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2015, Interseccions between Art and Archtechture- Study of Case - Olafur Eliasson

SAVIO, S.M. Interseccions between Art and Archtechture- Study of Case - Olafur Eliasson.2015. 183 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. The reflection about the experience of space and its folding about construction and its physical spaces, on the limit between Art and Architecture, it was the purpose of this research. The presentation of the Danish artist work, OlafurEliassoncreating an overview of the study of space that the Artist has been carrying out since 1990.It is installations of Art, which seeks a sensorial space, provocation of the visitor’s sense to produce an experience of space. Because of the theoretical basis mentioned frequently by the Artist and its artistic and architectural references, it is necessary one chapter of understanding the theory of Eliasson’s masterpieces. Starting from the contact with his artworks, narrowing the theme was defined around the aspects of light and movement on the perception of space, where it highlights the references of the Artist on History of Modern Art- The Kinetic Movement and the Group Light&Space. The configured-triangle between the principle figures of these three moments- Lászlo Moholy-Nagy, James Turrell and OlafurEliasson–serves as the access to the repertory of the Danish Artist and it justifies the research not being focused on a series of other notorious references of Eliasson. This thesis is divided, then, in three chapters - the Presentation, the Understanding of the Theory and the Artworks of Eliasson–in which the relationship is established on the examples of the artworks commented. The tangle of theoretical references found on books of Eliasson has consequences on the miscellaneous of Chapter 2. From the concepts clarified, terms used by the Artist, on which artwork commented. On the analysis of two expositions that occurred on the 2000 years, Take Your Time and Weather Project, it is better understood his vocabulary and conceptual intentions applied on physical space. The relevance of multiple researches of OlafurEliasson, which put him on the boarder of Art and Science includes also the philosophical knowledge and its collaborators, such as the curator Daniel Birnbaum, and culminates on the experiment of space on the installations, on the participation of the public. Keywords: Contemporary Art, Architecture, Art Exhibition.

SÍLVIA  MACIEL  SÁVIO           Interseções entre Arte e Arquitetura - Estudo de Caso: Olafur Eliasson v.1         Dissertação   apresentada   ao   Programa   de   Pós-­‐Graduação   da   Faculdade   de   Arquitetura   e   Urbanismo   da   Universidade   de     São   Paulo   para   obtenção   do   título   de   Mestre  em  Arquitetura.       Área  de  Concentração:  Projeto,  Espaço  e   Cultura     Orientador:     Prof.  Dr.  Agnaldo    Aricê  Caldas  Farias                     São Paulo 2015   1     AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. E-MAIL DA AUTORA: [email protected] Sávio, Sílvia Maciel S267iInterseções entre arte e arquitetura – estudo de caso: Olafur Eliasson / Sílvia Maciel Sávio.--SãoPaulo, 2015. 183 p. :il. Dissertação (Mestrado - Área de Concentração: Projeto, Espaço e Cultura) – FAUUSP. Orientador: Agnaldo Aricê Caldas Farias 1.Arte contemporânea 2.Exposições de arte 3.Arquitetura 4.Eliasson, Olafur, 1967CDU 7.036   2     I.Título   Nome:  SÁVIO,  Sílvia  Maciel   Título:  Interseções  entre  Arte  e  Arquitetura  -­‐  Estudo  de  Caso  -­‐  Olafur  Eliasson     Dissertação   apresentada   à   Faculdade   de   Arquitetura   e   Urbanismo   da   Universidade   de   São   Paulo   para   obtenção   do  título  de  Mestre  em  Arquitetura.           Aprovado  em:       Banca  Examinadora       Prof.  Dr.    ________________________      Instituição:    ______________       Julgamento:  ___________    Assinatura:  ______________________________           Prof.  Dr.    ________________________      Instituição:    ______________       Julgamento:  ___________    Assinatura:  ______________________________           Prof.  Dr.    ________________________      Instituição:    ______________       Julgamento:  ___________    Assinatura:  ______________________________           3     AGRADECIMENTOS               À   minha   família,   pela   compreensão,   carinho,   presença   e   incansável   apoio   ao   longo   do   período   de   elaboração   deste   trabalho.  Especialmente,  ao  meu  filho  Bernardo,  por  superar   minha  ausência.   À   Mariana   Albuquerque,   pela   imprescindível   colaboração,   cuja  revisão  possibilitou  a  conclusão  desta  dissertação.   Ao  orientador  Agnaldo  Farias,  cujas  aulas  incentivaram  meu   retorno  à  universidade.   À   Professora   Fernanda   Fernandes,   pela   atenção   e   apoio   durante  o  período  como  aluna  especial.   Aos   Professores   Luiz   Antônio   Jorge   e   Vera   Pallamin,   pelo   aprendizado  em  Projeto,  Espaço  e  Cultura.     Às   amigas   doutoras   e   mestres,   sempre   confiantes   e   incentivadoras:   Ana   Garcia,   Aline   Couri   Fabião,   Isabel   Frota   Abreu  e  Noêmia  O.  Figueiredo.     4     RESUMO   SÁVIO,   S.M.   Interseções   entre   Arte   e   Arquitetura   -­‐   Estudo   de   Caso:   Olafur   Eliasson.   2015.   183   f.   Dissertação   (Mestrado)   -­‐   Faculdade   de   Arquitetura   e   Urbanismo,   Universidade  de  São  Paulo,  São  Paulo,  2015.       A  reflexão  sobre  a  experiência  do  espaço  e  seu  rebatimento  sobre  a  construção   de  espaços  físicos,  no  limite  entre  arte  e  arquitetura,  foi  o  objetivo  desta  pesquisa.  A   apresentação   das   obras   do   artista   dinamarquês   Olafur   Eliasson   formando   um   panorama  do  estudo  do  espaço,  que  o  artista  vem  realizando  desde  1990.  Trata-­‐se  de   instalações   de   arte   que   visam   um   espaço   sensorial,   a   provocação   dos   sentidos   do   visitante   para   co-­‐produzir   uma   experiência   do   espaço.   Devido   ao   embasamento   teórico   citado   frequentemente   pelo   artista   e   suas   referências   artísticas   e   arquitetônicas,  fez-­‐se  necessário  um  capítulo  de  entendimento  da  teoria  nas  obras  de   Eliasson.  Partindo  do  contato  com  as  obras,  o  recorte  temático  foi  definido  em  torno   dos   aspectos   de   luz   e   movimento   na   percepção   do   espaço,   onde   destacam-­‐se   as   referências  do  artista  na  História  da  Arte  Moderna  -­‐  o  Movimento  Cinético  e  o  Grupo   Light&Space.  O  triângulo  configurado  entre  as  principais  figuras  destes  três  momentos   -­‐  Lászlo  Moholy-­‐Nagy,  James  Turrell  e  Olafur  Eliasson  -­‐  serve  de  acesso  ao  repertório   do   artista   dinamarquês   e   justifica   a   pesquisa   não   enfocar   uma   série   de   outras   referências   notórias   de   Eliasson.   A   dissertação   divide-­‐se,   então,   em   três   capítulos   -­‐   a   Apresentação,   o   Entendimento   da   Teoria   e   as   Obras   de   Eliasson   -­‐   cuja   relação   se   estabelece   nos   exemplos   das   obras   comentadas.   O   emaranhado   de   referências   teóricas   encontrado   nos   livros   de   Eliasson   repercute   na   miscelânea   do   capítulo   2.   À   partir  dos  conceitos  esclarecidos,  termos  usados  pelo  artista,  a  cada  obra  comentada,   Na   análise   de   duas   exposições   que   ocorreram   nos   anos   2000,   Take   Your   Time   e   Weather   Project,   entende-­‐se   melhor   seu   vocabulário   e   intencões   conceituais   aplicadas   no   espaço   físico.   A   relevância   das   múltiplas   pesquisas   de   Olafur   Eliasson,   que   o   colocam   na   fronteira   entre   a   Arte   e   a   Ciência,   engloba   também   o   conhecimento   filosófico   de   seus   colaboradores,   como   o   curador   Daniel   Birnbaum,   e   culmina   na   experimentação  do  espaço  nas  instalações,  na  participação  do  público.     Palavras-­‐chave:  Arte  Contemporânea,  Arquitetura,  Exposição  de  Arte.   5     ABSTRACT   SAVIO,   S.M.   Interseccions   between   Art   and   Archtechture-­‐   Study   of   Case   -­‐   Olafur   Eliasson.2015.  183  f.  Dissertação  (Mestrado)  -­‐  Faculdade  de  Arquitetura  e  Urbanismo,   Universidade  de  São  Paulo,  São  Paulo,  2015.       The  reflection  about  the  experience  of  space  and  its  folding  about  construction   and  its  physical  spaces,  on  the  limit  between  Art  and  Architecture,  it  was  the  purpose   of  this  research.  The  presentation  of  the  Danish  artist  work,  OlafurEliassoncreating  an   overview   of   the   study   of   space   that   the   Artist   has   been   carrying   out   since   1990.It   is   installations   of   Art,   which   seeks   a   sensorial   space,   provocation   of   the   visitor’s   sense   to   produce   an   experience   of   space.   Because   of   the   theoretical   basis   mentioned   frequently   by   the   Artist   and   its   artistic   and   architectural   references,   it   is   necessary   one   chapter   of   understanding   the   theory   of   Eliasson’s   masterpieces.   Starting   from   the   contact   with   his   artworks,   narrowing   the   theme   was   defined   around   the   aspects   of   light  and  movement  on  the  perception  of  space,  where  it  highlights  the  references  of   the   Artist   on   History   of   Modern   Art-­‐   The   Kinetic   Movement   and   the   Group   Light&Space.   The   configured-­‐triangle   between   the   principle   figures   of   these   three   moments-­‐  Lászlo  Moholy-­‐Nagy,  James  Turrell  and  OlafurEliasson–serves  as  the  access   to  the  repertory  of  the  Danish  Artist  and  it  justifies  the  research  not  being  focused  on  a   series   of   other   notorious   references   of   Eliasson.   This   thesis   is   divided,   then,   in   three   chapters   -­‐   the   Presentation,   the   Understanding   of   the   Theory   and   the   Artworks   of   Eliasson–in   which   the   relationship   is   established   on   the   examples   of   the   artworks   commented.   The   tangle   of   theoretical   references   found   on   books   of   Eliasson   has   consequences   on   the   miscellaneous   of   Chapter   2.   From   the   concepts   clarified,   terms   used  by  the  Artist,  on  which  artwork  commented.  On  the  analysis  of  two  expositions   that   occurred   on   the   2000   years,   Take   Your   Time   and   Weather   Project,   it   is   better   understood   his   vocabulary   and   conceptual   intentions   applied   on   physical   space.   The   relevance   of   multiple   researches   of   OlafurEliasson,   which   put   him   on   the   boarder   of   Art  and  Science  includes  also  the  philosophical  knowledge  and  its  collaborators,  such   as   the   curator   Daniel   Birnbaum,   and   culminates   on   the   experiment   of   space   on   the   installations,  on  the  participation  of  the  public.   Keywords:  Contemporary  Art,  Architecture,  Art  Exhibition.   6     SUMÁRIO Introdução.................................................................................................................9   Capítulo  1.  Olafur  Eliasson,  o  Contexto  Europeu  e  o  Studio  ......................................  15   Capítulo  2.  O  entendimento  da  teoria  no  trabalho  de  Eliasson  .................................  73   Capítulo  3.  Obras  de  Olafur  Eliasson  .........................................................................  96   Capítulo  4.  Considerações  Finais  ............................................................................  186                   7       8     INTRODUÇÃO   Esta   pesquisa   visa   a   observação   do   espaço   produzidos   por   determinadas   obras   de  arte,  os  aspectos  da  percepção  sensorial  decorrentes  de  obras,  mais  precisamente   instalações,  cuja  peculiaridade  consiste  no  modo  como  jogam  com  a  arquitetura.  Não   se  trata,  pois,  da  arquitetura  que  recebe  a  obra  mas,  sim,  do  espaço  resultante  desse   entrelaçamento  e  que  provoca  experiências  que  alargam  a  compreensão  do  conceito   de  espaço  para  além  das  categorizações  usuais.     O   contato   com   certas   instalações   de   arte1   abre   o   questionamento   sobre   a   experiência   espacial.   Neste   estudo   detemo-­‐nos   nos   espaços   criados   pelo   artista   dinamarquês   Olafur   Eliasson   (1967-­‐...),   hoje   radicado   em   Berlim.   A   entrada   em   suas   instalações  significa  experimentar  uma  produção  de  espaço,  entendida  como  um  efeito   que  ultrapassa  o  campo  perceptivo  para  ativar  um  emaranhado  de  outros  fatores.     A   arte   de   Eliassonpauta-­‐se   na   relação   entre   natureza   e   tecnologia   voltada   para   a   apreensão  e  construção  de  espaços,  perspectiva  que  o  coloca  como  um  dos  principais   autores   dessas   instalações   situadas   no   limite   da   arquitetura.   A   justaposição   de   aspectos  científicos,  formais  e  construtivos  define  o  caráter  híbrido  das  obras.  Dentro   da  vasta  produção  do  artista  na  qual  a  natureza  é  abordada  como  fenômeno  cultural,     ocorrem   temas   e   técnicas   que   se   repetem.   Para   restringir   o   universo,   dada   a   extensão   da   obra   de   OlafurEliasson,   serão   abordadas   obras   de   luz,   luz   e   movimento,   espaços   construídos  no  interior  de  arquiteturas  existentes.   As   obras   desse   artista   transformam   o   observador   num   verdadeiro   agente,   produtor  do  espaço  em  que  se  encontra.  Uma  proposta  fortemente  influenciada  pelo   biólogo,   filósofo   e   neurocientista   chileno   Francisco   Varela.   Segundo   Eliasson,   Varela                                                                                                                           1   O   termo   instalação   de   arte   ganhou   nova   conotação   no   âmbito   da   arte   contemporânea.   Designa   trabalhos   temporários   que   envolvem   o   público   num   espaço   desenvolvido   com   a   obra.   Os   registros   fotográficos  e  audiovisuais  colaboram  para  identificarmos  essa  dinâmica  entre  público  e  obra.   Descrita   por   Claire   Bishop:   "A   Instalação   cria   uma   situação   na   qual   o   observador   entra   fisicamente,   e   insiste  que  isto  seja  visto  como  uma  totalidade  singular.   A   Instalação   então   difere   dos   meios   tradicionais(escultura,   pintura,   fotografia,   video)   no   que   endereça   o   observador   diretamente   como   uma   presença   literal   no   espaço.   Ao   invés   de   imaginar   o   observador   como   um  par  de  olhos  sem  corpo,  exalta  os  sentidos,  tato,  olfato  e  audição,tanto  como  sua  visão."   Trecho  extraído  do  livro  Installation,  p.  6.   9     defende   que   “entender   é   agir”   e   sugere   que   “através   das   nossas   observações,   podemos  mudar  a  realidade  envolvente”.  (ELIASSON,  2012.  p.221.)   O   presente   texto   é   uma   tentativa   de   entender   a   proposta   do   artista:   ver   a   realidade  como  uma  construção  à  partir  das  experiências  sensoriais.  Aproximar-­‐se  do   repertório   deste   artista,   assemelha-­‐se   à   confecção   de   uma   rede,   onde,   a   cada   ponto   tecido,   há   um   novo   nó   de   interseção.   Por   isso,   estudar   a   obra   de  Olafur   Eliasson   passa   necessariamente   pelo   estudo   de   suas   referências,   um   extenso   repertório   desde   a   pintura  de  Turner2  até  o  interesse  pela  obra  de  BuckminsterFuller3.     Como   recorte   de   pesquisa,   optou-­‐se   pela   abordagem   dos   conceitos   de   luz   e   movimento   nas   obras   de   Eliasson.   Em   relação   a   essas   destaca-­‐se   as   influências   de   LazloMoholy-­‐Nagy,   precursor   da   Arte   Cinética,   e   James   Turrel,   ligado   ao   movimento   Light   &   Space.Torna-­‐se   importante   ressaltar   que   cada   um   dos   agentes   escolhido   na   construção  desse  quadro   –  LazloMoholy-­‐Nagy,  James  Turrel,  e  Olafur  Eliasson   –,  têm   uma   trajetória   própria,   enfrentam   questões   particulares,   o   que   desaconselha   o   estabelecimento   de   relações   causais   entre   eles.   Essas   concordâncias   entre   os   três   artistas  servem  de  base  para  aproximar-­‐se  da  obra  de  Olafur  Eliasson  e  não  impedem   que   outras   referências   sejam   encontradas   no   decorrer   da   dissertação.   Entre   eles,   como   já   foi   dito,   o   inventor   norte-­‐americano   BuckminsterFuller,   além   do   arquiteto   expressionista   alemão   Bruno   Taut,   o   arquiteto   alemão   Frei   Otto   e   o   artista   norte-­‐ americano  Robert  Irwin,  todos  eles  mencionados  porEliasson  em  suas  publicações.   Para   uma   melhor   compreensão   da   dinâmica   de   colaboração   e   influências   dos   trabalhos   desenvolvidos   pelos   dois   artistas   escolhidos   –   LázloMoholy-­‐Nagy   e   James   Turrel   –   nas   obras   de   Eliasson,   construiu-­‐se   um   quadro   apontando   suas   interseções.   Entre   elas,   o   modo   peculiar   como   certos   aspectos   tecnológicos   e   participativos     são   tratados  nas  obras  relacionadas  com  luz  e  percepção  espacial.                                                                                                                             2   William   Turner   foi   pintor   romântico   inglês,   considerado   por   alguns   um   dos   precursores   da   modernidade  na  pintura,  em  função  dos  seus  estudos  sobre  cor  e  luz.   3   Richard   BuckminsterFullermfoimum   inventor   visionário   do   século   XX.   Dedicou   sua   vida   a   fazer   o   mundo  funcionar  para  toda  a  humanidade.  Não  se  limitou  a  um  campo,  mas  trabalhou  numa  pesquisa   antecipatória   abrangente   para   resolver   os   problemas   globais   em   torno   da   habitação,   moradia,   transporte,  educação,  energia,  destruição  ecológica  e  da  pobreza.   10     No   estudo   dessas   interseções,   o   espaço   afigura-­‐se   como   o   grande   campo   de   estudo   que   pode   ser   reconhecido   nas   obras   e   personagens   selecionados.   Forma-­‐se   assim,  um  quadro  marcado  por  correspondências  e  relações  transversais.     De   modo   geral,   Eliasson   apresenta   em   suas   obras   e   seus   textos   elementos   notáveis   da   História   e   da   Teoria   da  Arte.   Definir   qual   aspecto   deveria   ser   aprofundado   dentro   do   repertório   do   artista   foi   parte   importante   deste   trabalho.   Daí   surgiu   o   recorte   temático:   Como   olhar   o   espaço   na   obra   de   OlafurEliasson?   Ou   seja,   como   abordar   o   problema   do   espaço   na   arte   de   OlafurEliassonusando   como   ferramenta   a   relação  com  os  projetos  de  LázloMoholy-­‐Nagy  e  James  Turrell?     Outra   preocupação   é   entender   com   precisão   a   fala   de   Eliasson,   o   usode   determinados   termos   quando   se   refere   a   intervenções   no   espaço.   Conforme   foi   dito   no   início   desta   introdução,   um   exemplo   do   linguajar   do   artista   é   o   uso   do   termo   negociável,   quando   se   refere   à   realidade.   Uma   realidade   que   opera   somente   através   de   relações   inter-­‐pessoais   seria   negociável   e   Eliasson   coloca   essa   intenção   nos   seus   espaços.  Daí  a  prática  e  a  teoria  se  encontrarem  na  realização  em  suas  obras  através   do  comportamento  do  público.  É  ele  quem  faz  a  obra.   Diante   da   abrangência   do   tema,   foi   necessário   dividir   esta   dissertação   em   três   partes   distintas:   apresentação   do   artista   e   da   temática   de   luz   e   movimento   no   espaço,   base   teórica   a   partir   do   artista   e   análise   das   obras   de   OlafurEliasson.   No   primeiro   capítulo,  são  apresentados  o  artista  dinamarquês  e  sua  inserção  no  contexto  europeu   dos  anos  1990;  os  artistas  escolhidos  que  influenciaram  sua  obra  no  que  se  refere  a  luz   e   movimento   no   espaço:   LászloMoholy-­‐Nagy   e   James   Turrell;   e   a   conceituação   do   caráter  híbrido  da  obra  de  OlafurEliasson.   No   segundo   capítulo,   resgata-­‐se   a   teoria   presente   no   trabalho   do   artista.   A   necessidade  de  investigar  a  base  teórica  indicada  por  Olafur  Eliasson  surgiu  do  contato   com  suas  obras.  Assim,  a  fonte  desta    investigação  foram  textos  e  palestras  em  que  ele   expressa   seu   pensamento   sobre   arte   e   sociedade   -­‐   que   são   por   ele   também   considerados   como   obras.   Para   tanto,   buscou-­‐se   entender   os   termos   do   discurso   do   artista  existentes,  anteriormente,  na  Teoria  da  Arte.     11     O  terceiro  capítulo  trata  das  obras  de  Eliasson  selecionadas  sob  os  aspectos  da   luz   e   do   movimento   na   produção   de   novos   espaços,   nos   quais   todo   o   conteúdo   estudado   se   reúne   e   converge   para   a   compreensão   das   propostas   do   artista.   Nos   comentários  sobre  as  obras  de  Eliasson  e  as  experiências  que  suscitam,  os  outros  dois   artistas   -­‐   Mohly-­‐Nagy   e   Turrell   -­‐   são   retomados   com   mais   propriedade,   formando   uma   triangulação  entre  eles.   Nas   considerações   finais,   fica   expresso   o   fechamento   de   um   ciclo   de   trabalho   que  não  pretende  esgotar  o  tema,  mas  que  abre  novas  abordagens  sobre  o  mesmo.  É   o  espaço  pesquisado  na  sua  constituição,  como  acontecimento  e  presença,    e  não  mais   uma  busca  teórica  isolada  para  enquadrar  suas  características  num  campo  específico,   seja   da   arte,   da   arquitetura   ou   da   geografia.   Este   é   o   caso,   por   exemplo,   da   obra   Weather  Project,  na  qual,  através  do  espaço  criado  o  artista,  surgem  aspectos  sociais,   geográficos  e  culturais  do  tema  escolhido:  o  clima  (weather).  Essa  obra,  emblemática   na   carreira   de   Olafur   Eliasson   e   que   esteve   montada   na   galeria   Tate   Modern   em   Londres,  2003,  será  comentada  no  capítulo  3.     12     13     14     Capítulo 1. Olafur Eliasson, o Contexto Europeu e o Studio     O  estudo  da  trajetória  do  artista  dinamarquês  Olafur  Eliasson  passa  pela  revisão   da  bibliografia  entre  Arte  e  Arquitetura,  ao  longo  do  século  XX.  Ele  trabalha,    há  quinze   anos,  interelacionandoas  questões  espaciais,  corporais  e  construtivas  em  sua  extensa   bibliografia  e  colaboração  nos  projetos  transdisciplinares  em  diversos  países.     O   artista   cursou   a   universidade   de   Belas   Artes   da   Dinamarca   -­‐   Royal   Danish   Academy   of   Fine   Arts   -­‐   ,   entre   1989   e   1995,   época   em   que   a   maioria   dos   teóricos   apresentavam   "uma   lógica   pós-­‐modernista   da   superfície".   Lógica   na   qual   os   avanços   tecnológicos   desencadeariam   processos   de   desterritorialização,   a   abolição   das   fronteiras  espaciais,  e  porisso    tudo  estaria  conectado  em  rede  pela  superfície  global.     Os   conceitos   em   voga   partiam   de   uma   grande   abstração,   transferiam   características   físicas   conhecidas   -­‐   "cristalização,   mosaico,   textura   e   dobra   "4   -­‐   para   adjetivar   o   tempo   e  o  espaço,  por  exemplo.  (ELIASSON,  2012)   Olafur em Berlim Na  Europa  do  pós-­‐guerra,  a  cidade  onde  o  artista  montou  seu  Studio  –  Berlim  -­‐     virou   um   terreno   de   reconstrução,   a   cidade   dos   “terrain-­‐vagues”,   espaços   vazios   urbanos  que  foram  lacunas  geradas  pela  2a  Guerra  dentro  do  tecido  urbano.  A  cidade   dividida   entre   leste   e   oeste,   até   a   queda   do   muro   em   1989,   tornou-­‐se,   a   partir   da   entrada   do   século   XXI,   depois   de   um   longo   e   não   muito   bem   sucedido   processo   de   revitalização,   um   boom   imobiliário   que   teve   seu   principal   emblema   na   Potsdamer   Platz,   num   pólo   aglutinador   de   artistas   e   arquitetos   interessados   na   diversidade   cultural   e   no   baixo   custo   da   cidade,   notadamente   os   aluguéis   de   estudios   e   galpões,   impensável   em   outros   países.   Desta   forma,   os   projetos   de   revitalização   de   Berlim   atraíram  o  olhar  do  mundo  para  a  cidade.  Ainda  sob  as  mudanças  pós  queda  do  muro,   apenas  quatro  anos  depois,  Olafur  fixou-­‐se  em  Berlim,  onde,  diferente  da  Dinamarca                                                                                                                           4   Texto   “De   Observador   a   Participante:   no   Estúdio   de   OlafurEliasson”,   de   Philip   Ursprung,   no   livro   “O   Studio  –  Uma  Enciclopédia”.   15     naquela   época,   parecia   que   os   artistas   tinham   voz.5   Quando   nem   se   imaginava   o   quanto  a  cidade  mudaria.  Portanto,  ele  desenvolveu  sua  carreira  neste  lugar  propício  à   trabalhos  criativos  aberto  a  novidades.     O Contexto Teórico dos anos 1990 Na  década  de  1990,  a  publicação  de  antologias  dedicadas  à  teoria  arquitetônica   foi   um   marco   provocador   de   discussões   entre   os   profissionais,   na   intenção   de   reconstituir   a   disciplina   “por   meio   de   conceitos   mediadores   [...]   que   ligam   a   arquitetura   a   outros   campos   sociais”(KRYSTASYKES,   2012)   e   redefinir   um   território   próprio.   Neste   mesmo   período   de   ampliação   das   discussões   teóricas,   cada   vez   mais   voltadas   para   o   debate   sobre   a   prática   profissional6,   a   diversificação   das   práticas   arquitetônicas   tende   a   segmentar   o   meio   profissional   em   especialidades.   O   que   dificulta  uma  compreensão  da  profissão  como  um  todo.   Nesse   sentido,   a   teoria   “revela   aspectos   da   prática   arquitetônica   que   ,   embora   não   sejam   úteis   ou   nem   sequer   corretos   para   a   construção   neste   momento,   podem   se   tornar  recursos  para  arquiteturas  futuras.”7(KRYSTASYKES,  2012)   A  participação  social  através  da  produção  do  espaço  construído  nas  cidades  e  a   relação   dos   habitantes   com   o   meio   ambiente   entraram   nessa   pauta   complexa   de   debates  dos  anos  90.  O  processo  construtivo  que  possibilita  as  configurações  espaciais   propostas   pelos   arquitetos   vem   acompanhar   esta   complexidade   com   suas   contradições   e   para   isso   os   arquitetos   recorrem   à   necessária   integração   de   áreas   profissionais.                                                                                                                             5   Olafur   declarou   para   a   revistaSpiegel,   sobre   a   ida   para   Berlim:   "Isto   foi   muito   inspirador   porque   nunca   se   saberia   como   a   cidade   mudaria."   ;   e   "Foi   um   período   muito   importante   para   mim.   Diferente   da   Escandinávia,   naquele   momento,   parecia   que   os   artistas   tinham   uma   voz   aqui   “,(seriam   ouvidos/considerados).  Berlim,  2011.   6  Como  exemplo,  o  texto  “Um  Novo  Pragmatismo?”de  John  Rajchman,  publicado  em  1997.   7  Citação  no  livro  “O  Campo  Ampliado  da  Arquitetura”  de  K.M.HayseA.  Kennedy,  “After  All,  or  the  End  of   “The  End  of””,  op.cit.,  p.7.     16     A Globalização Arte   e   Arquitetura   sempre   estiveram   ligadas,   seja   pelos   objetos   e   espaços   que   produzem,   seja   pelos   conceitos,   símbolos   e   discursos   que   propagam.   Nas   transição   entre  os  séculos  XX  e  XXI,  ocorre  uma  diluição  de  fronteiras  disciplinares  e,  no  âmbito   da  cultura  digital,  perde-­‐se  a  noção  de  fronteiras,  porisso:     "Além   da   espacialidade,   também   a   temporalidade   está   sujeita   a   uma   revalorização   constante   nas   malhas   da   globalização.   Michael   Hardt   e   Antonio   Negri   afirmam   em   Empire   que   a   história   está   suspensa   e   que   a   fase   da  globalização  se  caracteriza  por  uma  espécie  de  presente  eterno.  À  perda   da   orientação   espacial   após   o   desaparecimento   das   fronteiras   territoriais   corresponde   uma   perda   da   possibilidade   de   orientação   temporal   devido   à   8 falha   da   periodização   histórica   e   à   supressão   da   memória   histórica."     (ELIASSON,  2011.  p.39)   Dinamarquês  de  ascendência  islandesa,  Olafur  Eliasson  vive  o  momento  em  que   os   artistas   se   destacam   por   romperem   as   fronteiras   geográficas,   trabalhando   em   países   de   continentes   distintos.   Nesta   década,   de   2001   a   2011,   o   artista   realizou   trabalhos  no  Brasil,  Estados  Unidos,  Japão  e  Europa  com  colaboradores  locais.     A   equipe   do   Studio   de   OlafurEliasson,   em   Berlim,   é   composta   por   arquitetos,   cientistas   e   artistas.   Eles   estudam   profundamente   o   conceito   de   temporalidade,   no   qual   não   consideram   o   tempo   convencional,   mas   experimentado   por   cada   um   9   (OBRIST,2008.p.14).   Os   trabalhos   são   desenvolvidos   em   grupo   e   tratam   da   conceituação   e   execução,   interligando   teoria   e   prática.   Nem   todos   os   experimentos   realizados   no   Studio   tem   uma   finalidade   específica,   no   entanto,   lá   são   produzidos   objetos   industrializáveis,   projetos   de   edifícios,   assim   como   práticas   de   meditação   e   culinária.   A   troca   de   conhecimento   e   informação   em   diversas   áreas   é   o   principal   interesse  do  grupo.     Após  a  leitura  das  publicações  de  Eliasson   e  observada  sua  prática  profissional,   nota-­‐se   que   a   presença   do   artista   no   papel   de   coordenador   e   empresário   é   mais                                                                                                                           8  Texto  “SUPERFÍCIE  CRISTALINA”,  de  Philip  Ursprung,  no  livro  O  Studio  –  Uma  Enciclopédia.  Pág.39   9   Olafur   Eliasson   em   “The   Conversation   Series”,   com   Hans   UlrichObrist:   “Eu   acho   que   há   um   sentido   mais   forte   de   tempo   que   poderia   ser   descrito   não   como   passado   e   futuro,   mas   como   memória   e   expectativas  –  como  meu  tempo  e  seu  tempo."  Pág.  14   17     evidente  do  que  o  artista  como  colaborador  no  estúdio.  Esta  participação  empresarial   de   Eliasson   é   feita   através   de   feiras   de   livro,   como   autor   e   editor,   lançamento   de   carros,  seminários  em  todos  os  continentes  (de  áreas  diversas)  e  campanhas  sociais  na   África.     Olafur Eliasson e a Arquitetura A   relação   do   trabalho   de   Eliasson   com   a   arquitetura   foi   visivelmente   percebida   na   obra   exposta   na   Manifesta   I   em   Rotterdam,   “onde,   de   repente,   há   um   link   com   Buckminster  Fuller  através  de  uma  estrutura  de  tenda  experimental”  em  colaboração   com   Einar   Thorsteinn,   segundo   constatado   por   Hans   Ulrich   Obricht.   Para   Eliasson,   aconteceu   naturalmente,   desde   cedo,   enquanto   trabalhava   com   “a   noção   de   espectador”   e   acreditava   que   a   peça   que   desenvolvia   seria   “um   campo   entre   o   espectador  e  a  máquina”.     Nesse  processo,  apareciam  as  questões:  “  o  que  é  o  espaço  realmente?  E,  mais   importante,   como   nos   orientamos   e   nos   entendemos   num   espaço?   Foi   assim     que   (Olafur)   veio   para   a   arquitetura,   ao   dar-­‐se   conta   do   fato   da   arquitetura   não   ser   uma   concha,  mas  algo  que  se  ajusta  de  acordo  com  o  que  acontece  dentro  –  ou  fora  desse   problema”  (OBRIST,  2008)   O Quê Pesquisar sobre Olafur Eliasson? Como   olhar   o   espaço   na   obra   de   Olafur   Eliasson   sob   os   aspectos   da   luz   e   do   movimento?   O   presente   estudo   busca   apresentar   obras   em   que   existem   interseções   entre  o  problema  do  espaço  na  arte  de  Olafur  Eliasson  e  soluções  espaciais  do  século   passado,  em  especial   nos  projetos   de   LázloMoholy-­‐Nagy  e   JamesTurrell.  O   cuidado  em   expor  ideias  na  realização  de  trabalhos  e  não  apenas  belas  soluções  visuais  permeia  as   pesquisas  do  artista  dinamarquês  e  o  entrelaça  com  os  demais.  Os  resultados  visuais   fortes   são  parte  de   um   processo   de   envolvimento,  de   indagação,  não   meramente   uma   busca  pelo  belo.     18     Figura  -­‐  Foto  de  "Beauty",  criada  em  1993.     Desde   o   início   da   carreira,   o   artista   propõe   instalações   com   elementos   que   se   movem   e   estimulam   os   visitantes   a   percorrer   o   espaço,   ocupá-­‐lo.   Com   o   objetivo   de   proporcionar   uma   experiência   mais   instigante,   além   de   questionar   a   contemplação     estática   do   observador   diante   de   uma   bela   obra.   A   própria   obra   “Beauty”,   de   1993   ,   que   marcou   a   carreira   de   Eliasson,   estabelece   o   questionamento   dos   padrões   estéticos.  O  arco  Iris  criado  pelo  vapor  de  água  existe  apenas  como  processo  cerebral   do  observador  e  altera  conforme  este  se  movimenta.  Contudo,  o  artista  acredita  “que   o   envolvimento   das   pessoas   no   trabalho   artístico,   abarcando   um   período   de   tempo   mais   longo,   fará   com   que   a   beleza   seja   mais   transparente,   que   seja   mais   relativa   e   negociável.”10  (ELIASSON,  2011)   Do   quê   se   está   falando   quando   se   emprega   o   termo   “negociável”?   Ao   quê   o   artista   se   refere   quando   trata   do   espaço   compartilhado?   Estas   são   algumas   perguntas   recorrentes   que   justificam   no   capítulo   2   o   estudo   do   pensamento   estético   presente   no   discurso   e   nas   suas   obras.   Entretanto,   antes   da   base   teórica   mais   abrangente   que   remete   ao  passado,  é  necessário  definir  o  conceito  de  espaço  com  o  qual  Eliasson  trabalha.                                                                                                                               10   Olafur   Eliasson   em   entrevista   a   Philip   Ursprung   publicada   em   “Studio   OlafurEliasson   –   Uma   Enciclopédia”.   19     1.1 O Espaço de Olafur Eliasson: Movimento e Luz O Conceito de Espaço em Arte O   presente   estudo   de   caso   visa   entender   como   Olafur   Eliasson   produz   espaços   em   suas   obras   e   o   que   esses   espaços   transmitem.     Parte   deste   estudo   consiste   em   analisar  algumas  de  suas  obras  em  relação  à  Arte  Cinética  e  ao  movimento  californiano   Light   &   Space,   avaliando,   quando   possível,   a   presença   de   uma   interseção   entre   arte,   arquitetura   e   ciências,   entre   outras   áreas,   na   constituição   e   percepção   do   espaço.   Ambos   os   movimentos,   frise-­‐se,   são   referências   declaradas   pelo   artista   dinamarquês   em  seus  livros  e  entrevistas.   A   relevância   desta   conjunção   –   Arte   Cinética   e   Light   &   Space–   está   no   entendimento  da  percepção  como  a  experiência  do  mundo  através  de  nossos  sentidos,   incorporada   na   situação   social.   Esta   preocupação,   central   no   trabalho   de   OlafurEliasson,   também   compõe   o   cerne   dos   movimentos   acima   mencionados   cujos   artistas  expandiram  o  suporte  físico  das  obras  para  o  meio  envolvente.     A Experiência do Espaço – Uma breve introdução O   espaço   nessa   pesquisa   sobre   Olafur   Eliasson   não   é   apenas   percebido   ou   definido  diante  de  uma  obra,   mas  produzido  na  instalação  de  arte.  Não  se  trata  de  um   espaço  dado  a  receber  uma  obra  e,  sim,  do  espaço  que  surge  com  a  obra.  A  fusão  da   arquitetura  com  a  arte  na  apreensão  do  espaço  presenciado.   No   intuito   de   entender   a   importância   que   a   humanidade   atribui   ao   termo   espaço,   a   escritora   e   cientista   Margareth   Wertheim11   percorreu   suas   diversas   aplicações  em  cada  momento  histórico.  Desse  longo  percurso,  destaca-­‐se  o  papel  do   espaço  na  nossa  civilização,  como  lugar  da  imaginação,  da  crença  e  do  sensível.   Nós   percebemos   o   mundo   em   que   vivemos   através   dos   sentidos.   Reconhecemos   o   espaço   na   relação   entre   as   coisas:   nas   distâncias,   nos   deslocamentos   e   fluxos   de   luz.   Portanto,  para  definir  melhor  o  espaço  no  contexto  em  que  Olafur  Eliasson  trabalha,                                                                                                                           11  Autora  do  livro  “Por  Uma  História  do  Espaço  –  de  Dante  ao  ciberespaço”.   20     considera-­‐se  espaço  um  produto  dos  corpos  que  ocupam.  Esse  é  o  mesmo  sentido  de   espaço  que  o  geógrafo  Henri  Lefebvre  defende:   Um   corpo   não   se   limita   a   estar   no   espaço,   ele   próprio   gera   espaço.   Isolados,   os  corpos  não  têm  significado  nem  existência.  Refletem  e  traduzem-­‐se   nas   alterações   que   produzem   no   seu   milieu   ou   mesmo   no   seu   espaço.   (LEFEBVRE,  1974)   Assim   como   os   corpos   produzem   o   meio   envolvente,   as   pessoas   também   o   fazem.  Preocupado  com  a  interação  social,  Eliasson  faz  intervenções  que  operam  nos   intervalos   entre   as   coisas   e   as   pessoas   e   interpessoais.   O   artista   aplica   “a   arte   como   metodologia   para   integrar   crítica   e   ação”(ELIASSON,   2012).   Na   prática,   suas   obras   desorientam   fisicamente,   causando   uma   consciência   corporal   e   buscando   uma   atitude   diante  do  mundo.  Esta  prática  pode  ser  associada  ao  conceito  de  espaço  produtivo  na   arte.   A  produtividade  de  um  espaço  é  justamente  o  ponto  do  discurso  de  Eliasson  ao   qual  a  curadora  LisetteLagnado  se  ateve  no  texto  “O  que  torna  um  espaço  produtivo?”   do   catálogo   da   mostra   do   artista   (SESC   Pompéia,   2012).   Ela   questiona   de   forma   pertinente   “como   interrogar   o   espaço   no   âmbito   da   experiência   artística?”  A   curadora   reconhece  o  esforço  de  Eliasson  em  circunscrever  os  conceitos  sobre  espaço  oriundos   de   outros   campos   para   o   campo   da   arte,   quando   o   artista   tenta   aplicar   a   teoria   que   discute  nas  palestras  e  livros  em  suas  obras.     A   produção   do   espaço   coletiva   que   Eliasson   visa   acontece   graças   a   estímulos   óticos   individuais   e   o   compartilhamento   da   experiência   no   local.   Para   fazer   com   que   o   processo  ocorra  deste  modo,  cria  espaços  alternando  a  exibição  de  imagens,  estáticas   ou   em   movimento,   e   processos   óticos   que   constroem   estruturas   narrativas.   Nas   instalações   de   arte   em   que   usa   projeções,   há   uma   espacialidade   que   envolve   geometria   e   ótica.   Ele   recorre   a   narrativas   similares   a   de   filmes,   com   os   recursos   e   materiais   que   utiliza.   Portanto,   não   são   apenas   imagens,   mas   espaços   produzidos   com   estímulos  artísticos  e  a  imaginação  dos  visitantes.     Em   entrevista   concedida   ao   curador   JochenVolz,   o   artista   assumiu   que   o   maior   desafio  seria  criar  sistemas  de  discordância,  onde  o  consenso  não  seja  uma  evidência.   "Queremos  compartilhar  valores,  queremos  fazer  parte  do  desenvolvimento  intrínseco   21     da   sociedade.   Mas   também   é   importante   abarcar   a   coletividade,   o   que   nem   sempre   conduz  a  um  consenso."    Ou  seja,  nas  obras,  Eliasson  e  os  visitantes  entre  si   produzem   espaço   através   do   uso   de   luz   e   movimento   que   percebem   de   forma   subjetiva   e   muitas   vezes   discordantes.   São   espaços   físicos,   imaginários   ou   ambos,   criados   na   presença   de   luzes  que  se  movimentam  ou  provocam  nossa  movimentação.   É   inegável   que   a   iluminação   se   expandiu   na     arte   em   função   das   instalações,   que   demandaram   novas   tecnologias   para   enfatizar   o   processo   de   desmaterialização   do   objeto  de  arte,  desde  os  anos  1950.     Luz nas Instalações de Arte Recursos   de   iluminação   perpassam   toda   a   História   da   Arte,   notadamente   a   pintura  clássica  que,  por  tradição,  orientou  as  demais  artes.  Na  arquitetura   –  a  arte  do   espaço   –   esta   premissa   se   manteve,   e   a   luz   continua   sendo   um   fator   importante   na   percepção  do  espaço.  Os  arquitetos  modernos  já  exaltavam  a  luz  como  reveladora  das   formas,  todavia  não  vislumbravam  os  caminhos  e  a  independência  no  espaço  que  tal   elemento  viria  a  adquirir  nas  futuras  instalações  de  arte.   Nos   primórdios   do   modernismo,   desde   1922,   em   sua   primeira   exposição   individual,   o   artista   húngaro   LászloMoholy-­‐Nagy   enveredou-­‐se   por   uma   pesquisa   do   espaço   na   qual   exaltava   a   utilização   da   luz   para   pintar   o   espaço,   substituindo   o   pigmento.  "Para  Moholy-­‐Nagy,  o  essencial  estava  na  composição  formal,  no  jogo  com   intensidades   luminosas,   com   imagens   desfocadas,   insinuando   na   imagem   camadas   tridimensionais"(HEITLINGER,   2007).   Os   fotogramas  eram   seus   instrumentos   para   explorar  os  fenômenos  luminosos  fixados  no  papel  foto-­‐sensível.  Estudava  efeitos  de   reflexão,  refração,  contrastes  fortes  e  sutis  gradações  de  cinza.  Os  modeladores  de  luz   eram  os  registros  de  objetos  colocados  sobre  o  papel  fotográfico.   22         Basicamente   os   trabalhos   de   Olafur   Eliasson   usam   projeção   de   imagens,   luzes   coloridas   ou   sombras.   Toda   a   sua   pesquisa   sobre   projeção   tem   forte   ligação   com   os   simples   experimentos   de   Moholy-­‐Nagy,   sobretudo   as   obras   em   que   feixes   de   luz   passam  por  objetos  para  projetar  sombras  em  paredes.  Como  no  exemplo,  a  obra  Your   roundabout   movie   que   Eliasson   expôs   no   Galpão   Fortes   Vilaça,   em   São   Paulo.   A   luz   passava   por   um   objeto   pendente   em   movimento   giratório   e   a   sombra   projetava-­‐se   numa  grande  tela  branca.   23     Figura  1  -­‐  Your  roundabout  movie.  Foto:  Galpão  Fortes  Vilaça,  São  Paulo,  2013.     Os   experimentos   de   Moholy-­‐Nagy   tinham   base   material   mais   simples,   os   recursos  utilizados  eram  apenas  tiras  de   papel   dobradas  e   coladas  em  formas  sinuosas   que  permitiam  a  observação  do  comportamento  da  luz  sobre  as  superfícies,    áreas  de   sombra   e   luz.   Os   efeitos   observados   inspiraram   obras   mais   complexas   do   artista   húngaro,  seus  alunos  e  seguidores.  Também  é  o  caso  da  obra  Life  is  lived  along  lines   onde  Eliasson  exibiu  objetos  metálicos  giratórios  que  projetavam  sólidos  de  revolução   em  suas  sombras.     24       Figura  2  -­‐  A  obra  Life  is  lived  along  lines  que  Eliasson  exibiu    a  mostra  Your  Chance  Encounter,  em   2009.  Kanazawa,  Japão.     Entre   os   modeladores   de   luz   e   as   instalações   de   Moholy-­‐Nagy   há   uma   congruência   de   investigações   em   escalas   variadas.   Muito   mais   do   que   clarear   algo,   à   partir   dos   experimentos   espaciais   de   Moholy-­‐Nagy,   na   década   de   1930,   a   luz   em   movimento   passou   a   construir   a   obra   e   contaminar   o   ambiente,   configurou-­‐se   numa   arquitetura  de  luz.     A   ocupação   do   espaço   por   obras   de   arte   modernas   ocorreu   de   vários   modos.   Entretanto,   a   ruptura   das   molduras   nas   pinturas   e   a   supressão   do   pedestal   nas   esculturas   caracterizaram   uma   nova   condição   na   arte.   Nesse   sentido,   Claire   Bishop(2006)   cita   a   descentralização   do   observador   nas   instalações   como   a   grande   subversão   da   perspectiva   clássica.   Com   isso   cria-­‐se   uma   arte   condizente   com   a   multiplicidade  do  mundo,  onde  não  deve  predominar  o  olhar  colonizador  ou  machista,   que  era  representado  na  arte  tradicional.   25     "Não   há   um   modo   'correto'   de   olhar   para   o   mundo,   nem   um   lugar   privilegiado  do  qual  tais  julgamentos  possam  ser  feitos.  Como  consequência,   as   múltiplas   perspectivas   da   Instalação   visam   subverter   o   modelo   da   perspectiva   renascentista   porque   negam   ao   observador   um   lugar   ideal   a   partir  do  qual  deve-­‐se  observar  a  obra."  (BISHOP,  2006.)     Movimento nas Instalações de Arte O  conceito  “movimento”  coincide  com  a  instauração  da  modernidade,  sobretudo     no   inicio   do   século   XX.   Seja   nos   motores   das   máquinas,   nos   automóveis,   ou   nas   imagens   em   movimento   do   cinema,   nota-­‐se   fortemente   o   movimento   na   iconografia   do  cotidiano  da  época.  Nas  primeiras  décadas  do  século  passado  o  mundo,  a  reboque   do  processo  de  industrialização,  em  cada  descoberta  tecnológica12ocorre  um  salto  no   modo  de  construir,  habitar  e  perceber  o  espaço  em  que  se  vivia.   Na   arte   moderna,   por   ocasião   da   exposição   Le   Mouvement,   na   galeria   parisiense   Denise   René,   o   termo   cinético13,   como   decorrência   do   fenômeno   descrito,   foi   efetivamente  incorporado  ao  vocabulário  artístico  em  1955.  Evento  em  que  artistas  de   diferentes   gerações   expuseram   seus   trabalhos   sempre   sob   a   mesma   premissa:   a   apropriação  das  novas  técnicas  e  possibilidades  que  esse  mundo  novo  industrializado   oferecia.  Entre  outros  artistas,  estavam  o  francês  Marcel  Duchamp  (nasc.1887-­‐1968),  o   americano  Alexander  Calder  (nasc.1898-­‐1976),  o  húngaro  Victor  Vasarely  (nasc.1908),   o  venezuelano  Jesus  Raphael  Soto  (nasc.1923),  o  israelense  YaacovAgam  (nasc.1928),  o   suíço  Jean  Tinguely  (nasc.1925)  e  o  belga  PolBury  (nasc.1922).   A   definição   dos   trabalhos   cinéticos   varia   entre   os   críticos   de   arte.Para   críticos   como   Frank   Popper   e   Guy   Brett,   prevalece   o   critério   do   movimento,   seja   real   ou   ótico.   Nesse   aspecto,   inclui-­‐se   na   Arte   Cinética   a   participação   da   opart,   abreviação   de   opticalart,  na  qual  o  movimento  ótico,  ainda  que  ilusório,  pertence  ao  cinetismo.                                                                                                                           12  Citar  fases  do  capitalismo  associadas  asdecobertas  -­‐  Jameson   13   Na   tradição   artística,   é   possível   localizá-­‐lo,   por   exemplo,   no  Manifesto   Realista  de   Antoine   Pevsner   (1886-­‐1962)  e  Naum  Gabo  (1890-­‐1977),  em  escritos  de  László  Moholy-­‐Nagy  (1895-­‐1946)  e  nas  páginas   da  revista  de  arte  argentina  Madí  (1946)   26     Na  Alemanha,  o  termo  Nova  Visão  designa  o  período  entre  as  décadas  de  1920  e   1930,   quando   a   fotografia   e   o   cinema   se   consolidaram   como   suportes   de   múltiplas   experimentações   e   especulações.   A   fotografia,   solidamente   estabelecida   em   publicações   comerciais,   ganhou   diferentes   propósitos,   como   a   expressão   artística,   a   representação  documental,  ou  a  propaganda  política.   