Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação – ISSN 1981- 9943
Blumenau, v. 13, n. 3, p. 465-486, set./dez. 2019
DOI: http://dx.doi.org/10.7867/1981-9943.2019v13n3p465-486
A IMAGEM E A PALAVRA EM FERREIRA DE CASTRO
Esperança Monteiro Fonseca1
Maria Natália Amarante2
Resumo
Este artigo procura compreender, de um ponto de vista geral, a relação que existe entre a
imagem e a palavra nas capas dos principais romances de Ferreira de Castro, focalizando-se
em especial na sua obra de referência: “A Selva”. Pelas suas múltiplas edições, em diversas
línguas, a obra possui variados motivos de capa, desde o elemento floresta, ao rio, aos
animais selvagens, à presença de inúmeras figuras humanas, ora indígenas, ora africanas, ora
européias. A metodologia usada, tendo em conta que se trata de um estudo em progresso, é
sobretudo de âmbito qualitativo, alicerçando-se numa análise descritiva, semiótica e
interpretativa das sinopses e dos temas presentes num corpus composto por 25 capas de “A
Selva”. Dessa análise destaca-se, desde já, a presença da floresta em detrimento da árvore, a
figura masculina em vez de feminina, a cor verde em relação às demais. Procurar-se-á refletir
ainda sobre os vários sentidos ocultos das capas propostas, antecedendo esse estudo com uma
interpretação da relação imagem-texto de outras obras relevantes do autor.
Palavras-chave: Ferreira de Castro. Imagem. Palavra.
THE IMAGE AND THE WORD IN FERREIRA DE CASTRO
Abstract
This article seeks to understand, from a general point of view, the relationship between the
image and the word on the covers of Ferreira de Castro's main novels, focusing in particular
on his reference work: "The Jungle". Due to its multiple editions in several languages, this
work has numerous cover motifs, from the element of the forest, to the river, to the wild
animals, to the presence of countless human figures, sometimes indigenous, sometimes
African, sometimes European. The methodology adopted, taking into account that this is a
study in progress, is mainly qualitative, based on a descriptive, semiotic and interpretative
analysis of the synopses and cover motifs of a corpus composed of 25 covers. From this
analysis, stands out the presence of the forest instead of the tree, the male figure instead of the
female, the green colour more than others. It will also try to reflect on the various hidden
meanings of the proposed covers, preceding this study with an interpretation of the imagetext
relationship in other relevant works of the author.
Keywords: Ferreira de Castro. Image. Word.
1
1
INTRODUÇÃO
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – Portugal. Doutora em Ciências da Comunicação pela
Universidade da Beira Interior, Covilhã. ORCID <http://orcid.org/0000-0002-3292-7455>. E-mail:
[email protected].
2
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – Portugal. Doutara pela Universidade do Algarve. Professora
na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. ORCID <https://orcid.org/0000-0002-0710-8343>. E-mail:
[email protected].
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Este artigo visa compreender, sob um ponto de vista global, qual a relevância que a
imagem e a palavra têm nas obras de Ferreira de Castro. Procura-se verificar, em primeiro
lugar, qual a relação que existe entre a imagem (capa) e o texto (sinopse), a partir das
primeiras edições ilustradas de algumas obras do autor, perscrutando se o visual estará em
sintonia com a comunicação textual. Para além deste objetivo inicial, procurar-se-á
aprofundar o estudo a partir do caso concreto de “A Selva”.
O título “A Selva” em português surge traduzido em espanhol como “La Selva”, em
francês como “La Forêt Vierge”, em inglês como “Jungle”, possuindo os mais diversificados
motivos de capa, nela se observando a presença manifesta do elemento visual “a floresta”, em
detrimento de outros elementos gráficos menos relevantes, como o rio, os animais selvagens,
as figuras humanas.
Sob o ponto de vista teórico, privilegia-se a abordagem de Roland Barthes e da sua
Retórica da Imagem, observando os aspectos denotativos e conotativos da imagem e do texto,
no corpus selecionado. Que duplos sentidos haverá nas capas de “A Selva” e nos diferentes
títulos e idiomas em que foi traduzida? — É também esta uma última questão à qual se
procura responder ao longo do trabalho.
2
ANÁLISE DESCRITIVA DAS SINOPSES E CAPAS DAS PRINCIPAIS OBRAS
DE FERREIRA DE CASTRO
O objetivo central desta seção é entender de que forma a imagem se relaciona com o
texto, partindo das capas das primeiras edições ilustradas das obras de Ferreira de Castro.
Reportamo-nos a Roland Barthes, principal referência teórica na análise semiótica e descritiva
que se segue. O autor considera, desde logo, que não existe nenhuma imagem sem conotação,
acrescentando que as imagens têm três tipos de mensagens associadas: a) uma mensagem
denotada “que é o próprio analogon”, sendo a mensagem inata e verdadeira; b) uma
mensagem conotada “que é o modo como a sociedade dá a ler, em certa medida, o que pensa
dela”, representando a mensagem figurada/simbólica (BARTHES, 1984, p. 15); c) e,
finalmente, a mensagem linguística, que está presente em todas as imagens, como:
título, legenda, artigo de imprensa entre outros (BARTHES, 1984, pp. 31 e 32). Voltar-se-á
mais adiante ao assunto, partindo agora à descoberta do que a leitura das capas das principais
obras de Ferreira de Castro poderá trazer, quer em termos de imagem, quer em termos de
texto, na sua dupla mensagem: denotativa e conotativa.
