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Relatório Final - Projeto GISA

2012

RELATÓRIO FINAL GISA – GESTÃO INTEGRADA DE SAÚDE E DE AMBIENTE NO LITORAL ALENTEJANO COMPONENTE SOCIOLÓGICA MAIO DE 2012 EQUIPA RESPONSÁVEL JOAQUIM GIL NAVE - COORDENADOR SUSANA FONSECA 1 ÍNDICE Pág. 1. RESUMO 4 2. ENQUADRAMENTO 4 2.1. O contexto internacional 6 2.2. O Caminho da União Europeia 7 2.3 Ambiente e Saúde em Portugal 8 3. A ANÁLISE DA RELAÇÃO AMBIENTE E SAÚDE NA REGIÃO DO LITORAL ALENTEJANO 9 3.1. Enquadramento do projecto 9 3.2. Principais objectivos do estudo 10 4. RESULTADOS PRINCIPAIS 10 4.1. Caracterização da população envolvida no estudo 10 4.2. Caracterização do agregado familiar 11 4.3. Caracterização das condições de habitabilidade 14 4.4. Rotinas quotidianas e hábitos alimentares durante a gestação e amamentação 19 4.5. Outros factores com potencial de risco para a saúde das crianças 26 5. NOTAS CONCLUSIVAS 30 6. BIBLIOGRAFIA 32 7. NOTAS FINAIS SOBRE O PROJECTO GISA 33 2 LISTA DE TABELAS Pág. Tabela 1 – Número de filhos 11 Tabela 2 – Grupos etários do pai e da mãe 11 Tabela 3 – Escolaridade do pai e da mãe 12 Tabela 4 – Classificação profissional dos pais e das mães de acordo com a “Classificação Portuguesa das Profissões 2010” 13 Tabela 5 – Situação conjugal da mãe 13 Tabela 6 – Habitação próxima de… (respostas positivas) 14 Tabela 7 – Regularidade de arejamento da casa 15 Tabela 8 – Influência das práticas de fumar na regularidade de arejamento da casa durante o Inverno 15 Tabela 9 – Frequência de utilização em sua casa 16 Tabela 10 – Habitação remodelada recentemente (últimos dois/três anos) 18 Tabela 11 – Alteração dos hábitos alimentares 19 Tabela 12 – Alterações nos hábitos alimentares durante a gravidez (mães que referiram ter alterado) 20 Tabela 13 – Alteração de hábitos quotidianos durante a gravidez e amamentação 23 Tabela 14 – Alteração de hábitos quotidianos durante a gravidez e amamentação (excluindo as respostas “não se aplica”) (%) 23 Tabela 15 – Número de consultas médicas frequentadas durante o período de gestação 27 Tabela 16 – Consumo de tabaco (activo ou passivo) e de medicamentos durante a gravidez 27 Tabela 17 – Locais de trabalho nos últimos 10 anos (respostas positivas) 29 3 1. RESUMO Investigação realizada pela Organização Mundial de Saúde demonstra que as causas ambientais são um dos principais factores que influenciam a mortalidade/morbilidade das crianças com menos de 5 anos. Problemas como a poluição do ar exterior e interior, contaminação da água, produtos tóxicos e a degradação dos ecossistemas estão entre os principais factores de risco de origem ambiental para as crianças. Nos países desenvolvidos a poluição do ar (seja exterior, seja interior) surge como uma das preocupações principais em termos de impactos sobre a saúde das crianças. Tendo em consideração que na região do Alentejo Litoral está instalado um dos principais clusters industriais em Portugal, um consórcio de diferentes organizações juntaram-se para procurar avaliar o impacto que a poluição industrial pode estar a ter nas populações e, muito em particular, nas crianças. O projecto GISA – Gestão Integrada de Saúde e Ambiente na região do Alentejo Litoral apresenta como principal objectivo desenvolver um sistema de gestão que possibilite às autoridades locais, regionais e nacionais, bem como aos diferentes grupos de interesse, analisarem a evolução da poluição do ar e os seus potenciais impactos na região do Alentejo Litoral. Uma das principais linhas de investigação do GISA prende-se com a procura de compreender o impacto da poluição do ar nas crianças com menos de 2 anos de idade. Para o cumprimento deste objectivo foram realizados inquéritos presenciais a mais de 1600 mães dos concelhos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira, tendo estes sido complementados com 20 entrevistas em profundidade. A informação recolhida permite monitorizar indicadores sócio-económicos (profissão, condições de habitabilidade, contexto familiar) e indicadores culturais (estilos de vida; práticas alimentares, de cuidado pessoal e de consumo; práticas relacionadas com a saúde) que poderão assumir um papel relevante na saúde das crianças. Permite ainda conhecer as percepções das mães sobre relações potenciais entre factores estruturais, práticas quotidianas, práticas de consumo e a saúde das crianças. 2. ENQUADRAMENTO A pesquisa, na área das Ciências Sociais, relativa ao tema da saúde, tem vindo a alargar-se nos últimos anos, ao mesmo tempo que o tema da saúde ganhou relevo na sociedade. De uma forma um pouco simplificada podemos afirmar que um dos eixos principais de investigação tem sido o relativo à resposta às situações de doença – sistemas de saúde (público/privado, modelos de gestão), novas formas de medicina (biomedicina, novas definições do que é saúde e doença) e o papel das novas tecnologias de informação e comunicação. Um outro grande eixo acaba por ser o da relação paciente/médico ou a de utente/prestador do serviço, onde os aspectos mais focados tendem a ser os relativos à participação, à inclusão, à comunicação entre estes dois pólos e no debate sobre medicina e saúde em diferentes contextos culturais e políticos. Por último, é importante sublinhar o eixo relativo à articulação da saúde com problemas sociais e políticos e com temáticas como os direitos humanos. É aqui que podemos encontrar o enquadramento para a temática central projecto GISA – a relação entre ambiente a saúde - algures entre aquilo a que João Arriscado Nunes chama a “velha” e a “nova” saúde pública (Nunes, 2006). A perspectiva tradicional da saúde pública tende a centrar-se em “problemas de condições precárias de vida e de privação que constituem terreno de eleição para doenças infecciosas hoje preveníveis e tratáveis” (Nunes, 2006: 10). A nova perspectiva da saúde pública surge como resposta “aos problemas de saúde associados às acções e intervenções humanas”, no seguimento na “concepção das sociedades contemporâneas como sociedades de risco” (Nunes, 2006: 10). Esta nova área de intervenção da saúde pública centra-se: - Nos riscos e crises sanitárias e ambientas ligadas à contaminação do ambiente (ar, água, solos e alimentos); - Na exposição a produtos tóxicos decorrentes da actividade industrial ou por ela produzidos e utilizados em produtos de consumo comum; - Na análise da distribuição desigual das exposições e dos seus efeitos, no espaço, no tempo e entre diferentes grupos sociais; 4 - Na segurança e saúde dos trabalhadores e na permeabilidade entre os locais de trabalho e o exterior em termos de riscos ambientais e para a saúde (Nunes, 2006: 10). Esta nova área de abordagem da saúde pública é caracterizada pela incerteza e pela dificuldade em encontrar um consenso generalizado entre os especialistas e coloca questões muito relevantes ao “modelo vigente na área da epidemiologia e aos conceitos de causalidade a ele associados”. Os problemas em análise colocam ainda desafios importantes pelo seu “potencial grande alcance no espaço ou no tempo” e pela sua eventual “irreversibilidade” (Nunes, 2006: 13). Perante uma realidade complexa e de grande incerteza, a relação entre ambiente e saúde é um palco privilegiado para redefinir os saberes relevantes e para estimular a estruturação de sistemas que permitam a identificação precoce dos sinais da existência de um problema. A operacionalização do princípio da precaução nas políticas públicas e, em particular, nas intervenções em saúde pública, surge como um elemento fundamental perante o objectivo de proteger a população. A desadequação dos métodos de aferição dominantes para avaliar os impactos conjugados de diferentes substâncias poluentes num mesmo indivíduo, tendo ainda em conta as suas vulnerabilidades específicas (idade, género, condições sociais e económicas), tem alimentado grande controvérsia e colocado em relevo a dificuldade de adaptação das estruturas sociais encarregues de zelar pela arquitectura institucional que procura vigiar e agir na promoção da saúde das populações. Em todo o debate em torno da relação ambiente e saúde, o tema dos grupos vulneráveis assume particular destaque. De entre estes grupos, as crianças têm merecido particular atenção. Quer a Organização Mundial de Saúde, quer a Agência Europeia do Ambiente dedicaram um relatório conjunto a este tema já há mais de uma década, mais concretamente em 2002 (o debate, no espaço europeu, sobre o tema geral da relação ambiente e saúde mereceu particular destaque desde 1989, altura em que se iniciaram as Conferência Ministeriais sobre o tema). A própria definição de saúde evoluiu passando a integrar, para além do estado de ausência de doença ou enfermidade, uma perspectiva holística onde o bem-estar físico e social são considerados elementos fundamentais. O conceito de saúde é hoje relativo não apenas a uma abordagem física, mas também dá grande ênfase ao bem-estar e à interacção social (Tarlov, 1996: 71, 72). Em termos dos determinantes da saúde, são habitualmente definidos quatro: o património genético e a biologia; o tratamento médico disponível; os factores de risco ligados a comportamentos com influência na saúde (tais como a nutrição, o consumo de tabaco, álcool ou drogas, exercício físico praticado), ou seja, a capacidade de agência de cada actor social e a forma como interage com o ambiente que o rodeia; e as características do enquadramento social (Tarlov, 1996: 72), ou seja, a influência dos factores estruturais. Estes determinantes podem ser analisados não apenas em relação a um indivíduo, mas também a populações e ao longo da história são claras as consequências para a saúde de uma população da relação entre o ambiente físico e o ambiente social (Tarlov, 1996: 75). Com o projecto Gisa procura-se explorar factores sócio-ambientais com impacto na saúde das crianças, centrados nos dois últimos determinantes referidos atrás. O protagonismo é assumido pelos factores ligados ao contexto sócio-ambiental. Em suma, de que forma um conjunto alargado de poluentes, essencialmente resultantes de actividades económicas que se desenvolvem na região do Litoral Alentejano, estão a influenciar negativamente a saúde da população local, mais concretamente, a saúde das crianças nascidas entre 2007 e 2010, entendidas enquanto população vulnerável. Não obstante a relevância da análise dos factores estruturais relacionados com as condições ambientais da região e algumas características sócio-demográficas e a influência que podem assumir na saúde das crianças, considerou-se ainda necessário explorar a possível influência de um conjunto de práticas assumidas pelos seus pais ou cuidadores. 5 2.1. O contexto internacional A relação entre saúde e ambiente tem vindo a merecer a atenção dos mais altos níveis da hierarquia internacional da regulamentação na área da saúde desde, pelo menos, 1989, quando teve lugar a 1ª Conferência Ministerial sobre Ambiente e Saúde, em Frankfurt. Deste encontro resultou um documento político denominado a Carta Europeia de Ambiente e Saúde, o objectivo de fundar um centro europeu da Organização Mundial de Saúde sobre ambiente e saúde e de realizar uma conferência de seguimento no prazo de 5 anos. Nesta carta europeia são expressas ideias relevantes para entender o que são hoje as políticas públicas na área da Saúde e Ambiente. Desde logo o reconhecimento da ligação entre os dois factores saúde e ambiente, olhando-se para o ambiente “como um recurso para melhorar as condições de vida e aumentar o bem-estar”. A ideia chave de que prevenir é melhor do que curar e de que os governos, as autoridades públicas e os agentes privados devem procurar prevenir e reduzir os efeitos adversos de agentes perigosos e da degradação ambiental, também está presente, bem como a chamada de atenção para a existência de grupos vulneráveis (numa abordagem tendencialmente, ainda, centrada em questões sócio-económicas). A importância da informação científica, enquanto base para a acção, e a necessidade de aferir o impacto sobre a saúde e o ambiente previamente à utilização de tecnologias e desenvolvimentos e de dar preferência aos indivíduos e às comunidades em detrimento da economia e do comércio, também estão presentes. Uma perspectiva de análise de todo o ciclo de vida de um bem ou material, no sentido de se conseguir minimizar, ao máximo, as externalidades negativas, de se conhecer aprofundadamente os efeitos adversos e de se responsabilizar quem cause dano (através do princípio do poluidor pagador), são outras das linhas propostas para enquadrar a acção na área da saúde e do ambiente1. Após esta conferência realizaram-se várias outras – em 1994 em Helsínquia, em 1999 em Londres, em 2004 em Budapeste e em 2010 em Parma. Está prevista uma nova conferência em 2016. Na 4ª Conferência Ministerial (2004) o tema das crianças enquanto grupo particularmente vulnerável à relação ambiente saúde foi central. Os países comprometeram-se a implementar o Plano de Acção Europeu Ambiente e Saúde para as Crianças, tendo sido publicado um documento orientador, o “Children’s health and environment - Developing Action Plans”. O enfoque dado às crianças decorre, essencialmente, de quatro factores chave que as tornam particularmente vulneráveis no contexto do tema ambiente e saúde, nomeadamente o facto das crianças: 1. Estarem a crescer e de o período de desenvolvimento de órgãos e dos sistemas (respiratório, cardiovascular, etc.) as tornar particularmente sensíveis a acção de muitos poluentes ambientais; 2. Se comportarem de forma diferente dos adultos: deslocam-se mais próximos e brincam junto ao chão; comem mais e bebem mais do que um adulto (quando se considera o seu peso); tendem a colocar mais objectos na boca; não tem uma noção tão clara dos comportamentos de risco e do que tal pode implicar para o seu bem-estar; 3. Terem uma esperança média de vida superior à dos adultos, o que implica que têm um período de exposição mais longo (dando mais tempo aos agentes com consequências a longo prazo e aumentando o risco das sinergias entre agentes perigosos). 