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E d iç ã o C o m e n ta d a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXW
Licv
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Organização, prefácio,
comentários e notas
G u ille n n o B la n c k
Apresentação
R ené van der V eer
Introdução
M a r io C a r r e te r o
P S IC O L O G IA
. P E D A G Ó G IC A
---------
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
para
Proteção d o s D ir e ito s
A s s o c ia ç ã o B r a s ile ir a
a
E d ito r ia is e A u to r a is
RESPEITE
NAO
O AUTOR
FACA
COPIA
DCBA
www.abpdea.org.br
V691p
Vigotski, Liev Semionovich
Psicologia Pedagógica / Liev Semionovich Vigotski;
trad. Claudia Schilling - Porto Alegre: Artmed, 2003.
1. Psicologia pedagógica
- Vigotski. L Título.
CDU 37.013.77(Vigotski)
Catalogação
na publicação:
Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023
ISBN 85-363-0047-7
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Edição Comentada
L iev
S em io n o v ich
V ig o tsk i
Organização, prefácio, comentários e notas:
Guilhermo Blanck
Apresentação:
René van der Veer
Introdução:
Mario Carretero
Tradução:
Claudia Schilling
Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição:
Edival Sebastião TeixeiraZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P s ic ó lo g o ) P r o fe s s o r
M e s tr e
em
de
P s ic o lo g ia
do
E d u c a ç ã o p e la U N E S ~
C E F E T /P R - U n id a d e
D o u to r a n d o
e
A R lM :D
EOIIORA
2003
em
de
E ducação
P a to B r a n c o .
p e la
U S P . WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
publicada sob o títuloZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um c u r s o b r e v e
Obra originalmente
P s ic o lo g ía
p e d a g ó g ic a :
© Aique Grupo Editor S.A., 2001
1WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Capa
I
M á r io
Preparação
M a r ia
R b h n e lt
do original
L ú c ia B a r b a r á
Leitura final
F a b ia n a
C a r d o s o F id e lis
Supervisão
M ô n ic a
editorial
B a lle jo
C a n to
Projeto e editoração
A rm azém
Reservados
D ig ita l E d ito r a ç ã o
E le tr ô n ic a
- rcm v
todos os direitos de publicação, em língua portuguesa,
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à
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SÃO PAULO
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IMPRESSO NO BRASIL
P R lN T E D
IN B R A Z IL
A p re s e n ta ç ã o WVUTSRQPON
R ené van der V eer
P s i c o l o g i a p e d a g ó g i c C L f ó i zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o primeiro livro
ziu a categoria denominada
"zona
de desenpublicado por Liev S. Vigotski. Embora só tevolvimento proximal". O significado essencial
nha aparecido em 1926, diversos motivos ledessa categoria é que, de acordo com o nível
vam a crer que o livro já estava totalmente terda criança quando alcança certa meta, em cominado em 1924. Foi concebido como livro de
operação com adultos ou com pares mais capazes, pode-se prever seu desempenho postetexto para estudantes que aspiravam a leciorior independente
para alcançar essa meta. Tal
nar em colégios secundários. Por isso, a obra
trata de tantos temas significativos para os pronoção sugere que a atividade conjunta com
colegas mais capazes é essencial para o desenfessores. Vigotski fala da educação moral e estética, da necessidade de instruir as crianças
volvimento cognitivo e que as crianças difesobre questões sexuais, da vantagem dos colérem em sua habilidade de tirar partido dessa
gios mistos e de muitos outros temas afins. Na
cooperação. Na década de 20, a concepção de
escolha de seus temas e no nível de seu trataVigotski sobre o papel da educação no desenmento, P s i c o l o g i a p e d a g ó g i c a não difere muito
volvimento cognitivo era um pouco diferente.
Em P s i c o l o g i a p e d a g ó g i c a , ele sugere que o prodos livros de texto utilizados hoje em dia nos
fessor tem de criar as circunstâncias
e as concursos de introdução à psicologia nas univerdições ideais mais propícias para que a aprensidades européias e norte-americanas.
Entretanto, muito mais que nos textos atuais, P s i c o dizagem se realize; porém, em última instânl o g i a p e d a g ó g i c a exprime um p o n t o d e v i s t a p e s cia, a criança é que deve aprender com suas
Essa visão pessoal
s o a l sobre essas questões.
próprias atividades. De alguma maneira funnos permite
comparar
o pensamento
de
damental, as crianças educam-se a si mesmas.
Vigotski com o de seus contemporâneos,
bem
Os pontos de vista de Vigotski sobre a
como percorrer o caminho do desenvolvimeneducação e o desenvolvimento
cognitivo nas
to de seu próprio pensamento.
Por isso, podedécadas de 20 e de 30 podem ser básica e commos ler este livro levando em conta pelos mepletamente compatíveis. No entanto, é evidente
nos dois aspectos. Em primeiro lugar, consideque eles apresentam uma diferença de ênfase.
O Vigotski dos anos 30 parece dar mais imporrando-o um resumo de todo o conhecimento
psicológico significativo para a educação da
tância à cooperação que o dos anos 20. Tais
questões devem ser discutidas mais detalhadécada de 1920; em segundo lugar, como um
damente para se compreender
o desenvolvidocumento
que mostra as concepções
de
Vigotski sobre áreas específicas em um períomento do pensamento
de Vigotski e também
porque são muito importantes
e vigentes. Fedo particular de seu desenvolvimento
intelectual. Um exemplo disso poderia ser a conceplizmente, a publicação de P s i c o l o g i a p e d a g ó g i ca
nos permite abordar tanto essas questões
ção de Vigotski sobre a educação.
quanto outras afins.
Em seus anos mais tardios, na década de
A versão em espanhol de P s i c o l o g i a p e d a 30, Vigotski formulou a noção de que a educag ó g i c a foi redigida e anotada pelo Dr. Guillermo
ção conduzia ao desenvolvimento
e introdu-baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
v i baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A P R E S E N T A Ç Ã O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vos. Isso pode ser apreciado facilmente no caso
Blanck, um dos historiadores da psicologia que
da presente edição de P s i c o l o g i a p e d a g ó g i c a . O
mais entende da questão. Como tal, ele pertexto original de Vigotski tornou-se relativatence a uma espécie em perigo e quase em
mente difícil para sua compreensão cabal, pois
extinção. De um ponto de vistaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
q u a n tita tiv o ,
os historiadores da psicologia são muito estrao leitor atual não conhece muito da psicologia, filosofia e medicina dos anos 20. Apesar
nhos. Lêem centenas de livros para produzir
disso, Blanck foi capaz de acrescentar ao texto
apenas um, ou suas notas de rodapé. Conseoriginal um grande número de notas sumamenqüentemente, sua relação i n p u t - o u t p u t é muito desproporcional. São como os beija-flores,
te precisas e reveladoras. Suas notas e seu prefácio contêm inúmeros dados históricos que enque precisam de enormes quantidades de néctar para continuar zunindo. Do ponto de vista
riquecem consideravelmente nossa compreenda produção de livros, os historiadores da psisão do livro e converteram esta edição da obra
cologia são o caminho livresco que desemboca
de Vigotski na melhor edição disponível em
na produção de o u t r o livro. Sua desvantagem
qualquer língua. A psicologia deve muito aos
é que são muito pouco prolíficos.
escritos de Liev S. Vigotski e nós, leitores moSó podemos defender o trabalho dos hisdernos, devemos agradecer a Guillermo Blanck
toriadores da psicologia se adotarmos um ponpela organização desta obra, uma das mais imto de vista q u a l i t a t i v o , destacando que seu zumportantes de Vigotski.
bido leva-nos a resultados qualitativamente no-
S u m á rio zyxwvutsrqponm
Apresentação
René van der Veer
v
Introdução
Mario Carretero
::
11
Prefácio
Guillermo Blanck
15
Prólogo à edição russa de 1926
Liev S. Vigotski
33
1. DCBAA WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p e d a g o g ia e a p s ic o lo g ia
37
37
37
41
A pedagogia
A psicologia
A psicologia pedagógica
2.
O s c o n c e it o s
d e c o m p o rta m e n to
e d e re a ç ã o
47
O comportamento e a reação
Os três componentes da reação
A reação e o reflexo
A divisão das reações em hereditárias e adquiridas
Os reflexos hereditários ou incondicionados
Os instintos
A origem das reações [e outros comportamentos hereditários]
A teoria dos reflexos condicionados
Os super-reflexos
As formas complexas dos reflexos condicionados
3.
A s p r in c ip a is
le is d a a t iv id a d e
n e rv o s a
s u p e r io r
(c o m p o rta m e n to )
47
47
48
49
50
50
51
53
55
55
do ser hum ano
As leis de inibição e de desinibição
A psique e a reação
O comportamento animal e o comportamento humano
A formação das reações no comportamento
O princípio do dominante no comportamento
A constituição do ser humano em relação ao seu comportamento
4.
O s fa to re s
b io ló g ic o
e s o c ia l
59
61
61
63
65
66
da educação
A atividade do processo educativo e seus participantes
Os objetivos da educação do ponto de vista psicológico
A educação como seleção social
:
59
:
,
75
78
80
81
8
S U M Á R IO
5.
6.
O s in s tin to s c o m o o b je to , m e c a n is m o
A origem dos instintos
As relações entre instinto, reflexo e razão
Os instintos e a lei biogenética
Dois critérios extremos sobre o instinto
O instinto como um mecanismo da educação
O conceito de sublimação
A educação do instinto sexual
As premissas psicológicas da educação mista
A aplicação pedagógica dos instintos
Os interesses infantis
O padrão dos interesses infantis
O significado psicológico do jogo
86
89
89
91
91
92
93
96
99
100
103
104
A educação
113
113
115
117
119
O conceito
A natureza
A natureza
A educação
7.
e m e io s d a e d u c a ç ã o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPO
85
A p s ic o lo g ia
d o c o m p o rta m e n to
e m o c io n a l
de emoção
biológica das emoções
psicológica das emoções
dos sentimentos
e a p e d a g o g ia
125
125
126
127
129
129
130
131
132
134
136
137
139
140
d a a te n ç ã o
A natureza psicológica da atenção
As características da orientação
A orientação externa e interna
A atenção e a distração
O significado biológico da orientação
O valor educativo da orientação
O desenvolvimento da atenção
O valor psicológico da expectativa
Conclusões pedagógicas
A atenção e o hábito
O correlato fisiológico da atenção
O funcionamento da atenção em seu conjunto
A atenção e a apercepção
8.
O re fo rç o e a re p ro d u ç ã o
d a s re a ç õ e s [A m e m ó ria
O conceito de plasticidade da matéria
A natureza psicológica da memória
A estrutura do processo da memória
Os tipos de memória
As peculiaridades individuais da memória
Os limites da educação da memória
O interesse e o matiz emocional
O esquecimento e a recordação errônea
As funções psíquicas da memória
A técnica da memória
Os dois tipos de recordação das reações
A realidade da fantasia
As funções da imaginação
A educação do comportamento imaginativo
e a im a g in a ç ã o ]
143
143
143
145
146
147
147
148
149
151
151
152
153
153
155
S U M Á R IO
9. DCBAo
10.
p e n s a m e n to
c o m o fo rm a d e c o m p o rta m e n to
p a rtic u la rm e n te
c o m p le x o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYX
161
A natureza motora dos processos de pensamento
O comportamento consciente e a vontade
A psicologia da linguagem
Oegoeoid
Conclusões pedagógicas
A análise e a síntese
A importância do pensamento para a educação interior
161
167
169
172
172
175
176
O e s c la re c im e n to
181
181
187
188
190
193
193
195
p s ic o ló g ic o
da educação
p e lo tra b a lh o
Os tipos de educação pelo trabalho
O conhecimento da natureza através do trabalho
A coordenação dos esforços de trabalho
O valor do esforço de trabalho
O conhecimento sintético
A prática
O profissionalismo e a politécnica
11.
O c o m p o rta m e n to
s o c ia l e s u a re la ç ã o c o m o d e s e n v o lv im e n to
d a c ria n ç a
O conceito de adaptação
A criança e o ambiente
O ambiente contemporâneo e a educação
As formas reais do comportamento social
As flutuações no desenvolvimento da criança
12.
A educação
225
225
225
227
228
229
230
232
236
239
243
e s té tic a
A estética a serviço da pedagogia
A moral e a arte
A arte e o estudo da realidade
A arte como um fim em si mesmo
A passividade e a atividade na vivência estética
A importância biológica da atividade estética
A caracterização psicológica da reação estética
A educação da criatividade, do juízo estético e das habilidades técnicas
A fábula [e as histórias infantis]
A educação estética e o talento
14.
O e x e rc íc io
e a fa d ig a
Sobre o hábito
O significado pedagógico dos exercícios
A teoria sobre a fadiga
15.
O c o m p o rta m e n to
a n o rm a l
O conceito de comportamento anormal
As crianças com deficiências físicas
As deficiências e as doenças mentais
197
197
198
199
200
203
209
209
212
216
O c o m p o rta m e n to WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m o ra l
A natureza da moral do ponto de vista psicológico
Os princípios da educação moral
As infrações morais das crianças
13.
9
'
,
249
249
252
254
257
257
257
261
10
16.
S U M Á R IO zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A psicopatologia da vida cotidiana
A hipnose
263
264
O te m p e ra m e n to
267
267
268
268
271
273
277
e o c a rá te r
O significado dos termos
O temperamento
A estrutura dó corpo e o caráter
Os quatro tipos de temperamento
O problema da vocação e a psicotécnica
Os traços endógenos e exógenos do caráter
i
I
17.
O p ro b le m a
d o ta le n to e o s o b je tiv o s
in d iv id u a is
da educação
A personalidade, ~ a educação
18.
A s fo rm a s fu n d a m e n ta is
d o e s tu d o d a p e rs o n a lid a d e
d a c ria n ç a
As pesquisas psicológicas experimentais da personalidade
O método de Binet-Simon
O experimento natural
19.
A p s ic o lo g ia
e o p ro fe s s o r
A natureza psicológica do trabalho docente
A vida como criação
ín d ic e o n o m á s tic o
I
I
i
I
I
I , baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
da criança
283
283
287
290
292
293
295
295
301
307
In tro d u ç ã o
M a r io C a r r e te r o
remediou em grande parte esses problemas de outras edições anteriores em línguas
V IG O T S K I P A R A A E D U C A Ç Ã O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
diferentes do russo, a ausência de indicações
Hoje em dia, a obra de Vigotski está senbiográficas e bibliográficas e mesmo a falta de
do extraordinariamente
difundida. Sem dúinformação sobre a procedência do texto. Envida, os aportes do genial psicólogo russo vêm
tretanto, um tema que ainda permanece pensendo, nas últimas décadas, um ponto de redente e que sem dúvida será resolvido nos próferência obrigatório para numerosos autores
ximos anos, é a publicação de obras inéditas
do âmbito educativo e psicológico, assim como
que desempenharam um papel importante com
para o ambiente da semiologia e da crítica
relação ao aporte de Vigotski aos problemas
literária e, de forma mais geral, das humaniteóricos e práticos da psicologia e da educadades e ciências sociais. Pode-se afirmar que
ção. Entre elas, encontra-se o livro que o leitor
esse é um caso de recuperação vertiginosa de
tem em mãos neste momento.
um autor falecido há mais de meio século, que
Como Guillermo Blanck, em seu prefáem seu momento não teve o reconhecimento
cio, situa com bastante detalhe o lugar deste
adequado e que se implantou fortemente enlivro no conjunto da obra de Vigotski, iremos
tre os leitores.
limitar-nos a apresentar algumas de suas conParece-nos importante destacar que a ortribuições aos atuais problemas das relações
ganização desta edição realizada por Guillermo
entre a psicologia e a educação.
Blanck - reconhecido como um dos maiores esEsta obra pretende ser - e consideramos
pecialistas mundiais na biografia de Vigotski que esse propósito foi brilhantemente alcancaracteriza-se, em nossa opinião, por sua exceçado -, um manual de psicologia pedagógica
lência em todos os sentidos. Ele não se ocupou
para professores, no qual Vigotski expõe de
apenas da tradução e do estilo, mas também
forma simples e completa grande parte deste
suas abundantes e minuciosas notas podem ser
saber. Ela foi escrita por uma pessoa que, além
de grande utilidade ao leitor para situar os aude ter grande experiência docente (ver o pretores e questões aos quais se refere Vigotski e
fácio de Blanck), pensa a psicologia a partir
que não pertencem à nossa época.
da educação e não o contrário, como destaEsta introdução nos permite situar em um
cou Bruner. Além disso, em todo o livro podef
contexto histórico e intelectualmente relevanse sentir uma preocupação constante com os
! baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te a vida e a obra de Vigotski, aportando dap r o b le m a s
r e a is e c o tid ia n o s
d a e s c o l a e uma
dos e visões inéditos até o momento. Todas
discussão dos mesmos, não só a partir das liessas características nos parecem meritórias e
mitadas perspectivas da psicologia, desta ou
oportunas, pois a obra do criador do enfoque
daquela tendência, mas de um contexto culsociocultural tem tido um destino muito divertural mais amplo, que inclui a literatura, a
so, através de edições nem sempre à altura da . política, a filosofia e a cultura em geral. Nesqualidade do autor. A publicação de suasZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O bras
se sentido, consideramos que este livro contiA R E L E V Â N C IA
,
I
DA OBSA DE
e s c o lh id a s
I' baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
12
L 1 E V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nua sendoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
to ta lm e n te
v i g e n t e para todos aqueles que trabalham com psicologia e com educação, porque nos ajuda a perceber que não é
importante apenas levar em conta os avanços
científicos em nosso campo, mas as perspectivas teóricas mais amplas em que se fundamentam.
'
Por outro lado, Vigotski realiza esse trabalho com uma l i n g u a g e m s i m p l e s e a m e n a , que
pode ser entendida por qualquer professor interessado por essas questões. Nessa característica da obra parece-nos que se reflete o interesse do autor pela transformação
da sociedade mediante a educação é, em suma, seu profundo compromisso com as tarefas relacionadas a todos os âmbitos da aprendizagem
humana em contextos formais. Não podemos esquecer que Vigotski pertencia a uma g e r a ç ã o
r e v o lu c io n á r ia
que estava convencida de que o
homem novo seria gerado através de um conjunto de transformações,
entre as quais a educação desempenhava
um papel fundamental.
Essa inspiração profundamente
marxista da
obra vigotskiana, que não se limita a interpretar o mundo, mas aspira a transformá-lo,
está
vinculada a essa qualidade tão característica
do genial autor russo, que é a capacidade de
vincular s i g n i f i c a t i v a m e n t e
a te o r ia e a p r á tic a ,
com a possibilidade de transmiti-Ia aos demais
membros da sociedade, sobretudo aos professores, que são o e i x o c e n t r a l d e t o d o s i s t e m a
e d u c a tiv o .
Nos últimos anos, numerosos autores se
perguntaram
pelos motivos do auge da obra
de Vigotski. Nós mesmos, quando pudemos
revisar a produção bibliográfica a esse respeito nas últimas décadas, comprovamos
que o
interesse por sua obra cresce exponencialmente. Como é possível que um autor marxista seja tão lido em um momento como o atual,
em que posições desse tipo estão tão desprestigiadas? Por que isso ocorre inclusive nos Estados Unidos, onde a educação e toda a cultura
transformaram
o individualismo
em uma de
suas bases teóricas? Para responder plenamente a essas perguntas precisaríamos
de um espaço muito maior. Talvez tivéssemos de considerar que convém separar - o que nem sempre se faz - a enorme contribuição do marxis-
mo como instrumento
teórico de análise crítica da realidade, do fracasso de suas propostas
políticas concretas, como sucedeu nos estados
socialistas. No entanto, uma análise desse tipo
não caberia neste exíguo espaço.
Por enquanto, destaquemos
apenas que
a forma criativa e antidogmática
como Vigotski
conseguiu aplicar as idéias marxistas básicas
para facilitar a compreensão
dos fenômenos
educativos e da aprendizagem não só é de enorme pertinência
em nível internacional,
mas
mostra ao mesmo tempo o esgotamento de fórmulas clássicas na psicologia educativa, que
têm considerado tradicionalmente
que a aprendizagem é um fenômeno solitário que ocorre
s o m e n te n a c a b e ç a d o a p r e n d iz .
Em nossa opinião, a capacidade visionária de Vigotski ao
vislumbrar que a aprendizagem
se produz em
um contexto microssocial e interativo - em q u e
o o l h a r d o o u t r o se c o n s t i t u i em j a z e d o r d e n ó s
m e s m o s - , sem o qual não se pode entender
cabalmente os fenômenos da aquisição de conhecimento,
é uma das principais razões de
sua atual aceitação. Nesse sentido, muito se
tem escrito ultimamente
sobre a relação entre
as obras de Vigotski e as de Piaget. Parece-me
que atualmente muitos especialistas admitem
- deixando de lado algumas diferenças de matizes - que as obras desses dois gigantes s ã o
b a s i c a m e n t e c o m p a t í v e i s , especialmente
se pensarmos em suas aplicações educativas e não
tanto em suas elaborações teóricas p e r s e . No
contexto dessa compatibilidade,
cabe destacar
que a obra de Vigotski conseguiu instaurar, tanto entre os pesquisadores
quanto entre os professores, duas idéias essenciais, entre muitas
outras: que deve haver a criação e a manutenção de c o m u n i d a d e s d e a p r e n d i z a g e m para que
esta seja uma realidade individual e institucional, e que as relações entre o desenvolvimento cognitivo e a educação devem ser consideradas a partir de um ponto de vista d i a l é t i co, como o que está presente na z o n a d e d e s e n v o lv im e n to
p r o x im a l.
Sem dúvida, essas duas
posições emblemáticas
supõem uma visão,
como a que encontrarão
neste livro, da educação como fator de crescimento pessoal e social.
Por último, escrevemos estas páginas alguns meses depois que Guillermo Blanck nos
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
13
entregou a versão final desta obra, alguns dias
trabalho tão dedicado a uma causa - dar a coantes de seu falecimento tão inesperado. Gosnhecer a obra e a vida de Vigotski - o que
taríamos de expressar, como já o fez a comuniGuillermo realizou com perfeição, tanto na
dade científica, nosso agradecimento por essebaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Argentina quanto em âmbito internacional.
P re fá c io
G u ille r m o
B la n c k
últimas senes do ensino fundamental (para
PSICOLOBIA
crianças de 10 a 15 anos). O livro continha as
PEDAGÓGICA D E V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
aulas que Vigotski havia ministrado na Escola
de Formação de Professores de Gornel durante
A falsidade consiste em uma privação
de conhecimento, implícita nas _!.9~ia_s aqueles anos, -ü-cursõ -fora cõncebido como
~adas,
isto é, E1~~I_a_9.él~
econfusas.
uma introdução à psicologia pedagógica para
uma nova geração de professores soviéticos,
Spinoza,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É tic a .
destinados a substituir o velho sistema educa- /1')
tivo pré-revolucionário. Quando a revoluçã;)V
Não me deixem cair na ignorância.
de outubro de 1917 ocorreu na Rússia, pro- (
Shakespeare, H a m l e t .
pondo-se a criar uma sociedade socialista, o i , - .,
índice de analfabetismo era de mais de 90%. I '/J
Liev Vigotski era um homem modesto.
"Estabelecemos como meta a eliminação total (. ,~.
Seu amigo de infância e juventude, Semion
do analfabetismo no 102 aniversário do regi'.
Dobkin, relatou que, sempre que Vigotski terme soviético," afirmou Trotsky em 1923. Essa t
minava uma palestra, muitos se aproximavam
meta foi praticamente alcançada.
~
para cumprimentá-lo e elogiá-lo. Ele costumaEste prefácio não pretende resumir o conva responder: "Não fui eu que tornei a palesteúdo do livro, mas situá-lo em sua época e na
tra interessante, o t e m a é que é interessante".WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nossa, esclarecer algumas de suas característi: ~ 7 'J ;,- Quando Vigotski começou a trabalhar na Unicas e explicar como ocorreu a produção da prel versidade de Moscou, dependente do Comissasente edição, oferecer alguns critérios para sua
l"C'
riado (Ministério) do Povo para a Educação
compreensão e e x p l i c i t a r q u e m s ã o s e u s p o t e n ;; :~~;;Pública,emjulho de 1924,1 preencheu um forPARA LER A
e
l
na
. mulário e,
'seÇãüPÚBLICAÇÕES, escreveu:
"Um breve manual de psicologia pedagógica,
no prelo pela Editora Estatal". Esse "breve
manual" era P s i c o l o g i a p e d a g ó g i c a , o livro que
o leitor tem em mãos neste momento.
A IM P O R T Â N C IA
DE
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
é um livro que
~ Vigotski começou a escrever em 1921 e terminou em 1923 ou no início de 1924, quando
tinha 27 anos de idade. Vigotski escreveu o texto para estudantes que pretendiam lecionar nas
P s ic o lo g ia
, ,'" ~
p e d a g ó g ic a
'./- .J
. .~.~ .- _./ ' o " ' _ /
•. /"
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c ia is le ito r e s .
Comecemos
Q u a lq u e r
pessoa
por esta última questão.
c u lta ,
m esm o
q u e n ã o e s p e c ia -
e d u c a ç ã o e s e u s p r o b le Não é preciso conhecer
Vigotski nem ter uma formação superior à do
ensino médio. Esse tipo de leitor apenas deve
levar em conta que e s t e l i v r o f o i e s c r i t o p o r u m
liz a d a ,
in te r e s s a d a
p e la
m a s , p o d e le r e s te liv r o .
p r o fe s s o r
jo v e m ,
d e s tin o u
a e s tu d a n te s
porém
e x p e r ie n te
q u e q u e r ia m
e s á b io ,
e se
s e r p r o fe s s o -
de c r i a n ç a s de a t é 15 a n o s , na Rússia, há 75
anos. O livro está escrito em estilo coloquial,
como se fosse um professor dando uma aula.
Os temas, muito variados, são explicados por
meio de exemplos e relatos atraentes, extraídos
res
16
I
I (:(',"-\
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L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
. zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de, porém está longe de ser t o d a a verdade.
da vida real ou da literatura, Entre muitos ouVigotski t a m b é m foi um brilhante crítico litetros temas, o leitor pode-se informar sobre a
rário e artístico, psicólogo da arte, estudioso
atenção e a memória, a imaginação e o pensados problemas da psicologia dos sentimentos
mento, a linguagem, o talento e a inteligência,
do ator de teatro e da psicologia da criação,
a educação moral e a sexual, a educação artístieminente educador e professor, crítico sagaz,
ca, os contos de fadas;u importância psicológirefinado terapeuta,
psicopedagogo
de crianca do jogo, a educação das crianças com transtornos de comportamento,
a educação para o
ças portadoras de deficiências, neuropsicólogo
e pesquisador
do funcionamento
normal e
trabalho, a educação dos hábitos e a fadiga, a
anormal do cérebro e da psique, psicólogo exeducação de crianças portadoras de deficiênciperimental,
episteinologista
e historiador da
as mentais, auditivas e visuais e, finalmente, as
características
psicológicas que um professor
psicologia, um grande psicólogo geral, psicólogo cultural, transcultural
e comparativo, um
deve ter, Como em todo 'curso, há temas mais
fáceis e outros mais difí~eis, Entre os últimos,
destacado teórico da psicologia do pensamento e da linguagem, um estudioso do judaísmo
há algumas lições sobre biologia, a evolução
das espécies, a psicanálise, o funcionamento
e dos evangelhos e também um sociólogo que
estudou a relação entre a psicologia e os grando sistema nervoso, etc. Mas talvez o mais importante seja queZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s e p o d e a p r e n d e r u m a s é r ie
des movimentos históricos do século X X : o socialismo) o comunismo,
o fascismo e o capid e o r i e n t a ç õ e s e s p e c í f i c a s s o b r e a e d u c a ç ã o , No
livro há palavras técnicas, porém todas elas estalismo. ------!
tão explica das no texto ou nas notas ao final
A s e g u n d a le n d a é a fa ls a h is tó r ia d a v id a e
dos capítulos. Todos os personagens
da histód a o b r a de Vigotski, que vamos tratar a seguira terceira lenda será elucidada mais tarde. Não
ria, da mitologia ou das obras de arte) assim
como os psicólogos, pedagogos,
cientistas e
relataremos aqui toda a sua vida nem sua vasta
escritores mencionados no texto estão identiobra. Faremos apenas um resumo e nos deteremos nos dados que desmentem a lenda, forneficados nas notas. Temos de avisar a esse tipo
cendo dados significativos para desmenti-Ia. 1
de leitor que nunca é possível entender absolutamente tudo. Como dizia um professor nosNarraremos
agora) de forma sucinta) a
so no Colégio Nacional: "Não se pode tudo".
s e g u n d a l e n d a , que é uma espécie de "história
Entretanto, o livro tem uma vantagem. Com
oficial" e diz o seguinte: Em janeiro de 1924
apareceu no II Congresso Panrusso (Nacional)
exceção dos Capítulos 2 a 4, que devem ser
de Psiconeurologia,
realizado em Petrogrado,
lidos em ordem consecutiva, todos os outros
um desconhecido jovem de 27 anos, prõvenipodem ser lidos em qualquer ordem. E se esse
ente de uma remota cidade provinciana. É imtipo de leitor não quiser ler esses três capítuportante destacar que a lenda sempre começa
los inteiros, pode folheá-Ios e ler apenas as
aqui, em 1924, e nada nos diz da vida de
aplicações educativas que lhe interessem.
Há u m s e g u n d o t i p o d e l e i t o r : WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o e s tu d a n te d e
Vigotski antes dessa data, exceto que era um
simples professor e que se dedicara à literatup e d a g o g i a o u o u n i v e r s i t á r i o i n t e r e s s a d o em p s i c o lo g ia , p s ic o lo g ia e v o lu tiv a , p s ic o lo g ia e d u c a tiv a e
ra e ao teatro - nunca se menciona o judaísmo
de Vigotski, com todas as implicações que este
c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o . Esse tipo de leitor deve ler
teve para explicar decisivos aspectos de sua
completamente
o livro em ordem consecutiva.
vida e carreira. De acordo com a lenda, no menEste texto destina-se a ser um clássico e foi escricionado congresso, perante um público formato por um dos psicólogos mais lidos atualmente
do por velhos sábios de barbas grisalhas, esse
no mundo: Liev SemionovitchVigotski,
Deve-se
jovem fez um discurso muito eloqüente, sem
conhecer Vigotski. Mas, para isso se tornar posler nenhum texto. Seu argumento central era
sível, é preciso acabar com três lendas que impeque as correntes psicológicas dominantes nadem o acesso a um conhecimento
nítido e
quele momento tinham deixado de lado o esconfiável de sua vida e de sua obra.
tudo científico da consciência - um dos proA p r i m e i r a l e n d a diz que Vigotski foi um
blemas mais discutidos e difíceis da época - e
p s ic ó lo g o e v o lu tiv o
e e d u c a t i v o . Isso é verda-
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
17zyxwvutsrqpon
que esse estudo devia ser realizado. Foi tão
Cognición, 1984). A lenda é uma espécie de
persuasivo que o público ficou perplexo. Imfilme cor-de-rosa que nunca se entendeu bem
pressionado, o diretor do Instituto de Psicolocom a vida real. A verdadeira
história de
gia Experimental,
anexo à Universidade
de
Vigotski não precisa de lendas, pois é suficienMoscou, K. Kornilov, convidou-o a colaborar
temente interessante
para abrir mão delas.
com ele. E assim, do dia para a noite, esse jo-hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O u tr o s é que as necessitaram.
Contaremos agovem que provinha do mundo da literatura e
ra a verdade, nada mais que a verdade.
do teatro iniciou uma fulminante carreira no
Apresentaremos
então um resumo da v e r âmbito da psicologia, a partir do momento em
d a d e ir a h is tó r ia de Vigotski, para os propósitos
já anunciados neste prefácio. Liev Semionovitch
que se instalou em Moscou, em 1924. No dia
seguinte ele se reuniu com dois psicólogos,
Vigodski nasceu no final de 1896 na BieloLuria e seu amigo Leontiev, e formaram uma
Rússia. Quando adulto, mudou o "d" de seu
tr o ik a (trio) muito unida, regida pela lealdade
sobrenome pelo "t".' Ele cresceu na cidade de
e pela amizade, que só aéabaria com a morte,
Gornel, situada perto de Chemobyl.
Desde crian- ~.
e cuja missão histórica foi a criação de um novo
ça demonstrou ser muito talentoso. Estudou com
sistema de psicologia, que deixaria para trás a
um preceptor e concluiu o ensino médio com
crise que afetava a disciplina naquele mornenmedalha de ouro. Conhecia nove idiomas e pos- .Qf\'tc
to. O trio foi crescendo. Formou-se uma nova
suía um saber enciclopédico - algo não muito /)c;t
--<
escola de psicologia "sócio-histórica",
monolí~~a
ép~a. Provinha de uma família judia
tica, que deu origem aos fundamentos
da psinão-religiosa, ainda q~~J~sl2eitosa das tradicologia soviética. Em 10 anos, Vigotski passou
ções. Vigotski
seu baC_T!lj!~g.?J
como um raio pela teoria, pela prática e por
Quando terminou o ensino médio, Vigotski
queria ingressar na Universidade
de Moscou,
instituições oficiais; produziu cerca de 200 trabalhos e morreu de tuberculose, em 1934, aos
porém existiam cotas: admitia-se apenàs 3%
37 anos e 6 meses de idade. Dois anos depois,
de alunos judeus, escolhidos por sorteio. Ele
. as obras de Vigotski foram proibidas - durante
teve sorte e foi sorteado. Na Universidade Im20 anos - Relsu!~
Em 1956,
perial de Moscou, iniciou a carreira de medieiquando cOrheÇou o "desgelo" da URSS, Luria e
na, mas depois mudou para direito. Ora, p o r
Leontiev começaram a republicá-las, Nos anos
q u e m e d ic in a o u d ir e ito ? Essas carreiras abri70, Aleksandr Romanovitch
Luria e Aleksei
am portas para o exercício lib e r a l da profissão
Nikolaievitch Leontiev, que eram as mais consde médico ou advogado. No regime czarista,
pícuas figuras da psicologia soviética da époos judeus não podiam ocupar nenhum posto
ca, morreram. Em 1980 nasceu o "fenômeno
estatal; por isso, não podiam seguir uma carVigotski", que cresceu muito até os dias de hoje.
reira judicial, nem trabalhar em hospitais ou
No imaginário psicológico, a tr o ik a continua
escolas. Simultaneamente.Yigots-ki
freqüentou [::/
viva, embora os três já estejam rnortos; sua r aFaculaadede
História e Filoh2gi<Lda Univer->
morte foi como a de El Cid, pois ainda hoje "'--Siâa'àtPd'p~1a~ia~ki,
fundad-a em
continuam combaten~s
e vencendo ba19.06 e não-recpnhecida
oficialmente; ela era
~e
r~rolucionários
anticzaristas que
talhas.
Shakespeare disse certa vez que a menti- I
\V
ra era a verdade com máscara. Há algo de verdade nessa lenda, porém a máscara é grande
·N. de R.T. Foi o próprio Liev que mudou o "d" origidemais. Tal lenda - inclusive em sua versão
nal de seu sobrenome pelo "t", porque acreditava
não-abreviada - é um conto de fadas que ofenque sua família procedia de uma aldeia chamada
de a inteligência de um adulto. Mas é difícil
Vygotovo. A esse respeito veja-se: Riviére, A. La
destruir lendas. Ainda hoje se escrevem esbop s ic o lo g ía de V y g o ts k i. 3. ed. Madri: Visor, 1988 e
ços biográficos de Vigotski que reproduzem
a
Van Der Veer, R.; Valsiner, J. V y g o ts k y : u m a s ín te s e .
lenda - nós mesmos o fizemos, de certa forSão Paulo: Loyola, 1996. Ao que parece, seus pais e
irmãos, e posteriormente suas filhas, mantiveram a
ma, no passado (cf. G. Blanck, ed., Vigotski:
grafia original do sobrenome.
M e m o r ia y V ig e n c ia , Buenos Aires: Cultura y
~"-----,,,-'\,./"--
feVe
;f
~m
I
18
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de psicologia experimental e realizou muitos
tinham renunciado ou sido expulsos da Uniexperimentos junto com seus alunos. Nesse âmversidade Imperial, depois da derrota da revobito teve seu primeiro contato com as deficilução de 1905. Nela concentravam-se os meências infantis. Nessa etapa, que durou anos,
lhores cérebros da Rússia, como K. Timiriazev,
um dos descobridores da fotossíntese, e V. Vigotski tinha uma concepção psicológica basicamente sociogenética, como se pode ver no
Vernadski, o criador da teoria da biosfera. Nes~
~ª--(~~illkJvrgõtsKnei~ãIg;ns-C':lrS9S" dê"psir
presente livro."
'cologia com Pável Blonski.: Seriam os únicos
Assim, em 1919, Vigotskijá sabia bastante
de-sua vida; na área da psicologia, foi autodide psicologia. Quando começou a redigir o
data. Nas férias de verão, Vigotski viajava para
presente livro, faltavam três anos para o famoso congresso no qual se apresentou publiGomeI. Segundo Dobkin, ~~~~~~e
camente perante as celebridades científicas
~~.
Em 1917, ano da
revolução socialista de outubro, formou-se em
russas. Portanto, sua passagem da literatura à
,
ambas as universidades. Uma das primeiras
psicologia não ocorreu d o d ia p a r a a n o ite .
I medidas tomadas pelos comunistas foi a Durante anos trabalhou arduamente com os
~ \ derrogação da legislação anti-semita, o que foí
textos clássicos da psicologia. Vigotski já sabia
~ I apoiado pelos judeus, porque assim desaparetudo o que o leitor encontrará neste livro dois
I
I~R
. d
I
I <:~lLQ~~!l) e, a partir esse momento, e es anos antes do congresso de Petrogrado. Se isso
-'=:---podiamocupar qualquer cargo. Após a revolul
for levado em consideração, é evidente que s u a
lC'.9
ção, porém, houve a guerra civil, fome e frioj
c a r r e ir a d e p s ic ó lo g o n ã o d u r o u 10 a n o s , mas
Vigotski estabeleceu-se em Gornel com
cerca de 15 .
.',q \t sua família e, como já não era proibido, comeAté seu aparecimento no congresso, que
ÇQ.ua dar aulas em várias escolas e instituiçõeshgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mais pode ser dito? Em primeiro lugar, que
- - .- ·~ ··- - - - - - - ·T ·.
.
.
estatais e a escrever cnncas teatrais para jorVigotski n ã o e r a n e n h u m d e s c o n h e c id o . Muitos
conspícuos intelectuais e cientistas moscovitas
nais, etc. Não lhe foi difícil transformar-se n0
líder intelectual de Gomel, cidade de 40 mil
o conheciam desde seus anos de universidade.
habitantes. Organizou as "Segundas-feiras Li- É m u ito p r o v á v e l q u e v á r io s d e le s o te n h a m c o n terárias", nas quais discutia literatura russa ou
v id a d o p a r a a p r e s e n ta r
u m a p a le s tr a no c o tiproferia conferências sobre temas co o a teog r e s s o d e P e tr o g r a d o , pois surge aqui uma perriá '~Vl
ade e Eínstein. Vígotski lera
gunta que ninguém respondeu: como é que um
~~~odo
intelectual
professor de ensino fundamental de uma rejudeu, conhecia bem Spinoza. Também estumota cidade chega ao II Congresso Nacional
ç-~ He~l. Este o levou a Marx e Engels e es- de Psiconeurologia, o evento acadêmico mais
importante da disciplina? Essa é uma resposta
-r.Jp~if tes a Lênin, cujas obras compreendia cabalmente. Tornou-se comunista, embora nunca tenha
que não temos, porque a lenda nunca explise fiIiâãõ"'ãO-pafiído.Dava aulas de lógica, fi- cou nada a respeito.
De forma simultânea com P s ic o lo g ia p e ~
losofia, estética, psicologia, etc. Antes dos 20
'-:z).anos,entre 1915 e 1916, terminou seu primeiro
d a g ó g ic a , Vigotski começou a redigir parte de
livro, l:íiííê'-x~
ensaio sobre H a m le t,
P s ic o lo g ia d a a r te - um livro tão extenso quanto este -, continuou lendo, pesquisando e leciono qual havia certo grau de misticismo; no ennando,
sem abandonar a atividade literária e
tanto, essa faceta não duraria - desapareceu
artística, que nunca abandonaria. Com Dobkin
em uma segunda e breve versão posterior, parte
e seu primo David Vigodski, destinado a ser
integrante de seu livro P s ic o lo g ia d a a r te .
um renomado lingüista, fundaram a Editora
Vigotski também leu toda a história da psico"Bieka i dni" ("Eras e dias") e publicaram um
logia e chegou a conhecer os clássicos de topar de livros de poesia, até abandonarem o emdas as correntes psicológicas da Rússia, da Eupreendimento por um recorrente problema
ropa e dos Estados Unidos (ele sempre escrerusso: escassez de papel. David o pôs em convia "Rússia e Europa", como se a Rússia não
pertencesse à Europa). Na Escola de Formatato com destacados formalistas - alguns deles influenciariam Vigotski até em seu último
ção de Professores, organizou um laboratório
~r
I
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
livro,hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P e n s a m e n to e lin g u a g e m . Fragmentos
de
sua P s ic o lo g ia da a r te fariam parte de o u tr a s
comunicações
que também apresentaria
no
congresso de Petrogrado - foram tr ê s , e não
apenas uma. É claro que, nessa época, além de
outras correntes, Vigotski também era muito
influenciado pela reflexologia e pela reatologia,
ainda que nunca tenha aderido totalmente a
nenhuma delas; até 1928, muitas vezes lhes
tomou emprestados conceitos e termos; em outras oportunidades,
só termos: significantes,
dando-lhes outros significados.
Muito se discutiu sobre o provável caminho de acesso de Vigotski à psicologia. Em
nossa opinião, todas as hipóteses construídas
para explicar esse trânsito desmoronam com a
leitura de P s ic o lo g ia p e d a g ó g ic a . A im p o r tâ n c ia
fu n d a m e n ta l
d e s s e te x to m o s tr a m u ito b e m c o m o
se r e a liz o u o tr â n s ito - Psicologia pedagógica é
o e lo p e r d id o q u e e s c la r e c e o p r o b le m a . O livro
P s ic o lo g ia da a r te também ajuda a compreendê10, mas não tanto. Isso coincide com nossas
opiniões anteriores à leitura de P s ic o lo g ia p e d a g ó g ic a : sempre dissemos que os caminhos
tinham sido tanto os problemas da psicologia
da arte quanto os suscitados pela atividade pedagógica e psicopedagógica,
mas que estes tinham sido mais importantes.
Finalmente,
quando Vigotski falou no
congresso, em 6 de janeiro de 1924, p a r e c e q u e
o
ú n ic o q u e fic o u p e r p le x o
com
s u a p a le s tr a
fo i
É possível que K o r n ilo v o te n h a c o n v id a do sem que Luria soubesse, porque Vigotski manifestou coincidências com sua teoria ou porque estava reestruturando
o Instituto Experimental de Psicologia e precisava de colaboradores; o mais provável, porém, conforme a história oral, é que o tenha convidado p o r q u e L u r ia
in s is tiu . A versão escrita de sua palestra
no
congresso foi "Os métodos de pesquisa reflexológicos e psicológicos" e não, como tem se repetido erroneamente, "Aconsciência como problema da psicologia do comportamento"
(cf.
ambos os trabalhos,
compilados
em L. S.
Vygotski, O b r a s ... , t. I, op. cit., p. 3-22 e 39-60,
respectivamente).
É interessante
notar que
Vigotski, em sua conferência, criticou duramente a reflexologia de Bejterev e Pavlov com relação ao problema do estudo da consciência,
mas manifestou algumas coincidências com a
L u r ia .
19
reatologia de Kornilov e com as posições de
William Jarnes e John Watson (um ano mais
tarde, criticaria todas elas).
Vigotski retornou a Gomel e casou-se com
sua namorada, Roza Noievna Smiejova. O casal mudou-se para Moscou ainda em 1924. Todas as irmãs de Vigotski já tinham saído de
Gornel e, pouco tempo depois, seus pais também se mudaram para Moscou. L u r ia d is s e q u e
n o d ia s e g u in te à c h e g a d a de V ig o ts k i a M o s c o u
e le s se r e u n ir a m
c o m L e o n tie v , também membro do Instituto) e q u e os tr ê s p r o p u s e r a m r e e la borar
to d a
a
p s ic o lo g ia
e x is te n te
e
c r ia r u m a
como objetivo de seu futuro trabalho. No entanto, pairam dúvidas sobre essa mencionada reunião e, sobretudo, que
ela tenha ocorrido imediatamente
após a chegada de Vigotski. É provável
que Luria e
Leontiev tenham ajudado Vigotski a se estabelecer, porém afirmamos sem vacilar que a realização dessa reunião demorou p e lo m e n o s um
ano. Como disse Borges, a memória é mais inventiva que evocativa.
Em suas memórias, Luria diz que costumavam encontrar-se
com Leontiev no apartamento de Vigotski u m a ou d u a s v e z e s p o r s e m a n a (cf. A. R. Luria, T h e m a k in g o f m in d . A
p e r s o n a l a c c o u n t o f S o v ie t P s y c h o lo g y , ed. de
Michael e Sheila Cole, Cambridge,
Mass.:
Harvard University Press, 1979, p. 45), embora não mencione datas, para planejar seus estudos e seu trabalho experimental, que era realizado no laboratório de psicologia dirigido por
Luria na Academia de Educação Comunista
"Krupskaia" - experimentos
que Vigotski planejava e supervisionava pessoalmente. No grupo de trabalho dirigido por Vigotski, Leontiev
realizou uma pesquisa sobre a memória, de
caráter plenamente vigotskiano, à qual retomaremos mais tarde. Com exceção dessa pesquisa, não existem evidências de nenhum trabalho conjunto de Vigotski e Leontiev, nem mesmo um simples artigo em co-autoria. Muito
mais intensa foi a colaboração de Luria com
Vigotski, que incluiu artigos, livros e até mesmo um trabalho de campo que durou dois anos,
realizado em duas remotas repúblicas soviéticas da Ásia. O leitor perceberá que, no período
em que se questionou o trabalho de Vigotski,
ele sempre é mencionado ao lado de Luria, sem.
n o v a p s ic o lo g ia
g e r a l)
20
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nunca haver referência a Leontiev. O mito de
um triohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e q u iv a le n te
aos três mosqueteiros de
Dumas só tem o valor que lhe é atribuído pelos que acreditam nele. Visto de outro ângulo,
podemos dizer que Vigotski, Luria e Leontiev
constituíram um "trio" - não o negamos -,
porém esse trio nunca teve as mesmas características pintadas pela lenda, com a seguinte
acepção do vocábulo tr o ik a : "um por todos e
todos por um".
Durante um ano, Vigotski e sua esposa
moraram em um pequeno quarto, no porão do
Instituto Experimental de Psicologia. Quando
sua filha Guita nasceu, em' 1925, eles se mudaram para um apartamento de um quarto no
número 17 da rua Bolshaia Serpujovskais, onde
Vigotski moraria a vida inteira, com a mulher
e duas filhas. Muitas vezes, Vigotski escrevia
nesse quarto, enquanto, ao redor dele, outras
crianças brincavam com sua filha. Outras vezes recebia visitas nele, como as célebres reuniões que teria, por exemplo, com Kurt Lewin.
Em seus últimos 10 anos, Vigotski dirigiu
várias cátedras e instituições, organizou grupos
de trabalho, dirigiu laboratórios de pesquisa e
centros de saúde, fundou e presidiu o Instituto
de Defetologia mais importante da URSS, etc.
Em 15 de julho de 1924, Vigotski foi nomeado diretor do Subdepartamento de Proteção Social e Legal de Crianças Portadoras de
Deficiências, subordinado ao Comissariado do
Povo para a Educação Pública. No formulário
que teve de preencher para se inscrever no
Comissariado, na seção em que se perguntava
em que área considerava que poderia ser mais
útil, Vigotski escreveu: "Na educação de crianças surdas-mudas e cegas". Desde seus anos em
Gornel e até sua morte em Moscou, Vigotski viu
milhares de crianças deficientes. Ele viajou apenas uma vez ao exterior, para representar seu
país na Conferência Internacional para a Educação de Surdos, realizada
em Londres,
em1925. Visitou muitas escolas para surdos,
tanto lá quanto em Berlim, na Holanda e na
França. Quando regressou a Moscou, sofreu sua
segunda internação - um ano de cama -, em
condições de extrema precariedade: as camas
não eram separadas por nenhum espaço.
Vigotski sofreu um colapso em um pulmão devido a um pneumotórax e não podia permane-
cer em pé sem ajuda. Nessas condições, no hospital, escreveu sua monografia O s ig n ific a d o h is tó r ic o d a c r is e d a p s ic o lo g ia , que terminou em
1926 e n ã o e m 1927, c o m o a fir m a a le n d a .
Vigotski tinha de defender publicamente sua
tese de doutorado em psicologia - que foi seu
livro P s ic o lo g ia d a a r te , concluído em 1925 -,
porém a comissão médica o liberou desse ritual, e o título de doutor lhe foi concedido. Mais
tarde, Vigotski trabalhou em estreita colaboração com Nadiezhda Krupskaia, viúva de Lênin,
que era membro da direção do Comissariado
da Educação. Quando Vigotski morreu, sua filha mais velha, Guita Lvovna Vigodskaia, tinha
10 anos. Por esse motivo, é testemunha confiável
de muitos acontecimentos de seus últimos cinco anos de vida, o que não acontece com sua
irmã, Ásia, que tinha apenas 4 anos quando o
pai faleceu. Guita recorda que Krupskaia costumava ligar para sua casa (comunicação pessoal,
Moscou, 1988).
Em 1928, Vigotski escreveu os manifestos fundamentais de sua E s c o la H is tó r ic o -C u ltu r a l d e P s ic o lo g ia , que começou a desenvolver por volta de 1927, em colaboração com
Luria; essa colaboração não excluiu críticas
epistemológicas profundas de Vigotski a Luria,
a partir de 1926, relativas à relação marxismo/psicanálise (tais manifestos são "O problema do desenvolvimento cultural da criança" e "Primeiras teses sobre o método instrumental em psicologia"; cf. L. S. Vigotski, O d e s e n v o lv im e n to
c u ltu r a l d a c r ia n ç a ... , op. cit.,
p. 31-64). Vigotski produziria quase 200 trabalhos de psicologia, além de cerca de 100
sobre arte e literatura - dos quais se conhecem apenas uns 60. Como já dissemos,
Vigotski, Luria e Leontiev trabalharam juntos,
mas desde o princípio Vigotski ta m b é m esteve rodeado de outros colegas. Possuía uma
personalidade
carismática, e uma de suas
notórias características era a tendência a organizar facilmente grupos de trabalho, o que
já era evidente desde sua adolescência. Quando um "quinteto" (p ia to r k a ) de estudantes R. I. Lievina, L. Slavina, L. Boyovich, N.
Morozova e A. Zaporoyets - uniu-se à tr o ik a ,
a lenda passou a mencionar um "octeto". No
entanto, ele teve vários outros colaboradores
importantes
- L. Saj ar ov, L. Zankov, r.
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
21
Soloviov, etc. Esse grupo realizava as pesquirado por Leontíev, instalou-se e permaneceu
sas no laboratório de Luria e, entre eles, estaem Jarkov, enquanto outros continuaram em
va A. N. Leontiev. Durante esses anos, Vigotski
Moscou. Vigotski começou a viajar e a dividir
fez algumas viagens pela URSS. Por exemplo,
seu tempo entre essas duas cidades.
esteve diversos meses em Tashkent, em 1929,
Em Jarkov e Moscou, Vigotski se matriculou, 18 anos depois de sua primeira tentatilecionando
na Universidade
Estatal da Ásia
Central. No entanto, estas não são as viagens
va abortada, no curso de medicina, pois agora
que mais nos interessam;
há outras muito
precisava de uma formação mais ampla devimais reveladoras ...
do aos seus novos interesses - começara a esPor volta de 1930, Vigotski encontravatudar patologias como a esquizofrenia,
a dese no apogeu de sua carreira.
Era editormência, a doença de Pick e outras afecções neucurador de livros em várias editoras, diretor
rológicas e psiquiátricas.
Luria fez o mesmo.
da principal instituição
de defectologia
da
Em suas breves estadas em Jarkov, Vigotski
URSS, integrava a comissão editorial das prinprestava seus exames de medicina, nunca em
cipais revistas, projetava as pesquisas transculMoscou: ''Aqui nunca conseguirei terminar o
turais realizadas por Luria através de duas excurso: os trâmites burocráticos,
por ter perdipedições ao Uzbesquistão
e ao Kirquizistão,
do o diploma, terminaram
com minha paciênalém das atividades anteriormente
mencionacia" (cf. carta a Luria, Moscou, 21/02/33). Condas e das vinculadas à arte que, como já disseseguiu realizar a metade do curso e só não o
completou
totalmente
porque foi impedido
mos, ele nunca abandonou - embora tivesse
tido a prudência de se abster de publicar a respela morte. Luria conseguiu se formar.
peito, pois a queda de Lunacharski como miN o fin a l d o s a n o s 7 0 , Leontiev escreveu
nistro da cultura representou uma sentença de
sobre o "complexo problema da área da psicomorte para a revoluçãohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c u ltu r a l russa da décalogia" da ação mediada:
da de 20 (cf. G. Blanck, "Vygotsky: El Hombre
y su Causa", op. cit., p. 50-51).
O rumo
Deve-se dizer que alguns psicólogos dos anos
stalinista adotado pela URSS começou a ma30 - como A . A . T a la n k in , P I. R a z m is lo v e ounifestar-se
nas áreas da psicologia em que
tros - captavam e destacavam o p o n to fr a c o
. Vigotski trabalhava. Começaram a desapareque existia na interpretação da relação entre
cer as revistas que ele co-dirigia. Começaram
a consciência e a vida real, e que se evidenciaria na teoria histórico-cultural.
(Cf. A. N.
os ataques dos ideólogos contra o Instituto
Leontiev,
"Sobre
o
desenvolvimento
criativo
Experimental de Psicologia no qual ainda traO
b
r
a
s
... , op.
de
Vigotski",
em
L.
S.
Vygotski,
balhava, especialmente
contra ele e Kornilov.
cit., t. L, p. 448; o grifo é nosso.)
Apesar de tudo isso, Vigotski continuou realizando suas atividades e chegou a ocupar novos cargos; entre eles, o de deputado do soviete
É alheio ao propósito desta narração a
do distrito Frunze de Moscou, onde elaborava
questão dos problemas teóricos de categorias
políticas educacionais.
No final de 1931, foi
psicológicas como a "ação mediada" e a "ativinomeado diretor do Departamento de Psicolodade", na qual em alguns aspectos coincidimos
gia Evolutiva da Universidade
da Ucrânia.
com as concepções
desenvolvidas
por A. N.
U c r â n ia , longe de Moscou ... P o r q u ê ?
Leontiev. O que nos surpreende nessa afirmaEmbora tivesse continuado trabalhando
ção de Leontiev é que, da p e r s p e c tiv a p r iv ile g ia nessa situação adversa, tanto ele quanto seus
da de q u a s e m e io s é c u lo , ele fale desse modo de
colegas sentiram-se
afetados pelo clima de
sujeitos como Talankin ou Razmislov, que c a r e perseguição reinante. Em 1930 fora fundada
c e m detodo atributo científico e moral para ser
a Academia Ucraniana de Psiconeurologia,
em
tratados dessa maneira. Vigotskitinha uma opi- .
Jarkov, e esta oferecia mais liberdade ideolónião diferentes desses dois personagens: '
gica e salários mais elevados, ao contrário do
Quanto mais longe de nossas idéias estejam
que acontecia em Moscou. Devido a essa siesses covardes barbeiros, escrevinhadores, .
tuação, uma parte do grupo de Vigotski, lide-
22
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Bühler, Freud e da escola da Gestalt de forma
ou seja lá o que forem, porém nãohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
h o m e n s de c iê n c ia , tanto meacrítica, o que não é verdade (cf L. S. Vygotski,
lhoro. (Cf. carta a Luria, 29/03/1933;
o grifo
O b r a s .... , op. cit., t. I; por exemplo, "O signifié nosso.)
cado da crise histórica da psicologia"). Depois
contadores
p s ic ó lo g o s
nem
de assistir a uma das conferências de Talankin,
Vigotski escreveu uma carta a Luria, informando-lhe que tinha decidido oficialmente "golpeálos, porém não matá-los" (" b it, n o n ie u b iv a t" ;
cf carta a Luria, 01/06/1931).
Depois das pesquisas transculturais realizadas no Uzbesquistão e em Kirquizistão, os
ataques que excomungavam Vigotski e Luria
tornaram-se ainda mais duros, repletos de insultos, tanto verbais quanto escritos. Duas áreas
de trabalho fundamentais para Vigotski, como
a defectologia e a pedologia começaram a cair
em desgraça. Ele passou a ser acusado de "não
ser marxista" e de outras tolices, como "não .
citar o camarada Stalin" em suas obras; apeA teoria psicológica
histórico-cultural
de
Vigotski e Luria é pseudocientífica,
reacionásar de tudo, essas acusações não eram inofenria, antimarxista e antiproletária,
e na prática
sivas, pelo contrário. A ameaça de interrogaleva à conclusão anti-soviética de que a polítitórios inquisitoriais começou a pender sobre
ca da URSS é conduzida por pessoas e classes
Vigotski. Não é preciso ser psicólogo para saque pensam de forma primitiva, incapazes de
ber que uma indefinida ameaça de estilo
alcançar o pensamento
abstrato.
(Cf. P. I.
kafkiano é muito mais perturbadora que sua
Razmislov, "O kulturno-istoríchiestoi
tieori
concretização. Na verdade, Vigotski teve de
psijologui Vigóstogo i Luria", K n ig a i P r o le tá r s perder muito tempo preparando-se para esse
k a ia R e v o lu ts ia , n. 4, p. 78-86.)
eventual acontecimento durante seus últimos
anos, e isso está documentado em notas de
Esse artigo de Razmislov, "Sobre 'a teoria
reuniões internas de seu grupo de trabalho e
psicológica histórico-cultural'
de Vigotski e
em suas cartas. Em sua correspondência há
Luria", publicado na revista O liv r o e a r e v o lu fortes indícios de que em 1933 teve de compaç ã o p r o le tá r ia
em 1934, nos dá uma idéia da
recer diversas vezes perante uma comissão de
concepção que essas pessoas tinham da ciêninquérito. Felizmente, o caso não teve maiores
cia psicológica e, sobretudo, do to m d a s c r íticonseqüências. Luria só se atreveu a publicar
c a s sofridas por Vigotski a partir de 1931, que,
sua monografia sobre as experiências transculalém de tudo, eram to ta lm e n te fa la z e s . (A conturais 40 anos mais tarde (cf A. R. Luria, E I
clusão sobre a incapacidade de alcançar um
d e s a r r o llo h is tó r ic o ... op. cit.).
pensamento abstrato por parte dos dirigentes
Em 1932, a situação de Vigotski em Mossoviéticos inferida por Razmislov alude ao fato
. cou tornou-se praticamente insuportável, e ele
de que um dos muitos sujeitos experimentais
decidiu então aumentar suas atividades fora da
era o presidente de uma cooperativa agrária).
cidade.
Começou a trabalhar no Instituto de EduQuanto a Talankin, ele foi o primeiro, em 1931,
cação Herzen, em Leningrado, onde rapidamena acusar a teoria do "grupo de Vigotski e Luria"
te organizou um grupo de trabalho - D. Elkonin,
de "não-marxista" e a declarar que estejdevía
Y.Shif,
M. A. Lievina, entre outros - e passou a
ser seriamente combatido" (cf A. A. Talankin,
viajar, minado pela tuberculose, entre Moscou,
" O p o v o r o tie n a p s ijo lo g u íc h ie s k o m fr o n ti~ :':J " s o Jarkov e Leningrado, cidades muito, distantes e
b r e o p o n to de in fle x ã o n a fr e n te p s ic o l6 g ic a " ] ,
com os precários meios de transporte da época.
Q
Sovietskaia Psijonievrologuia, n 2-3, p. 140M a s p o r q u e V ig o ts k i o p to u p o r a m p lia r s u a s a ti184); ele também acusou Vigotski e Luria de
infiltrar na psicologia russa as teorias de Karl v id a d e s em o u tr a c id a d e em v e z qe c o n c e n tr á -Ia s
Por que Vigotski se referia dessa maneira
a esse tipo de psicólogos? Vejamos, por exemplo, o que escreveu Razmislov sobre as pesquisas transculturais vygotskianas, que concluíram que as pessoas escolarizadas alcançavam
um nível de abstração formal e as que não o
eram permaneciam prisioneiras de um pensamento concreto; no entanto" se estas eram
escolarizadas, diante dos olhos dos pesquisadores passavam do plano concreto ao lógico
formal (cf. A. R. Luria, E I d e s a r r o llo h is tó r ic o
de lo s p r o c e s o s c o g n itiv o s , Madri: Akal, 1986):
,t .~ ~
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
23
e m la r k o v ? zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Não conhecemos o motivo exato
e, em 2 de junho,
dessa decisão, porém sabemos o que aconteceu
em Jarkov. S e u g r u p o s e d e s in te g r o u n e s s a c id a d e e, com isso, acabou também a "missão histórica" que, messianicamente,
ele tinha traçado
para si mesmo.
Quando um p r o g r a m a d e p e s q u is a fe n e c e ,
isso ocorre devido a c a u s a s h is tó r ic a s in te r n a s
e /o u e x te r n a s , utilizando de forma bastante livre a terminologia de Imre Lakatos. O líder da
ruptura com Vigotski foi Leontiev, como o leitor já deve ter imaginado. Pode-se dizer que
todos têm o direito de mudar suas concepções
e que Leontiev mudara as suas paulatinamente, afastando-se das de Vigotski, Isso pode ter
sido resultado de uma "história interna" - uma
mudança na teoria por causas imanentes a seu
desenvolvimento,
sem influências "externas"
determinantes,
fossem elas políticas, econômicas ou outras. No entanto, tudo indica que is s o
n ã o fo i o q u e a c o n te c e u .'
Leontiev começou a tomar público seu
distanciamento
de Vigotski. Como resposta a
essa situação, Vigotski lhe enviou uma carta,
datada em 02/08/1933,
na qual, em tom cordial, não ocultava sua mágoa e lhe informava
que estava ciente de tudo o que estava acontecendo, que entendia a atitude de Leontiev e
que lamentava que " to d o s e le s " tivessem fracassado em alcançar o objetivo ao qual tinham
dedicado seu trabalho: "estou tentando compreender o modo de Spinoza, com tristeza,
porém aceitando que (seu distanciamento)
é
irremediável"."
Nessas circunstâncias,
no início de 1934,
Vigotski foi convidado a assumir a direção do
Departamento
de Psicologia do Instituto de
Medicina Experimental
de toda a Rússia, em
Moscou. Essa proposta poderia resolver de forma considerável
muitos de seus problemas.
Aceitou e começou a planejar as atividades
que desenvolveria no departamento.
Também
se dispôs a concluir seu livro P e n s a m e n to e
lin g u a g e m ; alguns de seus capítulos foram ditados a Sofia Eremina, uma taquígrafa que,
depois de datilografá-los,
os devolvia para
serem corrigidos. Em 8 de maio, ele teve uma
hemorragia em seu local de trabalho e foi levado para casa. De seu leito ditou o último
capítulo do livro. Seu estado de saúde piorou
foi internado
pela última
vez. Sua esposa Roza Noievna e sua colaboradora Bluma Vulfovna Zeigarnik revezavam-o
se para cuidá-lo (G. Vigodskaia, comunicação,
Moscou, 1988). Morreu durante a noite de
10 para 11 de junho."
Nesse mesmo ano de 1934, Leontiev publicou um obituário de Vigotski, no qual, apesar dos elogios, se distanciava da teoria "histórico-cultural", que ele rebatizou de "históricosocial". Em 1936, a obra de Vigotski foi proibida. Durante duas décadas, todos seus ex-colaboradores se dedicariam a tarefas estritamente científicas, afastadas de questões ideológicas, com exceção de Leontiev. Ao contrário de
outros grupos intelectuais, como o de Mikhail
Bakhtin, por exemplo, o de Vigotski não sofreu o Gulag nem perdas físicas."
Em 1955, quando as obras de Vigotski
estavam prestes a ser liberadas, Leontiev e
Luria visitaram a família Vigodski - d e p o is d e
2 0 a n o s , p o r u m a ú n ic a v e z - para examinar
seus arquivos. A obra de Vigotski começou a
ser novamente publicada a partir de 1956, d e
fo r m a m u ito g r a d u a l. Luria foi quem mais contribuiu para sua divulgação."
N a d é c a d a d e 50 c o m e ç o u a s e r d ifu n d id a a
le n d a h a g io g r á fic a d a " tr o ik a " , criada principalmente por Leontiev, que nunca falou sobre seu
passado - um autêntico apoio à política científica stalinista - e, à medida que aumentava o
reconhecimento
de Vigotski, mais ele se
autodenominava seu autêntico seguidor. D e fa to ,
L u r ia a p a r e c e n a le n d a c o m o fig u r a
s e c u n d á r ia ,
ao lado de Leontiev. A historiografia atual tem
se dedicado a estudar a criação e a presença
desse tipo de "lendas" nas narrações históricas,
procedimento
denominado
"invenção de uma
tradição" (cf. E. Hobsbawm e T. Ranger, eds.,
T h e in v e n tio n o f tr a d itio n , Cambridge University
Press, 1992, p. 1-14). A psicologia histórico-cultural de Vigotski, tão castigada em sua época,
foi rebatizada como "sócio-histórica", denominação que só apareceu nos anos 50 e que posteriormente abrangeria toda a psicologia soviética - incluindo a "teoria histórico-cultural"
de
Vigotski e a "teoria da atividade" de Leontiev. O
nascimento formal da "teoria da atividade" pode
ser considerado o ano de 1940, quando Leontiev
preparou a primeira parte de seu projeto de tese,
24
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKI
o Vigotski que fala da "zona
ohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d e s e n v o lv im e n to zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do p s iq u is m o , perdida durante
a Segunda Guerra Mundial. Leontiev a reconstruiu e a publicou em 1947 (120 páginas). Em
1959 foi publicada sua versão ampliada, P r o b le m a s do d e s e n v o lv im e n to
do p s iq u is m o (496
páginas). Sua concepção da atividade teve três
variações, como pode-se perceber em seu último livro, publicado em 1975 (cf. A. N. Leontiev,
A c tiv id a d , C o n c ie n c ia y P e r s o n a lid a d , tradução
de Lya Skliar, revisão técnica de G. Blanck et
al., Buenos Aires: Ciencias dei Hornbre, 1978,
230 p.; as reedições são mexicanas: Cartago).
Nos anos 80, Luria afirmou, no prefácio
para T h e O x fo r d c o m p a n io n to th e M in d , que
"Vigotski foi o m a is d e s ta c a d o p s ic ó lo g o soviético e fundador da e s c o la m a is in flu e n te da psicologia soviética" (cf. a edição de R. Gregory,
Oxford University Press, 1987, p. 805; o grifo
é nosso). Até 1980, essa opinião de Luria não
teria sido aceita na Rússia pelos seguidores de S.
L. Rubinstein (cf a nota 13 do Capo 7) e por alguns dos seguidores de A. N. Leontiev. No entanto, ela foi aceita no seio da comunidade científica internacional. Os partidários de Rubinstein
perderam atualmente toda a sua influência. O
mesmo não ocorre com os de Leontiev, que sustentam um amplo leque de posições, que vão
da recusa da teoria de Vigotski à sua plena integração com a de Leontiev"
O te r c e ir o tip o de le ito r d e s te liv r o é o e s p e c ia lis ta em p s ic o lo g ia e d u c a tiv a ou em c iê n c ia s
da e d u c a ç ã o . Esse leitor já conhece as teorias
educativas de Vigotski mais divulgadas e certamente já leu excelentes textos, como o de L.
MoU (org.), V y g o ts k y e a e d u c a ç ã o : im p lic a ç õ e s
p e d a g ó g ic a s da p s ic o lo g ia s ó c io -h is tó r ic a (1996),
que reúne ensaios de alguns dos mais importantes pesquisadores de Vigotski e de suas teorias educativas, bem como suas aplicações práticas nos dias de hoje. Esse leitor também pode
considerar familiar o texto introdutório
de R.
Baquero, V y g o ts k y e a a p r e n d iz a g e m
e s c o la r
(1998).
No entanto, esse tipo de leitor também é
vítima de uma lenda: a te r c e ir a le n d a s o b r e
V ig o ts k i. Esta afirma que e x is te a p e n a s u m a te o r ia e d u c a tiv a v a lio s a de V ig o ts k i: a do Vigotski
tardio, do Vigotski posterior à construção de
sua concepção histórico-cultural,
por exemplo,
to proximal" - na verdade,
"zona de desenvolvimento
(z o n a
b liy a is h e g o
r a z v itia ).
de desenvolvimendeveria se dizer
mais próximo"
10
Vamos nos permitir fazer uma advertência a esse tipo de leitor: a leitura de P s ic o lo g ia
p e d a g ó g ic a requer ativa participação
e muita
atenção. Se o leitor suspender seu juízo crítico, lerá um livro diferente do que leria se não
o fizesse. Para citar apenas um exemplo, considerará ingênua a concepção de Vigotski sobre o instinto; se ler com atenção, porém, comparando todas as definições clássicas de instinto com as de Vigotski, perceberá que a sua
nada tem a ver com aquelas, pois ele atribui
aos instintos uma plasticidade e uma falta de
rigidez que contradizem
todas as concepções
clássicas.
A TRADUÇÃO
DE
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
De acordo com nossas informações, o manuscrito do presente livro se perdeu e, dos 10
mil exemplares publicados na primeira e única
edição russa de 1926, restam poucas cópias. Sempre foi difícil, em qualquer lugar, o acesso a um
exemplar da primeira edição da década de 20,
porém na URSS isso era ainda mais complicado.
Não existe um "arquivo central" que reúna todos os materiais de Vigotski, no qual o
público ou o especialista possa, por exemplo,
solicitar uma fotocópia de uma primeira edição ou de um manuscrito. Esses materiais estão dispersos entre o arquivo privado de sua
família - o mais importante -, os de interessados em Vigotski e os de algumas instituições.
Felizmente tivemos acessos aos principais, sobretudo aos da família Vigotski. Mesmo assim
não conseguimos ver muitos materiais importantes, especialmente
manuscritos.
Em Moscou, quando pedimos a Guita
Vigodskaia um exemplar de P s ic o lo g ia p e d a g ó g ic a , para fotocopiá-lo na universidade, ela nos
disse que tinha apenas um e que o emprestara
a Vasili Davidov, que não estava em Moscou
naquele momento. Como a data de nosso regresso já estava muito próxima, renunciamos à
PSIC O LO G IA PED A G Ó G IC A
25
idéia de conseguir uma cópia do livro e nos desconfirmar que não era uma versão taquigrafada
pedimos de nossos colegas russos, além de dede aulas orais. As frases de Vigotski são sumamente longas e contêm muitas orações suborvolver o gravador e a fotocopiadora
portáteis.
Quando nos despedimos de Anna Stetsenko, ela
dinadas também compridas que, por sua vez,
têm suas próprias orações subordinadas lonnos disse que queria nos dar um presente, emgas; essas ramificações
secundárias e terciábora não soubesse se ele seria útil para nós, e
rias dificultam o retorno à primária. Além disnos entregou uma pasta de papelão verde.
Quando a abrimos, descobrimos que era uma
so, Vigotski é muito reiterativo, e as repetições
de alguns vocábulos são abundantes. Talvez
cópia completa dehgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P s ic o lo g ia p e d a g ó g ic a . Neste
essas características
expliquem por que poumomento, a pasta está diante de nós.
A primeira e única edição russa de P s ic o cos tradutores respeitam seu estilo original e o
lo g ia p e d a g ó g ic a , como já dissemos, é de 1926.
reescrevem, passando de seu acentuado estilo
Em escala mundial, a segunda edição é a da
coloquial às características
mais habituais do
Editora St. Lucie (Boca'Ratón,
Flórida, Estaensaio contemporâneo;
e também por que o
dos Unidos),
de 1997, com o título
de
abreviam e embelezam, fazendo com que aqueE d u c a tio n a l P s y c h o lo g y , editada e traduzida por
les que realmente conhecem Vigotski não reRobert Silverman e que inclui uma introdução
conheçam mais seu estilo. Em nossa versão ao
de Vasili Davidov. A p r e s e n te e d iç ã o é a p r im e iespanhol tentamos recriar as características
r a em e s p a n h o l e a te r c e ir a em e s c a la m u n d ia l.
essenciais do estilo de Vigotski; isso significaO primeiro rascunho da presente edição
va, naturalmente,
deixar de lado uma traduem espanhol foi traduzido do russo por Lya
ção literal. Suprimimos muitas palavras repeSkliar no verão de 1988-89. E s s a v e r s ã o n ã o
tidas. Separamos as orações demasiado lonfo i r e a liz a d a p a r a u m a e v e n tu a l p u b lic a ç ã o , mas
gas e em algumas poucas oportunidades
elipara nosso uso pessoal, em um momento em
minamos expressões redundantes, quando elas
que estávamos ocupados escrevendo
alguns
prejudicavam
a compreensão
(essas elipses
textos cujos prazos de entrega estavam acaforam indicadas). Algumas características do
bando. Por esse motivo, não tivemos nenhurascunho de Skliar eram a falta de precisão no
ma participação
nela - habitualmente,
com
vocabulário técnico, erros na transliteração de
outros textos destinados à publicação, revisásobrenomes e uma escolha errônea da acepção
vamos juntos, frase a frase, os termos técnide alguns vocábulos, quando o dicionário ofecos, a redação em espanhol, etc. Portanto, essa
recia várias delas; também nos deparamos com
versão não foi preparada com o esmero habio costume que têm alguns tradutores do russo
tual em Skliar. Esse rascunho era uma tradude substituir automaticamente
alguns termos;
ção totalmente literal do russo. Precisamente
por exemplo, "czarista" é substituído por "anpor isso, era quase ilegível para um leitor de
terior", "soviético" por "atual", etc. Demos uma
língua espanhola não-familiarizado
com os texmaior precisão ao vocabulário técnico, tentantos originais de Vigotski, pois havia configurado respeitar o léxico original da década de 20,
ções sintáticas russas e se respeitara totalmenrestauramos
as palavras substituídas, corrigite o peculiar estilo coloquial desse poeta socimos as acepções que consideramos equivocaalista da psicologia européia.
das e redigimos integralmente
o texto três veQuando pensamos em publicar este livro,
zes - ainda que, como se sabe, nunca exista
uma redação final; Alfonso Reyes, grande acadepois de uma década, Lya Skliar havia falecidêmico, escritor e trad-utor, disse uma vez que
do, e assumimos a tarefa de traduzi-lo. Nosso
principal material de referência foi o velho ras"os manuscritos são entregues à editora para
cunho da tradução de Skliar.
não continuar corrigindo-os".
Vigotski era mais um "falador" que um
Por outro lado, René van de Veer comparou a versão inglesa de RobertSilverman
com
escritor; quando lemos este livro pela primeio original russo, escreveu numerosas correções
ra vez duvidamos que tivesse sido originalmente redigido e demoramos
duas semanas paraGFEDCBA
e observações à margem e as enviou para nós.
26GFEDCBA
llEV SEM IO N O VIC H
VIG O TSK I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Em nossa opinião, a versão de Silverman respeita muito mais que outras traduções para o
inglês o estilo de Vigotski e é bastante literal;
para obter maior precisão, usa um inglês com
mais vocábulos de origem latina que saxônica.
Com relação a algumas expressões idiomáticas, optamos por aquelas que são mais familiares a um leitor argentino, pois ele é que
lerá este livro, porém tentamos distanciar-nos
de regionalismos e encontrar a versão mais
neutra e internacional possível; consideramos
que um leitor madrilenho ou venezuelano poderá compreendê-Ia. Finalmente, certos termos
cuja tradução pode provocar dúvidas ou despertar curiosidade pelo vocábulo original foram reproduzidos em russo entre colchetes ao
lado do termo espanhol que escolhemos, ou
nas notas de rodapé.
Portanto, para a presente versão, contamos com a primeira edição original russa de
Vigotski, o rascunho da tradução para o espanhol de Lya Skliar, a versão inglesa de Robert
Silverman, as correções e a comparação da tradução de Silverman com o original russo, trabalho efetuado por René van der Veer. Nossa
comparação detalhada de todo esse material
deu como resultado a presente versão para o
espanhol deste livro. O veredicto final está nas
mãos do leitor. Como Borges disse certa vez,
com o humor que o caracterizava, esperamos
que o original seja fiel à tradução.
ESC LA R EC IM EN TO S
II
E A D VER TÊN C IA S
OshgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e s c la r e c im e n to s feitos até aqui s o b r e a
p r e s e n te tr a d u ç ã o não cobrem tudo o que gostaríamos de dizer. O leitor perceberá que há
o u tr o s em nossas notas.
Não pretendemos que esta edição seja
de um nível acadêmico supremo. Se esse fosse o caso, só estaria ao alcance de muito poucas pessoas, e assim nos afastaríamos totalmente da intenção que teve Vigotski ao escrever o texto. Entretanto, consideramos que esta
é uma versão rigorosa e uma edição precisa
e, sobretudo, respeitosa do espírito deste
manual; não nos esqueçamos de que ele foi
um
c u r s o " p r o v is ó r io "
d e s tin a d o
a p r o fe s s o r e s
como frisou o próprio autor.
Com exceção de quatro notas originais
de Vigotski - explicitamente indicadas -, to d a s
a s n o ta s d e s ta e d iç ã o s ã o n o s s a s . Foram lidas
por acadêmicos e editores, professores e estudantes universitários de graduação e pósgraduação. Alguns acadêmicos destacaram
que as notas deviam se ater exclusivamente a
esclarecimentos técnicos, porém até agora não
encontramos nenhuma edição de um texto de
Vigotski que respeitasse esse critério. Nossa
decisão de descartar esse critério é alheia a
esse motivo, pois é viável se ater apenas a esclarecimentos técnicos. Entre vários motivos,
o descartamos porque esse critério tacitamente acusaria de falta de rigor acadêmico os textos de Vigotski publicados por universidades,
como a de Moscou ou Harvard, bem como as
de países como a Itália e a Alemanha. Em geral, o critério das edições russas é explicar
cada nome próprio que aparece no texto: personagens históricos, míticos, literários ou outros, incluindo juízos de valor. Aceitamos tal
critério e, além disso, permitimo-nos redigir
comentários que nos pareciam úteis. Quanto
ao to m de alguns dos nossos comentários,
esforçamo-nos para que ele fosse equivalente
ao das notas originais de Vigotski, embora mais
atenuado - Vigotski escreve sem eufemismos.
Em nossas notas identificamos as pessoas e
personagens mencionadas no texto na primeira vez em que aparecem, embora em alguns
casos tenhamos repetido a informação na segunda vez em que são nomeados. Muitas edições norte-americanas respeitaram o critério
russo e, além disso, acrescentaram um número maior de notas e chegaram a tomar a liberdade de resumir os textos - como acontece com a s d u a s diferentes edições do MIT -,
ou de reescrevê-los no estilo de expressão de
um g e n tle m a n contemporâneo - como ocorre
nas edições da Universidade de Harvard. Naturalmente, tais "adaptações" e resumos foram muito criticados; por exemplo, Van der
Veer as chamou de c o c k ta il-ty p e m ix in g . Também não concordamos com tais ingerências
no texto de um autor, porém preferimos as
d e e n s in o
m é d io ,
PSIC O LO G IA PED A G Ó G IC A
27
terar" como "representar s o n s de uma língua
edições ricas em notas e comentários; nesse
com s ig n o s a lfa b é tic o s de outra (o grifo é nossentido, permitimo-nos apelar a um recurso
so). Além disso, transliterar segundo uma lista
freqüente de Vigotski, amparando-nos no disupõe um conhecimento de equivalências. Mas
tado popular: "é melhor sobrar do que faltar".
isso, por acaso, não exige o conhecimento do
Quanto àhgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tr a n s lite r a ç ã o dos vocábulos rusalfabeto cirílico? Para que serviria a transsos - incluídos os nomes, próprios - adotamos o
critério fonético, isto é, optamos por escrevêliteração, quando os termos poderiam ser escritos diretamente no alfabeto russo, como se
Ias de acordo com o som que têm quando se
faz ultimamente nas traduções francesas? Fipronunciam em russo e acentuá-los graficamennalmente, queremos concluir este parágrafo
te de acordo com as regras do espanhol.
com uma última afirmação: este critério de
Quando em uma palavra russa transcretransliteração não serve para outros idiomas.
vemos "y" seguida de vogal, este "y" deverá
Quem escreve "Vygotsky" à moda inglesa, por
pronunciar-se como em rioplatense. As letras
exemplo, jamais poderá interferir de modo
"zh" e "z" representam dois fonemas difíceis
algum como se escreve esse sobrenome no
de transcrever com o alfabeto romano e tamalfabeto russo; o mesmo ocorre com outros
bém devem ser pronunciadas como o "y" em
rioplatense, só que de modo muito mais débil.
signos das listas; e ta m b é m há mais de uma
lista de equivalências inglesas do alfabeto
Por último, o uso tornou a pronúncia espanhola do sobrenome de "Vigotski" tal como
cirílico.
Ainda que sempre escrevemos "Vigotski",
o escrevemos. Cabe acrescentar que o vocábutemos respeitado a s d ife r e n te s g r a fia s de s e u
lo "Vigotskii" em russo tem os três is dessa línn o m e quando fazemos referências a edições de
gua: o primeiro "i" é tônico e soa aproximadamente como "ui", com acentuação prosódica
suas obras, para facilitar eventual busca por
parte de algum leitor. Esse critério, o seguimos
no "i"; o segundo soa como o "i" espanhol; e o
com relação aos nomes de todos os autores.
terceiro "i" leva um til que indica tratar-se de
As palavras de certos idiomas - grego,
uma vogal átona; quando o "i" átono enconalemão, russo - foram traduzidas para o espatra-se no final de uma palavra, não soa.
nhol. No entanto, não traduzimos as palavras
Segundo alguns critérios - como o deem inglês, francês e latim, pois essas línguas
fendido, por Umberto Eco, por exemplo -, o
supostamente foram estudadas por todos os
objetivo da transliteração não é saber como
leitores deste livro.
se pronuncia uma palavra, mas como ela é
T o d a a in fo r m a ç ã o
e n tr e c o lc h e te s [ ] foi
escrita em seu alfabeto original, neste caso o
proporcionada por nós.
cirílico, mediante uma lista de equivalências.
As e lip s e s merecem uma explicação mais
Esse critério, contudo, é impossível de ser sedetalhada. Quando elas são originais do livro
guido por várias razões: não existe uma, mas
de Vigotski, as escrevemos - como ele fazia,
duas ou mais dessas listas em espanhol; há
quando se lembrava - com três pontos entre
vocabulários inteiros, e não apenas fonemas,
parênteses: (...). Quando são nossas, as indique não correspondem aos signos de nenhucamos com três pontos entre colchetes: [...].
ma lista. Nos sobrenomes, esse problema é
Entre elas, porém, cabe distinguir (1) as que
mais evidente naqueles que não são russos.
se encontram no corpo do texto escrito por
Por exemplo, quando em russo se escreve "kk"
Vigotski e (2) as que se encontram nas c ita ç õ e s
ou "k", isso pode corresponder ao "ck" no alfe ita s p o r V ig o ts k i de o u tr o s a u to r e s . (1) As que
fabeto romano, como em 'John Locke", que
estão no texto escrito por Vigotski - assim como
em cirílico se escreve, transcrito, "Dyon Lokk".
as de nossas notas - são elipses realizadas por
Por outro lado, o D ic c io n a r io de I a L e n g u a
nós. (2) Em compensação, os "[ ...]" que apaE s p a iio la
da Real Academia não translitera
recem nas citações de outros autores, feitas por
palavra de etimologia grega, grafando-a no
Vigotski, n ã o s ã o e lip s e s n o s s a s , mas indicações
alfabeto grego; esse dicionário define "transli-GFEDCBA
r'IHGFEDCBA
1
I
28GFEDCBA
LlEV SEM IO N O VIC H
VIG O TSK I
em que o fez, esses dados estão incompletos;
de que Vigotski fez uma elipse que não indicou. Como dissemos no parágrafo anterior,
geralmente ele citava o sobrenome, porém deinesse caso se trata de informação proporcioxava de lado o nome e as iniciais do autor, não
nada por nós.
mencionava os títulos dos textos nem a editora,
No presente livro, oshgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te r m o s
"meio" e
o lugar e a data da publicação, nem as páginas
"ambiente" devem ser considerados sinônidas citações. Além disso, salvo algumas vezes,
mos. O mesmo ocorre com "conduta" e "comcostumava citar de cor, e colocava as citações
entre aspas (!). Essas características, como o leiportamento":
Respeitamos o termo "professor" [ u c h itie l]
tor do presente livro pode imaginar ou comproque Vigotski usa em todo o livro para referirvar, representam um pesadelo para qualquer
editor.
nos ao professor de ensino médio - ainda que
em muitos casos ele se refira a contextos do
A c r e s c e n ta m o s
q u a s e to d a s as r e fe r ê n c ia s
ensino fundamental. A designação dos profesq u e fa lta v a m ,
colocando-as ao final da citação
sores de ensino médio muda bastante conforentre colchetes ou nas notas ao final dos capíme os diferentes léxicos.
tulos. Não nos foi possível esclarecer as refeVigotski trata os vocábulos "subconsrências que não forneciam nenhuma pista,
ciente" ( p o d s o z n a tie ln o ie )
e "inconsciente"
como, por exemplo, quando Vigotski diz "um
( b e z o z n a tie ln o ie )
como sinônimos; por isso, o
pesquisador disse uma vez ... ", ou "como frileitor que tentar discriminá-los estará fazendo
sou um pedagogo ... ", etc. Também não pudeum esforço inútil.
mos identificar alguns textos de algum autor
As palavras "alma", "espírito", "psique",
mencionado, quando ele citava apenas o so"psiquismo", "mente" e outras afins devem ser
brenome desse autor e alguma expressão ou
consideradas sinônimos de "atividade psíquica",
citação do mesmo entre aspas.
a menos que o contexto indique o contrário. O
termo "psicológico" deve ser considerado sinôA G R A D EC IM EN TO S
nimo de função ou acesso "psíquico" ou deve
ser usado em uma acepção que denota "próPelas numerosas vezes que nos recebeu
prio da matriz disciplinar chamada psicologia",
em sua casa; por ter colocado seus arquivos
conforme o contexto em que for usado.
privados
à nossa total disposição sem qualquer
Para Vigotski, as palavras ''América'' e
tipo de reserva; pelos livros que nos deu e pe"americano" sempre se referem a Estados Unilas fotocópias e fotografias que nos permitiu
dos e a norte-americano, com apenas uma extirar; por ter-nos permitido entrar em contato
ceção - uma referência histórica à descoberta
telefônico com M a r ia S e m io n o v n a V ig o d s k a ia ,
da América.
irmã mais moça de Vigotski, que se encontraFinalmente, queremos fazer um comentáva em repouso absoluto, mas mesmo assim nos
rio sobre o tr a ta m e n to das r e fe r ê n c ia s e c ita ç õ e s
esclareceu certas datas e outros dados; por ter
fe ita s p o r V ig o ts k i. Em primeiro lugar, ele não
nos
dado permissão para a publicação das
respeitava as convenções de sua época. Tamobras de Vigotski; pelas longas conversas que
bém não tinha o costume de apresentar uma
tivemos, tanto sobre a vida particular e públibreve bibliografia ao final do texto. Como perca de seu pai, bem como sua própria vida pesceberão, com exceção de sobrenomes e do títusoal, em um tom íntimo e espontâneo desprolo de alguns textos, ele não fornecia os dados
vido
de qualquer protocolo; enfim, por sua
dos materiais de referência; nas poucas vezes
cálida e generosa amizade, nosso maior agradecimento é e sempre será para G u ita L v o v n a
v ig o d s k a ia , filha mais velha de Vigotski. Esten· N. de R.T. Ao contrário do que ocorre na edição
demos nosso agradecimento a toda a sua faargentina,
que prefere o termo "conduta", nesta
mília, sobretudo à sua filha E le n a K r a ts o v a .
edição preferimos o termo "comportamento"
porEstamos em dívida com A n n a S te ts e n k o ,
que este é o mais utilizado na psicologia e pedagoque nos ofereceu uma fotocópia completa da
gia brasileiras.
--- ----
-----------
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
29
que trabalharam
com Vigotski e que, antes de
e única edição russa dehgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P s ic o lo g ia p e morrer, nos forneceram
dados importantes.
d a g ó g ic a . Também temos de agradecer a D m itr i
Como
já
dissemos,
Galpierin
escreveu, a nosso
L e o n tie v , agente literário de Guita, que nos ajupedido, um perfil psicológico de Vigotski. Seu
dou desinteressada
e generosamente
em comvalor reside em que Galpierin foi um psicólogo
plexos trâmites que permitiram que este livro
que manteve relações pessoais com Vigotski dupudesse ser publicado.
rante bastante tempo e tinha um olho clínico
Muito devemos àqueles que consideramos
excepcional. A generosidade de Galpierin exceperitos na biografia de Vigotski: além de Guita
deu nossas expectativas.
Vigodskaia, T â m a r a L ija n o v a , A n d r e i P u z ir ie i e
K a r l L e v itin , com os quais tivemos reveladoras
Também estamos em dívida com várias
pessoas que incomodamos
muito enquanto
conversas em Moscou e que nos permitiram o
preparávamos
esta edição: Gabriel Álvarez,
acesso a materiais de seus arquivos pessoais.
Puziriei deu-nos uma cópia das cartas escritas
Ernesto Arenzon,
Cristina
Bellini, Brenda
Berstein, Jorge Mario Berstein, Viola Féjer,
por Vigotski que pude recopilar e ainda estão
inéditas. Tâmara Lifanova nos proporcionou
Camilo Fernández
Hlede, Graciela Merzari,
dados de seu minucioso e inteligente trabalho
Alberto
Onna, Adriana
Silvestri,
Claudia
de detetive e arqueóloga em todos os arquivos
Singerman e Nilda Venticinque. Todas elas ofeque explorou. Levitin discutiu conosco os asreceram sua ajuda, em diversas formas e graus
pectos metodológicos
da história oral que o
de participação,
paciente e generosamente.
levou, depois de muitas conversas com Semion
Algumas delas nos fizeram várias sugestões
Dobkin, a reconstruir a infância e a juventude
sobre diversos aspectos do tratamento do texde Vigotski.
to. Quando, m o tu p r o p r io , não aceitamos inR e n é v a n d e r V e e r merece um parágrafo à
corporar algumas dessas sugestões, sabemos
parte e, por mais extenso que ele seja, mal pode
quais podem ser as prováveis conseqüências
dar conta de nossa dívida e agradecimento. Van
de nossa escolha, pois, segundo Aristóteles, a
responsabilidade
é totalmente nossa.
der Veer é a máxima autoridade
mundial em
Finalmente, gostaríamos de dedicar nosVigotski. Colaboramos
em diversas áreas e
intercambiamos,
discutimos e corrigimos nosso trabalho de edição do presente livro à mesos materiais inéditos antes de os tornar públimória de nossa querida amiga e colaboradora
Lya Skliar. Nossa dívida com ela é imensa e
cos. Compartilhamos
muitas opiniões e valores fundamentais, que hoje estão cada vez mais
eterna.GFEDCBA
em desuso nos ambientes acadêmicos. Também
discrepamos sobre certos aspectos de nossos
trabalhos sem termos conseguido chegar neN O TA S
cessariamente
a um acordo, como d e v e a c o n te 1. O leitor que fala apenas o espanhol, interessac e r em todo trabalho científico sério. Quando
do em maiores detalhes, pode ler nossos capíeste livro já estava no prelo, ele nos enviou tulos: Guilhermo Blanck, "Vygotsky: EI hombre
sem que o tivéssemos pedido - seu resumo da
y
su Causa", no livro: Luis MoI! (org.), V y g o ts k y
presente edição de P s ic o lo g ia p e d a g ó g ic a , que
y la E d u c a c ió n , Buenos fures: Aique, 1993 - a
pudemos incluir no início do livro e que nos
edição original em inglês e suas 5 reimpressões
surpreendeu
pelos elogiosos juízos. Nossa cosão de Cambridge University Press; e G. Blanck,
municação foi ininterrupta, e ele foi nosso prin"Vigotski en el Afio 2000: La Leyenda y Ia Hiscipal interlocutor. A espera da próxima carta
tória", no livro: S. Dubrovsky (org.), V ig o ts k i:
de Van der Veer sempre nos provocava maior
S u p r o y e c c ió n en e l p e n s a m ie n to a c tu a l, Buenos
suspense que o da leitura de um excitante roAires: Novedades Educativas, 2000. Textos do
mance por capítulos. Mas uma curiosa diferenpróprio Vigotski: L. S. Vygotski, E l desarrollo de
los procesos psicológicos superiores (antologia
ça com essa situação é que nenhum folhetim
de M. Cole et a!.), Barcelona: Crítica, várias
do século XIX durou 13 anos.
edições; L. S. Vigotski, E l D e s a r r o llo C u ltu r a l d e i
Estaremos sempre em dívida com P io tr
N in o y o tr o s te x to s in é d ito s , edição de G. Blanck,
G a ip ie r in , B lu m a Z e ig a r n ik e N a ta lia M o r o z o v a , HGFEDCBA
primeira
30GFEDCBA
LlEV SEM IO N O VIC H
VIG O TSK I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1988; L. S. Vigotski,hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
infância de Vigotski, houve dois p o g r o m s em
edição de
Gornel, em 1903 e 1906. Seu pai participou
G. Blanck, Buenos Aires: Almagesto, 1998; L. S.
da autodefesa judia do primeiro, um dos pouVygotsky, P e n s a m ie n to y le n g u a je , Buenos Aires:
cos em que os cossacos não triunfaram.
Fausto, várias edições - não é necessário ler esta
3. Não podemos esquecer que a Rússia estava
versão resumida se o leitor for ler a versão comimersa em uma feroz Guerra Civil, pois os nopleta, incluída no Tomo II de suas O b r a s E s c o bres queriam recuperar o poder. Eles eram os
g id a s - L. S. Vygotski, O b r a s E s c o g id a s , 6 tomos,
Brancos, apoiados por exércitos estrangeiros
Madri: Visor, 1991 - 2000; e L. S. Vygotski,
de 14 países instalados em solo russo, entre
P s ic o lo g ía d e i A r te , Madri: Visor, 1999:
eles o da Alemanha, o dos Estados Unidos e o
2. No Império Russo, os judeus tinham de resido Japão. Os Brancos lutavam para restaurar
dir obrigatoriamente
no R a y o n , um gueto gia ordem favorável aos ricos. Os Vermelhos eram
gantesco que abrangia vários países e do qual
os comunistas, os pobres. Além disso, nas pealguns comerciantes,
profissionais
indepenquenas repúblicas
do sudoeste do Império,
dentes e os poucos estudantes que tinham concomo a Bielo-Rússia,
estavam os a ta m a n e s , isto
seguido ingressar nas universidades russas poé, os caudilhos nacionalistas
conservadores,
diam sair. ( R a y o n é uma palavra francesa que
que eram chamados de Negros. A luta era tadesignava a "zona de estabelecimento
dos jumanha que uma cidade ia dormir com um godeus" na Rússia de Vigotski; esse termo franverno de uma cor e amanhecia com o de oucês também é utilizado quando se fala em
tra. Devido ao frio e à fome da guerra, na faiídiche e alemão; em inglês usa-se o termo
mília Vigodski havia tuberculose. Em 1919, seu
P a le o f S e ttle m e n t) .
Era perigoso
viver no
irmão Dodik morreu de tuberculose
aos 14
R a y o n , porque às vezes havia p o g r o m s .
Este
anos. Pouco depois morreu outro irmão, Isaak,
termo provém do vocábulo russo p o g r o m , que
de tifo. Restaram
seis irmãs e os pais de
significa "ataque em massa" (contra os juVigotski. Sua mãe também sofria de tubercudeus). Os p o g r o m s eram organizados
pelo
lose. Quando estava cuidando do irmão Dodik
governo czarista. Durante eles, os cossacos
e da mãe, Vigotski contraiu essa doença, que o
martelavam
pregos nas cabeças dos velhos,
mataria 15 anos mais tarde. Sua doença semarrancavam olhos, torturavam crianças, estupre foi grave e, ano após ano, ele ouvia senpravam mulheres e roubavam tudo o que potenças de morte dos médicos. Foi internado três
diam durante três dias - no quarto dia, as trovezes em estado grave. Na primeira, convencipas regulares czaristas saíam às ruas para "resdo de que iria morrer, pediu a Dobkin que se
tabelecer a ordem". Era muito perigoso sair
encarregasse
de que sua monografia
sobre
do R a y o n sem permissão, como deve recorH a m le t, seus ensaios literários
e suas críticas
dar todo aquele que assistiu ao filme O h o teatrais fossem publicados. Vigotski não morm em
d e K ie v
ou que leu o romance
de
reu naquela ocasião, mas esses escritos comeMalamud, em que ele se baseia. Durante a
çaram a ser publicados só a partir de 1965,
isto é, 45 anos mais tarde. Em 1919, Gornel foi
liberada definitivamente dos alemães pelos Vermelhos elá não houve mais guerra durante a
vida de Vigotski.
"N. de R.T. Das obras citadas por G. Blanck, encon4.
Luria fora o principal colaborador de Vigotski,
tram-se traduzidas no Brasil: Moll, L. C. v y g o ts k y e a
de cujas concepções histórico-culturais compare d u c a ç ã o : im p lic a ç õ e s p e d a g ó g ic a s da p s ic o lo g ia s ó c io tilhou a vida inteira. Leontiev tinha aderido
h is tó r ic a . Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed), 1996;
c o m p le ta m e n te
às idéias de Vigotski, pelo mea versão resumida de P e n s a m e n to e L in g u a g e m foi
nos
até
1931,
quando
publicou
seu livro
publicada por Martins Fontes, várias edições. Em
da m em óR a z v itie p a m ia ti [O d e s e n v o lv im e n to
2001, essa mesma editora publicou uma tradução
r ia ] , que começara a escrever dois anos antes,
completa desse livro com o seguinte título: A c o n s com um prólogo de Vigotski. (Os prólogos a
tr u ç ã o do p e n s a m e n to
e da lin g u a g e m ; Martins Fonum livro alheio são escritos depois de ele ser
tes também publicou uma tradução de P s ic o lo g ia d a
concluído; além disso, as provas dos livros são
A r te em 1999. Cole, M. et al. organizaram,
nos EUA,
corrigidas até o último momento; em algumas
uma antologia que Martins Fontes publicou no Branotas de rodapé de seus textos, Vigotski escresil sob o título: A jo r m a ç ã o
s o c ia l da m e n te . Há váve,
por exemplo, "estando este livro no prelo,
rias edições dessa obra.
Buenos Aires: Almagesto,
L a G e n ia lid a d y o tr o s te x to s in é d ito s ,
PSIC O LO G IA PED A G Ó G IC A
31
de sua vida - política, econômica e animicaficamos sabendo que ... ", e acrescenta a informente -, não tenha se sentido tr a íd o p e s s o a lmação posterior à redação do mesmo). Além
m e n te por aqueles que tinham sido seus pridisso, no final de 1932, ohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
J o u r n a l o f G e n e tic
2
meiros discípulos e colaboradores,
por mais
P s y c h o lo g y (n 40, p. 52-81), publicou o artigo
que compreendesse
que poderiam ter existide Leontiev, "The development
of voluntary
do certos motivos de "história interna" (mas,
attention in the child", que correspondia
ao
ainda que estes tivessem existido, nos pergunquarto capítulo de seu livro, e d ita d o p o r V ig o ts k i
tamos: m o r a lm e n te falando, era e s te o momene L u r ia , que acrescentaram
um resumo e seu
to mais apropriado
para torná-los públicos?
primeiro parágrafo.
Certamente
a família de Vigotski também o
Tudo indica que Leontiev mudou suas concepinterpretou
da mesma maneira. Se isso não
ções d e m a s ia d o r a p id a m e n te ,
durante a creshouvesse acontecido, não teria ocorrido o epicente atmosfera de q uestionarnento
ideológico a Vigotski, quando foi acusado de "não ser
sódio que narraremos
posteriormente.
marxista".
Não negamos que tenha podido
6. O velório de Vigotski foi realizado em uma
haver alguma "histórieintema'',
mas no consala de aula do Instituto de Defectologia. Havia tanta gente que o féretro teve de ser transtexto em que ocorreu sua mudança não há
ladado para o pátio. Existe um segredo (que
nenhuma dúvida, em nossa opinião, de que
todos conhecem)
relativo a um episódio soela correspondeu,
sobretudo,
a questões de
"história externa" - uma mudança na teoria
bre o qual, de acordo com nossas informações, ninguém escreveu nada. Esse episódio,
devido a causas a lh e ia s à sua lógica de desenvolvimento interno. Nossa asserção pode ser
presenciado por muitos, foi transmitido oralrespaldada
pelo fato de que a mudança de
mente às gerações seguintes. Todas as vezes
que quisemos relatá-lo e comentamos nossa
Leontiev ocorreu em um sentido que estava
plenamente
de acordo com o fundamentaintenção, muitos nos sugeriram que não o filismo oficial stalinista - o deslocamento
da
zéssernos, porque isso poderia provocar malimportância do "signo" para a "ferramenta"
e
estar entre aqueles que são partidários, ao
da "comunicação"
para o "trabalho". Por oumesmo tempo, de Vigotski e Leontiev. Desde
tro lado, exceto por algumas asserções de conque ficamos sabendo desse episódio - que nos
tornos indefinidos, Leontiev não possuía nafoi confirmado por várias fontes - passaramquele momento uma teoria alternativa; demose 12 anos. E, desde que ele aconteceu, 65
rou seis anos para configurar sua "Teoria da
anos. Não o pretendemos calar mais. Se a ciênAtividade" .
cia busca a verdade, não deve temê-Ia e, se
5. Em princípio, Luria aderira ao grupo de Jarkov,
não a suporta, não merece o nome que tem.
para onde se mudou em 1932, mas depois de
No momento de transladar
o féretro - um rimuitas deliberações
voltou a trabalhar
em
tual muito importante para os russos -, Luria
Moscou. Segundo Guita L. Vigodskaia (comue Leontiev pediram permissão à família de
nicação pessoal, Moscou, 1988), V ig o ts k i r o m Vigotskí para ajudar, porém esta se negou a
p e u d e fin itiv a m e n te
s u a r e la ç ã o c o m L e o n tie v n o
lhes conceder esse privilégio. Luria e Leontiev
fin a l d e 1933 e n u n c a m a is Q to r n o u a v e r ; mais
começaram a chorar e a gritar desesperadamente no pátio do instituto, diante de todos
tarde, teriam se correspondido
com relação a
questões estritamente
científicas. A ruptura
os presentes.
Vígotski foi enterrado no cemitério Novodieteria se devido ao fato de que Leontiev disse a
víchí de Moscou, junto aos túmulos dos mais
Luria, por carta, que as idéias de Vigotski pertenciam ao passado e lhe propôs que se disimportantes artistas e cientistas russos.
tanciasse de Vigotski e começasse a trabalhar
7. A viuvez de Roza Noievna Vigodskaia foi dura:
com ele. Não sabemos por que Luria aceitou
manteve sua família tendo que trabalhar até
16 horas diárias, cuidando de crianças portaessa proposta em um primeiro impulso, mas
doras de deficiências. Durante a invasão alerapidamente
se arrependeu
de sua decisão,
à URSS, em 1941, a família Vigodski foi
mãHGFEDCBA
relatou o episódio a Vigotski e mostrou-lhe
a
transladada para a cidade de Ufá. Sua filha recarta de Leontiev, Vigotski reagiu, enviando a
corda que, quando puderam retomar a MosLeontiev uma carta duríssima - à qual ainda
não se tem acesso. V ig o ts k i ta m b é m m u d o u p e r cou, ao se aproximarem do prédio onde viviam,
c e p tiv e lm e n te
s u a r e la ç ã o c o m L u r ia . É improviu algumas folhas manuscritas de seu pai que
vável que Vigotski, no momento mais difícilGFEDCBAsaíam voando pela janela e que ela recolheu
32GFEDCBA
LlEV SEM IO N O VIC H
VIG O TSK I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pectos educativos da teoria de Vigotski; seu
com a ajuda dos vizinhos (comunicação
pesneto mais velho, Liev Kravtosv, faz pós-graduasoal, Moscou, 1988).
ção em psicologia.
A única filha de Luria
8. Não duvidamos que Luria sentia uma autên[Elena], renomada microbióloga, suicidou-se
tica devoção por Vigotski, nem que um sentina Inglaterra em 1992; a Editora Gnozis, de
mento de culpa o acompanhou
durante toda
Moscou, publicou postumamente
seu livro M o i
a vida, sem nenhuma
possibilidade
de
o tie ts . A . R . L u r ia [ M e u p a i: A . R . L u r ia ] , em
redenção. Todos os q~e deixaram testemunho
1994. O filho de A. N. Leontiev, Aléxis, um consde suas conversas com Luria frisaram que,
pícuo psicolingüista,
e seu neto Dmitri, destasempre que surgia o nome de Vigotski, seu
cado psicólogo, estudioso da teoria da persotom de voz mudava e sua linguagem gestual
nalidade, da logoterapia e da psicologia da arte,
denotava dor. Luria foi um dos maiores neumoram em Moscou. Em 1996, a editora S m is l
ropsicólogos da história, mas sempre repetia
[Significado],
de Moscou, propriedade
de
que nada tinha feito além de desenvolverhgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um a
Dmitri A. Leontiev, publicou o monumental lidas tantas idéias de Vigotski. Isso é verdade,
pois a obra de Luria no ~mbito da neuropsivro que Guita Vigodskaia e Tâmara Lifonova
escreveram sobre Vigotski (G. L. Vigodskaia e
cologia, área em que se tornou mundialmente
T.
M. Lifanova, L ie v S e m io n o v itc h V ig o ts k y . Y iz n .
famoso, baseou-se na concepção de Vigotski
D ie ia tie ln o s t. S h tr iji k p o r tr ie tu
[ L ie v S e m io n o sobre a organização
cerebral dos processos
psíquicos (cf. L. S. Vygotski, "A psicologia e a
v itc h V ig o ts k i. V id a . A tiv id a d e . D e ta lh e s p a r a u m
teoria da localização das funções psíquicas",
r e tr a to ] . Moscou: Smisl, 1996, 420 páginas e
de 1934, em: O b r a s ... , op. cit., t. I, p. 13357 fotografias).
139). Mas também é verdade que o desen10. Consideramos que o presente livro servirá para
volvimento de Luria transformou essa concepenriquecer a visão global da obra de Vigotski. O
ção em uma das mais importantes
da história
mesmo aconteceria, se fosse possível ter acesso
da ciência.
a eles, com os dois grandes livros de Vigotski
9. Em 1935, um ano depois de Vigotski, sua mãe
publicados postumamente por seus colaboradomorreu (não foi por causa da tuberculose); seu
res, antes de serem proibidos (cf. L. S. Vigotski,
pai morrera em 1931. Sua viúva, Roza N.
O s n o v i P ie d o lo g u i [ F u n d a m e n to s de p e d o lo g ia ] ,
Vigodskaia, morreu em 1979. Sua filha Ásia L.
edição de M. A. Lievina, Leningrado: Izdanie
Vigodskaia (1930), que se dedicaraHGFEDCBA
à biofísica,
Instituta [Editora do Instituto Herzen], 1935;
morreu em 1985 de descompensação
clínica
U m s tv ie n o ie r a z v itie d ie tii v p r o ts ie s ie o b u c h e n ia
aguda, cujo diagnóstico é impreciso, segundo
[ O d e s e n v o lv im e n to in te le c tu a l da c r ia n ç a no p r o nossas indagações em Moscou. Em 1991, morc e s s o de e n s in o /a p r e n d iz a g e m ] ,
Moscou-Leninreu a União Soviética, e a Rússia caiu no abisgrado: GIZ, 1935; e com mais uma dúzia de
mo na anomia e no caos ...Guita L. Vigodskaia
outros textos, que apareceram em diversas for(1925) formou-se em psicologia infantil (cf. por
mas até 1936. Muito poucos pesquisadores posexemplo, sua R a z v itie jv a ta tie ln ij
d v iy e n ie u
suem cópias dessas publicações russas da décar ie b o n k a na p ie r v o m g o d u y iz n i [O d e s e n v o lv ida de 30. Devemos acrescentar a elas os textos
m e n to do m o v im e n to
de a p r e e n s ã o na c r ia n ç a
de defectologia de Vigotski, que também exd u r a n te o p r im e ir o
a n o de v id a ] , manuscrito
põem desenvolvimentos
de suas noções
inédito, arquivos da Universidade de Moscou,
educativas, das quais até hoje ninguém parece
1952). Guita Vigodskaia aposentou-se
e dediter se dado conta. Não nos referimos apenas ao
disponível volume V de suas O b r a s ... , op. cit.,
cou-se ao estudo da biografia do pai; vive atualmas também a outros escritos defectológicos que
mente em Moscou. Sua filha, Elena Kravtsova,
também é psicóloga e especializou-se
nos aspermanecem inéditos.
Prólogo à Edição
R ussa de 1926
L ie v S e m io n o v itc h
V ig o ts k i
o
desenvolvimento
de nossas reações é a história de nossa vida (. ..). Se tivéssemos tido de
encontrar a verdade mais importante que a psicologia contemporânea
pode dar a um professor,
,
esta teria sido simplesmente:
o aluno é um aparato que reage.
r'
o objetivo do presente livro é eminentemente prático. Desejo auxiliar nossa Escola de
Formação de Professores" e o professor comum
e contribuir com a elaboração de uma concepção científica do processo pedagógico de acordo com os novos dados aportados pela ciência
psicológica.
· N. de R.T. Nos textos que apresentam aspectos biográficos da vida deVigotski, temos encontrado muitas formas diferentes para caracterizar a escola em
que Vigotski lecionara em Gornel, entre 1917 e 1924,
que se dedicava a formar professores para as séries
com crianças entre 10 e 15 anos. Por exemplo:
Riviéri, A. L a p s ic o lo g ía de V y g o ts k y . 3.ed. Madri:
Visor, 1988, fala em " E s c u e la de M a g is té r io de G o m e i" ;
na tradução do livro-texto de VAN DER VEER, R.;
Valsiner, J. V jg o ts k y : u m a s ín te s e . São Paulo: Loyola,
1996, encontramos "Colégio Pedagógico"; Oliveira,
M. K. V y g o ts k y : a p r e n d iz a d o e d e s e n v o lv im e n to : u m
p r o c e s s o s ó c io - h is tó r ic o . 4.ed. São Paulo: Scipione,
1998, fala em " escola de formação de professores".
Como o livro de Vigotski foi elaborado como curso
para a formação de professores, que hoje no Brasil
corresponderiam
aos docentes do ensino fundamental e médio, e, levando-se em consideração o original russo, a denominação
utilizada por Oliveira
(1998), por ser mais genérica, ajusta-se melhor à
realidade brasileira atual, além de não desvirtuar a
intenção original de Vigotski.GFEDCBA
Hugo Münsterberg,hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
P s y c h o lo g y a n d th e T e a c h e r ' HGFEDCBA
Atualmente [cerca de 1923], a psicologia
está passando por uma crise. Suas teses mais
básicas e fundamentais são revistas e, por isso,
tanto na ciência quanto na escola reina a mais
completa divergência de idéias. A confiança nos
velhos sistemas foi minada, enquanto os novos
ainda não se formaram o suficiente para poder
se atrever a configurar uma ciência aplicada.
A crise da psicologia também denota, inevitavelmente, uma crise para o sistema da psicologia pedagógica e sua completa reestruturação. Apesar disso, nesse aspecto a nova psicologia é mais afortunada que suas antecessoras:
não tem de "extrair conclusões" de suas teses,
nem se furtar de aplicar seus dados à educação.
O problema pedagógico está situado ~o
centro da nova psicologia. A teoria dos reflexos condicionados constitui a base sobre a qual
a nova psicologia deve ser construída. "Reflexo condicionado" é o nome do mecanismo que
nos translada da biologia à sociologia e permite esclarecer a essência e a natureza do processo educativo.
Devemos dizer diretamente que, devido a
essa descoberta [o reflexo condicionado], foi possível que a psicologia pedagógica se transformasse em uma ciência, pois até esse momento ela
carecia do princípio fundamental necessário para
a unificação, em um todo único, dos fragmentados conhecimentos fáticos q~e utilizava.
34GFEDCBA
LlEV SEM IO N O VIC H
I
VIG O TSK I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
curso"
A principal tarefa do [presente]
deve ser aspirar a manter a unidade científica
de princípio ao analisar elementos separados
da educação e ao descrever diferentes aspectos do processo pedagógico. É extraordinariamente importante
demonstrar
com precisão
científica exaustiva que a educação - seja qual
for o aspecto ao qual ela se referir e sejam quais
forem as formas que adotar -, sempre tem em
sua base o mecanismo de educação de um reflexo condicionado.
No entanto, seria incorreto ver nesse princípio um recurso que esclarece tudo e uma panacéia, uma espécie deAbre-te Sésamo!" mágico da nova psicologia. Isso ocorre porque a
psicologia pedagógica, pela própria essência de
sua tarefa, opera com fatos e categorias de caráter e ordem mais complexos que uma reação ou um reflexo isolado e, em geral, que tudo
aquilo pesquisado pela ciência atual sobre a
atividade nervosa superior do ser humano."
O pedagogo deve abordar as formas mais
sintéticas do comportamento,
as reações integrais do organismo. Por isso, a teoria dos reflexos condicionados
não pode constituir
a
única base e o exclusivo fundamento
para o
presente curso. Ao analisar e descrever as formas mais complexas da conduta, é preciso utilizar plenamente todo o material científico fidedigno da psicologia anterior, traduzindo os
velhos conceitos para a nova linguagem.
Ao mesmo tempo, o autor tentou descobrir e demonstrar a natureza motora, reflexa,
de qualquer forma de conduta para, desse
modo, vinculá-Ia aos pontos de vista fundamentais e básicos sobre o tema.
De acordo com Münsterberg,
supomos
que já passou a época em queHGFEDCBA
ga, considerando-a
o meio mais compreensível, cômodo e econômico para descrever muitos fenômenos; ela deve ser mantida transitoriamente até se elaborar uma nova linguagem
científica. Criar novas palavras e denominações nos pareceu uma pretensão falsa, porque
para descrever os fenômenos seria preciso utilizar o nome antigo e também o material anterior. Por isso, consideramos
mais adequado
decifrar em cada caso o verdadeiro conteúdo,
tanto de um termo antigo quanto do próprio
material.
Por essa razão, o livro tem marcas evidentes da época científica de crise e mudança
em que foi elaborado."
Ao mesmo tempo, como ocorre com qualquer exposição sistemática,
o autor com freqüência tem de expor opiniões alheias e ser o
tradutor de idéias alheias à sua própria linguagem; também tem de enunciar suas próprias
considerações
e reuni-Ias com as de outros.
Apesar disso, o autor pensa que este livro deve
ser considerado uma nova experiência no que
se refere à estruturação
de um curso de psicologia pedagógica, como uma tentativa de criar
um manual de novo tipo.
A escolha do sistema e da disposição do
material constitui uma experiência nova e ainda não realizada de fazer uma grande síntese
dos mais diversos dados e fatos científicos.
Em sua presente forma, o livro não reitera nenhum dos manuais conhecidos pelo autor sobre o mesmo tema. Por isso, o autor assume conscientemente
como própria cada uma
das idéias deste livro.
Fica a critério da crítica competente dizer até que ponto se chegou a essa síntese; o
autor a incita a tomar o livro como um manual
transitório que, no mais curto prazo, deve ser
substituído por outro mais completo.'
[...] todo aspecto motor parecia um apêndice
A imperfeição de uma primeira experiênsem importância, sem o qual a vida mental podia seguir seu caminho. Agora tudo parece ser o
cia - além de todos os erros pessoais do autor contrário. A atitude ativa e a ação são consideparece totalmente inevitável quando se trata de
radas condições para que seja possível desenconstruir em um terreno ainda não desbravavolver os processos centrais. Pensamos porque
do. O autor considerou que a única meta do
agimos. [H. Münsterberg,hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P s y c h o lo g y a n d th e
curso é a aplicação rigorosa e conseqüente do
T e a c h e r , New York:Appleton, 1909, p. 116.]
ponto de vista fundamental
sobre o processo
educativo: um processo de reorganização soNo tocante à terminologia,
o autor não
cial das formas biológicas da conduta. Por isso,
temeu, em momento algum, conservar a antia criação de um curso de psicologia pedagógica
PSIC O LO G IA
com uma base biossocial constituiu a principal
intenção do autor.
Consideraria [o autor] que seu trabalho
alcançou o objetivo proposto se, apesar de todas as imperfeições deste primeiro passo, ele
seguiu a direção correta: se o livro foi o primeiro passo rumo à criação de um sistema
objetivo e exato de psicologia pedagógica.GFEDCBA
PED A G Ó G IC A
35
pela ciência, mais cedo ou mais tarde, a nosso
mundo subjetivo e, ao mesmo tempo, esclarecerá de modo surpreendente
nossa misteriosa
natureza, elucidará o mecanismo e o significado vital da maior preocupação
do ser humano: sua consciência, os tormentos de sua consciência. Por isso, permiti em minha exposição
certa contradição
nas palavras. No título de
meu discurso e durante sua exposição utilizei
o termo 'psíquico', ainda que tenha apresentado apenas pesquisas objetivas, deixando comN O TA S
pletamente de lado o subjetivo. Os fenômenos
da vida chamados 'psíquicos', objetivamente
1. Na edição original, essa ~ a epígrafe do livro,
obs.erváveis nos animais, distinguem-se, mesimpressa antes deste "Prólogo". Permitimo-nos
mo que seja apenas pelo seu nível de complecolocá-lo aqui, como foi feito em várias edições
xidade, dos fenômenos puramente fisiológicos.
acadêmicas
de textos de Vigotski com suas
Que importância
tem chamá-los de 'fenômeepígrafes. Por outro lado, o título original da
nos psíquicos' ou 'complexos nervosos' para
[ P r e d is presente introdução é apenas "Prólogo"hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
diferenciá-los
dos simples fatos fisiológicos,
lo v ie ] e não, obviamente, "Prólogo à edição russa
caso se tenha compreendido
e admitido que
de 1926". Essa epígrafe, ao contrário da de ouum naturalista
[um biólogo] só pode abordátros textos de Vigotski, não reflete de forma adelos objetivamente
sem se preocupar de forma
quada o conteúdo fundamental
do livro. Em
alguma com o problema de sua natureza?"
nossa opinião, a explicação mais provável de
[ N o ta o r ig in a l de V ig o ts k i] .
sua escolha foi enfatizar a categoria de "reação",
Vigotski não nos fornece nenhum dado sobre
que é mais ampla que a de "reflexo", como exessa citação.HGFEDCBA
O texto citado é o penúltimo
paplica Vigotski no Capítulo 2. Quando escreveu
rágrafo do chamado "Discurso de Madri", no
este livro, uma de suas preocupações era destaqual Pavlov definiu p e la p r im e ir a v e z os reflecar certas limitações que tinha percebido na
xos in/condicionados.
Trata-se do relato de
reflexologia, estando mais influenciado por conIvan Petrovitch Pavlov em uma das sessões plecepções reatológicas.
nárias do Congresso Internacional
de Medici2. O original russo diz, literalmente,
"Escola Pena realizado em Madri, em abril de 1903. Foi
dagógica".
publicado pela primeira vez na Rússia em N o 3. A partir de 1928, o próprio Vigotski irá além
tíc ia s d a A c a d e m ia M ilita r , 1903, p. 103. O tídessas categorias às quais chegara a ciência da
tulo da moção é "A Psicologia e a Psicopatoépoca. Perguntamo-nos se ele foi consciente de
logia experimentais
dos animais". Cf. I. P.
quanto já tinha começado a pressionar os limiPavlov, O b r a s E s c o g id a s , ed. de J. S. Koshtoiants,
tes de algumas delas no presente livro, para além
trad. de A. García Usón, Buenos Aires: Quetzal,
das asserções e exceções que apresenta no final
1960, p. 147-163. (N o ta de G. B .)
deste prólogo. Em nossa opinião, se há um pró5. Esse pedido de Vigotski não se transformou em
logo injusto com o livro que introduz e que não
realidade: os manuais de psicologia pedagógidá conta cabalmente do mesmo, é este.
ca existentes na URSS durante os 65 anos pos4. Nesse sentido, o autor pode se remeter ao acateriores não passaram de variações pouco sigdêmico Pavlov, que escreve o seguinte: "Os
nificativas dos temas do presente texto.
dados objetivos obtidós (. ..) serão aplicados
A Pedagogia e a Psicologia HGFEDCBA
tos, não podem nos garantir
A P E D A G O G IA zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que o ideal possa
ser realmente concretizado. Diz Blonski:
A Pedagogia é a ciência que se ocupa da
educação da criança. Mas o que é educação?
Ela pode ser definida de diversas maneiras.
Utilizaremos a definição de Blonski,' que diz
que "a educação é a influência premeditada,
organizada e prolongada no desenvolvimento
de um organismo".
Como ciência da educação, a pedagogia
precisa estabelecer com precisão e clareza
como deve ser organizada essa influência, que
formas ela pode assumir, que procedimentos
utiliza e qual deve ser sua orientação. A outra
tarefa consiste em elucidar quais são as leis às
quais se subordina o próprio desenvolvimento
do organismo a ser influenciado. Ao depender
de todos esses fatores, a pedagogia abrange
vários âmbitos totalmente diferentes do conhecimento. Por um lado, visto que coloca o problema da criança, inclui-se na área das ciências biológicas, isto é, [as ciências] naturais.
Por outro, como toda educação se propõe determinados ideais, fins ou normas, a pedagogia deve estar relacionada às ciências filosóficas ou normativas.
Daí surge, no âmbito da pedagogia, a
permanente discussão sobre o caráter biológico ou filosófico dessa ciência. A metodologia
das ciências determina a diferença fundamental entre as ciências que estudam fatos e as
que estabelecem normas. Sem dúvida, a pedagogia encontra-se no limite entre ambas.
No entanto, unicamente os fatos não podem nos levar a conclusões científicas corretas com relação à educação; o mesmo acontece com as normas que, sem se basear nos fa-
A pedagogia filosófica gera a utopia pedagógica. Em compensação, a pedagogia científica
não inicia seu trabalho pela determinação de
ideais superiores, normas e leis, mas pelo estudo do desenvolvimento
real do organismo
que é educado e da interação real entre este e
o ambiente em que se educa. A pedagogia científica não se baseia em especulações abstratas, mas nos dados da observação e da experiência; ela é uma ciência empírica completamente peculiar e, de forma alguma, uma filosofia aplicada.
Entretanto, como a pedagogia é uma ciência empírica totalmente peculiar, ela se baseia
em ciências auxiliares, isto é, na ética social
que destaca os objetivos gerais da educação e
na psicologia que, junto com a fisiologia, proporciona os meios para resolver essas tarefas.
A PSIC O LO G IA
Em seu sentido estrito, o termo "psicologia" denota a teoria ou a ciência da alma," e
assim foi tratada inicialmente.
Os primeiros critérios diferenciam o cors u b s tâ n c ia s espepo e a alma humanos comohgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJ
ciais , considerando dual a natureza do ser humano. O surgimento desses critérios remonta
às épocas primitivas, quando o homem, ao observar os fenômenos do sonho, da morte, da
doença e outros, convenceu-se de que um certo espírito vivia nele. Na idéia mais desenvolvida, essa crença adquiriu o caráter da noção
38GFEDCBA
LlEV SEM IO N O VIC H
VIG O TSK I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de alma, considerada afim a uma substância
ciência sobre os fatos espirituais, que Lange"
material sutil, como a fumaça ou o pó. A pródenominou "psicologia sem alma". [Lange] diz
pria palavra russahgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d u s h á ["alma"] é um pouco
o seguinte:
parente da palavra [russa] d is h a t, que signifiPor acaso não se denomina "psicologia" a "cica "respirar".
ência da alma"? Como se pode conceber uma
A psicologia realmente era a ciência da
ciência que coloque em dúvida se tem ou não
alma. Os filósofos, quando estudavam a natuum objeto de estudo? Possuímos uma denomireza e as propriedades da alma, perguntavamnação tradicional para um grande número de
se se ela era mortal ou imortal, que vínculos
fenômenos não-demarcados com exatidão. Essa
havia entre o corpo e a alma, quais eram a esdenominação provém de uma época em que se
sência e os atributos dessa substância espiridesconheciam as rígidas exigências científicas
tual, etc.
atuais. Devemos descartar a denominação porEssa orientação predominou na área da
que o objeto da ciência se modificou? Isso sepsicologia durante muito tempo e pode ser deria pedante e pouco prático. Adotemos então,
sem vacilar, a de 'psicologia sem alma'! A denominada legitimamente psicologia metafísica,
nominação é adequada, desde que tenhamos
pois se referia a um material supra-sensível,
um campo que não seja abordado por nenhuinacessível à nossa experiência. Com o nascima outra ciência. [F. A. Lange, G e s c h ic h te d e s
mento da verdadeira ciência ocorreu uma biM a te r ia lis m u s u n d K r itik s e in e r B e d e u tu n g in d e r
furcação, uma divisão de todo o saber, sua deG e g e n w a r t,
Band 2: G e s c h ic h te d e s M a te r ia sintegração em c o n h e c im e n to m e ta fís ic o que se
lis m u s s e it K a n t ( H is tó r ia d o m a te r ia lis m o e c r íreferia aos objetos da fé e se ocupava do muntica d e s u a im p o r tâ n c ia a tu a l. VoI. 2: H is tó r ia
do supra-sensível e em c o n h e c im e n to p o s itiv o
d o m a te r ia lis m o a p a r tir d e K a n t) , Frankfurt am
o u c ie n tífic o , que restringiu deliberadamente
o
Main: Suhrkamp, 1974, p. 823.]
alcance de seu estudo, os limites da experiência, mas em troca ganhou em certeza sobre o
Assim, a psicologia empírica transformousaber obtido.
se em "psicologia sem alma"? ou "psicologia
No século XVIII, a psicologia dividiu-se
sem metafísica", 8 ou "psicologia baseada na
em racional e empírica. A p s ic o lo g ia r a c io n a l
experiência"." Reiteremos que essa solução do
continuou se chamando psicologia metafísica,
problema foi indefinida e contemporizadora.
porque seu método fundamental de estudo
Embora dessa forma tenha sido descartada
consistia na especulação. Em contrapartida, a
uma parcela considerável de metafísica, a psip s ic o lo g ia e m p ír ic a fo i
concebida como ciência
cologia não foi totalmente equiparada às ciênque se ocupava dos fatos, baseada na expecias naturais. Ela começou a ser concebida
riência; ela tentava estabelecer a mesma relacomo a ciência dos fenômenos espirituais
ção com o tema em estudo que as ciências na[ d u s h e v n i] ou dos fenômenos da consciência.
turais.
Ambas as definições não resistem a uma crítiNo entanto, essa psicologia empírica, inica científica.
ciada com uma dura crítica à psicologia racioEssa psicologia ensinava que os fenômenal, durante muito tempo continuou se dedinos espirituais são, por natureza, totalmente
cando a problemas metafísicos.
diferentes de todos os que existem no mundo,
A psicologia metafísica foi objeto da seimateriais, sem extensão, inacessíveis à expevera crítica de Locke," Hume" e Kant," que mosriência objetiva, e transcorrem paralelamente
traram que a alma não passa de um produto
aos processos físicos em nosso corpo, sem esde nossa fantasia e que a experiência, a rigor,
tar vinculados a estes por um nexo causal. Adem cada ocasião nos fornece apenas uma ou
mitindo-se, portanto, a existência de fenômeoutra percepção, mas de forma alguma nos dá
nos imateriais, sem causa nem extensão, essa
nenhuma sensação de uma alma na forma de
psicologia conservava plenamente o critério
uma substância especial.
dual sobre a natureza humana ( d u a lis m o ) , próDessa maneira, em vez da psicologia como
prio do pensamento primitivo e religioso. Não
ciência da alma, começou a surgir uma nova
era de estranhar que essa psicologia estivesse
PSIC O LO G IA
PED A G Ó G IC A
39
mais complexos e que o movimento não é um
intimamente ligada à filosofia idealista, que en"apêndice sem importância" da vida espiritual.
sinava que o espírito é um princípio peculiar,
Todos os processos psíquicos começaram a ser
diferente da matéria, e que a consciência posentendidos como partes integrantes da ação,
sui uma realidade particular, independente e
seus elementos preliminares. "Pensamos porautônoma do ser. Por isso, tal psicologia, que
que agimos", diz Münsterberg.!' No entanto, o
se limitou ao isolamento da consciência com
mesmo autor frisa que a maior caricatura desrelação ao ser, estava condenada a carecer de
sa teoria seria a concepção, grosseiramente
vitalidade, a estar divorciada da realidade e a
errônea, de que a riqueza da vida interior deresultar impotente ante as questões mais prementes da conduta humana.
pende da quantidade de movimentos e que,
Em primeiro lugar, a consciência repreportanto, a vida mais plena deveria ser a do
atleta ou a do acrobata de circo. Nos atos comsenta apenas uma pequena parte de toda nossa experiência psíquicahgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[ p ~ ijic h e s k i] , pois exisplexos, "a reação motora não consiste em uma
te todo o enorme mundo do inconsciente. Em
ação muscular qualquer, mas em uma nova ampliação ou fechamento [conexão] das vias
segundo lugar, ela denota somente uma propriedade qualquer dessa experiência, ou consmotoras no próprio cérebro". No entanto, apetitui de forma mascarada o mesmo conceito
sar de toda a atenção dispensada ao aspecto
de "alma", só que com outro nome. Afirma
motor, essa teoria continuava diferenciando os
peculiares fenômenos espirituais, de natureza
Blonski:
imaterial, isto é, conservava ainda o dualismo
e
o espiritualismo da psicologia empírica.
Também é incorreto afirmar que a psicologia
Por esse motivo, em vez de assumir a forestuda os fenômenos espirituais. Essa psicologia não se afastou suficientemente da psima de uma ciência sobre os fenômenos espiricologia da alma e padece de todas as insufituais, atualmente a psicologia surge como uma
ciências de um compromisso: tendo se declanova ciência, que os psicólogos norte-americarado psicologia sem alma, de repente começa
nos designam como a ciência do comportamena estudar os fenômenos ... da alma. Justificato dos seres viVOS.1Esses
HGFEDCBA
psicólogos entendem
se dizendo que, com a expressão "fenômenos
por comportamento todo o conjunto de moviespirituais" [dushevni], denomina apenas um
mentos, internos e externos, de um ser vivo. A
grupo de fenômenos singulares, que se distinpsicologia apóia-se no fato, estabelecido há basguem dos materiais ou das coisas pelo fato de
tante tempo, de que todo estado de consciência
que tais fenômenos espirituais não existem no
vincula-se inevitavelmente a alguns movimenespaço, não ocupam nele nenhum lugar, não
tos. Em outros termos, todos os fenômenos psíse percebem com os olhos, ouvidos e outros
órgãos dos sentidos, e só os conhece diretaquicos que ocorrem no organismo podem ser esmente quem os vivencia. Mas por acaso mitudados a partir da perspectiva do movimento.
nhas idéias podem existir sem esse lugar do
A psicologia analisa até as formas mais
espaço que se chama cérebro? Por acaso vocês
complexas de nossa consciência como formas
não podem ver, ainda que seja parcialmente,
particularmente sutis e imperceptíveis de mominha alegria e ouvir meus desejos? Como é
vimentos. Portanto, a psicologia está se transpossível afirmar então que os fenômenos esformando em uma ciência biológica, pois espirituais não estão vinculados ao espaço, não
tuda o comportamento como uma das formas
são percebidos diretamente por ninguém
mais importantes de adaptação do organismo
exceto por mim e que não podem ser vistos?"
vivo aoambiente.
Por isso, considera que o
comportamento
é
o
processo de interação enA psicologia empírica, por outro lado,
tre o organismo e o ambiente, e o princípio de
personificada em seus representantes mais sóutilidade biológica do psiquismo passa a ser
lidos, promoveu a importância do aspecto
seu princípio explicativo.
motor para estudar os processos da psique.
Entretanto, o comportamento do ser huDemonstrou que, a partir do movimento, comano
meça o desenvolvimento dos processos centraisGFEDCBA se desenvolve no complexo contexto do
2
40GFEDCBA
LlEV SEM IO N O VIC H
VIG O TSK I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ambiente social. O ser humano só entra em
Apesar disso, os dados obtidos com a ajucontato com a natureza através desse ambienda desse método devem ser submetidos ao mais
rigoroso controle e à sua comprovação objetite e, por isso, esse meio é o fator mais imporva, pois sempre corremos o risco de obter retante que determina e organiza o comportasultados falsos ou subjetivamente tergiversamento humano. A psicologia estuda o compordos. Por esse motivo, as observações objetivas
tamento do homem hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s o c ia l e as leis conforme
e experimentais continuam sendo os métodos
as quais esse comportamento se modifica.
fundamentais da ciência. Comparado com a
Muda-se simultaneamente o objeto da ciência e também seu método. Enquanto o prinsimples observação, o experimento possui o
mérito de que nos permite provocar uma
cipal método da psicologia empírica era a autoincontável quantidade de vezes os fatos de que
observação [introspecção], isto é, a percepção
necessitamos segundo nosso arbítrio, isolá-los,
dos processos espirituais de si mesmo, a nova
cornbiná-Ios, questioná-Ios em diversas condipsicologia rejeita esse método como o único
ou fundamental. Esse método distingue-se por
ções, modificá-Ias de acordo com as exigênum subjetivismo extremo, pois cada um é, ao
cias da pesquisa.
O p r im e ir o traço distintivo da nova psimesmo tempo, observador e observado. Ele
exige um desdobramento da atenção, que nuncologia é seu m a te r ia lis m o , porque examina
toda a conduta do ser humano como uma séca pode se realizar por completo: por influênrie de movimentos e reações que possui todas
cia da observação desaparece um sentimento
as propriedades de um ser material. Sua s e ou outro fenômeno em estudo, ou corremos o
risco de deixar passar o mais importante, abg u n d a característica é a o b je tiv id a d e , pois coloca como condição indispensável para suas
sorvido pela vivência direta. "Observar o própesquisas a exigência de que estas se baseiem
prio medo significa não ter muito medo", diz
na verificação objetiva do material. A te r c e ir a
Blonski; observar a própria ira é o mesmo que
característica é seu método d ia lé tic o , que recontribuir para que ela comece a diminuir. Por
conhece que os processos psíquicos se desenoutro lado, se um intenso temor ou ira se apovolvem em uma vinculação indestrutível com
dera de nós, não teremos tempo para obsertodos os demais processos no organismo e que
var-nos.
estão subordinados exatamente às mesmas leis
Por esse motivo, a auto-observação não
de desenvolvimento que regem tudo o que exisdeve ser considerada uma autopercepção ou
te na natureza. E, finalmente, a última [ q u a r um estado passivo da consciência em que os
ta ] característica é a b a s e b io s s o c ia l, cujo signifenômenos espirituais, digamos, se auto-reficado já foi definido."
gistram em nossa consciência, mas como uma
A psicologia científica passa atualmente
atividade peculiar orientada à percepção das
por uma crise, e a nova ciência [psicológica]
vivências próprias.
Essa atividade
pode
ainda está em seu período de estruturação iniinfluenciar e desorganizar outras ações e tamcial. Isso não significa, porém, que se sinta
bém pode ser perturbada pelas vivências próobrigada a se basear apenas em seu próprio
prias. Por isso, ao rejeitar a auto-observação
material. Pelo contrário, com freqüência ela
como única fonte do conhecimento psicológiprecisa se apoiar em todo o material cientifico, a ciência não renuncia a aplicar esse mécamente confiável e exato da velha psicologia.
todo de relatório verbal do sujeito do experiComo o ponto de vista radical e básico do obmento ou de sua enunciação, sujeita a análise e interpretação, do mesmo modo que os jeto da ciência se modificou, em todos os casos é preciso encarar o velho material de um
demais fatos de seu comportamento. Esses inmodo novo, traduzir os antigos conceitos para
formes verbais ajudam-nos a incluir em nosa nova linguagem e explicar e compreender os
sa pesquisa da conduta o registro dos movifatos e leis anteriores à luz dos novos critérios.HGFEDCBA
mentos e reações internos inibidos ou nãoÉ inevitável, portanto,
que, ainda durante
exteriorizados que, sem esse método, ficarimuito tempo, sinta-se a dualidade da origem
am fora do campo de nossa observação.
-----------------------
---
----
PSIC O LO G IA
PED A G Ó G IC A
Na segunda metade do século XIX ocorreu uma grande virada na psicologia: ela teve
acesso ao experimento.
Todas as ciências naturais devem seus extraordinários
triunfos ao
experimento.
Ele criou a física, a química, a
fisiologia. Médicos, fisiologistas, químicos e
astrônomos também destacaram pela primeira vez a possibilidade
do experimento
na psicologia. Junto com o experimento,
surgiu na
psicologia a tendência ao estudo mais preciso possível dos fenômenos, e ela começou a
tentar se transformar
em uma ciência exata.
Daí, naturalmente,
surgiu o desejo de utilizar
na prática as leis teóricas da ciência, como
costuma acontecer
com qualquer disciplina
aplicada.
Diz Blonski:HGFEDCBA
''A psicologia pedagógica
é o
ramo da psicologia aplicada que estuda o emprego das conclusões da psicologia teórica ao
processo de educação e ensino". Inicialmente,
no momento de seu nascimento, a psicologia
pedagógica despertou grandes esperanças, e
todos consideraram que, sob sua orientação, o
processo educativo
poderia ser tão preciso
quanto a técnica. No entanto, essas expectativas eram enganosas e logo ocorreu um desencanto geral na área. Suas causas foram várias:
algumas de caráter teórico, derivadas da essência da nova ciência, e outras de índole prática, fruto de seu desenvolvimento
histórico.
A primeira causa reside em que a ciência
nunca dirige diretamente
a prática. Jarnes'"
destacou, acertadamente,
que é um grave erro
pensar que é possível inferir diretamente
da
Psicologia, para uso educativo, determinados
programas, planos ou métodos de ensino.
A psicologia é uma ciência, e o ensino é uma
arte; mas as ciências nunca produzem as ar-
41
tes de forma direta [...]. A ciência da lógica
ainda não ensinou nenhum ser humano a pensar corretamente, e a ciência da ética [...] ainda nunca obrigou ninguém a se comportar
adequadamente [...]. A pedagogia e a psicologia andam com o mesmo passo, mas a primeira não nasceu da segunda. Ambas são equivalentes e nenhuma está subordinada à outra. Por isso, o ensino e a psicologia sempre
devem estarhgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c o o r d e n a d o s , porém isso não significa que qualquer forma coordenada de ensino seja a única, pois muitos modos de ensino podem concordar com as leis da psicologia. Saber psicologia não garante de forma alguma que seremos bons professores. [W.
James, T a lk s to te a c h e r s o n p s y c h o lo g y a n d to
s tu d e n ts o n s o m e o f life 's id e a is , Cambridge,
Mass.: Harvard University Press, 1899/1983,
da psicologia, começando pelas mais amplas
generalizações
e terminando
com a terminologia. Isso é particularmente
inevitável em
nosso período crítico e de transição, no qual a
ciência vive uma grave crise de seus próprios
fundamentos.GFEDCBA
A PSIC O LO G IA
PED A G Ó G IC A
p. 15-16.]15
A segunda causa da desilusão na área da
psicologia pedagógica é esse caráter estreito
que ela adquiriu até mesmo entre seus representantes
mais eminentes.
Lay16 recriminou
Meumann'?
por tê-Ia degradado
ao nível de
um "simples ofício". E, realmente, em sua forma clássica [a Psicologia Pedagógica] esteve
muito mais perto "da higiene que da pedagogia". (Guessen);"
Assim, a psicologia não pode fornecer
diretamente nenhum tipo de conclusões pedagógicas. Mas como o processo de educação é
um processo psicológico, o conhecimento dos
fundamentos
gerais da psicologia ajuda, naturalmente,
a realizar
essa tarefa de forma
científica. A educação significa sempre, em última instância, a mudança da conduta herdada e a inoculação de novas formas de reação.
Portanto, se quisermos observar esse processo
de um ponto de vista científico, teremos de
compreender necessariamente
as leis gerais das
reações e das condições de sua formação. Assim, a relação da pedagogia com a psicologia
assemelha-se à relação de outras ciências aplicadas com suas disciplinas teóricas. A psicologia começou a ser aplicada a questões práticas, ao estudo da delinqüência,
ao tratamento
de doenças, à atividade laboral 'e econômica.
Diz Münsterberg:
----------
--
-
42
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[ ... ] tu d o
in d ic a
u m a a u tê n tic a
c a d a . E e n tã o
d a já
que
lo g o
to s d a p s ic o lo g ia
a p lic a d a ]
e n tre
u m m o n te
te ó ric a
fin s p rá tic o s .
te rá e n tã o ,
a e n g e n h a ria
d e fra g m e n s e r u ti-
E s ta [a p s ic o lo g ia
e m re la ç ã o
c o m u m , u m a re la ç ã o
a p li-
a p lic a -
q u e p o d e rã o
à p s ic o lo g ia
ig u a l à q u e e x is te e n tre
e a fís ic a . C o m o é q u e a p s ic o -
lo g ia p o d e n o s a ju d a r a e n c o n tra r
[ ... ] A p s ic o lo g ia
p e d a g ó g ic a ,
A
nós
p s ic o lo g ia
e s s e tip o d e p s ic o lo g ia
n ã o se rá a p e n a s
liz a d o s p a ra
h a v e rá
e s u b s ta n c ia l
c e rto s fin s ?
p ro d u to
dos
c o rre la ç ã o
m e ta s
c o m p e tê n c ia
tre
as
c ie n tífic a
g ic a s ;
(3 )
(1 )
a p re ssa d a ,
que
u tiliz a
de
a lg u n s
g ó g ic o s ,
de
nenhum
c a , e s té tic a
e in d u s tria l.
p e d a g ó g ic a
ções
de
n o in íc io
um
m odos,
fo rç a s.
p le s m e n te
S e ria
n o rm a s
em
que
[ ... ] E ,
su a s p ró s im p ro v e -
g e ra l. N o e n ta n to ,
d o s m o d e s to s
e, sem
g e rm e s
p e d a g ó g ic a .
[H .
Psychology and the teacher,
ou
a d o ta s s e
o p ri-
d ú v id a ,
d a p e d a g o g ia
m as
e , fin a lm e n te ,
c o n d i-
já p re p a ra d o ,
m e iro p a s s o já fo i d a d o
p s ic o lo g ia
de
c o n fia r
u m m a te ria l
te m
c o m p le to .
in ú til
n ie n te d a p s ic o lo g ia
s u rg irá
e não
s is te m a
deve
e c o n ô m i-
[ ... ] A p s ic o lo g ia
m a is o u m e n o s
d e to d o s
p ria s
e s tá
p ro p o r
c o n s e lh o s
m é d ic a , ju ríd ic a ,
ju n to
deve
e x is tir
guns
a u to re s
ensão
u m a a u tê n tic a
basear
M ü n s te rb e rg ,
a p e c u á ria
o p . c it., p . 2 5 .]
is s o ,
com
não
c o n c o rd a m o s
B lo n s k i
[q u a n d o
de
d iz
fo rm a
d iz
na
o s e g u in te ]:
s e ria
p e d a g ó g ic a ,
d a p s ic o lo g ia
te ó ric a
por um
é um a
o s c a p ítu lo s
in te re s s a n -
a id é ia
m ó ria , a im a g in a ç ã o ,
e tc ., e , p o r o u tr o ,
m in a a s e x ig ê n c ia s
p e d a g ó g ic a s
a m eexa-
p ro m o v id a s
ta l.
O
c o is a .
Em
ta re fa s
bem
deve
a s s im
que
com pensação,
com
caso
que
que
d ife re n -
a c ria ç ã o
b io lo g ia
d ife re n te ,
sua
é a p s ic o té c n ic a
d iz e r
na
se
com o
e x p e rim e n ta l.
c o m p le ta m e n te
baseada
p rim e iro
a lg u é m
a b io lo g ia
é c o rre to ,
de
e x p e rim e n tiv e s s e
e x p e rim e n p o ré m
não
o
segundo.
A p e d a g o g ia
e ta re fa s
d ê n c ia c o m a s le is d a v id a e s p iritu a l; p o r e x e m -
p e d a g ó g ic a
o e n s in o d a
das
a p e d a g o g ia
n a b io lo g ia
d e fu n d i-Ia
p e la v id a d o p o n to d e v is ta d e s u a c o rre s p o n -
p lo , d e c id e c o m o s e d e v e re a liz a r
N a re a -
à in c o rn p re -
im p re c is a
é a lg o
e s tá
ta l e o u tra ,
c o m o a a te n ç ã o ,
a l-
" tra n s fo rm a r
d e v id o
d e q u e " a p e d a g o g ia
la d o , to m a
te s p a ra o p e d a g o g o ,
em
p e d a g ó g ic a ,
s e b a s e ia
o m esm o
a n im a is
A p s ic o lo g ia
que
p a rtic u la r;
p e d a g ó g ic a " .
B lo n s k i,
e x p e rim e n ta l"
te ;
vão,
s ó s u rg iu
p s ic o lo g ia
Isso
a l-
p e d a g ó g ic a ,
c iê n c ia .
C om o
lo g o
em
peda-
p s ic o ló g ic o s ;
c iê n c ia
e m p s ic o lo g ia
a firm a ç ã o
Por
fa la m ,
pe-
é a p e s q u is a
m odo
um a
e
o ob-
p ro c e d im e n to s
e à d ife re n c ia ç ã o
de cada
e rrô n e a
a p s ic o lo g ia
(5 ) a p s ic o lo g ia
essa noção
pedagó-
a pedago-
fo rm a
e x p e rim e n ta l
com o
a p e d a g o g ia
lid a d e ,
(4 )
da
s is te m a s
id é ia s
com
e x p e rim e n ta l
a p lic a d a ,
en-
a e x p e rim e n ta ç ã o ;
je tiv o
d a p s ic o lo g ia
das
de
tu i u m a
p a rte
dos
te ó ric a ;
é id e n tific a d a
d a g ó g ic a
d is trib u íd a
a
p e d a g ó g ic a s ,
(2 ) a h is tó ria
que,
e as
quando
a h is tó ria
a p e d a g o g ia
e x p e rim e n ta l
a s fo rç a s
e s tiv e r
d is c ip lin a s
m a n e ira :
p e d a g ó g ic o s ;
e n tre
e s ta b e le c id a
ú ltim o s a n o s , é u m a n o v a c iê n c ia q u e c o n s tic o m a p s ic o lo g ia
gum a
se rá
d ife re n te s
s e g u in te
g ia
c o rre ta
c ie n tífic a s
da
deve
educação,
apenas
re a liz á -lo s .
se
e x a m in a r
o s o b je tiv o s
e n q u a n to
a p s ic o lo g ia
ocupa
dos
m e io s
p a ra
[D iz M ü n s te rb e rg :]
le itu ra e d a e s c rita , d a fo rm a q u e e s tiv e r m a is
d e a c o rd o c o m a p s ic o lo g ia
in fa n til.
o
flo ris ta
d a n in h a s .
Tudo
a p lic a ç ã o
e s tá
g ia g e ra l s e m p re
d e tra n s fe rir
p ro n to s ,
quer
c iê n c ia
g ic a s ;
ca.
Ui;ri
essa
o que
a v id a
-
sem
d e e s p e c ia lis ta
é
fo i m e n c io n a d o
lu g a r,
não
da
s o m e n te
já
por
podem os
de
q u a l-
pedagó-
p e d a g o g ia
p o s s ív e l
a
in ú til
a lh e io s
a s e x ig ê n c ia s
q u e s tã o
não
lu g a r,
d a p s ic o lo -
a e s s e tra b a lh o
a m e d ia ç ã o
- p ro m o v a
é um a
p rim e iro
e fra g m e n to s
E m segundo
F in a lm e n te ,
papel
e q u iv a le rá
c o n fo rm e
que
Em
já c o n c lu íd o s
m a te ria is
M ü n s te rb e rg .
d e ix a r
in c o rre to .
d e c a p ítu lo s
te ó ri-
conceder
à p s ic o lo g ia .
um
a m a s u a s tu lip a s
O b o tâ n ic o
ca não am a nem
d e v is ta ,
não
o d e ia
pode
nada
am ar
P a ra e le , a e rv a d a n in h a
m e n te
a u tê n tic o
te q u a n d o
p a ra
c iê n c ia
é tã o
m ana;
do
e e x p li-
e , d o s e u p o n to
nem
o d ia r
nada.