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Inicia-se assim uma pesquisa descritiva das capas assinaladas e, procurar-se-á entender
se a relação que existe entre a “sinopse” de cada livro e a “imagem de capa” é harmoniosa, ou
se, pelo contrário, haverá outras mensagens subliminares na concepção da(s) capa(s).
Trabalho semelhante terá sido desenvolvido por Sílvia de Matos e Marco Aurélio Paiva, em
2012, a partir de uma análise sociológica, mas apenas para o caso de “A Selva”, propondo-se
“uma leitura do romance amazônico de Ferreira de Castro e o modo como a sua representação
iconográfica foi produzida” (MATOS; PAIVA, 2012, p. 2).
Ferreira de Castro publica seu primeiro romance em 1916, “Criminoso por Ambição”3,
em Belém, após o regresso do seringal no qual passou quatro anos. Em 1923 surje a obra
“Sangue Negro”, cuja capa se observa na Figura 1. Nela, o escritor explora as questões da
opressão, expondo um indivíduo negro, preso num tronco, sobre uma espécie de teia em
fundo escurecido. As cores predominantes são o cinzento, o castanho e o preto.
Figura 1: Obra “Sangue Negro” de Ferreira
de Castro, publicada em 1923, pela Editora
Biblioteca
Figura 2: Capa da obra “Emigrantes” de
Ferreira de Castro, publicada em 1928, pela
Editora Livraria Renascença
Fonte: Capa retirada do site D’outro Tempo (2020)4
Fonte: Capa retirada do site Escritores a Norte (2020)5
Já na sua fase mais amadurecida dá-se a publicação de “Emigrantes”6 (em 1928), onde
se aborda a emigração portuguesa, mais especificamente para o Brasil. Poder-se-ia dizer que
3
Após a primeira obra, seguem-se depois “Carne Faminta” (1922), “O Êxito Fácil” (1923), “Sangue Negro”
(1923), “A Morte Redimida” (1925), obras que viria, posteriormente, a renegar.
4
Esta e todas as capas retiradas para o texto foram recuperadas, de forma dispersa, através da Internet, sendo
este o único recurso tecnológico disponível à autoria deste trabalho, dado o confinamento obrigatório a que as
autoras ficaram votadas, desde março de 2020, sendo-lhes impossível complementar informação presencialmente
através da pesquisa dos livros em Bibliotecas. Por outro lado, algumas das obras aqui colocadas são de difícil
acesso, visto tratarem-se de documentos raros. Assim, procedeu-se à recolha através de vários sites onde os
livros vinham publicitados para venda. No caso concreto da Figura 1, esta foi retirada do site D’outro Tempo, a
partir do link que se propõe: http://www.doutrotempo.com/livros/sangue-negro/291/. Acesso em: maio 2020.
5
A capa apresentada em corpo de texto foi retirada do site Escritores a Norte, cujo link poderá ser acessado
aqui: http://escritoresanorte.pt/obras.aspx?modo=lista&id=4. Acesso em: maio 2020.
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as aspirações iniciais dos portugueses se foram rapidamente dissipando à chegada ao novo
continente, perante as dificuldades sentidas. Pela análise da Figura 2, reconhece-se o drama da
emigração portuguesa nos rostos pintados na imagem, bem como o fator marítimo em fundo
azulado, aqui ilustrado pelo navio que serve de retaguarda à capa indicada. Há ainda os baús,
bem como os rostos preocupados de mães, pais e crianças, naquela que seria a primeira e,
provavelmente, única travessia do Atlântico. Não se reconhece o cais, de modo que é com
incerteza que se analisa o fator partida ou chegada ao Brasil. O aglomerado de pessoas sugere
tratar-se de um momento de despedida.
Em 1930, aparece o romance “A Selva”, considerada a obra-prima de Ferreira de
Castro, sendo um livro que fala sobre a selva amazônica e as atribulações de um jovem
monárquico português. Alberto é um estudante de Direito de 26 anos que, por causa de suas
ideias políticas, é obrigado a emigrar para Belém do Pará. O protagonista é monárquico por
convicção, o que o levou ao exílio político, após a implantação da República Portuguesa, em
1910. Já no Brasil, depois de morar com seu tio durante algum tempo, usufruindo de um certo
conforto, criado pela falsa ideia de ninho familiar, é obrigado a embrenha-se na floresta
amazônica, a fim de singrar na vida. É, pois, no território de "Paraíso", às margens do Rio
Madeira, que vive uma série de aventuras, propiciadas pela mata virgem e pelas situações de
vida difícil do lugar.
Figura 3: Capa de “A Selva”, de Ferreira de Castro, publicada em 1930, pela primeira vez,
aqui na versão de 1967, pela Editora Civilização Brasileira
Fonte: Capa retirada do site Good Reads7
6
Ainda a propósito dessa obra, em 1966, a Sociedade Nacional de Belas Artes de Portugal realizou uma
exposição bibliográfica e iconográfica dedicada a Ferreira de Castro, onde foram produzidas edições especiais de
“Emigrantes”, com posfácios do autor, e com ilustrações de Júlio Pomar. Ainda a assinalar a data, realizou-se um
volume coletivo intitulado o Livro do Cinqüentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro.
7
Capa
retirada
do
site
Good
Reads,
cujo
link
pode
ser
acedido
em:
https://www.goodreads.com/book/show/2517564.A_Selva. Acesso em: abril 2020.
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Já no romance “Eternidade”, publicado em 1933, Ferreira de Castro descreve a vida
insular do Arquipélago da Madeira8 nos anos trinta do século XX.
Observando, de forma breve, a Figura 4, verifica-se a presença de alguns elementos
típicos daquele lugar: a célebre casa de Santana; a vegetação típica da Madeira, bem como o
relevo acidentado de alguns dos seus montes.