4. Terem menos controlo, do que os adultos, sobre o ambiente que os rodeia. A par com a realização deste conjunto de conferências de alto nível, foram criados vários projectos/programas que procuram interligar factores ambientais e as questões de saúde, nomeadamente: - Saúde Pública e Ambiente (PHE) - www.who.int/phe/en/; - Sistema de Informação em ambiente e Saúde (ENHIS) - www.euro.who.int/en/what-we-do/data-andevidence/environment-and-health-information-system-enhis; - Iniciativa de Sinergias entre Saúde e Ambiente (HELI) - www.who.int/heli/en/; - Saúde Ambiental em Emergências (EHE)- www.who.int/environmental_health_emergencies/en/; 1 Europe Charter on Environment and Health, 1989, p. 2,3; http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0019/114085/ICP_RUD_113.pdf 6 - Saúde ambiental das Crianças (CEH) - www.who.int/ceh/en/. É ainda de referir o Observatório Global da Saúde (GHO) - http://apps.who.int/ghodata/ - que engloba o tema “Saúde Pública e o Ambiente”. Na 5ª Conferência Ministerial sobre Ambiente e Saúde, que teve lugar em 2010, a atenção manteve-se muito centrada no tema das crianças num ambiente em mudança, tendo sido trabalhado o tema das alterações climáticas. Em paralelo, a questão do enquadramento institucional que possa permitir uma mais eficaz implementação dos compromissos assumidos sobre o tema ambiente e saúde (uma área interdisciplinar e com reflexos e/ou influenciada por diferentes políticas públicas, ou pela sua ausência, em áreas tão diferentes como: os transportes, a energia, a indústria ou a agricultura) mereceu também grande destaque, desde logo, porque foi feito um balanço de cerca de 20 anos de trabalho sobre o tema. Em termos gerais, as conclusões principais do balanço realizado foram: - Os resultados nesta área poderão ser exponenciais através de uma integração de diferentes políticas públicas, permitindo que as medidas tomadas em áreas como os transportes, a agricultura ou a energia possam contribuir, através de efeitos colaterais positivos, para a concretização de sociedades onde se reduzem, de forma clara, as ameaças à saúde decorrentes da degradação dos factores ambientais. - Face ao investimento necessariamente avultado para que os objectivos sejam atingidos e perante a crise económica actual (que tende a levar as instituições públicas a apresentar menores disponibilidades de investimento), é importante reforçar o papel dos diferentes agentes sociais, sejam eles ONG, entidades privadas ou outros, através de parcerias, no sentido de facilitar a implementação de medidas previstas nos planos nacionais de ambiente e saúde. - É fundamental demonstrar e exemplificar, para que seja possível aprender e estimular através dos melhores exemplos. Também é importante monitorizar o que se passa em cada país e procurar identificar as principais barreiras e os principais catalizadores. - Importância de comunicar a relevância do tema junto de diferentes agentes e públicos, no sentido de lhes dar ferramentas para decidir, no seu quotidiano. É fundamental dar argumentos a quem tem que decidir sobre investimentos, mas também a quem tem que fazer opções quotidianas sobre o que é mais adequado para proteger a saúde, particularmente, a saúde de grupos vulneráveis, como as crianças (OMS, 2010: 5154). 2.2. O Caminho da União Europeia Ao longo deste, já longo, processo ao nível da Europa, a União Europeia procurou desenvolver programas e acções que integrassem políticas concretas, tendo em vista procurar que os princípios debatidos e acordados nestes encontros de alto nível fossem, depois, aplicados no terreno, ou seja, nos vários países. O tema Ambiente e Saúde foi definido como um dos quatro eixos prioritários do Sexto Programa Comunitário de Acção em matéria de Ambiente (estabelecido em 2002), assumindo-se como principal objectivo: “contribuir para um elevado nível de qualidade de vida para os cidadãos e de bem-estar social, proporcionando um ambiente em que o nível de poluição não provoque efeitos nocivos na saúde humana e no ambiente e encorajando um desenvolvimento urbano sustentável”2. Foi também definido e implementado o Plano de Açcão Ambiente e Saúde (2004-2010) que acabou por contribuir para a sensibilização e informação sobre as relações entre ambiente e saúde. A par com estas iniciativas, foram várias as políticas sectoriais que foram sendo desenvolvidas e que contribuíram, de forma positiva, para a protecção da saúde humana por via da melhoria da qualidade ambiental. Uma dessas áreas é a da qualidade do ar, muito embora persistam relacionadas com o controle a garantia da qualidade do ar interior, quando se estima que os europeus passem cerca de 90% do seu tempo em recintos fechados, e com a dificuldade em conseguir resultados em relação a alguns poluentes atmosféricos como é o caso do ozono troposférico). Outras áreas, como a da água e dos produtos químicos conheceram desenvolvimentos importantes nos últimos anos, no sentido de minimizar os impactos sobre a saúde humana. Tratando-se de 2 Decisão n.º 1600/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, 22 de Julho de 2002, Estabelece o sexto programa comunitário de acção em matéria de Ambiente, p.3. Este Programa estabeleceu um quadro estratégico para a definição das políticas de ambiente na União Europeia no período 2002-2012, no seguimento do que tem acontecido desde o início da década de 70. 7 políticas de implementação complexa e prolongada no tempo, os efeitos mais marcantes poderão só se vir a sentir daqui a alguns anos. A par desta dificuldade, existe ainda uma outra de grande relevância: a escassez de dados sobre os poluentes existentes no ambiente e no corpo humano, bem como os efeitos de exposição a misturas complexas de substâncias.3 2.3 Ambiente e Saúde em Portugal No seguimento das reuniões realizadas a nível Europeu no que concerne à temática ambiente e saúde, em Helsínquia, em 1994, foi aprovada uma Declaração sobre Acção para o Ambiente e Saúde na Europa onde foi incluído, no ponto 10 da mesma, o compromisso, assumido pelos países envolvidos na iniciativa, de desenvolverem, o mais tardar até 1997, Planos Nacionais de Acção sobre Ambiente e Saúde. Este compromisso foi reafirmado em 1999, na Conferência que teve lugar em Londres. Na conferência realizada em Budapeste, em 2004, foi estabelecido o compromisso de actualizarem os seus Planos Nacionais tendo em atenção os resultados da Conferência, devendo ser dada particular atenção ao grupo das crianças, em relação ao qual deveria ser desenvolvido um Plano de Protecção contra os Perigos Ambientais (até 2007). Portugal aprovou o seu Plano Nacional de Acção Ambiente e Saúde apenas em 20084 com a colaboração de diferentes Ministérios, nomeadamente: Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (Agência Portuguesa do Ambiente) e do Ministério da Saúde (Direcção-Geral da Saúde), em estreita articulação com os Ministérios da Administração Interna; da Economia e Inovação; da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas; das Obras Públicas, Transportes e Comunicações; do Trabalho e da Solidariedade Social; da Educação; da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; e da Cultura. No seguimento dos compromissos assumidos internacionalmente, o PNAAS apresenta objectivos e uma estrutura semelhante ao observado noutros países europeus e procura, essencialmente, “melhorar as políticas de prevenção, controlo e redução de riscos para a saúde com origem em factores ambientais, promovendo a integração do conhecimento e da inovação, assegurando a coerência com as políticas, planos e programas existentes, recorrendo aos melhores conhecimentos científicos disponíveis e convidando à participação de todas as partes interessadas”5. Os principais objectivos definidos são: • Intervir ao nível dos factores ambientais para promover a saúde do indivíduo e das comunidades a eles expostos • Sensibilizar, educar e formar os profissionais e a população em geral, de forma a minimizar os riscos para a saúde associados a factores ambientais • Promover a adequação de políticas e a comunicação do risco • Construir uma rede de informação que reforce o conhecimento das inter-relações Ambiente e Saúde. Uma análise do extenso documento produzido indica-nos que, com excepção da parte introdutória do Plano, onde se refere “(...) torna -se necessário promover a integração da informação relativa ao estado do ambiente e da saúde, tendo em consideração, nomeadamente, exposições combinadas, «efeitos cocktail» e efeitos cumulativos, dando particular atenção aos grupos mais vulneráveis da população, como as crianças, as grávidas, os idosos e os doentes”, o grupo particular das crianças não parece merecer qualquer referência ou intervenção específica, ao longo dos vários objectivos, vectores de intervenção e acções programáticas que compõem cada um dos vectores, o que acaba por representar um incumprimento face aos compromissos assumidos, particularmente na conferência ministerial de 2004, de desenvolver acções específicas (tendo sido sublinhada a possibilidade de se delinear um plano específico) para o grupo das crianças. A implementação do Plano tem sido fortemente marcada por constrangimentos orçamentais, bem como pelo dificuldade em obter informação actualizada e que esteja disponível e pela falta de conhecimento do Plano por parte das entidades, particularmente, as de âmbito regional e local6. 3 COM(2011) 531 final - Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: O Sexto Programa Comunitário de Acção em matéria de Ambiente: Avaliação Final, Bruxelas, Agosto 2011. 4 Resolução do Conselho de Ministros n.º 91/2008, de 4 de Junho http://dre.pt/pdf1sdip/2008/06/10700/0310603179.pdf 5 http://www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/Ambiente&Saude/EmPortugal/Edicao_resumida_PNAAS.pdf 6 Para mais informação sobre o progresso atingido nesta matéria é possível consultar um relatório disponível na página na Internet da Agência Portuguesa de Ambiente na área das políticas: 8 3. A ANÁLISE DA RELAÇÃO AMBIENTE E SAÚDE NA REGIÃO DO LITORAL ALENTEJANO 3.1. Enquadramento do projecto Enquadrado nesta mobilização ao nível do espaço europeu para fazer com que a problemática da relação ambiente e saúde ganhe relevo e seja concretizada em situações específicas, e tendo em conta a preocupação existente com o impacto que a presença de um pólo industrial de grande dimensão no concelho de Sines pode ter na qualidade de vida e no ambiente da região do Litoral Alentejano, foi idealizado um primeiro estudo, realizado entre 2002 e 2004 denominado: Sinesbioar - Implementação de um Instrumento Multidisciplinar para Avaliação e Gestão da Qualidade do Ar e dos seus Impactes Sociais na Região de Sines. Neste caso, o estudo centrou-se apenas nos concelhos de Sines e Santiago do Cacém e procurou avaliar (no que à componente sociológica diz respeito): - a percepção de risco associada à actividade industrial existente na região e à poluição que lhe está associada; - o grau de informação da população e as expectativas de participação e de acesso à informação sobre as principais fontes poluentes presentes na região; - as dinâmicas de comunicação ecológica a nível local, dando particular destaque às contradições, bloqueios e conflitos por motivos ambientais Os principais resultados apontaram para uma significativa preocupação com a convivência quotidiana com o pólo industrial e, consequentemente, com as consequências que daí poderão advir para a saúde dos residentes na região. Contudo, a percepção de risco convive com uma apreciação tendencialmente positiva da qualidade de vida e qualidade ambiental do concelho de residência (tanto maior quanto maior o afastamento geográfico do pólo industrial). Um aspecto a relevar para o estudo agora em desenvolvimento é o facto de haver uma associação entre a percepção de falhas estruturais ao nível do sistema de saúde e uma percepção de risco mais marcada. O mesmo acontece com os níveis de informação (quanto menor, tendencialmente mais marcada é a percepção de risco). No que concerne às pontes de concretização dos potenciais efeitos da poluição industrial na saúde humana, a respiração e a alimentação são as mais referidas. Talvez por esta razão, a promoção de uma melhor saúde é a principal medida proposta para colmatar os efeitos colaterais da laboração do pólo, sendo o Ministério da Saúde entendido como uma das entidades que mais pode fazer para prevenir potenciais riscos para as populações locais. Aliás, a área da saúde surge como a referência mais recorrente e comum no discurso de inquiridos e entrevistados, enquanto apoio, fonte fidedigna de informação, com credibilidade, capacidade e possibilidade de intervir nas temáticas que causam maior preocupação. Uma outra conclusão importante do projecto Sinesbioar foi o facto de ser claro que as características menos visíveis dos riscos, ainda que não generalizadamente integradas na percepção demonstrada pelos inquiridos, começam a integrar a forma de pensar o risco7. Esta breve contextualização do projecto Sinesbioar torna-se relevante para a análise dos resultados do projecto GISA, que irão ser apresentados de seguida, pois procurou-se a complementaridade entre os dois, pelo que os resultados obtidos anteriormente serviram de contexto para o delinear de uma estratégia mais ambiciosa, quer em termos geográficos, quer em termos de objectivos, como iremos ver de seguida. http://www.apambiente.pt/_zdata/Politicas/Ambiente&Saude/EmPortugal/Principais%20marcos%20do%20percurso%20do%20PN AAS/Relatorio_Progresso_PNAAS_2008-2010.pdf 7 Projecto SINESBIOAR – Implementação de um instrumento multidisciplinar para avaliação e gestão da qualidade do ar e dos seus impactes sociais na Região de Sines. a) Objectivos globais Validação do uso de bio-indicadores e bio-monitores na avaliação da qualidade do ar; Modelação espaço-temporal de poluentes por métodos geoestatísticos; Simulação de situações extremas para obtenção de mapas de risco e de custos ambientais; Avaliação do impacte social da poluição industrial, considerando o fenómeno da percepção de risco; Criação de um sistema de informação e de divulgação pública de resultados. 