é u m v e g e ta l ig u a l-
e , p o rta n to ,
tã o im p o rta n -
a m a is b e la f lo r . [ ... ] A s s im c o m o ,
o b o tâ n ic o ,
re s s a n te
e o d e ia a s e rv a s
q u e d e sc re v e
q u a n to
so b re
a e rv a
um a
o hom em
in te re s s a n te
to d o
d a n in h a
flo r, ta m b é m
p a ra
a e s tu p id e z
hum ana
q u a n to
e s s e m a te ria l
e e x p lic a d o
sem
p a ix ã o . D e s s e p o n to
é tã o in te -
a s a b e d o ria
a
hu-
d e v e s e r a n a lis a -
to m a r
p a rtid o
e sem
d e v is ta , o p ro c e d irn e n -
PSIC O LO G IA
PED A G Ó G IC A
43
to mais nobre não é melhor que o delito mais
justamente, a ciência sobre as leis de modificavil , o mais belo sentimento não é mais vali-HGFEDCBA
ção do comportamento
humano e sobre os meioso que uma abominável vulgaridade, a
os de dominar essas leis.
idéia mais profunda de um gênio não pode
Portanto, ela deve ser considerada uma
gozar de preferência diante do balbucio abciência independente,
um ramo particular da
surdo de um louco; tudo isso é um material
psicologia aplicada. Deve-se considerar errôneutro que só existe' como um elo na cadeia
nea a identificação
da psicologia pedagógica
dos fenômenos causais, ( H . Münsterberg,hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
com a pedagogia experimental,
admitida pela
P s y c h o lo g y a n d th e T e a c h e r , [p. 30] .)19
maioria dos autores (Meumann, Blonski e outros). Münsterberg demonstrou de forma sufiDa mesma maneira, a psicologia pedagócientemente convincente que [essa identificagica também pode estar orientada para qualção] é errônea e considera a pedagogia expequer sistema de educação: Pode indicar como
rimental
como uma parte da psicotécnica.
se deve educar para formar um escravo ou um
Guessen diz o seguinte:
homem livre, um arrivista ou um revolucionário. Vemos isso de forma brilhante no exemplo
Se isso fosse assim, esse ramo da psicotécnica
da ciência européia, que é igualmente engenhotem o direito de se autodenominar pedagógisa no que se refere a meios de criação e a meios
ca só porque se dedica à busca de meios técde destruição. A química e a física servem em
nicos que possam ser aplicados na prática no
idêntica medida para a guerra e para a cultura.
âmbito da psicologia? Com efeito, a psicoPor isso, cada sistema pedagógico deve possuir
técnica [aplicada] no campo da justiça não se
transforma, devido a esse fato, em jurispruseu próprio sistema de psicologia pedagógica.
dência. Da mesma fora, a psicotécnica aplicaA falta dessa ciência explica-se por cauda à vida econômica não se torna parte da
sas e circunstâncias
puramente
históricas do
economia política. Evidentemente, a psicotécdesenvolvimento
da psicologia. Blonski está
nica aplicada ao âmbito da educação também
certo quando diz que as atuais insuficiências
não tem fundamentos para aspirar a ser conda psicologia pedagógica se explicam por suas
temporânea de toda a pedagogia, nem para
seqüelas espiritualistas
e por seu ponto de visser considerada um de seus ramos. A pedagota individualista,
e que só a psicologia como
gia experimental poderia ser, no melhor dos
ciência biossocial é útil para a pedagogia.
casos, denominada psicotécnica pedagógica.
A psicologia anterior, que considerava a
psique de forma isolada do comportamento, não
o mais correto seria diferenciar:
(1) a
podia encontrar o terreno verdadeiro para uma
pedagogia experimental,
que resolve tarefas
ciência aplicada. Ao contrário, ao se dedicar a
puramente p e d a g ó g ic a s e didáticas através da
ficções e abstrações, ela sempre se divorciava
experiência
(escola experimental)
e (2) a
da vida real e, por isso, era impotente para se
psicotécnica pedagógica, análoga a outros ratornar a fonte que daria origem a uma psicolomos da psicotécnica e que se dedica à pesquigia pedagógica. Toda ciência surge das demansa p s ic o ló g ic a aplicada à educação.
das práticas e, em última instância, também se
Mas também esta constitui apenas uma
orienta para a prática. Marx dizia que os filósop a r te
da psicologia
pedagógica,
pois "a
fos só tinham interpretado
o mundo, e que já
psicotécnica não pode ser identificada à psicoestava na hora de transformá-lo." Essa hora chelogia aplicada, porque é apenas metade desta"
ga para todas as ciências. Mas enquanto os filó(Münsterberg). A outra metade é a "psicologia
sofos interpretavam
a alma e os fenômenos esda cultura". Juntas, formam essa "verdadeira
pirituais, não podiam refletir sobre a forma de
psicologia pedagógica", que deve ser criada em
os transformar, porque estavam à margem da
um futuro próximo. Guessen pergunta:
esfera da experiência. Em compensação, agora
que a psicologia começou a estudar o comporNão será justamente porque a pedagogia extamento, pergunta-se naturalmente como é posperimental ainda pode se jactar tão pouco da
sível modificá-lo. A psicologia pedagógica é,GFEDCBAexatidão de suas conclusões, que se dedicam
44
LlEV SEM IO N O VIC H
VIG O TSK I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a ela mais os pedagogos
médicos e os psicólogos
e os filósofos que os
especializados?
tentativa de refutar o materialismo filosófico e
por estabelecer a duradoura tradição neokantiana na Universidade
de Marburgo. Na edição
norte-americana,
Silverman
colocou as
N O TA S
iniciais "N. N." antecedendo
o sobrenome
Lange,
sem
colchetes,
como
se
Vigotski
tives1. Pável Petrovitch Blonski (1884-1941)
foi um
se
se
referido
ao
psicólogo
russo
Nikolai
psicólogo, pedagogo e pedólogo soviético que
Nikolaievitch Langue. Em n e n h u m a p a r te desdesempenhou
um importante papel nas décate livro Vigotski refere-se a N. N. Langue e,
das de 20 e 30, tanto no desenvolvimento
da
apesar disso, aquela edição oferece uma biopsicologia quanto na construção de escolas na
grafia de oito linhas dele (Langue é o sobrenoURSS. Foi autor de diversos livros. Os únicos
me alemão Lange russificado).
cursos estritamente de psicologia que Vigotski
7. Referência a F. A. Lange, G e s c h ic h te ... , op. cit.
fez na vida, conforme .as informações disponíA edição original é de 1866.
veis, foram os que realizou com Blonski na Uni8. Vigotski refere-se aqui ao filósofo kantiano A.
versidade Shaniavsk( (não levamos em consiI. Vvedienski, P s ijo lo g u ia b ie z v s ia k o i m e ta fiz ik i
deração os que fez com Gustav Shpet, pois es[ P s ic o lo g ia
s e m m e ta fís ic a
a lg u m a ] ,
2.ed.,
tes não foram psicológicoshgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s tr ic tu s e n s u ) . Para
Petrogrado, 1917, p. 71. Vigotski cita a mesma
Vigotski, Blonski foi um importante referencial
expressão na página 346 de seu ensaio epistedurante toda a sua vida.
mológico
"O significado histórico da crise da
2. O termo "psique" provém do vocábulo grego
Psicologia" (cf. L. S. Vygotski, O b r a s E s c o g id a s ,
\ j f u x l Í [ p s ijé ] , cujo significado
é "alma".
antigoHGFEDCBA
T o m o I. P r o b le m a s te ó r ic o s y m e to d o ló g ic o s d e
3. John Locke (1632-1704)
foi um dos maiores
I a P s ic o lo g ia , tradução
de José M. Bravo, edifilósofos ingleses. Sua importância
é capital
ção
de
Amelia
Álvarez
e
Pablo deI Río, Madrid:
para a psicologia, pois ele fundamentou
a deVisor/ Aprendizaje/Ministerio
de Educación y
terminação ambiental da mente (cf. seu E s s a y
Ciencia, 1991, p. 257-407).
C o n c e r n in g H u m a n U n d e r s ta n d in g )
e minou as
9. Vigotski refere-se aqui a H. Hôffding, P s y c h o bases filosóficas da crença em idéias inatas.
lo g ie in U m r is s e n a u f G r u n d la g e d e r E r fa h r u n g
4. David Hume (1711-1776)
foi um filósofo es( E s b o ç o s d e u m a p s ic o lo g ia b a s e a d a n a e x p e r iê n cocês. Sua importância para a psicologia resic ia ) , Leipzig: Reisland, 1908. Essa é a quarta
de em que contribuiu para minar fundamenedição alemã, traduzida da quinta edição ditos filosóficos idealistas da mesma (cf. D. H u m e ,
namarquesa;
a russa foi publicada em 1908.
~ r e a tis e o f H u m a n N a tu r e ; b e in g a n a tte m p t to
Herald Hôffding (1843-1931)
foi um filósofo
~ n tr o d u c e th e e x p e r im e n ta l m e th o d o f r e a s o n in g
e
psicólogo
dinamarquês
que
defendeu um
in to m o r a l s u b je c ts ) .
paralelismo psicofísico, um positivismo crítico
5. Emannuel Kant (Kônigsberg, 1724-1804) foi
e um relativismo filosófico.
um dos principais nomes da filosofia clássica
10. É provável que a referência aqui seja a P. P.
alemã, superado apenas por Hegel. Ele afirBlonski, O c h ie r k N c u c h n o i p s ijo lo g u i [ E n s a io d e
mou que a psicologia era uma ciência empírica,
p s ic o lo g ia c ie n tífic a ] ,
Moscou: GIZ [siglas de
que devia ser separada da metafísica.
Suas
"Editora Estatal"], 1921.
idéias sobre a psicologia estão expostas em E.
11. Hugo Münsterberg
(Danzig,
1863-1916,
Kant, C r ític a d e I a R a z ó n P u r a , 2 vols., Buenos
Cambridge, Mass.) foi um importante psicóAires: Losada: 1960-62 (cf. "Dialéctica Translogo alemão que, em seus últimos anos de
cendental", livro 2, seção 1). Kant também foi
vida, trabalhou na Universidade de Harvard
um cientista com amplos conhecimentos
de
convidado por William James, a quem sucematemática e física; sua teoria sobre a formadeu na direção do laboratório de psicologia.
ção dos corpos celestes a partir de uma nebuA abreviatura
"Mass.", que muitas vezes selosa primitiva é considerada correta pelos asgue
o
vocábulo
"Cambridge" neste livro, sigtrônomos atuais (cf. M. Kant, H is to r ia n a tu r a l
nifica "Massachussetts,
EUA" e foi escrita para
y te o r ía g e n e r a l d e l c ie lo , prólogo de Manuel
que o leitor não se confunda eventualmente
Sadosky, Buenos Aires: Lautaro, 1946).
com "Cambridge, Inglaterra".
6. No original, Vigotski escreve apenas o sobre12. Vigotski refere-se ao comportamentalismo.
Cf.
nome Lange, sem nome nem iniciais. Trata-se
seu artigo "O Comportamentalismo"
em: L. S.
de Friedrich Albert Lange (1828-1875),
filóVigotski, L a G e n ia lid a d y o tr o s e s c r ito s in é d ito s ,
sofo socialista alemão que se destacou por sua
45
PSIC O LO G IA PED A G Ó G IC A
edição
de Guillermo
Blanck,
Buenos
13. Os partidários
da "teoria
da atividade"
N . Leontiev, costumam
da por A.HGFEDCBA
neamente
que Vigotski
mesma
em sua obra.
que, só no presente
psicologia,
Vigotski
da
de destacar
livro, seu primeiro
texto
de
outros
E não levamos
termos
que envolvem
como "comunicação",
em
"ati-
"modificação
do
filósofo
do pragrnatismo
e um
O amigo
psicofisiologista.
Vigotski,
Semion
de
tude
Filipovitch
Dobkin,
lidos por Vigotski,
em Gomei,
foram
1988).
15. O grifo é de Vigotski.
diretamente
versity
citação
cador
(Harvard
A partir
que nos refiramos
a esse
considerado
É
experimental.
considerava
eram
à qual
educando,
Meumann
go e pedagogo
lo de Wundt.
(1862-1915)
experimental
de
da
com
das poucas
Como
da mes-
na Rússia
a referência
e
de
a translitera-
russo",
parênteses,
como já comen-
é original
de Vigotski e é uma
norte-americana
em todo o livro.
diz o seguinte:
Psychology
and
the
H.
Teacher,
1909, op. cito no PróloA russa é de 1911. A citação foi
Nova York: Appleton,
do original
20. Karl Heinrich
inglês
Marx
Marx
Feuerbach".
como
1818-1883, Lon-
redigiu
Vigotski
diferentes;
é tr a n s fo r m á -Ia " .
epitáfio
no túmulo
de Highgate,
"Teses
a ela, que
limitaram-se
de maneiras
no cemitério
onze
refere-se
"Os filósofos
te r p r e ta r o mundo
tuado
a versão
alemão cuja concepção
do
o pensamento
de Vigotski.
Em sua juventude,
gravada
não apre-
com
(Treveris,
dres) foi o filósofo
mundo organizou
sobre
porque
significativas
ra o que importa
referên-
se trata
que ele nos oferece
diz o seguinte:
que
estudos
sobre
a memó-
de vários
livros,
Meumann,
V o r le s u n g e n
à p e d a g o g ia
Engelmann,
a várias
obras
E.
in d ie
B d . I [ C u r s o de in V a I. I],
e x p e r im e n ta l,
1911. Vigotski
de Meumann
dedicou-se
como
z u r E in fü h r u n g
P iid a g o g ik .
Leipzig:
foi um psicólodiscípu-
Foi autor
Meumann
entre
diferenças
alemão,
Realizou
e x p e r im e n te lle
19. A referência
de Vigotski.
realizadas
fará
de um tal
a in ago-
Essa tese foi
de Marx, sium subúrbio
de Londres.
ria infantil.
tr o d u ç ã o
as ações
do ale-
é Guessen.
russa
no processo
Vigotski
russa
Akademischer,
primeiro
data do "período
ção correta
senta
4.
cia no Capo
Vigotski
da
da ação",
o fundamental
aprendizagem
Obviamente
na Alemanha.
traduzida
E x p e r im e n te lle
a "pedagogia
que
depois
go de Vigotski.
o fundador
e o
o livro D ie M e th o d e d e r M a -
que publicou
de ago-
Em colaboração
a revista
Criou
Hessen.
ma pessoa,
tem
livro
é a versão
publicou
Uni-
russa
do pe-
Guessen,
r ia M o n te s s o r i u n d ih r S c iiic k s o l: e in B e itr a g z u r
A edição
essa citação
com a versão
E. Meumanrr.fundou
17. Ernst
Freud
Moscou,
por Vigotski.
alemão.
P iid a g o g ik .
pelo
inglês
significativas
psicologia
de Halle,
Münsterberg,
Traduzimos
Trata-se
Iosifovitch
Em 1936, a Editora
mão Hessen.
tamos no prefácio,
e A p s ic o p a -
escreveremos
apenas T a lk s to T e a c h e r s ...
Wilhelm Lay (1862-1926) foi um edu-
James,
16. August
de
James
ed. de 1983), pois ela não
utilizada
ra, sempre
da e x p e -
pessoal,
do original
Press,
diferenças
de psi-
de Sigmund
comunicação
a
sua juven-
A s v a r ie d a d e s
da v id a c o tid ia n a ,
(K. Levitin,
cita Guessen.
Serguei
texto citado neste capítulo é O s n o v i p e d a g o g u ik i
[ F u n d a m e n to s de p e d a g o g ia ] , Moscou, 1923. O
Sergius
de
relatou
textos
durante
r iê n c ia r e lig io s a , de William
to lo g ia
russo
d e s tin o : u m e n s a io s o b r e p e d a g o g ia ] ,
eminente
infância
Karl Levitin que os dois primeiros
cologia
dagogo
P iid a g o g ik : [O m é to d o de M a r ia M o n te s s o r i e s e u
ambiente",
etc.
14. William James (EUA, 1842-1910) foi o principal
sobre as idéias de Montessori,
também
sobrenome
Guessen
"atividade"hgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[ d ie ia tie ln o s t]
a palavra
consideração
vidade",
erro-
o papel
Gostaríamos
18. Em outro escrito,
concebi-
afirmar
subestimou
mais de 170 vezes.
aparece
à sua E s te tik a (edição russa: Moscou,
1920). Morreu de gripe aos 52 anos.
rência
Aires:
1998, p. 87-95.
Almagesto,
também
referiu-se
Ludwig
(1804-1872) foi um filóso-
Feuerbach
fo materialista
mação
da
alemão
filosofia
que
L u d w ig F e u e r b a c h y e l fin
a le m a n a ,
original
balhos
Buenos
Aires:
a for-
(cf. F. Engels,
de Ia filo s o fia
c lá s ic a
1973; a edição
Anteo,
é de 1888). Vigotski
de Feuerbach
influenciou
marxista
conhecia
e referiu-se
os tra-
e ela várias
em seus
textos.
vezes, sobretudo
em "O significado
histórico
da crise da Psicologia"
(cf. L. S. Vygotski,
à teoria
da arte
O b r a s ... , t. I, op. cit).
e, em sua P s ic o lo g ia da a r te , Vigotski
faz refe-GFEDCBA
- Os Conceitos de
Comportamento e de Reação
o COMPORTAMENTO
E A REAÇÃO ponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ex ceção . D arw in estab eleceu q u e as g lân d u las
d a d ró sera ex citam -se q u an d o se co lo ca so b re
A s reaçõ es são o s elem en to s fu n d am en elas u m g rão d e p ó d e ferro d e 1 /2 5 0 m il m ilitais q u e fo rm am to d o o co m p o rtam en to
g ram as d e p eso ."
[provedenie] d o an im al e d o ser h u m an o , tan A reação co n stitu i a fo rm a b ásica e p rito em su as fo rm as m ais sim p les q u an to n as
m itiv a d e q u alq u er co n d u ta. S u as fo rm as m ais
m ais co m p lex as. N o âm b ito d a p sico lo g ia, ch asim p les são o s m o v im en to s a partir d e algo e
m a-se d e reação [reaktia] a resp o sta d o erg apara algo, q u e ex p ressam a ten d ên cia d o an in ism o ' p ro v o cad a p o r q u alq u er estím u lo . S e
m al a ev itar as ex citaçõ es d esfav o ráv eis, en co o b serv arm o s a co n d u ta h u m an a, p erceb erem o s
lh er seu co rp o e ev itar u m p erig o , o u a ap ro x ico m facilid ad e q u e, g eralm en te,
to d o s o s
m ar-se d as fav o ráv eis, esp ich ar o co rp o e sem o v im en to s e as açõ es su rg em co m o resp o sta
g u rar. A p artir d essas fo rm as ex trem am en te
a certo s estím u lo s, ex citaçõ es o u im p u lso s q u e
sim p les d e co n d u ta, d u ran te u m lo n g o p ro cesd en o m in am o s "cau sas".
so d e ev o lu ção , d esen v o lv eu -se a en o rm e m u lT o d o s o s n o sso s ato s são p reced id o s in etip licid ad e d e fo rm as tão d iv ersas d o co m p o rx o rav elm en te d e alg u m a cau sa q u e o s p ro v o tam en to h u m an o .
ca, so b a fo rm a d e fato , aco n tecim en to ex tern o , d esejo , im p u lso o u id éia in tern a. T o d o s o s
OS TRÊS COMPONENTES DA REAÇÃO
m o tiv o s d e n o sso s ato s estim u lam [ex citam ]
n o ssas reaçõ es. P o rtan to , a reação d ev e ser en Q u alq u er reação , to m ad a em su a fo rm a
ten d id a co m o u m a in ter-relação en tre o o rg am ais p rim itiv a n o s o rg an ism o s elem en tares o u
n ism o e seu m eio circu n d an te. A reação sem n a m ais co m p lex a d o ato h u m an o co n scien te,
p re é u m a resp o sta d o o rg an ism o ad eterrn isem p re in clu i três co m p o n en tes fu n d am en tais.
n ad as m o d ificaçõ es d o m eio e rep resen ta u m
O p rim eiro d eles é a p ercep ção , p o r p arte d o
m ecan ism o d e ad ap tação su m am en te v alio so
o
rg an ism o , d as ex citaçõ es o rig in ad as n o m eio
e b io lo g icam en te ú til.
ex tern o . E sse m o m en to é d en o m in ad o co n v en A reação su rg e n as etap as m ais in ferio res
cio n alm en te sensorial. D ep o is v em o seg u n d o
d o d esen v o lv im en to d a v id a o rg ân ica. A s b acco m p o n en te, o d a elab o ração d essa ex citação
térias, p o r ex em p lo , reag em a ex citaçõ es tão
n o s p ro cesso s in tern o s d o o rg an ism o , estim u in sig n ifican tes q u an to u m a m ilio n ésim a p arte
lad o s p elo im p u lso à ativ id ad e. P o r ú ltim o , o
d e m ilig ram a d e sal d e p o tássio . O u tro s o rg aterceiro co m p o n en te é a ação d e resp o sta d o
n ism o s elem en tares,
co m o as am eb as, o s
o rg an ism o resu ltan te d e seu s p ro cesso s in terciliad o s, etc., tam b ém p o ssu em u m a cap acid an o s, g eralm en te so b a fo rm a d e m o v im en to .
d e d e reação q u e se m an ifesta d e fo rm a to talE sse terceiro co m p o n en te é ch am ad o d e motor,
m en te ev id en te. O s v eg etais n ão co n stitu em
--~ -
--
---
--
48PONMLKJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
en q u an to o seg u n d o , relacio n ad o ao s an im ais
su p erio res e ao ser h u m an o - n o s q u ais está
v in cu lad o ao fu n cio n am en to d o sistem a n erv o so cen tral-, será ch am ad o d e central. E sses três
co m p o n en tes, o sen so rial, o cen tral e o m o to ra p ercep ção d a ex citação , su a elab o ração [p ro cessam en to ] e a ação ' d e resp o sta - estão p resen tes n ecessariam en te em to d o ato d e reação .
V ejam o s, p o r ex em p lo , alg u n s d o s tip o s
m ais sim p les d e reação . S e a p lan ta esten d e
seu cau le p ara o so l (h elio tro p ism o ), o u se a
traça v o a ru m o à ch am a d a v ela, o u se o cach o rro secreta saliv a d ev id o à carn e q u e está
em su a b o ca, ou se o sér h u m an o , ao o u v ir a
cam p ain h a d a p o rta d e en trad a, d irig e-se a ela
e a ab re, em to d o s esses caso s p erceb e-se facilm en te a ex istên cia d o s três co m p o n en tes an tes en u m erad o s. A ação d o s raio s d o so l so b re
a p lan ta, d a ch am a d a v ela n o caso d a traça,
d a carn e p ara o cach o rro e d a cam p ain h a p ara
o ser h u m an o ex citam as reaçõ es co rresp o n d en tes. O s p ro cesso s q u ím ico s in tern o s q u e
n ascem n a p lan ta e n o o rg an ism o d a traça so b
a ação d o s raio s, a ex citação n erv o sa q u e se
tran sm ite d a lín g u a d o cach o rro e d o o u v id o
d o ser h u m an o ao sistem a n erv o so cen tral, to d o s eles co n stitu em o seg u n d o co m p o n en te d as
reaçõ es co rresp o n d en tes.
P o r ú ltim o , o cau le
cu rv o , o v ô o d a traça, a secreção d e saliv a d o
cão , o s p asso s d o h o m em e a ab ertu ra d a fech ad u ra co n stitu em o terceiro co m p o n en te [ ...]
d a reação .
N em sem p re esses três co m p o n en tes são
tão ev id en tes q u an to n o s ex em p lo s an terio res.
À s v ezes alg u n s p ro cesso s in tern o s d o o rg an ism o , n ão -v isív eis, ag em co m o estim u lad o res,
co m o a m o d ificação d a circu lação d o san g u e
o u d a resp iração d o s ó rg ão s in tern o s, d a secreção g lan d u lar, etc. N esses caso s, o p rim eiro
co m p o n en te d a reação p erm an ece o cu lto ao
n o sso o lh ar. A lg u m as v ezes, o s p ro cesso s in tern o s d ifíceis d e o b serv ar - e m en o s estu d ad o s - são tão co m p lex o s q u e n em é p o ssív el
reg istrá-lo s, n o estad o atu al d a ciên cia p sico ló g ica. O u tras v ezes eles ad o tam fo rm as tão
v elo zes q u e p arecem n ão ex istir e, q u an d o isso
o co rre, n o s p arece q u e o terceiro co m p o n en te
d a reação v em im ed iatam en te ap ó s o p rim eiro [sem p assar p elo seg u n d o ], isto é, q u e o
m o v im en to d o o rg an ism o o co rre lo g o d ep o is
d e receb er o estím u lo , co m o su ced e co m a to sse, o g rito reflex o , etc.
C o m freq ü ên cia, o terceiro co m p o n en te d a
reação - a ação d a resp o sta d o o rg an ism o p arece estar o cu lto . P o d e ex p ressar-se em m o v im en to s tão in sig n ifican tes e im p ercep tív eis
p ara o o lh ar co m o , p o r ex em p lo , n o s m o v im en to s articu lad o s ru d im en tares e em b rio n ário s q u e
fazem o s q u an d o p ro n u n ciam o s m en talm en te
alg u m a p alav ra. T am b ém p o d e p arecer im p ercep tív el p o rq u e [p o d e ex p ressar-se co m o ] u m a
série d e m o v im en to s d o s ó rg ão s in tern o s.
P o r ú ltim o , as reaçõ es p o d em fazer p arte
d e relaçõ es tão co m p lex as en tre si q u e é im p o ssív el d iferen ciá-Ias atrav és d e u m a o b serv ação sim p les e d esco b rir seu s três co m p o n en tes. O m esm o o co rre q u an d o a ação d e resp o sta se d istan cia n o tem p o o u se atrasa co m relação à ação d a ex citação . N esses caso s, n em
sem p re é p o ssív el estab elecer co m facilid ad e e
p o r co m p leto o p ro cesso trifásico d a reação .
E m g eral, esses três co m p o n en tes ap arecem co m m aio r clareza n as reaçõ es m ais sim p les. N as fo rm as m ais co m p lex as d o co m p o rtam en to h u m an o , ad o tam fo rm as cad a v ez
m ais en co b ertas e co n fu sas, e m u itas v ezes é
p reciso fazer u m a an álise b astan te co m p licad a p ara rev elar e d esco b rir a n atu reza d a reação . N o en tan to , tam b ém n as fo rm as m ais co m p lex as o co m p o rtam en to h u m an o se estru tu ra
co n fo rm e o m esm o tip o e m o d elo d e reação
q u e n as fo rm as m ais sim p les d as p lan tas e d o s
o rg an ism o s u n icelu lares [v eg etais e an im ais].
A REAÇÃO E O REFLEXO
N o s an im ais q u e p o ssu em sistem a n erv o so , a reação assu m e a fo rm a d e reflexo [refleks].
N a área d a fisio lo g ia, en ten d e-se p o r reflex o
to d o ato d o o rg an ism o p ro v o cad o p o r q u alq u er
ex citação ex tern a ao sistem a n erv o so , q u e se
tran sm ite p o r m eio d e u m n erv o cen tríp eto ao
céreb ro ; a p artir d aí, seg u in d o u m n erv o cen trífu g o , p ro v o ca-se au to m aticam en te u m m o v im en to o u secreção d o ó rg ão co rresp o n d en te. O cam in h o seg u id o p elo reflex o co m u m é o
seg u in te: (1 ) n erv o cen tríp eto , (2 ) n eu rô n io s
49
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
aferen tes
e eferen tes
n erv o cen trífu g o .
p o n en tes]
[O co n ju n to
d en o m in a-se
tu i o esq u em a
N o s ú ltim o s
ch am ar
e (3 )
d esses três co m -
arco reflex o
v árias teo rias
categ o ricam en te
e co n sti-
E n tretan to ,
v o so . P o rtan to ,
d e reação
e, m ais
é' u m co n ceito estrita-
o reflex o
esse fato
ra p arte
férica
d e reflex o ,
P ara sê-lo, estaria
d o arco reflex o ,
cen tríp eto
u m a im p o rtan te
m en te
b ito
m ais ex ato
sig n a co m .essa
ceito am p lam en te
b io ló g ico . O reflex o n ão ex iste
co m p o rtam en to
m as co m p len o
d ireito
m o s falar, n esses caso s, d e reaçõ es.
d e reação
co m p o rtam en to
v im en to s
n o s aju d a
h u m an o
b io ló g ico s
o rg an ism o s,
à lo n g a
d o s in ferio res
d a p sico lo g ia,
n o q u al se d e-
p alav ra
d e to d o s
o
d a v id a
p ers-
B asta a o b serv ação
p o rtam en to
m an o
d a fisio lo g ia
tem p o ,
d o sistem a
lim ita
n erv o so
o co n ju n to
e,
d o s fen ô -
T em o s
d elas
a d iscu tív el
que
q u estão
h u m an o
d as ex citaçõ es
m a n erv o so
cen tral.
co L azarev ,"
em
so b re
se
n ão -v in -
ras h o ras
v id a. E ssas fo rm as
x o s e in stin to s.
da
d iv erso s
ad m issív eis
m as d e p ecu liarid ad es
teó rico , o s estím u lo s
sistem a n erv o so ,
sag reg ação
tássio ]
cereb ral.
d essa m an eira
co m p letam en te
tão p resen tes
em fu n ção
[clo reto
ao
co n stitu em
term in ad o ,
cia p esso al.
A p rin cip al
as p rim eid e to d a
a
d e co m p o rtam en -
em
d o is tip o s:
refle-
ap arecem
p esso al d u ran te
no
o s m ais
d a h eran ça,
in d iv id u ais
d a ex p eriên -
d iferen ça
en tre as rea-
inatas e as adquiridas co n siste em q u e as
çõ es
de po-
rep resen tam
v im en to s
d e ad ap tação
u m tip o
to d a
p o is es-
m am en te
trem a
e
e q u e, em g eral, p er-
e n ão são fru to
p rim eiras
n ecessário s:
d esd e
ao co n trário ,
d a d e-
O s m o v im en to s
o s três co m p o n en tes
- a d esag reg ação
d e v ista
e arb itrário s
d o s sais d e p o tássio
q u e su rg em
a ex citação
au tó cto n es
q u e o co rrem
n a su b stân cia
d e reação
d e u m p o n to
p erío d o s
seu p ro ap ren d i-
E sses são , p o r
n o d eco rrer
h erd ad as
iônica d o s n erv o s, estab elece q u e são to talm en te
e p o ssív eis,
ex tern a.
p ro cesso d a ex p eriên cia
estim u lação
d u ran te
de
d o g rito , d a d eg lu tição
ser d iv id id as
O u tras reaçõ es,
inatas.
ou
n o m o m en to
sem n en h u m a
in v ariáv eis
q u ím icas
teo ria
o u su rg em
d o n ascim en to
m an ecem
o acad êm i-
herdadas
crian ça
q u e se o b serv am
isto é, q u e su rjam
d o siste-
são
na
o s reflex o s
to p o d em
P o r ex em p lo ,
su a
n ão
a ex istên -
d e reaçõ es
a u m arco reflex o ,
d iretam en te
ain d a
o rig en s.
n em in flu ên cia
d a su cção ,
d e acrescen tar
cia n o o rg an ism o
zag em
ex em p lo ,
o u d e u m ser h u -
q u e em su a co m p o sição
d e d iv ersas
p resen tes
m ais sim p les d o co m -
an im al
p erceb er
A lg u m as
E stão
d o co m p o rtam en to
de um
p ara
h á reaçõ es
e a co n -
o b serv áv eis.
cu lad as
do
A DIVISÃO DAS REAÇÕES EM
HEREDITÁRIAS E ADQUIRIDAS
os
[aju -
as ilim itad as
d e su a ev o lu ção
b io ló g ico
o
to d e reflex o n o s lim ita ao círcu lo relativ am en -
reso lv eu
o s ato s elem en tares
d o ser h u m an o .
cesso d e crescim en to ,
m en o s
p rin cip al-
isto é, n o âm -
seu n ascim en to
ao m esm o
cien tífica,
ex p erim en tal,
d e fo rm a m ais am p la. P o r o u tro lad o , o co n ceite estreito
tem p o r trás d e si
série d e m o -
ao s fu n d am en to s
p ectiv as p ara o estu d o
o asp ecto
P o rtan to ,
ao s su p erio res;
o rg ân ica n a T erra, a d esco b rir
sid erar
a
p o d e-
a in co rp o rar
d e ad ap tação
a vinculá-lo
d a-n o s]
p eri-
n em n o s an im ais q u e n ão p o ssu em
n erv o so ,
co n ceito
a p rim ei-
q u e lev a à ex citação
trad ição
n o cam p o
é u m co n -
sistem a
faltan d o
isto é, a p articip ação
A lém d isso , esse term o
en q u an to
n o s v eg etais
ch am ar
q u e seja co m o
partir de agora utilizaremos a palavra "reação" para designar as formas básicas do comportamento humano?
m en te fisio ló g ico ,
a reação
n ão p o d em o s
a m en o s
ao céreb ro .
n ão
d e u m a reação d o sistem a n er-
cen tral e o ato d e res-
p o sta. E m co m p en sação ,
P o r esse m o tiv o ,
d o term o n ão
p o r su a d escrição ,
p assa d e u m caso p articu lar
esp ecificam en te,
que
O reflex o , co m o se p o d e
facilm en te
[p ro cessam en to ]
d o n erv o
e d o an im al.
essa su b stitu ição
b o ração
su p o sição .
a
as reaçõ es
a ciên cia
d o ser h u m an o
ad eq u ad a.
co m p reen d er
p assaram
d e reflex o s
e d e refiexoícgia"
as reaçõ es
n o s p arece
esp in h al
m ais g eral d e to d o ato n erv o so .
tem p o s,
d o ser h u m an o ,
estu d a
d a m ed u la
a esp écie.
o cap ital h erd ad o d e m o ú teis,
A s seg u n d as,
d iv ersas
u n ifo rm e
em tro ca, são su -
e se d istin g u ém
m u tab ilid ad e
lian o e u m esq u im ó ,
d o s sais -, a ela- PONMLKJIHGFEDCBA
e in co n stân cia.
um
p ara
fran cês
p o r u m a ex U m au strae u m n eg ro
50PONMLKJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKI
[african o ], u m o p erário e u m m ilio n ário , u m a
crian ça e u m id o so , u m h o m em d a A n tig ü id ad e
e u m co n tem p o rân eo to ssem e m an ifestam tem o r q u ase d a m esm a m an eira. N as fo rm as h ered itárias d e co m p o rtam en to ex istem m u itas
co isas em co m u m en tre o s an im ais e o ser h u m an o . A s reaçõ es ad q u irid as, p elo co n trário , são
ex trao rd in ariam en te d iferen tes, d e aco rd o co m
as p articu larid ad es h istó ricas, g eo g ráficas, d e
sex o , classe so cial e in d iv id u ais.
OS REFLEXOS HEREDITÁRIOS
INCONDICIONADOS
"
OU
D ev e ser co n sid erad o co m o u m g ru p o fu n d am en tal d e reaçõ es d a crian ça recém -n ascid a
o g ru p o d e reflex o s h ered itário s o u in co n d icio n ad o s. A crian ça g rita, m o v im en ta b raço s e p ern as, to sse e se alim en ta g raças a u m m ecan ism o n eu ro rreflex o b em -aju stad o , q u e fu n cio n a
d esd e o s p rim eiro s in stan tes d e v id a.
E n tre as características
d istin tiv as d o s
reflex o s d ev em o s d estacar, em p rim eiro lu g ar,
o fato d e q u e são u m a ação d e resp o sta a q u alq u er ex citação ; em seg u n d o , q u e são au to m ático s, in v o lu n tário s e in co n scien tes, p o is co m
freq ü ên cia o ser h u m an o n ão p o d e rep rim ir
u m d eterm in ad o reflex o ; em terceiro lu g ar, n a
m aio ria d as v ezes eles são b io lo g icam en te
ú teis. P o r ex em p lo , se a crian ça n ão so u b esse
to ssir d e fo rm a reflex a, facilm en te se asfix iaria ao in g erir o alim en to , p o rém o reflex o ex isten te a o b rig a a realizar m o v im en to s d e ex p u lsão p ara se liv rar d as p artícu las d e alim en to q u e [acid en talm en te] se in tro d u zem n a traq u éia. O reflex o d e fech ar as p álp eb ras d ev id o
a q u alq u er irritação m ecân ica in cô m o d a d irig id a ao s o lh o s tam b ém é ú til. E sse reflex o d efen d e u m ó rg ão tão ex trao rd in ariam en te
im p o rtan te e d elicad o , co m o o o lh o , d e d an o s
m ecân ico s.
P o d em o s p erceb er, p o rtan to , q u e a crian ça recém -n ascid a v iv e g raças às fo rm as h erd ad as d e co m p o rtam en to . S e ela p o d e se alim en tar, resp irar e m o v im en tar seu s ó rg ão s, d ev e
tu d o isso ao s reflex o s. O reflex o n ão p assa d o
n ex o m ais sim p les en tre o s elem en to s am b ien tais e o co rresp o n d en te m o v im en to d e ad ap tação d o o rg an ism o .
l.J l.
OS INSTINTOS
C h am am o s d e instintos as fo rm as m ais
co m p lex as d o co m p o rtam en to h ered itário . N o s
ú ltim o s tem p o s está sen d o d efen d id o o p o n to
d e v ista d e q u e o s in stin to s tam b ém d ev em ser
co n sid erad o s u m reflex o co m p lex o o u em red e.
E n ten d e-se p o r isso u m a u n ião d e alg u n s reflex o s d e tal tip o q u e a resp o sta d e u m reflex o
ag e co m o ex citan te p ara o seg u in te. N esse caso ,
d ev id o a u m im p u lso in sig n ifican te o u a q u alq u er estím u lo ex tern o , p o d e su rg ir u m a série
co m p lex a d e açõ es e ato s, v in cu lad o s en tre si
d e tal fo rm a q u e cad a ação p ro v o caria au to m aticam en te a seg u in te.
V ejam o s, p o r ex em p lo , o in stin to d e alim en tação q u e se m an ifesta n a crian ça. Im ag in em o s o q u e aco n tece. O s ex citan tes in iciais
são o s p ro cesso s in tern o s q u e estim u lam a
crian ça a realizar d e fo rm a reflex a u m a série
d e m o v im en to s d e b u sca p relim in ar co m a
b o ca, o s o lh o s e a cab eça. Q u an d o , em resp o sta a esses m o v im en to s, a m ãe ap ro x im a o seio
d o s láb io s d o b eb ê, su rg e u m a n o v a ex citação
e u m n o v o reflex o d e ro d ear co m o s láb io s o
m am ilo . E sse m o v im en to , p o r su a v ez, p ro v o ca o n o v o reflex o d o s m o v im en to s d e su cção ,
q u e lev am o leite à b o ca d a crian ça. E sse n o v o
estím u lo p ro v o ca o reflex o d e d eg lu tição , etc.
D e aco rd o co m essa in terp retação , o in stin to n ão p assa d e u m a red e d e reflex o s su cessiv o s, u n id o s en tre si co m o se fo ssem elo s d e
u m a co rren te. C o n v en cio n al e esq u em aticam en te, o in stin to p o d e ser ap resen tad o co m a
seg u in te fó rm u la. E n q u an to u m reflex o co m u m
é d esig n ad o co m o ab, em q u e a d esig n a o estím u lo e b o reflex o , o in stin to seria ex p ressad o
m ed ian te a fó rm u la ab-bc-cd-de, e assim p o r
d ian te.
N o en tan to , essa in terp retação d o in stin to p ro v o ca u m a série d e o b jeçõ es. E m p rim eiro lu g ar, d estaca-se q u e o v ín cu lo d o in stin to
co m o s elem en to s d o m eio circu n d an te é m u ito m en o s lim itad o e p reciso q u e o d o reflex o .
O reflex o é u m v ín cu lo u n ív o co , rig o ro sam en te d efin id o e d eterm in ad o . O in stin to , p o rém ,
seria m u ito m en o s d eterm in ad o e m ais liv re.
A lg u n s o b serv ad o res relatam q u e o s esq u ilo s jo v en s, sep arad o s d o s p ais n o m o m en to
d o n ascim en to e criad o s em u m cô m o d o d o
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
q u al n u n ca v iam a terra n em o b o sq u e, e q u e
sem p re receb eram alim en to d as m ão s d o h o m em , n o o u to n o co m eçam a m an ifestar o in stin to d e ju n tar p ro v isõ es p ara o in v ern o ; en tão eles co m eçam a esco n d er n o zes em b aix o
d o tap ete, n o so fá o u em alg u m can to d a sala.
N essas co n d içõ es, ex clu i-se to talm en te a p o ssib ilid ad e d e ap ren d izag em . T am b ém se ex clu em to d o s o s elem en to s d o am b ien te q u e g eralm en te aco m p an h am a m an ifestação d esse in stin to . P o r isso , cab e su p o r aq u i q u e ex iste u m
v ín cu lo m u ito m ais flex ív el e elástico en tre a
reação in stin tiv a e o am b ien te q u e n o caso d o
reflex o .
r
51
realizam an tes d a u n ião , e q u e n ão p o d em ser
p rev isto s n em calcu lad o s p rev iam en te co m
ex atid ão , p o is d iv erso s ó rg ão s p articip am d o s
m esm o s. V erifico u -se q u e a m o sca sem cab eça
tam b ém está cap acitad a p ara o ato d e aco p lam en to . N esse caso , o co m p o rtam en to fo i d iv id id o ex p erim en talm en te
n as fo rm as in stin tiv as e reflex as. T o d as as reaçõ es d e co n d u ta d o
o rg an ism o q u e an teced em o ato sex u al estão
relacio n ad as ao co m p o rtam en to in stin tiv o , v in cu lad o ao fu n cio n am en to d o s cen tro s cefálico s.
E m co m p en sação , o ato sex u al n ão p assa d e
u m sim p les reflex o q u e n ão ex ig e a p articip ação d o s cen tro s cefálico s e está lo calizad o em
cen tro s in ferio res.
A lém d isso , o sistem a d o s m o v im en to s
q u e co n stitu em u m reflex o está rig o ro sam en te d eterm in ad o e ex iste an tecip ad am en te
de
A ORIGEM DAS REAÇÕES [E OUTROS
fo rm a p recisa. N o en tan to , o s m o v im en to s in sCOMPORTAMENTOS
HEREDITÁRIOS]
tin tiv o s n u n ca p o d em ser p rev isto s n em to talm en te calcu lad o s d e an tem ão , n u n ca se ap reA q u estão d a o rig em [h istó rica d o s p ro sen tam co m o u m estereó tip o ex ato e v ariam
g ram as h erd ad o s d e co m p o rtam en to ]
fig u ra
to d as as v ezes.
en
tre
o
s
m
ais
d
ifíceis
p
ro
b
lem
as
cien
tífico
s.
P o r ú ltim o , a terceira p articu larid ad e d o
E stam o s d ian te d e fato s su ced id o s n o d eco rrer
in stin to resid e n a m aio r co m p lex id ad e d o s m o d e m u ito s m ilên io s. D ev em o s lid ar co m aco n v im en to s p ro d u zid o s. N o caso d o reflex o , g etecim en to s q u e d esap areceram h á m u ito tem ralm en te ag e ap en as u m ó rg ão , p o rém , q u an p o e ju lg ar o p assad o d e aco rd o co m o p resen d o se trata d e in stin to s, d ep aram o -n o s co m
te. E sse é o p ro b lem a d a o rig em d as fo rm as
u m a série d e m o v im en to s co m b in ad o s d e d ih ered itárias d o co m p o rtam en to . É to talm en te
feren tes ó rg ão s.
im p o ssív el, n o atu al estad o d o sab er cien tífiD ev em o s acrescen tar tam b ém q u e ex isco , resp o n d er, ain d a q u e seja d e fo rm a ap ro x item d iferen ças an atô m icas e fisio ló g icas en tre
m ad a, à q u estão d a o rig em d e u m d eterm in ain stin to s e reflex o s. N a fo rm ação d o s in stin to s
d o in stin to o u reflex o .
o sistem a n erv o so cen tral, b em co m o o sisteE n tretan to , o p rin cíp io g eral d e su a o rig em
m a h o rm o n al o u d e secreção in tern a, d esem fo i estab elecid o e esclarecid o p o r D arw in ,? em
p en h am u m p ap el su m am en te im p o rtan te.
su a teo ria so b re a seleção n atu ral. N esse sen tiP o r esses m o tiv o s, tem o s d e d istin g u ir o s
d o , n ão ex iste n en h u m a d iferen ça essen cial en in stin to s co m o u m a fo rm a p ecu liar d o co m p o rtre a o rig em d as fo rm as h ered itárias ú teis d e o rtam en to h ered itário ; essa d istin ção se b aseia
g an ização d o s an im ais e seu co m p o rtam en to .
tam b ém n a característica d e q u e o reflex o reN a ép o ca d e [fo rte] p en sam en to relig io p resen ta u m a reação q u e p arte d e q u alq u er ó rso
p
red
o m in av a a n o ção d e u m a m ilag ro sa rag ão , en q u an to o in stin to é u m a reação d o co m cio n alid ad e p resen te n o s o rg an ism o s an im ais
p o rtam en to d e to d o o o rg an ism o . E ssa caractee v eg etais, e d a co rresp o n d ên cia en tre o o rg arística fo i d estacad a p elo p ro fesso r v ag n er."
n
ism o e as co n d içõ es d e su a ex istên cia. O p en F ica m ais sim p les co m p reen d er essa d isam en to p ré-cien tffico
v ia aí u m a d em o n straferen ciação atrav és d o ex em p lo d o aco p lação
ev
id
en
te
d
e
q
u
e
u
m
a
p ro v id ên cia b o n d o sa
m en to d e m o scas d ecap itad as, citad o p elo p ró e sen sata d o tara a av e d e asas, o p eix e d e n ap rio V ag n er. A s m o scas d ecap itad as são cap ad ad eiras e o h o m em d e razão . E m o u tro s terzes d e cru zar, d esd e q u e isso o co rra en tre u m
m
o s, co m o o ser h u m an o n ão p o d ia ex p licar
ex em p lar d ecap itad o e o u tro n o rm al. A m o sca
d e q u e m an eira tin h a su rg id o tão ex trao rd in án o rm al realiza to d o s o s m o v im en to s q u e se PONMLKJIHGFEDCBA
52PONMLKJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ria cap acid ad e
d e ad ap tação
n ism o s v iv o s e, ju lg an d o
m esm o , p erso n ificav a
d e to d o s o s o rg a-
p o r an alo g ia
a n atu reza
u m p rin cíp io
racio n al
a ex p licação
do m undo
rid ad es
b asean d o
n o co n ceito
co n q u ista
tífico fo i a rejeição
d o , q u e assu m iu
ria d arw in ista
d o p en sam en to
d essa
fo rm a
so b re
d efin itiv a
a o rig em
co n cep ção
d e u m criad o r
tu íd a
sem p re
p ara
m eira
n ism o s
n atu ral
v iv o s,
p licação
do m unco m
a teo -
racio n al
A
fo i su b stie, p ela p ri-
o p rin cíp io
d o d esen -
o u d a ev o lu ção
d o s o rg a-
assim
n atu ral
cien -
d as esp écies.
p o r essa teo ria
v ez, co lo co u -se
v o lv im en to
co n cep ção
co m o
da
o p rin cíp io
o rig em
e do
ser h u m an o .
se sab e,
h arm ô n ica
d o p o n to
in g ên u a,
cau salid ad e
m esm o
p ela
N essa lu ta,
p ro p õ e
so b rev iv em
q u e o u tro s
ap en as
cau sas,
que
p ro d u z
cad a
caso
d a esp écie
E assim
ca se d etém ,
lad o ,
o m esm o
v am
o d ireito
san te
ten são
à v id a
d esen v o lv em
sário s
d e lu ta,
seleção
dos
e m ais
d e lu ta n u n e d e so b re-
co m u m d e-
m odo
e p o u co
atro fiam ,
d ev id o
q u e n ão são u tilizad o s.
P o r ú ltim o ,
à in ativ id ad e,
d ev e-se
o rien tad a
ten h am
racio n alid ad e
p azes
n eces-
d a co n s-
É
n o s an im ais.
q u e, n a lu ta p ela
aq u eles
q u e,
co m m aio r
reflex o
d o alcan ce
é ev id en te
d e to d o s
d efen siv o
e
d e u m a m o rd id a
que
fo i lev ad o
o s [ó rg ão s]
su -
p lacas
d e g ratid ão
fo rm as
trazid as
a ação d a
trato s
d aq u eles
sen tid o
frág io
e salv aram -se
que
ex p lica-se
o s an im ais
in ca-
tão co m p lex as
C o n ta-se
a u m tem p lo
d eu s [co rresp o n d en te],
a asso m b ro sa
o s in stin to s
d e ad ap tação .
g reg o
e
é
m o rtífero .
se
n o m esm o
de
d e q u e,
e b ási-
a o rig em
realizaram
um
d e d esen v o lv er
ap erfeiço ad as
d e-
fo rm as
d ú v id a
so b rev iv id o
p erig o ,
n eles
acrescen tar
que
e h ab ilid ad e
T am b ém
d as
e d o s ó rg ão s
a p ata
isto é, as
e d o s reflex o s
co m p reen sív el
de um
d e m u ito s.
fu n d am en tais
in stin to s
p elo fato d e q u e su cu m b iram
ex ercitam ,
o s ó rg ão s
a p o u co
d o co rp o
ex istên cia,
in ces-
um a
n ão resta
a m esm a
p erfeitam en te
rap id ez
d a m o rte
d e lu ta
d e co m p o rtam en to ,
dos
o u d e u m ferrão
só co n ser-
de um a
tru ção
retiraram
d e v iv er. P o r o u tro
p o r m eio
ex atam en te
ex p eriên cia
e o reflex o ,
co n sid erad o s
cas, a o rig em
d ian te
co m o p ro ces-
so b rev iv en tes
p érflu o s,
sex u al,
re-
um a
d e certa
n o p ro cesso
o in stin to
características
d a esp écie
e ap erfeiço am
e ú teis,
seleção
h ered itárias
ser
sáb ia e racio n al
às cu stas
fo rm as
e d a teo -
ser co m p reen d id a,
m as co m o
m o rrem
p o r esses
d a ev o lu ção
elab o rad a
co m o
sú -
e d o s reflex o s sim -
ex p licad a
e d ev e
em su as
um a
D esse
ser
fu n d am en tais
E assim
ativ o d e to d as as su as p o ssib ili-
d e ad ap tação .
pode
d e ex istên cia.
d e to d as su as fo rças,
sen v o lv im en to
d o s in stin to s
tam b ém
p ela ex istên cia,
tran siçõ es
atrib u to s."
A o rig em
à v id a o u
su rg e
p ela v ia rev o lu cio n á-
a novos
sen sata,
n ão
o
d e p eq u en as
rep en tin o s,
n ão co m o a realização
co n siste
isto é, p o r m eio
e g rad u al
b io ló g ica,
aco n tece
d o s m ais cap azes
salto s
b itas e ev id en tes
v em
esp écies
m as tam b ém
e ú til,
m elh o ra
a ev o lu ção ,
len ta
ad ap tação
co m o o p ro cesso
o s o rg an ism o s
d ad es
m u d an ças,
p les
n o v as
m ed ian te
d a acu m u lação
terrív el
m ais ad ap tad o s
so d e ap erfeiço am en to
v iv ên cia
ap en as
de
ria d a m u tação ,'?
o s o rg an is-
co m a
O sig n ifi-
d essa
v o n tad e
p ro cesso
fo i co m p letad a
d as m u taçõ es".
n o p ro cesso
p rin cíp io s
ser v iv o
R ecen tem en te,
d e d esen v o lv im en to ,
q u e,
da
e
ciliad o s
em
v eg etal
so b rev iv en tes
o m esm o
v iáv eis.
"teo ria
estão m ais ad ap -
às co n d içõ es
aliza-se n o v am en te
h u m an o .
d e D arw in
d o s o r-
dos
cad o m ais su b stan cial
d a ev o lu -
a cad a
ad ap tar-se
E n tre esses o rg an ism o s
em
teo ria
d en o m in ad a
a ev o lu ção
esten d er
ao ser
Ao
su a aten ção
o s d esad ap tad o s
m o s q u e, p o r d iv ersas
ex em p lares
d o ân g u lo
en ten d id a.
fu n d am en tal
d e d ilem a:
e d esap arecem ;
tad o s
essa
en tre o o rg an ism o
v id a" n o m u n d o
E sse p rin cíp io
u m a esp écie
a
d e v ista d e u m a "racio -
m as a p artir
m o to r
ção , n a lu ta
o b serv o u
tev e d e co n cen trar
n o m ecan ism o
p erecer.
n ão
cien tificam en te
tem p o ,
an im al.
D arw in
co rresp o n d ên cia
e o am b ien te
n alid ad e"
d a v id a,
se
pôde
u n icelu lares
as p ecu lia-
lei d a lu ta, q u e co n stitu i
g an ism o s
ria, m ed ian te
C om o
e refo rçam
d e-
d e seu s an tecesso res.
a lei fu n d am en tal
ap arecim en to
d a ex -
do m undo
receb em
b io ló g icas
m ais ap to s
esses d escen d en tes,
G raças à trág ica
[teleo ló -
g ico ] d e fin alid ad e.
A m aio r
d escen d ên cia;
v id o à h eran ça,
e lh e atrib u ía
e co n scien te,
q u e faz co m q u e só o s ex em p lares
d eix em
co n sig o
e
que um
e o b serv av a
as
co m o o feren d a
ao
aco m p an h ad as
d o s re-
tin h am
so frid o
u m n au -
g raças
à o ração .
O cético
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
d isse: "M o strem -m e o s retrato s d o s q u e, ap esar d a o ração , p ereceram ; d o co n trário , n ão
acred itarei q u e o d eu s seja to d o -p o d ero so ". O
m esm o su ced e co m a v id a. O s q u e se ad ap tam
se salv am , p o rém a ad ap tação n ão co n stitu i a
lei m ais ex ten sa d a v id a o rg ân ica. H á u m n ú m ero m u ito m aio r d o s q u e n ão se ad ap tam ,
m as n ão o p erceb em o s p o rq u e eles se ex tin g u irarn .!'
É co m p reen sív el q u e, d ev id o à lei g eral
d a seleção n atu ral, ten h a o co rrid o o m esm o
p ro cesso d e ad ap tação b io lo g icam en te ú til tan to n a co n d u ta d o s an im ais-q u an to
n a estru tu ra d e seu co rp o . O fato d e o ser h u m an o elab o rar o reflex o d a to sse, o u a leb re o in stin to d o
m ed o , o u a av e o in stin to d a m ig ração , p o d e
ser ex p licad o , em su m a, p o rq u e m o rreram
aq u eles q u e n ão p o d iam to ssir, o u ad o tar u m a
p o sição d efen siv a p eran te u m su sto , o u m ig rar
co m a ch eg ad a d o frio . PONMLKJIHGFEDCBA
A TEORIA DOS REFLEXOS
CONDICIONADOS
A té p o u co tem p o atrás, a q u estão d a o rig em d as reaçõ es n ão -h ered itárias co n tin u av a
sen d o co n fu sa e p o u co clara p ara a ciên cia.
D u ran te m u ito tem p o , o s p ro fesso res ten d eram a co n sid erar q u e o s recém -n ascid o s eram
u m a táb u la rasa, u m a p ág in a em b ran co em
q u e o ed u cad o r p o d ia escrev er o q u e q u isesse.
A b rev e d escrição d as fo rm as d iv ersas e co m p lex as d a co n d u ta h ered itária é su ficien te p ara
in ferir facilm en te até q u e p o n to esse critério é
in co rreto .
A crian ça n ão é u m a fo lh a d e p ap el em
b ran co , m as u m a fo lh a rep leta d as m arcas d a
ex p eriên cia b io lo g icam en te ú til d e seu s an tep assad o s. N o en tan to , seria m u ito d ifícil d izer
q u al é, p recisam en te, o m ecan ism o d o n ascim en to d as reaçõ es recém -ad q u irid as.
Só duran te as ú ltim as d écad as, g raças, p rin cip alm en te, ao êx ito d o p en sam en to ru sso n a área d a
fisio lo g ia, fo i p o ssív el ap ro x im ar-se d a elu cid ação d esse m ecan ism o . A teo ria d o s reflex o s
co n d icio n ad o s, elab o rad a fu n d am en talm en te
p elo acad êm ico P av lo v ," elu cid a as leis d esse
m ecan ism o co m a in eg áv el ex atid ão d a ciên cia n atu ral ex p erim en tal.
53
A essên cia d essa teo ria p o d e ser facilm en te ex p licad a p o r m eio d o ex em p lo d o ex p erim en to clássico d e fo rm ação d e u m reflex o co n d icio n ad o . N o ex p erim en to , co lo ca-se
n a b o ca d e u m cão carn e, açú car, ácid o clo ríd rico , etc. C o m o resp o sta a esses estím u lo s, o
cão co m eça a secretar saliv a em u m a q u an tid ad e rig o ro sam en te
d eterm in ad a
e de um a
q u alid ad e to talm en te d eterm in ad a, d e aco rd o co m o caráter d o estím u lo . A ssim , ele reag e ao ácid o clo ríd rico co m ab u n d an te saliv ação , p o rém a co m p o sição d a saliv a é su m am en te aq u o sa e líq u id a, p o rq u e n esse caso a
m issão d o reflex o co n siste em elim in ar o estím u lo d esag rad áv el.
Q u an d o se trata d e u m
alim en to seco e p ican te, o an im al secreta u m
líq u id o esp esso e v isco so em m en o r q u an tid ad e, en v o lv en d o o alim en to , p ara n ão d eterio rar o s seu s d elicad o s teg u m en to s in tern o s.
P o rtan to , estam o s d ian te d e u m reflex o co m p leto , co m seu s três co m p o n en tes fu n d am en tais e co m to d as as su as p ecu liarid ad es típ icas, co m o u tilid ad e, au to m atism o , etc.
S e em cad a o p o rtu n id ad e, alg u n s seg u n d o s an tes o u sim u ltan eam en te
à ação d a carn e o u d o ácid o n o cão , acen d em o s u m a lu z
azu l n o cô m o d o , to cam o s u m a cam p ain h a, o u
acariciam o s, co çam o s o u esp etam o s o an im al,
d ep o is d a rep etição d e certo n ú m ero d e [alg u m a d essas] ex p eriên cias,
será criad o u m
n o v o v ín cu lo en tre o estím u lo estran h o o u in d iferen te [a lu z azu l, a cam p ain h a, etc.] e seu
reflex o saliv ar. N esse caso , será su ficien te acen d er a lu z azu l sem d ar carn e ao cach o rro p ara
q u e ele saliv e n a m esm a q u an tid ad e e q u alid ad e q u e n o caso d e receb er a carn e. E sse
n o v o reflex o saliv ar d ev e ser d en o m in ad o reflexo condicionado, p o rq u e só su rg e em certas
co n d içõ es: q u an d o se d á a co n d ição d e co in cid ên cia o u co m b in ação d o n o v o estím u lo estran h o co m o s estím u lo s fu n d am en tais an terio res (lu z azu l + c a rn e )." P o r isso , tal reflex o tam b ém é ch am ad o d e "co m b in ad o ". É p reciso d istin g u ir esse n o v o reflex o co n d icio n ad o d o reflex o h ered itário o u in co n d icio n ad o ,
assim co m o o n o v o estím u lo , co n d icio n ad o
[p o r ex em p lo , a lu z azu l], d o estím u lo in co n d icio n ad o [p o r ex em p lo , a carn e]. E m q u e se
d iferen cia o reflex o co n d icio n ad o d o in co n d icio n ad o ? E m p rim eiro lu g ar, su a o rig em n ão
54PONMLKJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tem
n ad a
a v er co m
ria, p o is ele n asce
ex p eriên cia
in d iv id u al.
in d iv id u al
v erso s
a ex p eriên cia
atrav és
E m seg u n d o
e co m p letam en te
rep resen tan tes
cie. E m terceiro
lu g ar;
m ais
e in stáv eis
tran sitó rias
p arecer
e se ex tin g u ir
co m o estím u lo
reflex o
co n d icio n ad o
rid ad es
d as reaçõ es
asp ecto s
co n d u ta
g raças
d o an im al
se to rn a
e ráp id o
fo rm ação
seg u in te
m ais
m an eira.
q u e ex istem
n o d eco rrer
a d iv ersid ad e
p o d e acab ar
m in ad as
co n d içõ es,
d o am b ien te
q u alq u er
m en o
do m undo
estím u lo
d e co in cid ir
ad ap tativ as
sin ais
que
d o an im al.
n ão
saliv ação
b io ló g ico
q u e p o d em
e o rien te
q u e su rg em ,
reaja
d o s estím u lo s
p resen tes
lei n o s in d ica
a
e p re-
rep resen tam
q u e as reaçõ es
n ad a
essen cial-
a resp o n d er
às b atid as
estru tu ra,
am b ien te
co m
d o m etrô -
ao m esm o
o co rre
a certas
p ecu liarid ad es
in flu ên cia
S e lev arm o s
b ase
e as fo r-
v ão sen d o
n as in atas,
são elab o rad as
d o am b ien te,
q u e as reae fo rm ap o d erem o s
É p ro v áv el
d esse tip o q u e o co rrem
a p artir
o s elem en to s
d e co m p o rtam en to
d esco b erta
d a an álise
esp ectral,
o u à d esco b erta
que
n o ser
d o b erço . E las p o s-
d e to d as
co m p lex as
d e N ap o leão
elab o raso b u m a
co m o "o am b ien -
p elo am b ien te".
já ex istiam
a
estab elece
em co n sid eração
d as so b a in flu ên cia
su em
P o rtan to ,
d o am b ien te.
tam b ém
to d as as reaçõ es
d e su a
o caráter
co n d icio n ad o s
ad q u irid as
real
g ru p o s
q u e se ad q u irem .
co m
à
o u aq u eles
d eterm in an d o
q u e as reaçõ es
em
o reflex o
co m o am b ien te
estes
d o s reflex o s
h u m an o
tem p o
a lu z azu l, fo rm a-se
co in cid em
d e estím u lo s,
n o lab o rató rio .
d efin ir o reflex o co n d icio n ad o
seu co m p o rtam en to
ou
ao ser esco v ad o ?
é o ferecid o
q u e se acen d e
te m u ltip licad o
as reaçõ es
d esta
em u m cão ? P o r
ap ren d e
d o m eio
çõ es in atas
E sses reflex o s
p ro d u za
E m ú ltim a in stân -
N esses caso s, é ó b v io q u e a cau sa é a o r-
ter
d o an i-
a m esm a
d e P av lo v co m rela-
à lu z azu l, o u tro
d ecisiv a
eles p o d em
de
a elab o ração
e u m terceiro
teo ria
tem
o s fu tu ro s.
ad q u irid as
cach o rro
um
d as e su rg em
o co m p o rtam en to
ao s estím u lo s
E ssa m esm a
que
a elab o ração
co n d icio n ad a
m as d as reaçõ es
se tran sfo rm ar
m ed id a
d o am b ien te.
so b a in flu ên cia
v en d o
fato o u fen ô -
o sig n ificad o
o an im al
d istan tes
reação
S e o ácid o
P o r-
a ação d o fen ô m en o
que
p erm item
d o an im al.
reação
im p o rtan te
m al à ex ig ên cia
..IWJ
pode
ex trao rd in ariam en te
e ad ap tar
d eterm in a
d aq u ela
d as
d esem p en h a
q u e o lab o rató rio
cia, o q u e
a estru tu ra
as co n d içõ es
a cad a u m d e n ó s, p o d em o s
q u e o am b ien te
em q u e, d ev id o
esses
ap ro x im ar
in d iv id u al.
elem en to
ex terio r
e em
to d a
g an ização
co m a ação d o estím u lo .
reflex o s
em d efin itiv o ,
en tre
q u alq u er
Ju stam en te,
q u ais d ep en d e,
C o m relação
frisar q u e
d a ex p eriên cia
cria e d eterm in a
a co n d u ta
in d iv id u ais.
é im p o rtan te
n a fo rm ação
lu z, etc. O m esm o
reação
às co n d içõ es
tem p o ,
em d eter-
d e q u alq u er
É fácil p erceb er
d a esp écie
d o am b ien te
o s d ife-
que um novo
aco n tecim en to ,
P ara q u e isso su ced a,
h erd ad a
[o u se fo rm ar]
e q u alq u er
tan to ,
d a ex p eriên cia
nom o,
e su as reaçõ es;
E ssa lei estab elece
v ín cu lo
em
este,
d esses n o v o s v ín cu lo s é to talm en -
te in esg o táv el.
n ad a m ais é d o
d e ad ap tação
ção ao s cães d a ex p eriên cia.
h erd ad o s
co n -
d e elab o ra-
co n d icio n ad o s
o p ro cesso
A lei d e
da
q u e fo i
que
d izer
em su a
rea-
ção d o s reflex o s
fu n ção
en tre
d o am b ien te
as d iferen tes
flex ív el,
o m eio e o o rg an ism o ,
n o v o s v ín cu lo s
elem en to s
co m
O p ro cesso
é o am b ien te.
da
p esso al
h erd ad a,
d e aco rd o
E la
e q u e q u alq u er
[reação ]
d a ex istên cia.
p esso al
d e to d a a su a v id a, v ai elab o ran d o
e estab elecen d o
é um a
de
por
se ex p ressar
A lém d o s v ín cu lo s
en tre
d içõ es
as in atas,
em p rin cíp io .
q u e a ex p eriên cia
n a h eran ça,
ção ad q u irid a
rev ela o
co n d icio n ad o s,
pode
estab elece
está b asead a
co m
d estas,
d ecisiv o
im p o rtan tes
p articu larm en te
g eral,
tam b ém
A o m esm o
sim p les
em su a ad ap tação .
co m p aração
o fato r
ao q u al o co m p o rtam en to
d o s reflex o s
fo rm u lação
g en ialm en te
em
um
o círcu lo
n ão -tran sm issív el
novo
são d iferen tes
as p ecu lia-
[essa d esco b erta]
m ecan ism o
que o
co n stitu i
su m am en te
d o an im al;
d iv erso
to d as
e-fo rm a
p esso al
E ssa d esco b erta
esclarece
ren tes
p o ssu i
ad q u irid as,
d o in d iv íd u o
su a ex p eriên cia
h eran ça.
fo r refo rçad o
é ev id en te
n em
m o d ificad a
m u ito
a d esa-
in co n d icio n ad o .
P o r essa caracterização ,
p atrim ô n io
esp é-
fo rm as
e ten d e
se n ão
é
n o s d i-
m esm a
p o ssu i
de
lu g ar,
d iferen te
de um a
m en te
h ered itá-
d e u m p ro cesso
as, fo rm as
m ais
q u e lev aram
à
às cam p an h as
d a A m érica.
No
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
55
processo da experiência pessoal não surge neNa experiência com cães foi possível elanhuma reação genuinamente
nova; seus eleborar reflexos condicionados
não-superiores
à
mentos estão presentes na criança, porém em
terceira ordem, porque a pesquisa foi iniciada
uma aglomeração
caótica, não-coordenada
e
há pouco tempo e tem de lidar com o aparelho
não-organizada. Todo o processo de crescimen[sistema] nervoso primitivo do cão e experito que vai separando a conduta do adulto do
mentar com reflexos que, por sua missão biocomportamento
da criança se reduz ao estalógica, não são o terreno mais propício para o
belecimento de novos vínculos entre o mundo
desenvolvimento
de super-reflexos,
isto é, de
e as reações do organismo e ao aumento de
reflexos de níveis superiores.
sua mútua coordenação.
Apesar disso, podemos imaginar facilUm psicólogo contemporâneo
poderia
mente no sistema nervoso mais aperfeiçoado
dizer: dêem-me todas as reações de uma criando ser humano - e, em parte, do animal -, a
ça recém-nascida
e toda a-trama de influênpossibilidade de surgirem reflexos condicionacias na estrutura do meio ~ poderei prever com
dos de uma ordem extraordinariamente
eleexatidão
matemática
seu comportamento
vada, muito distantes do vínculo incondiciocomo adulto em cada momento dado.!"
nado inicial que os gerou.
Dessa forma, podemos ter uma noção da
Existem plenos fundamentos
para supor
extraordinária
plasticidade e mutabilidade
do
que a conduta do ser humano,
na enorme
comportamento
no sentido de sua adaptação
maioria de suas formas, é construída com esilimitadamente
complexa e precisa ao meio.SRQPONMLKJIHGFEDCBA
ses super-reflexos
de ordem extraordinariamente elevada.
Ao mesmo tempo, é sumamente
imporO S S U P E R -R E F L E X O S
tante que cada vínculo condicionado
que surja na experiência pessoal possa ser o início de
Pela mesma via experimental foi possível
um novo vínculo; temos de recordar também
estabelecer que os novos vínculos condicionaque a formação das reações condicionadas,
dos não se formam apenas em função dos refalando teoricamente,
não possui fim nem liflexos inatos ou incondicionados,
mas também
mite. Isso confirma uma vez mais o gigantesco
com base nos reflexos condicionados.
Assim,
significado
biológico que o comportamento
por exemplo, se elaboramos um reflexo condihumano adquire, graças aos super-reflexos e
cionado salivar à luz azul em um cão, ele saliaos reflexos condicionados.
vará sempre que acendermos a luz azul. Se esse
fato for acompanhado
de um novo estímulo
estranho, como as batidas de um metrônomo,
AS FORM AS COM PLEXAS
DOS
um novo reflexo condicionado
se formará no
R E F L E X O S C O N D IC IO N A D O S
animal depois de um certo número de repetições, e ele salivará ao ouvir o metrônorno mesComo a pesquisa já demonstrou, existem
mo que a luz azul não seja acesa.
formas sumamente complexas de reflexos conSeria justo denominar esse novo reflexo
dicionados. Se a ação de um estímulo incondicionado, como a alimentação
com carne, por
decbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r e fle x o c o n d ic io n a d o
de s e g u n d o n ív e l o u de
s e g u n d a o r d e m , pois ele surgiu e se fortaleceu
exemplo, não é iniciada imediatamente
depois
mediante um reflexo condicionado.
Ao mesdo início da ação do estímulo condicionado
mo tempo, o mecanismo de formação dos re[acender uma luz azul], mas em cada oportuflexos condicionados de nível superior ou s u p e r nidade depois de um certo intervalo - três ser e fle x o s não se diferencia
essencialmente
da
gundos, por exemplo -, como resultado de uma
formação dos reflexos de primeiro nível. Tamsérie de experimentos,
elabora-se no cão um
reflexo condicionado r e ta r d a d o : 'ele não vai sabém precisam de um vínculo estabelecido previamente para surgir e da coincidência tempolivar imediatamente
depois de que se acenda
ral entre o estímulo anterior e o novo.
a luz, mas depois desses três segundos. Esse
56SRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tipo de reflexo nos permite compreender reações como a resposta que ocorre algum tempo
depois do estímulo.
Outro tipo de reflexo condicionado é o
decbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tr a ç o [ou vestígio]. Aparece quando
ação
do estímulo incondicionado é iniciada depois
do final da ação do estímulo condicionado. Por
exemplo, quando uma luz azul é acesa, mas o
cão só recebe carne quando ela é apagada, ele
só vai começar a salivar quando a luz azul for
apagada. É como se esse reflexo seguisse a
marca deixada pelo estímulo quando o próprio
estímulo deixou de atuar: Esse tipo de reflexo
nos permite explicar como surgem formas complexas de reações condicionadas nas formas
complexas de estrutura do ambiente.
Em todas as formas do comportamento
do animal e do ser humano, dos mais elementares aos mais superiores, o acadêmico Pavlov
vê elos de uma única corrente , ou se]'a , da
a
[... ] ilimitada adaptação em toda sua extensão que constitui a vida na Terra. Por acaso o
movimento das plantas para a luz e a busca
da verdade por meio da análise matemática
não são essencialmente
fenômenos de uma
mesma ordem? Este não constitui o último elo
da corrente
quase infinita de adaptações
efetuadas em todo o mundo vivo?
NOTAS
1. Vigotski utiliza muitas vezes o termo "excitante", muito usado na psicologia e fisiologia russas, que também falavam de "estímulos", como
no comportamentalismo
norte-americano.
No
. presente livro e s s e s te r m o s d e v e m s e r c o n s id e r a d o s s in ô n im o s . Vigotski utilizava vocábulos
do léxico de diversas escolas psicológicas e, na
época, estava influenciado pela reflexologia de
Pavlov, pela reatologia de Kornilov e pelo comportamentalismo
de Watson, porém nunca chegou a ser um reflexólogo, um reatólogo ou um
comportamentalista.
2. A rigor, não se trata de uma glândula. Depois
de preparar a segunda edição de A o r ig e m d a s
e s p é c ie s , Charles Darwin passou férias em Sussex
ficou surpreendido
com o número de pequenos insetos que ficavam presos nas folhas de
uma planta muito comum nos pântanos,
a
r o tu n d ifo lia .
Durante 16 anos, ele
pesquisou essa e outras plantas semelhantes.
Demonstrou que qualquer objeto que tocasse
a protuberância
situada no extremo de um dos
tentáculos da folha da drósera agia como estímulo, fazendo todos os tentáculos dobrarem
para o centro da folha, enquanto esta segregava uma substância
capaz de digerir a carne
animal. Darwin surpreendeu-se
com essa sensibilidade - a máxima que a química de sua
época comprovara
-, pois um fragmento de
cabelo de mulher, pesando um milionésimo de
grama, podia ativar essa reação. Ele publicou
essas pesquisas
em seu livro I n s e c tiv o r o u s
P la n ts , Londres: John Murray; 1876. Esse.é o
texto que consideramos como referência original. O texto utilizado por Vigotski foi um artigo em russo intitulado "O virayeni oshchushcheni u chielovieka i yivotnij" [Sobre a manifestação das sensações no homem e nos animais"], São Petersburgo,
1896, que pode ter
sido um apêndice de I n s e c tiv o r o u s P la n ts . Cf.
também a nota 7.
3. A r e fle x o lo g ia é uma escola russa de neurofisiologia,
vinculada
aos nomes de V M.
Bejterev e r. P. Pavlov. Pesquisou a atividade
nervosa superior do ser humano e dos animais
e, em nossa opinião, continua representando
um dos melhores c o r p u s teóricos que dão conta da fis io lo g ia do sistema nervoso. Anos depois da morte de Vigotski, essa escola se
desprestigiou devido a um problema de in c u m b ê n c ia que se manifestou
com maior virulência durante o reinado de T. D. Lisenko, exemplo paradigmático da política cultural stalinista
na ciência. A reflexologia caiu no mecanicismo
e no reducionismo quando extrapolou as fronteiras de seu objeto de estudo e pretendeu explicar, com sua metodologia
e categorias, os
processos psíquicos especificamente humanos,
que requeriam uma abordagem totalmente diferente, como Vigotski destacou a partir de
1926. Sem a rejeitar, Vigotski foi tomando distância das questões vinculadas à reflexologia,
próprias de princípios explicativos de nível fisiológico, pois seus interesses posteriores - a
partir de 1928 - passaram a abordar o caráter
de mediador dos processos químicos superiores (culturais)
e, finalmente,
a organização
semiótica da consciência.
4. Piotr Petrovitch Lazarev (1878-1942) foi um
físico, biofísico e geofísico russo. Elaborou a
teoria iônica da excitação nervosa e uma teoD rosera
P S IC O L O G IA
5.
6.
7.
8.
9.
P E D A G Ó G IC A
57
ria sobre a adaptação do sistema nervoso censó, e não importa se as mudanças ocorreram
tral aos estímulos externos. Em 1920, organipor meio de modificações pequenas ou granzou o Instituto Estatal de Biofísica, que passou
des, ou ambas - questões que continuam senS o c h in ie n i
a dirigir em 1931. Cf. P. P. Lazarev,cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do discutidas hoje em dia.
[ O b r a s ] , vols. 1-3, Moscou, 1950-57.
10. É muito interessante que Vigotski considere que
a teoria da mutação
"completa"
a teoria
O grifo é nosso.
Vladimir Aleksandrovitch Vagner (1849-1934)
darwiniana da seleção natural do século XIX,
de concepção graduala primeira grande teofoi um biólogo e psicólogo russo que fez importantes descobertas.
Destacado teórico da
ria da evolução. Quando fala de "teoria da
evolução e grande psicólogo comparativo,
mutação", Vigotski se refere a Hugo de Vries Vagner foi amigo de Vigotski e sempre se
sua o p u s m a g n u m
intitula-se
justamente
corresponderam.
Como disse Van der Veer,
M u ta tio n s th e o r ie
[ T e o r ia da m u ta ç ã o ] e a T. H.
constituíam uma "estranha dupla", pois Vagner
Morgan. No início do século XX, esses autores
era 46 anos mais velhó 'que Vigotski. Ambos
relegaram a seleção natural a um segundo plamorreram no mesmo áno. (Vagner é o sobreno e privilegiaram
as macromutações
como
motor da evolução. Na década de 30, a partir
nome alemão Wagner escrito na forma russa.)
dos trabalhos de Th. Dobzhansky, Th. H. Huxley
Charles Robert Darwin (1809-1882) foi o naturalista inglês que se tornou o mais impore G. G. Simpson, surgiu a "teoria sintética" - a
tante biólogo da ciência moderna. De forma
segunda grande teoria da evolução -, uma sínsimultânea e independente,
Darwin e Alfred
tese da genética
mendeliana
e da teoria
darwiniana da seleção natural- micromutações
Wallace descobriram
a origem das espécies
e evolução
gradual.
Na década de 70, N.
através da seleção natural durante o processo
Eldredge e S. J. Gould criaram a terceira grande evolução dos seres vivos. Em 1867, Darwin
de teoria da evolução, a do "equilíbrio pontuafoi eleito membro correspondente
da Academia de Ciências da Rússia. Sua concepção
do", na qual se articula a teoria darwinista privilegiando
as categorias
de "mudança e
evolucionista da vida, o darwinismo, foi uma
das matrizes
básicas
do pensamento
de
adaptação" - e a das macromutações,
concebiVigotski.
das estas de uma maneira muito diferente da
pensada por de Vries e Morgan. Cf. Alberto
Nesse caso, quando Vigotski fala de Darwin,
Onna, "A origem das espécies",
em: E. H.
está se referindo a seu livro A o r ig e m d a s e s p é c ie s p o r m e io da s e le ç ã o n a tu r a l. No original
Flichman et al., eds., L a s r a íc e s y lo s fr u to s . T e m a s de filo s o fia
de I a c ie n c ia , Buenos Aires:
russo, Vigotski diz literalmente "luta pela vida",
como foi traduzido aqui. Darwin utilizou pouEUDEBA, 1998, p. 141-155.
1l. A evolução está constituída por dois processos
cas vezes a expressão s tr u g g le fo r life em toda
a sua obra; uma delas foi no título da li! edição
inseparáveis: a sobrevivência e a extinção. Na
opinião pública atual muitos fundamentalistas
de 1859 de A o r ig e m ... Mas nesse mesmo livro
Darwin começou a falar de "luta pela existênfalam da extinção como se esta fosse um procia" (cf. o título do Capo 3: s tr u g g le fo r e x is te n cesso à margem da evolução.
12. Ivan Petrovitch Pavlov (1848-1936)
foi um
c e ) . Atualmente,
todos os biólogos usam esta
última expressão.
fisiologista russo e soviético, um dos mais importantes da história da ciência. Em 1904, reAqui Vigotski designa um mesmo processo com
dois termos diferentes. Provavelmente
sob a
cebeu o Prêmio Nobel de Medicina por seus
influência das discussões realizadas no movitrabalhos sobre as glândulas digestivas. Em
1903, já tinha exposto publicamente as bases
mento operário da época sobre a possibilidade
de sua teoria sobre a atividade nervosa supede passar de uma formação social para outra,
rior, pela qual é mais conhecido, e que contimediante uma evolução gradual e sem violênnuaria desenvolvendo
o resto da vida.
cia ou por meio de uma revolução violenta,
13. A tradução correta do russo é diferente da traVigotski chama de e v o lu ç ã o as mudanças pedicional. U s lo v n i r e fie k s deveria ser traduzido
quenas e graduais e de r e v o lu ç ã o as grandes e
como "reflexo c o n d ic io n a l" e b e z u s lo v n i r e fle k s ,
drásticas. Naquela época, e a partir de Darwin,
como "reflexo in c o n d ic io n a l" . A tradição conconsiderava-se que a evolução biológica transsolidada de falar de reflexos in /c o n d ic io n a d o s
correra pela primeira via. Atualmente há um
nos levou a respeitar esse uso incorreto dos
consenso na comunidade
científica de que, a
rigor, o processo da evolução biológica é um SRQPONMLKJIHGFEDCBA
termos. Ninguém diz que Fulano é um amigo
58SRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
incondicionado,cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~ c o n d ic io n a l,
pois n ã o
nenhum a
c o n d iç ã o para seu comportamento amistoso. Ninguém diria tampouco que
um condenado foi solto em sistema de liberdade condicionada, mas c o n d ic io n a l, isto é, que
poderá conservar sua liberdade desde que c u m e x ig e
pra
com
c e r ta s c o n d iç õ e s .
14. Este breve parágrafo tem o propósito didático de ilustrar a exposição precedente, porém
Vigotski não esclarece se essa asserção é ou
não correta. No Capo 4, no subtítulo 'A atividade do processo educativo e seus participantes", ele explica por que essa concepção é errônea - e também irrealizável, pois o fim explicitado não pode ser 'obtido. Obviamente,
essa frase é uma variante da famosa expressão de Watson (1924): "Dêem-me uma dúzia
de crianças saudáveis, bem-formadas, e meu
próprio mundo específico para criá-Ias, e garanto que poderei pegar cada uma delas por
acaso e treiná-Ias para que se transformem
em qualquer tipo de profissional - médico,
advogado, artista, comerciante e também
mendigo e ladrão -, à margem de seus talentos, tendências, vocações e raças" (cf. J.
Watson, E l c o n d u c tis m o , Buenos Aires: Paidós,
várias edições). Essa exagerada concepção do
criador do comportamentalismo sobre a possibilidade de controle total e efetivo das variáveis que intervêm no desenvolvimento de uma
pessoa demonstrou estar errada. E não foi
preciso contar com 12 crianças, pois bastou
com os dois filhos de Watson: um deles se
suicidou e o outro tornou-se psicanalista.
\
SRQPONMLKJIHGFEDCBA
A s P rin c ip a is L e is d a
A tiv id a d e N e rv o s a S u p e rio r
(C o m p o rta m e n to ) d o S e r H u m a n o
.'
Outra forma de inibição são as denominadas in ib iç õ e s c o n d ic io n a d a s .
Se a inibição
A diversidade do comportamento animal
externa age muitas vezes, consecutivamente,
e as formas complexas dos reflexos condicioo reflexo perde sua ação inibidora. Por exemnados só podem ser entendidas se prestarmos
plo, se em cada caso há reflexo salivar à luz
atenção às leis de inibição dos reflexos. Comazul com uma batida, paulatinamente
esta
preende-se facilmente que algumas vezes a absdeixa de inibir o reflexo, e a salivação flui de
tenção de uma reação ou sua repressão podem
forma totalmente normal. Quando recorremos
ser condições essenciais da conduta. Geralmena um estímulo que perdeu sua força inibitória,
te, abster-se de reagir pode ser tão necessário
ou a um estímulo de força insuficiente, e realipara o comportamento quanto a própria ação.
zamos o experimento fazendo com que a luz
Suponhamos que um animal tenha se
azul, agindo sozinha, seja acompanhada pela
preparado para atacar, lançar-se sobre o inialimentação com carne, isto é, quando reformigo. Nesse caso, é muito importante que as
çamos o reflexo condicionado com o incondireações de temor e fuga sejam reprimidas ou
cionado, enquanto a luz azul acompanhada por
inibidas, para não perturbar o curso normal
um novo estímulo, como uma batida, não é
da reação de ataque. Em certos casos, a reacompanhada por esta, depois de certo tempo
pressão de um arco reflexo pode ser tão neceso golpe se transforma em inibição condicionasária biologicamente quanto sua realização.
da do reflexo salivar. Depois de ter combinado
Portanto, a inibição ou a repressão de certas
o reflexo com a ação da luz azul, ele será inreações costuma ser condição necessária para
terrompido. Isso [a inibição condicionada] dio curso correto de outras.
ferencia-se da inibição externa simples porque
A forma mais elementar de inibição é o
surge também no processo de ação da estrutucaso da denominadacbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
in ib iç ã o e x te r n a s im p le s .
ra complexa do ambiente, da mesma forma que
Se, no momento da ação de um reflexo condio reflexo condicionado, e porque se forma sob
cionado, o cão recebe um estímulo estranho
a influência das mesmas condições.
suficientemente intenso, a ação do reflexo se
Além da inibição externa, também existe
interrompe ou inibe. O novo estímulo desema in ib iç ã o in te r n a , que não está vinculada à
penha o papel de uma espécie de freio do reação de nenhum estímulo externo, mas aos
flexo. Assim, por exemplo, se o cão saliva deprocessos internos do sistema nervoso. O tipo
vido a uma luz azul, mas nesse momento ouvemais simples de inibição interna é representase um golpe forte, o reflexo salivar é inibido.
do pela extinção do reflexo condicionado.
Da mesma maneira são inibidas ou interromQuando se estimula de forma prolongada em
pidas no ser humano todas as reações diante
um cão
reflexo condicionado bem-elabode um disparo súbito, de um grito, etc.
rado, que .não é reforçado, por um estímulo
A S L E IS D E IN IB iÇ Ã O
E D E D E S IN IB IÇ Ã O
um
60
LlEV SEMIONOVICH
VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
incondicionado, ele começa pouco a pouco a
enfraquecer, a decrescer, como se se apagasse
e extinguisse; finalmente, ele será interrompido. Podemos nos convencer de que, nesse
caso, existe uma inibição do reflexo e não seu
total desaparecimento. Se permitimos que o
cão descanse ou repetimos .o experimento no
dia seguinte, o reflexo surge novamente.
A extraordinária utilidade biológica da
inibição interna se evidencia quando vemos
que ela protege o animal de um gasto infrutífero e inútil de energia, ajudando-o a gastáIa de forma econômica e prudente. Preserva
o animal de estabelecer vínculos condicionados equívocos e causais. ,P~de-se pensar
que o sonho não passa de uma forma muito
evoluída dessa universal inibição interna das
reações.
Não é menor o significado da inibição nas
reações no que se refere à diferenciação. Se um
reflexo condicionado a qualquer estímulo foi
criado no animal, ele reage a todos os estímulos similares. Por exemplo, se há um reflexo
condicionado à batida do metrônomo com uma
velocidade de 100 batidas por minuto, o animal também reage quando há 50 ou 200 batidas. No entanto, se as 100 batidas são reforçadas por meio de um estímulo incondicionado,
enquanto as outros não o são, o animal aprende a diferenciar. Ele aprende a discriminar com
exatidão os estímulos e reage apenas ao que
foi estabelecido: todos os outros são inibidos
internamente. Graças a esse mecanismo de diferenciação, é possível obter uma extraordinária especificação e precisão nos vínculos, a mais
sutil discriminação dos estímulos do ambiente
e a correlação de suas reações com as influências adequadas.
Esse mesmo mecanismo de inibição interna é encontrado nos reflexos de traço e nos
retardados. Podemos nos convencer disso da
seguinte maneira. Sabe-se que as inibições possuem uma força de retorno, isto é, se são aplicadas à inibição, inibem as inibições ou desinibem os reflexos. Quando elaboramos em nossa experiência um reflexo retardado ou de traço à luz azul, o cão não saliva imediatamente
depois que a luz tenha sido acesa. O reflexo
fica inibido durante algum tempo. No entan-
to, 'se durante esse intervalo agimos sobre o
cão com um estímulo estranho com força suficiente, como uma batida, o reflexo manifesta-se de forma imediata. A batida, que em
outro momento teria sido uma inibição para
todo reflexo condicionado, ao ser aplicada a
um reflexo inibido, inibe a inibição e desinibe
o reflexo.
Mediante um experimento de Pavlov podemos apreciar as formas complexas que o
comportamento pode adotar, conforme a diferente combinação de inibições e reflexos. Foi
elaborado em um cão o reflexo condicionado
à luz [L]. Ele secreta 10 gotas de saliva. Se
tocarmos uma nota musical [N] no piano enquanto esse reflexo atua, o reflexo é inibido
definitivamente. Se fizermos soar o metrônomo
[M], a ação do reflexo se restabelece, porém o
cão secreta apenas 4 gotas. Para explicar esse
fenômeno, vamos testar todas as combinações
possíveis desses três estímulos: um a um, dois
a dois, três a três. O mais cômodo é elaborar
uma tabela com os resultados do experimento, para que os três estímulos fiquem indicados por suas iniciais, enquanto o sinal de mais
denota sua ação combinada.
L = 10 gotas
N = O gota
M = O gota
L + N = O gota
L + N + M = 4 gotas
L + M = 6 gotas
N + M = O gota
A tabela mostra que a luz azul sozinha provoca 10 gotas. A nota e o metrônomo são
inibidores e não provocam nenhum resultado,
nem sozinhos nem combinados. A nota inibe totalmente o reflexo e o anula. O metrônomo como
estímulo da mesma ordem sonora, secundária e
mais fraca, só inibe parcialmente o reflexo e o
reduz a 6 gotas. Os três estímulos juntos provocam 4 gotas, e esse resultado é obtido através da
interação complexa dos três estímulos: a luz estimula 10 gotas, a nota inibe as 10, o metrônomo
inibe a inibição e desinibe as mesmas 4 gotas
que inibiu na ação conjunta com a luz.
P S IC O L O G IA
Por meio desse exemplo é fácil perceber
que, mesmo quando temos os três elementos,
ou seja, a luz, a nota e o metrônomo, o comportamento do animal pode adotar formas sumamente complexas e diversas de acordo com
as combinações e a estrutura desses elementos. Podemos imaginar facilmente a colossal
complexidade do comportamento do animal
sob a influência de um grande número de elementos que constituem a estrutura complexa
do ambiente real e que atuam durante muitos
anos sobre o organismo.SRQPONMLKJIHGFEDCBA
A P S IQ U E
E A REAÇÃO
A teoria dos reflexos condicionados permite considerar todas as formas do comportamento do ser humano como um sistema de reações adquiridas que se estruturam sobre as herdadas. Com uma análise cuidadosa, as formas
mais complicadas e sutis do psiquismo evidenciam sua natureza reflexa e permitem estabelecer que a psique também deve ser considerada uma forma da conduta particularmente
complexa.
Antes, os psicólogos afirmavam que os
fenômenos psíquicos eram algo isolado, único
na natureza, que não havia nada parecido com
eles e que eles se distinguiam radicalmente do
mundo físico. Ao mesmo tempo, diziam que
os fenômenos psíquicos não tinham existência
física, que eram inacessíveis à observação, e
mencionavam seu estreito vínculo com a personalidade, considerando que essa era a diferença essencial entre o psíquico e o físico. A
análise científica descobriu facilmente que as
formas mais sutis da psique sempre são acompanhadas de determinadas reações mataras.
Se considerarmos a percepção dos objetos, logo
perceberemos que nenhuma percepção ocorre
sem o movimento dos órgãos apropriados. Ver
implica realizar reações muito complicadas
com os olhos. Inclusive o pensamento sempre é acompanhado de movimentos reprimidos, em sua maior parte, por reações internas articulatórias, isto é, pela pronúncia rudimentar e embrionária de palavras. Se pronunciarmos uma frase em voz alta ou se somente a pensarmos, no segundo caso todos
P E D A G Ó G IC A
61
os movimentos são reprimidos e ficam enfraquecidos, e serão imperceptíveis para o olhar
do outro. Mas, essencialmente, tanto o pensamento quanto a fala em voz alta são reações mataras iguais, só que de diferente nível
e força.
Isso fez o fisiologista Sechenov' - pioneiro
da teoria dos reflexos psíquicos - afirmar que o
pensamento é um reflexo interrompido nas primeiras duas terças partes do reflexo psíquico.
É ainda mais fácil demonstrar a natureza reflexa sonora de qualquer sentimento.
Como se sabe, quase todo sentimento pode
ser lido no rosto ou nos movimento corporais
de uma pessoa. Tanto o medo como a ira são
acompanhados de modificações corporais tão
notáveis que, pelo aspecto de uma pessoa,
podemos inferir sem errar se ela está com
medo ou com raiva. Todas essas mudanças
corporais se reduzem a reações mataras dos
músculos (mímica e pantomima), a reações
secretoras (lágrimas, espuma na boca), a reações da respiração e da circulação (respiração ofegante, palidez).
Por último, a terceira esfera da psique, a
denominada "vontade", sempre está relacionada a determinados atos e, até mesmo na teoria
da psicologia tradicional, sua natureza matara
se evidencia. A teoria sobre os desejos e os
motivos, como fonte motriz da vontade, deve
ser entendida como a teoria sobre os sistemas
de estímulos.
Em todos esses casos temos os mesmos
fenômenos, essas mesmas reações corporais,
porém de formas infinitamente complexas. Por
isso, a psique deve ser compreendida como
uma forma particularmente complexa de estrutura do comportamento.
O COM PORTAM ENTO
E O COM PORTAM ENTO
A N IM A L
HUMANO
Para a ciência natural e contemporânea,
a comunidade da origem e da natureza do animal e do ser humano não constitui mais um
problema. Para a ciência, o ser humano é apenas uma espécie de animal superior, que dista
de ser definitiva. Do mesmo modo, também
no comportamento dos animais e o dos seres
62SRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
humanos têm muitos pontos comuns e podemos dizer que o comportamento
do ser humano desenvolve-se
a partir das raízes do comportamento
animal e, com muita freqüência,
não passa do "comportamento
de um animal
que adotou a posição vertical".
Em particular, os instintos e as emoções,
isto é, as formas de conduta hereditária, são tão
afins no animal e no ser humano que indicam,
sem nenhuma dúvida, a fonte comum de sua
origem. Alguns naturalistas não se sentem dispostos a estabelecer uma diferença essencial
entre o comportamentohumano
e o animal, e
reduzem toda a diferença entre ambos a um
diverso grau de complexidade e sutileza do sistema nervoso. Os partidários desse critério supõem que é possível explicar a conduta humana exclusivamente do ponto de vista biológico.
Entretanto, é fácil observar que isso não é
bem assim. Entre a conduta do animal e a humana existe uma diferença essencial. Toda a experiência do animal, todo o seu comportamento,
do ponto de vista da teoria dos reflexos condicionados, pode ser reduzido a reações hereditárias
e a reflexos condicionados. O comportamento do
animal pode ser expresso da seguinte maneira:
(1) reações hereditárias + (2) reações hereditárias x experiência individual (reflexos condicionados). O comportamento
do animal está composto dessas reações hereditárias, além das reações hereditárias multiplicadas pela quantidade
de novos vínculos que surgiram através da experiência individual. Mas é evidente que essa fórmula não abrange, nem sequer minimamente, o
comportamento humano.
Acima de tudo, no comportamento
humano - em comparação
com a dos animais observamos
a utilização
ampliada
da experiência das gerações
anteriores.
O ser humano não aproveita apenas a experiência dessas gerações na escala estipulada e transmitida pela herança física. Todos nós utilizamos
na ciência, na cultura e na vida a enorme
quantidade
de experiência
acumulada
pelas
gerações anteriores,
que não é transmissível
mediante a herança biológica. Em outras palavras, ao contrário dos animais, no ser humano existe uma história, e essa experiência
histórica, essa herança não-física, essa herança social, é o que o distingue do animal.
O segundo novo fator de nossa fórmula
será a experiência social coletiva, que também
constitui um novo fenômeno no ser humano.
Este não aproveita apenas as reações condicionadas estabelecidas
em sua experiência pessoal, como geralmente ocorre com os animais,
mas também os vínculos condicionados que se
estabeleceram
na experiência social de outras
pessoas. Para estabelecer
no cão o reflexo à
luz, em sua experiência individual, foi preciso
cruzar a ação da luz e da carne. Em compensação, o ser humano, em sua experiência cotidiana, utiliza as reações formadas na experiência alheia. Posso conhecer o Saara sem nunca
ter saído de minha cidade natal ou saber muito sobre Marte sem ter visto esse planeta sequer pelo telescópio. As reações condicionadas do pensamento
ou da fala em que se exprimem esses conhecimentos
não sé formaram
em minha experiência pessoal, mas na de pessoas que realmente estiveram na África e observaram Marte pelo telescópio.
Por último, a distinção fundamental do
comportamento
humano com relação ao do
animal são as novas formas de adaptação que
só aparecem no ser humano.
O animal vai se adaptando
passivamente, reage às modificações
do ambiente com
mudanças em seus órgãos e na estrutura de
seu corpo. Modifica-se para se adaptar às condições da existência. Em compensação,
o ser
humano adapta de forma ativa a natureza
para si mesmo. Em vez de modificar os órgãos, muda os corpos da natureza,
de tal
modo que eles possam lhe servir de ferramentas. Não reage ao frio deixando crescer um
longo pêlo defensivo, mas fazendo adaptações
ativas do ambiente [a si mesmo], mediante a
construção
de uma casa ou a confecção de
roupa, isto é, mediante a adaptação da natureza a si mesmo.
Segundo a definição de um pesquisador,"
toda a diferença entre o ser humano e o animal se reduz ao fato de que o homem é um
animal que produz ferramentas.
Desde a época em que o trabalho - no sentido humano da
palavra, isto é, a intervenção
planejada e racional do ser humano nos processos da natureza com o objetivo de regular e controlar os
processos vitais entre si mesmo e aquela -
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
63
tornou-se possível, a humanidade elevou-se a
um novo nível biológico e incorporou à sua
experiência algo novo, que era alheio a seus
antepassados e parentes animais.
É verdade que, também entre os animais,
encontramos formas rudimentares de adaptação ativa: os pássaros constroem seu ninho, os
castores constroem suas moradias, etc. Tudo
isso se assemelha à atividade laboral do ser
humano, mas ocupa um lugar tão pequeno na
experiência do animal que, em conjunto, é
incapaz de modificar as características da adaptação passiva. O mais importante consiste em
que, apesar de toda a aparente semelhança, o
trabalho do animal se distingue do trabalho
humano da forma mais taxativa e categórica.
Essa diferença foi destacada por Marx:
duplicação da experiência constitui a terceira
e última característica distintiva do comportamento humano.
Portanto, toda a fórmula do comportamento do ser humano, em cuja base se encontra a
fórmula do comportamento animal completado
com novos elementos, adotará o seguinte aspecto: (1) reações hereditárias, mais (2) reações hereditárias multiplicadas pela experiência pessoal
(reflexos condicionados), mais (3) experiência
histórica, mais (4) experiência social, mais (5)
experiência duplicada (consciência).
Portanto, o fator decisivo do comportamento humano não é só o fator biológico,
mas também o social, que confere componentes totalmente novos à conduta do ser humano. A experiência humana não é apenas
o comportamento de um animal que adotou
A forma como concebemos o trabalho pertena posição vertical," mas é uma função comce exclusivamente
aocbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ser hum ano.
Uma araplexa de toda a experiência social da humanha realiza operações que fazem lembrar as
nidade e de seus diferentes grupos.
de um tecedor, e uma abelha, com a construção das células de sua colméia, envergonharia mais de um pedreiro. Mas o que distingue
positivamente o pior dos pedreiros da melhor
abelha é que o primeiro modelou a célula em
sua cabeça antes de construí-Ia na cera. [K.
Marx, E l C a p ita l. C r ític a de la e c o n o m ía p o lítica ( D a s K a p ita l. K r itik d e r p o litis c h e n Õ k o n o m ie ) , t. I, vol. I, trad. e ed. de Pedro Scaron,
Buenos Aires: Siglo XXI, 1975, p. 216.]
AFORMAÇÃODASREAÇÓES
NO COMPORTAMENTO
Na verdade, o conceito de reflexo ou de
reação é abstrato e convencional. Quase nunca
encontramos o reflexo em sua forma pura. O
que existe na realidade são grupos mais ou
menos complexos de reflexos; na realidade objetiva só existem estes, e não reações isoladas.
A rigor, quando a aranha tece sua teia ou
A reação ou o reflexo isolado pode ser
a abelha constrói suas células, estão exercitanobtido no laboratório em um experimento com
do as mesmas formas passivas, instintivas e
uma
rã, por exemplo, mas nunca no homem.
hereditárias de comportamento que as outras
Neste, os reflexos estão vinculados entre si de
reações passivas. O trabalho do pior tecedor
modo constante e indissolúvel e, conforme o
ou pedreiro representa a forma ativa de adapcaráter e a estrutura de cada grupo, também
tação, porque é consciente.
se modifica o caráter do reflexo que entra em
Que é o caráter consciente da conduta
sua composição. Portanto, o reflexo não é uma
humana e qual é a natureza psíquica da consmagnitude constante, dada de uma vez por
ciência [ s o z n a n ie ] ? Essa questão constitui um
todas, mas uma magnitude variável; ele dedos mais difíceis problemas de toda a psicolopende do caráter geral da conduta em um degia e voltaremos a ela. Mas, de forma anteciterminado instante.
pada, podemos considerar que a consciência
Por esse motivo, o reflexo não é definido
deve ser entendida como uma das formas mais
como
uma propriedade constante de um órcomplexas de organização de nosso comporgão determinado, mas como uma função do
tamento, particularmente - como frisa Marx estado do organismo.
como certa d u p lic a ç ã o da e x p e r iê n c ia , que perJá encontramos o caso mais simples de
mite prever os resultados do trabalho e orienintervinculação
dos reflexos na inibição e
tar as próprias reações para esse resultado. EssaSRQPONMLKJIHGFEDCBA
64SRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
desinibição das reações, no qual vimos que os
reflexos podem se enfraquecer ou se reforçar
mutuamente, inibir ou estimular sua atividade recíproca.
Em seus estudos, Pavlov considerou necessário trabalhar também com exemplos mais
complexos, nos quais havia um conflito entre
dois reflexos. Durante o processo de experimentação, desenvolvia-se em alguns cães a denominada reação de alarme com relação ao
experimentador, isto é, uma impetuosa reação
agressiva do cão, que se exprimia mediante
latidos ameaçadores quando uma pessoa estranha entrava na sala. Es~a reação de alarme
sempre interrompia a ação do reflexo salivar
elaborada e interessou tanto os pesquisadores
que eles a tornaram objeto de um estudo independente.
Elaborou-se uma reação de alarme no cão
com relação a um dos experimentadores, bem
como uma reação alimentar (reflexo condicionado) à presença de outro, ante a palavra "sal[ k o lb a s k i] pronunciada por este e diante
sichas"cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
da visão do prato no qual o cão recebia as salsichas. Quando ambas as reações ocorriam de
forma simultânea, isto é, quando o segundo
experimentador entrava na sala durante o trabalho do primeiro, podia-se observar um quadro eloqüente de luta das duas reações. Percebeu-se que, à medida que se acrescentavam
estímulos à reação alimentar, a de alarme diminuía e se extinguia paulatinamente. Quando a pessoa aparecia na sala, o cão jogava-se
contra ela latindo furiosamente; no entanto,
quando pronunciava a palavra convencional,
os latidos diminuíam e ambas as reações pareciam se equilibrar. O cão não se lançava contra o recém-chegado, mas também não olhava
para ele. Por último, quando se mostrava o
prato, este provocava uma forte e evidente reação alimentar. "Os dois reflexos parecem ser
os dois pratos de uma balança", observa o acadêmico Pavlov. Basta reforçar a influência em
um prato para que ele se incline, ou reforçar o
outro para que ele triunfe. Quando levamos
em conta que todo reflexo, como diz Pavlov, é
limitado e regulado não só por outro reflexo
externo que age de forma simultânea, mas também por uma grande quantidade de estímulos
internos, químicos, térmicos e outros, e que
todos esses reflexos interagem constantemente, é fácil compreender toda a complexidade
do comportamento humano.
Para entender o mecanismo que torna
possível a coordenação dos reflexos, temos de
conhecer o princípio de luta pela via final, estabelecido pelo fisiologista inglês Sherrington."
Sua idéia consiste em que a conduta racional
só pode existir se houver certa regulação mútua dos diferentes reflexos; do contrário, o ser
humano não seria um organismo integral com
um único sistema de conduta, mas um conglomerado heterogêneo de órgãos separados, com
distintos reflexos completamente desconexos.
Há muito tempo os fisiologistas supunham que
no sistema nervoso existiam centros especiais
que inibiam e regulavam o curso dos reflexos. No entanto, pesquisas posteriores não
confirmaram essa suposição e demonstraram
que o mecanismo de coordenação dos reflexos e de integração dos mesmos ao comportamento integral do organismo é completamente diferente.
O que acontece é que no sistema nervoso
humano há uma quantidade incomensurável
de fibras perceptoras (aferentes), denominadas receptores, e fibras motoras (eferentes).
Os cálculos mostram que o número dos receptores é cinco vezes maior que o dos neurônios
eferentes. Por isso, cada neurônio motor não
está conectado apenas a outro, mas a muitos
receptores, ou até mesmo a todos. A estabilidade e a força dessa conexão podem variar,
mas determinou-se que [por exemplo], em caso
de intoxicação com estricnina, no ser humano
pode surgir um reflexo de q u a lq u e r n e r v o a
q u a lq u e r m ú s c u lo . Isso indica que cada aparelho [sistema] motor está ligado a diversos grupos de receptores, talvez a todos, e assim não
pode existir no organismo nenhum reflexo isolado e independente. A partir daí é possível
compreender que, entre os diferentes grupos
de receptores, pode-se iniciar uma luta sumamente complexa pelo campo motor geral, e o
desenlace dessa luta depende de muitas condições extraordinariamente
complexas.
O mecanismo de luta pelo campo motor é
precisamente o mecanismo de coordenação dos
reflexos; ele está na base da unidade da personalidade e do importantíssimo ato da atenção;
P S IC O L O G IA
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65
atravessando a porta, e a luta pela porta é
muito parecida a essa luta pela via final que se
trava sem cessar no organismo humano, que
dá ao comportamento
humano o trágico e
dialético caráter de luta incessante entre o
mundo e o ser humano e entre os diferentes
elementos do mundo dentro do ser humano.
o sistema de receptores relaciona-se ao sisteA correlação de forças modifica-se a cada
ma das vias eferentes como a larga boca superior de um funil com seu orifício de saída.
instante nessa luta, provocando uma mudança
Mas cada receptor está ligado a uma fibra
em todo o quadro do comportamento. Tudo nela
eferente e talvez a todas elas; a estabilidade
é fluido e mutável, cada minuto nega o anteridessa conexão costuma variar. Por isso, contior, cada reação passa a ser contrária, e todo o
nuando com nossa comparação com o funil,
comportamento em seu conjunto faz lembrar
diremos que todo ocbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s is te m a n e r v o s o é como
um embate de forças que nunca se detém.
esse agulheiro orienta nossa reação pelos trilhos do comportamento e, conforme observa
Sherrington, o comportamento do animal constitui uma série de sucessivas transições da via
final de um grupo de receptores para outro:
um funil, cujo orifício superior é cinco vezes
mais largo que o outro. Nesse funil estão situados os receptores que também parecem um
funil, com o orifício amplo dirigido para a extremidade de saída do funil geral, cobrindo-o
completamente.
Essa comparação nos permite imaginar a diversidade e multiplicidade das
zonas gerais do sistema nervoso central. Verificou-se que, em caso de intoxicação
com
estricnina, pode-se obter um reflexo em qualquer músculo do corpo a partir de qualquer
nervo aferente. Em outros termos, todo campo final está unido a todos os receptores do
organismo integral. Graças a esse princípio,
cria-se, a cada momento, uma unidade de
ação, que serve de fundamento
ao conceito
de personalidade;
portanto, a criação da unidade da personalidade
constitui uma tarefa
do sistema nervoso. A interferência dos reflexos heterogêneos
e a cooperação dos homogêneos, pelo visto, serve de base para o processo psíquico fundamental
da atenção. [Ch.
Sherrington, A s o s ia ts ia s p in o m o z g o v i r e fle k s o v
o
P R IN C íP IO
D O D O M IN A N T E
NO COM PORTAM ENTO
Nessa luta entre reações, o fator decisivo
não é só o combate pela via final, mas também
as mais complexas relações entre os diferentes
centros no sistema nervoso. A pesquisa experimental demonstrou que, quando algum forte foco de excitação predomina no sistema
nervoso, ele possui a propriedade de atrair para
si outras excitações que surgem no sistema
nervoso nesse momento, reforçando-se dessa
maneira.
Por exemplo, se uma rã, no momento do
reflexo do abraço, ou seja, no período de excitação sexual elevada, recebe um estímulo externo qualquer (ácido, corrente elétrica, uma
agulhada), o reflexo de abraço, em vez de enfraquecer, fica ainda mais forte. Diante de um
i p r in ts ip o v o b s c h ie g o p o lia ( A a s s o c ia ç ã o d o s
novo estímulo, desaparece a reação defensiva
r e fle x o s e s p in o - c e r e b r a is
e o p r in c íp io . da v ia
habitual. Do mesmo modo, os atos de degluc o m u m ) , em: U s p ie ji s o v r e m e n o i b io lo g u i ( C o n tição e defecação dos cavalos se reforçam com
q u is ta s da p s ic o lo g ia a tu a l) , Odessa, 1912.]5
estímulos externos. Uma gata isolada dos machos no período de cio reforça o reflexo básico
o acadêmico Pavlov compara o funcio- com relação a estímulos alheios, como o ruído
namento de nosso sistema nervoso central ao
de um garfo no prato, que geralmente lhe fatrabalho de uma central telefônica, em que se
zia lembrar comida.
fecha [forma] um número cada vez maior de
Durante os experimentos com rãs esclanovas conexões entre o ser humano e os elereceu-se que a excitação dominante no sistementos do mundo. Também seria adequado
ma nervoso central pode inibir todas as outras
comparar o sistema nervoso a uma porta esou desviar os reflexos, dando-lhes uma diretreita em um grande edifício ou teatro para a
ção totalmente nova. Esse papel dominante de
qual se precipita uma multidão de pessoas em
uma excitação intensa, que submete todas as
pânico. Muitas perecem e algumas se salvam SRQPONMLKJIHGFEDCBA
outràs, justifica seu nome de [ e x c ita ç ã o ] d o m i-
66
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
constituição
n a n te ; zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
todas as outras excitações são chamadas de s u b d o m in a n te s .
Tal experimento
demonstrou
que, quando se provoca artificialmente o dominante sensorial em uma rã, ela reage aos mais diversos
estímulos esfregando a pata intoxicada; todos
os reflexos orientam-se
para a zona da pele
ligada ao centro do dominante sensorial. Quando se provoca com estricnina o estímulo dos
centros sensoriais da pata traseira direita da
rã, com a irritação de todas as patas restantes
obteremos um reflexo defensivo, porém este
se dirige sempre à pata traseira direita, ainda
que a irritação com ácidoseja aplicada a qualquer outro setor da pele. Portanto, o dominante sensorial não interrompe os outros reflexos,
mas lhes dá uma direção completamente
nova.
Se for provocado o dominante
nos centros motores da mesma pata da rã, obtém-se
um efeito totalmente diferente. Quando se irrita com ácido diferentes zonas da pele, o reflexo que faz com que ela se esfregue sempre
se orienta para o lugar certo e exato da irritação, mas sempre reage primeiro a pata cujos
centros motores foram previamente
estimulados. Portanto, o dominante
motor predetermina a escolha do órgão reagente e condena
todos os outros ao atraso.
O princípio do dominante,
introduzido
pelo professor Ujtomski," é o princípio fundamental do funcionamento
do sistema nervoso,
que coloca sob a influência do reflexo predominante todos os outros reflexos dos diferentes órgãos e coordena sua atividade em uma
só direção.
Vimos anteriormente que o comportamento do ser humano representa apenas uma das
muitas possibilidades realizadas. Agora podemos definir o comportamento
como o dominante que triunfou, servido pelos reflexos subdominantes. Este princípio explica de onde provêm
a integridade e a unidade da conduta humana.
A C O N S T IT U iÇ Ã O
RELAÇÃO
DO SER HUMANO
EM
AO SEU COM PORTAM ENTO
A constituição do organismo humano com
as leis hereditárias
de seu comportamento
é o
primeiro fator biológico de nossa conduta. Na
do ser humano, do ponto de vista
de seu comportamento,
devemos diferenciar,
com relação aos três componentes
da reação:
(1) um aparelho
[sistema] receptor, (2) um
aparelho central [elaborador
ou processador]
e (3) um aparelho de resposta.
Funciona como aparelho receptor no organismo humano (campo exteroceptor)
todo
o sistema de órgãos especiais dos sentidos:
olhos, ouvidos, boca, nariz, pele, isto é, aparelhos especialmente
destinados
a perceber os
estímulos externos, a analisá-los e a transmitilos para os centros. Esses aparelhos possuem
nervos centrípetos, cuja missão é transmitir as
excitações ao centro. Esses nervos finalizam em
aparelhos terminais peculiares no cérebro, que
possuem uma função de análise. A totalidade
desse aparelho, que começa no órgão periférico e finaliza -se no aparelho terminal do nervo
sensitivo, foi denominada
acertadamente
pelo
acadêmico Pavlov de a n a lis a d o r , pois na verdade não tem outra tarefa senão analisar, decompor o mundo nos elementos mais sutis e
menores, e ajustar as reações do ser humano
às mudanças do ambiente.
Essa função analisadora, que permite que
o organismo estabeleça as mais complexas e
sutis relações com o mundo, constitui uma das
principais funções do córtex cerebral. As leis
fundamentais
de sua atividade são a irradiação e a concentração da excitação nervosa. Inicialmente, durante a elaboração do reflexo condicionado, o organismo também reage a qualquer estímulo similar. A excitação se difunde,
estende-se para as zonas contíguas, ir r a d ia - s e .
Paulatinamente,
ocorre a c o n c e n tr a ç ã o da excitação, isto é, sua convergência
em um setor
cada vez mais limitado e estreito, sua restrição a uma só zona. Enquanto a irradiação nos
permite compreender
de que maneira reagimos com um mesmo movimento a estímulos
similares e nos permite generalizar nossa experiência,
a concentração
esclarece de que
modo a especializamos
e detalhamos, como se
a conduzíssemos
com total exatidão rumo a
determinados
estímulos.
Essa mesma estrutura
está presente no
aparelho receptor interno, ou campo interoceptor, adaptado para perceber as excitações internas; ele está localizado nos tegumentos in-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
67
A segunda tese é que o campo propriocepternos, que forram por dentro as partes intertivo só pode ser estimulado de forma secundánas de nossos órgãos. Também está adaptado
ria pelas influências que chegam de fora, ou
para perceber excitações internas de tipo quíseja, através de sua própria reação. Em outros
mico, térmico, etc., procedentes das superfícies
termos, é possível haver uma reação circular
internas do corpo.
[krugovoi],7 que devolve ao organismo [inforEnquanto o primeiro aparelho nos permação sobre] sua própria reação e consiste de
mite perceber o mundo externo, o aparelho
seis momentos, ao contrário da habitual reainterno está adaptado para perceber os proção tríplice: (a) excitação [estimulação] extercessos orgânicos mais importantes que transna, (b) elaboração [processamento] central, (c)
correm dentro do organismo - no estômago,
reação, (d) excitação proprioceptiva, (e) elano intestino, no coração, nos vasos sangüíneos
boração [central] da excitação proprioceptiva
e em outros órgãos relacionados às funções
e (f) reforço ou detenção [enfraquecimento]
internas fundamentais.
Por último, o terceiroaparelho está comda primeira reação. Portanto, como cada reaposto pelo campo proprioceptivo, que percebe
ção informa sobre si mesma, o organismo tem
as reações próprias do organismo, graças às
a possibilidade de regular e orientar o curso
das reações.
excitações periféricas que surgem nos músculos, nas articulações, nos tendões, etc.
A terceira tese é de que os reflexos do
O organismo pode conhecer suas próprias
campo proprioceptivo podem estabelecer as
reações mediante os dois primeiros aparelhos,
mesmas relações com os outros reflexos, como
sempre que o resultado de sua reação o influocorre com os demais. Eles podem exercer soencie, através do campo extero ou interoceptor.
bre estes a mesma ação enfraquecedora e
reforçadora, desviá-los e orientá-los.
Por exemplo, o reflexo salivar atua através do
aparelho perceptivo como qualquer estímulo
Na constituição do ser humano, o apareexterno, mas também pode atuar através do
lho de elaboração [processamento] está forcampo receptivo interno se ocorrerem determado pelas partes centrais do sistema nervominadas mudanças nos órgãos internos. Nesso, isto é, a medula espinhal e o cérebro. A
se caso, a reação é percebida de forma análomedula espinhal representa, no aspecto genético [histórico, filo genético ], um produto de
ga a partir do mundo externo e dos processos
orgânicos próprios [internos].
origem mais precoce e, por isso, as funções
mais primitivas e inferiores estão vinculadas a
Mas também existe um aparelho especial,
ela. Em particular, na medula espinhal e nos
similar aos dois primeiros em sua estrutura,
que alimenta todos os órgãos efetores do corcentros subcorticais estão localizados todos os
po e cuja única função é a percepção das moreflexos hereditários e situados todos os centros motores. O córtex cerebral é uma espécie
dificações periféricas que acompanham a reade supra-estrutura" do sistema nervoso central
ção. Se as mãos e os dedos de um homem com
e, na verdade, não possui uma conexão indeos olhos fechados forem colocadas de certa
pendente com a periferia do corpo, à margem
maneira, ele sempre pode se dar conta da podos centros subcorticais. Podemos cornpará-lo
sição de ambos graças às sensações motoras
a um assento e recipiente de todos os reflexos
internas ou cinestésicas do campo propriocondicionados.
ceptivo.
Na medula espinhal localizam-se a expePara compreender tudo o que está relacionado à psique, é sumamente importante perriência hereditária e as reações hereditárias,
ceber e lembrar três teses. A primeira é que o
isto é, os nexos que se formam na experiência
[biológica] da espécie; por outro lado, o córtex
campo proprioceptivo
está estruturado
da
cerebral é o órgão da experiência pessoal do
mesma forma que os demais campos. Em ouindivíduo, o campo das reações condicionadas."
tras palavras, o ser humano conhece seus próComo não possui funções motoras, ele realiza
prios movimentos devido ao mesmo mecanisapenas funções de detenção e de aumento de
mo graças ao qual percebe o mundo externo.SRQPONMLKJIHGFEDCBA
68SRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
complexidade,
abrindo novos caminhos e estabelecendo novos nexos condicionados.
Com relação a isso, [o córtex cerebral]
está estreitamente
vinculado a todo o aparelho receptor, representando
a mais sutil projeção de todo esse aparelho, que chega a se excitar quando são excitados os pontos correspondentes na periferia do corpo. Essa primeira
função é chamada de analisadora,
pois tem a
tarefa de dividir o mundo, da maneira mais
sutil possível, em seus elementos componentes para que seja possível estabelecer os nexos
mais finos entre o organismo e o ambiente.
A outra função - não" menos importante
- desse aparelho [sistema] consiste na atividade sintética ou de fechamento do córtex cerebral, que reside em estabelecer
e "fechar"
[formar] novos nexos sob a forma de reflexos
condicionados.
Com essas duas atividades se
esgota de forma considerável o funcionamento do aparelho
elaborador.
De acordo com
Pavlov, pode-se comparar [tal aparelho] com
uma central telefônica em que, de forma ágil e
flexível, ocorre o "fechamento" e a "abertura"
temporal instantânea de todos os novos nexos
possíveis; por isso, ele representa
a riqueza
inesgotável e a diversidade de formas de comportamento; a infinita e inesgotável variedade
de todas as combinações possíveis de um imenso número de elementos diferentes. Graças a
isso, a conduta humana não acaba sempre em
determinadas formas estereotipadas,
mas apresenta uma quantidade
totalmente
imprevisível de possibilidades,
que não podem ser calculadas de antemão.
Nesse aparelho elaborador também ocorre a mesma luta pela via final que, como já
vimos, é o regulador fundamental
de todo o
comportamento.
Aqui se produz a fusão das
excitações em um só sistema geral de comportamento. Portanto, a função de coordenação
dos reflexos no sistema do comportamento
também reside aqui. O próprio fechamento
[formação] do reflexo condicionado
depende
diretamente
de todos esses processos.
É curioso observar que esse fechamento
constitui um caso particular do processo do dominante. A rigor, se examinarmos
com atenção o mecanismo do reflexo condicionado, perceberemos facilmente
que este representa
o
conflito entre duas excitações, como a carne e
a luz no exemplo mencionado. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que as excitações
condicionadas,
tanto a luz como o som, também provocam sua reação; por exemplo, a reação de orientação-pesquisa
dos olhos e da cabeça, o reflexo das pupilas, etc. Cabe perguntar por que o reflexo condicionado
à carne forma-se com a luz e não o contrário, isto é, por
que, como resultado da ação conjunta da carne e da luz, o cão começa a salivar ante a luz e
não produz o reflexo de olhos e pupilas ante a
carne. É evidente que aqui existe um conflito
entre dois reflexos. Nesse caso, o mais forte é
o alimentar e salivar, que possui a capacidade
da [excitação] dominante: atrair para si e adiar a excitação mais fraca.
Ainda nos resta examinar o aparelho de
resposta na constituição do ser humano. Esse
aparelho representa
os sistemas de todos os
órgãos, dos músculos e dos tendões para as
reações motoras, do coração e dos vasos sangüíneos para as reações somáticas e das glândulas de secreção interna e externa para as
reações secretoras. Tudo isso, considerado de
forma global, é o aparelho [sistema] efetor, o
executor de trabalho do organismo. Com relação a cada parte desse aparelho refletor cabe
dizer o mesmo que foi dito com relação a cada
músculo. Assim como cada um dos músculos
está ligado a todo um grupo de receptores,
qualquer grupo de células perceptoras pode
tomar cada um dos efectores dos órgãos motores, circulatórios
ou secretores.
Em outros
termos, cada órgão pode reagir a qualquer excitação e representa,
assim como os músculos, conforme uma expressão de Sherrington,
"um cheque ao portador"
[Ch. Sherrington,
ibid., p. 23.)
Durante o estudo desse aparelho, iremos
nos deter particularmente
na atividade das
glândulas de secreção interna do organismo
do ser humano e dos animais. Há muito se
descobriu que existem corpos glandulares peculiares que, por sua construção,
são muito
parecidos com as glândulas comuns, como a
salivar e outras; eles se distinguem destas pelo
fato de não possuir um conduto excretor externo, fato que, até recentemente,
impedia o
estudo de sua secreção.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
69
Durante muito tempo, a missão dessas
mação dos ossos. Assim, o aumento [da secreção] da hipófise provoca gigantismo, isto é, um
glândulas continuou sendo enigmática e increscimento anormalmente
grande e o desencompreensível,
e só nas últimas décadas o savolvimento excessivo de algum órgão. Por ouber científico começou a se aproximar da elutro lado, a extirpação da hipófise geralmente
cidação dessa questão tão complexa na constiestá ligada ao nanismo.
tuição do ser humano. Graças à pesquisa de
Além disso, descobriu-se que a castração,
casos patológicos, em que a falta ou a hiperou seja, a extirpação das glândulas sexuais, matrofia de alguma glândula tinha provocado
determinadas
modificações ou declinação de
nifesta-se imediatamente
em toda a estrutura
funções; graças ao estudo da ação medicinal
do corpo. Nos homens, a voz se torna mais
de alguns preparados
dessas glândulas, que
aguda e se assemelha à voz feminina, a barba
desaparece
e todo o corpo começa a adotar
restabeleceram
essas funções; e, por último,
uma
aparência
feminina. No último período,
graças à extirpação experimental ou ao enxerto dessas glândulas no ser' humano e nos anicomo resultado
dos experimentos
de Steinach,'? Voronoff," Zavadovski"
e outros, foi
mais, foi possível determinar que elas vertem
possível estabelecer
experimentalmente
dois
sua secreção diretamente no sangue e, por isso,
decidiu-se
chamá-Ias de sangüíneas,
endófatos notáveis relacionados
à secreção interna. O primeiro é a dependência
de todo o cacrinas ou incretoras, ou glândulas de secreção
interna.
ráter sexual do corpo humano da secreção interna das glândulas sexuais. Nos experimenExistem também glândulas que têm dutos, um galo castrado recebeu um enxerto de
pla função, possuindo simultaneamente
secreção interna e externa. Entre elas figuram, por
glândula sexual de galinha - ou o contrário -,
exemplo, as glândulas sexuais e o pâncreas.
obtendo-se por via experimental
uma mudanAinda não se pôde estabelecer em que consisça de sexo. Esse galo foi perdendo todas as suas
te a secreção dessas glândulas, e os produtos
características
sexuais (secundárias):
a voz, a
de sua secreção são chamados convencionalcrista, a cauda, os esporões e o próprio carámente de hormônios (da palavra grega ópudco
ter, e ficou muito parecido com uma galinha.
[ormao], que significa "eu estimulo").
O processo inverso também foi realizado, e
Sua denominação demonstra que a secreuma galinha foi transformada
em galo. Dessa
ção interna é sumamente
importante
para a
maneira foi possível estabelecer a dependênatividade de todo o organismo. Determinoucia direta absoluta entre toda a estrutura do
se que as pessoas que nascem com glândulas
corpo do animal e seu caráter, por um lado, e
tireóides deficientes e são completamente
nora secreção interna das glândulas sexuais, pelo
mais em todos os outros aspectos, padecem de
outro; verificou-se então que tudo o que denocretinismo congênito; mas, quando se enxerta
minamos masculino e feminino, tanto na esa glândula tireóide nessas pessoas, sua saúde
trutura
corporal
quanto
no caráter
e no
psiquismo,
está condicionado
pela secreção
se restabelece.
O mesmo sucede com os animais cuja tireóide é extirpada imediatamente
interna das glândulas sexuais."
após seu nascimento; no entanto, se forem aliO segundo fato, não menos notável e rementados com glândula tireóide alheia, a dolacionado ao primeiro, foi a demonstração da
ença cede paulatinamente.
No entanto, um dedependência
direta que existe entre a secresenvolvimento
desmedido da tiróide, enconção das glândulas sexuais e todas as variadas
trado em certos tipos de doenças, provoca um
modificações do organismo e do espírito, que
metabolismo
sumamente
acelerado e leva a
chamamos de velhice. Há muito tempo se observava que a idade e o sexo do ser humano
uma combustão rápida e ao esgotamento
do
passam por uma espécie de ondas paralelas em
organismo. A extirpação das paratireóides provoca o surgimento
de convulsões mortais. A
seu desenvolvimento,
mas só ultimamente foi
possível demonstrar
que a velhice é resultado
anormalidade
de outra glândula, [que é uma
espécie de] apêndice do cérebro, a hipófise,
da interrupção do ingresso dos hormônios seinfluencia o crescimento, a magnitude e a for-SRQPONMLKJIHGFEDCBA
xuais no sangue. Nas célebres experiências de
70
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Steinach, enxertou-se glândula sexual de um
animal jovem em um animal velho e decrépito
e, quando a glândula começava a verter sua
secreção no sangue, verificava-se um rápido e
evidente efeito de rejuvenescimento. O animal
recuperava forças, a decrepitude desaparecia,
seu pêlo começava a crescer, seus olhos apagados começavam a brilhar e ele começava a
viver uma "segunda juventude". Foram obtidos efeitos exatamente iguais de rejuvenescimento no ser humano, mas nesse caso a operação consistia em regular o funcionamento da
glândula sexual no sentido de aumentar sua
secreção interna.
Essa revisão nos permite constatar que
fenômenos como o crescimento e a estrutura
do corpo, o tamanho e a forma dos órgãos, as
peculiaridades sexuais do corpo e da psique, a
idiotice e o grau de consciência, todas as particularidades evolutivas do ser humano, que se
manifestam tanto nos aspectos corporais quanto nos espirituais, dependem da secreção interna. A natureza e essência dessa dependência não foram definitivamente elucidadas até
agora, mas com o estado atual dos conhecimentos científicos podemos considerar indiscutível que a química do sangue desempenha
um papel decisivo. Graças à secreção de
hormônios ocorre a mudança do estado químico do sangue, e isso modifica de forma substancial todos os processos do organismo, inclusive os nervosos. Portanto, todos os processos vitais do organismo dependem diretamente da composição química do sangue, e as glândulas de secreção interna são, fundamentalmente, as reguladoras dessa química.
Isso pode ser esclarecido de forma muito simples e convincente. Todos conhecem a
maravilhosa influência que as drogas exercem
sobre o organismo: uma pequena dose de álcool é suficiente para modificar completamente a consciência, o pulso, a respiração, a percepção do mundo, o estado de ânimo, os sentimentos e a vontade. Por esse motivo as drogas têm sido bastante utilizadas, em todas as
épocas, para provocar artificialmente algumas
mudanças no corpo [e na psique]. A morfina
e o ópio, a cocaína e o éter, em diferentes formas, mudam nossa consciência e, ainda que
exerçam uma ação destrutiva sobre o orga-
nismo, \~vam o ser humano a um mundo tão
mágico
fantástico, possuem uma capacidade tão fa losa de modificar nossos sentimentos, estado anímico e percepções, toda a nossa experiência terrena, que, por isso, elas têm
sido a fonte inspiradora de fabulações em todo
o mundo." Mas o que ocorre em todos esses
casos de intoxicação do organismo com uma
droga? Como é fácil perceber, ocorre apenas
uma coisa: algumas novas substâncias tóxicas se introduzem no sangue, modificando primeiro sua composição química e, depois, também, o caráter de todos os processos - em
primeiro lugar os nervosos - dos quais nosso
comportamento depende.
Algo semelhante sucede com as glândulas de secreção interna; ao agir sobre a composição química do sangue, elas também regulam o curso dos processos nervosos e contribuem para produzir modificações essenciais
em nossa psique. O ser humano possui no sistema de secreção uma espécie de drogaria permanente, que estimula e intoxica o organismo
com hormônios de diversos tipos. Ao mesmo
tempo, as glândulas de secreção interna não
constituem algo disperso, nem são independentes umas das outras. Pelo contrário, estão unidas em um sistema harmônico cuja presença
se estabeleceu sem sombra de dúvida, embora
até agora não tenha sido elucidado exaustivamente. Não há dúvida de que as glândulas influenciam umas às outras através do sangue,
que dispersa os hormônios por todo o corpo e,
por isso, é o melhor mensageiro no organismo. Os hormônios de uma glândula excitam
ou inibem outra glândula e, depois de uma luta
prolongada e complexa, vai se estabelecendo
no organismo um sistema peculiar de equilíbrio e interação da secreção interna, de acordo com a presença dos diferentes hormônios.
Ao mesmo tempo, o sistema hormonal ou
de secreção depende intimamente e está ligado aos outros sistemas unificados do organismo, isto é, o circulatório e o nervoso. O nexo
com o circulatório é perfeitamente evidente,
pois constitui o meio que distribui os hormônios
por todo o corpo, influenciando até os pontos
mais afastados do mesmo. Em outras palavras,
o sistema hormonal exerce sua influência através do sistema circulatório, ~ assim retornamos
P S IC O L O G IA
ao antigo critério sobre o sangue como sendo
o autêntico assentamento da alma e da vida.
Na Antigüidade, o ser humano acreditava que
o sangue era a alma, e a ciência atual começa
a pensar que os processos químicos do sangue
determinam nossa conduta. É oportuno destacar aqui outro vínculo existente entre o sistema hormonal e o nervoso. Diz Weil:
o sistema
nervoso domina tanto os outros órgãos do corpo quanto as glândulas endócrinas;
por outro lado, os hormônios podem provocar influência tanto nas terminações periféricas dos nervos quanto rios centros nervosos."
P E D A G Ó G IC A
71
totalmente correta a observação de um cientista norte-americano:
o
ser humano não pensa apenas com cJ cérebro, mas mediante a atividade coordenada e
rigorosamente determinada
pelo conteúdo de
seu crânio, combinada com todas as glândulas de secreção interna.
Finalmente, a última conseqüência derivada da teoria da secreção interna consiste em
uma conclusão sumamente instrutiva para os
psicólogos: o físico e o psíquico, a matéria e o
espírito, a estrutura do corpo e o caráter são
processos intimamente entrelaçados, e não se
justifica sua separação. Pelo contrário, transforma-se em premissa básica da psicologia a
hipótese sobre a unidade de todos os processos que transcorrem no organismo, sobre a
unidade entre o psíquico e o corporal e sobre a
falsidade e a impossibilidade de delimitá-los.
A teoria sobre a secreção interna destaca justamente um dos mecanismos psicofísicos que
realiza essa unidade.
Enquanto o sistema secretor constitui
uma parte do aparelho de resposta de nossa
conduta, que depende do mesmo, é evidente
que outras funções do organismo, como o crescimento, a atividade sexual, a forma e a dimensão das partes do corpo, dependem do sistema nervoso, isto é, da psique; por outro lado,
a psique depende da atividade de secreção interna. A unidade entre psíquico e físico não
aparece tão claramente em nenhum outro lugar quanto na teoria sobre a secreção interna.
Essas glândulas também são capazes de
transmitir uma excitação ao centro e receber
deste impulsos efectores, como qualquer músculo. Nesse sentido, elas fazem parte do aparelho de resposta do sistema nervoso, pois estão sujeitas a todas as leis da formação e reforço dos reflexos condicionados. Os experimentos têm mostrado que, se uma ação transcorre em resposta a uma irritação química
interna, o reflexo condicionado pode se fechar [formar] a partir desta. Por exemplo,
quando colocamos um rato em uma caixa de
vidro dividida em três partes, estando o rato
e o alimento em partes extremas, a corrida
do rato em busca da comida é condicionada
pelo chamado "sangue faminto", isto é, pela
mudança de sua composição química. Se o
experimento for combinado com o som de
uma campainha, como resultado de uma série de repetições, o rato aprende a correr só
quando ouve a campainha, ainda que não
exista o estímulo do "sangue faminto?', porNOTAS
que ele comeu minutos antes. Verifica-se assim que o excitante químico interno também
1. Sylvia Scribner e Michael Cole acertaram quannão está isolado do mundo externo, mas foi
do afirmaram que o aparecimento
de três liincorporado como parte do funcionamento
vros, por volta de 1860, assentaram as bases
geral do sistema nervoso.
A o r ig e m
para um estudo científico da psique:cbaZYXWVUTSRQPONM
Embora o sistema nervoso influencie o
d a s e s p é c ie s , de Darwin, E le m e n to s de psicofisica,
horrnonal, não é menos evidente a influência
de Fechner,
e Os r e fle x o s do c é r e b r o , de
inversa dos hormônios sobre o cérebro. Já desSechenov. Ivan Michailovitch Sechenov (1829tacamos como são importantes as modificações
1905) foi um fisiologista russo que afirmou que,
que ocorrem no sistema nervoso e na conduta
na base dos processos psíquicos, existem proquando ocorre o desaparecimento de uma glâncessos fisiológicos que podem ser estudados
com métodos científicos objetivos. Segundo ele,
dula. O cérebro influencia o sistema hormonal
todos os atos da vida são reflexos. Devido à
e, através deste, é influenciado. Por isso, estáSRQPONMLKJIHGFEDCBA
72SRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2.
3.
4.
5.
sões desse texto, que também faz parte da
censura czarista, sua teoria foi publicada na
m a g n u m o p u s de Sherrington:
T h e I n te g r a tiv e
M e d itforma de artigos, na revista quinzenalcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s in s k i V e s n ik [ N o tic iá r io de M e d ic in a ] , nl! 47 e
A c tio n
o f th e N e r v o u s
S y s te m ,
Nova York:
Scribner, 1906, Lição [Cap.] IV. Silverman su40. Em 1866, finalmente pôde ser publicado o
primiu totalmente tal citação na edição nortelivro R e fle k s i g o lo v n o g o m o z g a [ O s r e fle x o s do
americana
(cf. L. S. Vygotsky, E d u c a tio n a l
c é r e b r o ] , com uma advertência da censura, que
P s y c h o lo g y , Boca Ratón: St. Lucie Press, 1997,
praticamente
o excomungava.
Posteriormenp.35).
te, Sechenov descobriu outros importantes fe6.
O príncipe Aleksei Alekseievtich
Ujtomski
nômenos da atividade nervosa superior: os pro(1884-1942) foi um fisiologista russo e soviécessos bioelétricos cerebrais, a importância da
tico que, contemporaneamente
a Nikolai
inibição, etc.
Aleksandrovitch
Bersnshtein
- colega de
Vigotski refere-se a Benjamin Franklin (1706Vigotski no Instituto de Psicologia, trabalhou
1790), político fundador dos Estados Unidos,
fu n c io n a is .
r. M.
na teoria
dos s is te m a s
físico e inventor - devemos a ele o pára-raios e
as lentes bifocais. Certamente, Vigotski refereSechenov e N. E. Vvedienski - os sucessivos
diretores do Departamento
de Fisiologia da
se a Franklin v ia Marx, que cita a expressão de
Universidade de Petrogrado - treinaram e proFranklin que define o ser humano como um
to o l- m a k in g a n im a l no volume I de O c a p ita l.
moveram Ujtomski. Quando Vvedienski morEntretanto, ainda que a fabricação de ferrareu, em 1922, Ujtomski herdou seu posto. Admentas desempenhe um papel essencial no ser
mirador de Sherrington,
Ujtomski sempre foi
humano, os animais também fabricam e usam
abertamente
religioso e, em suas aulas de
ferramentas. A rigor, a verdadeira diferença enneurofisiologia,
falava de Deus e da alma. Foi
tre animais e seres humanos é que estes são os
o criador da categoria de [ e x c ita ç ã o ] d o m in a n te , palavra e noção que reconhecia publicamende s e g u n d o
únicos que fabricam fe r r a m e n ta s
g r a u , como Jrustov
estabeleceu
(cf. H. F.
te que tinha tomado
do filósofo alemão
Jrustov, "Formation and Highest Frontier of the
Avenarius, cujo idealismo filosófico Lênin criImplemental Activity of Anthropoids", em: V I I
ticara
duramente.
Apesar
de tudo isso,
I n te r n a tio n a l C o n g r e s s o f A n th r o p o lo g ic a l
and
Ujtomski gozou de admiração e reconhecimenE th n o lo g ic a l S c ie n c e , Atas, Moscou, 1964). Uma
to durante a etapa mais repressiva do stalinisferamenta de segundo grau é a utilizada para
mo e até sua morte. Vigotski se referiu à categoria de dominante em diversos textos, como
fabricar o u tr a ferramenta - a de p r im e ir o g r a u .
Por exemplo, um chimpanzé toma um galho,
A p s ic o lo g ia da a r te , escrito na mesma época
arranca suas folhas e o introduz em um forque o presente livro. Cf. A. A. Ujtomski, "O domigueiro para caçar formigas; ele fabricou
minante como princípio da função do sistema
uma ferramenta de primeiro grau. No entannervoso central", R u s k i F is io lo g u ic h ie s k i Y u r n a l
[ R e v is ta de F is io lo g ia R u s s a ] , n- 6, p. 1-13, 1923;
to, os macacos nunca poderão afiar uma pedra para descascar o galho com ela. Esse limie A. A. Ujtomski, "Dorninanta
i Integralni
te na capacidade de abstração existe em toObraz", V r a c h e b n a ia G a z ie ta [ G a z e ta M é d ic a ] ,
nl! 2, 1924; esses dois artigos são citados por
dos os animais.
Vigotski no vol. I de suas O b r a s ... op. cito
Em "O significado histórico da crise ... '', op. cit.,
7. Vigotski e seus contemporâneos
referiam-se
para referir-se a essa noção biológica do ser
ao sistema d e fe e d b a c k . Ele diz que uma "reahumano, Vigotski utiliza a expressão usada por
ção circular" está composta por a, b e c, e tamPlatão em suas D e fin iç õ e s : b íp e d e s e m p e n a s .
[Sir] Charles Scott Scherrington (1857-1952)
bém por d, e e f, incluindo assim a r e tr o a lifoi um dos mais importantes fisiologistas inEsse conceito
será mantido no
m e n ta ç ã o .
Vigotski maduro (cf. o verbete "reação circugleses. Ele criou as bases para uma compreenlar"em: B. E. Varshava e L. S. Vigotski, P s ijo lo são integradora do sistema nervoso. Em 1932,
recebeu o Prêmio Nobel de Medicina.
g u ic h ie s k i
S lo v a r [ D ic io n á r io de P s ic o lo g ia ] ,
Em sua citação, Vigotski não oferece nenhum
Moscou: GIZ, 1931, p. 94). A noção de "readado sobre a referência. Usa a versão russa do
ção circular" provém do psicólogo norte-ametrabalho de Ch. Sherrington, "The correlation
ricano J. M. Baldwin (1861-1934),
que estuof spinal-brain reflexes and the principle of the
dou com Wundt. Baldwin foi um importante
common path", de 1904. Existem várias verreferencial na obra de Vigotski.
P S IC O L O G IA
8. No léxico de Vigotski é evidente a presença de
numerosas palavras como essa, próprias do
léxico de Marx; muitas delas foram criadas pelo
próprio Marx.
9. Essa frase é imprecisa e está incompleta. A
medula herda funções biológicas mais primitivas que o córtex cerebral, que não passam de
meros reflexos elementares.
Nos organismos
que possuem cérebro, os instintos e qualquer
programa incondicionado de conduta terão sua
fase biológica no córtex cerebral e/ou nos núcleos cinzentos subcorticais. Naturalmente,
o
córtexcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ta m b é m é o suporte biológico dos programas aprendidos
de comportamento.
Nos
organismos sem cérebr6 sua base se encontra
nas zonas mais novas do sistema nervoso, as
governantes,
que surgiram
no processo
filogenético de telencefalização.
10. Eugen Steinach (1861-1944) foi um fisiologista
austríaco que estudou a possibilidade de mudança de sexo em mamíferos mediante a extirpação
e o transplante das glândulas sexuais. Ele também pesquisou os processos de rejuvenescimento no ser humano.SRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 1 . Serge Voronoff (1966-1951)
foi um médico
russo é m ig r é . Diretor do Laboratório de Cirurgia Experimental do College de France, tornouse conhecido por seus estudos sobre o rejuvenescimento do ser humano mediante enxertos
de glândulas de macaco.
12. Boris Michailovitch Zavadovski (1985-1951)
foi um biólogo soviético que trabalhou com a
metodologia da biologia e com a fisiologia do
sistema endócrino.
13. Atualmente,
essas afirmações só podem ser
consideradas válidas para os animais, não para
os seres humanos. Segundo as atuais pesqui-
P E D A G Ó G IC A
73
sas, a ação hormonal determina aspectos da
constituição corporal, porém n ã o in flu e n c ia o
caráter ou a psique humana no tocante à id e n tid a d e s e x u a l (cf. a nota n 8 do Capo 16).
14. Quando Vigotski diz que os estados alterados
de consciência originaram "fabulações", em geral ele se refere aos acontecimentos de caráter
sobrenatural das mitologias religiosas. O uso de
substâncias alucinógenas era muito difundido
nos primeiros rituais religiosos - o Oriente próximo e o México são um exemplo disso. As alucinações eram interpretadas
como fenômenos
sobrenaturais,
alheios à "nossa experiência
terrena", como diz Vigotski. Nas mitologias religiosas, esses fenômenos são descritos com as
mesmas características das alucinações visuais
ou cinestésicas - causadas por essas substâncias psicodislépticas - e não tanto das auditivas.
De acordo com John Allegro, o especialista em
assuntos bíblicos que integrou a comissão internacional de tradução dos escritos do Mar
Morto, muitas descrições de episódios bíblicos
coincidem com os efeitos alucinógenos do "cogumelo sagrado" A m a n ita m u s c a r ia , cujo uso
nos rituais religiosos das primeiras seitas judaicas e cristãs é evidente mediante uma análise
filológica (cf. J. M. Allegro, D r o g a , m ito y c r is tia n is m o [ T h e e n d o f a r o a d ] , trad. de A. Llanos,
Buenos Aires: Rescate, 1985.)
15. Vigotski refere-se ao livro do pesquisador alemão Arthur Weil, D ie in n e r e S e k r e tio n : e in e
E in fü h r u n g fü r S tu d ie r e n d e
u n d A r z te [A secreção interna: uma introdução para estudantes
e médicos], Berlim: Springer, 1921. Na edição
norte-americana
do presente livro, o sobrenome do pesquisador foi grafado erroneamente
"Weyl".
Q
Os Fatores Biológico
e Social da Educação
VUTSRQPONMLKJIHGFE
D e tu d o
o que
fo i d ito
a n te s ,
e x tra ir c o n c lu s õ e s p s ic o ló g ic a s s u m a m e n te
p o rta n te s
c o m re la ç ã o
d o p ro c e sso
ta m e n to
rid a d e s
a o c a rá te r
e d u c a tiv o .
hum ano
d e s e n v o lv im e n to .
V im o s q u e o c o m p o r-
e s o c ia is d e s e u
d a s re a ç õ e s
o o rg a n is m o
não
que
q u a n to
n o a n tig o
e n a in s titu iç ã o
g in á s io ,
p a ra
s a ir e
P o r is s o ,
a
m in a d o
te m p o ,
p e la e s tru tu ra
o rg a n is m o
é e v id e n te
c re sc e
que
é to ta lm e n te
d o a m b ie n te
esse
d e te r-
no qual o
e s e d e s e n v o lv e .
P or esse
m o tiv o , to d a e d u c a ç ã o te m in e v ita v e lm e n te
c a rá te r
novas
re a ç õ e s
p ria e x p e riê n c ia .
v ín c u lo
q u e o c o rre u
em
sua
s o a l. P o r is s o , a e x p e riê n c ia
cando
tra n s fo rm a -s e
b a lh o
p e d a g ó g ic o .
capaz de
n o o rg a n is m o
P a ra o o rg a n is m o ,
é a p ró só é re a l o
d o a lu n o
d e v is ta
a o u tre m
[d ire -
N ã o é p o s s ív e l e x e rc e r u m a in flu ê n -
c ia d ire ta
e p ro d u z ir
m udanças
em
n is m o a lh e io , s ó é p o s s ív e l e d u c a r
is to é , m o d ific a r
a s re a ç õ e s
in a ta s
um
o rg a -
a si m esm o,
a tra v é s
da
" N o s s o s m o v im e n to s
s o r e s ." E m ú ltim a
são
in s tâ n c ia ,
a c ria n ç a
E m s e u o rg a n is m o ,
lu g a r, tra n s c o rre
a lu ta
nossos
p ro fe seduca
a
e n ã o e m o u tro
d e c is iv a
e n tre
a s d ife -
q u e se m p re
o p ro c e sso
à p e rc e p ç ã o
d e liç õ e s e p re s c riç õ e s
d a to rp e z a
b a s e d o p ro c e s s o e d u c a tiv o
pas-
d o p ro -
p s ic o ló g ic a . N a
d e v e e s ta r a a tiv i-
d a d e p e s s o a l d o a lu n o , e to d a a a rte d o e d u c a d o r d e v e s e re s trin g ir
a tiv id a d e .
a o rie n ta r
N o p ro c e sso
e re g u la r e s s a
de educação,
s o r d e v e s e r c o m o o s trilh o s
ç a m liv re e in d e p e n d e n te m e n te
d e le s
m o v im e n to .
so m b ra
gundo
apenas
o s v a g õ e s, re -
d ire ç ã o
A e s c o la c ie n tífic a
d e d ú v id a ,
a e x p re ssã o
N a base
deve
a
um a
do
p ró p rio
é , s e m q u a lq u e r
" e s c o la
de ação", se-
de L ay.
da ação
e s ta r
o p ro fe s-
p e lo s q u a is a v a n -
e d u c a tiv a
s u a c o n d u ta
por
a lu n o s
em
ç ã o c o m s e u s trê s c o m p o n e n te s :
fo i s o c ia l, p o r
e x c ita ç ã o [e s tím u lo ], e la b o ra ç ã o
to d o s o s p a ís e s e é p o c a s s e m p re
s is te m a e s -
re d u z iu
e a p re n d iz a g e m
ao
a si m esm o.
a educação
s e n tid o ,
deve ser
que não se eduque
m u ito s
N esse
a e x p e riê n c ia
A educação
re n te s in flu ê n c ia s q u e d e fin e m
anos.
o m a is
e x ig e q u e s e re c o n h e -
e d u c a tiv o ,
é tu d o .
fe s s o r, é o c ú m u lo
cebendo
e x p e riê n c ia .
pes-
n a d a . P e lo c o n trá -
P o r e s s e m o tiv o , o tra d ic io n a l
c o la r e u ro p e u ,
bem
c o m o a fa ls a re g ra d e q u e o
d e ta l m o d o
s iv a p e lo a lu n o
A rig o r, d o p o n to
a lu n o ,
c ie n tífic o ,
a lu n o , m a s q u e e s te s e e d u q u e
edu-
do
do
e x p e riê n c ia
d e v is ta
ç a q u e , n o p ro c e sso
pessoal
b a s e d o tra -
o s p ro fe sso re s
s o c ia l e s c o la r q u e
por sua
rio , o c rité rio p s ic o ló g ic o
pessoal
nas es-
cada caso.