Figura 4: Capas do romance “Eternidade”, publicado pela primeira vez em 1933,
aqui na 6.ª e 10.ª edição, pela Guimarães & C.ª Editores
6.ª edição da Guimarães & C.ª Editores
Fonte: Capa retirada do site Coisas, Shopping
Online9
10.ª edição da Guimarães & C.ª Editores
Fonte: Capa retirada do site Oportunity10
Numa outra ilustração do romance (capa da direita), é possível uma outra leitura da
obra, salientando a visão que o escritor explora da azáfama citadina a partir do Golden Gate,
referindo mesmo no livro que: “Aquele ângulo do Funchal era entre as esquinas do Mundo,
um dos mais dobrados pelo espírito cosmopolita do século. Em viagem de recreio ou em
trânsito para as África e Américas, davam volta ao cunhal do Golden Gate, diariamente,
homens e mulheres de numerosas raças, a passo vagaroso, o nariz no ar, as mãos carregadas
de cestos, de garrafas e de bordados da Madeira” (CASTRO apud VIEIRA, 2016, p. 10).
Em 1934, Ferreira de Castro publica “Terra Fria”, cuja capa se observa na Figura 5. Na
aldeia de Padornelos, Montalegre11, Leonardo luta, dia a dia, pelo sustento da família. Ele e a
8
O arquipélago da Madeira corresponde a um conjunto de ilhas de Portugal, situado no oceano Atlântico, sendo
que apenas 2 das 7 ilhas são habitadas permanentemente: a ilha da Madeira e a ilha de Porto Santo.
9
Para mais informações, aceder ao link: https://www.coisas.com/FERREIRA-DE-CASTRO---ETERNIDADE--AUTOGRAFADO,name,225632798,auction_id,auction_details. Acesso em: maio 2020.
10
Para mais informações: https://oportunityleiloes.auctionserver.net/viewauctions/catalog/id/615/lot/160553/Lote-967-A-eternidade-por-Ferreira-de-Castro-com-ex-libris-do-autor-Edi-oGuimar-es-editora-Sinais-de-uso-20-x15-cm. Acesso em: maio 2020.
11
Montalegre é um vila de Trás-os-Montes e Alto Douro, distrito de Vila Real, Portugal.
469
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Blumenau, v. 13, n. 3, p. 465-486, set./dez. 2019
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mulher, ainda sem filhos, procuram ganhar algum dinheiro em trabalhos esporádicos e
principalmente no contrabando, enquanto sonham ter o seu próprio negócio. É neste contexto
que Ferreira de Castro descreve a atividade do contrabando, tão em voga no Estado Novo
português. A trama vai, todavia, mais longe, relatando, o autor, o regresso à aldeia de
Padornelos de um homem que tinha estado emigrado nos Estados Unidos da América,
conhecido como o “americano”, sendo este considerado um dos homens mais importantes e
influentes da aldeia, dando origem ao drama que irá ocorrer.
“Terra Fria” é um romance em que o leitor é assaltado por imagens de uma terra
desoladora, fria. Para além de evidenciar a pobreza do Portugal profundo, Ferreira de Castro
lança aqui uma crítica feroz ao abuso de poder do regime político da época, caracterizado no
«americano» e na sua forma de agir. É visível, na Figura 5, a presença fria do interior
transmontano, pela capa de burel disposta sobre a mulher ainda jovem.
Figura 5: Capa do romance “Terra Fria”,
publicado em 1934, aqui na edição de
Editorial “Século”
Figura 6: Capa do romance "A Tempestade",
publicado pela primeira vez em 1941, aqui na
versão da Guimarães & C.ª Editores
Fonte: Capa retirada do site nlivros (2020)12
Fonte: Capa retirada do site Abebooks13
Já no romance “A Tempestade”14, a ação decorre num único dia, a partir das memórias
do protagonista (Albano), um empregado bancário, de 39 anos que se apaixona por Cecília,
apesar de ser de condição diferente, de ser viúvo e ter uma filha pequena. A ação desenvolvese a partir da suspeita de traição de Cecília, deixando o protagonista a pensar que a única
12
A capa foi retirada do blog nlivros, consultado aqui: https://nlivros.blogspot.com/2011/03/terra-fria-ferreira-decastro.html. Acesso em: maio 2020.
13
Para mais informações sobre a capa, vide: https://www.abebooks.com/book-search/kw/a-tempestade-ferreirade-castro/. Acesso em: maio 2020.
14
A leitura apresentada em corpo de texto segue a interpretação de Carla Coelho, autora do blog
http://osdiaseoslivros.blogspot.com/2012/03/tempestade-ferreira-de-castro.html. Acesso em: abril 2020.
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solução para o caso é matar a mulher e suicidar-se em seguida. O enredo desenrola-se
sobretudo pela ótica de Albano, embora seja também apresentado o ponto de vista de Cecília
na história. Se numa primeira fase, há a criação de uma certa empatia com a personagem de
Albano, à medida que se avança na trama, essa afinidade vai caindo por terra, dando a
impressão de se estar na presença de um homem mesquinho e egoísta. Um homem que mede
o valor dos outros (e, em particular, das mulheres com quem se cruza), ostentando um sentido
de “honra” distorcido (COELHO, 2019).
Na visão da capa, é compreensível a ilusão metafórica de uma tempestade, a partir de
uma floresta em permanente conflito com as forças de um vento avassalador. Crê-se subsistir
aqui a metáfora da violência temporária de uma tempestade associada à evolução psicológica
da personagem central.