A   inovação   maior   estava   em   romper   com   os   modos   de   representação   tradicionais   do   desenho   e   da   pintura.   Moholy-­‐Nagy   voltou-­‐se   para   a   fotografia   experimental,   reconhecendo   a   qualidade   criativa   alcançada   com   o   desenvolvimento   das   possibilidades   técnicas:   "A   salvação   da   fotografia   vem   da   experimentação.   O   artista  experimental  não  tem  ideias  preconcebidas  sobre  a  fotografia,  não  acredita  que   seja  apenas  como  é  conhecida  hoje,  exata  repetição  e  representação  da  visão  habitual.   Ele  não  pensa  que  os  erros  fotográficos  devam  ser  evitados  (...).  Ele  ousa  dar  o  nome   de  ‘fotografia’  a  todos  os  resultados  que  possam  ser  alcançados  com  uma  câmara,  ou   sem   ela,   todos   os   resultados   obtidos   com   meios   fotossensíveis   químicos,   expostos   à   luz,  ao  calor,  ao  frio,  à  pressão,  etc.”   Com   a   invenção   do   cinematógrafo14,   a   arte   apropria-­‐se   de   novas   técnicas,   enquanto   também   contribui   para   o   seu   aprimoramento.   O   cinema   muda   os   paradigmas  artísticos  ao  mesmo  tempo  em  que  desencadeia  processos  internos  cada   vez   mais   elaborados.     “A   técnica   não   necessariamente   implica   no   aparecimento   de   novas   formas   de   arte,   mas   contribui   criando   condições   para   sua   aparição”(FABIÃO,   2013).   Se   a   luz   sempre   “suscitou,   no   homem,   o   sentido   do   transcendental,   do   supremo,   do   recôndito   e   do   psicológico”   (POPPER,1968),   a   eletricidade   modificou   as   condições   de   vida   humana   e   impulsionou   a   criação   e   exaltação   da   potência   ilimitada   e   infalível   da   máquina.   Esta   passou   a   ser   entendida   como   um   “corpo   mecânico”,   no   sentido   em   que   se   tornava   a   extensão   dos   órgãos   humanos,   substituindo   com   a   máxima  eficiência  a  força  física  do  operário.   A  máquina,  a  luz  e  a  imagem  geraram  inúmeras  possibilidades  narrativas  para  o   cinema.   Além   do   que,   o   modo   como   ele   inclui   o   tempo   torna-­‐o   uma   linguagem   diferenciada.    A  edição  das  imagens,  o  ritmo  de  projeção  e  seus  intervalos  são  alguns                                                                                                                           14  O  cinematógrafo  reafirmou  as  experiências  fotográficas  de  Étienne  Jules  Marey  e  Edward  Muybridge.   27     dos   fatores   investigados   no   meio   audiovisual,   desde   os   anos   de   1920,   que   repercutem   nas  instalações  e  na  vídeo  arte.     No   caso   da   instalação   "Seu   Caminho   Sentido"   as   imagens   formam-­‐se   com   o   caminhar  do  visitante.  A  experiência  do  espaço  se  desenvolve  ao  longo  de  um  caminho   em  direção  à  luz  sob  neblina,  portanto,  demanda  um  tempo  e  escolhas.  De  acordo  com   a   direção   de   deslocamento   escolhida,   a   imagem   gerada   pelos   corpos   em   contra-­‐luz   seria  diversa.         Fotografia  1  -­‐  Seu  caminho  sentido  (Yourfelt  path)  -­‐  SESC  Pompeia.  São  Paulo,  2011.  Instalação  de  luz   com  uma  parede  revestida  de  lâmpadas,  ventiladores  e  fumaça  artificial.     28     1.2 Lázlo Moholy-Nagy – Imagem: Matéria e Objeto de Investigação Na  qualidade  de  artista  multimídia  Moholy-­‐Nagy  desenvolveu  uma  enorme  gama   de   ideias   e   obras,   alternando   e   combinando   pintura,   cinema,   fotografia,   escultura,   design  e  fotogramas.  Interligou  tecnologia  industrial  com  arte  reforçando  os  aspectos   e   resultados   visuais   e   materiais,   tornou   os   avanços   técnicos   os   alicerces   de   seu   trabalho,  abalando  o  repertório  moderno.  Suas  teorias  pioneiras    transformaram  a  arte   num   campo   de   testes   para   novas   formas   de   expressão   e   sua   aplicação   em   todas   as   esferas  da  vida  moderna.   Nas  investigações  de  Moholy-­‐Nagy  a  imagem  não  é  o  resultado  mas  a  matéria  e   o   objeto   da   investigação.   Para   o   artista   húngaro,   o   espaço   não   é   uma   realidade   objetiva  senão  uma  estrutura  da  consciência,  portanto  se  manifesta  em  tudo  o  que  se   faz.15(ARGAN,  1995:  74).              Um   dos   procedimentos   característicos   do   trabalho   de   Moholy-­‐Nagy   consistia   em  romper  com  padrões  de  uso.  Em  relação  a  fotografia,  por  exemplo,  defendia  o   uso  da  câmara  num  sentido  desconcertante:   "Isto   é   aparente   nas   chamadas   fotografias   ‘erradas’:   a   visão   de   cima,   de   baixo,  a  visão  oblíqua,  que  hoje  desconcerta  as  pessoas,  que  as  entendem   como   fotos   acidentais.   O   segredo   do   seu   efeito   é   que   a   câmara   reproduz   a   imagem   puramente   óptica   e   assim   apresenta   as   verdadeiras   distorções,   enquanto   o   olho,   junto   com   a   experiência   intelectual,   complementa   o   fenômeno   percebido   através   de   associações.   […]   Assim,   na   Fotografia,   temos   a   mais   confiável   ajuda   para   o   começo   de   uma   visão   objetiva."   (MOHOLY-­‐NAGY,  1927)   Inspirado   pelos   mestres   Moholy-­‐Nagy   e   Lissitzky   (o   artista   russo   que   também   visava  desestabilizar  a  percepção  com  composições  fotográficas  realizadas  a  partir  de     ângulos   desorientadores)   Eliasson   considera   a   ruptura   de   nossos   hábitos   visuais   o   ponto   de   virada   para   a   liberdade   individual.   Com   esta   proposta,   o   artista   dinamarquês   também  acredita  que  contribui  para  a  retirada  do  observador  do  estado  anestesiante   cotidiano.  Ainda  tratando  do  exemplo  anterior,  na  obra  "Seu  Caminho  Sentido"  (  -­‐  Seu                                                                                                                           15   “O   espaço   já   não   pode   ser   pensado   como   entidade   geométrica   fechada,   mas   como   dimensão   da   vida,   que  os  modernos  sistemas  de  comunicação  estendem  ilimitadamente”  (ARGAN,  1995:  74).   29     caminho   sentido   (Yourfelt   path)   -­‐   SESC   Pompeia.   São   Paulo,   2011.   Instalação   de   luz   com   uma   parede   revestida   de   lâmpadas,   ventiladores   e   fumaça   artificial.   e   2)   Eliasson   aplica   a   iluminação   e   a   fumaça   para   suprimir   os   limites   físicos   da   sala   de   exposição   e   criar   um   espaço   desnorteante,   no   qual   percebe-­‐se   apenas   uma   forte   claridade   enevoada.   Nele   não   era   possível   enxergar   além   de   um   metro   de   distância,   o   que   tornava   a   caminhada   em   direção   ao   lado   escuro   da   sala   extremamente   desconfortável.   O   espaço   da   obra   fragilizava  a  confiança  nos  sentidos.   A Experimentação Estética Com Fontes De Luz A  questão  primordial  da  pesquisa  de  Moholy-­‐Nagy   pode  ser  aferida  pelo  modo   peculiar   como   ele   entendia   a   pintura   como   um   campo   aberto   de   possibilidades   baseado   no   comportamento   da   luz   sobre   os   materiais.   Uma   concepção   que   ultrapassava   o   conceito   de   pintura   restrito   a   técnicas   e   funções   provenientes   da   academia.  Para  esse  artista:     “Pintar   com   luz”   é   um   velho   capítulo   da   atividade   humana.   Nós   temos   documentos   sobre   iluminação   antiga   para   performances   teatrais   nas   quais   vidros  coloridos,  prismas,  etc.,  foram  usados.  [...]  Hoje,  na  luz,  da  fotografia   à   televisão,   nós   temos   mais   fontes   para   uma   nova   forma   de   arte   do   que   qualquer   outro   período   da   história   humana.   Porém   a   menos   que   aprendamos   a   limpar   nossas   mentes   das   velhas,   tradicionais   idéias   de   pintura,  nem  mesmo  o  trabalho  de  talentosos  pintores  alcançarão  o  nível  de   uma  criação  artística  genuína."(MOHOLY-­‐NAGY,  1930)         30     Figura  3  -­‐  "Turner  colour  experiments",  Eliasson.  Nov  2014.  Tate  Britain,  Londres.  /  Fig.  3b  Tela  de   William    Turner  entitulada  A  Manhã  Após  o  Dilúvio-­‐  Moisés  Escrevendo  o  Livro  da  Genesis,  1843.     De   modo   similar   a   Moholy-­‐   Nagy,   e   assumindo   suas   consultas   às   descobertas   sobre  luz  dos  pintores  tradicionais,  um  dos  trabalhos  mais  recentes  de  Olafur  Eliasson   resgata  a  pintura  como  meio.  Trata-­‐se  de  uma  homenagem  ao  pintor  britânico  William   Turner   que   desenvolveu   uma   profunda   pesquisa   sobre   a   luz   na   pintura.   Desde   2003,   quando   expôs   Wheather   Project,   na   Tate   Modern,   Olafur   vem   sendo   questionado   sobre  a  influência  de  Turner.     Influenciado  pelas  máquinas  do  início  do  século  XX  e  seus  invólucros  metálicos,  o   artista   húngaro   conduziu   uma   intensa   pesquisa   de   materiais.   No   entanto,   a   leitura   atenta,  confrontando  os  escritos  de  Moholy-­‐Nagy  durante  a  fase  da  BAUHAUS  com  os   seus   textos   posteriores,   apresenta   uma   diminuição   no   encantamento   com   as   máquinas.   Em   cada   um   dos   momentos,   ficam   evidentes   duas   posturas   diversas.   A   profissionalização   do   design,   assumindo   a   incorporação   da   máquina   como   tema   e   instrumento   durante   a   BAUHAUS.   E,   posteriormente,   em   1947,   em   Chicago,     com   o   desenho   industrial   já   estabelecido,   a   retomada   das   atividades   manuais   como   fundamento   da   atividade   do   designer   aliadas   às   ferramentas   industriais.   Este   último   momento,   quando   Moholy-­‐Nagy   declara   que:   "Os   olhos   do   artista   gravam   vacas   e   dínamos,   árvores   e   arranha-­‐céus   igualmente   bem.   Eles   representam   matéria-­‐prima   visual   para   os   artistas.   E   esta   é   a   verdadeira   questão.   O   objetivo   real   é   a   síntese   socio-­‐ biológica."(MOHOLY-­‐NAGY,  1947)   Não  chega  a  ser  uma  contradição,  pois  a  posição  tomada  por  Moholy-­‐Nagy  em   defender   a   função   da   arte   tanto   biológica   quanto   social   -­‐   individual   e   coletiva   -­‐   é   abrangente.   Ambas   práticas   profissionais   aliadas   cabem   nesse   discurso   que   visa   avanços  sociais  conquistados  com  o  trabalho,  produção  manual  aliada  ao  incremento   da  máquina,  mas  não  um  retrocesso  à  manufatura.     31       Figura  4  -­‐  Fotografias  de  Moholy-­‐Nagy  publicadas  no  livro  Painting  Photography  Film,  1927.     O   senso   estético   do   trabalho   de   Moholy-­‐Nagy   estava   de   fato   muito   ligado   à   observação   dos   padrões   naturais   (Figura   4).   A   geometria   das   formas   orgânicas   que   o   artista   fotografava   influenciava   nas   imagens   que   produzia,   na   repetição   de   padrões.   Seu  interesse  em  racionalizar  a  observação  da  natureza  e  utilizar  as  máquinas  em  prol   da  humanidade  compõem  dois  lados  da  mesma  moeda,  pois  no  trabalho  de  Moholy-­‐ Nagy   não   havia   uma   separação   rígida   entre   áreas   de   interesse   e   ambos   foram   detalhados  em  seus  livros.  Acima  de  tudo  estaria  a  função  social  da  arte.  Na  publicação   póstuma  de  1947,  Visions  of  Motion,  encontra-­‐se  o  que  Moholy-­‐Nagy  escreveu  sobre  a   função  da  arte:   "A   arte   tem   duas   faces,   a   biológica   e   a   social,   uma   sobre   o   indivíduo   e   a   outra   sobre   o   grupo.   Ao   expressar   validades   fundamentais   e   problemas   comuns,  a  arte  pode  produzir  um  sentimento  de  coerência.  Esta  é  a  função   social   que   conduz   a   uma   síntese   cultural   assim   como   uma   continuação   da   civilização  humana."  (MOHOLY-­‐NAGY,  1947)   A Experiência Na Bauhaus Como   professor   na   Staatliches   Bauhaus   em   Weimar   e   Dessau   (1923–1928)   sob   a   direção  de  Walter  Gropius,  Moholy-­‐Nagy  foi  responsável  pelo  curso  preliminar  e  pela   oficina  de  metais.   Desde  1920,  quando  o  artista  húngaro  muda-­‐se  para  Berlim,  inicia   seus   trabalhos   construtivistas   e   manifesta   sua   posição   a   favor   das   vanguardas   32     racionalista.  Logo  nos  anos  seguintes,  produz  obras  independente  de  tendências,  “seu   próprio  construtivismo”.  “Foram  todas  as  interpretações  pessoais  de  Moholy-­‐Nagy  das   atitudes   construtivistas   que   contribuíram   para   a   emergência   do   reconhecimento   de   um  estilo  Bauhaus  [de  desenho  industrial].”(NAYLOR,  1968).   A   luz   e   o   movimento   constituem   duas   questões   centrais   para   Moholy-­‐Nagy   e   Olafur  Eliasson.  São  evidentes  tanto  nos  objetos  giratórios  como  em  toda  a  produção   de  fotogramas  e  filmes  de  Moholy-­‐Nagy.  O  artista  visava  a  concretização  do  fenômeno   da  luz,  “peculiar  ao  processo  fotográfico  e  a  nenhuma  outra  invenção  tecnológica”16.  O   uso  da  luz  na  fotografia  inspirava  o  artista  e  o  instigava  a  pesquisar,  diferente  de  Olafur   Eliasson   que   já   encontrou   diversas   pesquisas   realizadas   sobre   fotografia,   nos   anos   1990.  A  luz  e   o  movimento  em  obras  de  Eliasson  apresentam  um  lastro  de  referências   históricas   dos   artistas   multimídia   anteriores.   Sua   pesquisa   pauta-­‐se   mais   na   informação  que  determinado  material  pode  transmitir,  nas  reações  que  o  público  pode   ter,  no  comportamento  diante  das  diversas  mídias  que  o  artista  trabalha.  Como  foi  dito   inicialmente,   Moholy-­‐Nagy   também   era   um   artista   que   explorava   diversas   técnicas   artísticas  e,  além  da  vasta  pesquisa  mencionada  em  fotografia,  produziu  vídeos  de  suas   instalações.     A Mostra Retrospectiva de Frankfurt. Dentre   os   relatos   da   mostra   retrospectiva   de   Moholy-­‐Nagy,   realizada   em   2009,   na   cidade   alemã   de   Frankfurt,   pode-­‐se   destacar   seu   olhar   sobre   o   movimento   das   cidades  –  os  meios  de  transportes,  os  operários,  crianças  jogando,  os  marginalizados,   etc.  –  em  seus  filmes  sobre  Berlim  ou  Paris,  durante  os  anos  1920,  filmados  de  ângulos   novos  para  a  época.17  O  que  faz  lembrar  o  trabalho  de  Olafur  Eliasson,  Inner  City  Out18,   em   Berlim   (2011),   quando   o   artista   elegeu   meios   de   transporte   e   pontos   da   cidade   para   dispor   espelhos.   Espelhos   que   operavam   como   lentes   para   se   ver   na   cidade   de   ângulos  inusitados.                                                                                                                           16  Moholy-­‐Nagy  escreveu  no  catálogo  de  sua  exposição  em  1923.   17  http://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/espectaculos/6-­‐15781-­‐2009-­‐10-­‐27.html   18   O   nome   original   da   exposição   de   Eliasson   em   alemão   Innen   Stadt   Aussen   significa   "do   centro   para   fora",  mas  há  mais  um  trocadilho  Stadt  também  significa  cidade.  Portanto,  entende-­‐se  algo  como  levar  a   cidade  para  fora,  ou  seja  extrapolar  o  espaço  do  museu.   33     Figura  5    -­‐  Inner  City  Out  de  Olafur  Eliasson.  Berlim,  2011.     A   mostra   em   Frankfurt   apresentou   cerca   de   170   obras   de   Moholy-­‐Nagy   –   pinturas,  fotografias  e  fotogramas,  esculturas  e  filmes,  bem  como  um  palco  montado,   desenhos   e   projetos   tipográficos   –   a   retrospectiva   abrangia   todas   as   fases   da   sua   obra.O   mesmo   termo   que   designa   os   exercícios   indicados   aos   alunos   com   papel   e   dobras,  ocasionando  sombras  -­‐  Modulador  de  Luz  e  Espaço-­‐  é  também  a  grande  obra   cinética  do  artista,  Proposta  para  um  Palco  Elétrico.       34     Figura  6  -­‐  Modulador  de  Luz  e  Espaço,  1922/1930.  Lászlo  Moholy-­‐Nagy.     Em   1930,   a   peça   é   exposta   em   Paris   no   Werkbund   Alemão   com   a   ajuda   do   arquiteto   húngaro   Istvan   Seboek.   Resulta   no   filme   “Jogo   de   Luzes     Preto   –   Branco   –   Cinza”   que   registra   os   reflexos   e   projeções   modulados   pelo   complexo   aparato   giratório,  composto  de  chapas  perfuradas,  entre  outros  elementos  metálicos.  Mais  do   que   um   projeto,   a   elaboração   teórica   e   o   aprimoramento   de   uma   década   deste   aparato,   entre   1922   e   1930,   sintetiza   a   pesquisa   de   Moholy-­‐Nagy   e   aplica   o   método   educativo  experimental  de  toda  sua  carreira.  Dentre  os  outros    filmes  que  participou   está   "Things   to   Come"   de   H.G.Wells   e   A.Korda.,   em   1936,   em   que   utiliza   materiais   similares  ao  do  Modulador  de  Luz  e  Espaço.     35       Figura  7  -­‐  Efeitos  especiais  para  o  filme  "Things  to  Come"  de  H.G.Wells  e  A.Korda.  Moholy-­‐Nagy,  1936.   As Publicações e O Ensino do Design. A  influência   fundamental   de  Moholy-­‐Nagy  sobre   os  artistas  posteriores  deveu-­‐se   à  sua   preocupação   em  transmitir   seu  conhecimento,  seja  em   aulas  ou   em  publicações.   Através   desses   recursos,   o   aprendizado   se   reafirma   e   os   experimentos   ficaram   registrados.   Olafur   Eliasson   costuma   seguir   este   método,   usa   todos   os   meios   de   comunicação   para   propagar   seu   pensamento   e   levantar   discussões   sobre   o   espaço.   Além  dos  76  livros  divulgados  no  site  oficial  do  artista,  no  dia  04  de  dezembro  de  2014,   disponibilizou-­‐se  em  rede  social  (Twitter)  para  debater  online  a  exposição  que  estava   acontecendo  na  Tate  Gallery,  em  Londres.     Em   1922,   guardadas   as   proporções   dos   meios   de   comunicação   para   a   época,Moholy-­‐Nagy  escreveu  o  Manifesto  da  Escultura  Cinética:     36     "A   construtividade   vital   é   o   corpo   da   vida   e   o   princípio   de   todo   desenvolvimento   humano   e   cósmico.   Traduzido   para   a   arte,   hoje   isto   significa   a   ativação   do   espaço   por   meio   de   sistemas   de   forças   dinâmico-­‐ construtivos,  isto  é,  construção  de  forças  dentro  umas  das  outras  que  são  na   verdade   tensionadas   no   espaço   físico   e   sua   construção   dentro   do   espaço,   19 também  ativa  como  força(tensões)."  (MOHOLY-­‐NAGY  e  KEMENY,  1922)   Por  sua  vez,  a  preocupação  documental  de  Moholy-­‐Nagy,  decorreu  dos  manifestos   que  o    precederam.  Como  foi  o  caso  do  Manifesto  Realista  publicado  por  Naum  Gabo  e   seu  irmão  Pevsner,  em  1920,  uma  sua  referência  das  mais  importantes,  que  demarcava   novos  procedimentos  na  arte.  O  engajamento  com  o  momento  histórico  enfatizava  uma   nova  visão  da  arte  coerente  com  a  vida  pós-­‐industrialização  nas  cidades.   "Nós   condenamos   o   volume   como   uma   expressão   de   espaço.   Tampouco   o   espaço   pode   ser   medido   por   um   volume   quanto   um   líquido   pode   ser   por   uma   medida   linear.   O   que   o   espaço   pode   ser     senão   uma   profundidade   impenetrável?  Profundidade  é  a  única  forma  pela  qual  pode-­‐se  expressar  o   espaço.   Nós   rejeitamos   a   massa   física   como   um   elemento   de   plasticidade.   Todo  engenheiro  sabe  que  a  força  da  resistência  e  da  inércia  de  um  objeto   não   depende   da   sua   massa.   Um   exemplo   basta:   trilhos   de   ferrovias.   Nós   anunciamos   que   esses   elementos   de   arte   têm   suas   bases   num   ritmo   dinâmico."(GABO,    1920  -­‐  extrato  do  Manifesto  Realista).   No   período   que   Moholy-­‐Nagy   participou   como   entusiasta   e   propagador   das   idéias   de   educação   experimental,   lecionou   no   curso   inicial   e   foi   responsável   pela   oficina  de  metais  da  escola  Bauhaus  20por  que  Bauhaus  em  caixa  alta?  Na  qualidade  de   nome   de   uma   escola,   você   bem   pode   empregar   o   itálico.   Um   procedimento   a   ser   adotado   para   todos   títulos   de   obras,   escolas   e   mesmo   conceitos.   Foi   também   o   período   em   que   publicou   o   livro   "Pintura   Fotografia   Filme"(1925).   Trata-­‐se   de   um   ensaio   escrito   exclusivamente   por   Moholy-­‐Nagy   que   costumava   participar   de   publicações  coletivas.   Passo-­‐a-­‐passo,  o  autor  introduz  o  leitor  ao  universo  da  pintura   com   luz,   ao   explicar   que   os   recursos   disponíveis   na   época   indicavam   o   início   de                                                                                                                           19  Tradução  do  texto  original  em  inglês"Translated  into  art,  today  this  means  the  activation  of  space  by   means  of  dynamic-­‐constructive  systems  of  forces,  that  is,  construction  of  forces  whitin  one  another  that   are   actually   at   tension   in   physical   space   and   their   construction   whitin   space,   also   active   as   force(tensions).”  (MOHOLY-­‐NAGY  e  KEMENY,  1922)   20  Em  1924,  Moholy-­‐Nagy  ingressou  como  professor  na  BAUHAUS  WEIMAR.  No  ano  seguinte,  a  escola   foi  transferida  para  DESSAU,  onde  ficou  instalada  até  1928.   37     possibilidades  artísticas  jamais  pensadas,  e  ainda  seriam  precários  para  atender  a  todo   o  potencial  criativo  que  geravam.    A  nota  do  editor  H.M.Wingler  destaca  que  este  livro,   por   ser   mais   especializado   que   os   demais,   torna-­‐se   mais   duradouro.   Na   verdade,   em   contramão  a  prática  de  experimentação  livre  aplicada  na  escola,  o  livro  assemelha-­‐se  a   um  método  pedagógico  e  orienta  determinados  procedimentos.       Figura  8  -­‐  Página  do  livro  Pintura  Fotografia  Filme.  Moholy-­‐Nagy,  1925.  Exemplo  do  método  de  ensino   utilizado,  definindo  conceitos  bem  resumidamente.     Algo  semelhante  ocorre  com  os  livros  de  Olafur  Eliasson  que  preza  pela  liberdade   artística   e   acaba   caindo   nas   armadilhas   do   método,   quase   pedagógico,   em   que   propaga   as   suas   ideias.   No   caso   do   livro   Studio-­‐Enciclopédia,   uma   obra   coletiva   organizada   por   Anna   Ergsen-­‐Pedersen   e   Olafur   Eliasson,   que   separa   por   vocábulos   a   produção   do   Estúdio   em   Berlim,   ocorrem   redundâncias   e   há   uma   pretensão   de   transmitir   o   conteúdo   de   forma   dogmática.   Quando   aponta   as   fontes   primárias   do   conhecimento   discutido   por   Eliasson,   o   livro   direciona   para   outras   leituras,   muito   mais   esclarecedoras.     38     Em   1937,   a   implantação   da   nova   escola   da   Bauhaus,   em   Chicago,   encontra   um   ambiente   diferente   da   escola   inicial,   onde   havia   sido   necessário   criar   uma   profissão,   formar   designers.   O   momento,   o   local   e   os   desafios   eram   outros.   Moholy-­‐Nagy   descreve  a  situação  no  livro  The  New  Vision,  em  1938:     “[…]Esta   abordagem   à   função   e   à   industria,   hoje,   não   é   mais   um   princípio   revolucionário,   mas   um   padrão   absoluto   para   todo   designer.   Por   esta   razão,   nós  não  poderíamos  construir  numa  nova  Bauhaus  uma  comunidade  criativa   de  novo,  mas  somente  um  sistema  rígido  de  ensino."   O   livro   "The   New   Vision"   (1938)   abarca   todo   o   vasto   repertório   didático   de   Moholy-­‐Nagy.   Com   clareza,   o   mestre   pontua   seus   conceitos,   transmitidos   aos   alunos   propondo   experimentações   artísticas,   enquanto   ousa   aplicar   um   novo   método   educativo  no  também  recente  campo  do  Design.       Figura  9  -­‐  Legenda  original  do  livro  Vision  in  Motion:  "Instituto  de  Design.  Esculturas  manuais.  Como   pedras  na  areia,  apresentando  infinitas  variedades,  esculturas  manuais  são  similarmente   concordantes  aos  olhos  e  mãos  nos  seus  contornos  fluidos  e  formas  agradáveis.   De  modo  geral,  Moholy-­‐Nagy  dedicou  sua  pesquisa  à  pintura,  continuamente,  ao   longo  de  sua  vida.  Entendendo  suas  instalações  como  pinturas  no  espaço.  O  que  funda   39     um  campo  de  atuação  na  arte:  os  princípios  da  instalação,  criação  artística  do  espaço   sem  função  arquitetônica,  nem  cenográfica.     Figura  10  -­‐  Modulador  de  Luz  e  Espaço,  1922/1930.  Lászlo  Moholy-­‐Nagy.   O  conhecimento  adquirido  em  experimentar  interferências  de  objetos  -­‐sombras   e  reflexos-­‐  sob  iluminação  repercutiu  em  todas  as  formas  de  trabalho  do  artista.  Ainda   na   área   da   fotografia,   Moholy-­‐Nagy   registrou   a   imagem   de   pessoas   por   trás   de   40     venezianas  em  1937  (Figura  11),  o  que  apresenta  mais  um  dado  inovador  para  a  época,   a   captação   de   imagens   de   outro   ambiente,   sombras   projetadas   por   luzes   indiretas.   Algo   muito   explorado   no   início   da   carreira   de   James   Turrell   na   Califórnia   dos   anos   1970,  outra  importante  referência  de  Eliasson,  como  já  foi  dito.     Figura  11  -­‐  Fotografia  de  Moholy-­‐Nagy.     Vale   ressaltar   que   todo   o   interesse   de   Moholy-­‐Nagy   por   mecanismos   estava   relacionado   a   curiosidade   por   funções   biológicas,   fossem   descobertas   óticas,   neurológicas  ou  mesmo  biotécnicas.21  Nisto,  também  há  semelhança  com  o  interesse   de   Eliasson   na   biologia.   Este   especialmente   interessado   na   visão   unificadora   da   biologia   que   coloca   o   indivíduo   como   parte   de   um   todo   composto   pelos   seres   vivos,   presente  nos  textos  de  Francisco  Varella.                                                                                                                           21   Segundo   a   “biotécnica”do   cientista   Raoul   Francé   citado   por   Moholy-­‐Nagy   em   “Do   Material   à   Arquitetura”,  p.60:  “o  homem  ainda  pode  se  assenhorar  das  forças  naturais  em  uma  medida  totalmente   diferente  da  que  até  agora  foi  conseguida.  [...]  Cada  arbusto,  cada  arvore  pode  ensiná-­‐lo,  aconselhá-­‐lo,   indicar  a  ele  invenções,  aparelhos,  disposições  técnicas  sem  número.”   41     Figura  12  -­‐  Olafur  Eliassson.  Galpão  Fortes  Vilaça,  São  Paulo,  2013.     A  multiplicação   das   sombras  é   um   experimento   que   Olafur   Eliasson   elabora   mais   a   cada   tentativa.   Na   mostra   que   esteve   no   Galpão   Fortes   Vilaça   em   São   Paulo(2011),   a   obraYour   Uncertain   Shadow(Sua   sombra   incerta)   chamou   a   atenção   por   não   ter   a   variação   de   cores   que   encontramos   frequentemente   nas   obras   com   sombras   de   Eliasson.   Na   passagem   do   visitante,   entre   os   refletores   e   uma   grande   tela   branca,   surgia   um   gama   de   sete   sombras   que   variava   conforme   seus   movimentos.   A   grafia   das   42     silhuetas  em  escalas  de  cinza  ficou  enfatizada  e  os  visitantes  experimentavam  ver-­‐se,   ou  melhor,  ver  suas  sombras  se  multiplicando  ou  unindo-­‐se  a  variadas  distâncias.      A   extração   da   cor   na   fotografia   realça   a   textura   e     detalhes   das   imagens   são   percebidos.  A  gama  de  cinzas  faz  com  que  as  nuances  de  volumes  e  sombras  não  se   perca.   Moholy-­‐Nagy   experimentou   esses   fatores   no   desenvolvimento   de   seus   trabalhos.       Figura  13  -­‐  Cronologia  de  Moholy-­‐Nagy  -­‐  quadro  desenvolvido  para  esta  pesquisa.     A  publicação  póstuma  Visions  of  Motion  (1947)    conclui  a  série  de  escritos  com   certas  repetições  necessárias  e  enfáticas  dos  critérios  de  ensino  e  premissas  artísticas   adotadas   por   Moholy-­‐Nagy.   Na   edição   em   que   há   um   anexo   pós-­‐escrito   por   Otto   Stelzer22,   o   leitor   nota   o   fascínio   de   Moholy-­‐Nagy   pelos   registros   de   luz   dos   fotogramas,  literalmente  como    “espaço-­‐tempo-­‐continuum”.  A  conclusão  do  texto  traz   uma  visão  emotiva  de  um  artista  notoriamente  racional:                                                                                                                             22  “Moholy-­‐Nagy  and  His  Vision”,  anexo  pós-­‐escrito  por  Otto  Stelzer  do  livro  "Vision  in  Motion".   43     “A   tarefa   do   artista   hoje   é   penetrar   nos   ainda   desconhecidos   defeitos   da   nossa   função   biológica,   para   investigar   os   novos   campos   da   sociedade   industrial   e   traduzir   as   novas   descobertas   na   corrente   das   nossas   emoções."(MOHOLY-­‐NAGY,  1947).   Essa   descrição   que   envolve   emoção   e   pesquisa   científica   serviria   para   as   atividades  de  Olafur  Eliasson.  Quando  promove  o  engajamento  do  público  através  de   emoções,   Eliasson   o   faz   com   artifícios   científicos,   recursos   de   ótica,   física   e   química.   Utiliza   desde   o   conhecimento   científico   remoto   aos   experimentos   mais   recentes   e   costuma  fazer  do  seu  espaço  de  trabalho  um  grande  laboratório.     1.3 James Turrell – Sem Imagem, Sem Objeto, Sem Foco O  longo  período  de  carreira,  desde  os  anos    1960,  e  a  contínua  experimentação   de  James  Turrell  com  luz  e  espaço,  faz  de  sua  atuação  na  arte  que  lida  com  questões   da   tecnologia   industrial   imprescindível   nesta   pesquisa   sobre   Olafur   Eliasson.   Isso   explica   a   ênfase   dada   aos   trabalhos   de   Turrell   neste   capítulo   selecionados   por   definirem  sua  arte  e  por  convergirem  com  as  investigações  de  Eliasson.   A  formação  acadêmica  de  James  Turrell  indica  os  temas  investigados  pelo  artista,   unindo  seu  conhecimento  da  psicologia  no  estudo  da  percepção  do  espaço.  Formou-­‐se   bacharel   em   Psicologia   no   Pomona   College,   em   1965,   e   no   ano   seguinte,   graduou-­‐se   em   Arte   na   Universidade   da   California.   Posteriormente,   em   1973,   concluiu   seu   mestrado  em  Arte  na  Claremont  Graduate  School.   Em   seus   trabalhos,   James   Turrell   expõe   ambiente   vazios   de   objetos,   ocupados   pela   luz.   Uma   premissa   adotada   desde   cedo   na   sua   carreira,   quando   abandonou   os   objetos   físicos   e   começou   a   trabalhar   com   os   componentes   básicos   da   visão.   Numa   operação   mínima,   Turrell   começou   seu   processo   projetando   luz   no   seu   estúdio,   quando  fez  a  série  Mendota  Stoppages  (Figura  14  -­‐  MendotaStoppages,  1970..   44       Figura  14  -­‐  MendotaStoppages,  1970.     Em  novembro  de  1966,  Turrell  alugou  duas  salas  no  Hotel  Mendota,  um  prédio   de   esquina   em   Ocean   Park   –   Califórnia,   onde   viveu   e   trabalhou   até   1974.   Quando   entrou  nesse  prédio  o  artista  vedou  todas  as  entradas  de  luz.  As  sensações  provocadas   por   restrições   físicas   -­‐   espaços   confinados,   escuro   ou   pouca   luz   -­‐     pesquisadas   no   âmbito   da   psicologia23   foram   aplicadas   no   trabalho   artístico.   No   decorrer   do   tempo,   começou   a   desbloquear   algumas   janelas   e   a   experimentar   as   interferências   da   luz     externa.  Mendota  Stoppages  é  justamente  esta  série  de  peças  interrelacionadas  de  luz   e   espaço.   Neste   momento,   Turrel   começa   a   produzir   “espaços   sensoriais”   (sensing   spaces  /  responsive  spaces)  que  interagem  de  modo  direto  com  os  espaços  adjacentes.   Muito   do   pensamento   de   Turrell,   como   a   intenção   de   trabalhar   as   tensões   entre   os   espaços,estava  presente  desde  suas  primeiras  obras.                                                                                                                             23  Área  de  pesquisa  chamada  nos  Estados  Unidos  de  Psicologia  Experimental.   45     O Movimento Artístico na Califórnia do anos 1970 Em  1966,  Turrel,  Robert  Irwin  e  Doug  Wheeler,  os  integrantes  do  Light  &  Space,   iniciaram   as   pesquisas   sobre   luz   e   espaço   que,   mais   tarde,   influenciariam   Olafur   Eliasson.   Inspirados   pela   forte   luz   natural   na   paisagem   da   Califórnia,   começaram   a   estudar   efeitos   de   luz,   visando   a   percepção   sensorial.   Pesquisavam   tanto   como   as   variadas   superfícies   transmitiam   ou   recebiam   a   luz,   quanto   os   tipos   de   fonte   de   luz,   como,  por  exemplo,  a  intensidade  e  variação  de  tons  conforme  a  luz  solar.  Usavam  o   conhecimento  técnico  para  acessar  as  propriedades  da  atmosfera  terrestre  e  simular   nuances   gradativas   de   luzes   coloridas,   para   construir   espaços   de   luz.   O   uso   de   materiais  novos  na  arte  e  a  desmaterialização  do  objeto  de  arte  caracteriza  a  arte  do   grupo.Robert  Irwin,  por  exemplo,  criou  numerosas  instalações  nas  quais  a  luz  natural   em   constante   mudança   –   era   frequentemente   filtrada   por   transparências   –   e   usada   para  redefinir  o  espaço.   A   sintonia   entre   os   integrantes   do   movimento   Light&Space   está   no   sentido   de   observar   e   aproveitar   as   características   que   cada   espaço   oferece.   James   Turrell   e   Robert  Irwin  isolam  a  luz  para  destacar  sua  presença  e  potência.    "Eu   tentei   responder   diretamente   à   qualidade   de   cada   situação   em   que   estava,   não   mudá-­‐la   inteira   num   meio   novo   ou   ideal,   mas   atender   diretamente   à   natureza   do   modo   que   já   era.   Como   é   isso   de   um   espaço   poder   vir   a   ser   considerado   vazio   quando   ele   é   cheio   de   eventos   reais   e   táteis?"  (IRWIN,  1977)   Arte, Psicologia e Tecnologia. O   interesse   de   Turrell   em   pesquisar   luz   vem   da   psicologia,   dos   estudos   de   percepção   visual,   diferente   da   maioria   dos   artistas   que   buscam   o   conhecimento   de   luz   proveniente   da   pintura   clássica.   Ao   agregar   o   conhecimento   de   psicologia   aos   experimentos,   James   Turrell24   se   destacou   dos   demais   integrantes   desse   grupo   de   artistas.                                                                                                                           24  “James  Turrell”  museu  Guggenheim  de  Nova  Iorque,  jul  –  set  2013.     46     Além   disto,   a   cada   obra,   a   produção   de   James   Turrell   alinha-­‐se   com   as   mais   novas  invenções  de  iluminação  –  sistemas  de  controle,  qualidade  de  cor,  durabilidade   –  para  se  aproximar  dos  fenômenos  óticos  que  verificamos  diariamente  nos  ambientes   abertos,  na  abóboda  celeste.  O  que  faz  todo  sentido,  se  pensarmos  na  provocação  que   o   artista   nos   faz:   perceber   nosso   entorno   e   entender   que   o   mundo   que   conhecemos   e   sentimos  depende  do  modo  como  o  vemos.   Da   mesma   maneira,   a   observação   dos   fenômenos   de   luz   natural   e   de   como   atuam   no   aparelho   ótico   humano   é   parte   do   que   se   investiga   no   Studio   de   Olafur   Eliasson.   Ele   capta   imagens   e   avalia   a   fotometria,   estuda   espectros   de   cores   na   iluminação   natural   e   reproduz   nos   trabalhos.   O   processo   criativo   e   investigativo   dos   trabalhos  é  exibido  pelo  artista  como  parte  de  uma  cadeia  de  procedimentos  e  testes   que   compõem   o   fazer   artístico.   Na   internet,   Olafur   Eliasson   disponibiliza   imagens   dolaboratório  e  dos  experimentos  no  seu  Studio  de  Berlim.  (Figura  15)   Figura  15  -­‐  Experimento  spectroscópico.  Studio  Olafur  Eliasson,  Berlim,    2013.   47     Os intervalos de tempo Nas  três  décadas,  entre  a  Arte  Cinética  e  os  artistas  do    Light  &  Space  uma  série   de  obras  e  textos  sobre  percepção  visual,  psicologia  e  espaço,  sobretudo  as  idéias  da   Gestalt   -­‐   psicologia   da   forma   -­‐   que   uniam   percepção   visual   e   psicologia,   e   foram   proliferadas   pela   Bauhaus   nas   primeiras   décadas   do   século   XX.   O   pensamento   de   Freud   também   influenciou   fortemente   a   geração   de   Turrell,   nascida   no   pós-­‐   guerra,   que  viveu  grandes  mudanças  comportamentais  na  décadas  de  60  e  70.   Na   Bauhaus,   em   seus   primeiros   anos,   vigoravam   as   idéias   de   Itten25   sobre   o   espaço  que  reuniam  matéria  e  forma  em  igualdade,  próximas  de  Kant  e  das  questões   da  Física  moderna  que  entendem  o  espaço  em  conjunto  com  o  tempo.     "Assim  o  movimento,  o  gesto  criador,  seria  a  manipulação  do  espaço-­‐tempo   pelo  artista,  como  em  Kant,  o  espaço  é  a  articulação  de  corpos.  A  percepção   seria   o   meio   inicial   do   homem   de   estabelecer   estas   relações,   criando   a   realidade."  (MENDES,  Rodrigo.  2014)     A   trajetória   própria   de   cada   um   dos   artistas   estudados,   por   mais   que   tenham   pontos   em   comum,   expõe   questões   particulares.   Para   estudar   Olafur   Eliasson,   a   pesquisa  simultânea  sobre  James  Turrell  e  Moholy-­‐Nagy  leva  à  analogia  com  as  forças     centrípeta  e  centrífuga,  dentro  de  um  mesmo  movimento  giratório.  Ambos  tratam  do   mesmo  universo,  o  espaço  configurado  na  construção  de  luz.  No  entanto,  as  ênfases   condizentes  ao  momento  histórico  em  que  cada  um  viveu  os  tornam  muito  diferentes   entre  si.     Moholy-­‐Nagy   trabalhou   entre   1922   e   1946,   quando   faleceu,   como   um   grande   mestre.   O   fato   de   Eliasson   e   Turrell   viverem   a   mesma   época,   sobretudo   a   partir   dos   anos  1990,  facilita  as  comparação  e  afinidades.     James Turrell - Obras em Série Outra   semelhança   nas   trajetórias   de   Olafur   Eliasson   e   James   Turrell   são   as   séries   de   trabalhos   que   definem   pesquisas   específicas.   Diferente   das   séries   costumeiras   na   História   da   Arte,   onde   um   artista   intensifica   determinada   pesquisa   de   material   ou                                                                                                                           25  Citação  de  Itten  na  dissertação  do  Rodrigo  Mendes.   48     tema   e   passa   para   outra   em   intervalos   de   tempo   definidos,   as   séries   de   obras   de   Eliasson  ocorrem  simultaneamente.  O  artista  faz  pesquisas  paralelas  distintas,  onde    se   distingue  investigações  específicas  -­‐  as  obras  com  campos  de  luz  colorida  (Figura  16),   os   materiais   reflexivos,   a   água   em   movimento,   as   projeções   e   as   obras   com   névoa.   Pesquisas   que,   por   vezes   são   interrompidas,   mas   em   alguns   casos,   retomadas   posteriormente.  Ele  não  as  define  como  obras  em  serie,  mas  fica  evidente  quando  se   olha  retrospectivamente.     Figura  16  -­‐  a.  Sentimentos  São  Fatos  /  b.  Sala  360  graus  para  todas  as  cores.  /  c.  Room  for  one  colour   (todas  obras  de  O.  Eliasson)     Esse  paralelismo  de  pesquisas  também  é  relevante   na  trajetória  de  James  Turrell   que,  por  sua  vez,  começa  com  séries  em  que  explora  os  meios  de  propagação  da  luz   entre  ambientes.  Nas  séries  apresenta  como  característica  constante  a  interação  com   construções,  seja  o  espaço  construído  existente  ou  uma  construção  mental  diante  da   obra.   A   geometria   na   obra   de   James   Turrell   organiza   os   espaços   em   zonas   claras   e   escuras.   Por   um   tempo   prolongado   de   observação,   esta   organização   se   funde,   ou   inverte,  e  as  referências  de  dentro  e  fora  se  perdem.  Os  títulos  das  séries  de  obras  de   Turrell   referem-­‐se   aos   métodos   de   organização   do   espaço   apresentado:   obras   de   canto,   espaços   celestes   (Figura   19),   paredes   cortadas,   construções   de   divisões   espaciais,  entre  outras.   49     Figura  17  -­‐  Cross  Corner  Projections,  1968:  Afrum,    Alta  White  e    Arco  Green.     No   caso   das   obras   de   canto   de   Turrell,   por   exemplo,   além   de   reorganizarem   o   espaço,   remetem   à   discussão   histórica   na   arte   moderna,   fundada   por   Tatlin,   sobre   o   deslocamento  da  obra  de  arte  no  espaço,  as  tensões  que  surgem  com  o  uso  do  canto   numa   galeria.   Por   conta   da   ilusão   de   ótica   proposta,   uma   obra   de   canto   de   Turrell   sempre  confunde  sobre  a  existência  de  um  volume  real  diante  do  observador.     Em  1966,  Turrell  fez  Afrum  (Figura  17),  uma  instalação  de  luz  montada  no  canto   entre   duas   paredes   de   uma   sala   escura,   na   qual   as   luzes   simulam   um   cubo   tridimensional   que   salta   aos   olhos   do   observador.   Parte   da   série   Cross-­‐Corner   Projections  (Projeções  de  Canto),  projeções  de  canto  em  que  a  ilusão  tridimensional  é   perfeita.   Além   desta   série,   Turrell   também   fez   experiências   óticas   desse   tipo   em   50     superfícies   planas,   as   Single-­‐Wall   Projections   -­‐   Projeções   Em   Parede   Única.(   Figura  18)           Figura  18  -­‐  Single  Wall  Projection  -­‐  Wedge  Work  V,  no  Yorkshire  Sculpture  Park,  2006.     Ainda   no   período   que   trabalhava   no   Hotel   Mendota,   em   1974,   Turrell   iniciou   a   série  de  trabalhos  Sky  Spaces  (espaços  celestes).  Estas  obras  consistem  em  aberturas   na  arquitetura  que  possibilitam  um  recorte  visual  do  céu.  Tanto  os  Sky  Spaces  quanto   as  obras  Structural  Cuts  (cortes  estruturais)  estão  incluídas  na  Wall  Cut  Series  (Série  De   Cortes   De   Paredes)   de   Turrell,   uma   vez   que   ambas   são   modificações   no   tecido   arquitetônico  do  edifício.     51     Figura  19a  /  b.  Live-­‐Oak-­‐Friends-­‐Meeting-­‐James-­‐Turrell/  c.  Skyspace  I  .  Itália,  1975.   Sky   Space   I   (Figura   19)foi   construída   em   1975,   ao   lado   de   Lunnette,   o   primeiro   skyspace,   Italia,   entre   1974   e   75.   Numa   sala   quadrada   alta   com   uma   abertura   quadrada  no  topo,  que  permite  a  visão  direta  do  céu.  De  forma  clara  e  objetiva,  Turrell   interfere  na  geometria  do  espaço  arquitetônico  e  funde  interior  e  exterior.   No   ano   seguinte,   Turrell   inicia   outra   série   de   trabalhos,   as   Construções   De   Divisões   Espaciais,   quando   desenha   Iltar   (Figura   20).   Uma   abertura   na   parede   com   bordas   bem   finas   quase   imperceptíveis   que   recebe   uma   iluminação   lateral.   O   efeito   causa   uma   “cegueira   parcial”   no   observador   que   pensa   estar   diante   de   um   painel   colorido.   As   cores   percebidas   entre   cinza   e   verde   são   produzidas   somente   pelos   reflexos  do  ambiente.  Mais  uma  vez,  Turrell  faz  o  observador  duvidar  da  visão,  torna  a   percepção  visual  algo  relativo.  Iltar  integra  a  série  de  obras  intitulada  Prado,  composta   projeções   similares,   que   o   artista   chama   de   projeção   em   parede   única.   Todas   as   obras   reportam  informações  sobre  fenômenos  óticos  que  vivemos  nos  ambientes  externos.       52     Figura  20  -­‐  Série  de  Construções  de  Divisões  Espaciais,  obras  de  James  Turrell.  Iltar,  1976.     De   certa   forma,   Turrell   nos   transporta   para   fora   da   sala   do   museu,   amplia   os   espaços   confinados,   seja   literalmente   criando   aberturas   nos   edifícios,   seja   criando   planos  iluminados,  janelas  imaginárias.  Turrell  associa  a  sensação  de  vastidão  presente   em   suas   obras   à   sua   experiência   como   piloto,   de   voar   sobre   o   deserto   como   “um   sonho   lúcido   ou   um   vôo   através   do   profundo,   límpido   céu   azul   do   inverno   ao   norte   do   Arizona"26.  Estas  experiências  são  suas  fontes  de  inspiração.   A Desaceleração nas Obras de Turrell Na   percepção   do   espaço,   quanto   maior   o   vazio,   maior   a   desorientação   e   aparente   lentidão   dos   movimentos.   Olafur   Eliasson   fala   frequentemente   sobre   a   desaceleração   em   suas   obras.   Assume   esta   característica   de   tal   modo   que   oferece   o   tema  slow  down  como  opção  de  seleção  de  suas  obras,  em  seu  novo  sitio  na  internet.   Esta  alteração  de  velocidade  percebida  pode  ser  provocada  por  questões  de  escala,  da   relação  entre  o  corpo  do  visitante  e  o  espaço  vasto,  ou  desocupado.     A  escala  que  as  obras  de  Turrell  atingem  e  a  forte  ligação  com  o  lugar  escolhido   extrapolam  qualquer  movimento  artístico,  são  trabalhos  que  se  estendem  por  anos  de   vida   do   artista.   Obras   que   levam   tempo   para   serem   concretizadas   e   contam   com                                                                                                                           26   Original   em   inglês:   "A   lucid   dream   or   a   flight   through   deep,   clear   blue   skies   of   winter   in   northern   Arizona-­‐experiences  like  these  I  use  as  a  source.”  (BROWN,  1985).     53     elementos   naturais   aleatórios,   como   o   clima.   Isto   se   reflete   na   percepção   desses   ambientes  como  um  processo  de  desaceleração.  O  espaço  nas  obras  de  James  Turrell   parece   ter   um   ritmo   próprio,   uma   passagem   de   tempo   mais   lenta.   O   tempo   que   for   necessário  para  perceber  o  entorno.      Na   gravação   do   vídeo   "Passageways"   em   que   Turrell   sobrevoa   o   deserto   do   Arizona   e   descreve   a   escolha   de   uma   cratera   onde   surge   o   site-­‐specific   RodenCrater,   fica   evidente   a   mistura   entre   o   piloto   e   o   artista,   a   vida   pessoal,   diante   de   tamanho   empreendedorismo,   e   a   profissional.   Evidencia-­‐se   também   o   contraste   de   escalas   entre   o   indivíduo   e   o   mundo,   de   um   homem   no   espaço   aparentemente   infinito   do   deserto,  de  sua  pequenez  diante  do  universo.   Lentamente,   as   cores   aparecem   nas   obras   de   James   Turrell.   Os   olhos,   onde   as   obras  de  fato  acontecem,  demoram  para  acostumar  com  o  escuro,  ou  com  a  passagem   de  cor  de  uma  luz  para  a  outra.  Até  mesmo  nas  obras  de  canto,  onde  a  luz  configura   sólidos,  a  intensidade  e  o  contraste  ofuscam,  demandam  a  atenção  prolongada.   A Observação James   Turrell   trabalha   com   diversos   níveis   de   observação,   desde   a   observação   dos   astros   celestes   até   a   auto-­‐observação,   quando   o   observador   da   obra   se   percebe   correspondendo   a   um   estímulo.     No   texto   do   catálogo   do   Guggenheim,   a   autora   Carmen  Jiménez  comenta  que:     Os  “Skyspaces  de  Turrell  são  observatórios  celestes  desenhados  para  revelar   o   mistério   da   luz,   física   e   metafísicamente   –   isto   é,   sensorial   e   extrasensorialmente.   Ele   os   concebe   como   provas   espaciais   verticalmente   elevadas,   no   sentido   que   estão   interconectados   em   vários   níveis   de   percepção.”  (JIMÉNEZ,  2013)   Ainda   pensando   no   espaço   celeste,   há   vários   elementos   que   nos   orientam.   Ao   vermos   um   avião   cruzando   o   céu,   através   de   um   vão   criado   por   James   Turrell,   há   uma   interferência   no   céu   vazio   iluminado   pelo   sol,   no   fenômeno   visual   que   o   campo   homogêneo   de   cor   azul   nos   proporciona.   