9 3.2. Principais objectivos do estudo Os objectivos do projecto Gisa – Gestão Integrada da Saúde e do Ambiente no Litoral Alentejano passam por explorar o grau de associação entre a qualidade do ar na região do Alentejo Litoral e a frequência, no tempo e no espaço, de ocorrência de anomalias no desenvolvimento das crianças ao longo dos dois primeiros anos de vida (ocorrências de baixo peso à nascença, partos pré-termo e desenvolvimento estatoponderal deficiente). Assim, não se pretende apenas verificar que poluição existe ou quais as percepções de risco a ela associadas, mas procurar analisar relações entre poluição, indicadores de saúde e percepções. Tendo em consideração o período de desenvolvimento do projecto, foi estabelecido que a população em estudo corresponderia a todas as crianças nascidas entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2010, nos municípios de Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines. Para esta análise, procedeu-se à recolha de informação sobre um conjunto de indicadores de saúde de cada criança, tarefa que foi complementada pela recolha de informação sobre as percepções relativas a factores de risco para a sua saúde (factores de contexto, estilos de vida, consumo), tendo-se, para tal, recorrido à inquirição das mães através de inquérito e posteriormente de entrevista. No que concerne à componente sociológica, os objectivos do projecto GISA passam por: - Seleccionar e aplicar indicadores socio-económicos, culturais e de saúde pública - Explorar práticas relacionadas com a saúde das famílias, com particular enfoque nas crianças - Procurar estabelecer relações percebidas entre poluentes ambientais, práticas quotidianas e saúde pública De seguida serão apresentados os principais resultados do projecto, integrando os dados do inquérito aplicado às mães das crianças envolvidas no estudo e que aceitaram colaborar, bem como das entrevistas realizadas a algumas mães de 3 dos concelhos abrangidos pelo estudo. Sempre que relevante e em complemento desta análise, serão integrados resultados do projecto Sinesbioar. 4. RESULTADOS PRINCIPAIS 4.1. Caracterização da população envolvida no estudo Como já foi referido anteriormente, a população considerada neste estudo corresponde a todas as crianças nascidas entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2010, nos municípios de Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines. Para este período, foram estimados cerca de 2400 nascimentos. Ao todo foi possível recolher informação sobre 1663 crianças, o que equivale a cerca de 70% da população estimada. O concelho onde foi possível estudar um maior número de crianças foi o de Sines (correspondem a cerca de 25% da amostra). Os concelhos de Santiago do Cacém e de Odemira surgem com 21% da amostra (cada um). Grândola surge em 4º lugar com 17% e Alcácer surge em último com pouco mais de 15%. No que concerne ao género da criança, a amostra divide-se de forma quase idêntica entre os géneros feminino e masculino. De facto, 51% das crianças são do género feminino e 49% são do género masculino. O ano de 2010 é o que regista um maior número de crianças na amostra (cerca de 30%). Do ano de 2009 existem 26%, 24% de 2008 e 20% de 2007. Em quase metade da amostra, a criança em análise é o primeiro filho e em cerca de 38,5% é o segundo. Apenas em 12% da amostra existem 3 ou mais filhos (tabela 1). 10 Tabela 1 – Número de filhos Mãe N % Um 795 47,9 Dois 641 38,5 Três 140 8,4 Quatro ou mais 61 3,7 NS/NR 26 1,5 1663 100 Total 4.2. Caracterização do agregado familiar Os pais são, em clara maioria, de nacionalidade portuguesa (quer entre as mães, quer entre os pais, cerca de 91% são portugueses), sendo o grupo etário mais frequente entre os 30 e os 39 anos (61% das mães e 59% dos pais), seguido do grupo etário de menos de 30 anos, no caso das mães (30%), e do grupo etário de 40 anos ou mais, no caso dos pais (23%). Em suma, os pais tendem a ser um pouco mais velhos do que as mães (tabela 2). Tabela 2 – Grupos etários do pai e da mãe Idade mãe Idade pai N % N % Menos de 30 anos 494 29,5 275 23 Entre 30 e 39 anos 1014 61 988 59 40 ou mais anos 147 9 381 17 8 0,5 19 1 1663 100 1663 100 NS/NR Total Em termos de escolaridade, verifica-se que as mães tendem a possuir um grau mais elevado, sendo o mais frequente o “ensino secundário” (31%), seguido do “3º ciclo” (28%) e do ensino superior” (21,5%). Como seria de esperar num inquérito voluntário e que abrange faixas etárias mais novas, os escalões superiores de habilitações estão inflacionados, face à distribuição na população da NUT III – Alentejo Litoral. No caso das mães o primeiro e segundo ciclos estão claramente desvalorizados (ainda que se leve em conta a especificidade dos escalões etários), ao passo que o 3º ciclo, o secundário e, em particular, o ensino superior, estão valorizados face à distribuição na população (segundo dados dos Censos de 2001). Entre os pais, o grau de escolaridade mais frequente é o “3º ciclo” (35%), seguido do “secundário” (24%), do “2º ciclo” (18%) e do “ensino superior” (11%) (tabela 3). 11 Tabela 3 – Escolaridade do pai e da mãe Escolaridade da mãe Escolaridade do pai N % N % Não sabe ler nem escrever 3 0,2 6 0,4 1º ciclo 57 3 108 6,6 2º ciclo 170 10 296 18 3º ciclo 466 28 584 35 Ensino profissional 81 5 74 4 Ensino secundário 516 30,8 396 24 Ensino superior 359 22 182 11 NS/NR 11 1 17 1 1663 100 1663 100 Total No que concerne à caracterização sócio-profissional, e tendo presente a diferenciação em termos de grau de escolaridade entre pais e mães, tal parece reflectir-se na distribuição das profissões pelos dois géneros. No caso das mães, as categorias de “trabalhadores dos serviços pessoais, de protecção e segurança e vendedores” (24%), os “especialistas das actividades intelectuais e científicas” (16%) e o “pessoal administrativo” (13%) são as mais significativas. No caso dos pais, os “trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices” (28%), os “trabalhadores dos serviços pessoais, de protecção e segurança e vendedores” ( 15%) e os “operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem” (12%) são os grupos mais relevantes (tabela 4). De referir ainda que as mães que se encontram em situação de desemprego expresso claramente ou que neste momento assumem o papel de domésticas (seja por opção, seja por situação de desemprego, mais ou menos, prolongada), ainda representam um peso significativo na amostra, chegando quase aos 24% (no caso dos pais este valor não chega a 3,5%). Neste grupo estão incluídas as mães que se encontram a estudar ou a frequentar acções de formação. O facto de estarmos em presença de um pólo industrial poderá ter alguma influência nas profissões que mais se destacam. No caso dos pais essa relação surge de forma mais clara, com um maior peso de profissões como “técnicos de nível intermédio” ou “trabalhadores qualificados da indústria, construção e artesãos” nos concelhos de Sines e, principalmente, no concelho de Santiago do Cacém (concelho onde, como é sabido, foi construída uma cidade de raiz - Santo André – tendo em vista albergar os futuros trabalhadores do pólo industrial de Sines). No caso das mães, não se observa nenhuma tendência que possa de forma, mais ou menos, directa, ser associada ao contexto específico da região, nomeadamente, o seu forte cariz industrial. 12 Tabela 4 – Classificação profissional dos pais e das mães de acordo com a “Classificação Portuguesa das Profissões 2010” Profissão mãe Profissão pai N % N % Profissões das Forças Armadas 3 0,2 3 0,2 Representantes do poder legislativo e de órgãos executivos, dirigentes, directores e gestores executivos 44 2,6 85 5,1 Especialistas das actividades intelectuais e científicas 262 15,7 126 7,6 Técnicos e profissões de nível intermédio 72 4,3 104 6,2 Pessoal administrativo 219 13,1 41 2,5 Trabalhadores dos serviços pessoais, de protecção e segurança e vendedores 394 23,6 248 14,9 Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura, da pesca e da floresta 11 0,7 69 4,1 Trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices 26 1,6 471 28,2 Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem 3 0,2 193 11,6 Trabalhadores não qualificados 146 8,8 134 8,0 Não aplicável (estudantes, desempregado(a)s, doméstico(a)s) 392 23,6 57 3,4 Não sabe/não responde 91 5,6 132 8,2 1663 100 1663 100 Total No que respeita à situação conjugal, a situação claramente maioritária na amostra é a do casal (91%), sendo que apenas em 3% dos casos as mães nunca viveram em casal e em 4% já viveram em casal, ainda que neste momento não seja essa a sua situação (tabela 5). Tabela 5 – Situação conjugal da mãe Mãe N % 46 2,8 1524 91,6 Já viveu em casal 73 4,4 NS/NR 20 1,2 1663 100 Nunca viveu em casal Vive em casal Total 13 4.3. Caracterização das condições de habitabilidade No que concerne às eventuais fontes de risco na proximidade da habitação, e muito embora estejamos a lidar com percepções de proximidade, o facto é que se registam resultados interessantes para a problemática em causa. Assim, quando colocadas perante uma lista alargada de infra-estruturas (aberta à possibilidade de serem referidas outras não consideradas na listagem inicial), e podendo assinalar todas as respostas aplicáveis à sua situação, praticamente um terço da amostra inquirida refere que a sua habitação está próxima de uma estrada com muito trânsito, 26% assinala a proximidade de áreas agrícolas (o que não é de estranhar face à localização geográfica, bem como a vocação ainda marcadamente agrícola de alguns dos concelhos abrangidos pelo estudo). Os postos de abastecimento de combustíveis surgem também referidos com alguma frequência (20%), bem como padarias com fabrico no local e oficinas de reparação automóvel (16%) (tabela 6). Tabela 6 – Habitação próxima de (respostas positivas): N % Bomba de gasolina 330 19,8 Fábrica ou indústria 166 10 Áreas agrícolas 436 26,2 Postes de alta tensão 283 17 ETAR 80 4,8 Suiniculturas/explorações de gado 139 8,3 Oficina de reparação automóvel 266 16 Estrada com muito trânsito 526 31,6 Hospital 43 2,6 Reservatório de produtos químicos, gás ou combustíveis 193 11,6 Explorações mineiras 15 0,9 Padaria com fabrico local 253 15,2 N - 1663 Um outro factor importante para a manutenção da qualidade do ar interior prende-se com as práticas de arejamento e com a regularidade com que acontecem. No sentido de conhecer, de forma mais pormenorizada, este tema, a mesma questão foi repetida remetendo para diferentes alturas do ano: a estação quente (onde as práticas de arejamento, como os dados comprovam, são, à partida, mais correntes e frequentes) e a estação mais fria, onde, por vezes, existe uma maior relutância/dificuldade em arejar os espaços devido a factores como as temperaturas mais baixas ou a ocorrência de chuva. No verão é possível afirmar que as práticas de arejamento serão, à partida, consentâneas com as boas práticas de manutenção da qualidade do ar interior. Durante o período mais frio verifica-se uma importante contenção no arejamento diário (que ocorre apenas em pouco mais de 50% da amostra), subindo dez vezes o número de inquiridas que refere um arejamento dia sim, dia não. Praticamente 15% da amostra pratica um arejamento entre duas a três vezes por semana o que, à partida, será insuficiente para garantir a qualidade do ar interior, particularmente se esta prática for conjugada com outras, como o acto de fumar dentro de casa, de cozinhar sem exaustão, utilizar produtos químicos – na limpeza, por exemplo (tabela 7). 14 Tabela 7 – Regularidade de arejamento da casa Verão Inverno N % N % 1528 91,9 899 54 Dia sim, dia não 38 2,3 388 23,4 Duas e três vezes por semana 56 3,4 247 14,8 Uma vez por semana 8 0,5 68 4,1 Outra situação 4 0,2 29 1,7 NS/NR 29 1,7 32 2 1663 100 1663 100 Pelo menos uma vez por dia Total N – 1663 Salvaguardando a possibilidade das fumadoras activas durante a gestação da amostra em estudo, bem como dos agregados familiares onde é referido que existem fumadores, poderem abster-se de fumar no interior das suas casas, o facto é que os dados indicam que não existe qualquer relação entre a ocorrência de qualquer uma destas situações e as práticas de arejamento, que são praticamente idênticas, sendo, ou não, a mãe fumadora activa ou existindo, ou não, fumadores activos no agregado familiar (tabela 8). Tabela 8 – Influência das práticas de fumar na regularidade de arejamento da casa durante o Inverno Mãe fumadora activa durante a gestação (%) Existência de fumadores no agregado (%) Arejamento no Inverno Sim Não Sim Não Pelo menos uma vez por dia 54 55 56,3 53,4 Dia sim, dia não 23 24 24 23,7 Duas e três vezes por semana 15 15 14,2 16,1 Uma vez por semana 5,5 4 4 4,6 Outra situação 2,1 2 1,4 2,3 NS/NR 0,4 0,1 0,2 0 N - 1663 Caso exista a prática de fumar dentro da habitação tal poderá implicar uma deterioração da qualidade do ar interior que poderia, eventualmente, ser parcialmente colmatada com um arejamento mais frequente. As práticas de arejamento no Inverno, quando cruzadas com variáveis de caracterização como o escalão etário da mãe e com a escolaridade, não revelam qualquer relação estatisticamente significativa. Esta só ocorre quando analisamos a relação com a profissão da mãe, que revela serem mais frequentes as práticas de arejamento diário entre as mães que ou são quadros superiores ou especialistas das profissões intelectuais e científicas. O número de filhos, bem como o número de pessoas do agregado também não influencia de forma significativa estas práticas. Claro que o arejamento é apenas uma das dimensões que constroem e definem a qualidade do ar interior das habitações, sendo igualmente importante todo um conjunto de práticas que se desenvolvem no seu interior – consumo de tabaco, produtos de limpeza utilizados, uso de ambientadores, uso de produtos fitofarmacêuticos, uso de outros produtos químicos. Por haver esta conjugação de factores, foram incluídas 15 questões relativas às práticas no interior da habitação, passíveis de influenciar, de forma negativa, a qualidade do ar. Comecemos então por analisar um conjunto de práticas que habitualmente envolvem a utilização de diferentes substâncias químicas. Procurou-se perceber, de um conjunto de produtos (listagem fechada) que podem