Publicada em 1947, a “Lã e a Neve” conta a vivência dos portugueses que habitam as
regiões frias da Serra da Estrela, em plena 2ª Guerra Mundial. Um jovem pastor, Horácio,
namora Idalina e sonha ser tecelão, ter uma casa confortável e progredir em sua carreira. Ao
conseguir emprego na fábrica de tecelagem, casa-se e ascende a operário, mas vê-se obrigado
a viver num casebre.
Ferreira de Castro retrata a dura vida do povo, através do relato da vida de Horácio.
No sonho de construir uma casa, esta personagem abandona a pastorícia da Serra da Estrela,
onde lutava contra as tempestades e o frio, e vai para a fábrica da Covilhã. Como em todas as
obras de Ferreira de Castro, sobressai, no romance, o sentido social e as preocupações pelas
condições de vida dos mais humildes.
Na visão da Figura 7, é compreensível a paisagem típica da Serra da Estrela, a
aparência do pastor, a imagem da serra e do rebanho, este último elemento entendido como
principal sustento da região e da fábrica. A aspereza dos montes e a clareza do branco
sugerem a presença do frio e da neve.
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Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação – ISSN 1981- 9943
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Figura 7: Capa do romance “A Lã e a Neve”,
na edição da Guimarães & C.ª Editores, em
1947
Figura 8: Capa de “A Missão”, publicada
pela primeira vez em 1954, aqui pela Editora
Cavalo de Ferro (2013)
Fonte: Capa retirada do site Ecleticaleiloes15
Fonte: Capa retirada do site da Wook16
O sentido moral e religioso da obra de Ferreira de Castro atinge o seu máximo em
obras como “A Missão” e “O Senhor dos Navegantes”. Nas duas novelas, debatem-se temas
como a criação, a salvação, a moral.
Na novela “A Missão”, um grupo de 14 eclesiásticos discute a possibilidade de pintar
uma cruz no telhado do edifício onde está albergado. Nessa aldeia francesa, sobre iminente
ocupação alemã em plena II Guerra Mundial, existe um outro edifício, que é igual ao da
Missão. É uma fábrica, potencial alvo de ataques aéreos, onde trabalham cerca de 400
habitantes. O interesse dos alemães em destruir a fábrica pode pôr em causa a vida dos
eclesiásticos. Por outro lado, a identificação e salvação de uns pode comprometer a vida de
outros. Ilustrativa da narrativa parece ser a capa da edição proposta na Figura 8, de onde se
avista o telhado do edifício e a cruz branca disposta sobre este.
A concluir esta análise descritiva, crê-se que as capas analisadas e as sinopses
consultadas coincidem. Em termos semióticos, admite-se que as mensagens transmitidas pelas
diferentes capas correspondem às principais ideias veiculadas pelo texto do autor nos seus
romances. De modo a aprofundar este tema, propõe-se de seguida uma reflexão mais
pormenorizada de uma obra em particular, “A Selva”.
15
Para outras informações, vide: https://www.eclecticaleiloes.com/pt/auction/lot/id/18561. Acesso em: abr.
2020.
16
Para outras informações, vide: https://www.wook.pt/livro/a-missao-ferreira-de-castro/15243357. Acesso em:
abr. 2020.
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Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação – ISSN 1981- 9943
Blumenau, v. 13, n. 3, p. 465-486, set./dez. 2019
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3
O CASO ESPECÍFICO DE “A SELVA”
3.1 UM OLHAR DESCRITIVO SOBRE AS CAPAS DE “A SELVA”
Após a compilação de um corpus específico de 25 capas de “A Selva”, presentes no
Quadro 1, através de uma amostragem não probabilística por conveniência, referem-se alguns
dados preliminares sobre as suas componentes visuais e verbais. A saber: a) no âmbito das
imagens predominantes, realça-se o elemento vegetal (árvores) e a presença da figura humana
masculina; 1.1) no tipo de elemento vegetal mais comum, sobrepõe-se “a árvore em vez da
floresta” à “floresta em vez da árvore”; 1.2) no que diz respeito à figura humana mais
repetida, destaca-se o perfil do homem, maioritariamente africano, inserido na paisagem,
como trabalhador-oprimido da Amazônia (veja-se as capas n.º 5, 9, 13 e 14, por exemplo); b)
no que diz respeito às cores mais utilizadas nas capas, registra-se o verde como cor principal
(capas n.º 2, 4, 8, 12, 13, 14, 15 e 25), logo seguido do castanho e do amarelo torrado, cores
que se associam com facilidade à selva amazônica. Veja-se, então, o Quadro 1.
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Quadro 1: Capas numeradas de “A Selva”
Capa nº 1
Capa nº 2
Ano de
edição: 2019
Editora:
Cavalo de
Ferro
Páginas: 284
Amadora
Capa nº 3
Ano de edição:
2014
Editora: Cavalo de
Ferro
Páginas: s/d
Amadora
Ano de
edição:
2009
Editora:
Guimarães
& C.ª
Editores
Páginas:
256
Lisboa
Capa nº 4
Ano de
edição: 2001
Editora:
Planeta
DeAgostini
Páginas: 249
Lisboa
Capa nº 5
Ano de edição:
2000
Editora:
Guimarães & C.ª
Páginas: 349
Lisboa
Capa nº 6
Ano de
edição:
1988
Editora:
GRASSET
Páginas:
283
Paris
Capa nº 7
Ano de
edição: 1982
Editora:
Guimarães
& C.ª
Páginas: 318
Capa nº 8
Ano de edição:
1982
Editora:
Guimarães & C.ª
Editores
Páginas: s/d
Lisboa
Capa nº 9
Ano de
edição:
1978
Editora:
Guimarães
& C.ª
Editores
Páginas:
288
Lisboa
Ano de
edição: 1974
Editora:
Imprensa
Nacional de
Publicidade
Páginas: 288
Lisboa
Capa nº 11
Ano de edição:
1974
Editora: Imprensa
Nacional de
Publicidade
Páginas: 318
Capa nº 12
Ano de
edição:
1972
Editora:
Verbo
páginas:
314
Lisboa
Ano de
edição: 1967
Editora:
Civilização
Brasileira
Páginas: 237
Rio de
Janeiro
Capa nº 14
Capa nº 15
Ano de
edição:
1955
editora:
Guimarães
& C.ª Ed.,
Páginas:
220
38ª ed.