Para   denominar   esses   campos   visuais   homogêneos,   na   Psicologia,   adotou-­‐se   o   termo   alemão   Ganzfeld   que   refere-­‐se   “ao   campo  total”  descrito  por  Wolfgang  Metzger,  em  1930.  (METZGER,  1930)   54     Dentre   as   obras   de   Eliasson   é   possível   distinguir   uma   série   em   que   o   artista   explora   campos   de   luz   colorida   e   transições   sutis   de   cor.   Algo   muito   presente   no   trabalho   de   James   Turrell.   É   o   que   se   verifica   na   instalação   Your   Colour   Memory,   montada,  em  2004,  na  Arcadia  University  Art  Gallery  em  Glenside,  nos  Estados  Unidos.   Figura  21  -­‐    Your  Colour  Memory,  montada,  em  2004,  na  Arcadia  University  Art  Gallery  ,  Pensilvânia.     Figura  22  -­‐  Croquis  de  Your  Colour  Memory     Esta   técnica   de   iluminação   com   led   confere   à   obra   uma   vasta   gama   de   cores,   similar   ao   que   se   observa   na   abóboda   celeste.   Fenômenos   naturais   pesquisados   por   ambos  artistas  nos  laboratórios  e  na  paisagem  dos  ambientes  externos.   Assim  como  Olafur  Eliasson,  James  Turrell  trabalha  com  ciência  e  arte  unidas  na   realização  de  inventos.  Estão  sempre  atentos  às  inovações  científicas  e  as  incorporam   em  seus  projetos.       55       Figura  23  -­‐  Irwin  e  Turrell  com  um  hemisfério  Ganzfeld,  1969.   Turrell   desenvolvia   pesquisa   sobre   percepção   espacial   no   laboratório   de   Arte   e   Tecnologia  do  Museu  County,  em  Los  Angeles,  nos  anos  1960.  Dispostos  à  fusão  entre   ciência   e   arte,   James   Turrell   e   Robert   Irwin   aliaram-­‐se   ao   Dr.   Ed   Wortz   para   realizar   diversas   experiências   neste   laboratório.   Sobre   a   fase   que   trabalharam   juntos,   Turrell   descreveu   o   entusiasmo   científico   da   época   em   virtude   das   viagens   espaciais,   especialmente   na   Califórnia,   de   onde   saíam   as   invenções   para   as   espaçonaves.   Repetidas  vezes,  em  depoimentos,  o  artista  reafirma  a  importância  do  laboratório  para   o  desenvolvimento  dos  seus  trabalhos,  por  ter  sido  uma  fase  em  que  experimentou  no   próprio   corpo   restrições   e   estímulos,   mesmo   que   conhecidos   do   período   como   estudante  de  psicologia,  que  basearam  experimentos  posteriores.       Entre   outras   coisas,   inventaram   juntos   a   câmara   para   causar   o   efeito   Ganzfeld,   concebida  para  o  LACMA  e  a  EXPO  70,  que  nunca  foi  realizada.  Os  responsáveis  pelo   invento   o   consideraram   impraticável   devido   à   capacidade   de   público   restrita   e   o   tempo   de   duração   da   visita,     apenas   um   visitante   por   vez   ficaria   30   minutos   dentro   da   câmara.   Eliasson,  em  1996,  também  desenvolveu  uma  câmara  para  visitantes  a  instalação   By  Means  Of  A  Sudden  Intuitive  Realization  na  Manifesta  I,    de  Rotterdam.  Diferente  da   56     obra  de  Turrell,  na  câmara  de  Eliasson,  o  elemento  central  é  uma  fonte  de  água  e  os   visitantes  a  circundam.  A  tipologia  formal  adotada  por  Eliasson  nesta  obra  o  associa  ao   inventor  e  arquiteto  norte  americano  R.Buckminster  Fuller  que  desenvolvia  estruturas   a  partir  de  poliedros.     Figura  11  -­‐  Vista  exterior  da  instalação  By  Means  Of  A  Sudden  Intuitive  Realization,  montadaem   Inhotim/  Fig  12b.  Interior  da  instalação  com  visitantes.       Figura  24  -­‐  LACMA,  2013.     Como   exemplo   da   experiência   que   Turrell   oferece   aos   visitantes   nas   câmaras,   segue   o   depoimento   de   Jonathan   Jones   que   foi   publicado   no   jornal   inglês   The   57     Guardian.  Jones  descreve  sua  visita  a  uma  das  obras  Ganzfeld,  Bindu  Shard  na  galeria   Gagosian  de  Londres,  em  2010.   "Deitado   numa   maca   e   trancado   na   esfera,   começam   as   projeções   de   um   azul   intenso   que   transforma-­‐se   rapidamente   em   padrões   florais,   cristais,   galáxias,  quasars  e  neblina.  Então,  vê-­‐se  vertiginosos  arranha-­‐céus,  sem  solo   embaixo   deles.   Todas   essas   formas   e   volumes   que   pulsam   e   metamorfoseiam  são  definidas  por  cores  que  mudam  convulsivamente  -­‐  os   verdes   e   vermelhos   mais   saturados   que   se   pode   imaginar,   cores   que   parecem   sólidas,   então   se   despedaçam   em   padrões   microscópicos   de   laranja,   preto,   ouro   e   branco;   todas   essas   cores   borbulham   em   velocidade   estonteante,  como  se  você  estivesse  num  acelerador  de  partículas.  A  parte   mais   importante   da   experiência   é   não   saber   o   que   está   dentro   ou   fora   da   sua   cabeça.   Eu   vejo   um   espaço,   ou   mesmo   uma   sucessão   de   espaços   cambiantes,   mas   eles   são   independentes   de   qualquer   realidade   material   verdadeira  -­‐  eles  existiram  apenas  na  minha  cabeça."  (JONES,  2010)   A Perda de Referência Conforme   citado  anteriormente,  Olafur   Eliasson   trabalha  com   efeitos  visuais  que     provocam  a  perda  de  referência  espacial,  como  na  idéia  do  Campo  Total.  No  catálogo   da   Mostra   James   Turrell   no   Museu   Guggenheim   de   Nova   Iorque,   em   2013,   há   uma   entusiasmada   citação   de   Malevich27   que   ilustra   bem   o   trabalho   do   artista,   na   qual   a   metáfora   entre   nadar   e   voar   está   associada   à   sensação   de   flutuar   que   o   vôo   e   o   ambiente   entre   nuvens   causa,   essa   perda   de   referência.   Muitos   trabalhos   de   Turrell   proporcionam  experiências  com  luzes  sem  referência  da  fonte  de  emissão,  em  efeitos   muito  sutis,  e,  desse  modo  ligados  ao  efeito  Ganzfeld28,  por  serem  espaços  vazios  que   não   permitem   uma   referência   de   distância.   No   entanto,   o   artista   refuta   estas                                                                                                                           27  Fonte  em  inglês:  “I  have  broken  the  blue  boundary  of  color  limits,  come  out  into  the  white,  beside  me   comrade-­‐pilots  swim  in  this  infinity...I  have  beaten  the  lining  of  the  colored  sky,  torn  it  away  and  in  the   sack  that  formed  itself,  I  have  put  color  and  knotted  it.Swim!  The  freewhitesea,  infinity,  lies  beforeyou.”   Esse   texto   foi   originalmente   publicado  em  “Suprematism”,  do  catálogo  da  Décima  Exposicão   do   Estado:   Criação  Não-­‐Objetiva  e  Suprematismo  (1919).   28  Comentário  sobre  Ganzfeld:  […]  Dr.  Gibson  argued  that  three-­‐dimensional  space  was  not  visible  in  the   mist   of   light   engendered   by   the   homogeneous   visual   field:   What   my   observers   and   I   saw   under   these   conditions   could   better   be   described   as  “nothing”   in   the   sense   of  “no   thing.”   Extrato   do   texto   “The   Interface  between  Exterior  and  Interior  Light”,    http://therodencrater.org/noimage/intrface/index.htm   58     características,   “argumentando   que,   longe   de   estarem   vazios,   estes   espaços   estão   cheios  de  luz.”(ADCOCK)   Turrell   desenvolveu   uma   série   de   instalações   de   luz   chamada   Ganzfeld,   salas   espaçosas   que   recebiam   vários   visitantes   simultaneamente,   diferente   dos   projetos   não-­‐realizados   dos   anos   1970.   A   iluminação   com   lâmpadas   de   LED   controladas   digitalmente   permitia  a  transição   de   cor  em  ciclos  contínuos.   Breathing   Light,  uma  das   obras  Ganzfeld  fez  parte  da  maior  exposição  de  Turrell  no  LACMA,  em  Los  Angeles,  em   2013   .   Impressiona   a   semelhança   das   soluções   visuais   de   Turrell   com   as   obras   de   Eliasson   realizadas   praticamente   no   mesmo   período,   com   intervalos   de   poucos   anos   que   se   anulam   quando   considera-­‐se   o   tempo   de   testes   e   aprimoramento   de   cada   projeto.     Figura  25  -­‐  Breathing  Light,  obra  Ganzfeld  de  Turrell  exposta  no  LACMA,  em  Los  Angeles,  em  2013.   59     Figura  26  -­‐  Mostra  Feelings  are  Facts  -­‐  Olafur  Eliasson.  Pequim,  2010.     Nas   figuras   acima,  nota-­‐se  a  montagem  de   ambientes  enevoados  e   coloridos   por   luz  realizados  por  ambos  artistas,  Turrell  e  Eliasson.  Nelas  elimina-­‐se  a  possibilidade  de   visualização   geral,   e,   por   isso,   perde-­‐se   a   noção   da   perspectiva.   Ao   caminhar   nestes   ambientes,  os  visitantes  devem  tatear  o  chão  que  pisam,  pois  não  é  possível  enxergá-­‐ lo.   Assim   como   Turrel   provoca   dúvida   sobre   o   que   é   real   ou   imaginário   diante   das   obras,  Eliasson  usa  o  mesmo  recurso  em  instalações  de  luz.  Foi  isto  que  o  artista  fez  na   mostra  Feelings  Are  Facts,  onde  o  próprio  título  joga  com  as  palavras.  Os  sentimentos   que   seriam   abstratos   e   subjetivos   são   colocados   como   fato,   algo   real   a   ser   considerado.   Na   verdade,   o   trabalho   joga   com   a   percepção   individual   da   cor   e   as   discrepâncias  na  percepção  para  cada  observador.  Eliasson  amplia  assim  a  relatividade   das   cores   para   todo   o   resto   da   realidade   que   percebemos   ao   nosso   redor.   Nas   instalações  de  luz,  cria  um  ambiente  extremamente  colorido  e  enevoado  que  desloca  o   visitante   da   sua   realidade   cotidiana   para   um   ambiente   psicodélico   de   cores   e   sensações.   Fenômenos Neurológicos – O Efeito de “Ver-se vendo” De   maneira   explícita,   Olafur   Eliasson   se   utiliza   de   espelhos   e   sombras   nos   espaços   que   cria,   para   provocar   no   observador   a   percepção   de   si   mesmo.   Provoca,   assim,   uma   noção   de   espaço   que   só   é   possível   na   experiência   própria,   como   faz   em   Take   Your   Time.   (Figura   27)   Nesta   instalação,   o   enorme   espelho   redondo   gira   60     lentamente,  enquanto  as  pessoas  se  vêem,  olhando  para  cima.  A  experiência  de  ver-­‐se   em   movimento   causa   incerteza   sobre   o   que   está   em   movimento,   o   ambiente   ou   o   espelho.   A   consciência   do   próprio   corpo,   de   estar   parado   ou   em   movimento,   após   alguns  segundos,  muda  esta  relação  entre  visão  e  posição  no  espaço.     Figura  27  -­‐  Instalação  Take  Your  Time,  Olafur  Eliasson.  Foto:  Pinacoteca  de  São  Paulo,  2011.   Com  objetivo  análogo,  a  consciência  de  ver-­‐se  vendo,  James  Turrell  se  envereda   na  pesquisa  dos  fenômenos  neurológicos  e  se  interessa  pelos  impulsos  nervosos  que   mesmo  de  olhos  fechados,  até  mesmo  sonhando,  somos  capazes  de  sentir.  Seriam  os   menores  estímulos,  a  ausência  de  um  foco  emissor,  ou  a  resposta  neurológica  a  uma   memória  as  investigações  do  artista.  Perceber  o  quase  imperceptível  num  mundo  de   tantos   estímulos   visuais   originados   pelo   fácil   acesso   às   telas   de   cinema,   televisão   e   computador.   O Deserto Uma   das   fontes   de   pesquisa   do   material   de   Turrel,   a   luz,   é   o   deserto.   Nesse   sentido   sua   obra   mais   impactante,   devido   às   suas   dimensões   e   ao   isolamento   61     geográfico,  é  uma  construção  incrustrada  na  cratera  de  um  vulcão  extinto,  no  meio  do   deserto  norte-­‐americano,  no  Arizona.       Figura  28  Roden  Crater,  Deserto  do  Arizona.     Por   sua   vez,   Olafur   Eliasson   elegeu   outras   áreas   remotas   do   planeta   para   examinar   a   natureza.   Os   motivos   de   sua   escolha   são   defendidos   diante   de   um   panorama   cultural   mais   abrangente   que   o   artista   estabelece,   cujas   áreas   isoladas   seriam   reservatórios   de   fenômenos   naturais.   Por   serem   inóspitas   e   terem   sido   renegadas  por  falta  de  interesse  econômico,  não  deixam  de  ser  parte  do  ecossistema   do  planeta  e  sofrer  alterações,  em  ritmo  diferente  das  zonas  urbanas,  por  exemplo.     "A   visão   egocêntrica   e   instrumentalizada   que   temos   imposto   ao   nosso   ambiente   no   curso   do   século   passado,   influenciou   a   determinação   do   que   são   a   natureza   e   a   cultura   e,   em   consequência   conduziu   a   uma   idéia   hierárquica  do  que  tem  valor,  o  que  é  belo  ,  o  que  vale  a  pena  salvar  e  assim   por  diante.   Compreendendo   que   a   complexidade   da   relação   entre   natureza   e   cultura   sofre,   quando   perde-­‐se   a   sua   contraposição,   estamos   avaliando   e   negociando  novos  pontos  de  vista  sobre  ambas,  como  faz  também  a  ciência.   62     O   deserto   e   a   tundra,   as   montanhas   árticas   ou   as   calotas   polares,   os   planaltos   vulcânicos   ou   as   zonas   pantanosas   ficaram   de   fora   do   regime   produtivo   moderno   que   determina   a   qualidade   segundo   as   idéias   dominantes  do  momento.  Hoje  estas  áreas  participam  cada  vez  mais  daquilo   que  está  em  sua  volta  é  considerado  parte  de  um  sistema  complexo  que  nós   (ainda   que   promovessemos   um   confronto   entre   natureza   e   cultura)   considerariamos   um   conjunto   de   sistemas   complexos   cuja   parte   central   deve   integrar   os   conceitos   de   tempo   e   transformação   da   mediação   entre   natureza  e  cultura."  (ELIASSON,  Olafur.2004)  Trecho  do  Catálogo  A  Memória   das  Cores  e  Outras  Sombras  Informais.     Eliasson  explora  a  paisagem  desértica  no  território  da  Islândia,  país  de  origem  da   sua   família.   O   artista   dinamarquês   costuma   realizar   expedições   às   regiões   desertas   islandesas,   onde   observa   formações   rochosas,   silhuetas   das   montanhas,   o   horizonte,   gases   e   demais   fenômenos   atmosféricos   que   conferem   alterações   visuais   na   iluminação  natural  do  ambiente.     Dessas  viagens  à  Islândia,  surgiram  séries  de  fotografias  que  foram  expostas  em   conjunto,   de   forma   sistematizada.   Nota-­‐se   uma   abordagem   racionalizante   aos   fenômenos  naturais.  Eliasson  diante  dessa  natureza  exuberante  se  comporta  como  um   cientista  aplicando  o  método,  na  tentativa  de  organizar  os  dados  coletados.     63       Figura  29  série  de  fotografias  "Luz  Diurna  de  Domadalur".     "Quando   pensamos   na   natureza   estabelecemos   instantaneamente   uma   relação   com   ela   e   depois   ela   deixa   de   ser   natureza   e   transforma-­‐se   em   paisagem.   A   natureza   diz   mais   acerca   de   cultura,   talvez,   do   que   acerca   da   própria  natureza."  (ELIASSON,  Olafur.  p.256)   A   complexidade   na   trajetória   de   James   Turrell   está   na   ousadia   em   escolher   espaços   exuberantes   e   confrontar-­‐se   com   os   fenômenos   naturais   e   seus   respectivos   simbolismos.  Olafur,  por  outro  lado,  não  assume  esta  posição  e  coloca-­‐se  `a  mercê  de   maquinárias,   cujas   funções   não   pretendem   iludir   os   visitantes   numa   visão   romântica   ou   bucólica   da   natureza.   O   artista   dinamarquês   considera   a   própria   defesa   ambientalista   ultrapassada,   pois   havia   sido   promovida   pelos   movimentos   ecológicos   dos  anos    1990  e  são  refutadas  quanto  mais  avançam  as  pesquisas  biológicas.     64     Híbridos de Olafur Eliasson O   envolvimento   de   Olafur   Eliasson   com   temas   tão   diversos,   como   o   meio-­‐ ambiente,   a   vida   em   sociedade   e   descobertas   científicas,   o   coloca   em   destaque   no   meio   cultural   desde   os   anos   2000.   Sua   posição   apresenta   o   reconhecimento   da   diluição   das   fronteiras   disciplinares   e,   com   isso,     suas   obras   materializam   o   pensamento  da  época.     O   caráter   híbrido   das   obras   de   Olafur   Eliasson   merece   atenção.   Na   verdade,   a   palavra   "hibrído"   denota   a   mistura   de   aspectos   nas   obras   e   tornou-­‐se   um   conceito   importante   em   arte   e   arquitetura,   ao   longo   das   últimas   décadas.No   livro   de   Robert   Venturi   (1972)   "Aprendendo   com   Las   Vegas"   o   conceito   de   híbrido   adquiriu  relevância   na  área  teórica  da  arquitetura,  representando  a  inserção  dos  elementos  cotidianos  da   publicidade   no     desenho   urbano   e   arquitetônico.   Considera   a   volumetria   dos   anúncios   incorporada   no   projeto   de   arquitetura   o   elemento   que   estabelece   a   relação   com   a   cidade.     A  combinação  de  elementos  que  caracteriza  os  híbridos  e  a  simultaneidade  nos   discursos  sobre  o  tema  não  facilita  o  trabalho  de  definição  do  termo,  mas  a  repetição   reafirma  o  que  é  notado  a  cada  leitura.  A  consonância  dos  autores  em  dar  atenção  ao   tema   torna   inegável   a   relevância   de   fusões   e   trabalhos   mistos.   Dan   Graham   (1979)   retoma  este  assunto  no  texto  "A  Arte  em  Relação  À  Arquitetura",  em  que,  mais  uma   vez   a   temática   pop   aparece   em   pleno   modernismo   para   evidenciar   que   elementos   híbridos,   tanto   artísticos   quanto   arquitetônicos,   já   não   podem   mais   ser   classificados   em    apenas  uma  dessas  áreas.     "[...]   o   trabalho   de   arte   dirige   sua   atenção   para   conexões   com   diversas   representações   ideológicas   (revelando   a   variedade   conflituosa   das   interpretações   ideológicas).   Para   fazer   isso,   o   trabalho   usa   uma   forma   híbrida,  que  participa  tanto  do  código  popular  dos  meios  de  comunicação  de   massa  quanto  do  código  “elevado”  da  arte  e  da  arquitetura,  tanto  do  código   popular   do   entretenimento   quanto   da   análise   política   da   forma   com   base   teórica,   e   tanto   do   código   da   informação   quanto   do   código   esteticamente   formal.”  (GRAHAM,  1979,  p.  450)     65     Graham   (1979)   organiza   idéias   presentes   em   obras   de   arte   e   textos   anteriores   e,   sobretudo,   antecipa   o   debate   do   ensaio   de   Bruno   Latour   (1994)   "Jamais   Fomos   Modernos",  ao  qual  Olafur  Eliasson  recorre.  Latour  defende  o  não-­‐modernismo  como   única   possibilidade   de   termos   sempre   produzido   híbridos   e,   que   cada   vez   mais,   durante   o   período   moderno,   os   híbridos   teriam   se   proliferado,   enquanto   eram   ignorados   pelos   processos   de   purificação,   comuns   à   esta   época.   Nesta   lógica,   apesar   das  divisões  teóricas  do  mundo  moderno,  na  prática,  os  aspectos  naturais/científicos  e   sociais/políticos  se  fundem,  conforme  explica  Latour:   "[E]les  [Hobbes  e  Boyle]  inventaram  nosso  mundo  moderno,  um  mundo  no   qual   a   representação   das   coisas   através   do   laboratório   encontra-­‐se   para   sempre   dissociada   da   representação   dos   cidadaos   através   do   contrato   social.   […]   São   dois   pais   fundadores,   agindo   em   conjunto   para   promover   uma   única   e   mesma   inovação   na   teoria   política:   cabe   à   ciência   a   representação  dos  não-­‐humanos,  mas  lhe  é  proibida  qualquer  possibilidade   de  apelo  à  política;  cabe  à  política  a  representação  dos  cidadãos,  mas  lhe  é   proibida   qualquer   relação   com   os   não-­‐humanos   produzidos   e   mobilizados   pela  ciência  e  pela  tecnologia."  (LATOUR,  1994)     Embora   Graham   (1979)   comente   o   conceito   de   híbrido   em   Venturi   (1972),   associar   as   ideias   desses   autores   às   demais   aplicações   do   termo   híbrido,   como   em   Latour  (1994),  só  é  possível  devido  aos  exemplos  que  cada  autor  cita.  Graham  (1979),   por  exemplo,  se  utiliza  de  instalações  de  arte  para  descrever  os  híbridos  de  Venturi  e   atualizar   a   discussão   para   o   final   dos   anos   1970   ,   época   em   que   o   próprio   artista   realizava  instalações  híbridas  entre  arte  e  arquitetura,  seus  pavilhões.   "Venturi   (1972)   propôs   a   palavra   “híbridos”   para   tais   trabalhos   que   combinavam   duas   categorias   de   sentido/descrição   contraditórias   ou   mutuamente  excludentes"  (Graham,  1979.  p.  450).     Entre  as  obras  citadas  por  Graham(1979)  em  sua  reavalição  da  relação  entre  arte   e  arquitetura,  estão  as  instalações  do  artista  norte-­‐americano  Dan  Flavin,  que  montava   espaços  de  luz  com  lâmpadas  fluorescentes  aparentes.  Ao  usar  objetos  do  cotidiano,   Flavin   trabalha   a   questão   híbrida   do   deslocamento   contextual   e   a   construção   de   um   novo  espaço  usando  o  próprio  espaço  existente  iluminado  de  modo  diferente.  O  que   causa  ao  visitante  uma  experiência  perceptiva  nova  do  próprio  espaço.   66     Sobre   o   caráter   híbrido   do   trabalho   de   Eliasson,   Guilherme   Wisnik   pontua   a   relação   que   o   artista   estabelece   com   a   natureza,   condicionada   a   aspectos   culturais.   Assim   como   a   realidade,   uma   construção   que,     a   cada   obra,   Eliasson   questiona   com   réplicas  da  natureza,  seus  pares  irreais.   "A   obra   de   Olafur   Eliasson   lida,   em   grande   medida,   com   fenômenos   e   elementos  da  natureza,  tais  como  vento,  água,  luz  e  fumaça.  Mas  nem  por   isso   pode   ser   associada   a   qualquer   discurso   ecológico,   que   implicasse   as   ideias  de  pureza  ou  de  retorno  a  um  estado  essencial  da  vida.  Ao  contrário   disso,   a   natureza,   no   trabalho   de   Olafur,   é   dada   sempre   como   condicionamento   cultural,   isto   é,   aparece   necessariamente   como   construção,  e  não  como  verdade  redentora.  Vem  daí  o  aspecto  muitas  vezes   surrealista   dos   seus   trabalhos,   que   replicam   artificialmente   elementos   naturais   colocando-­‐os   em   confronto   com   seus   pares   “reais”,   criando   assim   uma   dimensão   da   experiência   na   qual   a   ilusão   e   a   realidade   estão   interconectadas,   tornando-­‐se   portanto   indiscerníveis.   Nas   palavras   do   próprio   artista,   “estamos   sendo   testemunhas   de   uma   mudança   na   relação   tradicional  entre  realidade  e  representação”.  (WISNIK,  2012)   Noutro  texto,  Wisnik  (2011)  identifica  no  trabalho  de  Eliasson  "a  superação  das   velhas   e   esgotadas   distinções   entre   polaridades",   como   a   representação   da   natureza   e   a   representação   das   pessoas.     Na   verdade,   Wisnik   adentra   no   território   de   Bruno   Latour   (1994)   que   critica   a   separação   moderna   entre   o   mundo   natural   e   o   mundo   social,  no  ensaio  de  antropologia  assimétrica  Jamais  Fomos  Modernos.  A  constatação   deste  mundo  híbrido  observado  pelos  autores  está  justamente  no  processo  de  diluição   das  disciplinas  verificado  na  pós-­‐modernidade.   "Multiplicam-­‐se   os   artigos   híbridos   que   delineiam   tramas   de   ciência,   política,   economia,   direit9o,   religião,   técnica,   ficção.   Se   a   leitura   do   jornal   diário   é   a   reza   do   homem   moderno,   quão   estranho   é   o   homem   que   hoje   reza   lendo   estes   assuntos   confusos.   Toda   a   cultura   e   toda   a   natureza   são   diariamente   reviradas   aí.   […]   Contudo,   ninguém   parece   estar   preocupado.   […]   Não   misturemos   o   céu   e   a   terra,   o   global   e   o   local,   o   humano   e   o   inumano.   […]   O   navio   está   sem   rumo:   à   esquerda   o   conhecimento   das   coisas,   à   direita   o   interesse,   o   poder   e   a   política   dos   homens."   (Latour   1994:8)     67     Seguindo  o  pensamento  de  Latour,  Eliasson  constrói  situações  e  espaços  híbridos   no   limiar   entre   arte,   arquitetura   e   ciência   para   promover   uma   reavaliação   política.   Diferente   da   representação   política   ou   das   formas   de   poder   estabelecidas,   o   artista   busca   uma   entrada   transversal   de   participação   da   sociedade.   Ambos   defendem   o   "cultivo  de  paixões"para  promover  o  engajamento  político,  diferente  de  manifestações   políticas   tradicionais.   A   proposta   seria,   basicamente,   expor   os   antagonismos   comuns   ao   mundo   moderno   e   com   isso   demonstrar   as   contradições   que   tomamos   tradicionalmente   como   verdade.   Uma   reavaliação   do   modo   como   vivemos   em   sociedade.   Em   suas   instalações   Eliasson   frequentemente   busca   fomentar   essas   experiências   de  engajamento.  Novas  maneiras  de  coabitar  o  planeta  que  possibilitem  a  diminuição   de   conflitos   e   diferenças   sociais.   Com   as   palavras   de   Latour,   o   discurso   presente   nas   obras   -­‐   textos   e   instalações   -­‐   de   Olafur   Eliasson   ganha   corpo   e   sentido   no   contexto   contemporâneo.   No   fundo,   ambos   estão   tratando   da   diluição   de   fronteiras   disciplinares,   da   compreensão   da   humanidade   como   um   todo,   que   inclui   os   seres     e   as   coisas   que   produzem.   A   indistinção   entre   seres   e   coisas,   entendendo   que   os   seres   produzem  coisas  e,  reciprocamente,  estas  alteram  a  maneira  de  viver  dos  seres.  Mais   além,   Latour   e   Eliasson   explicitam   a   idéia   do   mundo   ter   virado   um   grande   laboratório,   onde  vivemos  cotidianamente  grandes  experiências  coletivas.As  instalações  de  arte  de   Eliasson   apresentam   essas   ideias   de   representação   da   natureza,   coletividade,   participação   e   construção   da   realidade.   O   artista   dinamarquês   acredita   que   há   um   forte   contrato   coletivo   com   o   público   através   da   arte,   que   instiga   as   pessoas   a   descobrir  por  elas  mesmas  o  que  fazer  com  sua  experiência.   Anders   Blok(2011)   transcreve   o   depoimento   de   Bruno   Latour   sobre   Eliasson   e   confirma  a  reciprocidade  e  afinidade  entre  ambos  no  reconhecimento  de  um  mundo   híbrido.   Assim   como   Eliasson,   Latour   está   voltado   para   a   questão   "do   que   somos   e   onde  estamos,  se  não  estamos  mais  na  Natureza."  Na  opinião  de  Latour,  Eliasson  é  um   grande  interessado  e  explora  de  modo  inovador  a  percepção  deste  mundo  que  não  é   mais   dividido   em   seu   aspecto   natural   e   artificial.   Está   composto   por   coisas   transmutadas  em  seres  e  seres  transmutados  em  coisas  .   68     Outra   idéia   de   Bruno   Latour   que   aparece   na   prática   de   Eliasson   é   a   discussão   sobre   o   mundo   ser   um   grande   laboratório29   em   função   das   pesquisas   estarem   ocorrendo   fora   dos   ambientes   científicos   e   através   de   agentes   "engajados   em   experiências   coletivas".   Mesmo   sem   gerar   um   discurso   cientifico,   Eliasson   seria   uma   dessas  figuras  por  promover  a  integração  da  prática   artística  com  a  sociedade,  ao  criar   espaços  físicos.     Seria  a  indistinção  entre  experimento  e  obra  de  arte  que  caracteriza  o  hibridismo   nos   trabalhos   de   Eliasson?   Quando   Eliasson   analisa   a   iluminação   natural   na   abóbada   celeste,   por   exemplo,   e   faz   gráficos   da   trajetória   do   sol   em   diferentes   pontos   do   planeta  (Japão  e  Dinamarca),  transforma  este  desenho  num  pavilhão.  Elege  cores  para   revestir   a   superfície   multifacetada   e   translúcida   que     transmitem   a   iluminação   mais   próxima   da   natural   em   determinados   horários.   Ele   está   fazendo   um   instrumento   de   pesquisa  ou  um  objeto  de  arte?  Mais  ainda,  devido  à  escala  e  a  técnica  usada,  ele  está   fazendo  um  pavilhão  de  arquitetura  ou  uma  escultura?  Podemos  dizer  que  ele  faz  um   pouco  de  tudo  e  valida  estes  experimentos  cercado  de  profissionais  especializados.         Figura  30  -­‐  Pavilhão  Dagslys  de  Olafur  Eliasson.  Horsholm,  2007.                                                                                                                             29  “The  World  Wide  Lab”,  Bruno  Latour.   69     A   cascata   construída   por   Eliasson   na   área   externa   do   SESC   Pompéia   provoca   a   estranheza  da  ficção,  a  clareza  construtiva  da  estrutura  exposta  e  a  familiaridade  com   a   água,   recurso   natural.   Diversas   situações   diante   de   um   só   objeto   que   ao   mesmo   tempo   é   construção,   ilusão   e   realidade.   Assim   como   a   descrição   dos   híbridos,   segundo   Bruno  Latour,  "Reais  como  a  natureza,  narrados  como  o  discurso,  existenciais  como  o   Ser,  tais  são  os  quase-­‐objetos  que  os  modernos  fizeram  proliferar"(LATOUR,  1994).   Observando  os  experimentos,  entende-­‐se  porque  o  artista  considera  seu  estúdio   como   um   laboratório   artístico,   onde   são   permitidos   parâmetros   relativos,   diferentes   daqueles   que   ocorrem   em   laboratórios   científicos   tradicionais.   Assim,   nos   experimentos   do   Studio   de   Eliasson,   os   pesquisadores   não   prezam   por   aspectos   utilitários  e  estão  mais  voltados  para  a  vida  em  sociedade.     "Se  você  tem  uma  cascata  lá,  bem  lá  no  horizonte,  você  olha  e  vai.  'Oh!  a  água  está   caindo   muito   lentamente!'   E   você   vai,   'Meu   Deus!   Ela   está   muito   longe   e   é   uma   cascata  gigante!  Se  uma  cascata  está  caindo  mais  rápido,  esta  é  uma  cascata  menor   que   está   mais   próxima   -­‐   porque   a   velocidade   da   queda   de   água   é   constante   em   qualquer  lugar.  E  seu  corpo  de  algum  modo  sabe  disto.  Então  isto  significa  que  uma   cascata  é  um  modo  de  medir  o  espaço. (o  trabalho)  Não  é  apenas  necessariamente  sobre  colocar  a  natureza  nas  cidades.  É   também  sobre  dar  à  cidade  um  senso  de  dimensão.  E  por  que  nós  queremos  fazer   isso?  Porque  eu  acho  que  faz  diferença  se  você  tem  um  corpo  que  sente  uma  parte   do  espaço,  em  vez  de  ter  um  corpo  apenas  em  frente  a  uma  imagem.  [...]  E  o  que   importa  nisto?  Há  um  senso  de  consequências?   Se  há  um  senso  de  espaço,  se  eu  sinto  que  o  espaço  é  tangível,  se  eu  sinto  que  há   tempo,   se   há   uma   simensão   que   posso   chamar   de   tempo,   eu   também   sinto   que   posso  mudar  o  espaço.  E  de  repente  isto  faz  diferença  em  termos  de  fazer  o  espaço   acessível.   Pode-­‐se   dizer   isto   sobre   comunidade,   coletividade.   (o   trabalho)   é   sobre   estarmos  juntos."  (ELIASSON,  2009.  Palestra  do  TED  transcrita.)     Constata-­‐se   com   as   experiências,   espaços   construídos   para   a   coletividade,     os   híbridos  de  Eliasson  entre  arte,  ciência  e  política,  esta  última  entendida  como  interação   social.Embora   haja   uma   forte   distinção   de   objetivos,   formação   profissional   e   métodos,   entre  ciência  e  arte,  na  obra  de  arte  elas  se  fundem.  Na  visita  a  um  espaço  que  aplique   o   conhecimento   científico,   não   importa   se   o   espaço   é   um   experimento,   se   somos   70     cobaia.   Na   arte   contemporânea,   de   certo   modo,   o   público   se   depara   com   situações   inusitadas   que   demandam   a   disponibilidade   de   cada   um   a   participar   da   experiência.   Olafur   Eliasson   segue   nessa   linha   que   funde   arte   e   ciência   e   isto   o   aproxima   de   Moholy-­‐Nagy   e   James   Turrell.   Todos   eles   experimentam   objetos   e   espaços   que   incluem   novas   tecnologias   e   consideram   as   mudanças   que   esses   novos   elementos   possibilitam  na  percepção  do  espaço.         71       72           Figura  31  -­‐  INSTALAÇÃO  NA  BIENAL  DE  VENEZA,  2003.  ESTAÇÃO  UTOPIA.     73     Capítulo 2. O entendimento da teoria no trabalho de Eliasson   O   forte   período   de   mudanças   mundiais,   fim   da   Guerra   Fria   e   início   da   globalização,   afetou   diretamente   a   formação   do   artista   dinamarquês.   Em  contato   com     o   pensamento   de   seu   tempo,   Olafur   Eliasson   plasmou   em   sua   obra   a   complexidade   do   presente.  A  cada  trabalho,  reinterpreta  este  contexto  e  enfatiza  seu  discurso.   A   compreensão   de   alguns   termos   usados   por   Eliasson   perpassa   áreas   teóricas   diversas:   antropologia,   geografia,   economia,   história   da   arte   e   filosofia.   Respectivamente,   Bruno   Latour,   Henri   Lefebvre,   Eric   Hobsbawn,   Giulio   Carlo   Argan   e   John  Rajchman  são  alguns  pensadores  contemporâneos  atentos  aos  fenômenos  sociais   e  científicos  que  marcaram  a  passagem  entre  os  séculos  XX  e  XXI.     O  pensamento  estético  serve  de  ponto  de  partida  para  esse  caminho  teórico  que   nos   leva   à   obra   de   Eliasson,   pois   esclarece   o   vocabulário   do   artista   e   as   práticas   decorrentes.   Historicamente,   no   campo   da   estética,   a   ênfase   na   forma   alternou-­‐se   com  a  ênfase  no  conteúdo,  e  orientou  disputas  acirradas  entre  pensadores  europeus,   divididos   entre   forma   e   função.   Mais   recentemente,   a   discussão   desloca-­‐se   para   aspectos  paralelos.  Desde  os  anos  1990,  assumiu-­‐se,  por  exemplo,  que  a  mediação  é   um   aspecto   que   era   constantemente   desprezado.   Sob   esse   novo   modo   de   pensar,   a   história   pode   ser   recontada   e   os   meios   de   afetação   ganham   importância,   como,   por   exemplo:  a  empatia,  as  relações  sociais  e  a  interação  sujeito/objeto/sujeito.    Isto  nos   conduz   à   pesquisa   das   origens   do   pensamento   moderno,   no   século   XIX,   e     permite     conhecer  o  discurso  dentro  da  estética  do  conteúdo30,  baseado  na  informação.   Olafur  Eliasson  insere-­‐se  neste  contexto  estético  atual  de  ênfase  na  informação,   no  conteúdo.  Fortemente  influenciado  pelo  antropólogo  francês  Bruno  Latour,  com  o   qual   participa   de   seminários   em   instituições   européias,   Eliasson   confronta   o   dilema   constante   entre   natureza   e   política   globais.   Para   chegar   no   cerne   das   questões   colocadas  pelo  artista  é  necessário  entender  quais  relações  vem  sendo  alteradas  nas                                                                                                                           30  Estética  do  Conteúdo  :  termo  existente  na  filosofia  alemã.     74     últimas  décadas  e  culminam  na  sociedade  globalizada  atual.  Um  ponto  que  ele  discute,   por   exemplo,   é   o   não   reconhecimento   da   arte   como   parte   importante   da   sociedade.   Diferente   da   "confiança   que   a   modernidade   depositou   na   arte.   Não   havia   dúvida   de   que   a   arte   fosse   um   elemento   significativo   para   definir   a   realidade   ou   a   vida   na   realidade."(ELIASSON,  2011.p.391)     Com   a   arte   moderna,   desde   os   anos   1960,   surgiu   um   campo   relacional   de   tensões   formais   que   baseia   suas   relações   num   sistema   de   trocas   e   equivalência   de   valores   existente   no   mercado.   O   domínio   visual   rege   os   elementos   deste   jogo,   onde   “os   conteúdos   são   mostrados   em   sua   superfície,   sem   deixar   resíduos   simbólicos   alheios.”  (WISNIK,  G.,  2014,  p.30)   Essa  evidência  de  elementos  é  diferente  do  início  do  modernismo,  quando  o  rompimento  com  o   passado  era  exaltado  em  nome  do  futuro,  a  arte  contemporânea  faz  alianças,  une  parte  distintas  e  tenta   construir  espaços  concretos.  A  representação  de  utopias  sob  a  base  dogmática  das  vanguardas  no  século   XX  ficaram  no  passado  (BISHOP,2006.p.164).  Delas  herdamos  as  investigações  sobre  a  relação  do  corpo   humano  e  o  espaço  arquitetônico31.  De  modo  geral,  a  idéia  de  espaço  ganha  importância.   Atualmente,   o   campo   da   estética   –   filosofia   da   arte   -­‐   transfere   a   preocupação   clássica   com   o   belo   para   o   real.   O   que   é   real?   Como   vemos   o   mundo?   Esta   abertura   negociável   permite   que   os   conceitos   sejam   definidos   um   em   relação   ao   outro,   assim   como   a   visão   do   mundo.   O   entendimento   de   que   construímos   a   nossa   realidade   e   a   expansão   indeterminada   da   compreensão   do   espaço,   seus   limites   irregulares   e   amorfos.   O   filósofo   francês   Georges   Didi-­‐Huberman   descreve   esta   situação   ,   em   “O   que   vemos,  O  que  nos  Olha”:   “[É  preciso]  compreender  que  o  espaço  não  tem  três  dimensões,  nem  mais   nem  menos,  como  um  animal  tem  quatro  ou  duas  patas,  que  as  dimensões   são   antecipadas   pelas   diversas   métricas   sobre   uma   dimensionalidade,   um   ser   polimorfo,   que   as   justifica   todas   sem   ser   completamente   expresso   por   nenhuma.”  (MERLEAU-­‐PONTY,  1964,  p.48)                                                                                                                           31  A  arquitetura  era  considerada  a  arte  que  tratava  de  espaço.   75     Para   Didi   Huberman   assumir   que   nenhuma   dimensão   define   o   espaço,   já   havia   o   conhecimento   adquirido   no   século  XX   em  experiências   e   teorias  sobre  o   espaço.   Antes   disso,  no  século  XIX,  a  estética  moderna  alemã  presente  em  diversas  escolas  européias   dedicava-­‐se  às  artes  do  espaço.  Como  se  percebe  ,  se  constrói  e  se  vive  no  espaço.     De   modo   típico   para   a   época,   no   século   XIX,   com   o   grande   trânsito   de   alunos   entre  escolas,  o  pensamento  alemão  alastrou-­‐se  por  toda  a  Europa.  Em  sequência,  no   início   do   século   XX,   os   artistas   emigrantes   e   exilados   de   guerra   o   divulgavam   para   o   resto   do   Ocidente.   Daí   sua   relevância   no   pensamento   moderno   ocidental   e   na   presente   pesquisa,   quando   interpreta-­‐se   o   vocabulário   que     Olafur   Eliasson   emprega   em   textos   e   palestras   publicadas.   Termos   que     nos   remetem   a   esse   pensamento   estético   anterior.   Dentre   eles,   destacam-­‐se:   EMPATIA,   VISIBILIDADE,   O   CORPO   E   O   ESPAÇO,   PARTICIPAÇÃO,   TEMPORALIDADE,   ALTERIDADE,   REALIDADE   NEGOCIÁVEL,     ESTÉTICA  POLÍTICAeUTOPIA.   2.1 Estética Alemã - Forma e Espaço Duas   décadas   configuraram   um   período   intenso   da   história   da   filosofia   alemã,   entre   1853   e   1874.   Quando   concentraram-­‐se   discursos   concentuais   novos   com   práticas  revolucionárias  –  pensamento  estético  e  arquitetura.  “Mais  genericamente,  a   década   de   1880   pode   ser   vista   como   o   vibrante   ponto   de   virada   entre   as   tendências   estéticas   do   século   XIX   e   as   visões   de   arte   abstrata   e   arquitetura   do   século   XX.”   (MALLGRAVE  et  ILKONOMOU,  1994.  p.  03)    Esta   transformação   baseada   nos   sistemas   metafísicos   de   Kant,   Herbart   e   Vischer,   passou   por   análises   formais   de   estética   psicológica   com   fundamentos   fisiológicos.   Segundo   Mallgrave   e   Ilkonomou(1994),   este   caminho   especulativo   levou   às  novas  disciplinas  de  Estética  e  História  da  Arte.   Empatia, Forma e Espaço A  palavra  empatia  designa  um  elo  afetivo,  no  sentido  de  alcançar  e  atingir,  nem   sempre   relacionada   ao   afeto,   estima.   Este   elo   com   o   espaço   circundante   pode   ser   justificado   por   memória,   transferências   psicológicas,   projeções   e   sensações   físicas.   76     Qualquer   justificativa   passa   pela   experiência   presencial   num   determinado   espaço   e   pelos  sentidos  no  corpo  humano.   Na   relação   forma   e   conteúdo,   persistente   na   Teoria   da   Arte,   a   empatia   alia   características   formais   e   informais.   Ao   longo   dos   últimos   séculos,   alternam-­‐se   movimentos   formalistas   e   não-­‐formalistas.  A   pesquisa   sobre   quais   aspectos   do   espaço   construído   provocam   empatia   no   ser   humano   norteia   uma   sequência   de   teorias   divergentes  e  complementares,  desde  o  século  XIX.       Vischer e Fiedler - Empatia e Visibilidade Em   meio   a   discordâncias,   em   defesa   ou   ataque   ao   racionalismo,   e   disputas   acadêmicas,  os  pensadores  alemães   do   final   do   século  XIX  chegaram   bem  próximo  das   hipóteses   que   os   pesquisadores   atuais   averiguam   em   neurociência.   A   ‘consciência   corporal’   sob   influências   afetivas,   ou   de   familiaridade   com   o   espaço,   e   a   percepção   do   mesmo.   Dentre   os   conceitos   pesquisados,   em   torno   de   1880,   a   idéia   de   Empatia   colocada  por  Robert  Vischer32  tem  desdobramentos  nos  discursos  atuais.     Pelo   prisma   teórico,   a   Empatia   -­‐   hipótese   crucial   de   Vischer   -­‐   consistia   na   projeção   de   nosso   ego   mental-­‐sensorial   (nos   termos   de   Vischer)   dentro   do   objeto.   Apoiava-­‐se  no  conteúdo  subjetivo  que  o  observador  traz  para  a  contemplação  estética   e  no  condicionamento  que  a  fisiologia  do  corpo  humano  poderia  causar  em  respostas   emotivas  e  sensoriais.   A   grande   contribuição   de   Vischer   está   na   distinção   entre   sensação   –   mera   resposta  física  do  corpo  a  estímulos  externos  -­‐  e  sentimento  –  que  envolve  atividades   mental   e   emocional   (MALLGRAVE   et   ILKONOMOU,   1994.p.23).   Ambas   eram   classificadas  de  imediatas  ou  sensíveis,  conforme  o  modo  em  que  se  apresentassem.   Curioso  é  o  fato  dele  ter  chegado  a  esta  noção  de  empatia  com  base  em  leituras  sobre   a  interpretação  de  sonhos,  e,  não  graças  aos  seus  estudos  fisiológicos.     Semper,Vischer   e   Lotze   defendiam   a   tese   de   que   “Sob   a   influência   de   ciências  biológicas  empíricas,  a  noção  de  ‘corpo  arquitetônico’  foi  revisitada                                                                                                                           32  Empatia  com  a  forma  do  objeto,  entendendo  que  projetamos  nossos  sentimentos  nos  objetos.   77     no   século   XIX,   evidenciando   aspectos   fisiológicos   e   psicológicos."   (MALLGRAVE  et  ILKONOMOU,  1994)   Na  segunda  metade  do  século  XIX,  a  mudança  para  a  visão  histórica  com  ênfase   nas   obras   de   arte   em   si,   permitiu   que   a   crítica   associasse   as   estratégias   estéticas   de   Robert  Vischer  –  a  defesa  da  estética  do  “conteúdo”-­‐  e  as  de  Fiedler  –  concentrando   na  contemplação  artística,  todas  as  preocupações  culturais,  intelectuais  e  emocionais.   Em   1876,   Fiedler   escreveu   um   ensaio   que   pretendia   apresentar   uma   formação   cognitiva  especifica  da  arte  capaz  de  afastar  a  estética  idealista  destas  investigações.   Avançou   a   partir   das   inovações   teóricas   e   históricas   de   Semper   para   aprofundar   os   conceitos  de  uma  arte  espacial.   Em  contrapartida  ao  pensamento  conceitual,  Fiedler  (1876)  definia:   “a   forma   artistica   como   uma   linguagem   autônoma,   capaz   de   articular   e   apresentar  seu  próprio  mundo  de  significados  em  toda  a  sua  plenitude.  Esse   é   o   mundo   da   forma   visível:   imagens   da   mente   que   são   constantemente   recriadas.  Visibilidade  não  é  contemplação  ou  percepção  da  forma  mas  um   olhar  ativo  no  qual  as  imagens  tornam-­‐se  clareadas  como  forma  e  adquirem   sua  expressão  única.  É  mesmo  um  suspensão  da  consciência  normal  e  uma   liberação  do  sentimento”.  (MALLGRAVE  et  ILKONOMOU,  1994.)   Wölfflin e Schmarsow – O Corpo e O Espaço Através   de   analogias   com   o   corpo   humano,   considerados   mecanismos   de   ressonância   corporal,   esses   historiadores   acreditavam   provocar   a   identificação   do   observador  com  o  meio  (Wölfflin,  1886;  Schmarsow,  1893).     Em   seus   escritos,   Wölfflin   focava-­‐se   mais   na   estética   psicológica   do   que   na   visibilidade,  ou  seja,  no  formalismo.  Buscava  tratar  a  História  da  Arte  filosoficamente.   A   pergunta   que   escolheu   para   começar   a   sua   dissertação   era:   “Como   é   possível   que   as   formas   arquitetônicas   possam   expressar   uma   emoção   ou   um   humor?”.   O   autor   defendia  que  as  emoções  alheias  podem  ser  entendidas  simplesmente  porque  nós  já   as   experimentamos   fisicamente,   pessoalmente.   Deste   modo,   também   as   “formas   tornam-­‐se  significantes  para  nós  apenas  quando  nós  reconhecemos  nelas  a  expressão   78     de  uma  alma  sensível.  Instintivamente  nós  animamos  cada  objeto.  Este  é  um  instinto   primitivo  do  homem.”  (MALLGRAVE  et  ILKONOMOU,  1994.p.42)      Nas   análises   de   obras   arquitetônicas   gregas   e   de   estilo   gótico,     Wölfflin   empregava  descrições  subjetivas  como  lentidão  e  movimento  e  velocidade,  denotando   empatia  e  eliminando  qualquer  fator  intelectual  das  formas.   Esses   mesmos   aspectos   subjetivos   temporais   são   canais   utilizados   por   Olafur   para   abordar   o   espaço,   e,   por   serem   pontos   nodais   entre   tempo   e   espaço,   recebem   grande   atenção   do   artista.   Perguntado   sobre   aceleração   e   lentidão   em   suas   obras,   Olafur  atesta  a  importância  do  tempo  na  percepção  do  espaço,  o  que  busca  trabalhar   em   suas   obras   através   do   movimento.   Com   o   deslocamento   das   pessoas   ou   objetos   nas   instalações,   o   artista   cria   relações   espaciais   diferentes   para   cada   pessoa,   em   referência  ao  seu  próprio  corpo.  (ELIASSON,  2011.  p.  272)     Schmarsow   (1893)   considerava   que   a   imaginação   espacial   humana   envolvia   fenômenos   e   aspectos   culturais,   o   que   era   uma   novidade   surpreendente   para   a   sua   época.   No   processo   de   criação   do   espaço,   a   arquitetura,   a   despeito   da   verticalidade,   deveria   envolver   o   sujeito,   fechar   seu   espaço   envolvente,   para   proporcionar   uma   experiência   corporal   plena.Segundo   ele,   atribuimos   ao   espaço   uma   orientação   referente  ao  nosso  corpo,  pois  o  alinhamento  da  face  e  dos  quadris  determina  o  que   está   adiante.   Com   isso,   a   organização   corporal   frontal   confere   mais   importância   à   profundidade,  dentre  as  dimensões  do  espaço  real.  Atribui  vida  à  experiência  espacial   ao  estendê-­‐la  a  todo  o  corpo  humano,  ao  invés  de  restringi-­‐la  à  visão.   A  relação  do  corpo  com  a  apreensão  do  espaço  é  parte  notória  do  trabalho  de   Olafur   Eliasson   e   de   sua   geração,   em   decorrência   dos   movimentos   artísticos   que   os   precederam.   Pois,   o   tema   foi   retomado   com   veemência,   desde   o   minimalismo   e   ganhou  força  na  idéia  de  participação  que  se  formou  no  decorrer  do  século  XX.   2.2 Participação na Arte Moderna Embora   fale-­‐se   muito   de   participação   do   público   na   arte   contemporânea,   especialmente   a   partir   dos   anos   1960,   deixa-­‐se   de   lado   que   os   precursores   foram   os   artistas   Dadaístas,   nos   anos   1920.   