ser usados no dia-a-dia e que podem ter eventuais impactos na saúde humana, quais os que mais frequentemente eram usados pelas mães inquiridas. Produtos como vernizes, fitofarmacêuticos, tintas, ceras e mesmo combustíveis, tendem a ser utilizados com pouca regularidade. Aliás, todos (com excepção das tintas) assumem valores mais expressivos na opção de resposta “nunca utiliza”. Da lista apresentada, a lixívia e outros desinfectantes são os produtos utilizados com maior frequência (muita ou alguma), seguidos dos sabonetes e gel de banho antibacterianos, os detergentes anti-bacterianos, os detergentes perfumados e os difusores para melgas e mosquitos. De sublinhar ainda que se considerarmos apenas a opção de resposta “muito frequente” verificamos que são os sabonetes e gel de banho antibacterianos que recolhem um número de respostas mais elevado (cerca de 27%) (tabela 9). Tabela 9 – Frequência de utilização em sua casa Muito frequente Alguma frequência Pouca frequência Nunca NS/NR Vernizes e diluentes 0,5 2,3 20 60,4 16,8 Pesticidas, insecticidas e fungicidas 0,4 4 21,6 72,4 1,7 Tintas 0,2 4,6 50,9 44,1 1,6 Ceras (chão; móveis) 1,4 8,9 18,9 69,2 1,7 Ambientadores 10 25,2 23,6 39,6 1,6 Detergentes com perfume intenso 6,4 18,5 22,6 50,2 2,3 Detergentes antibacterianos 10,5 26,1 18,2 43,7 1,6 Lixívia e outros desinfectantes 17,3 46,7 25,7 8,8 1,6 Difusores contra melgas e mosquitos 4,4 14,9 20,3 58,8 1,7 Combustíveis (acendalhas/óleos/lubrificantes) 1,9 15,8 25 55 1,9 Sabonetes/gel de banho antibacteriano 26,7 18,6 12,3 40,5 1,9 N – 1663 Quando procuramos perceber quais são as mães que mais utilizam estes produtos, verificamos que o seu consumo não está regularmente ligado a factores como a idade e a escolaridade, com excepção do uso de ambientadores, onde parecem ser as mães mais jovens que mais regularmente utilizam esta categoria de produtos. Uma ligação interessante que também ressalta da análise dos dados é a da associação entre um uso mais frequente de ambientadores e o facto da mãe ser fumadora (ligação que não assume qualquer significado nas restantes categorias de produtos), apontando para a sua eventual utilização como forma de “combater” o odor a tabaco. Em termos das profissões parece haver um uso mais pronunciado junto de mães que desempenham funções ao nível administrativo, mas principalmente, na área dos serviços pessoais, de protecção e segurança e vendedores, em trabalhos qualificados da indústria, construção e artífices e, em alguns casos, entre os trabalhadores não qualificados. Uma regularidade interessante prende-se com uma maior utilização de todas estas categorias de produtos por mães que, simultaneamente, assumem práticas mais regulares de arejamento da casa no Inverno. De facto existe uma relação estatisticamente significativa (p< 0,01) entre o consumo destes produtos e o arejamento da casa no Inverno, com os que arejam “pelo menos uma vez por dia” a serem os maiores utilizadores destes produtos. Esta relação poderá permitir alguma redução dos riscos para a saúde 16 decorrentes do uso de alguns destes produtos – como os ambientadores, detergentes perfumados, desinfectantes – uma vez que um arejamento adequado poderá permitir que alguns dos poluentes sejam libertados para o exterior, reduzindo a carga sobre o ar interior. Durante as entrevistas procurou-se explorar alterações que possam ter ocorrido ao nível da utilização de algumas destas categorias de produtos durante a gravidez e o período inicial do nascimento da criança. O uso de ambientadores, de detergentes para a limpeza e de lixívia em particular, foram as categorias mais exploradas, muito embora a questão do uso de tintas de interior, eventualmente associadas à fase de preparação do quarto da futura criança, tenha sido também explorada em maior pormenor. No que diz respeito aos produtos de limpeza o que se observa de forma mais clara é uma redução na utilização de alguns desinfectantes, como a lixívia, que foi repetidamente referida enquanto produto eliminado, em muitos casos de forma total, durante a gestação. Ainda que as razões apontadas abranjam, em alguns testemunhos, o cuidado com potenciais efeitos no bebé em formação, o mais comum é mesmo as mães referirem que “se sentiam mal” com o cheiro da lixívia. Aliás, os cheiros intensos de alguns detergentes também surgem como justificação para a redução ou o abandono da sua utilização durante a gestação, mas neste caso, o enfoque nas crianças tende a ser mais marcado: “A única coisa que deixei de usar foi a lixívia, porque não podia com o cheiro.” (Entrevistada 17; 3º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) “Eu evitei usar lixívia, foi a única coisa que evitei. Porque eu espirrava um bocado e ficava a coçar o nariz. Isto porque sou alérgica a alguns produtos. Mas só a lixívia. Os outros nenhum foi alterado.” (Entrevistada 9, 2º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) “Em termos de produtos tentava evitar...eu costumava usar Sonasol amoniacal e tentei evitar usar esse produto; geralmente quando limpo o fogão ponho aqueles produtos que cheiram mais e não saio da cozinha, mas na altura da gravidez saía, esperava um bocadinho e depois é que ia.” (Entrevistada 8; ensino superior; 1 filho; 30-39 anos) “Em relação aos detergentes, também não tinha tanto contacto porque não fazia tantas coisas. Às vezes metia um bocadinho para lavar o chão, mas sempre usei pouco porque depois faz muita espuma. Para limpar o pó não usava, porque depois deixava muito cheiro também. Às vezes parecia que era muito e depois é contra-indicado por causa dos cheiros e essas coisas todas e então evitava um bocadinho. Às vezes limpava só com água ou com toalhitas, também são muito boas para limpar, passava com as toalhitas em todo o lado.” (Entrevistada 7; ensino secundário; 2 filhos; menos de 30 anos) “Uso os detergentes normais para lavar o chão e usava na mesma. Agora os produtos com cheiros mais intensos e possivelmente mais tóxicos (penso que seriam mais tóxicos) do que os que usava diluídos na água para lavar o chão, não usava.” (Entrevista 8; ensino superior: 1 filho; entre os 30 e os 39 anos) “Em casa, durante a gravidez, tentei não usar detergentes com cheiros muito fortes porque me avisaram logo que não era bom para o bebé (...) quando ele veio para casa mantive esse cuidado e mesmo agora já não uso porque acho que não lhe faz bem. Acho que quem me aconselhou foi numa das consultas com a enfermeira. Acho que foi a enfermeira” (Entrevista 10; ensino secundário; 1 filho; menos de 30 anos) “(...) quando às vezes queria lavar a loiça o meu pai dizia logo ‘Ai não mexas nos produtos’. A preocupação era também com o cheiro para que não fizesse mal à menina.” (Entrevistada 11; 3º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) Os últimos testemunhos abrem a porta a um outro aspecto muito importante, quem aconselhou a alteração das práticas? Os testemunhos apontam para fontes várias – familiares; pessoal médico e de enfermagem – mas é interessante notar que neste, como noutros casos que iremos abordar ao longo deste relatório, a tendência mais comum é para haver alguma memória “de ter ouvido qualquer coisa” ou de “alguém lhe ter dito” que podia fazer mal, como se se tratasse de um conhecimento latente, ao qual nunca foi dada grande importância, mas que com o surgir de uma gravidez é activado e aplicado, de formas diferenciadas, nas práticas e rotinas do quotidiano. Ainda assim, analisando estas respostas à luz de todo o enquadramento teórico da percepção de risco, é possível observar que, a este nível, os riscos percebidos têm a sua origem em características de visibilidade (essencialmente através do cheiro), parecendo existir um pouco a ideia de que um odor intenso estará ligado a uma maior probabilidade de existir risco para a saúde humana. Fazendo a ponte com o tema abordado nos parágrafos anteriores, a utilização de ambientadores e velas aromáticas em casa durante o período de gestação e após o nascimento da criança foi outro dos aspectos que nos pareceu relevante explorar ao nível das entrevistas. Como os resultados do inquérito indicam, o uso desta categoria de produtos não é muito marcado na amostra e em vários casos, mesmo quando é 17 referida a sua utilização, esta tende a ser esporádica, surgindo, com alguma frequência, expressões como “muitas vezes quando reparo nele até já acabou” ou “está lá no canto e às vezes até me esqueço que está vazio”. Ainda assim, várias entrevistadas referem não ter alterado a sua utilização durante a gravidez e após o nascimento dos seus filhos, nem expressam qualquer percepção de risco em relação a esta categoria de produtos. Para aquelas que já apresentam alguma sensibilidade existem algumas estratégias para procurar conjugar a prática de uso de ambientadores ou velas aromáticas e a minimização de impactes sobre as crianças, seja pela escolha dos momentos para a sua utilização, seja pela escolha de tecnologias que, à partida, acarretarão um menor risco: “Só compro velas aromáticas. Acendo quando elas não estão em casa e depois o cheiro também não fica muito tempo” (Entrevistada 3; 3º ciclo; 3 filhos; menos de 30 anos) “Ambientadores e velas costumo usar e não alterei. Tenho um ambientador eléctrico na casa de banho e um à entrada da porta. Tenho um para os mosquitos, mas é da Chicco e trabalha pelo som, pelo que sei” (Entrevistada 17; 3º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) Mas para outras entrevistadas, a percepção do risco é marcada e molda, indelevelmente, as suas práticas: “Evitava as velas e os ambientadores, tinha sempre receio que me fizessem mal. Ainda hoje tenho esse medo, de usar velas e aqueles que se ligam à tomada. Tento evitar, tenho um bocado de medo. O receio tem a ver com coisas que eu ouvi, mas não sei se está alguma coisa provada.” (Entrevista 18; ensino superior; 1 filho; entre 30 e 39 anos) Ainda assim, o mais comum é que não tenha havido alterações nas práticas relativas à utilização de ambientadores durante a gravidez e após o nascimento. No que concerne a remodelações na casa nos últimos 2/3 anos, quase um quarto da amostra (23%) refere estar nesta situação (tabela 10). Tabela 10 – Habitação remodelada recentemente (últimos dois/três anos) Habitação remodelada N % Sim 377 23 Não 1257 75 29 2 1663 100 NS/NR Total Ao nível das entrevistas procurou-se explorar este tema mas enquadrando-o no período específico da gestação, no sentido de procurar perceber se se observaram cuidados especiais por esta razão. Dos testemunhos é possível concluir que em vários casos houve algum cuidado no sentido de afastar a gestante do local em remodelação (nomeadamente durante as pinturas), mas foram poucos os casos em que foi expressa preocupação com o tipo de materiais utilizados (seja ao nível das tintas usadas para pintar o futuro quarto do bebé, seja ao nível dos móveis adquiridos): “E com as tintas também, porque andámos a pintar antes do nascimento e tivemos cuidado com isso. O meu marido é que pintou, eu não estive presente nas pinturas. Já não me lembro se cheguei a dormir uma noite na casa da minha mãe, ou se a tinta tinha pouco cheiro, mas lembro-me que não presenciei as pinturas. O Cuidado foi mais na sujeição e não na compra.” (Entrevista 8; ensino superior: 1 filho; entre os 30 e os 39 anos) “O quarto já estava todo branco e só colocámos os autocolantes. Depois pensámos nos cheiros das tintas e quando estava grávida tentei não pintar nada em casa por causa dos cheiros. Também há tintas sem cheiros, mas mesmo assim não facilitei. Nos móveis escolhemos do IKEA e colocámos as protecções nos cantos.” (Entrevista 18; ensino superior; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “Mas no quarto não tivemos cuidado com nada em especial. Com as cores sim, mas agora com os materiais ou as tintas não.” (Entrevistada 19; ensino secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) Uma outra questão importante prende-se com a presença de animais de estimação que podem ter alguma influência, por exemplo, ao nível das alergias. Neste inquérito procurou-se perceber se os animais de 18 estimação – quando existem (o que acontece em cerca de 23% das famílias analisadas) – frequentam os espaços destinados às crianças (onde come, dorme e brinca). Nesta situação encontramos cerca de 40% das famílias que afirmam possuir animais domésticos em sua casa. No âmbito desta questão não foi recolhida informação sobre o tipo de animal doméstico. Quando analisamos as condições de habitabilidade é importante ter em conta as diferentes tipologias que os alojamentos podem assumir. Tratando-se de uma região marcada por alguma ruralidade seria de esperar que muitas das famílias analisadas tivessem ao seu dispor espaço exterior, seja este utilizado para jardim, horta ou quintal. De facto, cerca de metade da amostra (51%) encontra-se nesta situação. A existência deste espaço exterior associado ao local de residência assume outro relevo quando nele são utilizados produtos que podem representar riscos para a saúde humana. As respostas indicam que praticamente todos aqueles que possuem jardim, horta ou quintal utilizam produtos químicos frequentemente (23%) ou esporadicamente (72%) e que o consumo de produtos produzidos nesses espaços é relativamente frequente para 59% da amostra e esporádico para cerca de 36%. 4.4. Rotinas quotidianas e hábitos alimentares durante a gestação e amamentação Um dos factores fundamentais no período de gestação e uma das áreas às quais é dada maior importância em termos de acompanhamento médico é a da alimentação da grávida. Nesta amostra, 75% das mães referem ter alterado os seus hábitos alimentares durante a gravidez, sendo que cerca de 60% sublinham o aconselhamento médico e do pessoal de enfermagem como a principal razão para a mudança. 