Lisboa
ilustrações
de Portinari.
Lisboa
Capa nº 10
Capa nº 13
Ilustrações de
Júlio Pomar.
Lisboa
Ano de edição:
1963
Editora: Broché
Páginas: 367
Paris
474
Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação – ISSN 1981- 9943
Blumenau, v. 13, n. 3, p. 465-486, set./dez. 2019
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Capa nº 16
Ano de
edição: 1949
Editora:
Guimarães
& C.ª
[capa de
Jorge
Barradas]. –
[13ª. ed.]. –
Lisboa:
Páginas: 333
Capa nº 17
Ano de edição:
1949
Editora:
Guimarães & C. ª
Páginas: 333
[capa de Jorge
Barradas]. – [13ª.
ed.]. – Lisboa
Capa nº 18
Ano de
edição:
1949
Editora:
Guimarães
& C. ª
Páginas:
321
Lisboa
Capa nº 19
Ano de
edição: 1938
Editora:
Bernard
Grasset
Páginas
Tradução de
Blaise
Cendrars.:
Paris
Capa nº 20
Ano de edição:
1937
Editora: Empresa
Nacional de
Publicidade
Páginas: 272
Lisboa
Capa nº 21
Ano de
edição:
1934
Editora:
Moura
Fontes
Editor
Páginas:
339.
Rio de
Janeiro
Capa nº 23
Não foi possível
encontrar
informações
Capa nº 24
Ano de
edição: s.d
Editor:
Livraria
Civilização.
Páginas:
333
Porto.
Capa nº 22
Ano de
edição: 1931
Editora: B.
Bauzá
Páginas: 271
Barcelona
Capa nº 25
Ano de edição: 1930
Editora: (Edição de Luxo,
Empresa Nacional de Publicidade
Páginas: s/d
Lisboa
Fonte: Elaboração própria17
Já no que se refere ao elemento verbal evidenciado nas capas, há um predomínio do
nome do autor na parte superior da capa, enfatizando-se a autoria em relação aos demais
elementos verbais; 3.1) é ainda, com alguma curiosidade, que se verifica a tradução para o
francês de “Forêt Virge”, cuja tradução para o português seria “Floresta Virgem” em vez de
“A Selva”.
17
As fontes de acesso às imagens das capas estão disponíveis nas referências bibliográficas.
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De modo a entender melhor os dados previamente assinalados, atente-se, de seguida,
aos gráficos concebidos para análise, estabelecendo uma leitura denotativa e conotativa dos
elementos visuais propostos nas capas de “A Selva”.
Parte-se de uma ideia simples em que não se crê ser possível ler uma mensagem em
estado puro, já que a sua conexão com o lado simbólico é tão forte que seria impraticável
separá-las, apesar disso a mensagem denotativa da imagem permite identificar
espontaneamente a cena registrada, o que não deixa de ser considerado uma pseudoverdade,
na acepção de Roland Barthes (1982, p.10), dado que: “quanto mais a técnica desenvolve a
difusão das informações mais ela fornece os meios para mascarar o sentido construído sobre a
aparência do sentido dado”.
Gráfico 1: Elementos visuais mais relevantes das capas de “A Selva”
indiscriminado
símbolos
floresta
pessoas
rio
animais
elementos visuais de "A Selva"
0
5
10
15
20
25
Fonte: elaboração própria
Sem contrariar o disposto anterior, e sem outras pretensões que não sejam as da
simples descrição do corpus das 25 capas consideradas, pela observação do Gráfico 1 é
visível a presença maioritária de pessoas, logo seguida do elemento floresta, depois de
animais, e finalmente do elemento rio.
Já numa leitura conotativa, também se verifica a relevância da presença do elemento
masculino e de uma floresta difusa que se agiganta sobre si próprio; quando assim não sucede,
há exceções que fazem concentrar o olhar do leitor sobre o seringador e sobre o elemento
opressão/terror causado pela imagem de dois decepados (um decepado contemporâneo, de
fato e gravata, evidenciado na capa nº 10, e um decepado indígena, capas nº 7 e 8).
Aplicando uma lupa ao elemento vegetal colocado nas capas, procedeu-se à criação de
uma espécie de metáfora mesclada no binômio floresta/árvore, como se observa no Gráfico 2.
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Gráfico 2: O elemento vegetal nas capas de “A Selva”
Frequências
O elemento vegetal presente no corpus
10
8
6
4
2
0
Série1
A floresta em
detrimento da árvore
6
A árvore em detrimento
da floresta
9
Fonte: elaboração própria
Como se constata, pelo exposto, prevalece “a árvore em detrimento da floresta”, fato
que tanto pode significar que a árvore simboliza o próprio protagonista e toda a sua extensa
epopeia ao longo do livro, como poderá ser apenas o resultado de uma opção estética dos
ilustradores, sublinhando-se mais a presença de uma árvore, melhor trabalhada nas cores e
nos desenhos propostos, do que o trabalho complexo de toda uma floresta indefinida.