Walter   Benjamim   escreveu   um   dos   primeiros   textos   79     teóricos   sobre   o   status   político   da   participação,   em   1934.   Nele,   o   autor   defendia   a   importância  da  arte  como  exemplo  de  envolvimento  do  observador  com  o  processo  de   produção.   Um   modelo   colaborativo   que   repercutiria   na   vida   em   sociedade:   “quanto   mais  consumidores  ela  (a  arte)  for  capaz  de  tornar  produtores  –  isto  é,  mais  leitores  ou   espectadores  em  colaboradores."  (BISHOP,  2006.  p.11)       O   ideal   de   participação   de   Benjamin   estava   na   dramaturgia   teatral   de   Bertold   Brecht,   seu   contemporâneo.   Eram   propostas   de   interrupções   na   narrativa   dos   espetáculos   para   impedir   a   identificação   com   personagem,   qualquer   tipo   de   transferência.   Assim,   Brecht   trazia   o   espectador   de   volta   para   a   sua   realidade,   num   distanciamento  crítico.     A   dimensão   social   da   participação   em   arte   é   o   tema   do   livro   “Participação”   organizado  por  Claire  Bishop(2006),  e  nessa  seleção  de  textos  é  possível  visualizar  um   corpo   teórico   consistente.   Os   conceitos   participativos   são   introduzidos   por   textos   teóricos,   mas   são   justamente   as   duas   ultimas   partes   do   livro   -­‐   escritos   de   artistas   e   posturas   curatoriais   –   que   esclarecem   as   fortes   mudanças   na   prática   artística,   no   período   em   que   foram   publicados,   entre   1962   e   2004.   Este   textos   de   artistas   descrevem  propostas  que  se  apropriaram  de  formas  sociais  para  aproximar  a  arte  do   cotidiano,  colapsando  a  distinção  entre  produtor  e  receptor,  artista  e  audiência.     Quando  Hélio  Oiticica  convida  a  sambar,  Tom  Marioni  a  tomar  cerveja  e  Joseph   Beuys   a   discutir   política,   na   verdade,   são   artistas   convocando   a   experiências   sociais   de   dimensões   coletivas,   formas   colaborativas.   Há   nessas   iniciativas   preocupações   de   ordem  estética,  ética  e  política  conjugadas  numa  forma  de  arte  –  a  participação.   Olafur   Eliasson   trabalha   com   a   participação   do   público   como   material   constituinte   da   obra,   pois   sem   o   público   interagindo   não   há   obra.   Pelos   mesmos   motivos   que   os   artistas   citados   por   Claire   Bishop,   questões   éticas   e   políticas   que   convergem  numa  interação  estética  específica,  Eliasson  já  parte  deste  dado,  ainda  que   seu  trabalho  seja  mediado  por  novas  tecnologias  e  ambientes  alterados.  A  dimensão   política   precede   a   preocupação   formal.   "Fica   a   cargo   das   pessoas   -­‐   dos   indivíduos   -­‐   descobrir  por  elas  mesmas  o  que  fazer  com  sua  experiência.  Isso  é  diversidade.  Aqui,   firma-­‐se  um  contrato  coletivo  forte.",  segundo  o  artista.  (ELIASSON,  2011.  p.391)   80     O  ponto  que  une  o  público  no  espaço  nas  obras  de  Eliasson  está  na  experiência   coletiva.   Esta   política   de   participação   presente   nas   obras   do   artista   pressupõe   a   indistinção  intelectual  do  público,  uma  igualdade,  na  qual  a  mera  atividade  física  seja   promotora   dessa   apropriação   do   espaço  (BISHOP,  2006.p.16.).     O   artista   volta-­‐se,   assim,   aos   fatos   em   si,   a   visita   ao   museu,   ou   ao   espaço   público   ocupado   e   ao   encontro   do   público.     2.3 Fenomenologia Voltar-­‐se   para   os   fenômenos,   as   coisas   em   si,   nas   palavras   do   filósofo   francês   Merleau-­‐Ponty   (1908-­‐1961)   “trata-­‐se   de   descrever   e   não   de   explicar   nem   analisar”(MERLEAU-­‐PONTY,   1945).   Pode-­‐se   dizer   que   Leonardo   da   Vinci   foi   o   grande   precursor   desta   corrente   filosófica,   ao   ter   postulado   a   observação   como   método.   A   pesquisa   à   frente   da   teoria   e   qualquer   autoridade   de   seu   tempo   é   a   única   capaz   de   fornecer  o  conhecimento  libertador(JASPERS,  Karl.  1965).   Fenomenologia  é  um  termo  recorrente  em  textos  sobre  arte  contemporânea,  em   muitos   casos,   mal   aplicado,   ou   equivocado.   A   arte   de   Eliasson   apresenta   uma   abordagem   fenomenológica   no   sentido   estrito   da   palavra.   Kant   e   Husserl   insistem   que   “toda  experiência  possível  do  mundo  depende  de  um  sujeito  capaz  de  experimentar”,   mesmo  quando  o  que  se  experimenta  independe  da  mente  perceptiva.  De  acordo  com   isso,  Eliasson  tem  o  cuidado  em  fazer  com  que  os  trabalhos  sejam  parte  da  consciência   dos  participantes,  como  todos  os  seus  títulos  sugerem,  e  tudo  aparente  ao  observador.   “A   fenomenologia   é   o   estudo   das   essências,   [...]   Mas   a   fenomenologia   é   também  uma  filosofia  que  repõe  as  essências  na  existência,  [...]cujo  esforço   todo  consiste  em  reencontrar  este  contato  ingênuo  com  o  mundo,  para  dar-­‐ lhe   enfim   um   estatuto   filosófico.   É   a   ambição   de   uma   filosofia   que   seja   uma   ‘ciência   exata’,   mas   é   também   um   relato   do   espaço,   do   tempo,   do   mundo   ‘vividos’.”  (MERLEAU-­‐PONTY,  1945.p.1).     Merleau-­‐Ponty  segue  Husserl  no  que  diz  respeito  a  nossa  experiência  singular  ser   o  único  canal  de  conhecimento  do  mundo.  Acredita  que  a  ciência  é  apenas  explicação   ou  análise  desse  mundo  percebido  e,  antes  de  todas  as  explicações  provenientes  dos   saberes  tematizados  está  o  ser  humano.  O  mundo  visto  como  fonte  de  todos  os  nossos   81     pensamentos   e   de   todas   as   nossas   percepções,   onde   estamos   inseridos   e   onde   nos   comunicamos  com  os  outros.  A  fenomenologia  seria,  então,  uma  descoberta  vivencial   e  originária,  fundamentada  no  mundo  da  vida.     2.4 Temporalidade na Fenomenologia Na   década   de   1990,   Olafur   Eliasson   participou   de   um   grupo   interessado   na   influência  temporal  no  espaço.  Nesta  época,  os  escritos  de  Henri  Bergson  voltaram  a   ter   significado   no   texto   de   Giles   Deleuze   que   retoma   o   seu   entendimento   de   temporalidade.   Onde   o   espaço   é   um   fluxo   interminável.   O   conceito   de   ‘densidade   temporal’  é  a  riqueza  do  pensamento  de  Bergson,  para  Olafur  Eliasson:  “Ele  não  vê  o   tempo  como  uma  linha.  O  tempo  é  não  linear  e  ele  diria  que  o  espaço  é  do  tempo,  não   no   tempo.   Não   podemos   realmente   falar   sobre   a   matéria   se   não   considerarmos   o   aspecto  temporal.”(ELIASSON,  2011.)   O   artista   e   os   filósofos   da   corrente   fenomenológica   -­‐   Merleau-­‐Ponty,   Varela,   Henri   Bergson   e   Edmund   Husserl   –   depositam   na   experiência   humana   mediada   pela   percepção   o   entendimento   do   mundo,   condicionando   a   realidade   circunstancial   percebida  no  corpo.  Visto  que  “de  certa  forma,  é  sempre  tarde  demais  para  se  falar  do   tempo”(DERRIDA),  esta  circunstância  indissociável  na  percepção  do  espaço,  o  tempo,   nos   move   constantemente   em   direção   ao   presente.   O   tempo   presente,   a   percepção   espacial  multissensorial  e  a  presença  corporal  configuram  experiências,  independente   de  definir  ou  conformar  o  espaço,  permitem  constatações  e  reflexões.      “O  espaço  sempre  é  mais  além,  mas  isso  não  quer  dizer  que  seja  alhures  ou   abstrato,   uma   vez   que   ele   está,   que   ele   permanece   aí.   Quer   dizer   simplesmente  que  ele  é  uma  trama  singular  de  espaço  e  tempo  (quer  dizer   exatamente   que   o   espaço   assim   entendido   não   é   senão   “um   certo   espaço”).”  (DIDI-­‐HUBERMAN,  1998.p.164)   A  singularidade  da  percepção  individual  não  impede  que  o  espaço  seja  percebido   coletivamente   e   as   interações   entre   as   pessoas   nessa   coletividade   sugerida   cria   os   espaços  de  Olafur.   82     2.5 Alteridade Por  mais  que  sejam  citados  filósofos  diversos,  o  interesse  no  presente  estudo  é   realçar   os   elos   entre   essas   teorias   e   as   práticas   de   Eliasson.   O   filósofo   pós-­‐moderno   Jameson   insiste   sobre   a   importância   da   teoria   crítica,   colocando   que   nossas   polêmicas   filosóficas  e  sociológicas  reafirmam  a  relevância  de  Theodor  Wiesengrund  -­‐  Adorno.  A   contribuição  indispensável  de  Adorno   para  a  filosofia  contemporânea  dá-­‐se  na  análise   do  sistema  econômico,  ou  modo  de  produção,  em  suas  três  principais  obras  Dialética   do   esclarecimento,   Dialética   negativa   e   Teoria   estética.   Jameson   considera   seu   positivismo   “precisamente   o   que   hoje   chamamos   pós-­‐modernismo,   apenas   num   estágio   mais   primitivo”(JAMESON,   1997)   Um   termo   que   surge   na   filosofia   da   ciência   pequeno-­‐burguesa   republicana   do   século   XIX,   e   transforma-­‐se   noutro,   revigorado   com   o  esplendor  da  vida  consumista  cotidiana  e  do  capitalismo  multinacional.   (JAMESON,   1997)   De  fato,  os  conceitos  com  que  Adorno  pensava  a  arte  moderna  parecem  muito   atuais,   como   a   definição   de   arte   “na   constelação   de   momentos   que   se   transformam   historicamente”,   cuja   “[...]   essência   não   é   dedutível   da   sua   origem”(ADORNO,1970.p.12).   Em   sua   “Teoria   Estética”,   publicada   em   1968,   Adorno   relaciona  os  diversos  entendimentos  da  Estética  ao  longo  da  História,  sobressaltando   os   incrementos   mais   recentes,   como   a   revisão   da   filosofia   de   Kant   relacionada   à   psicologia.   Basicamente,   repassa   as   contradições   do   século   XX,   como   se   estivesse   vivendo  no  século  posterior.   Adorno  desloca  a  discussão  fundamental  no  auge  do  modernismo,  sobre  o  papel   da   arte,   para   um   lugar   incerto   em   que   a   arte   “existe   na   relação   ao   seu   Outro   e   é   o   processo   que   a   acompanha”(ADORNO,1970.).   Perfeitamente,   o   que   vem   sendo   realizado  na  arte  atual,    seus  conceitos  relativos  e  processos  participativos.   Alteridade na Fenomenologia Daniel   Birnbaum   identifica   a   alteridade   como   ponto   de   proximidade   entre   Eliasson  e  Husserl(ELIASSON,  2011.p.137).  Este  último,  ao  questionar  a  redução  do  eu   transcendental  pela  presença  do  outro  (HUSSERL,  1931.p.  121),  coloca  à  prova  todas  as   83     questões  subjetivas  da  fenomenologia  (por  exemplo,  o  ser-­‐no-­‐mundo  e  a  essência  na   existência).      “Em  conseqüência  dessa  eliminação  abstrativa  de  tudo  o  que  é  estranho  a   mim,   restou-­‐me   uma   espécie   de   mundo,   uma   natureza   reduzida   à   minha   vinculação   -­‐   um   eu   psicofísico,   com   corpo,   alma   e   eu   pessoal,   integrado   a   essa  natureza  graças  a  seu  corpo”.  (HUSSERL,  1931)      Entretanto,   essa   provação   expande   os   conceitos,   porque   acaba   englobando   a   intersubjetividade,   e   as   demais   relações   pelas   quais   percebemos   o   mundo.   Deste   modo,  o  mesmo  conceito  de  ‘alteridade’  aparece  em  Merleau-­‐Ponty:     “Para   que   percebamos   as   coisas,   é   preciso   que   as   vivamos   [...]   Viver   uma   coisanão  é  nem  coincidir  com  ela  nem  pensá-­‐la  de  uma  parte  à  outra.  Vê-­‐se,   então,  nosso  problema.  E  preciso  que  o  sujeito  perceptivo,  sem  abandonar   seu   lugar   e   seu   ponto   de   vista,   [...]   abra-­‐se   a   um   Outro   absoluto   que   ele   prepara  no  mais  profundo  de  si  mesmo.”(MERLEAU-­‐PONTY,  1945.p.  436)   Na   fenomenologia,   o   corpo   serve   de   mediador   e   parte   constituinte,   simultaneamente.   Nos   textos   de   Husserl   e   Merleau-­‐Ponty,   verifica-­‐se   a   descrição   do   papel   mediador   dos   sentidos   no   corpo   para   o   contato   do   ser   com   o   mundo   e,   por   tratar-­‐se  da  experimentação  em  si,  nessa  teoria,  a  percepção  não  pode  ficar  alheia  ao   ser.   O   ser   humano   percebe   o   mundo   através   dos   sentidos,   no   corpo,   e,   ao   mesmo   tempo,  o  corpo  e  os  sentidos  compõem  a  subjetividade  do  ser  humano.   O   desafio   no   trabalho   de   Olafur   está   em   considerar   o   sujeito   como   parte   do   coletivo.  Ele  opera  na  coletividade,  na  interação  entre  as  pessoas  e  o  espaço.     2.6 Realidade Negociável A  Estética  Relacional  de  Nicolas  Bourriaud(BISHOP,2006.p.160).   Por   ser   um   artista   com   formação   européia   que   surgiu   nos   anos   1990   e   preocupar-­‐se  basicamente  com  as  relações  humanas,  Olafur  tem  afinidades  com  a  arte   relacional.  Entre  os  artistas  relacionais33  não  há  semelhanças  estilísticas,  temáticas  ou                                                                                                                           33   Estética   Relacional   tornou-­‐se   um   texto   definidor   da   geração   de   artistas   que   se   pronunciou   na   Europa,   no  início  dos  anos  90.   84     iconográficas.   “O   que   eles   têm   em   comum   é   muito   mais   determinante,   nomeadamente,  o  fato  de  que  operam  no  mesmo  horizonte  prático  e  teórico:  a  esfera   das   relações   inter-­‐pessoais”(BISHOP,   2006.p.164).Contudo,   mais   importante   do   que   classificá-­‐lo,   agrupá-­‐lo   ou   nomeá-­‐lo,   é   reconhecê-­‐lo   dentro   de   um   colóquio.   Na   verdade,   os   comentários   do   filósofo   Jacques   Ranciére   sobre   a   Estética   Relacional   estreitam  este  vínculo,  entre  Olafur  e  Nicolas  Bourriaud.   Dentro   dessa   lógica   artística   de   estabelecer   relações,   um   trabalho   pode   funcionar   como   um   dispositivo   relacional,   uma   engrenagem   provocativa   e   gerenciadora   de   encontros   individuais   ou   coletivos(BISHOP,   2006.p.163)   Para   ativar   esses   dispositivos,   as   exposições   de   arte   contemporânea,   por   sua   vez,   criam   espaços   livres   que   sugerem   possibilidades   de   trocas,   ocupam   interstícios.   Ocorrem   em   intervalos   de   tempo   diferentes   dos   que   prevalecem   no   ritmo   cotidiano,   visando   encorajar  comunicações  inter-­‐pessoais  espontâneas.   A   arte   relacional   nasce   da   observação   do   presente   e   não   tem   precedentes   históricos,   cria   este   domínio   de   trocas   que   apresenta   critérios   estéticos,   de   forma   coerente,   e   nos   oferece   de   volta   valores   simbólicos.   Reflete   as   relações   humanas,   representa  a  sociedade,  ao  mesmo  tempo  que  é  parte  de  seu  tecido  social.     Para  Bourriaud,  a  arte  é  um  estado  de  encontro  -­‐  assim  como  outras  atividades   humanas  -­‐  baseada  no  comércio.  Sendo  assim,  arte  é  tanto  o  objeto  quanto  o  sujeito   de  uma  ética  própria,  na  qual  sua  única  função  é  se  expor  para  este  mercado.  Deste   modo,   ele   expõe   uma   faceta   social   e,   em   paralelo,   uma   relação   interna   do   meio   profissional.  Entretanto,  a  questão  da  arte  relacional  é  externa,  localiza-­‐se  nas  relações   sociais   que   testam   a   capacidade   de   resistência   da   arte   na   chamada   “Sociedade   do   Espetáculo”(DEBÓRD,  1967).   Essa  possibilidade  de  resistência  aparece  em  indagações  diante  da  obra,  algo  que   “nos  faz  encarar  a  realidade    através  da  singularidade  de  uma  relação  com  o  mundo,   através  de  uma  ficção”(BOURRIAUD).  As  semelhanças  e  diferenças  entre  as  ações  dos   artistas  e  atos  cotidianos  geram  as  reflexões  sobre  como  vivemos  e  como  poderíamos   viver.     85     “Isto   me   permite   existir   ao   olhar,   ou,   ao   contrário,   nega   minha   existência   como   sujeito   e   sua   estrutura   recusa-­‐se   a   considerar   o   outro?   Este   espaço-­‐ tempo   sugerido   ou   descrito   por   esta   obra   de   arte,   junto   com   as   leis   que   o   governam,  correspondem  às  minhas  aspirações  da  vida  real?  Isto  forma  uma   critica   ao   que   precisa   de   critica?   Se   existisse   um   espaço-­‐tempo   correspondente  na  realidade,  eu  poderia  viver  nele?”  (BOURRIAUD).     Os  artistas  contemporâneos  criam  situações  que  incluem  métodos  de  trabalho,   estruturas   existentes   na   vida,   usam   o   tempo   como   material   e   abandonam   as   formas   concretas,  antes  identificáveis  como  produtos  do  campo  da  arte.  A  produção  gestual   supera  a  produção  material  para  subverter  os  hábitos  de  consumo  instaurados  nessa   sociedade.  A  “forma  toma  prioridade  sobre  as  coisas”34.   A   base   dessas   experiências   de   arte   está   na   co-­‐presença   real   ou   simbólica   dos   espectadores  com  a  obra,  inspirada  numa  busca  por  democracia.  Na  arte  relacional,  o   status   do   observador   varia,   desde   consumidor   passivo   a   cliente,   convidado   ou   protagonista.  “Então,  precisamos  prestar  atenção:  nós  sabemos  que  atitudes  tornam-­‐ se   formas,   e   agora   precisamos   compreender   que   as   formas   induzem   modelos   de   sociabilidade”.   Comumente,   esperamos   que   nossos   desejos   sejam   cumpridos   no   futuro   ou   suspiramos   por   uma   situação   passada.   Diferente   disso,   no   trabalho   de   Olafur   “presença  tem  muito  mais  a  ver  com  a  presença  comum  de  pessoas,  uma  união  no   Aqui  e  Agora,  bem  como  uma  situação  em  que  impera  uma  atenção  redobrada.”  Este   pensamento   de   Eliasson   é   muito   próximo   ao   que   Bourriaud   declara   em   seus   livros,   cujos  artistas  relacionais  aderem.     Olafur  Eliasson  cria  eventos  dispostos  à  interação.  Ele  oferece  a  oportunidade  de   compartilhamento   de   momentos   e   sensações,   ao   criar   o   espaço   da   instalação.   Diferente   das   obras   relacionais,   Olafur   não   se   concentra   apenas   nas   trocas   interpessoais,  mas,  sim,  na  coletividade  dentro  do  espaço.                                                                                                                             34  “The  Behavioural  Economy  of  Contemporary  Art”,  Nicolas  Bourriaud.   86     “Se   Eliasson   é   um   artista   relacional,   então   talvez   seja   mais   no   sentido   de   Ranciére   do   que   de   Bourriaud.   Ele   é   sem   dúvida   mais   interessado   em   arte   como   um   meio   de   distribuição   do   sensível,   e   na   política   envolvida,   do   que   em   jogos,   festivais   ou   festas.   Seu   ponto   de   partida   fenomenológico   –   a   insistência   na   perspectiva   da   primeira   pessoa   –   nunca   prende   o   sujeito   35 numa  posição  solipsistica  .  [...]  A  arte  de  Eliasson  nos  ajuda  a  compreender   verdades   gerais:   a   mais   profunda   consegue   alcançar   que   a   subjetividade   é   dialógica.”  (GRYNSZTEJN,  2007.p.136.)   2.7 Estética Política de Jacques Ranciére O  filósofo  francês  mencionado  acima  é  professor  da  Universidade  de  Paris  e  teve   grande  repercussão  no  debate  que  lançou  com  o  livro  “Estética  e  Política”,  em  2000.   Ranciére  escreveu  logo  no  primeiro  capítulo  sobre  as  relações  entre  política  e  estética   que  o  comum  partilhado  (a  cultura,  os  direitos  civis,  a  liberdade)estabelece.  Define  o   conceito   de   “partilha   do   sensível”   como   o   “sistema   de   evidências   sensíveis   que   revela,   ao  mesmo  tempo,  a  existência  do  comum  e  dos  recortes  que  nele  definem  lugares  e   partes   respectivas.   Uma   partilha   do   sensível   fixa   portanto,   ao   mesmo   tempo,   um   comum  partilhado  e  partes  exclusivas”.  (RANCIÉRE,  p.15)   Na  formação  deste  panorama  estético  em  que  as  obras  de  Eliasson  se  inserem,   dentre   os   escritos   de   Ranciére,   aqueles   sobre   estética   relacional   merecem   mais   atenção.   Nomeadamente,   o   texto   “Problemas   e   Transformação   em   Arte   Crítica”   (2004).   O   autor   defende   que   deve-­‐se   reconhecer   a   pluralidade   de   vínculos   entre   a   estética   e   a   política   e   ponderar   as   tensões   entre   arte   e   vida,   estabelecendo   as   especificidades  de  uma  estética  sensorial  capaz  de  separá-­‐las.  Definir  este  limite  tênue   que  faz  o  território  da  arte  diferente  das  demais  experiências  sensíveis.     Ranciére  descreve  que  a  arte  crítica  convida  a  ver  os  sinais  do  capital  embutidos   nos   objetos   e   comportamentos   cotidianos,   na   contramão   do   mundo   atual   que   os   perpetua.  “Onde  a  transformação  das  coisas  em  signos  redobra  o  grande  excesso  de                                                                                                                           35  O  solipsismo  é  a  consequência  extrema  de  se  acreditar  que  o  conhecimento  deve  estar  fundado  em   estados  de  experiência  interiores  e  pessoais.   87     signos   interpretativos   que   faz   toda   resistência   desaparecer”(RANCIÉRE,   2004.   cit.   em   BISHOP,  2006).   Desde   os   anos   90,   esses   artistas   criaram   um   jogo   de   trocas   e   deslocamentos   entre  o  mundo  da  arte  e  da  não-­‐arte  que  funda  um  terceira  política,  estética.  Assim,   geram   colisões   entre   elementos   heterogêneos,   oposições   dialéticas   entre   forma   e   conteúdo,   que   denunciam   relações   sociais   e   conferem   um   lugar   para   a   arte,   nesse   meio.      Para  Ranciére,  “se  existe  uma  questão  política  sobre  arte  contemporânea  [...]  é   a  análise  dessas  mudanças  afetando  esta  ‘terceira’  política.”  .”(RANCIÉRE,  2004.  cit.  em   BISHOP,  2006).   Apesar  de  destacar  a  impossibilidade  de  tomar  decisões  nos  artistas  relacionais,   o   que   chama   de   indecidível,   um   termo   matemático   para   algo   indecifrável,   Ranciére   percebe   quatro   formas   de   contato   com   o   público.   Seriam   estas:  o   jogo,   o   inventário,   o   encontro  e  o  mistério.     Pensando   nas   obras   de   Olafur   Eliasson,   grande   parte   do   que   Ranciére   analisa   está   presente   em   sua   produção.   O   inventário   seria   o   reconhecimento   do   potencial   histórico   coletivo   de   objetos   semelhantes   conhecidos   do   público,   como   os   trabalhos   em   série,   maquetes   e   fotografias.   O   encontro   é   evidente   na   confluência   do   publico   para   os   espaços   propostos   pelo   artista.   O   mistério   e   o   jogo   são   termos   polêmicos   quando   se   trata   deste   artista,   pois   a   multiplicidade   das   interpretações   cabe   aos   visitantes   e   não   aos   seus   projetos.   Há   um   mistério   na   tentativa   de   identificação   das   pessoas,  quando  as  imagens  das  pessoas  são  refletidas,  ou  do  espaço,  quando  a  luz  e  a   fumaça   ocultam   os   limites   de   um   ambiente.   Há,   também,   um  jogo,   a   cada   vez   que   um   visitante   se   disponibiliza   à  imersão   nesses   espaços   propostos.   A   polêmica   está   em   não   confundir   estes   espaços   lúdicos   reais   com   espaços   ilusórios,   entender   que   o   artista   busca  mediar  a  realidade  para  acentuá-­‐la.   As   atitudes   artísticas   contraditórias   expressas   na   atualidade   evidenciam   o   aspecto   indecifrável   de   uma   política   da   arte.   Numa   situação   paradoxal,   em   que   a   incerteza  de  sua  política,  talvez  aumente  a  atuação  da  arte  a  outro  nível.     “a   um   nível   mais   elevado   de   intervenção   pelo   grande   déficit   da   própria   política.   É   como   se   a   diminuição   do   espaço   público   e   o   esmaecimento   da   inventividade   política,   num   tempo   de   consenso,   88     desse  uma  função  política  substitutiva  às  mini  demonstrações  de  artistas,  às  suas  coleções  de  objetos  e   traços,  aos  seus  mecanismos  de  interação,  às  suas  provocações  'in  situ'  ou  onde  mais  for.  Saber  se  estas   substituições   podem   recompor   espaços   políticos,   ou   se   elas   devem   ser   contidas   para   parodia-­‐los,   é   certamente  uma  das  questões  de  hoje.”  (RANCIÉRE,  2004.  cit.  em  BISHOP,  2006.  p.88)   A   dúvida   sobre   a   eficácia   política   das   ações   artísticas   persiste,   contudo,   não   invalida  suas  tentativas,  pelo  contrário,  reforça   a  necessidade  premente   de   atuação.   O   consenso   e  a   inércia   da   população   geram   esta   urgência,   como  exposto   por  Ranciére.   Nesse   contexto,   Olafur   disponibiliza   sua   arte   a   esse   debate   e   acredita   que   cada   um   recebe  e  aproveita  estas  ofertas  de  modo  particular.  Mais  uma  vez,  reiterando  que  é   impossível  avaliar  com  precisão  o  que  fica  de  transformador  destas  experiências.   2.8 Utopia Para   as   vanguardas   do   século   XX,   a   utopia   era   fundamental   como   horizonte   teórico   que   expandia   a   concretude   das   formas   e   possibilitava   o   debate   social.   Na   geração   de   artistas   dos   anos   1990,   há   um   forte   ceticismo,   em   que   a   realidade   busca   ocupar   todo   o   espaço,   seja   imaginário   ou   até   virtual.   Eliasson,   motivado   por   causar   impactos   positivos   no   seu   entorno,   mostra-­‐se   interessado   na   construção   de   espaços   utópicos.   O   artista   considera   seus   valores   morais   pessoais   e   não   aplicáveis   a   todos.A   utopia   “era   normativa,   mas   penso   que   a   generalização   é   pouco   saudável,   porque   significa  lutar  pela  coletivização  através  da  unificação.”  (ELIASSON,  2011.p.415.)   Diferente  da  utopia  moderna  baseada  na  igualdade,  a  idéia  que  Olafur  trabalha   visa  um  objetivo  comum,  coletivo  e  não  absoluto.  Ele  acredita  ser:    “possível   introduzir   ética   e   valores   num   real   construído.   O   desafio   é   perceber  isso,  porque  as  gerações  anteriores  desenvolveram  os  seus  valores   e   ética   em   ambientes   que   não   concebiam   como   construções   ou   modelos,   mas   antes   como   uma   realidade   universal.   É   difícil   reavaliar   os   valores   modernistas  porque  ainda  são  usados  para  descrever  como  sentimos  e  nos   apercebemos   do   mundo.   O   desafio   assenta   na   linguagem   que   usamos”.   (ELIASSON,  2011.p.416.)   Em  entrevista  publicada   no  livro   Studio,   Eliasson  esclarece  que  seu   conceito  de   utopia  é  interior,  e  por  isso  não  estaria  alheia,  num  local  distante  e  ilusório.  Reside  no   desejo   de   relacionar-­‐se   com   o   mundo   e   viver   melhor,   baseia-­‐se   numa   nova     89     fenomenologia,   similar   àquela   anterior   aos   anos   80,   na   qual   o   pensamento   social   e   político  volta-­‐se  para  o  cotidiano.  (ELIASSON,  2011.p.416.)   Entre  os  projetos  de  Olafur  Eliasson  que  constrõem  espaços  utópicos,  destaca-­‐se   o   Blind   Pavillion   (Pavilhão   Cego)   construído   para   a   Bienal   de   Veneza   de   2003,   posteriormente,   exibido   em   uma   colina   na   Islândia.   Talvez   o   critério   adotado   para   reconhecer   este   aspecto   na   obra   tenha   sido   o   caráter   escultórico   da   construção   que   reduz  a  programa  arquitetônico  à  fruição  do  espaço.     Procedimento  similar  foi  empregado  no  projeto  de  um  carro  para  a  BMW,  Your   Mobile   Expectations   (Suas   Expectativas   Móveis),   em   2007.   No   processo   de   criação,   em   que  o  caráter  utilitário  foi  reduzido,  houve  um  jogo  com  o  valor  simbólico  do  carro,  o   mercado  de  consumo  e  as  possibilidades  de  reduzir  impactos  ecológicos.   Em   entrevistas,   o   artista   insiste   em   lembrar   que   não   é   um   cientista,   ainda   que   admire   o   direcionamento   da   ciência   ao   observador   mais   do   que   à   visão,   fato   recorrente  nas  últimas  décadas.  A  própria  ciência  está  reconsiderando  seus  métodos  e   Eliasson  questiona  a  maneira  que  a  sociedade  lida  com  o  entendimento  tradicional  da   ciência,   apontando   para   o   modo   da   ciência   produzir   realidade.   Quanto   à   mídia   cientifica,  acredita  que  de  algum  modo,  “a  comunicação  da  ciência  tornou-­‐se  seu  co-­‐ produtor”.   A  ideia  de  utopia,  comumente  associada  aos  inventos  científicos,  à  ficção,  criou   receios   quanto   a   movimentos   globais.   Traumas   causados   pelas   guerras,   movimentos   unificadores   e   o   temor   do   fim   do   mundo.   Ainda   assim,   as   redes   de   comunicação   globais   promovem   otimismo   no   imaginário   coletivo,   a   possibilidade   de   sistemas   operarem  de  modo  singular  e  plural  ao  mesmo  tempo.   Um   sonho   de   Eliasson,   quanto   às   possibilidades   de   comunicação,   seria   “que   a   coletividade   não   fosse   mais   baseada   em   pessoas   conhecidas   [...];   coletividade   real   é   uma   forma   de   democracia   baseada   num   acordo   bem   sucedido   com   a   diversidade.”(ELIASSON,   2011).Deste   modo,   trata-­‐se   de   um   sonho   tendendo   à   totalidade  social,  como  o  próprio  conceito  ideal  de  democracia,  uma  utopia.   90     Parte   desse   ressurgimento   do   conceito   “utopia”   no   debate   da   ultima   década,   deve-­‐se  ao  projeto  Estação  Utopia  na  bienal  de  Veneza,  em  2013.     2.9 Estação Utopia Esta   foi   uma   seleção   de   cento   e   cinquenta   artistas   precedida   por   uma   série   de   seminários  e  exposições  que  formularam  a  posição  teórica  da  mostra.  Os  curadores  da   Estação  Utopia,  Molly  Nesbit,  Hans  Ulricht  Olbricht  e  Rirkrit  Tiravanija,  delinearam  suas   aspirações  políticas  e  estéticas  para  re-­‐examinar  o  conceito  de  utopia,  no  texto  “O  que   é  uma  Estaçao?”(What  is  a  Station),  em  2003.   No   processo   de   exame   conceitual,   foram   retomadas   discussões   quanto   às   origens   e   aplicações   anteriores   de   Utopia.   Apareceram   menções   às   divergências   sobre   o   tema   entre   Adorno   e   Ernst   Bloch   –   o   fim   da   utopia   com   a   chegada   do   espaço   virtual,   na  época,  o  advento  da  televisão,  em  oposição  à  transformação  da  utopia  em  nichos   como   a   ficção   cientifica.   Concordavam   que   utopia   seria   uma   transformação   da   totalidade   e   Adorno   insistia   que   “a   perda   da   capacidade   em   imaginar   que   a   totalidade   como  algo  que  poderia  ser  completamente  diferente”  impossibilita  qualquer  utopia.   Nesse  ponto,  a  discussão  passa  por  uma  citação  de  Brecht  :  Something  is  missing   (Está   faltando   algo).   Este   algo   que   falta   seria   a   utopia   moderna   que   remonta   à   ilha   idealizada  na  literatura  de  Tomas  More,  em  1516.  O  paraíso  da  perfeita  ordem  social,   que   incita   à   busca   por   felicidade   e   liberdade.   Durante   séculos,   intelectuais   seguiram   nesta  especulação  teórica,  reestabelecendo  as  utopias  de  seus  próprios  meios  sociais.   Em   um   consenso,   os   curadores   da   Estação   Utopia   constataram   que   “a   utopia   havia  se  transformado  num  não-­‐lugar  conceitual,  uma  retórica  vazia  no  máximo,  mais   frequente   do   que   férias   exóticas,   a   prazerosa   ilha   deserta   clichê”(BISHOP,   2006).   Estabeleceram   que   a   Estação   Utopia   seria   uma   estrutura   conceitual   flexível   em   conjunto   com   uma   estrutura   física   construída   na   Bienal   de   Veneza,   “uma   estação   a   caminho”,   ou   melhor   a   meio   caminho,   entre   o   conceitual   e   o   físico   e   a   utopia   e   a   realidade.   Na  estação  física  projetada  por  Tiravanija  e  Liam  Gillick,  a  flexibilidade    era  muito   importante   para   a   realização   do   conjunto   de   idéias,   portanto,   fizeram   espaços   91     reversíveis   e   fluidos   que   se   distribuíam   ao   longo   de   uma   longa   plataforma.   Na   área   externa,   bancos   circulares   removíveis   sobre   a   plataforma,   e,   na   transição   interior/exterior,  muitas  portas  viravam  uma  longa  estrutura  irregular.  Instalaram  uma     cobertura  provisória  em  cabos  de  aço  presos  ao  edifício  do  Arsenal  e  a  mostra  também   se   espalhava   pelo   jardim.   O   mobiliário   variado   potencializava   a   vocação   da   Estação   como   “espaço   para   parar,   contemplar,   ouvir   e   ver,   descansar   e   se   refrescar,   falar   e   trocar”(BISHOP,  2006).   As   estações   Utopia   anteriores   não   precisaram   de   arquitetura   para   existir.   A   prerrogativa  era  o  encontro.  O  evento  só  estaria  completo  com  a  presença  das  pessoas   e   a   programação   que   incluiu   performances,   shows,   leituras,   peças,   filmes,   festas   e   demais   eventos   variados.   Entre   as   trocas   previstas,   havia   a   expectativa   de   que   as   pessoas  deixassem  coisas  e  levassem  outras,  mas  o  comportamento  do  publico  era  o   maior  fator  de  imprevisibilidade  que  enriqueceria  a  dinâmica  do  evento.   Em   teoria,   a   Estação   Utopia   baseava-­‐se   no   conceito   “Partilha   do   Sensível”   de   Ranciére.   Trouxeram   o   autor   para   o   debate,   admitindo   seu   entendimento   filosófico   da   prática  estética.  O  conjunto  de  relações  apresentado  no  livro  “desdobra-­‐se  em  visões   de  mundos,  sendo  cada  um  isola  (ilha)  e  forma,  mas  em  todos    há  realidades  concretas   repletas   de   matéria   e   força”(BISHOP,   2006).   O   próprio   livro   de   Ranciére   era   considerado  uma  ilha  conceitual  que  os  curadores  pretendiam  trazer  para  a  realidade   da  estação,  do  encontro.   A   intenção   do   evento   não   era   definir   um   novo   conceito   de   utopia,   mas   proporcionar   o   debate,   o   encontro   de   fato.   A   Estação   Utopia   foi   pensada   como   um   campo   de   pontos   de   partida   oferecidos   por   muitas   pessoas   diferentes.   Havia   um   convite  para  as  pessoas  escreverem  um  depoimento  sobre  a  experiência.  As  atividades   do   evento   implicavam   um   ativismo,   visando   subverter   a   primazia   do   capital,   ao   trabalhar   com   unidades   descentralizadas.   A   negação   da   utopia   serve   de   recomeço,   catalisador  de  idéias  e  práticas  para  o  debate  social  e  político.   92     2.10 Teoria e Prática em Olafur Eliasson. Idéias   de   compartilhamento,   vivência   coletiva,   co-­‐participação   e   co-­‐autoria,   desde  a  década  de  60,  seguem  esta  trilha.  Eliasson  coloca  estes  conceitos  na  prática,   insistentemente,   em   cada   espaço  seu,   onde   as   associa   às   descobertas   da   neurociência   e  aos  novos  comportamentos  sociais.   “Como   artista,   o   desafio   é   criar   um   senso   de   pluralidade,   coletividade,   ou   estar   junto,   baseado   na   experiência   singular   –   na   singularidade.   Quando   você   olha   para   uma   obra   de   arte,   simultaneamente   você   avalia   a   natureza   da   experiência   que   esta   tendo,   quem   você   é   do   que   a   arte   trata.   Isto   já   produz  um  contexto  de  coletividade.  Ma  o  contexto  de  coletividade,  [...]  tem   sido  altamente  produzido  por  meio  da  comunicação  partilhada.”(ELIASSON,   2011).   No   início   da   carreira,   ainda   nos   anos   90,   Olafur   Eliasson   foi   apresentado   a   Francisco   Varela36,   um   filósofo   e   biólogo   dedicado   à   neurociência.   Seu   livro   “Sobre   a   Competência   Ética”   publicado   em   1996   expõe   suas   reflexões   sobre   cognição   e   fenomenologia,  inspiradas  nos  filósofos  alemães  Edmund  Husserl  e  Martin  Heidegger,   que  abriram  estes  campos  teóricos  para  Eliasson.  O  artista  declarou  que  “de  repente,  a   cognição  passou  a  significar  algo  completamente  diferente.  No  pensamento  de  Varela,   o  corpo  torna-­‐se  fundamental  para  a  nossa  maneira    de  pensar  e  de  nos  apercebermos   das  coisas.”  (ELIASSON,  2011.p.393)   Neurociência Na   neurociência   cognitiva,   a   materialização   da   consciência   corporal   está   sendo   associada   ao   sentimento   de   possuir   um   corpo   e   a   sensação   de   localização   numa   posição  específica  no  espaço,  respectivamente,  auto-­‐identificação  e  auto-­‐localização.   Chama-­‐se   auto-­‐identificação   o   reconhecimento   sensorial   de   próprio   corpo   que   foi   pesquisado   por   Tsakiris,   em  2007,   e   Salomon,   em   2012.   Enquanto   o   conceito   de   auto-­‐localização   refere-­‐se   à   sensação   de   posicionamento   do   corpo   no   espaço,   com   coordenadas   ou   referências   definidas.   Os   cientistas   Schwabe   e   Blanke   investigaram                                                                                                                           36  Citado  anteriormente,  no  outro  capítulo.   93     sobre  esta  hipótese,  em  2008,  e,  no  ano  seguinte,  Blanke  e  Metzinger  continuaram  a   pesquisa.    Os   estudos   revelam   que,   através   do   uso   de   realidade   virtual   imersiva,   essas   sensações   descritas   podem   ser   moduladas   experimentalmente   por   conflitos   entre   o   tato   e   a   visão   em   pacientes   saudáveis.   Este   processo   induz   a   uma   ilusão   corporal,   conhecida   em   inglês   como   “Full-­‐Body-­‐Illusion”   (FBI;   Ehrsson,  2007;   Lenggenhager   et   al.,  2007;  Petkova  and  Ehrsson,  2008;  Aspell  et  al.,  2009;  Slater  et  al.,  2009).     Com  recursos  mais  conhecidos  do  grande  público   -­‐  e  não  menos  tecnológicos   -­‐   luz   e   fumaça,   por   exemplo,   Olafur   cria   ambientes   imersivos   que   causam   sensações   desnorteantes   e   alteram   as   noções   de   distância,   proporção   e   profundidade.   Consequentemente,   perde-­‐se   as   referências   de   localização   nesses   espaços.   Este   aspecto   do   trabalho   é   evidente   em   Seu   Caminho   Sentido37   e,   particularmente,   na   mostra  Feelings  are  Facts  38  (Sentimentos  são  Fatos),  em  Pequim,  no  ano  de  2010.     Em   ambientes   espelhados,   similarmente,   Olafur   exclui   ou   minimiza   as   referências   espaciais,   descaracteriza   o   espaço   expositivo.   Isto   abre   a   possível     reciprocidade  entre  sujeito  e  objeto  sem  hierarquia  ou  predominância  no  espaço.  Uma   rica  experiência  corporal  e  emocional.     Em   sua   primeira   visita   ao   Estúdio   de   Berlim,   Philip   Ursprung   observou   que   o   enorme   espelho   existente   no   local   “tornou-­‐se   um   emblema   do   facto   de   qualquer   pessoa  que  contemple  a  arte  de  Eliasson  vir,  mais  tarde  ou  mais  cedo,  a  encontrar  nela   o  seu  reflexo,  e  eu  incluo-­‐me,  como  é  natural,  neste  grupo."(URSPRUNG,  2011.p.41)   Sujeito e Objeto - Sociedade e Natureza Olafur  Eliasson  coloca  um  espelho  diante  do  mundo,  da  sociedade,  ou  de  ambos?   Sujeito   e   objeto   se   fundem   na   imagem   do   espelho   justamente   para   que   haja   discernimento   entre   ser,   coisa   e   imagem,   que   seria   composta   por   ambos.   No                                                                                                                           37  SESC  Pompéia.  São  Paulo,  2011.   38   Obra   realizada   em   parceria   com   o   arquiteto   Ma   Yong.   Leva   o   mesmo   título   da   auto-­‐biografia   de   Yvonne   Rainer,   coreografa   famosa   como   co-­‐fundadora   da   Judson   Dance   Theater   e   por   ter   trabalhado   comRobert   Morris,   que   era   fortemente   influenciado   pela   fenomenologia.   Conisistia   em   uma   galeria   repleta  de  vapor  e  luzes  coloridas.   94     pensamento  contemporâneo,  mais  uma  vez,  a  ênfase  está  na  mediação  e  nas  formas   híbridas  que  se  apresentaram  de  comportamento  e  comunicação.  Novos  seres,  novas   coisas   e   seres-­‐coisas   que   a   ciência   e   a   sociedade   possibilitaram   que   surgissem   nos   trazem   uma   revisão   histórica,   na   qual   nunca   o   conhecimento   setorizado   nunca   abarcou  todos  os  fenômenos  existentes.       No   início   deste   capítulo,   o   dilema   no   pensamento   contemporâneo   entre   natureza  e  política  globais  foi  apontado  como  questão  fundamental  na  obra  de  Olafur   Eliasson,   sob   a   influência   do   filósofo   francês   Bruno   Latour.   Retomemos   este   ponto,   após   o   estudo   dos   termos   que   conceituam   as   obras   de   Eliasson.   Conceitos   cujas   origens  estão  nas  mudanças  híbridas  das  últimas  décadas.  Mudanças  sociais  causadas   por   descobertas   científicas   provenientes   da   natureza   e   promovidas   por   humanos,   tanto   naturais   quanto   artificiais   por   diversos   prismas.   Portanto   processos   recentes   deflagrararam  a  indivisível  matéria  de  nossas  sociedades.39   "Nossa  vida  intelectual  é  decididamente  mal  construída.  A  epistemologia,  as   ciências   sociais,   as   ciências   do   texto,   todas   têm   uma   reputação,   contanto   que   permaneçam   distintas.   Caso   os   seres   que   você   esteja   seguindo   atravessem   as   três,   ninguém   mais   compreende   o   que   você   diz."   (LATOUR,   Bruno.  1994,  p.11)   Em  seu  livro  "Jamais  Fomos  Modernos",  um  ensaio  de  antropologia  simétrica,  o   filósofo   Bruno   Latour   articula   a   crise   contemporânea   com   a   revisão   do   pensamento   moderno,  na  qual  entende  que  o  purismo  racional  nunca  deu  conta  da  totalidade  que   pretendia.   Latour   exalta   a   genialidade,   ao   mesmo   tempo   que     critica     a   simetria   moderna   destinada  a  explicar  a  natureza   e   a  sociedade,  descrita  num   livro  de   Shapin   e   Schaffer,   1985,   através   de   duas   grandes   figuras   do   início   da   era   moderna.   Em   pleno   século   XVII,   enquanto   Boyle   tratava   da   experimentação   científica,   da   natureza,   para   definir  conceitos  de  poder,  havia  a  representatividade  de  Hobbes.   Repassando   o   que   constitui   a   modernidade,   Latour     associa   sua   anulação   à   proliferação   de   híbridos   que   não   considerava.   Ou   seja,   nunca   fomos   modernos   e                                                                                                                           39   Sobre   MacKenzie,   Callon,   Hughes,   Edison,   Pasteur   e   Guillemin,   Bruno   Latour   comenta:   "[...]   estas   pesquisas   não   dizem   respeito   à   natureza   ou   ao   conhecimento,   às   coisas-­‐em-­‐si,   mas   antes   a   seu   envolvimento   com   nossos   coletivos   e   com   os   sujeitos.   Não   estamos   falando   do   pensamento   instrumental,  mas  sim  da  própria  matéria  de  nossas  sociedades."   95     entendemos  isto  devido  à  socialização  acelerada  dos  não-­‐humanos  que  a  modernidade     não   admitiu   como   elementos   constituintes   da   sociedade.   Os   modernos   permitiam-­‐se   tudo,   pois   desconsideravam   uma   correspondência   direta   entre   a   ordem   social   e   a   ordem  natural.  O  que  o  autor  esclarece  no  exemplo  que  cita:     "os   pré-­‐modernos,   por   no   fundo   serem   todos   monistas   na   constituição   de   suas   naturezas-­‐culturas,[...]   se   proíbem,   pelo   contrário,   de   praticar   aquilo   que   suas   representações   aparentemente   permitiriam.[...]   Ao   saturar   com   conceitos  os  mistos  de  divino,  humano  e  natural,  limitam  a  expansão  prática   destes  mistos."(LATOUR,1994  p.46)   Diante  de  uma  nova  ordem,  a  constituição  moderna  reguladora  do  conjunto  de   conflitos  setorizados,  não  afeta  mais  a  rede  de  sujeitos,  objetos  e  mecanismos.  Teria   sido  uma  ilusão?  O  filósofo  conclui  que  diferente  de  uma  ilusão,  a  modernidade  seria   "[...]   uma   força   acrescentada   a   outras,   as   quais   por   muito   tempo   teve   o   poder   de   representar,   de   acelerar   ou   de   resumir,   mas   a   partir   de   agora   não   mais,   não   completamente."(LATOUR,   1994).   O   processo   de   purificação   defendido   pelos   modernos  inverte  de  papel  com  a  mediação  que  sempre  ocorreu  `a  revelia.     "O   erro   dos   modernos   quanto   a   si   mesmos   é   muito   fácil   de   compreender,   uma   vez   que   tenhamos   restabelecido   a   simetria   e   que   levemos   em   conta   ao   mesmo   tempo   o   trabalho   de   purificação   e   de   tradução.   Eles   confundiram   produtos   com   processos.   [...]   A   ciência   não   é   produzida   cientificamente,   assim   como   a   técnica     não   o   é   tecnicamente,   a   organização   organizadamente  ou  a  economia  economicamente."(  LATOUR,1994)   Latour   e   Eliasson   compartilham   seus   questionamentos   sobre   as   formas   de   interação   possíveis   e   a   reavaliação   dos   fatos   em   suas   publicações   e   palestras.   Em   algumas   ocasiões,   Bienal   de   Veneza   e   na   Tate   Modern,   já   expuseram   juntos   seus   pontos   específicos   em   debate   público.   Tratam   das   redes   de   idéias   e   conhecimento   expandidas,   nas   quais   as   escalas   variam   de   um   novo   modo,   local   e   universal   simultaneamente.   Com   esse   entendimento,   partiremos   para   a   produção   artística   de   Olafur,  usando  a  arte  como  lente  que  nos  faz  ver  a  nós  mesmos  no  mundo.  O  mundo   que  nos  constitui  e  que  constituímos  em  rede     96     Capítulo 3. Obras de Olafur Eliasson   Dentre   os   diversos   trabalhos   do   artista   dinamarquês,   algumas   obras   foram   escolhidas  para  análise  no  presente  estudo.  O  início  desta  pesquisa  se  deu  através  do   contato   com   o   panorama   de   experimentos   na   mostra   retrospectiva   Take   Your   Time   no   Museu   de   Arte   Moderna   (Moma)   de   Nova   Iorque,   em   2007.   Por   apresentar   fragmentos   da   trajetória   do   artista,a   mostra   foi   um   contraponto   ao   sucesso   que   Eliasson   conquistara   anteriormente   com   uma   única   e   espetacular   obra,   Weather   Project,   realizada   na   galeria   londrina   Tate   Modern,   em   2003.   Ironicamente,   o   artista   múltiplo  que  apresenta  sua  diversidade  em  Take  Your  Time  ganhou  visibilidade  para  o   grande   público   com   essa   obra   única.   Em   ambas   as   mostras   ocorre   a   contínua   investigação   sobre   o   tempo,   típica   do   artista:     seja   o   tempo   atmosférico   de   Weather   Project,   sejam   os   modos   de   perceber   o   tempo,   a   temporalidade   exposta   em  Take   Your   Time.   Para  além  da  complementaridade  desses  dois  momentos  da  carreira  do  artista,   base   deste   capítulo,   está   o   critério   de   seleção   das   obras   analisadas,     sempre   associado   ao  modo  como  tratam  o  binômio  movimento  e  luz.  Apesar  de  Eliasson  envolver  a  luz   na   concepção   de   todas   as   suas   obras,   nem   sempre   explicita   este   aspecto.   Quanto   às   obras   de   movimento,   ele   aplica   o   conceito   da   arte   cinética,   no   qual   a   obra   pode   movimentar-­‐se,  induzir  o  visitante  a  deslocar-­‐se  no  espaço  ou  ambos  podem  acontecer   simultaneamente.     