27% dizem mesmo ter sido esta a única razão, ao passo que os restantes a apontam como uma das razões, em conjugação com outras (como a decisão própria). Situações como a ausência de imunidade à toxoplasmose ou a existência de doenças como a diabetes surgem por várias vezes associadas à indicação de alterações nos hábitos alimentares por aconselhamento médico. De forma autónoma ou em conjugação com outras razões, quase 50% da amostra aponta para a influência da sua própria decisão na alteração dos comportamentos alimentares (onde assinalam questões como o aumento de peso, alterações no apetite, etc.). Estratégias como a de recolher recomendações junto de familiares ou amigos ou a existência de enjoos ou desejos, acabam por apresentar um número de respostas muito baixo (tabela 11). Tabela 11 – Alteração dos hábitos alimentares Alteração dos hábitos alimentares N % Não 380 23 Sim 1253 75 30 2 1663 100 NS/NR Total Ainda que, em relação a esta questão, exista alguma pressão para a resposta conveniente (desde logo porque as entrevistadoras eram enfermeiras, algumas delas colaboradoras regulares nos Centros de Saúde), os dados parecem indicar que, na amostra, houve a adopção de um conjunto de boas práticas alimentares durante a fase de gestação ou que, no mínimo, existe uma quase plena consciência sobre quais devem ser os cuidados alimentares durante a fase da gestação. Assim, observa-se a redução generalizada do consumo de alguns dos produtos que poderiam representar um maior problema para a saúde do bebé e mesmo da mãe (café, enchidos, mariscos e doces). No lado oposto, encontramos o leite e iogurtes, o peixe, os legumes, a fruta e a água. O consumo de carne (de vários tipos), de frango no churrasco (a carvão), salmão, atum e ovos manteve-se, relativamente, estável. Sobre estes últimos consumos vale a pena chamar a atenção para um em particular – o atum. Ainda que em Portugal não exista nenhum aviso público concreto que desaconselhe o consumo de atum por parte de gestantes (ao contrário do que acontece em Espanha e em vários outros países), parece-nos de referir que o número de pessoas que diminuiu o consumo é idêntico ao número de pessoas que o aumentou, sendo que 67% das mães referem não ter 19 alterado o consumo, certamente por desconhecerem qualquer tipo de informação que a isso indicasse. Esta questão era constituída por um conjunto de opções pré-definidas, havendo a hipótese das inquiridas acrescentarem situações que não estivessem contempladas (tabela 12). Tabela 12 – Alterações nos hábitos alimentares durante a gravidez (mães que referiram ter alterado) Comeu + Comeu - Não alterou Não se aplica NS/NR Enchidos 1,5 52,9 21,9 23,5 0,2 Salmão fumado 0,9 9,5 10,1 79,3 0,2 Frango no churrasco (carvão) 14 7,8 75 3 0,2 Carne de porco 3,5 29,7 63,6 3,2 0,1 Carne de vaca 6,5 18,3 59,2 15,9 0,1 Salmão 6,5 4 41,5 47,8 0,2 Peixe 56,7 1,9 41 0,4 0,1 Atum 9,1 9 67,1 14,7 0,1 Leite 60,4 2 32,8 4,7 0,1 Legumes 75,6 1,5 22,9 0,1 0 Fruta 78,2 1,3 20 0,3 0,1 Ovos 3,1 29,8 64 2,9 0,2 Marisco 2,2 59,4 20,4 17,8 0,1 Iogurtes 54,6 3,2 40,7 1,4 0,1 Doces 12,5 48,8 31,4 3,4 0,1 Café 0,7 55,6 14,2 29,4 0,1 Vinho 0,2 10,8 6,3 82,6 0,2 Água 84 0,9 14,6 0,4 0,1 N – 1253 A questão do consumo de atum (cujas recomendações de moderação estão associadas à sua tendencialmente elevada carga de metais pesados), bem como de alguns peixes comuns na dieta nacional (como o peixe espada, particularmente o peixe-espada preto), pode levar-nos a reflectir sobre os mecanismos que conduzem (ou entravam) à integração de um conjunto de conselhos, eventualmente, inovadores e tendencialmente rodeados de alguma controvérsia, no aconselhamento a grávidas e mães (situações onde a aplicação do princípio da precaução poderia fazer sentido). De facto, quer ao nível de alguns dos hábitos alimentares, quer de alguns comportamentos quotidianos ligados à limpeza da casa e aos cuidados pessoais, não parece existir uma percepção sobre a controvérsia que envolve algumas práticas e produtos/substâncias que povoam o quotidiano das grávidas e das crianças. Para além da temática da alimentação durante a gestação, onde os testemunhos recolhidos através de entrevista vão ao encontro dos dados recolhidos através do inquérito, procurou-se ainda explorar esta mesma temática, mas agora relacionada com o bebé/criança, ou seja, procurar compreender, até que ponto, a alimentação das crianças reflecte a percepção de risco da família nesta área. De forma genérica é possível dizer que os dados recolhidos nas entrevistas deixam entrever a consciência das diferenças subjacentes a um consumo de produtos produzidos de forma menos intensiva versus o consumo de produtos de produção mais intensiva. 20 Para as entrevistadas o local de compra parece, automaticamente, dar indicações sobre a origem e a qualidade dos produtos. Comprar no mercado é associado a comprar produtos mais frescos, naturais, locais, duráveis, podendo esta imagem estar associada a uma relação de confiança que se estabelece mais rapidamente entre vendedor e comprador, desde logo por haver uma maior proximidade: “Compramos fruta no mercado, porque a pessoa a quem vamos comprar é uma pessoa a quem sempre comprámos fruta e sabemos que fruta é que tem. No supermercado não. É uma pessoa que compra e vende na praça (não produz), mas dá-me mais confiança. Ele diz-me, «olha, não leves que não está capaz» e no supermercado não me dizem isso” (Entrevistada 2; secundário; 2 filhos; entre 30 e 39 anos) “Os legumes costumo ir buscá-los à praça porque é tudo natural, não tem químicos e coisas assim, ao contrário dos do supermercado que tem coisas para crescerem em força. Frutas e legumes normalmente compro no mercado, mas também compro no supermercado, porque o mercado só está aberto até às 2 horas.” (Entrevistada 11; 3º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) As compras “informais” (junto de vizinhos, colegas ou amigos) ou o poder dispor de produtos com origem em hortas familiares são referidos com frequência como situações positivas e indiciadoras da qualidade dos alimentos: “Costumo comprar a uma colega minha que tem uma pequena horta – alfaces, couves, pepino – porque de resto costumo comprar. Somos obrigados a ter confiança nos produtos do supermercado. Procuro comprar os legumes na praça porque é uma senhora que ali vai e que vai comprar a um sr. que tem muitas couves, se outro sr. tem muita batata vai-lhe buscar a batata. Acabamos por ter coisas, às vezes mais caseiras e com menos pesticidas. Aquilo que posso e desde que tenha disponibilidade, procuro comprar ali. Com as frutas faço praticamente igual. Fruta da época procuro comprar em quem tenho confiança.” (Entrevistada 17; 3º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) “Tanto os meus pais como os meus sogros têm uma hortinha e tenho o privilégio de ter hortaliças e alguma fruta. Senão, por norma, compro no hipermercado. Procuro consumir mais produtos nacionais. Por norma diz qual é a origem das frutas e dos legumes. Se é nacional, se não é. Hortaliça, por acaso, é muito raro comprar, porque tenho outras fontes. Mesmo alguma carne, frango. Não costumo comprar muito e sei, ao menos, o que estamos a comer.” (Entrevistada 5; ensino superior; 1 filho; menos de 30 anos) “Vou muitas vezes a Sines ao Pingo Doce ou então ao mercado no sábado de manhã. Gosto de ir ao mercado para comprar mais frescos. Não compro biológicos porque são mais caros. Quando vou à terra, ainda lá tenho os meus avós e aproveito claro, porque são sempre mais naturais. Eles fazem horta e a minha tia também. Mas como é raro lá ir acima...Ainda há poucos dias fui a uma feira e vi lá uma senhora a vender tangerinas que pareciam muito naturais e comprei logo uns poucos de quilos. Tento aproveitar, quando encontro compro e a um preço razoável.” (Entrevista 18; ensino superior; 1 filho; entre 30 e 39 anos) Também não deixa de ser interessante verificar que os cuidados com a “qualidade” dos alimentos servidos às crianças também tende a diminuir com o crescimento. Os cuidados mais marcados ocorrem durante os primeiros tempos (1 ou 2 anos), provavelmente também pelo facto da alimentação ser mais diferenciada (pelo menos até aos 18 meses). O facto da criança começar a partilhar as mesmas refeições com o restante agregado familiar, bem como o facto de estar a crescer, parecem abrir a porta a alguma “banalização” das preocupações manifestadas inicialmente: “Normalmente compro nos supermercados ou no mercado. Quando alguém que conhece tem, come dessa fruta. Mas o mais normal é comprar no supermercado. No início é que eu era muito...só comprava da horta, os agriões, os espinafres, isso assim. Comprava a umas pessoas que, onde nós moramos, costumam ter e preferia esses porque são biológicos. As pessoas produzem para si. O avô dele também tem uma horta e por vezes também traz coisas.” (Entrevistada 14; ensino superior; 1 filho; menos de 30 anos) “(...) até fizemos uma hortinha para as sopas dele, eram alfaces caseiras, era tudo caseiro. Agora já não. Não usávamos as químicas. Era mais legumes. A minha mãe plantou morangueiros e ainda hoje não dou morangos de compra ao meu filho. O meu marido diz que morangos, tomate e alface que nós compramos é a pior coisa que podemos fazer. São as coisas que mais absorvem a química. Ele adora tomate e a minha mãe planta tomates e doulhe desses. Mas também dou de compra, descasco e dou, embora esteja consciente que tem muitas químicas. Mas agora já estou menos preocupada. Porque com os nosso filhos nós temos que ir libertando as nossas cabeças dessas coisas, porque nós não vamos estar 24 horas por dia e quando eles chegarem à adolescência vão fazer muitas 21 porcarias, mesmo que nós... (...) é o papel dos pais, preparar o caminho, mas não podemos ter muitas paranóias. Mas quando era mais pequeno fazia esse controlo.” (Entrevistada 16; secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) Comprar os alimentos sem conseguir integrar cuidados com a origem dos mesmos (mesmo quando essa percepção existe), acaba por ser a situação mais comum: “Também tenho quem me dê, mas normalmente vou ao Pingo Doce ou ao Intermarché. Gosto de ir lá. Às vezes ao Lidl também. Gosto de lá ir, não digo que não seja o que tenho à mão, pois compro tudo de lá (leite, etc.). Mas são produtos que gosto, ainda não tive assim...gosto de comprar lá.” (Entrevistada 4; 2º ciclo; 3 filhos; menos de 30 anos) “Costumo ir mais é ao supermercado, que tem tudo e fica perto de casa.” (Entrevistada 6; 2º ciclo; 3 filhos; entre 30 e 39 anos) “Compro os produtos no supermercado normalmente. Não ligo se são nacionais ou biológicos. O que preciso compro. A umas coisas olho para o preço, noutros olho para a marca, ou para a qualidade, mas o que preciso compro.” (Entrevistada 7; secundário; 1 filho; menos de 30 anos) Ainda assim, por vezes, há a procura de definir estratégias que minimizem a eventual presença de substâncias nocivas nos alimentos, nomeadamente, através do consumo de produtos da época: “Eu, por norma, vou ao supermercado, mas tento comer fruta da época, para não estar a comer fruta de estufa, porque é diferente. Nós sabemos que leva químicos, pesticidas e etc.” (Entrevistada 3; 3º ciclo; 3 filhos; menos de 30 anos) Também no que concerne à alimentação das crianças, as mães não parecem ter recebido qualquer recomendação em termos do peixe a consumir, ou antes, a evitar, uma vez que quando questionadas sobre eventuais restrições alimentares em geral e na área do pescado em particular, não foram verbalizados quaisquer cuidados específicos ou referidas quaisquer especificações que lhes tenham sido transmitidas. Contudo, quando confrontadas com um conjunto de palavras e com o conhecimento que possuíam sobre elas, a associação entre o peixe e metais pesados, especificamente o mercúrio, surge com alguma frequência. Ainda assim, quando questionadas anteriormente sobre restrições alimentares aplicadas na área do peixe, esta associação nunca foi referida. Aliás, para além da associação anterior, a palavra mercúrio é associada com produtos tóxicos (muito devido às memórias sobre a utilização de termómetros com mercúrio e de toda a campanha para a sua recolha e substituição), mas também com produtos de desinfecção utilizados em cuidados médicos: “Sei que existe em alguns peixes, aqueles peixes que andam mais no fundo da água.” (Entrevistada 3; 3º ciclo; 3 filhos; menos de 30 anos) “Ouvi falar em peixe, como o peixe espada que contém um produto que se chama mercúrio. É uma coisa má. Quem me explicou foi o meu marido, porque eu lembro-me de a gente estar a comer uma vez e de dizer que sentia um sabor esquisito naquele peixe. E ele disse “isso é mercúrio” e eu disse-lhe “então mas isso não faz mal para a gente estar a comer?” “bem também não faz”.” (Entrevistada 4; 2º ciclo; 3 filhos; Menos de 30 anos) “Já não me lembro ao que associo...no peixe não? Já não me lembro.” (Entrevistada 14; ensino superior; 1 filho; menos de 30 anos) “Associo ao termómetro, às águas e ao peixe, acho que ao peixe. Quando penso nas águas penso nas águas profundas do mar, não há nada para aí? Peixe de águas fundas, acho eu...se calhar não é mercúrio e é outro metal qualquer.” (Entrevistada 16; secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “É o que está nos termómetros. Acho que também está na água, em alguns alimentos e no peixe. No livro que li tinha informação sobre alguns peixes que não devíamos comer quando estamos grávidas, mas não tenho a certeza se era por causa do mercúrio. Era o peixe espada e isso. E tive isso em atenção. Por isso é que tive o medo de ir pesquisar, porque já vimos que os frangos estão constipados, os porcos estão doentes, as vacas estão loucas, isto faz mal a isto, isto faz mal aquilo.” (Entrevistada 19; ensino secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) No seu conjunto, estes resultados parecem apontar para a existência de um enfoque muito particular no que concerne ao aconselhamento sobre alimentação, seja no que diz respeito à grávida, seja no que diz respeito ao bebé. O enfoque parece ser quase exclusivamente centrado numa visão tradicional da nutrição e da sua ligação a temas como a obesidade, a diabetes, possíveis infecções e alergias (esta última mais acentuada na primeira fase de vida da criança). O aconselhamento para a qualidade em termos de modo de produção dos alimentos ou da eventual presença de algumas substâncias com potencial efeito sobre a saúde a longo prazo, particularmente por estarmos perante dois dos grupos classificados como vulneráveis 