é tu d o , e o a lu n o ,
de educação
ta m e n te ].
si m esm a.
p ro fe sso r
pes-
c ie n tífic o , n ã o s e p o d e e d u c a r
p ró p ria
c ra s s o e rro , a s s im
e x p e riê n c ia
n a p rin c ip a l
o m e io
o m e n o sp re z o
o rg a n iz a d a
J á v im o s q u e o ú n ic o e d u c a d o r
fo rm a r
um
s o c ia l.
d o n z e la s ,
e ra m
em
c o n c ilia r
M é d ia e d o O rie n -
p a s s iv id a d e
s o a l, s ã o , d o p o n to
d e re a ç õ e s
não
m as
a p re n d id a s .
s is te m a
[o c o n te ú d o
n o c o rp o d e c a d e te s
n o b re s
te , o s q u e e d u c a v a m
com o
A o m esm o
s id o
c o la s g re g a s e n a s d a Id a d e
s o b re a s q u a is s e c o n s tró i o s is te m a d e re a ç õ e s
novo
te n h a
d e ] s u a id e o lo g ia . T a n to n o s e m in á rio
fo i e s ta b e le c e n d o -s e
h e rd a d a s,
pode
a n ti-s o c ia l
e p re c e p to re s ,
O fa to r b io ló g ic o d e te rm in a
o fu n d a m e n to ,
d e c u jo s lim ite s
im -
e à e s s ê n c ia
s e fo rm a a p a rtir d a s p e c u lia -
e c o n d iç õ e s b io ló g ic a s
a base,
m a is
podem os
o p ro c e sso
d o s p ró p rio s
in te g ra l
d e re a -
p e rc e p ç ã o
da
[p ro c e ssa m e n -
76
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
to] da mesma e ação de resposta. A pedagogia
anterior reforçava e exagerava de forma desmedida o primeiro momento
da percepção,
transformando
o aluno em uma esponja que
cumpria mais fielmente sua missão quanto mais
ávida e plenamente se impregnava de conhecimentos alheios. Mas o saber que não passa pela
experiência pessoal não é saber. A psicologia
exige que os alunos não aprendam apenas a
perceber, mas também a reagir. Acima de tudo,
educar significa estabelecer novas reações, elaborar novas formas de conduta.
Quando concedemos
uma importância
tão excepcional à experiência pessoal do aluno estamos anulando o papel do professor? Podemos substituir a fórmula anterior "o professor é tudo, o aluno, nada" pela inversa: "O aluno é tudo, o professor, nada"? De forma alguma. Se, do ponto de vista científico, negamos
que o professor tenha a capacidade de exercer
uma influência educativa direta, que tenha a
capacidade mística de "modelar a alma alheia",
é precisamente
porque reconhecemos
que sua
importância é incomensuravelmente
maior.
Concluímos então que a experiência do
aluno, a formação de reflexos condicionados,
está determinada
pelo meio social. Basta modificar esse meio para que o comportamento
do ser humano também mude. Já dissemos que
o ambiente desempenha,
com relação a cada
um de nós, o mesmo papel que o laboratório
de Pavlov com relação aos cães dos experimentos. Assim como as condições do laboratório
determinam
o reflexo condicionado
do cão, o
ambiente social determina
a elaboração
do
comportamento.
Do ponto de vista psicológico, o professor é o organizador do meio social
educativo, o regulador e o controlador de suas
interações com o educando.
Ainda que o professor
seja impotente
quanto à sua influência direta sobre o aluno, é
onipotente em sua influência indireta, através
do meio social. O ambiente social é a autêntica alavanca do processo educativo, e todo o
papel do professor consiste em lidar com essa
alavanca. Assim como seria insensato que o
agricultor tentasse influenciar o crescimento
de uma planta puxando-a diretamente
da terra com as mãos, o professor estaria contradizendo a natureza da educação se se esforçasse
para influenciar a criança de forma direta. No
entanto, o agricultor influencia a germinação
das plantas elevando a temperatura,
regulando a umidade,
mudando
a distribuição
das
plantas contíguas, escolhendo e misturando o
adubo, de forma indireta, através das mudanças correspondentes
no meio ambiente. Dessa
forma, o professor, através da modificação do
meio, vai educando a criança.
Também temos de levar em conta o duplo papel do professor no processo educativo;
nesse aspecto, seu trabalho não constitui uma
exceção se o compararmos
a outros tipos de
trabalho humano. Qualquer trabalho humano
tem dupla natureza. Nas formas mais primitivas e nas mais complexas do trabalho humano, o trabalhador
assume um duplo papel: organizador e diretor da produção e parte de sua
própria máquina. Comparemos, por exemplo,
o trabalho de um puxador de riquixá japonês
que transporta passageiros pela cidade com o
de um motorneiro. Veremos que o puxador de
riquixá é uma simples fonte de força física, de
tração, que com sua energia muscular e nervosa substitui a força de um cavalo, do vapor
ou da eletricidade. Mas, simultaneamente,
ele
assume um papel no qual não poderia ser substituído pelo cavalo, pelo vapor ou pela eletricidade: além de ser parte de sua máquina, também é o comandante
da mesma, o diretor, regulador e organizador
de sua simples produção. Ergue as varas, puxa e detém o carrinho,
evita os obstáculos, vira esquinas, escolhe a
direção adequada.
Esses mesmos dois momentos também
são encontrados
no trabalho do motorneiro.
Com sua força muscular, ele também desloca
de uma posição para a outra a manivela de
freio do motor e utiliza a força mecânica de
seus pés. Desse modo, ele é uma simples parte
de sua máquina, uma parte que modifica a disposição das outras. Muito mais notória, porém,
é a segunda função do motorneiro, em que ele
atua como organizador e diretor de todo esse
complicado sistema de motores, freios e sinais.
Essa comparação
evidencia que, ainda
que ambos os momentos do trabalho estejam
presentes nos dois casos, eles mudam de lugar. No caso do puxador de riquixá, o trabalho
de organizador
e diretor da máquina desem-
P S IC O L O G IA
penha um papel insignificante
e imperceptível
em comparação
com o trabalho físico. Se ele
se sentir cansado ao final do dia, isso não acontece por dirigir uma máquina, mas por correr
entre as varas. No caso do motorneito,
porém,
o trabalho físico é praticamente
inexistente,
enquanto o trabalho mental é significativo. O
desenvolvimento
do trabalho, graças ao aperfeiçoamento da técnica, toma uma direção que
pode ser estabelecida
da seguinte forma: do
puxador de riquixá ao motorneiro.
Na indústria contemporânea,
cada vez mais o trabalhador se transforma
no orgàriizador
da produção, em diretor da máquina.
Da mesma forma, o professor é o organizador e o diretor do meio educativo social, assim como parte desse meio. Sempre que substitui os livros, os mapas, o dicionário, um colega, [o professor]
atua como um puxador de
riquixá que substitui o cavalo. Nesse caso, assim como o puxador de riquixá, o professor
assume o papel de uma parte da máquina educativa e não atua como educador, do ponto de
vista científico. Só age como tal quando, distanciando-se,
incita a atuação das poderosas
forças do meio, as dirige e as obriga a servir à
educação.
Chegamos, assim, à seguinte fórmula do
processo educativo.
A educação
é realizada
através da própria experiência do aluno, que é
totalmente determinada
pelo ambiente; a função do professor se reduz à organização
e à
regulação de tal ambiente.
Para que esse papel fique completamente claro, observaremos com mais detalhe o conceito de meio educativo.
Superficialmente,
P E D A G Ó G IC A
77
ter certeza de que esse método de ensino vai
produzir um ser humano resistente e vital.
No entanto, esse critério é incorreto. Temos de considerar dois aspectos. Em primeiro
lugar, o fato de que a meta da educação não é
a adaptação ao ambiente já existente, que pode
ser efetuada pela própria vida, mas a criação
de um ser humano que olhe para além de seu
meio. Durante o primeiro ano da revolução,'
muitos conceberam
o objetivo da educação
como a tarefa de destruir a escola. A rua revolucionária,
a avenida revolucionária
é o me-
lhor educador, temos de transformar
nossos
filhos em crianças da rua, deve-se destruir a
escola em nome da vida; essas eram as palavras de ordem. Nessa opinião havia muito entusiasmo salutar, era uma reação justa contra
uma escola isolada da vida por uma muralha
chinesa e, provavelmente,
nas tempestuosas
épocas de revolução, suprimir a educação seja
o método educativo mais seguro. Entretanto,
as coisas são diferentes em períodos mais calmos e à luz de um pensamento
científico sensato. É verdade que educamos para a vida, que
esta é o árbitro supremo, e que nossa meta não
é inocular virtudes
escolares
especiais, mas
comunicar hábitos e capacidade
de viver. [É
verdade que] a incorporação
à vida é nosso
objetivo final, mas na vida existem hábitos
muito diferentes e essa incorporação
pode ter
características
muito diversas. Não podemos
assumir uma atitude indiferente nem igual com
relação a todos seus elementos, nem podemos
dizer que sim a tudo, só porque isso existe na
vida. Portanto, não concordamos
com o fato
de deixar o processo educativo nas mãos das
forças espontâneas
da vida. Nunca poderemos
pode parecer que não é preciso que exista necalcular antecipadamente
que elementos da
nhum meio educativo especial, que a educavida predominarão
em nosso educando, para
ção pode ser efetuada em qualquer meio e que
que este não termine como uma caricatura da
o melhor educador é o meio destinado a ser o
vida, isto é, como uma coleção completa de
futuro local de atividade
do educando.
M as
seus aspectos ruins e negativos. Em nossas ruas
qualquer
meio social artificialmente
criado
há muita escória e lama ao lado do belo e susempre inclui vínculos que se distinguem
da
blime, e deixar o desenlace
da luta pela via
realidade objetiva e, portanto, sempre conserfinal da criança nas mãos do livre jogo dos esvam certo ângulo de divergência com a vida.
tímulos é tão insensato
quanto se lançar ao
Seria fácil concluir então que não se deve criar
oceano e entregar-se
ao livre jogo das ondas
nenhum meio educativo artificial: a vida edupara chegar à América.
ca melhor que a escola; portanto, mergulhem
Em segundo lugar, devemos levar em cona criança na ruidosa torrente da vida e podem QPONMLKJIHGFEDCBA
ta que os elementos do meio também podem
78QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
influenciar de forma nociva e funesta um organismo jovem. Não nos esqueçamos que não
se trata de um sujeito já formado, mas de um
organismo em crescimento, mutante e frágil,
e que muito do que é aceitável para um adulto
é funesto para uma criança.
Ambas as considerações, portanto - a
inadequação do meio adulto à criança e a extraordinária complexidade e heterogeneidade
das influências do ambiente - obrigam a renunciar ao princípio espontâneo no processo
educativo e a contrapor uma resistência razoável e uma direção a esse: processo, através da
organização racional dó meio.
Essa é a natureza de qualquer conhecimento científico. Toda tese teórica é comprovada ou verificada mediante a prática, e sua
veracidade só se estabelece quando a prática
construída sobre aquela se justifica. O ser humano não descobre as leis da natureza para se
resignar, impotente, a seu poder onímodo e renunciar à sua própria vontade. Também não
pode atuar contra elas de forma irracional e
cega. M as, quando se submete racionalmente
a elas, quando as combina, as subordina a si
mesmo. O ser humano obriga a natureza a servi-lo conforme as próprias leis da natureza.' O
mesmo ocorre com a educação social. Conhecer as verdadeiras leis da educação social, independentes da vontade do professor, não significa admitir que somos impotentes ante o
processo educativo, nem que renunciamos a
intervir nele e deixamos toda a educação nas
mãos da força espontânea do ambiente.
Pelo contrário, assim como qualquer ampliação de nosso saber, isso significa que nosso
poder sobre o processo aumenta e que temos
maiores possibilidades de intervir ativamente
em seu curso. O conhecimento da autêntica
natureza da educação nos indica com que recursos podemos dominá-Ia completamente.
Portanto, a teoria psicológica da educação social, longe de denotar uma capitulação ante a
educação, marca o ponto mais alto no domínio do andamento dos processos educativos.
Dessa forma, a psicologia pedagógica se
transforma em uma ciência prática sumamente efetiva. Não se limita a tarefas puramente
teóricas, como compreender e descrever a na-
tureza da educação, descobrir e formular suas
leis. Deve nos ensinar a dominar essa educação, apoiando-nos em nossas próprias leis.
Agora também compreendemos melhor a idéia
antes mencionada de que, no processo de educação e com essa nova concepção, a importância do professor é incomensuravelmente maior. Ainda que seu papel aparentemente diminua quanto à sua atividade externa, pois passa a ensinar menos, sua atividade interna aumenta. O poder desse professor sobre o processo educativo é muito maior que o do professor de outrora, assim como o poder do
motorneiro é muito maior que a força do puxador de riquixá.
A A T IV ID A D E
E D U C A T IV O
o
DO PROCESSO
E S E U S P A R T IC IP A N T E S
processo educativo não deve ser concebido como algo unilateralmente ativo, nem
devemos atribuir tudo à atividade do ambiente, anulando a do próprio aluno, a do professor e tudo o que entra em contato com a educação. Pelo contrário, na educação não há nada
passivo ou inativo. Até as coisas inanimadas,
quando incorporadas ao âmbito da educação,
quando adquirem um papel educativo, se tornam dinâmicas e se transformam em participantes eficazes desse processo.
Com uma visão superficial fica fácil extrair da teoria dos reflexos condicionados a conclusão de que o comportamento humano e a
educação são entendidos de forma totalmente
mecânica e que o organismo é parecido com
um robô [autômato] que responde com regularidade maquinal às excitações do meio. Já
destacamos que esse critério é incorreto. O próprio processo de formação do reflexo condicionado - como demonstramos - surge da luta e
do encontro de dois elementos totalmente independentes um do outro em sua natureza, que
[...] se cruzam e interceptam no organismo conforme as leis desse mesmo organismo.
"O ser humano enfrenta a natureza como
uma força da natureza." O organismo enfrenta o mundo como uma magnitude que luta ativamente e enfrenta as influências do ambien-
P S IC O L O G IA
te com a experiência herdada. O ambiente esmaga e forja essa experiência com uma espécie de marteladas
e a deforma. O organismo
luta pela auto-afirmação.
O comportamento
é
um processo dialético e complexo de luta entre o mundo e o ser humano no seio do próprio ser humano. E, no desenlace dessa luta,
as forças do próprio organismo, as condições
de sua construção herdada, desempenham
um
papel igual ao das influências incisivas do ambiente.
Portanto,
quando reconhecemos
a "impregnação social" absoluta de nossa experiência, isso não significa de forma alguma que
concebemos o ser humano como um robô, nem
que lhe negamos toda significação. Por isso, a
citada," que se propõe
fórmula anteriormente
a prever com exatidão matemática
a conduta
do ser humano e calculá-Ia a partir das reações herdadas
e de todas as influências
do
meio, está equivocada em um aspecto essencial: ela não leva em consideração
a infinita
complexidade da luta intra-orgânica,
que nunca permite calcular e prever a conduta do ser
humano, que não passa do resultado dessa luta.
O meio não é algo de fora imposto ao ser humano. Também não é possível discernir onde
terminam
as influências do meio e onde começam as influências do próprio corpo.
Portanto, o corpo - como sucede nos campos íntero e proprioceptivos - faz parte do meio
social. O processo de formação das reações
adquiridas e dos reflexos condicionados
é ativo e bilateral; nele o organismo não está submetido apenas à influência do ambiente, mas
também influi de certo modo sobre o ambien-
P E D A G Ó G IC A
79
mais ou menos independentes
e isolados uns
dos outros, e esses fragmentos
podem ser objeto da influência inteligente
do ser humano.
Em suma, o meio é para o ser humano o meio
social, porque quando aparece, com relação ao
homem, como meio natural, sempre estão presentes aspectos sociais determinantes.
Em suas
relações com o ambiente, o ser humano sempre utiliza sua experiência social. Quando observamos um bosque, um rio, as árvores, compreendemos o que são essas coisas, nós as nomeamos
e compreendemos
a designação;
abordamo-as com operações tão complexas da
experiência social, que passam despercebidas,
devido à mesma lei pela qual não percebemos
que respiramos, crescemos, giramos junto com
a Terra, que participamos
de mudanças realizadas de forma ininterrupta
e permanente.
Só em um sentido muito estrito, limitado
e convencional
é possível contrapor meio social e meio natural. No entanto, se entendemos convencionalmente
o meio social como o
conjunto das relações humanas, é totalmente
compreensível
sua excepcional
plasticidade,
que o transforma em um dos recursos mais flexíveis da educação. Os elementos do meio não
estão em um estado congelado e estático; seu
estado é mutante, e ele muda facilmente suas
formas e sua configuração.
Quando combina
de certo modo esses elementos, o ser humano
cria novas formas do ambiente social.
Por isso, o professor desempenha um papel ativo no processo de educação: modelar,
cortar, dividir e entalhar os elementos do meio
para que estes realizem o objetivo buscado. O
processo educativo, portanto, é trilateralmente
ativo: o aluno, o professor e o meio existente
te e, através deste, sobre si mesmo, com cada
entre eles são ativos. Por isso, é incorreto conuma de suas reações. Nesse processo bilateral,
ceber o processo educativo como um processo
o reflexo pertence ao organismo; nesse caso, o
placidamente pacífico e sem altos e baixos. Pelo
reflexo é entendido
como uma reação prepacontrário, sua natureza
psicológica descobre
rada, e ao meio pertencem
as condições para
que se trata de uma luta muito complexa, na
o surgimento de uma nova [reação]. M as, em
qual estão envolvidas milhares das mais comcada caso, o processo de formação das reações
plicadas e heterogêneas
forças, que ele constidepende do desenlace do combate entre o ortui um processo dinâmico, ativo e dialético, seganismo e o meio.
melhante ao processo evolutivo do crescimenO ambiente também não é algo totalmente estático, rígido e invariável. Pelo contrário,
to. Nada lento, é um processo que ocorre a
saltos e revolucionário,
de incessantes combana realidade concreta não existe um meio únites entre o ser humano e o mundo.
co. Ele se divide em uma série de fragmentos QPONMLKJIHGFEDCBA
80QPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
to de uma personalidade integral e harmônica
e de um ser humano culto e civilizado, pois
P O N T O D E V IS T A P S IC O L Ó G IC O xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
isso não significa absolutamente nada para a
escolha dos nexos a serem utilizados no proA questão dos objetivos da educação em
cesso educativo. Conseqüentemente, quando
todo o seu alcance não tem a ver com a psicoformulamos de forma científica os objetivos da
logia pedagógica. Esta deve descobrir o aspeceducação, estamos estabelecendo de forma
to formal de todo o processo educativo, indeconcreta e exata o sistema de conduta que
pendentemente de seus objetivos, esclarecer
queremos plasmar em nosso educando.
quais são as leis que o regem, à margem da
Basta observar os sistemas educativos em
direção para a qual sua ação está orientada. A
seu desenvolvimento histórico para perceber
indicação e o traçado dos objetivos da educação são questões relacionadas à pedagogia
que os objetivos da educação sempre foram, nos
geral e à ética social.
fatos, totalmente concretos e vitais, e sempre
A natureza psicológica do processo educorresponderam aos ideais da época, à estrutucativo é a mesma se desejarmos educar um fasra econômica e social da sociedade, que detercista ou um proletário [revolucionário], se premina toda a história de uma época. M as, atrapararmos um acrobata ou um bom funcionávés das palavras, esses ideais sempre foram forrio. A única coisa que deve nos interessar é o
mulados de outro modo, devido, em cada oporpróprio mecanismo de formação das novas reatunidade, à incapacidade científica do pensações, seja qual for o objetivo final desejado.
dor ou à hipocrisia de classe da época.
No entanto, nesse problema existe certo
O feudalismo, cujo único interesse eduaspecto formal que só pode ser considerado
cativo era criar servos submissos e resignados,
do ponto de vista psicológico. Na área da psinão podia dizer isso abertamente e então teve
de disfarçá-lo por meio da doutrina religiosa
cologia não se pesquisam quais são os objetivos particulares da educação, mas que tipo de
da salvação da alma. O mesmo ocorreu em
objetivos, em geral, devem ser propostos ao
todas as épocas, em que a classe [social] doprocesso educativo, do ponto de vista científiminante dos exploradores, que também dirico. O problema de saber quais são as condigia a educação, dissimulava, mediante palações a observar para que nossos objetivos esvras abstratas, o verdadeiro objetivo da edutejam de acordo com o processo educativo só
cação. Atualmente, quando as contradições de
pode ser resolvido pela teoria psicológica da
classe ficaram evidentes, a necessidade dessa
dissimulação desapareceu, e o ser humano de
educação.
Vemos então que o processo educativo é
nossa época tende a formular de modo totaltotalmente concreto. Ele consiste em estabelemente concreto e preciso o objetivo vital da
cer novos nexos, que são materiais e concretos
educação.
em todos os casos. Por isso, é totalmente comDevemos levar em consideração que a
preensível que só objetivos concretos possam
educação sempre e em todas partes teve um
ser atribuídos ao processo educativo. Do poncaráter classista, ainda que seus defensores
to de vista científico, podemos nos referir da
e apóstolos não se dessem conta disso. O que
acontece é que, na sociedade humana, a edumesma forma à educação de um fascista ou de
um revolucionário, de um acrobata ou de um
cação é uma função social totalmente deterfuncionário, pois em todos esses casos sempre
minada, que sempre se orienta em prol dos
temos presente o caráter bem-determinado das
interesses da classe dominante, e a liberdareações; conhecemos perfeitamente bem o sisde e independência
do pequeno meio edutema da conduta e o ideal exato da atividade
cativo artificial com relação ao grande meio
que desejamos realizar.
social são, na verdade, uma liberdade e uma
M as, do ponto de vista científico, é abindependência
muito relativas e condiciosurdo falar de ideais abstratos da educação,
nais, convencionais, dentro de estreitas fronassim como é absurdo falar do desenvolvimenteiras e limites.
O S O B J E T IV O S
DA EDUCAÇÃO
DO
P S IC O L O G IA
Sempre existe uma interação entre as influências e um vínculo entre o grande e o pequeno meios sociais; e toda a complexidade
do problema psicológico da educação consiste
em determinar
as autênticas
fronteiras dessa
independência.
Não é difícil mostrar e evidenciar a natureza e o conteúdo classista de qualquer sistema educativo. Basta recordar o sistema de instrução
que imperava
na escola
czarista russa, o qual criava ginásios e universidades para a nobreza, colégios secundários
para a burguesia urbana e asilos e escolas de
experiência hereditária
biente social.
P E D A G Ó G IC A
a um determinado
81
am-
Não é difícil observar, porém, que essa
definição é sumamente
ampla; nesse caso, caberia no conceito de educação toda nova reação condicionada,
e perderíamos
todo critério
para diferenciar
a educação de qualquer formação de uma nova reação condicionada que
fechamos [formamos] diariamente, quando decidimos cumprimentar
uma pessoa que estamos conhecendo
naquele
momento,
compreender uma nova palavra estrangeira, reagir ante um novo acontecimento.
Devido a isso,
devemos distinguir entre educação e vida cotidiana.
Não há nenhuma dúvida de que todas as
novas reações nos influenciam psicologicamente, em um processo de auto-educação. Isso salta
à vista com particular nitidez quando não en-
ofícios para os pobres.
"
Por isso, do ponto 'de vista psicológico,
não tem sentido falar dos objetivos abstratos e
gerais da educação. Cada educação possui seus
próprios objetivos - até mesmo em cada período da educação pode haver objetivos próprios - e, independentemente
da forma como
se expressam, sempre formularão
os aspectos
contramos formações singulares e casuais de
e o caráter da conduta que essa educação dereações, mas um processo planejado, racional
seja tornar realidade. Só esses objetivos da edue prolongado de elaboração de novos sistemas
cação podem ter um significado real na escode conduta íntegros em pessoas adultas. Por
lha e na orientação do processo educativo, pois
exemplo, quando observamos
o treinamento
só eles podem oferecer as regras necessárias
de um solado, o ensino de um novo jogo, um
para escolher as influências educativas adequacurso de taquigrafia ou datilografia, sem dúvida nos deparamos com processos psicológicos
das e combiná-Ias de forma adequada em um
de natureza educativa, já que em todos esses
sistema pedagógico harmônico. QPONMLKJIHGFEDCBA
casos se trata da elaboração
e do reforço de
novos sistemas de reações, de novas formas
A E D U C A Ç Ã O C O M O S E L E Ç Ã O S O C IA L
de comportamento.
Entretanto,
em prol da clareza e da exaVamos abordar agora a formulação defitidão do problema, aqui seria mais correto fanitiva da natureza psicológica do processo edular de JIHGFEDCBA
r e e d u c a ç ã o - no sentido amplo da palacativo, com base em todo o material exposto.
vra - mais que de educação. A diferença entre
Seria extremamente
difícil fazê-lo por meio de
ambas as palavras tem a ver com o significado
uma única frase, pois toda definição - segunque lhes dá o uso popular. Na linguagem cotido um ditado francês - é uma limitação, isto é,
diana, entende-se por reeducação a reelaboraum enfoque parcial e unilateral
do tema. Por
ção profunda, a reorganização
dos sistemas de
isso, tentaremos
encarar a questão da educareações já existentes.
Por isso, convencionalção a partir de alguns dos seus aspectos mais
mente, fala-se da reeducação de um delinqüenimportantes.
te, de um portador de doença mental, etc. Na
A primeira definição aproximada da edulinguagem comum, ninguém usaria a palavra
cação indica que o processo educativo, em sua
reeducação
para se referir a cursos de datiloessência, se reduz a estabelecer
e acumular
grafia ou taquigrafia.
Do ponto de vista popureações condicionadas,
baseadas nas formas de
lar, nesse caso não estamos reeducando nada,
conduta inatas, e elaborar as que são úteis para
mas comunicamos
e elaboramos
novos hábia adaptação ao meio social. Em outros termos:
tos. Por outro lado, do ponto de vista científia educação é definida como a adaptação
da
co, em todos os casos seria mais acertado falar
82QPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
precisamente de reeducação, porque, psicologicamente, estarnos diante da formação de
vários vínculos novos dentro de um sistema
de comportamento previamente formado.
Deve-se considerar como característica
e d u c a ç ã o o momento de não-conessencial da JIHGFEDCBA
solidação, de fluidez do crescimento e de mudanças originais no indivíduo. Portanto, em sua
forma pura, o conceito de educação só pode
ser aplicado a uma criança, isto é, a um organismo em crescimento e automodificação. Esse
processo é análogo a todos os outros processos do organismo. As modificações no organismo ocorrem incessânternente
durante a
vida. No entanto, as modificações que são chamadas de crescimento possuem um significado biológico totalmente diferente. Seu destino
e objetivo consistem em preparar o ser jovem
para a complexa e múltipla atividade da vida.
A palavra "educação" só é aplicável ao crescimento.
Portanto, a educação pode ser definida
como a influência e a intervenção planejadas,
adequadas ao objetivo, premeditadas, conscientes, nos processos de crescimento natural do organismo. Por isso, só terá caráter educativo o estabelecimento de novas reações que, em alguma
medida, intervenham nos processos de cresci'mento e os orientem. Nem todos os novos vínculos que se fecham [formam] na criança, portanto, serão atos educativos.
Se, ao sair de casa, combino com a criança que vou deixar a chave com ela, estou fechando [criando] um novo vínculo com ela.
M as, se essa reação não tem outra missão senão a de ajudar a criança a encontrar a chave,
não pode ser denominada educativa do ponto
de vista psicológico. Portanto, nem tudo o que
fazemos com a criança é educação no sentido
científico da palavra.
Resulta evidente então que a educação
pode ser um tema e um problema da psicologia infantil. M as em que reside o significado
desse processo? O mais correto seria defini-lo
como um processo de seleção social. Recordemos que a reação é um complexo processo de
inter-relação entre o mundo e o ser humano,
.que está determinado pela adaptação. O com-
portamento
ao meio. A
número de
se criar as
Frank:"
é a forma superior de adaptação
criança, porém, possui um grande
possibilidades sociais. Nela podem
mais diversas personalidades. Diz
A criança que "imagina" ser um bandido, um
soldado ou um cavalo e "representa" esses seres, na verdade está mais certa que seus pais
ou os psicólogos, que vêem nela apenas um
ser pequeno e desvalido que vive no 'mundo
infantil,
pois sob essa aparência
esconde uma reserva potencial
lidades que não se encaixam
r e a lm e n te
se
de forças e reana realidade
ob-
jetiva de sua vida. Nesse pequeno ser r e a l r r t e n t e
v i v e m as forças e tendências
do bandido, assim como as do soldado e até as do cavalo; n a
r e a lid a d e ,
isso é algo incomensuravelmente
maior do que parece para o olhar alheio.
Potencialmente, a criança contém muitas
personalidades futuras; ela pode vir a ser isto
ou aquilo. A educação produz a seleção social
da personalidade externa. A partir do ser humano como biótipo, a educação, por meio da
seleção, forma o ser humano como tipo social.
NOTAS
1. Nesse caso, o referencial
de Vigotski é a revo-
lução socialista russa do final de outubro de
1917, segundo
o antigo calendário juliano,
atrasado 13 dias com relação ao gregoriano, o
nosso. De acordo com o gregoriano, a Revolução de Outubro ocorreu em 7 de novembro. A
partir da Revolução
tou
nosso
de Outubro,
calendário.
a Rússia ado-
De qualquer
modo,
Vigotski está se referindo ao ano de 1918.
2. Vigotski apresenta
aqui uma idéia que será
capital em toda a sua obra. No manifesto fundacional de sua escola histórico-cultural,
"O
problema
cultural
do desenvolvimento
da
criança", de 1928, ele cita - e fará o mesmo
diversas outras vezes - um d i c t u m do livro
N ovum
organan
(1620)
de Francis Bacon:
" N a tu r a
nan
v in c itu r
minar a natureza
artigo
de Vigotski
n is i p a r e n d a "
devemos
está
["Para do-
obedecê-Ia"].
incluído
Esse
em: L. S.
Vigotski, E I D e s a r r o l l a C u l t u r a l d e i N i n o y o tr o s
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
83
4. Semion Liudvigovitch Frank (1877-1950) foi
e s c r i t o s i n é d i t o s , xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
edição de G. Blanck, Buenos
um filósofo russo é m i g r é . As referências de
Aires: Almagesto, 1998, p. 31-55.
Vigotski a Frank no presente livro pertencem à
3. Vigotski refere-se à concepção exagerada da
obra D u s h a c h i e l o v i e k a [A alma do homem],
plasticidade do psiquismo humano, mencionaM oscou, 1917. Há uma reedição em russo desda no Capo 2 (cf. também a nota nl! 14 desse
se texto (cf. Paris: YM CA Press, 1977).
Capítulo). QPONMLKJIHGFEDCBA
O s In s tin to s c o m o O b je to ,
M e c a n is m o e M e io s
da Educação
Para o observador, a atividade instintiva
do animal e do ser humano sempre pareceu
algo misterioso e enigmático.
Até os dias de
hoje, ela continua sendo o aspecto mais obscuro e não-esclarecido
da psicologia animal e
humana. As causas dessa falta de clareza e
compreensão
da questão devem-se, acima de
tudo, à obscuridade
da própria atividade instintiva.
Deparamo-nos
com instintos tanto nos
níveis mais simples da vida quanto nos mais
complexos. Está comprovado
que o comportamento puramente instintivo é muito mais perfeito nos animais inferiores que nos superiores. No ser humano, o instinto quase não existe em sua forma pura; ele sempre aparece como
um elemento que faz parte de um todo mais
complexo e, por isso, atua de forma mais encoberta, como uma mola secreta dos mecanismos evidentes do comportamento.
destacar a causa verdadeira
e mais próxima
de nosso comportamento.
É mais simples explicar a natureza do instinto comparando-o
ao reflexo comum. Acredita-se que o instinto representa
apenas u~
reflexo complexo
ou em rede. No entanto,
como já vimos [no Capo 2], há uma série de
diferenças entre o instinto e o reflexo. O acadêmico Bejterev'
propõe que chamemos de
"instintos"
os reflexos orgânicos complexos,
que ele separa em uma classe especial, distinguindo-os dos reflexos simples e incondicionados. Na verdade, isso também significa o reconhecimento
do instinto como uma classe particular das reações,
[uma classe] que possui
uma natureza independente.
Antes de considerar
os instintos como
uma classe particular
das reações, devemos
considerar a forma como se relacionam à anatomia e à fisiologia. A ciência atual divide todo
o sistema nervoso em dois sistemas fundamentais: o sistema nervoso animal e o vegetativo.
O primeiro rege todas as funções animais do
cação. Há muito, alguns pesquisadores
respalorganismo
- em primeiro
lugar, as reações
dam insistentemente
o critério de que o insmotoras -, estabelecendo
uma correlação entinto, como forma peculiar do comportamentre o organismo e o mundo externo. O segunto, não existe. Outros, pelo contrário, considedo rege as funções vegetativas do organismo,
ram o instinto como algo peculiar, totalmente
atuando nos órgãos internos, nas cavidades,
irredutível a qualquer outra coisa, um tipo esnos tecidos, etc. Segundo todos os dados, ao
pecial de reações do ser humano e do animal.
contrário das demais reações, os instintos esUm pesquisador
observou corretamente
tão intimamente
vinculados
a essa parte íntique chamamos
de instintos tudo o que não
ma, vegetativa,
do sistema nervoso. Precisacompreendemos.
Na verdade,
na linguagem
mente seus nervos, que chegam às glândulas e
comum, a palavra "instinto" aplica-se a todos
às zonas internas do corpo, que alimentam toos casos em que não estamos em condições de QPONMLKJIHGFEDCBA
Até hoje, a ciência não resolveu a questão da natureza dos instintos nem sua classifi-
86QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pam de uma reação instintiva não é rigorosa.
dos os tecidos e forram os vasos sangüíneos,
Nunca é possível calcular e determinar antecisão as vias primárias pelas quais os estímulos
padamente os movimentos nem a ordem dos
intra-orgânicos, vinculados ao instinto, chegam
reflexos que compõem a reação instintiva. Ao
até o sistema nervoso central.
A· atividade instintiva consolida-se nos . contrário, o reflexo funciona com uma regularidade maquinal. E, ainda que ele represente
confusos chamados do corpo à satisfação orum todo complexo e composto, esse todo está
gânica, nos complexos processos químicoformado de tal maneira que, em um reflexo
vegetativos do organismo e parece ser resultacomplexo do qual participam muitos múscudo das mais' íntimas demandas que o organislos diferentes, não se pode prever com exatimo faz ao mundo.
dão em que sucessão eles funcionam, um após
Do ponto de vista fisiológico, admite-se
o outro.
facilmente que também os processos íntimos
Já mencionamos [no Capo 2] a diferença
da secreção interna são es-tímulos dos instinentre instinto e reflexo, estabelecida com base
tos. Está comprovado que o instinto sexual é
nas observações experimentais do professor
estimulado fundamentalmente por essas duas
Vagner com o acasalamento de moscas decavias: através dos gânglios nervosos do sistema
pitadas. Esse experimento demonstra que o
vegetativo e diretamente
pela estimulação
instinto pode se combinar de forma particuhormonal dos centros nervosos do cérebro.
larmente complexa com os reflexos, porém
Nesse segundo caso, a reação instintiva é subssempre difere deles, pois o caráter do vínculo
tancialmente diferente do reflexo; ela não tem
e a associação com a reação são essencialmencomo correlato um arco reflexo, mas surge graças à estimulação direta dos centros cerebrais.
te diferentes.
Dessa forma, o psicólogo pode consideIsso confere a tal reação uma espécie de carárar que o comportamento instintivo é uma claster independente, autônomo, ao contrário do
se particular e, de acordo com o professor
reflexo, que possui um caráter de resposta.
Vagner, é possível admitir que o instinto repreDevemos levar em conta a diferença biológica entre o reflexo e o instinto, que geralsenta uma reação do comportamento de todo
o organismo, enquanto o reflexo é uma reação
mente se reduz ao fato de que os instintos reseparada da função dos órgãos.
presentam as mesmas reações hereditárias que
Quando o comparamos com o reflexo,
os reflexos, vinculadas, porém, a peculiaridapercebemos no instinto a integração hereditádes tão manifestas quanto a idade, a periodiciria preestabelecida de reflexos, a predetermidade, etc. Em outras palavras, o reflexo é uma
nação do domínio do processo, o resultado préreação permanente, que não varia no decorrer
fixado da luta pela via final e o caráter intede toda a vida; em compensação, as reações
instintivas podem se modificar, manifestar-se
gral do comportamento.
e desaparecer de acordo com a idade, o período fisiológico e natural, etc.
A O R IG E M D O S IN S T IN T O S
Por último, do ponto de vista psicológico, o instinto apresenta certos desvios que não
Há divergências quanto à origem e à napermitem que ele seja reduzido a uma simples
tureza dos instintos.
soma ou sucessão de reflexos. Acima de tudo,
Alguns supõem que originariamente, no
existe uma dependência não muito rigorosa
passado, as reações instintivas foram conscientre excitante e reação [estímulo e resposta],
entes, inteligentes, racionais; a partir delas, o
que caracteriza o instinto. Há muito tempo, os
animal, por causas fortuitas ou pelo "método
naturalistas afirmam que os instintos são cede
tentativa e erro", escolheu, consolidou e
gos, isto é, não percebem a falta de excitante e
transmitiu por herança as reações úteis. Os parpodem atuar se [o organismo] passa para uma
tidários desse critério consideram-no confirmasituação totalmente diferente." A formação da
do por meio da automatização alcançada peprópria composição dos reflexos que partici-
P S IC O L O G IA
Ias ações racionais e conscientes do ser humano, quando repetidas com freqüência, de forma uniforme e na mesma sucessão.
A rigor, as nove décimas partes de nossa
conduta transcorrem
de forma totalmente
automática, isto é, maquinalmente,
de forma independente
de nossa consciência.
Os centros
nervosos que regem esses movimentos
parecem autônomos.
Respiramos,
caminhamos,
escrevemos e falamos, tocamos piano, lemos e
nos vestimos de maneira totalmente
automática, isto é, sem pensar cada vez nas ações que
temos de realizar. As pernas 'parecem nos conduzir sozinhas e não nos exigem, em cada oportunidade, um impulso volitivo, a decisão de
levantar e apoiar o pé; o mesmo ocorre com os
dedos de um pianista virtuoso ou com o aparelho fonador de todas as pessoas.
Basta comparar o esforço, o grau de tensão, o gasto de atenção do ser humano
na
primeira vez que ele aprende uma língua estrangeira ou aprende a tocar piano, com a facilidade com que produz os mesmos movimentos posteriormente,
para compreender
como a
força do automatismo
psíquico é enorme. Observem com atenção
uma criança que está
aprendendo
a andar. Todo seu rosto exprime
um estado de extrema tensão; ela está realizando um trabalho mental extremamente
difícil. Cada vez que levanta seu pezinho e procura um ponto de apoio seguro enquanto estende o outro, parece estar resolvendo um problema sumamente complicado. Quando a comparamos com a criança de dois anos que corre
livremente, percebemos
a diferença essencial
que a automatização
provoca.
Poderíamos demonstrar
facilmente que a
automatização
rebaixa o caráter da reação humana, que a reduz ao tipo mais baixo, a mecaniza e, em geral, significa um passo atrás e um
declínio, em comparação
com a reação consciente de tipo racional. No entanto, isso não é
P E D A G Ó G IC A
87
execução do pianista, o discurso do orador, a
dança da bailarina, tudo isso exige uma extrema sutileza e exatidão de movimentos e chega
à perfeição quando os centros que regem os
movimentos
necessários
parecem se automatizar, se isolam de todas as outras influências
do sistema nervoso e realizam seu trabalho com
a máxima delicadeza
e ritmo; tudo isso só é
acessível ao sistema nervoso humano.
Em segundo lugar, a automatização
dos
movimentos
é uma condição necessária para
descarregar
o sistema nervoso central de toda
uma série de trabalhos estranhos. Trata-se de
uma espécie de distribuição
peculiar do trabalho entre os centros nervosos, a liberação
dos centros superiores de um conjunto de formas de trabalho inferior e habitual. Se o ato
de andar não fosse realizado
de forma automática, mas exigisse, em cada oportunidade,
a tomada de consciência dos movimentos, absorveria uma quantidade
tão grande de energia nervosa que não haveria espaço para outros atos. Por isso, o orador pode se entregar
à composição
do sentido de seu discurso: o
processo
de pronúncia
dos sons se efetua
como se fosse algo automático,
sem exigir
atenção nem pensamentos
de quem está falando. Por esse motivo, é tão difícil falar em
uma língua pouco habitual, em que nossa pronúncia ainda não se automatizou
de forma
suficiente.
Portanto,
a automatização
de nossos
movimentos
é uma lei universal de nossa atividade e possui uma importância
psicológica
substancial. A base dessa lei reside na peculiar
plasticidade
de nossa substância nervosa, em
que se formam os caminhos trilhados pelas vias
nervosas, nas quais parece se conservar o traço das excitações antes experimentadas
e existe
predisposição
para as repetir.
Quando dobramos
uma folha de papel,
forma-se uma marca no local da dobradura. É
a marca do movimento realizado, certa defor-
totalmente correto. Também é muito fácil mostrar que a automatização
de nossos movimenmação e mudança na distribuição das molécutos constitui a condição psicológica necessária
las. O papel fica predisposto
a se dobrar exatapara o surgimento dos tipos superiores de atimente nesse lugar. Com o mais leve dos sopros
isso é o que acontece. Algo semelhante ocorre
vidade.
Em primeiro lugar, só os atos automatino sistema nervoso, embora essa comparação
não deva ser entendida em sentido literal nem
zados são o tipo mais perfeito de reação. A QPONMLKJIHGFEDCBA
1I
iQPONMLKJIHGFEDCBA
88
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
se deva imaginar as marcas das excitações nervosas como as marcas do papel.
O processo de auto matiz ação permite
explicar o processo de origem das reações .ínstintivas a partir das conscientes. Os que aderem a esse critério supõem que, do mesmo
modo que o movimento consciente, quando se
aprende a tocar piano, [por exemplo], se
automatiza posteriormente, as reações instintivas surgem mediante a seleção das ações
conscientes e voluntárias. Portanto, esses psicólogos entendem o instinto como um ato inteligente mecanizado, e isso lhes permite afirmar que tudo o que atualmente é instintivo e
maquinal já foi racional. "O instinto é a razão
perdida": tal é a formulação exata desse critério. O esquema de desenvolvimento das reações, do ponto de vista dessa concepção, pode
ser representado do seguinte modo: razão instinto - reflexo.
Tal critério, embora pareça confirmado
pela brilhante analogia com a automatização
dos movimentos humanos, não pode ser considerado muito verossímil. O automatismo só
explica de que modo os atos casuais, depois de
uma série de repetições, se tornam precisos e
mecânicos, mas isso não significa de forma alguma que esses atos tenham sido racionais em
sua origem. O critério diz apenas que também
os atos raciocinados podem se auto matizar,
mas isso não implica que essa capacidade seja
inerente tão somente a eles. Pelo contrário,
todas as considerações mostram, pelo que foi
exposto anteriormente, que a atividade de tipo
racional- que surge com a participação direta
do córtex cerebral- estrutura-se com base nas
reações hereditárias e que, no processo de evolução, lhe corresponde um lugar mais tardio
que o dos instintos.
Infere-se daí que é muito mais verossímil outro ponto de vista, segundo o qual se
deve considerar que os instintos se originaram antes dos atos de raciocínio. Desse ângulo, a razão [razum] é o instinto apreendido
do qual se toma consciência, isto é, que é
transmitido através da experiência pessoal. O
esquema de desenvolvimento das reações, de
acordo com esse ponto de vista, pode ser representado da seguinte maneira: reflexo - instinto - razão. Portanto, o reflexo, como for-
ma mais primitiva da conduta, é tomado como
fundamento e base de todas as formas da atividade humana.
Entretanto, isso não significa que o instinto se reduza ao reflexo. No processo da evolução, com base no reflexo, o instinto pôde
surgir como forma totalmente diferente do reflexo, embora geneticamente vinculada a ele.
Diz o professor Vagner:
Pelos alicerces
apreciar
de uma
casa não é possível
o que será construído:
um armazém
de comestíveis, um laboratório
químico ou o
escritório de um notário. A classe dos répteis
constitui a base tanto da classe das aves como
da dos mamíferos; entretanto,
seria insensato
buscar no bico de uma pomba os dentes de
um lagarto, e uma unha curva de pássaro nas
garras das patas de um crocodilo. [V A. Vagner, JIHGFEDCBA
B io p s ijo lo g u ia
i sm ezhne
nauki
e a s c iê n c ia s r e la c io n a d a s
Obrazoevanie,
(A B io p s ic o lo g ia
a e la )
Petrogrado:
1923, Capo 4.]
Esse segundo esquema, porém) também
não é completamente satisfatório, porque sabemos que as formas "racionais" de conduta
surgem diretamente do reflexo e não precisam
de um elo intermediário sob a forma de instinto. Da mesma forma, em toda uma série de
organismos, até o instinto mais perfeito não
conduz, em seu desenvolvimento, à formação
e à elaboração de reações raciocinadas. Por
tudo isso, o mais acertado e correto quanto à
origem é adotar o esquema proposto pelo professor Vagner, segundo o qual o instinto e a
razão, tendo como fundamento comum o reflexo, desenvolveram-se paralela e independentemente em formas de conduta peculiares e
autônomas entre si. O esquema" é o seguinte:
Reflexo
Instinto
Razão
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
89
mente, distorcem intensamente o curso e a
reprodução normal das reações.
IN S T IN T O , R E F L E X O E R A Z Ã O xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Como regra psicológica geral e inegável,
pode-se dizer que os exames e todos os proceA um professor interessa sumamente o
vínculo existente entre instinto, reflexo e radimentos similares sempre oferecem uma imazão, que foi encontrado na zoopsicologia [psigem totalmente falsa e deformada do comportamento e, em grande parte, reduzem e desorcologia animal] e, pelo visto, confirmado no
ganizam os sistemas de reprodução das reações.
ser humano.
Esse vínculo estabelece que os instintos
É verdade que os casos inversos - que todos
conhecem - também são possíveis; neles, a agifreiam o reflexo. Isso se torna evidente no setação provocada por um exame estimula de forguinte experimento. Se um inseto decapitado
que se arrasta em certa direção seguindo uma
ma excepcional recordações vívidas, respostas
linha reta for golpeado C0m uma pinça, ele
inteligentes; no entanto, do ponto de vista psicológico, isso é considerado anormal.
iniciará um movimento reflexo giratório para
a esquerda e para a direita. As oscilações ocorDa mesma maneira, temos todos os funrerão até chegar o cansaço e o esgotamento
damentos para supor que, assim como os insdo sistema nervoso. Essa é uma forma puratintos exercem uma ação de freio, extinguinmente reflexa de conduta. Um inseto normal,
do os reflexos, os primeiros estão sujeitos a essa
que tiver perdido a reação instintiva, reagirá
mesma reação devido às reações conscientes.
de outra forma à mesma irritação. [Em princípio], ele efetuará um movimento reflexo para
O S IN S T IN T O S E A L E I B IO G E N É T IC A
um lado, mas depois acabarão os movimentos
reflexos posteriores, que começarão a ser reOs estudiosos das ciências naturais obprimidos pelo instinto de autoconservação, que
servaram há muito a estranha dependência
obrigará o inseto a recorrer a movimentos mais
entre a JIHGFEDCBA
o n to g ê n e s e
e a f i l o g ê n e s e dos organiscomplexos para evitar o perigo.
mos, isto é, entre o desenvolvimento do indiA consciência exerce uma ação de freio
víduo
e o da espécie [respectivamente]. No feto
exatamente igual à dos reflexos. Conhece-se a
humano, por exemplo, em certas etapas obhistória de uma aposta feita por Darwin com
servam-se características como aberturas bran12 jovens. [Darwin afirmou] que, depois de
quiais, cauda e pêlos, que apresentam analocheirar o mais forte dos tabacos, eles não pogia com fases superadas há muito tempo pela
deriam espirrar. Realmente, nenhum deles esevolução,
em que os [muito remotos] antepaspirrou durante o teste, ainda que antes e desados do ser humano viviam na água e pospois do mesmo esse mesmo tabaco tivesse lhes
suíam cauda.
causado um intenso efeito. O forte desejo de
Uma série de fatos indica a correlação
ganhar a aposta e uma importante quantia de
entre a história do desenvolvimento do orgadinheiro, a concentração da atenção no ato, o
nismo, a partir da célula embrionária, e o dereceio de perder e outros processos consciensenvolvimento de toda a espécie. De acordo
tes paralisaram e inibiram o reflexo."
com essas circunstâncias, Hackel? formulou sua
Aqui, cabe mencionar também a imporlei biogenética, aproximadamente da seguinte
tante conclusão pedagógica a ser extraída desforma: a história do indivíduo representa a hisse fato. Se uma intensa emoção ligada a um
tória, abreviada e resumida, da espécie." A evodesejo e ao medo atua de forma tão perturbalução do organismo repete a evolução da esdora no comportamento, chegando até a depécie, e o embrião e o filhote, em seu desensorganizar o curso das relações inferiores, fica
volvimento,
passam por todas as etapas pelas
fácil compreender até que ponto são antipsiquais passou o desenvolvimento da espécie.
cológicos todos os métodos pedagógicos sob a
Portanto, o embrião efetua uma forma de performa de exames, etc., que certamente colocurso abreviado e acelerado de todo o camicam os alunos na mesma situação em que
nho evolutivo.
Darwin pôs seus colaboradores e que, geralAS RELAÇÕES
ENTRE
90QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M uitos psicólogos transferiram essa lei
para o âmbito da psicologia e, até o momento,
promovem-na como o princípio básico do desenvolvimento da psique infantil e o fundamento do princípio normativo da psicologia pedagógica. Supõe-se que, em seu desenvolvimento, a criança repita de forma abreviada e
modificada todas as etapas fundamentais pelas quais a humanidade passou a partir do momento em que o ser humano surgiu na Terra
até nossa época. No primeiro período de sua
vida, a criança é uma simples seguradora de
objetos. Atrai tudo para si, coloca tudo na boca,
e isso corresponde à época em que o homem
primitivo, da mesma forma que o animal, não
conhecia o trabalho e se alimentava com alimentos prontos. Um pouco mais tarde, manifesta-se na criança o instinto da curiosidade:
escapar, subir, investigar tudo o que a rodeia,
o que corresponde ao segundo nível do desenvolvimento histórico, quando a humanidade
adotou o modo de vida nômade. O interesse
das crianças pelos animais domésticos, em certa etapa, está vinculado à criação primitiva de
gado. A tendência infantil a brigar e o instinto
de luta são considerados ecos das cruentas lutas da humanidade na época antiga. Por último, a personificação generalizada dos objetos
pela criança, seu amor a tudo o que é fantástico, seu apego às histórias, as formas primitivas de seus desenhos e de sua linguagem, encontram analogia no animismo dos [homens]
selvagens, das crenças religiosas primitivas e
dos mitos.
De forma global, tudo isso permitiria afirmar que a criança realmente atravessa, durante
seus poucos anos de vida, os muitos milênios
vividos pela humanidade, e daí se extrai a conclusão pedagógica relativa à legitimidade desses fenômenos primitivos na infância, considerando que a criança é um pequeno selvagem e, portanto, exigindo que esses instintos
não sejam combatidos e permitindo que a
criança vivencie livremente os instintos primitivos e as tendências do selvagem. Por isso, a
atenção desmedida com relação ao relato fantástico, à explicação animista que geralmente
as crianças dão aos fenômenos do mundo, à
crença em seres fabulosos, à personificação dos
objetos, etc., transformaram-se
em método
pedagógico, em um modelo do qual dificilmente elas se livram até poderem contar com um
professor mais avançado e com mentalidade
científica.
Esse princípio, porém, não pode ser considerado definitivo, pois não possuímos dados
suficientes sobre a história do desenvolvimento
da humanidade para poder julgar com base em
analogias. Conhecemos apenas analogias isoladas, fragmentárias e, com freqüência, sumamente remotas que, de forma alguma, autorizamnos a dizer que todo o desenvolvimento da criança, em seu curso geral, repete a história do desenvolvimento da humanidade. Só se pode afirmar com certeza científica que alguns momentos do desenvolvimento da criança podem ser
relacionados, ora mais próximos, ora mais distantes, de alguma forma a diferentes momentos da história da humanidade. De acordo com
M arshall,? devemos admitir que, se a história
individual repete a história da humanidade,
nessa repetição há enormes capítulos totalmente
omitidos, enquanto outros estão deformados até
ficaram irreconhecíveis e outros ainda se apresentam em uma tal ordem que, em seu conjunto, essa repetição de nenhum modo pode ser
reconhecida como uma verdadeira reprodução,
mas apenas como uma desfiguração, distando
de ser um princípio explicativo para o desenvolvimento da criança; pelo contrário, ele mesmo precisa ser explicado.
Com tal limitação, essa lei perde sua atração e deixa de ser uma explicação universal
para se transformar em um problema. "Explicar o desenvolvimento da criança apelando
para o desenvolvimento da humanidade - diz
o professor Kornilov" - equivale a explicar uma
incógnita através de outra".
Aplicado à psicologia do instinto, isso significa que também aqui devemos nos limitar a
comparar alguns instintos da criança com formas análogas da atividade do [homem] selvagem, mas não podemos admitir que, no desenvolvimento dos instintos, haja um mecanismo direto e inerte de simples repetição da história que já passou. Se o fizéssemos, entraríamos em profunda contradição com o condicionamento social dinâmico da psique, que estabelecemos anteriormente
[no Capo 4J, como
princípio fundamental. É muito fácil dernons-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
91
trar que, no sistema do comportamento
humaca de que era preciso reconhecer
que os insno, os instintos constituem algo rígido, estátitintos eram guias sábios na causa da educaco, que só se movimenta por inércia. No sisteção. E, enquanto
os primeiros
sistemas
ma real da conduta, os instintos também estão
conclamavam
a um combate aos instintos, os
socialmente condicionados,
também se adapsegundos
consideravam
que todo o sentido
tam e modificam, também são capazes de pasda educação estava na observância,
possivelsar para novas formas, como todas as demais
mente inofensiva, do processo natural de seu
reações. O professor não deve atribuir um sigdesenvolvimento.
nificado essencial ao paralelismo no desenvolNão é difícil compreender
que nenhum
vimento dos instintos, mas ao mecanismo de
desses pontos de vista pode ser admitido como
sua adaptação
social e posterior inclusão na
correto, pois cada um deles contém uma parte
rede geral do comportamento. QPONMLKJIHGFEDCBAverdadeira e outra errônea. O critério científico reconhece tanto aspectos negativos quanto
positivos nos instintos e tende a afirmar, em
D O IS C R IT É R IO S E X T R E M O S
concordância
com o ponto de vista geral sobre
S O B R E O IN S T IN T O
o processo educativo
- assim como sobre o
processo de domínio do crescimento espontâCom relação ao ponto de vista estático
neo da criança -, que os instintos representam
sobre o instinto, havia dois extremos em sua
uma enorme força educativa que pode ser tanvaloração
psicológica
e pedagógica.
Alguns
to nociva quanto útil. A eletricidade
do relâmviam nos instintos a herança do animal no ser
pago mata, mas quando o homem a domina
humano, a expressão das paixões mais desenela movimenta o trem, ilumina a cidade e transfreadas e selvagens, que tinham sobrevivido à
mite de um lado ao outro da Terra a palavra
época primitiva e selvagem, já vivida e supehumana. Da mesma forma, o psicólogo aborrada pela humanidade.
Consideravam
que os
da os instintos como uma enorme força natuinstintos eram uma espécie de órgãos rudimenral, espontânea, que constitui um fato que pode
tares, isto é, que em sua época tinham tido um
ser útil ou nocivo. Os instintos devem nos sersignificado e uma missão biológica corresponvir: "São terríveis
como amos e excelentes
dentes à etapa mais baixa da evolução do orcomo servidores", diz um psicólogo norte-ameganismo. Com a passagem para a etapa supericano. Por isso, o problema não deve se resurior, esses órgãos passaram a ser desnecessários
mir à observância
ou à luta contra o instinto,
e foram condenados a uma paulatina atrofia e
mas a conhecer qual é sua verdadeira natureextinção. Daí a avaliação psicológica sumamenza psicológica, o que nos dará a possibilidade
te baixa das capacidades instintivas e o lema
de dominar essa força educativa.
pedagógico de negar aos instintos todo valor
educativo, a total falta de preocupação
com o
desenvolvimento
do instinto e, por vezes, a
O IN S T IN T O C O M O U M M E C A N IS M O
exigência de combater, reprimir e frear os insDA EDUCAÇÃO
tintos infantis. Todo o sistema pedagógico educava com o lema de lutar contra os instintos.
Do ponto de vista psicológico, o instinto
O outro critério,
exatamente
oposto,
parece ser um poderoso impulso ligado às mais
exortava a se render perante
os instintos
e
complexas
necessidades
orgânicas,
que por
pretendia colocar o instinto como pedra funvezes atinge uma força totalmente
insuperável. O instinto é o impulso e o estímulo mais
damental do sistema educativo.
Esses psicólogos consideravam
que os instintos represenpoderoso para a atividade. Por isso, é compretavam a sábia voz da natureza, o mais perfeiensível que essa enorme força de impulso nato mecanismo de uma conduta infalível e justural deva ser plenamente
utilizada na área da
educação. Como a conduta instintiva não apreta, e lhes parecia que eles eram o modelo e o
ideal de uma atividade perfeita. Dessas consenta - como já esclarecemos - formas rígidas
siderações,
extraía-se a conclusão pedagógie estabelecidas,
ela pode se fundir nas formas
I
92QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de atividade mais diversas e, como um motor,
pode colocar em andamento as mais distintas
reações.
É totalmente impossível reprimir ou sujeitar os instintos, pois isso significaria combater infrutiferamente a natureza da criança; caso
essa luta fosse bem-sucedida, isso equivaleria
a menosprezar e acabar com a natureza infantil, despojá-Ia de suas propriedades mais valiosas e importantes. Basta lembrar o tipo de pessoas insignificantes e indolentes, covardes diante da vida, totalmente inúteis, que eram produzidas pela educação czarista, para a qual a
repressão do instinto era fundamental. Todo o
potencial da criação humana, o mais alto
florescimento do gênio, não são possíveis no
solo raquítico e anêmico da destruição dos instintos; pelo contrário, devem provir de seu
flores cimento total e da tensão repleta de vida
de suas forças. O psicólogo norte-americano
Thorndike diz mais ou menos o seguinte sobre
o instinto:"
Não se pode fazer o rio Niágara recuar para o
lago Erie e retê-lo lá, porém é possível, mediante a construção
de canais
de derivação,
dar
uma nova direção para suas águas e obrigá-I o
a nos servir, colocando em movimento
das de fábricas e oficinas.
as ro-
O mesmo ocorre com o instinto, que constitui uma imensa força natural, é a expressão
e a voz das reivindicações naturais do organismo; isso não quer dizer, porém, que deva ser
uma força terrível e destruidora. O instinto,
bem como todas as outras formas de conduta,
surgiu da adaptação ao meio, mas, como os
instintos representam formas de adaptação
muito antigas, é lógico que, com a mudança
do meio, essas formas de adaptação tenham
se tornado inadequadas ante circunstâncias
mutantes. Portanto, aparentemente
há certa
falta de correspondência entre o instinto e o
meio.
Como exemplo dessa falta de harmonia,
podemos nos referir ao instinto de autoconservação em sua forma defensiva e agressiva, conservada até os dias de hoje. O instinto de temor e de fuga do perigo é, sem dúvida, uma
das conquistas biológicas mais benéficas no
reino animal. Está correta a expressão: "O
medo é o guardião da humanidade". Sem o
medo, é provável que a vida não tivesse podido se desenvolver até suas formas superiores.
É sumamente útil que, diante do perigo, o animal fuja de forma instintiva. No entanto, nos
últimos séculos, as condições de vida modificaram-se tanto que, diante do perigo, a fuga
instintiva deixou de ser [necessariamente] a
reação mais adequada para o ser humano. Para
uma lebre é útil que, diante do mais leve ruído, suas orelhas se ergam e todo o seu corpo
trema, pois isso a protege do caçador e do predador. Entretanto, nem sempre é útil que o ser
humano, ao se deparar com um perigo, empalideça, comece a tremer e fique sem voz. As
condições do ambiente variaram tanto que o
ser humano deve reagir ao perigo de modo
completamente diferente. O mesmo ocorre com
a cólera. Para um animal carnívoro que se depara com um inimigo, é sumamente útil que
lhe mostre seus dentes de forma reflexa, que o
sangue flua até sua cabeça, as patas fiquem
tensas para atacá-lo, mas para o ser humano
dificilmente será útil que, em um acesso de
cólera, seus pômulos fiquem tensos e ele aperte as mandíbulas e os punhos. Em outros termos, os instintos como forma de adaptação elaborada em determinadas condições, só podem
ser úteis nessas condições; em condições modificadas, porém, podem estar em desacordo
com o ambiente e, então, a educação é que
terá de eliminar essa falta de harmonia e fazer
com que os instintos novamente entrem em
concordância com as condições do meio. Toda
a cultura humana relativa ao próprio homem
e ao seu comportamento não passa dessa adaptação dos instintos ao ambiente.
o
C O N C E IT O
D E S U B L IM A Ç Ã O
Para a velha psicologia, a psique humana
limitava-se ao estreito âmbito de suas vivências
conscientes. Por isso, eram incompreensíveis e
enigmáticos para ela todos os fenômenos psíquicos dos quais o homem não é consciente,
mas que, imperiosa e insistentemente, manifes-
P S IC O L O G IA
tam-se na esfera do comportamento.
Os psicólogos propuseram
que esse campo de reações
que determina nosso comportamento
fosse chamado de esfera subconsciente
ou subliminar
([do latim] JIHGFEDCBA
l i m e n = umbral), isto é, que se encontra sob o umbral da consciência.
Por meio de pesquisas,
ficou evidente
que na esfera subconsciente
jazem certas tendências, certos impulsos instintivos, que, por
algum motivo, não puderam
ser satisfeitos.
Entraram
em conflito com outras forças psíquicas e foram exilados para o terreno inconsciente, parecendo
que não exercem influência sobre nossa condutarNo
entanto, apesar
desse deslocamento,
continuam
existindo
e
exercendo sua ação no processo do curso das
reações. Ao mesmo tempo, essa ação pode ser
de duplo caráter, de acordo com o resultado
do conflito. Se o conflito adota formas duradouras, as tendências e os desejos deslocados
exercerão uma ação perturbadora
e desorganizadora sobre o curso das reações e utilizarão cada oportunidade
para penetrar
novamente na consciência, irromper em seus processos e dominar o mecanismo
motor. Nesse
caso, sempre temos no subconsciente
um inimigo raivoso, menosprezado,
encurralado
na
clandestinidade.
O desenlace
desse conflito
por vezes adota as formas mórbidas da doença neurótica.
A neurose propriamente
dita é
uma forma de doença em que o conflito entre
os instintos e o meio leva à insatisfação
daqueles, ao deslocamento
das pulsões para a
esfera subconsciente,
a uma grave dissociação da vida psíquica. Embora esses conflitos
não assumam
formas claramente
mórbidas,
eles continuam
sendo, na realidade,
uma
anormalidade
e podemos dizer francamente
que o sistema de educação que não resolve a
questão do instinto é uma fábrica de neuróticos. O refúgio na neurose é a única saída para
as paixões que não foram satisfeitas e para os
P E D A G Ó G IC A
93
mação da energia mecânica, luminosa, elétrica, etc., na psique o funcionamento
dos diferentes centros não é algo fechado e isolado, mas
algo que admite a possibilidade de transição de
certas tendências para outras, de algumas reações para outras. Denomina-se
sublimação a
transformação
dos tipos inferiores de energia
em tipos superiores, mediante a repressão ao
subconsciente.
Portanto, do ponto de vista psicológico, existe um dilema com relação à educação dos instintos: neurose ou sublimação, isto
é, um eterno conflito entre as paixões insatisfeitas com nosso comportamento,
ou a transformação das paixões inadmissíveis em formas
mais elevadas e complexas de atividade.
A EDUCAÇÃO
D O IN S T IN T O
SEXUAL
Para esclarecer todos os problemas do instinto, vejamos, por exemplo, o instinto sexual
e sua educação. O fato de que o instinto sexual seja o mecanismo
biológico mais poderoso
de preservação
da espécie e que, se ele se esgotar, a vida se extingue, não requer esclarecimentos especiais. Também é evidente que, psicologicamente,
o instinto sexual representa a
mais poderosa fonte de impulsos psíquicos, sofrimentos, gozos, desejos, dor e alegria.
O problema da educação sexual sempre
foi resolvido de diferentes maneiras, mas adotou formas penosas nas últimas décadas, em
que a moral burguesa, por um lado, e as condições culturais, por outro, junto com o regime do sistema educacional,
levaram o problema a um beco sem saída, sem oferecer nenhum
modo de resolvê-lo, É difícil imaginar algo mais
terrível que a atitude relacionada à vida sexual
de uma escola do passado próximo.
O problema sexual foi oficialmente desterrado da vida escolar e considerado
inexistente. Essa ignorância
do problema fez com
que se lutasse contra todas as manifestações
instintos não-realizados.
do sentimento
sexual e se declarasse que todo
O conflito adotará uma forma diferente
esse
campo
era
sujo e ruim; a isso os educanquando as paixões deslocadas da esfera da consdos responderam
com neuroses, com graves
ciência adotarem formas mais elevadas, quandramas
ou
colocaram
na clandestinidade
essa
do se transformarem
em formas superiores de
magnífica força do corpo humano;
[isso fez
energia psíquica. Esse caso é chamado de s u b l i com que] a educação e a instrução sexual pasm a ç ã o . Assim como na física ocorre a transfor- QPONMLKJIHGFEDCBA
94QPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sassem às mãos de criados e colegas corruptos. Daí provêm todas as formas de anormalidades sexuais que tão tragicamente cortaram
as próprias raízes da vida e encontraram guarida na escola.
Devemos contrapor à velha escola duas
teses fundamentais relacionadas à questão. Em
primeiro lugar, a rejeição do critério de que a
infância é uma idade angelical assexuada e que,
portanto, o problema sexual não existe nessa
faixa etária. Em segundo, a eliminação da educação sexual do sistema comum de influências
educativas, a total anulação desse âmbito vital na juventude e a mera proibição burocrática imposta a essas questões é a pior de todas
as saídas.
O novo ponto de vista nos obriga a admitir que o estado infantil não deve ser concebido como totalmente assexuado até o período
de amadurecimento
sexual. Ao contrário, a
pesquisa psicológica mostra que até na infância existe uma sexualidade infantil e diferentes manifestações patológicas e normais referentes a ela. A masturbação nos primeiros anos
da puberdade e até na primeira infância é um
fenômeno estabelecido há muito tempo pela
prática médica. A prática da psicanálise, assim
como a pesquisa que envolve adultos portadores de doenças mentais, desvelou o conflito no
qual se incluem vivências sexuais infantis.
Essas vivências sexuais adotam formas
totalmente diferentes das adultas. Em primeiro
lugar, na infância existe uma forma de erotismo amplamente distribuído, não-vinculado ao
funcionamento dos órgãos sexuais, não-localizado em lugares rigorosamente delimitados,
mas estimulado pelas aferências dos mais diversos órgãos e ligado, sobretudo, às membranas mucos as do corpo e às zonas erógenas. O
caráter desse erotismo diferencia-se do erotismo adulto: adota a forma do auto-erotismo,
isto é, um erotismo dirigido para si mesmo, e
de um narcisismo psicologicamente normal, ou
seja, um estado tal que as excitações eróticas
partem do próprio corpo e se resolvem nele.
Seria totalmente inadmissível supor que um
sistema tão importante como o sexual pudesse existir de forma absolutamente independente de todo o resto e manifestar-se de repente a
certa idade.
No período imediato posterior, o erotismo
infantil adota novas formas. Costuma estar orientado para as pessoas mais próximas da criança e introduz um componente complexo em sua
atitude com relação à mãe e a outras pessoas.
O sentimento da diferença sexual está ausente
nas crianças, mas com muita freqüência nos deparamos com paixões infantis, que com freqüência são impulsivas e intensas. Em geral, podemos dizer que em todo esse período da vida da
criança o instinto sexual assume formas ocultas
e não-manifestas, e que, em condições normais,
ele segue o caminho da sublimação. No início
da puberdade, observamos no comportamento
de meninos e meninas uma série de peculiaridades que os transformam em pequenos homens
e pequenas mulheres. Em todos esses casos,
estamos, sem dúvida, diante do instinto sexual
sublimado.
M uito mais complexo é o problema da
educação do instinto sexual no período de amadurecimento sexual [puberdade], quando as
paixões despertadas não encontram saída nem
satisfação e se manifestam por meio desse estado tempestuoso, confuso e inquieto da psique
que todos vivenciam durante o período da adolescência e juventude. Aqui o sentimento sexual
adota inevitavelmente o caráter de um conflito, cujo feliz resultado só é possível caso ocorra
a necessária sublimação, isto é, se as forças tempestuosas e daninhas do instinto forem orientadas por canais adequados. Como objeto da
educação, o instinto sexual exige adaptações à
estrutura social da vida não contrárias às formas estabelecidas da mesma, e a tarefa em geral não consiste em reprimir ou enfraquecer o
instinto sexual. Ao contrário, o educador deve
se preocupar com sua preservação plena e seu
desenvolvimento normal. A divergência fundamental desse instinto
com as condições
ambientais reside no fato de que o instinto, em
suas formas hereditárias, naturais, é completamente indiferente, cego e não tem conexão com
o fim primordial ao qual serve. O instinto sexual
do animal e do ser humano está orientado para
todos os seres do sexo oposto.
A diferença essencial que a cultura introduz na conduta sexual radica no caráter pessoal eletivo que o sentimento sexual adota no
ser humano. A partir do momento em que esse
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
95
instinto se orienta para uma pessoa determizem as crianças, de bebês encontrados em renada e parece se extinguir com relação a todas
polhos, evidenciam-se logo como falsas, colocam sobre o tema um manto de silêncio, desas restantes, deixa de ser um instinto animal e
pertam a curiosidade das crianças, que relaciose transforma em sentimento humano. Romeu
nam tudo isso, em sua compreensão, a algo
e Julieta não puderam sobreviver um sem o
ruim e vergonhoso, impelindo-as a tentar saoutro, apesar de, em Veneza, haver muitas
moças e rapazes belos' que podiam ser seus
ber tudo através de fontes inadequadas e corruptas, que turvam e sujam a psique e a imagiesposos. M as Romeu precisava apenas de
nação infantis. Nesse sentido, o fato de a crianJulieta, e ela só queria seu Rorneu.'? No munça conhecer a verdade sobre a vida sexual
do dos animais esse fato seria inconcebível e a
transforma-se em uma imperiosa necessidade
partir daí é que começa o humano no instinto
sexual. Por esse motivo, os psicólogos contempsicológica, e o lema dos professores com reporâneos
devem re al izar uma profunda
lação a essa questão passou a ser a expressão:
reavaliação dos valores ná pedagogia sexual.
"M elhor um dia antes que uma hora depois".
O amor juvenil, que nos últimos tempos
Entretanto, temos de rejeitar a valorização exagerada da instrução sexual, pois seu
era considerado algo inadmissível e nocivo
significado é limitado e, com freqüência, conentre nós e, por isso, adotava as formas anôvencional. Acima de tudo é impossível consimalas da sedução ou da conquista frívola, para
derar a instrução sexual como um recurso funo novo psicólogo é o único meio de humanizar
o instinto sexual. Esse amor ensina a limitar o
damental da educação sexual. O ser humano
instinto e a orientá-lo em uma só direção, cria
pode ser muito instruído e muito mal-educado
no aspecto sexual. Os instintos são demasiado
a capacidade fundamental de estabelecer relações totalmente excepcionais com uma só
complexos e sutis para que possam ser combapessoa, diferenciando-a de todas as outras retidos e submetidos apenas com conhecimenlações humanas e concedendo-lhe um signifitos. A instrução sexual, assim como toda norcado exclusivo e profundo. O amor na juvenma moral, é totalmente impotente com relatude é a forma mais natural e inevitável de
ção às tendências reais, não pode lhes dar a
sublimação do instinto sexual. E o objetivo fidireção necessária. O fato de compreender
nal, o fim último dessa educação consiste apecomo se deve agir não significa, de forma alguma, que alguém vai agir de forma correta.
nas em ensinar o amor às pessoas. A outra diAo contrário, com muita freqüência isso devergência entre o instinto e o ambiente é a falta de harmonia entre sua não-utilização prátitermina colisões muito dolorosas na conduta
infantil. Por exemplo, as explicações e indicaca e a enorme tensão que transmite e, nesse
ções sobre os problemas
causados pela
sentido, a tarefa da educação não reside em
masturbação infantil, a intimidação, etc., são
orientar o instinto pela linha da menor resistência, nem pelo caminho mais curto e simtotalmente ineficazes na luta contra a mas tu rples da satisfação imediata, mas através de um
bação infantil." A parte fundamental do dano
surgiu de uma instrução inepta, porque a intilongo, difícil e belo caminho.
Por último, é preciso vencer o instinto
midade da criança criou um penoso conflito
cego, introduzido na esfera comum da consentre uma tendência invencível que não enciência, vinculá-lo ao resto do comportamencontra outra saída e a consciência atormentadora da culpa, do temor e da vergonha. Incato, ligá-lo à meta e à função que está destinado a cumprir. Há muito se promove a instrupaz de superar esse conflito, a criança sofre
muito mais por causa de perigos imaginários
ção sexual como medida educativa fundamental. Entendemos por instrução sexual fazer com
que reais. Além disso, nem sempre a instrução
sexual leva em consideração a psicologia dos
que as crianças conheçam, desde a idade mais
interesses da criança. É comum' que, nos matenra, o critério científico sobre a vida sexual.
A rigor, não se pode deixar de reconhecer as
nuais estrangeiros, se ofereça material às crianças sem levar em conta seus genuínos interessaudáveis forças educativas
da instrução
sexual. Todas as histórias de cegonhas que tra- QPONMLKJIHGFEDCBA
ses. Por exemplo, o processo. de reprodução dos
96QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vegetais e animais, com o qual geralmente se
inicia a instrução sexual, interessa menos à
criança que a questão de saber corno nasceu
seu irmãozinho. Por outro lado, ainda não está
ao alcance da criança captar [dois] processos
tão distantes corno a geminação dos vegetais e
o nascimento de urna criança mediante urna
idéia comum; ela não pode compreender a
unidade de ambos.
Por último, o extraordinário tato que é
necessário na questão da instrução sexual também se deve ao fato de que a criança, na verdade, não compreende nenhum tipo de conhecimento abstrato e não vai saber separar essas
novas informações em um grupo especial, mas
as combinará com seu próprio instinto de curiosidade e investigação, isto é, os objetivos da instrução sexual podem estar acima das possibilidades da criança. Tudo isso, naturalmente, nos
leva a encarar a instrução sexual com a maior
cautela, ainda que não deva ser totalmente rejeitada. Deve-se reconhecer a ela um valor relativo e adiá-Ia, por considerações psicológicas,
para urna idade posterior, quando os três perigos ligados a ela, corno o interesse pelo concreto, a incapacidade de fazer generalizações científicas e a utilização prática de qualquer conhecimento diminuam consideravelmente.
Ligada a outras medidas educativas, a instrução sexual ministrada com certo tato pedagógico pode ser sumamente útil e importante.
O mecanismo da educação do instinto sexual
consiste nessa sublimação quejá mencionamos.
Observou-se há tempo que a secreção interna
das glândulas sexuais está intimamente relacionada às formas superiores da atividade humana, da criação e do gênio. Em particular, as
raízes sexuais da criação artística são completamente evidentes. Os antigos gregos compreendiam tão bem esse nexo que chamaram de Eros
não só a força da atração sexual, mas também a
tensão entre a criação poética e o pensamento
filosófico. Platão'" expressou muito fielmente,
ainda que de forma mítica, essa profunda verdade. Conforme sua teoria, o mais baixo e o
mais elevado combinam-se em Eros, que é representado corno filho do deus da abundância
e da deusa da miséria: "é pobre, grosseiro, sujo,
dorme sobre a terra sem se cobrir, porém sempre busca o bem e a beleza, é um grande mago
e feiticeiro"." Schopenhauer expressou essa
mesma idéia quando destacou que a máxima
tensão da criação aparece precisamente quando o desejo sexual am adurece." E é fácil perceber, através da experiência, que toda perturbação e todo esgotamento do sentimento sexual
são acompanhados do enfraquecimento e da
agonia da criação. Não é assombroso que a idade mais criativa do ser humano seja a da plenitude sexual. Daí que a sublimação do instinto
sexual, isto é, seu deslocamento ao inconsciente para interesses mais elevados, para alimentar a partir de lá a criatividade, seja a linha fundamental da educação sexual. Todos sabem até
que ponto [a criatividade] é facilitada por esse
estado peculiar de tempestade e estímulo, por
essa sede de façanhas, por essa enorme quantidade de aspirações que há na juventude. Nesses casos, o professor não deve criar artificialmente nenhuma fonte para a sublimação. Ajuventude é a idade da criatividade natural, e o
professor só tem de escolher a direção para a
qual a sublimação deve ser encaminhada.
A segunda fonte de sublimação, não menos rica que a criação pessoal, pode ser as
relações sociais, que também são urna espécie de canais naturais pelos quais é orientado
o instinto sexual sublimado. A amizade e o
companheirismo,
os profundos afetos e vínculos espirituais que unem os jovens nesse
período não têm paralelo em nenhum outro
período da vida humana. Urna amizade corno
a juvenil não ocorre em nenhuma outra idade do ser humano. E, sem dúvida, essas relações sociais se alimentam, em última instância, na mesma fonte que a criatividade juvenil. Ao mesmo tempo, deve-se levar em conta
que a sublimação é um processo interno, profundamente íntimo, de agonia da semente
para voltar a germinar.
A S P R E M IS S A S
P S IC O L Ó G IC A S
DA EDUCAÇÃO
M IS T A
Resta-nos considerar o problema relacionado aos meios que permitem chegar a essa
sublimação. Todos podem compreender que os
recursos da prédica moral e também os da instrução sexual são completamente inoperantes
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
97
para se contrapor aos intensos focos de excitanhoso e indecente, e com quem estão excluíção que surgem graças à atividade sexual. A
das antecipadamente todas as relações de companheirismo, e vice-versa. No sistema de eduesta é preciso contrapor focos igualmente incação czarista, no antigo secundário, por exemtensos e que ajam de forma permanente. Isso
plo, a relação entre os sexos ocorria apenas
não se consegue isolando a educação sexual
como uma questão especial, mas criando um
em algumas formas de comunicação! como
- clima sistemático de trabalho que corresponda
bailes durante as festas, namoricos secretos e
aos interesses vitais dos jovens e que repreflertes frívolos. Subentende-se que isso contrisente um sistema bem-organizado de canais
buía para criar um ambiente peculiar fechado
de derivação que possam abranger e orientar
e doentio na relação sexual, no qual o instinto
a energia sexual sublimada. Precisamente na
sexual era deslocado e limitado, porém, como
criação desses canais reside a tarefa da educanão tinha saída nem utilização racional, manição sexual, que deve ser resolvida, portanto,
festava-se impetuosa e vivamente nas formas
em um lugar à margem das questões do sexo.
mais animais, bruscas e grosseiras.
A única medida de caráter social necesDevido a essa educação, naturalmente,
sária é a prática da educação conjunta de amelaborava-se o critério de que, com a mulher, o
bos os sexos, que se tornou habitual para nosúnico relacionamento possível é o sexual, que a
sa escola, mas que ainda não obteve aceitação
mulher é, acima de tudo, uma fêmea, e que toda
geral e continua se deparando com objeções.
pessoa do outro sexo, só por isso, é o mais inAs premissas psicológicas desse sistema são
tenso excitante do instinto. Em nenhuma partotalmente simples e claras. A primeira delas
te, nem nos locais mais depravados, a opinião
consiste na regra psicológica básica conforme
sobre a mulher estava tão ligada às peculiaria qual, se quisermos extinguir a força de um
dades sexuais quanto nos mosteiros. Por ser suexcitante, devemos preocupar-nos em tornámamente raro, o excitante conservava uma ex10 constante, habitual, totalmente imperceptítraordinária força em sua ação, e o sistema desvel e incapaz de provocar uma reação especial.
sa educação é chamado acertadamente de sisQuanto maior for a quantidade de combinatema de excitação do instinto sexual. Também
ções em que esse excitante estiver presente,
é muito convincente o fato de que, quanto mais
tanto mais fácil será fazer com que ele se torrigoroso fosse o sistema de educação separada,
ne imperceptível e relativamente neutro. Deiquanto mais isolados estavam os dois sexos, o
xaremos de notá-lo, da mesma maneira que
instinto adotava formas mais agudas e desagranão percebemos a luz, o ar ou uma situação
dáveis, como ocorria, por exemplo, nos centros
habitual, e elaboraremos as reações automátide ensino fechados, exclusivos para homens ou
cas, mais sutis e finas, sólidas e breves em seu
mulheres.
tratamento.
Em segundo lugar, ao estarem em comuAssim, a primeira tarefa da educação senicação constante entre si, ao estabelecerem
xual é enfraquecer essa reação ante qualquer
milhares das mais diversas e complexas relapessoa do sexo contrário. A educação não-mista
ções entre si, tanto meninos como meninas
realça exatamente o objetivo oposto. Como
aprendem a não reagir, a não perceber as pardeseja isolar os excitantes sexuais, preservanticularidades sexuais; estas se tornam habitudo assim o instinto de uma manifestação preais e não-obsessivas, não-irritantes, compreenmatura, a educação separa e destaca a difesíveis. A partir daí não se percebe mais o sexo,
rença entre os sexos, exclui a existência de um
da mesma forma como acontece com a luz, o
centro de comunicação entre ambos, concenar ou o corpo. Criam-se canais vastos e podetrando toda a atenção dos educandos nas diferosos pelos quais a excitação sexual pode fluir,
renças sexuais. A partir dos primeiros anos de
de modo que a tarefa da sublimação já se reescolaridade, o menino aprende a olhar para a
solve, em grande parte, por esse fato.
menina como um ser completamente diferenEm terceiro lugar, o mais importante: a
te, com outros interesses, cujo tratamento não
possi_bilidade de realizar a principal tarefa da
é permitido e constitui algo impróprio, vergo- QPONMLKJIHGFEDCBA
educação do instinto sexual, isto é, a elabora-
98QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ção da função seletiva, a capacidade de fazer
convergir e concentrar o amor em uma só pessoa, vai se formando de forma ótima sobre o
pano de fundo do amortecimento dos excitantes sexuais. Além disso, a comunidade de interesses pode diluir o componente puramente
sexual do amor juvenil em uma pluralidade de
outras manifestações da simpatia e, dessa forma, serão obtidas as formas mais sutis e complexas da sublimação. Os jovens devem passar, inevitavelmente, por sua "etapa de cavalheiros" com relação à mulher. Agir como "cavalheiro", como categoria psicológica, é uma
forma de educação sexual:
Contra a educação mista, costuma-se argumentar que existem diferenças fisiológicas
e psicológicas entre meninos e meninas, e que
essas diferenças clamam por sistemas e programas educativos diferentes, como ocorria
entre nós quando o ensino médio feminino
distinguia-se do masculino tanto pelos seus
programas quanto pelo sistema de educação.
Não é difícil perceber que essas exigências
eram, na maioria das vezes, de caráter social,
e provinham de fontes totalmente diferentes.
Acima de tudo, levavam-se em conta os diversos destinos para os quais se preparavam meninos e meninas na escola burguesa. O ideal
da educação dependia do tipo de vida que o
futuro reservava para homens e mulheres. Em
outras palavras, isso se devia à correspondência entre a escola e o meio social que, como já
vimos, é a principal regra da pedagogia. Atualmente, devido à reorganização revolucionária
do sistema social, como é lógico, também mudam as relações na escola. E visto que uma
ética igualitária da vida sexual se transforma
em norma fundamental tanto para o homem
quanto para a mulher, acaba a necessidade de
se ter uma educação especial para esta.
Por último, as diferenças puramente psicológicas entre um menino e uma menina, assim como as diferentes capacidades para algumas matérias, por exemplo, a tão propalada
inépcia das meninas para a matemática ou para
as atividades dinâmicas, também não são dons
primariamente condicionados, mas derivados
do papel histórico da mulher, em que a diferenciação das funções sociais a condenava ao
( K in d e r ; K ü c h e ,
estreito círculo dos quatro K JIHGFEDCBA
[em alemão], ou seja: filhos, cozinha, vestidos e igreja.
No entanto, não resta dúvida de que existem diferenças essenciais no comportamento
de meninos e meninas, resultantes de suas diferenças sexuais e que se manifestam bastante prematuramente.
Todas essas diferenças,
em grande parte, estão relacionadas aos instintos, porém também aqui é sumamente difícil dizer até que ponto desempenha um poderoso papel o exemplo contagioso do meio
social e da imitação das crianças. Por exemplo, quando brincam de bonecas e evidenciam
outras manifestações do instinto paterno ou
materno, sem dúvida encontramos uma cópia mais ou menos exata das relações que a
criança enxerga em casa. Sem dúvida, há uma
diferença psicológica essencial entre meninos e
meninas, mas essa diferença é de tal índole que
não pode ser levada em conta nos manuais e
programas educativos.
A tarefa da escola não reside em medir
todos os alunos com a mesma régua; pelo contrário, um dos objetivos da estruturação do
meio social escolar consiste em obter a organização mais complexa, diversa e flexível possível de seus elementos. Esses elementos não
devem ser incompatíveis e devem concordar
com o sistema. Em um sistema rico e flexível,
as diferenças sexuais podem facilmente ser levadas em consideração durante a influência
educativa. E, como a premissa psicológica básica de nossos sistemas educativos é estabelecer na escola os vínculos que posteriormente
serão necessários na vida, devemos impregnar
de antemão a escola com uma rede dessas relações não-sexuais, que depois serão imprescindíveis na vida. E isso pressupõe a mais ampla comunicação de ambos os sexos na escola
como base do sistema educativo.
Ainda resta uma última questão sobre a
defesa da educação separada para meninos e
meninas durante o período da idade de transição," vivenciada com particular dramaticidade
e em períodos diferentes por ambos os sexos.
Percebe-se facilmente que essa proposta apresenta todas as falhas de um meio compromisso e evidencia ainda mais sua falácia. Nos fatos, se admitimos o papel sexual saudável da
educação mista, também temos de reconhecer
K le id e r ; K ir c h e
P S IC O L O G IA
que sua necessidade nunca é sentida de forma
tão aguda e poderosa quanto nos anos críticos
do amadurecimento sexual. E, se estamos de
acordo que a educação separada destaca as diferenças sexuais, irrita e instiga o instinto sexual, também concordamos que o dano dessa
irritação nunca é tão forte e perceptível como
nesse período. Portanto, a particularidade desses anos, no sentido de ser o período mais crítico da vida sexual, não só não enfraquece, mas
acentua a necessidade psicológica da educação mista.
.'QPONMLKJIHGFEDCBA
A A P L IC A Ç Ã O
P E D A G Ó G IC A
D O S IN S T IN T O S
A primeira questão com a qual o professor se depara é o problema geral da direção
em que os instintos devem ser orientados. A
regra mais geral será aqui a utilidade social do instinto e a possibilidade de utilizá-I o nas
formas mais inofensivas, cultas e aceitáveis.
Deixando de lado a pedagogia da repressão do
instinto, há dois pontos de vista possíveis sobre a questão.
O primeiro ponto de vista, conservador,
ressalta a necessidade de superar os instintos,
isto é, de educar no sentido de que o instinto,
assumindo formas inofensivas e pacíficas, permita reagir às excitações ligadas a ele por meio
de atividades artificiais. Assim, por exemplo,
menciona-se a paixão de colecionar como uma
forma inofensiva de superar o instinto de cobiça e acumulação. Também se sugere o esporte como uma forma de superar os instintos
de luta, a vontade de lutar e a rivalidade. Ao
mesmo tempo, se propõe a criação de tipos de
atividade - como se fossem válvulas de segurança do instinto - em que a energia instintiva
excessiva possa ser liberada.
Destaca-se que essa superação dá resultados psicológicos excelentes, que o ser humano que colecionou muito em sua infância nunca manifesta cobiça nem avareza mais tarde e
que, portanto, é preciso criar tipos substitutivos
de atividade em que o instinto, ainda que conserve todas as suas peculiaridades, esteja orientado para um objeto inocente. Tudo consiste
na direção que se dá ao instinto, no lado para
P E D A G Ó G IC A
99
o qual ele é orientado. Aqui reside a essência
do problema, dizem os partidários desse critério. No prazer de colecionar conserva-se toda
a força, a agudeza e a paixão da tendência instintiva à acumulação, porém orientada para
selos postais ou cachimbos, o que a torna, portanto, inócua. Através do esporte elimina-se
toda a força do instinto de rivalidade, o desejo
de vencer o inimigo, de superar o concorrente, de causar uma contrariedade ao outro, de
abrir caminho ou obter sucesso deslocando os
outros; essas qualidades sociais duvidosas adquirem então uma orientação inofensiva, pois
o dano é causado no tabuleiro de xadrez ou na
pista de críquete, a concorrência se exprime
no melhor lançamento de martelo ou na forma de chutar a bola de futebol.
No entanto, é fácil perceber que esse ponto de vista apresenta algumas falhas. Em primeiro lugar, ao se criar e cultivar atividades
artificiais desse tipo, corre-se o risco de se formar uma série de paixões e parcialidades e de
se criarem pessoas excêntricas. Algo frívolo e
ofensivo para a vida, algo pouco inteligente
está presente na paixão desmedida pelas satisfações mais inocentes, e o caçador fanático que
se ocupa de trivialidades ou aquele que borda
tule com fios de seda, ainda que seja inofensivo, como o célebre personagem de Gogol," representa uma espécie de caricatura da personalidade. Compreende-se facilmente que, com
um forte desenvolvimento do instinto, obteremos inevitavelmente essas formas de excentricidade e, por isso, temos de admitir que o
princípio de superação dos instintos não representa uma solução radical do problema.
Em segundo lugar, esse princípio educativo é antieconôrnico. Ele se propõe a tornar o
instinto inofensivo, porém a questão reside em
sua utilização; ele gasta em vão, em objetivos
insignificantes e vazios, as mais preciosas forças da ambição, do ímpeto e da perseverança
humanas.
Em terceiro e último lugar, nem sempre esse princípio alcança seus objetivos. Não
reeduca o instinto, mas apenas a esfera de
sua aplicação. O instinto não' é superado,
mas, pelo contrário, assim como ocorre com
um jogador ou colecionador fanático, com
freqüência ele se torna mais estável, tenaz e
100
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é reforçado
sem cessar. Portanto,
obtém-se
continuamente
o enraizamento
e o reforço
do instinto, em vez de sua superação.
Por isso, na pedagogia dos instintos devese promover outro princípio, em vez da superação dos mesmos: sua máxima utilização no
processo educativo. Desse ponto de vista, devese construir cada vez com maior decisão os sistemas de educação,
tomando
como base as
tendências
instintivas
da criança. Ao mesmo
tempo, é preciso reelaborar formas da atividade instintiva que ajudem a orientá-Ia pelo caminho de um desenvolvim.ento
educativo útil.
Nesse sentido, o mesmo 'princípio psicológico
de formação de novos vínculos, que ocorre no
caso dos reflexos condicionados,
transformase na base da educação. No processo da atividade e da reação, os instintos passam facilmente de um para o outro. Assim como no caso do
cavalheiro cobiçoso de Pushkin.!? o desejo de
poder gerou a cobiça, porque a conquista do
poder estava vinculada a uma incessante acumulação de dinheiro. Da mesma maneira, a
lei psicológica fundamental
reside na passagem de um instinto ao outro, na transformação de qualquer atividade de meio em um fim
em Si mesmo.
É sumamente fácil explicar a diferença
psicológica de ambos os princípios com base
nos exemplos mencionados.
Colecionar selos,
que é uma atividade infrutífera e desnecessária, pode se transformar
em um valioso meio
educativo se for combinado com alguma atividade mais complexa, como o estudo inicial da
geografia, a prática da correspondência
internacional, a avaliação estética dos selos; nesse
caso, o fato de colecionar, combinado com uma
atividade mais complexa, tornará realmente
possível transferir o instinto de acumulação dos
selos para o conhecimento
geográfico relacionado a eles ou para o sentimento
de comunicação internacional.
Aqui ocorre uma efetiva conquista do instinto, quando a tendência inata à acumulação
e à apropriação
começa a nutrir e a impulsionar a paixão por acumular conhecimentos
ou
por conhecer o mundo inteiro. Ou, no caso do
xadrez, a complexidade
das combinações mentais, a necessidade
do mais complicado traba-
lho mental
em cada momento
em que pensa-
mos nos movimentos
mais adequados,
transforma-se primeiro em um simples meio e em
uma necessidade
para alcançar o objetivo do
jogo, mas pouco a pouco deixa de ser um meio
para se transformar
em um fim em si mesmo;
para um bom enxadrista, o momento puramente emocional da luta, o triunfo e a defesa deslocam-se para um segundo plano em comparação com o prazer do pensamento
abstrato e
da solução das tarefas mais complexas. A satisfação sentida por um enxadrista
com suas
jogadas não é mais a mera satisfação de derrotar o adversário, mas a satisfação infinitamente superior de ter resolvido acertadamente
um
problema,
de ter encontrado
a saída correta
para uma situação confusa. Se isso fosse psicologicamente
falso, o interesse do jogo contra um adversário fraco - se as demais condições são iguais - seria exatamente
o mesmo
que jogar contra um forte. O princípio geral
pode ser formulado
da seguinte maneira: a
regra pedagógica básica da educação dos instintos não exige sua mera anulação, mas seu
uso e sua transferência
para tipos mais elevados de atividade.
O S IN T E R E S S E S
IN F A N T IS
A principal forma de manifestação do instinto na infância é o interesse, ou seja, a inclinação particular do aparelho psíquico da criança para este ou aquele objeto. Os interesses
têm um significado universal na vida infantil.
Tudo o que fazemos, inclusive o menos interessante, como diz Thorndike,
tem a ver com
o interesse, mesmo que este seja negativo: o
medo do desagradável.
Portanto, o interesse é
uma espécie de motor natural do comportamento infantil, é a fiel expressão de uma inclinação instintiva, o indicador de que a atividade da criança coincide com suas necessidades
orgânicas. Por isso, é fundamental
que todo o
sistema educativo e o ensino sejam construídos em função dos interesses infantis.
Uma lei psicológica diz o seguinte: antes
de tentar incorporar
a criança a qualquer atividade, temos de despertar seu interesse pela
101
PSICOLOGIA PEDAGÓGICARQPONMLKJIHGF
mesma, temos de nos preocupar em saber se
ela está preparada para essa atividade, se possui todas as forças necessárias para ela e se
está preparada para agir sozinha; ao professor
corresponde apenas dirigir e orientar sua atividade. Até a mímica externa do interesse
mostra claramente que o interesse denota a
disposição e a preparação do organismo para
certa atividade, acompanhadas de uma elevação da vitalidade geral e de um sentimento
generalizado de satisfação. Quem escuta com
interesse retém a respiração, orienta o ouvido
para o lado do falante, não deixa de observá10, abandona qualquer outro trabalho e movimento e, como se costuma dizer, "fica todo
ouvidos". Essa é a mais evidente expressão da
concentração total do organismo em um único ponto, de sua completa redução a apenas
um tipo de atividade.
Ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração um perigo essencial com o qual o
professor se depara e que consiste em que, com
o desejo de se interessar por algo e a todo custo, surja facilmente uma substituição de interesses. Provoca-se o interesse, mas não o que é
necessário e para aquilo que é necessário. Em
um manual de psicologia americano apresenta-se um relato eloqüente. Em uma escola rural, uma professora que pretendia ensinar geografia decidiu começar por ensinar às crianças
o que era acessível, próximo e compreensível
para elas - os campos, as colinas, os rios e as
planícies que as rodeavam. No entanto, isso
não despertou nenhum interesse nas crianças.
O que aconteceu era que a professora anterior,
desejando interessar as crianças para lhes explicar o que é um gêiser, tinha trazido uma bola
de borracha com um orifício; ela a encheu de
água, escondeu-a deliberadamente
em um
monte de areia e, pressionando com o pé no
local adequado, fez com que o jato de água
surgisse de debaixo da areia, para entusiasmo
geral da criançada. Essa mesma professora,
quanto tentou explicar um vulcão, tinha utilizado um pedaço de algodão encharcado com
enxofre e o tinha colocado em uma pequena
montanha de areia, para fazer de conta que
era uma cratera. Tudo isso despertou o maior
interesse nas crianças, e elas declararam à nova
professora: '~á sabemos tudo isso, seria melhor que nos mostrasse fogos de artifício, como
Miss N."; "ou uma seringa de borracha", propôs outra criança.
Podemos perceber facilmente, por meio
desse exemplo, que um interesse foi substituído pelo outro de forma errônea. Sem dúvida,
a primeira professora conseguiu despertar o
mais vivo interesse das crianças, mas era um
interesse pelo truque, pelos fogos de artifício e
pela seringa de borracha, e não pelo gêiser e
pelo vulcão. Esse tipo de interesse não é pedagogicamente útil, e pode ser até profundamente nocivo porque, em vez de facilitar a atividade que exigimos das crianças, concorre com
ela sob a forma de um poderoso interesse, enfraquecendo assim a preparação do organismo que o professor espera provocar. É muito
fácil despertar o interesse contando casos concretos nas aulas de história, mas é difícil evitar
que esse interesse tenha a ver apenas com o
caso e não com a história. Esses meios colaterais de provocar interesse nem sempre facilitam, mas freiam a atividade.
Por isso, o interesse ou a atenção de uma
criança com relação a um trabalho não serve
se seu estímulo é o medo do castigo ou a expectativa de uma recompensa. Podemos ter
certeza de que não estamos desenvolvendo nos
educandos o interesse pelo bordado ou pela
aritmética - ainda que bordem ou façam contas com aplicação -, mas o interesse pela bala
que receberão como prêmio ou pelo castigo de
ficar sem a guloseima se cometerem algum
erro. A capacidade de encontrar um interesse
certo e velar por ele, para evitar que se desvie
ou seja substituído por outro, é uma tarefa psicológica complexa.
Por esse motivo, o prêmio e o castigo são
um recurso totalmente inadmissível na escola,
do ponto de vista psicológico. Além de todas
as outras influências nocivas, que mencionaremos mais tarde, eles são prejudiciais pelo fato
de serem inúteis, isto é, impotentes para provocar o tipo de atividade que necessitamos,
pois introduzem um interesse incomensuravelmente mais poderoso, que faz com que o comportamento da criança coincida com o que desejamos; interiormente, porém, a criança não
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L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
muda. "O castigo educa os escravos"; esse antigo princípio está profundamente
correto do
ângulo psicológico, porque na verdade o castigo só ensina o medo e a capacidade de governar o próprio comportamento
por meio dele.
Por isso, o castigo é o recurso pedagógico mais
fácil e medíocre, que provoca um efeito rápido e superficial sem levar em conta a educação interna do instinto. Baseando-se na aversão natural da criança à dor, é muito fácil
atemorizá-Ia com um chicote e obrigá-Ia a deixar um mau hábito de lado, porém isso não o
destrói; pelo contrário, em vez de apenas um
hábito incorreto ela acrescenta outro, que é a
sujeição ao medo. O mesmo ocorre com o prêmio: é fácil provocar uma reação se sua realização está ligada à obtenção de algo agradável, mas, se quisermos realmente educar essa
reação na criança, temos de nos preocupar para
que a satisfação e o prazer estejam vinculados
diretamente
a ela e não à expectativa de um
determinado
prêmio.
Portanto, não se deve apenas despertar
o interesse, mas esse interesse deve ter uma
orientação
correta. Ao mesmo tempo, é preciso se ater sempre à regra psicológica de passar dos interesses naturais da criança - que
sempre estão presentes nela - aos interesses
inculcados.
Do ponto de vista psicológico é
correto diferenciar, nesse caso, os novos interesses cuja educação constitui um fim em si,
dos interesses
que se educam apenas como
meio. Só podem representar
um fim em si
mesmo os interesses cujo reforço prolongado
faça com que eles se arraiguem
e permaneçam a vida inteira. Aqui o desenvolvimento
e
o reforço do interesse representam
a lei básica da educação e exigem do professor uma
implantação
gradual dos mesmos no processo da atividade.
Esses interesses
são, por
exemplo, os interesses pelas questões vitais,
pela ciência, pelo trabalho, etc.
Outros interesses de caráter mais parcial
ou temporário só podem servir, durante o processo de educação, como meios para educar
algumas reações necessárias. Entre eles podemos mencionar, por exemplo, o interesse pela
gramática de uma língua estrangeira, pelo banho e outras normas de higiene, etc. É sumamente importante
interessar
a criança pelo
processo do banho ou pelas formas gramaticais de declinação enquanto ela não tiver elaborado o hábito de tomar banho ou não falar
corretamente o idioma estrangeiro. Mas depois
disso, não será mais necessário preocupar-nos
por esse interesse, mantê-Ia, desenvolvê-Ia e
reforçá-Ia, e ele poderá ser deixado de lado.
Os interesses indiretos, que não estão diretamente ligados à reação necessária, porém
podem servir de forma indireta para elaboráIa, têm uma missão ainda mais transitória. Por
exemplo, o caráter da tarefa pedagógica de
Thorndike, em que ele propõe utilizar, durante o estudo da química, o interesse natural das
crianças pela culinária; no entanto, esse interesse emergente com relação à química deve
absorver e preponderar
sobre o interesse inicial pela culinária.
A regra psicológica geral de desenvolvimento do interesse é a seguinte. Por um lado,
para que um assunto nos interesse, ele deve estar
ligado a algo que nos interessa, a algo já conhecido e, ao mesmo tempo, sempre deve conter
algumas novas formas de atividade; do contrário, ele será infrutífero. Tudo o que é completamente novo ou velho é incapaz de despertar
nosso interesse, de promover o interesse por
algum objeto ou fenômeno. Isso quer dizer que,
para colocar esse objeto ou fenômeno em relação pessoal com o aluno, é preciso transformar
o estudo desse objeto em uma questão pessoal
do aluno; dessa forma, poderemos estar seguros que obteremos sucesso. Do interesse infantil para um novo interesse - essa é a regra.
Uma ajuda essencial é o método da educação pelo trabalho. Ele parte precisamente das
tendências naturais das crianças a fazer coisas, a agir; permite que cada objeto se transforme em uma série de ações interessantes, e
nada é tão próprio da criança quanto sentir
satisfação com sua própria atividade. Ao mesmo tempo, a atividade da criança permite que
cada objeto entre em relação pessoal com ela,
se transforme em algo que tem a ver com seu
sucesso pessoal. Aqui corresponde
combinar
as tarefas escolares com a vida; cada novo conhecimento
ministrado
deve estar relacionado a algo já conhecido e deve esclarecer algo
novo para o aluno. É difícil imaginar algo menos psicológico que o sistema czarista de edu-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
103
cação, no qual se ensinava aritmética, álgebra,
lhes interessa partindo do que conhecem e que
alemão, sem que a criança compreendesse abdesperta naturalmente seu interesse. Froebel
solutamente a que se referia tudo isso e para
destacava que a criança obtém seus primeiros
que o necessitava. Quando se procedia dessa
conhecimentos em função de seu interesse
maneira e surgia algum interesse, isso ocorria
natural pela vida e pelas ocupações dos adulde forma casual e independentemente da vontoS.19 A partir de seus primeiros anos de vida,
o filho de um camponês, de um comerciante
tade do professor.
Há ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m a i s t r ê s importantes conclusões [reou de um artesão adquire espontaneamente
gras] pedagógicas a extrair da teoria sobre o
um grande número dos mais diversos conheciinteresse." A primeira [regra] consiste na vinmentos, durante o processo de observação do
comportamento do pai. Em uma idade poste- '
culação entre todos os temas de um determirior, sempre é preciso respeitar o ponto de parnado curso, que é a melhor garantia de que se
desperte um interesse único, concentrado em
tida para elaborar um novo interesse, tomantorno de só um eixo. Só podemos falar de um
do o já existente e partindo do já conhecido e
interesse mais ou menos prolongado, estável e
próximo. Por esse motivo, era tão tedioso o
ensino clássico, iniciado com a mitologia e as
profundo quando este não se fragmentar em
dezenas de partes separadas, o que impede
línguas antigas, e com temas que não tinham
captar a idéia única e geral dos fragmentários
nada em comum com a vida da criança. Portemas de ensino.
tanto, a regra fundamental passa ser a tese de
A segunda regra refere-se à repetição, utique, antes de comunicar um novo conhecimenlizada como método de recordação e assimilato à criança ou reforçar uma nova reação nela,
ção de conhecimentos. Todos sabem como é
devemos nos preocupar em preparar o terreno
pouco interessante para as crianças essa repetipara isso, isto é, despertar o correspondente
ção, como elas detestam essa tarefa, ainda que
interesse. Isso é similar a preparar a terra annão represente nenhum tipo de dificuldade para
tes de semear.
elas. O que acontece é que nesse caso se viola
a regra fundamental do interesse e, por isso, a
o P A D R Ã O D O S IN T E R E S S E S IN F A N T IS
repetição é uma mera marcação de passo sem
sair do lugar e representa o recurso mais irraO desenvolvimento dos interesses infancional e nada psicológico. A regra [correta]
tis está intimamente ligado ao crescimento bioconsiste em evitar totalmente a repetição, falógico
geral da criança. Os interesses são a exzendo com que ensino seja concêntrico, isto
pressão das suas necessidades orgânicas. No
é, dispor o tema de maneira tal que ele possa
primeiro período da vida, quando a criança
ser totalmente percorrido da forma mais brecomeça a governar seus próprios órgãos de perve e simples de uma vez só. Depois, o profescepção - mãos, cabeça, olhos -, surge o intesor retorna ao mesmo tema, mas não para uma
resse
por todos os estímulos, sejam eles sonosimples repetição do que já foi visto, mas para
ros, luminosos ou outros. Uma voz forte, uma
percorrê-lo novamente de forma mais profuncor brilhante, um objeto para apalpar, tudo isso
da e ampliada, com muitos fatos novos, genedesperta seu interesse. Nesse período, a crianralizações e conclusões, para que o que foi
ça é um caçador natural de tudo o que cai peraprendido pelos alunos seja repetido, porém a
to de suas mãos e, como para ela tudo está
partir de um novo aspecto, que se vincula ao
vinculado
à alimentação, tenta experimentar
já conhecido; dessa forma, o interesse surge
o gosto de cada coisa e colocar na boca todos
facilmente. Nesse sentido, tanto na ciência
os objetos.
quanto na vida, só o novo pode despertar nosPaulatinamente,
a criança começa a
so interesse.
aprender a andar. O objeto de seu interesse
Por último, a terceira regra de utilização
passa
a ser o deslocamento pelo espaço, esdo interesse estabelece que todo o sistema esquadrinhar, arrastar-se, engatinhar, deslocar
colar seja estruturado em contato direto com
objetos [caminhar, etc.]. A criança começa a
a vida; deve-se ensinar às crianças aquilo que RQPONMLKJIHGFEDCBA
o
104
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
se interessar pelo meio. Os anos posteriores
são dedicados a uma orientação mais segura
no meio, a um conhecimento
mais sutil de alguns elementos do ambiente, a uma atividade
mais dinâmica e à combinação de alguns elementos. A independência
passa a ser o interesse fundamental
da criança, o desejo de fazer tudo sozinha guia todo seu comportamento. Ela é capaz de se empenhar em qualquer
trabalho até se cansar, sente-se infinitamente
satisfeita nesse processo de repetir suas próprias ações simples diversas vezes.
O período ulterior 'caracteriza-se
pela
ampliação de seus interesses para além dos
limites de seu ambiente circundante
imediato, pois agora ela já conhece bem tudo o que
a rodeia e todas as combinações
de que é
capaz. Aparece o interesse por viagens, passeios, pela corrida. A esses anos corresponde um interesse particular
pelas aventuras,
grandes viagens e façanhas.
Por último, o
período da adolescência
caracteriza-se
por
um elevado interesse por si mesma, a criança se transforma em um filósofo e lírico como
era antes, quando fazia uma quantidade
infinita de perguntas.
As vivências pessoais, os
problemas
de seu "eu" captam toda a atenção do adolescente,
que na juventude
são
substituídos
por um vasto e elevado interesse pelo mundo e pelos problemas
mais profundos da existência,
que agora passam a
atormentar
sua consciência.
No jovem, os
olhos sempre estão muito abertos
para o
mundo, e isso denota uma elevada maturidade de seu ser para a vida.
o S IG N IF IC A D O
P S IC O L Ó G IC O
DO JOGO
O instrumento mais precioso para a educação do instinto talvez seja o jogo.
O critério popular considera o jogo como
uma distração, uma diversão à qual deve-se
dedicar apenas uma hora. Por isso, em geral
não se dá nenhum valor ao jogo e, no melhor
dos casos, estima-se que se trata de uma fraqueza natural da infância, que ajuda a criança
a passar o tempo. No entanto, a observação
atenta descobriu há muito tempo que [o jogo]
aparece invariavelmente
em todas as etapas
da vida cultural dos povos mais diversos e,
portanto, representa
uma peculiaridade
insuperável e natural da condição humana. Além
disso, ele não é inerente apenas ao ser humano, pois os animais também brincam; por isso,
esse fato deve ter algum sentido biológico. O
jogo deve ser necessário
para algo, deve ter
alguma missão biológica, pois do contrário não
existiria nem teria tão ampla difusão. Propuseram-se várias teorias científicas sobre o jogo,
tentando decifrar seu sentido.
Uma delas reduzia o jogo à descarga de
energia acumulada
no jovem, que não pode
ser eliminada pelas necessidades
naturais. De
fato, o animal jovem, assim como a criança,
não têm de lutar pela sua sobrevivência, não
têm em que gastar a energia acumulada em
seu organismo e então realizam uma série de
movimentos desnecessários
e inúteis, correm,
se jogam no chão e pulam, dando assim vazão
à energia acumulada.
Portanto, essa teoria não considera o jogo
como um capricho casual, um passatempo, mas
como uma importante
necessidade
vital. Ela
constitui um passo à frente com relação ao critério popular, mas ainda dista muito de esgotar todo o sentido do jogo. Para essa teoria, o
jogo não passa de uma válvula, de um canal
através do qual flui a energia não utilizada.
No entanto, ela ainda não responde à pergunta: em que se investe essa energia? Ela é usada
em um investimento
sensato?
Essa interrogação
é respondida
por outra teoria que percebe a utilidade biológica do
jogo como uma espécie de escola de educação
para o filhote. Mediante uma observação atenta, percebemos sem esforço que, além de movimentos inúteis e desnecessários,
o jogo também inclui movimentos ligados à futura atividade do animal, que assim vai elaborando o
hábito e a habilidade para essa atividade, preparando-se para a vida, estabelecendo
e exercitando as disposições adequadas.
O jogo é a
escola natural do animal. O gato" quando brinca com uma meada de lã ou com um camundongo morto trazido por sua mãe, aprende a
caçar ratos vivos. Esse significado biológico do
P S IC O L O G IA
jogo, como escola e preparação para a atividade posterior, foi confirmado integralmente através do estudo do jogo humano.
A criança sempre brinca, é um ser que
brinca, porém seu jogo sempre possui um sentido importante. Ele sempre corresponde exatamente à sua idade e a seus interesses e inclui
elementos que levam à elaboração dos hábitos
e habilidades necessários. O primeiro grupo de
jogos é constituído pelas brincadeiras da criança com ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d ife r e n te s o b je to s i?
[p. ex.], com chocalhos, e consiste em lançar e recuperar objetos; enquanto a criança se ocupa desses objetos, está aprendendo a vere ouvir, a segurar e
a rejeitar o objeto, a dominá-lo, O período posterior dos jogos, que inclui esconder, escapar,
etc., vincula-se à elaboração da habilidade de
se d e s l o c a r e se o r i e n t a r no ambiente. Podemos
dizer sem exagerar que quase todas as nossas
reações mais fundamentais e profundas são
elaboradas e criadas no processo do jogo infantil. O mesmo significado tem o componente de i m i t a ç ã o nas brincadeiras infantis. A
criança reproduz e assimila ativamente o que
observa nos adultos, aprende as mesmas atitudes e desenvolve
as habilidades
mais
primordiais para sua atividade futura.
Um psicólogo disse o seguinte: "Se, entre
duas meninas, quisermos saber qual delas vai
ser a melhor mãe, temos de observar quem
brinca mais e melhor com sua boneca". Com
isso, ele desejava destacar a importância educativa do jogo de bonecas para o desenvolvimento do instinto materno. Seria incorreto
pensar que, ao brincar com sua boneca, a menina aprende a ser mãe no sentido em que o
gato, ao brincar com um rato morto, preparase para perseguir um vivo. Aqui, a relação entre o jogo e a experiência é muito mais distante e complexa, e talvez a futura mãe não conserve nem recorde nenhum dos movimentos
que fez para ninar sua boneca, mas sem dúvida dessa forma traçou as linhas básicas e se
formaram as características internas fundamentais de sua futura experiência, que a ajudarão a realizar na vida o que treina através
do jogo. Quando brinca com bonecas, a menina não aprende a cuidar de uma criança viva,
mas a se sentir mãe.RQPONMLKJIHGFEDCBA
P E D A G Ó G IC A
105
Os elementos de imitação presentes no
jogo devem ser considerados dessa maneira.
Eles contribuem para a assimilação ativa de
diferentes aspectos da vida pela criança e organizam sua experiência interna nessa mesma
direção.
Outros jogos, denominados c o n s t r u t i v o s ,
estão relacionados ao trabalho com um determinado material, ensinam exatidão e acerto
aos nossos movimentos, elaboram milhares de
hábitos valiosos, diversificam e multiplicam
nossas reações. Esses jogos nos ensinam a propor alguns objetivos e a organizar nossos movimentos de modo tal que possam ser orientados para a realização desse objetivo. Assim, as
primeiras lições de atividade planejada e racional, de coordenação dos movimentos, de
habilidade para governar os próprios órgãos e
controlá-los, têm a ver com esses jogos [construtivos]. Em outras palavras, eles são os
organizadores e professores da experiência
externa, assim como os [jogos] anteriores organizavam a interna.
Por último, o terceiro grupo de jogos,
denominados j o g o s com r e g r a s , que surgem de
regras puramente convencionais e das ações
ligadas a elas, são uma espécie de escola superior de brincadeira. Eles organizam as formas
superiores do comportamento, geralmente estão ligados à resolução de problemas de conduta bastante complexos, exigem do jogador
tensões, conjeturas, sagacidade e engenho,
uma ação conjunta e combinada das mais diversas aptidões e forças.
Nenhum jogo copia exatamente outro.
Cada um deles apresenta instantaneamente
novas situações que exigem, em cada caso, novas decisões. Ao mesmo tempo, deve-se levar
em consideração que esse tipo de jogo é a maior
escola de experiência social. No jogo, o esforço
da criança sempre é limitado e regulado pela
grande quantidade de esforços dos outros jogadores. Em cada tarefa-jogo, como condição sempre presente, temos a habilidade de coordenar
o próprio comportamento com o dos outros, estabelecer uma relação ativa com os outros, atacar e defender-se, prejudicar e ajudar, calcular
antecipadamente o resultado de sua intervenção dentro do conjunto geral de todos os joga-
· ,1
RQPONMLKJIHGFEDCBA
j
106
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V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dores. Esse jogo é uma experiência social viva e
coletiva da criança e, nesse sentido, constitui
um instrumento insubstituível para educar os
hábitos e aptidões sociais.
Em geral, quando se trata da questão do
instinto social, nem tudo funciona bem na pedagogia atual. A família constitui um todo social não muito complexo com uma pequena
quantidade de elementos bem-conhecidos e com
formas completamente estabelecidas de relações
entre seus membros. Por isso, é capaz de criar
na alma infantil vínculos sociais profundos e sólidos, porém de uma extensão sumamente limitada: a aptidão de chegar a ser cidadão de um
pequeno mundo social com vínculos diretos
muito estreitos, profundamente gravados na
personalidade. A família ensina apenas aquilo
que se relaciona ao mais íntimo e próximo nexo
social, educa o doméstico, enquanto nossa época exige a grandiosa tarefa de educar um cidadão do mundo, ligado aos vínculos mundiais
que aumentam dia após dia. Nesse sentido, a
escola também não é [ampla], pois também
consta de elementos pouco numerosos e, nela,
as relações sociais adotam formas que se estabelecem e consolidam muito rapidamente, nas
quais as relações também se acomodam com
grande facilidade umas às outras sem provocar
novas reações e em que estas são elaboradas de
acordo com um certo molde, de forma uniforme e árida. A coletividade escolar constitui um
cenário insuficiente, pouco amplo para o desenvolvimento das grandes paixões sociais; ela chega até a ser uma escola muito estreita e pouco
significativa para o instinto social. No entanto,
a educação tem dois objetivos grandiosos. O
primeiro deles é educar esse instinto em dimensões grandiosas, mundiais. Essa tarefa só pode
ser resolvida psicologicamente mediante uma
enorme ampliação do meio social. Devemos
derrubar os muros do lar em nome da sala de
aula, os muros da sala de aula em nome da escola, os muros da escola em nome da união de
todas as escolas de uma cidade, etc., até chegar
a movimentos infantis que abranjam todo o país
ou a um movimento infantil mundial, como o
dos Pioneiros ou o da Juventude Comunista
[Komsomol] .21 Só nesses movimentos a criança
aprende a reagir aos estímulos mais distantes,
a estabelecer um vínculo entre sua reação e o
acontecimento que ocorre a milhares de quilômetros, a coordenar; a vincular seu comportamento ao comportamento de enormes massas
humanas, como o movimento operário internacional.
O segundo objetivo da educação social
consiste na elaboração e no polimento de formas de comunicação social particularmente
sutis. Em nossa época, as relações sociais se
tomaram grandiosas, não só por seu porte, mas
também pelo seu grau de diferenciação e complexidade. As relações sociais da época prérevolucionária esgotavam-se em um pequeno
grupo de relações estereotipadas, e as regras
de cortesia abrangiam toda a conduta social
do ser humano. Junto com a crescente complexidade da vida, o ser humano incorporou
relações sociais cada vez mais complicadas e
diversas, passou a participar das mais diferentes formações sociais e, por esse motivo, toda
a diversidade das relações sociais do ser humano contemporâneo não pode ser totalmente abrangida por certos hábitos ou por aptidões preparadas antecipadamente. Nesse caso,
o objetivo da educação não é o de elaborar
determinada quantidade de aptidões, mas capacidades criativas para uma rápida e criativa
orientação social.
Das mais ocas e superficiais relações sociais que surgem entre os passageiros de um
bonde às mais profundas e complexas que
emergem através do amor e da amizade, o
ser humano precisa evidenciar uma genuína
habilidade criativa em suas relações com os
outros. O amor e a amizade constituem a
mesma criação de relações sociais que a educação política e profissional. E o jogo pode
ensinar essa precisão, o polimento e a diversidade das relações sociais. Ao colocar as crianças em situações sempre novas, ao submetêIas a condições que se renovam constantemente, [o jogo] as obriga a diversificar de forma
ilimitada a coordenação social de seus movimentos e lhes ensina flexibilidade, plasticidade
e aptidão criativa como nenhum outro âmbito
da educação .
.Por último, aqui surge de forma particularmente notável e clara a última peculiarida-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
107
de do jogo: o fato de que, ao subordinar todo
Em outras palavras, o jogo [com regras]
o comportamento
a certas regras convencioé um sistema racional e adequado, planejado,
coordenado
socialmente,
subordinado
a cernais, ele é o primeiro a ensinar uma conduta
tas regras. Com isso, ele evidencia sua total
racional e consciente. Para a criança, o jogo é
analogia com o gasto laboral de energia no
a primeira escola de pensamento. Todo pensaadulto, cujas características
coincidem com os
mento surge como resposta a um problema,
atributos do jogo, com a única exceção dos recomo resultado de um novo ou difícil contato
sultados, que no trabalho se exprimem em decom os elementos do meio. Quando essa difiterminado resultado objetivo antecipadamenculdade não existe, quando conhecemos perte programado,
enquanto que no jogo se exfeitamente o meio, e nossa conduta, como processo de correlação com este, transcorre
de
pressam por uma satisfação afetiva convencioforma fácil e sem obstáculos, não há pensanal que se resolve de forma subjetiva dentro
mento, pois os automatismós
começam a funde quem joga, como prazer pelo jogo ganho.
cionar. No entanto, quando o meio nos aprePortanto, apesar de toda a diferença objetiva
senta novas e inesperadas
combinações
que
que existe entre o jogo e o trabalho, que até
exigem novas combinações e reações de nosso
permitiria considerá-los
opostos entre si, sua
comportamento
e uma rápida reorganização
natureza psicológica coincide totalmente e inde nossa atividade, o pensamento
surge como
dica que o jogo é a forma natural de trabalho
uma etapa preliminar
do comportamento,
da criança, a forma de atividade que lhe é inecomo organização
interna das formas mais
rente, a preparação para a vida futura."
complexas da experiência,
cuja essência psiUm psicólogo relatou que, em uma das
cológica se reduz, em última instancia, à escocolônias inglesas, os nativos observavam com
lha, entre as inúmeras reações que parecem
assombro os ingleses, que chutavam uma bola
possíveis, das únicas necessárias e em concorde futebol até ficarem exaustos. Eles estavam
dância com o objetivo fundamental que o comhabituados ao fato de que os senhores não faportamento deve resolver.
ziam nada, enquanto eles, nativos, costumaPortanto, em cada caso o pensamento
é
vam realizar tarefas ordenadas por eles por aluma espécie de solução de um novo problema
gumas moedas. Nessa oportunidade,
um deles
de comportamento, mediante a escolha das rease aproximou dos ingleses que estavamjoganções adequadas. Um momento essencial é o da ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do e lhes propôs, em troca de alguns s h i l l i n g s ,
o r ie n ta ç ã o ,
isto é, da reação preparatória
do
jogar futebol no lugar deles, para que eles não
organismo com cuja ajuda este adota certa forse cansassem. O nativo não compreendia a dima de comportamento."
E todo o mecanismo
ferença psicológica entre o jogo e o trabalho,
de seleção é interno, não-manifesto, até chegar
que consiste no efeito subjetivo do jogo, e se
ao resultado final, que obriga a deixar de lado
deixou enganar pela total semelhança externa
algumas formas e a adotar outras. Portanto, o
entre a atividade lúdica e a do trabalho.
pensamento
surge da colisão entre múltiplas
reações e da seleção de algumas destas, sob a
NOTAS
influência de reações preliminares. Se introduzirmos no jogo determinadas
regras e limitar1. V1adimir Mikailovitch Bejterev (1867-1927) foi
mos assim as possibilidades da conduta, apreum fisiologista, neurologista e psicólogo russo
sentando à criança a tarefa de alcançar um dee soviético que, junto com Pavlov, foi o criador
terminado fim, aguçando todas as suas aptidões
da reflexologia. Embora tenha sido um pesquiinstintivas e aumentando seu interesse, isso nos
sador de alto nível, de uma perspectiva
dará a possibilidade de obrigá-Ia a organizar de
in te r n a lis ta ,
foi o maior responsável pelos extal modo seu comportamento
que ela tenha de
cessos, pelo mecanicismo e o reducionismo desse p r o g r a m a de p e s q u i s a , segundo as categorias
submeter-se a certas regras, orientando-se para
epistemológicas de Lakatos. Em nossa opinião,
um fim único e resolvendo
conscientemente
a rigor, a escola de Bejterev deveria ser chamadeterminadas
tarefas." RQPONMLKJIHGFEDCBA
Ir
RQPONMLKJIHGFEDCBA
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L 1 E V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
da de ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r e f l e x o l o g i a , enquanto a denominação t e o da a t i v i d a d e n e r v o s a s u p e r i o r deveria ser reservada para a teoria de Pavlov - que também
incorreu naqueles desvios, como já dissemos.
Para ter acesso às teorias de Bejterev, veja: W
Bejterev, P s i c o l o g i a O b j e t i v a , Buenos Aires:
Paidós, 1953,425 p. A edição russa, que Vigotski
costumava citar e à qual provavelmente se refira aqui, é: V. M. Bejterev, O b s h c h i e o s n o v i
r e f l e k s o l o g u i c h i e l o v i e k a [ F u n d a m e n t o s g e r a i s da
r e fle x o lo g ia h u m a n a ] ,
Moscou: GIZ, 1923.
2. Atualmente,
muitos naturalistas
continuam
afirmando isso. Essa concepção do instinto é
claramente explicada pelo discípulo de Konrad
dt (cf. sua
Lorenz,
Iren âus Eibl-Eibelsfel
E t o l o g í a , Barcelona: Omega, 1974): "Primeiro
o esquilo escava a terra e depois coloca a noz
[ ... ]; seguem os movimentos de cobrir o buraco com terra e pisá-lo, ainda que não tenha
feito nenhum buraco no solo. Cada um dos movimentos tem um lugar fixo na seqüência total. E cada movimento, por sua vez, é uma seqüência internamente
programada de diferentes contrações musculares"
[p. 210]. "Os padrões fixos de conduta desenvolvem-se
sem
considerar o sentido de preservação da espécie que essa atividade tem. [ ... ] Assim, por
exemplo, o cão que esconde um osso em uma
sala realiza movimentos com o focinho como
se quisesse enterrá-lo, pois esse é seu comportamento i n a t o . E também dará diversas voltas
pela sala antes de se deitar, ainda que não exista
nenhuma grama para escavar" [p. 35].
3. O esquema ao qual se refere Vigotski está em:
V.A. Vagner, B i o l o g u i c h e s k i e o s n o v a n i a s r a v n i t e i r ia
n o i p s ijo lo g u i
(b io p s ijo lo g u ia ).
V o l. lI. In s tin k t
y
de p s i c o l o g i a b i o l ó g i c a
c o m p a r a tiv a
(b io p s ic o lo g ia ).
VoI. 11. Instinto e
razão], São Petersburgo: Wolf, 1913, p. 282.
4. Essa história está relatada na p. 39 da 2ª edição, ampliada e editada por Francis Darwin:
Ch. Darwin, T h e E x p r e s s i o n o f t h e E m o t i o n s i n
M a n a n d A n im a ls ,
Londres: John Murray, 1892.
Dessa edição citamos
o seguinte
trecho:
"[M]any years ago I laid a s m a l l wager with a
dozen young men that they would not sneeze
if they took snuff, although they all declared
that they invaliably did s o ; accordingly they
all took a pinch, but from wishing much to
succeed, no one sneezed, though their eyes
watered, and all, without exception, had to pay
me the wager". O grifo é nosso. Darwin era
muito cuidadoso com o dinheiro e, como se
rázum .
[ F u n d a m e n to s
vê, não se tratava de uma "grande" quantia,
como diz Vigotski, que se refere de cor a essa
história. Há uma tradução para o espanhol
dessa obra (Madrid: Alianza). No original russ o , Vigotski diz "doze" [ d v i e n a d t s a t ] jovens,
conforme o que disse Darwin; no entanto, na
edição norte-americana
traduziu-se "20 young
people" (sic, p. 65), como se Vigotski tivesse
escrito " d v a d t s a t " .
5. Ernst Hâckel (1834-1919) foi um importante
zoólogo evolucionista alemão, que introduziu
algumas inovações, nem sempre lógicas, nas
teorias de Darwin. Prolífico inventor de palavras, a ele pertencem
os termos "ecologia",
"ontogenia", "filogenia", "lei biogenética", etc.
Esta última lei, de sua criação, afirma erroneamente que "a ontogenia é a curta e rápida recapitulação da filogenia" (cf. E. Hâckel.Anrnrop o g e n ie [ A n tr o p o g ê n e s e ] ;
há uma tradução inglesa da Si! edição, intitulada T h e e v o l u t i o n o f
m a n , 2 volumes, Londres: Watts, 1905, p. 7).
Para uma exposição crítica dessa lei e sua aplicação à psicologia
e à pedagogia,
cf. L. S.
Vigotski, "La Ley Biogenética en Psicología y
en Pedagogia" (1927), no livro: L. S. Vigotski,
E I D e s a r r o llo
C u ltu r a l
d e i N iiio
y
o tr o s te x to s
edição de G. Blanck, Buenos Aires:
Almagesto, 1998, p. 69-78.
6. Mais que "da espécie" diríamos "das espécies".
É difícil estabelecer com precisão o começo da
seqüência filogenética para essa lei. Por exemplo, para o H o m o S a p i e n s , esta deveria se iniciar
ou mais atrás, no R a m a p i no A u s t r a l o p i t e c u s
t e c u s , ou muito antes: a partir do aparecimento dos vertebrados.
Ou seja: nesse caso, as espécies atravessam
filo geneticamente
quase
toda a taxonomia: do subtipo passam pela classe, pela ordem, pela família e pelo gênero, até
chegar à espécie. Cf. G. Blanck, L a e v o l u c i ó n
d e l h o m b r e , Departamento
de Publicaciones de
Ia Facultad de Filosofía y Letras de Ia Universidad de Buenos Aires, 1989-2000, 12 edições.
7. Aqui, Vigotski refere-se ao biólogo evolucionista inglês A. Marshall, que em 1890 dedicou seu discurso presidencial
no 60° encontro da B r i t i s l i A s s o c i a t i o n f o r t h e A d v a n c e o f
S c i e n c e ao tema da lei biogenética,
sustentando que essa lei constituía "a base da ciência
da Embriologia"
(cf. A. Marshall, "Development of animaIs", no j o u r n a l dessa sociedade
científica, 1891, p. 826-852). Fomos incapazes de situar as asserções de Marshall às quais
Vigotski se refere aqui.
in é d ito s ,
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
109
8. Konstantin Nikolaievitch Kornilov (1879-1957)
das naqueles tempos e que suscitam alguns esclarecimentos. Hoje em dia há idéias muito difoi o psicólogo russo que, em 1924, convidou
Vigotski a trabalhar no Instituto de Psicologia
ferentes sobre essas questões que pressupõem
Experimental que dirigia, anexo à Universidauma discussão da concepção física - catexias,
de de Moscou. Naquela época, todos os psicóenergia, etc. - da sublimação do século XIX,
ou que as premissas biológicas para a sexualilogos soviéticos queriam construir uma psicodade nos humanos tenham tanto poder, como
logia marxista. Kornilov criou a ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r e a t o l o g i a , que
afirma Vigotski - influenciado por Freud nesse
definiu como "ciência das reações" e que
período de sua formação. Não há consenso soinfluenciou fortemente Vigotski em sua primeira etapa, como é evidente no presente texto. A
bre o fato de que esse "instinto", como diz
Vigotski, tenda a orientar sexualmente a pespartir de 1928, porém, Vigotski começou a criar sua própria concepção marxista da psicolosoa para pessoas do sexo oposto: a orientação
dos processos
gia: a t e o r i a h i s t ó r i c o - c u l t u r a l
sexual nos humanos é atribuída principalmenpsíquicos. Por volta de 1.930, a reatologia deite a uma aprendizagem
de modelos de interação social; deve-se destacar que, há anos, a hoxou de ser consensual e finalmente se extinguiu. Em 1943, Kornilov foi incorporado à Acamossexualidade deixou de ser considerada uma
demia de Ciências Pedagógicas/Psicológicas
da
doença pela comunidade científica mundial de
Rússia. É provável que a citação apresentada a
psiquiatras
e psicólogos clínicos. Tampouco
seguir - assim como outras posteriores no liexiste consenso sobre a alternativa da castidavro - provenham do texto de Kornilov O c h i e r k
de proposta por Vigotski aos jovens. N ã o d e v e p s ijo lo g u i r ie b io n k a d o s h k o ln o g o v o z r a s ta [ E n m o s e s q u e c e r que Vigotski chamava de "ados a io s o b r e a p s ic o lo g ia d a s c r ia n ç a s p r é -e s c o la lescência" à puberdade; inclusive por vezes ele
r e s ] , Moscou, 1922.
diz "a criança adolescente", isto é, não se refe9. Edward Lee Thorndike (1874-1949)
foi um
ria aos garotões atuais que, por suas características histórico-psicológicas,
são denominapsicólogo americano que se destacou como
dos "adolescentes" e que, na época de Vigotski,
grande teórico da psicologia da aprendizagem.
Discípulo de James, foi quem mais pesquisou
já eram considerados
adultos (cf. também a
a aprendizagem
dos organismos por "tentatinota nº 15).
va e erro" [ t r y a n d e r r o r ] . Aqui, Vigotski está
12. Platão (428-347 a.C.) foi um dos grandes filócitando de cor. Por isso escreve: "Thorndike [... ]
sofos idealistas gregos. Ele foi um ideólogo dediz a p r o x i m a d a m e n t e o seguinte" (o grifo é nosfensor da classe social escravista, assessor proso). A citação é do livro de E. L. Thorndike,
fissional de tiranos, e seu ideal foi um modelo
de sociedade dividida em três classes sociais:
T h e p r i n c i p i e s o f t e a c h i n g b a s e d on P s y c h o l o g y ,
cuja primeira .edíção é de 1906. Essa é a vera dos trabalhadores, a dos militares que serviam
para manter a ralé a distância e a dos goversão que Vigotski deve ter lido; mais tarde, ele
nantes-filósofos,
que podiam gozar do ócio e
foi editor e escreveu o prólogo da edição russa
(Moscou, 1926). Uma característica
de quase
dos privilégios originados na exploração dos
trabalhadores. E x p l i c i t a m e n t e , Platão legitimou
todos os prólogos que Vigotski escreveu nessa
época é a reprodução de parágrafos inteiros
o uso da mentira por parte dos governantes e
de P s i c o l o g i a p e d a g ó g i c a . O prólogo ao livro de
propôs a e d u c a ç ã o como meio de introduzir nas
Thorndike está incluído no volume I de suas
classes dominadas a ideologia das classes dominantes:
"Será, pois, lícito o exercício da
O b r a s . . . , op. cit., p. 143-162.
mentira aos governantes da cidade, e eles po10. Nessa referência à obra R o m e u e J u l i e t a , de
derão utilizá-Ia para enganar [ ... ] aos cidadãos
Shakespeare, Vigotski se refere a Veneza, quan[ ... ]. Como nos prepararíamos
para fazer com
do na verdade a tragédia ocorre em Verona,
cidade vizinha de Veneza. Em Veneza transque uma nobre mentira fosse acreditada? Não
será preciso dar-lhes uma boa educação?" Sim,
corre i n t e r a l i a a obra a t e i o .
11. Ainda que muitas vezes Vigotski tenha-se
mas não na idade adulta - acrescenta - mas a
partir da infância, para que as crianças se transadiantado à sua época, também foi um filho
formem em "homens honrados submissos às
daquela época. Por isso, pode nos assombrar a
leis" (Platão,
L a R e p ú b lic a ,
Buenos Aires:
atualidade do e s s e n c i a l de suas concepções sobre a sexualidade e a educação sexual, emboEUDEBA, 1968, p. 193 e segs.).
ra haja várias idéias errôneas muito difundi-
---
--------- RQPONMLKJIHGFEDCBA
110
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
13. Essa é uma típica citação à Vigotski: de cor. Ou
17.
melhor, não se trata de uma citação, apesar
das aspas; nessasZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d u a s linhas resume-se
o que
Platão coloca na boca de Sócrates em d o z e linhas (cf. Platão, E I b a n q u e t e , Madrid: Planeta,
1995, p. 165). Segundo Sócrates, essa descrição de Eros foi feita por Diotima em uma conversa que teve com ela. Vigotski sabia ler grego, latim e iídiche. Além disso, sabia escrever
e falar russo, hebraico, alemão, inglês, francês
e esperanto.
14. Arthur Schopenhauer
(1788-1860)
foi um filósofo alemão irracionalista e anti-hegeliano.
Sua principal obra é . D l e W e l t a i s W i l l e u n d
V o r s t e l l u n g [O m u n d o c o m o v o n t a d e e r e p r e s e n t a ç ã o ] , de 1818. Aqui, Vigotski se refere a esse
livro. O seguinte trecho expressa essa idéia:
"l ...] o ponto culminante da vida dos animais
18.
é a procriação; conseguido esse fim, a vida do
19.
indivíduo declina mais ou menos rapidamente" (cf. Madrid: Orbis, 1985, último parágrafo
do Livro Il). Para Schopenhauer,
a vontade é
um impulso presente nos organismos, das plantas ao ser humano. Essa idéia, assim como seu
exacerbado pessimismo e suas concepções sobre os sonhos, o egoísmo, etc., influenciaram
20.
as teorias de Freud, o qual "em suas premissas
21.
fundamentais,
bem como nas linhas determinantes de seu sistema, está ligado à filosofia
[ ... ] do grande pessimista", "à metafísica idealista da vontade
e às representações
de
Schopenhauer"
(cf. Vygotski, O b r a s . . . , t. I, op.
cit., p. 299). Em vários de seus textos, Freud
reconheceu essa influência.
15. Vigotski chamava a adolescência de "idade de
transição". Outras vezes a chamava diretamente de "adolescência": p o d r o s t o k , em russo.
16. Vigotski se refere ao governador da cidade provinciana de N., um personagem do romance As
a lm a s m o r ta s ,
de Gogol. Nikolai Vasilievitch
22.
Gogol (1809-1852) foi o mais importante escritor russo de comédias do século XIX. É considerado um dos narradores com melhor domínio
da prosa russa. Algumas análises dessa sua mestria podem ser encontrados em: M. Bajtín, "La
Construcción
de Ia Enunciación",
em M. M.
Bajtín/V N. Voloshinov, Q u é e s e l L e n g u a j e y o t r o s
te x to s in é d ito s ,
edição de G. Blanck, Buenos
Aires: Almagesto, 1998. Segundo S. Dobkin,
Vigotski dirigiu em Gomel a encenação da obra
de Gogol, O c a s a m e n t o .
Essa é uma referência à obra O c a v a l h e i r o c o b i ç o s o , de Pushkin.
Aleksander
Sergueievitch
Pushkin (1799-1837)
é o Poeta Nacional russo. Seus "romances em verso", como costumava subintitular seus dramas, tiveram - e continuam tendo - projeção nacional e internacional. Entre eles e s t ã o M o z a r t e S a l i e r i , B o r i s
G o d u n o v , E v g u e n i O n e g u i n . Grandes compositores, de Tchaikovski a Stravinsky, compuseram óperas baseadas nos dramas de Pushkin.
Ele também escreveu importantes
obras em
prosa. Era nobre e mulato. Sua esposa era uma
histérica, e ele, um marido ciumento. Tal armadilha neurótica o levou a desafiar todo mundo a duelo. Morreu em um duelo. C f . A. S.
Pushkin, O b r a s E s c o g i d a s , trad. de A. Marcoff,
México, 1946, 468 p.
O grifo é nosso.
Para Froebel, a escola não é uma preparação
para a vida, mas "um aspecto da vida" (cf. W. A.
Froebel, D i e M e n s c h e n e r z i e h u n g
[ A e d u c a ç ã o do
hom em ],
1826). Segundo Froebel, a atividade
espontânea, movida pelo i n t e r e s s e , é o princípio reitor da educação. Para mais detalhes sobre Froebel, cf. a nota ns 3 do Capítulo 19.
O grifo das palavras que caracterizam as diferentes classes de jogos é nosso.
Antes do colapso do sistema socialista internacional (1990), tanto dentro como fora dos países socialistas, existiram esses dois movimentos, organizados pelos partidos comunistas. O
movimento dos Pioneiros era próprio das crianças do ensino fundamental.
O da Juventude
Comunista era mais amplo e abrangia jovens
de idades correspondentes
aos do ensino médio e universitário
(em Cuba, por exemplo,
esses movimentos continuam existindo). Eles
celebravam festivais anuais, com a presença de
delegados de todo o mundo.
O grifo é nosso. O vocábulo russo é u s t a n o v k a ,
traduzido para o inglês como s e t e para o espanhol como o r i e n t a c i ó n . É i m p o r t a n t e c o n s i d e rar q u e ) c a d a v e z q u e V i g o t s k i f a l a de o r i e n t a ç ã o ou de r e a ç ã o de o r i e n t a ç ã o ) e l e s e r e f e r e a
e s s a c a t e g o r i a p s i c o l ó g i c a , salvo indicação contrária do contexto. A o r i e n t a ç ã o - o s e t - é um
processamento inconsciente da informação, dirigido e regulado por sua meta final. As pesquisas sobre a orientação foram objeto de estudo da escola de psicologia
da Geórgia,
dirigida
por D. N. Uznadze
(1886-1950).
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
111
Uznadze tomou a categoria de "predisposição
24. É altamente provável que essa seção tenha se
baseado em grande parte em K. Groos, D i e
à ação" de Külpe, durante seus estudos na AleS p i e l e d e r M e n s c h e n [O j o g o do h o m e m ] , Jena:
manha. Para maiores detalhes sobre essa escola georgiana, cf. F. V. Bassin,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E l p r o b le m a d e l
Fischer, 1899. Karl Groos (1861-1946) foi um
i n c o n s c i e n t e , prólogo de Marie Langer, Buenos
psicólogo alemão ao qual Vigotski se referia
com freqüência. Ele desenvolveu
uma teoria
Aires: Granica, 1972, 384 p.
23. Vigotski sempre diz "tarefa" e "cumprimento,
do jogo, conforme a qual este é uma escola
que prepara as crianças para situações críticas
resolução, etc., da tarefa". Na linguagem técda vida.
nica atual da psicologia, dir-se-ia "problema e
re/solução de problemas".RQPONMLKJIHGFEDCBA
A Educação do
C o m p o rta m e n to E m o c io n a l
o C O N C E IT O
pessoa, podemos compreender
sem qualquer
D E E M O Ç Ã O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A teoria dos sentimentos ou das emoções'
é o capítulo menos elaborado da velha psicologia. É mais difícil descrever, classificar e vincular esse campo do comportamento
humano
a certas leis que fazer isso com todos os restantes." Entretanto, também na velha psicologia foram enunciados critérios totalmente justos sobre a natureza das reações emocionais.
James e Lange" foram os primeiros a destacar essa questão. Enquanto James prestou
atenção às amplas modificações corporais que
acompanham
as emoções, Lange concentrouse nas mudanças vaso-motoras
que [as emoções] provocam. De forma independente,
ambos os pesquisadores
chegaram à conclusão de
que a noção habitual sobre as emoções é fruto
de um profundo erro e que, na verdade, as emoções não transcorrem
de acordo com sua ordem aparente.
A psicologia e o pensamento
comuns diferenciam três momentos no sentimento. O primeiro é ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a p e r c e p ç ã o de qualquer objeto ou acon(o encontro
tecimento
ou sua r e p r e s e n t a ç ã o
com um assaltante, a lembrança da morte de
um ser amado, etc.) [e é designado] A . O sentimento que isso provoca (temor, pena) [é designado] E. E as e x p r e s s õ e s c o r p o r a i s desse sentimento (tremor, lágrimas)
[são designadas]
C. 4 O processo completo do curso da emoção
era representado
da seguinte maneira: ABC.
Se observarmos
atentamente
qualquer
sentimento,
é fácil perceber que ele sempre
possui sua própria expressão corporal. Os sentimentos intensos parecem estar escritos em
nosso rosto e, quando olhamos para alguma
tipo de explicações se ela está raivosa, atemorizada ou serenamente
contente.
Todos os parâmetros corporais que acompanham um sentimento
dividem-se facilmente em três grupos. Em primeiro lugar, está o
grupo dos movimentos
mímicos e pantomímicos, das contrações peculiares dos músculos, sobretudo de olhos, boca, pômulos, mãos
e tronco. Eles pertencem à classe das reações
motoras emocionais. O grupo seguinte é o das
reações somáticas, isto é, as modificações da
atividade de vários órgãos ligados às funções
vitais mais importantes
do organismo, como
as modificações
da respiração,
as batidas do
coração e a circulação sangüínea. O terceiro
grupo é o das reações secretórias: determinadas secreções de ordem externa ou interna,
como as lágrimas, a transpiração,
a salivação,
a secreção interna das glândulas sexuais, etc.
Em geral, a expressão corporal de qualquer
sentimento depende desses três grupos.
James distingue os três momentos mencionados em todo sentimento,
mas promove a
teoria segundo a qual a ordem e a sucessão
desses três momentos são diferentes. Enquanto o esquema corrente estabelece a sucessão
ABC dos três momentos,
isto é, percepção sentimento - mímica, o verdadeiro estado de
acordo, segundo James, corresponde
a outra
fórmula: ACE, ou seja, percepção - mímica sentimento.
Em outros termos, James supõe que os
objetos possuem a capacidade de provocar em
nós, diretamente
ou por reflexo, várias modificações corporais, e que o sentimento é o momento secundário da percepção destas modi-
114
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ficações. o encontro com um assaltante, diz
James, de modo reflexo e sem a mediação de
nenhum sentimento, nos provoca tremor, secura na boca, palidez, respiração entrecortada
e outros sintomas do medo. O próprio sentimento de medo tem a ver com sentir o conjunto dessas modificações do organismo. Quando
temos medo, sentimos o próprio tremor, as nossas palpitações, a nossa palidez, etc. Quase
da mesma maneira, a lembrança da morte de
um ser querido e próximo provoca lágrimas
de forma reflexa, nos faz abaixar a cabeça, etc.
A tristeza se reduz à sensação dessas manifestações, e entristecer-se sígnifica perceber as
próprias lágrimas, a postura curva, a cabeça
caída, etc.
Em geral se diz o seguinte: choramos porque estamos tristes, batemos porque estamos
irritados, trememos porque sentimos medo. De
acordo com James, seria mais correto dizer:
estamos tristes porque choramos, estamos irritados porque batemos, estamos assustados
porque trememos.
O que antes era considerado causa é, na
verdade, uma conseqüência, e vice-versa: a
conseqüência na verdade é a causa.
Podemos ver que isso realmente acontece quando consideramos os seguintes argumentos. O primeiro consiste em que, se provocamos artificialmente várias expressões exteriores de um sentimento, o próprio sentimento
não demora para aparecer. Como diz James,
façam um experimento: quando se levantarem
pela manhã, adotem uma expressão melancólica, falem com voz abafada, não levantem os
olhos, suspirem freqüentemente, curvem a coluna e o pescoço, em uma palavra, assumam
todas as características da tristeza e, à tarde,
serão invadidos por tal melancolia que não
saberão onde se esconder. Os educadores sabem muito bem como é fácil que uma brincadeira se transforme em realidade para as crianças, [por exemplo], como dois meninos que
começam a lutar de brincadeira, sem animosidade alguma, de repente, no calor da luta, começam a sentir dentro de si ira contra o adversário e são incapazes de dizer se a brincadeira
terminou ou se continua. Com a mesma facilidade, uma criança atemorizada de brincadei-
ra, de repente começa a sentir medo de verdade. E, em geral, qualquer expressão externa
facilita o aparecimento do sentimento correspondente: quem foge se assusta facilmente, etc.
Os atores sabem disso muito bem, quando determinada postura, entoação ou gesto provoca uma intensa emoção neles.
A regularidade oposta apóia ainda mais
essa tese. Basta deixar de lado as expressões
corporais de uma emoção para que esta desapareça imediatamente. Se o tremor é reprimido, se obrigamos o coração a bater regularmente, se a expressão de nosso rosto volta ao
normal, o sentimento de medo desaparece. Reprimam a expressão de qualquer paixão, e ela
se extinguirá. Um psicólogo relata que, cada
vez que sentia um ataque de ira, abria as palmas das mãos e os dedos, até sentir dor. Isso
sempre paralisava a ira, porque é impossível
ficar zangado com a mão totalmente aberta,
pois a ira equivale a punhos fechados e boca
apertada. Quando dominamos mentalmente a
emoção, suprimindo todas as mudanças corporais, nada resta do sentimento. Suprimam
os sintomas do medo e deixarão de temer.