Isto   seria,   então,   uma   exploração   dos   possíveis   movimentos   no   espaço   da   obra,   assim   como   entende-­‐se   as   obras   de   luz   como   aquelas   que   constituem   um  novo  espaço  devido  ao  uso  da  luz  como  matéria-­‐prima.   Ao   fim   do   levantamento   de   material   para   esta   dissertação,   constatou-­‐se   que   havia   uma   desproporção   entre   a   obra   Weather   Project   e   as   demais   obras.   A   importância  dada  à  obra  de  Eliasson  na  Tate  Modern  por  parte  da  mídia  e  dos  críticos  a   tornou   conhecida   do   grande   público,   sob   diversos   ângulos   e   opiniões,   independentemente   da   visita   ao   local.   Isto   faz   com   que   haja   muito   mais   textos   e   97     entrevistas   sobre   Weather   Project   do   que   qualquer   outra   obra   de   Eliasson.   Até   hoje,   doze  anos  depois,  em  todos  os  catálogos  do  artista,  há  menção  sobre  esta  obra.   De  modo  retroativo,  diante  da  obra  e  sua  repercussão,  é  relevante  identificar  as   características  que  fazem  de  Weather  Project  emblemática  para  a  arte  dos  anos  2000  e   que  se  repetem  em  outras  obras  de  Eliasson.  Com  isso,  é  possível  estruturar  a  análise   das   obras   de   Olafur   Eliasson   sob   o   prisma   do   movimento   e   da   luz,   com   critérios   encontradas   nesta   obra,   verificando   elementos   como:   a   escala,   a   relação   interior/exterior,   luz,   cor,   auto-­‐observação   e   meteorologia.   Mais   amplamente,   a   análise   desta   obra   apresenta   outras   questões   do   artista,   entre   elas:   o   museu   como   lugar  de  reflexão,  o  engajamento  público  e  qual  seria  o  lugar  da  arte  na  sociedade.   Se  por  um  lado  Weather  Project  concentra  características  locais  e  universais  da   pesquisa   do   artista,   de   outro,   complementando   a   imagem   que   se   faz   dele,   estão   as   pesquisas  paralelas  expostas  posteriormente,  em  2007,  no  Moma  de  NY,  por  ocasião   da   mostra   Take   Your   Time.   Um   conjunto   de   experimentos   de   luz   e   movimento,   em   diversos   materiais   e   técnicas,   utilizados   no   intuito   de   provocar   mudanças   de   comportamento   no   público,   engajamento   e   participação.   Mudanças   possíveis   diante   de   obras   que   fazem   o   observador   notar   a   sua   própria   percepção   do   espaço   e   de   si   mesmo.   Em  suma,  foram  escolhidas  para  esta  análise,  duas  exposições  de  Olafur  Eliasson,   a  primeira  que  constitui-­‐se  de  apenas  uma  obra  e  a  segunda  que  exibe  um  conjunto   significativo   de   obras.   Duas   amostras   representativas   da   contribuição   do   artista   no   estudo  do  espaço  sob  os  aspectos  de  movimento  e  luz,  as  interseções  entre  natureza,   ciência   e   percepção   humana.   A   partir   delas,   especialmente   no   caso   de   Weather   Project,   como   se   verá   a   seguir,   serão   comentadas   outras   obras   com   ela   guarda   afinidades.     98       Figura  32  -­‐  WEATHER  PROJECT  -­‐    SALA  DA  TURBINA  DA  TATE  MODERN,  LONDRES,  2003.   99     3.1 O Projeto Clima - The Weather Project   A   instalação   site-­‐specific   Weather   Project   foi   criada   para   a   Sala   da   Turbina   da   galeria   Tate   Modern   em   Londres,   onde   esteve   exposta   durante   o   inverno   de   2003/2004.   Era   constituída   de   uma   tela   semicircular,   um   teto   de   espelhos   e   um   conjunto   de   duzentas   lâmpadas   de   mono-­‐frequência   para   criar   a   ilusão   do   sol.   O   semicírculo  composto  pela  tela  retro-­‐iluminada  refletia  no  enorme  painel  de  espelhos   do  teto,  completando  a  circunferência  incandescente  como  o  sol.  O  sistema  construído   era  aparente  pelas  laterais  e  podia  ser  visto  pelos  visitantes,  quando  se  aproximavam.   Durante  a  montagem  da  instalação,  em  contato  com  a  equipe  de  funcionários  do   museu,  Olafur  Eliasson  realizou  um  questionário  sobre  o  clima.  Além  de  iniciar  assim   um   debate   que   antecipava   a   intenção   da   obra,   o   artista   pretendia   envolver   as   pessoas   e  entender  mais  sobre  a  percepção   que  elas  tinham  do  tempo  atmosférico.  Algumas   das   perguntas   eram:   "Algum   fenômeno   climático   já   mudou   o   curso   da   sua   vida   dramaticamente?   Você   acha   que   a   tolerância   às   outras   pessoas   é   proporcional   ao   clima?  Até  que  ponto  você  se  importa  com  o  clima  fora  do  seu  local  de  trabalho?  Você   acha   que   o   clima   impacta   no   seu   salário?   Em   qual   estação   você   beija   mais   seu   parceiro?   Você   acha   que   a   ideia   de   clima   é   baseada   na   natureza   ou   na   cultura   em   nossa  sociedade?"  O  desdobramento  desse  debate  foi  publicado  no  catálogo  e  serviu   de  base  para  a  campanha  de  marketing  que  integrava  a  exposição.   O   Weather   Project   foi   um   dos   projetos   de   arte   mais   ambiciosos   da   última   década,   no   que   se   refere   à   construção   da   paisagem   e   à   consciência   do   ambiente   artificial   do   museu.   Ao   construir   uma   semicircunferência   de   luz   amarela   dentro   da   galeria  Tate  Modern,  em  Londres,  Olafur  Eliasson  despertou  uma  vasta  polêmica  sobre   a   arte   estar   promovendo   o   mero   entretenimento   do   público,   ocupando   um   lugar   cômodo   na   sociedade.   Tamanho   era   o   reconhecimento   da   instalação   no   ano   de   sua   exibição  que  Daniel  Birnbaum,  na  época  um  dos  curadores  da  50a.  Bienal  de  Veneza,   elegeu   a   obra   Weather   Project   como   o   primeiro   item   de   sua   lista   de   eventos   importantes    em  2003.     100     "Este   cosmos   heliocêntrico   sintético   é   sem   dúvida   a   obra   de   arte   do   ano.   Ativando  o  próprio  espaço  e  envolvendo  o  observador  ambos  como  sujeito   perceptivo  e  como  um  corpo  entre  corpos  (quando  fui  à  Tate,  centenas  de   pessoas  estavam  no  chão  olhando  para  si  no  espelho  do  teto).  A  instalação   de   Eliasson   reafirma   que   a   grande   arte   pode   ser   popular.   Um   espaço   de   culto   sem   indícios   da   nova   era   kitsch,   sua   sala   da   turbina   transformada   é   majestosa,   até   mesmo   ousaria   dizer   sublime."   (BIRNBAUM,   2003.   ARTFORUM  42)     De   forma   retroativa,   é   possível   consultar   os   registros   da   época,   em   periódicos   citados  como  referência  pela  própria  equipe  do  artista  no  catálogo40  e  notar  que  nela   acontece  uma  confluência  de  seus  interesses.Considerando  as  informações  que  visam   movimento  e  luz  no  espaço,  já  citadas  neste  trabalho  sobre  o  artista,  a  obra  Weather   Project   seria   o   ápice   de   comunhão   entre   os   seus   interesses   sociais   e   suas   influências   artísticas   -­‐   arte   cinética   e   movimento   Light&Space.   Se   as   ideias   de   James   Turrell,   Moholy-­‐Nagy   e   Eliasson   se   encontraram   em   um   único   espaço,   foi   justamente   nesta   montagem   da   Tate   Modern.   Nela   identifica-­‐se   as   interseções   entre   eles   três:   o   trabalho  com  o  tempo-­‐espaço,  a  interação  obra-­‐sujeito  e  a  relação  natureza-­‐indivíduo.   Pontos  teóricos  que  refletem  na  prática  de  Eliasson  e  que  o  artista  levou  adiante  com   seus   próprios   termos:   o   seu   tempo,   ver-­‐se   vendo,   construção   coletiva   e   realidade   negociável.     Dentro   de   uma   sala   de   turbinas   adaptada   para   museu,   após   a   reforma   dos   arquitetos  suíços  Herzog  &De  Meuron,  Eliasson  construiu  a  instalação  de  luz,  fumaça  e   um   enorme   teto   reflexivo.No   espaço   da   Tate   Modern,   ocorreram   grandes   inversões   espaciais.   Através   da   alteração   do   espaço   interno   do   edifício,   o   artista   criou   uma   espécie   de   espaço   público   que   estranhamente   remetia   aos   parques   da   cidade.No   inverno  londrino,  um  enorme  sol  dentro  de  um  edifício.     No   catálogo   Weather   Project   constam   temas   abrangentes   sobre   a   arte   e   o   clima.   É   um   livro   de   arte   que   não   menciona   apenas   aspectos   artísticos   do   evento.   O   tema   "comunicação  da  arte"  serve  de  apresentação  no  catálogo,  como  esperado  diante  de                                                                                                                           40   No   índice   remissivo   do   catálogo   TakeYour   Time,   no   item   sobre   a   obra   Weather   Project   constam   inúmeras  publicações  que  foram  consultadas  nessa  pesquisa  e  citadas  na  bibliografia.   101     toda  a  estratégia  midiática  em  torno  do  evento,  e  a  comunicação  sobre  meteorologia   recebe  a  mesma  ênfase.  Relatórios  sobre  eventos  climáticos  rigorosos,  estatísticas  de   dados  sobre  o  clima  e  ensaios  teóricos  sobre  clima,  tempo  e  espaço  estão  lado  a  lado   na   mesma   publicação.   A   mensagem   geral,   o   saldo   de   todas   estas   informações   disponibilizadas   pelo   artista,   talvez   seja   trazer   o   interesse   cotidiano   que   leitores   de   publicações   periódicas   dedicam   ao   clima   para   o   campo   da   arte.   Fazer   uma   leitura   transversal  do  espaço  da  arte,  ao  assumi-­‐lo  como  um  forte  meio  de  comunicação.   Vale   destacar   que   a   comunicação   aparece   em   Weather   Project   de   maneira   exacerbada,   diferente   das   demais   obras   de   Eliasson,   nas   quais   pode-­‐se   notar   a   preocupação  em  passar  uma  mensagem,  ou  fazer  notar-­‐se  o  poder  midiático  da  obra   mais   sutilmente.   Por   este   motivo,   esta   dissertação   reconhece   a   importância   do   assunto,  mas  não  o  coloca  como  um  dos  critérios  de  análise.     Para   análise   de   Weather   Project   serão   lançados   os   tópicos,   já   referidos   anteriormente:   escala,     relação   interior/exterior,   luz   e   cor,   a   reflexão   sobre   o   espaço   do  museu  e  a  auto-­‐observação.   Escala Escala   é   a   proporção   ou   razão   constante,   entre   dimensões.   Eliasson   associa   a   escala   das   obras   ao   deslocamento   do   corpo   do   visitante,   entendendo-­‐a   como   uma   relação   de   distâncias.   Isto   nada   mais   é   do   que   uma   maneira   de   relativizar   o   que   poderíamos   descrever   de   forma   absoluta,   considerando   o   tamanho   de   cada   um   dos   corpos.   Nas   obras   de   Eliasson,   o   deslocamento   é   necessário   para   sua   apreensão.   Portanto,   o   espaço   e   as   proporções   entre   os   corpos   presentes   são   medidos   em   função   do  movimento,  do  tempo,  da  velocidade.   "[...]  Aprendemos  a  olhar  para  as  distâncias  através  do  sistema  de  medição   métrico   e   organizamos   o   que   nos   rodeia   de   acordo   com   isso,   mas   eu   encaro   o   corpo   como   uma   vara   de   medição   e   prefiro   usá-­‐la   em   detrimento   do   sistema   objetivo   de   metros   e   centímetros,   que   não   pode   deixar   de   ser   exterior  a  nós.  Com  esta  concepção  da  viagem,  a  profundidade  é  de  repente   vista   como   tendo   origem   na   pessoa   que   se   move.     Viajar   significa   assim   aplicar  a  profundidade  a  um  espaço  –  o  que  é  muito  abstrato,  claro.  Quando   102     estou   parado   na   paisagem   islandesa,   a   paisagem   parece   uma   pintura   e   é   impossível   calcular   distâncias.   Mas   depois   movo-­‐me   e   a   velocidade   e   a   maneira  com  que  meu  corpo  se  liga  com  o  espaço  começa  a  constituir  uma   viagem.   É   a   memória   da   distância   que   já   cobri   que   se   torna   a   medida   do   espaço.  A  medida  é  assim  interiorizada."(ELIASSON,  2011.p.  221)   A   maioria   dos   relatos   sobre   Weather   Project   (Figura   32)detêm-­‐se   ao   ambiente   interno   do   museu,   mas   apenas   alguns   destacam   a   entrada   na   Sala   da   Turbina,   descrevem  o  deslocamento  no  interior  da  obra.  A  entrada  gradual  na  atmosfera  criada   na  obra  é  parte  da  proposta  do  artista  que  usou  a  rampa  de  acesso  como  eixo  frontal   de   observação   do   sol   artificial.   Vista   de   baixo   e   de   frente,   logo   no   primeiro   contato   visual,   a   semicircunferência   iluminada   impressionava   o   visitante   com   a   escala   monumental  da  sala.  Alguns  metros  adiante,  ao  deslocar-­‐se  para  o  interior,  notava-­‐se   todo  o  aparato  instalado  e  as  lâmpadas  parcialmente  aparentes  pelas  laterais  de  uma   grande  tela.     "A  rampa  era  um  fator  muito  físico,  inclinando-­‐se  para  o  ventre  do  museu.   Dadas  as  suas  dimensões,  são  precisos  cerca  de  20  segundos  só  para  entrar   no   museu   e   eu   acho   que   essa   é   uma   sequência   temporal   magnífica.   [...]   Tentei   trabalhar   com   o   fato   de   as   pessoas   levarem   muito   tempo   a   entrar   -­‐   a   sequência   da   chegada   -­‐   seria   bastante   longa   -­‐   e   de   início   veriam   algo   que   parecia  uma  imagem,  ou  uma  pintura  de  Turner,  se  quiserem.  Veriam  uma   coisa   plana   e   bidimensional.   Depois   seguiriam   para   o   interior   do   espaço   e   lentamente  aperceber-­‐se-­‐iam  de  que  aquilo  que  estavam  a  ver  não  era  um   círculo   completo.   De   repente   mudariam   a   perspectiva   e   olhariam   para   cima,   observando   o   espelho   e   reparando   na   tridimensionalidade   do   espaço.   Portanto,   a   sequência   levá-­‐los-­‐ia   quase   para   dentro   da   imagem,   funcionando  ao  mesmo  tempo  como  uma  acumulação  de  suspense,  com  a   ponte  no  meio  servindo  de  zona  de  tampão,  abrandando  o  movimento  dos   visitantes.   Devido   ao   traçado   do   edifício,   o   tempo   já   me   havia   sido   oferecido,   por   assim   dizer,   por   isso   não   precisava   de   o   sublinhar."   (ELIASSON,  2012.  p.273)       O   artista   revelava   o   truque   cênico   e   o   compartilhava   com   os   visitantes,   como   quem   diz   vivemos   todos   numa   mesma   ilusão,   o   meu   espaço   é   o   seu   espaço   e   nos   iludimos   juntos.   A   escala   monumental   fez   com   que   os   visitantes   se   iludissem,   pois   a   150m   de   profundidade   e   a   18m   de   altura   se   erguia   uma   semicircunferência   103     incandescente  amarela,  a  cada  passo  em  direção  a  grande  luminária  fazia  as  pessoas   espantadas   se   questionarem   sobre   o   que   era   aquilo   e   o   que   representava   um   sol   dentro  do  museu.     Quanto   ao   uso   de   elementos   arquitetônicos,   Eliasson   constrói   rampas,   túneis,   intervalos  entre  a  fachada  e  o  interior,  entre  outros  artifícios  para  reter  a  atenção  do   observador,  sublinhar  características  do  espaço  construído  e  sugerir  novas  maneiras  de   se   relacionar   com   ele.   Passar   por   uma   rampa   demanda   tempo,   uma   caminhada;   atravessar   um   túnel   causa   uma   experiência   de   início,   meio   e   fim   -­‐   passado,   presente   e   futuro;   uma   trama   de   tijolos   na   fachada   permite   a   comunicação   visual   interior/exterior,   e   assim   por   diante.   Cada   desenho   do   artista   visa   uma   alteração   perceptiva  do  espaço  em  que  se  insere.     No   projeto   da   Serpentine   Gallery   (Figura   33),em   Londres,   (2007)o   percurso   de   uma   rampa   foi   o   princípio   gerador   do   volume   e   da   experiência.   Nesta   obra   de   arquitetura   efêmera,   montada   apenas   entre   agosto   e   novembro   daquele   ano,   Olafur   Eliasson   e   Kjetil   Thorsen41,   focaram-­‐se   no   movimento   dos   visitantes.Uma   rampa   sinuosa   que   ligava   o   interior   do   edifício   ao   parque   criava   uma   estrutura   geométrica   complexa   que   mudava   a   cada   passo.   Mais   uma   vez,   a   escala   da   obra   era   apreendida   com   o   tempo   de   deslocamento   pela   rampa.   A   transição   entre   o   espaço   do   edifício   e   aquele   do   parque   que   o   envolvia   dava-­‐se   pelo   gradativo   fechamento   do   volume   arquitetônico  ao  longo  da  rampa;  no  primeiro  trecho,  aberturas  através  de  persianas   de   cordas   retorcidas   e,   no   seguinte,   o   espaço   da   rampa   era   fechado.   A   iluminação   zenital  chegava  por  um  óculo  elíptico,  única  abertura  na  cobertura.     Com   a   experiência   da   Galeria   Tate   Modern,   Eliasson   já   havia   estabelecido   um   forte   diálogo   com   a   arquitetura,   na   concepção   de   uma   linguagem   do   espaço.   Com   o   convite   para   projetar   a   Serpentine   Gallery,   Eliasson   se   deparou   com   uma   nova   experiência,   projetar   na   escala   da   arquitetura,   uma   construção   autônoma,   sem   a   necessidade  de  lidar  com  o  espaço  original  de  uma  galeria  e  propor  uma  intervenção.                                                                                                                           41  Arquiteto  do  escritório  sueco  Snoheta.   104       Figura  33  -­‐  Serpentine  Gallery.  Olafur  Eliasson  e  Kjetil  Thorsen,  2007.     "Os  pavilhões  da  Serpentine  Gallery  colocam  em  evidência  a  arquitetura  na   agenda  de  uma  instituição  tradicionalmente  voltada  a  arte  contemporânea,   que   evita   em   seu   programa   de   arquitetura   estabelecer   parcerias   entre   artistas  e  arquitetos  como  forma  de  ressaltar  que  não  se  trata  de  criar  um   espaço   para   exibição   de   determinada   obra   de   arte   ou   ampliação   para   acomodação   de   uma   exposição,   mas   sim   de   "trazer   para   a   mesa   uma   liberdade  sem  paralelo  para  os  arquitetos.  O  resumo  é  muito  simples:  tudo   o  que  solicitamos  é  que  o  pavilhão  possa  ser  um  exemplo  de  suas  linguagens   arquitetônicas."  (TONETTI,  2013)   O   desafio   de   projetar   a   arquitetura   de   uma   galeria   ou   sala   de   exposições   de   modo  a  ela  própria  envolver  o  visitante,  quase  como  se  estivesse  alheia  a   obra  no  seu   interior,   conecta-­‐se   ao   empenho   do   artista   de   construir   espaços   coletivos,   onde   a   escala  arquitetônica  serve  como  um  recurso  importante  para  ativar  a  percepção.   105     Espaço Interior Exterior   Dentro   e   fora   são   dois   lados   da   mesma   situação,   o   encontro   da   subjetividade   interior  com  a  exterioridade  da  obra,  o  contato  sujeito-­‐obra.  Será  este  o  embate  que   ronda  as  obras  de  arte?  O  artista  brasileiro  Cildo  Meirelles  faz  a  defesa  da  abstração,   um  descolamento  do  objeto  em  direção  ao  espaço.  "Abaixo  os  primados  dos  sólidos,  a   separação  entre  interioridade  e  exterioridade.  Alegria  de  transgredir  a  distância  entre   sujeito  e  objeto,  alegria  de  desarmar  a  trama  do  real."(MEIRELLES,  1981.p.8)     A  arte  de  Eliasson  visa  estreitar  essas  ligações  ao  limite  na  medida  em  que  traz   fenômenos   meteorológicos   para   um   espaço   interior   ou   ao   fazer   ilusões   óticas   diante   das   quais   o   observador   se   pergunta   se   está   mesmo   vendo   ou   imaginando.   O   artista   trabalha  o  limite  entre  o  espaço  interno  e  o  espaço  externo,  a  arquitetura  do  edifício.   Se   há   permeabilidade   entre   os   ambientes   internos   e   externos,   este   limite   se   enfraquece   e   os   espaços   se   integram.Ele   coloca   obras   nessas   fronteiras,   constrói   elementos   vazados   nas   fachadas.   Outra   possibilidade   de   integração   explorada   pelo   artista  é  a  construção  mental  que  fazemos  do  espaço,  a  apreensão  sensorial  do  espaço   e  a  percepção  dos  seus  limites  ou,  quando  os  limites  são  indefinidos,  a  percepção  do   seu  caráter  ilimitado.   Nas   obras   de   Eliasson,   eventos   externos   são   percebidos   pelo   corpo   humano   através   das   sensações   ou,   ao   contrário,   devido   às   sensações,   os   eventos   ocorrem.   Madeleine   Grynsztejn   menciona   que   Merleau-­‐Ponty   descrevia   a   capacidade   do   sujeito   influenciar   o   entorno   do   qual   mutuamente   sofre   influência   :   "As   propriedades   do   objeto   e   as   intenções   do   sujeito   constituem   um   novo   todo.   É   impossível   dizer   o   que   começa  antes  na  troca  de  estímulos  e  respostas."(  GRYNSZTEJN,  2007.  p.  15)   De  acordo  com  os  livros  publicados  pelo  artista  citados  nos  capítulos  anteriores  e   a  observação  das  obras,  Eliasson  trabalha  a  percepção  do  espaço  em  suas  instalações   testando  a  veracidade  creditada  aos  sentidos.  Weather  Project  foi  uma  oportunidade   para  desenvolver  este  exercício  de  ilimitar  o  espaço  do  edifício  para  quem  o  percebe,   não  apenas  pela  escala  usada,  mas  por  todo  o  clima  criado  que  remetia  a  um  espaço   externo  da  cidade.  Criou-­‐se  um  espaço  tipicamente  externo  dentro  do  edifício.   106       Figura  34  -­‐  Moss  Room,  1994.     Os   temas   e   materiais   relativos   a   natureza   nas   obras   de   Eliasson   suscitam   familiaridade   aos   visitantes,   mas   a   estranheza   de   encontrá-­‐los   ali,   no   interior   do   museu,  e  isto  traz  o  questionamento  sobre  onde  se  está  de  verdade.  O  artista  recorre   a  estes  materiais  desde  o  início  da  carreira,  quando,  em  1993,  expôs  na  Feira  de  Arte   de  Colônia,  na  Alemanha,  uma  parede  coberta  de  musgo  importado  da  Islândia,  similar   a  obra  do  ano  seguinte  Moss  Room  (Figura  34).  Em  outras  obras  em  que  utiliza  musgos,   pedras   e   água,   como   Mediated   Motion   e   Bed   River   (Figura   35)   o   artista   continua   o   experimento  de  transpor  os  limites  físicos  da  arquitetura  e  construir  sensorialmente  a   experiência  corpórea  de  estar  num  espaço  externo.       107     Figura  35  -­‐  The  Mediated  Motion(foto  superior)  e  Bed  River  (  foto  acima)     A  imersão  característica  do  ambiente  do  cinema,  em    que  a  tela  projetada  abre   uma  janela  imaginária  para  outros  lugares,  é  um  dos  artifícios  empregados  por  Eliasson   nas   suas   obras   de   luz.   Não   necessariamente   através   de   projeções,   mas   devido   à   simulação  de  janelas,  com  espelhos  e  luz  natural,  por  exemplo.  Ou,  como  no  caso  de   Weather   Project,   por   simular   uma   cena   típica   em   espaços   exteriores,   o   artista   abre   uma   perspectiva   que   constrói   um   espaço   imaginário   à   partir   de   elementos   reais   -­‐   a   iluminação,  o  amplo  espaço  e  o  público.     Figura  36  -­‐  Your  now  is  my  surroundings,  2000.  Galeria  Bonakdar  Jancou,  NY.  foto:  Oren  Slor   A   obra   Your   now   is   my   surroundings   (Figura   36)   esteve   montada   na   mostra   de   Eliasson  em  Berlim,   Innen  Stadt  Aussen   (2011).  Originalmente  instalada  numa  galeria   de  Nova  Iorque,  a  obra  constituía  um  espaço  espelhado  na  parte  superior  do  ambiente   e   opaco   até   certa   altura.   O   visitante   era   limitado   por   estas   paredes   opacas   e   a   tendência   era   deslocar   o   olhar   para   cima,   num   jogo   de   clausura   e   abertura,   ao   mesmo   tempo   dentro   e   fora.   A   única   abertura   ao   nível   do   visitante   era   uma   porta   vedada   a   passagem  por  mais  um  espelho,  onde  os  visitantes  se  viam  frontalmente.  Os  reflexos   ampliavam   o   ambiente   remetendo   ao   exterior   e   a   saída   era   ver   a   si   mesmo.   Estes   foram  artifícios  utilizados   para  driblar  os  limites  do  espaço  de  exposição  e  projetar  o   108     olhar  para  fora,  relativizando  o  espaço.  Estamos  dentro  ou  fora?  A  cidade  é  o  museu   ou   o   museu   está   voltado   para   o   mundo   exterior?   Sou   eu   que   construo   esta   ligação   entre  o  que  está  dentro  e  o  que  está  fora?     Figura  37  -­‐  Microscópio  para  São  Paulo,  2011.  Pinacoteca  de  São  Paulo.     Em   2011,   a   obra   Microscópio   para   São   Paulo(Figura   37),   criada   especialmente   para   a   Pinacoteca   de   São   Paulo   foi   outro   experimento   entre   exterior   e   interior   do   edifício.   Em   diálogo   com   a   arquitetura   reformada   por   Paulo   Mendes   da   Rocha,   que   cobriu  os  pátios  com  clarabóias,  Eliasson  instalou  em  um  desses  pátios  internos  uma   pirâmide   espelhada   invertida   que   multiplicava   a   luz   e   a   imagem   da   cobertura     em   diversos  fragmentos  refletidos.  Com  esta  forma,  ao  olhar  para  o  pavimento  inferior,  o   observador  via  o  teto  e  a  luz  natural  embaixo  de  si.  Isto  causava  uma  certa  desordem   espacial,  pela  dificuldade  de  se  perceber  a  origem  da  abundante  luz  do  recinto.   Tratava-­‐se   de   mais   uma   dinâmica   entre   espaços,   análoga   ao   trabalho   de   pesquisa   em   Londres(2003)   e   Berlim(2010),   quando   o   artista   também   elegeu   pontos   109     da   cidade   para   observar   com   mais   atenção.   O   fato   da   obra   chamar-­‐se   Microscópio   e   configurar  uma  pirâmide  invertida,  apontando  para  um  ponto  preciso  no  centro  de  São   Paulo,   adiciona   mais   elementos   para   análise   dos   procedimentos   que   Eliasson   adota   do   desenvolvimento   das   obras.   Em   sucessivas   visitas   e   caminhadas   pelas   ruas   com   sua   equipe   e   alunos,   essas   etapas   de   aproximação   da   cidade   foram   se   evidenciando.   O   processo  alerta  para  o  quanto  a  escolha  do  objeto  e  sua   disposição  no  museu  foram   determinadas  em  relação  ao  conjunto  urbano.     No   catálogo   da   mostra   Seu   Corpo   da   Obra,   em   São   Paulo,   Guilherme   Wisnik   (2011)   comenta   as   noções   de   interioridade   e   exterioridade   presentes   na   obra   de   Eliasson.   Esses   "agudos   embaralhamentos"   que   contribuem   para   o   "fértil   compartilhamento   de   interesses"(ELIASSON,   2012.p.253)   entre   artistas   e   arquitetos.     Pois  se  o  espaço  arquitetônico  é  restrito  por  barreiras  que  o  definem,  matéria  sólida,   construção,  o  artista  usa  a  lógica  construtiva  para  mostrar  a  fluidez  do  espaço  na  arte  e   monta  arquiteturas  não-­‐funcionais  cuja  passagem  do  público  configura  a  obra.     Segundo  Wisnik,  "A  obra  de  Olafur  Eliasson  é  uma  das  grandes  referências   quanto   à   questão   do   fértil   compartilhamento   de   interesses   entre   as   artes   plásticas  e  a  arquitetura  hoje,  chegando  inclusive,  a  extrapolar  muitas  vezes   a   escala   do   edifício   para   atingir   o   âmbito   urbano.   Contudo,   tomarei   esse   conhecido   mote   [...]   para   investigar   os   agudos   embaralhamentos   que   promove  entre  as  noções  de  interioridade  e  exterioridade,  ou  privacidade  e   publicidade  [...]"  (ELIASSON,  2012.p.253)   110       Figura  38  -­‐  Pavilhão  dinamarquês  na  50a.  Bienal  de  Veneza.  Foto:  Giorgio  Boato       Figuras39  -­‐  Pavilhão  dinamarquês  na  50a.  Bienal  de  Veneza.  Foto:  Giorgio  Boato     Nas   estruturas   feitas   por  Eliasson,  identifica-­‐se  a  mesma   intenção   de   fragilizar  os   limites  entre  dentro  e  fora  e  criar  permeabilidade,  comunicar  o  interior  com  o  exterior.   111     Desde  que  participou  da  Bienal  de  Veneza  representando  a  Dinamarca,  com  o  Pavilhão   Cego  (Blind  Pavillion),  Eliasson  mantém  os  experimentos  com  estruturas  vazadas  que   invertem   dois   lados   da   mesma   superfície.   O   artista   alterna   partes   opacas   com   intervalos   vazados,   conduzindo   o   olhar   para   o   outro   lado   e   fazendo   recortes   do   que   pode  ser  visto,  como  enquadramentos  fotográficos.       Figura  40  -­‐  Instalação  de  Eliasson  The  inverted  shadow  tower,  2004.  Kunstmuseum,  Alemanha.     Ao   observar   as   obras,   percebe-­‐se   um   sistema   mútuo   de   influências,   internas   e   externas.  Por  exemplo,  a  emissão  de  luz  acontece  e  a  projeção  de  sombras  ocorre  do   mesmo  lado  do  volume,  onde  os  revestimentos  alternados  enfatizam  o  relevo.  Como   no  caso  de  Inverted  Shadow  Tower,  torre  com  iluminação  modular  realizada    em  2004,   por  Eliasson.   Pensando   a   trajetória   do   artista   como   uma   soma   de   experimentos   que   configura   uma   vasta   pesquisa   sobre   espaço,   pode-­‐se   pensar   que   a   cada   obra   permanece   a   insistência  nas  perguntas,  ao  invés  da  reafirmação  das  respostas.  Para  cada  pergunta,   há  muitas  possibilidades  de  respostas.  Deste  modo,  as  formas  desenhadas  por  Eliasson   preservam  a  ambiguidade  de  todo  seu  trabalho.     112     Meteorologia - Luz e Cor Meteorologia   é   a   ciência   que   estuda   os   processos   físicos   que   governam   o   comportamento   da   atmosfera   e   as   interações   entre   os   fenômenos   atmosféricos   e   a   superfície   da   Terra,   dentre   estes,   a   propagação   da   luz.   Olafur   Eliasson   remete-­‐se   frequentemente   à   meteorologia   no   tocante   ao   estudo   da   cor,   onde   incluem-­‐se   os   fenômenos  óticos.  Através  da  luz  que  atravessa  a  atmosfera  percebemos  as  cores  das   coisas  no  mundo.   Segundo  o  texto  de  Susan  May  para  o  catálogo  de  Weather  Project42,  a  primeira   obra   literária   que   tratava  de   corpos   celestes,  Meteorológica,  de   Aristóteles,  escrita  em   torno  de  350  a.C.,considerava  corpos  primários  nos  fenômenos    atmosféricos:  fogo,  ar,   água   e   terra.   Milênios   depois,   Eliasson   trabalha   com   os   elementos   e   parâmetros   meteorológicos  -­‐  água,  luz,  temperatura  e  pressão  -­‐  como  matéria-­‐prima  de  suas  obras   de  arte,  explorando  a  fugacidade,  a  delicadeza  e  a  força  dos  eventos.     De   forma   literal,   existem   obras   de   Eliasson   que   reproduzem   os   fenômenos   celestes,   assim   como   eclipses,   o   sol   e   a   própria   luz   que   define   a   linha   do   horizonte.   Weather   Project   evidentemente   é   uma   destas   obras   ,   entretanto,   nos   textos   sobre   a   obra,   o   impacto   simbólico   da   presença   do   sol   inibe   qualquer   outro   aspecto   deste   fenômeno   que   possa   ser   mencionado.   Historicamente,   o   sol   representa   o   poder,   o   Rei   Sol,   a   força   destruidora   das   secas,   o   gênero   masculino,   entre   outros   significados.   Segundo   a   biologia,   para   a   humanidade   representa   a   vida,   pois   sem   ele   ninguém   sobreviveria.Jacques   Derrida   escreveu   sobre   o   forte   valor   simbólico   do   sol   em   "Mitologia  Branca",  no  qual  mencionou  a  obsessão  solar  do  discurso  platônico:     "Há   apenas   um   sol   neste   sistema.   O   nome   próprio,   aqui,   é   o   não-­‐metafórico   propulsor  da  metáfora  prima,  o  pai  de  todas  as  figuras.[...]  A  cada  vez  que   há   metáfora,   há   sem   dúvida   um   sol   em   algum   lugar;   mas   cada   vez   que   há   sol,  a  metáfora  começou."  (DERRIDA,  1971.p.243  e  251)   Ao   longo   da   História,   o   clima   tem   sido   usado   para   propostas   hostis   e   utópicas,   fazendo   que   civilizações   prosperassem   ou   se   extinguissem   dependendo   das   suas                                                                                                                           42  May,  Susan.  “Meteorologica”  em  OlafurEliasson:  The  Weather  Project.  2003:  15-­‐28.   113     capacidades   em   se   adaptar   às   intempéries.   Desde   o   século   XIX,   com   o   advento   de   aparelhos  de  medição  e  estabelecendo  parâmetros,  os  meteorologistas  podem  estimar   os   fenômenos   mas,   assim   como   nas   obras   de   Eliasson,   há   sempre   um   fator   imprevisível.   Atualmente,   a   humanidade   tende     a   querer   controlar   com   o   auxílio   tecnológico  as  forças  da  natureza  e  isto  se  reverte  com  o  senso  crítico  do  artista  em   obras   que   sistematizam   estes   fenômenos.   Nas   instalações   de   Eliasson,   cascatas   contínuas   e   a   chuva   artificial   constante   cujo   vapor   provoca   arco-­‐íris   tornam-­‐se   controláveis.     Sobre  o  astro  sol  como  símbolo  principal  da  força  da  natureza,  pode-­‐se  dizer  que   Eliasson   utiliza  este  aspecto  cognitivo,  principalmente  quando   desloca  este  símbolo   de   contexto.   Na   obra   Double   Sunset,   o   sol   artificial   montado   por   Eliasson   se   insere   na   paisagem   urbana   como   uma   propaganda   outdoor,   mimeticamente   dentro   da   diversidade   visual.   É   evidente   que   na   colocação   de   um   anúncio   pretende-­‐se     um   destaque,   mas   as   formas   e   anúncios   em   conjunto   nas   cidades   acabam   neutralizando   o   impacto   de   cada   elemento.   O   que   destaca   o   sol   artificial   é   a   presença   do   pôr-­‐do-­‐sol   real,   que   gera   uma   duplicidade   surreal,   e   o   fato   de   não   esconder-­‐se   a   noite,   permanecendo  aceso  por  toda  a  madrugada.   Entre   os   fenômenos   físicos   e   meteorológicos,   além   do   sol   e   do   horizonte,   existem   os   arco-­‐íris   trabalhados   pelo   artista,   que   eram   vistos   há   séculos   como   sinais   misteriosos  de  Deus  e  foram  decodificados  por  matemáticos  usando  simples  cálculos   geométricos43.  Eliasson  faz  arcos  luminosos  produzidos  pela  refração  da   luz,  dispersa   em   gotículas   de   água   suspensas   no   ar.   Mais   raramente,   na   natureza,   as   faixas   do   arco-­‐ íris  se  apresentam  como  anéis  com  as  cores  do  espectro  solar,  o  que  também  acontece   nas  obras  do  artista.                                                                                                                           43   Rene   Descartes,   Discours   de   laméthodepourbienconduiresaraison   et   chercherlavéritédanslessciences,   (appendixLesMétéores),  1637.   114       Figura  41  -­‐  YourRainbow  Panorama.  Obra  de  Eliasson  em  Aarhus,  Dinamarca,  2011.   A   obra   Your   Rainbow   Panorama,   construída   em   2011,   apresenta-­‐se   em   escala   arquitetônica,  como  coroamento  de  um  edifício  em  360  graus.  Assim  como  nas  demais   obras   comentadas,   sobretudo   Weather   Project,   o   deslocamento   contempla   o   observador   com   uma   experiência   mais   ampla,nestes   casos   meteorológica.   A   cada   passo,  estas  obras  reafirmam-­‐se  como  máquinas  de  expectativas,  segundo  os  termos   do  artista.   Ao  deslocar-­‐se,  o  visitante  coloca-­‐se  dentro  da  obra,  o  espaço  fechado  de  vidros   de  onde  se  avista  a  cidade  com  interferência  de  cor,  variada  a  cada  vidro  da  fachada.  O   percurso  circular  proposto  pelo  artista  é  necessário  para  que  haja  a  transição  entre  as   cores  do  espectro  solar,  aplicadas  nos  vidros  da  fachada  curva.  Por  mais  que  o  visitante   aviste  o  coroamento  de  longe  com  todas  as  cores,  a  presença  no  interior  do  túnel  curvo   e  o  deslocamento  são  fundamentais  para  que  a  experiência  da  obra  fique  completa.  A   obra  simula  o  interior  de  um  arco-­‐íris  com  toda  a  sutileza  na  gradação  de  cores.     Figura  42  -­‐  Eliasson  dentro  do  modelo  de  YourRainbow  Panorama,  escolhendo  cada  tonalidade  de  vidro.   115       Figura  43  -­‐  Interior  de  Your  Rainbow  Panorama.     No  texto  Heliotrope  do  catálogo  Take  Your  Time,  Daniel  Birnbaum  cita  o  ensaio   de   Derrida,   escrito   aproximadamente   quarenta   anos   antes,   como   um   manifesto   aplicável  a  Eliasson.  Esta  parece  ser  a  pergunta  do  próprio  artista,  segundo  o  curador.    "Se   o   sol   é   sempre   metafórico,   já   não   é   mais   completamente   natural.   Já   é   sempre   um   lustre,   um   candelabro,   pode-­‐se   dizer   uma   construção   artificial,   se   quiser   ainda   crer   neste   significado   quando   a   natureza   desaparecer.   Se   o   sol   não   é   mais   completamente   natural,   o   quê   na   natureza   permanece   natural?"   (DERRIDA,   1971.p.   251)   Quando   na   verdade   o   que   importa   não   é   ser   natural   ou   não,   mas   como   se   naturaliza   as   coisas   ao   redor   e   não   nota-­‐se   a   capacidade   que   temos   de   mudá-­‐las.   Assim,   a   experiência   de   sentir   uma   corrente   de     vento     ou   a   chuva   gotejando   num   espaço   interno   da   galeria   reconfigura   a   noção,   a   princípio   impertinente,   de   que   isto   pertence   a   ambientes   abertos.   Estas   experiências   provocam   a   "suspensão   entre   expectativa  de  experiência  e  o  autêntico  encontro"  com  a  arte,  "o  interstício  entre  a   ação   instintiva   e   a   lógica   da   compreensão   que   fascina   Eliasson   [...]   muito   da   116     consistência  e  lógica  de  eventos  externos  é,  consequentemente,  uma  propriedade  do   'perceptor'   mais   do   que   do   objeto   percebido.   Nossa   visão   do   mundo   deve   ser   mais   subjetiva  do  que  nos  apercebemos,  mesmo  sob  quaisquer  convenções  culturais"44   Em  algumas  instalações  Eliasson  volta-­‐se  para  o  modo  como  o  olho  lê  cores  e  as   respostas   a   usos   específicos   de   cores.   Para   demarcar   que   a   experiência   começa   na   entrada  da  exposição,  Eliasson  costuma  abrir  suas  mostras  com  a  obra  Room  for  One   Colour   (1998).   Obra   na   qual   lâmpadas   de   sódio   amarelas   alteram   a   aparência   de   todas   as  outras  cores  do  ambiente.  Como  num  ritual  de  passagem,  um  portal  para  dentro  da   exposição,  esta  obra  retira  as  cores  dos  objetos  e  ambientes  para  preparar  o  visitante   a  experimentar  sensações  desestabilizadoras.     Assim  como  a  experiência  que  se  apresenta  em  Room  for  One  Colour,  a  curadora   de  Weather  Project  Susan  May45  descreve  nesta  obra  a  redução  perceptual  das  cores  a   apenas   duas,   em   suas   observações   pessoais   sobre   a   visita   à   instalação.   Surpreendentemente,  cada  depoimento  sobre  a  experiência  na  Tate  Modern  traz  um   dado  novo  sobre  a  obra.     "O   teto   espelhado   conduz   o   olho   ao   fim   da   sala,   onde   uma   forma   semi-­‐ circular  gigante  está  pendurada,  iluminada  por  centenas  de  luzes  de  mono-­‐ frequência.   O   arco   se   repete   no   espelho   acima,   produzindo   uma   esfera   perfeita   de   radiante   DAZZLING.   Enquanto   a   iconografia   do   sol   continua   a                                                                                                                           44  LeifFinkel,  ‘The  ConstructionofPerception’,  in  Incorporations  (ed.  Jonathan  CraryandSanford  Kwinter),   1992.  p.393.   45  Susan  May  era  curadora  da  galeria  Tate  Modern,  em  2003,  quando  houve  a  montagem  de  Weather   Project.  Posteriormente,  assumiu  a  Direção  Criativa  da  galeria  White  Cube  em  Londres.   117     conduzir   o   observador   em   frente,   aliando   o   espaço   real   com   o   refletido,   a   intensidade   dos   raios   faz   a   aproximação   cada   vez   mais   desconfortável.   Conforme   os   olhos   pulsam,   ajustando-­‐se   à   luz   ofuscante,   o   registro   de   cor   no   córtex   visual   é   reduzido   à   gama   duotonal.   O   comprimento   da   onda   gerada  pelo  neon  amarelo  guia  o  olho  a  gravar  apenas  cores  do  amarelo  ao   preto,   transformando   o   campo   visual   numa   extraordinária   paisagem   monocromática."(MAY,  2003)     Em   cada   caso,   a   observação   dos   fenômenos   atmosféricos   corresponde   a   um   avanço  de  conhecimento  ótico.  Por  exemplo,  a  classificação  científica  das  nuvens  em   tipos  de  formação46  influenciou  a  pintura  de  Turner  que  a  somou  este  conhecimento  à   Teoria   das   Cores   de   Goethe,   compondo   tempestades   e   efeitos   da   luz   solar   impressionantes.   A   observação   dos   fenômenos   naturais   é   acessível   a   todos,   mas   o   processo   de   sistematizá-­‐la   possibilitou   que   o   pintor   fizesse   os   mais   extraordinários   estudos   meteorológicos   diurnos.47   Não   é   em   vão   que   Eliasson   refere-­‐se   a   Turner   quando   trata   da   luz   solar   e   os   críticos   o   associam   ao   pintor,   pois   ele   dominava   o   assunto.     Na   pesquisa   que   a   equipe   de   Eliasson   desenvolve   sobre   cor,   há   diversos   experimentos   com   refração   e   efeitos   produzidos   por   tonalidades   específicas   da   luz   solar.  Eles  repetem  os  experimentos  com  pequenas  variações  inúmeras  vezes  e  partem   do   pressuposto   que   as   falhas   são   inerentes   ao   processo   de   experimentação.   Na   própria   natureza,   as   irregularidades   denotam   complexidade   aos   fenômenos   atmosféricos   e   isto   era   parte   do   trabalho   do   grupo   Light&Space,   pois   percebe-­‐se   a   sutileza  das  pequenas  variações  nas  obras  de  James  Turrell  e  Robert  Irwin.   "Como   Irwin   e   Turrell,   antes   dele,   Eliasson   implica   seu   observador   num   looping   retroalimentado   de   auto-­‐percepção.[...]   Deve-­‐se   perguntar,   acima   de   tudo,   que   "you"   (você)   particular   ocupa   esta   posição   privilegiada,   por   ser   possessiva.   [...]   pensando   não   apenas   sobre   o   "agora"   do   observador   mas   também  sobre  tempo  como  algo  "interior  ao  espectador"  -­‐  nós  precisamos   perguntar   o   quê   Sua   Luz   &Espaço   deve   significar   para   o   momento   atual."(LEE,  2007.)                                                                                                                           46  Luke  Howard,  OntheModificationofClouds,  3a.  ed.,  Londres  1865.   47  Jonathan  Crary,  em  JMW  Turner:The  Sun  isGod,  catálogo  da  exposição  na  Tate  Liverpool,  2000.   118     Nos   comentários   da   crítica   Pamela   Lee   sobre   o   aspecto   meteorológico   de   Eliasson   o   aproximar   das   pesquisas   do   grupo   Light&Space,   a   autora   sugere     uma   corruptela   do   grupo,   mais   apropriada   à   leitura   atual   que   o   artista   faz   da   luz   e   do   espaço.   O   nome   do   movimento   seria   acrescido   do   pronome   possessivo,   tornando-­‐se   Your   Light   and   Space   (Sua   Luz   e   Espaço).   Este   uso   do   pronome   típico   dos   títulos   de   Eliasson  confere  responsabilidade  a  cada  espectador  perante  o  espaço  compartilhado   na   obra.   É   provável   que   o   título   de   Weather   Project   não   tenha   recebido   este   pronome   devido  à  familiaridade  do  público  com  o  tema.  Afinal,  o  clima  atmosférico  é  assunto  de   todos,  independente  da  abordagem  do  artista.     Sobre   Weather   Project,   a   crítica   Pamela   Lee,   reconhece   uma   renovação   em   termos   de   luz   e   espaço,   sob   o   prisma   da   recente   historiografia   da   percepção.   A   autora   descreve   a   importância   das   noções   de   habitabilidade   e   imersão48   por   articularem   as   expectativas  e  ideologias  que  cada  espectador  traz  para  o  encontro  com  as  obras  na   arte  contemporânea.  Uma  vez  que  no  campo  da  arte,  obras  que  envolvem  o  visitante   já  existiam  há  décadas,  o  impacto  inovador  causado  na  Tate  Modern  estava  em  alterar   completamente   o   espaço   do   museu,   tornando-­‐o   quase   irreconhecível   apenas   com   o   uso  da  luz.   Esse  jogo  com  o  que  se  espera  encontrar  no  espaço  expositivo,  ou  o  que  não  se   espera  fora  da  galeria,  é  frequente  nas  ações  e  instalações  de  Eliasson.  As  expectativas   que  cada  um  tem  na  percepção  das  cores  variam  a  cada  indivíduo,  por  exemplo.  Saber   que  o  que  um  vê  não  corresponde  ao  que  o  outro  vê  muda  tudo  no  entendimento  de   uma  realidade  absoluta.  Este  é  um  dos  jogos  que  Eliasson  traz  para  o  espaço  da  obra,  a   divergência  de  cores  na  percepção  de  cada  um.                                                                                                                           48   No   contexto   artístico,   a   habitabilidade  confere   à   obra   de   arte   a   possibilidade   do   visitante   entrar   no   interior   da   obra,   ser   envolvido   por   ela.   A   imersão   pode   ocorrer   de   diversos   modos,   mas   predominaminantemente,   ocorre   a   imersão   visual,   caracterizada   por   efeitos   visuais   que   confundem   o   observador  causando  a  sensação  de  adentrar  no  espaço  da  obra.  Quando  se  está  de  fato  no  interior  de   uma  instalação,  o  caráter  imersivo  é  atribuído  à  sensação  de  transferência  para  além  do  espaço  físico  da   obra.   119     A Auto-Observação Observar   a   si   mesmo   é   uma   auto-­‐observação.   O   reconhecimento   do   próprio   corpo  no  espaço  da  arte  ocorre  através  de  recursos  óticos  e  de  iluminação,  sombras  e   reflexos,  com  o  intuito  de  atingir  uma  auto-­‐observação  mais  específica,  a  consciência   de  ver-­‐se  vendo.  Quando  esta  consciência  é  promovida  pelos  demais  sentidos,  talvez   seja  mais   apropriado  chamá-­‐la  de   auto-­‐reconhecimento.  Como  foi  dito   anteriormente,   Eliasson  utiliza  esta  consciência  do  próprio  corpo  como  instrumento  de  provocação.   A   interação   provocada   pelo   artista   em   experiências   coletivas   une   o   público   no   espaço   nas   obras,   conforme   comentado   no   trecho   sobre   o   termo   participação   do   capítulo   anterior.   Nesse   encontro   promovido   pela   instalação   de   arte,   o   auto-­‐ reconhecimento   desarticula   barreiras   sociais   inibidoras   e   ocorrem   comportamentos   inesperados   num   espaço   público.     A   apropriação   do   espaço   surge   em   função   de   processos   subjetivos   intra-­‐corpóreos   -­‐   a   consciência   da   visão,   do   equilíbrio,   da   localização  do  próprio  corpo  no  espaço  da  obra   -­‐    e  nisto  iguala  todos  os  participantes.   Esta  política  de  participação  igualitária  opera  na  coletividade  e  parte  de  fenômenos  em   cada  corpo,  em  cada  sujeito.   Retomando  a  introdução  a  este  tema  que  consta  no  primeiro  capítulo,  pode-­‐se   dizer  que  em  suas  aplicações  práticas,  os  comportamentos  investigados  por  Eliasson    e   a  questão   psicológica  que   direciona   as   pesquisas  de    James  Turrell   à  neurologia   une   os   dois  artistas.  Por  caminhos  paralelos  e  concepções  artísticas  diversas,  ambos  estudam   a   auto-­‐percepção.   Na   entrada   de   uma   sala   enevoada   como   a   obra   Seu   Caminho   Sentido   no   SESC   Pompéia,   por   exemplo,   ocorre   um   auto-­‐reconhecimento   multi-­‐ sensorial   em   que   o   tato   de   cada   passo   no   chão   faz   com   que   a   deficiente   visibilidade   seja   substituída   por   outros   recursos.   Esta   é   uma   tática   usada   por   Eliasson   e   Turrell,   reduzir  a  visibilidade  para  tornar  evidente  o  quanto  a  usamos,  e  se  conseguimos  nos   ver,  nos  posicionar  neste  espaço  sem  o  domínio  visual.   120       Figura  44  -­‐  Iltar,  obra  de  James  Turrell.       Figura  45  -­‐  Your  Blind  Mouvement,  obra  de  Eliasson.   