22 (crianças e grávidas), parece estar praticamente ausente das práticas de aconselhamento médico e de enfermagem. Se porventura o grau de controvérsia em torno de algumas das substâncias visadas pode ser suficientemente desencorajador para sejam emitidas directrizes no sentido de alterar as práticas de aconselhamento, tal não acontece em relação a todas (por exemplo a presença de mercúrio em algumas espécies de peixe ou de nitratos em alguns vegetais, que foram alvo de aconselhamento específico pelas autoridades espanholas), pelo que a sua completa ausência em Portugal, certamente, ficará a dever-se a deficiências no processo de actualização e transmissão de conhecimentos, linha de investigação que representará o próximo passo desta equipa de investigação. Pelos dados recolhidos é possível perceber que a fase da gravidez e amamentação não é propícia a grandes alterações de hábitos quotidianos, no que concerne aos cuidados de higiene e de uso pessoal. Com excepção do uso significativamente mais pronunciado de cremes corporais, todos os restantes produtos ou mantêm a sua utilização ou há uma pequena redução (tabela 13). Apenas no caso da coloração do cabelo se observa uma sensibilidade maior quanto aos impactos que pode ter na saúde, uma vez que, nesta fase, cerca de 62% das mulheres que habitualmente assumem esta prática, referem ter diminuído a sua frequência (tabela 14). Tabela 13 – Alteração de hábitos quotidianos durante a gravidez e amamentação Usou + Usou - Não alterou Não se aplica NS/NR Desodorizantes 2,3 10,3 83 4,3 0,1 Cremes corporais 60,6 4,5 30,7 4,2 0,1 Maquilhagem 0,4 8,6 45,1 45,8 0,1 Perfumes 0,2 22,1 66,5 11,1 0,1 Tintas para o cabelo 0,4 27,8 16,4 55,3 0,1 Laca e/ou gel para o cabelo 0,1 4 17,3 78,3 0,2 Ambientadores (casa/carro) 0,1 13 44,2 42,5 0,2 Detergentes perfumados 0,1 12,2 53,8 33,6 0,3 Tintas e vernizes (paredes, móveis, chão) 1,5 10,4 17,8 69,9 0,4 N – 1663 Tabela 14 – Alteração de hábitos quotidianos durante a gravidez e amamentação (excluindo as respostas “não se aplica”) (%) Usou + Usou - Não alterou N Desodorizantes 2 11 87 1564 Cremes corporais 63 5 32 1567 Maquilhagem 0,8 16 83 885 Perfumes 0,3 25 75 1453 Tintas para o cabelo 0,8 62 37 728 Laca e/ou gel para o cabelo 0,3 19 81 351 Ambientadores (casa/carro) 0,2 23 77 937 Detergentes perfumados 0,1 18 81 1082 5 35 60 487 Tintas e vernizes (paredes, móveis, chão) 23 Estes resultados parecem indicar uma ausência de conhecimento/informação/percepção sobre a complexa problemática da presença das substâncias químicas (e seus potenciais impactos na saúde humana, sejam estes mais ou menos controversos do ponto de vista científico) no nosso quotidiano, uma vez que poucas foram as alterações significativas observadas. Não deixa de ser interessante verificar as diferenças registadas entre as alterações num conjunto de práticas de cuidados pessoais e as alterações ao nível da alimentação, onde, com uma frequência bem mais acentuada, se observam alterações (ainda que, nesse caso, a questão se cinja ao período da gestação). É de esperar que estes resultados espelhem o enfoque por parte dos profissionais de saúde na área da alimentação no sentido de prevenir situações de aumento excessivo de peso, diabetes, hipertensão, etc., durante o período da gravidez, em detrimento de outras áreas menos consensuais e mais complexas como é a da proliferação de substâncias químicas nos diferentes contextos do quotidiano de cada um (casa, trabalho, lazer). A existência de alterações pouco marcadas neste conjunto de práticas leva a que seja difícil encontrar relações estatisticamente relevantes entre estas e um conjunto de variáveis sociais, tais como a idade, a escolaridade e a profissão da mãe. Este contexto reforça a necessidade de integrar e valorizar a informação recolhida através de entrevista, uma vez que esta nos permite ir um pouco mais além na compreensão dos factores que podem influenciar as decisões das mães durante o período de gestação e primeiros tempos de vida do seu bebé. Os testemunhos recolhidos durante as entrevistas espelham um pouco a distribuição das respostas ao inquérito no que diz respeito às tintas para o cabelo, uma vez que a referência à toxicidade é relativamente comum. Contudo, não deixa de ser interessante notar que, em alguns casos, as entrevistadas procuraram “contornar” a percepção de risco, quer usando o aconselhamento de pessoal médico, quer minimizando o risco, comparando-o com outras situações, também elas, de risco: “Pinto o cabelo e mantive o hábito. Dizem que pintar o cabelo faz mal, mas a minha médica disse-me ‘uma vez por mês uma coisinha de tinta deve pouco entrar no sistema circulatório, isso não faz mal nenhum’. Pronto, fiquei descansada” (Entrevistada 16; secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “Eu fui à cabeleireira e ela disse-me: ‘não pinto o cabelo a grávidas’, e eu disse que se não me pintasse eu ia para casa e pintava ou pedia a alguém que mo pintasse. Por isso ‘deixe-me lá ficar bonita e faça-me lá isso em condições porque eu vou pintar na mesma. As unhas, pintava as unhas. Acho que pode vir a ter, mas também, se há gente que se droga, que bebe álcool que é uma coisa louca, que faz toda a estupidez e tem filhos saudáveis, é porque eu pintava as unhas de vez em quando, ou porque pintei o cabelo duas ou três vezes durante a gravidez? Não. A única coisa que me pesava na consciência era o fumar.” (Entrevistada 19; ensino secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “Não uso maquilhagem nem pinto o cabelo, mas sei que as tintas têm produtos tóxicos que entram no organismo.” (Entrevista 8; ensino superior: 1 filho; entre os 30 e os 39 anos) A escolha dos cremes corporais para a mãe foi, muitas vezes, o resultado de aconselhamento médico ou de amigas e familiares que passaram pela mesma situação e em nenhum momento, durante as entrevistas, foi feita qualquer alusão às substâncias presentes nos cremes terem sido um critério para a escolha. Antes, foi o aspecto da eficácia “comprovada” através do aconselhamento médico e de amigas e familiares que foi considerado o argumento chave para a escolha final. Para além das escolhas da mãe relativas a práticas de cuidado pessoal, pareceu-nos particularmente relevante explorar através das entrevistas os factores determinantes nas escolhas relacionadas com o bebé, não apenas as relativas aos cuidados pessoais, mas também as relacionadas com a escolha e tratamento das roupas e a selecção dos brinquedos. Começando por este último aspecto, para além dos brinquedos pertencerem a uma das categorias de produtos mais propícias e ofertas e, logo, mais dificilmente sujeitas ao controlo parental desde o primeiro momento, o facto é que as preocupações das mães entrevistadas estavam, maioritariamente, relacionadas com a adequação do brinquedo à idade, com a segurança do próprio brinquedo (inexistência de peças pequenas, não partir com facilidade) e, em alguns casos, particularmente quando existiam alergias ou problemas respiratórios nas famílias, a possibilidade de garantir uma fácil limpeza e lavagem. O tipo de materiais usados, bem como a procura de evitar determinadas substâncias químicas, não foi, praticamente, referido. 24 No que concerne aos cuidados com a roupa do bebé, em termos da sua aquisição as preocupações tendem a centrar-se no tipo de material e no facto de serem confortáveis proporcionando bem-estar. Contudo, a situação mais frequente é da compra ser influenciada apenas pelo gosto de quem compra. O cuidado de lavar a roupa previamente à sua utilização parece ser um hábito enraizado, bem como o uso de detergentes próprios para bebés, pelo menos durante o primeiro ano de vida. Não obstante esta tendência, foram várias as mães que referiram ter mantido a prática de lavar a roupa em separado, mesmo quando passaram a utilizar o mesmo detergente que é usado na lavagem de roupa do restante agregado familiar. No que concerne ao uso de amaciador na roupa do bebé, é possível encontrar testemunhos que expressam práticas opostas. Se algumas mães referem ter “ouvido falar” de possíveis malefícios resultantes da utilização destas substâncias (o que tende a levar à sua não utilização), existem outras que referem ter usado amaciador, particularmente, nos primeiros tempos. “Já lavo a roupa toda junto. Desde que ele começou a andar no chão, já não valia a pena. (...) Usei para ele o detergente para a roupa de bebé. Vi no supermercado que havia detergente para roupa de bebé e disse “bom, vamos lá comprar”. Só uso amaciador na roupa do trabalho.” (Entrevistada 16; secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “Agora já uso o detergente da gente. Até quase aos dois anos foi o skip para crianças, mas depois já usei normal. Sempre usei, mas nos primeiros meses não usei o skip. Foi mesmo um sabão branco, sem cheiro, lavei sempre à mão. A roupa dela lavava quase toda à mão, com sabão sem perfume, mas não ter nada a fazer alergia. Preferi ter esse cuidado porque se ela tivesse alergia a alguma coisa é sempre melhor evitar e assim sempre fica mais bem lavadinho e cuidadinho. Ninguém me aconselhou. Fui eu que decidi.” (entrevistada 12; secundário; 1 filho; menos de 3 anos) “Lavo a roupa dela separada. Uso o mesmo detergente líquido natural e o amaciador. Hoje eu uso o mesmo, o detergente nosso e o amaciador nosso. Só lavo a roupa separada. Mas na altura usei muito um de bebé mesmo. Até aos 2 anos e meio eu usei um próprio para lavar.” (Entrevistada 9; 2º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) “Fazemos máquinas só com a roupa deles. Não é misturada com a nossa. Uso o mesmo detergente e uso amaciador.” (entrevista 2; secundário; 2 filhos; entre 30 e 39 anos) “Quanto às roupas tentava que fosse o máximo de confortável e algodãozinho, principalmente para os interiores, mas de resto não, não tive outros cuidados. Comprei foi um detergente anti-alérgico ou hipoalérgico, ali nos primeiros meses, porque depois mudei para o nosso. Mantenho ainda o hábito de lavar à parte a roupinha dela, mas é na mesma máquina. Mas uso o mesmo detergente e não meto amaciador, porque desde pequenina que nas coisinhas vinha a dizer que não era bom meter e então não meto. Não sei onde li, mas talvez nos livros de bebés. Eu nunca notei nada, mas como diziam que fazia mal à pele…vi isso em algum sítio e então deixei de pôr. Até na nossa deixei de pôr tantas vezes.” (Entrevistada 19; ensino secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “Tentava comprar tudo à base de algodão, passava tudo por água e usava o detergente só para bebés. Agora passado algum tempo, quando ela nasceu, já deixei de ligar. No primeiro ano é que andamos mais atentas, mas depois passei a lavar a roupa com a nossa. Já lavo tudo junto já há algum tempo. Talvez a partir do ano. Aí usei o detergente que uso na nossa. Nem sempre uso amaciador. Depende, nem sempre compro.” (Entrevista 18; ensino superior; 1 filho; entre 30 e 39 anos) Uma outra área onde as práticas expressam a existência de uma preocupação com a qualidade dos produtos é a dos produtos de higiene do bebé. Os primeiros tempos acabam por estar muito marcados pelas ofertas de amigos, familiares e mesmo na maternidade. Tal como quando falámos dos cremes corporais usados pelas mães durante a gravidez, também no caso dos produtos de higiene do bebé o aconselhamento médico e, principalmente, o aconselhamento obtido através das redes de sociabilidade mais próximas, assumem grande relevo. O facto de ser adquirido na farmácia, de ser de uma determinada marca disponibilizada na maternidade ou de ser de uma marca já utilizada por pessoas próximas, são elementos importantes para a escolha final. Claro que estas escolhas iniciais estão sempre sujeitas a confirmação posterior através da sua utilização, ou seja, é na observação directa dos efeitos (imediatos e associados às funções que visam desempenhar) dos produtos no bebé e o seu comportamento em momentos em que surge este ou aquele problema, que acaba por ser moldada a continuidade do seu uso. Ao nível de preocupações que denotem a percepção de eventuais impactos para a saúde do bebé decorrentes de substâncias que constituem estes produtos de higiene, são poucas as referências recolhidas, mas é de notar que elementos visíveis como o “cheiro” continuam a marcar presença. Em diferentes testemunhos foi possível verificar a existência de confiança nos produtos a partir do momento em que estes referem ser indicados para determinadas faixas etárias. Mesmo quando há algum préconhecimento sobre a existência de substâncias que podem acarretar algum risco (por exemplo quando a 25 própria embalagem refere que o produto não contém esta ou aquela substância), tende a existir um significativo desconhecimento sobre o alcance de tais referências. “Ao princípio não escolhi muito porque iam-me oferecendo produtos da Mustela e da Chicco. Agora como já não oferecem, um dos factores é o preço, mas tento evitar produtos que tenham um cheiro muito activo, porque, em princípio, também têm mais coisas que não fazem tão bem, e compra coisas específicas para a idade dele. Não procuro evitar nenhuma substância em particular, até porque a maior parte das coisas que leio lá não sei o que quer dizer. Confio que os produtos que estão indicados para a idade deles serão mesmo os mais indicados.” (Entrevista 8; ensino superior: 1 filho; entre os 30 e os 39 anos) Tendo em consideração que um dos grupos de substâncias que mais frequentemente surge referenciado em produtos de higiene pessoal de bebés e crianças é o dos parabenos (sendo referidos, de forma expressa, quando foram excluídos dos produtos), procurou-se incluir este conceito entre os termos sobre os quais as mães entrevistadas poderiam expor o seu conhecimento. Dos testemunhos recolhidos é possível perceber que a situação mais frequente é a do desconhecimento total. Quando existe algum conhecimento, muitas vezes este não tem uma tradução na prática, uma vez que o significado da “exclusão” da substância de determinado produto ou marca acaba por não ser valorizada por desconhecimento. Para uma pequena minoria este conhecimento é, de algum modo, integrado nas suas práticas