As visíveis objeções contra esse ponto de
vista se resumem a dois fatos; no entanto, com
uma compreensão correta, longe de refutar,
eles até mesmo confirmam essa teoria. O primeiro é o conhecido fato de que com freqüência algumas reações não estão associadas obrigatoriamente a uma emoção. Por exemplo,
quando descascamos uma cebola, podemos
provocar lágrimas com facilidade, porém isso
não significa de forma alguma que depois ficaremos tristes. É fácil compreender que, nesse caso, estamos provocando apenas um sintoma isolado, que por si mesmo não é capaz
de despertar uma emoção, mas sem dúvida a
provocaria se ele se combinasse com todos os
sintomas restantes. Não basta provocar lágrimas nos olhos para a tristeza aparecer, porque
esta não consiste apenas de lágrimas, mas também de toda uma série de sintomas internos e
externos que estão ausentes naquele instante.
Por último, a segunda objeção é que alguns sentimentos são provocados facilmente
mediante a assimilação interna de drogas introduzidas no sangue. Sem adotar nenhuma
P S IC O L O G IA
das expressões artificiais do sentimento, basta
tomar certa dose de álcool, morfina ou ópio
para provocar uma série de sentimentos complexos. Nesse caso, porém, é evidente que, ao
inocular essas substâncias, estamos atuando
[diretamente] sobre a própria base das reações
emocionais [o cérebro]. Modificamos a composição química do sangue, modificamos todo
o sistema da circulação e todos os processos
internos vinculados ao sangue - sobretudo a
secreção interna - e, devido a isso, obtemos
facilmente um forte efeito emocional no organismo.
.' '
Portanto, tudo nos permite afirmar que é
verdade que a emoção é um sistema de reações vinculado de modo reflexo aos estímulos.
O esquema das emoções de James coincide totalmente com o esquema do comportamento e
da experiência consciente, do qual partimos
todo o tempo. O sentimento não surge sozinho em um estado normal. Sempre é precedido de um determinado estímulo ou causa, externa ou interna (A). O que nos impele a temer ou a alegrar-nos é o estímulo a partir do
qual se inicia sempre a reação. Depois, vem
uma série de reações reflexas motoras, somáticas e secretórias (C). E, por último, temos a
reação circularZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[ f e e d b a c k ou retroalimentação J,
o retorno das próprias reações ao organismo
em qualidade de novos estímulos - a percepção de ordem secundária do campo proprioceptivo - que representam o que antes era denominado emoção (B).
É fácil compreender o caráter subjetivo
do sentimento, isto é, o fato de que a pessoa
que o experimenta e aquela que observa suas expressões externas terão noções totalmente diferentes do mesmo sentimento. Isso acontece
porque ambos os observadores
registram,
nesse caso, dois momentos diferentes de um
mesmo processo. Quem olha de fora registra
o momento C, isto é, as reações emocionais
em si. Quem olha de dentro registra a excitação proprioceptiva que parte das próprias reações - o momento B - e aqui, como explicamos, estamos diante de vias nervosas completamente diferentes e, portanto, diante de processos distintos.RQPONMLKJIHGFEDCBA
A NATUREZA
P E D A G Ó G IC A
115
B IO L Ó G IC A
DAS EMOÇÕES
É fácil perceber que as emoções surgem
mediante os instintos e constituem ramificações próximas deles. Por isso, alguns pesquisadores consideram o comportamento instintivo-emocional como um todo único.
É particularmente clara a raiz instintiva
das emoções nos sentimentos primitivos, elementares, nos chamados sentimentos inferiores.' Nesse caso, alguns pesquisadores relacionam as mesmas reações aos instintos e às emoções. Vejamos, por exemplo, duas emoções elementares em seu possível significado biológico: a ira e o temor. É fácil observar que todas
as mudanças corporais acompanhadas pelo
medo possuem uma origem biologicamente explicável.
Existem muitos motivos para supor que,
em certo momento, todas as reações motoras,
somáticas e secretoras que entram na composição de uma emoção como forma integral de
comportamento foram uma espécie de reações
adaptativas úteis de caráter biológico. Sem
dúvida, o medo foi a forma superior da fuga
instantânea e impetuosa do perigo e, nos animais e por vezes também no ser humano, ainda conserva as marcas evidentes de sua origem. As reações mímicas do medo geralmente
se reduzem à ampliação e à preparação dos
órgãos da percepção, cujo fim reside no alerta
e na captação sumamente inquieta das menores mudanças do meio. Os olhos muito abert
s, as fossas nasais dilatadas, as orelhas tesas,
implicam uma atitude alerta com relação ao
mundo; uma atenta escuta do perigo. Depois,
aparece um grupo de músculos tensos, como
se estivesse preparado para a ação e se mobilizasse para saltar, fugir, etc. O tremor, tão c o mum no medo humano, não passa de uma rápida contração dos músculos, como se eles se
adaptassem para uma corrida extraordinariamente rápida. Nos animais, o tremor durante
o medo se transforma diretamente em corrida. O mesmo sentido e significado da fuga do
perigo também está presente nas reações
somáticas de nosso corpo. A palidez, a inter-
116
L 1 E V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sem querer, surge a idéia de que, no decorrer
rupção da digestão e a diarréia denotam o reda transformação
do animal em ser humano,
fluxo do sangue dos órgãos cuja atividade deias emoções vão diminuindo
de intensidade
e
xa de ser uma necessidade
primordial para o
se atrofiando.
organismo e sua afluência para os órgãos aos
O medo e a ira de um cão são mais fortes
quais corresponde a palavra decisiva nessa sie expressivos que a ira de um [ser humano]
tuação. Na verdade, isso se parece com uma
selvagem; esses mesmos sentimentos são mais
mobilização em que o sangue, esse adminisimpulsivos em um selvagem que em uma criantrador de nosso organismo, fecha e interromça; e, na criança, são mais fortes que no adulpe a atividade dos órgãos que estão na retato. É fácil extrair então a conclusão geral de
guarda, relacionados
à atividade pacífica do
que, no sistema do comportamento,
as emoorganismo, e lança toda a força de sua alimenções desempenham
o papel de órgãos rudimentação para os setores combativos, que salvam
tares que, em sua época, tiveram grande imdiretamente
do perigo. O mesmo ocorre com
portância, mas que agora, devido à modificaa respiração:
profunda,
ofegante,
adaptada
ção das condições de vida, estão condenadas a
para uma corrida veloz. As reações secretoras,
ligadas à secura da boca e outras, parecem prose extinguir e representam
um elemento desvar o mesmo refluxo do sangue.
necessário, e por vezes nocivo, dentro do sisFinalmente, as últimas pesquisas com anitema do comportamento.
Com efeito, no aspecto pedagógico, os senmais mostraram que as emoções também provocam mudanças na secreção interna. Sabetimentos constituem uma rara exceção. Para o
professor, é desejável que eles aumentem e que
mos que a química do sangue muda em um
gato assustado. Em outros termos, sabemos que
todas as outras formas de comportamento
e das
reações sejam reforçadas. Se pudéssemos autambém os processos internos mais íntimos se
adaptam à tarefa fundamental
do organismo:
mentar 10 vezes a recordação ou a compreenfugir do perigo. Tudo isso, tomado em seu consão dos alunos, isso facilitaria 10 vezes o trabajunto, nos permite definir o medo como uma
lho educativo. Mas se imaginarmos por um insmobilização de todas as forças do organismo
tante que a capacidade emocional da criança
para a fuga do perigo, como ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
u m a fu g a in ib id a ,
pode aumentar 10 vezes, isto é, que ela ficaria
e compreender
que o medo representa
uma
10 vezes mais sensível e que, devido a um mínimo gozo, poderia chegar ao êxtase, e devido à
forma consolidada de comportamento
que surge do instinto de autoconservação
em sua formais insignificante aflição começaria a chorar,
naturalmente
obteríamos um tipo de comporma defensiva.
tamento extremamente
indesejável.
De modo totalmente
análogo, é fácil demonstrar que a ira é o instinto de autoconserPortanto, o ideal da educação emocional
não reside, supostamente,
no desenvolvimenvação em sua forma ofensiva e constitui outro
to e no reforço, mas, pelo contrário, na represgrupo de reações, outra forma de comportamento, agressivo; a ira é uma b r i g a i n i b i d a .
são e enfraquecimento
das emoções. Como as
emoções representam
formas biologicamente
Esta é a origem da mímica da ira, que se exprime através dos punhos apertados
e prontos
inúteis de adaptação devido à modificação das
circunstâncias
e condições do ambiente e da
para bater, dos pômulos salientes e dos dentes
apertados - vestígios da época em que nossos
vida, elas estariam condenadas
a se extinguir
no processo da evolução, e o ser humano do
antepassados
mordiam -, do avermelhamento
do rosto e das posturas ameaçadoras.
futuro não teria emoções nem noção de outros órgãos rudimentares.
No entanto, essa
É fácil perceber, porém, que tanto o meforma de ver, relativa à completa inutilidade
do quanto a ira, da maneira como atualmendas emoções, é profundamente
errônea.
te são encontrados
no ser humano, são formas sumamente
atenuadas desses instintos e,
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
117
nhum deles prepondera sobre o outro e ambos
estão equilibrados na disputa.
D A S E M O Ç Õ E S zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Esses três casos são básicos para o desenvolvimento do comportamento emocional. ConMediante a simples observação, sabemos
de que modo os sentimentos tornam o comporsiderando-se a origem das emoções a partir das
formas instintivas de comportamento, podemos
tamento mais complexo e diverso, e até que
ver que estas são uma espécie de resultado da
ponto uma pessoa emocionalmente dotada, sutil e educada está, nesse sentido, acima de uma
avaliação, feita pelo próprio organismo, de sua
pessoa carente de educação. Em outras palarelação com o ambiente. E todas aquelas emovras, até mesmo a observação cotidiana evidenções ligadas à sensação de forma, à satisfação,
cia um certo novo sentido que a presença dos
etc., as chamadas sensações positivas, estão sisentimentos proporciona ao comportamento. A
tuadas no primeiro grupo. As relacionadas à senmesma conduta, dotada dé um aspecto emosação de angústia, fraqueza e sofrimento - as
cional, adquire um caráter totalmente diferensensações negativas - pertencem ao segundo
te da incolor. As mesmas palavras, pronunciagrupo. Só no terceiro caso teremos uma relatidas com sentimento, agem sobre nós de maneiva neutralidade emocional no comportamento.
ra diferente que as pronunciadas sem vida.
Por esse motivo, a emoção deve ser entenDe que forma a emoção modifica o comdida como uma reação do comportamento nos
portamento? Para responder a essa pergunta,
momentos críticos e catastróficos, como pontos
deve-se recordar o caráter geral do comportade desequilíbrio, resumo e resultado da condumento, tal como foi descrito anteriormente. Do
ta que, a qualquer instante, impõe diretamente
nosso ponto de vista, o comportamento é um
as formas do comportamento posterior.
processo de interação entre o organismo e o
O comportamento emocional tem uma
ambiente. Portanto, nesse processo sempre
difusão sumamente ampla e, a rigor, até em
poàem ocorrer três formas dessa correlação
nossas reações mais primárias é fácil descoque, nos fatos, se alternam entre si. O primeibrir o aspecto emocional.
ro caso ocorre quando o organismo sente que
A velha psicologia ensinava que em toda
predomina sobre o ambiente, quando as taresensação existe um tom emocional, isto é, que
fas e exigências que este exige da conduta são
até mesmo as vivências mais simples de cada
resolvidas pelo organismo sem dificuldade nem
cor, som ou odor possuem inevitavelmente altensão, quando o comportamento transcorre
gum aspecto sensível. No tocante a odores e
sem travas internas de nenhum tipo e se realigostos, todos sabemos que há pouquíssimas
za uma adaptação ótima com um gasto mínisensações neutras, emocionalmente indiferenmo de energia e força. Nesse caso, o organistes. Cada odor e quase todos os gostos são inmo predomina sobre o ambiente.
falivelmente agradáveis ou desagradáveis, cauOutro caso [o segundo] ocorre quando a
sam prazer ou desgosto, estão ligados à satispreponderância e a superioridade estão do lado
fação ou à rejeição.
Parece um pouco mais difícil revelar isso
do ambiente, quando o organismo se adapta
com dificuldade ao meio. A falta de corresponnos estímulos visuais e auditivos, mas também
dência entre a extraordinária complexidade do
aqui é fácil mostrar que qualquer cor ou formeio e a relativamente fraca capacidade dema, assim como qualquer som, possuem um
fensiva do organismo é sentida como uma tenaspecto emocional único, que pertence apenas
são desmedida. Nesse caso, o comportamento
a ele. Todos sabemos que certas cores e fortranscorre com sua força máxima, com o mámas nos tranqüilizam; outras, pelo contrário,
ximo investimento de energia, e o efeito de
nos excitam. Algumas provocam ternura e outras, repugnância; algumas despertam alegria
adaptação será mínimo.
Por último, o terceiro caso, possível e real,
e outras causam sofrimento. Para convencersucede quando surge certo equilíbrio entre o
se disso basta recordar o evidente significado
emocional da cor vermelha - essa constante
organismo e o ambiente, isto é, quando ne-
A NATUREZA
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L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Agora, em situações diferentes, as formas
companheira de qualquer insurreição, paixão
externas dos movimentos que acompanhavam
e rebelião -, ou azul - essa cor fresca e serena
a emoção se enfraqueceram e, pouco a pouco,
da distância e dos sonhos.
foram se atrofiando devido à sua inutilidade.
Na verdade, é suficiente refletir um pouMas a função interna de organizadora de todo
co sobre como aparecem em cada idioma formas de expressão como uma "cor fria" ou uma
o comportamento, que foi seu papel primário,
"cor cálida", um "som alto" ou um "som baicontinua existindo até hoje. Esse aspecto de
atividade na emoção é o que constitui a caracxo", uma "voz suave" ou uma "voz dura". Uma
terística mais importante no estudo de sua nacor não é cálida nem fria, assim como o som
tureza psicológica. Quem pensa que a emoção
também não é alto nem baixo e em geral não
possui formas espaciais. No entanto, todos
representa uma vivência puramente passiva do
organismo e que ela não provoca nenhuma
compreendem quando se diz que a cor de laranja é cálida ou que urna voz grave é baixa
atividade está concebendo a questão de forma
ou "grossa", como a chamavam os gregos. É equivocada.
Pelo contrário, podemos pensar que a teoevidente que não há nada em comum entre a
ria da origem da psique, que vincula sua aparicor e a temperatura, entre o som e o tamanho,
ção à denominada c o n s c i ê n c i a h e d o n i s t a , isto é,
mas pelo visto existe algo que os une no tom
emocional que colore ambas as impressões. Um
com o sentimento primitivo [original] de satisfatom cálido ou um som alto indica que há algução ou insatisfação que, como momento secunma semelhança entre o tom emocional da cor
dário de retroalimentação da reação, a freava
e da temperatura. A cor laranja em si mesma
ou estimulava, é mais verdadeira. Portanto, a
não se parece com nada cálido, mas em sua
direção inicial das reações surge das emoções.
ação sobre nós há algo dessa índole que recorLigada à reação, a emoção regula e orienta a reada a ação do cálido. Já definimos a reação
ção, segundo o estado geral do organismo. E a
emocional como uma reação que avalia e é
passagem para o tipo psíquico do comportamento
[ fe e d secundária; como uma reação circularZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
surgiu, sem nenhuma dúvida, mediante as emob a c k ] do campo proprioceptivo. E o tom emoções. Também pode-se supor que as formas pricional da sensação tem a ver com o grau de
márias do comportamento puramente psíquico
interesse e participação de todo o organismo
da criança sejam as reações de prazer e desgosem cada uma das reações de um órgão. Para o
to, que surgem antes que as outras.
organismo, é indiferente o que o olho vê: ou
Esse caráter ativo das reações emocionais
se solidariza com essa reação ou se opõe a ela.
se explica de melhor maneira graças à teoria
"Portanto - diz Münsterberg - o 'agrado' ou
tridimensional do sentimento, proposta por
'desagrado' na verdade não antecede a ação,
Wundt." [Essa teoria] pressupõe que todo senmas a ação é que leva à continuação ou intertimento tem três dimensões e que cada dimenrupção do estímulo."
são possui duas direções. O sentimento pode
fluir na direção: (1) do gozo e do desagrado;
Por esse motivo, a reação emocional, entendida como reação secundária, é um podero(2) da excitação e da inibição; (3) da tensão e
do relaxamento.
so organizador do comportamento. Na reação
emocional realiza-se a atividade de nosso orgaPode-se supor rapidamente que a tensão
nismo. Vimos que as emoções surgiram, por via
coincide com a excitação, enquanto a inibição
instintiva, dos movimentos mais complexos e
coincide com o relaxamento. Mas isso não é corvivos. Em sua época, elas organizaram o comreto. Se uma pessoa receia algo, seu comportaportamento nos momentos mais difíceis, fatídimento caracteriza-se por uma extraordinária tencos e importantes da vida. Emergiram nos ponsão, pela tensão de cada músculo e, ao mesmo
tos culminantes da vida, quando o organismo
tempo, por uma extraordinária inibição de suas
triunfava sobre o ambiente ou estava prestes a
reações. Da mesma maneira, a expectativa de
ser destruído por este. Em todas essas oportuum prêmio ou a antecipação de um veredicto
nidades, as emoções exerceram uma espécie de
[favorável] provoca uma excitação gozosa, asditadura sobre o comportamento.
sociada ao desaparecimento da tensão.
P S IC O L O G IA
Essas três dimensões de qualquer emoção implicam, a rigor, o caráter ativo do sentimento. Toda emoção é um chamado à ação ou
à rejeição da ação. Nenhum sentimento pode
permanecer indiferente e infrutífero no comportamento. As emoções são, precisamente, o
organizador interno de nossas reações; [o organizador] que coloca em tensão, excita, estimula ou freia todas as reações. Portanto, a emoção conserva o papel de organizador interno
de nosso comportamento.
Quando fazemos algo com alegria, as reações emocionais de alegria significam que, a
partir daquele momento: tentaremos fazer o
mesmo. Quando fazemos algo com repulsão,
isso significa que tenderemos, por todos os
meios possíveis, a interromper essa tarefa. Portanto, esse novo componente introduzido pelas emoções em nosso comportamento se reduz totalmente à regulação, pelo organismo,
de cada uma de suas reações.
Torna-se então totalmente compreensível
essa diversidade coordenada das reações emocionais que incorpora ao processo de cada reação singular todos os órgãos fundamentais de
nosso corpo. Pesquisas experimentais demonstram, mediante o registro dos movimentos respiratórios, das batidas do coração e do pulso,
que essas curvas dos registros que expressam
o curso dos processos orgânicos mais importantes respondem docilmente à mínima irritação, como se elas se adaptassem imediatamente às mais mínimas modificações do ambiente.
Não é em vão que, há tanto tempo, o coração é considerado o órgão do sentimento.
Nesse sentido, as conclusões da ciência coincidem com o antigo critério sobre o papel do
coração. As reações emocionais são, acima de
tudo, reações do coração e da circulação; e, se
recordarmos que a respiração e o sangue determinam o curso de todos os processos em
todos os órgãos e tecidos, compreenderemos
por que as reações do coração podem assumir
o papel de organizadores internos do comportamento. Lange afirma o seguinte:
P E D A G Ó G IC A
119
cem influência sobre nossos órgãos externos
não colocassem em ação também esse sistema, passaríamos de largo pela vida, indiferentes-e impassíveis; as impressões do mundo exterior aumentariam nosso saber, mas
tudo se limitaria a isso; não despertariam em
nós nem alegria, nem ira, nem preocupação,
nem temor. [C. C. Lange,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFED
T h e e m o t i o n s , Nova
York: Hafner, 1967, p. 80]
A EDUCAÇÃO
D O S S E N T IM E N T O S
''A educação sempre implica mudanças."
Se não houvesse nada a modificar, não haveria nada a ser educado. Que mudanças educativas devem ocorrer nos sentimentos? Anteriormente, vimos que todo sentimento não passa
do mecanismo da reação, isto é, de certa resposta do organismo a qualquer estímulo do
meio. Portanto, o mecanismo da educação dos
sentimentos é, em linhas gerais, o mesmo que
para todas as outras reações.
Mediante a vinculação de vários estímulos sempre podemos fechar [formar] novas conexões entre a reação emocional e qualquer
elemento do ambiente. Da maneira que a primeira influência educativa será a mudança dos
estímulos aos quais a reação está ligada. Todos sabem que na ação não tememos aquilo
que temeremos mais tarde [quando a ação ficou para atrás e estamos distantes dela]. O que
provocava temor e assustava torna-se inofensivo. Por outro lado, também aprendemos a
temer muitos objetos e coisas em que antes
confiávamos.
De que modo se realiza essa transferência do medo de um objeto para outro? Aqui,
o mecanismo mais simples é a educação de
um reflexo condicionado, isto é, desse mecanismo de transferência da reação para um
novo estímulo, que se efetua cada vez que este
coincide com o estímulo incondicionado de
uma reação inata.
Por exemplo, se o fato que assusta uma
criança sempre é acompanhado de outras circunstâncias, estas posteriormente por si mesmas
serão capazes de lhe provocar medo. Uma
Devemos todos os conteúdos emocionais de
criança receia entrar em um quarto em que
nossa vida espiritual, nossas alegrias e penas, as horas de alegria e tristeza, a nosso
passou por uma experiência terrível, ainda que
sistema vasomotor. Se os objetos que exer-RQPONMLKJIHGFEDCBA
seja apenas uma vez. Evita os objetos que es-
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L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tavam presentes no momento em que se assustou. Deriva daí que a primeira regra da educação do sentimento deve consistir no seguinte: é preciso se esforçar por organizar a vida e
o comportamento da criança de tal maneira
que ela enfrente os estímulos entre os quais
deve ser criada essa transferência do sentimento, com a maior freqüência possível.'
Inicialmente, a criança reage com temor
ante a proximidade de suas contrariedades pessoais, porém suponhamos que alguma ameace assiduamente seus seres queridos, sua mãe
ou irmã. Isso também se vinculará à dor pessoal para a criança. No décorrer de um curto
período fecha-se uma nova conexão para a
criança, que reagirá com temor ante a aproximação de uma contrariedade ou de um sofrimento que não a afeta pessoalmente de forma
alguma, mas que ameaça seus seres queridos.
Portanto, o sentimento estreito e egoísta de
temor pode passar a ser uma potente base de
amplos e profundos sentimentos sociais.
Da mesma forma, podemos retirar facilmente do estreito círculo pessoal todos os sentimentos egoístas, isto é, podemos ensinar à
criança a não reagir com ira a uma ofensa pessoal, mas à ofensa ao seu país, à sua classe
[social], à sua causa. Essa possibilidade de
ampla transferência dos sentimentos constitui
a garantia de sua educação, que se exprime na
possibilidade de construir relações completamente novas entre o indivíduo e o ambiente.
Por isso, para o professor não deve haver emoções inaceitáveis ou indesejáveis. Pelo contrário, ele sempre deve partir dos sentimentos
chamados de inferiores e egoístas, os mais primários, básicos e intensos e, com base nesses
sentimentos, assentar as bases da construção
emocional da personalidade.
Por esse motivo, a divisão dos sentimentos em inferiores e superiores, egoístas e altruístas deve desaparecer, pois todos os sentimentos podem ser orientados pelo educador para
qualquer lado e podem ser conectados a qualquer tipo de estímulo. Pode-se ensinar uma
criança a ficar com medo de uma espinha que
aparece em seu rosto ou de uma aranha na
parede, e é possível ensinar-lhe a temer as calamidades gerais, as derrotas da causa preferida, a desgraça que pode acontecer com seus
seres queridos. E tudo o que dissemos sobre o
medo pode se referir igualmente aos outros
sentimentos. Todas as outras reações emocionais podem ser vinculadas aos mais diversos'
estímulos, e só é possível realizar esse vínculo
fazendo com que os diferentes estímulos sejam confrontados com a experiência pessoal
do aluno.
Em outros termos, também nesse caso o
mecanismo educativo se reduz a uma determinada organização do meio. Portanto, a educação das emoções sempre é, em essência, uma
reeducação das emoções, isto é, uma modificação na direção da reação emocional inata.
Além disso, existe um mecanismo psíquico da educação dos sentimentos inerente apenas às reações emocionais e que se fixa nas
peculiaridades de seu caráter. Através desse
mecanismo, uma conexão entre uma reação e
qualquer fato não pode ser fechada apenas da
forma anteriormente mencionada. O sentimento de medo, por exemplo, também pode ser
vinculado a um estímulo que não esteve unido
na experiência a um estímulo condicionado de
medo, mas que na experiência da criança esteve ligado a um sentimento de dor, de desagrado, etc.
Nesse caso, basta criar a denominada ZYXWVUTSRQPO
rea ç ã o p r e v e n tiv a .
Assim, a criança pequena estende pela primeira vez suas mãos, com confiança, para a luz [uma vela, por exemplo] mas,
se se queimar alguma vez, começa a sentir
medo do fogo e reage com grande temor quando se aproxima dele. Temos aqui o fechamento de uma nova reação, não através do estabelecimento de um reflexo condicionado, mas de
algo diferente, ou seja, a conexão independente
entre duas emoções, em que uma emoção de
dor fortemente vivenciada provoca a emoção
do medo. Em outras palavras, o efeito emocional de algum fato ou reação serve como causa
para a formação de uma série de outras conexões emocionais. Quando se deseja que a criança sinta medo de algo, é preciso vincular o
aparecimento disso à dor ou ao sofrimento para
o organismo; assim, o temor surge sozinho.
Dessa maneira, os sentimentos devem
ser considerados um sistema de reações preventivas que comunicam ao organismo o futuro imediato do seu compqrtamento e orga-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
121
nizam as formas desse comportamento.
Remétodo morto, sem alma, de ensinar as matérias, desempenhou um papel não pouco imsulta então que o professor encontra nos senportante na extinção da alma do mundo e no
timentos uma ferramenta sumamente valioaniquilamento dos sentimentos. Quem de nós
sa para a educação das reações. Nenhuma fornão refletiu sobre o manancial inesgotável de
ma de conduta é tão sólida como a ligada à
estímulos emocionais que existe em um curso
emoção. Por isso, se desejarem provocar no
comum de geografia, astronomia ou história;
aluno as formas necessárias de comportamentudo o que devemos fazer é pensar que o ensito, sempre devem se preocupar com que esno dessas disciplinas deve extrapolar os limisas reações provoquem uma marca emociotes dos áridos esquemas lógicos e se transfornal nele. Nenhuma prédica moral educa tanto como uma dor vivida, um sentimento vivimar não só em objeto e tarefa do pensamento,
mas também em tarefa do sentimento.
do e, nesse sentido, o aparelho dos sentimentos é uma espécie de instrumento especialA emoção não é uma ferramenta menos
mente adaptado e fino através do qual é mais
importante que o pensamento. A preocupafácil influenciar o comportamento.
ção do professor não deve se limitar ao fato
As reações emocionais exercem uma inde que seus alunos pensem profundamente e
fluência essencial e absoluta em todas as forassimilem a geografia, mas também que a sinmas de nosso comportamento e em todos os
tam. Por algum motivo, essa idéia geralmenmomentos do processo educativo. Se quiserte não passa pela nossa mente, e o ensino
mos que os alunos recordem melhor ou exermatizado por emoções é um raro hóspede
citem mais seu pensamento, devemos fazer
entre nós. [O ensino], na maioria das vezes,
com que essas atividades sejam emocionalestá ligado ao carinho impotente que o promente estimuladas. A experiência e a pesquifessor sente por sua matéria, porém ele não
sa têm demonstrado que um fato impregnaconhece a forma de transmitir esse amor a
do de emoção é recordado de forma mais sóseus alunos e, portanto, costuma ser considelida, firme e prolongada que um feito indiferado um extravagante.
rente. Cada vez que comunicarem algo ao aluNo entanto, as reações emocionais devem
no tentem afetar seu sentimento. Isso não é
constituir o fundamento do processo educatiapenas necessário como meio para uma mevo. Antes de comunicar algum conhecimento,
lhor recordação e assimilação, mas também
o professor tem de provocar a correspondente
emoção do aluno e se preocupar para que essa
como fim em si .mesmo.
Na época pré-revolucionária,
nossa eduemoção esteja ligada ao novo conhecimento.
Este só pode se solidificar se tiver passado pelo
cação intelectualizava nossa conduta de forma ilimitada, e o resultado foi essa terrível "sesentimento do aluno. O restante é conhecimencura do coração", essa completa falta de sentito morto, que mata qualquer atitude viva com
relação ao mundo. De todas as matérias ensimento que se transformou na característica
inevitável de todas as pessoas que tiveram esse
nadas na escola, só no âmbito da literatura - e
também aqui em um ínfimo grau - reconhetipo de educação. No homem contemporâneo
ceu-se a necessidade de que o momento emotudo foi automatizado a tal ponto que suas
cional estivesse presente na estruturação do
impressões singulares uniram-se a conceitos,
processo educativo.
e sua vida transcorre de forma aprazível sem
Os antigos gregos diziam que a filosofia
afetar nem atingir sua psique; no aspecto emocomeça pelo assombro. E isso é psicologicacional, essa vida sem júbilo e sem tristeza, sem
mente correto quando se aplica a qualquer sacomoções vívidas, e também sem grandes aleber, no sentido de que todo conhecimento deve
grias, cria a base para esses sentimentos de
ser precedido de um sentimento de avidez. Um
pequeno calibre que, na linguagem literária
certo grau de sensibilidade emocional, de comrussa, recebeu há muito tempo a denominapromisso, deve servir necessariamente como
ção de mentalidade pequeno-burguesa.
Devido a essa educação, perdemos a esponto de partida para qualquer trabalho educativo.
pontânea sensação de vida e, além disso, o XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
l
122
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o
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
melhor exemplo dessa insensibilidade
estéril a que nos referimos é um pequeno relato cômico de Tchekov," que possui um profundo sentido. Ele conta que um velho funcionário que nunca tinha estudado, recordava por
experiência o significado de todos os sinais de
pontuação.
Sabia que, antes da enumeração
de documentos
ou certificados,
deve-se colocar dois pontos, que a vírgula separava o sobrenome e as enumerações;
em outras palavras, em toda sua vida e experiência
sempre
foram assim os momentos
cujo significado
emocional era denotado com esses sinais. No
entanto, ele não encontrou nenhuma vez, em
todos seus anos de trabalho, o sinal de exclamação. Ficou sabendo, por meio da esposa,
dessa regra, aprendida por ela no colégio, pela
qual se coloca um sinal de exclamação
para
expressar entusiasmo,
admiração,
ira, indignação e outros sentimentos.
Esses sentimentos, porém, não tinham existido na vida do
funcionário, e um sentimento de infinita amargura pela vida totalmente vivida, de rebelião e
indignação, provoca-lhe pela primeira vez uma
forte explosão e, no livro de felicitações de seu
chefe, escreve três grandes sinais de exclamação depois de sua assinatura.
'I ,XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Se quiserem que seus alunos não tenham
uma vida tão lamentável quanto a do funcionário de Tchekov, façam com que o entusiasmo, a indignação
e outros sentimentos
não
passem ao largo de suas vidas, para que nelas
haja mais pontos de exclamação.
Não sei por que em nossa sociedade formou-se um critério unilateral sobre a personalidade humana, nem por que todos relacionam
dons e talento apenas ao intelecto. Além de
ser possível pensar com talento, também se
pode ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s e n t i r t a l e n t o s a m e n t e . O aspecto emocional da personalidade
não tem menos importância que outros e constitui o objeto e a preocupação da educação, na mesma medida que
o intelecto e a vontade. O amor pode conter
tanto t a l e n t o e inclusive g e n i a l i d a d e quanto a
descoberta do cálculo diferencial." Em ambos
os casos o comportamento
humano adota formas excepcionais e grandiosas.
O outro extremo - que não é o melhor da educação emocional é o desmedido e falsamente inflado sentimentalismo,
que deve ser
diferenciado
rigorosamente
do sentimento.
Deve-se entender por sentimentalismo
as formas de reações emocionais em que a emoção
não está ligada a nenhuma ação e se resolve
totalmente
nas reações internas que a acompanham. A título de exemplo de um falso sentimento, James menciona os sentimentos dos
aristocratas russos que choram no teatro diante da representação
de qualquer drama sentimental, sem passar pelas suas mentes que seus
cocheiros estão congelando na rua a uma temperatura
de 40 graus negativos.
Na mesma
medida em que a emoção é poderosa e importante para a ação, o sentimentalismo
é estéril
e insignificante.
No que se refere à educação dos sentimentos no sentido próprio da palavra, a tarefa
pedagógica essencial consiste no domínio das
emoções, isto é, na inclusão delas na rede geral do comportamento,
de forma tal que se vinculem intimamente
a todas as outras reações
e não se expressem de maneira perturbadora
e desorganizadora.
Saber dominar os próprios sentimentos
não implica psicologicamente
outra coisa que
saber dominar suas expressões externas, isto
é, as reações ligadas a estas. Por isso, o sentimento só é vencido através do domínio de sua
expressão motora, e aquele que aprende a não
fazer caretas nem franzir a testa ante um gosto desagradável,
vence também
a própria
repulsão.
Daí deriva o extraordinário
poder
sobre a educação dos sentimentos,
que é inerente ao desenvolvimento
dos movimentos
conscientes e a seu controle.
"O covarde que adotar uma postura altiva e que, com aspecto belicoso, caminhar ao
encontro do inimigo de forma audaz e aberta, já venceu sua covardia." Sabemos que célebres valentes,
como Pedro o Grande'? e
Napoleão!'
tinham um medo mortal de ratos
e insetos. Portanto, conheciam
o sentimento
de medo e as reações emocionais.
Entretanto, podiam se manter firmes durante o combate, sem tremer sob as balas, porque sabiam
controlar seu temor.
Esse domínio dos sentimentos, que constitui o objetivo de toda educação, pode parecer, à primeira vista, uma repressão de todo
sentimento.
A rigor, porém, implica apenas a
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
123
subordinação do sentimento, sua vinculação
às restantes formas de comportamento, a orientação racional desse sentimento.
Como
exemplo dessa utilização racional do sentimento, podemos mencionar os denominados sentimentos intelectuais, isto é, sentimentos como
a curiosidade, o interesse, o assombro, etc.,
diretamente ligados à atividade intelectual e
que a dirigem de forma evidente, embora ao
mesmo tempo tenham uma expressão corporal totalmente insignificante que, na maioria
das vezes, se esgota em alguns movimentos
sutis dos olhos e do rosto .. "
O jogo, que já classificamos como o melhor mecanismo educativo do instinto, é ao
mesmo tempo a forma ótima de organização
do comportamento emocional. O jogo da criança sempre é emocional, sempre desperta nela
sentimentos intensos e vívidos, mas também a
ensina a não seguir cegamente os sentimentos, mas a coordená-los com as regras do jogo
e com seu objetivo final.
Portanto, o jogo constitui a primeira forma de comportamento consciente que emerge com base no instintivo e no emocional. É o
melhor meio para a educação integral de todas essas diferentes formas e para estabelecer uma coordenação correta e uma ligação
entre elas.XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2. A morte não permitiu que Vigotski concluísse
uma monografia sobre as emoções, que começou a escrever em 1931 e que continuou redigindo até 1933. Esse ensaio inacabado está incluído no voI. VI de suas O b r a s E s c o g i d a s
(Madrid: Visor). O manuscrito original, segundo Roza Noievna Vigodskaia (cf. V o p r o s i F i l o s o f i
[ P r o b l e m a s de F i l o s o f i a ] , 1970, n? 6), tem três
títulos: (1) A t e o r i a d a s e m o ç õ e s à l u z da p s i c o -
"Emoção, afeto, sentimento" - sobretudo o original tratamento
dos sentimentos
estéticos
superiores -, da P s i c o l o g i a D i a l é c t i c a de Jorge
Thénon (Buenos Aires: Paidós, 2.ed., 1974,
p. 163-186).
em seus fundamentos
às técnicas utilizadas
nas terapias comportamentalistas
para o tratamento das fobias. Embora a reflexologia e
o comportamentalismo
sejam essencialmente diferentes, aqui há um ponto de coincidên-
n e u r o lo g ia
c o n te m p o r â n e a :
P e s q u is a s h is tó r ic o -
e (3) E n s a i o s d e p s i c o l o g i a : O p r o b l e m a d a s e m o ç õ e s . O título provisório da versão do vol. VI das O b r a s ... de Vigotski
p s i c o l ó g i c a s ; (2) S p i n o z a ;
em espanhol, traduzidas da versão da Editora
Pedagoguika de Moscou, não coincide com nenhum desses três: é D o u t r i n a das e m o ç õ e s . P e s q u is a h is tó r ic o -s o c io ló g ic a .
3. Cf. W James, "What is an Emotion", M i n d , n 29
(1884), p. 188-205. Em 1890, James ampliou
esse artigo no capítulo sobre as emoções de seu
P r i n c i p i a s de P s i c o l o g í a , trad. de A. Bárcena,
México: FCE, 1989, p. 909-943; esse é o livro
que consultamos para este capítulo. A versão
russa de P r i n c i p i a s ... , trad. de I. I. Lapshin, foi
publicada em 1911 em São Petersburgo.
Carl George Lange (1834-1900)
foi um médico e fisiologista dinamarquês
que pesquisou as
emoções e chegou, de forma independente,
a
conclusões semelhantes
às de William James
sobre elas - por isso, se fala da "teoria das
emoções de James-Lange". Utilizamos uma versão inglesa do livro de Lange (cf. C. G. Lange,
T h e E m o tio n s ,
op. cit.; o texto original dinamarquês é de 1885: Om S i n d s b e v a e g e l s e r ) .
NOTAS
4. O grifo é nosso.
5. O fato de que aqui Vigotski fale de "sentimene m o ç õ e s e dos
1. Neste capítulo, Vigotski fala das ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tos inferiores" e, posteriormente,
de "sentimens e n tim e n to s ,
como se esses termos fossem sitos superiores" não permite inferir - dado que
nônimos. O vasto e rico campo da afetividade
o faz em sentido axiológico - que ele alude à
humana - emoções, paixões, afetos, sentimensua futura divisão dos processos psíquicos em
tos - teve sua acepção reduzida, na psicoloinferiores e superiores.
Em compensação, no
gia do século XX, a apenas um termo: "emoCapo 7, pode-se perceber uma noção e m b r i o ção". Em nossa opinião, os diferentes concein á r i a dessa divisão.
tos da afetividade
mencionados
abrangem
6. Aqui, Vigotski refere-se a W Wundt, G r u n d r i s s
vários campos ontologicamente
diferentes da
d e r P s y c h o l o g i e [ C o m p ê n d i o de P s i c o l o g i a ] , cuja
realidade
da psique. A emoção estaria mais
1-ªedição é de 1896 e que chegou, em 1911, a
próxima do biológico, enquanto o sentimendez edições revistas, seguidas de cinco reimto seria uma emoção socializada, um produto
pressões.
cultural. Cf., por exemplo, o Capo 4, intitulado
7. Essa prescrição feita por Vigotski é idêntica
124
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I
cia com o comportamentalismo
de primeira
geração à Watson. O comportamentalismo
radical de Skinner - de segunda geração - está
mais circunscrito aos laboratórios
de pesqui-
poucos passos do de Vigotski, no cemitério
Novodievichi de Moscou.
9. O grifo é nosso. As asserções de Vigotski nesse
parágrafo,
escritas 70 anos antes de que se
começasse a falar de' "inteligência emocional"
sa de comportamento
animal, à fisiologia, à
farmacologia, etc. As atuais psicoterapias comno âmbito da psicologia, chamam a atenção.
portamentais-cognitivas
utilizadas no âmbito
10. Pedro o Grande (1672-1725)
foi o czar que
clínico pertencem a um comportamentalismo
a R ú s s ia n a e s fe r a c u ltu r a l e u r o p é ia ,
in tr o d u z iu
de terceira geração, conforme os períodos deincorporou sua tecnologia e construiu a cidamarcados por Arthur Staats (cf.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C o n d u c tis m o
de de São Petersburgo
segundo o estilo das
S o c i a l , México: EI Manual Moderno,
1979). É
grandes cidades ocidentais, transferindo para
interessante observar que a convergência
das
lá a capital da Rússia. Entretanto,
esse movicorrentes comportamentais
e cognitivas, que
mento inaugurado
por Pedro contou com a
ocorreu a partir da década de 80 nos Estados
forte resistência da e s l a v o f i l i a [ s l a v i a n o f i l s t v o ] ,
Unidos, foi antecipada' por Vigotski 60 anos
corrente que considera que a Rússia pertence
antes (cf. seus comentários
sobre o que ele
à esfera cultural asiática e que seus males oridenominou "psicocomportamentalismo"
em
ginaram-se
com as importações
ocidentais.
seu artigo de 1928, "EI conductismo",
p. 91,
Atualmente, de Solyenitsin ao novo Partido Coem L. S. Vigotski, L a G e n i a l i d a d y o t r o s t e x t o s
munista russo, todos são eslavófilos.
i n é d i t o s , edição de G. Blanck, Buenos Aires:
11. Napoleão Bonaparte (1769-1821)
foi a figura
Almagesto, 1998, p. 87-96). É muito intereshistórica mais importante
do século XIX. A
sante ver como Vigotsky analisou os alcances
Revolução Francesa institucionalizou
o poder
e os limites dessa corrente, suas conquistas e
da burguesia com Napoleão. Ele e n c a r n o u a
carências, antes que o comportamentalismo
m o b i l i d a d e s o c i a l introduzida
pelo capitalismo:
se transformasse
no principal sistema psicosaiu da academia militar como segundo tenente
lógico do mundo, de 1930 aos anos 70. Para
e chegou, por seus próprios méritos, ao mais
uma
visão
das
mudanças
na
psicologia
atual,
alto escalão militar francês; mais tarde, em sua
"zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
assim como das tendências
dominantes,
ver
carreira política, se transformou
na maior auM. Carretero, l n t r o d u c c i ó n a I a P s i c o l o g í a C o g toridade da França (e inclusive em seu impen i t i v a , Buenos Aires: Aique, 1997, p. 76-78.
rador, em um gesto grotesco). Suas campanhas
8. Aqui, Vigotski se refere ao conto de Tchekov O
militares m i n a r a m as b a s e s f e u d a i s dos países
s i n a l de e x c l a m a ç ã o
( C o n t o de N a t a l ) .
Anton
que invadiu. Para além de derrotas momentâPavlovitch Tchekov (1860-1904)
foi um médineas, em termos históricos pode-se dizer que,
co, dramaturgo e contista russo - um dos mais
em geral, onde Napoleão pisou, a burguesia
importantes contistas da história da literatura.
acabou por triunfar.
Ele morreu de tuberculose. Seu túmulo fica a
1
l'
"
"
I
XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A P s ic o lo g ia e a
P e d a g o g ia d a A te n ç ã o zyxwvutsrqponmlkjihgfedc
,.
essas adaptações motoras à percepção das impressões externas. Até os atos mais fáceis da
DA ATENÇÃO
atenção - como a pesquisa experimental dea te n ç ã o
A psicologia tradicional define a ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
monstrou - são acompanhados de modifica[ v n i m a n i e J como a atividade mediante a qual
ções do traçado da respiração e do pulso.
conseguimos desmembrar a complicada compoInclusive esses processos mais íntimos do
sição das impressões que nos chegam do exteorganismo se adaptam à atividade iminente.
rior, concentrando na parte mais importante toda
Entretanto, essas reações motoras ativas só
a força de nossa atividade e facilitando assim sua
constituem a metade do processo. A outra
penetração na consciência. Dessa forma, é possímetade, não menos importante, consiste na
vel alcançar a precisão e a clareza peculiares para
detenção de todos os outros movimentos e reavivenciar separadamente o que é importante.
ções não-vinculados à atividade iminente. Por
No entanto, a velha psicologia também
sua experiência pessoal, todos sabem até que
sabia que, nos atos da atenção, nos deparaponto a escuridão contribui com uma escuta
mos com fenômenos que não são de ordem
atenta ou o quanto o silêncio propicia um olhar
"psíquica", e que a atenção também se inicia,
mais atento; em outras palavras, o quanto a
com maior freqüência, em toda uma série de
inação e a tranqüilidade dos órgãos não-envolmanifestações de caráter puramente motor. É
vidos facilitam a concentração da atenção na
atividade do órgão fundamental. Do ponto de
suficiente observar os atos mais simples da
atenção para perceber que, em cada caso, esvista psicológico, a interrupção de uma reação
ses atos começam com reações de ajuste que
ou sua inibição representa o mesmo que a reação motora de qualquer movimento ativo. Porse reduzem a movimentos dos diferentes órtanto, do aspecto motor, a atenção se caractegãos da percepção. Assim, quando nos dispomos a observar algo cuidadosamente, adotariza por movimentos adaptativos dos órgãos
mos a postura adequada, colocamos a cabeça
internos e externos e pela inibição de qualquer
em certa posição, adaptamos e fixamos os olhos
outra atividade do organismo.
da forma necessária. No ato de escutar atentaEm nossa vida, porém, o principal papel
mente, o papel dos movimentos adaptativos e
pertence àqueles atos de atenção que não foorientadores do ouvido, do pescoço e da caberam mencionados na primeira parte desse quadro. Isso ocorre na denominada atenção "inça não é menor.
O sentido e a função de todos esses moterna", isto é, quando o objeto para o qual a
vimentos têm a ver com uma posição mais côforça de nossa atenção está orientada não é
moda e favorável dos órgãos da percepção, que
externo ao organismo, mas constitui uma parrealizam o trabalho mais importante. Mas este da reação do próprio organismo que, nesse
sas reações motoras da atenção vão além das
caso, assume o papel de estímulo interno.
mencionadas reações dos órgãos externos da
Do ponto de vista das reações, os fenôpercepção. Todo o organismo é penetrado por
menos da atenção devem , ser considerados
A NATUREZA
P S IC O L ó G IC A
126
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O primeiro, que permite diferenciar entre si as
sistema de ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r e a ç õ e s de o r i e n t a ç ã o
ou seja, das reações preparatórias
reações de orientação,
é sua c a p a c i d a d e , ou
do organismo que colocam o corpo na postura
seja, a quantidade
de excitações simultâneas
que, em uma orientação
dada, podem ser ine no estado necessários
e os prepara para a
cluídas no mecanismo
de ação de nossa conatividade que o espera.' Desse ângulo, as reações de orientação não se diferenciam de forduta. Segundo os cálculos de Wundt.! nossa
ma alguma de todas as outras. É muito fácil
consciência pode abranger de forma simultâdescobrir e mostrar nelas os mesmos três comnea de 16 a 40 impressões simples, enquanto
ponentes necessários
que surgem durante o
a atenção é capaz de preparar nosso organismo para reagir simultaneamente
a uma quantranscurso completo de cada reação.
O primeiro desses componentes
é a pretidade menor de impressões
do mesmo caráter, de 6 a 12. Portanto, fica claro o caráter
sença do correspondente
estímulo ou impulseletivo da reação de orientação,
que escolhe
so, independente
da forma como é expresso,
por meio de uma impressão externa ou uma
uma pequena parte de todo nosso comportaexcitação externa - através de uma palavra
mento e, pelo visto, faz com que ele transcorra
não-pronunciada,
um desejo, uma emoção, etc.
em outras condições que todas as demais.
Sem esse ponto de apoio nunca aparece neDevemos dizer que a extensão da oriennhuma reação de orientação.
tação não pertence às magnitudes
constantes,
A seguir, temos o componente
de elabobiologicamente
invariáveis. Ela apresenta varação [processamento]
central desse impulso,
riações muito bruscas conforme o sexo, a idacuja existência sempre pode ser julgada pelas
de e a individualidade,
porém o fundamental
diversas formas adotadas pelas reações, ainda
é que depende dos exercícios, dos hábitos e da
que sejam provocadas
pelo mesmo impulso,
experiência de cada pessoa. Até para uma messegundo a diversidade
e a complexidade
dos
ma pessoa a capacidade das orientações possíestados do sistema nervoso central. Quando
veis não é algo constante,
podendo variar de
um estímulo chega a um grupo de focos de
acordo com o estado geral de seu organismo.
excitação, ele provoca um determinado
efeito,
O conceito dos contextos e limites das possibimas, se o agrupamento
desses focos se modifilidades de ajuste do organismo constitui uma
ca, o efeito desse mesmo estímulo será comdas conquistas mais valiosas da psicologia da
pletamente diferente.
atenção e introduz essa teoria em contextos
econômicos que sempre permitem calcular e
Por último, o terceiro componente da reação é o efeito de resposta, que sempre se realilevar em conta previamente
as possibilidades
za mediante um ato de atenção, através de uma
de nossa atenção.
série de movimentos de órgãos externos ou inO segundo
aspecto
que caracteriza
a
orientação
é sua d u r a ç ã o ? A orientação eviternos, de uma série de reações somáticas dos
órgãos internos ou de secreção interna. A read=ncia um estado sumamente instável, inconsção de orientação,
nesse sentido, é a reação
tante e oscilante. Isso pode ser verificado nos
mais corrente do organismo, só que no comexperimentos
mais simples. Se fixarmos nosportamento
humano lhe cabe um papel pecusos olhos atentamente
em um ponto ou uma
liar: o de preparadora de nosso comportamento
letra durante um longo período, é fácil perceposterior. Por isso, essa reação prévia pode ser
ber que a atenção, intensa no início, começa
chamada de "pré-reação".
pouco a pouco a enfraquecer;
o ponto, inicialmente percebido com máxima precisão e clareza, começa a diluir-se ante nossos olhos, torA S C A R A C T E R íS T IC A S
na-se confuso e escuro, escapa de nosso camD A O R IE N T A Ç Ã O
po de visão, volta a aparecer, treme, parece
titilar ante a vista, ainda que todas as conAs r e a ç õ e s de o r i e n t a ç ã o [ u s t a n o v k a ] dedições externas que determinam
o curso das
vem ser descritas a partir de vários aspectos.
excitações tenham permanecido
invariáveis.
como certo
[ u s ta n o v k a ] ,
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
127
dispersa de excitações completamente
ÉzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
evidente que a mudança nos resultados deve
similares, mas como um todo único com forma de
onda, com seus pontos de auge e queda.
A última característica e função da orientação também estão de acordo com isso, ou
seja, seu papel de u n i f i c a d o r a e o r g a n i z a d o r a
das impressões externas. Graças ao caráter rítmico de nossa atenção, estamos propensos a
introduzir o ritmo e atribuí-lo a todos os estímulos externos, independentemente do fato de
que os possuem ou não. Em outros termos, não
percebemos o mundo em sua forma fragmentária e caótica, mas como um todo vinculado e
rítmico, unindo os elementos menores em grupos e esses grupos em novas e maiores formações. Isso torna compreensível a expressão de
um psicólogo de que, graças à atenção, percebemos o mundo como se fosse poesias, em que
as sílabas separadas se unem em pés, estes em
hemistíquios, os hemistíquios em versos, os versos em estrofes, etc.
ser atribuída às modificações dos processos
internos, particularmente ao processo de orientação ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[ u s ta n o v k a ] .
Por estranho que possa parecer, a duração da orientação mede-se em um intervalo
sumamente insignificante de tempo e, nos casos mais extensos, mal passa de alguns minutos; depois disso, começa a haver uma espécie de flutuação rítmica da orientação. Ela
decai e volta a surgir se as condições da conduta exigem que se mantenha durante um
longo período. Portanto, a orientação é uma
espécie de diversos impulsos com intervalos,
uma linha ponteada e não-cheia, que regula
nossas reações por impulsos, perrnitindo-lhes
fluir por inércia nos intervalos entre um impulso e outro.
Dessa forma, o caráter r í t m i c o se transforma em lei fundamental de nossas orientações,
exigindo que levemos em consideração todas
as exigências pedagógicas que derivam daí. Os
experimentos tão simples de Urbantschitsch
A O R IE N T A Ç Ã O E X T E R N A E IN T E R N A
confirmaram totalmente esse fato." Nesses experimentos, o sujeito do teste devia escutar
No aspecto qualitativo,
a psicologia
atentamente, com os olhos fechados, o tiqueempírica
caracterizava
a
atenção
como voluntaque de um relógio, marcando com as palatária e involuntária. Em geral, consideravam-se
vras "mais longe" e "mais perto" quando o tiin v o lu n tá r io s
[ e x t e r n o s ] os atos que respondiam
que-taque lhe parecesse mais forte ou mais fraa
estímulos
externos
e que nos atraem por sua
co. Em todos os casos obtinha-se invariavelenorme força, interesse ou capacidade de exmente o mesmo resultado: o sujeito, de forma
pressão. Se, em uma sala silenciosa, o ruído de
ordenada e com uma alternância correta, dium tiro atrai minha atenção, esse é um exemzia "mais longe" e "mais perto", pois continuaplo de atenção involuntária. A causa de minhas
mente tinha a impressão de que o tique-taque
reações de orientação [ u s t a n o v k a ] não se endiminuía ou se intensificava, o que lhe causacontra no organismo, mas em fenômenos que
va a ilusão de que o experimentador estava
estão fora dele, na surpreendente força do novo
aproximando ou afastando regulamente o apaestímulo que se apodera de todo o campo livre
relho; na verdade, o relógio estava imóvel,
da atenção, desloca e inibe todas as nossas reapendurado na parede e, durante todo o temções restantes.
po, não mudara de posição.
Nós, psicólogos, chamamos de atenção
De novo fica evidente que a causa do env o lu n tá r ia
ou i n t e r n a aqueles casos em que a
fraquecimento e da intensificação do som não
concentração
não está dirigida para fora, mas
deve ser buscada nos processos externos, mas
para dentro do organismo, e a própria vivência,
nos processos internos da orientação. No caso
ato ou pensamento do ser humano se transmencionado, estamos diante de uma forma
forma em objeto da atenção. Como exemplo
completamente pura do ritmo ou caráter ondudessa atenção voluntária podemos mencionar
latório em nossa orientação, que, quando está
qualquer concentração do próprio pensamendirigida para uma série regular e ininterrupta
to, quanto tentamos lembrar .algo, compreende excitações, não as percebe como uma série XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
""f
128
;,
.,
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
der algo, ou quando empreendemos
algum trabalho, a leitura de um livro, a escrita de uma
carta e, de forma totalmente
consciente e voluntária, realizamos a preparação
de todos os
órgãos necessários para essa tarefa.
Durante muito tempo pareceu haver uma
diferença radical entre ambos os tipos de atenção, devido à diferença entre a natureza fisiológica da involuntária e a natureza psicológica
da voluntária. Os psicólogos caracterizavam
a
voluntária
como vontade interna, como um
puro ato de esforço volitivo, que não estava
diretamente
relacionado, a manifestações
corporais. No entanto, a pesquisa experimental
demonstrou
que, mesmo no caso da atenção
voluntária, estamos diante das mesmas reações
somáticas da respiração
e da circulação que
existem no tipo involuntário
de atenção. Além
disso, esses atos são acompanhados
por uma
idêntica interrupção
dos movimentos
alheios,
pela mesma detenção
da atividade
que está
presente no caso da atenção externa [involuntária], e que a única diferença entre ambos os
tipos de atenção é a ausência de reações adaptativas evidentes dos órgãos externos na voluntária."
Essa diferença, porém, explica-se de forma clara e plena pela diferença existente entre o objeto ao qual a atenção está orientada
nos dois casos. Compreende-se
que, na atenção despertada
por qualquer impressão proveniente de fora, o organismo reage com a preparação dos correspondentes
órgãos de percepção, através dos quais essa impressão será
levada até a consciência. Também se compreende que não existe nenhuma
necessidade
dessas reações quando a orientação se concentra em estímulos internos, que percebemos
a
partir dos campos proprioceptivo
e interoceptivo, enquanto percebemos os estímulos externos a partir do campo exteroceptivo.
A linguagem
corrente registrou essa semelhança através das expressões com as quais
se designam os atos da atenção interna [voluntária]. Quando estamos recordando algo de
maneira intensa e concentrada,
é como se estivéssemos ouvindo palavras que ressoam dentro de nós mesmos, e os sons e as vozes alheios
ao assunto nos incomodam,
como acontece
quando escutamos
atentamente
uma música
ou as palavras de alguma pessoa. Aqui, a linguagem reforça a plena semelhança que existe entre os movimentos adaptativos do ouvido
e os das vias nervosas proprioceptivas
no primeiro e segundo tipos de atenção. A diferença
psicológica essencial só será a presença, no
segundo caso [a atenção voluntária], de certa
excitação externa capaz de provocar o mesmo
efeito de reação de orientação que um estímulo externo.
Não nos equivocamos
de forma alguma
se admitimos que a diferença entre ambos os
tipos de orientação
se reduz à diferença entre o reflexo inato ou incondicionado
e o adquirido ou condicionado.
Em suas formas elementares e mais simples, a concentração é como a observação o demonstrou
- um reflexo incondicionado
que se manifesta nos primeiros dias de vida do lactante, possuindo
todas as características
mais típicas da atenção do adulto.
Mas, como todo reflexo
incondicionado,
também o reflexo de concentração está sujeito à educação
e à reeducação. Se o estímulo que provoca esse reflexo
sempre é acompanhado
de outro estímulo
estranho, graças a essa coincidência reiterada no tempo de ambos os estímulos, fecha-se
[cria-se] uma nova conexão no córtex cerebral entre o segundo estímulo neutro e a reação coincidente
com este. Forma-se assim um
reflexo condicionado
que age com regularidade mecânica e que é provocado pelo novo
estímulo com a mesma precisão com que foi
antes causado pelo incondicionado.
Suponhamos
que, em uma criança, o reflexo de concentração
sempre é provocado pelas impressões provenientes
da mãe que a alimenta. Se o sistema desses estímulos sempre
coincide com excitações dos olhos provenientes das reações correspondentes
ou de seu próprio pranto involuntário,
graças a um breve
treinamento,
a sensação da vista ou o pranto
serão suficientes para que todas as reações da
criança se concentrem
na comida, na ingestão
de alimento, embora a mãe esteja ausente naquele momento.
Assim, a orientação
externa, provocada
por um estímulo externo, passará para uma
P S IC O L O G IA
segunda fase, transformando-se em orientação
interna, pois se subordinou a um estímulo interno.XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A ATENÇÃO
E A D IS T R A Ç Ã O
Em geral, a distração é considerada o ato
diretamente oposto à atenção. Na realidade,
se concebermos como atos de atenção a preparação do organismo para a chegada de certos estímulos, a distração denota, naturalmente, que se recebe um estímulo totalmente inesperado enquanto o organismo está despreparado para reagir a ele. Quando estamos atentos às palavras de outra pessoa, reagimos a elas
com uma resposta oportuna e consciente.
Quando estamos escutando de forma distraída, não respondemos ou nossa resposta demora ou é inadequada.
Essa noção, porém, precisa de uma correção importante. Do ponto de vista psicológico, devem ser diferenciados dois aspectos diferentes e inconciliáveis na distração. Na verdade, a distração pode provir de uma atenção
fraca, da incapacidade de reunir e concentrar
a orientação [ustanovka] em algo. Por isso, ela
pode estar indicando certa detenção e frustração de todo o mecanismo de nossa conduta e,
nesse sentido, caso surgirem algumas características notórias, ela assume um caráter patológico evidente e passa a pertencer ao âmbito
do anormal.
Entretanto, a distração com a qual o professor tem de lidar na maioria das vezes e que
se manifesta a cada momento na vida de uma
pessoa normal constitui uma companheira necessária e útil da atenção. Já esclarecemos a
importância da orientação, que limita nosso
comportamento. O sentido da orientação sempre se reduz a restringir nosso comportamento
a um caminho estreito. A redução do curso das
reações, às custas de sua quantidade, ganha em
força, qualidade e clareza. Naturalmente, isso
pressupõe também uma redução de nosso comportamento, e uma série de estímulos que chegam a nós pode não provocar nenhuma reação .
.Quando estamos atentos a uma só coisa,
inevitavelmente estaremos distraídos com relação a todas as outras. A relação adquire aqui
P E D A G Ó G IC A
129
o caráter matemático de uma proporcionalidade direta e, sem dúvida, podemos dizer que,
quanto maior for a intensidade da atenção,
maior será a intensidade da distração. Em outros termos, quanto mais exata e completa for
a orientação a uma reação qualquer, menos
adaptado para outra estará o organismo. Nas
conhecidas histórias sobre a distração dos sábios e, em geral, das pessoas ocupadas com
alguma idéia, essa lei psicológica dos vínculos
entre atenção e distração é confirmada de forma mais eloqüente. A distração do sábio ou do
pesquisador sempre envolve uma extraordinária concentração de seu pensamento em apenas um ponto. Do ponto de vista científico, é
correto não falar da educação da atenção e da
luta contra a distração, mas da correta educação de ambas, de forma conjunta.
O S IG N IF IC A D O
B IO L Ó G IC O
D A O R IE N T A Ç Ã O
O significado biológico da orientação
[ustanovka] pode ser descoberto mais facilmente se levarmos em conta as necessidades que a
originaram. Quanto mais complexo é um organismo, mais diversa e sutil é a forma de suas
inter-relações com o ambiente e mais elevadas são as formas adotadas por seu comportamento. A complexidade fundamental, que distingue a conduta dos animais superiores, é uma
supra-estrutura de experiência individual ou
reflexos condicionados, construída graças à experiência herdada. Na aranha ou na borboleta, 99% do comportamento está determinado
por formas instintivas herdadas; só 1 % - para
simplificar - é determinado pelos nexos individuais estabelecidos por condicionamento
[aprendizagem]. Essa relação [proporção] varia em ordem inversa quando passamos dos
animais inferiores aos superiores."
Na complicada composição do comportamento humano, só uma centena de reações
é inata, não é afetada por influências individuais da experiência pessoal. O sentido biológico dessa supra-estrutura reside na chamada
adaptação "antecipada" ou "de sinal" do organismo ao surgimento de fatos que ainda não
estão presentes, mas que fatalmente aconte-
130
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cerão, devido a certos indícios conhecidos. Em
suas formas superiores, esse sinal ou forma antecipada de adaptação a modificações futuras
do meio se transforma
em reação de atenção
ou de orientação,
isto é, está ligada de forma
reflexa a impulsos daquelas reações que levam
o organismo ao estado mais completo de preparação.
Portanto, segundo a exata definição de
Karl Groos,? a orientação pode ser definida, do
ponto de vista biológico, com a espera do futuro, como uma ferramenta
na luta pela existência, que permite que () organismo reaja com
os movimentos necessários,
não no momento
do aparecimento
do perigo, mas antes.
Podemos
dizer que o comportamento
humano, em suas formas complexas, se divide
em suas partes. Devido à enorme quantidade
de reações elaboradas pelo organismo e à excepcional complexidade
de suas combinações
e uniões, surge a necessidade
de uma direção
especial do curso dessas reações, do controle
do organismo sobre seu próprio comportamento. Em primeiro lugar, assumem
o papel de
reações de controle e regulação as excitações
internas que aparecem no campo proprioceptivo e que levam o organismo a uma disposição combativa ante cada reação.
Por isso, com todo direito, podemos comparar a atenção com uma estratégia
interna
do organismo. Na verdade, seu papel é o de
estrategista, isto é, de guia organizador, de dirigente e fiscal do combate, sem nunca participar diretamente
da luta.
Desse ponto de vista fundamental
também podem ser facilmente explicadas todas as
características
já mencionadas
da orientação.
É totalmente compreensível
que, para conservar a unidade
de funcionamento
de nossos
órgãos, torna-se biologicamente
indispensável
que o organismo corte a reação de orientação
e restrinja sua extensão, a fim de garantir a
unidade de ação dos mais diversos órgãos de
nosso corpo. Também é compreensível
a excepcional brevidade
da orientação,
pois ela
constitui algo sumamente
arriscado para o organismo, devido à sua estreita extensão. Quando ela prepara o organismo para o combate em
um determinado
setor, o enfraquece e desmobiliza para o combate em outros e, se a orienta-
:
"
I
L lE V S E M IO N O V IC H
~
,.'
~IXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ção não fosse tão temerosa e instantânea, muitas vezes exporia o organismo aos riscos de um
enorme perigo, contra os quais seria incapaz de
oferecer resistência.
Biologicamente,
a orientação
deve passar com rapidez de uma reação para outra,
abrangendo
com sua ação organizadora
todos
os aspectos de nosso comportamento.
Essa
natureza e o caráter rítmico da atenção, que
não passa de um descanso dela, são imprescindíveis para que funcione durante bastante
tempo. O caráter rítmico, portanto, não deve
ser concebido como um princípio de diminuição da atenção, mas, pelo contrário, como um
princípio
de prolongamento
desta, porque,
quando o trabalho da atenção se satura e corta o ritmo, por meio de minutos de detenção e
descanso, conserva e reforça sua energia e não
se esgota nem se gasta por completo durante
um prazo prolongado.
Por fim, a última descoberta na natureza
da atenção, quando se desvenda sua importância biológica, é que a reação de orientação
deve ser entendida como um esforço do organismo que se prolonga
sem cessar, e nunca
como uma manifestação
espontânea
de sua
atividade. Nesse sentido, estão certos os que
dizem que, como um motor, a atenção funciona por meio de explosões, mantendo a força
do impulso de uma explosão para a outra. De
maneira que o ato de atenção deve ser compreendido como algo que se extingue e renasce de forma incessante, como algo que se acalma e acende a cada instante.
o VALOR
E D U C A T IV O
D A O R IE N T A Ç Ã O
Podemos dizer, sem medo de exagerar,
que a orientação [ustanovka] é a condição primordial para exercer influência
pedagógica
sobre a criança. Alguns pedagogos preferem
reduzir todo o processo da educação à elaboração de certas formas de orientação e, desse
modo, dizem eles, toda educação é, acima de
tudo, a educação da atenção, e os diferentes
tipos de educação se distinguem
uns dos outros só pelo caráter das orientações
que devem ser elaboradas.
P S IC O L O G IA
Em certo sentido isso é totalmente correto, pois na educação não temos de lidar com
movimentos e comportamentos que possuem
uma meta e um valor por si mesmos, mas com
a elaboração de aptidões e hábitos para as futuras atuação e atividade. Nesse caso, nossa
tarefa não é provocar certas reações por si
mesmas, mas apenas educar as orientações
necessárias. A educação deve incorporar certa
coordenação, apreensão e direção no conjunto caótico e desordenado de movimentos do
recém-nascido. Toda a conduta do adulto se
diferencia da do recém-nascido pela presença
dessa característica. Por isso, se transforma em
princípio fundamental da educação a escolha
das reações mais necessárias e importantes,
que devem ser conservadas, colocadas como
pedra fundamental, em torno das quais devem
se cristalizar e organizar-se em grupo as outras reações de menor significado, considerando que, em última instância, os movimentos
totalmente inúteis para o organismo foram
inibidos e reprimidos.
Mas precisamente essas três funções - separação, agrupamento e demora - são realizadas pelo mecanismo da orientação. Para esclarecer a importância pedagógica da atenção, recorre-se à observação da forma como uma mãe,
indiferente a todos os possíveis ruídos provenientes da rua, acorda devido a um fraco choro
do filho; ou como um moleiro, que não acorda
nem com o mais potente trovão ou com o barulho da tormenta, desperta com o mais leve murmúrio da água. Em outras palavras, geralmente - e para isso citamos esses casos - a orientação permite destacar as influências do meio que
são biologicamente mais importantes para o
organismo, ainda que elas sejam menos intensas que outras.
oXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
D E S E N V O L V IM E N T O
DA ATENÇÃO
Como objeto da educação, a orientação
não é menos valiosa, por sua ilimitada capacidade de desenvolvimento. Se compararmos as
diferentes capacidades da criança e do adulto,
em nenhum terreno nos deparamos com uma
diferença tão colossal quanto no âmbito da
orientação [ustanovka].
Na idade inicial, a
P E D A G Ó G IC A
131
atenção tem, quase de forma exclusiva, um
caráter instintivo-reflexo, e só gradualmente,
mediante um prolongado e complexo treinamento, ela se vai transformando em orientação voluntária, dirigida pelas necessidades fundamentais do organismo que, por sua vez, dirige todo o nosso comportamento.
Ao mesmo tempo, adquire excepcional
significado pedagógico o interesse infantil,
como a mais freqüente forma de manifestação
da atenção involuntária. A atenção infantil
depende quase por completo do interesse e,
por isso, a causa natural da distração infantil
sempre é a falta de coincidência de duas linhas da tarefa pedagógica: a linha do próprio
interesse da criança e a de suas tarefas obrigatórias.
Por isso, o velho sistema escolar, em que
a divergência entre essas duas linhas era considerada a base da sabedoria psicológica, era
obrigado a recorrer a medidas externas de organização da atenção; tinha de valorizar a atenção dos alunos por meio de uma nota especial
e, em essência, era totalmente incapaz de elaborar as formas adequadas de orientação.
Quando se permite que a criança siga
seus interesses e se desenvolva de acordo com
eles, isso envolverá inevitavelmente a observância de seus caprichos e suas necessidades
e levará ao mesmo ponto ao qual levaria essa
atitude com relação ao cavaleiro e seu cavalo. Muitos professores consideram que, dessa
maneira, estariam renunciando à orientação
e à direção do processo educativo e raciocinam mais ou menos assim: se a criança deve
ser guiada por seu interesse, para que serve
então o professor? Este se torna inútil se segue cegamente os interesses da criança. [Mas
também] é nocivo se, na frente da criança, ele
se esforça para rejeitar esse interesse e paralisar sua força de ação.
Esse evidente equívoco pode ser resolvido do modo menos doloroso na psicologia pedagógica se nos situarmos no único ponto de
vista correto: a educação não significa apenas
seguir as tendências naturais do organismo,
nem a luta estéril contra essas iriclinações. A
linha da educação científica passou entre esses dois extremos, porém hoje eles devem ser
combinados em um todo unificado. A educa-
132
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ção só será viável através das tendências naturais da criança; em todas as suas tendências, o
ponto de partida da educação sempre devem
ser essas inclinações. Mas ela confirmará
sua
própria impotência se considerar que esse é o
único objetivo e sentido de sua missão. A rigor, a educação intervém ativamente
nessas
inclinações naturais da criança, as faz colidir
entre si, as agrupa à vontade, apóia algumas
delas, estimula umas às custas das outras e,
dessa maneira, canaliza o processo espontâneo das inclinações infantis pelo canal organizador e formador do meio educativo social.
O problema referente ao papel do professor no desenvolvimento
dos interesses infantis está nessa mesma situação. Por um lado,
o psicólogo é obrigado a reconhecer
a onipotência dessa lei e tem de afirmar, de acordo
com Thorndike, que esse princípio tem um significado universal e que até a tarefa menos interessante é realizada, em definitivo, por interesse, ainda que este seja negativo, ou seja, para
evitar uma situação desagradável.
Desse ponto de vista, toda aprendizagem
só é possível à medida que se basear no próprio interesse da criança. Não existe outro
modo de ensinar. Toda a questão está em saber até que ponto esse interesse é orientado
conforme a linha do tema em estudo, e não
vinculado a influências alheias a ele, como prêmios, castigos, medo, desejo de agradar, etc.
Mas essa admissão da onipotência
do desejo
infantil de nenhuma maneira condena o professor a seguir de forma impotente o interesse
infantil. Ao organizar o meio e a vida da criança nesse meio, o professor se imiscui ativamente nos processos do curso dos interesses infantis e os influencia da mesma forma que influencia todo o comportamento
da criança. No
entanto, sua norma sempre será: antes de explicar, interessar; antes de obrigar a agir, preparar para essa ação; antes de apelar às reações, preparar a orientação; antes de comunicar algo novo, provocar a expectativa do novo.
Portanto, no aspecto subjetivo, para o aluno a orientação representa, acima de tudo, uma
expectativa da atividade iminente.
:iXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o VALOR
P S IC O L Ó G IC O
D A E X P E C T A T IV A
Na vida cotidiana,
pode-se observar facilmente que a ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e x p e c ta tiv a
[ o y i d a n i e ] facilita a
conduta ante qualquer fato inesperado. Com
freqüência, a surpresa denota que a ação não
está preparada
e que a reação é inadequada.
Entretanto,
graças a experimentos
psicológicos rigorosos, foi possível descobrir a verdadeira natureza da expectativa e traçar de forma acertada os limites de seu valor educativo.
A experiência
demonstrou
que a expectativa, a rigor, sempre se reduz a certa preparação prévia dos correspondentes
órgãos funcionais; ela seria uma espécie de mobilização
do organismo para a ação posterior e constituiria uma ação já iniciada, porém não levada
a termo. Essa ação iniciada é denominada por
Binet" de "estado psíquico".
Do mesmo modo que a atitude surge graças a certos movimentos
e serve de ponto de
partida para os posteriores,
esses estados psíquicos da expectativa aparecem em função de
determinadas
reações, permitindo o surgimento dos seguintes.
Ao medir a duração de uma reação simples, foi possível estabelecer um fato sumamente interessante: todas as pessoas, na reação simples, ante qualquer excitação simples, podem
apresentar três reações de tipo completamente diferentes entre si, de acordo com a orientação [ u s t a n o v k a ] preliminar.
O tipo mais comum de reação é chamado
de reação n a t u r a l . É a reação que ocorre quando o movimento é realizado graças à orientação mais habitual, comum e própria de uma
determinada
pessoa. Isso acontece nos casos
em que não intervimos diretamente
na orientação do sujeito do experimento
nem a organizamos de acordo com nossa maneira e com
os objetivos do teste. O experimento
demonstrou que, nesses casos, temos um tempo médio de reação típico de cada pessoa, isto é, a
magnitude média habitual de sua orientação,
que se manifesta no ritmo habitual e natural
dos movimentos - o andar, a conversa, a escri-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
133
a qualquer momento, que imediatamente se
ta - dessa pessoa. Em outros termos, nesses
transforma em movimento ativo quando se
casos é como se provocássemos a orientação
ouve a parte executiva da ordem: "marche"!
natural que foi elaborada e se formou na pesCom essa divisão consciente da orientação e
soa após muitos anos - e que constitui parte
do movimento vai sendo elaborada uma reainseparável de seu temperamento e caráter.
Todos sabem que cada um de nós tem sua
ção vigorosa e perfeita.
maneira habitual de falar, sua velocidade haPerguntamo-nos: de onde provém essa
aceleração da reação muscular ou, em outras
bitual de caminhar e seu ritmo habitual de
gesticular e falar. Essa orientação natural pode
palavras, a orientação para a parte muscular
do movimento? É evidente que ela ocorre às
se distanciar de seu tempo médio em ambas
custas da parte dos processos que foram reaas direções se, com a instrução prévia dada ao
sujeito, provocamos nele uma nova orientação.
lizados previamente com a mesma orientação
Se antes do teste pedirmos ao sujeito que
e, se a orientação motora reduz o tempo em
não reaja do modo habitual' logo que perceber
que a reação muscular transcorre, isso signia impressão externa, mas mais rapidamente, e
fica que uma parte desse trabalho foi efetuase ao mesmo tempo lhe pedirmos que dirija
da por esta, e que a reação muscular será reatoda a sua atenção ao órgão que mais reage,
lizada agora sob o controle e a direção dessa
digamos, ao dedo com que deve ser realizado
orientação.
o movimento de resposta, em cada oportuniIsso é confirmado também no caso inverdade obteremos um efeito notável. [Esse efeiso, quando se provoca uma orientação de cato] se exprime por meio de uma considerável
ráter diretamente contrário, o que sucede nos
redução do tempo de reação, pois a orientacasos em que a instrução exije do sujeito que
ção prévia ao movimento correspondente inele dirija toda a sua atenção não ao órgão que
duzido por nós já produziu todas as excitações
reage, mas aos órgãos da percepção, quando
nervosas necessárias e imprescindíveis para
pedimos ao sujeito do teste que escute ou obefetuar esse movimento, que é adiado até o
serve atentamente e que não reaja antes de
perceber com clareza e se conscientizar da exaparecimento do sinal, diante do qual a demora desaparece, e a reação é efetuada de forma
citação. Com essa orientação sensorial, que
vigorosa e intensa.
dirige todas as operações preparatórias ao priA pedagogia militar leva essa lei em conmeiro componente perceptivo da reação, obsideração quando tenta elaborar movimentos
temos um efeito evidente de retardo geral da
reação em comparação com o tempo médio de
rápidos e precisos durante a instrução e divisua forma natural.
de uma determinada ordem, isto é, divide as
Esse retardo do movimento, sem dúvida,
excitações [os estímulos] essenciais em duas
partes: a ordem preliminar e a ordem execué provocado pela ação dilatória que qualquer
tiva. Ao mesmo tempo, no processo de aprenorientação secundária exerce na reação. Nesse caso, a atenção foi totalmente dirigida aos
dizagem, ambas as partes são separadas freqüentemente por um intervalo de vários miórgãos da percepção e, naturalmente, isso atrasou e diminuiu a velocidade da reação da mão.
nutos, para educar no soldado um movimenConseqüentemente, as pesquisas experito preciso de orientação e da própria reação.
mentais demonstraram
a influência real da
Quando se dá a ordem "em frente", os soldaorientação sobre o curso das reações posteriodos permanecem em seu lugar, mas sabem que
res. A psicologia experimental destaca que o
deverão marchar; eles realizam apenas a
tempo, a força e a forma de qualquer moviorientação, preparam os grupos musculares
mento são completamente determinados pela
necessários para o movimento, mobilizamorientação preliminar.
nos, e exteriormente isso se exprime por meio
dessa peculiar tensão e disposição a marchar XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
134
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
dições necessárias para o curso correto das reaozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
experimento com dois pesos de tamações, o professor deve assegurar uma correta
nhos diferentes, mas com o mesmo peso, mosorientação, o que é muito mais importante. Em
tra de forma simples e eloqüente a ação da
total acordo com a teoria psicológica, podeorientação. Se os dois pesos são erguidos sumos dizer que, 'na educação, devem ser ressalcessivamente com a mesma mão - primeiro o
tadas as orientações. O professor sempre deve
maior e depois o menor - temos a impressão
considerar se o material que apresenta corresde que o maior nos parece mais leve, embora
nossa visão nos diga que os dois pesos se equiponde às leis fundamentais da atividade da
libraram em uma balança. Em outros termos,
atenção.
aqui até mesmo o conhecimento preciso é imAcima de tudo, esse material deve estar
organizado e ser apresentado de maneira que
potente para refutar a ilusão e, portanto, a base
dessa ilusão não deve ser buscada no processo
corresponda à estreita extensão das reações de
de medir o peso, mas na orientação prévia que
orientação e, pelo caráter de seu efeito, não
se realiza de forma inconsciente em virtude de
deve contradizer a duração de seu curso. As
um hábito adquirido, isto é, antes do processo
mais simples e triviais regras de cortesia pedade medir o peso.?
gógica, que exigem que a lição não se estenda
Essa orientação se reduz ao fato de que,
demais nem seja ministrada com pressa, na
ao ver um objeto grande, efetuamos a orientaverdade exprimem a mesma exigência de que
ção para erguer um grande peso, lhe atribuío material corresponda às reações adaptativas
mos maior impulso e realizamos um envio mais
do aluno da forma mais primitiva.
considerável de energia que no caso de um
Ao mesmo tempo, é muito importante que
objeto pequeno. De acordo com isso, um meso material esteja organizado para que também
mo peso é distribuído, em um caso, em um
possa corresponder ao ritmo de funcionamenesforço muscular menor e, no outro caso, em
to de nossa orientação. A simples observação
um maior. E, sem modificação de tamanho, o
dos erros cometidos pelas crianças nos ditamesmo peso pode nos parecer maior ou medos, sob o influxo da distração e não por ignonor, conforme nossa orientação.
rância da ortografia, evidenciam o ritmo em
Todos esses experimentos nos dizem apeforma de onda, pois se o ditado for dividido
nas uma coisa, ou seja, que todo comportaem intervalos iguais, cada uma dessas fases
mento é determinado e regulado pelas reações
caracteriza-se sucessivamente pelo aumento ou
de orientação reais que o precedem, mas que
diminuição do número de erros.
a influência dessas reações nem sempre se exÉ preciso organizar didaticamente a lição,
pressa diretamente nas reações posteriores.
dividir o material para que aos momentos de
aumento da força da atenção correspondam
as partes mais difíceis e importantes e que os
CONCLUSÕES
P E D A G Ó G IC A S
momentos de redução da onda de atenção coincidam com as partes menos importantes da exAs principais conclusões pedagógicas a
posição.
serem extraídas
da teoria da orientação
Além disso, o material deve ser flexível e
[ustanovka] consistem, sobretudo, na fórmucapaz de assumir uma forma rítmica, isto é,
la geral que exige que o professor não preste
deve ser apresentado de forma tão coerente
atenção apenas às reações evidentes do aluque permita perceber todas suas partes como
no, mas também às orientações invisíveis e
um todo único.
subterrâneas,
que precedem essas reações.
Por fim, a última e mais importante norAssim, o professor não deve se limitar apema exige que o professor preste a mesma atennas a observar o aluno, mas também a conção à atenção e à distração. Engana-se profunjeturar, de acordo com o visível, sobre as
damente o professor que considera a distramudanças não-visíveis que nele se operam.
ção sua encarniçada inimiga e não compreenPara assegurar o sucesso do ensino e da
de a simples verdade de que o mais distraído
aprendizagem, além de garantir todas as conda classe pode ser o mais atento.
P S IC O L O G IA
ozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
segredo da transformação da distração
dessa outra e,
P E D A G Ó G IC A
135
por isso, tinham de permanecer
inermes
ante
a força natural e espontâem atenção tem a ver, a rigor, com o segredo
nea dessa orientação.
de mudar os ponteiros da atenção de um sentido para o outro, e isso se alcança por meio
Ao mesmo tempo, é muito importante
do método educativo geral de transferir o indestacar que, mesmo em processos que chateresse de um objeto para outro, mediante sua
maríamos de mecânicos e "passivos", como a
vinculação. Essa é a tarefa fundamental para
memória e a aprendizagem, a orientação desempenha um papel decisivo. A experiência
desenvolver a atenção e transformar a atenção involuntária em voluntária.
tem demonstrado que a aprendizagem transO educador deve se preocupar em criar
corre de modo completamente diferente e dá
resultados totalmente diferentes, de acordo
e elaborar no aluno uma quantidade suficiente
de excitações internas ligadas a certas reações
com a prova à qual o sujeito do experimento
de orientação e, quando tiver realizado isso,
é submetido. Se os sujeitos sabem que devem,
poderá ter certeza de que a atenção estará
para prestar contas do que aprenderam, reinserida nos mecanismos internos do nosso
produzir completamente tudo, aprendem de
comportamento, funcionando em concordâncerto modo; se sabem que apenas devem recia com estes.
conhecer o que foi reproduzido diante deles,
Com relação a esse fato, sempre é precio estudo é realizado de outro modo totalmenso levar em conta a orientação fundamental
te [diferente]. Portanto, um momento decisida educação, esta que, na literatura pedagógivo no processo educativo é o conhecimento
ca dos últimos anos, tem sido chamada de ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do objetivo de cada ação, saber para que se
o r i e n t a ç ã o p a r a um o b j e t i v o de cada ato eduestuda determinado material, e esse fim últicativo. A nova psicologia transfere o processo
mo, através da orientação prévia, exerce a
educativo das mãos do professor para as do
ação orientadora mais importante no procesaluno, e também exige que a consciência do
so educativo.
objetivo desse ato seja transferida do profesO valor pedagógico da expectativa não
sor para o aluno. Ela não exige apenas que o
se resume apenas a preparar o terreno para a
aluno se auto-eduque com seus próprios atos,
percepção de novos conhecimentos, mas abranenquanto o professor orienta e regula os fatoge muito mais que isso, ou seja, elaborar a dires que determinam esses atos; também exige
reção correta que será comunicada à reação
que não só o professor, mas também os alurecém-surgida. Fica bem claro que o processo
nos, criem o objetivo desses atos.
de educação, em suma, é a elaboração dos aluO exemplo mais simples da importância
nos de certa quantidade de reações e de oudessa orientação fundamental para um objetras formas mais complexas do comportamentivo no processo educativo pode ser a oriento. E o fator decisivo para que esse processo
tação para os exames, comum na escola czaseja bem-sucedido ou fracasse é a coincidênrista, psicologicamente absurda e pedagogicia ou a falta de coincidência da direção descamente nociva. Os exames relacionados hasas reações com aquelas na qual estão destibitualmente ao final do período letivo, por sua
nadas a atuar. Se conservo em minha memóposição temporal no sistema de ensino e peria milhares de conhecimentos úteis, porém
las conseqüências que implicavam para os alunão os posso utilizar no momento necessário e
nos, transformavam-se,
contra o desejo e a
adequado, esses conhecimentos jazem em mim
idéia dos professores, nessa orientação natucomo um peso morto e, além de serem inúteis
ral para um objetivo. E, quando os melhores
no sistema do comportamento, causam dano,
professores viam com profundo pesar que no
porque ocupam lugar e não permitem o estabelecimento e a elaboração de outras reações,
ensino médio estudava-se para passar nos
exames e esses exames eram aprovados para
menos ricas porém com mais sentido.
Aquilo que na literatura pedagógica de
obter um diploma, sentiam-se impotentes para
divulgação era chamado de falta de vitalidalutar contra esse fato, porque não podiam
de da escola, na verdade designa a mesma
promover nenhuma orientação natural em vez XWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
136
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
incorreção na orientação fundamental para
um objetivo da educação. O maior pecado da
escola czarista consistia em que nenhum de
seus participantes podia responder à pergunta de para que se estudava geografia e história, matemática e literatura. Estão enganados
aqueles que acreditam que a antiga escola
oferecia poucos conhecimentos. Pelo contrário, com freqüência ela comunicava uma quantidade extraordinária
de conhecimentos,
sobretudo a escola européia. Só que, na maioria das vezes, isso era um tesouro no deserto,
uma riqueza à qual ninguém podia dar um
uso adequado, porque ~ orientação básica
desses conhecimentos tinha a ver apenas com
um lado da vida e sempre estava em extremo
desacordo com ela. Como um diamante no
deserto, esses conhecimentos não eram capazes de saciar as mais simples necessidades
vitais do aluno mais comum.
Por sua experiência pessoal, o leitor pode
lembrar com facilidade que praticamente a
única forma em que pôde usar os conhecimentos adquiridos na escola foi para dar uma resposta mais ou menos correta em um exame,
mas o conhecimento da geografia ainda não
ajudou ninguém a se orientar no mundo nem
ampliou o conjunto de impressões recebidas
em uma viagem, assim como o conhecimento
de astronomia nunca permitiu que alguém
vivenciasse de forma mais intensa e brilhante
a grandeza do céu.
Por isso, a exigência pedagógica fundamental é que absolutamente todo o material
didático e educativo esteja penetrado e impregnado por essa orientação para um objetivo, e que o educador sempre conheça exatamente a direção em que a reação que se estabelece deve atuar.
A ATENÇÃO
E O H Á B IT O
O hábito e a atenção ocupam posições
antagônicas; sempre que o hábito cria raízes,
a atenção desaparece. Todos sabem como nos
assombra o que é novo e pouco habitual, e
como freqüentemente não podemos dizer de
que cor é o papel de parede de nosso quarto
ou os olhos de uma pessoa que vemos todos os
dias.
No mesmo sentido, a tarefa da atenção
deve ser particularmente tensa e séria quando.
a conduta excede os limites do hábito e temos
de realizar coisas que exigem uma reação particularmente complexa e difícil. Com relação a
isso, o hábito passou a ser chamado de "inimigo e trégua da atenção", e na psicologia pedagógica predominava, até pouco tempo, uma
atitude contraditória com respeito a ambos.
Nos fatos, o valor pedagógico de ambos
os processos é tão claro e evidente que, com
certeza, não se deve renunciar a um deles em
prol do outro, mas tentar conciliar ambos. Essa
conciliação consiste na elucidação psicológica
correta da verdadeira inter-relação entre a
atenção e o hábito. A atenção realmente cessa
seu trabalho quando o comportamento se torna habitual, mas isso não envolve apenas seu
enfraquecimento; em geral, está ligado à intensificação de sua atividade.
Isso se torna compreensível quando recordamos a estreiteza básica da atenção e o
fato de que, em cada caso, ela ganha em intensidade enquanto perde em amplitude. O
hábito, ao automatizar
ações inteiras, ao
subordiná-Ias ao funcionamento autônomo dos
centros nervosos inferiores, libera e descarrega a atenção de nossa atividade, provocando
uma espécie de exceção relativa da lei de inibição diferencial'? das reações secundárias
quando se dá uma orientação fundamental.
Dissemos anteriormente que toda orientação [ustanovka]
inibe o curso das reações
alheias. Seria correto acrescentar: exceto as
automáticas e habituais. Podemos conversar
com suma atenção enquanto caminhamos pela
rua, podemos conversar enquanto realizamos
um complexo trabalho manual. O significado
psicológico sumamente importante dessa exceção da lei de inibição torna-se evidente quando consideramos o quanto aumenta a diversidade e a amplitude de nosso comportamento
quando, paralelamente à orientação principal,
surge em nós uma série de orientações parciais, paralelas a ações habituais.
Ao mesmo tempo, a rigor, esse fenômeno
não deve ser entendido como uma exceção da
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
lei psicológica geral, mas como a ampliação
de um mesmo princípio. Tanto as ações habituais quanto os atos completamente automáticos exigem, para se iniciar e cessar, a participação das orientações correspondentes; podemos costurar sem prestar atenção a esse fato,
mas de qualquer forma temos de estar atentos
para ir [buscar o trabalho], pegar o trabalho,
parar, retorná-lo durante algum tempo e deixá10, isto é, o começo e o final das ações automáticas de nenhum modo podem prescindir da
orientação correspondente.
Além disso, essa orientação - a direção
tomada previamente e o ritmo das reações vai se expressar durante todo o curso das ações
habituais. Portanto, temos o direito de não nos
referirmos apenas a uma orientação em nosso
organismo, mas a uma série de orientações simultâneas, entre as quais predomina uma delas, enquanto as demais se subordinam a ela.
E essa observação psicológica coincide totalmente com a teoria fisiológica da existência
dos focos de excitação nervosa dominantes e
subdominantes no sistema nervoso central.'!
oXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C O R R E L A T O F IS IO L Ó G IC O
DA ATENÇÃO
Só recentemente os fisiologistas conseguiram descobrir fenômenos no sistema nervoso
que, sem dúvida, podem ser ligados à atenção. A esse âmbito pertence a teoria das chamadas excitações dominantes do sistema nervoso, elaborada nos últimos tempos.
A essência dessa teoria reside no estabelecimento do fato de que, no sistema nervoso,
algumas das excitações surgidas são tão intensas que agem como excitações dominantes, que
reprimem todas as outras ou as desviam de
sua direção e, por último, as atraem para si e
aumentam às suas custas. Essa excitação básica foi chamada de dominante, enquanto todos
os demais focos do sistema nervoso são denominados subdominantes.
Ao mesmo tempo, evidenciou-se um fato
de extraordinária importância, ou seja, que
quando existe uma dominante ligada a um ato
instintivo, o principal foco de excitação se reforça cada vez que qualquer excitação colateral
137
penetra no sistema nervoso. O ato do reflexo
de abraço na rã, o ato de defecação e deglutição
no cavalo, a excitação sexual da gata isolada
dos machos no período de cio representam
essas dominantes naturais estudadas com precisão de laboratório.
Todos esses atos são reforçados na presença de uma excitação estranha. Assim, se
durante o reflexo do abraço alguém belisca a
rã ou lhe aplica um irritante, como ácido ou
corrente elétrica, a excitação estranha, em vez
de enfraquecer o reflexo de abraço, o reforça.
Portanto, nas mais simples organizações nervosas, o ato da atenção está estruturado de tal
maneira que, além de provocar a inibição das
reações ligadas a este, também é capaz de se
reforçar às custas delas.
Para os psicólogos, talvez a questão principal seja o caso sumamente interessante da
criação experimental de uma dominante sensorial e de uma dominante motora separadamente, em uma rã. Nesse caso, a análise fisiológica penetrou tão profundamente no sistema nervoso que parece tentar diferenciar as
raízes - nele incluídas - dos dois tipos de atenção: a sensorial e a motora.
Observou-se que, quando se provoca uma
excitação dominante dos centros motores da
pata traseira direita na rã, com um meio artificial, como o fenol,'? ela reagirá precisamente
com esse órgão a toda excitação proveniente
de qualquer lugar do corpo. Em compensação,
quando se provoca uma excitação dominante
dos centros motores da mesma pata, quando
são aplicados estímulos nos mais diversos pontos do corpo, o reflexo de esfregar se manifestará com exatidão mecânica, mas sempre estará dirigido ao local ligado à excitação dominante dos centros; por exemplo, a pata posterior direita, ainda que o abdome, as costas, o
pescoço, etc. da rã também sejam excitados.
Portanto, evidencia-se que a dominante
sensorial conserva todos os outros reflexos,
porém modifica seu curso e os desvia para o
lugar mais excitado; por outro lado, a dominante motora adianta o órgão motor ligado a
esta em todos os casos em que, conforme o
funcionamento normal de um reflexo, outros
órgãos devem entrar em ação.
138
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A transferência para o ser humano do
estudo desses fenômenos certamente não poderá gozar dessa precisão ideal, que só é possível e realizável em sujeitos de laboratório experimental. Superficialmente,
pode parecer
que os resultados obtidos pelos fisiologistas se
contrapõem aos fatos estabelecidos pela psicologia. Pareceria paradoxal admitir a possibilidade de um ato de atenção que não é enfraquecido pelas excitações estranhas mas que,
pelo contrário, é reforçado às custas delas.
Entretanto, uma série de observações, ainda
não reunidas em nenhuma lei psicológica, confirmam que esse critério {correto.
É curioso o relato feito pelo professor
M. M. Rubisntein!" sobre a construção do edifício de um centro de ensino superior em uma
grande cidade européia. Segundo os construtores, ele devia ser um edifício adaptado
idealmente para os objetivos docentes; por
isso eles se esforçaram para eliminar tudo o
que poderia representar um estímulo estranho durante as aulas. Partindo do critério tradicional sobre a atenção, consideraram que,
ao retirar o supérfluo, contribuiriam para estimular a atenção.
De acordo com esse objetivo, o edifício
foi construído sem formas salientes nem angulares, os cantinhos de cada sala foram deliberadamente dissimulados; as paredes viravam
de forma imperceptível e continuavam na seguinte parede, para excluir todo elemento de
influência da forma espacial sobre os estudantes. O mesmo ocorreu com os outros detalhes:
todas as partes do edifício foram pintadas
e forma homogênea, do primeiro degrau até a
cúpula, incluindo todos os acessórios - tanto
os objetos quanto a roupa dos alunos eram de
uma cor cinzenta, neutra e uniforme.
Mas esse edifício, que devia responder à
última palavra da teoria psicológica sobre a
atenção, deu resultados totalmente contrários
aos esperados. Conforme o reconhecimento
geral e unânime dos estudantes e professores,
em vez de contribuir para estimular a atenção, ele agia de maneira depressiva e, mesmo
nas conferências e aulas mais interessantes, os
estudantes ficavam com sono minutos depois
de adotar uma posição imóvel e atenta.
Evidentemente, a ausência de estímulos
alheios é mortal para o ato da atenção, e a correlação estabelecida pelos fisiologistas também
é certa para a psicologia, pois o ato de atenção, pelo visto, exige certas excitações subdominantes, das quais se alimenta. Em outros
termos, só é possível prestar atenção quando
os estímulos que nos distraem ocupam uma
situação subordinada com relação à tarefa fundamental que nos ocupa, porém eles não são
totalmente eliminados do campo de nossa consciência e continuam agindo sobre nós.
Há muito tempo, os psicólogos sabem que
o ambiente exerce uma influência essencial sobre o sistema geral de trabalho e que, em função do andamento e do sentido das tarefas,
ele pode e deve permanecer imperceptível para
os alunos no processo de trabalho. É suficiente que, de maneira completamente inadvertida para uma pessoa que estiver ocupada e absorvida por qualquer tarefa - conversa, leitura
ou escrita - a cor das paredes seja mudada de
azul para amarelo e, embora a pessoa nem suspeite da mudança, podem ser encontrados sinais objetivos das modificações operadas no
caráter de seu trabalho. Uma pessoa fala de
certa maneira quando está rodeada de paredes azuis e de forma diferente quando as paredes são amarelas.
Meumann pôde demonstrar que o processo da audição não melhora quando há silêncio absoluto e sepulcral, mas em auditórios
aos quais chega um ruído amortizado e que
mal pode ser ouvido. A influência excitante dos
estímulos rítmicos débeis sobre nossa atenção
foi estabelecida há tempo pela prática. Com
relação a isso, Kant relata o curioso caso psicológico de um advogado que tinha o hábito
de enrolar um longo fio nas mãos enquanto
pronunciava um complicado discurso jurídico.
Quando percebeu essa pequena debilidade, o
advogado da parte contrária retirou furtivamente o fio antes de um julgamento e, conforme o testemunho de Kant, com essa hábil manobra privou totalmente o adversário da capacidade de enunciar uma argumentação lógica ou, expressando-nos mais corretamente,
da capacidade de atenção psicológica, pois ao
P S IC O L O G IA
pronunciar
seu discurso
pulava
de um tema
para o outro."
Titchener " estabeleceu
que a atenção
voluntária ou secundária surge do conflito entre as atenções involuntárias
ou primárias e as
conseqüentes situações motoras incompatíveis.
Assim, o mecanismo
da luta pela via fundamental está na base da atenção e, em geral, de
todas as formas superiores,
conscientes,
do
comportamento,
derivadas da necessidade biológica de resolver os conflitos entre as reações
e dar unidade ao comportamento.
A conclusão pedagógica que se extrai daí
aumenta ainda mais a preocupação
do professor, pois lhe exige que, além de organizar a
tarefa principal direcionada ao aluno, também
organize todas as circunstâncias
estranhas - o
ambiente, a posição e a vestimenta
dos alunos, a vista observada pela janela - que, como
excitações subdominantes,
distam muito de ser
indiferentes
para o funcionamento
geral da
atenção. Um escritor dizia que tudo depende
do ambiente
para o homem russo, que não
pode deixar de ser um canalha na taverna,
embora seja totalmente incapaz de realizar um
ato indevido no meio de uma arquitetura séria
e severa. Essa é, sem dúvida, uma observação
da mesma ordem, só que expressa de forma
aproximada e exagerada.
P E D A G Ó G IC A
139
verificaremos
que, conforme as flutuações de
nossa atenção, o desenho pode apresentar três
formas diferentes [ver Figura 7.1].16 De repente,
nos parece que a superfície anterior está representada pelo quadrado pequeno e que temos à
nossa frente uma pirâmide secionada, com o plano pequeno virado em nossa direção. No entanto, por mais que nos esforcemos para manter a
vista nessa posição, a atenção muda depois de
alguns minutos, e nos mostrará o mesmo quadro de uma perspectiva inversa. Teremos a ilusão de ver um quarto ou uma caixa que parte de
nós, enquanto o quadrado grande está em um
plano anterior; o menor será reinterpretado por
nós como a parede que está mais longe, reduzida pela perspectiva. Por último, o terceiro caso
seria toda a figura virada para nós em seu verdadeiro aspecto: toda ela aparecerá em um mesmo
plano, como um quadrado fechado dentro de
outro quadrado.
oXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
F U N C IO N A M í::N T O D A A T E N Ç Ã O
EM SEU CO NJUNTO
F ig u ra 7 .1
Para caracterizar
o valor pedagógico da
atenção em seu conjunto, é preciso indicar o
caráter integral que a distingue. Podemos dizer, sem exagerar, que, do trabalho da atenção, depende absolutamente
tudo o que percebemos do mundo. Uma atenção apenas modificada nesse sentido muda de imediato e de
maneira radical essa percepção, ainda que não
tenham ocorrido modificações físicas de nenhuma espécie no meio circundante.
Essa tese costuma ser ilustrada com figuras
que evidenciam a existência de flutuações da
atenção. Se imaginarmos um quadrado dentro
de outro quadrado, disposto de tal modo que os
vértices de ambos estão unidos entre si, e observarmos esse desenho durante bastante tempo,
Nesse caso, temos diante de nós a flutuação natural da atenção e as modificações naturais do quadro que percebemos;
e isso continua sendo certo quando estimulamos
deliberadamente
a mudança da atenção. De acordo com isso, modificamos
o quadro do meio
que estamos percebendo.
Observar a mesma
coisa com uma atenção orientada de diferente maneira equivale a vê-Ia em um aspecto
completamente
novo.
Foi efetuada uma observação de extraordinário valor para a psicologia quando se prestou atenção ao raro e extraordinário
quadro
que apresenta um quarto ou lugar habitual e
140
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
conhecido por nós, se o observarmos colocando a cabeça para trás, adotando um ponto de
vista totalmente
novo e inesperado.
Por isso,
existe uma verdade psicológica no popular relato sobre o sábio que afirmava que as almas
humanas reencarnadas
em outros corpos, depois da morte, viverão em um mundo diferente. Ele dizia a seu vizinho:
Uma vez verás o mundo
com o olhar de um
comerciante; outra vez, com o de um navegador, e o mesmo mundo com os mesmos barcos parecerá completamente
diferente.
A ATENÇÃO
E A APERCEPÇÃO
Devido a um prolongado
trabalho
da
atenção, orientada constantemente
na mesma
direção, toda a nossa experiência se organiza
e se forma nessa mesma direção. Esse fenômeno denomina-se ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
apercepçãoY
Mediante esse
termo devem ser entendidos todos os elementos prévios da experiência
que introduzimos
na percepção
externa e que determinam
o
modo como um novo objeto será percebido por
nós.
Em outras palavras,
a apercepção
não
passa da participação
de nossa experiência
anterior na formação
da presente.
Quando
observo os objetos à minha frente, não só vejo
e tomo consciência de suas qualidades
sensíveis, cor, forma, etc. - embora atuem sobre mim
com a força direta das coisas que estão à minha frente -, mas acima de tudo capto claramente que se trata de um chapéu, uma maleta
e um tinteiro.
Isso ocorre
em virtude
da
apercepção, isto é, da experiência
e da atenção já acumuladas.
De forma muito acertada, a apercepção é
comparada com o mecanismo que transfere o
trem de uma via para a outra. O curso de nossos pensamentos
e percepções é determinado
totalmente pela ordem dos objetos que se encontram diante de nós, por um lado, e pelas
leis de nossas associações, por outro. O papel
decisivo de ambos é comparado corretamente
com os trilhos que definem o movimento
de
nossa psique. Mas a livre atividade de nossa
apercepção e atenção é, justamente,
esse me-
canismo que permite que os pensamentos
escolham um caminho entre os diversos existentes. Portanto, a atenção define-se acertadamente como a relativa liberdade de nossa conduta,
como a liberdade de escolha e limitação.
Assim, a apercepção parece ser o capital
acumulado de atenção. Mas esta, por sua vez,
acumula e forma o tipo peculiar de nossa conduta que há muito tempo é chamado de c a r á t e r . Conseqüentemente,
nessa formação de três
níveis da experiência temos níveis sucessivos:
atenção, apercepção e caráter.
Para um professor, isso equivale a um papel ainda maior da atenção na educação, pois
aqui a atenção não é considerada como um meio
para facilitar certa tarefa educativa ou docente,
mas é extraordinariamente
importante
como
fim em si. Nunca transcorre sem deixar marca,
sempre deixa um resultado atrás de si. Inúmeros resultados se acumulam na apercepção que
tende a dirigir nossa conduta. Inúmeras apercepções formam o caráter e até as mais sutis
influências educativas costumam ser impotentes para combatê-Ias. Assim, ao guiar a atenção, tomamos em nossas mãos a chave para a
formação da personalidade
e do caráter.
NOTAS
1. Na leitura deste capítulo é importante
levar
em conta o que foi explicado na nota n 22 do
Cap.5.
2. A fonte de tais dados é a 5ª edição de 1902-3
de W Wundt, P h y s i o l o g i s c h e P s y c h o l o g i e [ P s i c o lo g ia fis io ló g ic a ] .
Se Vigotski não os obteve
diretamente
desse livro, pode tê-I os encontraQ
S tu d ie n
(1 8 8 1 do na revista P h i l o s o p h i s c h e
1903), que deu conta de cem pesquisas experimentais realizadas em 20 anos de trabalho
laboratorial,
ou citados
por algum autor.
Wilhelm Wundt (Alemanha, 1832-1920) foi o
fundador da psicologia experimental e foi quem
conseguiu constituir a psicologia como matriz
disciplinar
independente.
Ele fundou em
Leipzig o primeiro laboratório experimental de
psicologia do mundo (1880). Foi autor de 491
textos com 110 páginas em média, o que faz
com que ele ultrapasse
o número de 50 mil
páginas escritas.
3. Tudo o que foi grifado, desta palavra ao próximo subtítulo, é nosso.
P S IC O L O G IA
4. Aqui, Vigotski
refere-se
P E D A G Ó G IC A
a V. Urbantschitsch,jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p síq u ic o s a p re n d id o s, in te rn a liza d o s
" Ú b e r e in e E ig e n th ü m lic h k e it
d e r S c h a lle n p fin -
141
c u ltu ra l-
m e n te .
7. É provável que esta seja uma referência a K.
Groos, D a s S e e le n le b e ii d e s K in d e s [A v id a in te c u lia rid a d e da a p re e n sã o do so m de b a ix a in rio r das c ria n ç a s], Berlim: Reuther und Reichard,
te n sid a d e 'l
C e n tra lb t. m e d o W isse n c h . (1875),
1922. Cf. também a nota n 2 24 do Capítulo 5.
13:37, p. 625-9. Na edição norte-americana
do
8. Alfred Binet (1857-1911)
foi um psicólogo
presente livro, Silverman traduziu erroneamenpositivista francês que estudou o pensamento
te o nome desse importante pesquisador, transdas crianças, a inteligência e as diferenças increvendo-o
diretamente
do russo como
"Urbanchich",
Viktor Urbantschitsch
foi um
dividuais. Mais detalhes de sua vida e obra
conspícuo
psicólogo
experimental
alemão.
podem ser encontrados no Capo 18 e nas notas
Descobriu
a "imagem
intuitiva
subjetiva"
1 e 2 desse capítulo.
[su b je k tiv e A n sc h a u u n g sb ild e r],
chamada de
9. O primeiro a escrever sobre a ilusão do peso foi
"eidética"
por alguns '(do Ü b e r su b je k tiv e
Fechner, em 1860. No final do século XIX,
[S o b re as im a g e n s
o p tisc h e A n s c n a u u n g s b ild e r
Charpentier publicou sobre a denominada "iluin tu itiv a s su b je tiv a s v isu a is], Viena, 1907). O
são de Charpentier": quando dois cilindros de
nome de Urbantschitsch
aparece com enorme
madeira do mesmo peso são levantados mediante uma corda, o maior é percebido como mais
freqüência
na bibliografia
psicológica
e
leve. Para explicar
essa ilusão, Müller e
psicopatológica.
Pode ser encontrado,
por
exemplo, em livros de autores tão variados
Schumann publicaram um estudo experimencomo Charlotte Bühler (c f In fa n c ia y ju v e n tu d
tal no qual tentaram fazer uma interpretação
[K in d h e it u n d J u g e n d ], Buenos Aires: Espasateórica desse fenômeno, a partir de então uniCalpe Argentina, 1946, p. 332), S. L. Rubinstein
versalmente aceito como a teoria de "ilusão de
peso" em geral.
(cf. P rin c ip ia s de P sic o lo g ia G e n e ra l [O sn o v i
o b sh c h e i p sijo lo g u i], México: Grijalbo, 1967, p.
10. Cf. a primeira parte do Capo 3.
324), Karl Jaspers (cf. P sic o p a to lo g ía G e n e ra l
11. Vigotski já explicou a teoria da excitação do[A llg e m e in e P sy c h o p a to lo g u ie ],
Buenos Aires:
minante, de Ujtomski, no Capo 3.
Beta, 1973, p. 89) e E. Mira e López (cf.
12. O fenol é um corpo que se extrai por destilaP siq u ia tría , t. I, Buenos Aires: EI Ateneo, p. 99).
ção dos óleos de alcatrão.
5. A partir de 1928, Vigotski estabelece uma di13. Moisei Matveievitch Rubinstein (1878-1953) foi
ferença fundamental
entre a atenção involunum psicólogo educativo e um pedagogo russo e
tária e a voluntária. A primeira é inata, biolósoviético. É muito provável que Vigotski se refigica e pertence aos p ro c e sso s p síq u ic o s e le m e n ra a seu livro: M. M. Rubinstein, O c h ie rk p e d a ta re s ou inferiores, comuns aos animais e ao
g o g u ic h e sk o i
p sijo lo g u i
v sv ia si o b sh c h ie m
ser humano. A segunda tem origem cultural e,
p e d a g o g u ik [E n sa io de p sic o lo g ia p e d a g ó g ic a em
paradigmaticamente,
é um p ro c e sso p síq u ic o su re la ç ã o com a p sic o lo g ia g e ra lJ , Moscou, 1916.
D e v e -se e v ita r a h a b itu a l c o n fu sã o desse autor
p e rio r. As funções psíquicas superiores, a cujo
com Serguei Leonidovitch Rubinstein (1889estudo Vigotski dedicou-se especialmente,
são
exclusiva e especificamente
humanas, sociais,
1960), um dos mais conspícuos psicólogos so"artificiais", de origem cultural, internalizadas,
viéticos, como ocorreu na edição norte-americonstruídas sobre a reestruturação
das inferiocana do presente livro. Sua obra está publicada
res, que dialeticamente
se subsumem nas suintegralmente
em espanhol
com a grafia
periores - A u fg e b u n g , segundo Hegel.
"Rubinstein" (Montevideo, Pueblos Unidos, e
México: Grijalbo). S. L. Rubinstein combateu
6. Em nossa opinião, este parágrafo
tem uma
importância fundamental para estabelecer uma
a obra de Vigotski, embora isso não o tenha
particularidade
essencial e específica da psiimpedido de roubar-lhe
idéias, sem mencionar a fonte, naturalmente
- isso foi denunciado
que humana, embora Vigotski refira-se aqui aos
animais superiores em geral. E m n o ssa o p in iã o ,
publicamente
por Kolbanovski nos anos 40. A
hostilidade
dos
seguidores de S. L. Rubinstein
a a firm a ç ã o q u e e le fa z n o fin a l d e ste p a rá g ra a Vigotski exprime-se, por exemplo, no livro
fo , no período inicial de sua obra e no livro
que mais parece enfatizar o papel dos procesde K. A. Abuljanova, O su b ie k te p sijic h ie sk o i
d ie ia tie lsn o sti
(Moscou:
Nauka, 1973) [El
sos biológicos inatamente determinados,
e sta b e le c e a correta p ro p o rç ã o de su a p a rtic ip a ç ã o
sujeto de Ia actividad psíquica (México, Roca,
1980)], em que Vigotski é mencionado de forn a p siq u e h u m a n a , com re la ç ã o a o s p ro c e sso s ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dungen
g e rin g ste r
In te n s itiit"
[" S o b re u m a p e -
142
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
cologia estruturalista
ou estrutural",
como
ma insignificante só um par de vezes em suas
Vigotski costumava fazer. Titchener estudou
360 páginas.
dois anos com Wundt na Alemanha e foi seu
14. Essa é uma história que Kant conheceu enquanmais fiel representante
nos Estados Unidos,
to lia o jornal inglêsjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T h e S p e c ta to r, nº 77, dirionde dirigiu o laboratório de psicologia da Unigido por Joseph Addison, que narra e refere
versidade
de CornelI.
Menciona-se
que
em sua Anthropologie
in pragmatischer
Titchener foi um cidadão in g lê s que trabalhou
Hinsicht [Antropologia em sentido pragmáticom psicologia
a le m ã nos Estados Unidos.
co]. Utilizamos a tradução para o espanhol de
José Gaos (cf. r. Kant, Antropologia en sentido
Boring escreveu que o livro P sic o lo g ia E x p e riprogmático, Madrid: Alianza, 1991, p. 80). É
m e n ta l de Titchener era "a obra mais erudita
provável que Vigotski, formado em direito, teem inglês" (cf. E. G. Boring, H isto ria de Ia P sinha conhecido a história ou a tenha lido na
c o lo g ia E x p e rim e n ta l,
trad. de R. Ardilla e E.
tradução russa do livro de Kant (cf. sua A n tro Ribes Ifiesta, México: Trillas, 1983). O monup o lo g u ia p r a g m a tic h ie s k o i
to c h k i zre n ia , São
mental e clássico livro de Boring é dedicado,
Petersburgo, 1900) .:
justamente,
a Titchener.
15. Essa é uma referência a E. B. Titchener, U c h ie b 16. A Figura 7.1 foi agregada por nós; ela n ã o consn ik : p sijo lo g u ia [M a n u a l de p sic o lo g ia ], Parte I,
ta da edição original do livro.
17. A teoria da apercepção de W. Wundt consideMoscou: Mir, 1914. Vigotski também se refere
rava que havia dois graus de consciência. Os
a esse manual em sua P sic o lo g ia da A rte .
Edward Bradford Titchener (Inglaterra, 1867processos deviam estar dentro do campo consciente [B lic k fe ld ], mas só alguns deles chega1927, Estados Unidos) foi um psicólogo que
considerou que o objeto da psicologia era a
vam a estar dentro de seu ponto de mira
mente; e seu método, a introspeção, concebi[B lic k p u n k t].
Estes últimos são os processos
da de uma forma diferente de sua acepção hapercebidos.
O alcance do Blickpunkt é o da
bitual. Titchener fundou a psicologia estrutuatenção e sempre é menor que o da consciênralista,
que
não
deve
ser
confundida
com
a
"psicia. Cf. sua P h y sio lo g isc h e P sy c h o lo g ie , 5.ed. de
;,
cologia da Gestalt", denominada também "psizyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1902-3.
l'
t
1
"
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
R e fo rç o e a
R e p ro d u ç ã o d a s R e a ç õ e s
[A M e m ó ria e a Im a g in a ç ã o ]
o C O N C E IT O
ma outra, a capacidade para as mudanças, para
a acumulação de suas marcas e para a predisDA MATÉRIAzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
posição, que constituem a base da memória.
A plasticidade constitui uma das propriedades fundamentais e primárias de toda a maA N A T U R E Z A P S IC O L Ó G IC A
téria. Toda substância é mais ou menos plástiDA MEMÓRIA
ca, isto é, possui a propriedade de se modificar sob a ação de influências, muda a estrutuQuando nos referimos à memória jihgfedcbaZYXWVUTSRQ
[ p a m ia t]
ra e a disposição das moléculas e conserva vesno sentido usual da palavra, temos em mente
tígios dessas mudanças. O ferro, a cera e o ar
dois processos completamente diferentes. A
são plásticos, porém eles cedem à influência
velha
psicologia já diferenciava dois tipos de
de forma diferente, e também em medida dismemória, a m e m ó r ia m e c â n ic a e a m e m ó r ia
tinta conservam os vestígios dessa influência.
ló g ic a o u a s s o c ia tiv a .
Entendia-se por memóEsses fenômenos estão presentes nas proprieria mecânica a capacidade do organismo de
dades primárias de qualquer matéria e se oriconservar a marca de reações reiteradamente
ginam em processos inerentes à natureza
repetidas,
de produzir as mudanças corresponinorgânica. Assim, poderíamos dizer que um
dentes nas vias nervosas. Os psicólogos comcaminho lembra como as rodas passaram por
paravam acertadamente esse processo a um caele, porque conserva as marcas das mudanças
minho trilhado, que consideravam fundamenoperadas na disposição de suas partículas, que
tal para a acumulação da experiência indiviocorreram devido à pressão das rodas. Nesse
dual. Toda essa soma de hábitos, habilidades,
sentido, poderíamos dizer que as pedras e as
movimentos e reações individuais que dispoplantas também recordam. Assim, a plastimos, não passa do resultado desse trilhar. Um
cidade denota três propriedades básicas da mamovimento repetido várias vezes deixa uma
téria: (1) a capacidade de modificar a disposiespécie de marca no sistema nervoso e facilita
ção das partículas; (2) a conservação das mara passagem de novas excitações por essas mescas dessas modificações; (3) a predisposição a
mas vias.
repetir essas modificações. Dessa forma, a
O significado desse trilhar das vias nermarca facilita uma nova passagem das rodas;
vosas
pode ser estabelecido facilmente medianuma folha de papel, dobrada em determinado
te um experimento simples em um cronoslugar, tende, ante o mais insignificante impulcópio, isto é, um relógio especial usado na área
so, a repetir a dobradura no mesmo lugar. Nosde psicologia para medir a velocidade da reasa substância nervosa é, certamente, a mais
ção, que tem uma precisão de 0,001 parte de
plástica de todas as que conhecemos na natusegundo. Experimentemos medir o tempo nereza. Portanto, pode desenvolver, como nenhuD E P L A S T IC ID A D E
144
I·
'{
I
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I
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L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cessário para reagir a qualquer cifra. Por exemplo, mostra-se ao sujeito do experimento o
número 17 e lhe pedimos que mencione [o
número seguinte] o 18. Depois, o experimento é modificado, e o sujeito, diante do número
17, não deve reagir nomeando o seguinte, mas
o anterior, isto é, 16. No primeiro caso, o tempo necessário para a reação foi 1 1fz menor que
no segundo caso. Isso se explica porque a reação nessa ordem é mais habitual para o organismo e se realiza por um caminho já trilhado,
enquanto a reação na ordem inversa é menos
comum para o sistema nervoso e é realizada
com maior dificuldade, ele modo que o indicador objetivo dessa dificuldade é o aumento do
tempo que o curso da reação consome.
A outra forma da memória é a denominada memória associativa. A teoria das associações foi, durante muito tempo, o fundamento
da psicologia, e muitos psicólogos chamavam
de associação a qualquer conexão ou combinação de reações. Sempre se tinha em mente,
porém, a associação de representações. Com o
mesmo direito poderíamos falar também de associação de todos os movimentos. Portanto,
vamos entender por associação um vínculo
entre as reações, de forma tal que o aparecimento de uma delas provoca infalivelmente a
aparição de outra. Na forma mais simples, a
teoria das associações antecipou a teoria dos
reflexos condicionados, que na verdade representam um caso particular e uma variedade
de associação. Ao mesmo tempo, seria correto
considerar o reflexo condicionado como um
caso de associação incompleta, em que não se
fecha totalmente o vínculo entre duas reações,
mas entre o estímulo de uma e a parte de resposta da outra reação. Os psicólogos diferenciavam três tipos de associação: por semelhança, por contigüidade e por contraste. Não há
necessidade dessas diferenciações, pois elas
expressam mais diferença lógica no curso de
nosso pensamento que a peculiaridade psicológica de cada processo. De qualquer forma, a
velha psicologia sabia que a formação de uma
associação depende da experiência e que a associação envolve uma conexão nervosa de reações que se fechou [estabeleceu] com base em
um vínculo dado na experiência. Conseqüentemente, a velha psicologia também sabia que
toda a riqueza do comportamento pessoal surge da experiência.
Os experimentos
psicológicos sobre a
comparação entre ambos os tipos de memória, para esclarecer qual delas é mais necessária e útil, são sumamente interessantes. Nos
testes, propôs-se o estudo de um mesmo material de duas maneiras diferentes: primeiro,
por repetição mecânica e, depois, mediante o
estabelecimento do nexo lógico entre os elementos estudados. Mais tarde, foi efetuada a
avaliação comparativa do sucesso de ambos os
métodos e ficou evidente que a memória lógica representa, com relação à memória mecânica, uma relação de 22 a 1. Em outras palavras, a pesquisa experimental mostrou que, se
as demais condições forem iguais, o material é
assimilado e recordado 22 vezes melhor e com
mais êxito caso seu estudo for lógico, mediante a vinculação do novo ao assimilado anteriormente.
O experimento pode ser realizado facilmente. Tomam-se 100 palavras, com aproximadamente o mesmo grau de dificuldade; elas
são apresentadas por escrito ou oralmente e
depois se conta a quantidade de palavras que
o sujeito retém após a leitura. Geralmente, no
caso de palavras com um grau de dificuldade
médio, são retidas cerca de 10 palavras, e mesmo assim sem uma reprodução correta em sua
ordem e seqüência. Apresenta-se depois uma
segunda série, também composta por 100 palavras, de igual dificuldade, com os mesmos
intervalos, mas se propõe ao sujeito que ele
escolha antecipadamente alguma série que conheça bem, integrada por 100 palavras em uma
sucessão conhecida. Por exemplo, é bem-conhecida a sucessão das denominações geográficas, os nomes dos colegas do curso, as personalidades históricas, os escritores, etc. Sugere-se então que ele estabeleça mentalmente
uma associação entre qualquer palavra dada e
a palavra correspondente no ordenamento do
sistema que escolheu.
Por exemplo, vamos supor que o sistema dos escritores russo, de Lornonosov' a
Maiakovski- tenha sido tomado como base. A
primeira palavra mencionada, "peixe", por
exemplo, corresponde a Lomonosov. O sujeito
procura um nexo entre ambas as palavras e o
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
145
encontra no fato de que Lomonosov era filho
consciente]. Essa mulher, até sua doença, tinha sido criada na casa de um pastor protesde um pescador. Depois se estabelece, do mestante e, enquanto varria o quarto, sem prestar
mo modo, um vínculo entre o segundo nome e
qualquer atenção, ouvia o pastor ler a Bíblia
a segunda palavra, etc., até o final. Em geral,
nesses idiomas. Em estado normal, ela natuo sujeito é capaz de reproduzir em exata sucessão as 100 palavras apresentadas, do prinralmente nunca teria podido repetir nem uma
cípio ao fim." Com o número do lugar ocupapalavra dita pelo pastor, pois as marcas dessas
sensações eram muito fracas e insignificantes.
do na lista, ele pode denominar a palavra e,
por meio da palavra, pode designar o número
No entanto, de alguma maneira elas se conservaram e resultaram suficientemente intenque ela ocupa na lista. As 100 palavras são resas para se exteriorizar e manifestar no delícordadas sem qualquer tensão e são retidas
rio. Esse exemplo demonstra que nenhuma sentotalmente na memória, na sucessão exata sação que chega a nosso sistema nervoso deos erros cometidos não costumam ser superiores a 2 ou 3 em toda a série. Nesse experimensaparece, todas elas são conservadas e, em determinadas circunstâncias e condições, podem
to pode parecer que lembrar, na verdade, deser reproduzidas."
nota duas coisas diferentes: colocar diretamenO segundo componente do processo da
te as reações na cabeça - o caminho trilhado memória consiste em que, diante de um sinal
ou estabelecer em cada caso um novo vínculo
conhecido, o sujeito produz o movimento
entre o já estudado e o que deve ser novamente estudado. Este último caso é extraordinariaaprendido ou pronuncia a palavra necessária.
Assim, se o sujeito recita várias vezes um poemente importante para um professor. Para cada
tipo de memória devem ser extraídas separama tendo o livro ao alcance dos olhos, podedamente as conclusões pedagógicas.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mos chamar de momento de reprodução dessas reações o momento em que elas podem
surgir sem a presença dos correspondentes esA ESTRUTURA DO PROCESSO
tímulos, isto é, quando o poema pode ser reciDA MEMÓRIA
tado sem o livro. Mas sabemos muito bem que
não é possível termos nenhuma reação sem a
Aquilo que costumamos chamar de mepresença de estímulos; conseqüentemente, isso
mória não constitui algo homogêneo, mas na
acontece também com a reprodução que, na
verdade inclui uma série de componentes comverdade, denota uma reação, pois sempre preplexos. A velha psicologia considerava que escisa de certos estímulos para surgir. Quais seses componentes eram quatro, e se ocupava
rão esses estímulos no caso dado? Toda a quesprimeiro da própria fixação da reação, isto é,
tão se reduz, evidentemente, ao fato de que o
a presença da marca nervosa de um determiprocesso de reprodução da reação, como seu
nado estímulo. É provável que esse componenimpulso fundamental, está subordinado à exte seja inerente a todas as sensações que pascitação interna. Depois, todas as partes das
sam por nosso cérebro.
reações produzidas se conectam entre si, de
A pesquisa da esfera inconsciente de nostal modo que a resposta a uma reação represos sonhos, fantasias, etc. demonstrou que nesenta um estímulo para a seguinte. Isso se vê
nhuma das representações e impressões que
com extrema facilidade através de um simples
percebemos desaparece sem deixar marca; apaexemplo; quando, tendo esquecido algum verrentemente, tudo é conservado nas esferas subso, começamos a recitar o poema a partir do
conscientes e, com uma estrutura modificada,
início, o verso precedente faz surgir o que esvolta a penetrar na consciência. Há um relato,
tava faltando. Portanto, o segundo componente
que é citado pelos psicólogos com freqüência,
consiste no estabelecimento do, nexo entre a
sobre uma mulher ignorante que, durante um
excitação interna e o grupo de reações, por um
delírio, começou a pronunciar longas citações
lado, e alguns membros do grupo, por outro.
em hebraico e grego antigos, línguas das quais
O terceiro componente no processo da
não possuía nenhuma noção [quando estava
memória é o denominado momento de reco-
146
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nhecimento, que ocorre quando tomamos consciência da reação reproduzida como já ocorrida. Nesse caso, a reação reproduzida se une à
nova reação, que identificaria a reação reproduzida com uma previamente existente.
Por fim, devemos situar em quarto lugar o
último componente - que na verdade representa outra vez uma reação totalmente nova -, o
momento da localização, isto é, de achar o lugar e o tempo, assim como o nexo das circunstâncias em que essa reação se manifestou.
Devemos compreender com clareza por
que cada um desses componentes pode existir
completamente separado dos restantes. A causa reside em que temos diante de nós tipos totalmente diferentes de atividade da memória.
O S T IP O S D E M E M Ó R IA
;
t
Durante muito tempo, a memória foi
considerada uma propriedade geral do sistema nervoso, que funcionava da mesma maneira em todos. A observação posterior demonstrou que, em geral, o funcionamento da
memória em cada pessoa se aproxima de um
ou outro tipo, conforme as formas mais freqüentes que ela utiliza. Os psicólogos começaram a diferenciar vários tipos de memória;
começaram a se referir à memória visual, nos
casos em que a pessoa utiliza com maior freqüência suas reações visuais durante a reprodução. No mesmo sentido, estabeleceram a
memória auditiva e a mo tara, assim como tipos mistos de memória - visual-rnotora,
audiovisual, etc. Para esclarecer a diferença
entre esses tipos de memória era mais simples recorrer ao último exemplo, o da aprendizagem de algum poema. Pessoas com tipos
diferentes de memória podem aprender o
mesmo poema com os mais diversos métodos.
Uma considerará mais fácil estudar lendo o
livro em silêncio. Ela vai assimilando o que lê
com a ajuda da visão e, mais tarde, no momento da reprodução, lembra até em que página isso estava escrito. Algumas pessoas,
depois de dezenas de anos, podem indicar em
que ângulo de uma página estava impressa
uma determinada palavra de um manual essa é a chamada memória visual. Outras,
,i
I ~
I
~;ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
para estudar o poema, devem ouvi-lo, Para
elas, é mais fácil aprender de ouvido e, na
reprodução, acham que ouvem uma espécie
de ressonância interna da palavra, recordando assim a entonação com que foi emitida, o
timbre de voz, etc. Uma característica curiosa consiste em que os primeiros, durante a
reprodução, vão fechar os olhos e esquadrinhar com o olhar; os segundos, para recordar
o que esqueceram, vão realizar movimentos
semelhantes aos que são feitos para escutar.
Diz-se que Mozart, como outros grandes músicos, possuía uma assombrosa memória de
tipo auditivo. Quando tinha 14 anos, escutou
apenas uma vez uma complexa sinfonia, e isso
foi suficiente para que ele a escrevesse totalmente de cor.'
Por último, o terceiro tipo de memória é
o encontrado em pessoas que não estudam com
a vista nem com o ouvido, mas através dos
próprios movimentos, com a ajuda das sensações musculares e cinéticas que surgem quando os realizam. As pessoas desse tipo, quando
estudam um poema, não podem deixar de
escrevê-lo ou de repeti-lo, ainda que seja sem
som. Quando se esforçam para recordar o que
esqueceram, elas realizam reações fonornotoras, e o próprio ato da recordação transcorre
na ponta da língua ou nos lábios. Dizemos que
"estamos com a palavra na ponta da língua"
ou, quando tentamos lembrar a ortografia de
alguma palavra, encomendamos a tarefa à
nossa mão e, conforme o movimento que realizamos com a mão e com os dedos, lembramos qual é sua ortografia.
Devemos dizer que cada tipo de memória raramente é encontrado de forma pura e
na maioria das vezes seus tipos são mistos.
Nenhum tipo de memória interrompe o trabalho da memória dos outros tipos; pelo contrário, esses tipos também podem ser utilizados
em caso de necessidade. Mas também é raro
encontrar um tipo neutro puro, ou seja, um
trabalho da memória que transcorra da mesma maneira pelos três tipos. Geralmente dois
tipos de memória predominam de forma conjunta. A escolha de um tipo de memória é
explicada, evidentemente, por uma série de
causas, mas acima de tudo pela estrutura ge-
P S IC O L O G IA
ral de nossos órgãos da percepção e pelo modo
de recordar que nos é mais habitual.
As conclusões pedagógicas da teoria sobre os tipos de memória consistem na regra
que recomenda que o professor utilize diferentes vias no tocante à memória. Quanto maior
for o número de caminhos pelos quais penetra
a reação no sistema nervoso, mais firmemente
ela ficará retida na memória. O modo mais
utilizado para aplicar todas as formas de recordação é um depois do outro; assim, durante o estudo de uma língua estrangeira, os alunos vêem uma palavra esçrita ante si, escutam
sua pronúncia, repetem-na e a anotam - com
isso se garante exatidão e facilidade de assimilação. De qualquer forma, é útil que o professor conheça o tipo individual de memória de
cada educando para apelar com maior freqüência a esse tipo.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A S P E C U L IA R ID A D E S
IN D IV ID U A IS
DA MEMÓRIA
O reforço e a reprodução das reações, assim como todas as demais formas do comportamento, não constituem uma magnitude constante, mas variam fortemente conforme a idade, o sexo e a individualidade.
Em particular,
optou-se por diferenciar a memória a partir da
rapidez e da estabilidade da recordação. Nesse
sentido, James compara a memória das diferentes pessoas com a cera e o gel, já que em
ambos, graças à plasticidade da substância, obtém-se fácil e rapidamente
a marca desejada,
mas enquanto a cera a conserva, no gel ela desaparece com a mesma rapidez. Além disso, a
memória varia no sentido da extensão, isto é,
da quantidade de reações fixas, da duração, ou
seja, do prazo durante o qual se conserva a reação registrada,
da exatidão, etc. Todos esses
aspectos - em função dos diferentes tipos de
fixação - não têm a mesma importância.
Em determinado
momento, precisamos
obter uma recordação
prolongada,
mas não
particularmente
precisa; em outro, pelo contrário, necessitamos
de uma recordação exata, mas não especialmente
prolongada.
É sumamente importante
para um professor perceber em cada caso com que recordação con-
P E D A G Ó G IC A
147
ta, porque - como veremos a seguir - disso
dependem o caráter e os resultados da recordação.
Nas crianças, a memória não se desenvolve repentinamente
e, na primeira etapa da
vida, a criança é - segundo a expressão de Stern
- um ser do presente." Pouco depois, a memória infantil começa a se desenvolver, mas apesar de tudo a memória imediata é mais débil
nas crianças que nos adultos. Ebbinghaus,? que
realizou uma pesquisa experimental da memória mediante a aprendizagem
de sílabas sem
sentido, descobriu que as crianças de 8 a 10
anos são capazes de reproduzir 1 1/2 menos sílabas que as pessoas de 18 a 20 anos. Binet
obteve os mesmos resultados
ao estudar a
memória em três cursos escolares. Os alunos
do ensino fundamental
erraram 73% das respostas, os do ensino médio, 69% e os do superior, 50%. De acordo com os dados disponíveis, cabe pensar que a memória cresce e se
desenvolve na infância, chegando a seu ponto
máximo, segundo Meumann, aos 25 anos, começando, depois, a declinar lentamente."
O S L IM IT E S
DA EDUCAÇÃO
DA MEMÓRIA
Naturalmente,
aqui surge a pergunta sobre a possibilidade de melhorar a natureza e a
força da memória humana mediante a influência educativa.
Como há determinada
plasticidade em nossa substância nervosa que está
na base de nossa memória, subentende-se que
os poderes naturais da memória não podem
ser aumentados
ou reduzidos por outros meios, exceto os que levam diretamente
a um relaxamento e restabelecimento
do sistema nervoso. Uma profunda
anemia, a presença de
drogas no organismo e o enfraquecimento
geral do sistema nervoso estão ligados ao enfraquecimento da memória. E a nutrição, o fortalecimento e o reforço do sistema nervoso restabelecem
a memória.
Por isso, James, por
exemplo, considera inegável o fato de que as
qualidades
naturais
de nossa memória não
podem ser melhoradas
por meio de nenhum
tipo de exercício."
148
I
,
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
No entanto, não resta dúvida de que a
dade e eficiência quando é atraída e orientada por certo interesse. Aquilo que observamemória pode ser melhorada facilmente com
a ajuda de alguns exercícios e da educação.
mos com grande interesse é mais bem assimiMeumann descobriu que seu sujeito de prova,
lado. Consideramos o interesse [interiés] como
depois de várias semanas de exercícios no esuma inclinação interna que orienta nossas
tudo de sílabas sem sentido, reduziu o tempo
forças para a pesquisa de um objeto. Os psipara aprender 12 sílabas: de 56 repetições pascólogos comparam muito acertadamente o
sou para 25, e outro [sujeito], de 18 a 6. A
papel do interesse na recordação com o papel
recordação é uma atividade e, como tal, pode
do apetite na assimilação do alimento. Expeser melhorada mediante exercícios. Para recorrimentos com um cão mostraram que, nos
dar, pode-se elaborar hábitos e habilidades escasos em que a ingestão de alimentos era
acompanhada de uma intensa excitação do
peciais. O primeiro efeito da educação da meapetite, da participação da visão e do olfato,
mória consiste justamente na melhoria da recordação. Em seus aspectos essenciais, a mea ingestão unia-se a uma rápida secreção do
suco gástrico, a uma rápida digestão do alimória sempre pode ser melhorada e fortalecida, ainda que isso não signifique elevar sua
mento e à sua completa assimilação. Nos cacapacidade natural. Recordemos que, psicolosos em que se excluía essa excitação prévia
gicamente, a memória denota um vínculo que
do apetite, em que o alimento era introduzise estabelece entre as reações. Quanto maior
do diretamente no estômago canino através
for a quantidade de associações de que dispode um orifício, sua assimilação transcorria
mos, mais fácil será estabelecer uma nova aslânguida e lentamente, embora conservasse
sociação e, conseqüentemente, eleva-se a quaseu poder nutritivo. É evidente que o apetite
lidade de nossa memória especial.
desempenha um papel muito importante na
Cabe destacar que o que antes se denopreparação da digestão e na excitação de sua
minava memória é uma forma de comportaatividade. Os psicólogos dizem que o interesmento complexo e combinado, que abrange de
se produz exatamente a mesma ação prepauma simples reação aos complicados reflexos
ratória em nosso organismo quando se trata
mentais. Deriva daí que, mediante exercícios
de assimilar uma nova reação. Todos conheZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
especiais, é possível melhorar tanto alguns ascem a ação extraordinariamente
estimulante
pectos desse comportamento como as mais imque o interesse exerce sobre a psique. Uma
portantes uniões mútuas de suas diferentes
pessoa pouco capaz de resolver problemas
partes. Dessa maneira, vai sendo elaborada na
científicos na escola, incapaz de aprender
pessoa uma memória especial, isto é, a habiliqualquer regra, pode ser sumamente talentosa
dade de fixar e reproduzir aqueles tipos de reae capaz na esfera de atividade que desperta
seu interesse.
ção mais necessários para a vida, em primeiro
É curioso que na vida, por exemplo, na
lugar e, em segundo, os que são exercitados
com maior freqüência. Sempre nos assombra
atividade comercial ou ao colecionar selos, um
a memória do bibliotecário, que conhece dealuno pode ser totalmente capaz de efetuar as
zenas de milhares de livros por suas capas e
combinações e cálculos que não consegue resabe seu lugar nas prateleiras, a memória do
solver na escola. Quando está estimulado pelo
farmacêutico em matéria de provetas e frasinteresse, ele recorda uma grande quantidade
de nomes geográficos ou um conjunto de decos, a memória do médico no tocante aos sintomas de uma doença. Em todos os casos, posenhos. Em compensação, na escola, ele não
rém, estamos diante de um novo fenômeno.
consegue aprender o nome da capital de nenhum país. Nesse caso, o fundamental é a exigência que prescreve que, para obter uma boa
o IN T E R E S S E E O M A T IZ E M O C IO N A L
assimilação, o interesse sempre deve estar coordenado com a recordação. Se o professor
As pesquisas sobre a memória demonsdesejar que algo seja bem-assimilado, deve se
traram: que ela trabalha com maior intensipreocupar em torná-Io interessante. Desse pon-
I
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
149
to de vista, a escola czarista era antipsicológica,
É preciso extrair daqui uma conclusão de
suma importância
pedagógica,
com reação à
porque não era interessante.
O outro papel do interesse consiste na
necessidade de que os alunos sejam conscientes dos objetivos do estudo e das exigências
função unificadora
que ele desempenha
com
que lhes serão feitas posteriormente.
O maior
relação aos diferentes elementos do material
ecado da escola czarista não consistia em que
assimilado.
O interesse cria uma orientação
se recordava pouco, mas no fato de que a reconstante no sentido da acumulação da recorcordação ocorria em uma direção desnecessádação e, em suma, é o órgão da seleção no
ria e estéril, isto é, que o objetivo da recordatocante a escolher as impressões e a uni-Ias
ção sempre era a resposta a ser dada ao proem um único todo. Por isso, o papel desempenhado pelo interesse na orientação do objetifessor durante o exame; toda a recordação era
vo do estudo é extraordinariamente
importanadaptada apenas a isso e, por isso, era inadequada para outras finalidades.
te. A pesquisa tem demonstrado
que toda reO último elemento que guia a memória é
cordação é efetuada sob o controle de certa
o jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
orientação desse processo. Os psicólogos chaa sp e c to e m o c io n a l do que é recordado. Os exmam isso de influência da orientação diferenperimentos demonstraram
que as palavras vincial nos experimentos
de recordação. A expeculadas a certas vivências pessoais eram recordadas com maior freqüência
que as afetivariência demonstrou
que os resultados
da recordação dependem em grande parte da insmente indiferentes. Os experimentos de Peters
e Nemecsek,!' que reuniram 15 mil respostas,
trução que ocorre no início do teste.
Essa instrução explica ao sujeito tudo o
demonstraram
que aquilo que nossa memória
que se exige dele, quais são os objetivos que
retém com maior freqüência são elementos imdeve propor à sua recordação e a que teste será
pregnados de uma reação emocionalmente positiva. Nada se recorda tanto como aquilo que,
submetido. Assim, a instrução estabelece uma
série de reações de orientação
que se expriem um determinado
momento, esteve ligado
mem na adaptação da recordação aos fins da
ao prazer. Esta parece ser a expressão da tenaprendizagem.
Isso nos convence ainda mais
dência biológica do organismo, ou seja, reter e
que a memória é apenas um dos tipos de ativireproduzir
vivências relacionadas
ao prazer.
dade, uma das formas do comportamento.
Por isso, transforma-se
em regra pedagógica a
exigência de uma certa vivência emocional,
Os experimentos de Aall'" demonstraram
que a orientação
fundamental
influencia
a
através da qual deve passar todo o material
duração de nossa recordação, isto é, como se
didático.
houvesse a intenção de conservar o aprendido
Além de preparar as correspondentes
fordurante certo prazo. Esse autor dizia a seus suças da inteligência, o professor sempre deve se
jeitos experimentais
que deviam aprender um
preocupar com as correspondentes
forças do
certo material de cor e lhes avisava que faria
sentimento.
Não se esqueçam de estimular o
perguntas sobre uma parte no dia seguinte, ensentimento do aluno sempre que quiserem que
quanto outra parte ficaria para quatro semanas
algo fique enraizado em sua mente. Dizemos
com freqüência: "Lembro-me disso porque me
mais tarde. Depois, ele adiava o interrogatório
surpreendeu
na infância".
para quatro semanas depois, e os resultados
mostravam que as crianças tinham retido muito melhor o que devia ser reproduzido dentro
E S Q U E C IM E N T O
E
de quatro semanas; o que fora proposto para
A
R
E
C
O
R
D
A
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Ã
O
E
R
RÔNEA
verificar no dia seguinte havia sido menos assimilado. Experimentos de outros cientistas mosO e sq u e c im e n to , isto é, o desaparecimento
traram que, dependendo da orientação, o mesdos vínculos que se estabeleceram em nós como
mo material pode ser assimilado em termos de
nexos temporais, é um fato biológica e psicologisignificado sem recordar palavras isoladas, ou
camente muito útil, porque graças a ele surgem
que também é possível aprender palavras sem
as formas extraordinariamente
complexas e flecaptar o significado do todo.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
150
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que, sempre que era imprescindível recordar
xíveis de nosso comportamento. A capacidade
esse sobrenome que tinha sido esquecido, viesde esquecer o desnecessário, de rejeitar o supérsem à mente as mais diversas palavras derivafluo, de desconectar os vínculos depois que eles
das de todos os objetos relacionados aos cavacumpriram seu objetivo, constitui uma necessilos, porém o sobrenome não aparecia. Em comdade de nosso comportamento, assim como o
pensação, ele surgiu casualmente quando sua
estabelecimento de novas conexões. Costumabusca foi abandonada. Esse cômico equívoco
se citar uma frase de Ternístocles," que diante
ocorreu porque o aparecimento do sobrenode uma proposta de lhe ensinar a recordar, resme foi estabelecido em um plano completapondeu: "Prefiro que me ensine a esquecer".
mente diferente que o da recordação. E se quiInfelizmente, nem sempre os pedagogos
sermos nos livrar desses acontecimentos envalorizam essa importância útil e higiênica do
graçados, nunca devemos confiar no acaso,
esquecimento. Dessa forma, não se conscienpermitindo-lhe que estabeleça uma associação
tizam que a memória não ,é'apenas um armacasual.
zém ou depósito do sistema nervoso para conA escolha dessas associações sempre deve
servar as reações adquiridas na forma como
ser efetuada com o controle do professor e semforam assimiladas. É um processo criativo de
pre
deve estar orientada para essa futura atielaboração das reações percebidas e alimenta
vidade de recordação na qual as associações
todas as esferas de nossa psique. Isso exige um
de reações deverão se manifestar. Podemos
enfoque higiênico da memória infantil, que não
dizer sem exagerar que, sempre que os conhedeve ser esmagada com o peso desmedido do
cimentos da escola não estiverem dirigidos para
material, com excesso de detalhes, com uma
a vida, ocorrerão vínculos falsos e errôneos e,
exagerada recordação de trivialidades que vão
ainda que sejam adquiridos conhecimentos,
além do necessário, para evitar que a memóestes não serão utilizados no processo da ação.
ria fique repleta.
Se encontrássemos uma forma de realizar em
Assim perdemos o poder sobre a recornosso comportamento todos os conhecimendação, e esta adquire poder sobre nós. Uma
tos que adquirimos na escola, poderíamos acanorma pedagógica fundamental exige que a
bar facilmente com toda a imperfeição da edumemória seja colocada em uma posição suborcação. O trágico da situação, porém, reside em
dinada, integralmente a serviço de nosso comque nossos conhecimentos sempre se formam
portamento, e a condição necessária para isso
simultaneamente com o mecanismo que deé expulsar da memória as reações desnecessápois os coloca em ação. Em outros termos, cada
rias e que perderam seu vínculo. O professor
vez que recordamos algo, temos de perceber
precisa se livrar de tudo o que não é utilizado
que uso daremos a isso para assim produzir o
ativamente na memória, porque isso representa
reforço da reação. A forma de recordar para
uma carga nociva e morta, um lastro.
um exame difere da forma de recordar para a
Portanto, nem sempre o esquecimento é
vida. A esses mesmos casos de recordação erum mal, mas às vezes é um bem, e o tato pedarônea se refere todo o âmbito da mnemônica
gógico deve encontrar os limites em que a re[mnemotecnia ou mnemotécnica], isto é, dos
cordação e o esquecimento, como duas funsistemas artificiais de recordar por meio da coções opostas, mas que cooperam entre si, tranexão da palavra necessária com cifras ou oubalhem em comum e de mútuo acordo. Um
tros sinais convencionais. Na literatura psicoperigo muito maior, do ponto de vista pedagólógica estabeleceu-se uma atitude sumamente
gico, é o caso da jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r e c o r d a ç ã o e r r ô n e a , ou seja, o
negativa com relação a esses recursos mnernôestabelecimento de vínculos e reações falsos e
nicos devido à sua artificialidade, à sua cominúteis. Aquela história tão engraçada sobre o
plexidade e ao seu caráter de generalização.
sobrenome que fazia evocar um cavalo, relaNo entanto, essas regras mnemônicas
tada por Tchekov," ilustra muito bem esses
devem
ser valorizadas por sua racionalidade e
casos de recordação errônea. A associação ou
grau de economia. Entende-se que, com frenexo estabelecido por casualidade entre o so14
qüência, os sistemas mnemônicos são totalbrenome OVSOV e o vocábulo "cavalo" fez com
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
151
mente casuais, frágeis e acessórios, e não poterior. Em outras palavras, está implícita na
memória a utilização e a participação da expedemos confiar neles para reforçar uma reação.
riência anterior no comportamento presente.
Contudo, não podemos nos esquecer de que
Desse ponto de vista, a memória, tanto no
todos os sistemas de notação alfabética, numérica, musical, etc., na verdade representam
momento da fixação quanto durante a reprodução, representa uma atividade no sentido
as mesmas regras mnemônicas que permitem
ligar uma série de signos às reações internas.
estrito da palavra. Na fixação, a atividade se
Os inventores dos alfabetos, dos números e das
exprime por meio dessa inclinação deliberada
notas musicais foram grandes criadores no âmdo organismo para esta ou aquela reação, que
bito da mnemônica. Esta se baseia, sem nepermite realizar a reação em determinadas
nhuma dúvida, na lei psicológica geral da ascondições de orientação e fixá-Ia. Se perdêssesociação, sobre a qual se estrutura, em geral,
mos a memória de repente, nosso comportatodo o ensino da leitura, da' escrita, do cálcumento assumiria um caráter descontínuo e
lo, do idioma, etc.
.
fragmentário; um dia ou um ato não estaria
Münsberg afirma, corretamente,
que,
vinculado ao outro. Nosso comportamento
para a vida intelectual do ser humano ser rica,
apresentaria - no sentido cabal da palavra é muito mais necessária a capacidade de unir
um caos de reações isoladas, não unidas em
facilmente conceitos que possuir uma vasta banenhuma forma comum.
gagem de conceitos. As 26 letras do alfabeto
Entretanto, só a presença da memória não
inglês" foram suficientes para compor todos
cria toda a riqueza da vida espiritual, e muitas
os dramas de Shakespeare. Conseqüentemenvezes as crianças portadoras de deficiências mente, o princípio econômico de nossa memória
tais ou totalmente anormais distinguem-se por
consiste na diversidade infinita de sistemas
uma memória colossal que, por não ser utilizaconvencionais que permitem, de forma breve
da, não tem nenhuma aplicação. Essescasosconse cômoda, conservar e transmitir valores espitituem uma espécie de experimento especialmenrituais tão complexos como os dramas de
te montado pela natureza, para demonstrar como
Shakespeare." Tudo depende da forma econôo fato de possuir apenas memória representa
mica e racional adotada pela mnemônica ao
muito pouco. Existem oligofrênicos que podem
realizar esse trabalho. Todos conseguem enrecordar milhares de dados e textos diferentes,
tender que o alfabeto cria uma grandiosa ecoporém se mostram totalmente incapazes de ler
nomia de pensamento. Na mnemônica popuqualquer palavra." Por isso, um princípio pedalar, é freqüente que a complexidade das assogógico fundamental tem a ver com ligar o trabaciações requeridas não abrevia, chegando até
lho da memória às restantes formas de nossa atia demorar, o caminho da recordação. Em vez
vidade. Já vimos que o processo de associação,
de criar apenas um obstáculo simples, muitas
que em última instância determina também a
vezes dá origem a uma enorme quantidade de
memória, está na base de todos os principais procaminhos indiretos e ziguezagueantes que só
cessos de nosso comportamento.
dificultam a recordação. O dano provocado por
Através da associação, a memória deve
esse tipo de mnemônica fica totalmente claro
estar vinculada aos demais aspectos de nosso
para qualquer um.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
comportamento.
AS FUNÇÕES
P S íQ U IC A S
D A M E M Ó R IA
Na economia geral de nossa psique corresponde à memória o papel que, na economia mundial, corresponde ao capital. Assim
como o capital, ela envolve uma certa quantidade de bens acumulados, não criados para
seu consumo direto, mas para a produção pos-
A T É C N IC A
D A M E M Ó R IA
A esfera da atividade em que é mais fácil
avaliar a produtividade é a memória. Por isso,
a pedagogia dispõe de todo um conjunto de
regras com relação à profilaxia e à técnica da
memória. A condição fundamental para reforçar as formas complexas de reações é a exiI
152
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
gência de que o aluno aprenda tudo como uma
totalidade, que capte o significado como uma
unidade integrada e que não estude tópicos
isolados. Meumann destaca a importância de
um método com intervalos, em que todo o
material é dividido em partes, fazendo-se um
recreio depois da cada uma delas. Ao mesmo
tempo, o conteúdo das unidades menores é
unificado em uma totalidade; aqui é extraordinariamente importante a distribuição das repetições. O que ocorre é que a repetição constitui o método básico para reforçar a reação.