121     Os   espelhos   e   sombras   são   ferramentas   diretas   de   ativação   do   espaço,   no   sentido   de   fazer   o   visitante   perceber   a   si   mesmo   nas   instalações   que   Eliasson   cria   e   interagir  com  sua  imagem.    A  experiência  de  deparar-­‐se  com  a  sua  imagem  refletida  ou   identificar   a   sua   sombra,   motiva   os   visitantes   a   se   movimentarem   para   se   reconhecerem.   Este   tipo   de   comportamento   era   um   fato   corriqueiro   durante   a   visitação   da   mostra   Weather   Project.   Algumas   pessoas   ficavam   horas   se   vendo   no   teto   espelhado,  ao  ponto  que  o  público  começou  a  formar  palavras  com  os  reflexos  de  seus   corpos    que  podiam  ser  lidas  no  teto.     Na   época   da   mostra   comemorativa   de   dez   anos   trabalhando   junto   a   galerista   Tanya   Bonakdar (2006),   em   Nova   Iorque,   Eliasson   concedeu   uma   entrevista   bem   extensa  à  poeta  e  escritora  da  revista  New  Yorker  Cynthia  Zadin,  que  o  acompanhou   nesta  viagem  pela  cidade.  Segundo  esta  publicação,  o  artista  e  curador  alemão  Thomas   Demand   que   conhecia   Eliasson   desde   o   início   da   carreira   em   Colônia   comenta   que   Weather   Project   “   foi   algo   inacreditavelmente   corajoso.   Ele   era   um   artista   mambembe   sem  uma  rede  (de  colaboradores  e  contatos).  Se  não  desse  certo,  teria  arruinado  sua   carreira,  mas  ele  fez  um  espaço  humano.”  Referindo-­‐se  certamente  a  apropriação  do   122     espaço  que  ocorreu  por  parte  dos  visitantes,  transformando  a  instalação  num  grande   evento   público.   Confirmando   isto,   o   galerista   alemão   Tim   Neuger   descreve   o   ruído   estrondoso  do  público  dentro  da  Tate  Modern,  durante  Weather  Project,  nessa  mesma   publicação.  Quando  Neuger  viu  o  público  se  manifestando  com  os  corpos  espelhados,   escrevendo  xingamentos  ao  presidente  dos  Estados  Unidos,  ele  ligou  para  Eliasson.  O   artista  estranhou  o  ruído  e  chegou  a  pensar  que  tratava-­‐se  de  um  show  de  rock.   Por   essa   repercussão   e   os   demais   motivos   comentados,   o   teto   espelhado   de   Weather   Project   reverbera   há   anos   nas   obras   posteriores   de   Eliasson.   O   fenômeno   observado  no  amplo  espaço  da  Sala  da  Turbina,  centenas  de  pessoas  deitadas  no  chão   se   olhando   no   reflexo   distante,   continua   sendo   objeto   de   estudo   do   artista.   Notadamente,   no   que   se   refere   a   fatores   desestabilizantes   e   a   temporalidade   deste   processo  de  reconhecimento,  onde  o  olhar  -­‐  a  percepção  -­‐  tornou-­‐se  conteúdo.     O  professor  alemão  de  estética  e  filosofia  da  arte  Robert  Kudielka  comenta  em   seu   texto   "Objetos   da   Observação   -­‐   Lugares   da   Experiência",   sobre   esse   deslocamento   do   observador   de   uma   posição   frontal,   diante   da   tela   de   pintura,   para   o   centro   do   espaço   de   exposição,   o   interior   da   obra.   Trata-­‐se   do   processo   de   transformação   da   percepção   em     temática   de   discussão.   O   autor   reconhece   a   diferença   entre   as   transformações   ocorridas   no   campo   da   escultura   e   da   pintura,   nas   últimas   décadas,   entretanto,  neste  trecho,  cruza  as  duas  áreas,  sob  o  prisma  do  observador.     Decerto   o   tempo   utilizado   na   observação   de   quadros   tivera   um   papel   importante,   mas   enquanto   o   observador   pôde   se   fiar   no   reconhecimento   sempre   renovado   de   sinais   iconograficamente   seguros,   inseridos   numa   ordem   espacial   apreensível,   este   aspecto   permaneceu   oculto.   Somente   com   a   retirada   dos   fatores   estabilizantes   a   temporalidade   pôde   realmente   aparecer.     Essa  temporalização  do  olhar  alterou  o  caráter  de  obra  dos  quadros.  Pois  ela   significava   que   o   objeto   ou   motivo   já   não   eram   fundamentais   para   o   conteúdo  da  representação;  eram,  no  máximo,  um  ensejo  para  a  realização   artística  de  sua  percepção.  O  olhar  tornou-­‐se,  ele  mesmo,  conteúdo;  e  com   ele   todas   as   sensações   que   o   acompanham,   as   quais   não   são   de   natureza   meramente  visual.  (KUDIELKA,  2010,  p.170)     123     124     PÁGINA  ANTERIOR:  Figura  46  -­‐  Weather  Project,  Tate  Modern.  Londres,  2003.     Conforme  a  entrevista  de  Eliasson  à  Birnbaum,  citada  no  texto  "Meteorológica"   por  Susan  May,  o  artista  justifica  o  uso  dos  materiais  reflexivos  em  suas  obras,  assim   como  o  teto  de  Weather  Project,  uma  vez  que  defende  a  necessidade  de  sairmos  de   nós   mesmos   e   vermos   o   conjunto   sujeito-­‐objeto.   Com   o   artefato   da   instalação,   acentua-­‐se  a  "habilidade  de  nos  vermos  vendo  ou  nos  vermos  na  terceira  pessoa,  de   outro  ponto  de  vista",  o  que  fornece  também  a  habilidade  de  auto-­‐crítica.   Como  consta  no  capítulo  2,  o  conceito  de  alteridade  se  aplica  no  espaço  artístico,   e   mais   especificamente   nas   obras   de   Eliasson,   englobando   a   relação   sujeito-­‐obra,   assim   como   a   intersubjetividade.   Nas   palavras   do   artista,   é   fundamental   para   se   relacionar  com  o  mundo  e  promove  as  interações  das  suas  obras:     "Para   mim,   o   único   modo   de   existir   é   ter   relacionamentos   próximos   com   quem   está   ao   meu   redor   e   na   galeria.   Eu   acho   que   sou   de   algum   modo   insensível,   mas,   então,   você   entra   na   sala   e   o   objeto   começa   a   brilhar.   Eu   olho   para   um   objeto   na   mesa   e   não   tenho   empatia   por   ele.   Eu   preciso   de   você   para   saber   que   o   mundo   está   lá,   é   por   isso   que   eu   sou   tão   obcecado   pela   estrutura   do   mundo.   É   por   isso   que   eu   tenho   tantas   pessoas   trabalhando  comigo." Ver  as  coisas  do  ponto  de  vista  do  outro,  condiciona  o  entendimento  do  espaço  à   percepção  alheia,  o  que  possibilita  outra  leitura  da  realidade.  O  artista  considera  que   'Realidade'   não   é   necessariamente   algo   dado;   deve   ser   dependente   de   quem   a   percebe.   49Eliasson  de  modo  similar  relembra  o  observador  de  que  a  única  verdadeira   e  dependente  realidade  vem  de  dentro  de  cada  um.  (MAY,  2003)                                                                                                                                 49  Citação  de  Susan  May:  (VARELA,  1992.  p.320–37)   125     O Museu, A Arte e O Engajamento Público   Dentro   do   universo   apresentado   pelo   artista   Olafur   Eliasson,   o   museu   é   caracterizado   como   o   espaço   da   experimentação,   onde   o   visitante   entra   com   expectativas,  negocia  com  o  entorno  e  coabita  o  espaço  com  inúmeros  desconhecidos.   Não  necessariamente,  um  espaço  fechado,  recluso  ao  edifício,  mas  sim  um  espaço  que   projeta-­‐se  para  fora  e  mantém  forte  comunicação  com  a  cidade.   No  livro  "Espaços  de  Experiência:  Interiores  de  Galerias  de  Arte  de  1800  a  2000",   Charlotte  Klonk  (2009)    esclarece  que  desde  1920  haviam  dois  tipos  de  exposições  que   abandonavam  a  preocupação  das  gerações  anteriores  em  preservar  a  privacidade  dos   espaços  internos  de  uma  galeria,  em  prol  de  experiências  visuais  públicas  e  coletivas.  O   primeiro  tipo  fora  desenvolvido  pelos  integrantes  da  Bauhaus    e  enfatizava  os  aspectos   discursivos  e   racionais   das   exposições.   O   segundo   tipo   visava  a  criação   de  experiências   fenomenológicas  coletivas  e  era  proposto  por  artistas  construtivistas.   Eliasson   continua   essa   vertente   construtivista   que   explora   as   possibilidades   de   contato   entre   sujeito   e   obra   fazendo   do   espaço   um   fenômeno   único   na   presença   do   público.  O  espaço  do  museu  tradicionalmente  voltado  para  seu  interior  e  pensado  para   o  acolhimento  de  objetos  de  arte,  torna-­‐se  a  própria  obra  e  volta-­‐se  para  "noções  de   colaboração   e   interação   social   que   não   tinham   lugar   na   agenda.   Tal   envolvimento   supostamente  deveria  acontecer  na  rua,  não  no  museu."(BIRNBAUM,  2010)   A   popularidade   de   Weather   Project   gerou   reflexões   sobre   as   relações   ambivalentes   entre   as   práticas   artísticas   e   um   conjunto   de   fatores   -­‐   a   cultura   de   consumo,  o  museu  e  o  espetáculo.    Colocando  o  espectador  no  centro  do  espaço  do   museu,   Eliasson   o   transforma   em   ator   numa   arena,   parte   constituinte   do   cenário.   Diferente  da  arte  clássica  que  faz  do  visitante  do  museu  um  observador  frontal  diante   da   obra,   direciona   uma   perspectiva,   Eliasson   cria   ambientes   em   que   envolve   o   visitante,  o  estimula  a  interagir  e  o  espetáculo  gira  em  torno  desta  figura  central.   126     James  Meyer  criticou  a  espetacularização  de  Weather  Project  como  sendo  parte   de   uma   competição   global   de   museus.   Isto   aconteceu   porque   desde   os   anos   200050,   são  frequentes  as  construções  de  museus  cada  vez  mais  elaborados  formalmente  que   representam   o   poder   das   instituições   e   as   instalações   de   arte   ganharam   status   de   grandes   espetáculos   que   levam   um   numeroso   público   aos   eventos   e   museus.   Então,   ocorrem  duas  esferas  de  atuação,  a  mídia  sobre  a  instituição  museu  e  a  instalação  de   arte  como  chamariz  de  público,  ambas  pertinentes  ao  mercado  global  da  arte.     Nas  práticas  artísticas  da  última  década,  houve  uma  proliferação  de  estratégias   que   colocam   o   ambiente   e   o   visual   em   confronto,   as   formas   de   subversão   e   a   espetacularidade.   Uma   destas   estratégias   é   surpreender   o   público   diante   de   um   evento   cotidiano   com   pequenas   intervenções   que   o   faça   perceber   fenômenos   naturais.   Como   no   caso   do   rio   de   Estocolmo   que   Eliasson   tingiu   de   corantes   verdes   não-­‐tóxicos   ,   o   Green   River   (1998).   Nesta   obra,   segundo   o   artista,   o   ocultamento   da   intervenção   fez   com   que   "naquele   dia,   as   pessoas   em   Estocolmo   olhassem   para   o   rio   -­‐   para  elas,  a  água  mover-­‐se  era  uma  surpresa.  A  cidade  não  era  um  cartão-­‐postal!  Não   saberem  que  era  uma  obra  de  arte  foi  importante".   Sobre   a   coexistência   de   efeitos   espetaculares   e   a   revelação   dos   artefatos,   as   tecnologias  que  os  produzem,  comum  nas  obras  de  Eliasson,  pode-­‐se  dizer  que  não  há   razão   para   as   duas   tendências   se   reconciliarem.   A   crítica   se   divide   sobre   qual   seria   a   proposta   de   Eliasson:   iludir   ou   revelar   a   realidade.   Embora   no   discurso   o   artista   não   defenda   a   ilusão,   na   prática,   grande   parte   do   envolvimento   do   público   pode   ser   atribuído  a  belas  ilusões  que  encontram  nas  suas  obras.  Se  o  museu  está  sendo  palco   de   um   espetáculo   que   se   revela,   envolve   o   espectador   e   questiona   o   mundo,   ainda   assim  trata-­‐se  de  um  espetáculo.   Como  estratégia,  em  Weather  Project,  Eliasson  decidiu  aliar  a  estrutura  caótica   do  museu  e  da  sociedade  ao  incontrolável  sistema  gerado  pelo  tempo  meteorológico.   Ainda  que  prevaleça  nas  conversas  diárias  e  mude  em  diferentes  culturas,  este  tema                                                                                                                           50  O  Instituto  do  Mundo  Árabe  projetado  por  Jean  Nouvel,  o  museu  Guggenheim  de  Bilbao  desenho  de   Frank   Gehry,   entre   outros   museus   foram   construídos   entre   o   final   dos   anos   1990   e   os   anos   2000.   Quanto  às  instalações,  as  esculturas  de  Anish  Kapoor  e  Richard  Serra  são  exemplos  de  grande  escala  que   fascinam  o  grande  público.   127     afeta  todo  mundo.    O  Clima  serve  como  metáfora  do  Museu  para  Eliasson  para  discutir   a  importância  da  instituição  para  a  arte,  a  cultura,  e  para  todos,  assim  como  o  clima.   Ambos   carregam   otimismo,   dúvida,   especulação,   convicção,   além   de   operarem   sistemas  organizacionais  sujeitos  a  mutabilidade.  O  crédito  depositado  na  previsão  do   tempo   é   um   paradoxo,   já   que   os   cientistas   nunca   podem   dizer   a   verdade   ,   devido   à   aleatoriedade  do  tempo  atmosférico.     O  artista  dinamarquês  enxerga  o  museu  como  espaço  em  podemos  negociar.  O   lugar  de  compartilhamento  de  modos  visuais  de  organizar  significados.    "Se  o  museu  é,   na  cultura  de  hoje,  um  lugar  para  ver  -­‐  ambos  físico  e  ideologicamente  -­‐  é  também  o   continente  perfeito  para  as  'lições  de  ver  diferente'  dos  objetos  de  Eliasson."(catálogo   Take  Your  Time)   No   texto   Objetos   da   Observação   -­‐   Lugares   da   Experiência,   Kudielka   faz   um   panorama   acerca   da   questão   da   espacialidade   nas   artes   plásticas   do   século   XX   e   procura  situar  o  debate  com  relação  à  produção  contemporânea.  Sobre  as  obras  dos   artistas   Eliasson,   Kabakov   e   Rhoades,   Kudielka   comenta   as   semelhanças   em   buscar   oferecer  um  lugar  para  a  experiência  e  quanto  a  dependência  do  espaço  do  museu,  de   um  invólucro.   "A   explícita   configuração   de   lugares   na   arte   contemporânea   parece   ser   apenas  a  resposta  dada  de  modo  complementar  a  um  sensível  embaraçosa   crescente  ausência  de  um  lugar  para  a  experiência.   Com   isto   se   revela   uma   dialética   peculiar:   quanto   mais   naturalmente   os   artistas   monopolizam   o   espaço   “real”   como   lugar   que   determina   o   seu   trabalho,   tão   mais   evidente   se   torna   a   incerteza   dessa   premissa.   O   que   vincula  tão  diferentes  instalações  como  a  Toilette(1992),  de  Ilya  Kabakov,  o   Creation   Myth(1998),   de   Jason   Rhoades,e   o   Weather   Project   (2003),   de   Olafur  Eliasson18?   [...]  elas  precisam  de  um  invólucro  ou  recipiente,  nos  quais  se  organizam  e   dentro   dos   quais   elas   podem   lograr   um   efeito   —   seja   esse   retorno   um   container  conscientemente  ocupado  (Kabakov),  um  salão  preexistente  e  que   estava   arrumado   de   um   modo   específico   (Eliasson),   ou   a   indispensável   ampliação   de   um   espaço   interno   desocupado   (Rhoades).   Nenhuma   providência   artística   parece   ser   tão   importante   quanto   essa   decisão  a   priori,   pois   apenas   o   apoio   de   uma   moldura   preexistente   permite   manter   a   organização  de  um  modo  tão  aberto,  que  um  espaço  de  vivência  autêntico,   128     experimentável   ao   se   transitar   dentro   dele,   passa   a   existir.   Dentro   desse   espaço   o   observador   pode   dispor,   sem   instrução   prévia   e   até   certo   ponto,   de   um   olhar   contemplativo.   [...]Se   essa   interioridade   insegura   se   consolida   de   antemão   pela   suposição   de   um   efetivo   espaço-­‐container,surge   uma   separação   real   comparável   à   do   espaço   privado,   a   qual,   coma   preferência   por   anteparos   —   autarquia,   tranqüilidade   —   negocia   também   as   suas   desvantagens:   isolamento   e   toda   sorte   de   autismos   estéticos."   (KUDIELKA,   2008)     A  crítica  de  Kudielka  faz  sentido.  No  caso  de  Weather  Project,  de  fato,  a  sala  de   exposição   era   o   limite   físico   da   obra,   nem   por   isso   este   limitador   físico   era   uma   restrição  ao  processo  de  expansão  da  instalação  para  fora  do  museu  e  de  entrada  da   cidade  naquela  sala  de  exposição.  Como  mencionado  anteriormente,  na  realização  de   Weather  Project,  houve  uma  campanha  estratégica  que  englobava  todos  os  envolvidos   no  processo  de  desenvolvimento  da  obra  e  se  desdobrava  em  divulgação  cidade  a  fora.   Isto  ilustrava  as  inúmeras  perspectivas  e  atitudes  em  conjunto  com  o  museu,  com  toda   ordem  e  caos  que  tal  instituição  pode  trazer.   Para   determinadas   ações,   Eliasson   precisa   do   museu   e   tira   partido   tanto   da   organização   institucional   quanto   do   espaço   físico   disponível.   O   artista   vê   o   museu   como  um  microcosmo  da  sociedade,  uma  situação  paralela  às  condições  do  mundo  lá   fora.   Utiliza   a   mediação   do   museu   entre   o   sujeito   e   a   obra   para   destacar   o   uso   do   próprioespaço   como   meio   que   age   sobre   o   usuário.   Em   outras   palavras,   o   artista   assume   que   o   espaço   e   toda   ordem   de   comunicação   disponível   nessas   instituições   interferem  tanto  nos  visitantesquanto  nas  obras,  por  isso  trabalha  os  modos  de  mediar   este  contato.  E  mais,  faz  do  espaço  oferecido  pelo  museu,  um  novo  espaço,  acrescido   de  interferências  que  afetam  os  sentidos  do  visitante  e  a  consciência  que  ele  tem  de  si,   neste   espaço.Adota   estratégias   que   fazem   o   visitante   notar   vários   níveis   de   representação,  operantes  a  todo  momento  fora  deste  contexto.   "Lamento   dizer   que   encontro   uma   discrepância   crescente   entre   as   possibilidades  atuais  da  arte  e  o  caminho  por  que  os  museus  enveredaram.   Portanto,   os   dois   elementos   importantes   desta   discussão   são   arte   e   público.   Como   ambos   estão   em   movimento   constante   é   evidentemente   difícil   definir   um  enquadramento  comunicativo  produtivo,  mas  na  verdade  penso  que  os   129     modelos  para  uma  gestão  museológica  responsável    precisam  de  uma  maior   sensibilidade  a  estas  mudanças  contínuas.  "(ELIASSON,  2011,  p.  198)   Eliasson  teve  a  oportunidade  de  participar  de  uma  reavaliação  da  comunicação   da   arte,   um   projeto   do   Museu   Hirshhorn,   em   Washington(EUA).   Nessa   ocasião,   ele   pode  colocar  em  prática  toda  reflexão  presente  em  suas  obras  a  respeito  do  papel  da   instituição.   A   proposta   de   Eliasson   para   as   futuras   possibilidades   desse   museu,   concentrava-­‐se   em   reavaliar   as   estratégias   de   comunicação   para   aumentar   o   envolvimento  crítico  do  público  com  a  arte.  Havia  a  demanda  por  um  fluxograma  que   definisse   a   passagem   dos   visitantes   da   cidade   e   do   prédio   comercial,   onde   o   museu   se   situa,  para  o  Jardim  de  Esculturas  e  até  as  obras  propriamente.  Até  então,  não  havia   uma   ligação   visual   entre   o   prédio   de   estrutura   circular   maciça,   com   a   aparência   de   uma  fortaleza  militar,  e  o  jardim  de  esculturas  do  outro  lado  da  rua.   Depois   de   visitar   o   Weather   Project,   o   diretor   do   museu   Hirshhorn   Ned   Rifkin     se   questionou  sobre  qual  seria  a  ecologia  de  sua  instituição  e,  em  2005,  convidou  Eliasson   ao   museu.   Após   uma   caminhada   pelo   jardim   de   esculturas,   o   diretor   conta   que   "começou   a   pensar   como   Olafur   pensa   -­‐   qual   é   a   noção   por   traz   de   um   jardim   de   esculturas?"  .  A  diretora  seguinte,  Olga  Viso,  notou  que  estava  literalmente  invertendo   o  museu  para  o  nível  acima.  Com  isso,  concluiu  que  o  papel  de  agente  provocador  que   Eliasson   exerce   era   fundamental   para   repensar   o   museu.   Com   um   questionário   inspirado   naquele   que   antecedeu   a   instalação   Weather   Project,   fizeram   no   museu   Hirshhorn   todos   os   envolvidos   repensarem   suas   relações   com   o   museu,   entre   funcionários  e  colaboradores.         Figura  47  -­‐  Projeto  de  Eliasson  para  o  Museu  Hirshhorn,  Washington,  EUA.   130     No  projeto  arquitetônico,  Eliasson  inseriu  uma  rampa  que  circundaria  o  edifício,   cujo  o  fechamento  de  vidro  ondulante  alternaria  vistas  externas  e  reflexos  do  interior   (Figura   47).  Desta  forma,  Olafur  Eliasson  pretendia  sublinhar  a  relação  do  visitante  com   o   entorno,   transferir   para   o   elemento   arquitetônico   o   que   costuma   fazer   nas   instalações   de   arte.   No   livro   Studio,   o   artista   descreve   a   experiência   junto   ao   Hirshhorn:   "Não   fingi   que   pudesse   ser   criado   um   aqui   e   agora   autêntico   e   sem   mediação.   Pelo   contrário,   tentei   considerar   a   mediação   que   qualquer   esforço   de   comunicação   implica   como   parte   das   obras   de   arte.   Acredito   que   o  museu,  a  sua  ideologia  de  comunicação  e  as  obras  de  arte  constituem  um   todo  unificado,  um  sistema  holístico.  Tentamos  produzir  uma  consciência  da   presença  fazendo  a  temporalidade  tangível.  A  estrutura  do  edifício  deveria   ser   compreensível   e   transparente   quando   os   visitantes   a   percorressem.   Todos   os   elementos   da   minha   proposta   promoveram   um   atrito   temporal,   que   conduziu   a   um   grau   de   lentidão   na   percepção   do   museu.   As   instituições   não   são   entidades   isoladas,   apartadas   da   sociedade   –   são   penetradas   pela   sociedade.   E   esta   idéia   deve   ser   comunicada   generosamente   pelo   próprio   museu."(ELIASSON,  2011-­‐  Studio,  p.  198)     Independentemente   de   ser   um   artista   que   trabalha   o   espaço,   faz   instalações   e   intervenções  na  paisagem,  além  de  fazer  parte  de  uma  geração  que  estabelece  novas   relações   entre   o   sujeito   e   o   espaço,   Eliasson   não   pensa   apenas   na   obra   de   arte   no   interior  do  museu,  mas  lida  diretamente  com  ele.  Nestes  casos,  o  museu  é  o  seu  tema.   Isto   se   justifica   em   Weather   Project   como   o   espaço   que   intermedia   o   sujeito   com   a   cidade,   o   espaço   mediador   e   comunicante.   Nas   demais   exposições   do   artista,   analogamente,   a   diversidade   de   obras   é   orquestrada   por   um   percurso   sugerido   no   espaço  do  museu,  a  ideia  de  proporcionar  uma  experiência  através  da  arquitetura.     O Weather Project e A Obra De Arte Total Os   comentários   sobre   a   obra   Weather   Project   e   obras   com   questões   semelhantes  poderiam  ser  mais  extensos.  Nesta  dissertação,  o  limite  do  formato  e  o   recorte  temático  definiram  esta  extensão.  No  entanto,  interromper  o  trecho  destinado   131     à  obra  sem  mencionar  o  conceito  de  Obra  de  Arte  Total  seria  um  grande  equívoco.  Por   este  motivo,  faz-­‐se  aqui  um  breve  comentário  adicional.     Entende-­‐se  por  Obra  de  Arte  Total  um  projeto  que  englobe  todas  as  atividades   artísticas  num  só  espaço,  numa  só  obra.  A  origem  do  termo  remonta  ao  Romantismo   alemão  do  século  XIX,  às  óperas  do  compositor  clássico  Wagner51,  nas  quais  pretendia-­‐ se   realizar   uma   experiência   artística   completa,   unindo   música,   teatro,   dança   e   artes   plásticas,   música,   ao   longo   do   espetáculo   musical.   Durante   séculos,   em   cada   arte,   houve   propostas   específicas,   no   sentido   de   executar   este   projeto   global,   e   a   arquitetura   teve   sempre   esta   tendência,   ao   abarcar   fisicamente   os   produtos   das   demais  artes  dentro  de  um  espaço  construído.  Porém,  a  relação  do  edifício  continente   e  as  obras  como  conteúdo  já  seria  suficiente  para  descaracterizar  uma  obra  completa.   No   decorrer   das   últimas   décadas,   em   função   do   investimento   em   uma   arte   colaborativa   e   multissensorial,   os   artistas   retomam   esse   caráter   da   obra   realizada   conjuntamente.  Característica  que  para  muitos  críticos  e  artistas  enfatiza  a  refuta  a  um   modelo  tradicional  de  Obra  de  Arte  Total.  Entretanto,  na  falta  de  um  termo  substituto,   mesmo  que  desfigurada,  comumente,  atribui-­‐se  o  termo  Obra  de  Arte  Total  à  arte  de   Eliasson.   Isto   justifica-­‐se   devido   à   mescla   na   percepção   da   arte   e   da   arquitetura   no   espaço   da   obra,   notada   desde   Weather   Project,   aos   elementos   arquitetônicos   desenhados  pelo  artista  e  aos  inventos  multisensoriais.     A  visita  à  instalação  de  Eliasson  na  Tate  Modern  remetia  de  fato  a  experiências   tradicionalmente   provocadas   no   âmbito   do   espaço   arquitetônico.   Devido   à   verticalidade   e   às   entradas   de   luz   por   vitrais,   a   arquitetura   das   catedrais   góticas   criava   uma   atmosfera   dramática   entre   zonas   claras   e   escuras,   um   desenho   de   luz   que   realmente   lembra   o   trabalho   de   Eliasson.   Os   espetáculos   de   Wagner   exploravam   estas   propriedades   da   luz   para   dar   vigor   às   cenas,   junto   com   a   sonoridade   de   cada   momento.  Com  propostas  multissensoriais,  as  óperas,  assim  como  os  ritos  religiosos,   causavam    experiências  sonoras  e  visuais  imersivas.                                                                                                                           51  No    ensaio  Das  Kunstwerk  der  Zukunft  (A  Obra  de  Arte  do  Futuro),  publicado  em  1849,  Richard  Wagner   levou  o  conceito  de  “obra  de  arte  total”  a  um  outro  nível,  apresentando  a  Ópera  como  o  maior  exemplo   de  união  entre  todas  as  artes,  relacionando  a  música,  o  drama,  a  escrita  e  a  pintura  como  um  novo  meio   de   dissolução   das   fronteiras   entre   os   géneros   artísticos,   que   se   consuma,   simultaneamente,   com   a   afirmação  da  arte  colaborativa.   132     Em   paralelo   às   tentativas   de   imersão   na   arte,   a   criação   do   harmonógrafo,   em   1844,  representou  um  salto  inventivo.  Este  experimento  constitui-­‐se  de  um  conjunto   de   pêndulos   que   suspendem   uma   caneta,   cujo   desenho   é   acionado   pelo   sistema,   conforme   o   lançamento   dos   pêndulos.   O   grau   de   complexidade   das   figuras   varia   de   acordo   com   a   interação   entre   diversos   pêndulos,   em   numerosas   possibilidades.Eliasson   desenvolveu   um   harmonógrafo   em   seu   Studio   que   media   1,80m,  suspendendo  uma  caneta  com  iluminação  de  diodo  instalada  para  ser  acionada   enquanto  desenhava  no  ar.  Este  traçado  da  caneta  era  gravado  por  uma  câmera  digital   que   convertia   as   figuras   em   ondas   sonoras.   Cada   foto   correspondia   a   uma   acorde   musical  e  pareciam  nebulosas  estelares,  repletas  de  pontos  luminosos.   "Wagner  acreditou  que  a  pintura,  a  música  e  a  poesia  já  haviam  alcançado  o   fim   de   suas   evoluções   e   que,   para   inovar,   seria   necessário   combinar   as   2 linguagens   em   uma   “Gesamtkunstwerk” .   Elaborou   então   um   projeto   pioneiro:   construiu   um   edifício   projetado   especificamente   para   suas   óperas,   criando  uma  entidade  unificada  entre  a  orquestra  e  o  palco.  Algo  inusitado   para   a   época,   que   logo   tornou-­‐se   comum   ao   cinema   e,   hoje   com   os   meios   digitais,  é  constantemente  atualizado.  Ele  parecia  estar  mesmo  prevendo  o   surgimento  do  que  hoje  chamamos  de  híbridos [...]   3   A   História   da   Arte   é   então,   profundamente   marcada   pelas   idéias   de   Wagner.  Primeiro  pela  crença  na  “obra  de  arte  total”  como  manifestação  de   insatisfação   com   os   meios   tradicionais   e   posteriormente,   pelo   surgimento   da  sétima  arte  como  uma  mídia  inteiramente  nova,  que  poderia  finalmente   reunir   todas   as   artes.   Sua   obra   é   fundamental   para   os   que   queiram   compreender  o  mundo  pela  experiência  estética  do  híbrido  “sonoro-­‐verbal-­‐ visual”.E   também,   para   especialistas   em   busca   de   problematizar   esse   intrincado  universo  estético."  (WERTHEIM,  2001.)   Acompanhando   os   desdobramentos   do   uso   do   termo   Obra   de   Arte   Total,   têm-­‐se   uma   compreensão   mais   ampla   de   sua   aplicação   e   influência   nas   obras   de   arte   contemporâneas.   Esta,   sim,   aplicável   à   experiência   imersiva   de   estar   com   uma   multidão  diante  de  um  sol  artificial  em  pleno  inverno  londrino.  Uma  experiência  que   dilui  os  limites  entre  artes  visuais,  dramáticas  e  a  arquitetura.     133           Figura  48  -­‐  Foto  da  instalação  "Take  Your  Time"  na  Pinacoteca  de  São  Paulo,  em  2011.     134       3.2 Exposição Take Your Time, 2008. - MOMA NY e São Francisco, EUA. A Multiplicidade Do Artista A  segunda  mostra  a  ser  comentada  neste  trabalho  ocorreu  em  2008,  no  Museu   de  Arte  Moderna  de  Nova  Iorque  (MoMa  NY),  a  exposição  retrospectiva  da  carreira  do   artista   Olafur   Eliasson     intitulada   Take   Your   Time   .     Coerente   com   o   pensamento     do   artista,   a   mostra   apresentava   os   modos   subjetivos   de   perceber   o   que   Eliasson   trata   como   temporalidade.   Aliado   a   isto,   outro   foco   da   exposição   estava   na   percepção   do   espaço  através  do  tempo,  pensando  e  tratados  como  elementos  indissociáveis.   O   espaço   das   instalações   de   Eliasson   é   percebido   conforme   o   visitante   as   percorre.  A  sequência  de  imagens  que  se  formam  durante  a  visita,  conforme  o  trajeto   escolhido   e   o   tempo   despendido,   caracterizam   experiências   próprias,   como   se   o   espaço  fosse  único  para  cada  pessoa,  apesar  de  todos  estarem  no   mesmo  ambiente.   Com  isso,  o  artista  enfatiza  o  caráter  subjetivo  da  percepção  do  tempo-­‐espaço,  ou  seja   da  realidade  como  um  todo.     Aplicando  os  termos  usados  por  Eliasson,  o  título  Take  Your  Time  (algo  similar  a     “Tome  o  seu  tempo"  ou  "Leve  o  seu  tempo”)  carrega  dois  dados  relevantes:     1) (“Take   time”)   Leve   tempo:   convida   o   visitante   a   levar   o   tempo   que   julgar   necessário  no  contato  com  as  obras  na  exposição.     2) (“Your  time”)  Seu  tempo:  refere-­‐se  ao  tempo  que  pertence  ao  visitante,  sua   experiência   do   tempo.   Conforme   mencionado   sobre   outras   obras,   pronomes   possessivos   são   comuns   nos   títulos   das   obras   de   Olafur   Eliasson   para     convocar   o   público   a   se   responsabilizar   pelo   espaço   e   se   sentir   parte   dele   -­‐   “como   você   e   eu   construímos  um  aqui  e  agora  para  nós”52.                                                                                                                               52   “Antes,   (o   sentido   de   tempo)   era   sempre   sobre   o   aqui   e   agora,   sobre   espaço   e   tempo   como   uma   convenção.  Agora,  de  qualquer  modo,  (o  sentido  de  tempo)  é  mais  sobre  como  você  e  eu  construímos   um  aqui  e  agora  para  nós”.   135     Nessa   lógica   de   engajamento   do   público   com   a   obra,   a   exposição   proporcionava,   em   geral,   uma   desaceleração   da   correria   cotidiana   das   metrópoles.   A   vida   cotidiana   nas   cidades   grandes   contemporâneas   enfatiza   a   necessidade   de   aproveitamento   máximo  do  tempo,  vinculada  aos  primórdios  do  capitalismo.     O    conceito  de  “tempo  útil”53  remonta  ao  histórico  fabril  do  início  das  cidades,  e     revela-­‐se,   cada   vez   mais   ‘introjetado’54   na   sociedade,   nas   fases   avançadas   do   capitalismo.   O   emprego   frequente   do   conceito   inerente   à   organização   econômica   e   social   da   burguesia   prioriza   a   produtividade,   em   detrimento   do   ócio.   Do   título   da   mostra   pode-­‐se   subentender-­‐se   a   importância   do   uso   do   tempo   sem   propósitos   financeiros  para  outros  avanços  sociais.  A  insistente  preocupação  em  tornar  o  tempo   útil  é  um  contraponto  ao  convite  de  Eliasson  para  desacelerar    e  perceber  o  espaço  no   museu.   Um   possível   desdobramento   desta   experiência   seria   tornar   as   pessoas   mais   atentas  aos  espaços  em  que  co-­‐habitam  e  ao  compartilhamento.   Sobre   a   montagem   de   cada   exposição,   Eliasson,   em   entrevista   à   Mark   Wigley,   descreve   como   um   processo   em   camadas   que   deve   ser   deflagrado   pelo   visitante   "primeiro,   notar   que   o   museu   não   é   neutro;   segundo,   exibir   este   fato,   ao   expor   a   regulação   e   os   padrões   de   comunicação   do   museu;   e   terceiro,   integrar   idéias   artísticas   e,   deste   modo,   criar   um   foco,   um   recorte   nesse   espaço   ruidoso"(WIGLEY,2010.),   espaço   existente   do   museu.   Com   estas   camadas   de   aprofundamento   no   espaço   do   museu   e   na   interpretação   dos   visitantes,   Eliasson   está   preocupado   em   ativar   o   espaço   para  torná-­‐lo  produtivo.  No  sentido  de  espaço  produtivo  descrito  no  capítulo  1,  onde  o   espaço   cria   demandas   ao   visitante,   torna-­‐se   um   espaço   provocativo,   de   questionamento   da   realidade.   O   percurso   sugerido   dentro   do   museu   e   a   ordem   das   obras  é  pensado  com  este  propósito  nas  mostras  de  Eliasson,  e  foi  assim  em  Take  Your   Time,  principalmente  por  abarcar  obras  tão  distintas,  quanto  a  técnicas  e  períodos  de   produção.                                                                                                                           53  [...]  “tomamos  a  noção  de  tempo  útil,  produzida  pela  ampliação  da  esfera  do  mercado  e  que  não  só   disciplina  a  classe  burguesa  como  também  procura  se  introjetar  no  âmbito  da  gente  trabalhadora.  Essa   introjeção  do  relógio  moral  no  corpo  de  cada  homem  demarca  decisivamente  os  dispositivos  criados  por   uma   nova   classe   em   ascensão.   Autodisciplina,   controle   de   si   mesmo,   crítica   à   ociosidade,   são   exigências   imperiosas   para   o   comerciante   que   se   envolve   na   esfera   do   mercado.”     O   Nascimento   das   fábricas,   Edgar  de  Decca.  Editora  Brasiliense,  São  Paulo,  SP.1982.   54  O  verbo  “introjetar”  foi  aplicado  no  mesmo  sentido  em  que  aparece  no  texto  de  referência  citado  na   nota  anterior.   136      Desde   então,   a   crítica   não-­‐especializada   menciona   as   exposições   de   Eliasson   como  exposições  de  ciências.  Provavelmente,  por  não  associarem  os  experimentos  aos   fatos  da  História  da  Arte  Moderna  que  já  traziam  a  proximidade  entre  arte  e  ciência,   como   as   notas   científicas   das   obras   de   Duchamp,   os   aparatos   tecnológicos   de   Dan   Graham   e   as   cápsulas   imersivas   de   James   Turrell,   por   exemplo.   À   primeira   vista,   a   disposição  de  tantos  elementos  díspares  na  Mostra  Take  Your  Time  poderia  mesmo  ser   confundida  com  uma  exibição  científica.   137       Figura  49  -­‐  Em  cima,  fotos  da  montagem  Take  Your  Time.  Embaixo,  visitante  olhando  para  Sunset   Kaleidoscope.     138       Figura  50  -­‐  Foto  da  obra  Model  Room,  2003.     Quando E Como Se Aproximar Das Obras A   sequência   de   obras   de   Olafur   na   exposição   “Take   Your   Time”   recriava   uma   trajetória  do  artista  e  remetia  a  discursos  anteriores,  existentes  em  outros  momentos   da  História  da  Arte  Moderna,  tais  como  os  experimentos  cinéticos  dos  anos  20,  entre   outros.   Cada   elemento   exposto   continha   um   universo   de   narrativas,   com   referências   próprias,  e  a  mostra,  como  um  todo,  formava  um  conjunto  heterogêneo.     A   multiplicidade   de   Eliasson   nas   trinta   e   oito   obras   expostas   em  Take   Your   Time,   complementar   ao   trabalho   realizado   em   Weather   Project,   contribui   para   uma   apreensão   mais   ampla   da   proposta   do   artista.     Entre   os   anos   de   2002   e   2004,   a   parceria  de  Olafur  com  Einar  Thorstein55  reforça  seu  interesse  em  experimentos  óticos   e   cinéticos   no   Studio   de   Eliasson,   referindo-­‐se,   respectivamente   aos   movimentos   artísticos  Light&Space  e  Arte  Cinética.  A  maior  oportunidade  do  público  vislumbrar  a   amplitude  da  produção  do  artista  ocorreu  na  mostra  Take  Your  Time.                                                                                                                           55   Einar   Thorstein   -­‐   arquiteto   e   artista   islandês,   colaborador   de   Eliasson   desde   1996.   Participa   mais   efetivametne  dos  projetos  desde  integra  a  equipe  do  Studio  (2002).   139     No   conjunto   de   obras   de   Take   Your   Time   expostas   no   MOMA   de   Nova   Iorque,   prevaleceram   trabalhos   de   iluminação   e   projeção   –   I   Only   see   things...   (Figuras   82),   Room  for  one  colour,  1m3  light  (Figura  55),  360o.room  for  all  colours  (Figura  69)  e  Wall   eclipse  (  Figura  76)  –  e  as  séries  de  espelhos  como  Porta  Espelho  (mirror  door)  e  Parede   de  Quasi-­‐tijolos  negativos  (Negative  quasi  brick  wall-­‐  Figura  52).     Enquanto   no   MOMA,   o   número   de   obras   era   menor   e   o   conjunto   mais   coeso,   no   Centro   P.S.1,   o   lado   mais   experimental   do   acervo   se   apresentava   plenamente.   Inclusive,   pela   transferência   de   parte   do   Studio   em   Berlim   para   dentro   da   sala   de   exposição,   na   obra   Model   Room   localizada   no   segundo   piso,   perto   da   qual   estava   o   caleidoscópio   adaptado   às   janelas   do   edifício   do   P.S.1,   as   séries   de   fotografias   de   paisagens  naturais  e  a  obra  à  qual  foi  atribuído  o  mesmo  nome  que  a  exposição:  Take   YourTime  (Figura   48),  um  enorme  espelho  circular  giratório  que  cobria  todo  o  teto  da   galeria.                         140       No   subsolo   da   P.S.1,   foram   montadas   as   obras   de   água,   como   a   Cascata     Revertida   (Reversed   Waterfall,   1998   -­‐   Figura   53   )   e   Beauty   (Figura   54),   obra   citada   anteriormente,  uma  fonte  iluminada  composta  por  um  véu  de  água  gotejante  dentro   de   uma   sala   escura.   Nesta   instalação,   conforme   as   pessoas   se   movimentavam,   formava-­‐se  um  arco-­‐íris.   No   panorama   de   obras   de   Take   Your   Time   é   possível   identificar   temas   frequentes,   repetidos   quanto   aos   materiais   utilizados,   mas   produzindo   novos   efeitos   em   séries   de   trabalhos   paralelas.   Estas   séries   caracterizam,   portanto,   a   continuidade   de  experimentos  dentro  da  mesma  pesquisa  sobre  espaço.  Por  exemplo:  as  séries  de   caleidoscópios,   de   fotografias,   de   maquetes,   de   iluminação,   de   projeção,   de   água   e   vapor.   Como   já   comentado   nos   capítulos   anteriores,   há   na   trajetória   de   Olafur   Eliasson,   o   predomínio   de   obras   que   enfrentam   as   questões   da   visão.   Para   acessar   e   desestabilizar   esse   sentido,   o   artista   utiliza   uma   gama   de   recursos   existentes   de   modo   renovado.   Todos   os   tipos   de   experimentos   óticos   produzidos   por   Eliasson   estiveram   representados  em  Take  Your  Time:   • materiais   reflexivos,   ou   refratários   -­‐   série   caleidoscópios   (Figura   51)   e   quasi   tijolos  (Figura  52);     • materiais  translúcidos  em  movimento  (água  e  vapor)  -­‐  Figura  53  e  Figura  54;   • fontes  diversas  de  luz(  desenho  de  iluminação  e  luminárias)  -­‐  Figura  55;   • registros  da  iluminação  natural  na  paisagem  (  série  de  fotografias  de  cavernas,   cachoeiras  e  demais  formações  geográficas  na  Islândia)  -­‐  Figura  56   • imagens,  luzes  e  sombras  em  movimento  (  séries  de  projeções)  -­‐  Figura  57.     141     Figura  51  -­‐  Caleidoscópio  do  por-­‐do-­‐sol  (sunset  kaleidoscope).   Figura  52  -­‐  Parede  de  quasi  tijolos,  obra  de  Eliasson.               Figura  53  -­‐  Reversed  Waterfall,  1998.   Figura  54  -­‐  Beauty,  1997.   142       Figura  55  -­‐    1m3  light,  1999.     Figura  56  -­‐  The  horizon  series.     Mais   importante   do   que   classificar   as   séries   de   trabalho,   ou   mesmo   os   experimentos   do   artista,   é   reconhecer   que   a   materialidade   da   obra   é   apenas   um   instrumento   provocador   do   exercício   de   reflexão,   a   unidade   compositiva   de   todo   o   corpo   da   obra   de   Olafur   Eliasson.   Está   posto,   então,   que   os   experimentos   físicos,   correspondem  concretamente  ao  objetivo  geral:  a  construção  da  realidade,  no  sentido   143     da  participação  ativada  pela  percepção.56  Na  entrevista  concedida  a  Mark  Wigley,  em   2010,  Eliasson  comentou  este  processo  de  ativação  do  espaço:   "Nos  referimos  ao  espaço  expositivo  como  um  exterior  para  o  qual  olhamos,   não  o  que  sentimos.  [...]Mas  se  olharmos  o  museu  como  um  espaço  ativo,   ou  até  mesmo  poderíamos  dizer,  como  um  agente,  podemos  envolver  uma   crítica   ativa   através   do   reconhecimento   de   que   nós   como   sujeitos   somos   produzidos  pelos  objetos  que  escolhemos  para  nos  envolver.  Nós  usamos  os   objetos  para  nos  refletir,  como  quando  você  olha  para  sua  própria  sombra   apenas   para   estabelecer   o   sentido   de   que   aquela   sombra   é   uma   consequência   do   seu   corpo.   A   sombra-­‐objeto   é   o   resultado   do   corpo-­‐ sujeito."  (WIGLEY,  2010.)         Figura  57  -­‐  Remagine.                                                                                                                             56   A   pesquisa   de   neurônios   espelho   (CASTELLO   BRANCO,   2009)   serve   como   exemplo   literal   de   participação   ativada   pela   percepção.   Em   sentido   figurado,   Olafur   refere-­‐se   também   ao   engajamento   social.   144     Obras Selecionadas na Mostra Take Your Time Para   exemplificar   a   diversidade   de   temas   da   trajetória   do   artista   presente   em   Take  Your  Time,  alguns  foram  destacados  para  análise  mais  detalhada.  Os  critérios  de   análise   foram   definidos   de   modo   similar   ao   usado   em   Weather   Project,   visando   o   aproveitamento   de   assuntos   importantes   que   são   característicos   de   cada   obra   e   rebatendo-­‐os  para  o  recorte  temático  da  dissertação.   O   trabalho   espacial   de   Eliasson   envolvendo   luz   e     movimento   orienta   esta   dissertação   de   modo   geral   e,   por   consequência,   define   a   seleção   das   obras   comentadas.   Nas   quais     surgem   pontos   recorrentes   dentro   deste   universo,   como   a   aplicação  das  pesquisas  em    luz,  cor,  projeção,  e  movimento.  Cada  eixo  de  pesquisa  do   artista  será  comentado  baseado  em  uma  obra  da  mostra  Take    Your  Time,  apesar  de   aparecem  outros  exemplos,  quando  necessário.     • Cor     obra:  Spectrum  Colour  Kaleidoscope    (Caleidoscópio  Espectro  de  Cor),  2003.     • Luz   obra:  “360º  room  for  all  colours”  (Sala  360ºpara  todas  as  cores)     •  Projeção     obra:  “Remagine”  -­‐  versão  grande     (expressão  derivada  de  ‘Reimagine’  –  imaginar  novamente)     •  Movimento   “I  Only  See  Things  When  They  Move"  (Eu  apenas  vejo  coisas  quando  se  movem)         145     Pesquisa Cor - Spectrum Colour Kaleidoscope (Caleidoscópio Espectro de Cor), 2003. Caleidoscópios e cristais Eliasson  declarou  diversas  vezes  que  o  ponto  crucial  da  percepção  da  cor  é  incluir   a   diferente   percepção   de   cada   um,   a   subjetividade   da   visão.   O   artista   comenta   que   "nossa  experiência  da  cor,  da  luz  e  da  escuridão  não  é,  claro,  uma  questão  meramente   biológica   -­‐   também   depende   de   como   a   nossa   visão   foi   educada."(ELIASSON,   2011).   Fatores  culturais  e  hábitos  pessoais  interferem  na  compreensão  dos  fenômenos.   No   caso   dos   caleidoscópios,   Eliasson   fragmenta   as   imagens   em   cores.   O   objeto   conhecido   como   um   brinquedo   torna-­‐se   uma   imensidão   de   formas   e   cores   em   experimentos  do  artista.  Parte  do  interesse  pelo  modelo,  o  objeto  caleidoscópio,  vem   da  pesquisa  em  ótica,  sobre  refração,  reflexão  e  lentes  que  distorcem,  mas  há  também   o  lado  de  desconstrução  da  realidade  envolvente.  Uma  paisagem  vista  através  de  um   caleidoscópio   nunca   é   fiel   à   imagem   real,   sem   a   interferência   do   objeto,   pois   os   trechos   reconhecíveis   não   se   completam.   O   que   seria   como   um   quebra-­‐cabeças   que   nunca  se  monta.     Figura  58  -­‐  Caleidoscópio  Espectro  de  Cor  (  Colour  Spectrum  Kaleidoscope),  2004.   146     Embora   a   luz   seja   o   meio   de   propagação   que   nos   permite   perceber   as   cores,   pode-­‐se  dividir  os  experimentos  de  luz  de  Eliasson  daqueles  de  cor,  simplesmente  pelo   fato   das   propostas   serem   diferentes   na   prática.   Nos   experimentos   de   luz,   Eliasson   investiga  as  fontes  emissoras  de  luz  e  suas  possibilidades,    e  nos  experimentos  de  cor   explora  as  propriedades  dos  materiais  iluminados.  Para  experimentar  as  propriedades   óticas   dos   materiais,   Eliasson   aproxima-­‐se   dos   estudos   tradicionais   de   pintura,   enquanto  os  experimentos  de  iluminação  englobam  o  conhecimento  ótico  à  respeito   de  luz  artificial  colorida.  Para  iluminar  colorido,  o  artista  emite  luz  de  fontes  divididas   em   três   cores,   vermelho,   verde   e   azul.     Diferente   das   superfícies   coloridas   que   recebem  luz  natural  ou  monocromática  e  são  constituídas  por  cores,  como  no  caso  dos   túneis  e  caleidoscópios  (Figura  59).       Figura  59  -­‐  Caleidoscópio    spectro  de  cor,  2003.  Foto  de  Take  Your  Time  na  galeria  PS1  -­‐  MoMa  NY.   147     O  Caleidoscópio  Espectro  de  Cor  (2003  -­‐  Figura  58)  é  constituído  por  um  cavalete   que   suporta   seis   faces   espelhadas   e   translúcidas   forradas   com   películas   adesivas   coloridas.   Estes   adesivos   funcionam   como   filtros   de   iluminação   que   colorem   sutilmente   a   luz   propagada   nas   cores   do   arco-­‐íris.   Na   montagem   da   galeria   PS1,   o   caleidoscópio   foi   acoplado   a   uma   entrada   de   luz   natural,   o   que   possibilitou   ver   a   paisagem  vizinha  ao  edifício.   A  importância  da  obra  dá-­‐se  na  medida  em  que  há  uma  numerosa  variedade  de   caleidoscópios  realizada  pelo  artista.  Uma  das  causas  do  início  desta  investigação  está   associada   à   curiosidade   de   Eliasson   a   respeito   da   visão   dos   répteis   e   insetos,   que   acontece   na   justaposição   de   imagens.   Sob   influência   do   biólogo   Varela,   o   artista   se   interessa   em   abrir   o   leque   de   modos   de   ver   o   mundo   e   que   cada   fragmento   seja,   simultaneamente,  uma  unidade  e  um  todo  constituído.  Eliasson  proliferou  os  objetos   multifacetados  e  reflexivos  para  diversas  aplicações,  como  luminárias  e  instalações   em   forma  de  túneis.         