de aquisição, mesmo quando o conhecimento sobre os reais riscos associados à utilização destes produtos é diminuto: “Lemos muito nos frascos que não tem parabenos” (Entrevistada 14; ensino superior; 1 filho; menos de 30 anos) “ Ai isso muito, agora é tudo sem parabenos, champôs sem parabenos, cremes sem parabenos; associo à cosmética e deve ser mau porque se dizem para a gente comprar sem parabenos..., mas não ligo muito.” (entrevistada 16; secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “É umas substâncias que vêm em alguns sprays e alguns dizem que não têm. Lembro-me de alguém me ter oferecido um champô que dizia que não tinha parabenos e sei que os ambientadores às vezes dizem que contêm parabenos. Não sei se tem a ver com os cheiros.” (Entrevistada 17; 3º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) “Parabenos não sei bem o que é, mas normalmente procuro escolher sempre produtos para a Rita sem parabenos. Tenho esse cuidado porque tenho ideia que isso deve ser qualquer coisa que prejudica a pele, não sei. Algum produto que está associado ao creme mas que não devia lá estar. Não sei é quais são os efeitos que pode provocar na pessoa. Quem me falou primeiro nisso até foi a minha mãe, porque ela não está cá, ela vive em França e lá já há mais tempo que eles vendem esses produtos e ela estava mais sensibilizada e começou a falar comigo sobre isso. Depois comecei a reparar. A minha mãe também me falava das velas e dos ambientadores. Ela não tem nenhuma formação na área, mas ouvia nas notícias.” (Entrevistada 18; ensino superior; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “É qualquer coisa que também está nos cremes. Não sei mais nada, apenas leio nos cremes dos bebés que não têm parabenos, ou tem parabenos, ou uma coisa assim, mas não sei o que é.” (Entrevistada 19; secundário; 1 filho; entre os 30 e os 39 anos) 4.5. Outros factores com potencial de risco para a saúde das crianças Sabe-se hoje que uma gravidez vigiada é, à partida, uma gravidez com maiores garantias para a saúde do bebé e da mãe. Neste contexto, uma das questões colocadas passava pela análise do número de consultas frequentadas durante o período de gestação. Da amostra inquirida, mais de dois terços enquadra-se no grupo médio, tendo estado presente entre 7 e 11 consultas durante o período de gestação. Quase 12% estiveram presentes em 12 ou mais consultas e quase 20%, frequentaram 6 ou menos consultas (tendo havido 6 mães que não frequentaram qualquer consulta durante o período de gravidez). Em geral, é possível afirmar que a gestação da maioria das crianças em análise seguiu as recomendações quanto ao acompanhamento médico (tabela 15). 26 Tabela 15 – Número de consultas médicas frequentadas durante o período de gestação Mãe N % Até 6 consultas 327 19,7 Entre 7 e 11 consultas 1131 68 12 ou mais consultas 197 11,8 8 0,5 1663 100 NS/NR Total É conhecido que o fumo do tabaco é um dos factores de risco para a saúde das crianças, não apenas durante o período de gestação, caso a sua mãe seja fumadora activa ou passiva, mas também após o seu nascimento, face ao impacte que o fumo do tabaco pode ter na qualidade do ar interior dos edifícios (isto para além de se ter que ter em consideração as situações em que a mãe está a amamentar). Segundo os dados recolhidos, cerca de 85% das mães inquiridas não foram fumadoras activas durante a gestação. Apenas cerca de 14% das mães referem ter fumado durante este período. Quando inquiridas sobre a sujeição ao fumo, enquanto fumadoras passivas, os valores de resposta são relativamente semelhantes (82% referem não terem estado sujeitas ao fumo do tabaco enquanto fumadoras passivas e 17% assinalam a resposta oposta). Um outro factor de risco, particularmente durante as fases de gestação e amamentação é o consumo de medicamentos. Nesta situação encontramos cerca de ¼ da amostra, já que 25,7% das mães inquiridas refere ter consumido medicamentos durante a gravidez (tabela 16). Tabela 16 – Consumo de tabaco (activo ou passivo) e de medicamentos durante a gravidez Fumadora activa Fumadora passiva Consumo de medicamentos N % N % N % Sim 236 14 277 17 428 26 Não 1413 85 1373 82 1221 73 14 1 13 1 14 1 1663 100 1663 100 1663 100 NS/NR Total Um cruzamento entre as duas variáveis relativas ao fumo do tabaco permite-nos apontar que 77% das mães inquiridas não estiveram sobre influência corrente do fumo do tabaco (seja de forma activa ou passiva), 9% foram apenas fumadoras passivas, 8% das mães foram fumadoras passivas e activas e 7% das mães foram apenas fumadoras activas. Independentemente destes resultados, o facto é que mais de metade dos agregados familiares possui, pelo menos, um elemento que é fumador e a exposição das mães ao longo da sua vida não deixa, também, de apresentar números reveladores. Cerca de 38% das mães inquiridas referem ter estado expostas, pontualmente, ao fumo do tabaco ao longo da sua vida. Contudo, quase 10% estiveram sujeitas ao fumo passivo por mais de 20 anos, 17% entre 10 e 20 anos, 16% entre 5 e 10 anos e 13% entre 1 a 5 anos. Tratando-se de uma amostra onde, em particular as mães, se enquadram maioritariamente em escalões etários relativamente jovens, os números ora observados não podem deixar de levantar questões sobre o passivo que carregam, no que diz respeito à sujeição passiva ao fumo do tabaco. Durante as entrevistas houve o cuidado de procurar explorar a sujeição ao fumo do tabaco, particularmente quando estávamos perante fumadoras activas. De uma forma geral, os testemunhos parecem indicar que houve uma alteração nas práticas de fumar durante a gravidez e os primeiros tempos 27 de vida da criança. É um facto que várias entrevistadas não conseguiram eliminar totalmente a prática, mas parece haver uma clara compreensão de que tal não é a situação ideal e, em alguns casos, é observável um sentimento de culpa por, de algum modo, não terem conseguido evitar sujeitar o seu filho ou filha ao fumo do tabaco: “Fumar pesa-me muito na consciência. Foi uma das grandes preocupações durante a gravidez. Quando fui fazer a ecografia morfológica disse ao dr.: ‘Doutor diga-me que tem um peso normal para a idade de gestação, porque eu fumo e isso pesa-me na consciência, mas não consigo reduzir mais do que já reduzi. Se eu já ando stressada, se reduzir mais ainda fico mais stressada e isso é mau para mim e para a bebé. E ele disse-me: “fuma 4? Se fumasse 8 era bem pior. A sua filha está super normal, não se sinta mal. Se conseguir deixar de fumar excelente. Se não, não se preocupe. (...) Desde a altura em que ela nasceu prematura e sem problemas respiratórios para mim foi Deus a dizer ‘Filha...’. Mas mesmo assim deixei de fumar. Na maternidade não havia ninguém a fumar, não havia cheiro a tabaco, consegui não fumar. Depois achei que se tinha conseguido ali, se não tinha fumado uma semana, não tinha lógica começar. Só quando voltei ao trabalho. (...) E ela continua a mamar e eu já fumo e isso preocupa-me e acho que estou a passar coisas para ela que ela não precisava mesmo nada, mas...” (Entrevistada 19; ensino secundário; 1 filho; entre 30 e 39 anos) “Ainda hoje, eu fumo o meu cigarro da manhã quando vou beber o meu café, fumo o meu do almoço, à noite a gente também não fuma em casa, só se a gente sair. É uma das coisas quando me juntei com ele disse que em casa não. Temos varandas, se tiver que fumar fuma na varanda, mas acho que em casa, com crianças, não se deve fumar. E o meu mais velho está sempre a meter-se “não queres que a gente fume, mas sabes que isso faz-te mal”. Então a gente evita um pouco. Porque às vezes ele faz-me perguntas sobre isso: “então e se me visses a fumar? Gostavas? O que é que me fazias?”. Então são situações que eu tento evitar. Em casa só se for na varanda e é muito raro. Na altura da gravidez já não fumava muito, mas reduzi ainda uns 4 cigarros ou mais. E depois mantive, mas agora fumo muito menos, porque antes ainda fumava 2 ou 3 de manhã, o do almoço, depois se estava um bocadinho na conversa, quando dava por mim já estava a acender outro, mas agora já não é assim.” (Entrevistada 4; 2º ciclo; 3 filhos; menos de 30 anos) No processo de alteração da prática de fumar o papel do pessoal médico e de enfermagem continua a assumir grande relevância, muito embora se observem testemunhos onde foi a própria entrevistada que decidiu introduzir alterações na sua prática logo que soube da gravidez: “Quanto ao tabaco, ela (médica) disse-me logo na primeira consulta – eu também não sou uma grande fumadora, fumava 9 ou 10 cigarros por dia – e ela disse-me logo “Temos que tentar alterar isto”. E eu “está bem”, às vezes fumava um cigarrito depois de jantar ou depois do almoço, mas era, muitas vezes não me apetecia mais. Agora da segunda vez foi mesmo, agora vou cortar com isto, chega.” (Entrevistada 7; secundário; 1 filho; menos de 30 anos) “Deixei de fumar quando soube que estava grávida. A gravidez foi planeada mas demorei muito tempo a engravidar e só deixei de fumar nessa altura. Mas assim que veio o resultado das análises acabou-se álcool (socialmente), acabouse tabaco. E enquanto dei...ainda dou de mamar, mas já voltei outra vez. Mas tenho sempre o cuidado, como sei quais são as horas em que ele mama, para aí 3 horas antes de lhe dar de mamar, tenho o cuidado de não fumar. Também não fumo muito, 3, 4 cigarritos, mas mesmo assim, é.” (Entrevista 8; ensino superior: 1 filho; entre os 30 e os 39 anos) “A primeira coisa que fiz assim, foi com o tabaco. Em minha casa os meus pais fumam muito. E a primeira coisa foi eles deixarem de fumar em casa e fumar lá fora ou na varanda. O meu marido também fuma. Mas todos passaram a fumar fora, porque fazia-me tanto mal a mim como a ela.(...) Às vezes ponho um produto anti-tabaco, mas é na sala. No quarto da menina não uso nada disso. Agora já voltaram a fumar, mas só na sala. No resto da casa ninguém fuma. E mesmo assim na sala, pouco. Vão muitas vezes à varanda.” (Entrevistada 11; 3º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) Como é observável através de alguns dos testemunhos anteriores, as alterações registadas na prática de fumar durante a gravidez e os primeiros tempos de vida da criança tendem a não se manter no tempo, sendo que o retorno ao hábito de fumar passado algum tempo tende a ser a situação mais frequentemente encontrada. Um outro aspecto a assinalar prende-se com os cuidados relacionados com a prática de fumar. Em muitos casos e mesmo quando mais do que um elemento do agregado familiar é fumador, a tendência mais marcada é para procurar que a prática aconteça fora de casa ou, pelo menos, na varanda. Fumar apenas 28 numa divisão – por exemplo a cozinha ou a sala – ainda que pouco eficaz do ponto de vista da eliminação de efeitos sobre a saúde das crianças, ainda surge referenciado. “A gente só fuma na cozinha. E durante a gravidez fumei e não alterei nada. Não conseguia alterar. Fumava dois ou três cigarros por dia, se tanto. Sou fumadora activa há muitos anos e o meu marido também fuma.” (Entrevistada 6; 3º ciclo; 3 filhos; entre 30 e 39 anos) “Durante a gravidez foi um bocado complicado porque eu tinha crises de ansiedade quando tentava não fumar. Procurava não fumar, mas ninguém me tira o cigarro depois da refeição (depois do almoço e do jantar), era sagrado. À porta da maternidade fumei o meu último cigarro antes de entrar e depois deixei de fumar. Voltei a fumar há cerca de 4 meses atrás, houve um elemento da família que adoeceu, e voltou o tal momento de egoísmo que não faz bem a ninguém, mas que é o meu momento de egoísmo. Mas já iam dois anos sem fumar. Durante a gravidez fumava 2 a 4 e antes fumava uns 6, 8, 10, dependendo dos turnos (de noite fumava mais). O pai fuma na rua e ninguém fuma em casa. A casa é dos meninos e é habitada por todos. Mesmo no café, se estiver muito fumo não vamos.” (Entrevistada 17; 3º ciclo; 1 filho; menos de 30 anos) Ao nível do potencial impacto sobre a saúde das crianças há que considerar não apenas o período de gestação, mas também todo o passivo que, particularmente a mãe, pode transmitir. Por este facto, foram incluídas questões tendo em vista obter uma panorâmica geral sobre os locais de trabalho das mães nos últimos 10 anos. Em geral, é possível afirmar que num universo tão alargado não parecem existir situações muito críticas de sujeição a riscos profissionais. Apenas no caso de trabalhos na área da restauração e em explorações agrícolas se verifica um número mais significativo de casos (tabela 17). Tabela 17 – Locais de trabalho nos últimos 10 anos (respostas positivas) N % Bomba de gasolina 69 4,1 Centro de fotocópias/gráfica 21 1,3 Laboratório químico 41 2,5 Central de camionagem 12 0,7 Oficina automóvel 39 2,3 Siderurgia 20 1,2 Churrasqueira 89 5,3 Exploração mineira 11 0,7 Cabeleireiro 56 3,4 Indústria de polímeros 32 1,9 Refinaria 48 2,9 ETAR 10 0,6 Central termoeléctrica 22 1,3 Exploração agrícola 175 10,5 Exploração pecuária 44 2,6 Cozinha de restaurante ou de fábrica 318 19,1 Padaria com forno a lenha ou carvão 62 3,7 N - 1663 29 5. NOTAS CONCLUSIVAS As causas ambientais são hoje consideradas pela Organização Mundial de Saúde como um dos principais factores que podem influenciar a mortalidade/morbilidade das crianças com menos de 5 anos. A poluição do ar exterior e interior, a contaminação da água, os produtos tóxicos e a degradação dos ecossistemas estão entre os principais factores de risco de origem ambiental para as crianças. Nos países desenvolvidos a poluição do ar (seja exterior, seja interior) surge como uma das preocupações principais em termos de impactos sobre a saúde das crianças. O projecto GISA – Gestão Integrada de Saúde e Ambiente na região do Alentejo Litoral procura explorar o grau de associação entre a qualidade do ar na região do Alentejo Litoral e a frequência, no tempo e no espaço, de ocorrência de anomalias no desenvolvimento das crianças ao longo dos dois primeiros anos de vida. Para esta análise, procedeu-se à recolha de informação sobre um conjunto de indicadores de saúde de cada criança, tarefa que foi complementada pela recolha de informação sobre as percepções relativas a factores de risco para a sua saúde (factores de