanda em tempos clássicos”, que coloca ao leitor as questões da dicção dialética e polifônica do narrador no enredo irônico das estórias de Luandino Vieira, que completaram recentemente cinco décadas da sua primeira publicação. Na seção «DOSSIÊ DE ENTREVISTAS», as organizadoras desse número trazem dois estudiosos da história e do pensamento africano para discussão sobre a emancipação política das ex-colônias e seus efeitos sobre as ciências humanas nos últimos quarenta anos, que são a Profa. Dra. Leila Leite Hernandez, livre docente de História da África na Universidade de São Paulo, e o renomado historiador congolês, Elikia M’Bokolo, Directeur d’Études na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Em depoimentos testemunhais, apresentam-se os cineastas moçambicanos Camilo de Sousa e Isabel Noronha, que descrevem os conflitos cotidianos provocados pela violência colonial e a experiência de uma juventude artística em Moçambique, em plena construção do Estado moçambicano. Para a seção «OUTROS ENSAIOS», temos a colaboração de outros olhares que mantêm a mesma preocupação da literatura como resistência e elemento representativo da sobrevivência identitária, cultural e nacional. Ao aproximar a poética drummondiana de um olhar mais atento, Álvaro Cardoso Gomes, Maria Auxiliadora Baseio e Antônio Jackson de Souza Brandão, no texto “A poesia de Drummond: entre a magia e o desconcerto do mundo”, discutem a função da poesia, que é “objetiva” para mudar a atitude do leitor, no tocante à realidade, à matéria literária. Ainda na perspectiva poética da língua portuguesa, “Erotografia poética de E. M. de Melo e Castro”, do ensaísta Cláudio Alexandre de Barros Teixeira, coloca-nos frente ao princípio do ideograma e da lírica tradicional japonesa para refletir sobre a vanguarda que permeia a poética de Melo e Castro, em elementos de concisão e visualidade criticamente incorporados. Em “Literatura, História e as primeiras obras de Terry Eagleton”, de Daniel Puglia, encontramos a análise das relações entre Literatura e História, numa perspectiva crítica literária materialista, a partir das ideias do ensaísta e crítico literário britânico em suas primeiras publicações. Na seara do periodismo literário, Myriam Ávila apresenta o artigo “Revistas de circulação reduzida: Noigandres e Tendência”, refletindo sobre o concretismo no espaço português, a partir da referência incomum à revista mineira Tendência. Ainda no espaço dos estudos portugueses, temos o texto de Moizeis Sobreira Sousa, “Um breve atlas do romance português do século XVIII”, em que o autor problematiza a historiografia literária portuguesa no tocante ao romance português do século XVIII, rediscutindo a tese de que a produção romanesca ibérica seria apenas extensão da produção franco-inglesa. Encerrando a seção de artigos desse número e ainda sob a tônica de literaturas que se organizam frente à necessidade urgente de contestação temos a resistência linguística e literária também nos artigos “As línguas e as imagens do deslocamento em contos goeses e macaenses de língua portuguesa (1951-1975)”, de Duarte Drummond Braga e “Caminhos da resistência literária em seis poetas negros contemporâneos brasileiros”, de Rosângela Sarteschi. Apresentamos, assim, este número 27 da Revista Via Atlântica, mobilizadas pelas questões que aproximam os campos da Literatura e das Ciências Humanas e Sociais, trazendo a expectativa de que as leituras críticas apresentadas no âmbito da produção literária em língua portuguesa sejam um contributo válido para o conhecimento humano produzido nas malhas da ficção. Andrea Cristina Muraro Débora Leite David Maria-Benedita Basto Rejane Vecchia da Rocha e Silva