Na  obra  Caleidoscópio  Espectro  de  Cor    fica  evidente  a  pesquisa  de  cor  do  artista,   próxima  à  teoria  da  cor,  tradicional  na  pintura  clássica.  Na  arte  moderna,  o  pintor  Paul   Klee   dedicou-­‐se   a   pesquisa   e   ensino   no   período   em   que   lecionou   na   Bauhaus   e   publicou   uma   série   de   estudos57,   que   tornaram-­‐se   referência   para   todos   os   artistas   posteriores.     O   registro   mais   remoto   citado   pelos   pesquisadores   refere-­‐se   à   pesquisa   de   cor   e   luz  natural  de  Goethe58,  em  visita  à  Itália,  ao  qual  se  atribui  o  embasamento  teórico  do   estudo   de   cor   na   modernidade.   “A   Doutrina   das   Cores”59   de   Johannes   W.   Von   Goethe,   escrita  em  1810,  ofereceu  aos  artistas  do  século  XX  uma  nova  abordagem  no  que  diz   respeito  ao  uso  e  entendimento  das  cores.  Desde  Newton,  a  cor  era  considerada  uma                                                                                                                           57  Texto  “Paul  Klee  –  arte,  didática  e  teoria:  uma  visão  cosmológica  e  transcendente  do  mundo  das  cores   –  a  cor  definida  como  qualidade”.  Em  “A  Cor  na  Bauhaus”,  Lilian  R.M.Barros.     58  “Entre  1786  e  1790,  Goethe  empreende  viagens  à  Itália,  nas  quais  vislumbra  alguns  dos  conceitos  que   o  levarão  a  propor  uma  teoria  das  Cores”,  chamada  de  “A  Doutrina  das  Cores”.  (  extrato  de  Espaço  Cor).   59  “  ‘A  Doutrina  das  Cores’  expõe  diversas  idéiass  que  são  consideradas  ultrapassadas  e  até  errôneas  em   muitos  casos.  Entretanto,  este  livro  de  Goethe  foi  de  extrema  importância  como  início  de  embasamento   filosófico  de  todas  as  artes  gráficas.”  (nota  do  autor:  Claudio  Ulpiano)     148     disciplina  da  física.  As  questões  levantadas  por  Goethe  ampliaram  os  estudos  da  cor,   incluindo  campos  como  o  da  fisiologia  e  psicologia.”60   Na   biblioteca   da   universidade   de   São   Paulo,   a   maior   referência   para   estudo   da   cor   e   percepção   do   espaço   são   as   pubicações   acadêmicas   de   Élide   Monzeglio61,   sobretudo   Espaço   Cor62(Figura   60).   Trata-­‐se   de   uma   revisão   da   Teoria   da   Cor,   repassando  os  conceitos  de  Paul  Klee(Figura  61)  e  Goethe.   Figura  60  -­‐  Imagem  da  estrela  de  cor  baseada  num  croquis  de  Paul  Klee.  fonte:  publicação  da  USP   "Espaço  Cor",  autora  Élide  Monteglio.   Figura  61  -­‐  Cânone  da  Totalidae  Cromática.  Croquis  de  Paul  Klee.  Fonte:  publicação  da  USP  "Espaço   Cor",  autora  Élide  Monteglio.                                                                                                                             60   Pesquisa   da   FAU   USP   “A   Cor   na   Bauhaus:   Teorias   e   metodologias   didáticas,   e   a   influência   da   Doutrina   de  Goethe”  de  Lilian  Ried  Miller  Barros,  2001.  Sob  orientação  da  Dra.  Élide  Monzeglio.     61  Élide  Montézio,  autora  e  orientadora  de  pesquisas  em  Percepção  Visual.     62  “Espaço  Cor-­‐  Unidade  de  Comunicação”  –  tese  apresentada  à  FAU-­‐  USP  para  concurso  de  docência.   149     Assim   como   Montéglio,   Eliasson   retoma   o   conhecimento   sobre   cor   e   suas   aplicações   no   espaço.   O   artista   emprega   essa   teoria   nas   obras   de   arte.   Parece   que   a   intenção   desses   experimentos   não   é   descobrir   novas   características   das   cores,   mas   cruzar  propriedades  em  efeitos  surpreendentes,  tornar  inusitado  algo  conhecido.   Na  mostra  Take  Your  Time,  havia  outro  caleidoscópio  do  artista,  desta  vez,  com   peculiaridades   que   remetiam   à   pesquisa   sobre   o   Sol,   o   Caleidoscópio   do   Pôr   do   Sol,   obra  de  2005  (Figura  62).  Lembrando  a  idéia  de  duplicar  o  pôr  do  sol  em  Double  Sunset,   obra  comentada  no  início  deste  capítulo,  neste  caleidoscópio,  usando  os  reflexos  das   faces   internas,   Eliasson   cria   uma   estampa   de   círculos   amarelos   repetidos   por   toda   a   vista   da   cidade.   Ele   faz   com   este   artefato   como   se   a   paisagem   fosse   preenchida   por   sóis  artificiais.     Figura  62  -­‐  Caleidoscópio  do  Pôr  do  Sol  (Sunset  Kaleidoscope),  2005.     Outra   justificativa   para   Eliasson   dedicar-­‐se   aos   caleidoscópios   é   a   reconhecida   influência   que   teve   da   pesquisa   sobre   cristais   dos   arquitetos   alemães   expressionistas.   O   movimento   expressionista   refletiu   os   anseios   libertários   da   sociedade   alemã,   nos   anos   1920.  Em  tempos  obscuros  de  guerras  mundiais,  os  artistas  e  arquitetos  organizaram-­‐se   em  grupos  criativos,  na  busca  por  escapar  da  rigidez  e  opacidade  em  que  viviam.   150     Alguns   artistas   expressionistas   alemães   faziam   parte   da   “Corrente   de   Cristal”,   uma   corrente   de   correspondências   criada   para   expor   ideias   ousadas   a   respeito   da   ocupação   do   planeta,   em   regiões   longínquas   da   “civilização”.   No   texto   “Arquitetura   Alpina”,   por   exemplo,   as   montanhas   seriam   os   espaços   de   expansão   das   cidades   dentro  do  território  europeu.     O  teor  utópico  das  reflexões  deste  grupo  centrava-­‐se  na  relação  entre  o  homem   e  o  ambiente:  o  aproveitamento  da  luz  como  força  vital,  a  exaltação  ao  cristal,  como   material   capaz   de   multiplicar   as   cores   e   a   luz   do   sol.   A   arquitetura   era   tema   de   adoração   devido   a   sua   capacidade   de   materializar   estes   ideais   humanistas.   Um   exemplo  famoso  deste  estilo  arquitetônico  foi  o  projeto  do  arquiteto  Bruno  Taut  para   o   Pavilhão   de   Vidro   (Colônia,   1914.   ),que   se   assemelha   às   formas   fragmentadas   em   que   Eliasson   estuda   as   superfícies   translúcidas   coloridas,   chamadas   por   eles   de   cristalinas.   Apesar   das   formas   elaboradas,   o   intuito   de   ambos   é   observar   o   comportamento  da  luz  ao  longo  do  tempo  através  destas  superfícies.     Figura  63  -­‐  Pavilhão  de  Vidro,  Colônia,  1914.  Arquiteto  Bruno  Taut.  Dizeres  no  panfleto  do  pavilhão:  “o   edifício  em  vidro  não  tem  nenhuma  outra  função  que  não  seja  a  de  ser  bonito”.   151     O   arquiteto   espanhol   Iñaki   Abalos,   autor   da   versão   espanhola   da   biografia   de   Taut,   sugere   ao   leitor   “uma   proximidade   afetiva   com   a   qual   se   introduza   e   seja   impregnado   pelo   halo   expressionista,   estabelecendo   diálogos   com   a   situação   contemporânea”.   Abalos   defende   que,   após   um   período   de   rejeição,   devido   a   incompatibilidades   com   o   ideal   moderno   funcionalista,   o   retorno   ao   pensamento   expressionista  alinha-­‐se  à  sofisticação  em  que  o  vidro  tem  sido  aplicado  nos  edifícios   contemporâneos.   O   uso   deste   material   tem   demonstrado   quanto   da   pesquisa   expressionista   faz   parte   da   nossa   cultura   projetual,   no   final   do   século   XX   (TAUT,   1920)63.   Semelhanças   formais   entre   edifícios   expressionistas   e   contemporâneos   confundem   observadores   desinformados.   Apesar   do   repertório   formal   abarcar   elementos  e  materiais  que  seguem  a  linha  expressionista,  o  programa  arquitetônico  e   a   funcionalidade   latente   nos   arranha-­‐céus   e   vidraças   pós-­‐modernos   ainda   remetem   muito  ao  pensamento  moderno  tecnicista,  em  busca  da  transparência  e  do  “real”.   Figura  64  -­‐  Edifício  Gherkin,  Londres,  2007.  Arquiteto  Norman  Foster                                                                                                                         63   Abalos   escreveu   a   biografia   de   Taut   e   fez   as   comparações   com   a   arquitetura   contemporânea   na   reedição  dos  escritos  de  Taut,  em  2007,  na  Espanha.   152       Figura  65  -­‐  INTERIOR  -­‐  Pavilhão  de  Vidro,  Colônia,  1914.  Arquiteto  Bruno  Taut. Figura  66  -­‐  INTERIOR  DA  CÚPULA  -­‐  Edifício  Gherkin,  Londres,  2007.  Arquiteto  Norman  Foster     Quanto   aos   cristais,   existe   também   uma   ligação   forte   entre   as   formações   rochosas   e   a   paisagem   nórdica   registrada   em   fotografias   por   Eliasson,   em   suas   expedições  pelo  território  irlandês.  Estas  formas  orgânicas  incitam-­‐no  a  pensar  sobre  o   tempo  que  a  natureza  imprime  nessas  estruturas.  O  fascínio  pelo  belo  no  movimento   expressionista  não  corresponde  a  este  tipo  de  indagação  com  que  o  artista  se  depara.   São  paisagens  em  constante  e  lenta  transformação.   Inspirado  nos  cristais,  Eliasson  faz  módulos  de  simetria  em  cinco  lados  que  aplica   em   diversas   obras.   Na   construção   da   Sala   de   Concertos   da   Islândia,   em     Reijvik   (Figura   67   ),   trabalhou   em   conjunto   com   o   escritório   do   arquiteto   Henning   Larsen   no   desenho   da   fachada   do   edifício,   superfícies   multifacetadas   em   que   se   reconhece   seu   trabalho   com  cristais  e  caleidoscópios.   153     Figura  67  -­‐  Fachada  da  Sala  Nacional    de  Concertos  e  Conferências  da  Islândia,  em  Reijvik.     Sobre   essas   superfícies   Philip   Ursprung   escreveu   que     poderiam   ser   descritas   “como   uma   facetagem   praticamente   infindável,   um   sistema   de   dobras   complexo,   um   ondulado  onde  as  imagens  que  a  rodeiam  se  dividem  em  inúmeras  novas  imagens.”64  E   onde   o   mais   importante   seria   o   auto-­‐   reconhecimento   dos   observadores   diante   dos   trechos  reflexivos,  seguindo  as  demais  obras  do  artista.  A  modelagem  dos  quase-­‐tijolos   é   inspirada   pela   geometria   de   semi-­‐cristais   e   pelo   conceito   de   simetria   em   cinco   dobras.   Para   enriquecer   a   interação   com   a   luz,   um   número   de   quase-­‐tijolos   foi   ajustado  com  um  especial  vidro  de  duas  cores  que  reflete  matizes  de  verde,  amarelo   ou  laranja  e  suas  cores  complementares.   "Com   o   projeto   de   Reijvik,   Eliasson   busca   criar   o   que   chama   de   'uma   estrutura   visualmente   negociável'.   Se   for   bem-­‐sucedido   nestes   termos,   o   edifício   nunca   cessará   de   mudar   de   aparência,   sempre   apresentando   uma   dinâmica   convergência   de     espaço,   tempo   e   luz   coordenados.   Mudanças   dramáticas   de   transparência,   reflexão   e   cor   renderão   à   superfície   caleidoscópica  do  edifício  mais  do  que  uma  estável  carreira  de  significados,   como  é  mais  tradicional  no  histórico  do  Modernismo."  (URBACH,  2007)                                                                                                                           64  Citação  do  Livro  O  Studio  –  original  em  idioma  português.  Pág.  39.   154     As  obras  de  Eliasson  que  se  aplicariam  ao  tema  “pesquisa  de  cor”  são  muito  mais   numerosas   do   que   as   apresentadas   aqui.   Com   esses   exemplos,   buscou-­‐se   ilustrar   o   quão   eles   são   diversificados   e   como   se   encontram   com   outras   pesquisas   do   artista.   Sobretudo   nesta   questão   formal   do   cristal,   os   quase-­‐tijolos   e   as   propriedades   reflexivas  das  superfícies  cristalinas.               Figura  68  -­‐  Interior  da  fachada  do  Centro  Nacional  de  Concertos  e  Convenções  da  Islândia,  em  Reijvik.   155     Pesquisa Luz 360º room for all colours (Sala 360ºpara todas as cores), 2002   O   interesse   de   Olafur   Eliasson   em   pesquisar   a   Luz,   como   comentado   no   primeiro   capítulo,   justifica-­‐se   pelo   caráter   fenomenológico   atribuído   ao   uso   da   luz   no   espaço,   configurando  em  cada  uso  um  fenômeno  singular  que  confere  ao  visitante  uma  nova   experiência.  Repassando  as  informações  sobre  a  pesquisa  de  luz  de  Eliasson,  na  obra   360º   room   for   all   colours   percebe-­‐se   alguns   dos   experimentos   mencionados   anteriormente,   como   a   imersão   num   ambiente   composto   de   luz   difusa   e   o   efeito   afterimage  usado  como  coparticipação  do  visitante  na  experiência  da  obra.  Além  disto,   a   iluminação   colorida   difusa   utilizada   frequentemente   por   Eliasson   é   uma   parte   da   pesquisa  de  cor  do  artista.     156     PÁGINA  ANTERIOR:  Figura  9  -­‐  Instalação  “360º  room  for  all  colours”,  2002  -­‐  Moma  NY.     “Dentro   de   uma   galeria   escura   fica   uma   estrutura   circular   sem-­‐teto   com   uma  entrada.  Uma  tela  delimita  o  interior,  cobrindo  um  intrincado  sistema   elétrico   que   compreende   mais   de   500   luzes   fluorescentes.   Quando   os   observadores   entram   no   espaço   ficam   imersos   num   panorama   de   luzes   cambiantes   que   representam   todo   o   espectro   de   cores.   Uma   unidade   de   controle   computadorizado   regula   as   combinações   de   cores,   que   mudam   aproximadamente   a   cada   30   segundos.”   (descrição   da   obra   publicada   no   catálogo  da  exposição  “Take  Your  Time”).   Desde   o   século   XIX,   as   paisagens   representadas   em   pinturas   panorâmicas,   convidavam   os   observadores   a   imaginar   como   seria   ficar   imerso   numa   atmosfera   de   157     luz   e   cor.   Em   360º   room   for   all   colours,   Eliassoncoloca   o   observador   dentro   de   uma   grande  tela  por  onde  passa  todo  o  espectro  de  cores.   O   ambiente   é   iluminado   por   centenas   de   luzes   fluorescentes,   sob   controle   computadorizado,  instaladas  por  trás  de  uma  superfície  curva.  O  ambiente  delimitado   pela  tela  contínua  iluminada  configurava  o  espaço  da  instalação,  uma  sala  circular  com   todas   as   cores.   De   fato,   quando   os   visitantes   entravam   nesse   espaço   curvo   eram   tomados   por   uma   atmosfera   de   luz   colorida   que   ia   variando   por   todas   as   gamas   de   cores.   As   trocas   de   cor   da   luz   difusa   eram   quase   constantes,   o   que   tornava   sutil   o   fenômeno  da  passagem.     O   tempo   necessário   para   ser   absorvido   pela   experiência   variava.   Havia   pessoas   que  entravam,  circulavam  e  saiam,  e  aquelas  que  ficavam  muitos  minutos  admirando  e   esperando  todas  as  passagens  de  cor.  Ou  seja,  o  fascínio  imediato  e  a  contemplação   lenta.   Esta   obra   retinha   a   atenção   do   visitante,   causava   um   deslocamento   temporal,   uma  experiência  que  demanda  tempo  e  observação.   No  catálogo,  a  obra   360º  room  for  all  colours   aparece  nos  comentários  de  Olafur   Eliasson   com   Robert   Irwin65,   quando   Irwin   elogia   a   idéia   de   Eliasson   oferecer   continuamente   ”escolhas   qualificadas”   aos   visitantes.   Essa   prática   permite   que   haja   uma   coprodução   na   construção   da   experiência   estética,   em   função   das   escolhas   do   visitante   que   mudam   a   natureza   da   experiência.   Eliasson   provoca   esse   tipo   de   interação  em  situações  efêmeras,  como  nesta  obra  com  o  efeito  ‘afterimage’,  cuja  luz   projetada   oferece   a   cada   pessoa   uma   impressão   de   cor   diferente.   Se   duas   pessoas     entrarem  em  diferentes  momentos,  verão  cores  diferentes.     “Se  entrar  enquanto  a  tela  estiver  azul,  seu  olho  produzirá  uma  ‘afterimage’   laranja;  se  entrar  enquanto  estiver  verde,  o  olho  produzirá  uma  ‘afterimage’   vermelha.   Porém,   sua   ‘afterimage’   mudará   para   vermelho   e   a   outra   não.   Então,   é   como   uma   casinha   de   individualidade.   Depois   de   dez   minutos,                                                                                                                           65   Robert   Irwin   -­‐   artista   americano   integrante   do   movimento   Light&Space   e   defensor   da   Arte   Condicional.   Autor   de   “The   Hidden   Structures   os   Art”   e   da   coletânea   de   textos   “Notes   Toward   A   Conditional  Art”  publicada  em  2011.   158     ambos  podem  começar  a  ver  a  mesma  coisa,  falando  fisiologicamente,  mas   66 pode-­‐se  pensar  ainda  em  algo  diferente.”   Nesse  caso,  contrariando  as  premissas  de  Olafur  em  expor  os  equipamentos,  os   visitantes   saiam   impressionados   pela   sutileza   do   resultado,   mas   intrigados   sobre   a   tecnologia   utilizada.   James   Turrell67,   declarou   em   seu   catálogo   Skyspace   que   a   tecnologia  do  LED  auxiliou  muito  suas  invenções,  mas  não  resolveu  o  controle  delicado   da  luz,  ponto  em  que  precisa  de  outros  recursos.  O  efeito  de  luz  na  instalação  “360º   room   for   all   colours”   é   quase   tão   sutil   quando   a   transição   de   cor   da   luz   natural   na   abóboda   celeste.   A   estrutura   metálica   exposta   pelo   exterior   de   360º   room   for   all   colours  rompe  a  fantasia  do  ambiente  imersivo  e  define  os  limites  da  obra,  revelando   assim  a  transição  entre  museu  e  obra.                                                                                                                             66  Catálogo  “Take  Your  Time”.   67   Futuramente,   haverá   trechos   desta   pesquisa   sobre   James   Turrell   e   sua   participação   no   movimento   Light&Space,  na  California,  durante  os  anos  70.  (CAPITULO  2)   159     Figura  69    -­‐  Fotos  da  instalação“360º  room  for  all  colours”,    à  esq.  exterior  e,  à  dir.,  interior  da   instalação.     160     De  acordo  com  o  comentário  de  Mieke  Bal68  (2007),  Eliasson  trabalha  a  cor  como   incerteza,   mudança   e   criação   subjetiva   que   depende   da   luz.   Por   definir   ângulos   de   visão,   editar   a   realidade   envolvente,   o   artista   pode   ser   visto   como   promotor   de   envolvimento   crítico.   "Em   termos   da   discussão   da   paisagem,   é   importante   notar   que   ele   conduz   seu   debate   criando   ambientes   críticos   para   a   experiência   da   cor."   (GRYNSZTEJN,2007.P.153).   O   autor   cita   Your   Colour   Memory,   Room   for   One   Colour(1997)  e  360o.  for  all  colours(2002)  os  mais  famosos  trabalhos  de  Eliasson  sobre   cor.     Mais   uma   vez,   revela-­‐se   o   artista   mediador   da   realidade   que   determina   o   tempo   e  a  experiência  da  luz  para  quebrar  a  naturalização  dos  processos.  A  percepção  da  luz   nos   ambientes   está   tão   condicionada   que   Eliasson   interfere   para   causar   estranheza.   No   catálogo   da   mostra   em   Berlim,   Inner   City   Outside,   Daniel   Birnbaum   comenta   o   processo   subjetivo   que   Eliasson   provoca   nos   visitantes,   destacando   a   comunicação   interpessoal  pretendida  por  ele.   "Eu   acho   que   a   maioria   das   pessoas   diria   que   os   trabalhos   de   Olafur   são   mais   sobre   o   interior,   no   sentido   que   evocam   uma   consciência   introspectiva   no   observador,   de   experienciar-­‐se   experienciando,   mas   como   apontado,   até   aqueles   seus   trabalhos   que   parecem   todos   sobre   percepção   (   e   se   aproximam  de  James  Turrell),  na  verdade,  são  também  sobre  o  corpo  e,  eu   gostaria   de   acrescentar,   sobre   inter-­‐subjetividade,   experiência   comunicativa.  Deste  modo,  Olafur    vai  mais  longe  que  a  fenomenologia  do   sujeito;   há   este   tipo   de   sentimento   cuja   identidade   em   última   instância   é   alteridade,   sendo   através   do   outro   que   você   está   no   máximo   voltado   para   dentro,   é   também   uma   situação   inter-­‐subjetiva.   Então,   eu   concordo   que   trata-­‐se   mais   do   exterior:   passa   por   si   mesmo   e   se   catapulta   para   uma   experiência   coletiva   novamente."   (BIRNBAUM   em   entrevista   concedida   a   Mark  Wigley,  em  2010.)     Acrescido   este   comentário   de   Birnbaum,   entende-­‐se   que   a   pesquisa   de   luz   de   Eliasson,   embora   provoque   experiências   únicas   para   cada   indivíduo   através   do   fenômeno   criado   para   cada   instalação,   pretende   atingir   a   coletividade   e   a   interação                                                                                                                           68  Mieke  Bal-­‐  Crítica  e  Teorista  Cultural.  Video  artista.  Professora  na  Academia  Real  de  Ciências  e  Artes   dos   Países   Baixos,   entre   2005-­‐2011.   Baseada   na   Escola   de   Análises   Culturais   de   Amsterdão(ASCA),   Univerisdade  de  Amsterdão.   161     entre   sujeitos.   Um   exemplo   disto,   ainda   na   mostra   Take   Your   Time   é   a   obra   “Wannabe”(Figura  70)  ,  que  Eliasson  criou  no  início  da  carreira,  em  1991.       Figura  70  -­‐    Obra  “Wannabe”  na    montagem  da  mostra  “  Your  choice  encounter”.     Do   mesmo   modo   que   um   iluminador   trabalha,   evidenciando   elementos   onde   foca  a  luz  e  criando  zonas  mais  iluminadas  ou  não,  Eliasson  sinaliza  com  o  uso  da  luz   intenções   claras   de   provocar   comportamentos   inusitados,   desde   seus   trabalhos   da   década   de   1990.   Em   1991,   na   intervenção   que   fez   no   Café   Krasnapolsky   em   Copenhaguem,  o  artista  usa  um  único  refletor,  montado  no  teto  e  direcionado  para  o   chão.   O   cone   de   luz   branca   convida   os   visitantes   a   ficarem   em   evidência,   iluminados   num  espaço  publico.  O  Título  Wannabe,  algo  como  “quero  ser”,  refere-­‐se  a  um  lugar   no   mundo,   implica   um   destaque   e   uma   posição   diante   das   coisas.   Visibilidade   e   responsabilidade  na  época  em  que  se  discutia  também  a  "Sociedade  do  Espetáculo",   segundo  o  livro  de  Guy  Debord  ,  citado    no  capítulo  2.     162     Na   montagem   de   Wannabe   dentro   da   mostra   Take   Your   Time,   o   artista   optou   por   replicar   a   obra   diversas   vezes   no   mesmo   espaço,   sugerindo   um   espaço   coletivo,   uma  vez  que  o  deslocamento  de  contexto  da  obra  subtraiu  o  ambiente  público  onde   foi   instalada   originalmente.   Aparentemente,   os   dois   trabalhos   –   Wannabe   e   360o.   room   for   all   colours   -­‐     tem   muitas   diferenças   técnicas   que   se   rebatem   no   resultado   visual.   Entretanto,   percebe-­‐se   em   ambos   o   convite   à   participação     através   desta   dimensão   espacial   que   o   campo   iluminado   cria,   jogando   com   luz   e   sombra,   configurando  zonas  antagônicas:  dentro  e  fora.         Figura  71  -­‐  Wannabe  na  montagem  de  Take  Your  Time  no  Moma  NY,  em  2007.     Em   outra   obra   exposta   no   Moma   NY,   Room   for   One   Colour,   o   artista   exacerba   seu  esforço  em  compreender  a  percepção  visual  das  cores,  anulando  diversas  delas,  na   criação  de  um  espaço  preto  e  amarelo.  Considerando  o  preto  como  ausência  de  cor,   resta   apenas   o   amarelo.   Os   comprimentos   das   ondas   das   lâmpadas   de   mono-­‐ 163     frequência   situam-­‐se   na   zona   amarela   do   espectro   visível   e   as   cores   são   revertidas   em   tonalidades  de  cinza  e  preto.  A  luz  emanada  do  teto  por  estas  lâmpadas  tinge  o  espaço   de   amarelo   e,   ao   mesmo   tempo   que   se   vê   a   cor   amarela,   neurologicamente   há   uma   compensação   da   falta   das   outras   cores   no   recinto.   Ver   apenas   uma   cor,   o   amarelo,   sugere  de  algum  modo  que  não  existem  as  demais.       "Eliasson  faz  o  processo  visual  do  espectador  ser  parte  da  equação  estética,   abrindo  o  espaço  de  seu  trabalho  para  trabalhos  gerados  pela  visão  humana   e,   o   que,   por   sua   vez,   interliga   o   corpo   e   a   sala,   eventos   externos   e   sensações  internas."  (GRYNSZTEJN,  2007).    Esta   instalação   integrou   a   mostra   de   Eliasson   na   Bienal   de   Veneza   de   2003,   dentro   do   Blind   Pavillion,   e   costuma   ser   colocada   na   entrada   de   suas   exposições,   operando   como   uma   limpeza   do   conturbado   mundo   de   "poluição   visual"   da   publicidade  por  todo  lado.  Configura  um  portal  de  passagem  entre  o  mundo  em  que   vive-­‐se  distraído  e  o  provocativo  universo  das  exposições  de  Eliasson.   Independente  desta  função,  Room  for  one  colour  demontra  a  convicção  de  que  a   experiência   humana,   inclusive   a   percepção,     baseia-­‐se   no   corpo.   Isto   reafirma   a   devoção  de  Eliasson  às  idéias  dos  fenomenólogos:  Husserl,  Bergson,  Merleau-­‐Ponty  e   Varela.   Todos   que   acreditaram   que   a   compreensão   do   mundo   ocorre   segundo   a   percepção  corporal  ,  à  partir  de  um  ser  fisiológico,  e  que  a  realidade  é  condicionada  a   isto  -­‐  sempre  respondendo  a  desdobramentos  circunstanciais.69   A  pesquisa    científica  afirma  que  a  percepção  da  cor  é  constante,  mas  há  fortes   interferências   do   meio   na   cor   de   um   objeto.   Somado   a   isto,   existe   também   uma   co-­‐ dependência   entre   cores   para   que   sejam   compreendidas,   servindo   uma   cor   de   parâmetro  para  outra.  Eliasson  tira  partido  dessas  inconstâncias  para  aguçar  o  olhar  e   a   memória   visual   dos   observadores.   Como   mencionado   sobre   o   efeito   afterimage,   existem  registros  que  persistem  nas  retinas  e  parte  do  processo  de  reconhecimento  de   uma  cor  deve-­‐se  à  memória  que  temos  sobre  esta  cor.     Na  obra  Your  colour  memory  (2004)    Figura  72  citada  por  Mieke  Bal  como  uma   das  mais  famosas  no  catálogo  Take  Your  Time,  o  tempo  de  cada  cor  e  a  ordem  entre                                                                                                                           69  Catálogo  TYT,  nota  15,  pág.29   164     elas   determina   a   experiência   temporal.   Na   obra,   o   campo   visual   é   tomado   por   uma   tela  circular  de  cor  intensa  magenta  que  muda  para  verde.  O  observador  enxerga  a  cor   que   está   sendo   emitida   e   transfere   a   cor   complementar   para   o   momento   seguinte,   quando  a  tela  está  iluminada  diferentemente,  num  processo  mental.   165       Figura  72  -­‐  Your  colour  memory,  2004.   166     Pesquisa Projeção - Remagine (versão grande), 2002.   Após  comentar  as  pesquisas  de  cor  e  luz  de  Eliasson,  as  obras  de  projeção  trazem   um   dado   novo:   as   imagens.   À   revelia   da   estrutura   do   capítulo,   não   é   possível   neglicenciar   o   fato   das   obras   de   projeção   abarcarem   cor,   luz,   imagem   e   movimento.   Mais   uma   vez   vale   dizer   que   a   justificativa   desta   separação   foi   a   ênfase   às   imagens   projetadas  nestas  obras.     "Tento   explorar   ambientes   que   se   concentrem   na   persistência   de   imagens   como   elemento   fundamental.   O   que   pode   ser   difícil   porque   os   próprios   ambientes   tendem   a   captar   a   atenção   das   pessoas.   Preciso   reverter   essa   situação  para  fazer  da  própria  persistência  de  imagens  o  tema  principal.  Tal   significaria   um   novo   passo   na   maneira   de   passar   a   responsabilidade   do   ambiente   para   os   outros.   O   que   é   divertido   é,   claro,   que   a   persistência   de   imagens   sublinha   a   natureza   dialogal   da   arte,   ao   contrário   do   cinema   comercial,  por  exemplo,  cujo  problema  é  basear-­‐se  na  expectativa  de  que  o   filme   deveria   nos   distrair,   sem   qualquer   noção   de   que   deveríamos   co-­‐ produzir  o  filme."  (ELIASSON,  2011.  p.96).   Baseado  neste  depoimento  de  Eliasson,  pode-­‐se  afirmar  que  as  imagens  em  seus   trabalhos   servem   de   chamariz   para   a   co-­‐produção   e   engajamento,   como   vemos   nas   demais   áreas   em   que   o   artista   se   coloca.   Notadamente,   na   instalação  Remagine   (2002   -­‐   Figura   57),   percebe-­‐se   um   diálogo   entre   o   visitante   e   as   imagens   projetadas.   O   observador  precisa  imaginar  um  espaço  tridimensional  para  a  obra  fazer  sentido.   Na   obra   Remagine,   trapézios   e   retângulos   são   projetados   na   parede   do   museu   simulando  variadas  profundidades,  como  se  abrisse  um  espaço  adjacente  à  sala.  Doze   refletores  moldam  padrões  retilíneos  da  luz  ao  longo  da  parede  da  galeria  em  direção   a   um   ponto   de   fuga.   Um   sistema   computadorizado   de   controle   liga   e   desliga   as   lâmpadas   em   diferentes   intervalos,   trocando   as   posições,   tamanhos   ângulos   e   contrastes   das   projeções,   que   se   sobrepõem   em   padrões   flutuantes   nas   paredes.   Existe  uma  versão  menor  dessa  peça  que  cria  os  mesmos  efeitos  com  sete  refletores.     167       Figura  73  -­‐  Moma  NY,  Olafur  Eliasson.  “Remagine”:  projeções  que  simulam  profundidades  diversas  em   superfície  plana.     Com   a   projeção,   forma-­‐se   uma   perspectiva   graças   aos   formatos   escolhidos.   Os   tons   de   cinza   atingidos   correspondem   à   intensidade   de   luz   branca,   dentro   da   gama   de   cores  possível  entre  o  brilho  total  do  branco  e  a  sombra  absoluta  do  preto.  A  colocação   de  máscaras  nos  refletores  define  as  sombras.       Figura  74  -­‐  Remagine,  2002.   168     O   resultado   apresenta   certa   transparência   desenhada   pelo   contraste   e   sobreposição   das   figuras,   no   encontro   das   zonas   iluminadas   com   as   zonas   de   sombreamento,  de  acordo  com  o  movimento  dos  doze  refletores  (  na  versão  grande   da   obra).   A   troca   das   posições,   tamanhos   e   ângulos   dos   padrões   projetados   é   controlada  por  uma  programação  computadorizada  que  provoca  um  ritmo,  ao  ligar  e   desligar  as  lâmpadas.   O   fato   das   projeções   ocuparem   toda   a   área   da   parede   do   museu   interfere   diretamente   na   percepção   que   o   visitante   tem   desse   espaço   e   na   noção   de   profundidade  que  a  obra  indica.  Essa  proporção  assemelha-­‐se  ao  ambiente  criado  pela   tela   do   cinema,   que   pode   variar   de   tamanho,   mas,   dentro   da   sala   escura,   ao   ocupar   uma  grande  área,  instaura  a  sensação  de  deslocamento  para  outro  espaço.       Figura  75  -­‐  Remagine,  2002.     Por   outro   lado,   a   referência   a   um   espaço   virtual   se   aplica   também   à   obra   em   análise,   pois   as   formas   geométricas   projetadas   caracterizam   a   rigidez   formal   comum   em  projetos  virtuais  simples,  pouco  elaborados.  De  fato,  a  tecnologia  dos  softwares  já   avançou   muito   e,   atualmente,   pode-­‐se   chegar   bem   próximo   da   fotografia   ou   da   imagem  de  cinema  em  projetos  virtuais,  sendo  assim,  a  obra  remete  aos  primórdios  da   computação  ou  a  projetos  intencionalmente  simples,  por  escolha  artística.   169         Figura  76  -­‐  Wall  Eclipse.  Moma,  2007.     Na   obra   Wall   Eclipse,   também   presente   na   Mostra   Take   Your   Time   há   uma   variação   na   experiência   da   projeção.   A   escala   da   projeção   também   coincide   com   a   parede   da   sala   e   o   movimento   da   sombra   sugere   que   a   própria   parede   esteja   girando.   Com   apenas   um   projetor   e   uma   superfície   retangular   dupla-­‐face   giratória,   o   artista   consegue  este  efeito,  sendo  uma  das  faces  mais  reflexiva  do  que  a  outra.     O   eclipse   é   o   fênomeno   natural   no   qual   um   corpo   celeste   oculta   o   outro   em   relação  ao  observador.  A  luz  solar  bate  no  primeiro,  fazendo  sombra  no  segundo.  Em   Wall  Eclipse,  esta  situação  transfere-­‐se  para  o  projetor  que  lança  luz  sobre  a  superfície   retangular   giratória,   ocultando   a   parede   com   sua   sombra   projetada.   Neste   caso,   não   abre-­‐se   uma   perspectiva   com   as   formas   projetadas,   mas,   ao   invés   disto,   ocorre   uma   desorientação   quando   enxerga-­‐se   uma   zona   de   sombra   grande   deslocando-­‐se   pela   sala.   Bauhaus.foto.filme   A   respeito   de   “Remagine”   pode-­‐se   dizer   também   que   resgata   a   memória   da   vídeo-­‐arte   experimentada   por   artistas   precursores,   na   Bauhaus   dos   anos   20.   Nesses   filmes,  as  composições  geométricas  são  recorrentes.  A  mostra  da  produção  audiovisual   da   Bauhaus   -­‐   “bauhaus.foto.filme”-­‐   realizada   pelo   SESC   Pinheiros   exibiu   o   filme   Rhythmus   21   de   Hans   Ritcher,   de   1921.   O   contemporâneo   de   Moholy-­‐Nagy   na     Bauhaus   foi   exibido   na   categoria   ‘arte   mídia’,   entre   alguns   exemplos   de   filmes   da   mesma  escola  com  imagens  geométricas  que  insinuam  a  tridimensionalidade.   170     Em   Rhythmus   21   ,   o   cineasta   Ritcher,   que   havia   estudado   pintura   na   própria   Bauhaus,  fez  uma  animação  de  quadrados  de  papel  de  diversos  tamanhos  diretamente   sob   a   câmera   –   brancos,   cinzas   e   pretos,   em   um   tempo   controlado   e   um   ritmo   sistemático,   conforme   a   descrição   da   técnica   utilizada,   no   catálogo   da   mostra   bauhaus.foto.filme.         Rhytmus  21,  1921.  Hans  Ritcher.  Figura  77  –  a.  Contatos  de  todas  as  imagens  do  filme.    /Figura  4  b.   Penúltima  imagem  do  filme.   171     Mostra  Videobrasil   Quando,   em   2011,   participou   na   mostra   Videobrasil,   em   São   Paulo,   e   filmou   a   cidade   em   parceria   com   o   cineasta   Karim   Ainouz   -­‐   o   vídeo   Sua   cidade   empática”,demonstrou  grande  influência  de  cores  e  formas  da  obra  de  Moholy-­‐Nagy.   No   trabalho   exposto   na   Mostra   Seu   Corpo   da   Obra,   parte   da   mostra   Videobrasil,   nota-­‐ se   novamente   a   perspectiva   cônica,   com   pontos   de   fuga   ,   presente   em   “Remagine”.   Entretanto,  o  ponto  técnico  em  destaque  no  filme  de  2011  era  o  efeito  afterimage70,   no   qual   como   a   maioria   das   obras   de   Olafur,   a   recepção   e   construção   da   imagem   depede  de  um  processo  cerebral,  ou  seja,  só  acontece  no  corpo  do  observador.         Figura  78  -­‐  Foto  da  exibição  de  ‘Sua  Cidade  Empática”no  SESC  Pompeia,  em  2011.   Figura  79  -­‐  Foto  da  exibição  de  ‘Sua  Cidade  Empática”no  SESC  Pompeia,  em  2011.     Os   fenômenos   óticos   de   diversas   obras   de   Olafur,   assim   como   descrito   pelo   curador  Jochen  Volz,  no  catálogo  da  mostra  Seu  Corpo  da  Obra,  acontecem  :   “apenas   em   nossa   retina,   não   no   espaço.   Do   mesmo   modo,   em   Sua   cidade   empática,   a   consciência   de   nossa   atividade   visual   real   casa-­‐se   com   o   reconhecimento   de   lugares   de   São   Paulo;   dessa   maneira   vemos   que   nossa   autopercepção  está  unida  à  percepção  daquilo  que  nos  rodeia.  As  instalações  de   Eliasson   funcionam   como   ferramentas   que   modificam   nossa   visão   do   mundo,   e   o   prazer   lúdico   de   seu   trabalho   consiste,   em   última   instância,   em   nada   mais   do   que  a  alegria  de  perceber,  aprender  e  compreender  a  nós  mesmos.”                                                                                                                           70  Fenômeno  que  ocorre  quando  o  cérebro  envia  impulsos  nervosos  para  os  olhos  que  parecem  luzes  de   cores  complementares,  mesmo  de  olhos  fechados.     172     Narrativas  -­‐  Sequências   Ao   trabalhar   com   imagens   projetadas,   Eliasson   explicita   seu   trabalho   de   editor   da   realidade   que   aparece   nos   trabalhos   em   que   alterna   materiais   translúcidos   e   opacos.  Como  no  caso  do   Blind  Pavillion  onde,  ao  longo  do  percurso,  revela  e  oculta   visadas   do   exterior,   por   consequência,   definindo   também   os   pontos   de   vista   como   um   editor  de  vídeo,  ou  um  fotógrafo  faria.   Na  verdade,  o  que  motiva  este  tipo  de  sequência  proposta  pelo  artista  é  também   grifar   a   mediação   nos   processos.   Fazer   o   observador   notar   que   há   uma   edição,   que   tem   algo   sendo   contado   e   que   o   espaço   não   é   neutro.   O   espaço   tem   uma   série   de   informações   que   cada   um   edita   a   seu   modo,   com   seu   olhar,   mas   também   pode   ser   experimentado   de   modo   mais   pleno,   se   este   observador   entender   que   está   participando.  Se  este  visitante  não  for  só  um  observador,  mas  um  co-­‐produtor,  e  para   isto  sentir  este  espaço  através  dos  demais  sentidos  também.   Perguntado  sobre  buscar  um  espaço  multissensorial,  Eliasson  declarou  que  não   busca   um   espaço   com   determinadas   características.   O   que   o   artista   trabalha   é   a   relação   entre   os   espaços.   No   caso   da   projeção,   a   relação   entre   o   espaço   da   sala   e   o   espaço  da  imagem.     Em   algumas   obras   projetadas   observa-­‐se     desenhos.   De   forma   lúdica,   padrões   distorcidos  pelos  ângulos  de  projeção  inundam  os  espaços.    Configura-­‐se  um  jogo  de   luz  e  sombras  que  beira  o  formalismo  e  perde  a  força  da  pesquisa  do  artista  em  criar   novos  espaços  com  a  luz,  apesar  de  alterar  a  percepção  dos  espaços  existentes.     173     Pesquisa Movimento - I Only See Things When They Move, 2004.   Para  pensar  o  que  denota  movimento  nas  obras  de  Olafur  Eliasson,  é  necessário   lembrar   quais   os   possíveis   movimentos   nos   espaços   das   obras   e   porque   eles   são   induzidos.  O  movimento  circular,  giratório,  notado  em  algumas  instalações    dá  a  noção   de   um   ciclo   temporal   contínuo.   O   movimento   linear   na   trajetória   entre   as   obras   ou   através   delas   passa   a   ideia   de   sequência,   marcação   de   ritmos,   e   também,   como   todos,   a   passagem   de   tempo.   Agora,   se   o   enfoque   for   pensar   o   que   se   movimenta   nas   obras,   surgem   outras   questões,   como   o   movimento   do   olhar,   o   deslocamento   do   corpo   do   visitante  pelo  espaço  ou  o  movimento  motorizado  das  instalações.     Na   instalação   I   Only   See   Things   When   They   Move,   havia   movimentos   sincronizados,   efeito   do   motor   giratório,   que   somavam-­‐se   aos   movimentos   espontâneos   dos   corpos   dos   visitantes,   aleatórios.   A   obra   consiste   em   vidros   coloridos   pendentes  do  teto,  que  formam  uma  luminária  no  centro  de  uma  galeria  escura.  Um   motor   gira   os   vidros   individualmente   ,   moldando   um   padrão   móvel   colorido   de   reflexos  verticais  nas  paredes  circundantes.   Figura  80  -­‐  Foto  da  obra  "I  Only  See  Things  When  They  Move",  2004.   174     De  todo  modo,  seja  qual  for  o  movimento  provocado  por  Eliasson,  este  tipo  de   obra   remete   à   arte   cinética.   Conforme   comentado   anteriormente,   as   obras   cinéticas   são   geradas   em   função   de   movimentos,   sejam   deslocamentos   do   observador   para   perceber   variações   das   obras,   que   nunca   são   visualizadas   plenamente   de   apenas   um   ângulo;  seja  por  obras  motorizadas  que  se  transformam  a  cada  movimento.     Esta  noção  de  movimentos  variados  é  importante  para  entender  que  sem  eles  a   obra   não   existe.   No   movimento   artístico   dos   anos   1960,   cinética   designa   transformação  e  contaminação  do  espaço  pela  intervenção  artística.  A  escolha  da  obra   I  Only  See  Things  When  They  Move  como  ponto  de  partida  para  estudar  Olafur  Eliasson   ocorreu   em   função   destes   indícios   de   resgate   do   pensamento   cinético,   presentes   na   instalação,  percebidos  na  instalação  do  Moma  NY.       Figura  81  -­‐  Foto  de  visitantes  dentro  da  sala  do  Moma  com  a  instalação  "I  Only  See  Things  When  They   Move",  Nova  Iorque,  em  2008.     175     Neste   caso,   vidros   coloridos   pendentes   do   teto   giravam   em   torno   de   seus   próprios   eixos   e   circundavam   um   tripé   e   refletores   percorriam   a   mesma   trajetória   circular,  360  graus  ,  mas  as  velocidades  variavam.  Ao  atravessar  os  vidros  coloridos,  a   luz  se  propagava  por  todo  o  ambiente,  inundado  de  cores.  O  efeito  visual  atingido  era   a   projeção   de   faixas   coloridas   que   variavam   de   largura,   enquanto   circulavam   nas   paredes,  o  que  para  os  termos  de  Moholy-­‐Nagy  poderia  considerar-­‐se  uma  ativação  do   espaço  pela  luz  em  movimento.    Os  corpos  dos  visitantes  andando  pela  sala  também   geram   imagens   com   reflexos   nos   vidros   e   sombras   nas   paredes   e   eram   parte   fundamental  da  obra.       Figuras  82a)  e  b)  -­‐  “I  Only  See  Things  When  They  Move”",  Olafur  Elliasson.  2004     Nos  registros  da  exposição  Take  Your  Time  (Figuras  82),  ou  mesmo  na  página  do   Moma   NY   na   internet,   as   figuras   de   sombras   sobre   faixas   circulantes   remetem   a   um   cinetoscópio.  Provavelmente,  devido  ao  ritmo  das  faixas  e  giros,  não  raro,  flagrava-­‐se   176     alguém   dançando,   numa   música   silenciosa.   Notava-­‐se   uma   coreografia   espontânea   entre  a  luz,  os  objetos  e  a  reação  das  pessoas.   Além   da   expansão   do   objeto   central   para   assumir   todo   o   espaço   da   sala,   os   participantes   acrescentam   novos   fatores   a   cada   montagem   da   obra.   Olafur   Eliasson   acompanha   as   pesquisas   em   neurociência,   de   onde   busca   informações   para   propor   interatividade.   O   conceito   de   “neurônio   espelho”   explica   algumas   das   atitudes   prováveis   diante   da   instalação   “I   Only   See   Things   When   They   Move”,   conforme   publicado  pelo  neurocientista  Marco  Iacoboni  no  jornal  The  New  York  Times.     "Quando  alguém  me  vê  puxar  o  braço  para  trás  como  se  fosse  atirar  uma  bola,  essa   pessoa   também   tem   no   seu   cérebro   uma   cópia   daquilo   que   estou   a   fazer   e   isso   ajuda-­‐a  a    compreender  meu  objetivo.  Por  causa  dos  neurônios  espelho,  pode  ler   as   minhas   intenções.   Sabe   o   que   vou   fazer   a   seguir."(IACOBONI,   2006.   cit.   “A   Visualidade  Háptica  e  Os  Neurônios  Espelho”)   No   centro  de   uma  galeria   quadrada  do   Moma   NY,  um   tripé  metálico   suportava  o   mecanismo   rotatório   de   luzes   e   um   cilindro   transparente,   a   aproximadamente   um   metro   e   meio   de   altura.   Medida   que   coincidia   com   a   altura   dos   olhos   dos   visitantes.   Estes  podem  ser  considerados  outros  fatores  que  geravam  os  movimentos  das  pessoas   ao  redor  da  luminária:  a  posição  central,  a  altura  que  possibilitava  ver  os  reflexos  e  os   feixes  de  luz  radiais  que  se  projetavam  desta  fonte  central.   Interpretar  livremente  o  título  “Eu  apenas  vejo  coisas  quando  se  movem”,  onde   há   a   associação   do   movimento   à   percepção   das   coisas,   parece   constatar   que   a   existência  de  um  corpo  só  é  possível  graças  a  outro  que  o  percebe;  e  sucessivamente,   em  relação  aos  demais71.  Ou  seja,  afirmar  que  as  coisas  existem  porque  são  percebidas   pelos  corpos  dos  seres  vivos,  cria  um  interdependência  e  uma  responsabilidade.  Todos   os   estudos   óticos   de   Eliasson   passam   necessariamente   pelo   corpo   do   observador,   e   este  é  o  ponto  principal  de  sua  pesquisa:  que  o  visitante  sinta-­‐se  parte  e  engaje-­‐se  no   trabalho,  como  agente  viabilizador  da  proposta.                                                                                                                             71  “Não  vemos  partes  isoladas,  mas  relações.  Isto  é,  uma  parte  na  dependência  de  outra  parte.  Para  a   nossa   percepção,   que   é   resultado   de   uma   sensação   global,   as   partes   são   inseparáveis   do   todo   e   são   outra  coisa  que  não  elas  mesmas,  fora  desse  todo.”  Fundamentação  teórica  da  Gestalt,  em  Gestalt  do   Objeto:  Sistema  de  Leitura  Visual  da  Forma.  Autor:  João  Gomes  Filho.   177     A   frase   “eu   apenas   vejo   coisas   quando   se   movem”   refere-­‐se   ao   trabalho   dos   biólogos   Humberto   Maturana   e   Francisco   Varela,   no   qual   a   premissa   de   que   “tudo   é   dito  por  um  observador”  norteia  os  experimentos  com  sistemas  nervosos  e  óticos  de   seres   vivos.   Os   cientistas   juntos   desenvolveram   uma   pesquisa   transdisciplinar   enfatizando   o   caráter   unitário   da   organização   do   sistemas   vivos   e   consideravam   o   homem  uma  máquina  autopoiética72  (do  grego:  que  produz  a  si  mesmo).     “Como  diz  o  neurocientista  chileno  Francisco  Varela,  a  percepção  não  ocorre   apenas   no   cérebro,   mas   no   cérebro   e   no   corpo   como   uma   totalidade.   Em   arte,  por  muito  tempo,  se  valorizou  muito  mais  o  cérebro,  e  quando  o  corpo   é  discutido  é  como  se  nunca  ninguém  tivesse  se  movido.  Por  conta  disso,  a   relação  entre  corpo  e  mente  é  bastante  sofrível  em  relação  à  neurociência   cognitiva,   onde   há   muitos   experimentos   sofisticados,   que   comprovam,   por   exemplo,   que   nós   nos   vemos   de   acordo   com   o   nosso   movimento”.   (ELIASSON,  2013  -­‐  em  entrevista  ao  Jornal  O  Globo)   A  relação  arte  e  tecnologia  percebida  na  montagem  desta  instalação  faz  parte  de   uma   corrente   histórica   da   arte   que   se   entrelaça   em   momentos   cruciais   de   desenvolvimento   científico.   Considerando   a   observação   dos   corpos   em   movimento,   os   fenômenos   óticos   e   a   composição   dos   próprios   materiais,   estamos   o   tempo   todo   falando   de   ciências.   As   descobertas   cientificas   do   inicio   do   século   XX   fascinavam   os   artistas  e  entraram  como  tema  de  pinturas  figurativas,  materiais  novos  em  esculturas,   enquadramento  de  cenas  e  metáforas  frequentes  do  corpo  como  máquina.     A   máquina   de   I   Only   See   Things   When   They   Move   foi   concebida   de   modo   aparente   para   esclarecer   que   não   tratava-­‐se   de   um   truque,   mas   de   um   convite   a   participar  da  obra.  Ao  utilizar  mecanismos  para  preencher  este  espaço  com  luz  e  cores   de  maneira  singela,  Olafur  Eliasson  dialoga  com  invenções  anteriores.                                                                                                                             72  “Para  Maturana  e  Varela  os  seres  vivos  são  um  tipo  particular  de  máquinas  homeostáticas,  que  eles   denominam  de  autopoiéticas.  [...]  Nos  sistemas  em  que  o  mecanismo   responsável   pela   estabilidade   é   interno   ao   mecanismo   da   máquina,   ou   seja,   nos   quais   as   fronteiras   são   definidas   pela   própria   organização  da  máquina  tem-­‐se  um  tipo  especial  de  máquinas  chamadas  de  homeostáticas.  