contexto, estilos de vida, consumo), tendo-se, para tal, recorrido à inquirição das mães. Ao procurar compreender o impacto da poluição do ar nas crianças com menos de 2 anos de idade o projecto Gisa procurou explorar o papel desempenhado pela poluição do ar exterior, mas teve ainda em consideração um conjunto de práticas ligadas à qualidade do ar interior e a alguns cuidados pessoais, que também podem influenciar, de algum modo, a saúde das crianças. O interesse em abordar estas práticas e integrá-las num projecto com um enfoque particular na qualidade do ar exterior ficou a dever-se a dois aspectos essenciais. Por um lado, havendo o objectivo de procurar identificar ligações entre a poluição existente na região e problemas específicos que podem afectar as crianças, é importante “controlar” eventuais factores que possam influenciar os resultados, mas que não resultem de problemas de qualidade do ar exterior. Por outro lado, tratando-se, em muitos dos casos analisados, de práticas ou consumos cujo impacto na saúde das crianças está envolto em alguma controvérsia científica, pareceu-nos importante procurar explorar de que forma as instituições e os profissionais da área da saúde integram, ou não, estes “novos riscos” nos seus processos de disponibilização de informação/formação dos agentes do sector ou dos cidadãos. Para o cumprimento deste objectivo foram realizados inquéritos presenciais a mais de 1600 mães dos concelhos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira, tendo estes sido complementados com 20 entrevistas em profundidade. Neste estudo foi possível reunir uma amostra de 70% da população estimada inicialmente, o que dá garantias de representatividade, não obstante algumas diferenças registadas entre os cinco concelhos envolvidos no estudo. Tratando-se de um estudo centrado em crianças nascidas entre Janeiro de 2007 e Dezembro de 2010, para o qual foi fundamental contar com a colaboração das mães para a recolha da informação necessária, a população inquirida acabou por ser relativamente jovem e com uma escolaridade um pouco mais elevada do que a registada entre a população em geral. Considerando a necessidade de conhecer um pouco melhor um conjunto de situações que podem ser factores de risco para a saúde das crianças, podemos concluir que, com excepção da área da alimentação (na sua abordagem mais tradicional) e de situações muito concretas – como o da coloração no cabelo – a percepção de risco é baixa ou inexistente em relação a alguns riscos, identificados na literatura científica, como podendo ter impactes na saúde das crianças – particularmente durante a gestação e primeiros anos de vida. De facto, ¾ da amostra referem ter alterado os seus hábitos alimentares durante a gravidez. As alterações verificadas parecem prender-se, essencialmente, com o interesse em evitar problemas de saúde que podem ser aumentados ou causados pela gravidez (excesso de peso, diabetes), bem como, com o objectivo de compensar a susceptibilidade a determinados agentes infecciosos com sérias repercussões para a saúde das crianças, como é o caso da toxoplasmose. Factores mais controversos, como a presença de metais pesados ou de outros poluentes em alguns alimentos, parecem não ter sido ainda integrados no conjunto de informação que é disponibilizado às grávidas, sob a forma de aconselhamento pelos profissionais da área da saúde. 30 No que diz respeito à alimentação das crianças a abordagem tende a ser muito semelhante, apresentando as mesmas lacunas de conhecimento. Contudo, não deixa de ser interessante notar uma tendência para diferenciar claramente os modos de produção dos alimentos, com os produtos comprados em mercados locais classificados de forma muito mais positiva (mais naturais, mais frescos, mais duráveis, de origem local). A visível apetência por produtos locais parece apontar para uma reduzida percepção de risco no que diz respeito ao potencial efeito do pólo industrial de Sines na qualidade dos alimentos produzidos na região. Muito embora estejamos perante uma área geográfica significativa e a proximidade a Sines tenha uma influência directa no aumento da percepção de risco associada à poluição industrial, o facto é que não se observaram diferenças nos discursos recolhido que possam ser associadas a uma maior ou menor proximidade ao pólo industrial de Sines. Ao nível da alimentação a preocupação parece incidir mais sobre a forma de produção (intensiva; menos intensiva, muito associada a uma produção local; própria) e não tanto sobre a localização geográfica da mesma. No seu conjunto, os resultados parecem apontar para a existência de um enfoque muito particular no que concerne ao aconselhamento sobre alimentação, seja no que diz respeito à grávida, seja no que diz respeito ao bebé. O enfoque parece ser quase exclusivamente centrado numa visão tradicional da nutrição e da sua ligação a temas como a obesidade, a diabetes, possíveis infecções e alergias (esta última mais acentuada na primeira fase de vida da criança). O aconselhamento para a qualidade em termos de modo de produção dos alimentos ou da eventual presença de algumas substâncias com potencial efeito sobre a saúde a longo prazo, particularmente por estarmos perante dois dos grupos classificados como vulneráveis (crianças e grávidas), parece estar praticamente ausente das práticas de aconselhamento médico e de enfermagem. Se porventura o grau de controvérsia em torno de algumas das substâncias visadas pode ser suficientemente desencorajador para que sejam emitidas directrizes no sentido de alterar as práticas de aconselhamento, tal não acontece em relação a todas (por exemplo a presença de mercúrio em algumas espécies de peixe ou de nitratos em alguns vegetais, que foram alvo de aconselhamento específico pelas autoridades espanholas), pelo que a sua completa ausência em Portugal, certamente, ficará a dever-se a deficiências no processo de actualização e transmissão de conhecimentos, linha de investigação que representará o próximo passo desta equipa de investigação. No que diz respeito aos cuidados pessoais (da mãe e do bebé) a percepção de risco tende a ser pouco marcada no que concerne à presença de um conjunto de substâncias e de práticas que podem ter efeitos negativos na saúde. Factores como o aconselhamento médico e através das redes de sociabilidade, o facto de muitos produtos poderem ser adquiridos na farmácia, de ser de uma determinada marca disponibilizada na maternidade ou de serem produtos comercializados como sendo adequados para uma dada faixa etária ou para um dado fim acabam por pesar no momento da escolha. Mesmo quando há algum préconhecimento sobre a existência de substâncias que podem acarretar algum risco (por exemplo quando a própria embalagem refere que o produto não contém esta ou aquela substância), tende a existir um significativo desconhecimento sobre o alcance de tais referências. Estes resultados parecem indicar que a complexa problemática da presença das substâncias químicas (e seus potenciais impactos na saúde humana, sejam estes mais ou menos controversos do ponto de vista científico) ainda não está disseminada em termos de discurso público e muito menos em grande parte das ferramentas colocadas à disposição das grávidas/mães. Não deixa de ser interessante verificar as diferenças registadas entre as alterações num conjunto de práticas de cuidados pessoais e as alterações ao nível da alimentação, onde, com uma frequência bem mais acentuada, se observam alterações. É de esperar que estes resultados espelhem o enfoque por parte dos profissionais de saúde na área da alimentação no sentido de prevenir situações de aumento excessivo de peso, diabetes, hipertensão, etc., durante o período da gravidez, em detrimento de outras áreas menos consensuais e mais complexas como é a da proliferação de substâncias químicas nos diferentes contextos do quotidiano de cada um (casa, trabalho, lazer). Existe um outro tema onde a percepção de risco é muito marcada – a prática de fumar e o seu impacto na saúde das crianças. Ainda assim, mais de metade dos agregados familiares possui, pelo menos, um elemento que é fumador e a exposição das mães ao longo da sua vida não deixa, também, de apresentar números reveladores. Tratando-se de uma amostra onde, em particular as mães, se enquadram maioritariamente em escalões etários relativamente jovens, os números ora observados não podem deixar de levantar questões sobre o passivo que carregam, no que diz respeito à sujeição passiva ao fumo do tabaco. 31 Os testemunhos das mães fumadoras activas parecem indicar que a alteração nas práticas de fumar durante a gravidez e os primeiros tempos de vida da criança é comum. É um facto que várias entrevistadas não conseguiram eliminar totalmente a prática, mas parece haver uma clara compreensão de que tal não é a situação ideal, mas ainda assim, as alterações registadas na prática de fumar durante a gravidez e os primeiros tempos de vida da criança tendem a não se manter no tempo, sendo que o retorno ao hábito de fumar passado algum tempo tende a ser a situação mais frequentemente encontrada. No seu conjunto, os resultados apontam para a centralidade do aconselhamento médico e de enfermagem ao longo de todo o processo da maternidade/paternidade, sendo estes profissionais considerados como fonte de informação a aconselhamento fiável e de confiança. Ainda que possam coexistir outras fontes de informação, os profissionais da área da medicina e da enfermagem são maioritariamente considerados como a opinião final que informa as decisões de pais e mães. Perante a confiança depositada nestes profissionais, torna-se ainda mais relevante procurar perceber porque razão, em Portugal, diversos factores de risco para a saúde das crianças (enquanto grupo vulnerável) não são integrados no amplo leque de temas que são abordados com as mães/pais ao longo da gravidez e primeiros anos de vida de uma criança. É sabido que a controvérsia científica marca muitos dos assuntos abordados neste estudo, mas também não deixa de ser notória a diferente entre as práticas das instituições de saúde portuguesas e aquelas que são seguidas, por exemplo em Espanha, no que concerne a alguns destes temas. Os desafios que a interface entre ambiente e saúde coloca quando o olhar sobre ela se enquadra na abordagem de novos riscos e de uma sociedade de risco, com tudo o que isso implica em termos de controvérsia, de invisibilidade, de alcance em termos de tempo e espaço, em termos de irreversibilidade, de sujeição múltipla a diferentes riscos e de necessidade de avaliação a monitorização técnica especializada, parecem não ter ainda sido integrados pelas e nas instituições sociais responsáveis pela área da saúde em Portugal. Neste contexto, não é de estranhar que as percepções das mães entrevistadas neste projecto apontem para o desconhecimento quase total de muitas destas “novas ameaças” à saúde pública e que, mesmo quando já existe alguma informação, muitas vezes ela não seja valorizada da mesma forma que seria (podemos antever) caso o aconselhamento pelos profissionais de saúde fosse a sua fonte. Na próxima etapa deste projecto ir-se-á explorar a vertente institucional e a forma como esta está capacitada, ou não, para responder aos desafios colocados pela nova saúde pública no contexto de uma sociedade de risco. 6. BIBLIOGRAFIA Nunes, João Arriscado (2006): A pesquisa em saúde em ciências sociais e humanas: tendências contemporâneas, CÊS, http://hdl.handle.net/10316/11111 (Estudo Geral - Repositório Digital da Universidade de Coimbra) OMS – Europa (2010): The Journey to Parma: a tale of 20 years of environment and health action in Europe, Copenhaga. Tarlov, Alvin R. (1996): “Social Determinants of health: The sociobiological translation” in Health and Social Organization – Towards a Health policy for the twenty-first century, David Blane, Eric Brunner e Richard Wilkinson (eds.), Routledge, Londres, p. 71-93. http://www.euro.who.int/en/what-we-do/health-topics/environment-and-health http://www.apambiente.pt/politicasambiente/AmbienteSaude/anivelinternacional/Paginas/default.aspx 32 7. NOTAS FINAIS SOBRE O PROJECTO GISA Os autores desejam agradecer a todos os parceiros que tornaram possível o desenvolvimento do projecto GISA e em particular às pessoas envolvidas na recolha da informação junto das mães, bem como a estas pela sua colaboração e disponibilidade para participar neste estudo. GISA (Gestão Integrada de Saúde e Ambiente) é um projecto multidisciplinar que abrange os concelhos do Alentejo Litoral (Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira) e tem como finalidade implementar um sistema integrado de informação espacial e temporal da qualidade do ar, das águas e dos solos, para monitorizar a contribuição dos factores de risco ambientais para a saúde pública na região. Numa primeira fase do projecto, que decorre desde 2009, o projecto centra-se na implementação de um sistema integrado de informação espacial e temporal da qualidade do ar. É um projecto multidisciplinar onde intervêm especialistas nas áreas da saúde, ambiente, engenharia e sociologia (http://www.gisaproject.org/). Parceiros Câmara Municipal de Alcácer do Sal Câmara Municipal de Grândola Câmara Municipal de Odemira Câmara Municipal de Santiago do Cacém Câmara Municipal de Sines Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDR-A) Instituto Superior Técnico - Universidade Técnica de Lisboa (IST - UTL) Fundação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FFCUL) Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa - Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) Instituto de Estudos Superiores de Recursos Naturais (INESRe) Admistração Regional de Saúde do Alentejo (ARS-A) Petróleos de Portugal - PETROGAL, S.A. REPSOL Polímeros, Lda. Admistração do Porto de Sines, S.A. Águas de Santo André, S.A. AICEP - Globar Parques, S.A. Carbogal - Carbonos de Portugal, S.A. EDP - Gestão de Produção de Energias, S.A. Euroresinas - Indústrias Químicas, S.A. Kimaxtra - Produtos de Construção, S.A. Rede Eléctrica Nacional - Atlântico, Terminal de GNL, S.A. GENERG - Energias Renováveis, Sociedade Unipessoal Lda. 33