Acima de tudo, interessa observar que as
repetições possuem um limite, depois do qual
deixam de agir, tornam-se inúteis e até nocivas, pois esgotam toda a força de qualquer reação significativa e eliminam o significado do
material. Além disso, é sumamente importante a distribuição dessas repetições. Não é indiferente se o aluno repete seguidamente ou com
pausas entre as repetições.
A conclusão pedagógica exige que haja
uma distribuição das repetições; uma parte
delas é transferida para um intervalo de tempo mais distante, afastado do primeiro por uma
pausa. Cabe destacar, também, que cada pessoa tem seu ritmo habitual para reagir e que a
modificação desse ritmo no sentido de aceleração ou adiamento enfraquece a potência da
recordação. Por último, o ritmo também desempenha um papel decisivo na questão do
estudo; ele consiste na união das partes do
material, dando-lhes uma lógica conseqüente
e organizando os elementos em uma totalidade integrada. Se lembrarmos que todo o papel
da memória se reduz a uma atividade de vinculação, poderemos compreender facilmente
as vantagens do ritmo, que proporciona antecipadamente as formas dessa vinculação.
O S D O IS T IP O S
DE RECORDAÇÃO
DAS REAÇÕES
Assim como a fixação [o reforço], a recordação das reações é uma atividade, só que
ela representa um momento mais tardio nesse
mesmo processo. Na psicologia tradicional, geralmente eram diferenciados dois tipos de recordação. Uma era denominada imaginação
reprodutiva e abrangia todos os casos em que
as reações reproduziam [recordavam] tudo que
realmente aconteceu com o organismo. Por
outro lado, era chamada de imaginação criativa ou construtiva a que reproduzia certa forma de experiência não vivida na realidade. Ao
mesmo tempo, justamente o critério de realidade permitia distinguir a memória da fantasia, as reações de recordação das reações de
imaginação. No entanto, esse critério deve ser
qualificado como completamente
incorreto
pelas seguintes considerações. Não existe nenhuma recordação exata da experiência passada, não há lembranças totalmente exatas, a
recordação sempre envolve certa elaboração
do percebido e, portanto, certa deformação da
realidade. E, vice-versa, as imagens da fantasia, por mais complexas que sejam,sempre
incluem elementos extraídos da realidade. Por
isso, não existe uma diferença essencial entre
fantasia e recordação. Aqui, podemos falar
mais de uma diferença qualitativa que de uma
quantitativa. As imagens da fantasia também
podem estar orientadas para a realidade; por
exemplo, quando imagino o que acontecerá
hoje à tarde, ou quando crio em minha imaginação uma vista do Saara, que nunca vi; em
todos esses casos o comportamento imaginativo se dirige a objetos não menos reais que
quando recordo um local de minha cidade natal ou rememoro o que ocorreu ontem.
Por isso, não devemos considerar que a
única distinção entre ambas as reações é saber
se são ou não reais; temos de levar em conta,
exclusivamente, sua relação com nossa experiência. Algumas delas constituem um âmbito
que existiu em nossa experiência; as outras,
um âmbito que não existiu. Qualquer erro da
memória não constitui um fenômeno sem causa nem é fortuito, mas sempre é motivado por
algum impulso interno sumamente importante. Portanto, agora diferenciamos as recordações abertamente deturpadas da fantasia que
serve de fachada para certas recordações indesejáveis, deslocadas para o limiar de nossa
consciência. Em geral, pode-se dizer que a
memória está intimamente relacionada ao inconsciente e, na verdade, representa aspectos
do comportamento não-determinados na esfera da consciência; assim são nossas recorda-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
153
neo e sem motivo algum. Mas isso é somente o
resultado do desconhecimento
dos motivos que
condicionam
esse funcionamento.
Cabe mencionar aqui, em primeiro lugar, as inclinações
que não foram satisfeitas em nossa vida. Elas
A R E A L ID A D E D A F A N T A S IA
são as verdadeiras
fontes da fantasia e determinam seu segundo princípio de realidade.
[fa n ta zia J ,
que costuma ser
A fantasia jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Essa lei pode ser formulada da seguinte madefinida como uma experiência oposta à realineira: independentemente
de a causa ser real
dade, na verdade tem suas raízes na experiênou irreal, a emoção ligada a ela sempre é real.
cia real do ser humano. A pesquisa dos produSe choro pelo herói imaginário de um romantos mais complexos da criação mitológica, das
ce ou fico com medo do terrível monstro que
tradições religiosas, crenças e lendas, das imaapareceu em meus sonhos ou me emociono ao
gens e invenções fantásticas mostra que, ainconversar em uma fantasia com meu irmão
da que o ser humano explore ao máximo o
morto há muito tempo," em todos esses casos
potencial de sua fantasia, não pode inventar
as causas de minhas emoções não existem na
algo que não tenha sido vivido por ele em sua
realidade,
mas meu temor, minha pena, miexperiência. Quando imaginamos um ser fannha compaixão continuam
sendo, à margem
tástico, um centauro ou uma sereia, é claro que
disso, vivências completamente
reais. Conseestamos operando com as imagens de semicaqüentemente,
a fantasia é real de duas maneivalo-serni-homern
ou de sernipeixe-sernimuras: por um lado, pelo material que a forma;
lher. Mas, nesse caso, a irrealidade
deve-se à
por outro, pelas emoções ligadas a ela.
combinação
dos elementos
dessas imagens.
Esses mesmos elementos, que formam o cavalo e o homem, o peixe a mulher, baseiam-se na
A S F U N Ç Õ E S D A IM A G IN A Ç Ã O
experiência
real. Ainda ninguém
conseguiu
criar uma representação
de tal índole que não
Pelo que já foi dito, é fácil compreender que
tenha qualquer relação com a realidade. Até
a função básica da imaginação [v o o b ra y e n ie J é a
imagens tão distantes e irreais, como as do
organização de formas de comportamento que
ainda não ocorreram na experiência do ser huanjo, do diabo, de Kashchei," etc., em sua essência, estão compostas de combinações mais
mano, enquanto a função da memória consiste
em organizar a experiência de uma forma que
complexas de elementos extraídos da realidarepita aproximadamente o que já existiu. De acorde. Portanto, todo o material da fantasia, sem
do com isso, várias funções parecem ser de natunenhuma exceção, tem sua origem na realidareza totalmente diferente, mas todas estão intide. A segunda fonte de realidade na fantasia é
mamente relacionadas à função básica de encono sistema de nossas vivências internas, sobretrar o comportamento que corresponde às novas
tudo as emoções e os desejos, cujo curso é decondições do ambiente.
terminado
pela combinação
dos elementos
A primeira
função do comportamento
reais nas representações
fantásticas.
su c e ssiv a e
imaginativo pode ser denominada
Embora a fantasia geralmente seja apreé sumamente importante para o professor. Sasentada como a forma de comportamento
mais
bemos tudo o que não ocorreu em nossa expecaprichosa, inexplicável e sem motivo, ela está
riência com a ajuda da imaginação. Concretarigorosamente condicionada e determinada em
mente: quando estudamos geografia, história,
cada um de seus pontos, como todas as outras
física ou química, astronomia ou qualquer cifunções de nossa psique. A questão consiste
ência, sempre estamos encarando o conheciapenas em que as causas que condicionam seu
mento de objetos que não ocorreram de forma
trabalho jazem profundamente
dentro do ser
direta em nossa experiência,
mas constituem
humano e muitas vezes permanecem
ocultas
a principal aquisição da experiência social copara a consciência. Daí surge a ilusão de que o
letiva da humanidade.
E, se o estudo dos tefuncionamento
da imaginação
seria espontâções da infância que, como a teoria psicanalítica demonstra,
são formas de semifantasia,
semimemória.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
154
L 1 E V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mas não se limitar ao mero estudo do relato
verbal sobre eles, mas tender a penetrar, através da fachada verbal de sua descrição, em sua
própria essência, inevitavelmente
ele vai utilizar a função cognoscitiva da imaginação. Ao
mesmo tempo, deve usar todas as leis da atividade da imaginação.
Isso significa, em primeiro lugar, que nenhuma construção da fantasia deve ser provocada antes que o professor tenha garantido a
presença, na experiência pessoal do aluno, de
todos os elementos
com os quais deve ser
construída a compreensão .adequada do novo
tema. Se desejarmos suscitar no aluno uma representação vívida do Saara, devemos encontrar em sua experiência real todos os elementos a partir dos quais essa representação
deve
ser construída. Por exemplo, a esterilidade,
as
dunas, a imensidão, a falta de água, o calor;
tudo isso tem de ser unido, mas ao mesmo tempo tudo deve se basear na experiência direta
do aluno. Isso não quer dizer, naturalmente,
que cada um desses elementos tenha de ser
tomado diretamente de uma percepção imediata. Pelo contrário,
muitas coisas podem ser
adotadas por meio da experiência
do aluno,
elaborada e reelaborada
no pensamento,
mas,
ao encarar a construção
de um novo tipo de
representação,
devemos preparar antecipadamente todo o material necessário
para essa
construção, venha ela de onde vier.
Por isso, o conhecimento
da experiência
do aluno é uma condição imprescindível
da
tarefa pedagógica. Sempre se deve conhecer o
terreno e o material sobre o qual nos dispomos a construir, pois senão corremos o risco
de erguer um edifício frágil sobre a areia. Por
esse motivo, a maior preocupação
do professor passa a ser a tarefa de traduzir o material
novo e não-existente para a experiência do aluno, para a linguagem de sua própria experiência. James nos oferece um exemplo interessante
que pode esclarecer bem essa questão.
Suponhamos
que estamos estudando
a
distância que há entre a Terra e o Sol. É claro
que dispomos de vários métodos.
Podemos,
simplesmente,
comunicar ao aluno a quantidadede
quilômetros
que separam a Terra do
Sol, mas, ao fazer isso, temos de saber que di-
ficilmente esse método vai alcançar o objetivo
proposto. Em primeiro lugar, obtemos como
resultado uma mera reação verbal, isto é, uma
designação verbal; não obtemos um conhecimento vivo sobre o fato, mas apenas o conhecimento da fórmula com que esse fato é designado. Portanto, não penetramos
na própria
essência do fato. O seguinte caso serve de eloqüente confirmação
do que acabamos de dizer. Durante o período de desvalorização
da
moeda soviética, quando as crianças se acostumaram a lidar diariamente
com cifras "astronômicas",
muitos professores
perceberam
que, quando tinham de comunicar a elas as
verdadeiras cifras astronômicas,
isso surtia um
efeito completamente
inesperado.
Por exemplo, ao ouvir que a longitude do Equador terrestre é igual a 40 miljihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
v e r s ta s ." um menino
disse: "Tão pouco! Um copo de sementes de
girassol custa a mesma quantidade de rublos".
O significado
das grandes cifras estava tão
desprestigiado
na experiência pessoal dos alunos que eles não podiam compreender de forma alguma por que, quando se queria representar distâncias enormes, eram utilizadas cifras que lhes pareciam magnitudes
insignificantes. De qualquer forma, embora destaquemos esse efeito negativo, a cifra em si não diz
nada à imaginação do aluno, apenas deixa esse
número em sua memória. O professor que desejar suscitar uma verdadeira
noção sobre a
magnitude
dessa distância procederá de forma mais adequada se tentar traduzi-Ia à linguagem própria da criança. James oferece essa
explicação psicológica e pedagogicamente
mais
racional. Se perguntássemos
ao aluno: "Imagine que disparam contra você a partir do Sol.
O que você faria?" O aluno, naturalmente,
responde que pularia para o lado contrário. O
professor replica que isso não é preciso, que
ele pode
deitar-se tranqüilamente na cama e levantarse no dia seguinte, viver sem preocupações
até a maioridade, terminar os estudos de comércio, chegar à minha idade; só então a bala
começaria a se aproximar de você e você teria
de mudar de lugar. Vocês percebem como é
enorme a distância da Terra ao Sol?
.'.~•.
\'
-Ó r -.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
155
ponsabilidade da imaginação. No jogo, na menEssa representação seria formada no alutira ou nas histórias, a criança encontra uma
no com base em noções totalmente reais, exisfonte inesgotável de vivências, e, dessa forma,
tentes em sua experiência pessoal, levando-o
a fantasia abre novas portas para que nossas
a medir a magnitude em unidades que lhe fossem acessíveis e compreensíveis. Tanto a velonecessidades e aspirações adquiram vida. Nesse sentido, na mentira infantil está implícito um
cidade do vôo do projétil como a enorme duprofundo sentido psicológico, ao qual o profesração do tempo que abrange toda uma vida,
sor tem de prestar muita atenção.
em comparação com o segundo em que é preNo jogo, essa função emocional da fantaciso sair da trajetória da bala; o aluno conhece
tudo isso com total precisão e a noção construísia se transforma inadvertidamente em uma
da sobre esse material será para ele um conhenova função, ou seja, na organização das formas do ambiente que permitem que a criança
cimento completamente exato, uma penetradesenvolva e exercite suas inclinações naturais.
ção no fato. Esse exemplo. mostra as formas
gerais como se deve lidar com a imaginação
Podemos dizer que o mecanismo psicológico do
para que ela leve ao conhecimento da realidajogo se reduz totalmente ao trabalho da imaginação e que, entre o jogo e o comportamento
de. Sempre se deve partir do conhecido e do
imaginativo, podemos colocar um sinal de igualsabido para compreender o desconhecido e o
dade. O jogo não passa da fantasia em ação, e a
ignorado. Além disso, a segunda lei da fantasia exige que não nos preocupemos apenas com
própria fantasia não é nada mais que um jogo
o material, mas também com a correta combiinibido e reprimido, não-exteriorizado. Por esse
nação do mesmo. A lei da realidade da fantamotivo, na infância a imaginação adquire uma
sia diz que sempre é real a emoção ligada à
terceira função, que chamaremos de e d u c a tiv a ,
nossa construção. Por isso, é preciso provocar
cujo sentido e missão é organizar o comportaa emoção e, ao transmitir ao aluno diversas
mento cotidiano da criança, de tal forma que
noções, não devemos nos preocupar apenas
ela possa se exercitar e desenvolver para o fucom o material, mas fazer com que surja no
turo. Portanto, no fundamental, as três funções
aluno a correspondente emoção.
da fantasia concordam totalmente com sua proA outra função da imaginação é denomipriedade psicológica, isto é, que se trata o comnada jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e m o c io n a l. A lé m de ter sua expressão exportamento dirigido a formas que ainda não
terna, toda emoção também é interna e, porexistiram em nossa experiência.
tanto, a fantasia é o aparelho que realiza diretamente o trabalho de nossas emoções. Da teoA EDUCAÇÃO DO COM PORTAM ENTO
ria sobre a luta pelo campo motor final, sabeIM A G IN A T IV O
mos que nem todos os impulsos e inclinações
que estão em nós chegam a se concretizar. SurO critério mais corrente considera que, na
ge, então, a seguinte pergunta: qual é o desticriança, a fantasia está presente de forma muino dos estímulos nervosos que surgem de mato mais vívida e rica que no adulto. Devemos
neira absolutamente real no sistema nervoso,
considerar errôneo esse critério por muitas caumas não chegam a se concretizar? Subentensas;
uma delas tem a ver com o fato, que já vide-se que adquirem o caráter de um conflito
mos, que a principal fonte do comportamento
entre o comportamento da criança e o meio
imaginativo é a experiência real. Como a resercircundante. Esse conflito provoca a doença va
de representações reais é extremamente poneurose ou psicose - quando a tensão é intenbre na criança, na mesma medida sua imaginasa e não encontra outro desenlace, isto é, se
ção, sem dúvida alguma, trabalha de forma mais
não é sublimado nem se transforma em outras
débil e pior que no adulto. Compreende-se, enformas de comportamento.
tão, que o comportamento imaginativo também
Por esse motivo, a sublimação, isto é, a
precisa de desenvolvimento e de educação,
realização socialmente superior das possibilidacomo todos os outros.
des que não se realizaram, também é uma res-ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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V IG O T S K I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A primeira tarefa dessa educação consiste em que - como já explicamos - correspondem à imaginação as mesmas funções que à
memória e, por isso, uma peculiaridade da
imaginação infantil é que a fantasia da criança ainda não está diferenciada de sua memória. Tanto uma como a outra surgem da recordação das reações, e ambas, de alguma maneira, condicionam essa fusão na criança. Toda
a experiência da criança ainda tem um caráter
instável, não-acabado e não-elaborado e, portanto, toda nova recordação será, até certo
ponto, deformada e inexata. Apesar de toda a
sua boa intenção e desejo, .acriança não está
em condições de reproduzir exatamente todos
os detalhes de sua experiência real. Sempre
ocorrerá uma involuntária tergiversação dos
detalhes, porque a criança não os percebeu ou
porque os inventou sob a influência do sentimento.
Essa invenção, essa mentira sincera, sempre estará presente, inclusive na recordação
do adulto. Nesse sentido, são muito eloqüentes e úteis os experimentos com depoimentos
de adultos e crianças. Ficou claro, nesses casos, que é impossível obter uma descrição fiel
e detalhada de qualquer testemunha ocular,
por mais exatamente que tenha observado o
fato e por mais honesta que ela se esforce por
ser, ao expor o que viu. Em seu depoimento
haverá muitos elementos que a própria pessoa aporta, e nos quais ela acredita piamente. A título de teste, apresenta-se às crianças
uma figura qualquer ou se lê um relato omitindo detalhes; depois disso, elas são interrogadas sobre o relato e, em geral, inventam os
pormenores. O mesmo sucede com os adultos quando presenciam um escândalo ou qualquer incidente, representado com esse propósito, e depois são questionados sobre os
detalhes do que aconteceu. Além de surgirem
lacunas na memória de todos, o que faz com
que os fatos adquiram nos depoimentos um
aspecto um tanto deformado, cada testemunha inventa alguns detalhes que não existiram, tergiversando assim os fatos.
Essas tergiversações involuntárias de nossa memória manifestam-se com particular clareza nas crianças e, embora a natureza psicológica de ambas as formas do comportamento
seja a mesma, no comportamento real sua função especial recai em cada uma delas e, por
isso, o professor deve traçar o limite mais preciso possível entre fantasia e realidade. Isso tem
a ver, em primeiro lugar, com a luta contra a
mentira infantil que, em conjunto, de forma
alguma deve ser compreendida como a mentira dos adultos, isto é, como um delito moral.
A origem da mentira infantil é a verdade
interna da vivência emocional. As crianças
mentem e essa é uma lei geral do comportamento infantil, mesmo quando para elas isso
não representa nenhuma vantagem nem constitui uma necessidade, graças ao fato de que a
vida emocional das crianças tem um caráter
de alta excitação; graças ao fato de que a paixão, como frisou Sechenov, é uma característica distintiva da infância, pois nessa idade a
criança ainda não elaborou a força moderadora que regula seu comportamento. Sua fantasia não conhece a repressão nem o autocontrole
e é extremamente impulsiva, realizando docilmente cada desejo emocional da criança. Por
isso, é freqüente que uma criança não relate o
que realmente aconteceu, mas o que gostaria
de ter visto na realidade. Portanto, nada evidencia tanto os desejos, as aspirações e os
anseios infantis quanto a mentira. James, com
extrema correção, chama a mentira infantil de
"engano sincero" e Hall'" observa que a mentira infantil é, acima de tudo, fantástica e heróica, raramente egoísta. A rigor, cada mentira
infantil deriva de um estado emocionalmente
elevado da criança, que se esforça naturalmente para exagerar o peso emocional de um acontecimento, fazendo com que tudo o que acontece lhe pareça "heróico", de acordo com seu
alto nível de paixão. Outras mentiras infantis
são o eco direto de desejos, como também
acontece com os adultos. A criança mente com
a mesma desenvoltura e naturalidade como vê
um sonho. É preciso decifrar e encontrar o fundamento de cada mentira infantil, e só então
poderemos avaliar esse ato e reagir a ele de
modo correto. Na mesma situação está a fantasia infantil, a crença em diversos seres fantásticos com os quais as babás assustam as
crianças, [a crença] em qualquer absurdo contado por um adulto.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
157
No capítulo sobre a educação estética [Capo plena realização e onde flui totalmente dentro
de seus próprios limites. Além de não minar o
13], relataremos mais detalhadamente o dano
sentido da realidade, ele desenvolve e exerci[que pode causar] esse fantasiar. Por isso, é preta todos os hábitos e.reações que servem para
ciso lutar de forma implacável contra esse sentielaborar esse sentido. Todos conhecemos os
mento pouco desenvolvido da realidade, e a edupapéis infinitamente diversos que os diferencação da fantasia deve ser realizada, acima de
tes objetos podem desempenhar no jogo infantudo, pela linha da elaboração do respeito à reatil. O quarto pode ser uma floresta, ou o conlidade. A criança deve ser educada com grande
vés de um barco ou um salão; a própria cadeirespeito pelo real, mas por real não se deve enra pode representar com idêntico êxito um catender o pequeno mundo que a rodeia. Aqui se
valo, ou um trem, ou uma mesa comum. Mas
trata dessa grande realidade que nos circunda,
o jogo é completamente inofensivo porque, ao
se não quisermos criar um pequeno-burguês e
suscitar emoções reais, ao reproduzir elemenum medíocre. Temos de admitir que, quando se
tos da experiência totalmente reais, continua
fica encerrado nesse estreito círculo dos interessendo apenas um jogo e não afasta a criança
ses imediatos, isso vai criando em crianças e adulda vida; pelo contrário, ele desenvolve e exertos uma forma de vôo curto, uma concepção
cita as aptidões que lhe serão necessárias na
miúda de vida, limitada e arrogante.
vida. É interessante frisar que o jogo está tão
O respeito pela grande realidade, porém,
não pode evitar a saída dos estreitos limites da
ligado à fantasia que as crianças preferem os
experiência pessoal, e para essa saída é precibrinquedos simples e toscos aos caros e sofisticados, que não deixam nenhum espaço para o
so contar com a ajuda do comportamento imaginativo. Conseqüentemente, a luta pela realitrabalho da fantasia infantil e exigem ser tratados com muito cuidado. Um brinquedo caro
dade não deve implicar a destruição da fantaexige da criança uma atitude passiva e não é
sia, mas apenas a exigência de que a fantasia
seja colocada em seu devido lugar, dentro dos
um objeto que possa servir de material adequado para desenvolver a fantasia. Gaupp afirlimites de suas próprias funções, e que o comportamento imaginativo esteja rigorosamente
ma o seguinte: "Em nenhum outro período da
condicionado e determinado. Em outras palavida a criança aprende tanto quanto nos anos
de suas brincadeiras infantis". 22
vras, a fantasia deve ter seu lugar, mas não
Não foi em vão que o professor K. N.
devemos esquecer que estamos apenas fantaKornilov adotou como epígrafe, no caso da pessiando. Um comportamento imaginativo é pequisa da psicologia do jogo infantil através de
rigoso quando nele coincidem todos os conflibonecas, as palavras de Rabindranath Tagore:"
tos entre a realidade e os sonhos e, porisso, é arriscado
renunciar
à luta real
e ceder à tentação de que qualquer situação
Um menino perguntou à mãe: "De onde vim,
difícil possa ser resolvida por meio de sonhos.
onde você me encontrou?" Entre lágrimas e
sorrisos, ela respondeu,
apertando seu
A entrega desmedida ao sonho distancia do
pequerrucho contra o peito: "Você estava esmundo real, enfraquece e paralisa a possibilicondido em meu coração como desejo, meu
dade de influenciar o mundo de forma ativa,
querido. Você estava na boneca de meus joperturba a escolha correta das reações necesgos infantis".
sárias no organismo, contribui para elaborar e
sustentar reações socialmente nocivas e vitalmente instáveis. A imaginação é sumamente
NOTAS
útil como servidora, porém é prejudicial como
amo porque, conforme a expressão de um psi1. Michail Vasilievitch Lomonosov (1711-1765)
cólogo, é parecida com o fogo.
foi o mais importante cientista e filólogo russo
A outra tarefa de educação da imaginado século XVIII. A principal universidade rusção consiste em desenvolver as funções positisa, em Moscou, tem seu nome.
vas que cabem à fantasia. O jogo infantil é a
2. Vladimir Vladimirovitch Maiakovski (18931930) foi o principal poeta soviético de vanesfera em que a fantasia encontra sua maisZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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excepcional
velocidade
todos os textos, por
guarda e um dos mais importantes do século XX.
mais complexos que fossem. Também existem
Foi um revolucionário
bolchevique
desde os
os "portadores de deficiência mental g e n ia is " .
13 anos. Suicidou-se por motivos que têm a
Uma dessas pessoas que conhecemos fazia cálver exclusivamente
com sua vida privada, coculos matemáticos
de multiplicação
e divisão
mo todas as evidências comprovam, e não por
de vários dígitos muito mais rapidamente que
estar decepcionado
com a situação política da
uma calculadora.
O leitor pode recordar o
URSS, como geralmente se afirma. Seu túmulo
autista do filme R a iti Man (1988), fielmente
está situado a poucos passos do de Vigotski.
A Editorial Platina de Buenos Aires publicou
interpretado
pelo ator Dustin Hoffman. Nossa
quatro grandes volumes com suas obras funconcepção da genialidade não coincide exatamente com a de Vigotski (cf. seu artigo "La
damentais.
(1929), em L. S. Vigotski, La
genialidad"
3. Vigotski podia fazer isso facilmente, e dessa
G e n ia lid a d y o tr o s te x to s in é d ito s , ed. de G.
forma ilustrava suas aulas sobre a memória.
Blanck, Buenos Aires: Almagesto, 1998).
Nesse caso há uma revelação pessoal: em seu
próprio procedimento.mnemotécnico,
ele usa6. É provável que essa seja uma referência ao livro de W Stern, P s y c h o lo g ie d e r fr ü h e n K in d h e it
va uma lista cronológica de escritores previa[ A p s ic o lo g ia
d a p r im e ir a
in fâ n c ia ] , Leipzig:
mente memorizada. Alguém que estiver treiQuelle-Meyer,
cuja versão russa é de 1922.
nado nessa técnica pode lembrar 250 palavras
sem erros significativos. Esse exercício mnernoWilliam Stern (Alemanha, 1871 - Estados Unidos, 1938) foi um filósofo e psicólogo que estécnico era um jogo de salão bastante difunditudou aspectos das psicologias infantil e difedo no século XIX. Como curiosidade, o poeta
rencial. Fundou a escola psicológica p e rso tia nacional da Argentina, José Hernández, deslis ta , que distingue
entre as pessoas e as coitacava-se no mesmo.
4. O caso citado e a conclusão que fecha o parágrasas: "O fato fundamental
do mundo [ ... ] são
fo foram extraídos de W James (cf.jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P r in c íp io s ... ,
as pessoas reais". Sua teoria está ligada à de
op., cit., p. 546-7). Este exemplo pode ser enPiaget e Vigotski, por levar em consideração a
totalidade da pessoa em vez de processos isocontrado em uma citação que James faz de
Coleridge: " B io g r a p h ia L ite r a r ia , 1847, I, 117";
lados. Stern e sua esposa emigraram para os
por sua vez, ela é citada por "Carpenter, M e n ta l
Estados Unidos quando o nazismo tomou o
P h is io lo g y , capo X". Esses são os dados oferecidos
poder na Alemanha.
por James. James era consciente de sua falta de
7. Vigotski se refere aqui ao livro de H. Ebbinghaus,
Ü b e r d a s G e d iid itis : U n te r s u c h u n g e n z u r e e x p e riprecisão no que se refere a referências. No prefácio de P r in c íp io s , diz o seguinte: "A bibliografiam e n te lle n P s y c h o lo g ie [ S o b r e a m e m ó r ia : U m a consinto muito - não é nada sistemática" (p. 4). Os
tr ib u iç ã o à p s ic o lo g ia e x p e r im e n ta l] ,
Leipzig:
autores aos quais James se refere são o poeta
Duncker und Humboldt, 1885. Utilizamos a traromântico inglês Samuel Taylor Coleridge (1772dução inglesa: M e m o r y . A c o n tr ib u tio n to e x p e r im e n ta l p s y c h o lo g y , Nova York: Dover, 1964,
1934) e o anatomista W B. Carpenter, cuja obra
F is io lo g ia m e n ta l foi publicada em 1881.
126 p. Hermann Ebbinghaus (1850-1909) foi
um psicólogo alemão que, em uma famosa con5. Ainda que essa afirmação
seja válida para
trovérsia com Wilhelm Dilthey, em 1894, demuitos músicos, não a consideramos
adequafendeu a psicologia experimental contra a "psida para o caso de Mozart. Aqui se fala de múcologia compreensiva"
[ v e r s te h e n d e P s y c h o lo sicos com memória musical muito desenvolvig u e ] , uma das "ciências do espírito" criadas por
da, e há vários músicos com boa memória que
Dilthey. Suas pesquisas sobre a memória estão
não se afastam da norma. Pois bem, justamenentre as melhores da história da psicologia. Sete Mozart n ã o é um bom exemplo, pois ele era
um gênio, isto é, uma pessoa que p r o c e s s a v a a
gundo Boring, op. cit., Ebbinghaus foi para a
Alemanha o que James foi para os Estados
in fo r m a ç ã o em s e u c é r e b r o d e u m a m a n e ir a s in Unidos. Quando Ebbinghaus morreu repentig u la r , à margem da norma e de uma forma ainda desconhecida pela ciência psicológica. Connamente de pneumonia,
considerou-se que a
psicologia alemã sofrera uma perda irreparável.
forme esse critério, não teriam sido gênios, por
exemplo, Kant, Beethoven ou Wundt, enquan8. Essa é uma referência a E. Meumann, O k o n o m ie
to Ramanujan, Charlie Parker e Vigotski podeu n d T e c h n ik d e s G e â iid u n is s e s
[ E c o n o m ia e té c n ic a d a m e m ó r ia ] ,
Leipzig: Klinkhardt, 1912.
riam ser considerados tais. Segundo Luria, por
Todas as vezes em que Vigotski menciona
exemplo, "Vigotski lia em diagonal" e com uma
P S IC O L O G IA
9.
10.
11.
Q
Q
Q
13.
14.
15.
16.
159
tal. Exerceu grande influência sobre Vigotski, que
Meumann neste capítulo, está se referindo a
escreveu três versões - uma em 1915 e duas em
essa obra.
Essa é uma referência a W. James,jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P rin c ip ie s ... ,
1916 - de uma monografia intitulada T ra g u e d ia
o G a m lie tie , p rin tsie D a tsk o m , U . S h ie k sp ira [A
op. cit., subcapítulo "La retentiva de cada quien
T ra g é d ia d e H a m le t, P rín c ip e d a D in a m a rc a , d e
es incambiable", p. 531 e segs.
W S h a k e sp e a re ], antes de fazer 20 anos. A verAnathon Aall (1867-1943) foi um filósofo e
são de 1916 dessa obra foi publicada pela pripsicólogo norueguês que concebeu a psicolomeira vez em 1965, como "Apêndice" à lª edigia como uma ciência empírica.
ção de P sic o lo g ia d a a rte : Moscou, Iskusstvo. O
Aqui, Vigotski refere-se
à comunicação
de
H a m le t de Shakespeare
e a É tic a de Spinoza
Peters e Nemecsek sobre a relação entre a evoforam os livros favoritos de Vigotski. Quando
cação e o desagrado,
publicada
na revista
Fortschritte der Psychologie und ihrer Anwense internou no hospital onde sabia que ia mordungen [Progressos na área da psicologia e
rer, Hamlet foi o único livro que levou consigo
(cf. G. Blanck, "Vigotski y Hamlet. Hacia una
suas aplicações], n 2, p, 226 e segs., 1914.
Peters já publicara em 1'911 seu artigo "Gefühl
Psicología del Arte", In te rc a m b io s. R e v ista d e
und Erinnerung" ["Sentimento e Recordação"],
P sic o lo g ía y C u ltu ra , n 3, 1995, Buenos Aires:
em PsychoI. Arb., n 6, p. 197 e segs. Wilhelm
Almagesto, p. 76-78).
17. Cf. a nota n 5 deste capítulo.
Peters (Viena, 1880-1963, Wurzburgo) foi um
médico, psicólogo experimental
e pedagogo
18. Kashchei é um personagem
dos contos populares russos, avaro, ruim e imortal.
alemão. Quando Hitler tomou o poder, Peters
foi expulso de seu trabalho na Alemanha por
19. No texto, Vigotski escreve literalmente "alucinação", porém preferimos utilizar o termo "fanser judeu. Exilou-se em Londres e, mais tarde,
em Istambul. Regressou à Alemanha em 1952,
tasia" devido ao contexto e à evolução semânonde continuou
trabalhando
até sua morte.
tica da palavra. É provável que esse exemplo
Não pudemos encontrar dados do co-autor da
tenha a ver com sua própria experiência biopresente referência. Nemecsek é um sobrenográfica: seus irmãos mais novos David (apelime de origem húngara e se pronuncia "Nérnedado Dodik) e Isaak, um ativo militante do
chek". Na versão russa original lê-se literalmenK o m so m o l, morreram em 1919 e 1920, respecte "Nernechka", genitivo de "Nernechov". Isso
tivamente (Cf. Vigosdkaia, comunicação pesexplicaria a sua transliteração
errônea, como
soal, 1988).
20. Medida russa que equivale a 1.067 metros.
se fosse um sobrenome russo, na edição norte21. Aqui, Vigotski refere~se a G. S. Hall, "The
americana de Silverman, que obviamente não
pôde encontrar esta referência.
contents
of children's
minds", P rin c e to n 's
Temístocles (528-462 a.C.) foi um dos mais
R e v ie w , 1883, vol. XI, p. 249-272. Granville
Stanley Hall (1844-1924) foi um dos criadoexímios estadistas atenienses.
Vigotski refere-se ao conto satírico de Tchekov,
res da psicologia norte-americana
e é consideU n a p e llid o d e c a b a llo (cf. A. P.Tchekov, C u e n to s
rado o fundador das psicologias evolutiva e
educativa. Listou toda a psicologia de sua époC o m p le to s, op. cit., p. 329-334).
ca, publicou 489 trabalhos e fundou a A m e ric a n
O sobrenome Ovsov é derivado de "aveia", em
P sy c h o lo g ic a l A sso c ia tio n .
russo.
Aqui c o rrig im o s u m e rro . No original diz o se22. Referência a Robert Gaupp, P sy c h o lo g ie d e s
K in d e s [P sic o lo g ia in fa n til],
Leipzig, 1908
guinte: "as 22 letras do alfabeto inglês", quan(ed. russa: 1909), obra citada em outros texdo na verdade este tem 26 letras. No Capo 10,
tos de Vigotski. R. Gaupp foi um psiquiatra
o mesmo erro é repetido e também o corrigimos. Trata-se de um descuido. Vigotski conheque escreveu sobre a dipsomania,
assassinacia suficientemente
a língua inglesa. Por outra
tos em massa e outros temas dessa especialiparte, sua irmã Zinaida, à qual era muito apedade médica.
23. [Sir] Rabindranath Tagore (1861-1941) foi um
gado, era especialista em Shakespeare
e lingüista, co-autora de vários dicionários de inpoeta hindu formado na Inglaterra. Recebeu o
glês (por exemplo, cf. O. S. Achmanova e Z. S.
Prêmio Nobel de Literatura em 1913. Aplicou
suas idéias filantrópicas
à educação em sua
Vigodskaia, R u sk o -A n g lisk i S lo v a r [D ic io n á rio
escola Santiniketan,
perto de Calcutá. Essa ciR u sso -In g lê s], Moscou: GIZ, 1962).
tação de Tagore pertence ao seu livro P e rso n a William Shakespeare
(1564-1616) é o mais
lid a d e , cuja edição russa é de 1922.
importante escritor do cânone literário ociden-ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Q
12.
P E D A G Ó G IC A
o P e n s a m e n to
SRQPONMLKJIHGFEDCBA
c o m o F o rm a d e C o m p o rta m e n to
P a rtic u la rm e n te C o m p le x o A
"
Em primeiro lugar, o psicólogo atual compreende perfeitamente bem o aspecto do processo do pensamento com que esta entra no sistema do comportamento como conjunto das reao zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
processo do pensamento figura entre
os problemas psicológicos mais difíceis e meções motoras do organismo. Todo ato de pensanos estudados." A psicologia só passou a se
mento, ligado a um movimento, provoca certa
ocupar dessas questões ultimamente, empetensão prévia da musculatura correspondente,
exprimindo a tendência a se realizar no movinhando-se em esclarecer, através da via experimental, todas as particularidades específicas
mento; quando se restringe ao ato de pensar,
que permitem distingui-lo das restantes formas
esse movimento não chega ao seu fim, não é
do comportamento. Até as últimas décadas
manifestado por completo e subsiste de forma
imperava a convicção de que o pensar, em eslatente, embora perceptível e ativa.
sência, seria apenas uma combinação mais
As observações mais simples indicam que
complexa e de ordem elevada de processos
um pensamento intenso sobre uma ação ou um
ato posterior manifesta-se, de forma compleassociativos comuns, isto é, uma simples cotamente involuntária, na pose ou no gesto,
nexão de reações verbais.
como se fosse o esforço preparatório e preliNo entanto, uma auto-observação mais
minar que nos dispomos a realizar. Um expericuidadosa, sob o controle do experimento e da
mento muito simples consiste no seguinte: o
medição exata, demonstrou que a composição
sujeito a ser testado está sentado com os olhos
do ato pensante é incomensuravelmente mais
fechados entre dois objetos, um deles situado
complicada, que ela inclui muitos componentes
à direita, e o outro, à esquerda. Propõe-se que
que só são inerentes a este e que não permitem
o sujeito pense intensamente em algum desses
reduzi-lo a um simples e livre fluir de imagens.
objetos e então, se esta condição for escrupuParalelamente a essas sutis auto-observações,
losamente cumprida, não é difícil adivinhar,
iniciadas e elaboradas sobretudo pela escola psipelo movimento dos globos oculares sob as
cológica de Wurzburgo," desenvolveu-se o estupálpebras, pela tensão da muscular do pescodo da natureza motora dos processos mentais,
ço, em qual objeto ele pensou. O movimento
ou seja, a captação dos sinais objetivos do pendos olhos e a tensão da musculatura sempre
sar que podem ser sujeitos à comprovação extercoincidem com a direção de seu ato de pensana e ao cálculo. Ambas as pesquisas estabelecemento. É como se o pensamento secreto se torram os mesmos fatos, a partir de enfoques difenasse traído e fosse possível adivinhá-lo com a
rentes, e permitiram estabelecer um novo critéinfalível exatidão que temos quando lemos.
rio sobre o processo do pensamento, que a atual
O mesmo experimento, que em geral se
psicologia considera um ponto de partida.
realiza no ambiente escolar, exige que o sujeito,
A NATUREZA
PROCESSOS
M aTaRA DO S
DE PENSAM ENT01
162
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
com os olhos fechados, segure na mão um peso
suspenso por um barbante e se esforce para
pensar e representar o balanço do peso, da direita para a esquerda. Após vários minutos, o
peso realmente começa a se movimentar na direção pensada, ainda que o próprio sujeito, em
geral, não consiga perceber os movimentos que
está produzindo. Continua afirmando que sua
mão está totalmente imóvel e, na verdade, os
movimentos não são efetuados por meio do esforço "voluntário" da mão, mas, sobretudo, pelas pontas dos dedos que apertam o barbante;
esse pequeno movimento realmente pode passar inadvertido para o sujeito.
Sobre fatos dessa índole, porém mais
complexos, construiu-se a leitura do pensamento alheio, que os psicólogos herdaram de prestidigitadores e artistas de variedades, mas que,
como muitas coisas provenientes desse âmbito, obteve um reconhecimento e um significado absolutamente indiscutível para a ciência.
A essência dessa leitura consiste em pedir que
alguém pense em um movimento ou em uma
serie de movimentos mais ou menos complicados, como escolher uma nota ao piano, pegar algum objeto de alguma pessoa presente
na platéia, entregá-lo a outra pessoa, escrever
uma palavra, mudar uma coisa de lugar, abrir
uma janela, etc. Ao mesmo tempo, à guisa de
controle, o pensado é escrito previamente em
uma folha de papel. O leitor do pensamento
costuma propor a quem está pensando que o
faça com a maior intensidade e tensão possíveis, estimulando sua atividade de pensamento e, depois, mediante operações simples, em
geral sem erros nem dificuldades, ele realiza o
que o sujeito pensou. O que acontece aqui é
como um processo de leitura dos músculos de
quem está pensando, similar a uma verdadeira leitura, isto é, a percepção do sistema de
determinados sinais externos conhecidos, que
são interpretados conforme seu verdadeiro significado. O leitor se situa diante do sujeito e
mantém suas mãos sobre os ombros de quem
pensa, faz com que ele se movimente e, sem
dificuldade, determina a direção em que deve
ser efetuada a ação pensada. Se o leitor se movimenta para o lado inadequado, depara-se
com a resistência da musculatura e, vice-versa,
quando acerta a direção correta, a musculatu-
ra revela uma evidente docilidade, como se
concordasse com as ações realizadas. Isso também ocorre no momento de uma detenção ou
de uma volta, porque essa docilidade termina
e, junto com os novos movimentos orientadores, o leitor escolhe a detenção ou a volta.
Mediante esses testes e apalpando os grupos musculares tensos, o leitor reconhece os
movimentos que estão preparados nos músculos do sujeito e, geralmente, chega a formas
sumamente completas e complexas, tornando
mais detalhadas essas técnicas. A partir dos
músculos, portanto, é possível tocar uma música inteira ao piano, escrever uma complicada operação aritmética, efetuar a entrega de
objetos em uma sala de teatro repleta. Em todos esses casos temos uma leitura muscular
real, que justifica por completo a afirmação de
um psicólogo norte-americano, de que pensamos com os músculos. Através disso, ele só
queria dizer que qualquer pensamento é realizado nas tensões musculares e que, sem esses
movimentos musculares, o pensamento não
existe.
Ao mesmo tempo, é notável que, quanto
mais concentrado e tenso é o pensamento,
mais clara e complexa é sua natureza motora.
A pessoa que pensa intensamente não se contenta com essas palavras silenciosas que pronuncia para si mesma. Começa a movimentar os lábios, às vezes murmura e começa a
falar em voz alta consigo mesma. Os atores
sabem bem que, psicologicamente, um monólogo equivale a interpretar previamente a
cena em profunda e intensa reflexão. Então,
sem perceber, a meditação se resolve por meio
de um discurso em voz alta. Isso costuma acontecer com as crianças, quando estão absortas,
pensando na solução de algum problema difícil; começam a ajudá-lo com os lábios e, nas
operações de multiplicação e divisão a, testa,
as faces e a língua também começam a participar ativamente.
Na verdade, todos os fenômenos da escrita automática, que assombraram muitos observadores nas denominadas sessões de espiritismo, também pertencem a esse grupo. Depois da cuidadosa comprovação realizada por
muitos cientistas, parece que nessas evocações
dos espíritos dos mortos estamos diante da ine-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
163
que, no segundo caso, quem passa tem uma
gável presença de uma escrita automática que
idéia totalmente vívida e clara da profundidapermanece inconsciente para os próprios parde, da possibilidade
de cair, idéia que na verticipantes da sessão. O fato de que aqui se
dade
ocorre
em
nove
casos de cada-dez.
'exterioriza a mesma natureza do processo de
Nisso se baseia o significado psicológico
pensamento
também
pode ser revelado
do corrimão nas pontes que atravessam um rio,
mediante os mais simples experimentos.
Duque foi evidenciado
diversas vezes pelos psirante uma sessão de espiritismo, que transcorcólogos. A rigor, praticamente
ninguém viu o
re sem dificuldade alguma, basta fazer ao "escorrimão das pontes salvar a vida das pessoas
pírito" - na verdade, aos próprios participantes
no caso de uma queda, isto é, quando uma
- uma pergunta que provoque opiniões diverpessoa que atravessa uma ponte perde o equigentes ou sobre a qual os presentes tenham uma
líbrio, é difícil que o corrimão a faça retomar
noção falsa. No primeiro caso, obtém-se uma
à posição segura. Em geral, as pessoas camiresposta confusa e contraditória; enquanto, no
nham perto dele, quase o tocam com o ombro
segundo, uma resposta evidentemente
errada.
e não se inclinam para seu lado. Mas é sufiSe você comunicar previamente
aos preciente retirar esse corrimão ou permitir a passentes que sua esposa morreu no Canadá dois
anos atrás, ainda que, felizmente,
ela esteja
sagem por uma ponte inacabada para que, infalivelmente,
haja acidentes. E o mais imporgozando de boa saúde na Europa, podemos
ter certeza de que, ante a pergunta sobre a
tante é que ninguém
se atreve a caminhar
esposa, o pires ou a mesinha espírita transmuito perto da borda da ponte. Nesse caso, a
mitirão
a mensagem
"Canadá"
e "morte".
ação dos corrimãos é puramente
psicológica.
Elas
eliminam
da
consciência
a
idéia
ou a reNumerosos experimentos
desse tipo mostraram que as respostas dependem diretamente
presentação
de uma queda e assim imprimem
da expectativa
de quem as prepara e realiza.
uma direção correta a nosso movimento. Esse
fenômeno é igual ao da vertigem e o do desejo
O próprio processo do transe espiritista não
de jogar-nos
que sentimos quando olhamos
passa de uma extraordinária
tensão da muspara baixo a partir de uma grande altura, isto
culatura dos dedos e de sua permanente
entué, a tendência a realizar o pensamento, a idéia
mescência, de modo que não se subordinam
que nesse momento se apodera com particuà nossa consciência mas, pelo contrário, torlar clareza e força da consciência.
nam-se sumamente dóceis para a estimulação
Por isso, o pior procedimento
pedagógiautomática
do pensamento.
Ao mesmo temco
consiste
em
inculcar
com
força
e
insistência
po, as mãos dos presentes
costumam
estar
na consciência do educando todos os atos que
entrelaçadas
e, por isso, o tremor ou o movinão deve realizar. O preceito "não faça tal coimento que se inicia em um extremo difundesa" já representa um impulso para realizar esse
se facilmente e parece se transformar
em um
ato, porque introduz na consciência
a idéia
movimento generalizado.
desse
ato
e,
portanto,
a
tendência
a
efetuá-Io.
Na área da psicologia estabeleceu-se
há
Thorndike destaca corretamente
que os
muito tempo o fato muito significativo de que
preceitos morais comuns nos manuais de motodo pensamento
em um movimento provoca
ral dos colégios secundários
franceses são alesse mesmo movimento. Nos fatos, quando se
tamente prejudiciais. A descrição detalhada de
propõe a uma pessoa normal que passe por
atos imorais, dos quais os professores desejam
uma tábua que está no chão, certamente
toproteger seus alunos, na verdade só ajudam a
das concordarão
com essa proposta e farão o
gerar em sua consciência um certo desejo e a
teste sem o menor risco de fracasso. Mas basta
tendência
a realizá-los.
Por isso - conclui o
imaginar que essa mesma tábua esteja estenautor - seria sumamente
prejudicial esclaredida do sexto andar de um edifício até o sexto
cer e descrever detalhadamente
por que o suiandar de outro, ou sobre um precipício nas
cídio é errado, como fazem os autores desses
montanhas,
para que a quantidade
de travesmanuais.
A literatura
oferece uma enorme
sias felizes pela tábua se reduza ao mínimo. A
quantidade
de exemplos de situações e casos
diferença em ambos os casos se explica por-SRQPONMLKJIHGFEDCBA
164
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
em que o intenso temor ou a apreensão ante
algo provoca a ação vinculada ao perigo. No
livro O ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
i d i o t a , de Dostoievski," o medo que sentia o príncipe Mishkin de quebrar uma jarra
muito valiosa em um baile faz com que, com a
certeza de um sonâmbulo, isso realmente ocorra, isto é, a idéia que está continuamente na
consciência se realiza na ação. Não existe melhor forma de obrigar uma criança a quebrar
um copo que lhe dizer diversas vezes: "cuidado para não quebrar" ou "certamente você vai
quebrá-lo",
Se passarmos para formas de comportamento mais amplas e complexas, devemos dizer que a natureza motora do processo de pensamento não se esgota nesse grupo de fatos.
Temos aquilo que, na área da psicologia, é denominado de atos ideomotores, ou seja, representações do movimento de tal tipo que imediatamente elas se realizam através do próprio
movimento.
As denominadas
sensações
cinestésicas fazem parte de outro grupo de fenômenos do mesmo tipo; elas foram descobertas e estudadas com particular dedicação durante as últimas décadas, sobretudo pela psicologia norte-americana.
Os psicólogos chamam de cinestésicas as excitações e vivências
ligadas aos movimentos de vários órgãos do
ser humano e que parecem prestar conta ao
ser humano de seus próprios atos. Toda a nossa musculatura, articulações e tendões, assim
como quase todos os tecidos, são atravessados,
nas mais profundas camadas internas, por
finíssimas ramificações nervosas que nos comunicam o movimento e a posição dos órgãos
com a mesma precisão com que os órgãos externos nos comunicam a posição e os movimentos dos objetos do mundo externo. Ao
mesmo tempo, as sensações cinestésicas estão
quase sempre ligadas ao campo proprioceptivo,
que já mencionamos [no Capo 3J.
Essas sensações cinestésicas, como mostra a análise psicológica, constituem o componente essencial de nosso processo de pensamento e até mesmo do ato volitivo. Para realizar qualquer movimento é preciso que, na nossa consciência, esteja presente previamente a
imagem ou a lembrança dos estímulos que estiveram vinculados a esses movimentos. Portanto, a opinião geral dos psicólogos é de que
todo movimento voluntário se produz inicialmente como se fosse involuntário, para provocar a correspondente reação cinestésica, ou
seja, a correspondente excitação interna. E só
depois, mediante a renovação dessa reação, é
possível haver a repetição do movimento sob
a forma de um ato voluntário. Na composição
inexpressável e complexa que determina nosso pensamento ou representação de qualquer
objeto, as vivências cinestésicas desempenham
um papel decisivo. [As vivências cinestésicas]
não estão localizadas com precisão, parecemnos algo interno que não é semelhante a outros estados porque, de fato, elas têm uma natureza nervosa totalmente diferente e um material de percepção também distinto.
A presença desses componentes cinestésicos em qualquer movimento consciente foi
confirmada pelos experimentos de Ber,' que
ensinou sujeitos experimentais a movimentar
as orelhas e a realizar outros movimentos que
geralmente são involuntários; ao mover suas
orelhas por meios mecânicos, criava a reação
cinestésica que posteriormente permitiria que
eles realizassem essa ação por sua própria iniciativa e desejo.
Por último, o terceiro grupo desses fenômenos pertence ao âmbito do pensamento e
da representação de objetos, coisas e relações
que, à primeira vista, são difíceis de conceber
cristalizados em um movimento. Em outras
palavras, a dificuldade reside em estabelecer
a natureza motora de pensamentos dirigidos
não a um movimento, mas, por exemplo, a uma
alta torre quadrangular, à cor azul, a um enorme peso. Entretanto, é fácil se convencer de
que, também nesses casos, estamos diante de
uma série de movimentos rudimentares que
dificilmente podem se exteriorizar, ainda que
existam. Na maioria das vezes se trata de movimentos dos órgãos da percepção que, em
determinado momento, acompanharam a percepção de algum objeto. Por exemplo, quando
pensamos em algo muito sonoro ou suave, realizamos, de forma rudimentar, os mesmos
movimentos necessários para adaptar o ouvido e a cabeça à percepção desses sons em nossa experiência vital. Quando pensamos em um
círculo, grande ou pequeno, com a musculatura dos olhos efetuamos os mesmos movimen-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
165
tos adaptativos
[necessários]
para focalizar
poesia, guardamos silêncio e pronunciamos
as
palavras para nós mesmos. Essa retenção da
esses objetos que, em algum momento, realmente percebemos.
fala em um órgão interno, o fato de não conInclusive as relações do pensamento mais
cluí-Ia, adquiriu um significado particularmente amplo e importante
na comunidade
humaabstratas e difíceis de traduzir para a linguana, devido à extraordinária
complexidade das
gem do movimento,
como certas fórmulas
inter-relações que surgem nela, até mesmo nas
matemáticas, enunciados filosóficos ou leis lógicas abstratas, em última instância também
primeiras etapas culturais.
estão ligadas a alguns resquícios de movimenInicialmente,
qualquer reflexo é realizatos que existiram e são reproduzidos novamendo em toda a sua plenitude, em todas as suas
te. Se imaginarmos a paralisação total da muspartes. Temos o esquema completo do moviculatura, a conclusão natural disso seria a inmento; a criança antes aprende a falar e, deterrupção completa de toda-atividade
de penpois, a pensar. É sumamente
importante
que
samento.
.
um professor saiba que nos fatos não acontece
Cabe separar especialmente
um grupo de
o que se pensava anteriormente,
isto é, a crianmovimentos internos, nos quais são realizados
ça primeiro começa a pensar e depois aprende
os pensamentos
e cuja importância é substanas palavras para exprimir seus pensamentos'?
cial no comportamento
humano. É o grupo das
O primeiro pensamento
da criança está ligado
denominadas ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r e a ç õ e s f o n o m o t o r a s , isto é, de
aos seus primeiros sons ainda não bem articumovimentos
reprimidos,
não-manifestos,
do
lados. Seu pensamento
tem uma origem seaparelho de fonação, que consistem em elecundária. Surge apenas quando a criança, rementos complexos de reações respiratórias,
primindo os sons, aprende a cortar o reflexo
musculares e sonoras e que formam a base de
antes da última terceira parte e o retém dentodo pensamento
humano
[ ... ]; seria muito
tro de si.
correto chamá-los de s i s t e m a da f a l a i n t e r n a
Nesse caso, é sumamente
importante leou f a l a s i l e n c i o s a . A
var em consideração
as conseqüências
psicoÉ curioso que o ser humano primitivo, nos
lógicas essenciais que derivam desse fato. Seprimeiros estágios da civilização, tenha idenria fácil representar
as coisas como se o refletificado o pensamento
e a fala, em total conxo cortado nas duas terceiras partes se distincordância com os dados científicos, definindo
guisse do reflexo completo apenas quantitatio pensamento
como "conversa com nosso abvamente, por não ter sido levado até o final.
dome" ou, de acordo com a Biblia, "conversa
No entanto, ao mesmo tempo também se mocom nosso coração"." O pensamento é uma condifica de forma radical a natureza psicológiversa escondida em algum órgão interno, nãoca e, junto com ela, seu propósito biológico e
social.
acabada e que não se dirige a ninguém exceto
à própria pessoa pensante; essa é uma definiEmbora seja verdade que todo pensamenção que poderia ser aceita tanto por um hoto é fala, também é certo que a fala interna é
mem [selvagem] quanto por um cientista modiferente da externa por sua própria natureza
derno. A isso se referia Sechenov quando defipsicológica. Essa diferença pode ser reduzida
niu o pensamento
como as duas primeiras tera dois pontos fundamentais:
o primeiro conças partes do reflexo psíquico ou como um resiste no fato de que, em todo reflexo, temos
flexo cortado em dois terços; ele estava penuma espécie de três pontos de sustentação nos
sando em um reflexo não-acabado,
inibido em
quais o arco reflexo se apóia e nos quais ocorsua parte externa.
re a descarga intensiva e o gasto de energia
A observação
mais simples e cotidiana
nervosa. Em geral, essa descarga é iniciada em
mostra que isso realmente
acontece. Quando
qualquer órgão periférico, devido a um impulnos esforçamos para lembrar uma determinaso ou estímulo externo, um raio de luz, uma
da melodia, perceberemos
que a estamos canrajada de ar, etc. Depois ela é elaborada no
sistema nervoso central e no efetor periférico
tando para nós mesmos. Quando nos concende resposta.
tramos para recordar as palavras de uma certa SRQPONMLKJIHGFEDCBA
i
, iSRQPONMLKJIHGFEDCBA
166
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
I!!
I
Ao mesmo tempo, os psicológicos puderam estabelecer que o gasto de energia no ponto central do sistema nervoso e no órgão executor está em uma relação inversa. Quanto
mais intenso e grande for o gasto de energia
central, mais fraca e menor será sua manifestação externa e vice-versa: quanto mais intenso for o efeito externo da reação, mais débil
será o componente central. O organismo parece dispor de um fundo de energia nervosa. Aparentemente, cada reação se realiza nos limites
r'
de um orçamento energético determinado. E
qualquer intensificação ernaior complexidade
I'
do componente central é pago com o correspondente enfraquecimento do movimento de
resposta do órgão efetor. O professor K. N.
Kornilov denominou tal princípio de "princípio de gasto uni polar de energia", e ele foi formulado com base em experimentos precisos
com diferentes tipos de reação."
A essência do experimento do professor
Kornilov consiste em que se meça a quantidade de energia gasta durante a reação enquanto o ato mental vai se tornando gradualmente
mais complexo. Propõe-se que o sujeito do teste
reaja a uma campainha pressionando um determinado botão. Depois, pede-se que ele não
reaja antes de reconhecer uma campainha que
lhe foi mostrada antes do início do experimento. Posteriormente, se pede que ele reaja a uma
campainha com a mão direita e à outra com a
mão esquerda.' Em outras palavras, entre os
componentes da percepção da excitação e o
movimento de resposta do órgão efetor, é introduzido na reação um processo mental de
reconhecimento, de diferenciação ou de escolha que, como já tinha sido demonstrado pelas
pesquisas de Wundt, se exprime pela crescente duração da reação ou, como foi demonstrado pelas últimas pesquisas, pela queda de sua
intensidade.
Em outros termos, se só devemos realizar um movimento depois de termos compreendido bem o sinal ou escolher entre este ou
aquele sinal, nosso movimento fica mais fraco
e menos enérgico do que quando temos de reagir diretamente depois do sinal.
Por outro lado, a pesquisa demonstrou
II
, ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que essa diminuição do gasto de energia periférica está em uma relação matemática direta
I
I
11
'111'
:tI
com a quantidade total de energia que pode
ser consumida durante uma reação e, portanto, pode servir para medir a energia gasta durante um determinado processo mental. Se
admitirmos que, durante a reação a um sinal
simples, o sujeito gasta A unidades de energia
e, durante a reação de escolha entre dois sinais, gasta uma quantidade B, teremos então
A-BZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A
Essa será a medida da energia psíquica
que o ato de escolha entre dois sinais consurruu nesse caso.
As mais simples observações também demonstram que é difícil combinar algum trabalho físico intenso com operações mentais complexas; não é possível resolver problemas complicados enquanto corremos rapidamente pela
sala. Não é possível se concentrar e pensar e,
ao mesmo tempo, cortar lenha. Cada membro
provoca uma espécie de espasmo, de entumescência e, por sua própria natureza, paralisa e
detém o movimento. Por isso, uma pessoa
meditativa sempre tem o aspecto de ter se detido; e, se algo nos surpreende intensamente,
com certeza detemos nosso movimento. Portanto, fica estabelecido que, ainda que o pensar seja movimento, também - e por mais estranho que possa parecer -, é detenção do
movimento, isto é, uma forma do movimento
em que a maior complexidade dos componentes centrais da reação enfraquece e tende a
anular todas as manifestações externas.
Daí os psicólogos extraem, entre outras
coisas, uma conclusão extraordinariamente importante para a pedagogia: a combinação entre o trabalho físico e o mental, que é considerada o fundamento da pedagogia do trabalho,
não deve ser entendida de forma alguma como
uma síntese simultânea de ambos. Cavar um
buraco em uma horta e escutar simultaneamente uma aula de botânica, lixar uma tábua
na oficina de carpintaria e, ao mesmo tempo,
estudar a lei da composição e decomposição
das forças equivale - como o professor K. N.
Kornilov já demonstrou - a cavar maio buraco e a assimilar erroneamente a botânica, a
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
167
duzir uma mudança nos elementos do meio. A
tergiversar a lei do paralelo gramo de forças e
reação que não se manifesta até o final, resoltambém a estragar a tábua. Do ponto de vista
vida
dentro do próprio organismo, naturalmenpsicológico, a combinação entre teoria e prátite não pode desempenhar
essa missão: ou se
ca na educação deve implicar apenas a altertorna biologicamente
desnecessária
e, junto
nância planejada e de acordo com o objetivo
com os dejetos psíquicos, vai se atrofiando e
dos diversos tipos de trabalho, que efetue de
destruindo
no processo de desenvolvimento,
forma harmônica
o gasto rítmico de energia
ou deve obter um significado totalmente novo
em ambos os pólos de nosso organismo.
e um novo sentido. Por isso, graças ao ato de
Justamente
por denotar a forma superior
que essa reação se resolve completamente dende atividade orgânica e de vida, o ritmo repretro do organismo,
adquire o significado e o
senta uma espécie de alternância de movimenpapel de excitante interno de nossas novas reto e repouso e, por isso, garante a perfeição e
ações.A É como se o sistema de nossos pensaa continuidade
do movimento.
Do ponto de
vista psicológico, o ritmo' não passa da mais
mentos organizasse
previamente
nosso comperfeita forma de síntese entre movimento e
portamento e, se primeiro se pensa e depois se
repouso. Por esse motivo, o inigualável e asage, isso não implica outra coisa que essa dusombroso trabalho dos incansáveis músculos
plicação e maior complexidade
do comportade nosso coração só é possível graças ao carámento, quando a reação interna do pensamento primeiro prepara e adapta o organismo, e
ter rítmico de suas batidas. Ele bate a vida indepois as reações externas efetuam o que foi
teira sem cessar só porque bate por impulsos e
descansa depois de cada batida. Assim, o prinestabelecido
e disposto antecipadamente
no
cípio de certa atividade rítmica na educação
pensamento.
O pensamento
age como o orgase transforma
em algo psicologicamente
nenizador prévio de nosso comportamento.
cessário para a teoria e a prática da escola
profissionalizante.
COM PORTAM ENTO
Se aplicado à explicação psicológica da atiC O N S C IE N T E E A V O N T A D E
vidade de pensar, esse princípio do gasto unipolar
de energia explica que a ruptura do reflexo em
Superficialmente
pode parecer que, com
suas duas terças partes é compensada com o reo
estabelecimento
da
natureza
motora e refleforço e a maior complexidade de sua parte cenxa de nossos processos de pensamento, supri-ZYXWVUTSRQP
tral, ou seja, com a elaboração à qual é submetim e - s e toda a diferença
entre o tipo de comda, no sistema nervoso central, toda a excitação
portamento racional ou consciente e o tipo reque vem de dentro. Isso significa que, graças à
flexo ou instintivo. Surge, então, a idéia de que
ruptura e à repressão do reflexo, isto é, graças à
a psique e a conduta humanas estão submetiinterrupção da reação completa no pensamento,
das, de acordo com essa concepção, a uma innossa reação ganha em flexibilidade, precisão e
terpretação
mecânica; que está sendo detercomplexidade de suas inter-relações com os eleminado
um
critério do organismo
humano
mentos do mundo e, ao mesmo tempo, nossa
autômato que reage com determinadas
ações
ação pode ser realizada de formas infinitamente
a
certos
estímulos
do
meio.
Assim
como
Desmais elevadas e sutis.
cartes? definiu os animais como mecanismos
A outra diferença entre o pensamento
e
móveis e negou que eles tivessem alguma ania reação completa reside em que, no papel de
mação ou psique, os psicólogos contemporâmovimento interno, essa reação perde o signineos tendem a compreender e interpretar o ser
ficado de toda reação como um movimento dihumano do mesmo modo. Entretanto, a enorrigido para dentro e adquire o significado comme diferença entre a experiência humana e a
pletamente
novo de organizador
interno de
animal evidentemente
refuta esse critério.
nosso comportamento.
Na verdade, uma palaQuando estabeleceu as peculiaridades do
vra dita em voz alta, como qualquer movimentrabalho
humano, Marx frisou a enorme difeto do organismo, sempre se dirige a algo que
rença psicológica que distingue o trabalho do
está fora de nós e sempre tende a criar ou pro-SRQPONMLKJIHGFEDCBA
o
rSRQPONMLKJIHGFEDCBA
\
168
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
ser humano do trabalho do animal. Na análise
do comportamento racional ou consciente, o
mais conveniente é partir de [do seguinte]:
! .
forma total e exaustiva pelo papel interno que
cabe aos nossos pensamentos.
Muitas vezes nos deparamos com o fato
de que a parte de resposta de qualquer uma
das nossas reações pode se transformar em
Uma aranha realiza operações que fazem lemestímulo de uma nova reação, como ocorre no
brar as do tece dor, e uma abelha que constrói
mecanismo em rede do instinto. Como resposas células de sua colméia deixaria mais de um
ta à excitação por meio da carne, um cão semestre-de-obras envergonhado. Mas o que
creta saliva e, sob a influência de um novo esdistingue vantajosamente o pior mestre-deobras da melhor abelha é que a primeira motímulo surgido ao mesmo tempo, ou secreta
delou a célula em sua mente antes de consou engole saliva, de modo que a parte de restruí-Ia na cera. No final do processo de trabaposta de um reflexo - a secreção de saliva - se
lho , obtém-se um resultado
que, antes do iní-A transforma em estímulo do seguinte.
,
cio do processo, existia idealmente, ou seja,
Essa transferência dos reflexos de um sisna consciência do trabalhador. [K. Marx, O ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tema para o outro é justamente o mecanismo
C a p i t a l , op. cit., p. 216.]
básico com o qual funciona o que é chamado
de nossa v o n t a d e c o n s c i e n t e . Um ato volitivo
A construção do tecido ou da célula ainpressupõe inexoravelmente a existência préda pertence totalmente às formas do comporvia em nossa consciência de alguns desejos,
tamento instintivo, isto é, da adaptação passivontades e tendências, vinculados à represenva do organismo ao meio, que não se distintação do fim último ao qual aspiramos e à regue de forma alguma do mecanismo que, do
presentação dos atos e ações que devemos remesmo modo, digere o alimento no estômago
alizar para alcançar nosso objetivo. Assim, a
ou nos intestinos humanos. O comportamento
dualidade se encontra na própria base do ato
do ser humano realmente inclui um componenvolitivo, e essa dualidade se torna particularte novo e essencial, que é a presença prelimimente notória e evidente quando vários motinar na mente dos resultados do trabalho, como
vos, várias tendências opostas, colidem em
estímulo orientador de todas as reações. É fánossa consciência, e esta tem de escolher encil perceber que aqui se trata de certa duplicatre essas diversas tendências e motivos.
ção de nossa experiência.
Para a nossa observação, a luta entre esA construção humana se distingue da da
ses motivos parece ser a prova mais convincenabelha só porque o ser humano constrói duas
te e direta da existência do livre-arbítrio. O ser
vezes: a primeira em seus pensamentos e dehumano nunca se sente tão livre para proceder
pois nos fatos. Daqui deriva a ilusão de uma
segundo seu arbítrio como quando se depara
vontade livre e consciente. No ser humano
com várias possibilidades e comportamentos siatuante surge a impressão de que seus atos posmultâneos, e ele, como se fosse por um ato livre
suem um duplo caráter: primeiro deseja, deda vontade, opta entre eles. Mas nenhum dos
pois faz. A ilusão acentua-se ainda mais pelo
atos de nossa psique é tão adequado, quando
fato de que o primeiro componente pode se
fazemos uma análise objetiva, para descobrir a
desligar do segundo e ser realizado indepenverdadeira determinação e falta de liberdade
dentemente dele. Tem-se a impressão de que a
com o ato de luta entre motivos. É sumamente
vontade ou o desejo, o esforço volitivo livre,
fácil compreender que, do ponto de vista objesão totalmente independentes e não estão sutivo, a presença de um motivo volitivo não pasbordinados ao movimento real. Posso querer
sa de uma excitação interna que nos impulsiolevantar a mão e, ao mesmo tempo, ter consna para uma determinada ação. A colisão siciência de que ela está amarrada e, portanto,
multânea entre vários motivos implica o surgique o movimento não pode ser realizado. Em
mento de várias excitações internas que lutam
todos esses casos estamos diante de uma ilupela via fundamental com a força espontânea
são cuja natureza psicológica se esclarece de
dos processos nervosos. Ao mesmo tempo, o
P S IC O L O G IA
desenlace da luta sempre está predeterminado,
por um lado, pela força relativa das partes em
combate e, por outro, pelas condições da luta,
criadas a partir do equilíbrio geral de todas as
forças dentro do organismo.
A antiga história filosófica sobre o asno
de Buridan,"? que morreu de fome entre duas
pilhas de feno só porque não pôde decidir entre as duas, tem um profundo significado psicológico. Na verdade, esse caso é totalmente
impossível, pois é difícil ocorrer na realidade
um equilíbrio total entre duas excitações. Além
disso, a experiência prévia do asno exerceria
uma influência decisiva, pois ele está habituado a encontrar seu alimento do lado direito ou
do esquerdo. Mas, teoricamente,
essa história
exprime a idéia psicológica correta de que,
diante de um pleno e ideal equilíbrio de todos
os motivos, orientados em direções opostas, obtemos uma total inação da vontade, e, nesse
caso, o mecanismo psíquico funcionará segundo todas as leis da mecânica exata que deixam
em repouso o corpo que se encontra sob a ação
de suas forças iguais com sentidos opostos.
Conseqüentemente,
o ato volitivo pleno
deve ser entendido
como o sistema de comportamento
que surge graças às pulsões instintivas e emocionais do organismo, e está totalmente predeterminado
por elas. Na verdade, o aparecimento
dos desejos na consciência sempre é causado por certa mudança no
organismo.
O que costumamos
chamar de
desejos sem motivo só o são porque sua causa está oculta para nós ou escondida na esfera inconsciente.
Além disso, essa tendência
em geral se refrata em processos mentais complexos: tenta dominar nossos pensamentos
porque o pensamento
é o acesso ao comportamento, e quem domina os acessos também
se apodera da fortaleza.
Portanto, o pensamento é uma espécie de mecanismo transmissor entre os desejos e o comportamento,
e ele
guia o comportamento
em função dos motivos e impulsos que provêm das bases profundas de nossa psique. Por esse motivo, para a
psicologia,
a plena determinação
de nossa
vontade é a premissa completamente
fundamentada e principal para uma análise científica de seus processos. Os fenômenos sem mo-A
169
P E D A G Ó G IC A SRQPONMLKJIHGFED
tivo e indeterminados
não podem ser objeto
de um estudo científico nem de afirmações
científicas.
A P S IC O L O G IA
D A L IN G U A G E M
A forma mais fácil e simples de esclarecer os mecanismos do processo do pensamento e da vontade, antes descritos, é o exemplo
particular da linguagem, que constitui o elemento básico realizado por nosso pensamento
como sistema de organização interna da experiência. Do ponto de vista da psicologia, a linguagem individual e racional passa por três
etapas diferentes de desenvolvimento.
Originariamente,
a linguagem surge do
grito reflexo que é completamente
inseparável
dos outros sinais emocionais e instintivos do
comportamento.
É simples demonstrar
que,
nos estados altamente
emocionais - o medo,
a ira, etc. -, a linguagem
é uma espécie de
parte do comportamento
biológico geral de
movimentos adaptativos,
que de forma particular desempenha
a função de expressão, por
um lado, e de coordenação
do comportamento, por outro. O grito expressivo está diretamente ligado à respiração
expressiva, isto é,
gritamos
tal como respiramos.
Entretanto,
mesmo nas etapas mais precoces do desenvolvimento, o grito não se limitava a isso. No
comportamento
gregário
do animal, era o
meio de pedir ajuda, o sinal do chefe ao rebanho, etc.
Nessa etapa do grito reflexo, aparece de
forma primitiva a voz humana. A criança recém-nascida grita porque a rajada de ar agita
suas cordas vocais. Nos primeiros dias de vida
fica determinado
e formado o caráter reflexo
do grito infantil. É provável que a linguagem
dos animais inferiores fique estagnada nessa
etapa. Mas nos primeiros meses de vida surge
outra etapa da linguagem,
que se estrutura
segundo todas as leis da educação do reflexo
condicionado.
A criança percebe seu próprio
grito e, depois dele, percebe uma série de estímulos, como a proximidade
da mãe, a amamentação, a troca de fraldas, etc. Graças à freqüente coincidência desses fatos, forma-se na
170
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
criança um novo vínculo condicionado, e ela
começa a exigir a presença da mãe com um
grito reproduzido especialmente para isso. Aqui
aparece pela primeira vez a linguagem como
tal, em seu significado psicológico, como vínculo entre uma determinada ação do organismo e o significado que depende dela. O grito
da criança já possui um significado porque exprime algo compreensível para a própria criança e para sua mãe.
No entanto, nessa etapa a linguagem ainda é sumamente limitada. Só é compreensível
para quem fala, isto é,- está totalmente determinada e limitada por esse vínculo condicionado que existe na experiência individual do
ser humano. Essa é a linguagem dos animais.
Sabe-se que os animais aprendem a compreender o significado das palavras e relacionam
determinados sons às próprias ações ou às
alheias; por exemplo, deitar-se, levantar-se,
fazer algo de acordo com a voz do dono. 11 Essa
linguagem, porém, se distingue da humana
pelo fato de que, para a elaboração da comI'
preensão de seu significado, em cada oportu:I Ill .
nidade ela deve passar pela experiência individual do animal, graças a esse vínculo condicionado que deve surgir entre o som e a ação.
Em outros termos, a compreensão dessa linguagem limita-se apenas àquele cuja consciên"
I',SRQPONMLKJIHGFEDCBA
cia individual dela participa.
A psicolingüística demonstrou que todas
as linguagens-existentes também passaram por
essa etapa e que todas as palavras que surgem
na linguagem são criadas dessa maneira. É
muito fácil observar que, na linguagem moderna, existem palavras de dois tipos. Algumas
palavras ligam, de forma totalmente evidente
para nós, certos sons a um determinado significado, enquanto outras, pelo contrário, realizam essa ligação de maneira totalmente incompreensível. Se tomarmos palavras como laranjeira e castanheira [árvores] e alaranjado e
castanho [cores], é fácil ver que, no primeiro
grupo, para nós é totalmente incompreensível
que o som "laranjeira" denota justamente uma
laranjeira; podemos imaginar facilmente que,
em certas condições, poderíamos designar com
a palavra "laranjeira" um castanheiro, e viceversa. Por outro lado, quando dizemos "alaranjado" e "castanho", não ouvimos apenas os sons
:
1i
e não compreendemos apenas seu significado,
mas [também] entendemos a causa pela qual
esses sons designam justamente essas cores.
Para nós, seria absurdo chamar de "castanho"
uma cor alaranjada e chamar de "alaranjado"
uma castanheira, porque "alaranjado" significa parecido com a cor da laranja, e "castanho"
designa a cor da fruta da castanheira.
Conseqüentemente,
os psicolingüistas
diferenciam três elementos na palavra: o som,
o significado e a imagem, entendendo por "imagem" o vínculo que existe entre o som e o significado, isto é, uma espécie de esclarecimento de por que uma determinada palavra está
relacionada a um determinado som. Na linguagem, as palavras se diferenciam pela presença
ou pela ausência desse terceiro elemento. Ao
mesmo tempo, as pesquisas etimológicas têm
demonstrado que, embora uma palavra tenha
perdido sua imagem, em seu significado anterior ela existiu e que, portanto, nenhuma palavra surge casualmente; em nenhuma parte o
vínculo entre o sentido e o som é arbitrário e
sempre radica nessa proximidade de dois fenômenos semelhantes, que pode ser percebida facilmente na origem de palavras como "celeste'?" e "castanho". Uma palavra nova, nesse
caso, designa o vínculo que há entre determinados objetos, e esse vínculo, determinado pela
experiência, sempre está presente na origem
de cada palavra.
Em outros termos, qualquer palavra, no
momento de seu aparecimento, possui uma
imagem, ou seja, uma motivação de seu sentido, evidente e compreensível para todos. Além
de significar, a palavra também indica por que
significa. Pouco a pouco, no processo de crescimento e desenvolvimento da linguagem, a
imagem vai se extinguindo, e a palavra conserva apenas o significado e o som. Isso quer
dizer que a diferença entre as palavras de
ambas as espécies se reduz à crescente diferença entre as palavras: as mais jovens possuem imagens; nas mais velhas, quase se apagaram, mas, se forem examinadas com atenção, suas imagens podem ser descobertas facilmente. As palavras profundamente antigas
só revelam sua imagem depois de cuidadosas
escavações históricas dos significados e das formas que as originaram.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
171
Mas o mais curioso para a psicologia da
Para demonstrar
como ocorre esse prolinguagem é o fato de que a linguagem realicesso de extinção, devemos mostrar de que
za duas funções totalmente diferentes: por um
maneira a palavra passa da etapa inicial da linlado, serve como meio de coordenação social
guagem, apta apenas para seus criadores, para
da experiência das pessoas; por outro, é o inslinguagem nacional de uma determinada
potrumento
mais importante
de nosso pensapulação. A extinção da imagem ocorre porque
a palavra é utilizada em vínculos muito mais
mento.
Sempre pensamos em alguma linguagem,
amplos que os iniciais. Se tomarmos termos
isto é, conversamos conosco mesmos e organicomo "tinta" [chiemila]
e "bonde movido a
zamos nosso comportamento
interno da mesma
cavalos", é fácil perceber a imagem que lhes
maneira que organizamos nosso comportamenserve de base. No entanto, atualmente falamos
to de acordo com o comportamento
das outras
sem constrangimento
[ ... ] de tintas vermelhas,
pessoas. Em outros termos, o processo de pensaazuis ou verdes, ou de bondes a vapor, ainda
que, do ponto de vista etimológico, essas commento evidencia facilmente seu caráter social e
binações não sejam possíveis. A pessoa que
indica que nossa personalidade está organizada
chamou o líquido que serve para escrever de
conforme o mesmo modelo que as relações sotinta observou apenas uma característica
desciais e que a noção primitiva sobre a psique como
se objeto, em sua cor preta [chiomi]
e, busum duplo que vive dentro do ser humano é a
cando a afinidade do novo fenômeno com uma
mais próxima dos nossos conceitos.
característica
antes conhecida, batizou o objeAs teorias psicológicas tradicionais conto com o nome desse todo. Esse atributo, posideram um enigma indecifrável a compreensão da psique alheia, pois toda vivência psírém, não era o essencial, o principal, o único
no objeto, como quase sempre acontece. Era
quica é inacessível à percepção de outra pesfortuito e desapareceu
entre a enorme quantisoa e só é revelada através da introspecção. Só
dade de outras características que, em seu consinto minha própria alegria; de que forma posjunto, serviram para elaborar o conceito geral
so sentir a alegria de outra pessoa? Ao mesmo
sobre as tintas. Quando "tinta" designava extempo, todas as teorias psicológicas, por mais
clusivamente algo preto, esse era o vínculo que
diferentes
que sejam, sempre colocavam na
tinha se estabelecido na experiência individual
base da solução do problema que [só] podede apenas uma pessoa; em compensação, quanmos conhecer os outros à medida que nos codo essa designação começou a ser incluída em
nheçamos.
Por acaso não interpretamos
os
grande número de outras experiências,
os semovimentos alheios por analogia com os nosres humanos se esqueceram que a tinta desigsos, por acaso não realizamos
o processo de
na exclusivamente
algo negro, e a palavra, de
apropriação de sentimentos,
isto é, suscitamos
em nós mesmos emoções próprias com relavínculo condicionado
pessoal, se transformou
em um termo geral e social. Em outras palavras,
ção a uma mímica alheia? Como os psicólogos
afirmavam, sempre traduzimos a psique alheia
o pensamento deslocou a imagem, diluiu-a em
à linguagem da nossa e conhecemos os outros
si mesma, e só pelo parentesco
[ ... ] sonoro é
através de nós mesmos.
possível tomar conhecimento
da origem da
A rigor, do ponto de vista genético" do
palavra.
desenvolvimento
da consciência infantil e do
A partir daqui, é fácil perceber que todos
ângulo
da teoria psicológica
sobre o ato
os processos de compreensão,
inclusive a comvolitivo, a afirmação
contrária
seria a mais
preensão da linguagem, implicam um vínculo
correta. Vimos que a própria compreensão ou
psicológico. Entender francês implica poder estomada de consciência de nossos atos surge
tabelecer o vínculo entre os sons percebidos e
como vínculo entre as excitações internas e,
os significados
das palavras. E esse vínculo
como qualquer vínculo de caráter condicionapode ser tanto de caráter individual,
como
do, emerge da experiência, no processo de coinocorre na linguagem dos animais, quanto de
cidência de diversas excitações.
Portanto, a
caráter amplamente social, como acontece com
criança aprende primeiro a, compreender
os
a linguagem dos seres humanos.SRQPONMLKJIHGFEDCBA
172
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sitório ou uma doença mais prolongada. Como
outros e só depois, segundo esse mesmo moas pesquisas têm demonstrado,
as psicoses e as
delo, aprende a se compreender.
Seria mais
neuroses
representam
formas
dessas
doenças
correto dizer que nos conhecemos
à medida
que aparecem no terreno de um conflito interque conhecemos os outros" ou, ainda mais exano entre diferentes camadas da personalidade.
tamente, que só nos conhecemos à medida que
Ao mesmo tempo, o ego é o núcleo consciente e
somos outro, algo estranho a nós mesmos. Por
organizador
do comportamento
que designaisso, a linguagem, esse instrumento
de comumos como "pensamento".
O ego é a parte
nicação social, também é um instrumento
de
pensante de nossa personalidade.
Mas isso decomunicação íntima do homem consigo mesmo. Ao mesmo tempo, o caráter consciente de
monstra a dependência
do processo de pensamento
com
relação
às
tendências
mais arraiganossos pensamentos e atos deve ser entendido
das e básicas do organismo.
como esse mesmo mecanismo de transferência de nossos reflexos para outros sistemas ou,
Começamos a compreender
que o procespara utilizar os termos da 'psicologia tradicioso de pensamento
surge de uma base instintinal, como uma reação circularZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[ u m fe e d b a c k ] .
va e emocional e é dirigido justamente
pelas
forças desta última. Talvez a determinação
do
caráter emocional e ativo do pensamento consE G O E O ID
titua a conquista mais importante
da psicologia das últimas décadas. Promove-se e enfatizaJá ficou muito para trás a época em que
se com particular insistência o fato de que penos psicólogos podiam considerar a personalisar sempre implica um interesse extraordinádade humana como algo único e simples. Atualrio do organismo em algum fenômeno, que é
mente, a análise psicológica vem revelando,
inerente
ao pensamento
um caráter ativo e
na estrutura de nossa personalidade,
camadas
volitivo, que em seu curso os pensamentos não
tão completamente
heterogêneas, que não perestão subordinados
às leis mecânicas da assomitem mais que ela seja concebida sob a forciação nem às leis lógicas da certeza, mas às
ma de uma entidade única; podemos ter uma
leis psicológicas da emoção.
noção mais próxima do que ela realmente
é
Nesse sentido, o pensamento sempre deve
quando tentamos representá-Ia sob a forma de
ser entendido como um problema peculiar que
colisão dialética entre as mais diversas tendêno comportamento
resolveu de novo em novas
cias e forças.
circunstâncias.
O pensamento
sempre surge
Até mesmo a linguagem popular estabelecom a dificuldade. Sempre que tudo flui facilce facilmente uma distinção entre o que "eu demente, sem qualquer obstáculo, o pensamensejo" [ I á jo c h u ] ou faço e o que é "desejado por
to não surge. Ele surge onde a conduta se demim" [ m n ie jo c h ie ts ia ] , marcando assim uma
para com um obstáculo. A dificuldade, como
espécie de diferença entre os dois eixos fundafonte básica do processo de pensamento, é que
mentais de nossa personalidade, que a nova psidá pretexto para todas as análises psicológicas
cologia chama de "ego" e A"id "." Ao mesmo temque estabelecem a subordinação
de nosso penpo, manifesta-se com absoluta precisão o carásamento à tendência
determinante,
isto é, à
ter dual de nosso pensamento, como uma pertarefa predeterminante
que deve ser resolvida
manente colisão entre o ego e o ido Freud diz
nesse caso. Daí também os elementos de esque o ego é parecido com o cavaleiro, enquanto
forço, busca, orientação e todos os demais reso id parece o cavalo." E, se o cavaleiro não quiquícios informes e caóticos da atividade adapser ser derrubado pelo cavalo, com freqüência
tativa que emergem enquanto pensamos.
deve conduzi-lo para onde este quiser. Da mesma maneira, nosso ego tem de seguir freqüentemente as inclinações que existem nas camaCONCLUSÕES
P E D A G Ó G IC A S
das mais profundas da personalidade,
pois do
A primeira e mais importante
conclusão
contrário surge um conflito substancial e grave
pedagógica
que se impõe graças a essa conque termina provocando algum distúrbio tran-
o
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
173
cepção do processo do pensamento reside no
te o hábito de pensar de forma independente,
novo critério de que o fundamental na educatira da criança essa preocupação e elimina deção caracteriza-se por uma franca recusa do
liberadamente da educação todos os momentos de elaboração complexa da experiência, ao
ensino com ajudas visuais. A pedagogia do
passado estava impregnada até a medula desexigir que tudo seja oferecido de forma fraciosa tendência para facilitar toda a educação,
nada, mastigada e digerida. O imprescindível,
tentando dela eliminar qualquer dificuldade e
porém, é preocupar-se com criar a maior quantorná-Ia totalmente leve, simples e fácil. Tratidade possível de dificuldades na educação da
tava-se de uma reação muito salutar contra as
criança, como ponto de partida para seu pensamento.'?
dificuldades desumanas que as crianças daquela época tinham de superar.
O ambiente social e todo o comportamenMas, junto com a tendência social saudáto infantil devem ser organizados de tal mavel, penetrou nessa teoria uma parcela bastante
neira que cada dia provoquem novas combiconsiderável de erro psicológico. A exigência
nações, casos imprevistos do comportamento,
do gráfico [visual] em todo o ensino, como expara os quais não haja hábitos e respostas prepressão suprema dessa pedagogia facilitadora,
paradas no depósito da experiência da crianrevela melhor que nada todos os seus pontos
ça, mas que lhe exijam em cada oportunidade
fracos. O reino visual envolve acima de tudo a
novas combinações de pensamentos. Pensar,
eliminação de qualquer dificuldade de pensacomo podem ver, não significa outra coisa que
mento para a criança. Exige que tudo o que
a participação de toda a nossa experiência anseja oferecido à criança seja oferecido primeiterior na solução da tarefa presente, e a pecuro na experiência pessoal e, depois, de uma
liaridade dessa forma de comportamento resiforma tão acessível, direta e fácil que não resde em aportar o elemento criativo, formando
te nada que possa provocar dúvidas, nada a
todas as combinações possíveis dos elementos
ser inferido: apenas olhar e tocar.
existentes na experiência prévia. Em essência,
Sem dúvida essa exigência limita a expeisso constitui [o que chamamos de] "pensar".
riência apenas aos vínculos pessoais, que não
Esse fato [pensar] multiplica a ilimitada possisão suficientes nem mesmo na escola mais bem
bilidade daquelas combinações que podem ser
equipada e com excelentes condições externas.
realizadas a partir das reações humanas e faz
A experiência do ser humano sempre é mais
com que o comportamento humano seja divervasta que sua experiência pessoal: sabemos
so, e mesmo inesgotável, e complexo até chegar ao excepcional.
muito mais do que vemos e, se alguém quisesse que soubéssemos apenas o que vemos, essa
O trabalho criativo se distingue do trabapessoa limitaria e estreitaria enormemente a
lho escravo pelo fato de que, neste, o momenesfera de nossa experiência.
to de organização prévia da experiência e o
Mas é mais importante considerar que
momento da execução estão separados. O traessa tendência à facilitação contradiz basicabalho físico e o trabalho mental foram segremente os princípios educativos da psicologia.
gados do processo geral e único do trabalho
Seria como se, na higiene infantil, se exigisse
porque, devido à necessidade social, foram dique não fossem criadas dificuldades para as
vididos entre grupos sociais diferentes. Alguns
crianças no que se refere à mastigação dos aliforam encarregados de uma metade, ou seja,
mentos, dando-lhes tudo sob a forma de minda organização interna prévia da experiência,
gau ou líquido. Para nós, em troca, é muito
enquanto outros ficaram com a execução físimais relevante ensinar a criança a comer. O
ca. Psicologicamente, o processo completo do
trabalho pressupõe necessariamente o contrámesmo sucede com o ensino: é muito mais
importante ensinar a criança a pensar que corio, ou seja, a união em cada ato de ambos os
municar a ela determinados conhecimentos.
elementos: o prévio e o executivo.
Em compensação, o método visual, ao criar o
Portanto, do ponto de vista pedagógico,
caminho mais cômodo e fácil para a assimilao correto não é a tendência às representações
[visuais e fáceis], mas precisamente a tendênção dos conhecimentos, paralisa cornpletamen-SRQPONMLKJIHGFEDCBA
174
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
cia contrária: que a criança se oriente sozinha
nas circunstâncias
mais complicadas e confusas. Se os senhores desejarem ensinar algo sólido para as crianças, preocupem-se com os obstáculos.
Subentende-se, ao mesmo tempo, que não
se trata de criar intencionalmente
situações sem
saída para a criança, que provocariam nela um
gasto infrutífero e não-sistemático
de energias.
Trata-se apenas de uma organização da vida, e
do ensino, importante para que a criança encontre os dois elementos necessários para o desenvolvimento
do processo-de
pensamento
como forma superior do comportamento.
Esses
dois elementos consistem, em primeiro lugar,
em uma tarefa que deva ser resolvida e, em segundo, nos elementos e meios com os quais esse
problema possa ser resolvido.
A solução da tarefa [do problema] em si
mesma, que antes representava
90% de obrigação do professor, hoje é totalmente transferida para o esforço do aluno. Nesse sentido, o
Plano Dalton" de ensino, que transfere do professor para o aluno a obrigação de encontrar e
formular as leis científicas, que substitui a sala
de aula por laboratórios, que reduz o papel do
professor a zero sempre que ele puder ser substituído pelos livros, pelas ilustrações e outros
materiais didáticos afins, e que destina ao professor apenas
a função de organizador
e
controlador da experiência do próprio aluno,
é, do ponto de vista psicológico, o que mais
corresponde
à natureza da educação do processo de pensar.
Aqui o aluno recebe uma espécie de contrato, isto é, uma tarefa dividida e dosada quanto ao tempo. No laboratório
recebe todos os
materiais e recursos necessários para resolver
essa tarefa, e sua missão é organizar de tal forma sua experiência e dividir e calcular seu tempo para que o contrato seja cumprido com sucesso e no prazo estabelecido.
Esse plano ensina cada aluno a pensar de forma independente, por si mesmo, enquanto o sistema czarista
de ensino depositava essa obrigação em apenas um professor durante todo o curso. Esse
sistema de ensino coloca cada vez mais o aluno na situação do pesquisador
que insiste em
estabelecer uma verdade e que é apenas diri-
gido pelo professor. Com isso, o processo de
trabalho fica psicologicamente
completo, pois
ele pressupõe inevitavelmente
uma etapa prévia de planejamento,
enquanto
a reação que
ocorre mais tarde expressa-se de forma cabal
nesse plano.
Por fim, o último aspecto que distingue
favoravelmente
esse sistema de ensino do anterior reside no caráter puramente concreto da
atividade de pensar que se adquire com esse
sistema educativo. O pensamento
totalmente
abstrato é incompreensível
para o aluno e, no
sistema de educação czarista, gerava um mero
e estéril verbalismo,
ou seja, uma propensão
ilimitada à formulação
verbal, às definições
verbais sem nenhum aprofundamento
sobre a
essência do tema e no qual o conhecimento
das palavras substituía o conhecimento do fato.
Sobre uma de suas heroínas,
relata
Nekrasov'? que, apesar de todas as habilidades que adquiriu através de sua educação, de
repente sentiu que não possuía uma muito
importante:
a aptidão para pensar. Sabia fazer
muitas coisas e até mesmo andava perfeitamente bem a cavalo, mas nunca teve de pensar,
justamente
porque em toda a sua vida nunca
se deparara com dificuldades.
É preciso dizer que, se na rotina da escola czarista, os alunos também aprenderam
a pensar, isso sempre sucedeu à margem das
intenções
da escola, porque as dificuldades
que esta apresentava
sempre despertavam
o
pensamento
em uma direção que não era a
necessária para o andamento
do processo pedagógico.
.
É sumamente
importante que, no processo de elaboração do pensamento,
esse vínculo
geral, esse objetivo final que constitui a tendência determinante
de todo o processo de pensamento, seja formado na consciência do aluno. Para que penso? Desde o início, essa pergunta
deve ter uma resposta
precisa
e
satisfatória. No entanto, todo o sistema de nossos manuais escolares estava estruturado
na
falta desse vínculo orientador,
e o aluno, ao
passar do particular ao particular, compreendia o nexo entre as diferentes partes do curso,
assim como o cavalo entende o nexo entre cada
puxada das rédeas e cada virada, mas o senti-
J
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
175
pada", ignoro todas essas variantes particulado de todo o caminho, do seu ponto de partires e determino certo sentido neutro e geral
da até sua meta - sentido do qual dependem
desse objeto.
as diferentes viradas - continuava tão secreto
para ele quanto para o cavalo.SRQPONMLKJIHGFEDCBAA conclusão pedagógica natural que emana daqui é que, através da experiência dos alunos, deve passar a maior quantidade possível
A A N Á L IS E E A S íN T E S E
de objetos e fenômenos, que têm de servir para
a elaboração do fato correspondente; ao mesA atividade analítica e sintética da menmo tempo, sua seleção deve levar em conta
te costuma ser considerada uma forma lógica
que a própria escolha dos objetos deve facilifundamental, na qual se realiza nosso pensatar e sugerir ao aluno o trabalho analítico e
mento, isto é, uma atividade que, primeiro,
sintético. Como exemplo elementar, podemos
divide o mundo que se percebe em elementos
mencionar o procedimento pedagógico de elaseparados e, depois, constrói com esses eleboração do conceito de forma e cor na crianmentos novas formações que ajudam e entença. Selecionamos objetos de diversas formas
der melhor o circundante. Com relação a isso,
geométricas, mas da mesma cor, depois proceé muito importante esclarecer o mecanismo
demos da forma contrária e, como resultado,
psíquico da formação de conceitos, ou seja,
o atributo da cor e da forma, sobre o pano de
das reações gerais e genéricas que não se refundo de um ambiente diferente, aparece parferem a um objeto individual, mas a uma clasticularmente preciso e claro, como se ele se
se completa ou a um grupo inteiro de objetos
separasse dos objetos que o contêm e, graças à
de forma simultânea. Nesse sentido, cada resua freqüente repetição, começa a dominar na
ação representa um acumulador de xperiênconsciência e a levá-Ia a uma espécie de exiscia sumamente concatenado e, na verdade,
tência independente. Portanto, o trabalho anajá é uma teoria integral. Quando digo "lâmlítico é facilitado por um agrupamento do mapada", levando em conta toda uma série de
terial no qual o atributo a ser isolado enconobjetos homogêneos, estou utilizando os retra-se nas mais diversas combinações.
sultados de um enorme trabalho analítico efeDa forma inversa, um agrupamento de
tuado anteriormente, isto é, o trabalho de dimaterial em que os elementos sujeitos a vinvidir todos os objetos de minha experiência
culação encontram-se na conexão mais clara e
em suas partes componentes, de assimilar ou
mais precisa facilita o trabalho de síntese da
de comparar os elementos similares, de rejeisoma das características e, o que é mais imtar os fortuitos, de sintetizar os restantes em
portante, depura todos os nexos estranhos. Ao
um conceito integral.
mesmo tempo, é preciso levar em conta a prinNos primeiros tempos, essa atividade anacipal lei para o professor: a dependência inlítica parecia extraordinariamente enigmática
versamente proporcional entre a extensão e o
e complexa, até que se estabeleceu que trabaconteúdo do conceito. Chamamos de ZYXWVUTSRQPONMLK
e x te n s ã o
lho análogo sempre ocorre na linguagem, até
a quantidade de objetos ou fenômenos que
mesmo quando operamos com objetos singuabrange um determinado conceito. O c o n t e ú lares. Mesmo quando não falo de lâmpadas em
d o é a quantidade de atributos pensados com
geral, mas de uma lâmpada determinada, não
relação a esse conceito. Quanto mais ampla
estou operando, em essência, com a mera exfor a extensão de qualquer conceito, mais esperiência sensorial, mas com uma experiência
treito será seu conteúdo, e vice-versa.
sujeita a uma elaboração essencial. A rigor, em
Portanto, o educador sempre deve perceminha experiência real houve diversas lâmpaber antecipadamente que, ao ampliar a extendas diferentes, isto é, a experiência sempre
são de um conceito, estará restringindo seu
variou. A lâmpada estava acesa, apagada,
conteúdo, e vice-versa: ao incluir inúmeros
rodeada de certos objetos, era vista de um ândetalhes e pormenores concretos no conteúgulo diferente, mas agora, quando digo "lârndo, estará reduzindo e limitando sua extensão.
176
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
Para exemplificar, tomamos os conceitos
pulsão. Compreender como se deve agir corde homem e [homem de raça] negro e, assim,
retamente não significa atuar corretamente.
poderemos explicar facilmente o significado
Entretanto, é evidente e indubitável para a
dessa lei. Pela extensão do conceito, homem é
psicologia atual que o saneamento de nossa
mais amplo que negro, porém negro também
conduta deve começar a partir de suas formas
preliminares, isto é, o saneamento do comporé mais amplo pelo conteúdo, isto é, pela quantidade de atributos que abrange, porque todos
tamento deve ser iniciado pelo saneamento dos
os atributos do conceito homem também são
pensamentos. Por esse motivo, na psicologia
pedagógica do último período, foi promovida
inerentes ao negro, mas nesse conceito também estão representadas características espea um primeiro plano, não tanto a orientação
cíficas que não estão presentes no conceito de
externa de nossos pensamentos, como a clarehomem, mas contribuem para lirnitá-lo, pois
za de seu objetivo interno, essa função íntima
ele se restringe devido à diferença genérica.
que lhe cabe. Ensinar a pensar corretamente
Um psicólogo denomjnou acertadamensobre o mundo significa se preocupar com que,
te essa lei de "lei trágica do ensino". Na verdana experiência do aluno, sejam criados nexos
de, aqui o professor se depara com extremos
corretos entre os elementos do mundo e suas
inconciliáveis. Qualquer ampliação de denoreações. Ensiná-lo a pensar corretamente sotação envolve, na mesma medida, uma redubre si mesmo equivale a estabelecer em sua
experiência vínculos corretos entre seus penção de seu conteúdo e sentido. E todo enriquecimento do conteúdo restringe sua extensamentos e atos, ou seja, entre suas reações
são. O achado da correlação correta entre ampreparatórias e as efetoras.
bos representa, em cada oportunidade, um diOs psicólogos contemporâneos tendem
fícil problema para o tato pedagógico, problea ver nesse caráter interno dos processos penma que não pode ser resolvido de forma geral
santes sua diferença específica, que permite
i zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
enquanto a pedagogia não se transforme em
distinguir tais processos em uma classe espe" fI
uma ciência exata.
cial de reações que constituem uma forma
!'t
,
completamente nova de comportamento. Desrr
se ponto de vista, cabe diferenciar três tipos
A IM P O R T Â N C IA D O P E N S A M E N T O
.'
de reações no comportamento humano: (1) o
P A R A A E D U C A Ç Ã O IN T E R IO R
instinto (os reflexos condicionados, estereotipados, hereditários, os modos preparados de
O estudo de todas as formas possíveis
comportamento que formam a base de todas
adotadas pelas variadas psicopatologias e pela
as reações das duas classes superiores; (2) o
deficiência
mental
tem
demonstrado
que
o
treinamento
(reflexos condicionados ou esta'!
11
baixo nível de desenvolvimento geral sempre
belecidos por meio da associação e da apreni' SRQPONMLKJIHGFEDCBA
está combinado com um baixo desenvolvimendizagem, novos mecanismos consistentes na
to da esfera intelectual. Em outros termos, a
aquisição de experiência pessoal e estrutupatologia evidencia o mesmo vínculo entre o
rados com base no instinto; (3)0 intelecto (o
processo de pensamento e o aspecto interior
processo do pensamento).
da personalidade que a psicologia manifesta.
A distinção essencial dessa terceira forPor isso, o professor deve levar em consima de comportamento
reside no caráter
deração que o pensamento não é apenas o merepentino da manifestação dessas reações.
canismo que torna mais complexa e precisa
Kôhler estabeleceu a presença de similares connossa interação com o mundo externo, mas que
jeturas e soluções repentinas, isto é, de gerele também organiza o aspecto interno de nosmes de intelecto, no chimpanzé." Thorndike
so comportamento.
também considera que o súbito aparecimento
Todos sabem até que ponto o pensamendessas reações e de sua fixação "de uma vez
to é impotente na luta contra as pulsões emopor todas", distinguem-nas tanto da educação
cionais e instintivas. Nenhum preceito moral
habitual do reflexo condicionado, que requer
pode nos obrigar a proceder contra nossa
um prolongado treinamento e um reforço graI
, I . ',
"
I
I
~
P S IC O L O G IA
dual, que essas novas qualidades indicam "algo
mais" do que o treinamento corrente.
''A ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
d e s c o b e r ta
- diz Bühler," no verdadeiro sentido da palavra, é justamente o trabalho
biológico do intelecto". Ao mesmo tempo, ele
define opensamento como "um comportamento racional em novas situações, sem ensaios
sobre o próprio objeto".
Este último aspecto, ou seja, a ausência
de ensaios externos e sua substituição pela
comprovação interna, é a distinção essencial
3.
do processo do pensamento. A galinha que
cisca no quintal, tentando 'penetrar em cada
orifício até finalmente encontrar o adequado,
não representa um exemplo de pensamento.
No processo do pensamento, os ensaios se
4.
transferem para o interior. Ele se caracteriza
pela demora, pela interrupção dos movimentos externos - reflexão -, pela acentuação da
tensão das correntes nervosas e pelo súbito
aparecimento da solução, que geralmente é
acompanhada da exclamação: ''Ah!''; por isso,
Bühler chamou esse fenômeno de "vivência
Ah!" ou "reação Ah!".
Do ponto de vista físico-químico, conforme Lazarev, "no sistema nervoso podem ocorrer processos cujo ponto de partida inicial é a
reação que surge originariamente nos centros
cerebrais, o que cria um sentido de voluntarismo". Lazarev admite a existência de "centros
autovoluntários de excitação no cérebro, condi5.
cionados pelos processos radioativos dos sais
de potássio". Aqui não nos encontramos diante de um reflexo condicionado, mas de uma
reação de novo tipo "que nasce no cérebro
como processo voluntário"." SRQPONMLKJIHGFEDCBA
NOTAS
1. Em russo existem duas palavras que se referem
ao que denominamos "pensamento": m i s h l e n i e
e m i s l . A primeira delas se refere ao p r o c e s s o , ao
comportamento,
à atividade, à função, etc., de
"pensar"; a segunda tem a ver com o r e s u l t a d o
desse processo: o "pensamento"
ou a "idéia".
Estabelecemos tal diferença neste capítulo.
2. A obra mais lida de Vigotski é P e n s a m e n t o e
lin g u a g e m ,
da qual atualmente
existem três
versões em espanhol: duas resumidas e uma
completa - das editoras Fausto, Paidós e Visor,
P E D A G Ó G IC A
177
respectivamente.
Ainda que esse não seja o título correto da obra, nós o conservamos porque é um clássico já consolidado pela tradição. Na nota n Q 35 do Capo 13 esclarecemos
qual seria a tradução correta do título para o
espanhol. Para uma melhor compreensão dessa obra, sugerimos que se leia p r i m e i r o o artigo de Vigotski, "EI pensamiento",
en: L. S.
Vigotski L a G e n i a l i d a d y o t r o s t e x t o s i n é d i t o s ,
edição de G. Blanck, Buenos Aires: Almagesto,
1998, p. 37-60.
A escola psicológica de Wurzburgo tirou seu
nome da cidade alemã onde trabalhava. Fundada por Oswald Külpe, seus membros realizaram os p r i m e i r o s e x p e r i m e n t o s sobre os processos do pensamento,
usando apenas o método introspectivo.
Fiodor Mijailovitch Dostoievski (1821-1881)
foi, depois de Tolstoi, o mais importante romancista russo do século XIX. L. A. Radzijovski
afirmou que Vigotski teria escrito um ensaio
sobre Dostoievski, hoje perdido (comunicação
pessoal, Moscou, 1988). Dobkin supôs que o
interesse precoce de Vigotski pela psicologia
poderia ter nascido de suas leituras dos romances psicológicos de Dostoievski. Durante a vida
inteira, este foi um eslavófilo fanático. Em sua
juventude foi revolucionário
e foi condenado
a quatro anos de trabalhos forçados em uma
prisão da Sibéria. Mais tarde se transformou
em um monárquico
reacionário
e religioso.
Seus melhores
romances
são O s i r m ã o s
K aram azove
C r im e e c a s tig o .
Não nos foi possível estabelecer a identidade
desse pesquisador.A É provável que essa grafia
seja errônea e, se ele não for russo, a dupla
transliteração
dificulta ainda mais sua busca.
É provável que se trate de Th. Beer, porém
Vigotski também pode estar se referindo a qualquer outro cientista.
6. Nesses dois casos é pouco provável que as aspas do texto original denotem citações literais.
As referências bíblicas de Vigotski dificilmente
podem ser encontradas,
pois ele não indica livro, nem capítulo, nem versículo. Também existe o problema da traição das traduções. Sabemos que Vigotski leu a T a r a em hebraico, porém esta compreende apenas o Pentateuco, isto
é, os primeiros cinco livros do Antigo Testamento, que constituem apenas a primeira de
suas três partes. Vigotski pode ter lido o resto
do Antigo Testamento e o Novo Testamento em
uma tradução. Nós utilizamos a Bíblia de Jerusalém, que não foi traduzida do original; ela
178
7.
8.
9.
10.
11.
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
provém de uma tradução para o francês do
original escrito em hebraico, aramaico e grego. Vale o que já foi dito para todas as referências à Bíblia no presente livro. Com relação a
"pensar" como "conversar com nosso coração",
não pudemos situar esse trecho, ainda que vários possam sugerir essa noção. Por exemplo,
em "Provérbios", 24:32, lê-se o seguinte: "meditei em meu coração"; no "Livro da Sabedoria", 8:17 e 21, Salomão diz o seguinte: "Pensando isso comigo mesmo e considerando-o em
meu coração [ ... ]"; etc.
O primeiro teórico relevante da concepção de
que a criança primeiro tem idéias, que depois
pode expressar graças A à 'aquisição da linguagem, foi Santo Agostinho, em quem Jerry Fodor
se baseou para rejeitar totalmente as idéias de
Vigotski expostas na primeira edição norteamericana de ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P e n s a m e n t o e l i n g u a g e m , em uma
resenha crítica implacável
(J. Fodor, "Some
Reflections on L. S. Vygotsky's T h o u g h t a n d
L a n g u a g e " , C o g n i t i o n , 1972, nº 1, p. 83-95).
Aqui, Vigotski faz referência à obra de K. N.
Kornilov, U c h i e n i e o r i e a k t s i a j
c h ie lo v ie k a
C 'r i e a k t o l o g u i a " )
[ L i ç õ e s s o b r e as r e a ç õ e s d o
hom em
(" r e a c to lo g ia " )] ,
Moscou: GIZ, 1922,
p. 122 e segs.
René Descartes (1596-1650)
foi um filósofo e
matemático francês cujas idéias dualistas foram consideradas por Vigotski prejudiciais ao
desenvolvimento
da psicologia v e r s u s o monismo de Baruch Spinoza.
Jean Buridan (1300-1358) foi um filósofo francês, um lógico que estudou as leis de validade
da dedução. Em seus escritos não aparece o
famoso dilema do asno, porém Buridan costumava comentá-Io, baseando-se em uma história análoga de Aristóteles.
Provavelmente
Vigotski tenha lido pela primeira vez a história
desse dilema na É t i c a de Spinoza.
Essas propostas não são precisas. Os animais
são incapazes de compreender
significados
porque não têm consciência, porém associam
determinados
sons com ações. O leitor pode
comprovar isso por meio de um experimento
muito simples se tiver algum animal doméstico, como um cão. Se ele for elogiado com um
tom de recriminação, o cão reagirá com a mesma atitude que adota quando recebe uma recriminação. Em troca, se receber todo tipo de
insultos em um tom de elogio, ele ficará contente. Isso demonstra que o cão não compreende o significado daquilo que lhe é dito, mas
reage à prosódia - à entoação - daquilo que se
diz. Por outro lado - independentemente
da
prosódia -, se o cão tiver sido treinado para
sentar quando ouve o termo "sit", devido à formação de um reflexo condicionado, ele se sentará quando ouvir essa ordem. No entanto, isso
não prova que ele compreende o significado em um plano semântico - da palavra "sit", pois
também poderia se sentar ao ouvir um assobio, se este tivesse sido o estímulo usado no
condicionamento.
12. "Celeste" é um argentinismo
para "azul claro"
(etimologicamente:
da cor do céu). Nos exemplos que demos, mudamos algumas cores e
objetos mencionados no original russo, por causa de inevitáveis dificuldades de tradução ao
espanhol.
13. Quando Vigotski usa o termo "genético" não
se refere à herança ou à genética como disciplina, mas segue a tradição hegeliano-marxista
de considerar um fenômeno em seu devir histórico-evolutivo.
E s s e e s c la r e c im e n to
é v á lid o
p a r a a to ta lid a d e d o p r e s e n te liv r o .
14. Estamos persuadidos
de que estas linhas e as
seguintes são uma referência a Paul Natorp.
Em uma nota de rodapé em seu artigo "A consciência como problema da psicologia do comportamento",
Vigotski escreveu: "Não existe
compreensão
do próprio eu [compreensão de
si mesmo] que não tenha como base a compreensão dos outros. [ ... ] Até quando estamos
sós, quando pensamos silenciosamente
sobre
nós mesmos, usamos palavras da linguagem e
pelo menos mantemos a ficção de estar nos
comunicando"
(P. Natorp, Sozialpiiâagoguik: [A
P e d a g o g i a S o c i a l ] , 1899 [Paderbom:
Schõning,
1974, p. 95]). E acrescentou:
"Em nossa opinião, a consciência
é de fato a 'ficção da
comunicação"'.
Sobre Natorp, cf. também a
nota nº 25 do Capo 12. No entanto, Vigotski
também
poderia
estar se referindo
a I. I.
Lapshin, P r o b l i e m a
chuzogo
" Ia " n o v ie is h e i
f i l o s o f i [O p r o b l e m a
d o " E u " d e o u t r o n a filo s o f i a a t u a l ] , São Petersburgo,
1910; ou a um capítulo de Th. Lipps, "Das Wissen vom fremdem
Ichen" [O conhecimento
dos "Eu" alheios], de
uma recopilação de 1907. Estes últimos textos
ta m b é m
e s t ã o c i t a d o s em o u t r a n o t a d o c i t a d o
a r t i g o d e V i g o t s k i , escrito em 1925. Embora esse
artigo de Vigotski esteja incluído no tomo I de
suas Obras ... , op. cit., nessa edi~ão não figuram estas nem outras notas originais, confirmando-se assim o que afirmamos no prefácio
sobre as alterações das diferentes edições dos
textos de Vigotski. (A omissão das notas já está
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
179
na edição russa da Editora Pedagóguika de
mirada vigotskiana
a Ias relaciones entre Ia
alfabetización,
Ia escuela,
Ia mente y Ia
1982, da qual foi traduzida a presente versão).
conducta", P r o p u e s t a E d u c a t i v a (FLACSO), ns
Utilizamos
a primeira
edição
do artigo
["Soznanie kak probliema psijologuia poviedie11 (1994), p. 39-42.
nia"], publicado em K. N. Kornilov [ed.], Psijo18. O Plano Dalton foi uma técnica de ensino méloguia i marksizm [Psicologia e Marxismo],
dio baseada na aprendizagem
individual, criada por Helen Parkhurst, em 1919. A partir de
Leningrado: GIZ, 1925, p. 175-198.
1920, ele passou a ser aplicado na cidade de
15. Como podemos ve~ essas duas propostas lingüísDalton, Massachussetts,
EUA. Foi adotado em
ticas significam o mesmo em russo, porém sua
vários países, inclusive na URSS. Criticado por
distinção é que a primeira é pessoal e a segunda
é impessoal. Segundo R. Silverman, Vigotski poseu caráter individualista, finalmente foi abandonado em todas partes.
deria ter visto a diferença entre o ego e o id nessa diferença gramatical
(cf. L. S. Vygotsky,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
19. Nikolai Alekseievitch
Nekrasov (1821-1878)
E d u c a t i o n a l P s y c h o l o g y , op. cit., p. 180).
foi o máximo representante
da "escola realis16. Referências à edição rússa - I a i o n ó - do livro
ta", que incorporou problemas sociais e políde S. Freud, D a s I c h u n d d a s E s [O E g o e o I d ] .
ticos à poesia russa. Foi considerado um poeSigmund Freud (Moravia, 1856-1939, Inglata do calibre de seus antecessores,
Pushkin e
terra) foi o psiquiatra criador da psicanálise.
Lermontov.
20. Vigotski refere-se aos experimentos de resoluTeve se exilar pela perseguição que sofreu dução de problemas que Wolfgang Kôhler realirante o nazismo. Freud teve a sorte de nunca
ter sabido que quatro irmãs suas, que permazou em um laboratório
alemão de primatas,
situado nas Ilhas Canárias, durante a Primeira
neceram no continente, morreram em campos
Guerra Mundial (cf. W. Kôhler, I n t e l l i g e n z p r ü de concentração nazistas: Adolfine morreu de
inanição em Theresienstadt;
e as outras, no
fu n g e n
a n M e n s c h n a ffe n ,
Berlim: Springer,
campo de extermínio de Auschwitz, em 1942.
1921, 2.ed. Vigotski leu esse livro em alemão
e foi o responsável por sua publicação em rusComo se vê, Vigotski adotou várias de suas teorias ao início de sua formação em psicologia.
so vários anos mais tarde, em 1930, pela EdiNos arquivos de sua filha Guita, pudemos ver
tora da Academia Comunista; foi o editor e
fotos em que Vigotski aparece com sua amiga
também escreveu o prólogo da obra, cujo título em russo é: I s l i e d o v a n i e i n t i e l i e k t a c h i e l o v i e Vera Schmidt e outros psicanalistas.
De fato,
Vigotski teve uma participação ativa na Sociek o p o d o v n i o b i e z i a n . Vigotski e Luria examinaram criticamente essas experiências de Kõhler
dade Psicanalítica Russa, da qual foi membro
até 1927 (cf. a lista de membros da I n t e r n a t i o em: E t i u d i pó i s t o r i p o v i e d i e n i a .
O b ie z ia n a .
P r i m i t i v o R e i b i o n o k [ E S t u d o s s o b r e a h i s t ó r i a do
n a le Z e its c h r ift fo r P s y c h o a n a ly s e ),
embora já
c o m p o r ta m e n to :
o m a c a c o ) o p r im itiv o e a c r itivesse tomado alguma distância das idéias
a n ç a . Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed),
freudianas (cf. seu capítulo sobre a psicanálise
1996], Moscou: GIZ, 1930. Por outro lado,
em P s i c o l o g i a d a a r t e , cito no Capo 13). Em uma
Pavlov r e p l i c o u as já clássicas experiências de
primeira etapa crítica, Vigotski não questionou
Kõhler em seu laboratório de Koltushi, em Le- pelo contrário - os problemas levantados por
ningrado, e discrepou em relação às concluFreud, mas a resposta que este tinha lhes dado.
sões de Kôhler (cf. E. G. Vatsuro, L a d o c t r i n a
Posteriormente,
Freud deixou de ser uma refede P a v l o v s o b r e I a a c t i v i d a d n e r v i o s a s u p e r i o r )
rência importante em sua obra, pois a evolutrad. de J. Laín Entralgo, Barcelona: Vergara,
ção de seu pensamento o levou a uma concep1959, Capo 12). O prólogo escrito porVigotski
ção da psique muito diferente da de Freud.
para o livro de Kõhler está incluído no tomo I
17. Essas afirmações de Vigotski são plenamente
de suas O b r a s ... , op. cit., p. 177-205.
válidas para fundamentar,
nas discussões de
Wolfgang Kôhler (Alemanha, 1887-1967, EUA)
hoje em dia, as razões pelas quais a substituifoi um dos fundadores da Psicologia da G e s t a l t
ção da cultura escrita pela audiovisual em gee emigrou para os Estados Unidos depois que
ral é prejudicial. Particularmente
na educação,
os nazistas tomaram o poder na Alemanha (cf.
em nossa opinião, a cultura escrita deve ser a
L. S. Vigotski, "EI Fascismo y Ia Psicologia", em:
base da mesma, e o material visual deve ser
1.S. Vigotski, E I D e s a r r r o l l o C u l t u r a l d e i N i i i o y
um complemento
auxiliar, contra a tendência
o tr o s te x to s
in é d ito s ,
edição de G. Blanck,
pós-moderna dominante nos dias de hoje. Cf.
Buenos Aires: Almagesto, 1998, p. 105-123.
G. Blanck, "Cultura y procesos cognitivos: Una SRQPONMLKJIHGFEDCBA
180
21.
,I
'
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Esse ensaio de Vigotski é muito útil para compreender o destino dos numerosos psicólogos
que tiveram que escapar da Alemanha durante o Terceiro Reich de Hitler).
Karl Bühler (1879-1963)
foi um psiquiatra e
psicólogo alemão. Foi professor em Viena desde 1922. Depois que os nazistas tomaram o
poder, em 1933, foi preso porque sua esposa
Charlotte, uma renomada psicóloga evolutiva,A
era de origem judaica. Emigraram para os Estados Unidos. Ele morreu em Los Angeles, e
ela regressou para a Alemanha. Karl Bühler
pesquisou a psicologia da linguagem, a psicologia evolutiva e a epistemologia
da psicologia. Cf. seu livro ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
D ie g e is tig e E n tw ic k lu n g
des
K i n d e s [O desenvolvimento
psíquico das crianças], Jena: Fischer, 1918.
22. Cf. a nota ns 4 do Capo 2.
o E s c la re c im e n to
YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P s ic o ló g ic o d a E d u c a ç ã o
p e lo T ra b a lh o PONMLKJIHGFEDCBA
.
i
O S T IP O S D E E D U C A Ç Ã O
pação do professor está orientada para tudo,
a fazer a tarefa da
melhor e mais caprichada forma possível.
Enquanto os hábitos de trabalho são um
fim em si mesmo na escola de ofícios, na escola ilustrativa eles só constituem um meio para
assimilar melhor outras matérias. Tanto histórica quando psicologicamente,
o trabalho é
apresentado aqui como o triunfo supremo do
método visual, como a última palavra da "pedagogia da facilitação", porque tornar evidente não significa apenas demonstrar através da
visão, mas incorporar ao processo de percepção a maior quantidade possível de órgãos;
aproximar a criança do tema não só por meio
da visão, mas também através do tato e do movimento.
O próprio sistema e os objetivos do ensino podem manter-se invariáveis, pois esse ensino a p e n a s pressupõe que se ensine através
das mãos, e que é possível ensinar q u a l q u e r
c o i s a . Por isso, nesse sistema o trabalho só desempenha o papel de ilustração, por ser o melhor meio de assimilar, compreender e recordar algo. Em outras palavras, seu papel é auxiliar, complementar e subordinado.
Se alguém estuda história nessa escola,
por exemplo, a tarefa do professor, como é
comum, consiste em elaborar nos alunos um
saber preciso e exato sobre os fatos, as situações e as leis da história. No entanto, para realizar essa tarefa de transmitir um saber exato,
é útil que os alunos desenhem mapas, montem modelos de construções antigas, reproduzam a vestimenta e as armas que eram utiliza-
P E L O T R A B A L H O wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
exceto para lhe ensinar
No desenvolvimento histórico e nas possibilidades psicológicas existem três tipos fundamentais de educação pelo trabalho. O primeiro consiste na denominada escola profissionalizante manual ou de ofícios, na qual o trabalho se transforma em objeto do ensino, porque o objetivo da escola é preparar os educandos para um determinado tipo de trabalho.
Criar técnicos, artesãos, transmitir-lhes os hábitos e o conhecimento técnico de seu ofício é
a tarefa dessa educação.
Com essa concepção, a educação profissionalizante não se distingue em nada de qualquer outra educação, porque a pedagogia, seja
ela qual for, sempre tende a estabelecer um certo novo sistema de comportamento, seja qual
for a forma pela qual esse sistema se expresse.
Seja ela a escola escolástica, que preparava o
futuro polemista, o jurista, o pregador, ou a escola de ofícios, que prepara o chaveiro ou o sapateiro; em todos os casos, as reações da futura
atividade são o objetivo do ensino.
A posição que o trabalho ocupa no sistema de instrução de uma escola ilustratíva' é
bem diferente, pois o trabalho não representa
o objetivo do ensino, figurando apenas como
um novo método, ou seja, um meio para estudar outras disciplinas. Quando o trabalho é
introduzido nesse tipo de escola, não se leva
em consideração o valor independente dos procedimentos de trabalho. Quando a criança
aprende a serrar ou colocar pregos, a preocu-
182
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
das. Deriva daí uma atividade laboral muito
complicada para os alunos, porém a orientação da educação e sua tendência básica sempre estão à margem do trabalho.
Por último, a terceira possibilidade da
escola e da educação pelo trabalho reside em
um critério totalmente novo do trabalho como
a própria base do processo educativo. Nessa
escola puramente voltada ao trabalho, o trabalho não se incorpora como tema de ensino
nem como método ou meio de ensino, mas
como matéria-prima da educação. De acordo
com a feliz expressão de um pedagogo, não só
se introduz o trabalho na escola, mas também
a escola no trabalho.
Essa última concepção da escola pelo
trabalho é a que se encontra na base do sistema soviético de instrução e precisa, mais
que todas as outras, de uma fundamentação
psicológica.
A insignificante importância formadora
da escola pelo trabalho que segue o modelo
da escola de ofícios é totalmente evidente para
todos. Devemos levar em conta que o caráter
artesanal do trabalho tem origem na organização corporativa
da sociedade medieval,
quando os processos de produção eram sumamente primitivos e quando a maior quantidade de habilidades não estava concentrada na ferramenta, mas nas mãos do artesão.
A produção foi se especializando de forma incessante, passou a exigir um treinamento
enorme e complexo e domínio técnico, fechouse no estreito círculo corporativo, com freqüência passava do pai ao filho e do sogro ao
genro, como um tesouro familiar e hereditário; desse modo, adquiriu um caráter limitado e fechado.
Como qualquer forma de trabalho, o ofício também acumulava certa experiência criativa e a habilidade de gerações, porém era uma
experiência e uma habilidade estreita, ainda
que a fineza e a delicadeza do trabalho chegassem a um nível de perfeição ainda não superado hoje em dia. Precisamente porque o artesão realizava cada objeto à mão, este adquiria uma índole totalmente individual e, naquela
época, não existia nenhuma fronteira entre o
artesanato e a arte. O artista era um artesão.
O artesão também era um artista em seu tra-
balho. Não criava mercadorias [objetos destinados ao mercado], mas obras cujo nível de
perfeição individual deixava para trás qualquer
produção mecânica em massa.
Por isso, é compreensível que a importância educativa do trabalho artesanal seja totalmente insignificante. A quantidade de conhecimentos teóricos com os quais um artesão
opera é sumamente pequena; o conjunto de
materiais de que necessita para sua elaboração é mínimo. Seu vocabulário técnico, digamos, ou seja, a soma dos procedimentos e
movimentos utilizados, com freqüência se esgota em várias dezenas de estereótipos. Nesse
sentido, o trabalho artesanal representa um
material pedagógico ingrato, que exige um
enorme gasto de energia para elaborar a fineza e a exatidão dos movimentos laborais, para
obter o nível de automatização mais elevado
da mão humana, que a aproxima da perfeição
do instrumento; ao mesmo tempo, porém, não
dá nada em troca, nem envolve nenhum tipo
de elementos de desenvolvimento ou amplamente instrutivos.
Subentende-se que essa natureza psicológica da educação profissional concorda totalmente com o caráter social da escola de ofícios, que surge no estado burguês sob o influxo da necessidade de uma classe média-baixa
de bons artesãos produtores, e que a essa escola seja atribuído estreito lugar que lhe convém, como escola complementar, no sistema
de instrução geral. Também se compreende que
as restantes exigências pedagógicas dessa escola estão completamente de acordo com o caráter estreito que a distingue.
O ideólogo mais representativo dessa escola é Kerschensteiner;" que afirma com absoluta franqueza que o ideal da educação profissionalizante é a formação de cidadãos e artesãos probos, educados no devido respeito ao
regime social, político e cultural existente. Portanto, essa educação implica uma preocupação muito maior pela ordem social estabelecida que pela personalidade do aluno.
Nesse sentido, é muito mais amplo o segundo tipo de escola para o trabalho, a denominada ilustrativa [de protótipos, piloto,
visual], mas também ela é psicologicamente
errônea em uma série de pontos. O primeiro é
IrA
11; liYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
---------~--
---------------------------------------------
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
183
a consideração de que a própria tendência à
vimentos, à possibilidade de auto-avaliar-se
com a ajuda dos evidentes resultados obtidos.
intuição e à facilitação da instrução deve ser
No entanto, apesar de tudo isso, aqui o
tomada como uma etapa já percorrida na petrabalho continua desempenhando o papel de
dagogia. Os princípios da educação pelo trac a lig r a fia
d a c o n d u ta ,
isto é, igualmente inbalho respondem muito mais às necessidades
da pedagogia que ao ensino visual. E é comfrutífero, um gasto desnecessário de forças,
cuja esterilidade
aumenta e parece ainda
preensível que o método de trabalho, como a
maior porque aqui o trabalho se destina apemais plena expressão desse ensino visual, contenha na forma mais extrema todos os vícios e
nas a repetir e copiar lições já sabidas. O aluno se empenha em realizar o que já sabe bem,
insuficiências desse princípio.
Aqui aparece outra vez a extrema falta
e a utilidade desse trabalho é evidente para o
de correspondência entre os hábitos que faprofessor, mas permanece oculta para o próprio aluno.
zem falta para uma formaparticular de trabalho e os que são necessários para a questão
A escola profissionalizante de ofícios não
particular para a qual esse trabalho está destipossui essa insuficiência. Na verdade, sua denado a servir de protótipo [ilustração]. Consficiência não é a mesma que atinge a escola
ilustrativa. Na escola de ofícios, atribui-se ao
truir um bom modelo ou uma eficiente ferramenta é uma tarefa que exige tanta atenção,
trabalho o importante lugar que ele realmenhabilidade, trabalho do pensamento
e das
te ocupa na vida. Ao adquirir esses hábitos de
trabalho, as crianças que cursam essa escola
mãos, que durante sua realização a importânentram diretamente na vida do trabalho. M as,
cia puramente histórica dos objetos elaborainfelizmente, essa escola cultiva formas de trados passa para um segundo plano; segundo a
balho que pertencem mais ao passado que ao
expressão de um pedagogo norte-americano,
futuro, está orientada para trás e não para a
os momentos laborais nessa escola se transformam em instantes de detenção e amortecifrente. E o que ela transmite aos alunos não
tem um grande valor para a vida contempomento do processo educativo. O estudo da história parece se deter quando os alunos se derânea.
O significado
educativo do trabalho
dicam ao trabalho ilustrativo [de construção
artesanal é praticamente nulo, porque contém
de modelos], e o próprio trabalho não adquire
uma experiência tão restrita que não permite
o caráter de um avanço, mas de uma repetição
sair dos limites da mestria artesanal. Em nosestagnada, de fixação e estudo de resultados
sa época, o trabalho artesanal já perdeu o sigjá obtidos, de uma corrida sem sentido.
nificado de mestria artística que lhe era ineO trabalho com o modelo histórico não
rente na Idade M édia, quando o título de mesfaz com que o aluno avance na história, mas o
tre era dado tanto ao mestre da pintura quancoloca totalmente sob o domínio do que já foi
to ao mestre dos móveis, e quando tanto o calpercorrido. Entretanto, mesmo nessas condiçado como os móveis e outros artigos possuíções, o trabalho obtém um significado psicolóam o selo da perfeição individual e, por sua
gico mais amplo em comparação com a escola
natureza interna, realmente pertenciam ao
de ofícios. Deixa de ser rebaixado para o nível
âmbito da indústria artística. Qualquer coisa
de uma produção profissional e, portanto, não
nascia de um projeto original, e o processo de
faz recair tamanho peso sobre o aluno. Já não
sua execução era determinado e orientado tamse fecha no estreito círculo de uma atividade PONMLKJIHGFEDCBA
bém pelas exigências individuais de cristalizas ó , mas transfere as possibilidades do aluno
ção desse projeto.
de uma atividade para a outra. É um grande
Esses tempos passaram há muito e, na
mestre mobilizador que treina os movimentos
indústria moderna, cabe ao trabalho artesanal
e a destreza do aluno, ensinando-lhe a domio papel lamentável e carente de interesse de
nar mãos, pernas e tronco. Assume o papel de
servir de produção auxiliar que remenda os
poderoso educador do comportamento geral
furos da grande indústria. O artesanato foi
acostumando
os alunos ao autocontrole,
à
conservado porque o modo de vida medieval
auto-regulação e ao planejamento de seus mo-
--
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ainda não desapareceu definitivamente da cultura contemporânea. M as com cada nova máquina na fábrica, com cada novo aperfeiçoamento da técnica [tecnologia], a importância
do trabalho artesanal vai se anulando cada vez
mais e em todos os sentidos o trabalho
artesanal está passando para o quintal da vida.
A própria divisão do trabalho em ofícios
concentra a atenção do trabalhador no último momento do trabalho - o da execução - e
não em suas premissas gerais. Em outros termos, o trabalho artesanal não destaca os elementos comuns a cada produção, próprios de
todos os tipos de trabalho humano, mas os
elementos que distinguem esse trabalho de
qualquer outro.
Em contraposição ao estreito trabalho de
ofícios, o trabalho industrial moderno se distingue pela politécnica, cujo valor psicológico
e pedagógico impõe que seja reconhecido nela
o método fundamental da educação pelo trabalho. A indústria contemporânea é politécnica pelas peculiaridades
econômicas, tecnológicas e - o que é fundamentalpsicológicas
do trabalho.
As causas econômicas têm a ver com esses enormes refluxos e deslocamentos
das
massas de trabalhadores
que acompanham
inevitavelmente a produção capitalista. M arx
destacou que o mecanismo econômico, com
a ajuda das crises e das conseqüentes reduções e ampliações da produção, tornam necessária a existência de um exército de reserva de proletários [a existência de desempregados], e os proprietários lançam uma enorme massa de trabalhadores
de um ramo de
produção para o outro. O operário que trabalhava em uma fábrica de garrafas, amanhã se
dedica à produção de calçados, depois de amanhã entra em uma fábrica de carros e, com
essa passagem de um ramo da produção para
o outro, lhe é exigido apenas um desenvolvimento técnico geral mínimo, isto é, a capacidade de operar máquinas; ninguém exige dele
conhecimentos especiais e profissionais de nenhum tipo."
Por isso, as próprias condições econômicas colocam o operário diante da exigência de
ser politécnico, ou seja, em nenhum tipo de
produção ele vai além de seus fundamentos
gerais, ou sucumbirá na próxima crise. E isso é
o que acontece. Nove décimas partes dos operários europeus e norte-americanos não estão
ligadas a nenhum profissionalismo que as ataria a algum tipo determinado de produção.
Relata-se o caso de uma grande greve nos Estados Unidos, em que um ramo da produção
foi abandonado por todos os que trabalhavam
nele. No entanto, dois dias mais tarde esse
importantíssimo ramo reiniciou seu funcionamento, mantendo a produtividade anterior,
com um pessoal totalmente novo.
As causas técnicas que também levam à
politécnica residem no progresso das máquinas, que nivela todas as diferenças dos diversos mecanismos e os conduz a tipos mais ou
menos homogêneos de máquinas mais econômicas, vantajosas e baratas. As condições de
concorrência são tais que as máquinas mais
vantajosas devem ser inevitavelmente introduzidas em todos os ramos de produção de um
determinado tipo, no prazo mais breve possível. Do contrário, os empresários correm o risco de ser deslocados e esmagados na luta comercial pelos mercados. De fato, nunca antes
ocorreu uma marcha triunfal em que qualquer
novo aperfeiçoamento ocorresse com a mesma rapidez das últimas décadas.
Isso é o que define a própria supra-estrutura de toda forma de produção mecanizada,
no sentido de suas partes fundamentais, e essas partes componentes tornaram-se muito similares nas mais diversas empresas. A parte
principal de toda a produção são os motores,
que são do mesmo tipo nas mais diversas fábricas. Depois vêm os mecanismos de transmissão, também de um mesmo tipo, e a diferenciação só aparece na parte executiva ou
efetora da máquina, de acordo com a função
das últimas operações que ela tem de realizar
para lançar o produto terminado no mercado.
Portanto, em suas duas terças partes, a
produção contemporânea torna-se uniforme e
só na última terça parte se admite certa variação que, à medida que a técnica se desenvolve, vai se nivelando cada vez mais. Isso ocorre
porque todas as formas possíveis de movimentos laborais, à medida que se dividem em formas mais simples e elementares, podem se reduzir a 12 tipos fundamentais de movimentos
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
185
dice dela; geralmente ele desempenhava apeelementares que, em diferentes combinações
nas uma operação, sumamente insignificane com diferente sucessão, efetuam todas as
formas do trabalho complexo da indústria
te, que não podia ser realizada pela máquina.
mundial.
Dessa forma, o gasto de energia física se reIsso não deve nos assombrar, assim como,
duziu enormemente,
e também o aspecto
segundo a expressão de M ünsterberg, não deve
mental do trabalho não exigia uma grande
tensão do trabalhador.
nos causar assombro que as 26 letras do alfaA ação embrutecedora
desse trabalho
beto inglês tenham sido suficientes para expode ser avaliada se recordarmos que, nas propressar todos os dramas de Shakespeare. A
duções mais comuns, o produto passa por vápartir daí, pode-se compreender facilmente que
rias dezenas de operações, e o operário tem de
também a terça parte, a parte executiva da
repetir durante décadas um mesmo movimenmáquina, em última instância se reduz a um
to com uma exatidão totalmente mecânica. Por
alfabeto técnico que é o mesmo para qualquer
isso, têm razão aqueles que afirmam que o traprodução. E assim como ocorre com o autêntibalho pré-automatizado era, apesar de tudo,
co alfabeto, basta assimilar o alfabeto técnico
do ponto de vista psicológico, mais humano
para ler qualquer "livro" escrito com esse sisque o trabalho com a máquina.
tema. A
É muito provável que estejamos vivendo
Entretanto, com o desenvolvimento da
técnica, a situação modificou-se radicalmena maior época da história no que se refere à
evolução do trabalho e que perante nossos
te. Na composição dual do trabalho começou
olhos esteja morrendo o conceito de profissão.
a predominar o momento de direção e organiPor último, o essencial são as premissas
zação da produção, enquanto o momento exepsicológicas da politécnica, que consistem do
cutivo foi se anulando paulatinamente. Cada
vez mais, a força humana é substituída pela
seguinte. Todo processo de trabalho humano
máquina, e o trabalhador moderno assume o
é duplo, porque o ser humano representa, por
um lado, a fonte direta de energia física e, por
papel de organizador e diretor da produção,
outro, é o organizador do processo de trabade comandante da máquina, controlador e relho. Nas formas mais primitivas do trabalho, o
gulador de suas ações.
Na produção altamente aperfeiçoada,
trabalhador desempenha um papel dual: como
esse processo adquire tal magnitude que em
parte de sua própria máquina, como origem
geral recai no trabalhador não só a direção
direta de energia física, papel no qual pode ser
das máquinas de modo direto, mas a dos
substituído pelo gado, por um motor a vapor,
controladores mecânicos que, por sua vez, repor um motor elétrico, etc.; e no papel de dirigulam as máquinas. Portanto, nessas empregente e organizador de seus instrumentos e mosas, o trabalhador é o regulador dos regulavimentos, no qual não pode ser substituído por
dores, isto é, dos executores das funções
ninguém.
organizativas superiores e mais complexas.
A divisão do trabalho em mental e físico
Todos os que conheceram as condições de traocorreu na época em que ambas as funções
balho do foguista na Rússia certamente se aspsicológicas, indissoluvelmente unidas em um
sombrariam se conhecessem o trabalho dos
ato de trabalho único, foram distribuídas enprincipais foguistas nas mais importantes fátre diferentes membros da comunidade, devibricas norte-americanas
e se ficassem sabendo à diferenciação social. Alguns assumiram
do que esse trabalho é realizado com as mãos
apenas as funções de organização e de comantotalmente limpas." Isso se explica pelo fato
do, enquanto outros se ocupavam só das exede que o trabalho sujo de jogar carvão na forcutivas.
nalha, descarregar os restos, eliminar as parA situação variou um pouco quando se
tes queimadas, avivar as chamas, abrir as saíintroduziu a máquina e quando o papel do
das para a fumaça, limpar a fuligem e outras
trabalhador assumiu um ponto médio entre
tarefas, são realizadas por máquinas automáambas as funções. Com a máquina, o operáticas, por mãos metálicas que dão conta de
rio assumiu o papel de um lamentável apên- YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
186
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
seu trabalho e de seu estado através de várias
dezenas de adaptadores mecânicos que estão.
em um tabuleiro e que, a partir dele, são reguladas por meio de alavancas.
O mesmo foguista que esquenta uma
imensa fábrica e que, nesse sentido, desempenha as mesmas funções que o foguista do trem,
desempenha o papel de comandante-em-chefe
de um exército de máquinas, e sua mesa de
trabalho parece o estado-maior de campo no
qual se reúnem as informações de todas as unidades, anotam-se as exigências, enviam-se ordens, coordenam-se as ações; tudo isso é realizado através de adaptadõres muito complexos
e exatos, para cuja direção são necessários uma
grande capacidade mental, uma vista penetrante e conhecimentos técnicos.
O desenvolvimento do trabalho aproxima-se cada vez mais dessas formas, e os resquícios de trabalho físico que subsistem nessas produções se reduzem cada vez mais a insignificantes movimentos de alavancas que
fazem lembrar os ponteiros do relógio, a pressão de chaves elétricas, os pequenos movimentos rotatórios da manivela de um cilindro.
Nessas condições o trabalho, como certo
gasto de energia física, como trabalho forçado
de execução, é realizado pela máquina, competindo cada vez mais ao ser humano o trabalho responsável e mental de dirigir tal máquina. Por isso, torna-se totalmente compreensível a necessidade da formação politécnica para
o trabalhador moderno. Ao mesmo tempo,
deve-se compreender que, ao contrário do que
estipula o sentido exato da palavra, essa politécnica não significa a pluralidade de ofícios,
a combinação de muitas especialidades em
uma só pessoa, mas o conhecimento dos fundamentos gerais do trabalho humano, desse
alfabeto com o qual são criadas todas as suas
formas, como se tirássemos dos parênteses o
fator comum de todas essas formas.
Não é nem preciso dizer que o significado formativo desse trabalho é ilimitado, enorme, porque testemunha o mais alto florescimento da técnica [tecnologia], e é realizado
junto com o maior flores cimento da ciência. A
técnica é a ciência em ação ou a ciência aplicada à produção, e a passagem de uma para a
outra é efetuada minuto a minuto, em formas
completamente inadvertidas e imperceptíveis.
Por mais estranho que possa parecer, até
o operário comum de uma grande empresa deve
acompanhar os passos da ciência e, a esse respeito, é demonstrativa a expressão de um empresário norte-americano: "Um operário que se
atrasou 10 anos com relação ao desenvolvimento contemporâneo da ciência não pode contar
com um posto em minha fábrica."
Dessa maneira, o trabalho se transforma
em conhecimento científico cristalizado e, para
adquirir os hábitos necessários para esse trabalho, realmente é preciso dominar todo o
enorme capital de conhecimentos acumulados
sobre a natureza, utilizados em cada aperfeiçoamento técnico. Pela primeira vez em toda
a história da humanidade, o trabalho polítécnico forma um entrecruzamento
de todas as
linhas principais da cultura humana; ele teria
sido inconcebível em todas as épocas precedentes. A importância formativa desse trabalho é ilimitada porque, para dorniná-Io por
completo, é preciso dominar todo o material
científico acumulado durante séculos.
Por último, o mais importante é a ação
puramente educativa realizada durante esse
trabalho; transforma-se em trabalho consciente
por excelência e exige de seus participantes a
máxima tensão de todas as forças da inteligência e da atenção, elevando o trabalho de um
operário comum aos escalões superiores do
trabalho criativo humano. Por esse motivo, o
industrialismo
na escola implica a famíliarização com a indústria mundial; a elevação
às cúspides da técnica moderna constitui a exigência fundamental da escola para o trabalho. A
É fácil perceber quão longe de tudo isso
estão as formas da escola para o trabalho cujo
método era fazer com que recaísse nas crianças a tarefa degradante e suja de limpar a cozinha, os banheiros e o chão, considerando que
nesse trabalho rotineiro e obscuro residia o
princípio dos hábitos laborais. O trabalho era
revelado às crianças a partir do ângulo de uma
tensão física pouco habitual, justificando ao
mesmo tempo seu significado etimológico, que
na língua russa equivale a doença e sofrimento PONMLKJIHGFEDCBA
[ b o l i e z n e p i e c h a l , respectivamente].
P S IC O L O G IA
São sumamente interessantes as formas
de trabalho que podem ser introduzidas na
escola se ela estiver orientada, na estruturação de seu plano docente, não para as formas
primitivas e há muito extintas do trabalho físico doméstico, mas às formas do trabalho industrial e tecnicamente superior. Dessa maneira, sem qualquer esforço de nossa parte, a criança incorpora-se diretamente aos dois âmbitos
entre os quais deve estar dividida a influência
educativa: o primeiro é a ciência natural moderna e o segundo é a vida social contemporânea, que abrange o mundo dnteiro.
Na fábrica moderna lateja o pulso da vida
e da ciência mundiais, e a criança situada nesse lugar aprende a sentir por si mesma esse
pulso da contemporaneidade. Ao mesmo tempo, é sumamente importante organizar as formas da vida e da atividade laboral da criança
para que ela entre em uma relação totalmente
ativa e criativa com os processos a serem realizados. Isso não se obtém mediante o ensino
profissional gradual das habilidades necessárias para operar as máquinas, mas fazendo com
que a criança seja introduzida imediatamente
no sentido de toda a produção e, ao mesmo
tempo, aprenda a encontrar o lugar e o significado dos diversos procedimentos
técnicos
como partes necessárias de uma totalidade integral.
oYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C O N H E C IM E N T O
DA NATUREZA
ATRAVÉS DO TRABALHO
No trabalho industrial, a criança tropeça
desde o início com as formas superiores de elaboração dos materiais naturais e aprende a
seguir o longo caminho pelo qual passa o material em seu estado bruto, do momento em
que ele entra na fábrica até sair dela como produto elaborado e terminado. No decorrer desse longo caminho, o material tem de evidenciar
quase todas as suas propriedades essenciais e,
principalmente, tem de demonstrar nos fatos
que está subordinado a todas as leis físicas e
químicas; portanto, o processo de elaboração
de qualquer matéria-prima é similar à demonstração dessas leis especialmente organizadas
para o aluno.
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Ao mesmo tempo, as próprias características do material, que o distinguem de outros, não desempenham um papel essencial.
Acima de tudo, o material age como portador
de certas propriedades comuns que, de acordo com o tipo de produção, se modificam de
forma quantitativa, porém não-qualitativa. Ao
operarmos com madeira ou metal, lã ou algodão, pedra ou osso, em todos esses casos nos
deparamos com certa magnitude, densidade,
elasticidade, deformação do material e outras
propriedades deste. Assim, o caráter da produção moderna permite discriminar as partes comuns dos mais diversos materiais e generalizar diante dos olhos do aluno os atributos comuns da matéria.
Na produção moderna - e esta é sua característica essencial - o material não aparece
como tal com todos os seus traços individuais
e específicos, mas como corpo físico ou conglomerado químico; nesse sentido, ante os alunos, não só nas páginas do manual, mas também nas páginas da vida, revelam-se os traços
comuns inerentes - mas em diferente quantidade - tanto aos mais finos fios de algodão
quanto ao mais duro aço. Conseqüentemente,
as leis gerais da física e da química da substância universal passam diante dos alunos no
processo do trabalho industrial com uma força totalmente direta e impactante.
Não menos importante é o fato de que,
no processo dessa produção, também passam
diante dos alunos as principais leis de elaboração desse material, que se estruturam levando
em conta a mecânica científica e que os fazem
descobrir não uma ciência estática, mas uma
ciência prática e dinâmica. O conhecimento das
três partes da fábrica moderna pressupõe necessariamente que o aluno possua um conhecimento preciso de mecânica, e a capacidade
para dirigir essas máquinas se baseia, em última instância, nesses conhecimentos.
Na fábrica, cada dia de trabalho é um exame vívido e não são necessárias comprovações
especialmente organizadas para avaliar e descobrir até que ponto esses conhecimentos se arraigaram de forma sólida e fundamentada.
Isso está vinculado ao terceiro aspecto
que apresentamos como uma nova vantagem
do trabalho industrial, que consiste em que os
1I1
I
A
,IYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
188 L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I
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próprios movimentos do aluno voltem a ele sob
a forma do produto terminado do trabalho, que
permite que ele se autocontrole, avalie sua própria obra através dos resultados inegáveis e
objetivos do trabalho e, o que é mais importante, crie a possibilidade de realizar esse momento final de satisfação, triunfo e certa vitória em função do qual, em essência, despertam-se todas as nossas aspirações e todos os
tipos de atividade.
Há muito, os psicólogos frisaram a utilidade psicológica das notas que James, por
exemplo, considerava tãogrande,
pois, para
ele, elas superavam todo-o evidente dano provocado pelo sistema de qualificações. Ele exigia que fosse conservado o sistema de qualificações com notas na escola e, além disso,
que os estudantes conhecessem suas qualificações, pois uma nota traz implicitamente esse
momento útil que dá sentido a todo o trabalho do aluno e lhe permite julgar se seus esforços foram estéreis ou frutíferos. É verdade
que James também considerava que as conclusões psicológicas devem dar lugar aos argumentos da experiência e admitia o caso em
que, apesar dessa regra psicológica, o professor devesse se abster de comunicar as qualificações. No entanto, com isso não se resolvia
o problema psicológico, e a concepção de
James continha a grande verdade de que todo
trabalho deve ser realizado até sua culminação, e que esse momento de sucesso ou fracasso deve ser comunicado ao aluno para
ajudá-lo a conferir sentido a todo trabalho
realizado. Por outro lado, o alto valor da educação pelo trabalho reside precisamente no
fato de que este último momento não é alheio
nem está separado de todo o processo de trabalho, como ocorria, por exemplo, com a qualificação escolar; portanto, ao realizá-lo, não
existe nenhum perigo de que as aspirações do
aluno tenham uma direção totalmente falsa,
como sucedia sempre que o aluno começava
a se esforçar só para obter uma boa nota.
Quanto maior for o número de aspirações e
interesses do aluno ligados a esse ponto final
de seus esforços laborais, mais forte e eficaz
será sua influência organizativa e coordenadora no sistema de suas reações.
Conseqüentemente,
a característica distintiva do trabalho humano, que exige o conhecimento prévio dos resultados finais, assim
como a coincidência desses resultados com o
que é proposto desde o início, encontra sua
expressão mais plena e pura nas formas do trabalho industrial. Na verdade, os psicólogos
propõem o mesmo quando se referem à saudável ação coletiva exercida pelo trabalho industrial sobre cada pessoa. Além disso, dizem
eles, entre a massa de trabalhadores cada indivíduo sempre encontra uma espécie de grandes espelhos nos quais aprende a observar seus
mais ínfimos movimentos e, dessa forma, o
grau de domínio de seu próprio corpo e de seu
comportamento adquire o nível mais elevado
justamente aqui. Isso ocorre porque esse mesmo retorno da impressão se reflete no próprio
aluno, enquanto o grupo dos que trabalham
desempenha nessa situação o papel de uma
imensa caixa de ressonância que intensifica e
transmite em enormes dimensões as mesmas
emoções que são possíveis em um pequeno
grupo de pessoas. Nesse sentido, é verdade que
a emoção aumenta de acordo com o público
com o qual se vive. A vergonha sentida diante
de uma multidão de milhares de pessoas é mil
vezes mais intensa que a que sentimos diante
de apenas uma pessoa. Do mesmo modo, também o significado da emoção de prazer que
dirige todas as nossas reações para o objetivo
final acentua-se e amplia-se junto com a ampliação do grupo no qual ela ocorre.