Gráfico 3: Tipos de figuras humanas encontradas nas capas de “A Selva”
indiscriminado
indígenas
africanos
europeus
crianças
mulheres
homens
seringueiros
decepados
tipos de figuras humanas encontradas em "A Selva"
0
10
20
Fonte: Elaboração própria
Em termos de presença humana, haverá várias opções nas diferentes concepções
gráficas editadas, a saber: em primeiro lugar, surge o indivíduo do sexo masculino como
predominante na grande maioria delas; em segundo lugar, a visão realista de um indivíduo
que se dedica à atividade da seringa (capa nº 23, por exemplo); em terceiro lugar, a figura de
todos esses indivíduos no espaço da Amazônia; em quarto lugar, a presença de elementos
indiscriminados, cuja natureza é de difícil designação (capa nº 4, por exemplo); finalmente,
numa última menção, evidencia-se a presença de homens decepados (capas nº 7, 8 e 10), a de
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figuras europeias (capa nº 9) e indígenas (capa nº 15), e a presença de mulheres e crianças
(capa nº 5), mas em menor dimensão, como se constata no Gráfico 3.
Ainda a esse respeito, não deixa de ser curiosa a presença de crianças na capa,
atendendo ao fato de este ser um elemento ignorado na obra. A existência do homem europeu
nesse contexto é, também ela, de algum modo, sugestiva, uma vez que, em algumas capas,
essa figura europeia surge com uma roupa contemporânea e algo distinta daquilo que se
conceberia para o seringal amazônico (vide Quadro 1, capa 9 e 10).
Gráfico 4: Principais cores usadas nas capas de “A Selva”
verde
vermelho
branco
amarelo
castanho
castanho
vermelho
azul
branco
cores principais das capas de "A Selva"
0
2
4
6
8
10
12
14
preto
Fonte: elaboração própria
Se se procurar as cores predominantes nas capas consultadas, verifica-se a prevalência
do verde sobre outros tons. Nascimento e Ferreira (2005) referem que certas cores e símbolos
gráficos possuem um significado específico culturalmente (por exemplo, o verde está
associado a algo positivo e o vermelho a algo negativo, a cruz está associada a negação, entre
outros). De acordo com Karina Kavazana (2014, p. 19), o verde permite várias associações: a)
uma associação material relacionada com frescura, primavera, bosques, folhas, tudo o que
simboliza o vegetal; e uma associação afetiva, relacionada com bem-estar, natureza, coragem,
firmeza e serenidade. Se é certo dizer-se que nem todos estes elementos se poderão atribuir à
Amazônia, a verdade é que o fator natureza, o fator coragem e o fator firmeza subsistem,
grandemente, na trama.
Para além do verde, surgem também em destaque o castanho e o amarelo, tons que se
associam à idealização de uma floresta, como se sugere na observação do Quadro 1 (capas nº
5 e 23).
Não sendo o castanho uma cor tipicamente comercial, a sua utilização surge apoiada
no contexto floresta, o mesmo não se verificando com o amarelo. Esta última cor é, na
verdade, uma cor-chave nas capas criadas, atendendo ao fato de estar associada a fatores
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positivos e negativos: sob um ponto de vista positivo, o amarelo está relacionado com a
presença do sol; do verão; da luz celeste; já sob um ponto de vista negativo, aparece
conectado “com alerta, ciúme, orgulho, egoísmo, euforia, originalidade, iluminação,
idealismo” (KAVAZANA, 2014, p. 19). Assim evidenciado, é pouco provável que outros
termos encaixassem tão bem nos sentimentos experienciados, por várias personagens, ao
longo da sua própria evolução dentro de “A Selva”.
Ainda no que se refere à forma como os elementos gráficos estão dispostos nas capas,
verificando aquilo que se poderia considerar como a mensagem linguística, na acepção de
Barthes (1982; 1984) e atendendo às manchas tipográficas e à composição final da obra, é
necessário observar que o nome do autor surge, na maior parte das vezes, no cimo da página e
menos vezes no rodapé, como se visualiza no Gráfico 5.
Gráfico 5: Posição do nome do escritor nas capas de "A Selva"
0
topo
4
meio
2
rodapé
19
lateral
Fonte: elaboração própria
Se, para além do nome do autor, se verificar a presença do título, também se destaca
que o título no topo da página tem uma maior frequência no corpus em análise, o que não
invalida, contudo, a possibilidade de este ser colocado numa lateral da capa, como é dado a
entender pelo Gráfico 6.
Gráfico 6: Disposição do título da obra nas diferentes capas de “A Selva”
lateral
rodapé
meio
topo
elementos verbais: título da obra
0
2
4
6
8
10
12
Fonte: elaboração própria
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Numa primeira análise, verifica-se que a mensagem linguística das capas é dupla:
denotativa e conotativa. A denotação consiste na apresentação dos diferentes recursos de texto
que se utilizam nas capas, sejam estes os títulos propostos, ou os elementos de identificação
da obra (autor e editora). A conotação reside nos múltiplos significados que alguns desses
elementos podem transportar (BARTHES, 1982), exemplificando-se aqui com o caso da
tradução para o francês do nome da obra “A Selva” como Florêt Vierge.
Admite-se assim que a mensagem linguística exerce uma função de ancoragem em
relação à mensagem icônica. Os títulos têm o desígnio de fixar os vários significados que nos
poderiam surgir da visualização das capas. Apesar disso, no último caso considerado, o título
em idioma francófono (Forêt Vierge), coloca-nos sob novas reservas em relação à função de
ancoragem, inflamando o sentido denotativo da imagem. Voltar-se-á à questão mais adiante.