A  idéia  de   autopoiesis   é   uma   expansão   da   idéia   de   homeostase   em   duas   direções   importantes:   ela   transforma   todas   as   referências   da   homeostase   em   internas   ao   sistema;   ela   afirma   ou   produz   a   identidade   do   sistema.   Ou   seja,   esses   sistemas   produzem   a   si   próprios,   dessa   forma   produzem   a   sua   identidade   distinguindo-­‐se   a   si   mesmos   do   seu   ambiente.   Daí   o   termo   autopoiéticos,   do   grego   auto   (própria)   e   poiesis(produção).”(  autora:  Edla  M.  F.  Ramos).   178     Na  obra  escolhida,  por  exemplo,  nota-­‐se  semelhanças  com  os  experimentos  de   Lázlo  Moholy-­‐Nagy,  quando  professor  da  BAUHAUS.  Conforme  comentado  no  primeiro   capítulo,   em   seu   único   filme   totalmente   experimental   e   abstrato,   após   anos   com   o   projeto  de  filmar  “uma  instalação  luminosa  para  um  palco  elétrico”,  o  artista  construiu   uma   estrutura   composta   por   chapas   e   utensílios   metálicos,   na   qual   ele   iluminava   elementos   perfurados   que   movimentavam-­‐se   em   torno   de   seus   eixos   e   apoiavam-­‐se   numa   base   giratória,   cuja   a   rotação   prevalecia   sobre   os   movimentos   dos   demais   objetos.     No  verão  de  1930,  a  instalação  Modulador  de  Espaço-­‐Luz  foi  exposta  como  uma   escultura  individual,  na  Deutscher  Werkbund  (Federação  Alemã  do  Trabalho).  Embora   o  produto  final  tenha  sido  um  filme  com  edição  inovadora  para  a  época,  que  registrava   magnificamente   a   expansão   do   objeto   em   seu   entorno,   ocupando   e   criando   uma   atmosfera   ao   seu   redor.   O   que   Moholy-­‐Nagy   conseguiu   com   este   invento   foi   uma   verdadeira  pintura  de  luz  no  espaço.  “Moholy-­‐Nagy  pretendia  pintar  com  a  luz,  em  vez   de   pigmento:   pintura   em   movimento,   de   branco   banhado   de   luz   aos   mais   variados   tons  de  cinza.”  (  catálogo  da  exposição  “bauhaus.foto.filme”,  Sesc  Pinheiros,  SP,  2013.)       Figura  83    -­‐  1930,  Instalação:  “Light-­‐Space  Modulator"  (Modulador  de  Espaço-­‐Luz),  Lazlo  Moholy-­‐ Nagy.   Figura  84  1930/32  –  Filme:  “Um  jogo  de  luz:  preto-­‐branco-­‐cinza”,  6’,  mudo,  16mm  (originalmente  35   mm),  p&b.  Direção,  câmera,  edição  e  produção:  Lazlo  Moholy-­‐Nagy.     179     "Para   mim,   o   movimento   no   seu   sentido   mais   basilar,   cria   uma   noção   de   presença,   [...]um   aqui   e   agora   que   implica   um   pico   temporal   no   qual     a   verdade   de   uma   situação   pode   ser   revelada.   O   movimento   encerra   uma   grande   possibilidade   de   compreensão  do  modo  como  nos  sentimos  parte  de  outra  coisa,  da  interação  com   as  pessoas.  Se  não  nos  movemos,  não  nos  encontramos."(ELIASSON,  2012.p.272)   Por   acreditar   nessas   circunstâncias   que   permitem   que   encontros   aconteçam,   Eliasson   fez   a   obra  We   Only  Meet   When   We   Move  (2004)   cuja   a   técnica   de   iluminação   lembra   I   Only   See   Things   When   They   Move   e   o   resultado   das   projeções   listradas   nas   paredes   também.   Numa   observação   mais   atenta,   nota-­‐se   que   o   movimento   circular   em  torno  do  próprio  eixo  é  o  que  possibilita  o  encontro  das  faixas  amarelas  e  violetas   projetadas  pela  luz  negra(daylight)  interna  da  luminária.   Na  primeira  montagem,  no  ARoS  Aarhus  Kunstmuseum,  na  Dinamarca,  uma  sala   triangular   foi   especialmente   construída   com   uma   coluna   central   para   receber   o   aparato   luminoso.   Eliasson   usou   um   trilho   circular   que   fazia   com   que   a   'luminária'   circundasse   a   coluna   e   sua   sombra   fosse   confundida   com   as   demais   faixas   de   sombras   das   partes   opacas,   vidros   negros   entre   os   vidros   amarelos.   Nesta   instalação,   o   observador   não   conseguia   se   ver   nos   reflexos   da   luminária   que   estava   colocada   no   alto,  mas  identificava  sua  sombra  nas  paredes  circundantes.     180       Figura  85  -­‐  foto  da  instalação  We  Only  Meet  When  We  Move  no  ARoS  Aarhus  Kunstmuseum.   Dinamarca,  2004.       Figura  86  Foto  da  instalação  We  Only  Meet  When  We  Move,  2004.     181     A  instalação,  We  Only  Meet  When  We  Move(Nos  Encontramos  Apenas  Quando  Nos   Movemos)  foi  transferida  para  um  tripé  em  outras  montagens,  como  no  Museu  Reina   Sofia(2007-­‐   Figura   86),   em   Madri,   Espanha.   Ganhou   assim   mais   semelhanças   com   a   experiência   de   escala   percebida   em   I   Only   Se   Things   When   They   Move   (Apenas   Vejo   Coisas   Quando   Se   Movem).   Uma   vez   que   Eliasson   pensa   na   reciprocidade   entre   as   pessoas   e   as   coisas   que   as   circundam,   e   que   há   uma   tendência   em   humanizar   objetos,   como   híbridos,   estes   limites   tornam-­‐se   tênues   e   a   ironia   em   fazer   das   faixas   de   luz   personagens  que  se  encontram  é  apropriada  ao  contexto.   Pelos  títulos,  o  artista  informa  que  faixas  de  cores  formam-­‐se  nas  sobreposições     e   por   isso   só   podem   ser   vistas   quando   os   vidros   se   movem   em   "Apenas   Vejo   Coisas   Quando   Se   Movem"   e,   na   outra   instalação,"Nos   Encontramos   Apenas   Quando   Nos   Movemos",   as   faixas   se   encontram   devido   ao   movimento   giratório.   Ambas   são   metáforas   para   as   possibilidades   de   interação   coletiva   entre   as   pessoas   na   obra,   neste   espaço  sugestivo.   "Se   não   nos   movemos,   não   nos   encontramos.   [...]   É   apenas   por   via   do   movimento   que   se   abre   o   caminho   para   o   nosso   envolvimento   com   os   objetos   e,   assim   que   nos   envolvemos,   tanto   o   que   nos   rodeia   como   os   objetos   se   tornam   relativos.   E   é   apenas   quando   as   coisas   e   os   sistemas   se   tornam   relativos   que   podemos   reconsiderá-­‐los,   renegociar   a   nossa   envolvente.  Portanto  o  movimento  é  uma  condição  necessária  para  a  nossa   avaliação  do  mundo,  para  a  crítica."  (ELIASSON,  2012.p.272)   182     Figura  87  One-­‐Way  Colour  Tunnel    (túnel  de  Uma  Direção),  instalação  mostra  Take  Your  Time.  Moma   São  Francisco,  em  2007.       Na   aplicação   prática   do   pensamento   que   Eliasson   defende   sobre   a   importância   do   movimento   na   percepção   do   espaço   para   uma   realidade   negociável,   os   vários   túneis   feitos   por   Eliasson   são   fundamentais   para   o   artista,   onde   o   tempo   que   se   demora   a   atravessá-­‐los   é   a   única   maneira   de   ter   a   experiência   deste   espaço.   O   exemplo  que  esteve  montado  na  mostra  Take  Your  Time  de  São  Francisco  é  o  One-­‐Way   Colour  Tunnel  (Túnel  Colorido  De  Um  Sentido,  2007),construído  especificamente  para   uma  passagem  em  ponte  existente  na  arquitetura  do  museu.   "Pense   nas   minhas   instalações   de   túneis:   temos   de   atravessá-­‐los   para   executar  os  trabalhos.  Tornamo-­‐nos  co-­‐construtivos,  já  que  os  túneis  apenas   existem   durante   os   quinze   segundos   que   demora   atravessá-­‐los.   E   nesses   segundos   eles   sofrem   uma   mudança   de   aparência     contínua.   Tornam-­‐se   relativos  à  nossa  posição."  (ELIASSON,  2012.p.272)     183     Como   o   título   indica,   "Túnel   Colorido   De   Um   Sentido",   tratava-­‐se   de   uma   construção  para  ser  vista  apenas  em  um  sentido,  pois  a  visada  contrária  omitia  todas   as  cores  da  proposta  artística.  A    aparência  caleidoscópica    do  túnel  resgatava  todas  as   questões   dos   cristais:   as   transparências,   a   constante   mudança   de   cor   e   aspecto   conforme  o  movimento  do  observador.  Ou  seja,  o  evento  efêmero  de  ver  uma  cor  e  no   momento   seguinte   ela   ter   se   tornado   outra   pela   nova   incidência   da   luz.   Por   esse   motivo,  os  eventos  efêmeros  que  proporcionam,  as  obras  caleidoscópicas  de  Eliasson   carregam  um  sentido  de  tempo  incrustrado  nelas.                   184       O Tempo, O Espaço, A Luz e O Movimento. Colocar   Weather   Project   e   Take   Your   Time   em   perspectiva,   compará-­‐las   nesta   dissertação   e   considerar   que   já   passaram   doze   anos   da   primeira   e   sete   anos   da   segunda   exposição,   é   um   exercício   que   une   passado-­‐presente-­‐futuro.   Pois   a   cada   consulta  aos  novos  trabalhos  de  Eliasson  já  é  possível  ver  o  futuro  de  Take  Your  Time  e   os  desdobramentos  de  Weather  Project.  Por  este  motivo,  na  análise  das  duas  mostras,   foi   importante   incluir   trabalhos   mais   recentes,   para   entender   que   Olafur   Eliasson   faz   pesquisas   continuamente,   mas   não   há   uma   linearidade   de   investigação,   assim   como   existem  retornos  a  experimentos  anteriores.     Os   trabalhos   acontecem   em   ciclos   alternados   e,   no   desenvolvimento   de   cada   experimento,   entre   as   obras   se   estabelece   uma   noção   de   tempo   não-­‐linear.   O   maior   exemplo   disto   é   a   obra   Weather   Project,   uma   grande   exibição   que   poderia   ser   considerada  o  encerramento  de  uma  pesquisa.  No  entanto,    a  obra  serviu  de  ponto  de   partida   para   outros   pequenos   experimentos   e   para   a   atuação   do   artista   na   comunicação  dos  museus.   Seja   qual   for   o   exemplo,   tratando-­‐se   de   Olafur   Eliasson,   a   aproximação   dos   espaços   deve   ser   através   dos   aspectos   de   tempo.   O   tempo   que   engloba   todas   as   experiências   propostas   pelo   artista,   seja   de   luz   ou   de   movimento.     Eliasson   usa   o   tempo   como   ferramenta   para   proporcionar   uma   experiência   plena   do   espaço,   o   que   remete  aos  textos  de  Moholy-­‐Nagy  sobre  como  seria  o  futuro  artista.    Em   1947,   quando   Moholy-­‐Nagy   escreveu   sobre   os   experimentos   futuros   necessários  para  o  trabalho  em  artes  visuais,  definiu  muitas  das  atividades  de  Eliasson.   Não  é  por  acaso  que  os  textos  de  Moholy-­‐Nagy  são  importantes  e  seguidos  por  artistas   até  hoje,  mas  devido  ao  caráter  visionário  do  mestre  da  Bauhaus.     "A   maioria   do   trabalho   visual   do   futuro   apoia-­‐se   no   "Pintor   de   Luz".   Ele   precisará   de   conhecimento   científico   de   física   e   habilidade   tecnológica   de   engenheiro   associadas   à   sua   própria   imaginação,   intuição   criativa   e   intensidade  emocional.  Ainda  é  difícil  detalhar  mais,  mas  nos  experimentos   futuros,  pesquisa  na  fisiologia  do  olho  e  nas  propriedades  físicas  da  luz  serão   uma  parte  importante."  (MOHOLY-­‐NAGY,  1947.p.167)   185     As  semelhanças  dos  textos  antigos  de  Mohol-­‐Nagy  com  a  atividade  profissional   de   Olafur   Eliasson   podem   ser   coincidências,   ou   o   artista   segue   mesmo   as   previsões   de   Moholy-­‐Nagy,   uma   vez   que   o   declara   como   fonte   de   conhecimento.   De   qualquer   modo,   o   empenho   dedicado   e   o   volume   de   trabalho   produzido   pelo   Studio   faz   de   Eliasson   uma   nova   referência   nesta   área   de   pesquisa   que   une   espaço,   movimento   e   luz.   Estes   são   os   elementos   que   indicam   a   busca   por   um   espaço   multi-­‐sensorial   para   ambos   artistas.   A   experiência   plena   do   espaço   era   comentada   também   por   Moholy-­‐ Nagy,    em  Vision  in  Motion  (1947):   "Nada  é  alcançado  sem  esforço.  Nunca  se  deve  cansar  de  observar  o  simples   ou  rico  fenômeno  de  luz  e  cor  oferecido  pela  rotina  diária  em  casa,  no  palco,   na   rua   e   no   laboratório.   Deve-­‐se   explorar   suas   características   genuínas,   suas   qualidades  peculiares.  Então  todos  os  empenhos  vão  apontar  -­‐  como  Raoul   Hausmann   previu   -­‐   numa   direção,   para   uma   arte   ortofônica.   Isto   nos   permitirá   ver   música   e   ouvir   fotos   simultaneamente:   uma   articulação   surpreendente   de   tempo-­‐espaço.   Os   primeiros   passos   para   isto   -­‐   a   arte   mural   de   hoje   -­‐   leva   mais   provavelmente   através   de   fotografia,   cinema   e   televisão."  (MOHOLY-­‐NAGY,  1947.p.167)     Figura  88  -­‐  Moholy-­‐Nagy  em  Vision  in  Motion,  1947.  p.167.     A   análise   das   mostras   de   Eliasson,   Weather   Project   e   Take   Your   Time   conduz   ao   reconhecimento   dos   esforços   no   sentido   de   desenvolver   espaços   que   sensibilizam   os   visitantes,  um  passo  na  direção  de  uma  experiência  plena  do  espaço.  Não  cabe  aqui  avaliar  a   eficiência   do   engajamento   pretendido   por   Eliasson,   mas   apenas   colocar   a   sua   participação   num  processo  existente  anteriormente  na  História  da  Arte  e  que  deve  ser  continuado.   186     Capítulo 4. Considerações Finais   Partindo   da   visita   à   exposição   Take   Your   Time,   a   análise   das   obras   do   artista   dinamarquês  Olafur  Eliasson  enseja  um  percurso  teórico  que  passa  pela  Arte,  Ciência  e   Filosofia.   O   reconhecimento   nas   obras   das   influências   de   movimentos   artísticos   anteriores  -­‐  Arte  Cinética  e  Light  &  Space  -­‐  definiu  um  primeiro  filtro  para  seleção  das   exposições  a  serem  analisadas.     No  primeiro  capítulo,  a  trajetória  de  Olafur  Eliasson  é  apresentada  em  relação  ao   estudo   do   espaço,   notadamente   sob   os   aspectos   de   luz   e   movimento.   Para   isto,   as   obras   de   Lászlo   Moholy-­‐Nagy   -­‐   Arte   Cinética   -­‐   e   de   James   Turrell   -­‐   Light   &   Space   -­‐   serviram   de   paralelo.   No   decorrer   da   pesquisa,   outros   fatores   foram   ganhando   importância  e  a  relação  entre  estes  artistas  apareceu  pontualmente,  nos  comentários   das  obras  de  Eliasson.   O  fato  do  artista  se  expressar  frequentemente  na  mídia  e  publicar  diversos  livros,   tornou  necessário  conhecer  a  teoria  que   ele  mencionava,  seu  vocabulário  específico,   através  do  qual  entende-­‐se  grande  parte  do  seu  discurso,  seus  argumentos,  bem  como   os  títulos  atribuídos  às  obras.    Curiosamente,  Olafur  Eliasson  fala  sobre  a  naturalização   com   que   percebemos   os   espaços   como   se   não   percebessea   complexidade   do   seu   vocabulário,  impregnados  de  um  denso  lastro  filosófico.   No   campo   da   arte   tem   havido   uma   reciprocidade   com   a   filosofia   -­‐   sobretudo   a   fenomenologia  -­‐,  alicerçando  processos  de  transformação  recentes,  suscitando  trocas   frequentes  e  profundas  entre  profissionais,  contribuindo  para  um  entendimento  mais   amplo   do   espaço.   No   entanto,   quando   se   trata   do   visitante   do   museu,   inclui-­‐se   um   público  mais  diversificado  com  o  qual  o  artista  pretende  ter  uma  comunicação  direta.   De   fato,   quanto   aos   fenômenos   presentes   nas   instalações   de   Eliasson,   no   primeiro   momento   de   contato   com   as   obras   o   que   há   é   uma   empatia   do   público,   uma   identificação   espontânea   com   os   fenômenos   naturais   conhecidos.   O   que   se   revela,   187     logo  em  seguida,  são  os  fenômenos  artificiais  provocativos,  híbridos   e  alinhados  com  a   natureza  e  com  a  máquina  no  museu.    Diante  das  propostas  expográficas  distintas  de  Weather  Project  ,  que  marcou  a   identidade   de   Eliasson   numa   grande   obra,   e   Take   Your   Time,   que   exibiu   a   multiplicidade  de  experimentos  do  artista,  formou-­‐se  um  panorama  rico  de  referências   e   reavaliações   do   espaço.   Embora   esta   dissertação   vise   expor   este   panorama   de   obras   de   Olafur   Eliasson,   seria   demasiado   superficial   e   extenso   abordar   toda   a   sua   produção   neste   trabalho.   Tarefa   pretensiosa   que   o   artista   se   colocou   na   publicação   "Studio   -­‐   Uma  Enciclopédia"  e,  onde  fato,  ocorre  a  superficialidade  de  um  catálogo  meramente   expositivo,  onde  a  crítica  e  a  criatividade  de  Eliasson  são  mal  representadas.     O   presente   estudo   sobre   Olafur   Eliasson   não   pretende   esgotar   o   tema,   as   interseções  entre  Arte  e  Arquitetura  no  estudo  do  espaço  .  A  trajetória  do  artista  e  sua   multiplicidade   mereciam   mais   aprofundamento,   mas   o   encantamento   diante   de   tamanha   produção   artística,   dificultou   o   processo   de   seleção   e   hierarquia   entre   os   elementos   que   surgiram   com   a   pesquisa.   Acredita-­‐se   que   o   conteúdo   exposto   seja   apenas  uma  apresentação  do  universo  em  que  o  artista  trabalha,  podendo  interessar  o   leitor   em   restringir   mais   o   tema   de   aprofundamento,   ao   indicar   estas   fontes   de   pesquisa.   Vale  ressaltar  que  grande  parte  das  fontes  pesquisadas  sobre  Eliasson  encontra-­‐ se  em  outros  idiomas,  a  maioria  em  inglês,  portanto  a  tradução  de  alguns  trechos  bem   como  a  leitura  nestes  idiomas  contribui  para  divulgação   deste  conhecimento.  A  página   do   artista   na   internet   oferece   muitas   imagens   e   textos   que   foram   utilizados,   embora   a   interface   de   comunicação   tenha   mudado   recentemente   para   uma   configuração   mais   randômica,  onde  as  obras  podem  ser  agrupadas  de  modo  mais  aleatório,  conforme  o   tema  da  busca.  Inicialmente,  era  possível  acessar  os  textos  antigos  de  outros  artistas,   que  Eliasson  disponibilizava  como  fontes  declaradas  de  referência  e  inspiração.   Dentre   os   assuntos   deliberadamente   não   abordados   nesta   dissertação,   está   a   renomada  produção  em  estruturas  espaciais  de  Frei  Oto,  assim  como  a  ligação  com  o   modo   holístico   de   B.   Fuller   pensar   o   espaço,   fontes   declaradas   por   Eliasson   na   sua   página  digital  anterior.  Em   paralelo  ao   conteúdo   exposto  neste  trabalho,  podem   surgir   188     mais   pesquisas   sobre   temas   correlatos   como   a   dinâmica   colaborativa   do   Studio,   em   Berlim;  ou  a   contribuição   de  Eliasson  para   uma   renovação  do  estudo  da   arte   junto  à   universidade  em  Berlim,  nos  últimos  cinco  anos.   A  complexidade  filosófica  encontrada  no  repertório  do  artista  e  a  variedade  de   obras  tornou  o  trabalho  de  pesquisa  muito  maior  do  que  o  planejado  no  pré-­‐projeto   de   dissertação.   Houve   um   longo   período   até   a   definição   das   obras   a   serem   comentadas,  enquanto  os  critérios  adequados  eram  selecionados.  Devido  também  ao   cuidado   em   eleger   uma   estrutura   que   não   fechasse   o   formato   do   trabalho   de   modo   incompatível   com   o   conteúdo   artístico,   conteúdo   aberto   a   interpretações   e   abordagens  diversas.     Desde   o   início,   a   mostra   Take   Your   Time   fazia   parte   da   pesquisa,   mas   não   era   possível   abordar   todo   seu   conteúdo,   visto   que  a   maioria   de   suas   obras   correspondiam   ao  tema  do  recorte  acadêmico:  luz  e  movimento  no  espaço.  No  período  de  seleção  das   obras,  após  os  comentários  da  banca  de  qualificação,  Weather  Project  foi  incluída  na   lista  de  obras   da  pesquisa,  devido  à  sua  relevância  na  trajetória  do  artista.  Com  isto,   surgiu   a   possibilidade   de   agrupar   as   obras   de   Take   Your   Time,   valorizando   o   caráter   experimental   do   artista.   Por   fim,   então,   optou-­‐se   por   analisar   duas   exposições   como   aproximação  de  Eliasson,  sabendo  que  sua  produção  é  mais  vasta  e  complexa  do  que  o   material  presente  na  dissertação.   O  fato  de  não  haver  um  fechamento  deste  tema,  não  diminui  a  importância  em   trazer   para   o   meio   acadêmico   brasileiro   o   que   está   sendo   produzido   e   discutido   por   um  artista  estrangeiro  que  tem  pouco  contato  com  a  nossa  realidade,  não  obstante  ter   realizado   uma   grande   exposição   na   década   passada.   Em   consonância   com   a   linha   de   pesquisa  Projeto,  Espaço  e  Cultura,  esta  dissertação  visa  trazer  para  o    meio  acadêmico   o   que   está   sendo   produzido   e   pensado   no   meio   artístico     atual   sobre   espaço.   Visa   promover  este  encontro.       189     ÍNDICE  REMISSIVO:   Capítulo  1.  ..........................................................................................................................................  15   Olafur  Eliasson,  o  Contexto  Europeu  e  o  Studio  ..................................................................................  15   Olafur  em  Berlim  ...............................................................................................................................  15   O  Contexto  Teórico  dos  anos  1990  ....................................................................................................  16   A  Globalização  ...................................................................................................................................  17   Olafur  Eliasson  e  a  Arquitetura  ..........................................................................................................  18   O  Quê  Pesquisar  sobre  Olafur  Eliasson?  ............................................................................................  18   1.1   O  Espaço  de  Olafur  Eliasson:  Movimento  e  Luz  ........................................................................  20   O  Conceito  de  Espaço  em  Arte  ..........................................................................................................  20   A  Experiência  do  Espaço  –  Uma  breve  introdução  ............................................................................  20   Luz  nas  Instalações  de  Arte  ...............................................................................................................  22   Movimento  nas  Instalações  de  Arte  ..................................................................................................  26   1.2   Lázlo  Moholy-­‐Nagy  –  Imagem:  Matéria  e  Objeto  de  Investigação  ...........................................  29   A  Experimentação  Estética  Com  Fontes  De  Luz  ................................................................................  30   A  Experiência  Na  Bauhaus  .................................................................................................................  32   A  Mostra  Retrospectiva  de  Frankfurt.  ...............................................................................................  33   As  Publicações  e  O  Ensino  do  Design.  ...............................................................................................  36   1.3   James  Turrell  –  Sem  Imagem,  Sem  Objeto,  Sem  Foco  ..............................................................  44   O  Movimento  Artístico  na  Califórnia  do  anos  1970  ..........................................................................  46   Arte,  Psicologia  e  Tecnologia.  ............................................................................................................  46   Os  intervalos  de  tempo  .....................................................................................................................  48   James  Turrell  -­‐  Obras  em  Série  ..........................................................................................................  48   A  Desaceleração  nas  Obras  de  Turrell  ...............................................................................................  53   A  Observação  .....................................................................................................................................  54   A  Perda  de  Referência  .......................................................................................................................  58   Fenômenos  Neurológicos  –  O  Efeito  de  “Ver-­‐se  vendo”  ...................................................................  60   O  Deserto   ..........................................................................................................................................  61   Híbridos  de  Olafur  Eliasson  ................................................................................................................  64   Capítulo  2.  ..........................................................................................................................................  73   O  entendimento  da  teoria  no  trabalho  de  Eliasson  .............................................................................  73   2.1   Estética  Alemã  -­‐  Forma  e  Espaço  ..............................................................................................  75   Empatia,  Forma  e  Espaço  ..................................................................................................................  75   Vischer  e  Fiedler  -­‐  Empatia  e  Visibilidade  ..........................................................................................  76   Wölfflin  e  Schmarsow  –  O  Corpo  e  O  Espaço  ....................................................................................  77   2.2   Participação  na  Arte  Moderna  ..................................................................................................  78   2.3   Fenomenologia  .........................................................................................................................  80   2.4   Temporalidade  na  Fenomenologia  ...........................................................................................  81   2.5   Alteridade  .................................................................................................................................  82   Alteridade  na  Fenomenologia  ...........................................................................................................  82   190     2.6   Realidade  Negociável  ................................................................................................................  83   2.7   Estética  Política  de  Jacques  Ranciére  .......................................................................................  86   2.8   Utopia  .......................................................................................................................................  88   2.9   Estação  Utopia  ..........................................................................................................................  90   2.10   Teoria  e  Prática  em  Olafur  Eliasson.  .........................................................................................  92   Neurociência  ......................................................................................................................................  92   Sujeito  e  Objeto  -­‐  Sociedade  e  Natureza  ...........................................................................................  93   Capítulo  3.  ..........................................................................................................................................  96   Obras  de  Olafur  Eliasson   ....................................................................................................................  96   3.1   O  Projeto  Clima  -­‐  The  Weather  Project  .....................................................................................  99   Escala  ...............................................................................................................................................  101   Espaço  Interior  Exterior  ...................................................................................................................  105   Meteorologia  -­‐  Luz  e  Cor  .................................................................................................................  112   A  Auto-­‐Observação  ..........................................................................................................................  119   O  Museu,  A  Arte  e  O  Engajamento  Público  .....................................................................................  125   O  Weather  Project  e  A  Obra  De  Arte  Total  ......................................................................................  130   3.2   Exposição  Take  Your  Time,  2008.  -­‐  MOMA  NY  e  São  Francisco,  EUA.  ....................................  134   A  Multiplicidade  Do  Artista  .............................................................................................................  134   Obras  Selecionadas  na  Mostra  Take  Your  Time  ..............................................................................  144   Pesquisa  Cor  -­‐  Spectrum  Colour  Kaleidoscope    (Caleidoscópio  Espectro  de  Cor),  2003.  ................  145   Caleidoscópios  e  cristais  ......................................................................................................................  145   Pesquisa  Luz  360º  room  for  all  colours  (Sala  360ºpara  todas  as  cores),  2002  .....................................  155   Pesquisa  Projeção  -­‐  Remagine  (versão  grande),  2002.  ....................................................................  166   Pesquisa  Movimento  -­‐  I  Only  See  Things  When  They  Move,  2004.  .....................................................  173   O  Tempo,  O  Espaço,  A  Luz  e  O  Movimento.  ....................................................................................  184   Capítulo  4.  ........................................................................................................................................  186   Considerações  Finais  ........................................................................................................................  186   Referências  ......................................................................................................................................  191                   191     Referências Bibliografia     • 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 de  1929,  impressa  por  druckhaus  köthen  gmbh,  Köthen.Anexos:  Otto  Stelzer:  Esboço  de   um  experimento  criador  e  Hans  M.  Wringler:  Da  Bauhaus  ao  Intitute  of  Design.   • L.   Moholy-­‐Nagy   –   The   New   Bauhaus   and   space   relationship   (   1937),   in:   J.   Wood,   D.   Hulks,   A.   Potts  –  Modern  Sculpture  reader.  Leeds:  Henry  Moore  Institute,  2007,  pp.159/164.   • MOHOLY-­‐NAGY,  Lászlo.  "  Light:  A  New  Medium  of  Expression"  -­‐  Architectural  Forum,  LXX,  may   1939.   • MOHOLY-­‐NAGY,  Lászlo.  (1947)  Vision  in  Motion,  Chicago.   • NESBITT,Kate(org.).   Uma   nova   agenda   para   a   arquitetura:   antologia   teórica   (1965-­‐1995).   São   Paulo:  Perspectiva,  2003;   • OBRIST,  Hans  Ulrich.  Olafur  Eliasson  –  The  Conversation  Series.   Colônia  (Alemanha),    Verlag  der  Buchhandlung  Walter  Konig,  2008.   • PASSARO,   Prof.   Andrés   Martin.   Apostila   da   UFRJ:   Relação   entre   a   teoria   e   a   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http://blogs.artinfo.com/lacmonfire/2013/04/23/turrells-­‐ganzfeld-­‐experiment-­‐part-­‐2/   • http://www.ted.com/talks/olafur_eliasson_playing_with_space_and_light/transcript   Publicações  Periódicas  e  Catálogos  de  Autoria  Desconhecida:     194     • Revista   TYT   [“Take   Your   Time”],   Vol.2   :   Printed   Matter.   Publicação   da   mostra   Mediare   l’esperienza:   I   libri   di   Olafur   Eliasson.   Biblioteca   Universitaria   di   Bologna,   Itália.   19set-­‐03   out   2009.   Parte   do  Artelibro  Festival  Del  Libro  d’Arte.  Curador:  Luca  Cerizza.   • Catálogo  da  exposição  bauhaus.foto.filme-­‐  SESC  Pinheiros.  São  Paulo,  2013.   • The  Museum  of  Modern  Art  in  This  Century.  Published  by  MOMA.  Edited  by  Emily  Hall.  Director   Glenn  D.  Lowry,  2009.   • Catálogo  da  exposição  bauhaus.foto.filme-­‐  SESC  Pinheiros.  São  Paulo,  2013.   • Catálogo  da  exposição  Dan  Graham:  Beyond,  fev/maio  2009.  Museum  of  Contemporary  Art,  Los   Angeles  –  California.         Registros  Audio-­‐Visuais:   • Vídeos   transcrito   :   James   Turrell   Video   Transcript   -­‐   Solomon   R.   Guggenheim   Museum,   New   York.  Jun21/  Sept  25,  2013.                                               LISTA DE ILUSTRAÇÕES   195     Figura  1  -­‐  Your  roundabout  movie.  Foto:  Galpão  Fortes  Vilaça,  São  Paulo,  2013.  .....................................  24   Figura   2  -­‐   A   obra   Life   is   lived   along   lines   que   Eliasson   exibiu     a   mostra  Your   Chance   Encounter,  em  2009.   Kanazawa,  Japão.  .......................................................................................................................................  25   Figura   3   -­‐   "Turner   colour   experiments",   Eliasson.   Nov   2014.   Tate   Britain,   Londres.   /   Fig.   3b   Tela   de   William    Turner  entitulada  A  Manhã  Após  o  Dilúvio-­‐  Moisés  Escrevendo  o  Livro  da  Genesis,  1843.  .........  31   Figura  4  -­‐  Fotografias  de  Moholy-­‐Nagy  publicadas  no  livro  Painting  Photography  Film,  1927.  .................  32   Figura  5    -­‐  Inner  City  Out  de  Olafur  Eliasson.  Berlim,  2011.  .......................................................................  34   Figura  6  -­‐  Modulador  de  Luz  e  Espaço,  1922/1930.  Lászlo  Moholy-­‐Nagy.  .................................................  35   Figura  7  -­‐  Efeitos  especiais  para  o  filme  "Things  to  Come"  de  H.G.Wells  e  A.Korda.  Moholy-­‐Nagy,  1936.  36   Figura  8  -­‐  Página  do  livro  Pintura  Fotografia  Filme.  Moholy-­‐Nagy,  1925.  Exemplo  do  método  de  ensino   utilizado,  definindo  conceitos  bem  resumidamente.  .................................................................................  38   Figura   9   -­‐   Legenda   original   do   livro   Vision   in   Motion:   "Instituto   de   Design.   Esculturas   manuais.   Como   pedras  na  areia,  apresentando  infinitas  variedades,  esculturas  manuais  são  similarmente  concordantes   aos  olhos  e  mãos  nos  seus  contornos  fluidos  e  formas  agradáveis.  ..........................................................  39   Figura  10  -­‐  Modulador  de  Luz  e  Espaço,  1922/1930.  Lászlo  Moholy-­‐Nagy.  ...............................................  40   Figura  11  -­‐  Fotografia  de  Moholy-­‐Nagy.  .....................................................................................................  41   Figura  12  -­‐  Olafur  Eliassson.  Galpão  Fortes  Vilaça,  São  Paulo,  2013.  .........................................................  42   Figura  13  -­‐  Cronologia  de  Moholy-­‐Nagy  -­‐  quadro  desenvolvido  para  esta  pesquisa.  ................................  43   Figura  14  -­‐  MendotaStoppages,  1970.  .......................................................................................................  45   Figura  15  -­‐  Experimento  spectroscópico.  Studio  Olafur  Eliasson,  Berlim,    2013.  .......................................  47   Figura  16  -­‐  a.  Sentimentos  São  Fatos  /  b.  Sala  360  graus  para  todas  as  cores.  /  c.  Room  for  one  colour   (todas  obras  de  O.  Eliasson)  .......................................................................................................................  49   Figura  17  -­‐  Cross  Corner  Projections,  1968:  Afrum,    Alta  White  e    Arco  Green.  ........................................  50   Figura  18  -­‐  Single  Wall  Projection  -­‐  Wedge  Work  V,  no  Yorkshire  Sculpture  Park,  2006.  ..........................  51   Figura  19a  /  b.  Live-­‐Oak-­‐Friends-­‐Meeting-­‐James-­‐Turrell/  c.  Skyspace  I  .  Itália,  1975.  ...............................  51   Figura  20  -­‐  Série  de  Construções  de  Divisões  Espaciais,  obras  de  James  Turrell.  Iltar,  1976.  ....................  52   Figura  21  -­‐    Your  Colour  Memory,  montada,  em  2004,  na  Arcadia  University  Art  Gallery  ,  Pensilvânia.  ...  54   Figura  22  -­‐  Croquis  de  Your  Colour  Memory  ..............................................................................................  55   Figura  23  -­‐  Irwin  e  Turrell  com  um  hemisfério  Ganzfeld,  1969.  .................................................................  55   Figura  24  -­‐  LACMA,  2013.  ...........................................................................................................................  57   Figura  25  -­‐  Breathing  Light,  obra  Ganzfeld  de  Turrell  exposta  no  LACMA,  em  Los  Angeles,  em  2013.  .....  59   Figura  26  -­‐  Mostra  Feelings  are  Facts  -­‐  Olafur  Eliasson.  Pequim,  2010.  .....................................................  59   Figura  27  -­‐  Instalação  Take  Your  Time,  Olafur  Eliasson.  Foto:  Pinacoteca  de  São  Paulo,  2011.  ................  60   Figura  28  série  de  fotografias  "Luz  Diurna  de  Domadalur".  .......................................................................  63   Figura  29  -­‐  Pavilhão  Dagslys  de  Olafur  Eliasson.  Horsholm,  2007.  .............................................................  68   Figura  30  -­‐  INSTALAÇÃO  NA  BIENAL  DE  VENEZA,  2003.  ESTAÇÃO  UTOPIA.  ...............................................  72   Figura  31  -­‐  WEATHER  PROJECT  -­‐    SALA  DA  TURBINA  DA  TATE  MODERN,  LONDRES,  2003.  .......................  98   Figura  32  -­‐  Serpentine  Gallery.  Olafur  Eliasson  e  Kjetil  Thorsen,  2007.  ...................................................  104   Figura  33  -­‐  Moss  Room,  1994.  ..................................................................................................................  106   Figura  34  -­‐  The  Mediated  Motion(foto  superior)  e  Bed  River  (  foto  acima)  ............................................  107   Figura  35  -­‐  Your  now  is  my  surroundings,  2000.  Galeria  Bonakdar  Jancou,  NY.  foto:  Oren  Slor  ..............  107   Figura  36  -­‐  Microscópio  para  São  Paulo,  2011.  Pinacoteca  de  São  Paulo.  ...............................................  108   Figura  37  -­‐  Pavilhão  dinamarquês  na  50a.  Bienal  de  Veneza.  Foto:  Giorgio  Boato  ..................................  110   Figuras38  -­‐  Pavilhão  dinamarquês  na  50a.  Bienal  de  Veneza.  Foto:  Giorgio  Boato  .................................  110   Figura  39  -­‐  Instalação  de  Eliasson  The  inverted  shadow  tower,  2004.  Kunstmuseum,  Alemanha.  .........  111   Figura  40  -­‐  YourRainbow  Panorama.  Obra  de  Eliasson  em  Aarhus,  Dinamarca,  2011.  ............................  114   Figura  41  -­‐   Eliasson  dentro  do  modelo  de  YourRainbow  Panorama,  escolhendo  cada  tonalidade  de  vidro.  .................................................................................................................................................................  114   Figura  42  -­‐  Interior  de  Your  Rainbow  Panorama.  .....................................................................................  115   Figura  43  -­‐  Iltar,  obra  de  James  Turrell.  ....................................................................................................  120   Figura  44  -­‐  Your  Blind  Mouvement,  obra  de  Eliasson.  ..............................................................................  120   PÁGINA  ANTERIOR:  Figura  45  -­‐  Weather  Project,  Tate  Modern.  Londres,  2003.  .....................................  124   Figura  46  -­‐  Projeto  de  Eliasson  para  o  Museu  Hirshhorn,  Washington,  EUA.  ..........................................  129   Figura  47  -­‐  Foto  da  instalação  "Take  Your  Time"  na  Pinacoteca  de  São  Paulo,  em  2011.  .......................  133   Figura   48   -­‐   Em   cima,   fotos   da   montagem   Take   Your   Time.   Embaixo,   visitante   olhando   para   Sunset   Kaleidoscope.  ...........................................................................................................................................  137   Figura  49  -­‐  Foto  da  obra  Model  Room,  2003.  ..........................................................................................  138   196     Figura  50  -­‐  Caleidoscópio  do  por-­‐do-­‐sol  (sunset  kaleidoscope).  ..............................................................  141   Figura  51  -­‐  Parede  de  quasi  tijolos,  obra  de  Eliasson.  ..............................................................................  141   Figura  52  -­‐  Reversed  Waterfall,  1998.  ......................................................................................................  141   Figura  53  -­‐  Beauty,  1997.  .........................................................................................................................  141   Figura  54  -­‐    1m3  light,  1999.  .....................................................................................................................  142   Figura  55  -­‐  The  horizon  series.  .................................................................................................................  142   Figura  56  -­‐  Remagine.  ...............................................................................................................................  143   Figura  57  -­‐  Caleidoscópio  Espectro  de  Cor  (  Colour  Spectrum  Kaleidoscope),  2004.  ...............................  145   Figura  58  -­‐  Caleidoscópio    spectro  de  cor,  2003.  Foto  de  Take  Your  Time  na  galeria  PS1  -­‐  MoMa  NY.  ...  146   Figura   59   -­‐   Imagem   da   estrela   de   cor   baseada   num   croquis   de   Paul   Klee.   fonte:   publicação   da   USP   "Espaço  Cor",  autora  Élide  Monteglio.  .....................................................................................................  148   Figura  60  -­‐  Cânone  da  Totalidae  Cromática.  Croquis  de  Paul  Klee.  Fonte:  publicação  da  USP  "Espaço  Cor",   autora  Élide  Monteglio.  ............................................................................................................................  148   Figura  61  -­‐  Caleidoscópio  do  Pôr  do  Sol  (Sunset  Kaleidoscope),  2005.  ....................................................  149   Figura  62  -­‐  Pavilhão  de  Vidro,  Colônia,  1914.  Arquiteto  Bruno  Taut.  Dizeres  no  panfleto  do  pavilhão:  “o   edifício  em  vidro  não  tem  nenhuma  outra  função  que  não  seja  a  de  ser  bonito”.  .................................  150   Figura  63  -­‐  Edifício  Gherkin,  Londres,  2007.  Arquiteto  Norman  Foster  ...................................................  151   Figura  64  -­‐  INTERIOR  -­‐  Pavilhão  de  Vidro,  Colônia,  1914.  Arquiteto  Bruno  Taut.  ....................................  152   Figura  65  -­‐  INTERIOR  DA  CÚPULA  -­‐  Edifício  Gherkin,  Londres,  2007.  Arquiteto  Norman  Foster  .............  152   Figura  66  -­‐  Fachada  da  Sala  Nacional    de  Concertos  e  Conferências  da  Islândia,  em  Reijvik.  ..................  153   Figura  67  -­‐  Interior  da  fachada  do  Centro  Nacional  de  Concertos  e  Convenções  da  Islândia,  em  Reijvik.  .................................................................................................................................................................  154   Figura   68     -­‐   Fotos   da   instalação“360º   room   for   all   colours”,     à   esq.   exterior   e,   à   dir.,   interior   da   instalação.  ................................................................................................................................................  159   Figura  69  -­‐    Obra  “Wannabe”  na    montagem  da  mostra  “  Your  choice  encounter”.  ...............................  161   Figura  70  -­‐  Wannabe  na  montagem  de  Take  Your  Time  no  Moma  NY,  em  2007.  ...................................  162   Figura  71  -­‐  Your  colour  memory,  2004.  ....................................................................................................  165   Figura  72  -­‐  Moma  NY,  Olafur  Eliasson.  “Remagine”:  projeções  que  simulam  profundidades  diversas  em   superfície  plana.  .......................................................................................................................................  167   Figura  73  -­‐  Remagine,  2002.  .....................................................................................................................  167   Figura  74  -­‐  Remagine,  2002.  .....................................................................................................................  168   Figura  75  -­‐  Wall  Eclipse.  Moma,  2007.  .....................................................................................................  169   Rhytmus   21,   1921.   Hans   Ritcher.   Figura   76   –   a.   Contatos   de   todas   as   imagens   do   filme.     /Figura   4   b.   Penúltima  imagem  do  filme.  ....................................................................................................................  170   Figura  77  -­‐  Foto  da  exibição  de  ‘Sua  Cidade  Empática”no  SESC  Pompeia,  em  2011.  ..............................  171   Figura  78  -­‐  Foto  da  exibição  de  ‘Sua  Cidade  Empática”no  SESC  Pompeia,  em  2011.  ..............................  171   Figura  79  -­‐  Foto  da  obra  "I  Only  See  Things  When  They  Move",  2004.  ...................................................  173   Figura  80  -­‐  Foto  de  visitantes  dentro  da  sala  do  Moma  com  a  instalação  "I  Only  See  Things  When  They   Move",  Nova  Iorque,  em  2008.  ................................................................................................................  174   Figuras  81a)  e  b)  -­‐  “I  Only  See  Things  When  They  Move”",  Olafur  Elliasson.  2004  ..................................  175   Figura  82    -­‐  1930,  Instalação:  “Light-­‐Space  Modulator"  (Modulador  de  Espaço-­‐Luz),  Lazlo  Moholy-­‐Nagy.  .................................................................................................................................................................  178   Figura   83   1930/32   –   Filme:   “Um   jogo   de   luz:   preto-­‐branco-­‐cinza”,   6’,   mudo,   16mm   (originalmente   35   mm),  p&b.  Direção,  câmera,  edição  e  produção:  Lazlo  Moholy-­‐Nagy.  ....................................................  178   Figura  84  -­‐  foto  da  instalação  We  Only  Meet  When  We  Move  no  ARoS  Aarhus  Kunstmuseum.  Dinamarca,   2004.  ........................................................................................................................................................  180   Figura  85  Foto  da  instalação  We  Only  Meet  When  We  Move,  2004.  ......................................................  180   Figura   86   One-­‐Way   Colour   Tunnel     (túnel   de   Uma   Direção),   instalação   mostra   Take   Your   Time.   Moma   São  Francisco,  em  2007.  ...........................................................................................................................  182   Figura  87  -­‐  Moholy-­‐Nagy  em  Vision  in  Motion,  1947.  p.167.  ...................................................................  185       197