A COORDENAÇÃO
ESFORÇOS
DOS
DE TRABALHO
Inclusive em suas formas mais primitivas, o trabalho não aparece apenas como um
processo entre o homem e a natureza, mas
também como um processo entre os seres humanos, pois até as formas mais primitivas de
trabalho exigem a necessária coordenação dos
esforços, certa habilidade para fazer o comportamento próprio concordar com o de outros seres humanos e a organização e regulação das próprias reações para que possam
entrar como parte componente na trama ge-
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189
ral do comportamento coletivo. Por isso, o trae dos vínculos sociais que surgem entre as pesbalho, particularmente
em suas formas
soas no âmbito do trabalho, também existe
superiores e técnicas, sempre implica a mais
apenas para as formas inferiores de trabalho e
grandiosa escola de experiência social. Um
está excluída de suas formas técnicas superiopsicólogo diz que, em nenhuma parte, o ser
res. M uitos diziam que o trabalho elabora apenas hábitos sociais estreitos e unilaterais; que
humano aprende a autêntica cortesia e a civilidade como na fábrica moderna, porque esta
ensina a ver em outra pessoa apenas um colaensina a todos a mais sutil coordenação de
borador, um ajudante ou um chefe - e esses
seus movimentos com os dos outros.
aspectos das relações humanas são treinados
Ao mesmo tempo, a propriedade mais
e polidos até a perfeição artística. Na grande
importante dessa aprendizagem consiste no
indústria moderna são criados grupos inteiros
fato de que ela ensina simultaneamente a sude pessoas intervinculadas pelo trabalho, que
bordinação e a dominação'; excluindo todos os
chegam a uma grande harmonia como conjunaspectos negativos de arribas. Nesse sentido, a
to, como partes diferentes de um mesmo meação educativa do trabalho industrial faz lemcanismo, totalmente ajustadas uma à outra. No
brar a ação educativa do jogo infantil, no qual
entanto, esse ajuste das relações humanas no
as crianças se sentem ligadas por uma rede de
ambiente de trabalho em grande escala não
regras complicadas e, junto com isso, aprendeve ser entendido como uma excepcional
dem não só a se sujeitar a essas regras, mas
harmonia de seu ritmo e hábito no trabalho.
também a subordinar a elas o comportamento
Nas formas sérias de trabalho se exige do colaalheio e a agir dentro dos rigorosos limites traborador a capacidade de replicar a tempo, além
çados pelas condições do jogo.
de uma compreensão séria e certa afinidade.
Em suma, tanto o jogo infantil quanto o
A condição psicológica do trabalho conjunto
trabalho industrial representam só o modelo
se transforma, nas formas elevadas da técnimais puro de qualquer forma de comportamenca, em uma confiança laboral mútua que exito na vida, porque sejam quais forem as forge uma certa unidade de ambas as partes. Ainmas às quais recorremos, sempre teremos de
da nunca aconteceu que, na atividade profislidar com dois elementos, ou seja, com a nesional, dois seres se sintam tão intimamente
cessidade de se sujeitar a certas regras para
unidos quando na fábrica moderna, quando
subordinar alguma outra coisa. Portanto, as
falam entre si pelo telefone com palavras breformas básicas do comportamento consciente
ves e entrecortadas.
e da vontade, por estarem determinadas por
Para compreender o significado psicolóesses dois componentes, também se formam e
gico desse fato, é preciso lembrar que a educadesenvolvem no processo do trabalho técnico. A ção pelo trabalho promove métodos didáticos
É sumamente importante o fato de que
de ensino totalmente novos. O método anteritoda a complexidade das relações humanas,
or, denominado PONMLKJIHGFEDCBA
a c r o a m á t i c o , de simples transsejam elas geográficas, políticas ou culturais,
missão de conhecimento do professor para o
também encontra sua mais nítida expressão na
aluno, assim como o método e r o t e m á t i c o , isto
fábrica contemporânea. Ao trabalhar nela, é
é, o método de descoberta conjunta do conhecimento pelo professor e pelo aluno por meio
como se o aluno fosse colocado no tabuleiro
de xadrez da luta social coeva de um modo
de perguntas, bem como o método h e u r í s t i c o ,
totalmente real; querendo ou não, com cada
ou seja, a busca dos conhecimentos pelos própasso começa a fazer parte dela. Em outros
prios alunos, todos eles em conjunto não abrantermos, todos os problemas da educação social,
gem a essência pedagógica da educação pelo
que aparentemente exigiam enfoques e formas
trabalho." Todos eles pressupõem a presença
totalmente especiais da organização da coletido significado final dos conhecimentos, não no
vidade escolar, são resolvidos sem dificuldade
próprio aluno, mas no educador que o dirige
na educação pelo trabalho.
e, por isso, distinguem-se essencialmente da
educação pelo trabalho, na qual o sentido do
Por fim, o último perigo que ameaçava
nesse caso, isto é, certa limitação das relações YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
saber, o ponto final ao qual se deve chegar, é
190
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dado ao próprio aluno sob a forma da produção, à qual este se incorpora.
Nesse sentido, é correto comparar o caminho psicológico do ensino pelo trabalho com
um círculo, porque essa educação realmente
descreve um círculo e, como resultado do trabalho, retoma ao mesmo ponto de partida no
qual se iniciou seu movimento.
Só que esse
de reação completo e totalmente
terminado.
O estímulo, iniciado com a excitação dos órgãos internos, passa através das vias nervosas
centrais e sai para o exterior por meio do ato
de resposta do órgão efetor ou operante. Ao
mesmo tempo, nada fica estagnado dentro do
organismo; nele não permanece
nenhum resquício do trabalho psíquico; todas suas excita-
retorno ocorre em um novo estado do aluno:
ele vê as mesmas coisas com novos olhos, enriquecidos por uma nova experiência.
Em outras palavras, aborda esse mesmo ponto de
outro ângulo, e isso ajuda 'particularmente
o
aluno a observar, ao mesmo tempo e de uma
só vez, todo o caminho percorrido e - o que é
fundamentala se explicar por que esse cami-
ções reagem plena e integralmente.
Isso se assemelha
ao que acontece em
canais de circulação que levam algum líquido:
desvia-se tudo, inclusive o que ingressou de
massa sólida ou que penetrou através deste. A
própria presença do esforço comprova ao mesmo tempo o trabalho totalmente
correto e infalível do organismo,
porque esse esforço é o
agulheiro? que orienta toda excitação e reação
pelos trilhos corretos.
O resultado mais importante
que se obtém com tal processo é que o trabalho é compreendido e, no aluno que está trabalhando, não
surge nenhuma pergunta sobre o sentido de seu
trabalho. O sentido surge antecipadamente
e
antes de provocar o esforço, e a presença do
nho foi transitado.
Todas as partes do processo psicológico,
como a tarefa proposta aos alunos, a tomada
de consciência dos meios e caminhos para sua
solução, a preocupação
por assimilar e consolidar esses conhecimentos,
o controle e a comprovação destes e a avaliação final de todo o
trabalho realizado, tudo isso unia de forma totalmente
mecânica,
no sistema pedagógico
czarista,
técnicas
psicológicas
diversas
e
desvinculadas
entre si. Basta recordar os exames, as notas, as explicações das lições, o estudo que levava ao esgotamento
e outros fatores, para ver que todas essas partes do processo pedagógico careciam de todo vínculo orgânico entre si e só eram reunidas de forma mecânica em um processo geral porque umas seguiam as outras.
No entanto, na educação pelo trabalho
obtém-se a fusão e a integridade de todo o processo pedagógico,
a união orgânica de todas
as suas partes em um único todo; e esse caráter circular da educação pelo trabalho indica
mais claramente
que todas as sucessivas etapas desse processo formam-se
um círculo completo.
o VALOR
e fecham-se
em
DO ESFORÇO
DE TRABALHO
o
valor psicológico
lho consiste
do esforço
de traba-
no fato de que ele é um processo
esforço comprova a presença de um sentido.
No entanto, qualquer pedagogia que tinha a ver com um conhecimento
desvinculado
da prática, quase sempre exigia esforços sem
justificação
alguma e adquiria,
do ponto de
vista psicológico, o caráter de um trabalho infrutífero
como o de Sísifo," como derramar
água em um recipiente sem fundo. A perplexidade habitual dos alunos do ginásio [ensino
médio] destaca com suma eloqüência como era
absurdo o trabalho que recaía sobre eles. Para
qt;' resolver problemas
aritméticos se eles já
foram resolvidos há muito tempo e no final do
livro estão publicadas suas respostas? Para que
traduzir autores latinos, que há muito foram
traduzidos literalmente?
M eus alunos não podiam entender isso de forma alguma.
Com efeito, qualquer exercício da escola
estava construído
de tal forma que se propunha que o aluno se esforçasse, mas ao mesmo
tempo se comunicava
que esse trabalho era
completamente
inútil, não fazia falta para ninguém e, em suma, era estéril. Por isso, todas
as formas possíveis
transformaram-se
de se abster desse trabalho
em um meio internacional
P S IC O L O G IA
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191
volvia-se o espírito, assim como o corpo era
de luta dos alunos contra os professores, em
desenvolvido por meio de exercícios físicos.
prol da defesa da racionalidade e da compreenSobre essa ginástica das matérias instrutivas
são de seu trabalho. O sistema educativo caretambém estava estrutura da a pedagogia, que
cia de qualquer orientação e nunca pôde resacreditava, como a ginástica [educação física],
ponder para que se estudava esta ou aquela
que toda a atenção não devia focalizar movimatéria.
mentos em si mesmos, mas sua força de deAo mesmo tempo, os psicólogos sempre
senvolvimento para um determinado grupo de
d is c ip lin a
afirmavam o valor da denominada PONMLKJIHGFEDCBA
músculos e órgãos.
fo r m a l;
afirmavam que, independentemente
O ensino da língua eslava eclesiástica
dos conhecimentos diretos que o aluno adquipode ser tão inútil na forma como era minisria enquanto estudava alguma matéria, o vatrado na escola czarista como o levantamento
lor formativo da matéria residia no polimento
de pesos na ginástica sueca, e na vida futura
de nossas aptidões, na ação que tais matérias
do aluno a gramática memorizada da [língua]
exerciam no desenvolvimento de nossa intelieslava eclesiástica seria usada tão pouco quanto
gência. Assim, por exemplo, supunha-se que o
os procedimentos da ginástica sueca na vida
estudo das palavras latinas não só criava no
da maioria de nós. No entanto, considerava-se
aluno a possibilidade de ler um livro em latim,
que essa gramática melhorava e reforçava o
mas também desenvolvia e aperfeiçoava sua
cérebro como os pesos suecos faziam com os
memória. Além de ensinar-lhe a multiplicar,
músculos do braço. E, no aspecto psicológico,
dividir e demonstrar teoremas, o estudo da
essa teoria baseava-se totalmente na velha psiaritmética e da geometria contribuía para decologia denominada "psicologia das capacidasenvolver o pensamento lógico e a exatidão no
des", que desmembrava todo o organismo psímanejo das quantidades. Em outras palavras,
quico em uma série de diferentes capacidades
supunha-se que a ação educativa de cada disespirituais, encontrava para cada uma delas
ciplina ultrapassava os limites de sua ação dium lugar especial no cérebro e acreditava que
reta e de algum modo obtinha uma interpretaa psicologia humana formava-se a partir da
ção e um valor ampliados. A
ação conjunta dessas capacidades, assim como
É preciso dizer com franqueza que sobre
seu corpo está formado pelos distintos órgãos."
esse ponto de vista havia sido construído todo
o sistema de instrução clássica na Rússia, que
Devemos dizer francamente que nem a
base psicológica, nem o fundamento pedagógitinha sua expressão nos ginásios. Todos comco dessa teoria resistem à menor crítica e que,
preendiam perfeitamente que essas matérias
tanto na teoria como na prática, os critérios
que constituíam nove décimas partes do ensidesse tipo, à luz do saber atual, tendem a um
no médio não possuíam nenhum significado
certo obscurantismo medieval. Acima de tudo,
pedagógico, e seu valor limitava-se a essa disa experiência pedagógica revelou que a disciciplina formal, a essa "ação de desenvolvimenplina formal das matérias costuma ser sumato" de nossa inteligência que supostamente
mente insignificante. Seria mais correto dizer
exerciam. Recordemos que as ciências natuque, efetivamente, ela também adota dimenrais só foram introduzidas no ginásio nos últisões consideráveis, porém só em um círculo
mos anos [no início do século XX], e que essas
muito restrito. A recordação dos verbos latinos
disciplinas tiveram de enfrentar uma forte opoou das conjugações irregulares pode desenvolsição antes de serem incluídas nos planos de
ver intensamente o hábito de recordar, mas reestudo.
cordar apenas os verbos latinos. Nesse caso, os
Essa teoria pedagógica nos parece, em um
processos gerais de memorização não manifessentido histórico, herdeira da escola escolástica
tam de forma alguma nenhuma melhora, ou ela
medieval, em que os intermináveis exercícios
é bastante insignificante. Portanto, a disciplina
verbais, as construções e operações constituíformal de cada matéria está ligada apenas a
am o único material e objeto do conhecimento
melhoramentos imperceptíveis no terreno da
e em que se supunha que, por essa via, desen- YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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V IG O T S K I wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
acumulação de hábitos especiais e, assim, sua
importância educativa se esgota por completo
na aprendizagem
profissionalizante.
Dessa maneira, o estudo prolongado
do
latim aperfeiçoa a memória do farmacêutico
para as receitas ou o bibliotecário
aprende a
reconhecer
pela sua lombada milhares de livros e a lembrar o lugar de cada um nas prateleiras, porém nem a memória do farmacêutico
nem seu conhecimento
de línguas estrangeiras, nem a memória do bibliotecário para qualquer outra coisa se aperfeiçoam
devido a seus
exercícios profissionais. Ao contrário, podemos
ter certeza de que essa especialização
de nossas aptidões sempre se adquire às custas de
uma limitação das mesmas em outros âmbitos
e assim se paga um preço sumamente
caro.
Os psicólogos atuais tendem a destacar
que existem mais desvantagens
que vantagens
nessa especialização
precoce. Em particular,
com relação à memória, dizem diretamente que
um dos problemas essenciais da pedagogia é a
questão de ensinar as crianças a esquecer o
supérfluo e não de levá-Ias a recordar o necessário. É interessante
lembrar, para resolver de
forma acertada os problemas da psicologia da
memória, as palavras de Temístocles, respondendo à proposta de ensinar a recordar tudo: A
"É melhor que me ensinem a esquecer".
A pesquisa
de outras aptidões,
assim
como a da memória, levou aos mesmos resultados, isto é, demonstrou
que a disciplina formal de cada matéria afeta de alguma maneira
a elaboração de hábitos especiais. Em outras
palavras, nossa capacidade parece se especializar, porém adquire certo caráter unilateral e
sumamente
estreito. É verdade que, com essa
unilateralidade,
a perda em amplitude
é recompensada
por um ganho considerável
na
produtividade
geral e na flexibilidade
dessa
capacidade; no entanto, em conjunto, a disciplina formal de algumas matérias,
por mais
paradoxal que pareça, desempenha
um papel
prejudicial e limitativo no sentido do desenvolvimento e da ampliação.
Segundo um provérbio francês, toda definição já é uma limitação, e em nenhum âmbitoisso
é tão verdadeiro
quanto no terreno
do desenvolvimento
de nossas aptidões. Por
isso, na psicologia atual, a maioria dos pesqui-
sadores tende a encarar com máxima desconfiança a matéria que é incorporada
ao plano
de estudos só em virtude de sua importância
formal. A utilidade de cada matéria e sua conveniência no sistema pedagógico são determinadas, sobretudo,
pela utilidade direta e pelo
significado imediato que podem ser atribuídos
aos conhecimentos
que comunica.
Por último, a noção psicológica sobre o
trabalho humano composto por muitas aptidões diferentes não resiste a uma crítica rigorosa. Cada uma de nossas "aptidões" funciona
de um todo tão complexo que, considerada
separadamente,
não nos proporciona uma idéia
nem aproximada
das verdadeiras
possibilidades de sua ação. Uma pessoa com memória
fraca, quando pesquisada
de forma isolada,
talvez possa lembrar mais que outra pessoa
com boa memória, só porque a memória nunca age sozinha, mas sempre em estreita colaboração com a atenção, a orientação geral, o
pensamento,
etc., e a ação conjunta dessas diferentes capacidades
sempre pode ser completamente independente
da magnitude absoluta
de cada um dos componentes.
Por isso se subentende
que, na pedagogia, deve-se promover ao primeiro plano o princípio do ensino real. Se os conhecimentos
desenvolvem
muito pouco nossas capacidades
psíquicas, eles só devem ser valorizados à medida que forem necessários
por si mesmos e
em contextos bastante limitados, quando fizerem falta para elaborar alguns hábitos gerais.
Ao mesmo tempo, o aspecto formal da elaboração dessas habilidades
se esgota com movimentos tão elementares
e primitivos que praticamente
tornam indiferente
a matéria com
cujo estudo podem ser adquiridos.
Conseqüentemente,
o único critério do
conhecimento
é seu valor vital, sua necessidade para a vida ou o princípio de realidade. A
lei fundamental
da educação e a lei de formação dos reflexos condicionados
referem-se a
isso. Se mais tarde quisermos obter vínculos
entre alguns conhecimentos
ou fatos e uma determinada
reação do ser humano, durante a
educação
devemos
combinar
ambos muitas
vezes e, então, poderemos ter certeza de que o
novo vínculo de que precisamos realmente se
fechará [formará].
Portanto, toda a escola -
P S IC O L O G IA
esse grandioso aparelho de fechamento de
novos vínculos - deve estar dirigida para a vida,
porque só com essa aspiração os métodos escolares podem obter justificação e sentido.
oYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C O N H E C IM E N T O S IN T É T IC O
Até agora nossa escola tem sofrido com o
profundo dualismo que herdou da velha escola. Podemos encarar nosso sistema escolar do
ângulo que for, mas não podemos deixar de
perceber que, até o momento, seu plano de
estudos se divide em dois 'grandes grupos inconciliáveis. Por um lado, as ciências naturais
(as ciências da natureza) e, por outro, as ciências humanas (as ciênciasdo espírito);entre ambas não
existe nenhuma ponte no edifício escolar. Os
alunos são educados e instruídos com a convicção, talvez inconsciente, de que na realidade também existem dois mundos diferentes: o
da natureza e o do ser humano, e que ambos
estão separados por um abismo intransponível.
Nem uma palavra relaciona um conjunto
de temas ao outro e, se o aluno adquire critérios e uma compreensão diferente do mundo,
isso ocorre à margem da escola. A escola parece servir para enraizar e aumentar essa bifurcação de nosso conhecimento e de nossa experiência. Quando o aluno passa do mundo da
física para o mundo da economia política e da
literatura, é como se fosse transferido para um
mundo completamente novo, totalmente subordinado a leis peculiares, que não lembra
de forma alguma o mundo que ele deixou recentemente, o das ciências naturais.
Isso não representa um vício casual da escola russa, mas é a conclusão historicamente
inevitável de todo o desenvolvimento da ciência e da escola européias. Nesse caso, a escola
reflete apenas o que foi introduzido no próprio
desenvolvimento da filosofia e da ciência. E só
o trabalho, como matéria de estudo, permite
unir ambas psicologicamente porque, por um
lado, como processo que se realiza entre o ser
humano e a natureza, se baseia por completo
na ciência natural e, por outro, como processo
de coordenação dos esforços sociais, constitui a
base para as ciências humanas, sociais.
P E D A G Ó G IC A
193
O trabalho construído com base no sistema das reações conscientes é justamente essa
ponte que se estende entre o mundo das ciências naturais. e o das ciências humanas. A É a
única "matéria" que constitui o objeto de estudo de ambas.
De fato, quando se estudava o homem na
ciência natural escolar, estudava-se apenas essa
parte do ser humano que tem a ver com a anatomia e a fisiologia; ele era estudado apenas
como animal mamífero. O mundo da natureza, do qual o ser humano era excluído, era subestimado e empobrecido em comparação com
a riqueza da vida real. Por outro lado, o mundo das ações e dos atos humanos parecia
suspenso no ar, como um arco-íris suspenso
acima da natureza, sem raízes na terra.
Só o trabalho, em seu significado histórico e em sua essência psicológica, é o ponto de
encontro entre o fundamento biológico e o
suprabiológico no ser humano. Nele se enlaçaram o animal e o homem, e o saber humano
e o natural se entrecruzaram. Portanto, a síntese na educação, com a qual sonhavam os psicólogos em tempos remotos, torna-se possível
na educação para o trabalho.
A P R Á T IC A
Blonski diz que "a educação para o trabalho é a educação do dono da natureza", porque
a técnica [tecnologia] representa a dominação
real e materializada do ser humano sobre a natureza, a subordinação do ser humano às suas
leis para seu próprio benefício.
Nesse sentido, o trabalho talvez seja ainda mais valioso, do ponto de vista psicológico,
por estar dirigido à PONMLKJIHGFEDCBA
p r á tic a
[ p r a k t i k a ] .10 É sumamente ilustrativo que, na filosofia européia
das últimas décadas, de alguma forma ele tenha sido promovido pelas mais diversas correntes como a única possibilidade de construir
um conhecimento científico. Com efeito, a prática é a comprovação suprema à qual cada disciplina científica é submetida, e a expressão
de M arx, dizendo que os filósofos só têm se
limitado a interpretar o mundo, embora haja
que rransformá-lo," abrange totalmente a autêntica história da ciência.
111'
I wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1
I,
li
194
V IG O T S K I
Em última instância, todo conhecimento
surgiu e sempre surge de alguma exigência ou
necessidade prática e, se no processo de desenvolvirnento ele se afasta das tarefas práticas que lhe deram origem, nos pontos finais
de seu desenvolvimento ele volta a se dirigir
para a prática e encontra nesta sua mais alta
justificação, confirmação e verificação.
Em particular, o máximo pecado psicológico de todo o 'sistema escolástico e clássico
de educação foi o caráter absolutamente absI
trato e inerte dos conhecimentos. O saber era
assimilado como um prato pronto, e ninguém
i:
sabia o que fazer com" ele. Ao mesmo tempo,
a própria índole do conhecimento era esquecida, isto é, o fato de ele não ser um capital
de reserva pré-orientado PONMLKJIHGFEDCBA
[ p r e -s e t]
ou um prato pronto, mas um processo contínuo de criatividade, a luta da humanidade pelo domínio
da natureza.
A verdade científica é mortal, vive dezenas ou centenas de anos, mas depois morre,
porque no processo de conquista da natureza
a humanidade sempre continua avançando. A
ciência de nossas escolas tinha chegado a uma
total ruptura com essa tese quando, de forma
I
dogmática, buscava verdades que deviam ser
!I
estudadas a fundo pelos alunos. Nenhuma
l '
noção psicológica sobre a verdade é mais falsa
que aquela que nossos alunos extraíam dos manuais escolares.
YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A verdade lhes era apresentada como algo
terminado e definitivo, corno resultado de certo processo incondicionalmente
correto. Ao
mesmo tempo, é interessante perceber a enorme irreverência que a verdade científica criava nos alunos, devido ao fato de a conhecer
através das páginas [dos manuais] de Kraevich
e Sadovnik, nos quais a verdade parecia estar
listada em parágrafos e o aluno não podia distinguir onde estava a verdade científica em si
e onde estavam os procedimentos didáticos dos
autores do manual.
O processo em si da busca da verdade era
ocultado, e esta não era apresentada na dinâmica de seu surgimento, mas na estática de
uma regrajá encontrada. E como tudo isso era
estudado exaustivamente, e os alunos repetiam
tudo como se fossem papagaios, era totalmente natural que a atitude de nossos estudantes
I
;
L 1 E V S E M IO N O V IC H
~
I
com relação à ciência e à verdade científica se
diferenciasse pouco da atitude dos [homens
primitivos] selvagens com relação às suas crenças; e esse supersticioso e obtuso culto à letra
da verdade escolar, que na Rússia era a última
palavra da pedagogia, só era capaz de educar
selvagens civilizados.
Em segundo lugar, a verdade sempre era
apresentada sob a forma de uma regra teórica
abstrata, que não era obtida através de um
processo de busca e trabalho, mas através de
um labor puramente mental. Ao mesmo tempo, nunca era relacionada às exigências vitais
que a tinham gerado nem às conclusões vitais
que dela derivavam. Entretanto, a própria índole da verdade científica, no tocante a qualquer regra higiênica insignificante ou à teoria
da relatividade," também possui um caráter
prático. Em outros termos, a verdade sempre
é concreta.
Em terceiro e último lugar, nessa infinita
mescla de verdades científicas que eram oferecidas ao aluno, nem o mais experiente
metodologista [epistemologista] da pedagogia
poderia ter se orientado sem chegar às mais
desoladoras conclusões. Durante o curso escolar as verdades científicas choviam a cântaros,
no sentido literal da palavra, e nenhum pedagogo engenhoso teria podido explicar qual era
o vínculo entre as declinações latinas, as guerras napoleônicas e as leis da eletrólise.
Essa fragmentação e esse isolamento dos
conhecimentos escolares recarregava a percepção do aluno com urna infinita quantidade de
fatos separados, excluindo um ponto de vista
unificador e vinculador do terna. Por isso, no
âmbito da filosofia e da concepção do mundo,
sempre imperava nos círculos instruídos a mais
vergonhosa leviandade, urna fraseologia superficial e uma monstruosa falta de informação
sobre os problemas mais elementares. Esses
três vícios da escola czarista estão sendo superados por meio da educação para o trabalho
que, em primeiro lugar, sintetiza e unifica todas as matérias; em segundo, dá a elas um determinado viés e um uso prático e, em último
lugar, descobre o próprio processo de descoberta da verdade e de seu movimento depois
de ela ter sido encontrada.
P S IC O L O G IA
oYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P R O F IS S IO N A L lS M O A
Nenhum
P E D A G Ó G IC A
195
princípio
pedagógico
enunciaconseqüências,
caso
não for compreendido
de forma correta,
quanto o princípio
da escola para o trabalho; e devemos
dizer honestamente
que a
prática russa da escola para o trabalho foi um
claro exemplo dessas tergiversações.
Blonski,
E A P O L IT É C N IC A wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
do implica tão temíveis
Embora as tendências
da indústria moderna estejam orientadas para uma politécnica completa do trabalho,
esse processo não
deve ser considerado
concluído, nem mesmo
em um país capitalista tão desenvolvido quanto os Estados Unidos e muito menos aqui, na
Rússia.
Portanto, a politécnica é uma verdade do
futuro, para a qual deve ser orientado o trabalho escolar, porém essa verdade ainda não está
definitivamente
cristalizada;
além de implementar um programa de educação politécnica, a escola também tem a meta de satisfazer
as demandas vitais imediatas que surgem. Ao
mesmo tempo, o profissionalismo,
que necessariamente deve ser proposto pela escola, deve
ser entendido
como uma concessão
à vida,
como uma ponte estendida da educação escolar para a prática da vida.
Isso significa que a escola, com a orientação profissionalizante,
não perde seu caráter
politécnico. A politécnica continua sendo seu
núcleo fundamental
e básico, porém essa educação politécnica se acentua em um extremo
para poder penetrar diretamente
na vida. Com
relação a esse ponto, o vínculo entre a educação geral e a especial na nova interpretação
pode ser compreendido
através da velha fórmula há muito promovida pela psicologia e que
diz que PONMLKJIHGFEDCBA
c a d a u m d e v e s a b e r a lg o s o b r e tu d o e
t u d o s o b r e a l g o . "Cada um deve ser algo sobre
tudo" significa que as noções mais elementares e gerais sobre os principais elementos do
todo universal devem figurar na base da educação geral de cada pessoa. E "tudo sobre algo"
quer dizer que se exige que nossa formação
reúna absolutamente
todo o saber de uma determinada área que esteja diretamente
relacionado a nosso trabalho.
É fácil compreender que essa antiga fórmula pode ser totalmente aplicada à educação
profissionalizante
se considerarmos
que "tudo
sobre algo" equivale à exigência do profissionalismo, enquanto "algo sobre tudo" tem a ver
com a politécnica.
em seu livro sobre a escola para o trabalho,
diz que nela não há nenhuma
página e nenhum princípio que não possam ser transformados na mais terrível caricatura
do princípio do trabalho.
Tenho visto escolas-com
unas que ressuscita-
ram por completo as práticas das instituições
fechadas, que fazem lembrar asilos. Tenho visto instrutores que preparam o 'dia da criança'
para todo um bairro com uma precisão que
chega aos 15 minutos. Tenho visto educadores pré-escolares
que ensinavam crianças de
cinco anos a cozinhar a comida em cozinhas
hediondas. Acudiram a mim crianças que escapavam do trabalho na horta porque ele as
levava ao esgotamento
total, devido ao calor
massacrante
e ao cansaço. Tenho visto professoras que consideram
que o fato de arrastar pedaços de lenha pesados e sujos, limpar
latrinas e varrer a poeira faz parte da escola
para o trabalho; na minha opinião, esse é um
trabalho nocivo e inútil até para os adultos.
Tenho visto oficinas de marcenaria em que eu,
um adulto,
sufocava,
trabalhavam
e nas quais as crianças
em posturas
incríveis. Tenho visto
trabalhos em metal em que as crianças corriam
o risco de contrair uma pneumonia. Tenho visto mulheres
conversadeiras
que, depois de
conversar sobre qualquer trivialidade da vida
cotidiana, pensavam que estavam realizando
a educação para o trabalho. Tenho visto professores tendo aulas de culinária escolar. Tenho certeza
de que muitos
professores
leva-
rão as crianças ao inferno da fábrica, lançarão
adolescentes
no meio do estrondo e do calor
das oficinas,
Que farão com que eles dirijam
máquinas perigosas, encherão seus pulmões
de poeira e carvão e, depois, começarão a convencer todo mundo de que estão educando
segundo
"o estilo Blonski".
[P. P. Blonski,
T r u d o v a ia
s h k o la
tr a b a lh o ),
1 9 1 9 .]
=
(A e s c o la
de
educação para
o
196
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I
7. "Agulheiro" é um termo técnico que designa o
N O T A S wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dispositivo mediante
o qual é selecionado o
trilho por que o trem deve passar. Vigotski usa
1. Esse segundo tipo de escola, que traduzimos
tal "metáfora ferroviária" algumas vezes nesta
como "ilustrativa" ou "visual", também podeobra.
ria ser traduzida como escola "de protótipos".
8. Na mitologia grega, Sísifo era um rei que, por
2. Georg Kerschenteiner
(M unique, 1854-1932)
ter ofendido Zeus, foi condenado
ao trabalho
foi um pedagogo alemão. Elaborou uma teoria
eterno
de
carregar
uma
enorme
pedra
até o
reacionária que chamou de "educação cívica",
cume de uma montanha; ao chegar lá, a pedra
para combater as influências de ideologias recaía, e Sísifo tinha de recomeçar o trabalho.
volucionárias
na juventude.
Considerava que
9.
A
vigência dessa teoria psicológica, também
o meio de obter essa educação era a escola
chamada de "psicologia das faculdades", tem
profissionalizante,
e não a tradicional. No inísido defendida ultimamente
por J. Fodor (cf.
cio da Primeira Guerra M undial, foi publicada
M
o
d
u
l
a
r
i
d
a
d
de
Ia
M
e
n
t
e
,
M
adri: M orata,
na Rússia uma seleção das-suas obras. É muito
1986).
provável que, aqui, Vigótski esteja se referin10.
"Práxis"
é uma palavra do vocabulário alemão,
do ao seu livro de 1912, Der Begriff der
de
origem
grega, que designa a "prática" no
Arbeitsschule
[O conceito
da escola provocabulário de M arx. P r á t i c a é uma categoria
fissionalizante],
publicado em russo em 1918.
central do marxismo, que se refere à "ativida3. Este parágrafo foi escrito há 75 anos, com relade social humana, cuja base é a produção mação aos estudos de M arx de 150 anos atrás. Para
terial, a relação entre os seres humanos e o
uma exposição mais detalhada, cf. L. S. Vigotski,
mundo, de caráter fundamentalmente
ativo"
"La M odificación Socialista DeI Hombre", em:
(Lucien Seve, U n e i n t r o d u c t i o n a Ia p h i l o s o p h i e
L. S. Vigotski, PONMLKJIHGFEDCBA
L a G e n ia lid a d y
o tr o s te x to s in é d im a r x i s t e , Paris: Éditions Sociales, 1980, p. 701).
to s ,
edição
de G. Blanck,
Buenos
Aires:
Seve é favorável ao uso do vocábulo "prática"
Almagesto, 1998, p. 109-125.
nas línguas em que esse termo existe, em vez
4. Nessa e em outras asserções de Vigotski evide "práxis", que teria uma conotação de "valodencia-se a diferença abismal no campo do derização historicista da prática social em d e t r i senvolvimento
econômico que existia na épom e n t o da objetividade
natural". Em compenca entre os Estados Unidos e a Rússia. A habisação,
Sánchez
Vázquez
prefere "práxis", pois
tual afirmação de Noam Chomsky em suas conem
espanhol
"prática"
teria
adquirido
uma
ferências, de que "só um louco [ c r a z y ] teria a
conotação de desvalorização
(cf. sua F i l o s o f i a
idéia de comparar a situação econômica soviéde Ia p r a x i s , M éxico: Grijalbo, 2.ed. corrigida,
tica com a norte-americana
dos anos 20" coin1980, Introducción).
Adotamos "prática" porcide com essas asserções de Vigotski; Chomsky
que, em nossa opinião, esse termo se adapta
afirma também que "a única equivalência válimelhor ao contexto em que Vigotski produziu
da nesse sentido seria comparar a Rússia com
este livro.
o Brasil da época". Apesar de a URSS ter che11. Vigotski refere-se
a K. M arx, "Teses sobre
gado a um desenvolvimento
econômico excepà tese XI, op.
Feuerbach"
e,
mais
precisamente,
cional 30 anos mais tarde, o que a transforcito
no
Capo
1.
mou na segunda potência mundial, nunca che12. No prefácio dissemos que Vigotski, em uma das
gou ao grau de desenvolvimento
das forças pro"Segundas-feiras
Literárias" de Gómel, minisdutivas que houve nos Estados Unidos.
trou
uma
palestra
sobre Albert Einstein e sua
5. É muito provável que Vigotski esteja se refeteoria da relatividade.
Também faz referência
rindo a Henry Ford. Ele não teria mencionado
a
essa
teoria
e
à
de
Newton,
de um ponto de
o industrial norte-americano
devido A à sua púvista
epistemológico,
em
O
b
r
a
s . . . , t. I, op. cito
blica atividade anti-semita.
6. A denominação
desses diferentes métodos foi
totalmente suprimida na edição norte-americana
deste livro. O grifo é nosso.
--
---
---
---
o C o m p o rta m e n to
S o c ia l
. e s u a R e la ç ã o c o m o
D e s e n v o lv im e n to d a C ria n ç a wvutsrqponmlkjihgfedcbaZY
YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o C O N C E IT O
a criança está adaptada
ao ambiente em diversos graus.
Como se sabe, a biologia moderna consiPortanto,
o problema
da adaptação
ao
[ p r ip o s o b lidera que o conceito de adaptação PONMLKJIHGFEDCBA
meio também deve ser analisado com relação
do desenvolv a n i e ] é o princípio fundamental
ao comportamento
evolutivo da criança. Vejavimento da vida orgânica na Terra.' Por isso,
mos ambas as questões.
também dizemos na área da pedagogia que o
Com relação à primeira, corresponde
diobjetivo final de toda educação
consiste na
zer que a adaptação
só deve ser considerada
adaptação da criança ao ambiente em que lhe
do ponto de vista social. Ao mesmo tempo,
toca viver e agir.
nunca se deve partir do meio dado e existente
No entanto, é preciso levar em considee considerá-lo invariável e permanente. O meio
ração duas circunstâncias.
Em primeiro lugar,
social contém uma imensa quantidade
de aso fato de que a adaptação ao ambiente pode
pectos e elementos muito diversos, que semser de diversa índole. Está adaptado ao meio o
pre estão em flagrante contradição
e luta enastuto arrivista, o negociante e o delinqüente
tre si. Não devemos conceber o ambiente como
que levam em conta, de forma admirável, os
um todo estático,
elementar
e estável, mas
mínimos estímulos do ambiente, sabem reagir
como um processo dinâmico que se desenvolde forma adequada
e conseguem
satisfazer
ve dialeticamente.
Por isso, um revolucionário
pode estar, do ponto de vista social, mais adaptodas as suas demandas vitais experimentando, ao fazer isso, um imenso sentimento
de
tado às tendências superiores do ambiente que
auto-satisfação,
que se exprime em um afeto
um arrivista, porque está adaptado à dinâmica e não à estática social.
emocional positivo e lhe dá a possibilidade
de
DE ADAPTAÇÃO
dominar a situação em todos os casos.
Cabe que nos perguntemos:
por acaso
essas pessoas representam
o ideal de personalidade educada do ponto de vista da pedagogia? E vice-versa, ante qualquer revolucionário que não pode se conformar com nenhum
círculo social, que se rebela contra a sociedade e que sempre entra em choque com o meio,
manifestando
assim sua falta de adaptação,
podemos
dizer
que essa pessoa
erroneamente
educada?
A segunda dificuldade reside
que, devido ao seu desenvolvimento
A atitude do ser humano com relação ao
ambiente sempre deve ter o caráter de ativi-
está mal ou
dade, e não de mera dependência.
Por esse
motivo, a adaptação
ao ambiente pode implicar a mais dura luta contra seus diferentes elementos, denotando
sempre inter-relações
ativas com este. Portanto, no mesmo ambiente
social pode haver orientações sociais totalmente diversas do indivíduo, e toda a questão reside em saber em que direção essa atividade será
no fato de
evolutivo,
educada.
O segundo problema se resolve da seguinte maneira: a criança, na verdade, passa por
198
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
muitas etapas de adaptação
ao ambiente social, e as funções de seu comportamento
social
se modificam intensamente
de acordo com esta
ou aquela etapa evolutiva. Assim, o comportamento social da criança deve ser considerado
como um comportamento
que é interpretado
reiteradamente,
de acordo com o desenvolvimento
biológico
A C R IA N Ç A
do organismo.
E O A M B IE N T E
A. Zalkind revela o significado objetivo e
materialista
da teoria de Freud aproximadamente da seguinte maneira."
Freud, segundo Zalkind, estabelece dois
princípios aos quais a atividade humana está
subordinada:
o princípio do prazer e o princípio de realidade. As paixões e os desejos, profundamente
ocultos no ser humano, e sua interação com o ambiente, dão origem à psique
humana. "Toda a vida espiritual está orientada pelo desejo do gozo e pela rejeição ao sofrimento." Essas pulsões de gozo organizam toda
a orientação da personalidade,
preenchendo
a
atenção, a memória e o pensamento
de um determinado conteúdo. "Todo o mundo psíquico
do ser humano é a soma de seus desejos e a
experiência
da luta para realizá-los."
M as o
desejo do gozo colide com as exigências do
meio real, ao qual é preciso se adaptar; assim,
o princípio do prazer entra em choque com o
princípio de realidade. O organismo tem de renunciar a muitos desejos. Esse desejo insatisfeito é deslocado
para a área inconsciente
e
continua existindo lá de forma latente,
[ ...] abrindo caminho para a vida psíquica, dirigindo-a por seus caminhos, submetendo-a
às influências desses desejos inconscientes
deslocados. O princípio do prazer, quando não
chega a um acordo com o princípio de realidade, vinga-se deste criando um mundo particular no lugar do mundo real: o das paixões
não-conscientes, deslocadas, inconscientes.
Criam-se no ser humano duas realidades irreconciliáveis entre si: a realidade externa da
qual se toma consciência, que contém em si
os elementos de adaptação ao meio circundante, e a realidade psíquica, alheia e hostil
ao meio externo, encurralada por este no
subsolo do inconsciente, porém faminta, insatisfeita, prestes a irromper até a superfície.
Toda a vida psíquica está impregnada pela
feroz luta entre essas duas realidades. [A. B.
Zalkind, "Freidizm i M arksizm" (Freudismo e
M arxismo), Krasnaia Nov, n 4, 1924.]
Q
Essa luta se exprime através da denominada censura, que desfigura as paixões reprimidas que irrompem durante o enfraquecimento do estado consciente,
no sonho e nos atos
falhos.
A forma superior
desse conflito, dessa
discórdia com o ambiente, se expressa através
da denominada
evasão na doença, que deve
ser entendida como uma atitude doentia diante da realidade, como uma forma peculiar de
comportamento,
na qual triunfam os desejos
deslocados e insatisfeitos,
que formaram um
certo "complexo", isto é, um grupo de representações ligado a alguma vivêncía afetiva.
Até mesmo nosso processo de pensar é
orientado de acordo com esses desejos deslocados ou complexos, e não precisamos mencionar que todas as restantes forças psíquicas estão subordinadas
a essa lei.
[O] ser humano só dirige ao meio circundante
uma parte de sua riqueza criativa; a parte restante fica guardada para seu uso interno,
alheio às obrigações impostas por esse meio.
A quantidade de atenção, de memória, o material dos processos pensantes, a qualidade das
aptidões gerais e especiais, a quantidade de
resistência e flexibilidade que um indivíduo
manifesta nos atos de sua real adaptação, com
freqüência representam um fragmento insignificante de suas possibilidades criadoras. Em
compensação, uma parte imensamente maior
das mesmas permanece oculta para nós, encoberta, dirigida para os processos internos
fechados, alimentando uma excitação excedente, irreal e não-criativa. Isso acontece não
só com as denominadas personalidades patológicas, mas também com as pessoas totalmente normais, devido à extrema relatividade do
conceito de normalidade nas condições do
demente meio social dos dias de hoje. A estrutura congênita da personalidade e os hábitos que acumula no decorrer da primeira infância e durante o período de seu crescimento posterior, entrarão inevitavelmente em cho-
P S IC O L O G IA
que com as obrigações
da realidade
circun-
dante. Aumenta assim a desorganização
interna, há uma brusca cisão, uma marcante dissociação da personalidade,
que entrega ao
meio apenas o que este lhe tira de forma coercitiva, e a maior parte de seu potencial permanece
tencial.
no estado de uma faminta
[A. B. Zalkind, ibidem.]
tensão po-
P E D A G Ó G IC A
199
rece-se pó de carne com cheiro a um cão. Ele
responde com reflexos de preensão e secreção
salivar, porém só tem acesso ao pó depois de
um sinal luminoso ou sonoro. Em princípio, o
cão tenta pegar o pó de todos os jeitos, secreta
saliva, etc. No entanto, devido a insistentes
repetições do experimento, ele começa a inibir seu reflexo básico: "sem obter permissão,
sem o sinal condicionado, ele não está em condições bioquímicas de comer - não produz saliva nem os outros sucos -, perde o apetite e a
vontade de comer".
Freud supõe que uma grande parte desses desejos reprimidos são de origem sexual.
Liga o desenvolvimento do instinto sexual à
mais tenra infância. Naturalmente, não fala de
um instinto sexual completamente desenvolvido e formado na criança, mas de elementos
o A M B IE N T E C O N T E M P O R Â N E O
embrionários, parciais, de diferentes sensações
EAEDUCAÇÃO
que partem das membranas mucos as, do funcionamento de certos órgãos, e constituem os
o ambiente social contemporâneo, isto é,
germes do futuro sentimento sexual, a denoo meio da sociedade capitalista, cria, devido a
minada "libido".
seu caótico sistema de influências, uma conA experiência instintiva primária da criantradição radical entre a experiência precoce da
ça, bem como os primeiros hábitos da infâncriança e suas formas de adaptação mais tarcia , a chamada conduta infantil, transcorrem A
dias. Por isso, o organismo tem de assimilar
principalmente sob a ação do princípio do pracertas formas de inibição, tem de encobrir seus
zer. A preocupação pela adaptação ao meio
desejos; esses desejos encontram uma saída no
recai sobre os adultos. Eles fazem com que a
sonho, porém não de forma clara, mas mascacriança estabeleça suas primeiras inter-relações
rada, pois se deparam com o obstáculo da cencom o meio. Isso é o que marca o comportasura. Conseqüentemente, cria-se uma flagranmento infantil do período da primeira infânte contradição entre o ambiente e a personalicia. Ele se forma primeiramente a partir das
dade. Surge daí um quadro que A. B. Zalkind
reações congênitas incondicionadas e, depois,
descreve do seguinte modo: todas as pulsões
a partir dos reflexos condicionados de primeinão-realizadas recebem uma direção incorrero grau, afins a elas.
ta e refluem para o instinto sexual, que se aliIsso é o que explica a trágica contradição
menta, portanto, como um parasita se alimenentre "a reserva congênita, a experiência inta de seu hospedeiro.
fantil precoce e suas aquisições posteriores".
A caótica combinação das excitações [esComo há uma enorme falta de correspondêntímulos] sociais contemporâneas cria uma evicia entre essa experiência infantil precoce, badente falta de correspondência entre a reserva
seada nos hábitos biológicos, e o ambiente, com
herdada, a experiência da primeira infância e
todas as suas exigências objetivas, surge uma
as acumulações psíquicas posteriores, mais
desorganização biológica do ser humano, e a
maduras. Oculta-se então uma enorme parte das
passagem do comportamento infantil ao comforças biopsíquicas do ser humano, seu uso
portamento adulto sempre representa uma tradistorcido, pois o meio social aproveita apenas
gédia, que Freud chama de "luta entre o prinuma parte insignificante dessa energia. Entrecípio do prazer e o princípio de realidade".
tanto, no subsolo da psicofisiologia humana jaComo observa A. Zalkind, essas concluzem poderosas reservas que esperam os estísões coincidem totalmente
com os experimulos sociais correspondentes. Possuem uma
mentos de laboratório de Pavlov. Ali se reproextraordinária plasticidade. Liberar essas reserduz de forma experimental a definição da exvas e realizar a liberação social dessa energia
periência infantil quando ingressa à vida. Ofe- YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
significa produzir o proces~o seguinte. No ser
Ili
200YXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I wvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I
I
.~
humano residem muitas energias sob a forma
de inclinações, desejos e aspirações; uma parte
dessa energia não obtém satisfação devido ao
princípio da realidade e é deslocada para o inconsciente. Para essa parte restante de energia,
há três saídas possíveis. A primeira é entrar em
luta com as formas conscientes do comportamento, vencê-Ias e vingar-se do princípio da
ele ruge por todo o apartamento
- a catarse
freudiana:
uma explosão, uma incontrolável
expansão da excitação reprimida. Esse é um
dos caminhos. (2) Há outra possibilidade. A
inibição
continua
agindo,
os posteriores
ata-
ques do chefe
a mantém,
alimentam
e
condensam.
M as também surgem novos estímulos: uma manifestação
cidade,
um
manifesto
revolucionária
pela
clandestino
que
realidade: isto é, evasão por meio da doença ou
conc1ama à luta contra "os chefes" em geral,
psiconeurose. A segunda é uma luta que termimétodos de luta prolongada,
tenaz e organina em um empate ou, mais exatamente,
não
zada. O reflexo de agressão se libera, não de
forma incontrolável,
mas organizada, ele se
termina de forma alguma, e o ser humano,
desenvolve
durante
certo
tempo e se transmantendo formas normais-de comportamento,
forma em rnilitância
revolucionária
ilegal,"
prolongado conflito
vive em um permanente
perseverante.
O
reflexo
de
agressão
se
transentre o meio e si mesmo, e também dentro de si
forma, através da soma - aumento - de estímesmo. Por último, a terceira saída: empurramulos circundantes,
mediante sua prolongada para o inconsciente e deslocada pela realida inibição e sua liberação paulatina, em um
dade, a energia é novamente liberada, de novo
reflexo de ordem superior, isto é, em p r o c e s s o
em nome da realidade, porém em uma direção
c r i a t i v o . [A. B. Zalkind, ibidem.]
socialmente útil e criativa. Nesse caso, o ambiente triunfa por completo, pois, além de deslocar
Fica claro, portanto,
que uma educação
as forças que se opunham a ele, apodera-se noideal só é possível com base em um ambiente
vamente delas de forma modificada.
social orientado
de modo adequado e que os
Conseqüentemente,
esse processo, ou PONMLKJIHGFEDCBA
suproblemas
essenciais da educação só podem
b l i m a ç ã o , constitui
a máxima realização
de
ser resolvidos depois de solucionada
a questodos os nossos desejos, só que em uma diretão social em toda a sua plenitude. Daí deriva
ção socialmente útil. Portanto, esse é o camitambém
a conclusão
de que o material hunho que deve ser percorrido pela educação. A
mano possui uma infinita plasticidade
se o
sublimação é muito similar às formas correnmeio social estiver organizado
de forma cortes de inibição dos reflexos, inclusive daqueles
reta. Tudo pode ser educado e reeducado no
que não foram deslocados para a esfera inconsser humano por meio da influência social corciente. Para esclarecer o mecanismo
de ação
respondente.
A própria
personalidade
não
da sublimação utilizaremos
um exemplo exdeve ser entendida
como uma forma acabatraído da vida diária por A. Zalkind:
da, mas como uma forma dinâmica de interação que flui permanentemente
entre o orgaUm funcionário subalterno
é grosseiramente
nismo e o meio.
ofendido por seu chefe; as 'irritações'
desse
Devemos recordar a respeito que, embo-
e
tipo sempre lhe provocavam
do reflexo de agressão,
inibição,
em vez
pois o meio burocráti-
co do regime czarista certamente
não criava
um terreno propício para a formação de reflexos agressivos manifestos. A soma dessas excitações inibidas pode se manifestar externamente em duas direções: (1 ) O funcionário
está na sua casa, prestes a almoçar; qualquer
detalhe, uma pequena desordem na mesa o
"irritam"; a irritação cai no campo da excitação inibida
e, de repente,
brusco e violento,
de agressão:
a enorme
[surge]
os punhos
força do reflexo
batem
de nosso século essa educação tropeça em uma
série de obstáculos.
Vejamos as formas reais
do comportamento
da criança.
AS FORM AS
R E A IS D O
COM PORTAM ENTO
S O C IA L
um acesso
os pratos voam em direção
posa, aos filhos,
ra absolutamente
tudo no organismo humano
esteja sujeito à educação, nas condições reais
à es-
na mesa,
Na vida real as pessoas mantêm sua existência porque adaptam a natureza às suas demandas no processo de trabalho, A produção
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
humana distingue-se por seu caráter coletivo
e sempre precisa de um certo grau de organização das forças sociais como momento preliminar para seu surgimento.
Em geral, existe nos seres vivos uma íntima dependência entre os organismos de uma
mesma espécie. No entanto, as formas da comunidade humana são diferentes das formas
da comunidade animal. A comunidade animal
se baseia nos instintos de alimentação, defesa,
ataque e procriação, que exigiem a colaboração conjunta de diversos organismos. Na humanidade, esses instintos Jévaram à formação
e ao aparecimento da atividade econômica, que
é a base de todo o desenvolvimento histórico.
Marx dizia o seguinte:
201
co'', em C. Marx e F. Engels, O bras Escogidas,
Moscou: Progreso, 1969, p. 441, Capo3, parág.
12.)5
Assim, o processo de produção adquire o
mais amplo caráter social na humanidade e, nos
dias de hoje, esse fato abrange o mundo inteiro. Disso depende que surjam formas mais complexas de organização do comportamento social
dos homens, com as quais a criança se depara
antes de enfrentar diretamente a natureza.
Por isso, o caráter da educação humana é
totalmente determinado pelo meio social no
qual o ser humano cresce e se desenvolve. Entretanto, nem sempre esse ambiente influencia
o ser humano de forma direta e imediata; essa
influência também é indireta, através de sua
ideologia. Chamaremos de ideologia a todos os
[Na] produção social de sua vida, os seres huestímulos sociais que foram estabelecidos no
manos entram em determinadas relações neprocesso de desenvolvimento histórico e que se
cessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a uma
cristalizaram por meio de normas jurídicas, redeterminada fase do desenvolvimento de suas
gras morais, gostos artísticos, etc. Essas normas
forças produtivas materiais. O conjunto desestão totalmente impregnadas pela estrutura de
sas relações de produção forma a estrutura
classe da sociedade que as gerou e servem para
econômica da sociedade, a base real sobre a
a organização de classe da produção. Condicioqual se ergue a supra-estrutura jurídica e ponam todo o comportamento humano e, nesse
lítica e à qual correspondem determinadas
sentido, temos o direito de falar do comportaformas da consciência social. [...]. Quando a
mento de classe do ser humano."
base econômica muda, isso atinge de forma
Sabemos que absolutamente todos os remais ou menos rápida toda a imensa supraflexos
condicionados do ser humano são deestrutura erigida sobre ela. Quando esses reterminados pelas influências do ambiente que
sultados são estudados, deve-se distinguir
sempre entre as mudanças materiais ocorrio mesmo recebe de fora. Visto que esse meio
das nas condições econômicas de produção e
social é de classe em sua estrutura, é natural
que podem ser apreciadas com a exatidão próque todos os novos vínculos tenham a colorapria das ciências naturais, e as formas jurídição de classe desse meio. Por isso, alguns pescas, políticas, religiosas, artísticas ou filosófiquisadores não falam apenas de uma psicolocas, em suma, as formas ideológicas como os
gia de classe, mas também de uma fisiologia
seres humanos adquirem consciência desse
de classe. As mentes mais audazes se referem
conflito e luta para resolvê-Ia. [K. Marx, prea "uma total imersão social" [vsepropitannost]
fácio de 1859 àtsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C ontribuição à crítica da ecodo organismo e afirmam que nossas funções
nom ia política.] 4
mais íntimas são porta-vozes dessa natureza
social. Respiramos e efetuamos as funções esDo ponto de vista do materialismo histósenciais de nosso organismo sempre em conrico, Engels afirma que:
sonância com os estímulos que agem sobre nós.
[...] as causas fundamentais de todas as muQuando analisamos a psicologia do homem
danças sociais e transformações políticas não
contemporâneo, encontramos nele tamanha
devem ser buscadas na mente humana [...],
quantidade de opiniões alheias, de palavras
mas na mudança do modo de produção e disalheias e de idéias alheias que não podemos
tribuição. Não devem ser buscadas na filosoafirmar taxativamente onde termina sua perfia, mas na economia de cada época. [F.Engels,
sonalidade individual e onde começa a social.
"DeI socialismo utópico al socialismo científi-KJIHGFEDCBA
202KJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH
VIGOTSKI
Por isso, cada pessoa na sociedade atual, mesmo sem querer, é inevitavelmente porta-voz
desta ou daquela classe [social].
Já que sabemos que a experiência individual é condicionada por seu papel com relação ao meio e que o pertencimento de classe
determina esse papel, resulta claro que este
defina a psicologia e o comportamento do ser
humano. Afirma Blonski:
Portanto, não existe na sociedade nenhum tipo
de leis imutáveis e universalmente obrigatórias
do comportamento humano. Na sociedade de
classe o conceito de "homem" é, na verdade,
um conceito abstrato e vazio. O comportamento social do ser humano é determinado pelo
comportamento de sua classe [social], e cada
ser humano é, inevitavelmente, um homem
desta ou daquela classe.
Com relação a esse ponto, devemos ser
profundamente históricos e colocar sempre o
comportamento do ser humano em relação
com a situação de classe em um determinado
momento. Este deve ser o procedimento psicológico fundamental para todo psicólogo científico. Recordemos que a estrutura de classe
da sociedade determina a posição que o ser
humano ocupa no trabalho social organizado.
Conseqüentemente, o pertencimento de classe
determina de forma simultânea a orientação
IzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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cultural e natural da personalidade no ambienf •. i
II'j
te. Blonski afirma o seguinte:
r I
I
,
I~
til
I
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I
[...] todo ser humano é uma variação média, a
mais freqüente, mínima, máxima, etc., desta
ou daquela classe social. Deriva daí o fato de
que o comportamento individual vai depender
do comportamento da classe correspondente.
o que ocorre é que o trabalho humano,
isto é, a luta pela existência, adota necessariamente as formas da luta social e, em função disso, coloca massas inteiras em iguais condições,
exigindo-lhes que elaborem formas iguais de
comportamento. Estas constituem os credos religiosos generalizados, os ritos e as normas com
as quais vive uma determinada sociedade. De
maneira que, queiramos ou não, consciente ou
inconscientemente, a educação sempre se orienta de acordo com uma linha de classe.
Para um psicólogo, isso significa que o
sistema de estímulos que forma os sistemas de
comportamento da criança é integrado por
estímulos de classe.
Devemos levar tal fato em consideração
quando a pedagogia atual lida com o velho problema de saber qual é o ideal da educação: de
tipo internacional, humano em geral ou nacional. Deve-se ter em mente a índole classista de
todos os ideais; devemos lembrar que os ideais
do nacionalismo, do patriotismo, etc. são formas encobertas dessa orientação classista da
educação. Por isso, para a nossa pedagogia, a
solução adequada do problema não pode ser
nenhuma delas. Pelo contrário, à medida que
a educação atual for se adaptando à classe
operária que invade a arena histórica, os ideais
do desenvolvimento internacional e da solidariedade de classe devem superar os ideais da
educação nacional e "humana em geral".
Entretanto, isso não significa que a pedagogia moderna encare com descuido as formas nacionais de desenvolvimento. O que
sucede é que as formas nacionais representam um inegável e grandioso fato histórico.
Por isso, subentende-se
que elas integram
nosso trabalho escolar como condição psicológica inevitável. Tudo o que a criança assimila vai-se adaptando às formas peculiares
de comportamento,
linguagem, costumes,
hábitos e gostos que ela percebe.
Ao mesmo tempo, é importante evitar
os erros fundamentais que a pedagogia geralmente comete nesse sentido. Em primeiro
lugar, o desmedido culto ao caráter nacionalWVUTSR
[n a ro d n o s t],
que acentua demasiadamente o
elemento nacional no comportamento e, junto com o nacional, cultiva o nacionalismo nos
alunos. Em geral, isso está ligado a uma série
de fenômenos negativos, sob a forma de rejeição a outras nacionalidades, patriotice, etc.,
isto é, à parcialidade com relação aos atributos externos e ostensivos da própria nacionalidade. O colorido nacional do comportamento
humano representa, assim como todas as aquisições culturais, um enorme valor humano, mas
só quando não se transforma em uma carapaça na qual o ser humano se fecha, como o caracol em sua concha, e que o isola de todas as
influências externas.
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
Com freqüência, o encontro de diferentes
culturas tem levado a formas mistas e falsas da
linguagem, da arte, etc., porém também tem
dado excelentes resultados no que se refere ao
desenvolvimento de novas formas de criação
cultural. A lealdade ao próprio povo é a lealdade à própria individualidade e é o único carni. nho de comportamento normal e autêntico.
O outro perigo do nacionalismo é a excessiva preocupação com essas questões; de
fato, as formas nacionais de cultura são adquiridas de forma espontânea e entram inconscientemente na estrutura de' nosso comportamento. Nesse sentido, tanto psicológica quanto pedagogicamente, o nacional não contradiz
a Classe, mas ambos têm uma função psicológica muito importante.KJIHGFEDCBA
AS FLUTUAÇÕES NO
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
O desenvolvimento infantil constitui o
princípio básico da psicologia. Uma criança não
é um ser terminado, mas um organismo em
desenvolvimento e, portanto, seu comportamento vai se formando sob a influência da ação
sistemática do ambiente e também com relação a vários ciclos ou períodos de evolução do
próprio organismo infantil, que por sua vez determinam a relação do ser humano com o meio.
A criança se desenvolve de modo desigual, paulatino, pela acumulação de pequenas mudanças, mas também aos empurrões, aos saltos,
de maneira ondulatória; dessa forma, os períodos de auge do crescimento são acompanhados de períodos de estagnação e abatimento.
Essa intermitência das flutuações rítmicas constitui a lei básica do comportamento
da criança e se manifesta até em oscilações
diárias e anuais. Por exemplo, Meumann pressupõe que a psique infantil se distingue por
sua máxima intensidade no outono e no inverno; de outubro a fevereiro inicia-se a maior
tensão das forças psíquicas; em março ela começa a declinar e se anula no verão'? Paralelamente às oscilações anuais, também se observam as diárias, de acordo com as quais a pedagogia propõe que as aulas sejam distribuídas
de tal forma que, nos momentos de intensifi-
203
cação de energia, sejam pedidas as tarefas mais
difíceis.srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
É particularmente notório o prejuízo
provocado pelas tarefas realizadas ao entardecer e à noite, no momento de máxima redução da energia, assim como depois do almoço,
quando, devido à digestão, ocorre um considerável refluxo do sangue da cabeça e seu
afluxo para o abdome .
Aplicado ao desenvolvimento da criança,
o princípio de periodicidade pode ser denominado princípio dialético do desenvolvimento
infantil, pois não se realiza mediante mudanças lentas e graduais, mas com saltos em certos
pontos nodais, em que a quantidade se transforma em qualidade; e temos o direito de diferenciar períodos qualitativos do desenvolvimento infantil. Tudo acontece da mesma forma que
ocorre com a água: com um esfriamento uniforme, no ponto de congelamento começa a se
transformar em gelo e, com um aquecimento
uniforme, passando pelo ponto de ebulição, de
repente começa a se transformar em vapor. Em
outros termos, o processo de desenvolvimento
da criança, como tudo na natureza, também
ocorre de formatsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGF
dialética, mediante o desenvolvimento de contradições e a passagem da quantidade para a qualidade."
Aristóteles estabeleceu, de modo geral,
a passagem de uma etapa para a outra e, em
geral, isso coincide com as graduações com
as quais todos estão mais ou menos de acordo." Agora diferenciamos quatro etapas de
evolução básicas no desenvolvimento
das
crianças. Cada uma delas possui seu significado biológico e, assim, sua relação peculiar
com o ambiente.
O primeiro período pode ser denominado período da primeira infância, no qual a atividade da criança é quase nula. Suas funções
biológicas estão determinadas, sobretudo, pela
alimentação: a criança come e dorme, cresce e
respira, e sua conduta está totalmente definida por essas funções essenciais. Por isso, se desenvolvem as formas de comportamento que
a ajudam a realizar essas funções. Quase todas as reações infantis desse período se destinam a familiarizar-se com o meio. Nessa etapa, a criança já evidencia uma série de reações
ligadas ao jogo. Elajoga, orienta-se no ambiente e exercita seus principais.órgãos
de percep-
I II
I
204KJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH
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I
I
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i li'1''
VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ção e movimento. Principalmente
nesse período ocorre um acontecimento
sumamente significativo na vida da criança: ela aprende a
controlar seus movimentos, pela primeira vez
coordena a atividade de olhos e mãos, aprende a inclinar-se rumo a um objeto que está diante dela. Nesse período está isolada do meio
pelos adultos, que realizam em seu nome as
funções mais importantes
de adaptação
ao
ambiente. No entanto, elajá está sob a influência do meio de seus seres mais próximos, do
entorno e - o que é fundamental
- do papel
que tudo o que a rodeia desempenha
com relação a ela.
Por isso, para a criança, a mãe ocupa o
primeiro lugar e, conforme a acertada expressão de um psicólogo,"? ela representa o primeiro meio social para a criança. Um salto abrupto nesse período é o aparecimento
da primeira
dentição, quando a criança modifica sua relação com o ambiente ao passar para uma alimentação diferente. Em geral, todo o período
da primeira infância, rico em acontecimentos,
no qual a criança aprende a caminhar, falar e
movimentar-se,
depende da orientação inicial
do ambiente e se estende, portanto, mais ou
menos até os 6 ou 7 anos de idade.
Nessa etapa de crescimento ininterrupto,
a criança aprende a dominar todos os seus
movimentos e suas relações com o meio são
determinadas
pelo fato de que o meio chega
a ela através dos adultos. Alguns psicólogos
denominam
toda essa etapa de "período do
jogo".
Surge então uma pequena crise, uma detenção do movimento que representa uma espécie de um ponto de ebulição ou de congelamento, após o qual se inicia um período novo,
qualitativamente
diferente: o da infância tardia, dos 7 aos 13 ou 14 anos. A criança adquire todos os hábitos necessários para se transformar em adulto. As formas de seu comportamento se tornam mais complexas, e ela estabelece novas relações com os que a rodeiam.
Uma espécie de nova e segunda onda a impele
de forma incisiva para o mundo, para uma relação mais estreita com este. Esse período acaba com a época do amadurecimento
sexual,
que todos os psicólogos reconhecem como uma
etapa trágica na vida da criança. A mudança
torna-se evidente em todos os âmbitos: na voz,
no rosto e na estrutura corporal. Como diz [M.
M.] Rubinstein:
[...] quando todos os membros, em sua correlação, parecem estar em uma encruzilhada:
abandonaram a etapa da integridade infantil
e ainda não conseguiram estabelecer com firmeza a sólida harmonia do corpo maduro.
Esse período caracteriza-se
pelo maior
conflito com o ambiente. É acompanhado
de
comoções internas e externas e, com freqüência, também nele surgem doenças que se desenvolverão posteriormente
e perturbações do
organismo que permanecerão
a vida inteira.
Isso acontece porque o instinto, tempestuoso
e forte, que subitamente
se manifesta no corpo, está condenado à inação e, por isso, surge
um grave conflito entre a criança e o ambiente, assim como dentro da própria criança. Essa
fase se destaca por uma excitabilidade
extraordinariamente
elevada e por atitudes desajeitadas, ou seja, por uma espécie de permanente consciência
de falta de adaptação ao
meio. Por isso é, no sentido cabal da palavra,
uma idade crítica.
Também é uma fase decisiva para a educação, no sentido de que são estabelecidas as
formas básicas de sublimação, devido à exteriorização da energia sexual substituída pela
sublimação alcançada por meio da educação.
Depois dessa etapa vem o período da adolescência, dos 13 aos 18 anos, caracterizado
pelo estabelecimento
definitivo das relações
com o ambiente. Isso se torna visível pelo fato
de que, no período do amadurecimento
sexual,
desenvolve-se a última terça parte do peso total do cérebro. A primeira terça parte já é encontrada no recém-nascido;
a segunda cresce
durante toda a infância, até os 14 anos. Após
esse período e até os 18 anos estende-se a etapa da juventude,
na qual a incorporação ao
meio é definitiva.
Todas essas divisões devem ser consideradas como certas designações convencionais,
que não possuem limites totalmente exatos e
que são acompanhadas
de uma série de peculiaridades psíquicas transitórias, inerentes, em
grande parte, a cada uma , dessas idades.
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
Como exemplo, observemos o período de
negativismo infantil na vida das crianças em
idade pré-escolar. A manifestação mais eloqüente de negativismo é o prazer que se obtém com as disputas, a negação e o comportamento contra algo. Alguns psicólogos consideram que esse período abrange dos 3 aos 5 anos,
mas, de acordo com certos fundamentos, cabe
pensar que também está presente em uma idade posterior, podendo ser encontrado de forma mais sutil em crianças de 7 ou 8 anos.
Podemos pensar que o significado psicológico dessa conduta reside ira virada que se
acentua na criança com o aumento de sua atividade com relação ao meio. Diante de qualquer situação, essa criança diz: "me deixe sozinha" e sofre continuamente a "coceira da
negação". Quando nos aproximamos dessa
criança, basta dizermos "sim" para ouvir como
resposta um taxativo e decidido "não". Um segundo depois, nosso "não" é respondido com
um "sim" categórico. Se a criança estiver usando urna roupa branca, é suficiente que nos
aproximemos e digamos "você hoje está com
uma roupa branca" para que ela responda:
"não, é preta". [M. M.] Rubinstein afirma o
seguinte:
205
contagiou toda a classe e a professora, que em
geral mantinha boas relações com a classe, não
pôde fazer nada contra esse ataque de negativismo. Mas o mais curioso de tudo é que esse
caso pôde ser resolvido sem dificuldade logo
que a professora, seguindo a proposta do autor,
também começou a escrever no quadro-negro
da direita para a esquerda. Nesse mesmo dia as
crianças retomaram à escrita normal.'?
Esse negativismo é só um caso particular
da manifestação de falta de adaptação geral
que constitui uma característica básica da infância. No momento do nascimento e no decorrer de toda a infância, a criança é um organismo sumamente desadaptado, não-equilibrado com o ambiente. Por isso, ela sempre precisa de um equilíbrio artificial, com a ajuda dos
adultos. Por isso, ela é o ser mais emocional e
deve rir ou chorar, raramente permanece neutra, pois as emoções são pontos de desequilíbrio em nosso comportamento quando nos sentimos pressionados pelo meio ou quando triunfamos sobre ele. *
Devido a isso, a marca da tragédia nunca
pode ser apagada dos processos do crescimento e da educação infantis, e o ingresso da crian-
Nesse período é freqüente que as crianças res.N. de R.T.Vigotski não chegou a elaborar um sistepondam tanto aos pedidos quanto às ordens,
ma completo de periodização do desenvolvimento
e inclusive aos simples chamados, com uma
psicológico, mas lançou as bases sobre as quais suas
negativa: "Volodia não", "mamãe não", etc.
teses foram desenvolvidas por colegas como Leontiev
Certa vez uma mãe recorreu a mim em busca
e discípulos, como Elkonin e Davidov. Na sua
de explicação, sumamente confusa devido ao
periodização Vigotski destaca: a) a análise da esseguinte caso, que representa apenas uma forsência
do processo de desenvolvimento e não seus
ça aguçada desse período crítico. Seu filho desrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
traços externos; b) a análise das mudanças nas ati4 anos respondia sempre com uma negação,
vidades da criança porque sua persônalidade muda
correta ou não, mas ao mesmo tempo não se
como um todo integral em sua estrutura interna no
negava a fazer o que lhe era pedido. Certa
percurso
do desenvolvimento; c) o realce da ligavez, na hora de dormir e diante da proposta
ção entre cada um dos períodos com um tipo de
de rezar junto com a mãe a oração habitual,
atividade que o caracteriza e; d) a idéia de que as
realizou o que lhe pediam de forma totalmenatividades integrais da criança, ao determinar as
te inesperada: "Não pai, não nosso, não estás,
transformações psíquicas, determinam também sua
não no céu", etc."
consciência e suas relações com o meio, sua vida
interna e externa. O leitor interessado na periodizaFatos semelhantes, embora talvez em forção do desenvolvimento psicológico sob o ponto de
mas menos agudas, são encontrados com f
vista da psicologia histórico-cultural poderá consulqüência. O autor observou como uma mer
O bras escogidas, tom o N . Visar,
tar: Vygotsky, L. S.tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
1996.; Davidov, V.La enseiianza escolar y el desarrollo
que estava no período negativista copiava (
psiquico: investigaciâti teórica y experim ental. Mosestava escrito no quadro-negro em ordei
cou: Editorial Progresso, 1988. ,
versa, da direita para a esquerda. Seu exeKJIHGFEDCBA
.::· .r· · · .~.
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206srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
4. Na edição norte-americana, Silverman acrescentou erroneamente, como fonte da citação:
"(D as C apital)" (sicl) no corpo do texto, como
se fosse uma referência feita pelo próprio
Vigotski. No original russo, Vigotski não apresenta nenhuma referência e, se o tivesse feito, nunca teria confundido sua procedência,
por mais descuidado que fosse, nem teria cometido o erro ortográfico de escrever "Kapital"
com "C".
5. Friedrich Engels (Alemanha, 1820-1895, LonNOTAS
dres) foi o mais íntimo amigo e colaborador
de Marx. Ambos assentaram as bases teóricas
1. Apesar das múltiplas exegeses e revisoes da
e práticas do comunismo moderno. Este texto
foi escrito no início de 1880 e publicado nos
teoria da evolução de-Darwin, realizadas durante um século, continua em vigor otsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
núcleo
números 3, 4 e 5 da Revue socialiste; sua primeira edição como folheto foi feita em franduro da mesma: as categorias de m udança e
cês: Socialism o utopique et socialism o scientiadaptação,
como recentemente
afirmou
fique, Paris, 1880. Esta obra é uma separata do
Stephen Jay Gould em sua polêmica com
Daniel Dennett, em vários números da revista
livro de F.Engels, H errti Eugen D ührings U m w i i l The N ew York Review of WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
B o o k s , durante 1998.
zung der W issenschaf [La subversión de Ia ciênCf. também a nota nº 10 do Capo 2.
cia por el seiior E. D ühring], mais conhecido
2. Neste capítulo, todas as vezes que Vigotski
como Anti-D ühring (cf México: Grijalbo, tramenciona Zalkind, refere-se a seu artigo,
dução de Manuel Sacristán, várias edições). A
também publicado
como folheto, A. B.
citação de Vigotski apresenta algumas diferenZalkind, "Freidizrn i Marksizm" [Freudismo
ças com o que Engels escreveu: "I ...] as causas
e Marxismo"], Krasnaia Nov, n!!4, 1924. Para
últimas de todas as mudanças sociais e de touma visão marxista da psicanálise na Rússia
das as revoluções políticas não devem ser busdos anos 20, cf, L. S. Vigotski, EI significado
cadas nas cabeças dos homens nem na idéia
histórico de Ia crisis de Ia psicologia, op. cit.;
que eles forjaram da verdade eterna e da etertambém M. Bajtin/V Voloshinov, Q ué es el
na justiça, mas nas transformações realizadas
lenguaje y otros textos inéditos, edição de G.
no modo de produção e de mudança; não deBlanck, Buenos Aires: Almagesto, 1998, p.
vem ser buscadas na filosofia, mas na econo79-126. Como se vê nesses textos, a psicanám ia da respectiva época".
lise deixou de ser considerada filosoficamen6. Neste parágrafo, o grifo é nosso .
te "materialista", como diz Vigotski aqui, e
7. Meumann se refere ao hemisfério norte.
foi caracterizada como "idealista".
8. O grifo é nosso. Essa noção da dialética é de
Aron Borisovitch Zalkind (1888-1936), psiquiaEngels e não, como alguns poderiam supor, de
tra e educador soviético, foi um dos primeiros
Hegel. Cf. F.Engels, D ialéctica de Ia naturaleza,
a aderir e a divulgar a teoria de Freud na URSS.
México: Grijalbo, várias edições.
9. Aristóteles (384-322 a.C) foi o filósofo e o bióloZalkind foi médico do Instituto de Psicogo mais importante da Idade Antiga. Darwin esneurologia de São Petersburgo (1911-1914),
creveu a A. W. Ogle em 22.02.1882: "Linneo e
diretor do Instituto Clínico de Psicoterapia
Cuvier foram meus deuses [...], porém eles eram
(1917-1921) e professor da Universidade de
simples escolares ao lado do velho Aristóteles".
Moscou. Foi autor de vários livros. Em 1936(Cf. Ch. Darwin, M em oriasy Epistolario, Buenos
ano em que as obras de Vigotski foram proibiAires: Elevación, 1946, p. 271). Essa referência
das -, Zalkind foi vítima do terror stalinista,
de Vigotski é vaga. Por um lado, Aristóteles connão suportou a pressão dos ataques ideológisidera o futuro da natureza e destaca as quatro
cos e pessoais que sofreu e se suicidou e, por
isso, foi póstuma e publicamente insultado.
causas que agem nela, em sua Física. Por outro,
em De anim a e outras obras, reconhece quatro
3. Zalkind refere-se a uma oposição políticajust~
funções principais em sua concepção biológica e
em condições de ditadura totalitária, COIT'
ocorreu na Rússia do czar Nicolau 11.
psicológica - utilizamos termos atuais, pois para
ça à vida foi e sempre será um processo de
dolorosa ruptura e de criação, de dilacerações
e geração de tecidos. Bühler está totalmente
certo ao dizer que "a transformação de nossas
crianças em homens é o maior de todos os dramas do desenvolvimento". Como um dente que
vai cortando a gengiva, a criança entra com
dor e força na vida.KJIHGFEDCBA
. 1...
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• I
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PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
207
ele não existia essa separação - isto é, a nutrição,
cheskoi psijologui v sviasi obshchiem pedagoguik
a sensação, o movimento e o pensamento. Para
[Ensaio de psicologia pedagógica em relação com
uma compreensão da concepção aristotélica da
a pedagogia geral], Moscou, 1916.
filosofia da natureza, da biologia e da psicologia,
12. Vigotski foi um terapeuta e um psicopedagogo
cf. W D. Ross,tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Aristóteles, Buenos Aires: Charcas,
notavelmente criativo. Entre outros, Luria de1981, p. 94-22l.
clarou isto em suas memórias (Cf. A. R. Luria,
M irando hacia atrás, Madrid: Norma, 1979). Cf.
10. O psicólogo ao qual Vigotski refere-se aqui é
Pavel Blonski.
também L. S. Vigotski, La G enialidady otros tex1srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L É provável que o texto de M. M. Rubinstein
tos inéditos, edição de G. Blanck, Buenos Aires:
aqui citado por Vigotski seja O chierk pedagogi- KJIHGFEDCBA
Almagesto, 1998, p. 13-36.
'-J2
o Comportamento
Moral
KJIHGFEDCBA
Na escola espartana, as crianças eram
A NATUREZA DA MORAL DO PONTO DE
obrigadas a servir a mesa durante as refeições
VISTA PSICOLÓGICO tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r
dos adultos. A criança tinha de roubar algo da
mesa, e era castigada tanto se não podia fazêda educação moral perten10 quanto se fosse surpreendida em flagrante.
ce às questões que atualmente estão sendo
O objetivo moral dessa tarefa consistia em rourevistas pela psicologia e pela cultura, do
bar e não ser surpreendido. Esse ideal corresmodo mais decidido e profundo.
O nexo
milenar entre a moralWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[m o r a l]
e a religião depondia plenamente
à ordem comunista da
Esparta aristocrática e fechada, I onde a preosapareceu e, submetida à pressão da análise,
a moral começa a adquirir cada vez mais um
cupação com a propriedade não constituía uma
caráter terreno. Sem dúvida, foi possível esnorma de moral e, por isso, o roubo não era
tabelecer sua origem na experiência, na Terconsiderado um vício; no entanto, a força, a
ra, sua dependência das condições sociais e
habilidade, a esperteza e o autocontrole eram
históricas e seu caráter de classe.
ideais dos espartanos; consideravam que o peCada povo, cada época, assim como cada
cado máximo era não saber enganar ao outro
classe [social] tem sua própria moral, que seme não saber se dominar .
.pre é produto da psicologia social. Conhece-se
Em cada escola, a educação moral tama moral dos hotentotes que se exprimia em sua
bém coincide plenamente com a moral de clasresposta à pergunta: que considera bom e
se que a orienta. Na França, onde foram imruim?srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"É bom - respondia um hotentote plantadas aulas especiais de moral, são utiliquando eu roubo uma mulher; é ruim que ela
zados manuais em que o ideal da educação são
seja roubada de mim."
as virtudes burguesas que impregnam o espírito e a mente da classe média-alta francesa.
Em cada meio social modificaram-se os
conceitos e as noções morais, e aquilo que em
Por exemplo, em um manual de moral francês
uma determinada época e lugar era considequase não existem "critérios de moralidade",
rado ruim, em outro lugar podia ser considecomo relata M. M. Rubinstein; em vez deles,
exalta-se a economia, e seu índice é a cadernerado o maior dos méritos. E, se em todas essas
diferentes manifestações da consciência mota de poupança.
Tais ideais de classe também são inerenral se destaca alguma característica comum,
isso só ocorre porque nos sistemas sociais tamtes a todos os demais sistemas de educação.
bém existiram elementos comuns.
Isso também ocorria no ensino médio [ginásio
czarista], estruturado com base nos princípios
Portanto, do ponto de vista da psicologia
social, a moral deve ser considerada como certa
autoritários, nos quais a obediência era consiforma do comportamento social que é elaboraderada o ideal do aluno, e os objetivos gerais
da e estabelecida em prol da classe dominante, e
da educação consistiam em formar um súdito
fiel ou um funcionário pontual.
é diferente para as diversas classes. Por isso, sempre existiu a moral do amo e a moral do escravo
Agora, quando o mundo vive a tormenta
e, por esse motivo, os períodos de crises foram
depuradora da revolução social;" quando estretambém os de maior crise da moral.
mecem os próprios pilares da moral burguesa,
o problema
.
f
I
210 srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
talvez em nenhum outro terreno tenhamos nobiu cortar. Tanto naquele momento como nos
ções tão confusas e cambaleantes como no das
dias de hoje o ser humano era atraído por qualnormas morais. Desaparece uma série de regras
quer ato, mas era impedido pelo temor à expia~
de m~ral burguesa, impregnadas de hi~ocr,isia
@.Q~ao~iKQ
- no primeiro caso, inter-;O;no
"'~ e falsidade. A moral burguesa era obngada a
segundo, externo. O preceito moral "não mataJjngir, porqueensmava uma coisa e fazia outra,
rás" sempre era entendido exatamente nesse
porque estava construída-sobrea-nrnltaçãõaos
sentido, não por sua validade intrínseca, mas
interesses de classe e, enquanto apregoava o
porque a pessoa que o infringisse se perderia
reinado de Deus no além, implantava o reino
devido aos tormentos
de sua consciência.
dos exploradores na Terra. A fonte natural desDostoievski, emtsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
C rim e e castigo, evidencia essa
~,(:l__moral
foi a mentira ea--hípocris-ia~O
contradição interna da moral burguesa. Na refari~~-~;n(;'-;ra--se~-[ne'vlúiveracom'pã-~h-a~te.
belião de Nietszche, todo o trabalho crítico neEnquanto as crian as viam uma coisa na vida e
gativo do pensamento, dirigido contra a moral
ouviam [Óutra coisa diferenl~ através das palaburguesa, continha tamanha força explosiva que
vras, todos os esforços da escola destinavam-se
P~~Q~~~~,tr1!jç~.~~-EU~~?-.~9,~~tã,
a conciliar essa divergência entre a vida e a
~rA>,E~Dtr.Q, / -1> \)~ ""9\70 ÀL.-GUI"'\
moral da maneira mais fácil para a criança.
A nova moral será criada quando tarnA criança não conseguia conciliar essas
bém se criar uma nova sociedade humana,"
duas coisas ou, se aprendia a fazer isso, passamas então é provável que o comportamento
va a considerar a moral uma forma de cortesia
moral tenha se diluído totalmente nas formas
social, cuja observância era exigida a todos,
gerais do comportamento.
Globalmente, toda
mas de fato esse ponto de vista lhe exigia um
a conduta será moral, porque não existirão fungrande esforço. A consciência moral das criandamentos de nenhuma índole para conflitos
- - -----ças reduzia-se à convicção da camareira de
~,ntr~ o ~_~mportamento de um§l,pessoa e ,o_ele
Griboiedov: "não há nada de mau no pecado,
.toda a 'sociedade-o - ----- -WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o que está errado são os mexericos't.t-> ,~cccC"'/;i):~),
Agora vamos apontar alguns pontos que
Além da opinião pública, o medo à expia ~ogia
~erá
de enfrentar.
ação moral tinha se transformado em sanção
O primeiro deles reside na negação da oriobrigatória da moral e, em sua conduta psicogem absoluta, metaempírica, da moral ou de
lógica, o ser humano era guiado pelas mesmas
qualquer sentimento moral [que se pretende]
re~s poli~~~: ~1!:.~Q_Q2.~e, aq,:!g.?_~i_~.E,
~
Do ponto de vista psicológico, o comporexatamente do mesmo modo, em geral, ele
tamento moral, corno qualquer outro, depende
orientava seu comportamento.
Um filósofo
das reações instintivas e congênitas, porém é
russo denomina acertadarriente essas noções
elaborado sob a influência das ações sisternátifu~morais de "polícia moral", porque a força das 9~do_ambi~!1_t~. Não há dúvidã-deqüe:
leis morais era baseada na ~},!!0_~
__
e
damento de um ~ J . ~ ~ '
encontrarehumilhante
do
medo
do
castigo
moral
e
dos
mos
uma
simpatia
instintiva
por
outra
pessoa,
~~~
- _ ..•...
_--~~~~-'
tormentos da consciência. Surgiu assim uma
bem como o instinto social e muitas outras coimoral peculiar dos fortes e dos fracos e, como
sas. Durante o processo de crescimento, quanocorre com relação à lei externa, os fracos se
do se deparam com todos os fatos, conceitos e
submetiam às leis da consciência, enquanto os
fenômenos possíveis, essas reações inatas vão
Ifortes se rebelavam e as infringiam. Afilosofia
se transformando nas formas condicionadas de
'européia, em rebe1i~contra
a moral bl.!Igll.e- comportamento que chamaremos de morais.
~ proclamava a imoralidade como sua lei fun- 4
Q-yodemos extrair a conclusão, portanto, de
\damental, enquanto declarava, por meio de
que o comportamento moral é um comportaINitzsche, estar além do bem e do mal."
mento que pode ser educado, exatamente como
Shestov" afirma que a atitude do ser huqualquer outro, através do ambiente social.
mano com relação ao imperativo categórico" é
(j)A segunda característica consiste na instotalmente similar à atitude do camponês russo
tabilidade da moral nos dias de hoje. Por um
com relação à floresta que Pedro o Grande proilado, precisa-se de audácia revolucionária, deirJ .-,,,,_ """.~ ~
no
...•••......
I
.........•.
-,~.",
...
.
...•..•.....•.•.
--_.
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
211 srqponmlkjihgfedcb
/zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
xando de lado os conceitos pequeno-burgueses,
para discemir o que ocorre, seu verdadeiro significado, para poder abandonar os preconceitos
que todos consideravam dogmas morais imutáveis até pouco tempo atrás. ~
~?~_J(lS)4p
de i a anterior, da mor
~
deve ser de initivamente varrida da
escola. Por outro lado, porém, nessa instabilidade da moral de nossa época também reside
um certo perigo, isto é, a rejeição de toda ~ontenção moral e a plena arbitrariedade no comPortam-en'-to infantil.
Deve-se levar em contaque uma cornpleta amoralidade, uma absoluta falta de princípios moderadores, nos leva de volta aos ideais
ingênuos e há muito superados de seguir os
'f-instintos
naturais, e com isso o ho~
-(l'---~,-,-",~
temporâneo não pode concordar de forma alguma. Não podemos aceitar a cega observância das demandas de nosso instinto, porque sabemos de antemão que essas exigências são
geradas por épocas anteriores, constituem um
resquício dajá passada experiência de adaptação a condições ambientais que desapareceram e, portanto, não representam um passo
para a frente, mas para atrás. Por isso, a inevitável limitação e a adaptação das pulsões às
~S~
de vida são e~~~~~,E~-
como nenhuma outra cria tantos perigos de
_.
O único critério a ser utilizado é incorporar-se ao espírito da época, às grandes correntes que impregnam o mundo. Ao mesmo
tempo, a percepção meramente estética~
~a
~
da revolução, co~~da
apaiIxonadafiiéfifé por Blok" quando se dirigiu à
intelectualidade
russa: "com todo o corpo,
com todo o coração, com toda a consciência,
escutem a revolução", não pode ser a base da
educação moral, pois só o fato de escutar aWVUTSRQPO
revolução não leva ao contato vivo com ela, e
~~
o chamamento do poeta, aplicado às nossas
crianças, deve ressoar de tal maneira que seu
f'l'
significado não exprima a exigência de escu- -,;:- --tar, mas <!-VCsz.IDP9!_~)soaln:ente
a rpjI~Lca('
b,.
~-~---~J
\
I
I
J
~~~®.
--'
6JA terceira característica fundamental da
educação moral em nossa época consiste em
que \riJO,0i1distinguir o !~?-Ç9fUl)A~,en~~
está sendo criada diante áe nossos olhos. A ! fZS'i.J_
~
e a ousada ~~
L (J ? J ~
!eahdaªe ~r~em
toaasas mais difíceis e , ~ : J
confusas situaçoes da vida é a primeira exi- . 'f' d '"
gência da moral revolucionária. A educação)
,1)moral nunca pôde chegar a uma verdade tãotsrqponmlkjihgfe
'JI
decidida e implacável como agora, quando esremntórias
daeducacão.
~;ttão colocados na mesa e foram desmascara-z
/
~~
~~~
Conseqüentemente, nesse caos instável
dos, em seu verdadeiro conteúdo, absolutarepresentado pelo estado atual da moral, de
mente todos os '~alores" morais que estavam
qualquer forma deverão se destacar algumas das
disfarçados
normas fundamentais do comportamento social/I
Também nesse âmbito, como em todos
humano. Não compete à psicologia pedagÓgiCã'{' os outros, a época revolucionária mal é capaz
se ocupar da definição exata do conteúdo e da
de promover os sistemas terminados de moral
qualidade dessas normas morais, pois essa é
dos quais as épocas anteriores puderam se jacuma preocupação da ~a
soDa!\. A tarefa da
tar. Em troca, porém, podemos propor à nossa
psicologia é somente a de avaliar as possibilieducação moral algumas exigências que ~ 1.4dades de pô-Ias em prática no mundo real.
muito mais longe que as de éQocas anteriores. ( I
Devemos lembrar que, com freqüência,
Podemos exigir que a educação soviética Bl$_/
as épocas revolucionárias de ruptura e derropar~~~eX.?-~2!~L
~,9~~~~l~JLqLe,-~~~
0')
cada da velha ordem social apresentam tama~ucionarios.
Não se deve propor o ideal abs-I- -'
nha combinação de diferentes culturas morais
de uma personalidade perfei-j
que ode ser muito difícil que a criança consi- ' ta porque ela não existe, e esse tipo de educaga se orientar essa confusão. As crises morais 'ção esquece as metasatuais e se ocupa de futia espreitam a cada passo e, por isso, o pedagolidades. Estamos diante dos fins concretos de
go e o professor não podem de forma alguma
preparar pessoas para a próxima época, pesse desentender das questões da educação mosoas da próxima geração, em plena corresponral. Nenhuma outra época cria possibilidades
dênci,a com o papel histórico que terão de de~j
tão brilhantes para o heroísmo moral, assim
sempenhar. Por esse motivo, o caráter extre-
l
))/1
y
,
V'--.~
trfunrâcr~a:o
212
L1EV SEMIONOVICH VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dem literalmente do fato de ele encontrar
umatsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
denom inação
correta para toda a situação. Se afirmar que é uma pena perder uma
boa bebida já servida, ou que não deve ser
rude nem antipático quando está entre amigos [que bebem], ou que considera tentador
OS PRINCíPIOS DA EDUCAÇÃO MORAL
conhecer uma nova marca de uísque que
nunca encontrara antes, ou que tem de parA primeira questão que levantamos aqui
ticipar de uma reunião social, ou que é pretem a ver com a relação existente entre a educiso beber para reforçar definitivamente a
cação moral e a cultura geral da personalidadecisão tomada, está perdido; com sua escode. Nesse problema,(10Is~assumiu
o ponto ~
lha de uma denominação inC:Q;r~iª~~I~~iS.~ide vista da ~.
Segundo ele, / 'i;:);-:; Q~~~a-prÓpriã·se-ntê·nça.E~
compensaçã~
J I t ~ , : ( - ; se, apêsar-:aetoda~'-denominações
plauno mesmo lugar onde prosperam
as formasWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
superiores da cultura também prosperam
as \ ~ I . - i; t f r síveis, sugeridas abundantemente pela imal
ginação excitada por sua dependência do
formas mais elevadas de ~~ade.
Daí sãosrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
extraídas
conclusões
similares às de Rous- J
.
álcool, ele escolhe uma denominação feia, porém mais acertada, sem vacilar, e começa a
seau,"" que afirmam que o ideal moral não está
adiante, mas atrás de nós, e consiste em negar
(,::~~>
se dizer: "sou um bêbado, sou um bêbado,
. '1'
t
nat
/'
sou um bêbado", então ele está trilhando o
a CIVIizaçao e re ornar a na ureza.
(Ií'
_
É
id
. , .
,
fi
,,\,\--\\0 caminho da salvaçao; quando pensa corretamente está salvando a si mesmo. tw James,
eVI ent~ ue esse <:nteno .esta em .a-\~;;C;'
g~a~te contradição com a ~logla
rev2h!go- / c ' "K Talks to teachers ... , op. cit., p. 110.]12
~,
que pressupoe que ~~~
T vAyJro da humanidade está na forca e rià domina~-./',/'-~~~~r--I'./'~~~~"".
Portanto, aqui tambem se estabelece de
çao 49- ser human~ dgtjl-<Í-Q.-decllLtura sobre a"
.
.
-~
~~~.J'
, ~.
"-~~
/
certo modo uma çompleta ldentldade entre a
I [C
.
natureza. Entretanto, na crínca de Tolstoi a cul-:
d t
I ~
.
.r-:
,
con u a mora e a consClenCla mora.
onntura ha uma semente plenamente salutar e, com
-~--J
-]
--,
----------' .
d
nua ames::
.'
a Igumas ressa Ivas, essa cntica po e ser adotaL? P l) \ j \ 'DO(-;/~ \vtJlf\ \7 f - ~ '~ ~
da se levarmos em conta o fato de que deve se
,-..
- "referir não a uma cultura em geral, mas à culNosso esforço moral, no sentido próprio da
,
-.
palavra, consiste apenas em se aferrar à idéia
tura c!!p'gal!sta em partic1!@r. E verdade que,
nos níveis superiores da cultura humana, as conapropriada. Por isso, se lhe perguntam em qu~
ç2!!s.~f..e
__S U : l: f g ! L m org.l reduzida à suarorrriâ
tradições morais alcançam seu ponto mais alto
rfiaís-i'-iiiipleserrrals elementar, pode dar apequando uma aldeia de [homens primitivos] selnas uma resposta. Pode dizer que consiste no
vagens apresenta um clim moral m is norm I
esforço de atenção com cuja ajuda retem os cerque~~~.
Mas só podemos conta idéia na mente, pois, sem esse esforço da
ci-Girdaí que a cultura européia sobreviveu a si
atenção, [essa idéia] seria deslocada por oumesma, e não que a ~~~E_a__
~~~
..K~itras tendências psíquicas presentes. ~
nica..J-mQ.~L Desde a época de Sócrates se
.", I~R~~V?'.-~~~3~~~~g
promove a opinião contrária, que identifica o
j~~~m~Eia;
[Ibidern, p. 109-110.]
mamente concreto e a veracidade
transformar
na base da educação
nossa época.
devem se
moral de
ú:r.:~:~.
à
9
i- > .
.,
A'
-(»
comJ1ortamento moral com a consciência mol ra_~ Sócrates disse "a moral é o conhecimento,
enquanto a imoralidade é fruto da ignorância". 11
Aqui está implícito um sério problema psícológico que devemos compreender. James afirma
1
o seguinte:
Para encontrar solução para esse difícil
problema, devemos acrescentar
que existem
fatos que mostram, justamente, a relação inversa
entre a consciência e o comportamento
moral.
~:\ ~~o:~-=r~_~~~~~~
__
~~~~_~~.ber ~~Jum ãC õisa ~
<i(.,lcompreenaer como se deve agir; e outra !?tal)
Representa um exemplo de vacilação moral
o que acontece com o bêbado [alcoolista] que
decidiu se corrigir, mas é atraído de novo pela
bebida. Sua vitória ou derrota moral depen-
bE~~j.j!e~E.~~~
__
~~_ir~º-.rKet<!...~~!!!ú!óae.mo.s
compreender facilmente que o aleool e prejudicial e, apesar disso, não ~er forças suficientes
para renunciar à bebida. E evidente que aqui a
J;
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
213
consciência desempenha certo papel, porém não
portamento,
ainda que isso não signifique explicar [o caráter] dessa relação.
o mais decisivo, sendo apenas um dos vários
Podemos nos convencer disso se observarcomponentes
e que, com freqüência,
cede a
outras pulsões instintivas mais poderosas. Pormos ~ente
atrasadas. sabemos}
tanto, não basta levar à consciência a represenque ~.
e,.n.
Y.~lv~m,
__,e!l,'
~~~~.ualQOde
se CQIll- A
tação de um procedimento correto, mas é mui-tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
binar com a maiC?,~.d-ª~jm91-ªlid_,!Q.e.~~tantõ~eie'sozinho Ilªº ..garante um.compcrtamenC ~ to mais importante ~~~~to
to_~~ral. I~~bé~ sabemos que o comportamen~ng~ciêucia.
Garantir signito moral pode ser brilhante e concomitante com
~l'\O fica @!kamzarlde tal maneira a consciência da
um marcante atraso da inteligência, que as criansrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~ça
que ela possa tri1Infauobr~
ças atrasadas podem evidenciar uma verdadeira
\ s~us dese~os e te?dências [prejudiciais], conse sutil inteligência do coração e, assim, o desenvcientes e inconscientes.
volvimento mental também não pode ser adrni- l \ i 1 A ~
De novo, a questão ~~~~
não se reduz apenas
à consciência. James tem razão quando, ao .-!is!.9_~.C?mo
SQDQiçªo neç~~s_<
[email protected].~s_AÇ>!.e,HnQrªis~
7 Cv'
~~stados
psíquicos de um alcoolista,
No entanto, temos o direito de afirmar que há~ !\n
diz que sua vitória e sua derrota morais deuma profunda relação entre ambos, e que o de-:~
\
! senvolvimento
intelectual é um requisito propí l ~ _
pendem por completo da ~enÇ>minaçã~or~::,
ta que ele det--ª.,~~ll~~.
Mas ainda cabe
~ pa§-ª-~ª~~a.,c;.~.9 !:!:9E~
--.__
Essa relação implica uma vida mais sutil,
que nos ~guntemos
de que depende esse esformas mais complexas e diversas de comportado. Subentende-se que essa pergunta só pode
tamento e, conseqüentemente,
admite muitos
ser respondida no sentido de que o surgimenmais casos e possibilidades
para a ingerência
to destas ou daquelas representações
na conseducativa.
Na criança pouco desenvolvida
ciência depende, por sua vez, dos diversos estímulos que o precederam, um papel que cosmentalmente,
o processo do comportamento
cJ:ir."
tuma ser assumido pelas pulsões emocionais
é muito mais simples e, por isso, não dá espa- ~
ço para as SQ!Dbinações infinitamente
mais~ .;t'~
intensas. çº!l~~.<lº~nt~.m~~
só podemos nos
~om..plexas qu~devem ser suscitadas nas crianreferir à ~nfl~ê~~~_S.o!!sçi~I)!~ quando a compreendermos como algo liR~dq-ª-o sigema ner~s para infll!enciar s.1:l-ªCOIlQ.utª-.
r;~:I.J
Entretanto, para a moralidade é decisiva a -P
voso,
como
um
sistema
de
reações
exatam-én------------consciência que está diretamente vinculada ao
te iguais às que formam todo o comportamen----'comportame'iitOesereãIíZc:latravés
da atividato, mas estamos falando apenas daquelas reade. Se is!?o nao acontecer, uma consciência corções que freiam e regulam o resto do comporretapoêIêlevaracõmport;-~e;;:t~s
inê'õrretõs.'
tamento. Em outros termos, só a compreensão
r-o
Põrisso, devemos considerartotalmente
da consciência como forma prévia de organização do comportamento
pode nos explicar o
infrutíferas as tentativas d~~~,
de
pre~~oral:
A
moral
tem
de
constitulf'l
iif
-P.~~~L9,~cJ~s~i~r::~~'p3E~a~_~!j~,:~_~~~~a parte ms~'ãi-ável de toda a educação glo- I t y
\. .9Y,~5~rr~t~"
bal, e só age moralmente aquele que não se dá 1
Daí podemos extrair algumas conclusões.
conta de que se comporta moralmente. Como
Sem dúvida, a consciência exerce uma influêna saúde, que só percebemos quando está percia decisiva em nosso comportamento
moral,
turbada, como o ar que respiramos, também a
embora não possa ser estabelecido
nenhum
conduta moral só desperta em nós uma série
tipo de dependência
direta entre ambos. Por
de preocupações
quando vemos que ela conisso, a pesquisa de Meumann demonstrou que
tém
alguma
falha
grave.
"Não educar demasia?"
desenvolvimento.
moral e aE~
do", a regra de Herbart,!" não pode ser aplicaempre caminham Juntos, enquanto Witheft"
\
da em tão grande medida a nada, exceto à
'±' estabeleceu a regra de que os sucessos escola-WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
educação moral.
r y ~ ? h ' res possuem
importância
fundamental
para
J i ~~'l toda a vida moral do aluno. Devemos colocar
Por isso, nos parece um absurdo o ensino da moral. Por si mesmas, as regras de moa questão de tal 'ITi"odoque possamos descobrir
ral representarão
na mente do aluno uma
"I,:~~a relação entre os sucessos escolares e o com-
+
B
? !
t
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-_J
-
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~r
BQ ~~~
-
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1À.F'
l'0KJIHGFEDCBA
7-
214
LlEV SEMIONOVICH
VIGOTSKI
dade, mas para isso não se preo~m
tanto
coleção de respostas puramente verbais, to~ lhes mostrar os as ectos nefastos da men.
talmente desvinculadas do comportamento.
~,
quanto em despertar neles en..!._u_sl_·
a_s-"m"",o
No melhor dos casos, será como u ~,
E
pela
honestidade
e
pela
veracidade.
[...]
não incluído na ação do me
.smo e conde'quando estiverem legalmente obrigados ~
nado a~Q.Par
~o v' cu<fPor isso, pode prolhes falar sobre a nociva influência do álcovocar certo con ItO entre o comportamento
ol, não enfatizem, como se faz nos livros, as
da criança e a regra moral. Não resta nenhudoenças estomacais, renais e nervosas às
ma dúvida, por exemplo, de que a luta da pequais o alcoólatra está exposto, e também não
dagogia czarista contra alguns vícios infantis
destaquem a baixa posição que ele ocupa na
de caráter sexual não produziu resultados
sociedade; é melhor frisar a alegria de posúteis; pelo contrário, sem dúvida exerceu uma
suir um organismo saudável, que conservará
durante a vida inteira, graças ao sangue puro
influência nociva, por criar na alma da criane são, uma flexibilidade juvenil, que desco;te-· ça ~~Btil11_~.!l~~~!~2m.?-.RJ2.e-1lQS.QS.
A crian-srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nhece
os estimulantes tóxicos e no qual o sol
't\8
ça, que se sentia incapaz de dominar suas
da
manhã,
o ar e o orvalho provocam a cada
~\êff,!J: pulsões e não tinha o que contrapor a elas,
dia uma poderosa elevação do espírito.
/~
sofria pela consciência de sua culpa, seus me-WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[Ibidem, p. 113-114.]
'\ ~ V O " dos e s~a ver~on.ha e, assim, coisas que não
I»' ; I J ~eram tao ternveis se transformavam,
sob a
'.J.'i influência dessa educação irracional, em uma
Em outras palavras, no âmbito da educagrave S-Q!!l0çãoneuropsíquica.
ção moral não devemos proceder como o fazeO ensino aa m-oral nos-~ece estéril e nomos com as l~s policiais, quandQ..~vitaIl1os
civo, e mLalgyer fo~ucação
moral nos , ualquer ato por se~~~~_~~a~tigg.que ele poAe
parec_e.,)Jms~g~o
d~Brta anonnalidide
f.carretar. ão devemos transformar a moral
nesse terreno. A educação moral ~
se dITüiía po icia interna do espírito. Q'la!195?evitadespercebidamente nos modos erais do co - mos algo por medo não estamos realizand'{;'llInj
portamento
que são esta elecidos e regulados
ato moral. Nesse senti o, ousseãu procedeu
...............
~v"'---/.......,.
pelo ambiente social. Nem o professor nem o alude forma profundamente errônea quando, para
no devem notar_que se trata de um ensino espeproteger seu Emílio'" de um amor perigoso e
cial da moral. A concepção do comportamento
sujo, levou o menino a um hospital para pesmoral se amplia de forma extraordinária porque
soas com doenças venéreas para assustá-lo com
estamos adquirindo o direito de falar, não só do
as feridas, a fetidez, o opróbrio e a humilhacomportamento moral no sentido estrito da pa~ão do corpo humano. A castidade, ç,Q!!!p~a
lavra, mas da@@e mor~com relação às coi- ~ cust~s ~~%
do ponto de vista psicológrco süjã mais a alma que a promiscuidade,
sas, a si mesmo, ao próprio corpo, etc.
,
A única conduta moral é a que está ligaporque não destrói na psique da criança todas
"
da à livre escolha das formas sociais de conduas más tendências e impulsos, mas apenas suscita uma sórdida e mesquinha luta entre essas
ta. Spinoza" escreve que, se um ser humano
evita algo por considerá-lo ruim, procede como
tendências e os ~,~,R!LI?,~n!.9J_
d~ºg,
não
, um escravo. O ser humano livre, conforme a
~U~.g.@i!,h~~~~
Só é valiosa a casj opinião de Spinoza, só é aquele que evita algo
tidade adquirida por meio de uma atitude pol.J2orque outra coisa é melhor. James nos apresitiv~co~lação
ao ato e com a compreensenta um método totalmente preciso da edusão~sua
v~xda_de~a.~:~ê~~i~ ~~
cação moral, com a base de que~~
~~:~,~~2!~9!!.~~enClaS)le~~_e
tão
~l}2z
e não do mal:
,~~~r~L~l!_~fa~~!. Q~{~de
que não
seJa-lIvre, qualquer temor e depend~ciajá enV\
J
~l
Peço-lhes que se esforcem para tornar seus*S' vo~ven; ~alta de sentimento rr;o~al. ~sentido
/
alunos pessoas livres, habituando-os a agir e lPSlcologlCO, a moral sempre e livre. 'NAO \-I/ô..
a considerar as coisas, sempre que possível,
Por tucl~~iSs<;'â'peCíagogra--atuã1 se endo ponto de vista do bem. Tentem fazer com contra em profunda contradição com a moral
que eles se acqstumem a dizer sempre a ver- religiosa e, em particular, com a moral cristã,
LKJIHGFEDCBA
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
215
cujo recurso fundamental tem sido a intimidahumana. Então, o ser humano honesto e puro, \
ção, a ameaça etc. [Diz James:]
--srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que se inflamou no ardor de uma tarefa filan-j
~.--:::--~
trópica, sente a humilhação e a insignificância
/\1\
\:p
de sua pureza moral diante de urna torpe pros- '\WVUTSRQP
Aquele cuja vida está baseada na palavra
"não", que diz a verdade porque a mentira é
tituta e decide que, se somos impotentes para, uN'DO
ruim, que ~em de lutar constantemente coniluminar as trevas com nossas lamentáveis lan-l_(",;'ro
tra inclinações como a inveja, ~ovardia,
a
ternas, é melhor apagá-Ias e mergulhar tudo
iniqüidade, está em todos os aspectos em uma
nessas trevas:
---.!
situação inferior, em todo sentido, daquela em
Por últim~erceiro"perigo
consiste em
que estaria se o amor.à verdade e à generosique qualquer descrição das falhas, que gera
dade fossem suas características cardeais e se
na mente do aluno uma série de representa,/
~a
experimentasse t;5\9~~,}~Le§9.1!il1pf.j.
O
ções, ~~~.~<?J.n:Yl},~,~!_~}en-l.:c\Neste mundo, uma pessoa com nobres incli~})S~,:-SQ~,~ç~:J~~..
Recordemos
~u~~a
f
AT
nações tem mais valor qv'e'qualquer monstro
ccnsciencia
e um movimento
ue se InICiOU
e
que, em eterno combate, resiste a seus "vícios
'VA~~~~~~~~~~~~~·~~~~
inatos", ainda que aos olhos de Deus, como
~~~~~1Qj)~~~.!lÜ!lqs
nossos discípulos contra o que não devem fazer, ao mesdizem os teólogos católicos, este último é o
que pode reunir maior quantidade de "mérimo tempo chamamos sua atenção para essa
tos". [Ibidem, p. 113.]
falha e, desse modo, os incita~os a cometê-Ia.
A expressão corrente de que o fruto proibido é
doce contém uma grande verdade psicológica
Uma pedagogia
d~e
tipo tem ~
Cor-=d-e--=:fic-c.,..,iê:-n-c--,-i@indiscutíveis.
~rimeira
é qu~
e em parte tem a ver exatamente
com o que
estamos dizendo. Não há melhor maneira de
ca pode ter certeza do suc s~Atemoriza
o fraobrigar uma criança a quebrar o copo que está
co, porém desafia a resistência do forte e consegurando
que adverti-Ia constantemente
"cuicede à violação da regra uma aureola peculiar
dado, não vá quebrar o copo", ou "certamente
de força e ousadia. Pa_ra_~~ps_ic_o_lo~&a
moral, é
sumamente notável a circunstân..cia de que QS
você vai quebrá-Io", Do mesmo modo,
forma mais se ura d~
crian- I'
r~beldes e infratores de suas regras sempre fo~
~~,
ram apresentados
à imaginas.ª-C?~umaIlU.QJ2
~~~J!E..?!.~~.~_q~,~".9.~?q~~eJ9
I,
uma luz atraente, jusramenteporque
suaforça,
~~1~st.~ªlR~L,
~
seu-ofgulho
in-d'eCliná
jl}sJ,!pQI,diu.él-KJIHGFEDCBA
Por isso, Thorndike destaca acertadamen,
- ~~_.~_.-te o dano provocado quando analisamos com as
ção à regra ~@m_suIPl.egnº~_ntes~ Dos heróis
rebeldes de Byron'? aos mais correntes revoltocrianças de forma cuidadosa e detalhada, os
motivos, formas e possibilidades
do ~
sos do colégio, tudo o que é insolente e não se
como se estabelece em alguns manuais francesubmete à intimidação atrai naturalmente
as
simpatias da criança. Nesses casos, a criança
s~Esse
procediment~~
'n'a mente dos alunos as condições propícias e
parece responder como o apóstolo: "Vejo o meum material que, no instante adequado, podem
lhor e o aprovo, mas vou atrás do pior"."
dominar a criança e orientar seu comportamen(3)~
deficiência
dessa educação
to, não contra o suicídio, mas para que o comemoral ~~~~W,s~;i~lli®I,Çl~é
tam. Thorndike esclarece que nunca se deve dique ela cria uma noção totalmente incorreta
zer a uma criança: "Vocês não P!:.~~~I!1_cortar~ 361\
sobre os valores morais ao ~:,
j!IllZ-ª.to para,Q1.p-ªIo que teE1 ~ ~ E ~ ~ ~ ~ ! ~Toda'~,
~"
~-U!~9f-él~do
consciência
de
qualquer
fenômeno
contém
um'
n~-'!_IJ!~_~~~g~~~d.Q,
certo impulso motor que geralmente é muito in~~t,
[email protected],.
O torturante conflito moral
tenso na criança. Todos conhecemos o poder que
descrito por Andreiev'? em sua obratsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Trevas é
os livros recém-lidos adquirem sobre o comporvivido por algum de nós em algum momento,
tamento infantil, como aconteceu com aquelas
e todos terão de reconhecer que, às vezes, pode
crianças que leram Cooper" e Mayne Reid" e
ser vergonhoso ser bom, assim como é vergofugiraID..Eara os Estados Unidos ~,~ansfur--'j
)J
nhoso ser rico, quando isso está combinado
marem
em
índios."
Portanto,
não
há
nada
mais.'.
t7
com as terríveis trevas não-iluminadas
da alma
I
1,----
m
~1
...
.~éL~ª_?l!A
-
~
r
_*,.
216
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
l zyxwvu
perigoso na idade infantil que esse ensino de
lesão tinha acarretado um inevitável amor pelo '1 HE
moral que, devido a uma conseqüência psicolócrime e pelas exteriorizações imorais. Nenhum>
gica natural, se transforma em ensino de im~
psicólogo, ao analisar às formas do comportalidade. Devemos afirmar, sem medo de.cometer
mento humano e explicar as leis de sua forma~m
erro, que se a consciência de um atá! ção, pôde descobrir a existência dessas reações
correto não garante a realização desse ato, a cons-tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r *inatas que regem o compo~tamen~o mora.l ~u
ciência de um incorreto pode contribuir com sua i imoral. Portanto, ~ conc~lts>..._de_}mpe.cteI~ao
realização.
.J ~!~lEãO é um s9JJçeitoJüológiç-º_1_JTIas
social.,
Não surge de fatores biológicos que formam o
organismo e seu comportamento, I.!l_ª~deJa~oAS INFRAÇÕES MORAIS DAS CRIANÇAS
Le.s~ociais....queregem e adaptam êS~'-e-compõr'fã"mento às conc1ições
de existência no ambi-WVUTSRQP
\ ! ' V ~ . / ~,/',./,.//'\:~V\/
Todo educador depara-se com ~~ente em que a criança vive.
rais das cria~~ que se situam em uma escala
Assim, a imperfeição moral sempre se
~n;amerite ampla, abrangendo de infrações
origina na experiência
e nunca denota
leves imperceptíveis a autênticos e terríveis cri- deficiências das reações inatas e dos instinmes como assassinatos, incêndios, etc. Do mestos, isto é, um defeito do organismo e do commo modo, as ~adas
pelos professoportamento, mas deficiências dos víncul~~
res contra essas crianças ~o~eçam com s!glyles
condicionados ada2tatiy--º~_ às condlÇüê's do
~!~y"es~ias-O.r:ais
e terminam nos r~- ambiente,~~~
ü;;--defeito da !d}-lça~
/í>
.0rmatóri~ara
delinqü~uvenis.
nos quais
~or iss~Jé muito m-ií$Cüffe"ÊO"não falar ~de
as c~ianças são m~ntidas a.trás ~~s.gra~es e sub- ídefeitos morais, mas de uma educ~ção social i
metidas ~~~_~99IJ9-.~O
fV \U D O U
'E:suficien~ __
<?~.~._ª_º-~nçl-ºI}5L<:l.ª
__
ÇD-ªJl.ÇgJõaDo ponto de vista psicológico, como dequi podemos extrair uma conclusão totalmenvem ser consideradas essas falhas morais inte clara e geral que deve servir de ponto de
R(j~'-;- fantis? ~
a descoberta da verdadeira natl,l- partida para considerar o problema da edustff'~~eza da m.2@l, a conduta moral parecia algo cação dessas crianças. El~s não exiK~ nenhu-tão objetivamente necessário para o comporma pedagQgj-ª,_eJ.p.~ci,al nern jnedidas proitamento como uma regra da lógica para o penbitiyas, corretivasepunitivas
de nenhum tipo,
social e
samento. O homem ou a criança que violava
~5!.s.
__ª.E~.flªS.,urp_ª_d~pli.f~_çlª_atenção__
as regras da moral parecia anormal ou doenuma quadruplicada influência educatiyado
te. Nesses casos, a pedagogia falava go defeimeTo-~Emiocfos os casosde falliàs'mõTais das
to moral da criança como se fosse uma doenêriãilç-âs, da mais insignificante à mais séria,
ça, no mesmo sentido como geralmente se fala
estamos diante de um c~~::,
7 ' d e um ~R?-~l?
o~o.
Também s:
ça e o ~nWie~!g, e temos de reconhecer ~ue
.supunha que o defeito moral era uma defi- rôêrácriança- [um ser desadaptado moral maciência inata, devido a causas biológicas, heto devido ao fato de vir ao mundo com rearança ou causas fisiológicas por alguma falha
ções notoriamente inadaptadas ao ambiente
na estrutura do organismo, como a surdez ou
moral. Inclusive nas famílias perfeitamente
lNAÍ!~11a cegueir~ congênitas. Afirmava-se, portaned..ucadas, ~nhu!§l.~t:.~ª!lS,ª_n_as~SQ.I!l uma
~ J \O
to, que ha pessoas morais e ImOraIS de nasaptidão pronta para se comportar bem; pelo
rv10M'-1 cença e que, conseqüentemente,
existem
contrário, em todas as suas funções e atos
! crianças destinadas pela própria natureza a naturais ~~O}~__subordinade
forma, alguma
\ viver atrás das grades porque nasceram deàs 1l9t~a~A,<!~~~,~i<t~?~xd9-/!ll~0_r9-1e, nesse
\ li~qüentes, como um cego está co~d_enado a
sentido, toda- a taref~ edu:_~~i~ase red~z apei nao ver ~ luz porque nasceu sem ~Isao:.,
nas a estabel,ecer a 1<:~~p!~~ d~ cnança e
Esta claro que, do ponto de VIsta fisiolósuas reações as _Ç.Q.mÍIçoes
_goambiente,
gico e psicológico, essa noção éCabsurd~ NeO único~recurso pa~~
adã'i;iação desnhum fisiologista se deparou com certos ó~- sas reações é a ~~I}SÜk~9~~~~j.9~,ªmgãos especiais da moral no corpo humano cuja
~/~~~s~rs~~çl~~g,-:/E como nas condições do
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QJWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
7 J 4 1 d ;,t{ tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
f?J;r:A/rudrJ cLry f>l-};;iCiy
<,
KJIHGFEDCBA
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
217
~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sistema [que herdamos]
o ~~~~.<:.~al~_~E2.::
com a ordem estabelecida.
Quando fala de A
pre está organizado
de for.IT!_ª_º-~_~armônica, casa dos m ortos." Dostoievski observa que as
devillo às suas contradições
implícitas, semforças mais bem-dotadas
e mais 12oderosas clã
~,,~~-~_":>
pre surgem pessoas que caem sob o influxo
aldeia estavam reunidas [no QresídiQ) só que
dessas condições desfavoráveis
e que elaboestavammutilacÍas,
desfiguradas e era;nutiliram dentro de si formas anti-sociais de comzadas para
mãf
Do mesmo modo, a delinqüência infantil
P~E.~~~.
Port~nto~recorrer à ~c;l,~como
o único
não denota nenhum defeito na psique da crianmeio pedagógico para combater esse mal.
ça, que concorda e convive muito facilmente
A criança [moralmente
desadaptada]
cJD1~.[I1~~~.~_~05!.le!!!9_K~!al:As falhas morais
deve ser colocada em um ambiente que seja
não indicam que ela seja incapaz de elaborar
capaz de lhe inculcar novas formas de tratahábitos sociais ou seja inapta para a convivênmento das pessoas e adaptá-fá às condições de
cia social. Pelo contrário, com muita freqüênsua existência, em vez das formas anti-sociais
cia essa criança manifesta uma inusual astúde comportamento
que nela se estabeleceram.
cia, destreza, inteligência, ~têrÍtico
hero~~
l ! ~ ~ ~ ~IE~!._~1
iIEE~~f~i~Qé,_acima de jYdo.,-ªJ.l!:i- e, o q~ é mais importante, ~ ~ i ~ ~ ! l :
I
soci-ª_L_~._~.~g.!:1S:élÇ~O
mºmL~,
__
~obretud~_edl:!~c~9~Lp~_iar,
a dos batedores >c~ção. s,.º-ç.iªl. Nesse sentido, a regra da pedade carteira, que I2-º~RrÓpria
mQ.ral, i
gogia científica é justamente
o contrário da.~~pról?ri9:ilLÇEj2rQ.fj~~LQ.Ilsll,~}l_PI-ººrtº-ç-Ql}.- \
quilo que em geral se aplica aos infratores das
~_~jt-º.~2~t~_Q._bgm_g_Q.lllaJ.
../
leis na sociedade e no Estado,~~.RJllCom muita freqüência esse desequilíbrio
são ~.
Nesse caso há pouca preomoral da criança ocorre devido a du~ ~as
1,;:.'
é'Úpação com a personalidade
do delinqüente
fundamentais.
Em primeiro lugar, o ~nd9n~
e tudo se resum:;: neutralizá-Io e a colocar o
[a ausência de um lar] ,24 que constitui um fato
ambiente fora do perigo de sua influência; no
de enorme significado social e equivale, por seu
outro, pelo contrário, busca-se uma inclusão
sentido, à falta de toda educação social, isto é,
mais estreita, um contato social. Aqui, existe
de toda preocupação para elaborar as reações
preocupação
para conservar e transformar
a
de adaptação ao ambiente. Em segundo lugar, Q.
personalidade da criança; ~
@ existe o problema das crianças comfmuitos dons}
a maior intensidad
. Até mesmo em nossa éPO-J jque não encontram saída para sua energia nos
Esta_Q} com sua política punitiva com repadrões correntes de comportamento. Pelo conlação aos delinqüentes,
adota o ponto de vista
trário, as crianças muito obedientes em geral
de que os castigos devem servir mais para a
representam um modelo evidente de falta de
reeducação que para a intimidação e a expiaaptidão, porque costumam ser crianças raquítição. E tanto um delito grave como a mais leve
cas e fracas, indolentes e de mente estreita,~
falha infantil, em última instância, denotam
~~~~!~~3~lg;~
uma pequena ou grande ruptura no comporsão as que não precisam de muito ou que, na
tamento social da criança"
mais tenra infâ ia compreenderam
o segredo
Tanto a delinqüência
em geral como a
da§stência
próspera
a valorizam acima de
delinqüência infantil I)~~.igI!ili~-ª~0~
tudo. As pessoas de grandes paixões, de imen~
~~,c:.i~9~~~~~~lYi.m~o
sas proezas, de desejos intensos, inclusive sim~~~ª-l}2_~
Pelo contrário, o delito
plesmente as pessoas de grande pensamento e
denota com fre üência uma certa \forç~ uma
caráter forte, raramente fazem parte desse gru,apacidade de protest , uma grande vontade
po de bons meninos e bs>as men~.
E ríênliiirri dos atrwutos da educação
e aptidão para sentir:~e,
~~
muito~~utto.
Nas condições da
moral tradicional testemunha de forma tão elo~idade
e do direito burgueses,
o delinqüente,,~1!.~~J~~~uanto
esses casos.
qüente se ~siaLmava
com tudo o.nue.saía
Em outras palavras, não só nos casos em que a
dos_limites d~ estereótipo comum; ele sentia
educação moral não teve êxito, mas, com maior
uma força interna e não podia se conformar
freqüência, nos casos em que foi bem-sucedi-
nesses-cãs-os-(rê~~-~os
o
~ , - . r - - ~ , . I " '-
/ '. . . . . - , ~ , - ~ . ~
. ." '- - " , _ . _ "
(!)
ta
J
,
l
218 srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKIzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nitude negativa, porque foi adquirida às custas
do medo, da humilhação,
e n㺠à~sust9-S je
urna verdadeira r~ge!ler:ªQ.p. Por isso, ~aJg~
/'.
CLAS~'\ ~dência ~omo no~ l~~_~~e~_~~~u~~e~tsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
l!l0ral da ob~.9~.A?s~p_'ReJ;..~~~sl$p.iJ.Ü:ante,
c f-(
moral teve tudo o ue era de e' do. Nesses
j- { "
J~/
/"-·\v~
e ~portamento,
comprado a esse preç,WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
0. casos revelou-se
sua autêntica natureza. Vimos
ço, não representa, de acordo com nossa opi( , . 'r \ ~ que, onde esta fracassou, confirmou sua total
nião, o ideal pedagógico.
_'
I
impotência, criando em teoria o conceito de
~ O princípio autoritário
no âmbito da mo.
defeito moral inato e, na prática, ~~
ral, venha
e onde vier, deve ser destruido e,
a Ipt(~,9$~J?J-~~?
o regime escorar pelo presídio e encoriiendando
qOS carceem seu lugar, deve ser erigido algo totalmente
reiros a tarefa de completar as tarefas que os
novo. Essa nova coisa, que deve servir de base
para a educação moral, só pode ser definida
professores deixaram inacabadas ..
de forma aproximada,
em concordância com
Mas isso também acontece nos lugares em
o critério geral da educação, como a coordeque a educação moral tradicional triunfou e
nação socialdo próprio comportamento
com
obteve êxitos retumbantes.
Inclusive nesses
da coletividade
e, aqui, a
lugares ficou evidente que ~~~~ é cª-12..a]:_d~ õ-comportamento
obediência deve ser totalmente ~b?tjtyí9.a,pela
~ria!llI?~.crianç?
~~cio~n}da
e ~~0
losa~pusilânime
e
propensa
àooediência,
sub}!~r:e~ ~<?r~.~~~ç~~~9,~jª!~ r~zra. que provém
~
"-"'/'v"v-v",-r
r-r-»
de todos, da coletividade, e que também se des~~~
e ~~~r:SL7E isso ocorreu porque todo o
sistema da educação moral estava estruturado
tina a todãa coletividade, respaldada pelo mais
sobre o ~incípio
autoritário,
isto é, sobre a
eficaz mecanismo
de organização
e ordena@ibuiç~o, de certo significado compulsivo à
mento da vida escolar, deve substituir esse
-: ~
"dueto pedagógico"
que antes predominava
-:
autoridade dõs paísoü"professores,
respalda~- pela sanção dolprêmi;)je
dofêastigª,-pela
entre professor e aluno no sistema autoritário.
\-: (intímídaçãõ'epélà felicidade. "Escute
os
mais
Não se trata de obedecer a alguém ou a
~~~-----.
~ velhos e você qjlhará o bom caminho, do conalgo, mas de ~_ss~!!lJ.~livremente as formas de
tr~ri?~.s~ã' ;;~'-ávfÓrn;ul;
gros:;ira,
comportamento
que garantam
correção no
porém exata, de tal pedagogia.
comportamento
geral. Esse mecanismo não é
~
Atribuía-se o mais elevado valor moral à
alheio ou imposto à criança; pelo contrário,
~ia
mQ!ivad~elo
medo, embora, do
está em sua própria natureza,
e ~io)é
o
ponto de vista p;Icológico,aobediência
caremecanismo natural que ~J~j~IJ.~9!ye~Ç9inbiça de toda força educativa moral, porque suna esses hábitos. Em parte alguma o comport
ramento éfa criança está tão regulamentado
;,1,
!
(põe antecipadamente
uma atitude
por normas quanto no jogo e em nenhuma
1i9~~5-~~~~~I~~~/~~j§,~.~/t?~.
Consequentemente,
o mecanismo psicológico
pârté'ele assume uma forma
educativa
tão liV './
./ .--"
~
fundamental
que jazia na base da educação
vre ,e ,m,?~~~. .9,.u?-~~<?
nesta. E não se trata de
moral constituía, de fato, a mais profunda aluformas impostas pelo adulto à criança. 01< .
cinação pedagógica imaginável.
De nenhuma maneira se trata de germes]
Ao mesmo tempo, é importante observar
naturais do futuro comportamento
moral. A
que esse mecanismo enraizou-se tão profundacriança se submete às regras do jogo não por-'
que seja ameaçada com um castigo ou porque',
mente na carne e no sangue que até mesmo um
receie provocar algum fracasso ou dano, mas
pedagogo de vanguarda e um pai instruído não
podem deixar de lado esse método clássico e,
~implesmen~~Q.<?.Ique a s>bservância das regras
quando
uma
mãe
diz
ao
filho:
"não
faça
isso
lhe promete - _e cumpre sua promessa a cada
'<
/--..../~~-~~./~
?,<?S®-~_ma@ª~n~~_3~~(~ _esl~/~9Jn~~el!-_Q9..? instante -'a satisfação interna por meio do jogo,
mesmo erro
-"-- ainda que atenuado - que  políporque 'a criança age como parte de um rneca- '- ..
(ci9.1- quando coloca o ladrão menor de idade atrás
nismo comum composto por uma coletividade
que joga. A inobservância das regras só a ameadas grades. Uma criança realmente pode se abster dessa falha, mas a influência moral e educaça com o fato de que o~~ ..n~?~~c~r~
e
tiva dessa abstenção será igual a zero ou de magperderá seu interesse p~r ele. ISso constitui um
da, ficou evidente sua completa impotência.
Em nenhuma p,a,r~e.-?~çbeg~!:1 a tamanha d~-
-4-
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PSICOLOGIA PEDAGÓGICA
reg u lad o r su ficien tem en te
p o d ero so p ara o
co m p o rtam en to in fan til.ij
D esse m o d o tam b ém se reso lv e a q u estão
d as m ed id as d e in flu ên cia q u e u m p ro fesso r
d ev e ad o tar co n tra as in fraçõ es m o rais d a crian 1 aJ~
o sistem a au to ritário d e m o ralid ad e,
- to o a reg ra m o ral era aco m p an h ad a d e u m a san ção q u e im p licav a c{9.st1&9 d a crian ça em caso
d e in su b o rd in ação . e seu tp rêm ~
em caso d e
su b rrilssãQ ..O p rêm io e o castig o ad o tav am as
I m ãis ~ sas
fo rm as, ab ran g en d o castig o s físiI co s, a p riv ação d o alm o ço , a cela d e castig o ,
u m a reco m p en sa; até fo rm as 'su tis, co m o u m a
rep reen são , u m a ad v ertên cia o u ~ lo g io s. A u tilid ad e p ed ag ó g ica o u , m elh o r, o d an o . d essas
m ed id as, p o d e d iferir b astan te, p o i~ as
elas
. \ serv em co m o m eio s d e in flu ên cia p ro fu n d arn en , te f\./Vv--vy'v'\.:;J
m ecân ica e en sin
am , n o m elh o r d o s caso s, só
I~
í-
I
as v irtu _ ~ s,_ ~ .~~ u D m lss_ ªª e ap en as u m a reg ra
m o ral :[~ ~ taL º..d es-ª-g ra _ av en
S u p õ e-se q u e, se essa san ção fo sse elim i-
n ad a, a crian ça p ~ .ªJ> e~ ~ .a~ q u e_ ~ ~ a_ ~ I~ -ª-Q 1
n ão p ro v o car4 1 f~ T I:[u )lf'! r~ ~ n tr.e.J).s_ q u e..a
ro ~ m
e, en tão , ela n ão teria n en h u m m o ti"--v op ara ren u n ciar a eia. N o en tan to , o co m p o rtarn en to m o ral
n ão d ev e se b asear em u m a
p ro ib ição ex tern a, m as em u m a ~
I
~
o u , m ais co rretam en te, n o fato d e q u e -º~ \ ~ r ~ m an o
d ev e ten d er· n atu ralm en te p ara o
ià ') b em e _ ~ ~ ~ ~ ~ a, O co m p o rtam en to m o ral d ev e
-'
~ .em
su a n atu reza e ser ~ alizad o liv rem en te e sem esfo rço . (tW,Q;t1Jv'C- ç ,e )
S u b siste até h o je n a p ed ag o g ia a id éia d e
q u e o m elh o r p ro fesso r d a crian ça é su a p ró .E !~ Ü L çloCr.o n h ece-se o critério p o p u lar d e p ro fj,f' \ fesso res q u e n ão en sin am as crian ças a ev itar
~~
11
o p erig o , m as q u e lh es p erm item realizar so zia ex p eriên cia d e sen tir as d o lo ro sas co n -
~ :P 1 . I n h as
I seq ü ên cias
d e seu s ato s e ap ren d er a ev itá-Ias.
A ssim , se u m a crian ça, m o v id a p elo in stin to ,
to ca a ch am a d e u m a v ela o u u m sam o v ar ferv en d o , o s p ro fesso res n ão a im p ed em . P elo
co n trário , ach am q u e as crian ças d ev em ter a
p o ssib ilid ad e d e se q u eim ar, p o is essa será a
m elh o r esco la p ara elas, n a q u al ap ren d ~
~ çg id ad o
co m o f~
N o p ró p rio m ecan ism o p sico ló ic~ e
d a t~ ~ o s e u cad o res en co n traram o m eio m ais p o d ero so , e o ex em p lo recém -citad o rep resen ta
u m caso típ ico d essa ed u cação .
219
A o an alisar criticam en te esse critério d ev em o s lev ar em co n ta q u e,-ap licad o a caso s
d esse tip o , n o s q u ais a ação d o lo ro sa está d iretam en te v in cu lad a ao ato , u m a ~ d id a
ed u cativ a d essa ín d o le d ificilm en te p o d e ter u m a
am p la d ifu são eser
tran sfõ fíT lad a em p rin cíE lo g eraL S e o p ro fesso r q u iserag ir d e aco rd o
co m essa reg ra e p erm itir q u e as p ró p rias crian ças ex p erim en tem
as m ás co n seq ü ên cias d e
seu s ato s, ~ ~ ~ ~ ~ ~ r
se ai "J
co n seq ü ên cia in d esejáv el d o ato n ão se m an i- ( ~
festar im ed iatam en te, m as_ cleJ2 9 isd e u m ~ Io - \ T
lo n g ad o in terv____
alo
d e tem
]2 Q .-º---lU
..D o s?D u ran.Jte
\' O
..-.-.-.
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4:
esse p erío d o a crian ça ~ m p o
d e se a~ o stu m ar a u m m au h áb it,o e to d o o d an o q u e ela
d esco b rirá p o sterio rm en te n ão a aju d ará a se
liv rar d esse co stu m e. A s co n seq ü ên cias n o ci
;
J
v as d etfu ~ a~ ._ ~ ~ i,g a~ r~
p o d em ser in ~ i.g n ifi- /)fA
v__
can tes e im p ercep tív eis,
m as, se p erm itirm o s
q u e a crian ça ex p erim en te n a p rática o ato p ret:"
ju d icial d e fu m ar, co rrem o s o risco d e fo rm ar 4"S ;P A
u m fu m an te in v eterad o an tes q u e ela p o ssa I -~ '??
to m ar a d ecisão d e q u e é p reciso rejeitar a id éia
!
d e se tran sfo rm ar em fu m an te.
/'). 'V.j'
..".
b'
d
V l1 .)_ ~ (.Ç L
AS m as co n seq u en cias tam em p o em es--(f----tar lig ad as ao ato ; n a co m p reen são d a crian ça,
p o rtan to , a d ep en d ên cia ex isten te en tre o ato e
a m á co n seq ü ên cia p o d e ser in acessív el e in co m p reen sív el. P o r ú ltim o , u m a série d e ato s
p ro v o ca co n seq ü ên cias tão fu n estas q u e seria
I
u m g ran d e risco ~ fiar
em ~ ~ ~ L f!fh .1 ~ I1 çiéH ~ Jlll:;~
cativ ~ :, S e a crian ça ten ta se~ ~ JJn E ~ ~ !?-y ~ d ificilm en te
u m p ro fesso r ach ará razo áv el
p erm itir isso , p o rq u e ele co n h ece as co n seq ü ên cias n o civ as d o p u lo . E sses caso s p o d em ser > '
m u ito n u m ero so s, n ão só n o sen tid o d o d an o
físico , m as tam b ém d o p reju ízo m o ral.
A ssim , a ap licação d esse p rin cíp io p o d e se
lim itar a caso s in sig n ifican tes, co m o o s já m en cio n ad o s, m as n ão p o d e ad q u irir am p lo sig n ificad o p ed ag ó g ico ; so b retu d o , ele é to talm en te
in ad eq u ad o p ara a ed u cação d o co m p o rtam en to m o ral. C arece d a n ecessária lib erd ad e d e es-
*
~ n ic~ ~ ~ ~ ~ ~ )I1 ~ 9 ~ l. N ato rp " afirm a q u e n u n ca p en ~ Q ..S I
/~ e as p el'l'.9 ª"~ --R º-d ~ riªm .Jran ~ fQ rm ,!_ ~ -seJ~ ,m
~ rijo s se tiv es~ ~ ~ J!.~ ~ !.q ~ < !~p. ara isso ; ~ g b .em 'p s V
âp eriàs q u e elas se tran sfo rm am _E!~
_ __< li.stb o \s
4J~
'q u an d o se sen tem ..~ sç[é!y .iz_ ad as.
N esse sen tid o .j
a in u tilid ad e d esse p rin cíp io d a d o r p ara ju stifi-
220
LlEV SEMIONOVICH VIGOTSKI
car o castigo é completamente
evidente e clara.
impregnar esse meio; começando pelas relaA criança aprende com muita rapidez a comções íntimas e a_mis~os~~."~~g~upos
sociais
preender que o castigo não está necessariamentesrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
~QQres,
passando pelas u!:i2es mais-ampla?
ligado a seu erro, mas [aprende] que aqui foi
de caráter fraterno e terminando
pelas mais
wescentado
urrlcômponente
adicional e interimport~tes
formastsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
do~~EllP
mediário expresso ~~
,i~~~
a escola deve impregnar e envolver a
~
Então ela aprende a evitar essa ingevida da criança comLrrli.~harEillde vínculos sorência, a ocultar seu ato, a_~r,
etc.
ciais que ajudem a elaborar o caráter moral.
Além disso, todo castigo coloca tanto o
Em nenhum outro âmbito possui tanta força a
educador quanto o educando em uma situação
tese geral sobre a educação, ou seja, educar ~._Não
é possível ~ervar
o amo~
significa organizar a vida. EI1lJ!.1:!1~..c.o.ue-}
o respeito nem a confiança entre um professor
çª,"-ª~c:.r.jª-IJç-ªS.ªQ criadas c~rre~-ª!1l@te.
que castiga e uma <:~i~~ç.9-_
castiK!lda. Qualquer
Resulta compreensível,
portanto, o nexo
cas6go, seja ele qual for, sempre coloca o eduda educação com a vida e [o nexo] da ~
cando em uma posição humilhante,
minando
com ~stema
social que deve servir de ponto
seu amor e sua confiança. Herbart afirma: ~de
parti~dagogia.~ª~
------.--......-..
,
educação só."~e:~~ ~fin!~.!Y~~E.~lvi<!?s
vàstas-e
'
;+
t
As ameaças constituem um meio educativo
nef~sto, i~~
as ~t~§t~f9.!1.es e fazem os
r,Palsfracos s~erem-Pill1CO-lkJ:Q.Illi!.teL..eJ...IQ.S..- porque não estão em condição de lutar
contra seus desejos negativos. Neles, o perigo
do castigo é suplantado pelos desejos.
Em outras palavras, qualquer castigo resulta nocivo do ponto de vista psicológico e
~~~~tir
na escola sovié~
O próprio
conceito de e~~mpre
deve denotar um defeito da educação. O delito de um
escolar é, acima de tudo, um delito da escola,
e só é apropriada a eliminação desse defeito
na organização social da escola. Nesse sentido, a auto gestão na escola e a organização das
próprias crianças são o melh0í,;:neio de educação moral nas salas de aula. / /
Ao mesmo tempo, deve-se ter cuidado
• para que as formas dessa auto gestão não se
transformem
em \mera cóPlaj das forma~ de
comportamento
dos adultos e
[email protected]~ interesse pelaSf~E~a.1!~t~-º es ~~t~In_as não ill-ª.t~ o
sentImento"de
sociabilidade
das crian~.
De
acordo com isso, a organização do meio social
na escola não significa apenas criar ~tit~ireção
es~~voc~~~
íii'ênte a~~~,
realizar
elê'içoê~e observar todas as formas de sociabilidade que as crianças gostam tanto de copiar
dos adultos. Também é preciso se preocupar
com os vínculos realmente sociais que devem
...gef~?itjv~~_~!!!~ __l!~!~~~os 9!>
q~an.do J~.~~!ll
~rQblen:a: do_~ist~~~-:.sg~.
Toda tentati~a de
'construrr ideaisde eaucaçao em uma sociedade socialmente
contraditória
é uma utopia
porque, como vimos, o único fator educativo
que determina as novas reações da criança é o
meio social e, enquanto este contiver contradições insolúveis, estas ~
na
educação mais bem pensada e inspirada.
De acordo com isso, em nossa época de
transição [rumo a uma sociedade socialista]
sempre teremos de enfrentar na escola formas
indesejáveis do comportamento
infantil e devemos estar preparados de antemão para o complexo e difícil~~.
Surge aqui
a questão de como podemos reter; na pedago- u»
gia soviética, os \aspectos POSltlVOª do sistema ~
"d.~.p.JêmiQs_~çª~~ig9s como medidas educativas. Embora os prêmios e castigos devam ser eliminados das escolas soviéticas por sua influência
prejudicial, não resta dúvida de que uma parte
de seus efeitos deve ser conservada [... ] Esse
aspecto positivo deve ser conservado de tal for~
ma que cada ato da criança retome a ela como
impr~~~§gw ~~~§l
;-~~
Nada impulsiona tanto a ação quanto
o gozo relacionado a el~.
Por essa razão, James encontrou um aspecto positivo no sistema de qualificações, chegando até mesmo a exigir que as 'crianças soubessem suas notas. Nesse fato, ele encontrou a
cristalização da lei psicológica de acordo comKJIHGFEDCB
I
/ '
I
-J--mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rui:s-- UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 & U FEDCBA
a
rvvr;?->'- - / jiI 1 f ! \
/
YYtYY?-9
/ 'V 1 1 f J Y L N t 7
oM Y
a qual, na circulação do traba ho, nosso próRrio ato retorna a nós sob a~ma
impressão reflexa:
Portanto, obtemos por meio de nossos órgãos a
sensação da informação sobre esses atos e seus
resultados. Ouvimos as palavras que pronunciamos, sentimos o golpe ql!:e demos, l~os
olhos a~~n~~E1
o su~~acàsfõde nossas ações. Essa impressão, que se
reflete inversamente, é necessária para que toda
a experiência se complete. Mas todas as conclu~~,sões
psicológicas às quais podemos chegar nos
"'"
r
- dizem que o desejo do aluno de conhecer seu
constitu~~
(&~ /J/ ~
j
f )S A k rrE
{Y 7 .ft
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
QPONMLKJIHGFEDC
221
está vinculado por nenhum laço, ou em uma
cidade capitalista moderna, na qual o homem
não sente nem compreende o homem. Esse sistema só pode esmagar a criança e agir de forma profundamente opressora sobre ela. É evidente que lna escola soviét@ temos de nos
•
preocupar com as formas d~ ~d~caç~o soc~al /
que ~rovoquen: ~~
~pOls
a cnança aprecia a aceitaçao
-'",,~.
~~Ji=lÇao
de seus_coJ~_g~~e, com essa orga-r,R::!"~-i
nização, o am biente
iente será
sera um mecarusrno
poderoso que enviará constantemente à criança
a impressão reflexa de seu ato.
. Em um a~biente social corre~ar,nente or./d.e
sua função. E esse desejo sempre deve ser realiganizado, a cnança sempre se sent~r~ como se
t ~ ' : hiJ'V
} >l
zado, a menos que existam argumentos muito
fosse totalmente :ranspar~nte, ~~
;;.iR.'
sérios contra ele. Por isso, informem ao.s-aluno~\* éf~~,s~oam
e sa~e
essas impres~os resultados de seu trabalho e as esperanças
sões refle~us
próprios atos - que cons'-:o Ee}.~em
te~e~
lado essa norma
tantemente irão a seu encontro - serão as me3 0 M .?
em casos isolados e devido a algumas considedidas educativas mais poderosas que um prorações práticas especiais. [Ibidem, p. 32.]
fessor pode ter à sua disposição.
Ao mesmo tempo, compreende-se facilmente que a relação entre a criança e o meio nem \vV,y.~
lli~ci~a~~~ ~pe~~.~_mentode J<lm~spara
defender o\sistema de notas na escolt Pelo
sempre possuirá esse caráter1eliz e idíl@com o O J 1 \:;
c~o,
súãillcorreç~gica
parece
qual se apresenta a chamada(êªucação ~'liV!'~ '~/
totalmente evidente a partir das idéias apreOs ideais da educação livre, isto é, ~sentadas antes, quando falamos do castigo. A ~~~que
A I nota representa uma forma de avaliação tão não são restringidos por nada, provocam nosalheia a todo o decorrer: do trabalho que logo
sa objeção a partir de dois pontos de vista.
começa a predominar sobre os interesses da
Primeiro, porque nos fatos a educação livre
prendizagem, e o aluno começa a estudar para
quase nunca pode ser realizada plenamente
vitar
uma
nota
ruim
ou
obter
uma
boa.
A
nota
e, por isso, sempre permanece apenas como
~._._-----------_._-_./
combina todos os aspectos negativos do eloprincípio pedagógico com uma vigência relagio e da recriminação. No entanto, esse pensativa, dentro de limites bastante estreitos. Jl) - e mento de James exprime uma grande verdade
desejo da criança sempre contém muitos as-:.r I
!psicológica, ou seja, que ~riança s~e
pectos funestos e daninhos e, se ela puder J
c~~t~Q.g~I}fl~~e
realizar esses desejos, estará causando tanto
esse conhecimento é um poderoso meio edudano a si mesma que nenhum professor razoácâtivôque'-"'óp;;fessor possui.
vel permitirá, em nome dos princípios da eduPor isso, a escola de educação social não
cação livre, que a criança cometa um ato desdeve ser concebida como uma multidão de
sa índole.
crianças sem vínculos entre si. Todos sabem
E mais: a .E!ena liberdade na~ducª~ª_o 0 \ <
muito bem que a união de uma quantidade tão
significa que se rejeita toda remeditação, toda
grande de crianças, não-ligadas por nenhum
a~~socia.l,
}s.to é, to a i u"fni. e~~- g o M
tipo de vínculos, nem unidas por interesses co- -éatlva. Desde o imcio, educar tambérnsignifimuns, faz com que cada~~s
caJimJmr: e restringir a libe[çi~ft~. Por isso,
intensa~~ento.e
sua solidão. Em
como a educação é um processo inalienável
~~~~h
'--"'~,
nenhuma parte o ser umano se sente tao so
na vida do ser humano, a educação livre não
quanto no meio de uma multidão à qual não
significa rejeitar a restrição, mas transferi-Ia
~ f'
I
222QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A educação não conhece "inextirpáveis
para a força espontânea da situação em que a
inclinações para o mal". E ssas m esm as inclinacriança vive. Se o ser humano renuncia à edu-mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
- entao
- ~çara
'd~
~ç3!0,
a fd~
ser ~el uca o pe a rl!.a, ções podem ser direcionadas para o bem./,
pelos móveis e pelas coisas.
~Por esse rm;tivo, a educação livre deve
NOTAS
ser entendida exclusivamente dentro dos lirní~il-ue pode ter ~a liberdad~!1_º_pl~~2 geral
1. O que Vigotski chama de "comunismo" deve
de educação e no meío.socíaí, E sempre pode
ser interpretado
como um m odus vivendi sui
~contecer - e na verdade isso ocorre com fregeneris da classe social dominante
espartana,
qüência - ~~~~~~~J~5E.i_~_Il.-~)
.
pois Esparta era uma sociedade de classes, em
~~~~_~~il}!~!~_s.§~.~,si'l
*
__
~~~.~!:yi~3~~~:
:UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
que a aristocracia vivia
do excedente econômico produzido pela exploração do trabalho
gar a criança a fazer nada em particular, lhe
dos escravos ilotas, desde o século XI a.c.
mostrará o valor de mudar seu comportamen2. Vigotski se refere ao período histórico inaugupara que ele concorde com o interesse do
rado pela Revolução Russa de 1917.
grupo. Devemos ~---amzãra-Vida
escoi_~r)de
3 , Essa é uma referência
ao drama satírico em
verso do escritor russo Aleksandr Sergueievitch
tal forma ~~k.~~~~iª.Jl-SA~,!~ª-I}:
Griboiedov (1795-1829), É um a loucura ser senS~1(g~n:W!.$!ll~
assim como é bom que ela
sato,
publicado definitivamente
sem censura
aceite as regras do jogo; a divergência com o
1861.
em
grupo, portanto, deixaria sua vida sem senti4, Friedrich Nietzsche (Alemanha, 1844-1900) foi
do, pois ela se sentiria como se tivesse sido exo fundador do irracionalismo filosófico. Um de
cluíc!.~do jogo. ~~.Sim
cO.IE-?",C>..Jo.J~gl.~~mJIseus livros intitula-se, justamente, P ara além
~AS.9n~!:$1].Je.
t~I1?_ª-9--dª~forças Pi .'
do bem e do mal. Foi o filósofo-ídolo do Tercei~~~~~~~~2il!~da.
\(
ro Reich de Hitler, Seu estilo aforístico favoreEm suma, a teoria da educação livre é a
ce avaliações opostas, Cf. Georg Lukács, El
face contrária da teoria sobre o caráter inato dos
asalto a la razón, México: Grijalbo; e Carlos
sentimentos morais. Ambas admitem a impotênAstrada, N ietzsche, Buenos Aires: Almagesto.
5.
Leon Shestov (1866-1938)
foi um filósofo
cia e a inutilidade da ingerência pedagógica nos
existencialista e um crítico literário russo ém igré
processos de desenvolvimento e crescimento da
que
viveu na França.
criança, e ambas supõem que o fundamental do
6.
O
imperativo
categórico é uma categoria do
comportamento moral da criança já está presensistema filosófico kantiano. Segundo Kant, o
te no momento de seu nascimento. A partir daí é
imperativo é um juízo que ordena uma ação e
natural que se admita que existem crianças boas
cuja cópula não se exprime por meio de é, mas
e más, morais e imorais, a partir de seu nascipor deve ser. Kant divide os imperativos em himento e pela sua própria natureza.
potéticos e categóricos. Estes últimos são inconGàupp onsidera que "a degradação modicionais e absolutos.
ral é uma' orma peculiar de degeneração psí7. Vigotski refere-se a uma etapa superior do soquica" e, para confirmar essa idéia, apresenta
cialismo desenvolvido que nunca chegou a exisa opinião de muitos pais sobre seus filhos:
tir, o comunismo, de acordo com o marxismocom
traços utópicos, embora se afirmasse o
"I esta criança] não pode ser norm al; ela é comcontrário. Cf. R Engels, Do socialism o utópico
pletamente diferente das outras crianças; desao
socialism o científico, op.cit.; e A. Sánchez
de o começo não era corno __elas; tem uma
Vázquez,
D el socialism o científico al socialism o
~~ável
inclinação paraFEDCBA
Q mal').26 \-(AL.\I-[-ii~ I.
utópico, México: Era, 1983.