Gráfico 7: Elementos verbais utilizados: a editora
ausente da capa
lateral
rodapé
meio
topo
elementos verbais: editora
0
5
10
15
20
Fonte: Elaboração própria
Ainda a esse respeito, apresenta-se agora a forma como as editoras estão referidas, a
partir do Gráfico 7. Em grande parte das 25 capas analisadas, a referência à editora fez-se em
rodapé, sendo certo que, em algumas delas, o elemento linguístico não chegou sequer a
figurar na capa.
Os argumentos previamente propostos sugerem alguma simplicidade na observação
das capas da obra “A Selva”, dado que se trata de um trabalho em progresso, todavia, mais do
que respostas, este texto visa fazer algumas perguntas, como se poderá subentender da
próxima seção dedicada às considerações finais.
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM OLHAR REFLEXIVO SOBRE AS CAPAS DE
“A SELVA”
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Há várias questões que suscitam interesse em “A Selva”, sendo que neste artigo se
sublinham três. No que se refere à primeira, questiona-se o porquê de apenas numa das capas
surgir, de forma concreta, a figura de Alberto? Será este um romance coletivo ou de
protagonista? Aliás, esta questão é, ela-própria, visível na explicação da personagem Estica
para o fato de ter incendiado e trancado Seu Juca: “Seu Juca não é amigo da liberdade”.
Assim se percebe que este será um romance em que não só a selva rivaliza o papel de
protagonista com Alberto, como também a própria história coletiva dos seus habitantes
germina mais importante que a trajetória individual de apenas um deles, o jovem monárquico.
No mesmo sentido se leem as perspectivas de Matos e Paiva (2012, p. 15), quando referem:
Através da leitura de A selva, de Ferreira de Castro, e das novelas anteriores ao seu
romance amazônico, tenta-se mostrar que a presença da natureza não deve ser
tomada como elemento central da trama. Pois, pode-se perceber que, do início ao
final da obra, o drama humano é o seu eixo principal do romance. A trama presente
na narrativa do autor português centra-se principalmente no modo como um dado
sistema de organização do trabalho transforma homens em escravos de outros
homens, os seringueiros explorados e escravos dos seringalistas ambiciosos.
Assim, mais do que romance de protagonista, este trabalho é um romance de espaço,
em que o “espaço é um elemento autônomo, rural ou urbano, industrial ou campestre,
susceptível de descrições variavelmente pormenorizadas, capaz de ganhar contornos sociais,
econômicos e mentais” (REIS, 2014, p. 244). Essa visão surge da convicção de que, mais
importante do que o herói, ou outras personagens, é o fator natureza. — A presença constante
da virgindade amazônica agiganta, de fato, esse argumento.
Sem contrariar o disposto, importa lembrar novamente Matos e Paiva (2012, p. 2)
quando referem que, no caso de “A Selva”, a “floresta pode ser interpretada como um desvio
interpretativo e/ou equívoco de leitura, e isso na medida em que as gravuras das capas das
diversas edições do romance priorizam a natureza em detrimento do drama humano que o
entrecho da obra ressalta”.
Uma outra questão que merece o nosso interesse materializa-se de outra forma: por
que é que a árvore é maior que a floresta, na maior parte das capas analisadas?
Mesmo sendo um fato circunstancial, a presente metáfora conduz-nos à importância da
ação dos indivíduos sobre a paisagem, ou seja: na impossibilidade de uma ação concertada
contra os poderosos da Amazônia, seriam os pequenos passos dados por indivíduos
excecionais capazes de alterar o status quo? Seria talvez esse o caso de Estica (personagem
fundamental à trama)?; Seria talvez esse o caso de Firmino, que, a determinada altura, ousou
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sonhar mais alto do que o seu simples destino lhe oferecia? Não será também essa a metáfora
atual sobre tudo quanto se está a passar no mundo em matéria de novo ativismo? — Não é
este o lugar, certamente, para explorar esse tema.
Considera-se, enfim, um último comentário relativo à tradução do título para o
francês: porquê a tradução de Floresta Virgem? Por homenagem à Amazônia, espaço
inquebrável, impenetrável? Por ser um estado de virgindade forçada a que todos os homens se
devotariam na agressão castradora do seringal brasileiro?
Logo após o famoso episódio da égua, Firmino como que legitima a atuação de
Agostinho, dizendo: “Não há mulher… Que vai um homem fazer aqui?” (CASTRO, 2014, p.
112). Ainda nas páginas 120 e 121, Firmino traça todo um cenário de desolação,
relativamente à presença de mulheres, aquando da pescaria noturna: “Então aqui não há
mulheres? — Não, não há. Para seringueiro sem saldo, não há! — Então em Humaitá não há
mulheres? — dizem que há uma preta e uma mulata” (CASTRO, 2014, p. 120-121).
Após o caminho transposto, evidencia-se uma nota final, lembrando que a imagem e a
palavra funcionam em harmonia na maior parte das obras apresentadas, requerendo-se novas
investigações sobre o tema em que a análise seja complementada com uma observação do
design e dos contextos históricos em que essas produções apareceram.
Ferreira de Castro é seguramente um dos melhores escritores portugueses de todos os
tempos e esse fator determina novas investigações à sua vasta obra e à forma como esta terá
sido sucessivamente editada e transcrita para outros idiomas.
REFERÊNCIAS
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BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: 70, 1982.
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: 70, Lda, 1984.
CASTRO, Ferreira de. A Selva. 31.ª ed. Lisboa: Guimarães e C.ª, 1978.
CASTRO, Ferreira de. A Selva. Lisboa: Cavalo de Ferro, 2014.
CASTRO, Ferreira de. A Selva. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, s.d.
CASTRO, Ferreira de. A Selva. Lisboa: Guimarães, 1982.
CASTRO, Ferreira de. A Selva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
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CASTRO, Ferreira de. Forêt Vierge. Paris: Grasset, 1988.
CASTRO, Ferreira de. Forêt Vierge. Paris: Livres de Poches, 1963.
CASTRO, Ferreira de. Jungle. New York: Viking, 1935.
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CAVAZANA, Karina. A influência da psicodinâmica das cores nas organizações. 2014.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso Bacharelado em Administração do
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https://oportunityleiloes.auctionserver.net/view-auctions/catalog/id/615/lot/160553/Lote-967A-eternidade-por-Ferreira-de-Castro-com-ex-libris-do-autor-Edi-o-Guimar-es-editora-Sinaisde-uso-20-x15-cm. Acesso em: maio 2020.
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Capas de “A Selva”, a partir da internet
Capa nº 1 de “A Selva”, editada em 2019, pela Editora Cavalo de Ferro, em Amadora
(Portugal), retirada do site Wook. Disponível em: https://www.wook.pt/livro/a-selva-ferreirade-castro/16016153. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 2 de “A Selva”, editada em 2014, pela Editora Cavalo de Ferro em Amadora
(Portugal), retirada do site Livro Mano. Disponível em: https://www.livromano.pt/2015/01/aselva-de-ferreira-de-castro.html. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 3 de “A Selva”, editada em 2009, pela Editora: Guimarães & C.ª Editores em Lisboa,
retirada do site Wook. Disponível em: https://www.wook.pt/livro/a-selva-ferreira-decastro/2843223. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 4 de “A Selva”, editada em 2001, pela Editora Planeta DeAgostini, Lisboa, retirada
do site Good Reads. Disponível em: https://www.goodreads.com/book/show/32500581-aselva?rating=1. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 5 de “A Selva”, editada em 2000, pela Editora: Guimarães & C.ª, em Lisboa, retirada
do site Skoob. Disponível em: https://www.skoob.com.br/a-selva-39346ed43020.html.
Acesso em: maio 2020.
Capa nº 6 de “A Selva”, editada em 1988, pela Editora: Grasset, em Paris, retirada do site
Estante Virtual. Disponível em: http://www.estantevirtual.com.br/livros/ferreira-decastro/foret-vierge/3831261585. Acesso em: maio 2020.
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Capa nº 7 de “A Selva”, editada em 1982, pela Editora: Guimarães & C.ª, em Lisboa, retirada
do site Abebooks. Disponível em: https://www.abebooks.co.uk/SELVA-CASTRO-Ferreira1898-1974-Guimar%C3%A3es-Cia/17893298606/bd. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 8 de “A Selva”, editada em 1982, pela Editora: Guimarães & C.ª, em Lisboa, retirada
do site In-Libris. Disponível em: https://in-libris.com/products/selva-a1?variant=6825604022302. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 9 de “A Selva”, editada em 1978, pela Editora: Guimarães & C.ª, em Lisboa, retirada
do site O Cais da Memória. Disponível em: https://ocaisdamemoria.com/2018/03/28/a-selvalivro-do-escritor-ferreira-de-castro/. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 10 de “A Selva”, editada em 1974, pela Editora: Imprensa Nacional de Publicidade,
em Lisboa, retirada do site Livraria Alfarrabista. Disponível em:
https://www.livrariaalfarrabista.com/?aut=85. Acesso em: maio de 2020.
Capa nº 11 de “A Selva”, editada em 1974, pela Editora: Imprensa Nacional de Publicidade,
em Lisboa, retirada do site Livrariasidarta (Edição especial comemorativa dos 75 anos de
Ferreira de Castro. Ilustrações de Júlio Pomar). Disponível em:
http://www.livrariasidarta.pt/produto/a-selva/. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 12 de “A Selva”, editada em 1972, pela Editora: Verbo, no Porto, retirada do site
Skoob. Disponível em: https://www.skoob.com.br/a-selva-39346ed332846.html. Acesso em:
maio 2020.
Capa nº 13 de “A Selva”, editada em 1967, pela Editora: Civilização Brasileira, no Rio de
Janeiro, retirada do site Good Reads. Disponível em:
https://www.goodreads.com/book/show/2517564.A_Selva. Acesso em: abril de 2020. Acesso
em: maio 2020.
Capa nº 14 de “A Selva”, editada em 1963, pela Editora: Broché, em Paris, retirada do site
Amazon. Disponível em: https://www.amazon.com/Foret-vierge-FerreiraCastro/dp/B0044T9QAI. Acesso em: maio 2020.
Capa nº 15 de “A Selva”, editada em 1955, pela Editora: Guimarães & C.ª Ed., em Lisboa,
retirada do site Skoob (Edição Comemorativa dos 25 anos do romance – Ilustrações de
Cândido Portinari e vinhetas de Elena Muriel - O Seringueiro). Disponível em:
https://www.skoob.com.br/a-selva-39346ed164563.html. Acesso em: maio 2020.
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Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação – ISSN 1981- 9943
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Capa nº 23: não foi possível encontrar dados.
Capa nº 24 de “A Selva”, editada em 1930, pela Editora: Empresa Nacional de Publicidade,
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Disponível em: http://montalvoeascinciasdonossotempo.blogspot.com/2010/10/ferreira-decastro-selva-relacao-entre.html. Acesso em: maio 2020.
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