~s:t-Q~Jpressupõe
a existência de uma
8. Aleksàndr Aleksandrovitch
Blok (1880-1921)
inextirpãvel j!!!dffiação Qãrã Q 6eIriJ nas crianpoeta, ensaísta e dramaturgo. É consideraças. Aqui se comete o mesmo erro, isto é, a
do o iniciante da literatura pós-revolucionária
crença no comportamento
moral inato e a
russa. Foi uma das principais figuras da corincompreensão de que este é produto da edurente "Escita", profundamente
eslavófila. Com
cação.
relação à citação de Vigotski, cf. A. Blok, U n
Então pode surgir um\ConflitoJque, sem obri-'
Jo
r1 ~ .
,(\túX-7
: '~ '~ 1
I ~
,I
!~
~
,
,I
/1
fOI
I
I·
"
,!
ti1 '1 'i
P S IC O L O G IA
10.
11.
2
12.
13.
223
sobre un P oeta FEDCBA
y otros textos, zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Barcelorusso e, portanto, primeiro foi transliterado de
na: Barral, 1972.
nosso alfabeto para cirílico e, quando este liO conde Liev Nikolaievtch Tolstoi (1828-1911)
vro foi traduzido
para o espanhol, fez-se a
foi, para a maioria dos críticos, o maior romantransliteração
em sentido inverso.
cista da história. Sua opus m agnum é G uerra e
14. Quando Vigotski se refere nesta obra a Herbart,
paz, embora seu romance mais lido seja A na
está se referindo à sua obra A llgem eine P iidogogik
K arenina. Tolstoi viveu praticamente
toda a
[P edagogia U niversal], 1806. Johann F. Herbart
vida em Iasnaia Poliana, sua propriedade pró(1776-1841) foi um filósofo idealista alemão,
xima de Moscou, onde construiu uma escola
bem como psicólogo e pedagogo. Foi o sucespara os filhos dos camponeses - que foi fechasor de Kant na cátedra de Kônigsberg. Sua conda pelo governo czarista -, colocou em prática
cepção era associacionista, e quis reduzir a psimuitas de suas idéias sobre a educação e puque a unidades sensoriais elementares. Em sua
blicou uma revista de pedagogia. Tolstoi renunconcepção pedagógica, o ensino sempre passa
ciou a seu título de nobreza-e viveu como um
por cinco níveis formais. Defendeu a idéia de
que a educação devia ser uma disciplina cienasceta. Defendeu a supressão da propriedade
privada e do dinheiro - era partidário
do
tífica e que, dessa forma, devia ingressar na
universidade.
escambo. Foi excomungado
pela igreja ortodoxa russa, e a censura czarista proibiu quase
15. Baruch Spinoza (1632-1677)
foi um filósofo
toda a sua obra. Como mostra Vigotski neste
da comunidade hebraica holandesa que exerlivro, Tolstoi tinha algumas idéias estranhas.
ceu grande influência sobre os judeus progresUm dos seus comentários mais infelizes foi sua
sistas. É válida a grafia "Baruch de Espinosa"
consideração de que Shakespeare fora um péspor se tratar de um sobrenome ibérico e porsimo escritor, incapaz de criar personagens conque o próprio filósofo assinava algumas vezes
vincentes; dedicou três anos de sua vida ao em"Despinosa", contraindo preposição e sobrenopreendimento
ridículo
de escrever
essas
me. Vigotski leu Spinoza na adolescência e o
opiniões em seu ensaio O ShiekpC rte i o dram ie
citou ao longo de toda a sua obra. A obra de
.Spínoza é a protagonista
de seu ensaio ina[Sobre Shakespeare e o dram a].
Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778)
foi um
cabado sobre as emoções, escrito no final de
filósofo francês. Expôs suas idéias pedagógisua vida (cf. L. S. Vygotski, O bras.,., Volume
cas no livro É m ile ou de l'éducation, do qual
VI, op. cit.). Seus livros favoritos foram o
existem várias edições em espanhol. Emílio é
H am let de Shakespeare
e a É tica de Spinoza
um personagem fictício.
(cf. B. de Espínosa, É tica dem ostrada según el
Sócrates (470-399 a.c.) foi um dos maiores fiorden geom étrico, ed. de Vidal Pena, Madrid:
lósofos gregos. Vigotski não pode estar citanNacional, 1979).
do um texto de Sócrates, pois não se conhece
16. Cf. a nata n 10.
a existência
de nenhum.
Quando se cita
17. [Lord] George Gordon Byron (1788-1824) foi
Sócrates, isso sempre é feito por meio da boca
o poeta europeu mais popular do romantismo.
de outra pessoa, geralmente
seu discípulo
De família escocesa, abandonou a Inglaterra e
Platão, ou Xenofonte, etc.
foi membro do Comitê para a Independência
Todas as citações de W. James feitas por
da Grécia. Participou ativamente
da luta e,
à sua obra
depois de desembarcar em Missolonghi, morVigotski neste capítulo pertencem UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T alks to T eachers ... , op. cito no Capo 1, que trareu devido a uma doença.
18. Essa é a tradução literal da frase entre aspas
duzimos diretamente
da língua inglesa, pois
do original russo. É improvável que a fonte de
não existem diferenças significativas com a
versão russa citada por Vigotski. Em todo este
Vigotski não tenha sido a Bíblia. Não pudemos
encontrar essa proposta lingüística no Novo
livro, raramente Vigotski destaca suas elipses,
Testamento. Por outro lado, é duvidoso que um
porém nós as restauramos.
Não nos foi possível estabelecer a identidade
apóstolo diga "vou atrás do pior" sem cair em
contradição lógica com sua qualidade de apósdesse autor. Por isso, é possível que, no alfabeto romano, a grafia possa estar incorreta, pois
tolo. As aspas dão caráter de citação a algo que
é apenas uma entre várias possíveis; por exemnos parece que não é um a citação, mas uma
plo, poderia ser "Vithoeft". Tal problema surge
paráfrase sui generis de um trecho mais extenporque existem diversos critérios de transliteso. Provavelmente
ele esteja se referindo ao
ração e, sobretudo, porque o sobrenome não éQPONMLKJIHGFEDCBA
trecho da "Epístola aos Romanos" do apóstolo
pedante
9.
P E D A G Ó G IC A
224
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
transformar em índios, mas encontrar ouro na
Paulo, 2:17-22: "Mas se tu que te dizes judeu e
Califórnia, porém são impedidos pelos pais. Cf.
descansas na lei, [ ... ] e te jactas de ser [ ... ] luz
A. P.Tchekov, C ontos ... ) op. cit., p. 593-601.
possuis
dos que andam nas trevas, [ ... ] porquemlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
23. A casa dos m ortos é um romance de Dostoievna lei a própria expressão da ciência e da versky, no qual ele narra o horror de seus quatro
dade [... ] P regas: não roubar e roubas! Proíbes
anos de trabalhos
forçados, em que esteve
o adultério e o cometes! [ ... ]" (cf. Bíblia, op.
acorrentado
em uma cadeia da Sibéria. É o
cit., p. 1612; o grifo é nosso).
autêntico antecedente,
na narrativa russa, de
19. Leonid Nikolaievitch Andreiev (1871-1919) foi
U
m
dia
na
vida
de
Ivan
D enisovitch, de Alekum narrador e dramaturgo russo exilado. Sua
sandr Solyenitsin e de C ontos de K olim a, de
obra gozou de grande fama entre a intelectuaVariam Shalamov.
lidade russa da primeira década do século XX.
24. O regime czarista, a participação russa na PriDa Finlândia, Andreiev enviou um SOS ao munmeira Guerra Mundial e na Guerra Civil postedo, pedindo
que se salvasse
a Rússia do
rior à Revolução de Outubro, em que os conbolchevismo.
.FEDCBA
tra-revolucionários
lutaram pela Restauração
20. James Fenimore Cooper (1789-1851)
foi um
com o apoio de 14 exércitos estrangeiros insprolífico escritor norte-americano.
Seu romantalados em território russo, deixaram, por volce mais famoso é O últim o dos m oicanos (1826).
ta de 1921, uma herança de 7 milhões de "me21. Reid, [Thomas] Mayne (Irlanda, 1818-1883,
ninos e meninas de rua" [biezpriezorniki],
que
Inglaterra), viveu durante uma década como
aventureiro nos Estados Unidos, e daí extraiu
se dedicavam ao roubo e à prostituição (cf. J.
A. Stevens, "Children of the Revolution: Soviet
material para escrever 70 romances, cujas exRussia's Homeless Children in the 1920s",
citantes aventuras entusiasmaram
milhões de
Russian History, 1982,9:2-3, p. 242-264). Esse
crianças. Descreveu os costumes dos colonos e
grave problema desapareceu
poucos anos dedos índios do faroeste e se transformou
em
pois, mediante a criação de colônias como a
herdeiro de Coopero Seus romances têm títudescrita por Anton S. Makarenko em seu P oelos estridentes, como Os caçadores de escalpos.
Na edição norte-americana,
esse autor não foi
m a pedagógico.
25. Paul Gerbard Natorp (1854-1924) foi um filóidentificado, sendo designado como "Captain
Mayne- Readee" (sic).
sofo alemão neokantiano
de escola de Mar22.UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
É duvidoso que tal fato realmente
tenha ocorburgo. Ele concebeu a consciência como um sistema de normas que fundamenta as ciências,
rido. Devido ao fontexto em que Vigotski meninclusive a ética, a educação e a política. Entre
ciona essa história, 'é muito provável que a tesuas obras, além de uma monografia clássica
nha conhecido lendo Tchekov, que a narra em
sobre Pestalozzi, destaca-se: Sozialpiidogogik [A
seu conto R apazes. No conto podem ser lidas
pedagogia
social], op. cito na nota n 14 do Capo
frases como "Você leu Mayne Reid?", "Cheche9, editada em russo em 1911. É provável que
vitzin se autodenominava
'Montigono Garra de
aqui Vigotski esteja se referindo a esse livro.
Abutre' e chamava de 'Irmão Cara Pálido' a
Volodia, "os rapazes estavam se preparando
26. É muito provável que esta seja uma referência
a Robert Gaupp, P sychologie des K indes [P sicopara escapar para algum ponto da América",
logia das crianças], op.cit.
etc. A rigor, o objetivo dos meninos não era se
I
2
/
A E d u cação E stética
A E S T É T IC A
A S E R V iÇ O
D A P E D A G O G IA FEDCBA
ções
i
alheias e, de acordo com a idéia de al-
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
guns pedagogos, deve servir de meio para a
o problema relativoUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à " natureza,
ao sigeducação do conhecimento, do sentimento ou
nificado, aos objetivos e aos métodos da eduda vontade moral.
cação estética ainda não foi resolvido de forConsideramos que, atualmente, se estama definitiva na ciência psicológica nem na
beleceu a falsidade e a falta de valor científico
pedagogia teórica. Desde tempos remotos até
desse critério. Os três objetivos estranhos imos dias de hoje, há três pontos de vista extrepostos à estética - o conhecimento, o sentimenmos e contraditórios a respeito que, década
to e a moral - desempenharam, na história
após década, supostamente sempre encondessa questão, um papel que atrasou muito
tram novas confirmações em toda uma série
todos os esforços realizados para sua correta
de pesquisas psicológicas. Portanto, a polêcompreensão.
mica e o problema, em vez de se resolverem e
aproximarem-se de seu final, parecem se comA M ORAL E A ARTE
plicar cada vez mais com o avanço do conhecimento científico.
Em geral, supõe-se que uma obra de arte
Muitos autores tendem a negar quase
possui
um efeito moral, bom ou ruim, porém
todo o significado educativo das vivências esdireto e, quando as impressões estéticas são
téticas, e a corrente da pedagogia ligada a esavaliadas, sobretudo na infância e najuventuses autores e que se desenvolveu a partir de
de, tende-se a valorizar esse impulso moral que
uma raiz comum continua defendendo a mesemerge de todas as coisas. As bibliotecas inma idéia, atribuindo um significado estreito e
fantis são formadas para que as crianças exlimitado à educação estética. No entanto, os
traiam dos livros exemplos morais que lhes sirpsicólogos da corrente oposta tendem a exavam de lição; assim, a tediosa moral convenciogerar o significado das vivências estéticas e lhes
nal e as falsas lições se transformam no estilo
falta pouco para ver nelas o meio pedagógico
essencial da insincera literatura infantil.
radical que resolve todos os problemas comA única coisa séria que a criança pode
plexos e difíceis da educação.
extrair
do contato com a arte - isso é o que se
Entre esses dois pontos extremos situadiz - é uma ilustração mais ou menos vívida
se uma série de critérios moderados sobre o
desta ou daquela norma moral. O restante é
papel da estética na vida infantil, a maioria
considerado inacessível à compreensão infandos quais tende a reduzir o significado da estil. Para além dos limites da moral, em geral a
tética ao entretenimento e ao goze.' Embora
literatura
infantil se reduz a poesias de absuralguns valorizem o sentido sério e profundo
dos e disparates, pois só isso seria acessível à
da vivência estética, quase nunca se fala damlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
compreensão das crianças.' Daí também surge
educação estética com o um fim em si m esm o,
o néscio sentimentalismo inerente à literatura
mas apenas como um meio para obter resultainfantil e que é sua característica distintiva. O
dos pedagógicos, alheios à estética. E ssa estétiadulto tenta imitar a psicologia infantil e, suca a serviço da pedagogia sempre realiza fun-
226QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
podemos ter certeza de que nosso cálculo lógipondo que o sentimento sério não seja acessíco terá o efeito esperado, quando se trata de
vel para a criança, sem qualquer aptidão nem
crianças. A respeito disso, os exemplos e anahabilidade adoça os acontecimentos
e os helogias são menos instrutivos que os fatos da
róis, substitui o sentimento pela pieguice e a
vida e da psicologia infantis, publicados na liemoção pelo sentimentalismo.
O sentimentateratura [bibliografia] sobre como as crianças
lismo não passa da estupidez do sentimento.
entendem as fábulas de Krilov"
Como resultado, a literatura infantil geNos casos em que as crianças não tentam
ralmente é um brilhante exemplo de falta de
adivinhar a resposta que o professor espera degosto, de alteração profunda do estilo artístilas, mas falam sinceramente e por conta própria,
co e da mais desoladora
incompreensão
do
psiquismo infantil.
suas opiniões são opostas à moral do professor, e
isso fez alguns pedagogos pensarem que até esAcima de tudo, temos de rejeitar o critério de que, supostamente,
as vivências estétisas obras tão indiscutivelmente
"éticas" podem
exercer uma influência moral prejudicial ao pascas possuem certa relação direta com as morais e que toda obra de arte contém uma essar pela psique das crianças. É preciso levar em
pécie de estímulo
para o comportamento
conta as leis desse meio refratante [a psique inmoral. Um fato sumamente
curioso foi publifantil]. Se não o fizermos, correremos o risco de
cado na literatura
[bibliografia]
pedagógica
obter esse tipo de resultados.
norte-americana
com relação à influência
Por exemplo, na fábula [de Krilov] O cormoral de um livro tão indiscutivelmente
vo e a raposa, toda a simpatia das crianças dirigiu-se para a raposa. Esta despertou sua adhumano comomlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A cabana do P ai T om , ás de
Beecher Stowe." Quando se perguntou aos esmiração, e elas acharam que ela enganou com
colares desse país quais eram seus desejos e
inteligência
e destreza o tolo corvo. Não se
obteve o efeito que o professor pensava conseos pensamentos
despertados
pela leitura do
livro, alguns deles responderam
que lamenguir: a aversão à adulação e à aduladora. As
tavam muito que a época da escravidão tivescrianças riram do corvo e a ação da raposa lhes
pareceu admirável. As crianças não extraíram
se passado e que não existissem mais escravos nos Estados Unidos. Esse fato adquire um
da fábula a conclusão de que "a adulação é
ruim e prejudicial", chegando assim a um sensignificado ainda maior porque nesse caso não
timento moral oposto ao que se esperava.
se trata de uma excepcional torpeza ou incomA cigarra e aform iNa fábula [de Krilov]FEDCBA
preensão moral, mas porque a possibilidade
ga, a simpatia das crianças foi provocada pela
dessa conclusão está inserida na própria natureza das vivências estéticas infantis e nundespreocupada
e poética cigarra que cantava
durante todo o verão, e a responsável e tediosa
ca podemos ter certeza antecipadamente
de
qual será a influência moral de um determiformiga lhes pareceu odiosa; na opinião delas,
nado livro.
toda a fábula tinha a ver com a obtusa e arroNesse sentido é muito instrutivo o conto de
gante avareza da formiga. Os resultados espeTchekov sobre um monge medieval que, com um
rados não foram alcançados de novo e, em vez
de inspirar nas crianças respeito pela diligência
assombroso talento de artista, relatou aos seus
e pelo trabalho, a fábula lhes inculcou a alegria
colegas do mosteiro
o poder do diabo, a
e a beleza de uma vida fácil e despreocupada.
corrupção, o horror e as tentações que tinha visDa mesma forma, na [fábula de Krilov]
to na cidade. O relator estava indignado e, como
era um verdadeiro artista e falou com grande
O lobo no canil, as crianças transformaram
o
lobo em herói, pois lhes pareceu que ele transentusiasmo, de forma eloqüente e sonora, essa
mitia uma verdadeira
grandeza, burla e um
força do diabo e a sedução mortal do pecado
foram pintadas tão claramente que, de manhã,
magnânimo
desprezo com relação aos cuidadores e aos cães, no instante em que [o lobo]
não restava mais nenhum monge no mosteiro,
pois todos tinham fugido para a cidade."
não implorou por sua própria salvação, mas
ofereceu, com altivez e arrogância, sua defesa
A ação moral da arte faz recordar com
e proteção. E as crianças não apreciaram a fámuita freqüência o estilo desse relato e nunca
P S IC O L O G IA P E D A G Ó G IC A
227
ticos; não se comunica a flexibilidade, a sutilebula a partir do ângulo de seu sentido moral,
za e a diversidade das formas às vivências esisto é, do castigo ao lobo, mas da perspectivatéticas; pelo contrário, transforma-se em rese é que podemos dizer isso - da trágica grangra pedagógica a transferência da atenção do
deza de sua morte heróica.
aluno da obra para seu significado moral. O
Poderíamos citar uma infinita quantidaresultado dessa educação foi uma sistemática
de de exemplos e casos com essas mesmas fádestruição do sentimento estético, sua substibulas ou com outras para confirmar o mesmo
tuição pelo aspecto moral alheio à estética e,
fato. No entanto, a escola russa, sem levar em
daí, vem essa aversão natural à literatura clásconsideração o fato psicológico da diversidasica que 99% dos alunos que cursaram nossa
de de possíveis interpretações e conclusões
escola média sentem. Muitos dos que são parmorais, sempre se empenhava em adaptar
tidários da exclusão da literatura como disciqualquer vivência artística a certo dogma moplina de ensino escolar assumem esse ponto
ral, conformando-se com sua assimilação, sem
de vista e afirmam que o melhor meio de inssuspeitar que com freqüência um texto literápirar aversão a qualquer escritor e impedir sua
rio não só não contribuía com essa assimilaleitura é introduzí-lo no curso escolar.
ção, mas também inculcava uma noção moral
totalmente oposta. Blonski caracterizou acertadamente nossa educação estética quando
A A R T E E O E S T U D O D A R E A L ID A D E
afirmou que, nas aulas de literatura de nosso
país, a poesia estava ausente, perdia-se toda a
Outro erro psicológico na educação estédiferença entre o texto de uma fábula de Krilov
tica, não menos prejudicial, foi impor à estétie a exposição prosaica de seu conteúdo.
ca tarefas e fins alheios a ela, não de caráter
A forma suprema e caricaturesca de tudo
moral,
mas social e cognoscitivo. A educação
isso foi a busca do sentido fundamental de
estética era adotada e admitida como um meio
qualquer obra pela explicação "do que o aude ampliar o conhecimento dos alunos. Por
tor quis dizer" e do significado moral de cada
exemplo, todos nossos cursos de história da
personagem separadamente. Solcgub" cita a
literatura se baseavam nesse princípio e subsinterpretação
[ridícula]
que o professor
tituíam deliberadamente
o estudo das leis e
Peredonov faz de um verso de um poema de
fatos artísticos pelo estudo dos elementos soPushkin: "Com sua loba faminta o lobo cociais presentes nas obras [literárias]. É promeçou a andar".' Oferece-se aqui um panofundamente importante verificar que os marama exagerado, porém não tergiversado desnuais escolares mais populares sobre a históse prosaísmo sistemático da poesia, que interia
da literatura russa, nos quais se inspirava
grava a base de toda a educação estética e
o ensino ministrado pelos nossos professores
que se reduzia a isolar da obra literária seus
de literatura avançada,mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHG
intitulam -se
H istória
elementos não-artísticos e a inventar várias
da
intelectualidade
russa
[de]
Ovsiannikoregras morais relacionadas ao tema da obra.
Kulikovski" e H istória do pensam ento social rusIsso está em profunda contradição com a
so
[de] Ivanov-Razumnik).? Em vez de estunatureza da vivência estética e, além disso, é
dar os fenômenos e fatos literários, estuda-se
preciso observar que age de forma mortífera
a história da intelectualidade e do pensamensobre a própria possibilidade da percepção esto social, isto é, temas que, na verdade, são
tética e da atitude estética com relação às coialheios e estranhos à educação estética.
sas. Subentende-se que, com esse critério, a
Tudo isso tinha um grande significado e .
obra de arte fica desprovida de seu valor indeum
sentido
histórico na época anterior [czapendente, transforma-se em uma espécie de
rista], quando nossa escola estava separada por
ilustração de uma tese moral geral; toda a atenuma muralha chinesa das disciplinas sociais e
ção concentra-se justamente nesse último asquando obtínhamos os germes da educação
pecto, e a obra de arte fica fora da percepção
ssocial e cívica nas aulas de literatura. Mas agodo aluno. Na verdade, com essa concepção não
ra, quando se atribuiu às disciplinas sociais o
se criam nem educam atitudes e hábitos esté-QPONMLKJIHGFEDCBA
228QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
'I,
I!
II
lugar que lhes corresponde, essa substituição
dos valores estéticos pelos sociais também seria prejudicial, tanto para uma ciência quanto
para a outra. E essa mescla de diferentes campos do conhecimento se parece com os casais
em que ambas as partes estão igualmente interessadas no divórcio.
Em primeiro lugar, quando se estuda a
sociedade conforme as imagens literárias, sempre se assimilam formas falsas e distorcidas,
porque a obra de arte nunca reflete a realidade em toda a sua plenitude e em toda a sua
verdade; ela representasempre um produto
sumamente complexo elaborado pelos elementos da realidade, ao qual aporta um conjunto
de elementos totalmente alheios. Em definitivo, quem só conhece a história da intelectualidade russa por meio de Oneguin e Chatski'?
corre o risco de adquirir um critério totalmente errôneo sobre essa história. Procede de modo
muito mais razoável quem a estuda com base
em documentos históricos, cartas, diários íntimos e todos os materiais nos quais o estudo
histórico se baseia, e entre os quais corresponde aos monumentos literários o mais modesto
ou até mesmo o último lugar. O estudo da história da intelectualidade russa segundo a literatura russa é tão impossível como o estudo
da geografia conforme os romances de Júlio
embora ambos os temas tenham se
Verne,UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
refletido na literatura.
Esse critério baseia-se na falsa noção de
que a literatura constitui uma espécie de cópia
da realidade, uma fotografia típica que faz lembrar uma foto coletiva, que permite fotografar
uma série de pessoas pertencentes a um mesmo grupo e sobrepõe os traços de uma pessoa
sobre a outra e, por isso, os traços típicos do
grupo se destacam com enorme clareza, enquanto os traços individuais e fortuitos se diluem. Com esse simplíssimo mecanismo obtémse o retrato típico de uma família, de um grupo de doentes ou de delinqüentes. Supõe-se
que a imagem literária também seja parecida
com essa fotografia grupal e que, por exemplo, o personagem Eugênio Oneguin reuniu e
combinou em si os traços típicos da intelectualidade russa da década de 20 [do século XIX]
e, por isso, é considerado material fidedigno
para estudar a época. Entretanto, é fácil deII
-,
i
monstrar que a verdade artística e a verdade
da realidade nessa figura - como em todas as
outras - são encontradas em relações sumamente complexas; [é fácil demonstrar] que, na
arte, a realidade está sempre tão transformada e modificada que não é possível fazer uma
transferência direta do significado dos fenômenos da arte para os da vida.
Ao mesmo tempo, nessa forma de ensino
corremos o risco de compreendermos mal a
realidade, bem como de excluir os aspectos
puramente estéticos. O interesse e a atenção
orientados para o estudo do homem da década de 20 [do século XIX] não tem, do ângulo
psicológico, nada em comum com o interesse
e a atenção dirigidos à poesia de Pushkin: cristalizam-se em reações, emoções e atos psíquicos absolutamente diferentes, que só se valem
de um material comum para necessidades totalmente diferentes. O teto de qualquer prédio arquitetônico pode ser utilizado como defesa contra a chuva, como ponto de observação, como local para um restaurante e diversos outros fins, mas sempre esquecemos completamente o significado estético do telhado
como parte de um todo artístico, como parte
de um projeto arquitetônico.
A A R T E C O M O U M F IM E M S I M E S M O
Por último, gostaríamos de destacar um
terceiro erro cometido pela pedagogia tradicional ao reduzir a estética ao sentimento do
agradável, ao prazer da obra de arte, vendo
nisso um fim em si mesmo. Em outros termos, reduz todo o significado das vivências
estéticas ao sentimento imediato de gozo e
alegria que elas despertam na criança. De
novo, a obra de arte é considerada um meio
para estimular reações hedonistas e, na verdade, ela é colocada no mesmo nível que outras reações e estímulos similares de índole
completamente real. Quem pensa cultivar a
estética na educação como fonte de prazer
sempre corre o risco de encontrar na primeira guloseima e no primeiro passeio os mais
fortes concorrentes. A particularidade da idade infantil reside justamente no fato de que a
força direta de uma vivência real concreta é
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
229
muito mais significativa para a criança que a
a obra de arte não é acessível, de forma alguma, à percepção de todos, e que a percepção
força de uma emoção imaginária.
Portanto, vemos que a pedagogia tradide uma obra artística representa um trabalho
psíquico difícil e árduo. Evidentemente, a obra
cional se deparou com um beco sem saída com
de arte não é percebida com uma total passivirelação aos problemas da educação estética,
dade do organismo, nem apenas com os ouviao tentar lhe impor fins completamente alheidos ou os olhos, mas mediante uma muito comos e impróprios; assim, primeiro perdeu de visplexa atividade interna em que a visão e a auta sua própria importância e depois encontrou
dição são apenas o primeiro passo, o impulso
resultados opostos aos que esperava.QPONMLKJIHGFEDCBA
básico.
Se a missão de um quadro consistisse tãoA P A S S IV ID A D E E A A T IV ID A D E
somente em mimar nossos olhos, e a da músiN A V IV Ê N C IA E S T É T IC A "
ca em proporcionar vivências gratas a nossos
ouvidos, a percepção dessas artes não apresenEsses erros psicológicos não eram protaria qualquer dificuldade e todos, exceto os
vocados apenas pelo desconhecimento
dos
cegos e surdos, estariam destinados a percebêpedagogos, mas por um erro muito mais amIas. Entretanto, o momento da percepção senplo e profundo da própria ciência psicológica
sorial dos estímulos não passa do impulso inicom relação às questões da estética. Durante
cial necessário para despertar uma atividade
muito tempo persistiu nela [a ciência psicomais complexa e que,mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
per se, carece de todo
lógica] o critério de que a percepção estética
sentido estético. Christiansen afirma o seguinconstitui uma vivência totalmente passiva,
te: "O entretenimento de nossos sentidos não
uma total entrega à impressão, uma detené o objetivo final do projeto artístico. Na músição de toda a atividade do organismo. Ao
ca, o principal é inaudível; nas artes plásticas,
mesmo tempo, os psicólogos frisavam que o
o fundamental é o invisível e o intangível"."
desinteresse, a admiração generosa, a comEsse aspecto invisível e intangível, duranpleta repressão da vontade e a falta de toda
te o processo estético, deve ser entendido aperelação pessoal com o objeto estético eram
nas como a transferência do acento principal
condições para a realização da reação estétipara o momento de resposta da reação ante
ca. Tudo isso é verdade, mas é apenas a meimpressões sensoriais que chegam de fora.
tade da verdade e, portanto, oferece uma noNesse sentido, podemos dizer claramente que
ção totalmente falsa sobre a natureza dessa
a vivência estética é estruturada conforme o
reação em sua totalidade.
modelo exato de uma reação comum, que neNão resta dúvida de que certo grau de
cessariamente pressupõe a presença de três
passividade e desinteresse são a premissa psicomponentes: excitação, elaboração [procescológica infaltável do ato estético. Quando o
samento] e resposta. O componente da perespectador ou o leitor assume o papel de parcepção sensorial da forma e a tarefa realizada
ticipante ativo na obra que percebe, ele sai de
pelos olhos e ouvidos constituem apenas o
forma definitiva e irreversível da esfera da esmomento inicial da vivência estética. Temos
tética. Ao observar uma maçã pintada em um
de considerar agora os dois restantes. Sabequadro, quando a atividade ligada à intenção
mos que, na verdade, uma obra de arte reprede saborear uma maçã de verdade está mais
senta apenas um sistema organizado de uma
intensamente desenvolvida em mim, é claro
maneira especial das impressões externas ou
que o quadro permanecerá fora de meu camdas influências sensíveis sobre o organismo.
po de apreensão. No entanto, essa passividade
No entanto, essas influências sensíveis estão
constitui apenas - como pode ser facilmente
organizadas e construídas de tal forma que desdemonstrado - o lado inverso de outra ativipertam no organismo um tipo de reação difedade, incomensuravelmente mais séria e nerente da habitual, e essa atividade peculiar, licessária ao ato estético. Isso pode ser comprogada aos estímulos estéticos, é que constitui a
vado sem dificuldade pelo simples fato de que
natureza da vivência estética.':'
230QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Ainda não podemos dizer com exatidão
em que consiste [a vivência estética], pois a
análise psicológica ainda não pronunciou
a
última palavra sobre sua composição, mas sabemos que ela envolve uma atividade construtiva muito complexa que é efetuada pelo ouvinte ou pelo espectador e que seria a seguinte: com as impressões externas apresentadas,
a pessoa constrói e cria um objeto estético ao
qual se referem todas suas reações posteriores. Nos fatos, por acaso um quadro não é apenas um pedaço de tela com certa quantidade
de pintura aplicada em cima-dela? Mas, quando o espectador
interpreta
essa tela e essas
cores como a representação
de uma pessoa,
de um objeto ou de uma ação, esse complicado trabalho de transformar a tela pintada em
um quatro pertence totalmente
ao psiquismo
É preciso correlacionar
as linhas,
do receptor.UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fechá-Ias sobre certos contornos, vinculá-Ias
entre si de certa maneira, interpretá-Ias
em
perspectiva e transferi-Ias para o espaço, para
que se pareçam com a figura de um ser humano ou de uma paisagem.
Depois, precisamos
aplicar a complexa
tarefa de recordar, de associar idéias para compreender que pessoa ou que paisagem está representada no quadro, observar em que relação estão suas diferentes partes. Toda essa tarefa necessária pode ser denominada
"segunda síntese criativa", porque exige que o receptor reúna e sintetize os elementos dispersos do
todo artístico. Se uma melodia chega à nossa
alma é porque nós mesmos podemos coordenar os sons que nos chegam de fora. Há muito
tempo, os psicólogos dizem que todo o conteúdo e o sentimento ligados a um objeto de
arte não estão nele, mas são aportados por nós.
É como se introduzíssemos
o sentimento
das
imagens da arte, e o próprio processo de percepção é chamado pelos psicólogos de "empatia". Essa complexa atividade de empatia se
reduz, em essência, à renovação de uma série
de reações internas, à união que as coordena e
a uma certa reelaboração
criativa do objeto
próximo de nós. Essa função constitui a atividade estética básica que, por sua natureza, é
uma atividade do organismo que reage ao estímulo externo.
A IM P O R T Â N C IA
D A A T IV ID A D E
B IO L Ó G IC A
E S T É T IC A
A importância biológica da atividade estética também figura entre essas questões polêmicas e confusas. Só nos degraus inferiores
do surgimento da atividade estética é possível
captar seu significado biológico. Inicialmente,
a arte surge por necessidade de vida, o ritmo é
a forma primitiva de organização do trabalho
e da luta, os ornamentos fazem parte do cortejo sexual; a arte tem um evidente caráter utilitário e auxiliar." Mas o verdadeiro significado
biológico da arte contemporânea
- de arte nova
- sem dúvida se encontra um pouco mais longe. Para o selvagem
[homem primitivo]
o
cântico guerreiro substitui a voz de mando e a
organização
do combate, e o soluço fúnebre
lhe parece um canal direto com o espírito do
morto; no entanto, essas funções cotidianas
comuns e imediatas não podem, de forma alguma, ser atribuídas à arte contemporânea
e,
assim, sua importância biológica deve ser buscada em alguma outra parte.
Uma lei enunciada por Spencer" tornouse muito popular: a lei da economia das forças
criativas, segundo a qual o significado das obras
de arte e do prazer que elas proporcionam se
explica totalmente por meio da economia de
forças espirituais, pela economia de atenção que
acompanha toda percepção da arte. A vivência
artística é a mais econômica e vantajosa para o
organismo, rende o maior efeito com um gasto
mínimo de energia, e esse ganho de energia é o
que constitui a base do prazer artístico. "O mérito do estilo reside precisamente no fato de que
ele proporciona a maior quantidade possível de
idéias com a menor quantidade possível de palavras", afirma Aleksandr Viesielovski." Como
claros exemplos dessa lei mencionam-se geralmente a importância facilitadora da simetria e
o descanso proporcionado pela interrnitência do
ritmo.
Entretanto, mesmo que essa lei fosse certa, ela na verdade teria muito pouco a ver com
os problemas da arte, pois encontraríamos
essa
mesma economia de forças em todas as áreas
em que a criação humana se manifesta. Em
uma fórmula matemática
e em uma lei física,
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
231
na classificação dos vegetais e na teoria sobre
A solução para o problema do significaa circulação do sangue está implícita uma ecodo biológico do ato estético - e essa é uma das
preocupações
da psicologia atual - deve ser
nomia de forças não menor que na produção
buscada na elucidação da psicologia da criaartística e, caso se alegasse a existência de uma
economia na influência estética, seria incomção do artista e na convergência da compreensão da apreensão
e do processo de criação.
preensível ver o que distingue a economia estética da economia
comum a toda criação.
Antes de nos perguntarmos
para que lemos,
Além disso, essa lei não exprime a verdade
cabe perguntar para que as pessoas escrevem.
psicológica e se opõe às pesquisas exatas no
O problema do esforço de criação e de suas
fontes psicológicas volta a apresentar dificulâmbito da arte. O estudo da forma artística tem
dades não-comuns, pois passamos aqui de um
demonstrado
que, na vivência artística, não
estamos diante de uma reprodução
da realiobstáculo para outro. Mas não cabe duvidar
mais da tese geral, conforme a qual o esforço
dade facilitada, mas dificultada, e alguns dos
pesquisadores mais radicais se atrevem a falar
de criação é a mais profunda necessidade de
[ostranenieJ
dos objede uma "condensação"mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nossa psique, no sentido da sublimação de altos como lei fundamental
da arte. De qualquer
guns tipos inferiores de energia. A concepção
forma, fica claro que a linguagem poética é
da criatividade como sublimação, isto é, como
mais difícil que a prosa e que sua disposição
transformação
dos tipos inferiores de energia
incomum das palavras, sua composição
em
psíquica não-consumidos
e que não encontram
saída na atividade normal do organismo em
versos, seu ritmo, não só não aliviam nossa
tipos superiores, é a mais verossímil da psicoatenção de qualquer trabalho, mas exigem dela
uma constante tensão com relação aos elemenlogia moderna. Já esclarecemos
[no CapoUTSRQPONMLKJ
5J o
tos que aqui se manifestam pela primeira vez
conceito de sublimação com relação à teoria
e que não existem na fala corrente.
sobre os instintos e, em particular, citamos a
Mas a atual crítica de arte transformou
opinião que estabelece que existe um estreito
em uma completa tolice a tese de que, na obra
nexo entre o processo criativo e a sublimação
de arte, a percepção de todos os seus elemenda energia sexual. Segundo as palavras de um
tos perde seu automatismo e se torna conscienpsicólogo, nas questões da criação temos algo
te e sensível. Assim, por exemplo, na fala corcomo pessoas ricas e pobres, algumas das quais
rente não prestamos atenção ao aspecto fonégastam toda a sua reserva de energia na vida
tico da palavra. Os sons são percebidos de forcotidiana, enquanto outras a reservam e economizam, ampliando
o círculo de necessidama automática e do mesmo modo se relacionam com um certo significado. James destades a serem satisfeitas. Em ambos os casos a
cou o aspecto estranho e inusual que adquiricriação surge a partir do instante em que certa
ria para nós nossa língua materna se a ouvísenergia não-aplicada
e não-gasta em um fim
semos sem compreender,
como um estrangeiimediato não se realiza e ultrapassa o limiar
ro. Ao mesmo tempo, devemos lembrar que a
da consciência, do qual retoma transformada
lei da linguagem poética é justamente
a preem novos tipos de atividade.
sença dos sons no campo iluminado da consTambém já explicamos detalhadamente
ciência e a concentração
da atenção neles proque nossas possibilidades
superam nossa atiduz uma atitude emocional com relação aos
vidade, que na vida do ser humano ocorre apemesmos. Conseqüentemente,
a percepção da
nas uma parte insignificante
de todas as excilinguagem poética é mais difícil, pois exige um
tações que surgem no sistema nervoso, e essa
trabalho adicional em comparação com a lindiferença entre as possibilidades
e a realizaguagem cotidiana. É evidente que a importânção, entre o potencial e o real em nossa vida é
salva totalmente
pela criação. Conseqüentecia biológica da atividade estética não reside
nesse parasitismo que surgiria inevitavelmenmente, a identidade dos atos de criação e dos
atos de apreensão da arte passa a ser uma prete se todo o gozo estético fosse adquirido às
missa fundamental.
Ser Shakespeare
e ler
custas de uma economia de forças espirituais
Shakespeare são fenômenos que se diferenciam
obtida graças ao trabalho alheio.QPONMLKJIHGFEDCBA
232QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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infinitamente em seu nível, mas que são comcar esteticamente alguém, deve-se criar nessa
pessoa um canal permanente de funcionamenpletamente iguais por sua natureza, como explica lu. Aíjenval." a leitor deve ser tão genial
to correto que deriva e desvia a pressão do inquanto o poeta, e apreender a obra de arte é
consciente para necessidades úteis. A sublimacomo se a recriássemos constantemente. Porção executa de formas socialmente úteis o que
tanto, temos o direito de definir os processos
o sonho e a doença realizam de forma individa apreensão como resumo e reprodução dos
dual e patológica.
processos de criação. E assim é inevitável extrair a conclusão de que constituem o mesmo
A C A R A C T E R IZ A Ç Ã O
P S IC O L Ó G IC A
tipo biológico de sublimação de algumas forD A R E A Ç Ã O E S T É T IC A
mas de energia espiritual que os processos de
criação. Na arte, justamente, se realiza para
Quando observamos, ainda que seja da
nós essa parte de nossa vida que surge sob a
forma mais superficial, uma reação estética,
forma de estímulos de nosso sistema nervoso,
percebemos que seu objetivo final não é a remas que não se cristaliza na atividade, porque
petição de qualquer reação real, mas a supenosso sistema nervoso percebe mais excitações
ração e o triunfo sobre ela. Se os poemas soque aquelas às quais pode reagir.
a que acontece é que sempre existe no ser bre a tristeza tivessem apenas a finalidade de
nos comunicar tristeza, isso seria muito triste
humano a superioridade das possibilidades sopara a arte. Evidentemente, a tarefa da lírica
bre a vida, de resquícios de comportamento nãonesse caso não consiste apenas em nos contarealizado, como explicamos na teoria sobre a
giar, segundo a expressão de Tolstoi, com os
luta pela via principal [no Capo 3J, e eles semsentimentos de outra pessoa - em nosso exempre têm de encontrar uma saída. Se esses resplo, a melancolia alheia -, mas colocar-nos
quícios não encontram a saída adequada, cosacima dela, levar-nos a obter a vitória sobre
tumam entrar em conflito com a psique humaela, a superar a tristeza. Nesse sentido, a defina e, no terreno desse comportamento não-realinição de Bukarin da arte como "socialização"mlkjihgfedcba
zado, geralmente emergem formas anormais de
[obobshchietvlienieJ dos sentimentos"19 e a teoconduta, neuroses e psicoses," que represenria de Tolstoi sobre o contágio do sentimento
tam o choque de uma aspiração que não pôde
de apenas uma pessoa em muitos" não são tose realizar, inconsciente, com a parte conscientalmente corretas psicologicam ente.
te de nosso comportamento. a que permanece
Nesse caso, o "milagre" da arte seria pairrealizado em nossa vida deve ser sublimado.
recido
com o triste milagre dos Evangelhos, em
Para o que não se realizou na vida existem apeque com cinco pães e dois peixes foram alinas duas saídas: a sublimação ou a neurose.
mentados "cinco mil homens, sem contar muPortanto, a arte representa, do ponto de vista
lheres
e crianças" e "comeram e se saciaram; e
psicológico, um mecanismo permanente, biolorecolheram doze cestas com os pedaços resgicamente necessário, de eliminação das excitantes"."
Aqui, o "milagre" consiste apenas na
tações não-realizadas na vida e é uma acompaexcepcional multiplicação da experiência, pornhante inevitável de toda existência humanaUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
,
que cada um dos comensais comeu apenas pão
em algumas de suas formas.
e peixe, peixe e pão. Com a socialização [geEssa sublimação na criação artística ocorneralização social] dos sentimentos na arte, obre de formas sumamente tempestuosas e vigotém-se a multiplicação dos sentimentos de um
rosas, e a apreensão estética em formas atenuapor milhares, embora o sentimento de si mesdas, simplificadas e preparadas de antemão
mo seja o tipo mais comum de emoção de orpelo sistema de excitações que chegam a nós.
dem psicológica, e a obra de arte não pode
Assim, resulta compreensível o significado exconter em si mesma nada além dos limites destraordinariamente
importante da educação
sa emoção quantitativamente enorme. É muiestética para a criação de hábitos permanento compreensível que, nesse caso, o destino da
tes de sublimação do inconsciente. Para edu-
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P S IC O L O G IA P E D A G Ó G IC A
233
arte seria lamentável, porque todo objeto real
mos e, portanto, da liberação de algumas
e toda emoção real ficariam diversas vezes mais
forças trancadas e deslocadas, sobretudo as
forças do comportamento
moral. Um exceintensas, agudas e fortes e, assim, todo o pralente exemplo disso é encontrado no conto
zer proporcionado pela arte emanaria da pode Tchekov Em mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
casa, em que o pai, um fiscal
breza e da fome do ser humano, quando na
que durante toda a vida utilizou todos os tiverdade deriva da sua riqueza, do fato de que
pos possíveis de repressão, censura e castitoda pessoa possui mais riqueza que a que pode
gos, depara-se com uma situação sumamenjuntar em toda a sua vida.
.
Portanto, a arte não é um complemento
te difícil quando descobre um pequeno delida vida, mas o resultado daquilo que excede a
to de seu filho, uma criança de sete anos que,
vida no ser humano. O "milagre" da arte faz
de acordo com o relato da governanta, tirou
fumo da escrivaninha do pai e fumou. Por
lembrar mais a transformação da água em vimais que o pai se empenhe em explicar ao
d e arte é portadora
nh022 e, por isso, toda obraUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
filho por que não se deve fumar, por que não
de algum tema material real ou de alguma
emoção totalmente corrente no mundo. No
se deve pegar o fumo alheio, seu sermão não
entanto, a tarefa do estilo e da forma reside
alcança seus objetivos porque entra em chojustamente em superar esse tema real mateque com obstáculos insuperáveis na psique
da criança, que percebe e interpreta o munrial ou esse caráter emocional de uma coisa e
do de forma muito peculiar e completamenantecipar algo totalmente novo. Por isso, deste fora do comum. Quando o pai lhe explica
de as mais remotas épocas, o significado da
atividade estética foi entendido como uma
que não se deve pegar coisas alheias, a criança responde que na escrivaninha do pai está
catarse, isto é, como uma resolução e uma liseu cãozinho amarelo e que ela não tem nada
beração do espírito das paixões que o torturam. Na velha psicologia atribuía-se a esse concontra isso, e que se o pai precisar alguma
ceito um significado meramente médico e hioutra coisa que lhe pertence pode pegá-Ia que
giênico de curar o espírito e, sem dúvida, isso
ela não se incomodará. Quando o pai tenta
está muito mais perto da verdadeira natureza
lhe explicar que fumar faz mal, que o tio
Grigori fumava e por isso morreu, esse exemda arte que toda uma série de teorias atuais.
plo também exerce uma ação oposta na crian"Os salmos curam um espírito que sofre"; essas palavras de um poeta exprimem com exaça, porque para ela a imagem do tio Grigori
tidão a linha divisória que separa a arte da
está ligada a certo sentimento poético; ela
lembra que o tio Grigori tocava violino madoença.
Não foi em vão que muitos psicólogos
ravilhosamente
bem, e o destino desse tio
caíram na tentação de encontrar característinão só é incapaz de fazer com que ela rejeite
cas comuns entre ambas, declarar que os gênios
o que tio fazia, mas também atribui ao ato
estavam próximos da loucura e colocar fora
de fumar um novo e atraente sentido. Assim, sem ter conseguido nada, o pai interdos limites da normalidade tanto a criação
rompe a conversa com o filho e só antes de
quanto a loucura humana." Só quando emdormir, quando começa a lhe contar uma
preendemos esse caminho podemos comprehistória, combinando sem habilidade as priender o valor cognoscitivo, moral e emocional
meiras idéias que passam pela sua mente com
da arte. Todos estes, sem dúvida, podem exisos modelos tradicionais,
seu relato adota
tir, mas sempre como componentes secundáinesperadamente
a forma ingênua e ridícula
rios, como uma espécie de seqüela da obra de
de uma história sobre um velho czar que tiarte que só surge depois de realizar por comnha um filho; o filho fumava, ficou tuberpleto a ação estética.
culoso e morreu ainda jovem; os inimigos
Não resta dúvida de que o efeito moral
chegaram, destruíram o castelo, mataram o
da arte existe e se manifesta através de cervelho czar e "até no pomar não havia mais
to esclarecimento interno do mundo espiricerejeiras, pássaros nem campânulas". O prótual, de uma eliminação dos conflitos ínti-QPONMLKJIHGFEDCBA
234QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
prio pai considerou ingênua e ridícula a história; no entanto, ela provocou um efeito
inesperado no filho que, com ar pensativo e
baixando a voz, disse o que o pai não esperava ouvir: que não ia fumar mais.
A própria ação da história estimulou e
originou novas forças na psique da criança,
deu-lhe a possibilidade de também sentir o temor e o interesse do pai por sua saúde com
uma intensidade tão nova que seu efeito moral, sugerido pela insistência prévia do pai,
manifestou-se de forma inesperada mediante'
o resultado que o pai tinha tentado obter anteriormente em vão.
Ao mesmo tempo, porém, é preciso recordar as características psicológicas essenciais
que distinguem esse efeito. A primeira delas é
realizada sob a forma de um processo íntimo,
interno, da atenção da própria criança, e de
nenhuma maneira é obtida por meio de uma
inferência lógica feita a partir de um sermão
moral ou de uma lição extraída de uma fábula
ou de um conto. Pelo contrário, quando mais
intensa for a emoção e a paixão na atmosfera
em que ocorre a ação da impressão estética,
mais elevada será a animação emocional que
a acompanha, maiores forças serão incorporadas ao efeito moral e mais fielmente se realizará a impressão estética.
A segunda característica consiste em que,
desse ponto de vista,UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a : ação moral da estética
pode ser casual e secundária; assim, consideráIa base da educação de um comportamento
moral não seria razoável nem sólido. Na história, o pai reflete acertadamente sobre a questão de se é ou não correto que "o remédio deve
ser doce e a verdade bela". Uma sociedade que
extrai suas convicções dos romances e poesias,
dos conhecimentos históricos das óperas e das
antigas canções, bem como da moral das fábulas, nunca atinge um nível sólido e firme em
cada um desses terrenos. Tchekov denomina
claramente esse aspecto como capricho do ser
humano desde a época de Adão e, nesse sentido, coincide plenamente com a pedagogia que
exige da criança uma formação moral estrita e
baseada na verdade."
Também é possível e realizável o efeito
cognoscitivo da arte. Uma obra de arte viven-
ciada realmente pode ampliar nossa opinião
sobre certo campo de fenômenos, obrigar-nos
a observá-lo com novos olhos, generalizar e
reunir fatos por vezes totalmente dispersos.
Como toda vivência intensa, a vivência estética cria um estado muito sensível para as ações
posteriores e, naturalmente, nunca passa sem
deixar marcas em nosso comportamento posterior. Muitos comparam, com grande acerto,
a obra poética com um acumulador de energia, que posteriormente a gasta. Do mesmo
modo, toda vivência poética age como se acumulasse energia para ações futuras, lhes dá
uma nova direção e faz com que o mundo seja
visto com outros olhos. Os psicólogos mais radicais falam das atitudes meramente motoras
provocadas por determinadas obras [de arte].
Recordemos, por exemplo, a existência de tipos de arte como a música dançante para notar que, em todo estímulo poético, está implícito um impulso motor. Ao mesmo tempo, este
às vezes se realiza de forma imediata e tosca,
em um evidente movimento de dança ou na
marcação do ritmo, e isso pertence aos gêneros inferiores da arte. No entanto, às vezes,
quando a complexidade desse estímulo chega
ao seu mais alto grau, a complexidade motora
desses impulsos não permite que eles sejam
realizados plena e imediatamente, exprimindo-se então em um sutil trabalho preliminar
para o comportamento posterior. A vivência
estética organiza nosso comportamento. "Pela
forma como uma pessoa sai de um concerto
sempre podemos dizer a quem ela escutou, se
Beethoverr" ou Chopin;" diz um pesquisador.
Os psicólogos que estudaram os estímulos visuais que partem da pintura estão de acordo ao concluir que, no sistema da vivência do
quadro, o papel fundamental pertence às reações cinestésicas, isto é, também motoras, e
que olhamos o quadro mais com os músculos
que com os olhos; sua ação estética está tanto
nas pontas dos dedos quanto na visão, pois fala
à nossa imaginação tátil e motora bem como à
visual.
Por último, o momento hedonista de prazer produzido pelas obras de arte pode estar
presente como uma conseqüência e exercer in-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
235
fluência educativa em nossos sentidos, porém
passiva com relação ao protagonista, que é
ela sempre será secundária com relação à ação
acentuada pela aproximação da morte e que
fundamental da poesia e da arte. Isso se parece
alimenta nosso sentimento de temor e admimuito com o que os psicólogos chamam de "forração. Assim, a fonte desse prazer deve ser
ça expulsora das emoções superiores". Assim
buscada em outro lugar e, naturalmente, só a
como na Antigüidade, o poder exorcista da paencontramos namlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
catarse, isto é, na resolução
lavra rítmica e do estilo poético expulsava os
das paixões geradas pela tragédia, que constiespíritos e curavam, também a poesia contemtui o fim último da arte. "O terror - diz
porânea expulsa e resolve as forças hostis ao
Christiansen - não é representado em si mesorganismo, porque em ambos os casos se trata
mo, mas como um impulso para superá-lo."
de certa solução de conflitos internos.
Da mesma forma, o cômico ou que é deÉ sumamente curioso recordar que o gozo
testável ou rasteiro em si mesmo também prodas obras poéticas sempre 'surge de forma invoca um grande gozo, de um modo totalmente
direta, contraditória, partindo infalivelmente
incompreensível à primeira vista. Em O inspeda superação das impressões imediatas que o
tor, de Gogol, nenhuma palavra é bela; pelo
objeto e a arte produzem. Lembramos o trágicontrário, o autor se empenhou em buscar tudo
co e o cômico na arte como os exemplos mais
o que existe de chocante, oxidado e grosseiro
eloqüentes dessa lei psicológica. A tragédia
na língua russa. Na obra, todas as pessoas são
sempre fala da morte e provoca em nós, serepulsivas, todas as situações são vis e não há
gundo a definição de Aristóteles, medo, hornenhum pensamento luminoso. Mas, a pesar de
ror e compaixão." Se não contemplarmos uma
tudo isso, dessa vileza e repulsão brota certa
tragédia com esses sentimentos, mas com um
idéia peculiar que provoca riso, ou seja, essa
leve sorriso, sua ação trágica, naturalmente,
reação psicológica que o próprio espectador
permanecerá desconhecida para nós. Os antiaporta e que não está implícita na comédia. Pelo
gos já se interessavam pelo seguinte problecontrário, todos os personagens são totalmente
ma: de que modo o doloroso pode se transforsérios, mas todo esse material está organizado
mar em uma vivência do belo e por que a conde tal modo que provoca no espectador, inevitemplação da morte alheia pode oferecer um
tavelmente, a reação de uma enorme gargalhagozo tão elevado ao espectador de uma tragéda, que pode ser comparada com a poesia líridia? Ingenuamente, eles o explicavam pelo
ca, e que Gogol qualifica acertadamente de únicontraste biológico e tentavam reduzir o praco personagem honesto de sua comédia.
zer que experimentamos na tragédia a esse senHá muito tempo, a estética alemã denotimento de segurança e satisfação que o ser
minou "estética do grotesco" a essa peculiarihumano sente sempre que a desgraça atinge
dade psicológica da arte e, com esses exemoutra pessoa. De acordo com essa teoria psicoplos, mostrou com enorme poder de convicção, o caráter dialético da vivência estética. A
lógica, a tragédia de Édipo produzia um prazer supremo nos espectadores, porque lhes encontradição, a repulsa interna, a superação, a
vitória; todos eles são componentes necessásinava a dar valor à sua felicidade e à sua visão." Entretanto, os exemplos mais simples
rios do ato estético. É preciso ver o grotesco
citados pelos mesmos autores invalidam comem toda a sua força para depois, mediante o
pletamente essa teoria, quando eles destacam
riso, elevar-se acima dele. É preciso viver com
que os espectadores que estão na costa e vêem
o personagem da tragédia todo o problema
irreparável da morte, para se elevar, junto com
um barco afundar deveriam sentir um enorme
prazer, proveniente da consciência de sua próo coro, acima dela. A arte sempre é portadora
desse comportamento dialético que reconstrói
pna segurança.
a emoção e, por isso, sempre envolve a mais
Até a observação psicológica mais simples
complexa atividade de uma luta interna que é
nos permite ver que, durante a vivência da tragédia, o autor suscita em nós uma atitude com-QPONMLKJIHGFEDCBA
resolvida pela catarse.
236QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I
A E D U C A Ç Ã O D A C R IA T IV ID A D E ,
D O UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a u í z o E S T É T IC O E D A S
H A B IL ID A D E S
I,
T É C N IC A S
Essa tese, transferida para a área da educação, divide-se logicamente em três problemas diferentes. A área educacional se ocupa
das tarefas de educação da criatividade infantil, do ensino profissional de certas habilidades técnicas da arte e da educação de seu juízo
estético, isto é, da aptidão para perceber e
vivenciar a obra de arte.
Sem dúvida, a questão da criatividade
infantil se resolve no sentido de seu extraordinário valor pedagógico, embora seu valor estético independente seja quase nulo. O desenho infantil sempre é um fato educativamente
prazeroso, ainda que às vezes também seja
esteticamente feio. Ele sempre ensina a criança a dominar o sistema de suas vivências, a
vencê-Ias e superá-Ias e, segundo uma excelente expressão, ensina a psique a se elevar. A
criança que desenha um cão triunfa, supera-se
e eleva-se acima de suas vivências diretas."
Nesse sentido, também se transforma em
exigência pedagógica fundamental o fato de
poder discernir o conteúdo psicológico do desenho infantil, isto é, comprovar e examinar
as vivências que levam ao surgimento do desenho, mais que avaliar traços e linhas de forma objetiva. Por isso, a retificação e a correção de um desenho infantil significa apenas
uma grosseira intromissão na estrutura psicológica de sua vivência e ameaça impedi-Ia.
Quando as linhas infantis são modificadas e
corrigidas, talvez introduzamos uma ordem
rigorosa no desenho, mas estaremos provocando confusão e perturbação na psique infantil.
Por isso, é fundamental que a psicologia dê
plena liberdade à criação infantil, renuncie à
tendência de compará-Ia com a consciência do
adulto e admita sua originalidade e suas particularidades.
O menino do conto de Tchekov anteriormente mencionado," quando o pai lhe pergunta por que desenhou o soldado mais alto que a
casa, sabe perfeitamente que uma pessoa não
pode ser mais alta que uma casa e, por isso,
responde com total segurança que, se o soldado for desenhado pequeno, seus olhos não po-
derão ser vistos. Nesse desejo de destacar o
lugar principal e central do desenho, que
é o que preocupa a criança no momento, e de
subordinar a ele todas as outras proporções,
reside a peculiaridade do desenho infantil e a
tendência da criança a se sentir livre e independente do traçado real dos objetos. Isso não
significa que ela não consiga ver os objetos
como realmente são, mas que nunca permanece indiferente ao objeto. Todo desenho infantil que não for feito por indicação dos adultos sempre parte de seu caráter apaixonado que deve ser levado em conta como propriedade básica do psiquismo infantil- e, por isso,
a criança sempre distorce os aspectos que são
centrais e mais importantes para ela sem respeitar o objeto [em um sentido naturalista].
Essa mesma regra é proposta por Tolstoi
em sua pedagogia, ao exigir que as composições [literárias] infantis não sejam corrigidas
pelos adultos, nem mesmo no aspecto ortográfico, porque a correção de um produto criativo acabado sempre tergiversa os motivos internos que a geraram. Em seu famoso artigo
"Quem aprende de quem a escrever: as crianças camponesas aprendem de nós ou nós aprendemos delas?";" Tolstoi defende a idéia, à primeira vista paradoxal, de que
[... ] um pequeno camponês semi-analfabeto
manifesta tal força consciente de artista que,
em toda a vasta elevação de seu desenvolvimento, Goethe" não pode alcançar. [...] Pareceu-me tão estranho e ofensivo que eu, autor
demlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Infância." que obtive certo êxito e reconhecimento
de talento artístico do público
culto russo; que eu, em matéria de arte, não
só não possa dar indicações ou ajudar Siomka
e Fiedka de 11 anos, mas mal - e isso só em
um feliz momento de excitação - os posso seguir e compreender.
Nas composições dessas crianças, Tolstoi
encontrava mais verdade poética que nos maiores modelos da literatura. E ainda que em suas
composições fossem encontrados alguns lugares-comuns, isso sempre ocorria por culpa do
próprio Tolstoi; em compensação, quando as
crianças eram deixadas à sua própria iniciativa, não enunciavam nada que pudesse ser considerado afetado. Tolstoi concluiu então que o
,
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
237
ideal da educação estética, assim como o ideal
isso lhe é necessário e também porque, em cada
moral, não está na frente de nós, mas atrás,
um de nós, estão implícitas certas possibilidaisto é, [o ideal] não é aproximar a alma infandes criativas. Os processos de seleção da
til da alma do adulto, mas conservar suas quagenialidade e do talento ainda são tão confulidades naturais iniciais.
sos, desconhecidos e misteriosos que a peda[Tolstoi dizia] :UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
''A educação arruína e não
gogia é completamente impotente para dizer
corrige as pessoas". Nesse sentido, a preocuquais são precisamente as medidas que ajupação da educação se reduz quase exclusivadam a conservar e a educar os futuros gênios.
mente a não destruir as riquezas espirituais da
Surge aqui uma questão sumamente concriança, e o preceito "sejam como as crianças"
fusa com relação à própria possibilidade da
parece ser o ideal pedagógico superior tameducação estética. Já vimos que as opiniões de
L. N. Tolstoi sobre esse problema não estabebém no âmbito da estética.
Quase ninguém discute agora que essa
lecem a devida diferença entre a criação artísopinião contém a famosa e' grande verdade de
tica da criança e a do adulto. Por isso, Tolstoi
que, na criação infantil, deparamo-nos com
não leva em conta a grande importância da
modelos totalmente espontâneos e puros de
mestria na arte, e essa mestria é resultado da
poesia, carentes de todo elemento da afetação
educação, naturalmente. Ela inclui não só as
profissional dos adultos. Ao mesmo tempo,
habilidades técnicas da arte, mas algo muito
porém, temos de reconhecer que se trata de
maior: o sutilíssimo conhecimento das leis da
uma criação de um tipo muito especial; é, diarte que se cultiva, o senso do estilo, o talento
gamos, uma criação transitória, que não cria
para criar, o gosto, etc. Em épocas anteriores,
valores objetivos de nenhuma espécie e que é
o conceito de mestre abrangia totalmente o
conceito de artista.
mais necessária para a própria criança, e não
para as pessoas que a rodeiam. Assim como o
Além disso, a noção da natureza mística
jogo infantil, ela é salutar e nutritiva, só que
da inspiração, de ser um possuído de Deus, etc.,
não vem de fora, mas do próprio organismo.
foi substituída por critérios totalmente diferenO Siomka e o Fiedka de Tolstoi cresceram, mas
tes sobre a natureza da criação. E a doutrina
não se transformaram em grandes escritores,
de Tolstoi sobre o fato de que "o homem, ao
embora aosQPONMLKJIHGFEDCBA
1 1 anos encontrassem palavras
nascer, representa um protótipo de harmonia,
que, segundo a respeitável opinião de Tolstoi,
verdade, beleza e bondade" deve ser admitida
eram superiores às de seus romances e podiam
mais como lenda que como verdade científica.
ser comparadas com as de Goethe.
É verdade que os impulsos diretos e a criativiO inegável erro desse critério reside no
dade na infância são mais fortes e claros, podesmedido exagero e no culto às imagens da
rém sua natureza - como já indicamos - é dicriação infantil, assim como na incompreensão
ferente da dos adultos. E a criação de Siomka
de que a força espontânea da criatividade, aine Fiedka, por mais elevada e bela que possa
da que também seja capaz de criar imagens de
ter sido, sempre será diferente da criação de
enorme intensidade, está condenada para semGoethe e de Tolstoi, por essência.
pre a permanecer no estreito círculo das forOutro problema é a opinião sustentada
mas mais elementares, primitivas e, em suma,
por Aijenvald, Guershenzon'" e outros de que
pobres.
a literatura não pode ser tema de ensino na
Nesse sentido, a regra pedagógica refeescola. Essa opinião parte de um critério esrente à educação da criatividade infantil semtreito sobre a escola, que teve origem no fato
pre deve partir do critério puramente psicolóde levar permanentemente
em consideração
os cursos ministrados antes da Revolução [de
gico sobre sua utilidade, sem considerar que
Ou tubro de 1917]. Perde-se de vista a diversiuma criança que compõe poesias pode vir a
ser um futuro Pushkin ou que a criança que
dade de possibilidades educativas da nova escola soviética. O sentimento estético deve ser
pinta será um pintor no futuro. A criança não
objeto de educação como todos os outros, só
escreve versos nem desenha porque está incuque através de formas peculiares.FEDCBA
bando um futuro criador, mas porquemlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
agora
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o ensino profissional da técnica desta ou
daquela arte deve ser abordado
do mesmo
ponto de vista. O valor formativo dessas técnicas é imenso, assim como o de toda atividade
laboral e complexa. Em particular, ele aumenta ainda mais por ser uma ferramenta
para
educação a apreensão das obras de arte nas
crianças, porque é impossível penetrar até o
fundo em uma produção artística quando se é
totalmente alheio à técnica de sua linguagem.
Por isso, uma mínima familiarização
técnica
com a estrutura de qualquer arte deve sem falta ser incorporada
ao sistema de educação
pública. Nesse sentido, estão pedagogicamente certas as escolas em que a assimilação da
técnica de cada arte se transforma em requisito imprescindível da educação.
No entanto, o ensino profissional, da arte
encerra muito mais perigos que benefícios pedagógicos. As experiências
infrutíferas
e maciças
de
ensinar
música
a
todas
as
crianças
QPONMLKJIHGFEDCBA
produzissem
uma impressão esmagadora
no
psicólogo, e isso se transformou em regra obrigatória para a classe média abastada da Europa e da Rússia pré-revolucionária
nas últimas décadas. Se prestarmos
atenção à quantidade de energia inutilmente
gasta para dominar a complexa técnica do piano, se compararmos isso com os insignificantes
resultados obtidos após muitos anos de trabalho, é
impossível deixar de reconhecer que esse experimento
maciço,
para toda uma classe
social, redundou no mais vergonhoso
fracasso. A arte musical não ganhou nem adquiriu
nada valioso com esse projeto e, além disso,
a simples educação da apreensão,
compreensão e vivência da música nunca, em parte alguma, foi, de acordo com a opinião geral, tão
baixa como no mencionado
meio, no qual o
ensino da execução se transformou
em norma imprescindível
de boa criação.
No tocante às influências
pedagógicas
gerais, esse ensino foi pernicioso e prejudicial,
porque quase em nenhuma parte e em nenhum
caso esteve ligado ao interesse imediato da
criança, e sempre foi realizado em função de
certos interesses
estranhos,
na maioria das
vezes para subordinar a criança aos interesses
do meio que a rodeava e para refratar na men-
te infantil as mais sórdidas e triviais idéias cotidianas do ambiente.
Por isso, o ensino profissional da técnica
de cada arte, como problema da instrução geral e da educação, tem de ser implantado dentro de certos contextos e deve se reduzir ao
mínimo fundamental, concordando com outras
duas linhas da educação estética: primeiro,
com a criatividade própria da criança; segundo, com a cultura de suas percepções artísticas. Só é útil o ensino da técnica quemlkjihgfedcbaZYXWV
vai além
dessa técnica e ensina aptidões criativas: criar
ou apreender.
Por último, o aspecto relativo ao nível
cultural da apreensão estética ainda continua
sendo o menos elaborado, porque os pedagogos nem sequer suspeitavam toda a complexidade da questão, nem pensaram que aqui havia um problema implícito. Olhar e escutar,
obter um prazer, parecia um trabalho psíquico
tão simples que não requeria de forma alguma
um ensino especial, mas de fato constitui justamente o objetivo e a tarefa fundamental da
educação geral.
A estrutura comum da educação social
está orientada para ampliar ao máximo os limites da experiência pessoal restrita, para organizar o contato da psique da criança com as
esferas mais amplas possíveis da experiência
social já acumulada, para inserir a criança na
rede da vida com a maior amplitude possível.
Esses objetivos gerais também determinam os
caminhos da educação estética. A humanidade mantém, através da arte, uma experiência
tão enorme e excepcional que, comparada com
ela, toda experiência de criação doméstica e
de conquistas pessoais parece pobre e miserável. Por isso, quando se fala de educação estética dentro do sistema da formação geral, sempre se deve levar em conta, sobretudo, essa
incorporação da criança à experiência estética
da humanidade.
A tarefa e o objetivo fundamentais são aproximar a criança da arte e, através dela, incorporar a psique da criança ao trabalho mundial que a humanidade
realizou no
decorrer de milênios, sublimando seu psiquismo na arte.
E, como a compreensão
de uma obra de
arte não pode ser realizada com os métodos
da interpretação
lógica, isso exige uma apren-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
239
dizagem especial, peculiar, assim como a elaA primeira afirma que a criança ainda não
boração de aptidões especiais para recriar as
atingiu o nível da compreensão científica e que,
obras artísticas. Nesse sentido, representam um
por isso, precisa de certos substitutos para exmodelo de educação estética as aulas destinaplicar o mundo. Devido a isso, ela se conforma
das a observar quadros, bem como as lições de
facilmente com a interpretação fantástica da
"leitura lenta", introduzidas em algumas escorealidade e encontra nas histórias o mesmo que
las européias.
o adulto encontra na religião, na ciência e na
Aqui está a chave para a tarefa mais imarte, isto é, uma primeira explicação e comportante da educação estética: inserir as reapreensão do mundo, um agrupamento de todo
ções estéticas na própria vida. A arte transforum caos desarmônico de impressões em um
ma a realidade não só em construções da fansistema único e integral. Para a criança, as histasia, mas também na elaboração real das coitórias representam sua filosofia, sua ciência e
sas, dos objetos e das situações, A moradia e a
sua arte.
vestimenta, a conversa e aleitura, a festa esOutro ponto de vista garante que, em seu
colar e o modo de caminhar: tudo isso pode
desenvolvimento, de acordo com a lei biogenéservir como material sumamente promissor
tica;" a criança repete de forma abreviada e
para a elaboração estética.
condensada as principais fases e épocas que a
A beleza deve deixar de ser uma coisa rara
humanidade percorreu em seu desenvolvimene própria das festas para se transformar em
to. Daí deriva a comparação sumamente pouma exigência da vida cotidiana, e o esforço
pular da psique e da criação da criança com a
criativo deve impregnar cada movimento, cada
criatividade dos homens selvagens e primitipalavra e cada sorriso da criança. Potebnia"
vos, e a afirmação de que a criança passa inedisse de uma bela maneira que, assim como a vitavelmente por um período de animismo eletricidade não está apenas onde há tormenpersonificação universal - e de antropomortas, a poesia também não está apenas onde
fismo, processo pelo qual a humanidade em
existem grandes criações artísticas, mas em
seu conjunto passou originariamente. Por isso,
todos os lugares onde a palavra humana esticonsidera-se necessário, em certa etapa do
ver. E essa poesia de "cada instante" é o que
desenvolvimento, introduzir esses critérios e
crenças primitivos no mundo infantil, todas
talvez constitua o objetivo mais importante da
educação estética.
essas representações sobre diabos, bruxas, faAo mesmo tempo, porém, é preciso condas, espíritos bons e ruins, que em algum momento já acompanharam a cultura humana."
siderar o sério perigo da falsa arrogância introduzida na vida, que na criança se transforma
Essa opinião aceita as histórias infantis como
facilmente em afetação e pretensões. Não há
um mal necessário, como uma concessão psicológica à idade e, conforme a expressão de
nada de tão mau gosto como essa "beleza"
um psicólogo, como uma mamadeira estética.
introduzida no jogo, em sua maneira de anAmbos os critérios partem de um princídar, etc. A regra a ser seguida aqui não deve
pio profundamente errôneo. No tocante ao
ser o embelezamento da vida, mas a reelaprimeiro, a pedagogia rejeitou há muito todos
boração criativa da realidade, isto é, uma elaos substitutos possíveis [de explicação], porboração das coisas e do próprio movimento das
que o dano que eles causam sempre supera sua
coisas que iluminará e elevará as vivências copotencial utilidade. O que acontece é que essa
tidianas ao nível das criativas.QPONMLKJIHGFEDCBA
utilidade sempre tem caráter temporal, existe
até que a criança cresce e deixa de precisar
A F Á B U L A [E A S H IS T Ó R IA S IN F A N T IS ]
desse substituto da explicação do mundo. No
entanto, o dano subsiste para sempre, porque
Em geral, considera-se
que a fábulaFEDCBA
na psique, assim como no mundo, nada passa
[s k a z k a ]
destina-se exclusivamente ao público
sem deixar marcas, nada desaparece, mas tudo
infantil. Há duas considerações psicológicas que
cria hábitos que persistem durante toda a vida.
defendem essa opinião.
"Exprimindo-nos com rigor científico - afirma
240QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I
II
I"
r.
I
James - podemos dizer que, de tudo o que fazemos, nada pode ser apagado"."
Isso é particularmente certo com relação à idade infantil,
quando a plasticidade e a flexibilidade de nossa substância nervosa alcança um grau superlativo e as reações, depois de duas ou três vezes, com freqüência
permanecem
gravadas
para toda a vida. Se, nesse período, obrigamos
a criança a regular e dirigir seu comportamento sob a influência de noções e critérios falsos
e errôneos, podemos ter certeza de que esses
critérios criarão o costume de agir nessas direções falsas. E quando, em nossa opinião, chegar o momento de liberar à criança dessas noções e critérios, talvez consigamos, por meio
da lógica, convencê-Ia da inexatidão de todas
essas noções anteriores; talvez até nos justifiquemos perante ela pelo engano ao qual a submetemos durante vários anos, porém jamais
poderemos eliminar esses hábitos, instintos e
estímulos já elaborados e profundamente
arraigados nela e que, no melhor dos casos, são
capazes de criar um conflito com os novos que
lhe são inculcados.
Como ponto de vista fundamental,
deve
ficar claro que não existe psique sem comportamento e que, se introduzirmos na psique uma
noção falsa que não corresponde
à verdade
nem à realidade, também estaremos educando um comportamento
falso. Daí surge necessariamente a conclusão de que a verdade deve
se transformar no fundamento
da educação a
partir da mais tenra idade, porque uma noção
incorreta também é um comportamento
incorreto. Se, desde a infância, a criança se acostuma a acreditar na "cuca", no "bicho-papão",
na feiticeira e na cegonha que traz os bebês,
isso vai obstruir sua psique e determinar falsamente seu comportamento.
Fica perfeitamente claro que a criança receia ou se sente atraída por esse mundo encantado,
porém jamais
permanece passiva diante dele. Nas ilusões ou
nos desejos, sob o cobertor infantil ou no quarto
escuro, no sonho ou no temor, sempre reage a
essas representações
de um modo sumamente
excitado e, visto que o sistema formado por
essas reações baseia-se em algo totalmente fantástico e falso, está sendo educada sistematicamente na criança um comportamento
incorreto e falso.UTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Cabe acrescentar
que todo esse mundo
fantástico aterroriza a criança e, sem dúvida,
sua força opressora supera sua capacidade de
resistência. Quando rodeamos a criança com
esse mundo fantástico, a estamos obrigando a
viver em uma espécie de eterna psicose. E se
imaginarmos,
ainda que seja durante um instante, que uma pessoa adulta possa acreditar
no que se ensina à criança, que extraordinária
depressão e angústia se instalaria em sua psique! Tudo isso deve ser multiplicado diversas
vezes quando transferimos
essa idéia para a
criança,
porque
sua mente
fraca e nãofortalecida sente-se ainda mais impotente ante
esse elemento obscuro. As análises psicológicas dos temores infantis produzem uma impressão totalmente
trágica: as crianças sempre testemunham e relatam esses inexprimíveis
germes de terror que os adultos semeiam na
alma infantil com seus relatos.
A utilidade educativa do "bicho-papão"
no âmbito doméstico sempre se esgota na vantagem imediata da intimidação,
mediante a
qual pode-se conseguir que a criança renuncie
a uma travessura momentânea
ou obedeça a
uma determinada
ordem. O dano que isso provoca pode se expressar em formas de comportamento humilhantes
para o ser humano que
ela terá décadas mais tarde.
O último argumento contra o critério tradicional sobre as histórias infantis tem a ver
com sua mais profunda falta de respeito pela
realidade, a preponderância
do invisível que
educa sistematicamente
esse tipo de história.
A criança permanece surda e tola ante o mundo real, encerra-se em uma atmosfera doentia
e viciada, na maioria das vezes no reino das
mentiras fantásticas. Não vê nenhum interesse na árvore nem no pássaro, e toda a diversidade da experiência aparentemente
não existe para ela. O resultado dessa educação é criar
alguém cego, surdo e mudo em sua relação com
o mundo.
Por tudo isso, devemos concordar com o
critério que exige a eliminaçãomlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONM
total e com pleta dessas noções fantásticas e néscias com as
quais as crianças costumam ser educadas. Ao
mesmo tempo, é sumamente
importante observar que, além dos contos de fadas, também
são prejudiciais as invençõ~s tolas e tradicio-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
241
nais com as quais muitas babás - e também
sões naturais. Quando se fala a uma criança
muitos professores cultos - atemorizam as
sobre um cavalo, que lhe parece gigantesco e
enorme, chamando-o de "cavalinho", está sencrianças. Nenhum educador pode se declarar
do desfigurado o verdadeiro sentido da linguainocente do fato de que, em uma argumentação com a criança, não tenha recorrido a algem e a noção de cavalo, sem falar dessa atigum absurdo, simplesmente porque a criança
tude falsa e adocicada com relação a tudo o
considerará que esse absurdo é verdadeiro e
que se estabelece com esse sistema de fala. A
porque essa é a saída mais fácil da situação, a
linguagem é o instrumento mais sutil do penlinha educativa do menor esforço. "Não vá lá,
samento. Se a desfigurarmos, estaremos fazensenão a casa vai cair", "não chore, senão a podo o mesmo com o pensamento e, se uma prolícia vai levar você": esses são os exemplos desfessora refletisse sobre o absurdo emocional
se absurdo "pseudo-científico-natural"
que
que profere quando diz a uma criança "vamos
pegar o cachorrinho" ou "o cachorrinho vai
substituiu o absurdo fantástico.
De modo geral, deve-se dizer que toda
morder você", certamente se aterrorizaria se
sujeição da psique do professor à infantil repercebesse a confusão mental que está provopresenta, do ponto de vista psicológico, um
cando nos sentimentos da criança. E, se há algo
fenômeno educativamente nocivo, porque nunrealmente repulsivo e insuportável na literaca é possível acertar totalmente, e isso cria na
tura e na arte infantis, é justamente a falsa
adaptação do adulto à psique infantil.
criança a necessidade de entrar em choque com
o pensamento do educador, de derrubar e
O outro critério - relativo à necessidade
distorcer suas reações, aproximando-as daquilo
de que as crianças vivenciem as crenças e noque o professor lhe impõe. A forma mais simções primitivas nas histórias infantis - também
ples de compreender isso é através do exemnão resiste a uma crítica séria e desmorona
plo da fala infantil, quando os adultos converjunto com a lei biogenética em que está baseasam com uma criança e se empenham em imido. Ninguém demonstrou ainda que a criança
tar seu modo de falar, considerando que assim
repete, em seu desenvolvimento, a história da
são mais compreensíveis: ceceiam, pronunciam
humanidade, e a ciência nunca teve fundameno "1"em vez do "r". Esse tipo de fala não é mais
tos para falar de comparações, de uma analocompreensível para a.criança. E se ela pronungia e de uma afinidade mais ou menos distanciar as palavras de forma incorreta, isso não
tes entre o comportamento infantil e o comsignifica que não as ouve bem, mas que não as
portamento do [homem] selvagem. Pelo conpode pronunciar corretamente." E quando
trário, as mudanças essenciais no panorama
ouve o adulto falar dessa forma estranha, ela
da educação com relação à situação e ao ambiente social ou, em outros termos, a esse elese confunde totalmente e se esforça para que
sua fala seja parecida com a do adulto. A maimento comum da vida em que a criança penetra desde o momento de seu nascimento; tudo
oria de nossas crianças usa uma fala não-nacontraria a lei biogenética, pelo menos no que
tural, desfigurada pelos adultos, e não é possíse refere à sua transferência direta da biologia
vel imaginar nada mais falso que essa fala de
à psicologia. A criança é totalmente capaz de
meia língua.
Também queremos comentar aqui a forrealizar uma interpretação real e veraz dos fema falsa como os adultos sempre conversam
nômenos, ainda que, naturalmente, não possa
explicar tudo de repente. A criança, por sua
com as crianças, usando diminutivos e expresprópria conta, nunca é animista nem antroposões carinhosas, transformando um cavalo em
morfista e, caso essas tendências se desenvolcavalinho, um cão em cãozinho e uma casa em
vam
nela, a culpa sempre recai nos adultos que
casinha. O adulto considera que tudo deve ser
a rodeiam.
representado de forma diminuta para as crianPor último, o mais importante é que,
ças. No entanto, acontece o contrário. Procemesmo se certas condições psicológicas geram
deria de forma muito mais psicológica quem
atavismos na criança, isto é, o retorno de sua
não diminuísse os objetos na representação
psique a níveis já percorridos da história, se a
infantil, mas os aumentasse para suas dimen-RQPONMLKJIHGFEDCBA
242RQPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I
t
!
.
criança realmente contivesse algo do [homem]
primitivo, então a tarefa da educação não se
reduziria de forma alguma a apoiar, alimentar
e fortalecer esses elementos de selvagem na
psique infantil, mas precisamente o contrário:
sua tendência seria submeter de todas as maneiras esses elementos aos mais vitais e poderosos da realidade.
Isso significa que as histórias infantis devem ser consideradas definitivamente desprestigiadas e condenadas à sua eliminação dos
quartos infantis, com essa falsa e fantástica
representação do mundo psiquicamente prejudicial? Em termos. É inegável que uma parte
considerável de nossas histórias, justamente
pelo fato de estarem baseadas nessa nociva fantasia e por não conter nenhum outro tipo de
valores, deve ser abandonada e esquecida o
mais rapidamente possível. No entanto, isso
não implica que o valor estético de uma obra
fantástica esteja vedado para a criança.
Pelo contrário, a lei fundamental da arte
exige essa livre combinação de elementos da
realidade, essa independência essencial da verdade cotidiana que, na estética, acaba com a
fronteira que separa o fantástico da verdade.
Na arte,lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tudo é fantástico ou tudo é real, porque tudo é convencional, e a realidade da arte
implica só a realidade das emoções vinculadas
a ela. Na prática, não se trata de saber se realmente pode existir o que é relatado nas histórias. É mais importante a criança saber que isso
nunca existiu na realidade, que é apenas uma
história e que ela se acostume a reagir diante
disso como ante uma história; dessa forma, ela
não se preocupa em saber se acontecimentos
semelhantes podem acontecer ou não na realidade. Para desfrutar de uma história não é
preciso acreditar em seu relato. Pelo contrário, a crença na realidade de um mundo fabuloso estabelece relações puramente cotidianas
com tudo, e isso exclui a possibilidade de uma
atividade estética.
Devemos esclarecer aqui uma lei importantíssima para esse âmbito: a lei da realidade
emocional da fantasia. Essa lei consiste em que,
independentemente de ser ou não real a realidade que nos influencia, nossa emoção ligada
a essa influência sempre é real. Quando tenho
uma Ilusão" e, ao entrar em um quarto [...]
vejo a figura de um assaltante [em vez de um
objeto] em um canto, essa figura é um equívoco, naturalmente, e o sistema de minhas representações ligadas a ela não é real; no entanto, são muito reais o medo que experimento por causa desse encontro e a emoção ligada
à ilusão, mesmo que eles sejam reprimidos pela
consciência tranqüilizante de meu erro. O que
sentimos sempre é real.
Portanto, nessa lei da realidade de nosso
sentimento o fantástico se justifica. Não distanciamos de forma alguma as crianças da realidade quando lhes contamos uma história fantástica, desde que os sentimentos que surjam
estiverem de acordo com a vida. Por isso, a
única justificativa para uma obra fantástica é
sua base emocional real e não nos surpreenderá reconhecer que, com a eliminação dos
elementos fantásticos nocivos, a história continua sendo, de qualquer forma, uma das formas da arte infantil. Só que seu papel é totalmente diferente, isto é, deixa de ser a filosofia
ou a ciência infantil e se transforma única e
exclusivamente em uma mera história.
O significado predominante da história
baseia-se nas peculiaridades compreensíveis da
idade infantil. Sucede que, no processo de interação entre o organismo e o mundo - ao qual
se reduzem, em última instância, todo o comportamento e a psique - a criança está na etapa
mais frágil e menos estruturada e, por isso, ela
sente uma necessidade particularmente aguda
de algumas formas organizadoras da emoção.
De outro modo, a enorme quantidade de impressões que agem sobre a criança e que ela
não consegue dominar a deixariam aterrorizada e provocariam a perturbação de sua psique.
Nesse sentido, corresponde às histórias inteligentes dar um significado saudável e higiênico
à estrutura da vida emocional da criança.
A mais interessante das recentes teorias
sobre a natureza das emoções coincide precisamente com a lei aqui esboçada. Há muito
tempo percebeu-se que a emoção sempre possui certa expressão corporal externa, mas só
muito depois se observou que ela também sempre tem alguma expressão "espiritual" ou psíquica. Em outras palavras, o sentimento não
está ligado apenas à mímica e aos sintomas
externos, mas também a imagens, representa-
\
P S IC O L O G IA P E D A G Ó G IC A
243
ções e a um "pensamento emocional". Enquandas emoções que se cristaliza nos movimentos
to alguns sentimentos gostam de se cobrir com
e na organização do jogo. Uma história artística, assim como o jogo, é o educador estético
cores brilhantes e tons cálidos, outros adotam
natural da criança.
tons frios e cores tênues; justamente aqui se
manifesta a expressão psíquica da emoção. Um
sentimento de tristeza me obriga a manter o
A E D U C A Ç Ã O E S T É T IC A E O T A L E N T O
corpo de certa maneira, e também a selecionar as impressões; [esse sentimento] se expriAlguns opinam que se deve falar de dois
me por meio de recordações, fantasias e sosistemas
de educação estética completamente
nhos tristes. Em essência, os sonhos represendiferentes: um para as pessoas dotadas e
tam essa expressão espiritual das emoções em
talentos as, outro para as pessoas comuns. Essa
sua forma pura.lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A s pesquisas demonstraram que
maneira de pensar não pode se conformar com
um sentimento que surge espontaneamente, por
a idéia de que a educação estética de pessoas
exemplo, o sentimento de medo, é o fio que
especialmente dotadas pode coincidir com a
liga os mais diversos episódios e as partes abeducação estética de qualquer pessoa comum.
surdas das imagens oníricas.
Entretanto, os dados científicos vão nos afasAssim, resulta compreensível a importântando cada vez mais desse critério e comprocia emocional da imaginação. As emoções nãovam a opinião oposta, ou seja, que não existe
realizadas na vida se exprimem por meio da
uma diferença essencial entre uns e outros e
arbitrária combinação dos elementos da realique se deve tentar elaborar um sistema pedadade e, sobretudo, da arte. Devemos recordar
gógico único.
ao mesmo tempo que a arte não só exprime as
Com relação à educação da voz, cada vez
emoções, mas sempre as resolve, livrando a
mais se aceita o ponto de vista de que cada
psique de sua obscura influência.
pessoa, desde o seu nascimento, possui uma
Isso aproxima a ação psicológica das hisvoz
ideal, com tantas possibilidades que muitórias infantis da ação do jogo. O significado
tas vezes superam as conquistas supremas da
estético do jogo não se manifesta apenas no
arte vocal. A garganta humana, normalmenaspecto rítmico dos movimentos infantis, na
te formada, é o instrumento
musical por
assimilação de melodias primitivas em jogos
excelência no mundo, e se, apesar disso, falacomo as cirandas, etc. É muito mais importanmos
com vozes horríveis, isso ocorre exclusite o fato de que o jogo, sendo do ponto de vista
vamente porque, devido aos gritos, à respirabiológico uma preparação para a vida, no asção incorreta, às condições do desenvolvimenpecto psicológico se revela uma das formas da
to e à vestimenta, destruímos nossa voz inicial.
criatividade infantil. Alguns psicólogos chamam
Os mais bem dotados na qualidade da voz não
a lei antes mencionada de "lei da dupla expressão
aqueles que, desde o início, possuíram a
são dos sentimentos", e o jogo justamente serve
melhor voz, mas os que puderam conservápara essa "dupla expressão". No jogo, a criança
Ia. A esse respeito, pronunciou-se o professor
sempre transforma criativamente a realidade.
Buldin.?
Durante o jogo, as pessoas e as coisas adotam
facilmente um novo significado. Uma cadeira
A voz de Shaliapirr" não constitui um dom
não representa apenas um trem, um cavalo ou
raro, mas um caso raro de conservação de um
uma casa, mas realmente participa do jogo
dom
comum. Alguma vez a voz humana alcomo tal. E essa transformação da realidade
cançará tal perfeição musical que todas as
no jogo sempre está orientada pelas exigênnossas noções sobre a linguagem dos anjos
cias emocionais da criança. "Não brincamos
serão superadas.
porque somos crianças, mas a própria infância
nos foi dada para brincar" - essa fórmula de K.
Esse critério sobre os dons musicais do
Groos exprime corretamente a natureza biolóorganismo humano começa a contar com um
gica do jogo. Sua natureza psicológica é totalnúmero cada vez maior de partidários nos mais
mente determinada por essa dupla expressão RQPONMLKJIHGFEDCBA
244RQPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I
I
I
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I
I
I
I
I:
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t
I'
!"
II
I
II
'I'
Ao escrever a Sonata a K reutzer, Beethoven
diversos campos da pedagogia. A noção corsabia por que estava no estado de ânimo que
rente sobre o talento parece se inverter, e o
o levou a compô-Ia. Portanto, ela tinha para
problema já não é exposto como antes, pois
ele um sentido que não tem para mim. A múatualmente ninguém se pergunta por que alsica me excita sem me levar a nenhuma resogumas pessoas são mais bem dotadas, mas por
lução. Ao som de uma marcha militar, os solque outras são menos, pois o alto nível dos dons
dados desfilam e ao som de uma musica daniniciais do ser humano é, de acordo com as
çante as pessoas dançam e, assim, a música
evidências, um fato básico em todos os camcumpre sua função. Em uma missa cantada,
pos da psique e, portanto, merecem ser esclacomunga-se e, novamente,
a música alcança
recidos os casos de diminuição e perda desse
sua finalidade.
Em geral, porém, sentimos
talento. Por enquanto só temos suposições cienapenas excitação e não sabemos o que devemos fazer. Por isso, a música às vezes produz
tíficas - solidamente respaldadas por uma séesses efeitos tão terríveis, tão espantosos. [... ]
rie de fatos. No entanto, se 'isso fosse estabelePor
exemplo, o primeiro presto da Sonata a
cido firmemente, para a pedagogia poderiam
K reutzer, por acaso pode ser tocado em um
se abrir as mais vastas possibilidades e surgisalão com damas decotadas? Como é possível
ria o problema de como poderia ser conservatocar esse trecho, depois aplaudi-lo, tomar um
do o talento criativo da criança.
sorvete e comentar o último mexerico da ciAinda que essa questão não possa ser
dade? Essas obras só deveriam ser executaconsiderada resolvida de forma definitiva e
das em certas ocasiões, solenes e importangeral em sua aplicação particular aos probletes, ou quando são realizados atos que corresmas da educação comum, pode-se estimar que
pondem a essa música. Depois de ouvi-Ia, é
ela já foi resolvida no sentido de que a tarefa
preciso fazer o que ela inspirou em cada um.
(L. Tolstoi, Sonata a K reutzer, trad. de A . Pérez,
da educação estética, como toda educação
Madrid: SARPE, 1984, p. 119)43
criativa, deve partir, em todos os casos normais, da existência dos elevados dons da natureza humana e da suposição de que as maioNOTAS
res possibilidades criativas estão presentes no
ser humano, e [que se deve] dispor e orientar
1. Para as concepções estéticas de Vigotski, cf. sua
as influências educativas para desenvolver e
P sijologuia iskusstva. Existem duas edições em
manter essas possibilidades. Portanto, os dons
espanhol: L. S. Vigotski, P sicología de! arte, trad.
também se transformam em lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tarefa da educaDe V. Imbert, Barcelona: Barral, 1982; e L. S.
ção, embora na velha psicologia eles figurasVigotski, P sicología del arte, Madrid: Visor,
sem apenas como uma condição e um dado
2000. A primeira edição russa foi publicada com
da educação. Em nenhum outro âmbito da
graves mutilações - "abreviações devido a citapsicologia essa idéia é confirmada de forma
ções pouco importantes" (sic) -, em 1965, pela
tão brilhante quanto no terreno da arte. A poseditora Iskusstvo de Moscou, com um anexo e
um apêndice - o conto de Ivan Bunin, A lento
sibilidade criativa que cada um de nós possui,
A
prazível, e o H am let de 1916, de Vigotski, resde se transformar em co-partícipes de Shakespectivamente.
Essas mutilações ainda persispeare em suas tragédias e de Beethoven em
tem na edição de M. G. Iaroshvski, de 1987
suas sinfonias, é o indicador mais claro de que
(Moscou: Pedagoguika);
além disso, dessa ediem cada um de nós existe potencialmente tanção desapareceu
o anexo. As edições em espato um Shakespeare quanto um Beethoven.
nhol, portanto, também estão mutiladas.
A diferença psicológica entre o criador e
2. O C rocodilo e outras obras de Chukovski, que
o ouvinte da música, entre Beethoven e cada
estão tão na moda e são tão populares atualum de nós, foi definida muito bem por Tolstoi,
mente na literatura infantil, são o melhor moque também emitiu uma opinião muito impordelo desse abuso, dos absurdos e disparates
tante para a educação artística, ou seja, a nena poesia infantil. Aparentemente,
o autor parte da opinião de que quanto mais tola [é a
cessidade de reagir ante cada impressão e
obra], mais próxima, amena e compreensível
enfatizar a realidade da arte:
\
P S IC O L O G IA
3
4.
5.
6.
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245
ela é para as crianças. Estas se habituam facil7. Peredonov disse a seus alunos: "Observem, isso
mente a essa literatura boba, porém sua ação
deve ser compreendido
da forma correta. Aqui
educativa é indubitavelmente
perigosa, sobrehá uma alegoria. Os lobos andam em pares: o
tudo nas grandes doses oferecidas às crianças.
lobo com a loba faminta. Ele está com a barriAo mesmo tempo, desaparece toda preocupaga cheia, mas ela está com fome. A esposa semção com o estilo e, em versos dissonantes,
o
pre deve comer depois do marido. A esposa
autor reúne absurdos e disparates. Essa literadeve se subordinar por completo ao marido".
tura só desenvolve
estupidez
nas crianças.
[Nota original de Vigotski.]
[Nota original de Vigotski.]
Tanto nesta como na nota anterior de Vigotski
Kornei Ivanovitch Chukovski (1882-1969)
foi
neste capítulo (nota 2), na edição norte-ameriuma importante figura da filologia, da teoria
cana foram incluídos parágrafos inteiros que
da tradução e da crítica literária russas. Merepertencem ao corpo do texto do livro e não às
ceu um doutorado lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
honoris causa da Universinotas de rodapé. (Nota de G. B.)
dade de Oxford e o Prêmio Lênin (ambos em
8. Dmitri Nikolaievitch
Ovsianniko-Kulikovski
1962). No início do século XX, ele teve a infe(1853-1920)
foi um filólogo russo e historializ idéia de considerar que tinha talento para a
dor da literatura. Pioneiro no estudo da sintaliteratura infantil. Como se vê, Vigotski e ouxe do russo, seus trabalhos foram de indiscutítros críticos se encarregaram
de destacar que
vel excelência acadêmica e erudição. O livro
essa face de sua obra não era muito feliz. (Nota
mencionado
por Vigotski é de alto nível acade G. B.)
dêmico, embora seja inadequado como manual
Stowe, Harriet E. Beecher (1811-1896) foi uma
escolar de "educação estética".
romancista norte-americana
que escreveu con9. Ainda que inadequado
como manual escolar,
tra a escravidão.
Aqui Vigotski refere-se
a
como ocorre com o livro de OvsiannikoU ncle's T om C abin, escrito cerca de 1850.
Kulikovski (cf. nota 8), o texto aqui mencioNão pudemos localizar nem esse nem alguns
nado por Vigotski é de alto nível acadêmico,
outros contos de Tchekov referidos por Vigotski
como já destacara~
em um ensaio de
e, portanto, não podemos mencionar seus tí1912 publicado
no jornal O P ensam ento de
K iev. R. V. Ivanov-Razumnik
(1878-1946) foi
tulos. Atualmente não temos acesso à edição
russa de suas obras completas e esses relatos
um brilhante crítico literário soviético. Como
A. A. Blok, foi um dos pilares do movimento
não estão incluídos
no volume intitulado
C uentos C om pletos (!) de Tchekov, publicado
eslavófi~
Ivanov per~ti'd~JfsE;rista, inimigo do Partido Bolchevique,
pela editora Aguilar; op. cito Tal edição, com
suas 1.311 páginas, reúne apenas 330 contos,
sofreu perseguições
e foi preso. Quando as
e Tchekov escreveu mais de 600.
tropas nazistas invadiram a Rússia durante a
Ivan Andreievitch
Krilov (1769-1844)
foi o
Segunda Guerra Mundial, ele e sua esposa
maior criador de fábulas russo e o mais popuforam presos e deportados
para a Alemanha,
lar. Também
fez traduções
livres de La
onde morreram.
10. Trata-se de personagens
de ficção. Eugenio
Fontaine - introduzindo
algumas variações.
Foi jornalista e dramaturgo. Foi censurado duOneguin é o personagem
central do romance
rante prolongados
períodos pelo czarismo.
em verso E vgueni O negui, de Pushkin, em que
Vigotski realizou uma extensa análise da esTchaikovski se baseou para compor sua famotrutura de suas fábulas em sua P sicología del
sa ópera. Chatski é personagem do drama saarte, op. cito Existem várias edições em espatírico É um a loucura ser sensato, de Griboiedov,
nhol das fábulas de Krilov.
op. cit. no Capo 12. Vigotski repete esse mesFiodor Kuzmich Sologub (1863-1927)
foi um
mo trecho em sua P sicología del A rte, embora
narrado r, dramaturgo
e poeta simbolista russubstitua Chatski por Pechorin, personagem
so. Era professor de ensino fundamental,
podo romance de Lermontov, U m herói de nosso
rém se transformou em escritor profissional a
tem po.
partir do sucesso de seu romance O pequeno
11. Julio Verne (1828-1905) foi o romancista frandem ônio (1907). Seu protagonista
é o malvacês que criou o gênero da ficção científica
do professor Peredonov, um dos personagens
moderna. Previu invenções posteriores, como
mais impactantes e grotescos da ficção russa.
o submarino,
o fax, a televisão,
as naves
Vigotski faz nova referência a Peredonov no
espaciais, etc. Entre suas obras estão: A V olta
Capo 19 do presente livro.RQPONMLKJIHGFEDCBA
ao m undo em 80 dias, Da T erra à L ua e V iagem
246RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
12.
13.
14.
~
I.
15.
16.
17.
I,
:1
I
18.
19. Essa é uma referência a N ikolari Ivanovitch
ao lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
centro da T erra. Seu último livro) O eterno
Bukarin, T eoría del M aterialism o H istórico. M aA dão, é pouco conhecido e se caracteriza
por
nual popular de sociología m arxista, Córdoba,
seu ceticismo e pessimismo (cf. Buenos Aires:
Argentina:
Pasado y Presente, 1972, p. 195.
Corregidor, 1975).
As aspas do texto são nossas. A primeira ediAqui, Vigotski refere-se à obra P hilosofie der
ção 'li T ieoria istorichieskogo
m aterializm a:
K unst [F ilosofia da arte], do filósofo alemão
P opuliarni uchiebnik m arksistskoi sotsiologui,
Broder Christiansen.
A tradução russa é F iloMoscou, 1921. N. r. Bukarin (1888-1838) foi
sofia iskusstva,
São Petersburgo:
Shipovnik,
um antigo bo1chevique e um dos principais
1911. Vigotski também se refere a Christiansen em outros textos, como P sicología âelarte,
dirigentes da Revolução de Outubro. Destacaop. cito e em "A Gráfica de Bijovski". Esta últido economista e sociólogo, em sua carta-testama obra, com ilustrações de A. Ia. Bijovski, se
mento Lênin o chamou de "favorito do Partido". Depois de sua morte, Bukarin participou
encontra em: L. S. Vigotski, L a G enialidad y
ativamente das lutas internas. Aliou-se a Stalin
edição de G. Blanck,
otros textos inéditos,
Buenos Aires: Almagesto, 1998, p. 97-104.
7f ~~
contra!~frotsk~ \ Zinoviev e Kamenev. Com a
derrod.~s,· Stalin
começou a persegui-Io.
Essa asserção de Vigotski é a tese central de
seu livro P sicologia dei arte, op. cito Cf. G.
Acusado de desvios de direita, em 1934 ele foi
Blanck, "Vigotski y Hamlet. Hacia una Psicoloafastado de todos os seus cargos. Depois de
gía del Arte", Intercam bios, R evista de P sicología
quatro anos de torturas psicológicas, foi julgado publicamente
por alta traição e executado
y C ultura, op. cito
Cf. Guillermo Blanck, "Origen del Arte", em
em 1938. E sta citação de B ukarin por V igotski e
M.W., B reve D iccionario de E stética M arxista,
as citações de T rotski no C apo 19 foram a causa
fundam ental
da proibição do presente livro na
Buenos Aires: Dialéctica, 1989, p. 55-60 .
Herbert Spencer (1820-1903) foi um filósofo
U R SS durante
m ais de 60 anos. Ainda que
Bukarin tenha sido reabilitado completamene sociólogo inglês. Sua opus m agnum é T he
te com a Perestroika de Gorbatchov, o mesmo
Synthetic P hilosophy (1896), um tratado de filosofia, psicologia, ética, biologia e sociologia.
não ocorreu com Trotski. Se lermos o conteúAleksandr Nikolaievtich
Viesielovski (1838do de todas essas citações, ficará evidente que
1906) foi um historiador russo da literatura, o
elas nunca contradisseram
a ideologia oficial
mais destacado representante
do método hissoviética, de maneira que a explicação da cautórico comparado
em teoria literária. Existe
sa da proibição deve ser ad hom inem .
uma edição complera de suas obras em russo,
20. Essa é uma paráfrase da definição que Tolstoi
composta por seis volumes.
dá em seu livro sobre a arte: "[ ... ] é um meio
Iuli r. Aijenvald foi um crítico literário russo.
de contagiar emocionalmente
os seres humanos". (Cf. Leon Tolstoi, Q ué es el arte?, Buenos
Foi um dos mentores de Vigotski na Universidade Popular Shaniavski. Vigotski escreveu um
Aires: EI Ateneo, 1949, p. 175, Capo 14).
21. Neste parágrafo, com exceção do termo "miartigo sobre ele na revista N ovi P ut, em 1915.
Em 1919, quando Vigotski teve seu primeiro
lagre", as aspas são nossas, pois essas expressões são idênticas às do texto bíblico (Cf. A
surto de tuberculose, aos 23 anos, convencido
B íblia de Jerusalém ,
op. cit., p. 1409). Esse
de que ia morrer pediu a Aijenvald, através de
episódio, chamado de Primeira Multiplicação
Dobkin, que publicasse
postumamente
seus
dos Pães, é narrado em vários livros do Novo
escritos, principalmente
sua monografia sobre
Testamento, mas aqui sem dúvida Vigotski se
A tragédia de H am let, op. cit., mas Vigotski só
refere ao "Evangelho
segundo São Mateus"
morreu aos 37 anos. Aijenvald foi expulso da
(14:19-21). Em toda a sua obra são enconURSS junto com um grupo de intelectuais
tradas citações da Bíblia. Segundo S. F.Dobkin
opositores em 1922, e morreu no exílio. O
(1899-1991), sua freqüente leitura da Bíblia
H am let de Vigotski só foi publicado na Rússia
influenciou seu estilo de expressão, como na
em 1965. Em espanhol, a extensa monografia
abundância
de repetições e paráfrases (cf. r.
sobre Hamlet foi publicada como apêndice em
sua P sicología dei A rte, como já dissemos na
M. Feigenberg
(ed.), L . S. V igotski: N achalo
nota ns 1.
P u ti. V ospom inania S. F . D obkina o L. V igotskim
(L . S. V igotski: Seus com eços. M em órias de S.
Cf. o Capo 8, com o subtítulo "As funções da
F . D obkin dobre L. V igotski)
Israel: Jerusalém
imaginação" .
Publishing Centre, 1996, 108 p.)
.~
.•
-~.
P S IC O L O G IA
22.
23.
24.
25.
26.
P E D A G Ó G IC A
247
Referência à Bíblia. Cf. o episódio das Bodas
27. Aqui, Vigotski se refere à P oética de Aristóteles.
28. É dipo R ei é o mais conhecido dos 123 dramas
de Canaã do Evangelho segundo São João 2:2do grego Sófocles (496-406 a. C.). Sem conhe9 (op. cito p. 1507-8).
Cf. L. S. Vigotski,lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
La G enialidad y otros textos
cer sua verdadeira identidade, Édipo mata o pai
inéditos, ed. de G. Blanck, Buenos Aires:
e se casa com a mãe, com quem tem quatro filhos. Anos depois, descobre a verdade e, em um
Almagesto, 1998, p. 9-12.
O personagem de um conto diz o seguinte: "Por
momento de desespero, arranca seus olhos.
29. Cf. L. S. Vygotski, V oobrayenie i tvorchestvo v
que a moral e a verdade não podem ser apredietskom vozr.astie. P isjologuichieski ochierk [A
sentadas com toda a sua rudeza, em vez das
infaltáveis formas adocicadas e douradas como
im aginação e a criatividade na infância. E nsaio
as pílulas? ... Isso não é normal! É uma falsifipsicológico], Moscou-Leningrado:
GIZ, 1930. A
tradução espanhola desse livro, intitulada La
cação! Um engano! São falsidades! ... " [Nota
im aginación y el arte en Ia infancia [E nsayo
original de Vigotski].
Este personagem é Evgueni Petrovich Bijovski,
psicológico] - o grifo é nosso -, publicada por
Akal, Madri, 1982, apresenta numerosas defio pai da criança que fumáva no conto E m casa,
ciências e erros. Além disso, não indica se a
de Tchekov. A citação realizada por Vigotski
tradução - anônima, naturalmente
- foi feita
pode ser encontrada
em A. P. Tchekov,
do russo ou de outro idioma.
C uentos ... , op. cit., p. 877-8. (Nota de G. B.)
30. Trata-se do conto E m casa, cf. nota n 2 24.
Ludwig van Beethoven (1770-1827) foi o com31. Esse famoso artigo de Tolstoi é o resultado de
positor alemão que realizou a transição do
suas experiências na Escola de lasnaia Poliana,
classicismo ao romantismo.
É considerado
o
que já mencionamos
na nota n 2 9 do Capo 12.
mais importante compositor do cânone musical ocidental. Supomos que o autor não-identiUsamos uma fotocópia do artigo em russo:
"Kornu u kogo uchitsia pisat: krestianskim
ficado dessa citação quer dizer que o efeito de
riebiatam unas, ili nam u krestianskij riebiat?"
sua música nos espectadores
se manifesta de
forma diferente que a de Chopin, pois em geExiste uma edição de alguns escritos educativos
de Tolstoi em espanhol (cf. Leon Tolstoi,
ral a música de Beethoven tem um caráter entusiástico - embora ele também tenha compoLa E scuela de Iasnaia P oliana, Barcelona:
Calamus Scriptorius, 1978, 155 p.).
sições profundamente
melancólicas, como seus
32.
Esta
afirmação de Tolstoi sobre Goethe é tão riúltimos quartetos para cordas. Quando Vigotski
dícula como ajá comentada, sobre Shakespeare,
refere-se a Beethoven, alude às suas sinfonias
no Capo 12. De acordo com cálculos recentes, o
e as qualifica de "entusiásticas". Poucos sabem
polifacético alemão Johann Wolfgang von Goethe
que a alta sensibilidade
artística de Vigotski
(1749-1832) foi o escritor que utilizou o léxico
excluía a música. Segundo nos afirmou sua fimais rico da história da literatura ocidental, além
lha, ele era incapaz de diferenciar tons ou disde o ter usado de forma artística, como poucos
criminar melodias, por mais simples que fosoutros.
sem. Na nosografia do século XIX isto era cha33. Infância é o primeiro romance de uma trilogia
mado de "surdez tonal", mas no início do séautobiográfica de L. N. Tolstoi. Depois dela veio
culo XX tinha uma denominação
ainda mais
A dolescência e Juventude
(Moscou: Progreso,
engraçada: Vigotski era um "idiota musical",
várias edições em espanhol).
segundo José Ingenieros (cf. Ellenguaje musi34. Mikail Osipovitch Guershenzon
(1869-1925)
cal..., várias edições argentinas; a primeira foi
foi um filólogo e crítico literário russo. É prode Alcan, Paris, 1907). Poucos argentinos savável que, aqui, Vigotski se refira à sua obra
bem que Vigotski
fez uma referência
a
V idenie poeta [A visão do poeta], Moscou, 1919,
Ingenieros (cf. o volume I de suas O bras ... , op.
livro que ele também cita em sua P sicologia da
cit., p. 124).
arte e em ''A Gráfica de [A .Ia.] Bijovski".
Frédéric Chopin (1810-1849) foi um composi3 5. Aleksandr Afanasievitch Potebnia (1835-1891)
tor e pianista polonês, paradigmaticamente
foi um lingüista ucraniano e russo seguidor de
romântico. Com relação ao que se disse na nota
2
Humboldt. O livro de Potebnia, M isl i iazik [P enn 25, a música de Chopin em geral é de carásam ento e linguagem , traduzido literalmente],
ter intimista, como pode-se apreciar em seus
publicado em Kiev em 1850 e reeditado em
Noturnos, em muitos de seus Prelúdios, etc.
Jarkovem 1913, foi uma referência permanente
Chopin também tem composições de caráter
na vida de Vigotski. Sua presença é evidente no
entusiasta, como suas Polonesas.RQPONMLKJIHGFEDCBA
248RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
II
i
. i
em mais de um texto. Cf., por exemplo, P rincíúltimo capítulo de seu último livro lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
M ishlienie i
pios ... , op. cit.
riedi [P ensam ento e linguagem ou, em uma tra39. Esse problema de aquisição fonológica costudução literal, O processo de pensar e aJala, ou O
ma ser ilustrado com o seguinte exemplo. Se
raciocínio e aJala], de 1934.
apontarmos uma rosa para uma criança e lhe
36. Vigotski já explicou brevemente
essa lei no
Q
perguntarmos:
"Isto é um a losa?", ela responCapo 5. Cf. também nossas notas n 5 e 6 nesderá: w N ão) não é um a losa! É um a "losa"!.
se Capítulo. Para uma discussão mais precisa, ampliada e definitiva,
cf. L. S. Vigotski,
40. Na semiologia psiquiátrica,
chama-se de ilu"La Ley Biogenética en Psicologia y en Pedasão uma percepção equivocada de um objeto,
gogia", em L. S. Vigotski, E l D esarrollo C ultucomo ocorre quando, por exemplo, imaginamos ver um homem e, na verdade, se trata de
ral dei N ino y otros textos inéditos, edição de
uma árvore. A alucinação, em compensação, é
G. Blanck, Buenos Aires: Almagesto,
1998,
uma percepção sem objeto e o sujeito alucinado
p.69-77.
não pode retificar com seu juízo crítico o trans37. Vigotski imaginou que uma sociedade perfeita
torno perceptivo, embora possa reagir em ocioe um homem completamente
novo, um "superhomem" poderiam se tornar realidade (cf. o
nalm ente à sua percepção.
4l. Não pudemos identificar essa pessoa.
Capo 19.) O trecho " .. .foram algum a vez acom42. Fiodor Shaliapin (Kazan, 1873-1938, Paris) foi
panhantes da cultura ... (o grifo é nosso) indica que Vigotski, fiel filho da Ilustração, nunca
um cantor lírico russo, o melhor baixo de sua
pôde imaginar um futuro negativo para a huépoca. Cantou 21 anos no Teatro Bolshoi. Vimanidade. Com relação a essa expressão, 70
veu no exílio desde 1920. Apesar disso, o goanos depois de Vigotski a ter escrito, a cultura
verno soviético sempre lhe deu um tratamenocidental voltaria a se encher de bruxas, espíto privilegiado. Cantou na Argentina em 1908
ritos, magia, etc., como nunca antes, influene em 1930-31. Considerava que o Teatro Colón
ciada pela N ew A ge e outros irracionalismos
de Buenos Aires era melhor que a Grande Ópera de Paris (cf. o livro F . J. Shaliapin, Moscou:
esotéricos. Atualmente, os psicólogos e educadores se opõem a essas narrações, sejam elas
Iskusstvo, 1958).
43. A sonata K reutzer para violino e piano de
histórias de fadas, histórias em quadrinhos ou
Beethoven é sua opus 47. A sonata K reutzer
filmes - facilmente acessíveis às crianças nas
também é o título de uma obra de Tolstoi:
videolocadoras
e através dos meios de difusão
K reitserova
sonata. Essa citação feita por
de massa, a estupidez tecnologicamente
orgaVigotski faz parte de uma argumentação
que
nizada, sobretudo na televisão. Por outro lado,
hoje o "bicho-papão" é um bebê de peito comTolstoi coloca na boca de seu personagem
parado com Freddy Krugger.
Pozdnishev
no Capo 23 de seu romance.
Vigotski repete essa mesma citação em seu P si38. W. James faz essa afirmação - já reproduzida
cologia da arte.
neste livro - em mais de uma oportunidade
e
o Exercício e a F a d ig a
RQPONMLKJIHGFEDCBA
S O B R E O H Á B IT O
sobre a capacidade de exercitação costuma-se
propor, segundo o método de Kraepelin," a
soma de números simples. Gaupp comenta o
seguinte:
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
i
Do momento em que nos levantamos até o
instante em que, à noite, nos deitamos na
cama - diz James -,99 de cada 100, e provavelmente 999 de cada 1.000 de nossos atos
Se prestarmos atenção à quantidade de somas
se realizam de forma puramente automática
efetuadas por unidade de tempo, notaremos
ou por hábito. Vestir-nos e desnudar-nos, coque, na maioria das vezes, o rendimento do
mer e beber, cumprimentar e despedir-nos,
trabalho aumenta. Isso se manifesta ainda
tirar o chapéu e dar passagem às damas; tomais claramente quando comparamos o rendas essas ações e até mesmo a maioria de nosdimento inicial dos diferentes dias, um após o
sas palavras cotidianas consolidaram-se em
outro. Essa elevação do rendimento é influennós graças à repetição, de uma forma tão típiciada pelo exercício que, como se sabe, facilica que quase podem ser consideradas movita e acelera todos os tipos de trabalho, tanto
mentos reflexos. Para cada tipo de impressão
físicos como mentais. O exercício é uma certa
temos uma resposta preparada, automática.
modalidade da memória. Durante a exerciteachers ... ]1
[W James, Talks to lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tação não se trata de reter impressões isoladas, mas de facilitar toda a direção da ativiCom isso já é possível perceber o impordade. Expressando-nos metaforicamente, tratante lugar que a formação de hábitos deve
ta-se do caminho trilhado.
ocupar na educação. O processo mediante o
qual qualquer ação se transforma em hábito
[privichkie]
e adquire as propriedades características de um movimento automático é denominado exercício [uprazhnienie].
Definimos
o próprio comportamento como uma organização especial das reações; resulta agora que
só 0,001 dessas reações é determinado por algo
que não seja o hábito. O ser humano, segundo
uma expressão de James, é simplesmente um
conjunto vivente de hábitos e, por isso, a meta
do professor é acostumar o aluno aos hábitos
que lhe possam ser úteis na vida futura.
Daí deriva uma regra pedagógica muito
importante, que exige que se dedique particular atenção aos processos de exercitação. Tal
processo não deve ser considerado uma simples memorização. Cabe dizer que o exercício
cria a predisposição para realizar da melhor
maneira possível qualquer ação. Na pesquisa
De acordo com o que ficou demonstrado
por meio de pesquisas experimentais, o exercício desenvolve-se lentamente no início. Depois, sua rapidez aumenta, e ele é realizado
por impulsos. Isso significa que o exercício provoca algumas mudanças na disposição das moléculas cerebrais. Nesse sentido, afirma James:
A parte fundamental de toda educação consiste em transform ar nosso sistem a nervoso em
nosso aliado e não em nosso inim igo [... ]. P ara
conseguir
isso) na idade m ais precoce possível
em habituais e autom áa m aior quantidade de atos possíveis) evitando assim a consolidação de hábitos que
provavelmente possam resultar desvantajosos
[...]. Quanto maior for a quantidade de ações
cotidianas que consigamos transformar em
automáticas, que não exijam esforço, nossas
tem os de transform ar
ticos
250RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
capacidades mentais superiores terão
berdade para a atividade que lhes é
[W, James, Princípios de Psicologia,
p. 100. Vigotski o citou sem o grifo
que restabelecemos.]
mais liprópria.
op. cit.,
original
Nesse sentido, é profundamente
correto
o ditado que chama o hábito de "segunda natureza" [Continuemos
com James:]
Essa lei deveria concitar a atenção do professor, dado o enorme e importante
significado que os atos mais insignificantes
podem adquirir caso se transformem
em hábitos. Um
gesto descuidado, um movimento casual, uma
travessura inocente deixam marcas no sistema nervoso, e essa marca sempre se manifesta, talvez de forma imperceptível
para nós,
porém perceptível para o organismo.
James estabelece cinco regras propostas
pelo psicólogo Bain" para a educação do hábito. Acompanharemos
a exposição de James:
As crianças, com grande rapidez, transformam-se simplesmente em um conjunto vivente de hábitos. [Se isso se/soubesse],
prestarse-ia mais atenção ao séu comportamento
na
1. Utilizem tudo o que possa contribuir para
idade em que ainda são plásticos. Nosso deso reforço de motivos corretos. Insistam
tino está em nossas próprias mãos e, seja ele
tenazmente nas condições que os apóiem
bom ou ruim, nunca poderemos
modificar
no novo caminho. [ ... ]
depois o que fizemos antes. Não há nenhum
à observância de um
2. Nunca renunciem
ato virtuoso ou vicioso que não deixe em nós
novo hábito enquanto ele não tiver se arpelo menos uma marca insignificante. Na coraigado solidamente.
Cada alteração de
média de Jefferson,' o embriagado
Rip van
um novo hábito equivale à queda do noWinckle se desculpava cada vez que bebia,
velo no qual estamos enrolando o fio de
dizendo: "Não vou contar esta vez". Bem, e
lã. Se ele cair apenas uma vez, será precidaí? Ele podia não a contar e o Senhor miseriso fazer de novo uma grande quantidade
cordioso talvez não considerasse aquela vez,
de voltas para que ele volte à sua forma
mas de qualquer forma, ela era contada. Na
anterior. O exercício incessante constitui
profundeza das células e fibras nervosas as moo meio fundamental
para tornar impecáléculas a contam, registram-na e a armazenam
vel a atividade do sistema nervoso. [... ]
para usá-Ia contra Winckle quando surgisse a
3. Aproveitem o primeiro caso favorável que
próxima tentação. Para expressá-lo com rigor
surgir para colocar em ação uma decisão
científico, podemos dizer que nada daquilo
tomada e empenhem-se
em satisfazer
que fazemos pode ser completamente
apagaqualquer tendência emocional que surja,
do. [W, James,lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P rincípios ... , op. cit., p. 104.]
relativa aos hábitos que podem ser adquiridos. A decisão e a tendência não deiUm dos protagonistas
de um conto de
xam marcas no cérebro quando surgem,
Tchekov, depois de um amor passado e engamas quando produzem
alguns efeitos
motores.
[
...
]
A
tendência
à ação arraiganoso, anota em seu diário que o rei Davi tinha
se em nós com maior força quando repeum anel com uma inscrição "tudo passa". Como
timos de forma freqüente e ininterrupta
resposta a isso, ele escreve as seguintes palaas ações e quando aumenta a capacidade
vras em seu diário: "Se desejasse possuir um
que o cérebro tem de provocá-Ias. Quananel, escolheria a inscrição nada passa." De
do uma decisão nobre ou um impulso sinfato, cada um de nossos menores passos é
cero do sentimento
se perde sem deixar
importante para o futuro.
marca por nossa culpa, sem levar a resulDo ponto de vista psicológico, ambas as
tados práticos, não só deixamos passar um
afirmações contrárias são verdades iguais e secaso favorável para agir, mas também - o
guras. Psicologicamente,
tudo passa e qualquer
que é ainda pior - criamos um atraso que,
movimento repetido, justamente
por ser preno futuro, começará a impedir que nossas decisões e emoções se-descarreguem
cedido pelo primeiro, perde algo e adquire algo
normalmente
em forma de ação. O tipo
novo. Mas também é verdade que psicologicamais
desprezível
de caráter humano é o
mente nada passa, tudo deixa sua marca e indo
sentimentalóide
e sonhador impotenfluencia a vida presente e futura.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
251
te que, durante a vida inteira, se entrega
senvolver apenas um órgão, o olho, o ouvido,
a efusões sentimentais e nunca realiza um
a boca, a mão ou a perna, porém nunca possuiato realmente valente. [ ... ]
ria essa maravilhosa diversidade de órgãos re4. Não façam muitos sermões aos seus aluceptores que o caracterizam na realidade. [Ch.
nos nem lhes digam um número excessiSherrington,
T he integrative
action af the
vo de coisas boas de caráter abstrato. [ ... ]
nervous system , op. cit., p. 223-4]5
5. Conservem viva a capacidade para o esforço, com um pequeno exercício voluntário
Em segundo lugar, a ação da' fadiga é facotidiano, isto é, manifestem sistematicacilitar, depois de um prolongado
trabalho de '
mente heroísmo em coisas insignificantes
um mesmo reflexo, o aparecimento
e o reforque não sejam imprescindíveis, façam cada
ço de seu reflexo antagônico. Sherrington chadia alguma coisa, mesmo que seja apenas
mou
esse fenômeno de "indução espinal", por
pela dificuldade de realizá-Ia, de modo que,
analogia com fenômenos
similares no órgão
quando surgir uma verdadeira necessidada visão, denominados por Hering" de "indução
de, não se sintam fracos e sem preparação.
[W James,lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P rincípios ... , op. cit., Capo 4,
visual".
intitulado "O hábito".]
Vemos, portanto, que, junto com a utili-
dade biológica da ação habitual como reação
oportuna e estereotipada
aos estímulos uniforInclusive as pesquisas puramente
fisiomes, estáveis e mais ou menos constantes do
lógicas já demonstraram
o imenso significaambiente, o sistema nervoso dispõe de outro
do da repetição dos movimentos
e da fadiga
mecanismo, não menos importante biologicaconseqüente
para o curso normal de nosso
mente, porém oposto por seu significado e sencomportamento.
O que acontece é que estão
tido: o mecanismo da fadiga, cuja missão é a
ligados à ação de um mecanismo nervoso que
de frustrar o hábito, fechar suas vias nervosas
é quase o mais importante: a luta pela via prine facilitar o surgimento de novas reações.
cipal. Sherrington calcula que há quatro fatoÉ evidente que ambos os mecanismos são
res que definem o desenlace dessa luta. Além
necessários. Se o hábito não existisse, isso imda força relativa das excitações que competem
plicaria um modo de comportamento
muito
e do caráter afetivo dos reflexos, ele menciona
pouco econômico. Recordemos que qualquer
a fadiga, que age duplamente.
pensamento,
um comportamento
inusual, a
Em primeiro lugar, a fadiga [utom lenieJ
adaptação
a novas condições, a aquisição de
provoca o enfraquecimento
do reflexo que prenovas reações, surge inevitavelmente
de uma
domina no campo final comum. "Com o correr
dificuldade e se transforma em um retardo mais
do tempo, o reflexo vai perdendo a capacidaou menos prolongado,
isto é, em uma detende de conservar o vínculo com esse campo." O
ção de todos os movimentos.
Um animal que
mais notável nesse caso é que o campo final
não tivesse hábitos e se valesse desse modo de
comum, sozinho, não evidencia cansaço. Evicomportamento
tropeçaria em tudo com difidentemente,
a fadiga não está localizada no
culdade e reagiria ante tudo com retardo.
órgão efetor, mas representa
"uma adaptação
Por outro lado, se não existisse fadiga, não
oportuna" elaborada pelo sistema nervoso, que
existiria a luta pela via principal, nem as tranexclui o predomínio demasiadamente
prolonsições dessa via de um receptor para outro.
gado de um mesmo reflexo.
Toda a diversidade
funcional das adaptações
do animal ao ambiente desapareceria
e seria
Graças a isso obtém-se a diversidade de reasubstituída
por uma reação uniforme e autoções reflexas do organismo, e a diversidade de
mática.
reações é necessária devido à milionária diversidade de fenômenos que existem no ambienA contradição
dialética e o nexo de amte que nos rodeia. Se não existisse a chamada
bos os mecanismos respondem
totalmente às
"fadiga", o organismo do animal poderia de-RQPONMLKJIHGFEDCBA
leis gerais do desenvolvimento
da matéria viva.
252RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I
o S IG N IF IC A D O
esse estado mental se transforma em movie lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mento.
Temos a sensação de que esse moD O S E X E R C íC IO S zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vimento é provocado por nossa própria vontade, porque o resultado final obtido correscomportamento consciente se distingue
ponde à representação
anterior sobre o fim.
pela característica peculiar de que, em cada
[H. Münsterberg, P sychology and the T eacher,
caso, antes de realizar qualquer ato, temos uma
op. cit., p. 184-185.]7
P E D A G Ó G IC O
o
reação freada, não-exteriorizada, que antecipa o resultado de nosso ato e serve como estímulo com relação ao reflexo ulterior. Em outros termos, todo ato volitivo é precedido de
certo pensamento.
Com relação
a isso,
Münstenberg afirma o seguinte:
Antes de estender a mão para pegar um livro,
penso em realizar essa ação; vemos então que
o fato fundamental
é que a representação
anterior à finalidade corresponde
ao resultado
final. No entanto, parece que, no fim das contas, omite-se o mais substancial.
Por acaso,
aqui não existe um processo intermediário,
ou
seja, um sentimento
do impulso, um ato de
decisão entre meu pensamento sobre o livro e
o movimento realizado quando me levanto e
o alcanço? Será que, precisamente
aqui, não
se oculta todo o mistério da vontade? Entretanto, uma psicologia exata não tem nada a
ver com mistérios. Uma análise cuidadosa também pode desmembrar
a vivência provocada
por esse impulso. É fácil mostrar que, na verdade, a representação
precedente só desempenha um papel com relação ao primeiro
movimento que deve ser realizado para atingir o fim último. [ ... ] Quando penso em pegar
o livro, a etapa final depende do primeiro passo, isto é, levantar-me da cadeira. [ ... ] A realização do primeiro movimento determina se
toda a ação será efetuada. Portanto, em minha consciência deve haver a representação
do primeiro movimento, como réplica real de
todo o processo. Essa representação
do primeiro movimento, que precede o próprio movimento, é justamente o conteúdo do que costumamos chamar de sentimento
do impulso.
[ ... ] O sentimento
do impulso é esse tipo de
representação
antecipada
dos resultados
do
primeiro movimento
corporal que deve ser
realizado
[ ... ]. Em outras palavras,
toda
vivência e todo desejo conscientes, incluindo
o sentimento
da decisão e do impulso, está
formado pelas duas representações,
que competem entre si com relação aos fins. Uma delas predomina, associa-se à representação
do
primeiro movimento que deve ser efetuado,
Portanto, todo o sucesso de nosso comportamento depende da representação inicial do
fim, isto é, do predomínio sólido e decidido, em
nossa consciência, da antecipação da reação
não-exteriorizada. [Continua esse autor:]
Não existe nenhuma capacidade volitiva especial a ser exercitada, não existe nenhum tipo
de força espiritual peculiar que construa a
passagem entre a representação
do fim e sua
realização [ ... ]. O que a criança tem de aprender em seu desenvolvimento
é a capacidade
de manter tenazmente
a ação empreendida
ante seu olhar mental. [ ... ] De fato, esse é o
ponto nevrálgico da influência educativa: fazer o que realmente desejamos significa cumprir nosso dever. E não há objetivo mais elevado na educação que o desenvolvimento dessa capacidade de manter firmemente o que
desejamos - nossa mais profunda vontade ante o olhar mental. [Ibidem, p. 187-189.]
A partir dessa análise, torna-se perfeitamente compreensível o significado pedagógico do exercício. Münsterberg tem razão quando afirma que as outras funções da criança vão
se desenvolvendo ao longo dos anos, porém
sua atenção só se desenvolve graças a um exercício sistemático e minucioso. Explicaremos por
que o exercício desempenha esse papel no ato
da atenção. Recordemos que a atenção consiste em reações adaptativas
de orientação
[ustanovka] de nosso organismo [cf. Capo 7].
Ao mesmo tempo, a denominada atenção voluntária surge devido a uma reação mental
interna. Conseqüentemente, ela se manifestará com maior freqüência se o número de estímulos internos aos quais estiver ligada for
maior. Em outras palavras, para que ela surja,
tem de haver uma grande reserva de estímulos internos. Exercitar a atenção implica provocá-Ia em cada caso mediante essa reação
interna. Subentende-se que, quanto maior for
,
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
253
a freqüência com que fizermos isso, quanto
cebemos grupos inteiros de letras. Observanmaior for o número de casos que provocamos,
do as primeiras letras, adivinhamos toda a pamais solidamente criaremos o vínculo entre os
lavra. Mas quando lemos uma palavra em orestímulos internos e as reações de atenção. Por
dem inversa, temos de visualizar conscientemente cada letra. Essa é justamente
a ação do
isso, Münsterberg
diz que não há forma mais
hábito, que vincula automaticamente
entre si
decisiva de influenciar
esse comportamento
que regular de forma rigorosa as ações exteruma série de reações e, com isso, nossa consciência não tem de se preocupar por elas. Quannas, reprimir os movimentos sem sentido e reto maior for a quantidade
de reações que nosforçar os oportunos.
so hábito abrange, mais distante ficará o objePortanto, o comportamento
consciente
pressupõe atenção, e a atenção se estabelece
tivo que nossa consciência pode propor e estigraças ao exercício, isto é, graças à repetição
pular. Por exemplo, se para mim todas as ações
de certos movimentos,
reforçados' pelo métomediante as quais me levanto da cama e me
do dos reflexos condicionados com a represenvisto estão vinculadas a um hábito, minha detação desses movimentos.
cisão consciente pode consistir apenas no penMas esse é apenas um dos aspectos da
samento "tenho de me levantar". Se esse penquestão. O outro reside no problema do hábisamento está vinculado ao primeiro movimento. O que o hábito introduz de novo em nosso
to, todo o processo se realiza facilmente e, encomportamento
consciente?
Digamos que o
quanto me visto, posso pensar em qualquer
hábito prolonga a previsão em nossa conduta,
coisa. Em compensação,
se o hábito abrange
permite que nossos pensamentos
disponham
também o café da manhã, uma caminhada
de grupos cada vez maiores de movimentos
matinal e a viagem para o local de trabalho,
vinculados entre si e que transcorrem sem esminha orientação consciente inicial talvez posforço algum de nossa parte.
sa se expressar através da idéia "tenho de ir
Basta comparar qualquer ação habitual
trabalhar". Portanto, a orientação básica pode
com uma não-habitual
para perceber a enorabranger uma série mais prolongada de ações.
Essa economia proveniente do hábito conme economia de forças obtida por meio do
siste em que nunca percebemos como realizaautomatismo.
É muito fácil contar de 1 a 100,
porém esse processo se complica quando temos nossos movimentos.
mos de contar na ordem inversa, de 100 a l.
Também é fácil ler na ordem habitual, da esNão sei que músculos utilizo para retirar um
querda para a direita, mas esse processo fica
livro da estante; penso em pegar o livro e percebo o movimento para realizar essa ação. A
difícil quando começamos a ler as palavras ao
forma como uma coisa leva à outra não tem a
contrário, embora soletremos a mesma quanver com minha vontade consciente.
Minha
tidade de letras. Essa economia que obtemos
vontade
confia
na
ação
correta
desse
mecaquando lemos a mesma frase na ordem habinismo. No entanto, pode-se afirmar o mesmo do tual, em comparação
com o ato de lê-Ia em
movimento
de nossas representações.
Por
ordem inversa, tem a ver precisamente
com a
exemplo, quero traduzir qualquer palavra para
economia proporcionada
pelo exercício.
outra língua ou resolver um problema mateAs pesquisas experimentais
têm demonsmático, ou pensar em algum plano; em todos
trado que, quando
realizamos
exercícios
esses casos [ ... ] isso é realizado de acordo com
descontínuos
com os olhos, percebemos
por
o objetivo traçado. Não somos conscientes da
impulsos e não lemos movimentando
a vista
forma como a representação
do fim leva a esse
processo
que
se
realiza
sem
obstáculos.
de forma uniforme. Mediante o registro cine(Münsterberg)
[Ibidem, p. 187.]
matográfico do movimento das pálpebras ou
com o registro de uma pequena alavanca colocada sobre as pálpebras, vemos claramente a
A formação dos hábitos coloca à disposilinha do movimento
de nossos olhos: lemos
ção de nossa vontade mecanismos
cada vez
com o olho imóvel, e não com o que está em
mais poderosos e permite que eles se propomovimento. Em outros termos, cada vez per-RQPONMLKJIHGFEDCBA
nham fins cada vez mais distantes. Os hábitos
254RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I
I.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te bem-sucedido
quando acompanhado
por
aliviam a vontade e, dessa forma, lhe ofereuma satisfação interna. Do contrário, se transcem a possibilidade de encarar fins mais eleforma em uma cansativa repetição, contra a
vados. "Se o processo de leitura e escrita nunqual o organismo se rebela. "O esforço foi co,ca se transformasse em um hábito, absorveria
roado de êxito": essa é a condição essencial
toda a nossa energia volitiva" [ibidem, p. 194]
para avançar. Todos os casos de satisfação com
e não deixaria espaço para a concentração no
os resultados obtidos levam a certas mudansignificado, que é o fim a ser alcançado duranças no mecanismo nervoso de adaptação. Essà
te esses processos. Quanto mais amplo for o
fato possui um importante
significado pedacírculo da atividade abrangido pelo hábito,
gógico, mostra que a simples repetição não
menor será a energia volitiva que teremos de
garante o aumento do progresso, pois só a
gastar para alcançar nossos fins.
realização feliz de qualquer ação contribui com
a formação da estrutura desejada no sistema
O perigo reside apenas em que o hábito
nervoso central. Se o mesmo movimento for
sempre implica um modo. mecânico de comrepetido diversas vezes, a fadiga provoca reportamento e, por isso,lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
só pode ser útil quansultados insatisfatórios
que impedem diretado existem condições uniformes. A conduta
mente a formação de novas vias de menor rehabitual pode ser prejudicial nos casos em que
sistência. (Münsterberg)
[Ibidem, p. 193.]
tem de haver uma nova adaptação.
Os hábitos nos enriquecem e nos liberam para
que possamos orientar nossos esforços para
objetivos mais elevados. Mas os hábitos também nos escravizam e trabalham contra nossos esforços. A educação deve levar cuidadosamente em conta ambos os aspectos da formação dos hábitos. [Ibidem, p. 194.]
Esse caráter dual do hábito revela-se claramente quando recordamos o inegável nexo
que existe entre os processos do exercício e os
processos da memória. A memória funciona de
forma puramente reflexa, automática.
J
, II
,·1'f ~I
James afirma que nada pode ser recordado
sem uma "indicação" ["o ponto"], no jargão
[teatral]. Essa indicação [ponto], que põe em
ação o reflexo da memória, pode ser de duplo
tipo. Se pertence aos estímulos mais ou menos constantes e que agem de forma estereotipada, exigindo uma resposta igualmente
padronizada e estereotipada,
a ação habitual
será a reação correspondente
às condições, a
resposta correta e adequada à indicação [ponto]. Em compensação, se a indicação [ponto]
pertence a circunstâncias
novas, inesperadas
e não-habituais
e se, além disso, representa
algum obstáculo para o curso normal das reações estereotipadas,
a ação habitual será a pior
resposta a esta e só servirá para impedir o
pensamento.
[ ... ] Existe uma regra psicológica sumamente importante para compreender
corretamente
o exercício. Este só é totalmen-
A T E O R IA
S O B R E A F A D IG A
A fadiga - afirma Gaupp - é a antagonista do exercício. O processo de exercitação
pode exigir simultaneamente
a atividade de
vários órgãos. Por exemplo, quando escrevemos ou caminhamos, o movimento de nossa
mão ou de nossas pernas é regulado e determinado pelo funcionamento de nossos olhos,
e todos sabem até que ponto é difícil escrever
ou caminhar com os olhos fechados. Assim,
qualquer atividade que realizamos provoca a
ação de uma série de órgãos em conjunto e é
acompanhada em qualquer ato de atenção
pelo atraso ativo e pela inibição de todas as
outras reações. Isso é o que condiciona o fato
de flue, além da fadiga puramente muscular,
que se desenvolve no órgão efetor - por exemplo, na mão que escreve -, existem fenômenos de fadiga nervosa geral muito extensa,
que tornam todo nosso corpo incapaz de continuar a atividade.
Devemos diferenciar três conceitos fundamentais: o cansaço, a fadiga e o esgotam ento.
Podemos chamar de cansaço o estado nervoso
que pode surgir em nós inclusive quando não
existem fundamentos fisiológicos de nenhum
tipo para o advento da fadiga. O cansaço pode
surgir mesmo depois de um bom sono, ou por
sugestão, ou devido à falta de interesse e pelo
tédio, que derivam dos processos que ocorrem
P S IC O L O G IA
I
i
P E D A G Ó G IC A
255
diante de nós. Nos casos normais, porém, o canque o professor deve estabelecer a quantidade
saço representa para nós um sinal de aparecimáxima de tempo que a criança pode trabamento da fadiga. A fadiga é um fator puramenlhar sem se fatigar.
te fisiológico, e alguns pesquisadores supõem
A fadigabilidade das crianças pequenas é
que costuma estar vinculada ao aparecimento
consideravelmente
mais elevada que a das
de tóxicos peculiares no sistema nervoso.
maiores e, por isso, deve ser considerado um
Durante certo tempo, supôs-se que havia
grande erro pedagógico que a duração das
um "tóxico da fadiga" que envenenaria nossos
aulas no primeiro e no segundo grupo seja a
tecidos durante um trabalho prolongado que
mesma, apesar de que a fadiga em uma crianexige esforço. No entanto, a existência desse
ça de 8 anos e em uma de 16 não aparece com
tóxico não pôde ser demonstrada, e o caráter
a mesma rapidez.
fisiológico da fadiga continua sendo até agora
Isso evidencia a necessidade do recreio,
algo ainda não-elucidado. De qualquer forma,
isto é, de interrupções parciais da tarefa; e da
não podemos duvidar de que o simples fato,
mudança de um tipo de trabalho por outro,
por todos conhecido, de que qualquer trabapara que a monotonia não produza logo um
estado de fadiga.
lho nervoso é realizado às custas de certas substâncias materiais que se encontram em nosso
A fadiga, em si mesma, é a pior condição
sistema nervoso e de que, por esse motivo, o
para o trabalho. É como se ela enunciasse o
esgotamento dessas substâncias mais cedo ou
protesto do organismo contra o trabalho; ela o
mais tarde nos leva a abandonar o trabalho
desorganiza, o torna mais lento e diminui sua
que estamos fazendo.
precisão, rebaixando a qualidade e os resultaO sistema nervoso, que precisa que o alidos do exercício. Por isso, uma exigência
prioritária é uma higiene pedagógica especial,
mento gasto seja reabastecido, cai em certa
inação, em uma espécie de entumescimento
na qual as tarefas da criança sejam distribuíque, nas formas extensas, adota o caráter de
das de tal maneira que a levem a uma fadiga
sono. O acadêmico Pavlov, ao pesquisar esses
normal, e não a sobrecarreguem quando já está
fenômenos, chegou à conclusão de que o sono
fatigada. Nesse sentido, a fadiga é um fator
representa processos amplamente difundidos
desejável, porque cria fortes estímulos para a
de inibição interna nos grandes hemisférios
tranqüilidade, o descanso e o sono, contribuincerebrais." Portanto, a fadiga é algo totalmendo assim mais energicamente com o restabelete normal e necessário que regula nosso comcimento das forças esgotadas. A esse respeito,
portamento no sentido de fazer-nos abandoé muito mais útil o trabalho que leva o aluno
nar o trabalho quando este tornar-se nocivo
até o umbral da fadiga e não o que o deixa a
vários passos desse limiar.
para o organismo. Nesse sentido, a aparição
normal da fadiga constitui uma lei obrigatória
Por outro lado, o esgotamento implica um
de todos os tipos de trabalho. O professor não
gasto tão anormal de forças que seu pleno
restabelecimento é impossível. Então sempre
deve temê-Ia, só deve se precaver nos casos
surge um déficit, um gasto irreparável de enerem que surge uma extraordinária fadiga sem
gia que produz conseqüências nocivas no orcansaço. Isso é o que sucede quando, com um
ganismo. Ao mesmo tempo, cria-se a mais proesforço de vontade, reprimimos em nós o canfunda oposição de todo o organismo a esse trasaço e o vencemos, quando temos de realizar
balho que provoca esgotamento.
um trabalho complexo e difícil ou quando,
devido à tensão, sentimos uma excitação tão
grande que nos impede conciliar o sono.
NOTAS
Portanto, é evidente que o cansaço é uma
reação subjetiva, e a fadiga é um estado obje1. Essa citação está na p. 48 da edição que contivo de nosso organismo. A fadiga não se masultamos. Cf. a nota ns 15 do Capo 1.
nifesta de repente, mas pouco a pouco, e pode
2. Emil Kraepelin (1856-1926) foi um psiquiatra
ser paralisada por pequenos intervalos no traalemão, um dos mais importantes da história
balho e pela mudança de tarefas. Infere-se daíRQPONMLKJIHGFEDCBA
..,256
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
educação na Escócia. Amigo de John Stuart
dessa especialidade médica. Aluno de Wundt,
Mill, foi professor de lógica e de literatura inpesquisou praticamente
todos os campos da
glesa e, em 1876, fundou M ind, a primeira redisciplina. Ele distinguiu a psicose esquizofrêvista do mundo dedicada à psicologia.
nica da maníaco-depressiva.
Também é consi5. Em relação a Ch. Sherrington, cf o Capo 3 e a
derado o fundador da psicofarmacologia.
nota nº 5 desse capítulo.
3. Aqui, William James não cita o verdadeiro au6. Ewald Hering (1834-1918)
foi um fisiologista
tor de Rip van Winckle, o escritor norte-amerie psicólogo alemão que estudou a visão - tancano Washington
Irving (1783-1859),
mas
to a percepção especial quanto a visão coloriJoseph Jefferson, que adaptou esse texto narda. Também realizou importantes
pesquisas
rativo para sua representação
teatral:lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
R ip van
sobre a memória.
W inckle as P layed by Joseph Jefferson, Toron7. A partir daqui, todas as citações de Münsterberg
to: Morang, 1899.
no presente capítulo são de P sychology and the
4. Alexander Bain (Escócia, 1818-1903)
foi um
T eacher, op. cito Cf. a nota nº 19 do Capo l.
filósofo que realizou a mais completa e siste8. Cf. I. P. Pavlov; E l sueiio y la hipnosis. T rabajos
mática exposição da psicologia
associativa
empírica inglesa em numerosos livros. Contriexperim entales,
ed. de J. Torres Norry, Buenos
buiu de forma significativa com o avanço da
Aires-Madrid: Martínez de Murguía, 1959.
o
o C O N C E IT O
C o m p o rta m e n to
A n o rm a l
rio e em todas as partes nos esforçaremos para
demonstrar o quanto são sutis os limites que seCOM PORTAM ENTO
ANORMAL
param o normal do anormal e com quanta freozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
conceito de normalidade pertence às
qüência surgem, no comportamento corrente, canoções científicas mais difíceis e indeterminadas.
racterísticas psicopatológicas.
Na verdade não existe norma alguma, mas há
uma quantidade inumerável de variações difeA S C R IA N Ç A S C O M
rentes, desvios da norma, e muitas vezes é difícil
D E F IC IÊ N C IA S F íS IC A S
dizer onde o desvio ultrapassa os limites além
dos quais começa o âmbito do anormal. Esses
Os defeitos físicos podem ser tanto congênilimites não existem em nenhuma parte e, nesse
tos
quanto
adquiridos e podem assumir as mais
sentido, a norma representa o conceito meramen[defekt].l
diversas formas, de acordo com o defeito lkjihgfedcbaZYXWVUT
te abstrato de certa magnitude média dos casos
Este
pode
se
exprimir
por
meio
da
falta
de
alguns
mais freqüentes de um fenômeno e, nos fatos,
órgãos efetores - por exemplo, braços ou pernas não se encontra em forma pura, mas sempre
e então se manifesta no defeito de comportamento
mesclada com algumas formas anormais. Por isso,
que distingue o inválido. Nesse caso, todo um grunão existem limites precisos de nenhuma índole
po de reações ligadas a esse órgão ficam fora do
entre o comportamento normal e o anormal.
alcance da criança, e a anormalidade do comporNo entanto, esses desvios por vezes alcantamento se manifesta no fato de que, para comçam dimensões quantitativamente tão considepensar sua deficiência e completar as formas
ráveis que temos o direito de falar de comportafaltantes de comportamento, o organismo confia
mento anormal. Essas formas de comportamennovas funções a outros órgãos e organiza seu comto anormal também podem ser encontradas em
portamento de forma diferente da utilizada pelas
pessoas normais, manifestando-se como formas
outras pessoas. Por exemplo, quando faltam as perde comportamento transitórias e temporárias,
nas, os braços têm de ajudar no deslocamento do
mas também podem ser encontradas como forcorpo pelo espaço.
mas mais persistentes e mesmo constantes de seu
A segunda conseqüência desse defeito
comportamento. Desse ponto de vista, todas as
consiste na consciência de seu déficit, que seformas anormais de comportamento podem ser
gregará a criança de todo o corpo social e a
divididas nos seguintes grupos: (1) formas pascolocará em uma-posição menos favorável que
sageiras e fortuitas -lapsos, distrações, embriaas demais crianças. Por isso, o professor deve
guez, etc.; (2) estados prolongados e persistense preocupar em resolver da forma mais indolor
tes - neuroses e psicoses; e, por último, (3) altepossível todas as conseqüências desse defeito.
rações permanentes de comportamento. Vamos
Com uma organização acertada da vida infancomeçar pelas últimas, mas temos de avisar que
til,
com a atual diferenciação das funções soo velho critério que estabelece que as formas
ciais, um defeito físico nunca deve representar
anormais de comportamento são totalmente diuma causa de imperfeição total ou de invalidez
ferentes das normais está incorreto. Em todas as
social para seu portador.
partes entramos em contradição com esse critéDE
258RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
!'
Todo o problema reside em que as técnicas educativas devem ser, nesses casos, individualizadas, de acordo com cada caso particular. Com um método de compensação,
por um
lado, e de adaptação, por outro, a questão pode
ser resolvida sem dificuldade.
Um inválido,
com uma educação razoável, pode conservar
todo o seu valor social e a influência de sua
deficiência pode ser praticamente
anulada.
Ficou muito longe a época em que o inválido, por causa de sua deformidade,
era
excluído da vida, e sua função social reduziase exclusivamente
a uma, existência parasitária, que dependia da compaixão alheia.
O milagre da educação social consiste justamente em que ela ensina os inválidos a trabalhar, ensina os mudos a falar e os cegos a
ler. Esse milagre deve ser entendido como um
processo totalmente
natural de compensação
educativa desses defeitos, como mostraremos
a seguir
O comportamento
anormal adota formas
muito mais difíceis quando está ligado a defeitos dos órgãos dos sentidos ou analisadores. A
cegueira ou a surdez congênitas
constituem
problemas pedagógicos
mais complexos que
outros tipos de defeitos. Nesse caso não é qualquer órgão efetor que está afetado na criança,
mas os órgãos da percepção, através dos quais
se estabelecem vínculos de enorme importância com o ambiente.
Ao mesmo tempo, tudo depende da importância do analisado r correspondente
dentro do sistema geral do comportamento.
A perda de funções como o olfato e o paladar não
provocam conseqüências
essenciais para toda
a estrutura
de nosso comportamento
e, nas
condições contemporâneas
de nossa existência, representam
um defeito pouco notável e
até mesmo imperceptível.
Nas atuais condições de vida o olfato é utilizado em poucos
casos, e sua função biológica está se anulando cada vez mais.
Entretanto, essas perdas das funções isoladas do olfato e do paladar ocorrem com pouca
freqüência, assim como a perda do tato e da sensação motora. Formas congênitas de cegueira e
surdez são encontradas com maior freqüência.
Levando em conta estas últimas, resulta mais fácil
demonstrar em que reside o princípio da educação das crianças portadoras de deficiências.
Em primeiro lugar, vamos analisar os cegos. A cegueira, quando permanecem intactas
todas as outras formas de comportamento,
representa a perda de um analisador, o mais importante, que nos permite estabelecer as relações mais sutis e complexas com o mundo externo. Por isso, o cego não consegue perceber
as formas de movimento que distinguem o vidente. A isso se deve o lamentável papel social
que os cegos sempre e em todas as partes desempenham,
por um lado, e a falta de autoestima interna e o estado de depressão que
durante muito tempo se transformaram
em
seus companheiros
permanentes.
O princípio da educação, que estava concentrado nas mãos da beneficência, baseavase na idéia de que "devemos sentir compaixão
pelos deficientes","
mantê-los
com recursos
doados, ajudá-los a viver uma existência humana lamentável. Quanto aos próprios cegos,
inculcava-se neles, de todas as maneiras possíveis, a idéia de que deviam considerar sua
desgraça como um castigo ou provação de Deus
e assumi-Ia com total resignação. Ao mesmo
tempo, não se realizavam
tentativas para ultrapassar os limites da resignação ao defeito,
e, assim, a regra pedagógica básica era a adaptação da educação a esse defeito e não sua superação. Por outro lado, foram criadas lendas
psicológicas sobre a suposta existência de um
extraordinário
e misterioso sexto sentido dos
cegos que lhes permitia, por uma sábia lei da
natureza, penetrar através das trevas, mediante
um desenvolvimento
incomum de seu tato que,
por sua intensidade
e sutileza, superava o das
pessoas normais.
Tudo isso é profundamente
incorreto. Na
verdade, o comportamento
dos cegos se organiza exatamente
do mesmo modo que o das
pessoas completamente
normais, com a única
exceção de que órgãos analisadores faltantes,
vinculados à visão, no processo de acumulação de experiência são substituídos por outras
vias analisadoras,
na maioria das vezes táteis
e motoras.
Nesse sentido, é muito notável a leitura
dos cegos. Os livros para cegos estão impres-
-.
_ ....•..•.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
259
sos com letras comuns, mas com tipos em rese encontram. Para quem vê pela primeira vez
[na vida] um livro, as páginas parecem um
levo, gravados no papel e, assim, os cegos
aprendem, desde a mais tenra idade, a ligar a
amontoamento desordenado de milhares de
signos no qual a 'visão se perde de forma imreação da pronúncia deste ou daquele som ao
potente. Assim, a ordem e o significado não
estímulo tátil que parte dessa letra em relevo.
são introduzidos pela agudeza da visão e do
Toda a diferença com a leitura dos videntes se
tato, mas pela experiência previamente acureduz ao fato de que a sensação visual é substituída pela tátil. Mas devemos lembrar sem- . mulada, pelos vínculos previamente estabelecidos das reações condicionadas, que agrupam
pre que, para a formação de um reflexo condie relacionam uma enorme quantidade de estícionado, é totalmente indiferente saber com
mulos externos. No ensino de um cego, deveque novo estímulo temos de operar. O reflexo
salivar do cão passa a ser igualmente condicise substituir os vínculos de certos estímulos por
outros, porém ao mesmo tempo todas as deonado e se fecha [forma] em um novo víncumais leis psicológicas e pedagógicas em que a
lo, tanto no caso de ele estar excitado por uma
educação se baseia continuam em vigor.
luz azul, por uma carícia ou pelas batidas do
Ao mesmo tempo, devemos levar em conmetrônomo.
É mais comum os cegos utilizarem os
ta que todo fechamento desses vínculos deve
ter como objetivo final a incorporação do cego
caracteres peculiares de Braille," que criou um
à experiência social das outras pessoas, e isso
alfabeto especial para cegos. Nesse alfabeto,
se torna possível quando aproximamos ao mácada letra é formada por diversas combinações
de seis pontos, impressos em relevo no papel.
ximo os sistemas de estímulos condicionados
dos cegos aos sistemas sociais universais da coSe uma pessoa vidente, não-acostumada com
municação. Portanto, embora os caracteres
esses caracteres, tentar tocar essa página com
Braille pareçam ser o método mais econômico
a mão, sentirá uma grande quantidade de pone cômodo, do ponto de vista psicológico eles
tos desordenados, obterá uma série de sensanão podem ser admitidos como adequados,
ções sem sentido e não saberá dizer qual é a
pois essa escrita segrega o cego do conjunto
quantidade e a disposição desses pontos. Em
geral das pessoas. Uma carta escrita em alfacompensação, para o cego esses pontos estão
beto Braille só pode ser compreensível para um
ligados à representação de sons, que se orgacego e, dessa forma, não é apropriada para uma
nizam em uma palavra, e essas palavras se comampla comunicação dos cegos com os videnbinam em frases que oferecem um determinates, mas para o estreito e fechado mundo dos
do significado. É muito fácil perceber, assim,
cegos. Por isso, devemos exigir que a experiênque qualquer leitura tem um caráter puramente
cia do cego possa ultrapassar os estreitos limide reflexo condicionado e que lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
qualquer sistetes de seu defeito, para que ele possa se relama de estím ulos pode servir como alfabeto para
cionar da forma mais vasta e direta com a exregistrar a fala humana." Para chegar a isso, o
periência social da humanidade.
novo estímulo tem de estar ligado ao velho
Por esse motivo, do ponto de vista psicosom, pelo método do reflexo condicionado.
lógico, é preciso propor uma possível redução
Resulta compreensível, portanto, que o tato nos
do ensino especial dos cegos para incorporácegos não é de modo algum melhor nem mais
los, a partir da mais tenra idade, às escolas
sutil que o dos videntes, mas está ligado a uma
comuns, média e superior. O isolamento dos
quantidade muito maior de nexos e acumulou
cegos em escolas especiais não pode dar bons
uma experiência muito maior. Isso pode ser
resultados, pois com esse tipo de educação toda
compreendido facilmente se prestarmos atena atenção dos alunos vai se centrar na cegueição à forma como olhariam uma página imra, em vez de imprimir-lhe outra direção. Espressa do presente texto uma pessoa alfabetisas escolas reforçam a psicologia do separatiszada e um analfabeto. Para a primeira não remo, própria dos cegos, e os encerram em um
presenta nenhum esforço se orientar rápida e
mundo estreito e sufocante.
exatamente entre as milhares de letras que lá RQPONMLKJIHGFEDCBA
260
L 1 E V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Há uma opinião muito difundida de que
os cegos também se distinguem por uma formação espiritual peculiar. Assim, menciona-se
sua especial sensibilidade, sua paixão pela filosofia, sua voracidade, etc. Tudo isso, à medida que parte de observações certas, pode facilmente ser tomado por verdade. No entanto,
só um critério pobre pode considerar a cegueira, como deficiência congênita, como causa de
tudo isso. É claro que esses não são defeitos
do educando, mas da educação, isto é, ramificações secundárias do comportamento dos cegos. Foram criadas mais pelo clima social em
que o cego se desenvolveu' e formou que pela
estrutura interna de sua personalidade.
A respeito disso, há um conto muito curioso, O lkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m úsico cego, de Korolenko," cujo protagonista sofre permanentemente e se tortura por
causa de sua tendência instintiva à luz e pela
consciência
de seu déficit. O professor
Shcherbina," também cego, destacou acertadamente tanto a incorreção desse juízo de um
vidente com relação a um cego, quanto a ausência nos cegos da sensação de estar vivendo
nas trevas. Imaginar a cegueira como um estado em que alguém vive em permanente escuridão equivale a julgar o cego a partir do ângulo de um vidente. No entanto, a própria história de Korolenko também contém uma verdade com a qual a teoria psicológica coincide
plenamente. O músico cego consumiu-se em
um sofrimento irremediável enquanto esteve
fechado no estreito círculo de seu padecimento pessoal e egoísta. Mas quando, depois de
uma viagem com outros cegos, submergiu sua
pena pessoal no mar da pena geral do povo,
isso iluminou seu entendimento, isto é, ele se
encontrou como pessoa, interna e espiritualmente. É sumamente curiosa a circunstância
de que ele foi salvo pela própria música, que
anteriormente apenas lhe ensinava novas formas de sofrimento. Quando [antes] sua mãe
tentava traduzir para a linguagem dos sons o
mundo das cores, isso acentuava e aguçava
ainda mais o sentimento de seu defeito. Em
compensação, quando a música se transformou
em fonte de vasta experiência social para ele,
realmente o ajudou a superar seu defeito.
O princípio fundamental da educação dos
cegos é o método de compensação social de
seu defeito. E aqui, como em nenhuma outra
parte, vemos a impotência radical da educação individual e a solução indolor do problema no plano social.'
O problema das crianças surdas-mudas é
ainda mais complexo. Na maioria dos casos
estamos, em essência, diante da surdez como
defeito congênito, pois a mudez é um fenômeno secundário devido ao fato de que a fala da
criança, não alimentada por nenhum tipo de
estímulos verbais externos e não controlada
pela própria criança, fica estagnada na etapa
do grito reflexo. O surdo de nascença, por não
ouvir a própria fala nem a alheia, se transforma em mudo, ainda que os centros da fala e o
aparelho de fonação não tenham sido afetados. Assim, na surdez temos um tipo totalmente diferente de defeito que no caso da cegueira. Embora todo o mundo externo seja apresentado para nós mais através da visão que da
audição, e os sons desempenhem um papel
comparativamente insignificante no contexto
geral do mundo, a surdo-mudez é um defeito
muito maior e terrível que a cegueira.
Para o cego está vedado o mundo da natureza, mas em compensação o mundo social
está aberto para ele. O surdo, ao contrário,
conserva praticamente toda a percepção do
mundo natural, mas exclui-se a possibilidade
de comunicação social. Vemos aqui de forma
evidente até que ponto, na época atual, os vínculos sociais são mais essenciais e importantes
que os naturais. Na verdade, só a audição da
fala humana está ligada aos sons, porém isso é
totalmente necessário para o desenvolvimento interno da personalidade. Em nenhuma parte vemos com tanta clareza como no exemplo
dos surdos-mudos que nossa consciência tem
uma origem puramente social e se desenvolve
conforme o modelo da comunicação com as
outras pessoas.
Nos surdos-mudos desenvolve-se precocemente a fala gestual, que logo substitui os
estímulos sonoros pelos visuais. Os mudos falam com ajuda do alfabeto manual. Conversam mediante esse alfabeto" da mesma forma
que nós conversamos com sons; em ambos os
casos temos sistemas de estímulos condicionados para denotar nossas reações. Entretanto,
sua linguagem gestual constitui o nível mais
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
261
tual. Sem a ajuda da fala, o surdo-mudo está
baixo e a forma mais restrita de desenvolvicondenado a permanecer na etapa de grande
mento da linguagem e da consciência. Admite
atraso intelectual e falta de desenvolvimento.
apenas a comunicação
de surdos-mudos
com
No aspecto psicológico e educativo, temos o
seus iguais e os encerra no limitado círculo de
exemplo da evolução de [alguns] surdos-mudos
sua deficiência. Essa linguagem tem as marcas
como Helen Keller, que alcançou tal nível de
do pensamento primitivo e, por isso, não pode
consciência que pôde escrever uma série de lise transformar em instrumento de expressão e
de conhecimento
de fenômenos mais complevros interessantes sobre diversos ternas."
xos e sutis. O fato mais importante, porém, é
Um modelo para a natureza de todo proque a fala, além das funções de comunicação
cesso educativo é o aparelho destinado à consocial, tem a função de construir a consciênversa de um cego com um surdo-mudo.
Esse
cia. Já vimos [no Capo 9] que todas as reações
aparelho inclui os seis pontos de Braille que
mentais, todos os atos de ori~i1'tação, constise levantam
quando se pressionam
os seis
tuem a linguagem interna. Portanto, a mudez
botões correspondentes.
O cego, apertando os
também é a ausência de um pensamento
debotões, cria as combinações
necessárias
de
senvolvido.?
pontos e com estes forma as palavras que o
O princípio da educação dos surdos-mudos
mudo pode ler. Por outro lado, o mudo, ao
consiste da mesma regra que se aplica aos cegos,
realizar o mesmo trabalho, permite que o cego
ou seja, da compensação do defeito através da
apalpe os pontos salientes e penetre em seu
ampliação da experiência social e da aproximapensamento. Vemos aqui esse recurso simples,
ção do surdo-mudo das formas normais de comno qual, fechando
[formando]
novos vínculos condicionados,
a educação vence as insuportamento.
Isso pode ser conseguido mediante proficiências naturais e cria a possibilidade
de
comunicação social e, assim, o próprio desencedimentos pedagógicos mais complexos. Não
basta substituir apenas o sistema dos estímuvolvimento.
los auditivos pelos visuais. Também é preciso
restabelecer o alterado mecanismo da reação
A S D E F IC IÊ N C IA S E A S
circular [okjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
fe e d b a c k ].
O que acontece é que,
D O E N Ç A S M E N T A IS
para elaborar a consciência da fala e dirigi-Ia,
a própria reação deve retomar à mesma pesOs problemas relacionados à educação de
soa sob a forma de um novo estímulo. Em gecrianças portadoras de deficiências mentais são
ral, isso é realizado mediante o fato de que,
mais complexos. Nesse terreno, temos três gruquando falamos, nos escutamos e, através dispos básicos de crianças.
so, se desenvolve a consciência de nossa próO primeiro abrange as diferentes formas
pria fala. Nos surdos-mudos,
esse mecanismo
de oligofrenias em diversos graus e formas, code reação circular é efetuado com ajuda das
meçando pela idiotia e terminando
pelo grau
sensações cinestésicas que surgem durante a
leve
de
retardo
[mental]."
Na
maioria
das vefala e substituem o ouvido. Só quando os mozes, esses fenômenos estão vinculados a alguvimentos articulatórios
surgem na mente do
ma lesão orgânica do sistema nervoso ou a doenaluno, este aprende a dirigir sua fala e a estruças congênitas da secreção interna [das glântura de forma consciente. Ao mesmo tempo,
dulas]. Ao mesmo tempo, essas deficiências se
aprende a ligá-Ia ao traçado visual da palavra
expressam diminuindo a acumulação da expee à impressão visual da pronúncia alheia. Devido a isso, o surdo-mudo aprende a falar e a . riência individual. Essas crianças são lentas para
formar novos reflexos condicionados e, portancompreender
a fala do outro lendo-a em seus
to, estão limitadas de antemão quanto à possilábios, da mesma maneira que a lemos em uma
bilidade de elaborar um modo de comportamenpágina.
to suficientemente
rico, diverso e complexo.
Só no desenvolvimento
da fala está implíPor
isso,
a
tarefa
natural da educação
cita a garantia de uma regeneração social do
dessas crianças é estabelecer as reações vitais
surdos-mudo e de seu desenvolvimento
intelec-ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
262ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te, que tem de estar adaptado ao distúrbio nerimprescindíveis que possam propiciar sua mínima adaptação ao ambiente, para torná-Ias
voso dos educandos. Assim, se os estímulos
abruptos e ruidosos são insuportáveis para esmembros úteis da sociedade e fazer com que
tenham uma vida consciente e laboriosa. Os
sas crianças, sua vida deve ser organizada de
tal maneira que se garanta o silêncio e a tranmétodos de ensino dessas crianças em geral
qüilidade. Ninguém se atreveria a ser tão oticoincidem com os aplicados às crianças normista e pensar que, com os recursos dessa edumais, só que seu ritmo é mais lento. Do pontoQPONMLKJIHGFEDCBA
cação, qualquer comportamento anormal pode
i de vista psicológico,
é sumamente importante
. não isolar essas crianças em grupos fechados
ser definitivamente canalizado para um curso
normal. Consideramos que não conhecemos
especiais, mas exercitar o mais amplamente
nem uma centésima parte das possibilidades da
possível sua comunicação com os demais. Neseducação social e, embora não se possa falar da
se caso, as considerações pedagógicas práticas
completa superação de todos os defeitos, temos
sobre a utilidade da educação 'às vezes entram
bases concretas para afirmar que, sem essa eduem contradição com as exigências psicológicação, nenhuma outra está em condições de concas. Por exemplo, quando se promove o princeder formas socialmente úteis a esse comporcípio da escola complementar. Alguns pedagotamento
anormal.
gos supõem que a separação das crianças defiResta o último grupo de formas de comcientes em escolas especiais nem sempre é útil
- ainda que, do ponto de vista do cumprimenportamento anormal: a conduta psiconeurótica
nas crianças. Em geral, nela é incluída uma
to do programa, seja desejável "aliviar" as esdoença passageira e temporária. Propôs-se difecolas comuns dessas crianças.
renciar a psicose da neurose da seguinte maEntretanto, nos graus profundos de atraneira. A psicose surge de um conflito entre o
so não resta a menor dúvida de que somos
obrigados a confiar a educação dessas crianmeio e a personalidade, devido ao fato de que
ças a escolas especialmente adaptadas a esse
os impulsos internos da personalidade entram
propósito. Todas as peculiaridades pedagógiem conflito com as condições do ambiente. Por
cas dessa escola podem ser abrangidas por uma
outro lado, a neurose deriva de um conflito
dentro do próprio "eu", quando algumas tenregra psicológica comum. Deve ser uma escodências internas contradizem o nível moral
la com um meio social facilitado, isto é, que
básico da personalidade. De qualquer forma,
não pressione a mente débil da criança com
uma grande quantidade e complexidade de
em ambos os casos estamos diante de doenças
relações, mas que lhe dê a possibilidade de feque emergem de um conflito interno e que
comprovam o fato de que, na interação entre
char de forma lenta e segura os vínculos cono organismo e o ambiente, ocorreu uma situadicionados necessários.
As crianças nervosas, epilépticas, histérição penosa. Subentende-se que a cura do conflito exige que sejam eliminadas as causas que
cas, etc. apresentam desvios mórbidos em suas
o geraram e, nesse caso, o tratamento do
formas de comportamento e precisam mais de
psiconeurótico se reduz à sua reeducação.
tratamento que de educação. Mas nesse caso
adquire particular força a idéia do professor
Essa reeducação é possível por meio das
novas inter-relações que se estabelecem entre
Zalkind de que, em essência, não é possível trao meio e a criança, que permitem superar o
çar um limite rígido entre educação e tratamento, entre pedagogia e psicoterapia. Ambas consconflito sem dificuldades. Isso é particularmente evidente quando nos detemos, por exemtituem a sociogogia," uma higiene social metodicamente planejada. Observando as crianças
plo, no caráter e na natureza da psicopatologia
doentes vemos que, em última instância, o ca- .infantil durante a guerra. A guerra, como enorminho para sua educação correta passa por uma
me comoção social, provocou imensas mudanorganização do ambiente que as ajude a formar
ças e deslocamentos entre nós e, logicamente,
gerou uma série de conflitos nervosos que deos vínculos necessários com a ajuda da educaram origem à denominada "evasão na neuroção. As exigências pedagógicas de uma educase", isto é, a tentativa do indivíduo de elimição desse tipo devem levar em conta o arnbien-
P S IC O L O G IA
nar seu conflito, sua divergência com o ambiente, sob as formas do delírio, da fantasia e
do comportamento
anormal. A única saída
correta diante desse tipo de psicopatologia
é
sua profilaxia e terapia, ou seja, a eliminação
do conflito através de formas socialmente aceitáveis e úteis.
A reeducação da psiconeurose
em geral
está subordinada a todas as outras leis de educação social do reflexo condicionado. Referimonos apenas a propiciar a saída da energia inibida e latente. Por isso, a psicologia atual tende a considerar a psicopatologia infantil como
um fenômeno social e a reduz a manifestações
anti-sociais da criança. Vejamos o que o professor Zalkind diz sobre a questão:
P E D A G Ó G IC A
263
quecimentos
casuais, que é o que acontece
quando não conseguimos
nos lembrar de alguns sobrenomes que conhecemos muito bem
ou de nomes geográficos;
os casos de perda
repentina
e de ruptura acidental de alguns
objetos; o esquecimento
de nossas próprias
intenções; as ações sistemáticas
como as que
realizamos
enquanto
conversamos,
quando
brincamos com algum objeto ou rasgamos um
papel em pedaços pequenos; oskjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
la p s u s lin g u a e ;
os la p s u s c a la m i; os erros de leitura, etc."
Quando observados com atenção, todos esses
casos revelam ser processos rigorosamente determinados. O próprio conceito de casualidade deve ser eliminado da pesquisa científica
porque temos de supor de antemão que não
existem ações sem causa e que, na verdade, as
formas mais casuais e insignificantes
de nosso
Os [doentes] "circulares" perderam seus "cicomportamento
estão determinadas
e condiclos'":' de tal maneira sob a influência das condições externas, e os esquizofrênicos
não só
cionadas por profundos nexos causais.
não seguiram sua dissociação, mas até restauPor exemplo, se pedirmos a uma pessoa
raram suas perdas passadas que, salvo nos
que diga o primeiro número que lhe vem à cacasos muito graves, talvez seja preciso renunbeça e ela menciona, digamos, o 3448, recorciarQPONMLKJIHGFEDCBA
à condenação
diagnóstica e psicopatolórendo à psicanálise quase sempre é possível
gica. E inclusive as formas graves e especiais
demonstrar por que ela mencionou justamente
de psicopatologia,
como nos convencemos a
esse número e não outro, e quais são as causas
cada passo, em outras condições sociais e peque existem por trás dele. Da mesma maneira,
dagógicas estariam sujeitas a um ritmo totalpode-se demonstrar
quais são as causas que
mente diferente, a outra profundidade em seu
correspondem
aos nossos pequenos erros, esdesenvolvimento.
quecimentos, lapsos, etc. Ao mesmo tempo, na
base dessas formas de comportamento
sempre
Portanto, também a psicopatologia infanse
encontram
alguns
desejos
ou
aspirações
intil se dilui totalmente na educação social.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
conscientes que tentam abrir caminho para a
superfície. Esse é, por exemplo, o significado
A P S IC O P A T O L O G IA D A V ID A C O T ID IA N A
dos lapsos que, com freqüência, de modo inesperado para o próprio falante, traem seu peno comportamento anormal, porém, não samento secreto ou sua intenção inconsciente.
se manifesta apenas na anormalidade
congêÉ claro que nesses casos estamos diante
nita ou sob a forma de distúrbios transitórios.
de formas embrionárias de psiconeuroses, porEle se infiltra e penetra em nossa vida cotidiaque cada lapso e cada nome esquecido reprena e é encontrado em todos os momentos, em
sentam, da mesma forma como acontece com
todas as pessoas. Durante muito tempo, esses
uma grande neurose, o resultado de um confenômenos escaparam da atenção da ciência,
flito, só que este é provocado por um choque
porque esta e as pessoas comuns os considerainsignificante entre duas idéias sem importânvam casualidades e não lhes davam nenhuma
. da. Entretanto, o estudo dessas formas de comimportância; parecia que não desempenhavam
portamento tem um profundo significado. Prinenhum papel especial na vida humana.
meiro, para esclarecer os fundamentos
gerais
Freud chamou esses fenômenos de "psicoda causalidade psíquica e, segundo, para estupatologia da vida cotidiana'?" e nela incluiu
dar, da forma mais simples, o mecanismo pelo
formas de nosso comportamento
como os esqual se orientam as neuroses. No trabalho prá-
264ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ou certo número - realize uma determinada
ação. Depois se sugere ao hipnotizado que esqueça o comportamento sugerido. E realmente, depois de acordar, no período intermediário, o hipnotizado não conserva a lembrança
do que deve fazer, mas quando chega o prazo
sugerido ou quando aparece o estímulo sugerido, ele imediatamente realiza com exatidão
A H IP N O S E
a ação induzida.
O mais curioso de tudo isso é que o hipA hipnose pertence a formas de compornotizado tem a impressão de que ele mesmo
tamento que não oferecem grande interesse
quer realizar a ação em questão e inventa preprático para um pedagogo, porém são sumatextos para justificar seu comportamento esmente importantes para estudar as formas funtranho. Portanto, vemos que o vínculo reflexo
damentais do comportamento. A hipnose é um
condicionado que fechamos [formamos] no
estado artificialmente provocado em qualquer
hipnotizado pode ser completamente inconspessoa, semelhante ao sono, que se distingue
ciente, não-subordinado a ele. A pessoa pode
deste apenas pela manifestação muito clara da
nem suspeitar de sua existência, porém o vínsugestão que geralmente o acompanha. Entre
culo age com exatidão infalível.
o hipnotizador e o hipnotizado se estabelece
Com freqüência, a hipnose é comparada
um certo nexo, chamadokjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
r a p p o r t, que coloca o
com a educação, e alguns pedagogos, como
hipnotizado em uma relação subordinada com
Guyau," afirmam que a educação em geral
relação ao hipnotizador. Este, a seu arbítrio,
constitui somente uma série de sugestões coorpode provocar alucinações e alucinações nedenadas. Deriva daí que toda sugestão esteja
gativas" no hipnotizado, sugerir-lhe diversos
relacionada à hipnótica e que se aplique a vercomportamentos e ações.
dadeira hipnose em alguns casos de crianças
Até hoje, a natureza da hipnose ainda
dificilmente educáveis.
não foi totalmente estudada, apesar das nuNa verdade, temos de dizer que a sugesmerosas observações efetuadas nesse terretão desempenha um papel de extraordinário
no." No entanto, em linhas gerais, podemos
significado na educação, porém se distingue
supor que a hipnose não implica outra coisa
de um recurso educativo normal pelo fato de
que uma inibição interna amplamente estenque, com freqüência, cria vínculos artificiais e
dida nos hemisférios cerebrais, que o hipnotisecundários no sistema nervoso do aluno, em
zador, com suas palavras, desinibe em certa
vez de permitir que esses vínculos surjam nadireção e zona. Por isso, não é assombroso
turalmente durante o processo de experiência.
que a hipnose provoque uma excitação intenA importância essencial dos experimensa e viva, esmagadora, ou uma excitação caltos hipnóticos reside em que eles evidenciama e fraca, prolongada e monótona, de alram pela primeira vez com total clareza a r e a gum órgão da percepção.
lid a d e d o in c o n s c ie n te ;
mostraram que podeA forma mais curiosa do comportamento
mos realizar certos atos sem conhecer sua verhipnótica é a denominada sugestão pós-hipnódadeira causa, oculta em uma sugestão inconstica. Durante o estado hipnótico se sugere ao
ciente e, em vez dessa causa, podemos tomar
hipnotizado a realização de alguma ação deconsciência de um motivo falso ou aparente.
pois de acordar, em um determinado prazo conEm geral, o comportamento anormal ensiderável e distante. Por exemplo, pode-se sucerra enormes possibilidades para o pesquisagerir que, depois de três meses, ele escreva uma
dor. Afirma K. Bühler:
carta com determinado conteúdo, ou vá a um
determinado lugar ou, ao sair de casa, faça algo
A creche, o manicômio para loucos e as escoinofensivo porém tolo, ou, de acordo com cerlas especiais para oligofrênicos são os lugares
to sinal - quando pronuncia a palavra "água"
nos quais é possível conhecer, mais que em
tico, o professor tem de dedicar a esses fenômenos pouca atenção, mas ele tem de saber o
que significam e compreender, em cada oportunidade, que, por trás de qualquer lapso podese ver, como se fosse uma rachadura, o inconsciente que emerge.QPONMLKJIHGFEDCBA
P S IC O L O G IA
outra parte, a estrutura da psique humana e
as amplas linhas de seu desenvolvimento.
[K.
Bühler,kjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
D ie E n tw ic k lu n d d e s K in d e s (O d e se n v o lv im e n to p síq u ic o d a s c ria n ç a s). Jena: Fischer,
1918.]19ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
NOTAS
1. A melhor coleção de escritos de Vigotski sobre
esse tema é: L. S. Vygotski, O b ra s E sc o g id a s.
F u n d a m e n to s de D e fe c to lo g ía , tradução de Lya
Skliar e Guillermo
Blanck, adaptação
de
Napoleón Vidarte e Irina Filanõva, Madri: Visor,
1997, 390 p. Sobre o uso do termo "defecti1 do Capo 17.
vo", cf. a nota nQPONMLKJIHGFEDCBA
2. A palavra russa que Vigotski utiliza aqui para
designar os portadores de deficiência é u b o g u i,
cuja etimologia denota "aqueles que pertencem a Deus".
3. Louis Braille (1809-1852)
foi um pedagogo
francês que inventou um alfabeto de pontos
para os cegos, baseado em diferentes combinações de seis pontos em relevo, que foi adotado no mundo inteiro. Braille foi cego desde
os três anos e trabalhou como organista em
igrejas. O livro mais atualizado em espanhol
sobre a questão é: Esperanza Ochaíta, Alberto
Rosa et a!., L e c tu ra B ra ille FEDCBA
y p ro c e sa m ie n to
de
Ia in fo rm a c ió n
tá c til, Madrid: Inserso, 1987,
182 p.
.
4. O grifo é nosso. Essa é uma das asserções em
que se vislumbra um e m b riã o da fu tu ra conc e p ç ã o se m ió tic a
de Vigotski (cf. Adriana
Silvestri e Guillermo Blanck, B a jtin y V ig o tsk i:
L a o rg a n iza c ió n se m ió tic a de Ia c o n sc ie n c ia , prefácio de Michael Cole, Barcelona: Anthropos,
1993, 286 p.). James Wertsch articula essa
concepção semiótica de Vigotski à de A. N.
Leontieve M. M. Bajtín (cf. J. Wertsch, V o c e s
de Ia m e n te , tradução de A . Silvestri, prólogo
de Juan Daniel Ramírez, Madrid: Visor, 1993;
ou J. Wertsch, L a mente en a c c ió n , Buenos Aires:
Aique, 1999, 304 p.)
5. Vladimir Galaktionovitch
Korolenko (18531921) foi um narrador e crítico literário russo. Por suas atividades
revolucionárias,
sofreu perseguições
e deportações
a vida inteira. Cf. V. Korolenko, E I m ú sic o c ie g o , Santiago: Quimantú,
1971.
6. Vigotski refere-se ao livro de A. M. Shcherbina,
S lie p o i m u sik a n t K o ro le n k o [O m ú sic o c e g o de
K o ro Ie n k o ], Moscou, 1916. Aleksandr Moisievitch
Shcherbina (1874-1934) foi um filósofo, psicó2
P E D A G Ó G IC A
265
logo, defectólogo e pedagogo soviético. Fez importantes contribuições no campo da pedagogia
dos cegos. Vigotski e Shcherbina foram colegas
de trabalho (cf. L. S. Vygotski, O b ra s E sc o g id a s, t.
V, op. cit., nota 1).
7. O livro mais completo e atualizado sobre os
cegos foi escrito em espanhol e a partir de uma
perspectiva vygotskiana, no mais autêntico espírito de Vigotski: o da assimilação crítica despojada de ecletismo - das correntes psicológicas do passado e do presente; o do rigor
cognoscitivo
não-dissociado
do tratamento
afetivo; e o da busca persistente dos melhores
recursos educativos para responder às necessidades especiais dos cegos. Trata-se do texto
P sic o lo g ía
de Ia C e g u e ra , de Alberto Rosa,
Esperanza Ochaíta y colegas da Universidade
Autônoma de Madri, prólogo de Angel Riviere,
Madrid: Alianza, 1993, 386 p.
8. A rigor, não se trata de um alfabeto, mas de
uma linguagem. Os sinais representam fundamentalmente palavras e expressões, porém isso
não exclui que, também com alguns sinais
manuais, usando sobretudo os dedos, seja soletrada alguma palavra (datilologia) durante
uma conversa. Poucos sabem que não existe
apenas uma linguagem de sinais, mas muitas.
Um surdo argentino,
por exemplo, pode se
entender com um italiano, porque a linguagem
de sinais foi introduzida na Argentina por um
italiano; em compensação, não pode se entender com um surdo espanhol, porque este tem
uma linguagem de sinais diferente. Como acontece com a linguagem falada, o A S L (A m e ric a n
S ig n L a n g u a g e ) dos Estados Unidos tende a se
generalizar. Também existem dialetos. Talvez
nada seja mais surpreendente
para um falante
que assistir a um congresso internacional de
surdos, com intérpretes de várias linguagens
em função dos expositores, todos gesticulando ao mesmo tempo de diferentes maneiras
para dizer o mesmo.
9. Vigotski apela ao esquema de A. Potebniá, aqui
interpretado um tanto estreitamente: "a linguagem é um meio de ter consciência do outro e,
conseqüentemente,
de si mesmo" (A. Potebniá,
M isl i ia zik , op. cit.). Portanto, quando não há
linguagem não há consciência e, quando não
há consciência, não existe consciência do outro nem de si mesmo. Isso é verdade, porém
não dá conta da realidade dos surdos. A conc e p ç ã o da lin g u a g e m de sin a is de V ig o tsk i é in c o rre ta , conforme comprovaram
as pesquisas
das últimas décadas. A linguagem de sinais
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I QPONMLKJIHGFEDCBA
266ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
possui todas as características da falada e permite um pleno desenvolvimento cognitivo. Essa
,t zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é akjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a u tê n tic a e p r im e ir a lin g u a g e m dos surdos.
I
Proibir a comunicação entre os surdos mediante
a linguagem
de sinais e s u b s titu i-Ia
pela
verbalização equivale a proibir que se fale o
catalão na Catalunha e obrigar a população a
'1
falar castelhano, como ocorreu sob a ditadura
de Franco. Esse critério errôneo ainda predomina na Argentina. Limitado pelos conhecimentos de sua época, Vigotski era partidário
da verbalização dos surdos para que eles tivessem uma p r im e ir a linguagem, recusando a linguagem de sinais. Os atuais professores de surdos afirmam que a oralização é uma s e g u n d a
linguagem, para os surdos se comunicarem com
a comunidade não-surda. A oralização também
costuma incluir a aprendizagem
da leitura labial. As pessoas muito treinadas na leitura labial de codificam praticamente
100% do discurso de um falante.
10. Helen Keller (1880-1963), norte-americana,
ficou surda e cega aos 19 meses e, um pouco
mais tarde, também muda. Quando tinha 6
anos seus pais pediram ajuda a A. Graham Bell
para educá-Ia, e ele os encaminhou
a Anne
Sullivan, professora
comportamentalista
de
cegos, que tinha sofrido de cegueira (cf. H.
Keller, A n n e S u lliv a n M a c y , Buenos Aires:
Mirasol, 1956). O resultado foi que Helen Keller
chegou a falar, se formou na universidade cum
la u d a e e dedicou sua vida a fazer conferências
e a escrever livros em prol dos portadores de
deficiência. Cf. H. Keller, L a h is to r ia de m i v id a ,
Buenos Aires: Leviatán, 1988; e H. Keller, E l
m u n d o d o n d e v iv o , Buenos Aires: Sudamericana, 1956.
lI. A nosologia tradicional dividiu as oligofrenias quadros de desenvolvimento
cognitivo subnormal devido a patologias orgânicas - em três categorias, do déficit mais grave ao mais leve:
idiotia, imbecilidade e debilidade mental. Como
pode-se ver na p. 191 do t. V de s u a s O b r a s
E s c o g id a s . F u n d a m e n to s de D e fe c to lo g ía , op. cito
Na nota 1, Vigotski considerava correta essa elassificação.
12. "Sociogogia"
[ s o ts ia g o g u ik a ]
é um vocábulo
rn
criado por A. Zalkind. Para maiores detalhes
~
sobre a sociogogia e referências bibliográficas,
cf. o Capo 19. Sobre A. Zalkind, cf. a nota 2 do
Capo l l.
13. Nas velhas classificações nosológicas na área
da psiquiatria, os pacientes que padeciam de
I
desordens anímicas bipolares, na terminologia
atual, eram chamados de "circulares"; na terminologia clássica, eram os maníaco-depressivos. Os períodos de mania - excitação psicomotora - eram denominados
"ciclos" e os de
depressão eram chamados de "inibição psico-
motora".
14. Já dissemos que, segundo Semión Dobkin,
amigo de juventude
de Vigotski, os dois primeiros livros de psicologia lidos por Vigotski
foram Z u r p s y c h o p a th o lo g ie d e s A llta g s le b e n s [ A
p s ic o p a to lo g ia
da v id a c o tid ia n a ] de S. Freud
. (1904) e T h e V a r ie tie s o f R e lig io u s E x p e r ie n c e .
A s tu d y in h u m a n n a tu r e (1902), de w . James
(cf. S. Dobkin, "Ages and Days'', em: K. Levitin
[E.], O n e is n o t b o m a p e r s o n a lity , Moscou:
Progress, 1982, p. 34). Em seu livro de 1931,
H is to r ia d e l d e s a r r o llo de Ia s fu n c io n e s p s iq u icas s u p e r io r e s , Vigotski, já distanciado das teorias de Freud, considera correta a importância
- não a interpretação
- que o mestre de Viena
deu à psicopatologia
da vida cotidiana (cf. L.
S. Vygotski, O b r a s ... , op. cit., t. 1II).
15. L a p s u s lin g u a e e la p s u s c a la m i significam, em
latim, erros de fala e de escrita, respectivamente.
16. Se a a lu c in a ç ã o é uma percepção sem objeto por exemplo, ver ou ouvir algo que não existe, a a lu c in a ç ã o n e g a tiv a é o contrário: não perceber algo que existe e é evidente para nossos sentidos. Fora do contexto da hipnose e da atividade
teórico-prática da psicanálise, a alucinação negativa é sumamente rara.
17. Cf. a nota n9.8 do Capo 14.
18. Jean-Marie Guyau (1854-1883) foi um filósofo e sociólogo francês positivista. Realizou estudos sobre estética, moral e religião. Concebeu a obra de arte como um fenômeno biológico, resultado de um excesso de força vital,
embora exigisse um trabalho intenso. Ele acreditava que a medida de um fenômeno psíquico dependia de sua utilidade para o funcionamento biológico e que a moral regulava o balanço das forças vitais.
19. Vigotski leu o original alemão do livro de Karl
Bühler, pois ele mesmo foi editor e escreveu o
prólogo da publicação
russa dessa obra de
Bühler, em 1930: O c h ie r k d u jo v n o g o r a z v itia
r ie b io n k a . Cf. o prólogo de Vigotski a esse livro
de Bühler no t. I de suas O b r a s ... , op. cit., p.
163-176. A rigor, a tradução literal para o espanhol do livro de Bühler é E l d e s a r r o llo e s p ir itu a l de lo s n in a s .
o T e m p e ra m e n to
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o S IG N IF IC A D O
e o C a rá te r
dessa estrutura comum da personalidade
D O S T E R M p S zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Desde os primeiros tempos do desenvolvimento da psicologia, junto com os problemas
especiais do comportamento humano, eram tratados os do temperamentoFEDCBA
[te m p e r a m e n t]
e
caráter U a r a k te r ] como temas que abrangem
globalmente o comportamento humano. Ao
mesmo tempo, esses termos modificaram seu
conteúdo muitas vezes no decorrer de todo esse
período e até mesmo agora, quando pronunciamos essas palavras, não temos muita certeza de
que serão compreendidas corretamente, porque
os pesquisadores atribuem significados diferentes a esses termos e os utilizam em diversos sentidos. Entretanto, justifica-se o uso das mesmas
palavras para conceitos diversos; essa regra geral expressa a idéia de que todo organismo humano individual possui um modo e um caráter
de seu comportamento global que é peculiar e
inerente só a ele, e essas peculiaridades do comportamento, apesar de suas diferenças individuais, podem ser, de qualquer forma, reduzidas a certos tipos especiais.
Em outras palavras, supõe-se que toda a
diversidade dessas peculiaridades distintivas
pode se reduzir a certas classes básicas de casos típicos. Se isso fosse realmente assim, significaria que todas as manifestações individuais
estariam subordinadas a uma regularidade e
poderiam ser compreendidas por algumas leis
gerais.
Essa questão é sumamente importante
para os professores, porque, nos fatos, eles
nunca se deparam com reações isoladas da
criança, mas com seu comportamento global.
Ao mesmo tempo, na pedagogia predominam
as mais contraditórias idéias sobre a seguinte
questão: a que deve ser atribuída a formação
da
criança: às suas particularidades hereditárias
ou aos traços de sua personalidade adquiridos
e elaborados por meio da educação? Em outros termos: o temperamento e o caráter são
premissas ou resultados da educação?
Na exposição a seguir, ambas as palavras
serão usadas no sentido mais corrente para a
psicologia contemporânea. Entenderemos por
"temperamento" as peculiaridades de estruturação de todas as reações congênitas e hereditárias, a constituição herdada do organismo.
Portanto, temperamento é o conceito mais fisiológico e biológico e abrange a esfera da personalidade que se manifesta nas reações instintivas, emocionais e reflexas. Em toda essa
parte de nosso comportamento que costuma
ser admitido como involuntário e herdado, o
conceito dominante é "temperamento".
'Por outro lado, entenderemos por "caráter" essa estruturação particular da personalidade que vai se elaborando sob a influência
das reações adquiridas. Em outras palavras,
com relação à supra-estrutura individual dirigida sobre o comportamento congênito, o caráter significa o mesmo que o temperamento
com relação às formas incondicionadas.
Portanto, o problema fica delimitado, de
modo que o temperamento é a premissa existente, e o caráter é o resultado do processo
É claro que o uso das palavras é um
educativo.QPONMLKJIHGFEDCBA
tanto convencional, porém totalmente legítimo. Em primeiro lugar, porque não rompe de
forma taxativa com a tradição psicológica que
sempre relacionou o caráter à esfera' da vontade e o temperamento à esfera do sentimento.
E, em segundo, porque diferencia com total
exatidão as duas raízes essenciais do comportamento humano: a congênita 'e a adquirida.
268ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Em outros termos, essa denominação
ma porque corresponde
a fatos reais.
o
TEM PERAM ENTO
é legíti-
e, na psique de outra, do predomínio de outras diferentes. Conseqüentemente,
quase todas as teorias psicológicas sobre o temperamento caíram em um círculo vicioso, e isso contribuiu para que o problema, de certo modo, fosse deslocado a um segundo plano na psicologia científica, transformando-se
em tema de
uma descrição semiliterária,
serni-antrcpológica, ou sendo totalmente eliminado de todos
os sistemas psicológicos sérios, ou tratado de
passagem e com profundidade
insuficiente.
Inclusive as teorias mais antigas sobre o
temperamento
o relacionavam
estreitamente
à estrutura do corpo e determinavam
os tecidos ou líquidos que supostamente
são suas
bases no organismo. Assim, o predomínio de
um temperamento vinculava-se à preponderância da bile; o de outro, à preponderância
do
sangue, etc.
A E S T R U T U R A D O C O R P O QPONMLKJIHGFEDCBA
Posteriormente
destacaram-se
outros faE O CARÁTER
tos da mesma ordem; por exemplo, Lésgafr!
Na representação das massas populares, o diadestacou a importância
decisiva que, para o
bo é magro, com uma barbinha pontiaguda
temperamento
de diversas pessoas, tem a esem um queixo estreito. Ao mesmo tempo, os
pessura dos vasos [sangüíneos]
e a amplitude
demônios obesos apresentam a característica
do espaço entre eles. Outros autores estabelede uma estupidez bondosa. Um intrigante cosciam uma afinidade entre o temperamento
e
tuma ser imaginado
com uma corcunda e,
os diferentes tecidos internos do organismo;
geralmente, cochicha ao falar. Uma velha bruno entanto, apesar da diferença desses critéxa, com um seco rosto de pássaro. Nos casos
rios, todos eles tinham a convicção comum de
de alegria e esperteza aparece o gordo cavaque a origem das particularidades
do tempelheiro Falstaff," com seu nariz vermelho e calramento deve ser buscada nas características
vo como um espelho. Uma típica mulher do
individuais da estrutura corporal.
povo com senso comum é baixa e rechonchuda, com as mãos nos quadris. Os santos são
Essa teoria foi abandonada
e totalmente
esbeltos, transparentes,
pálidos, com longas
esquecida por alguns pesquisadores
e foi subsextremidades.
Em
síntese,
o virtuoso e o diatituída pela teoria relativa à essência puramenbo devem ter um nariz agudo, enquanto os
te psíquica do temperamento,
que tentou expersonagens humorísticos o têm grosso. Podeplicar a diferença entre temperamentos
pelas
se dizer algo a respeito?
diversas correlações
das forças psíquicas do
organismo, como as paixões baixas e as elevaAssim começa o livro de Kretschmer,FEDCBA
C onsdas, os desejos sensíveis e os ideais, as repretitu iç ã o e c a r á te r .' que, como se vê pelas palasentações abstratas e concretas. Cabe dizer que,
vras
citadas, na questão do temperamento
e
embora as primeiras tentativas de explicar o
do caráter apela ao critério mais antigo refetemperamento
tenham sido infrutíferas,
porrente ao mais íntimo condicionamento
do caque nunca puderam defender nem confirmar
ráter
pela
estrutura
corporal
e,
nesse
sentido,
de forma palpável o vínculo suposto, as seguntem tudo a ver com o critério popular sobre o
das foram estéreis devido à sua própria natucorpo humano como porta-voz fiel do tempereza, porque transformavam
o que era buscaramento.
do em solução e o problema em resposta.
Essa teoria encontra-se apenas em estaCom efeito, explicar o temperamento
do
embrionário,
porém o material estudado
através das diferentes combinações de caracmostra, com bastante poder de convicção, que
terísticas psíquicas equivale a explicarkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
id e m p e r
nela existe uma semente de verdade.
id e m ? que todo o problema do temperamento
A pesquisa foi iniciada com doentes menreside apenas no esclarecimento
da presença
tais, mostrando-se
que a estrutura do rosto e
e da preponderância,
na psique de uma pesdo crânio, a superfície externa do corpo e sua
soa, de determinadas
paixões e representações
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
269
constituição
têm uma ligação clara e direta
isso, ele distingue duas principais esferas de
com o tipo de distúrbio psíquico que afeta o
ação entrelaçadas:
doente.
Kretschmer parte de duas formas básicas
A kjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p r im e ir a são os aparelhos psíquicos, aproxide doenças mentais: a ciclotimia' e a esquizomadamente o que também é chamado de arco
reflexo psíquico. [... ] Seu correlato somático
frenia," estabelecendo
uma correlação entre a
são os centros do cérebro e suas vias, em ligaconstituição do ser humano e seu caráter. Como
ção inseparável com os órgãos dos sentidos e
: ambas as doenças são acompanhadas
de foros aparelhos motores, ou seja, o aparelho de
mas sumamente marcantes e notórias da forunião dos sentidos externos, do cérebro e da
mação do caráter, bem como de evidentes paresfera matara. A s e g u n d a são os temperamenticularidades
da estrutura do corpo, também
tos. Como se sabe empiricamente,
estes são
nesse caso, como na idéia popular sobre o diatotalmente condicionados pela química do sanbo e os santos, essa dependência se estabelece
gue, isto é, de forma humoral. Seus represencom enorme evidência. No entanto, as conclutantes somáticos são o cérebro e o aparelho
sões de Krestchmer vão muito além dos limiglandular. Os temperamentos
constituem a
tes da psiquiatria, e sua idéia ultrapassa fronparte da psique que, pelo visto, se encontra por
via humoral em correlação com a estrutura do
teiras para englobar em sua consideração tocorpo. Os temperamentos
influem no mecanisdas as características
do ser humano, afirmanmo
dos
aparelhos
psíquicos,
dando colorido aos
do que em sua base estão os mesmos dois tisentimentos,
inibindo-os
ou
excitando-os. Pelo
pos de caráter ciclóide e esquizóide que, ainda
que se pôde esclarecer empiricamente, os temque se diferenciem essencialmente
entre si e,
peramentos exercem a seguinte influência nas
em sua expressão extrema, dão origem a uma
qualidades anímicas: (a) a p s ic o e s te s ia , isto é,
doença mental, também são encontrados
na
uma sensibilidade elevada ou insensibilidade
vida corrente de forma mais ou menos diluída
aos estímulos psíquicos; (b) a c o r do e s ta d o de
e atenuada.
â n im o , nos matizes de prazer ou desgosto nas
Nesse sentido é sumamente
importante
vivências espirituais, sobretudo na escola do
dominar a classificação básica de Kretschmer.
alegre e do triste; (c) o r itm o p s íq u ic o , a aceleração a morosidade dos processos espirituais
Sua pesquisa abrange três conceitos fundamenem geral [... ]; e (d) a e s fe r a p s ic o m o to r a , ou
tais. Ele entende por "constituição" o conjunto
seja,
tanto no ritmo geral do movimento (tede todas as características
individuais condicinaz ou lento), como no caráter especial do moonadas pela herança, isto é, genotipicamente
vimento (lânguido, torpe, apressado, vigoroestabelecidas. Entende por "caráter" o conjuny
so, suave, etc.). [E. Kretschmer, C o n s titu c ió n FEDCBA
to de todas as possíveis reações afetivas e
c a r á c te r , Barcelona: Labor, 1954, p. 385-6.]
volitivas do ser humano, tal como surgiram no
decorrer de sua vida, isto é, a partir dos anteKretschmer também admite que a influêncedentes hereditários
e de todos os fatores
cia humoral dos hormônios é difundida pela
exógenos: as influências somáticas, a educaestrutura anatômica do cérebro, assim como
ção psíquica, o ambiente e as vivências. Porpela estrutura do resto do corpo. Ele afirma o
tanto, o conceito de caráter abrange a persoseguinte:
nalidade psíquica em conjunto com seu aspecto afetivo, que não pode ser separado do inteGraças a isso toda a questão se torna tão comlecto.
plexa que produz vertigens. Por enquanto será
Por último, o vocábulo "temperamento"
bom agrupar o conceito de temperamento em
ainda não é para Kretschmer um conceito acatorno dos aparelhos psíquicos que reagem com
bado, mas serve apenas como designação temparticular facilidade e freqüência às influênporária, cuja extensão ele ainda não conhece,
cias químicas violentas, tanto exógenas (mormas que, em sua opinião, deve se transformar
fina, álcool) quanto endócrinas, isto é, próxiem ponto de partida para a diferenciação funmas da afetividade e do ritmo psíquico geral.
damental da psicologia biológica. EnquantoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
[Ibidem, p. 386.]
270QPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M I O N O V I C H V I G O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Conseqüentemente, Krestschmer parte da
importância prioritária das glândulas de secreção interna para a estrutura do corpo e a formação do temperamento.
No organismo, ao lado das glândulas que
eliminam sua secreção para o exterior (lágrimas, saliva, suco gástrico, suor, etc.), existe
uma série de corpos glandulares da mesma
estrutura, mas sem um fluxo excretor externo. Durante muito tempo pareceu totalmente enigmática a missão desses órgãos, até que
se conseguiu estabelecer empiricamente
e
através da extirpação e da inoculação experimentais dessas glândulas que elas, evidentemente, vertem sua secreção de forma direta
no sangue. Por isso, foram batizadas de glândulas sangüíneas, endócrinas, incretoras ou
de secreção interna. Serviram como elemento de observação nesse sentido os casos patológicos de insuficiência ou hipertrofia congênita ou adquirida de alguma das glândulas;
em segundo lugar, a extirpação experimental
e o transplante cirúrgico de glândulas de um
animal para o outro; e, por último, os experimentos de rejuvenescimento do ser humano
efetuados recentemente. Todas essas observações mostraram que a atividade dessas glândulas endócrinas, que vertem no sangue certos estímulos ainda desconhecidos que são
chamados de hormônios (da palavra grega
ópudcoFEDCBA
[o r m a o
= "eu estimulo"]), modifica de
modo direto a composição de nosso sangue
e, através dele, exerce uma ação direta e muito
intensa em todo o organismo e em todos os
processos que nele se operam.
Ao mesmo tempo, temos de registrar que,
em pesquisas posteriores, também foram descobertas glândulas de terceira ordem, que "trabalham em duas frentes", segundo a expressão de um pesquisador russo, isto é, que por
um lado têm secreção externa, expulsa através de um conduto excretor especial e, por
outro, secreção interna, hormonal. Entre essas glândulas figuram, além de outras, as glândulas sexuais do homem e da mulher.
A atividade de secreção interna regula o
crescimento e a estrutura do corpo, o tamanho e a forma de ossos, cartilagens, músculos
e tecidos, o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso, as modificações evolutivas do
corpo humano e suas peculiaridades sexuais.
Quando a glândula tireóide falta de forma congênita, é inevitável o surgimento de cretinismo
e idiotia, que são tratados mediante a inoculação de uma nova glândula no paciente. A castração das glândulas sexuais provoca a modificação da estrutura de todo o corpo: o homem
adquire formas femininas e perde as masculinas; as mulheres se masculinizam. Mais tarde
ocorre a modificação dakjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
v o z ', e todas as características do temperamento mudam até se tornarem irreconhecíveis, segundo depoimentos
de observadores. Ao inserir em animais castrados as glândulas sexuais do sexo oposto, a
biologia experimental conseguiu obter uma
mudança experimental de sexo, isto é, uma
transformação radical do todos os caracteres
sexuais secundários. Uma galinha submetida
ao experimento por Zavadovski foi perdendo
todos os caracteres de seu sexo, sua crista e
esporas cresceram, começou a cantar como um
galo, por vezes mostrava atração sexual pelas
fêmeas e, em geral, pelo caráter do comportamento e pela estrutura do corpo mostrava uma
inegável afinidade com o macho. Também é
possível realizar transformações experimentais
de sexo no sentido inverso."
A hipertrofia da hipófise produz um crescimento gigante, um monstruoso aumento de
tamanho de alguns órgãos. O desenvolvimento
insuficiente dessa glândula provoca nanismo.
Por último, os experimentos relacionados
ao rejuvenescimento
têm demonstrado que
todas essas mudanças em nosso corpo e em
nosso caráter, que dependem de certos períodos evolutivos na vida do ser humano, na verdade constituem uma conseqüência direta do
funcionamento da secreção interna das glândulas sexuais. Regulando a atividade da glândula sexual, mediante procedimentos cirúrgicos, no sentido de intensificar sua secreção interna às custas da externa, obtivemos efeitos
assombrosamente rápidos de rejuvenescimento do corpo e de todo o caráter.
Em experimentos mais grosseiros com
animais e com o ser humano, o transplante
direto dessa glândula, colocada em qualquer
local neutro, por exemplo, atrás do ouvido,
provoca os mesmos efeitos de forma ainda mais
surpreendente. Pode-se considerar totalmente
P S IC O L O G IA
determinado o nexo estreito e direto entre os
órgãos da secreção e a química do sangue condicionada pelos mesmos, e entre toda a psique
do ser humano e a estrutura de seu corpo."
Até o momento a pesquisa conseguiu estabelecer só uma dependência. Agora o problema passa para uma fase diferente de sua
solução; tenta-se determinar a correlação en.tre a estrutura corporal e o caráter, pois ambos
têm causas comuns que os geraram, isto é, o
funcionamento do aparelho secretor.
Nesse sentido retornamos, como já se indicou, ao antigo critério sobre a alma e, de
acordo com este, tendemos a localizá-Ia no
sangue e a afirmar o significado realmente primordial do sangue humano para a psique; é o
aparelho [tecido] que une o trabalho do cérebro, do sistema nervoso e das glândulas
endócrinas.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
O S Q U A T R O T IP O S D E T E M P E R A M E N T O
Na psicologia tradicional, a descrição do
temperamento tem compreendido, desde a
Antiguidade, quatro tipos baseados na teoria
também antiga dos tipos fundamentais de comportamento humano. Esses tipos estão descritos do modo mais diverso, mas apesar de todas as variações, em suá definição permanecem invariáveis duas características básicas: em
primeiro lugar, certa expressão corporal de
cada um desses tipos, a circunstância de que,
com um desenho, pode-se ilustrar o temperamento e, em segundo, certo caráter dos movimentos e de seu ritmo como fundamento da
passagem da conduta externa do ser humano
à interpretação de sua psique. Vejamos um breve resumo desses quatro tipos redigido pelo
professor Kornilov com relação às crianças:
P E D A G Ó G IC A
271
mentos afloram com rapidez, porém a envolvem de forma superficial; é alegre, gosta do
prazer e tende a ele. Em geral, é uma criança
agradável,
encantadora,
sem pensamentos
alarmantes sobre o futuro e sem penas profundas [... ]. A criança de temperamentoFEDCBA
fle u m á tic o é bastante diferente. Fisicamente bemnutrida, seus movimentos são lentos, é inerte
e preguiçosa. Sua inteligência é lógica, reflexiva e observadora. Destaca-se por seu conhecimento em detrimento da originalidade e da
criatividade. Seus sentimentos não são ardentes, porém são constantes; em geral, é uma
criança bondosa, equilibrada,
dando pouco
trabalho a pais e educadores. Opostos por completo a esses dois tipos fracos de crianças estão os dois restantes, ou seja, os tipos fortes.
Vejamos a criança de tipo c o lé ric o . É magra e
esbelta, bastante decidida e rápida, e, por isso,
com freqüência é precipitada em seus movimentos. É ousada, tenaz e dura na realização
de seus objetivos. Sua inteligência aguda, penetrante e irônica mostra-se demasiado categórica em suas conclusões. Seus sentimentos
são apaixonados, e ela é taxativa na manifesÉ ambitação de suas simpatias e antipatias.QPONMLKJIHGFEDCBA
ciosa, vingativa e propensa a todo tipo de briga. É a criança mais intranqüila e menos equilibrada, causando, por isso, muitas preocupações aos seus educadores, mas em compensação, em condições favoráveis de educação, ela
promete muito para o futuro. A criança de
temperamento
m e la n c ó lic o apresenta características diferentes. É uma criança sombria e
com uma seriedade imprópria de sua idade, é
lenta e sólida nas manifestações de sua vontade. Com uma inteligência forte, profunda e
reflexiva, é tenaz e irredutível até o fanatismo
em suas opiniões prediletas. Sumamente impressionável, sombria e fechada em si mesma, raramente
manifesta seus sentimentos.
Essa criatura, precocemente
envelhecida, tão
pouco parecida com a criança alegre, inspira
aos adultos um respeito involuntário e um
oculto temor pelo seu futuro.
A caracterização
detalhada desses temperamentos é a seguinte. Vejamos a criança com
Para passar dessas descrições tão gerais e
temperamentokjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
sa n g ü ín e o : é enxuta, esbelta,
abstratas do temperamento à sua pesquisa mais
delicada. Em seus movimentos é muito rápida e vivaz, inclusive agitada; empreende com
precisa, temos de encontrar algum traço funímpeto qualquer tarefa nova, porém não posdamental no qual o temperamento surge com
sui tenacidade para levá-Ia até o fim e, por
inegável e exaustiva plenitude e certeza, e deisso, perde rapidamente
o interesse por ela.
dicar-nos ao estudo objetivo desses seus atriSua inteligência é viva e aguda, porém insufibutos externos.
cientemente profunda e reflexiva. Seus senti-
272ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Por tudo o que foi dito até agora fica claro
temperamento
costuma ser atribuído aos perque, no fim das contas, definimos o temperasonagens históricos
notáveis e enérgicos, a
pessoas perseverantes
e voluntariosas.
Daí demento conforme o tipo de movimento produziriva a permanente
lentidão, o fechamento ou
do por nossos órgãos ou, em outros termos, pela
possibilidade ou disposição dos movimentos que
o adiamento e a tensão nos temperamentos meadivinhamos nas características
do corpo. Por
lancólicos, sua capacidade
de se prender durante muitos anos a um mesmo pensamento
isso, com base em nossas observações, devemos
ou idéia, sua aparente
imobilidade
ligada a
tomar o ato da reação como elemento básico e
certa severa decisão e esforço valoroso. E, por
integral, pois dele se compõem todas as formas
último, os fleumáticos são pessoas com uma
do comportamento.
Vinculando o temperamentendência natural à reação lenta e fraca, isto
to ao tipo de reação, logo adquirimos um enoré, pessoas do tipo sensorial-passivo.
me material psicológico experimental
sobre a
A determinação
desses quatro tipos, mescaracterização dinâmica temporária da reação
para julgar essa questão.
'
mo se eles forem considerados
com certa reHá muito tempo se estabeleceu que cada
serva e como se não passassem de um esquema científico preliminar e orientador, possui o
um de nós possui seu próprio ritmo habitual
de reação, e as pessoas podem ser diferenciaindiscutível mérito de transferir a questão para
o terreno objetivo, permitindo estudar o temdas pelo caráter de sua reação, em rápidas e
peramento do ângulo de sua docilidade dianlentas. A diferenciação
posterior pode ser obtida se for introduzido
um novo componente
te das influências educativas.
na caracterização
da reação, isto é, o compoA definição dos limites da reeducação do
temperamento
é uma questão sumamente comnente do dinamismo ou da força e, então, da
combinação cruzada de ambos os componenplexa, e só se a estudássemos
do ângulo da
reação poderíamos
pesquisar
experimentaltes, obtêm-se naturalmente
quatro tipos fundamentais de comportamento
humano que o
mente se é possível que pessoas com tendênprofessor Kornilov caracteriza como: (1) pescia natural a um dos quatro tipos de reação
soas com disposição natural a um modo de
mencionados
podem passar para outro tipo
reação rápido e intenso, ou seja, de tipo musdevido à aprendizagem
educativa, ao exercícular-ativo; (2) pessoas com tendência natucio, à mudança de orientação, etc. Ao mesmo
ral a reagir de forma veloz e fraca, isto é, de
tempo, as conclusões gerais das pesquisas extipo muscular-passivo;
(3) pessoas com tenperimentais mostraram que todas as regras da
dência a um modo lento e intenso de reagir,
reeducação
dos temperamentos
podem ser
isto é, de tipo sensorial-ativo; e (4) pessoas com
abrangidas por uma lei geral, que possui uma
inclinação natural a um modo de reação lento
importância prioritária para a pedagogia.
e fraco, isto é, de tipo sensorial-passivo.QPONMLKJIHGFEDCBA
Qualquer pessoa passa facilmente do tipo
É fácil perceber
que esses quatro tipos,
de reação fraca para a intensa, isto é, do modo
estabelecidos
totalmente
à margem de qualpassivo de reagir ao ativo e do lento para o rápido. A passagem inversa, do tipo rápido ao lenquer dependência
da teoria sobre os temperato e do forte ao fraco é sumamente difícil e, em
mentos, com um método científico completa. mente diferente, levam ao mesmo e, em suas
uma série de casos, praticamente impossível. Por
conclusões finais, coincidem em tudo com a
isso, é totalmente compreensível que a pessoa
teoria clássica sobre o temperamento.
que se submete com maior facilidade à reeduEm geral, as pessoas denominadas
sancação seja a de tipo sensorial-passivo,
isto é, os
güíneas são as de tipo muscular passivo, que
fleumáticos, que assimilam facilmente a forma
reagem com rapidez, excitam-se facilmente,
de comportamento
das naturezas coléricas atiporém não reagem com plena intensidade
e
vas. Segundo a expressão de um psicólogo, esexpressão, pois se apagam com a mesma intas são todas as "pseudo" figuras históricas, das
tensidade com que se apaixonam. A caracteriquais afirma, com muita correção, que são fleumáticas que fizeram de conta que eram colérização do colérico coincide com o tipo muscucas. Também pode ocorrer a transição do temlar ativo, de intensa e rápida reação, e esse
'- - .....-
P S IC O L O G IA
peramento
fleumático ao melancólico
ou ao
sangüíneo, pois cada um deles está ligado à
mudança de um só componente característico
na direção possível e acessível à reeducação. Os
fleumáticos, com a aceleração dos movimentos,
se transformam
facilmente em sangüíneos e,
com a acentuação de suas reações, se aproximam do tipo melancólico.
O grupo mais difícil de reeducar é o dos
temperamentos
coléricos, porque eles nunca
se habituam a permanecer serenos ante os diferentes acontecimentos
de sua vida. As formas de transição ao temperamento
fleumático são quase inalcançáveis
para o colérico, e
as crianças pertencentes
a esse grupo dificilmente podem ser reeducadas. Na literatura pedagógica, as crianças desse tipo são chamadas
de discordantes com o ambiente ou de caracteres indômitos.
Um lugar intermediário
no sentido da
reeducação é ocupado pelos outros dois temperamentos que, em linhas gerais, só podem
ser considerados
medianamente
reeducáveis.
Em outros termos, o temperamento
melancólico se aproxima facilmente do colérico, desde
que se acelerem suas reações, e também o temperamento
sangüíneo,
em certas condições,
pode passar facilmente por colérico, desde que
se intensifiquem
suas reações. Um sangüíneo
que aprendeu a sentir intensamente
e a falar
com voz de mando, depois de conhecer o que
significa querer algo fortemente e conseguir o
que quer, não pode mais ser diferenciado
do
colérico.
Enquanto as considerações
pedagógicas
se distinguem
pela excessiva generalidade
e
ambigüidade
das conclusões,
o mesmo esquema pode apresentar
um significado muito maior para as conclusões
e os juízos
psicotécnicos sobre a vocação profissional de
determinada
pessoa.
P E D A G Ó G IC A
273
composição psicológica, mas pela qualidade e
sucessão das reações típicas que as integram.
Por isso, é muito fácil dividir qualquer trabalho profissional em alguns elementos primários
que o compõem, isto é, reduzir toda a atividade laboral a uma série de reações de certos
tipos e à sua união.
É sumamente importante
estabelecer a
aptidão de uma pessoa para determinada profissão. Isso será benéfico para a tarefa e também para o desenvolvimento
correto da personalidade, e a solução desse problema começou a ser encarada de ambos os pontos de vista. Inicialmente, a psicotécnica surgiu do interesse pela organização
da empresa, e foram
propostas tarefas práticas, a denominadakjihgfedcbaZYXWVUTSRQ
s e le ç ã o n e g a tiv a .
Sua tarefa residia em escolher entre todos os candidatos a um determinado
trabalho,
mediante um experimento
psicológico, os totalmente inadequados, os que sem dúvida não
poderiam realizar a tarefa proposta e prejudicariam a empresa. Com relação a isso, nos primeiros tempos toda a atenção da psicotécnica
se reduziu a elaborar exigências mínimas, cuja
inobservância
equivaleria
à inadequação
do
sujeito ao trabalho. Depois, a esfera de interesses desse âmbito científico
ampliou-se:
além da seleção negativa, ele começou a se
ocupar também de uma s e le ç ã o p o s itiv a , isto
é, passou a organizar testes psicológicos que
permitissem
julgar também o nível positivo
de capacidade
e vocação para uma determinada profissão, e não só a falta de aptidão
dos candidatos.
De acordo com isso, além de
elaborar uma quantidade
mínima de exigências necessárias e suficientes, a psicologia tinha de se ocupar de realizar um detalhado
p s ic o g r a m a
de cada tipo de trabalho profissional, ou seja, de efetuar uma análise psicológica detalhada de todas as partes integrantes desse tipo de trabalho.
Com base nessa
análise psicológica
do trabalho profissional
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P R O B L E M A D A V O C A Ç Ã O QPONMLKJIHGFEDCBA
dos mais diversos tipos, devia-se propor uma
E A P S IC O T É C N IC A
gama típica comum aos processos laborais,
isto é, estabelecer alguns tipos fundamentais
Qualquer tipo de trabalho está formado
que pudessem agrupar toda a diversidade de
por combinações especiais das reações que lhe
diferentes profissões ou ofícios.
são inerentes.
As profissões
se diferenciam
Na gama de reações laborais, de acordo
umas das outras não pelo caráter geral de sua
com o esquema do professor Kornilov; diferen-
o
274
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ciam-se vários tipos de processos laborais. Em
primeiro lugar está o tipo natural de processos
laborais, que corresponde aos ofícios que não
exigem um intenso trabalho físico nem mental. São os ofícios do serviço doméstico, dos
técnicos, dos porteiros, dos guardas, dos
varredores, etc. Em todos esses ofícios as reações laborais são formadas por uma série de
movimentos mais ou menos habituais para
cada um de nós em nossa vida cotidiana. As
condições de trabalho são tais que o serviço
transcorre de forma mais ou menos estereotipada e automática, sem exigir uma atenção
particularmente acentuada e, por último e mais
importante, o trabalho profissional quase sempre transcorre em um estado mais ou menos
natural e livre, sem exigir do trabalhador nenhuma tensão particular de forças nem uma
celeridade particular. Como é lógico, nesses
tipos naturais de processos laborais fica mais
fácil efetuar a seleção psicotécnica, pois ainda
que cada trabalhador manifeste determinada
tendência natural a esse ou aquele tipo de reação, qualquer um pode realizar facilmente os
objetivos do trabalho.
O trabalho do segundo tipo é mais complexo; ele tem a ver com os chamados processos músculo-laborais e exige a concentração
da atenção não no objeto do trabalho, mas,
sobretudo, nos próprios movimentos. Esse tipo
de trabalho exige de seus executores uma enorme tensão muscular e um considerável gasto
periférico de energia. Entre esses ofícios estão,
por exemplo, o de pedreiros, forjadores, mineiros, marteleiros, lenhadores, etc.
Nesse caso, as exigências psicotécnicas
impõem de forma absolutamente exata e clara
que sejam escolhidos temperamentos que contribuam para a manifestação do tipo de reação muscular e enérgica. Em outros termos, os
fleumáticos e os sangüíneos, pessoas habituadas a uma reação fraca, isto é, a uma liberação
de energia insignificante durante seus atos, não
possuem as características desse tipo de trabalhadores e, o que é mais importante, entrarão
em grave conflito com as tendências fundamentais de seu próprio organismo se, por imposições da vida, tiverem de efetuar esse trabalho.
Deve-se admitir que o mais adequado dos
dois tipos restantes é a forma melancólica de
comportamento e temperamento, pois a lentidão de suas percepções garante precisão, resistência, serenidade e empenho em seu trabalho. E a imensa força de cada movimento
garante o efeito necessário. Por outro lado, os
coléricos, que se apagam tão rapidamente
quanto se acendem, nesse aspecto trabalham
com menor tenacidade e resistência.
O terceiro tipo de processos laborais pode
ser chamado convencionalmente de sensorial
e se caracteriza justamente por características
opostas ao anterior. Aqui a atenção se concentra predominantemente no objeto do trabalho
e, por isso, a condição imprescindível da reação é uma liberação mínima de energia externa, porém uma percepção extraordinariamente complexa e lenta dos estímulos externos. Esses ofícios abrangem o trabalho do relojoeiro,
do mecânico, do torneiro, do alfaiate, etc.
Parece evidente que o mais adequado
para esse tipo de trabalho é o tipo de temperamento que se caracteriza justamente por estes
traços, isto é, por reações lentas e fracas. Os
fleumáticos podem ser bons relojoeiros e alfaiates, com maior possibilidade de êxito que
os demais.
Ao mesmo tempo, para esse tipo de ofício - como se estabeleceu mediante a simples
observação, muito antes do aparecimento da
psicotécnica - são particularmente desastrosas
as pessoas com um tipo de reação inadequado. Por exemplo, pessoas acostumadas com um
movimento enérgico e forte que, com um desenvolvimento intelectual completamente insuficiente, são incapazes de dominar, depois
de vários anos, por exemplo, a arte de consertar um relógio, porque dobram demais a espiralou porque não a dobram de forma alguma,
pois não conseguem moderar seus movimentos e dar-lhes essa sutileza fina com a qual se
tornam úteis e eficazes no trabalho. Nesse sentido, a observação corrente coincide com os
dados psicotécnicos. Existem pessoas que não
podem lavar um copo, porque em geral não
conseguem segurar nada frágil e quebrável nas
mãos, pois apertam com tanta força como se o
objeto fosse de cobre.
Como quarto tipo de processos laborais,
devemos mencionar os que exigem reações
complexas, a denominada reação de discrimi-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
275
nação. Por exemplo, esse é o caso do caixista
e pródiga liberação de energia psíquica para
da tipografia que, antes de efetuar o movimenreações fracas, mas complexas e inteligentes.
to, tem de distinguir exatamente uma série de
Por isso, uma regra pedagógica geral diz o seestímulos na folha de sua composição e na caiguinte: se desejarmos ensinar a uma criança
xa de seus tipos e não pode reagir antes que
as reações adequadas para as formas superioessa distinção tenha ocorrido de forma precisa
res de trabalho, temos de lhe ensinar movie correta.QPONMLKJIHGFEDCBA
É evidente que a adequação a esse
mentos fracos, pois eles são os mais "inteligentipo de processos laborais não pode ser deter- . tes"; e isso também é válido para o presente
minada univocamente por apenas um atribucaso.
to do temperamento, como fizemos antes para
Em quinto lugar, estão os processos
todos os ofícios mais simples.
laborais que envolvem escolhas, isto é, os que
Evidentemente, a reação se torna mais
exigem discriminação não só no processo de
complexa devido ao processo central e, para
percepção dos estímulos, mas também no procomputar o efeito do trabalho, o curso de processo da reação de resposta. Em um trabalho
cessos centrais tão complexos como o pensadesse tipo, antes de efetuar qualquer ação,
deve-se realizar a consideração exata e a difemento, a atenção, etc. desempenha um papel
muito mais importante que as propriedades
renciação de dois componentes: primeiro, o
componente de excitação [estímulo] e, segunelementares da reação - que se manifestam no
do, o componente de resposta. Aos ofícios destemperamento. Devido à diversidade das pessoas e à sua diferente aptidão com relação a
sa índole correspondem os ofícios de motorisesses ofícios, devem ser caracterizados com um
ta, maquinista,
motorneiro,
datilógrafa,
esquema muito mais complicado
que o
copista, piloto, etc. O motorneiro tem de pertetrâmero ternperamental, mediante o qual se
ceber com exatidão os objetos que estão dianefetua a seleção psicotécnica menos precisa.
te da rota do veículo, mas para ele é mais imEntramos aqui no campo de ação de mecanisportante efetuar uma escolha correta e infalível entre o giro da manivela do motor para a
mos muito complicados, cujo funcionamento
tem a ver mais com o caráter que com o temdireita ou para a esquerda, entre o movimento
peramento,
isto é, mais com as reações
para frear ou acelerar. Nesse caso, se obtém
uma diferenciação dupla ou uma reação de
educadas e aprendidas que com as herdadas.
Por isso, como regra geral, que também
escolha em sua forma mais pura.
se refere a todos os tipos ulteriores, pode-se
Ao mesmo tempo, é especialmente imporadotar a tese de que, na verdade, as pessoas
tante o momento de rapidez da reação, pois
não é indiferente a velocidade da freada, a
de todos os temperamentos podem ser igualaceleração diante de um perigo, a rapidez com
mente aptas para esse tipo de ofícios, dependendo do funcionamento dos mecanismos mais
que a datilógrafa vai escrever o texto que lhe é
ditado, em quantos segundos o piloto vai reacomplexos que fazem parte do caráter.
gir girando o volante ante uma inclinação do
No entanto, aqui também se pode indiaparelho em pleno vôo.
car a aptidão profissional mais provável, asAqui, ao analisarmos as características de
sim como nas demais condições, para as pestemperamento elementares, obtemos uma ressoas cuja reação é lenta e fraca, pois o compoposta bastante clara à pergunta sobre a aptinente sensorial está submetido a um considedão de alguma pessoa, porém devemos posrável reforço nesses ofícios, enquanto o motor
tergar a decisão até analisar de forma mais
é relativamente indiferente para a eficácia final do trabalho. De qualquer forma, é comum
precisa as reações complexas do comportamento. Entretanto, já estamos esboçando o camique uma reação fraca esteja ligada a um pennho para chegar a uma solução acertada do
samento intenso e a uma atenção mais focaliproblema. Esse caminho consiste na pesquisa
zada que no caso contrário.
experimental do tipo de reações necessárias
Por outro lado, essa regra em geral expripara um determinado ofício. Em outras palame a tendência de todo o trabalho humano,
vras, se estamos preocupados com a reação de
que passa cada vez mais de formas de enormeZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
276ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I
um motorneiro ou de um piloto, a essência de
minado, recorrendo a associações livres ou limitadas, ou nas quais deve ser realizado um
seu trabalho reside na reação de escolha; por
isso, devemos experimentar em todas as oporcerto trabalho de seleção mental dirigido a uma
tarefa aceita em certo momento. Esses tipos
tunidades como transcorre - com que rapidez
e intensidade - essa reação de escolha no sude processos pertencem aos mais complexos
jeito determinado, para verificar sua aptidão
e, naturalmente, precisam da metodologia mais
profissional. É claro que, se estivermos diante
completa de pesquisa psicotécnica a fim de dede duas pessoas iguais em todos os demais asterminar a aptidão para realizá-los.
pectos, mas se uma delas tiver uma reação de
O resultado geral dessas pesquisas psiescolha mais rápida, isto é, se responder com . cotécnicas pode se reduzir a apenas uma regra
os movimentos necessários e precisos a um
que o professor Kornilov formula aproximadaestímulo corretamente entendido em 0,120 - mente da seguinte maneira: toda passagem de
um gasto periférico de energia para um cen0,130 segundos, enquanto a outra faz o mesmo em 0,160 - 0,180 segundos, a primeira é
tral se produz com maior esforço que o promais adequada para o trabalho em questão que
cesso inverso. Ou, em outros termos: a passaa segunda.
gem do trabalho mental ao trabalho físico semIsso tem a ver com todos os tipos de propre é realizada com muito mais facilidade que
cessos laborais complexos, que sempre ado processo inverso, isto é, a passagem do trabalho físico ao mental.
mitem uma pesquisa psicotécnica mediante
o teste do funcionamento integral do orgaO significado pedagógico da psicotécnica
nismo durante o decorrer de alguma reação
não se esgota, naturalmente, na análise elecomplexa.
mentar realizada anteriormente; no entanto,
Em sexto lugar, estão os tipos de procesesta é suficiente para se ter uma noção geral
II
sos laborais de reconhecimento, que exigem
sobre o problema psicotécnico no campo da
I'
o reconhecimento de um estímulo particular
pedagogia e sobre seus métodos básicos de
como condição antecipada de uma determiaplicação.
nada reação ou de um estímulo previamente
Ao mesmo tempo, deve-se recordar que
desconhecido para o trabalhador. O que diso conteúdo desse problema não termina apetingue este tipo da diferenciação simples é que
nas com a definição da aptidão profissional,
esta pressupõe todo' um grupo de possíveis
pois ele desempenha um papel muito mais
estímulos conhecidos de antemão, enquanto
substancial no processo de ensino e educação.
o reconhecimento tem a ver com uma quantiEssa pesquisa sempre nos permite observar
dade indeterminada e enorme de estímulos
com quanto êxito foram desenvolvidas e vão
que não podem ser levados em conta com
se formando as reações de nossos alunos na
antecipação. Esse é, por exemplo, o trabalho
direção que escolhemos como meta de nossas
influências. Portanto, a psicotécnica é um condo revisor, que tem de fazer um movimento
selheiro prévio e um juiz com autoridade no
depois de perceber e reconhecer este ou aqueinício e no final do processo educativo, que nos
le erro no texto composto. Esse trabalho se
I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
distingue da tarefa do tipógrafo, porque este
permite responder à pergunta sobre se vale a
1
1
opera com uma quantidade previamente depena ensinar a um aluno determinado uma
terminada de elementos (letras); em compenprofissão determinada e, além disso, se esse
sação, o revisor nunca pode prever qual será
aluno aprenderá essa profissão.
1:
o erro que encontrará a seguir.
A psicotécnica também representa uma
Por fim, em último [e sétimo] lugar, coracompanhante permanente e um guia em nosresponde situar os processos laborais mais comso processo educativo, que qualquer dia pode
plexos, que requerem associações, e que genos mostrar com exatidão objetiva em que esralmente ocorrem nas profissões intelectuais,
tado estão nesse momento as reações que
nas quais se requer que o trabalhador realize
estamos educando, o que foi obtido até o modiversas operações sobre um material determento e o que deve ser alcançado ainda, que
P S IC O L O G IA
aspectos dessas reações e em que seqüência
devem ser objeto de nossa preocupação e de
nossa solicitude educativas.'
Temos de ser conscientes que, no entendimento habitual, o problema psicotécnico
adquire um sentido bastante estreito e limitado porque, segundo dizem, escolher uma profissão não é tudo na vida. A educação tem objetivos mais amplos que a formação de um profissional. Em suma, com freqüência é profundamente indiferente saber a profissão escolhida por um indivíduo, desde que este tenha uma
personalidade desenvolvida ~ éompleta.
Esse critério, que faz parte de uma valoração pouco elevada da escolha do trabalho,
constitui um legado muito nocivo da escola
czarista, que dirigia os fins fundamentais da
educação para "algum lugar distante", para
ideais de uma personalidade harmonicamente
desenvolvida e perfeita, porém não-realizáveis
em nenhuma parte do mundo. A escola czarista
não tinha o trabalho como meta e, em concordância com isso, organizava sob estrita vigilância, do modo mais deforme e medíocre possível, a rotina diária de aulas que ocupavam
todo o tempo do educando e absorviam todas
as suas forças.
Desse modo determinava-se e sancionaO profundo
fracasso
va-se antecipadamenteQPONMLKJIHGFEDCBA
na vida de cada educando, que não era preparado para a vida que realmente vivia, e declarava-se que essa vida real era irrelevante
para eles, pois não havia outra [classe de] vida
possível ou acessível para ele. Esse profundo
P E D A G Ó G IC A
277
fracasso na vida do discípulo de tal escola costumava adotar a forma de um drama existencial, de uma insatisfação com o próprio trabalho, de uma perda do sentido da vida e de
todas as particularidades que caracterizavam
o tipo psíquico do intelectual russo do passado recente.
A vacuidade e falta de conteúdo das idéias
longínquas e abstratas concordavam, ao mesmo tempo, com o opróbrio e a limitação de
uma existência mesquinha, e o trabalho, que
determinava os aspectos mais importantes da
existência pessoal, era condenado às formas
mais humilhantes, desumanas e servis. Por isso,
do ponto de vista da educação para o trabalho, devemos valorizar de outro modo a questão da aptidão profissional. Devemos transformar uma questão acessória e secundária, de
caráter puramente prático, em um problema
teórico de importância prioritária sobre os fins
individuais concretos que podem ser propostos à educação de cada aluno.
Quando passamos das elocubrações e dos
critérios pedagógicos gerais e começamos a
pensar em um aluno em particular, a preocupar-nos com uma personalidade
singular,
estamos passando inevitavelmente de problemas meramente pedagógicos para problemas
psicotécnicos. Portanto, para nós o problema
psicotécnico envolve também o problema da
pedagogia individual. Mas falaremos sobre isso
no capítulo qua trata da pesquisa sobre a inteligência e a consideração das peculiaridades
individuais de cada aluno.
OSTRAÇOSENDÓGENOS
E EXÓGENOS
DO CARÁTER
'N. de R.T. As técnicas de psicodiagnóstico
experiPara o professor é sumamente importanmentaram um grande avanço desde que Vigotski,
te a diferenciação precisa entre os traços enhá 79 anos, expressou esse otimismo. No entanto,
dógenos e exógenos do caráter, isto é, [a difeem que pesem esses avanços, a psicotécnica ainda
renciação] dos traços determinados pela organão logrou o êxito imaginado pelo psicólogo russo;
nização neuropsíquica da criança, que agem
ali s, é tema de controvérsia nos campos da Educade forma completa a partir do momento do
ç- o e da Psicologia Educacional. A respeito de técnascimento, por um lado; e, por outro, aquen cas psicodiagnósticas
e suas aplicações, há exceles [outros traços] que são produto da influênle tes obras no Brasil. O interessado poderá consulcia externa e da aquisição posterior, que potar, por exemplo: Cunha, J. A. et al.kjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P s ic o d ia g n ó s tic o
dem ser chamados de traços educados. Em
- R. Porto Alegre: Artes Médicas (Artmed) 1993.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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------
278
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I
outras palavras, a questão é a seguinte: o que
pertence à constituição do organismo ou à educação no caráter?
Até os dias de hoje, essa pergunta é objeto das discussões mais apaixonadas e taxativas,
e os pesquisadores tendem, em função do âmbito em que sua observação se desenvolve, a
considerar predominante este ou aquele traço
do caráter. Em particular, os biólogos e fisiologistas tendem a atribuir um significado decisivo ao componente congênito-somático e colocam as formas mais complexas do caráter em
ligação direta com estes ou aqueles processos
fisiológicos. Por exemplo, Kretschmer, cuja teoriajá resumimos, se dispõe a reduzir grupos de
carateres como "os bonachões calmos, as pessoas nobres e delicadas, os idealistas afastados
do mundo, as naturezas imperiosas e frias, os
egoístas, etc." exclusivamente aos aspectos biológicos da constituição.
Por isso, tornou-se popular o critério de
que o fator hereditário determina, do modo
mais sutil e importante, todo os tipos de nossa
personalidade. O papel da educação e, em particular, o papel do meio social em que ocorre a
formação e o desenvolvimento da personalidade são considerados praticamente nulos.
Uma posição oposta é adotada pelos psicólogos de tendência social [sociogenética],
cujas pesquisas penetram no campo da realidade histórica e social concreta e que são empurrados por milhares de fatos diários para
conclusões de significado diretamente oposto.
Essas observações mostram, com irrefutável
poder de convicção, que não só os últimos trari
ços no desenho geral de nossa personalidade,
mas inclusive os contornos mais fundamentais
que definem sua fisionomia, se desenvolvem
IQPONMLKJIHGFEDCBA
sob a imperiosa influência do ambiente.
I
Entre ambos os pontos de vista extremos,
pareceria impossível algum tipo de conciliação,
e a ciência se sentia perante a alternativa de
admitir a herança ou o meio, e a polêmica sempre transcorreu nesse plano. Só a teoria dos reflexos condicionados iluminou tal questão e
permitiu apresentá-Ia de um ângulo totalmente novo. Essa teoria conciliou ambos os pontos
de vista extremos e determinou, com a precisão
da ciência natural experimental, o verdadeiro
papel de cada um desses dois componentes.
. I
I
!
. I
ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Não há nada mais falso que a noção predominante
sobre a criança na pedagogia
czarista, conforme a qual a criança é representada como uma folha de papel em branco, isto
é, como um conjunto de possibilidades totalmente puras que ainda não chegaram a se realizar. Se pensarmos assim, estaremos apagando não só todos os processos de formação e
nascimento da criatura humana, mas também
todo o enorme caminho da evolução orgânica
que levou à elaboração e à criação da natureza humana. Fica claro que ambos não podem
ser excluídos de nossa atenção, e parece incrível que, como resultado desses processos, tenha se obtido apenas uma mera potencialidade na qual nada estaria predeterminado pelo
caráter desses processos.
No entanto, agora estamos dispostos a
contemplar do modo mais absoluto todas essas influências e nos aproximamos cada vez
mais da verdade científica quando dizemos que
nenhum fato da vida dos antepassados humanos e animais ou das influências experimentadas pela mãe e o feto passam sem deixar marca no organismo do recém-nascido, e que este
contém em si os resultados perduráveis da experiência acumulada pela espécie, cujos últimos elos são seu pai e sua mãe.
Nesse sentido, teríamos de fazer referência não tanto a uma herança estreita, que se
limita ao círculo familiar, mas às formas mais
amplas da herança da experiência humana global. Tendemos a atribuir ao componente da
herança um significado absoluto no comportamento da criança e a afirmar que nenhum
movimento em sua vida futura, por menor que
seja, surge de outra origem que a das aptidões
e reações hereditariamente adquiridas por ela.
Podemos afirmar sem exagero que todos os recursos e movimentos de que esse futuro ser
humano e cidadão do mundo disporá no decorrer de toda a sua vida já existem quando
ele jaz no berço e movimenta-se impotente,
sem poder fixar o olhar nem sustentar sua mão.
Com efeito, de onde retirará, em sua vida
posterior, novas possibilidades de movimento?
Estas não têm de onde aparecer, assim como
não aparecerão de nenhuma parte novos órgãos em seu corpo. No entanto, sem dúvida
essa experiência herdada, qlj.e se reduz a cer-
P S IC O L O G IA
tas formas de comportamento estereotipadas
e pautadas em todos os indivíduos de uma determinada espécie, não representa algo petrificado e permanente, mas propenso a constantes mudanças.
Tão verdadeira quando a anterior é nossa segunda afirmação de que absolutamente
nenhum dos movimentos da criança no berço
permanece no decorrer de sua vida posterior
nessa forma e como lhe foi dado através da
herança. O mecanismo da formação do reflexo condicionado também evidencia as leis sob
cuja influência a experiência 'herdada se adapta às condições individuais ao ambiente e, se
em algo se distingue o comportamento do adulto do comportamento infantil é só no fato de
que, dentro do caos de movimentos descoordenados e desorganizados do recém-nascido,
mediante a influência sistemática do ambiente, se introduzem a organização, o sentido, a
ordem e a coerência. Os movimentos desvalidos do lactante se transformam na luta do homem, plena de trágico e elevado sentido, com
o mundo e consigo mesmo.
Ao mesmo tempo, o sentido da educação
social é determinado com exatidão científica
como o sentido de uma seleção social que a
educação realiza entre as inúmeras possibilidades da criança, permitindo que apenas uma
se realize. Afirma Frank:
P E D A G Ó G IC A
279
Toda essa luta, assim como seu desenlace - tal como mostramos nos primeiros capítulos - são basicamente determinados pelo sistema de vida em que a criança vive desde os
primeiros instantes de seu nascimento. Portanto, o ponto de vista conciliador parte do reconhecimento de ambos os componentes, porém
não no sentido de uma solução contemporizadora e que não resolve os problemas, de maneira que a cada tese em conflito seja atribuída a metade ou uma parte da influência, mas
no sentido de sua coincidência dialética com
pleno reconhecimento de sua oposição.
Em outros termos, também não negamos
a contradição entre o herdado e o ambiente,
porém nos parece que ela não existe apenas
no pensamento, mas na própria vida. E justamente a partir dessa base, a partir dessa contradição, é que a educação se inicia. Se uma
criança nascesse como uma planta, com todas
as formas de comportamento que correspondessem à sua vida futura, a educação não seria necessária. A necessidade da educação surge, conforme a expressão de Thomdike, do fato
de que "o que existe não é o que deveria existir". Por isso, a educação sempre denota uma
modificação e, portanto, a negação de certas
formas de comportamento em prol da elaboração e do triunfo de outras.
Só desse ângulo a educação se revela
como um processo com um sentido totalmente idêntico a todos os outros processos da vida.
A criança brinca de soldado, de bandido e de
Nesse sentido, é profundamente correta a tese
cavalo, pois nela realmente estão as tendências
do bandido, do soldado e do cavalo. O sentique coloca o caráter trágico desse processo, codo da educação reside precisamente no fato
mum a todos os demais processos da vida.
de que, entre muitas dessas personalidades
"Sem dor não ocorre nem o nascimento de uma
realmente implícitas, só uma delas se realiza
criança nem o nascimento de uma estrela."
mediante a influência sistemática e a seleção.'?
Exatamente do mesmo modo, o caráter
não deve ser entendido como algo estático, sob
Assim, o processo da educação perde seu
a forma de uma soma acabada de peculiaridacaráter feliz e pacífico de preocupação com a
des, de reações - congênitas ou adquiridas -,
criança e de "ajudar a natureza" que lhe era
mas como uma torrente que se desloca dinaatribuído anteriormente; ele é descoberto como
micamente, em luta constante. Em outros terum processo dialético e trágico de desaparecimos, o caráter não surge das propriedades hermento permanente de certas possibilidades
dadas do organismo tomadas tais como são,
sociais às custas da realização de outras, de
nem das influências sociais do ambiente tomauma constante luta das diferentes partes do
das de forma independente, mas do choque
mundo pelo organismo e dentro deste, dos incontraditório de umas contra as outras e da
cessantes conflitos entre as forças mais divertransformação dialética do comportamento
sas dentro do próprio organismo. .ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
herdado em comportamento pessoal."
280ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Resulta compreensível então o enunciado que exige que reconheçamos a presença de
elementos de ambos os tipos no caráter. A partir daí também se esboça a solução da questão
relativa à reeducação do caráter. Por acaso o
caráter está totalmente condicionado pela educação, ou esta deve contar com ele como condição prévia e invariável? Na psicologia científica o problema não deve ser exposto dessa
maneira. O que chamamos provisoriamente de
"caráter" é uma incessante ruptura e conflito
da vida pessoal com a experiência herdada e,
nesse processo de ruptura e lutá, o educador
pode intervir a cada instante e se convencer
do fato de que tanto uma tese quanto a outra
são igualmente verídicas.
A luta não é provocada pela educação, se
iniciou antes desta e transcorre independentemente dela. Portanto, é compreensível que a
ingerência nessa luta pressupõe a consideração mais complexa e exata de todos os elementos que determinam a situação da luta no instante dado. Essa mesma circunstância, porém,
permite superar a passividade educativa e, organizando os elementos do ambiente de um
modo novo e conforme nossa vontade, permite que incorporemos a essa luta forças sempre
novas ou, pelo contrário, que excluamos desta
e deixemos fora de combate aquelas que considerarmos indesejáveis.
Assim, geralmente com a ajuda das doses mais insignificantes de ingerência, obtemos
os melhores resultados. Para movimentar um
corpo imóvel deve haver um impulso de enorme força. Em compensação, para exercer influência em um sistema complexo de forças em
movimento, basta acentuar ou enfraquecer
qualquer uma delas para que toda a resultante adquira uma nova direção e um novo sentido. Assim ocorre, por exemplo, com a guerra,
na qual até a intervenção de um Estado insignificante pode resolver o desenlace e dar a vitória a um dos beligerantes. Nesse sentido,
James comparou a arte da educação à arte
militar e disse que, de certa forma, educar equivale a combater." Em certo sentido, pedagogia também implica estratégia.
Portanto, aqui também é válida a regra
educativa geral. Não pode haver nenhuma ingerência direta na formação do caráter; to-
das as falas sobre a influência moral na formação do caráter do educando, sobre o fato
de que um bom professor modela a alma de
seus alunos como se ela fosse de cera e lhe
atribui as formas desejadas, tudo isso continua sendo uma falsidade em que não se deve
confiar, ou as pessoas não percebem o mais
importante e atribuem à influência moral o
que na verdade é realizado por forças completamente diferentes.
A influência direta do educador na formação do caráter seria tão absurda e ridícula
quanto a influência de um jardineiro que desejasse contribuir com o crescimento de uma
árvore puxando-a mecanicamente da terra. O
jardineiro não influi diretamente na germinação da planta, puxando-a para cima, mas de
forma indireta, através das modificações adequadas do meio. Umedece o solo, aduba-o,
organiza o ambiente contíguo, modifica a temperatura, a luz, o ar, etc. e, através disso, obtém os resultados que deseja. Da mesma forma o educador, ao influir no meio circundante,
ao organizá-lo da maneira correspondente,
determina o caráter que adota o choque das
formas de comportamento herdadas da criança com o meio e, assim, adquire a possibilidade de influir na formação do caráter infantil.
Ao mesmo tempo, cabe considerar que
aqui, como em todas as partes, nada passa e
desaparece sem deixar marcas, e que o professor, além da influência da herança, também
deve contar com as influências de toda a experiência passada, isto é, com esse mesmo
patrimônio acumulado de reações que foi adquirido em períodos anteriores.
Nesse sentido, para esclarecer o tema,
introduzimos com o nome de "temperamento",
entre aspas, os elementos puramente hereditários do caráter que já existem desde o começo,
sob a forma de propriedades elementares do
caráter. Depois destacamos o que podemos denominar de "caráter estático", isto é, a forma
habitual de comportamento que vai sendo elaborada graças à experiência pessoal e que representa sua soma. Por último, temos de diferenciar separadamente o "caráter dinâmico",
esse algo fluido ao qual a ciência ainda não deu
um nome exato, mas que constitui a realidade
mais palpável, autêntica e essencial na criança.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
281
anos. G r o s s o m o d o , há um consenso de que existe
N O T A S zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
um transtorno bioquímico básico - excesso de
uma amina neurotransmissora,
ou presença de
1. PeterFrantsevitchLésgaft
(1837-1909) foi um
uma amina anormal. Por isso, todas as terapias
anatomista, médico e _t:çlucador russo. Desentêm como recurso básico - não único - a presvolveu a educação pública e as escolas noturcrição de fármacos neurolépticos, que ocupam
nas para operários, incorporou as mulheres à
os receptores dessas substâncias transmissoras
docência e criou centros de educação física.
e, assim, a maioria dos sinais e sintomas dos
2. Em latim no original. Significa: sobre a base
pacientes
desaparecem. Ainda estamos muito
da sinonímia.
longe
de
saber
o que realmente é o que chama3. Sir John Falstaff é um personagem de Shakesmos de "esquizofrenia".
peare que aparece em suas obraskjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T h e M e r r y W ife s
7. Vigotski se refere à m o d ific a ç ã o do to m da voz,
o fW in c is o r e H e n r y W . Como acertadamente disse
que se torna mais aguda nos homens e mais
Auden, o Falstaff melhor desenhado em seu cagraves nas mulheres.
ráter é o de T h e M e r r y W ife s o f W in d s o r e o da
8. Vigotski fala de uma mudança nos "caracteres
última ópera - P a ls ta ff - de Verdi.
sexuais secundários"
e de uma mudança na
4. Ernst Kretschmer (1888-1964) foi um eminenorientação sexual, quando diz que a galinha
te psiquiatra alemão. Baseando-se na separatransformada
em galo "mostrava atração [seção kraepeliniana da psicose esquizofrênica e
xual]
pelas
fêmeas".
Ambas as asserções são verda psicose maníaco-depressiva,
Kretschmer pudadeiras
quando
se
trata
de animais - que careblicou em 1921 seu K o rp e b a u . u n d C h a r a k te r
cem de psique -, pois a atração sexual depende
(Constituição e caráter). Estabeleceu uma relada ação dos hormônios; isso é sabido, por exemção entre tipos básicos de constituição corporal
plo, por todos os que castram uma gata para
e quadros psicopatológicos. Sem conceder a essa
evitar o cio. Mas o mesmo não acontece com os
tese o valor exagerado que Kretschmer lhe deu,
seres humanos; o primeiro aspecto ocorre, poqualquer psiquiatra experiente poderia dizer
rém não o segundo. Nos humanos, a identidaque essas relações são apresentadas
em uma
de sexual d e v e s e r c o n s id e r a d a do p o n to de v is ta
porcentagem
que, em nossa opinião, exigiria
p s ic o ló g ic o . Como os seres humanos constroem
mais pesquisa para determinar definitivamen(e lhes constroem) sua personalidade
a partir
te qual é essa relação. O próprio Vigotski, um
de contingências, condicionamentos
e determitalentos o clínico, afirma neste livro que, nessa
nações culturais e ambientais, e não a secretam
concepção, "existe uma semente de verdade".
de sua estrutura biológica, sua id e n tid a d e g e n é Sobre a relação de Vigotski com a psiquiatria,
r ic a (s e x u a l) é p s ic o ló g ic a . Por isso, o suporte
cf. L. S. Vigotski, "El pensamiento em Ia esquibiológico com relação a essa questão deve pasy
zofrenia", em: L. S. Vigotski, L a G e n ia lid a d FEDCBA
sar a um segundo plano no H o m o S a p ie n s . Isso
o tr o s te x to s in é d ito s , op. cit., p. 61-78, sobretunão
seria assim caso se considerasse que o gêdo nossas "Notas" a esse artigo, p. 79-85.
nero é determinado pelos cromossomos - ge5. O transtorno bipolar afetivo costumava ser chaneticamente, e tampouco se se confundisse gêmado de "psicose maníaco-depressiva"
ou
nero sexual com orientação e comportamento
c ic lo tim ia
- os doentes
eram chamados de
sexual. Com relação à orientação sexual, nos
"ciclotímicos", "cíclicos", etc.
humanos é ridículo que ela seja atribuídaQPONMLKJIHGFEDCBA
à in6. O termo " e s q u iz o fr e n ia " é de Eugen Bleuler, que
fluência
hormonal
ou
genética,
pois
é
puramente
rebatizou o que Kraepelin denominava "demênpsíquica. Essas questões não eram discutidas na
cia precoce" - denominação que não é de sua
época de Vigotski, com grande influência
autoria e que, em sua época, significava "loucuvitoriana; elas só começaram a ser pesquisadas
ra precoce". A esquizofrenia é uma psicose que
cientificamente em 1966, nos Estados Unidos,
apresenta, conforme suas formas clínicas e as
por W Masters e V. Johnson, com uma p e r m is características idiossincráticas daqueles que a
s
ã o e s p e c ia l do governo. Hoje sabemos que exispadecem, vários dos seguintes sinais: alucinatem
pessoas heterossexuais,
homossexuais,
ções auditivas, delírios sem nexo, labilidade na
bissexuais, transexuais e também com orientaassociação de idéias, interceptações
e outros
ção e x c lu s iv a para objetos - fetichistas - ou anitranstornos do curso do pensamento - que gemais
- zoofílicos.
ralmente se desagrega -, despersonalização
e
9. Os comentários
feitos por Vigotski aqui soautismo. Raramente começa depois dos 35 anos
bre endocrinologia
são basicamente
corretos,
de idade e geralmente surge em torno dos 20
'" " 'f
282ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
porém correspondem aos conhecimentos e
às técnicas de pesquisa e terapêuticas existentes há 75 anos e, por isso, contêm
simplismos e erros. Desde então, os conhecimentos e as técnicas aumentaram enormemente e se tornaram muito mais complexos.
Nos anos 20, essas descobertas emocionavam, porém nem todos reagiam com o evidente entusiasmo de Vigotski. Em 1925,
Mikail A. Bulganov, um romancista russo que
renunciaraQPONMLKJIHGFEDCBA
à sua profissão de médico, escreveukjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
C o r a ç ã o d e c ã o , uma sátira em que se
Ia Zavadovski e da
burlava dos cientistas àFEDCBA
n o m e n k la tu r a .
O romancer:arra
as vicissitudes que ocorrem quando um pesquisador enxerta testículos de proletário em um cão, que
paulatinamente vai se transformando em um
homem: o agitador revolucionário autoba-
tizado Poligraf Poligrafovitch, que inferniza
a vida do cientista acomodado. Este resolve
o problema extirpando-lhe os testículos, e ele
se transforma novamente em um cão comum.
10. Essa citação é do livro do filósofo russo exilado S. L. Frank, D u s h a c h ie lo v ie k a [ A a lm a d o
h o m e m ] , Moscou, 1917, op. cit.
11. A d ia lé tic a da articulação entre o componente
inato e o aprendido na constituição do comportamento humano e a estrutura do psiquismo
segundo Vigotski está mais bem explicada nos
primeiros capítulos de seu livro H is tó r ia d o d e s e n v o lv im e n to
d a s fu n ç õ e s
p s íq u ic a s
s u p e r io r e s
(1931), do qual existem duas edições em espanhol.
12. Essa concepção de James pode ser encontrada
no Capo 19.
o
P ro b le m a QPONMLKJIHGFEDCBA
d o - T a le n t o e
o s O b je tiv o s In d iv id u a is
da Educação
A P E R S O N A L ID A D E
o homem em geral, assim como suas disE A E D U C A Ç Ã O zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
As reiteradas menções ao caráter social
do processo educativo não implicam de forma
alguma o fato de que, na escola, sejam suprimidos os problemas da personalidadeFEDCBA
[lic h n o s t]
ou que eles sejam indiferentes. No fim das contas, a educação [v o s p ita n ie ] sempre tem a ver
com as diversas personalidades dos alunos, e
o ambiente social se forma, ou melhor, se.realiza em uma série de indivíduos diferentes.
Subentende-se que o papel e a importância orientadora da personalidade do educando no processo educativo não podem se
reduzir a esse "dueto pedagógico" presente
na educação individualista, como processo totalmente centrado no professor e no aluno.
Anteriormente,
a personalidade
do aluno
constituía o centro do mundo educativo, mas
agora ela adquire um novo significado e um
novo sentido.
O problema da personalidade na educação social pode envolver simultaneamente várias questões diferentes. A primeira delas está
ligada às diferenças individuais, próprias de
cada aluno. Apesar da generalidade natural da
estrutura do corpo humano e do comportamento, cada constituição humana se distingue por
qualidades e características especiais únicas,
próprias de cada indivíduo, que, essencialmente, representam uma variação desse tipo médio do "homem em geral". Este deve ser consi. derado um recurso metodológico conveniente, uma abstração, e nada mais que isso.
tintas partes e aspectos, digamos, o esqueleto
humano, a psicologia humana, etc., só existem
em sentido abstrato. Nos fatos, na realidade
concreta, existe apenas este ou aquele homem,
o esqueleto e a psicologia deste ou daquele
homem. A atenção dirigida a essas peculiaridades concretas de cada pessoa individual deve
se transformar em algo obrigatório para o educador e para o psicólogo.
A educação nunca se inicia em um terreno vazio, nunca começa a forjar reações totalmente novas, nunca realiza o primeiro impulso. Ao contrário, sempre parte de formas de
comportamento já dados e preparados e se refere apenas às suas modificações, sempre tende a modificar, porém nunca a criar algo totalmente novo. Nesse sentido, a educação é a reeducação do que já foi realizado. Por isso, a
primeira exigência de qualquer educação é o
conhecimento absolutamente preciso das formas de comportamento herdadas, pois sobre
elas se erigirá a esfera pessoal da experiência.
E aqui surge com força especial o conhecimento
das diferenças individuais.
Isso se evidencia sobretudo nos casos em
que lidamos com' desvios muito claros e patentes da personalidade com relação à média
geral. Imaginemos uma criança cega, surdamuda ou com um defeito orgânico congênito
do sistema nervoso central, por exemplo, um
oligofrênico. Entende-se facilmente que todas
as formas de ensino e educação, ainda que não
devam contrariar as leis fundamentais da pe-
284ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
dagogia, devem assumir certa direção e sentido peculiares com relação a essas crianças. Por
exemplo, os cegos vão elaborando reflexos condicionados exatamente
iguais aos dos videntes, só que com o tato e não com a visão e,
como o cego lê com os dedos caracteres em
relevo, isto é, toca a apalpa as letras e não as
percebe com a visão, todo o processo da leitura e os atos relacionados a ela adquirem, nesse caso, uma índole e uma tendência completamente particulares.
Da mesma maneira,
os processos
de
aprendizagem
e adaptação
à vida laboral do
surdo-mudo e do oligofrênico: apresentam diferenças tão evidentes que não podem deixar
de ser consideradas pelo professor. Por exemplo, os surdos não aprendem
a fala comum
desde seu nascimento
porque não ouvem as
palavras alheias, nem percebem os sons que
pronunciam.
Para incorporá-los
à fala humana e tornar possível a comunicação entre eles
e as pessoas normais, sua atenção tem de se
fixar nos movimentos labiais que efetuamos ao
pronunciar
as palavras, deve-se ensiná-los a
vincular cada movimento a determinado
traçado da palavra e a certo significado. Depois,
eles têm de aprender a ler com a visão a fala
humana a partir dos lábios [do falante], assim
como a lemos em uma folha de papel. Para
ensinar um surdo a falar é preciso lhe dar a
oportunidade
de perceber o que ele pronuncia
e controlar suas próprias reações. Como isso
não é possível pelos caminhos usuais - a audição -, o ouvido deve ser substituído nesse caso
pelos estímulos cinestésicos e táteis: apoiando
a mão do aluno sobre a garganta, ele deve apalpar os movimentos realizados durante a fala e
estes, ao retomar para o próprio falante, o ajudam a elaborar a fala consciente. Em nós, essa
fala vai sendo elaborada com a ajuda da audição, por meio da qual não só pronunciamos
mas também ouvimos e, conseqüentemente,
avaliamos o que pronunciamos.
Da mesma forma, na educação de um
oligofrênico, para estabelecer e reforçar nele
reações condicionadas,
é preciso apelar a recursos psicológicos diferentes dos utilizados na
educação de uma criança normal; com freqüência, seus instintos e necessidades mais primitivos devem ser utilizados para lhe ensinar as
formas necessárias de conduta. Por exemplo,
para ensinar alguns oligofrênicos a se higienizar ou vestir, esse ato deve ser vinculado ao de
comer, pois só sob a pressão do estímulo mais
intenso da fome essa criança vai ser capaz de
sair do estado de imobilidade e será impulsionada a certa atividade.
Assim, procedimentos
que mereceriam a
mais severa condenação, se utilizados com uma
criança normal, são os únicos razoáveis e adequados na educação de crianças deficientes
mentais [graves] e crianças portadoras de outros defeitos [graves].
Se considerarmos
o outro extremo, isto
é, as crianças superdotadas,
também tropeçaremos na necessidade
de modificar alguns
métodos e determinadas
regras gerais da educação. Tudo isso se manifesta do modo mais
grosseiro e simples em algumas formas especiais de talento, como o talento para o desenho, para a música ou para a dança, quando
só um ensino especial precoce, iniciado a partir da mais tenra idade, pode garantir o desenvolvimento normal das possibilidades latentes
na criança.
Por isso, a educação de anormais, sejam
eles inválidos ou talentosos,
há muito tempo
é considerada
alheia ao território da pedagogia, isto é, [é considerada]
de tal tipo que não
tem a ver com as leis gerais da educação.
Devemos dizer que esse critério é profundamente errôneo e que essa extraterritorialidade
lhe foi atribuída por engano, devido à natural incompreensão
de fenômenos que ainda
não foram pesquisados.
As leis gerais da psicologia só podem continuar sendo leis científicas enquanto forem aplicadas a todos os terrenos da educação. As leis da pressão e da
gravidade são absolutamente
as mesmas, tanto no caso de estender trilhos em um túnel da
montanha
ou em um terreno pantanoso. A
física de ambos os lugares é totalmente idêntica, ainda que o trabalho prático relacionado à colocação dos trilhos assuma formas totalmente diferentes em cada caso, adequadas
a cada lugar. No entanto,
essa exigência de
formas peculiares
de trabalho para cada lugar não significa que existam leis diferentes
para cada uma delas, mas que as mesmas leis
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
285
podem ter uma expressão diferente e distinestuda o trabalhador do ponto de vista de sua
correspondência com as exigências de um ofítos graus de nível quantitativo.
cio particular. Em vez de capacidades abstraAssim, tanto o gênio quanto o oligofrênico
tas, esse critério promove pesquisas e provas
constituem, na infância, o mesmo objeto da
concretas e práticas das capacidades reais no
educação, como qualquer outra criança, e as
âmbito da escrita, do cálculo e da leitura.
leis gerais da pedagogia estão escritas para elas
Outra emenda substancial tem a ver com
do mesmo modo que para todas as crianças
a substituição do conceito dekjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLK
d o n s g e r a is e a b s dessa idade. Só partindo de leis pedagógicas
tr a to s pelo de a p tid ã o e s p e c ia l e c o n c r e ta . Essa
gerais podemos encontrar as formas corretas
correção justifica-se com a mesma clareza tanto
de individualização, que deve ser comunicada
em uma criança portadora de deficiências como
à educação de cada uma delas.
em um escritor genial. Sem dúvida, todo taTambém é incorreta a idéia de que o problema da individualização só surge com relalento é um dom especial para algo singular.
Por exemplo, Tolstoi ocuparia um dos primeição a algo que transcende os limites da norros lugares no caso de uma pesquisa do talenmalidade. Pelo contrário, em cada criança teto literário, mas, em compensação, ocuparia
mos algumas formas de individualização, emum lugar muito modesto - talvez um dos últibora não tão taxativamente destacadas e exmos -, caso a pesquisa se ocupasse das aptipressas como na cegueira, na genialidade, na
dões musicais, ou da aptidão para o trabalho
surdez ou na oligofrenia. Mas um fenômeno
de engenheiro, ou do talento matemático.
não deixa de ser o mesmo se sua expressão
Tchekov era um péssimo médico e um grande
quantitativa for reduzida. A exigência da indiartista. Existem diversos casos em que um sernividualização dos recursos educativos, portanretardado mental pode brilhar por uma meto, também constitui uma exigência geral da
mória tão impressionante que provocaria a inpedagogia e se estende a todas as crianças.
veja de um gênio. Tudo isso significa apenas
Daí derivam duas tarefas do professor:
uma coisa: não existe nenhum "talento em
em primeiro lugar, o estudo individual de togeral", mas predisposições diferentes, especiais,
das as características próprias de cada educancom relação a uma determinada atividade.
do e, em segundo, a aplicação individual de
todos os recursos educativos e da influência
do ambiente social a cada um deles. Colocar
NOTAS
todos os alunos em um mesmo molde é o maior
dos erros pedagógicos. A premissa fundamen1. Vigotski usa, literalmente,
o termo "idiota".
tal da pedagogia exige inexoravelmente a inPelas conotações pejorativas e pelas pautas que
dividualização, ou seja, a determinação consatualmente regem a denotação desses quadros,
ciente e precisa dos objetivos individuais da
optamos pela designação nosográfica "oligoeducação para cada aluno em particular.
frenia", com menos conotações e que está mais
A psicologia contemporânea está aceitande acordo com os anos 20 que outra própria
do contexto do ano 2000. Com relaçãoQPONMLKJIHGFE
à exdo cada vez mais essa idéia sobre a especificipressão "criança/pessoa
defeituosa", optamos
dade dos objetivos individualizados da educapor um critério similar, tanto neste livro quanção e, com relação a esse ponto, tende a rever
to no tomo V das O b r a s E s c o g id a s . F u n d a m e n a teoria tradicional sobre o talento concebido
to s de D e fe c to lo g ia , de Vigotski, op. cit., na nota
como uma capacidade abstrata e geral ou pelo
nº 1 do Capo 15 - embora os adaptadores espamenos a introduzir emendas especiais nesse
nhóis do texto nem sempre tenham adotado
conceito. Burt,? por exemplo, substitui o connosso critério. Pensamos que seria um grave
ceito de dom intelectual pelo de aptidão escoerro utilizar, para textos escritos ao início do
lar, concedendo um perfil psicológico a todo o
século, a expressão "criança/pessoa
deficienproblema. Assim, a criança é considerada, do
te" ou, como se diz hoje em dia, "criança/pesponto de vista da correspondência com as tasoa com necessidades especiais", denominação
que transfere a responsabilidade
da pessoa ao
refas práticas exigidas pela escola, de um modo
meio social, pois este é quem tem de satisfazer
totalmente análogo ao da psicotécnica, queZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
286ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
essas necessidades. Neste último caso, a destinha como saber que Burt se transformaria em
contextualização histórica poderia ser até mesum dos mais famosos e interessantes personamo ridícula, pois nos parece impossível não
gens da história da ciência. A preocupação
chamar de "defectologia" - disciplina cujo obideológica central de Burt deu origem à consjeto são as pessoas com "defeitos" biológicos
trução de uma justificação "científica" para susde diversos tipos - ao campo clínico no qual
tentar a legitimidade dos privilégios das clastrabalhou Vigotski, chegando a ser diretor do
ses sociais exploradoras. Em sua confiável hisinstituto de defectologia mais importante da
tória da psicologia russa, David Joravsky afirURSSkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
h á 70 a n o s . Por outro lado, Vigotski
ma que não houve nenhuma tendência desse
morreu em 1934, e a URSS também morreu.
tipo nem um antecedente similar na psicoloNo entanto, essa disciplina continua sendo
gia soviética, "como ocorreu com Terman ou
chamada de "defectologia" na Rússia; também
Burt na psicologia ocidental" (cf. D. Joravsky;
se utiliza o termo "psicologia pedagógica" em
R u s s ia n P s y c h o lo g y . A c r itic a l h is to r y , Oxford:
vez de "psicologia educacional". Por esses moBasil Blackwell, 1989, p. 346; o grifo é nosso).
tivos, portanto, o presente livro de Vigotski,
Burt "provou", com abundantes evidências
publicado em 1926, na URSS, intitula-se P s iempíricas, que a inteligência era herdada e que
c o lo g ia p e d a g ó g ic a e não P s ic o lo g ia e d u c a c io as pessoas de raça negra eram cognitivamente
n a l: segundo nossas informações, Vigotski foi
inferiores às de raça branca. Em 1976, descoum psicólogo russo da década de 20, e não um
briu-se que Burt tinha se dado ao luxo de morpsicólogo norte-americano dos anos 90.
rer tendo enganado a comunidade científica ,
2. [Sir] Cyril Ludowic Burt (1883-1971) foi uma
pois o material empírico em que baseou suas
figura dominante na psicologia inglesa duranconclusões tinham sido totalmente inventado
te mais de 50 anos. Vigotski se refere aqui a
e seus colaboradores nunca tinham existido. O
uma de suas contribuições no campo da psicomelhor livro sobre Burt é L.S. Heamshaw, C y r il
logia educativa. Em sua época, Vigotski nãoQPONMLKJIHGFEDCBA
B u r t p s y c h o lo g is t, Nova York: Random, 1981.
I
I,
A s F o rm a s F u n d a m e n ta is
d o E s tu d o d a P e rs o n a lid a d e
d a C ria n ç a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcba
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-f.íkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
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A psicologia atual dispõe de três métoPortanto, a primeira habilidade [regra] \. \
dos [formas] fundamentais para estudar a perdo observador científico reside em conhecer o
,I" QPONMLKJIHGFEDCBA
sonalidade da criança. O primeiro pode ser,. conjunto de fatos que devem ser isolados dos
denominado "observação científica regulamenrestantes.
tada", que consiste em observar as manifestaA segunda condição [regra] do observa- j . l
ções individuais de nosso educando de maneidor científico é conhecer a classificação dos
ra cientificamente regulada. Para cornpreenfatos observados, isto é, a capacidade de disder o significado e a finalidade desse método
tribuir em grupo os que são similares; isso setemos de recordar a diferença existente entre
ria como determinar a individualidade de cada
a observação científica e a comum.
fato e encontrar seu sentido e significado típiTodos observamos diariamente
uma
cos, No entanto, a máràf'âéurniiláÇã;./'efe fat~s
pluralidade extraordinária de fatos, e a obser- 'õbservados totalmente fidedignos ainda não
vação científica se distingue dessa observação
constituirá o material mais primário para a
só por algumas características essenciais. Em
ciência. É preciso saber primeiro p,aril que esprimeiro lugar, ao contrário da observação co~~J~S9~j!?r~n(}~~u~I1i,çlQs~
Em outros t"ê~{
mum, a científica pressupõe o estabelecimenpreciso efetuar uma nova seleção, uma segunda seleção das propriedades necessárias dento a p rio ri da seleção dos fatos que são objeto
de observação. Suponhamos que um eclipse
tro desses fatos e escolhê-los de modo que csdo Sol seja observado por um cidadão comum,
sas propriedades se destaquem e apareçam
um astrônomo, um zoólogo que se interessa
com inconfundível clareza.
pelo comportamento dos animais, um psicóloConsidera-se que a terceira regra do ob-1,)
go, etc. As observações científicas destacarão
servador científico é a exigência de estabeleem cada caso uma série especial de fatos entre
cer certa relação entreos diferentes grupos de
os numerosos fenômenos relacionados ao eclip- Jatos, isto é, saber compor um .g':ladro integrál
e coerente de um aspecto qualquer do processe. Enquanto o cidadão comum vai se guiar
pelo seu próprio interesse e pela sucessão casoern estudo; um quadro que contenha em si
sual de fatos e transferirá seu olhar de uma
todo esse grupo díspar de fatos.
vaca assustada para um homem que se persigE, por último, como quarta característica
na, e do disco solar escuro para um reflexo cin[regra], consideraremos a habilidade da obzento na água, o observador científico limitaservação científica não só para descrever os
rá sua observação a apenas um grupo de fatos,
fatos, mas também para explicá-los, ou seja,
tentando nunca sair de seus limites. O astrôpara encontrar as causas. e relações situadas
nomo acompanhará apenas o escurecimento
na, ~a~
d'esses' fâ-tm,:
-" ,paulatino do Sol, o zoólogo só o comportarnenA observação-científica psicológica deve
to dos animais, etc.
levar em conta as mesmas exigências gerais.
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288ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Desejamos esclarecer que aqui não nos ocupaEsse exemplar impresso também pode ser
mos da questão geral relativa à metodologia
utilizado para toda a escola, desde que a anoda observação psicológica, mas à questão partação seja feita em cadernos separados ernbaicial sobre a metodologia das observações psixo dos correspondentes
números de perguncológicas na área da pedagogia, ou seja, do sentas, parágrafos e capítulos. O professor deveQPONMLKJIHGF
tido 5dS ~i~?if~c~do que ~s ~bs~~'[vJS?~S p,~!S?- conhecer antecipadamente
o plano em seu
lógicas podem ter para um professor. Ao mesconjunto para orientar-se em seu uso.
mo tempo, supõe-se que, em cadacaso,
não
Além disso, o processo de acumulação de
estaremos nos dirigindo a um psicólogo, mas
observações psicológicas transcorre de forma
a uma pessoa que apela à psicologia apenas
totalmente
inadvertida
no decorrer da vida
como recurso aU:lúliar.--~~-,-doméstica ou do trabalho escolar. O professor,
O professor conta com a ajuda de todos
o educador ou os pais, transfere cada fato que
os tipos possíveis de esquemas-programas
de
observa no comportamento
da criança para um
- observação
da personalidade,
planos para
caderno, encontrando
previamente o lugar e o
pesquisar a psique infantil que, ~()m-diversos
número de pergunta correspondentes.
Quannomes, visam a um-mesmo objetivo: colocar
do, para um determinado
fato, não se enconnas mãos do professor um meio que lhe pertra a pergunta adequada, isso significa que o
mita subordinar
a grande quantidade
de obfato não está sujeito à consideração nem à observações que faz diariamente
às quatro reservação. Essa anotação, essa acumulação de
gras expostas anteriormente
e, desse modo,
fatos, é realizada durante um período prolon( transformar suas próprias observações em obgado, de seis meses a um ano, e assim se reú< sÚy~çÕ~~pslcoI6gicasêíentíficas/dâpoerson;
ne um importante material. Mediante esse proI Íidade dos alunos.
'
'o
cedimento,
realizamos de forma automática as
I
.-/-_ .,
, . . . ,-....-...._~
......- _. _
. . . . . - -- ' "
Sem fazer referência às particularidades
duas primeiras exigências da observação ciende cada um desses planos, queremos destacar
tífica; em primeiro lugar, a seleção dos fatos
os princípios gerais e os fundamentos
de cada
necessários é realizada graças à existência de
um deles. Todos constituem
uma espécie de . u m plano, os fatos não-significativos
ou secunsérie de perguntas dirigidas ao professor e dis~-1Ádários são iolàrm'enfe e'iimlnádos dôo çanlpô~(fa
tribuídas em diferentes capítulos, subcapítu- ", árénção; em segundo, graças ao sistema de
los, parágrafos e números. Por exemplo, diga,inotações
adotado, além de acumular fatos,
mos que o Capítulo 5 contém material que resjá os classificamos automaticamente,
porque
ponde a questões que têm a ver com a mernójá estão distribuídos nos itens correspondenria, referentes aos diversos aspectos dessa funtes e, portanto, foram definidos em seu signição, como duração, exatidão, alcance, etc. Ao
ficado típico e genérico.
mesmo tempo, cada um desses subcapítulos
~~";,s'E(seÍ1tidé(
o diário desempenha
o
"~ ~ --..../'
-L
00
-
'-~
l
pode ser dividido em uma série de perguntas
concretas que indicam diretamente
ao professor as manifestações que podem ser relacionadas ao caso dado e constituir indicadores para
" o mesmo. Por exemplo, surge a seguinte per~ gunta: durante que lapso o aluno retém o material aprendido e assimilado?; o aluno preci, sa de quantas repetições
para aprender
um
___....i,.poema?Além disso, o plano adota habitualtnente
o aspecto de uma caderneta ou cadern*oimpresso em uma metade da página, a fim
de q \ e na outra, que está em branco, o professor p ssa anotar, diante de cada pergunta, as
observações correspondentes.
papel de uma espécie de ~étp~~léU25~;oS~~g~yJst~J
na qual os fatos são colocados em compartimentos preparados previamente.
Dessa forma,
o professor se encarrega dos dois últimos aspectos da observação científica: a sistematização das observações acumuladas
e sua explicação. Se levarmos em conta a extraordinária
dificuldade do quarto momento, inclusive para
uma pesquisa científica solidamente organizada, e a dificuldade de explicar por completo os
fatos observados, teremos de admitir que essa
~~j~oê~Y.?_~~.ê~!~~i;a5i~J~r!!:~)?~icial na maioria dos casos suscetíveisde inter'pretação, e a única tarefa a ser completada é a
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
289
total sistematização das observações [o terceiOs méritos dessa forma de observação
ro momento].
cientificamente regulada são, primeiro, a naHá vários procedimentos para essa sisteturalidade da observação realizada; segundo,
matização, mas o atributo que os une se reduz
o esclarecimento científico dos fatos; terceiro,
a passar de uma série de fatos concretos a alo paralelismo das observações realizadas com
gumas conclusões e formulações gerais com
todo o trabalho escolar.
relação a determinados aspectos do comporCom efeito, sempre observamos o aluno nas
tamento. Suponhamos que, no decorrer de um
condições naturais de seu trabalho, e os fatos que
ano, acumulamos várias dezenas de fatos que
acumulamos sempre se referem aos modos direcomprovam que o aluno reçQrdou grupos de
tos de trabalho que lhe são habituais. Em segun]p-ª!~rial_ didático excepcionalmente amplos eQPONMLKJIHGFEDCBA
do lugar, esses fatos são novamente classificados
__
significativos. Ao mesmo tempo, não conseguide acordo com a atmosfera natural do trabalho
mos confirmar a duração da recordação por
tal como vão surgindo. E, por último, o aluno
nenhum fato que observamos no transcurso do
não suspeita'v.'-que
é objeto de uma observação.FEDCBA
..
/', /" kjihgfedcbaZYXWVUTSRQPON
ano. Subentende-se que, ao sistematizar nosPor outro lado, nunca interrompemos nossa ta~
sas observações, extraímos a conclusão naturefa pedagógica para fazer observações especiais,
ral de que a fixação das reações desse aluno
mas as incluímos como parte componente do prodeve ser reconhecida como excepcionalmente
cesso geral da metodologia educativa.
desenvolvida e ativa, no sentido do volume das
No entanto, esse sistema também posreações que abrange e assimila, mas apresensui uma série de graves insuficiências. A prita uma magnitude sumamente modesta na
meira e mais substancial consiste naquilo que
duração dessa fixação.
deve ser considerado como indefinição e esNesse exemplo percebe-se claramente
pontaneidade desse sistema de observações.
que, na verdade, a sistematização não envolNão somos donos da situação; pelo contráve nada novo. É importante evitar toda imporio, temos de esperar até que o fato necessásição e invenção, ou fazer qualquer tipo de
rio ocorra sozinho. Por isso, é preciso esperar
conjeturas, de colheita própria. Nela não deve
muito tempo, às vezes anos, pelos fatos nehaver nada que não tiver surgido nos próprios
cessários, e por vezes tambérri pode acontefatos, e só se deve passar da descrição dos facer que eles não se manifestem no trabalho
tos particulares às formulações gerais.
escolar. Por esse motivo, a falta de determi- ,.
Ao mesmo tempo, a explicação causal só
nados fatos em algum ponto 9\ão_cÇ)!TI2~Ova
' .I
é possível e desejável quando a comparação
que essas formas de comportamento não ocor-.
i~
in /~ "aluno; ela sórnentê nos informa que;
entre os diferentes grupos de fatos, que surge
~
elas n-ão podern ser observadas no ambiente,
durante a sistematização, sugerir a idéia de que
escolar ou familiar.
.~
se pode supor a existência de uma dependênA segunda deficiência consiste na bifurcia causal entre algum grupo de fatos. No ponto que caracteriza o componente receptivo da
cação da atenção exigida do professor e do
educador quando, ao agir ao mesmo tempo
reação, quando chegamos, baseando-nos nos
fatos, à conclusão de que em nosso aluno os
como professor e psicólogo, além de realizar
suas tarefas também têm de se ocupar da obreceptores visuais funcionam de forma fraca e
servação. É compreensível que, com esse desindolente, e quando paralelamente, na caracdobramento da atenção, ambos os aspectos
terização da memória, também chegamos a
estabelecer de modo factual que, de todos os
do trabalho - tanto a exatidão da observação
quanto a elevação da criatividade pedagógitipos de memória, o menos desenvolvido no
aluno é o visual, logicamente devemos concluir
ca - podem sofrer.
Por fim, a terceira deficiência desse sisteque, nesse caso, temos fenômenos vinculados
ma
é
a concentração da atenção do professor
causalmente entre si, e que a ~~i~_~l
do aluno está insuficientemente desenvolvida
em muitos ou vários alunos; em uma observação longa, isso não permite que o professor
porque sua percepção visual é fraca. /'
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L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mas complexas do comportamento. Devido a
isso, qualquer reação vincula-se a uma série
de outras reações, e o comportamento é estudado de forma integral e contínua.
Binet' e Simon- criaram uma escala de
medição para pesquisar a inteligência da criança em função de sua idade. Essa escala é intec: grada por uma série de testes ou tarefas, con'cordantes com cada nível evolutivo, e considera-se que a solução correta de todos os testes
exigidos comprova um desenvolvimento normal
da criança para a idade correspondente. Devemos dizer que a exatidão dos testes de Binet
quanto à idade é grosseiramente aproximada.
Seu ponto de partida é o cálculo de que 50%
das crianças dessa idade resolvem corretamenA S P E S Q U IS A S P S IC O L Ó G IC A S
te todos os testes, 25% superam seu nível
E X P E R IM E N T A IS D A P E R S O N A L ID A D E QPONMLKJIHGFEDCBA
evolutivo e 25% estão abaixo dele. Mas, em
D A C R IA N Ç A
geral, a idade da criança não constitui uma
magnitude tão marcante em seu desenvolvimeno método psicológico experimental de
to para que possamos julgá-Ia de forma totalestudo consiste em colocar a criança em conmente objetiva e precisa. No entanto, essa não
dições especiais, nas quais se propõem a ela
é a principal deficiência do sistema, pois aqui,
diversas tarefas para avaliar os diferentes ascomo ocorre com qualquer medição, sua unipectos de sua personalidade. Para isso existe
dade pode ser selecionada de forma totalmente
uma série de procedimentos, dos quais discuconvencional. Para nós, o importante é ter altiremos dois sistemas, por serem os mais freguma norma exata para comparar as crianças
qüentes de acordo com nossa experiência. Por
entre si e, ao mesmo tempo, essa norma pode
outro lado, deve-se levar em consideração que
corresponder só em parte aos verdadeiros nítodos os métodos de experimentação psicolóveis evolutivos do desenvolvimento infantil.
gica podem ser divididos facilmente em três
A prova se realiza pedindo que a criança
grupos fundamentais. O primeiro deles são os
efetue todos os testes de um nível qualquer.
métodos de estimulação em que, modificando
Ao mesmo tempo, é preciso encontrar os limia força, a composição e a interdependência dos
tes para sua solução, isto é, por um lado, cheelementos do estímulo, determinamos relações
gar a tal nível que não possa resolver nenhue ligações entre a causa externa e as reações
ma tarefa e, por outro, encontrar um nível em
que ela provoca. O segundo abrange os métoque resolverá todas. Para isso é preciso se desdos de expressão, que consistem no estudo de
locar para a frente e para trás nos níveis
sinais como a modificação do pulso, da respievolutivos, começando pelo que corresponde
ração, da mímica e da fala, através dos quais
à idade física da criança. Entre ambos os limise exprimem determinados estados psíquicos.
tes se situam os níveis em que uma parte das
Os terceiros são os métodos de reação, que
tarefas será resolvida e outra parte não.
consistem em provocar reações condicionadas
Depois se faz o seguinte cálculo. Por exema um sinal prévio.
plo, um menino resolveu todas as tarefas corEm forma pura, nenhum desses métodos
respondentes aos 8 anos de idade, depois 3 tapode ser aplicado a uma criança. Dessa pesrefas para crianças de 9 anos, uma das de 10 e
quisa não se espera uma descrição detalhada
duas das de 11, e nenhuma das tárefas para
e analítica dos fatos, mas uma comprovação
crianças de 12 anos. Por cada tarefa resolvida
mais ou menos integral dos grupos e das forem qualquer nível calcula-se 1/5 de ano. Por-
tenha a possibilidade de recordar que aspectos e quais alunos foram registrados de forma
suficiente por ele nas observações e quais ainda não foram representados em seu diário. Essa
casualidade e falta de sistematização da observação de um instante para o outro, de um
dia para o outro, priva a observação de um
caráter ativo e eficaz.
Da aspiração a superar essas deficiências
surgiu outra forma de observação psicológica,
sumamente popular, ligada estreitamente à
__pesquisa do talento. Essa segunda forma pode
" (' )ser denominada "pesquisa experimental" da
',f:l,personalidade
do a-lunô: - - .
--->
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
291
tanto, o cálculo é o seguinte: 8ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
+ 3/5 + 1/5 +
Esse mesmo objetivo possui o método de
Rossolimo,
chamado por seu autor de "perfil
2/5 = 9 1/5.
Essa cifra determina a "idade mental da
psicológico'} porque nele não se estudam as
formas integrais do comportamento, mas alcriança". Agora só resta encontrar a diferença
entre a idade mental e a física, e expressar o
gumas funções psíquicas: a memória, a atenatraso ou o superdesenvolvimento da criança.
ção, a vontade, a receptividade, a sagacidade
Isso é o que daria a diferença entre a idade
etc. Cada função é comprovada com a ajuda
física e a mental. Assim, em nosso exemplo
de 10 testes. O teste resolvido é marcado com
um [sinal] de mais, o não-resolvido com um
[seria] 9 1/5 - 8 = 1 1/5; ou seja, esse menino
[sinal] de menos; a soma total dos [sinais] mais
superou sua idade em 11/5. Depois se calcula
para uma determinada função caracteriza sua
outra relação entre a idade mental e física, que
altura. Isso depois é transferido graficamente
também é um indicador do atraso ou da intelipara uma folha dividida em 10 colunas, no qual
gência da criança.
Por último, presta-se" atenção à quantidaa quantidade de testes resolvidos é marcada
de de níveis evolutivos que estão entre os limicom pontos na altura correspondente.
tes. A idade mental da criança pode corresponDepois se extrai a média aritmética que
deve caracterizar a inteligência geral da criander à sua verdadeira idade ou mesmo pode
ça. Além disso, extrai-se separadamente a mésuperá-Ia, mas apesar de todo o seu desenvoldia de acordo com três grupos: a média aritvimento não deve ser admitida como normal,
pois a cifra da idade mental pode estar commética dos processos volitivos, da memória e
posta por diferentes tarefas, dispersas em tal
dos processos associativos.
quantidade de níveis evolutivos que esse deExistem formas aproximadamente iguais
senvolvimento deve ser qualificado como evide testes para pesquisar as representações elementares em crianças de distintas idades. A
dentemente não-uniforme.
deficiência comum a esse tipo de pesquisas exEssa é a exposição sucinta do método de
perimentais consiste em que se coloca como
Binet-Simon. Sua particularidade consiste em
fundamento uma noção absolutamente errôque ele tenta investigar processos psíquicos de
nea sobre certos dons de inteligência gerais.
caráter complexo por meio de seus testes, toNão há dúvida de que essa teoria é baseada na
mando formas particulares de comportamento
concepção da "psicologia das capacidades", que
como elas se encontram
na vida, e não
já morreu cientificamente. O próprio conceito
desmembradas, como quando se estuda sepade dom intelectual deve ser substituído pelo
radamente a memória, a atenção e outras funconceito de aptidão especial.
ções. Binet seleciona os atos nos quais se exTambém não podemos deixar de destapressa a combinação de reações características
car
o
nexo desses sistemas com a velha escola,
de um determinado nível. Por isso, os testes de
que baseava todos os recursos educativos em
Binet podem ser facilmente adaptados a diferentes países e representar - enquanto não fo- uma aprendizagem intelectual e, portanto, esses sistemas representavam apenas a pesquisa
rem criados novos testes para substituí-Ios - um
do intelecto, mas não das esferas emocional e
recurso de orientação breve, que permite verivolitiva dos alunos.
ficar três novos aspectos. Em primeiro lugar, ele
Por esse motivo, tais sistemas intelectuaserve para distinguir, entre o conjunto de crianlizavam unilateralmente a personalidade da
ças normais, um grupo que, por sua falta de
criança e, desse modo, apresentavam-na de fordesenvolvimento, pode ser considerado anorma errônea. Por último, é inerente a esses sismal e tem de ser diferenciado em uma instituitemas a insuficiência de todas as pesquisas
ção educativa especial. Em segundo, serve para
experimentais, isto é, a artificialidade, pois o
demonstrar a maior ou menor gravidade do
sujeito da prova é colocado sempre em uma
desenvolvimento de uma massa atrasada de
situação incomum. Isso não oferece a garantia
crianças. E, em terceiro, é útil para acompanhar
de que a memória ou a atenção do aluno funo desenvolvimento infantil, medindo a cada ano
cionaria na escola exatamente da mesma mao quanto as crianças avançam.RQPONMLKJIHGFEDCBA
292RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P a r a a s de 7 a n o s : Apontar
para a mão
neira que funcionava no laboratório. Por isso,
direita e a orelha esquerda. Copiar uma graapesar de a pesquisa experimental
oferecer
vura.
Realizar 3 tarefas não muito importanvantagens
não-comuns
- no sentido de ser
tes. Dizer qual é a soma de 3 moedas simples e
possível provocar em nossa vontade a mudande 3 duplas. Mencionar 4 cores.
ça que se deseja no comportamento
do aluno
P a r a a s de 8 a n o s : Comparar
de cor 3 pa-, ela apresenta
as deficiências
próprias de
res de objetos. Contar em ordem inversa de 20
qualquer experimento, ou seja, coloca o aluno
a O. indicar as partes que faltam em desenhos.
em novas condições e, por isso, não se pode
ter certeza de obter conclusões totalmente cerDizer a data. Repetir uma série de 5 números.
P a r a a s de 9 a n o s : Dar o troco de 20 detas. Portanto, o método experimental,
ao deipois de ter gasto 16. Definir 5 objetos. Denoxar de lado [a naturalidade]
da observação, é
minar todas as moedas de um mesmo tipo do
portador de novas imperfeições.
sistema monetário nacional. Nomear os meses
A saída de ambos reside em um terceiro
respeitando sua ordem. Responder a 3 pergun}-, sistema de pesquisa psicológica, denominado
';'j. ~'experimento natural".ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tas abstratas fáceis.
/ ', : . . '- '''''"
- A título de -ilustração, reproduzimos
o
P a r a a s de 10 a n o s : Colocar em ordem 5
caixinhas de diferente peso. Desenhar de cor
método de Binet em uma exposição que pertence a K. P.Viesilovskaia.
uma planta simples. Encontrar os absurdos em
4 frases. Responder perguntas abstratas mais
difíceis. Redigir 2 orações usando 3 palavras
o M É T O D O D E B IN E T -S IM O N
dadas.
P a r a a s de 1 2 a n o s : Opor-se a uma sugesPara determinar o nível de inteligência e
tão (por exemplo, mostram-se
6 pares de lide atraso das crianças de diferentes idades, Binet
nhas à criança, sendo a longitude do primeiro
e Simon indicam as tarefas na seguinte ordem:ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
par de 4 e 5 em, do segundo de 5 e 6 em e do
terceiro de 6 e 7 cm. As linhas dos pares restantes são todas de 7 em; se a criança, ao comP a r a c r i a n ç a s de 3 a n o s : Apontar para sua
parar o quinto e o sexto pares, continuar afirboca, seu nariz e seus olhos. Repetir uma frase
mando que as linhas que estão do lado direito
de 6 palavras. Repetir um par de números ensão mais compridas, isso é computado como
tre três pares determinados. Denominar alguns
resposta sugerida). Redigir 1 oração simples
objetos em uma gravura.
ou composta com 3 palavras dadas. PronunciP a r a a s de 4 a n o s : Dizer qual é seu sexo.
ar em 3 minutos mais de 60 palavras. Definir
Citar três objetos de uso doméstico: faca, chatrês conceitos abstratos. Restabelecer a ordem
ve, moedas. Repetir uma série de três númeintencionalmente
alterada de certas palavras.
ros. Comparar suas linhas (de 5 e 6 em e dizer
P
a
r
a
a
s
de
1
5
a n o s : Repetir uma série de 7
qual delas é a mais longa.
números. Escolher 2 rimas para 1 determinada
P a r a a s de 5 a n o s : Comparar
dois pares
palavra. Construir 1 frase com 26 sílabas. Exde caixinhas de 3 e 12 e de 6 e 15 gramas e
plicar o significado de 3 gravuras. Extrair a conmostrar a mais pesada delas. Desenhar um
clusão de uma série de fatos."
quadrado. Repetir uma frase de 10 palavras.
Enumerar
4 moedas simples.
Montar um
paralelogramo
a partir de 2 linhas.
A criança que realizar todas as tarefas
P a r a a s de 6 a n o s : Dizer que horas são.
propostas para uma determinada
idade é conDefinir ou descrever de forma simples 5 objesiderada normal; a que realizar apenas as tatos. Desenhar um losango. Somar 13 moedas
refas da idade precedente é considerada atraiguais. Comparar dois rostos do ponto de vista
sada em um ano. Considera-se que quem reaestético (de acordo com desenhos que estão
lizar as tarefas do ano posterior supera em um
nos álbuns especiais do teste de Binet-Simon).
ano as de sua mesma idade.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
293
oRQPONMLKJIHGFEDCBA
E X P E R IM E N T O N A T U R A L ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
nalada com um
ponto na circunferência
correspondente. Unindo todos os pontos, obtemos
o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
próprio nome desse método parece pauma linha quebrada fechada que é chamada
radoxal, pois um experimento sempre pressude "estrelinha de Lazurski" e que nos ajuda a
põe formas artificiais de pesquisa, e "experimenjulgar de forma direta, por suas saliências e
to natural", levando em conta o significado liteentrâncias, o desenvolvimento
de diversos asral das palavras, equivale a "quadrado redonpectos do comportamento
do aluno.
do" ou "água seca"." Entretanto, esse método
Temos de dizer que tal método constitui
criado pelo professor Lazurski" constitui uma
essa linha média que, evidentemente,
está dessíntese da observação e do experimento e serve
tinada a desempenhar
um papel importante
para evitar os aspectos negativos de ambos e
no desenvolvimento
do experimento
pedagóconservar seus aspectos positivos.
gico. Entretanto,
temos de frisar que os três
Lazurski afirma que, quanto mais elevamétodos de estudo psicológico da criança aindo e complexo for o fenômeno pesquisado,
da se encontram em estado embrionário e são
mais simples e próximo da vida deve ser o
utilizados apenas de forma transitória. As três
método aplicado. O que ocorre é que os difeformas devem ser revistas e essa reforma deve
rentes elementos do comportamento
se combasear-se no conceito de reação, isto é, na cabinam de forma tão complicada que é preciso
racterização
da personalidade
da criança em
escolher formas sintéticas de observação.
interação com seu ambiente.
No experimento natural, o professor que
pretende efetuar a observação elabora anteciNOTAS
padamente um programa e um plano das tarefas realizadas habitualmente,
por exemplo, nas
l. Já nos referimos a Binet no Capo 7. Binet foi
aulas de língua, física, desenho, educação físium psicólogo que estudou as capacidades de
ca e jogos. Os alunos, que nem suspeitam que
raciocínio e outros processos psíquicos superiosão objeto de um experimento, consideram que
res nas crianças, a noção de inteligência e as
estão tendo as aulas habituais. Com isso, o tradiferenças individuais - o que fez estudando
balho dos alunos transcorre em condições norsuas próprias filhas. Binet teve uma trajetória
mais, e eles não sentem sobre si o olhar atento
sinuosa. Abandonou
a carreira de advogado
do experimentador.
para se dedicar a estudos médicos em um hosNo entanto, o professor conduz a aula
pital. Depois, se incorporou ao laboratório de
como experimentador;
elaborou previamenpesquisa da Sorbonne, do qual chegou a ser
diretor. FundouZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L A n n é e P s y c h o l o g i q u e , a primeite um programa e considera cada resposta do
ra
revista
francesa
de psicologia. Foi um dos
aluno como certa manifestação
que permite
fundadores da psicologia experimental franceesta ou aquela interpretação
de seu comporsa. Criou um laboratório de docência experitamento. Em geral, para a pesquisa é formamental em Paris e também publicou estudos
do um grupo de 4 ou 5 alunos. As perguntas
sobre a sugestão e a histeria. Com Th. Simon,
podem variar enormemente,
e o programa do
criou um método para medir a inteligência, exexperimento
pode ser aplicado nas formas
plicado no presente capítulo. Essa escala de memais diversas e flexíveis.
dição da inteligência foi realizada a pedido do
É possível unir uma série de diferentes
Ministério de Instrução Pública da França, a
programas compostos de tal modo que, no repartir de 1905. Cf. A. Binet e Th. Simon, O d e sultado final, seja possível obter uma caractes e n v o lv im e n to
d a i n t e l i g ê n c i a n a s c r i a n ç a s , trad.
russa de 1911.
rização integral do aluno. Ao mesmo tempo,
2.
Theodore
Simon (1873-1961) foi um psiquiaos dados obtidos são qualificados de acordo
tra
francês
que estudou a relação entre o decom três valorações: normal, acima e abaixo
senvolvimento corporal das crianças e sua cada norma. O círculo está dividido em setores,
pacidade intelectual. Trabalhou com crianças
e cada um deles corresponde a algum aspecto
portadoras de deficiências mentais em um lado comportamento.
De acordo com a avaliaboratório de psicologia fisiológica, para o qual
ção de uma determinada
função, esta é assi-
,
,
294RQPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
também convidou Binet. Juntos, elaboraram a
cos de oxímoron são: "neve ardente", "vitoriosa derrota", etc.
famosa escala que leva seus nomes.
3. Aqui, Vigotski se refere a G. I. Rossolimo,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P s ijo 6. Aleksandr Fiodorovitch Lazurski (1874-1917 foi
lo g u ic h ie s k i p r o J ili. K o lic h ie s tv ie n o ie is lie d o v a n ie
um psicólogo russo que estudou a personalidau n o r m a ln o m
i p a q to lo p s i i j i c h i e s k i j p r o t s i e o v ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
de e o caráter. Preocupou-se com a busca de
g u ic h ie s k o m s o s to ia n ia j [ P e r fis p s ic o ló g ic o s . U m a
métodos confiáveis para pesquisar a psique da
p e s q u i s a q u a n t i t a t i v a d o s p r o c e s s o s p s í q u i c o s em
criança. A concepção do "experimento natural"
está exposta em seu manual: A. E Lazurski,
e s t a d o s n o r m a i s e p a t o l ó g i c o s ) , Moscou, 1910.
P s ijo lo g u ia o b s c h a ia i e k s p e r im e n ta ln a is
[ P s ic o Grigori Ivanovitch Rossolimo (1860-1928) foi
de cuja terceira edium neuropsicólogo russo que inventou uma
lo g ia g e r a l e e x p e r im e n ta l),
ção, publicada em 1925 em Leningrado, Vigotski
grande variedade de instrumentos médicos.
foi co-editor,junto com A. R. Luria, N. E Dobrinin
Criou uma bateria de testes para estabelecer o
e V.A . Artiomov, seus colegas do Instituto de
estado das funções psíquicas em pacientes com
lesões cerebrais. Uma neurite e um reflexo lePsicologia - e autor do prólogo. O prólogo foi
vam seu nome.
escrito em 1924 (cf. O b r a s ... , op. cit., p. 23-37).
4. Já dissemos no prefácio que a tradução de
A primeira edição desse livro tinha sido
Silverman tem numerosas supressões, das quais
publicada 15 anos antes e considerava-se que o
destacamos apenas algumas. E s t a , porém, deve
manual podia continuar sendo útil, ante a auser assinalada: precisamente aqui termina o
sência de outros, embora fosse necessário
Capo 18 na edição norte-americana deste livro.
atualizá-Ia. Para isso, Vigotski e colegas supriTudo o que vai daqui até o fim do capítulo simmiram um capítulo - sobre as vivências religioplesmente foi eliminado!
sas - e muitos trechos, que iam de um par. de
palavras a uma página inteira; entre colchetes,
5 G r o s s o m o d o , Vigotski se refere à figura retórica denominada "oxímoron", Exemplos clássitambém acrescentaram muita coisa .
...
..-_-.
.
.
A P s ic o lo g ia e o P ro fe s s o r
do professor. No entanto, no presente livro esboçamos mais de uma vez considerações geD O T R A B A L H O D O C E N T E zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
rais sobre a questão, pois, sem nenhuma disAté aqui nos ocupamos da psicologia do
cussão sobre elas, a obra ficaria incompleta.
Por isso, na conclusão do livro, corresponde
processo pedagógico do ponto de vista do educando. Empenhamo-nos em esclarecer as leis e
discutir essas considerações básicas, para cominfluências às quais a educação está subordinapletar e terminar a apresentação.
da em relação à criança. As molas psicológicas
Devemos dizer que cada teoria da educado processo educacional, ínsitos à psique infanção apresenta suas próprias exigências ao protil, constituíram o tema de todas as nossas confessor. Para a pedagogia de Rousseau, o prosiderações anteriores. Assim é apresentada a
fessor é o guardião e o protetor da criança conquestão na maioria dos atuais cursos de psicotra a corrupção e as más influências. Para
Tolstoi,
[o educador] deve ser necessariamente
logia pedagógica.
Entretanto, esse estudo é sumamente inuma pessoa virtuosa que, com seu exemplo
completo e unilateral. Para abranger totalmenpessoal, contagie a criança. Para a pedagogia
é aquele que sabe cumas cética, o educadorZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
te o processo integral da educação e apresenprir o preceito: "Quebre a vontade de sua criantar à luz da psicologia todos os principais asça para que não se arruíne". NoZYXWVUTSRQPONMLKJI
D o m o s tr o i'
pectos de seu transcurso, também é preciso
também são exigidas novas qualidades do edulevar em conta a psicologia do trabalho docador, quando se prescreve:
cente e mostrar a que leis ela está sujeita. Isso
não pode ser incluído no objetivo deste breve
capítulo final; só poderia ser desenvolvido em
Castigue seu filho desde a juventude e ficará
um curso completo de psicologia pedagógica,
tranqüilo na velhice e dará beleza à sua alma.
E não desanime no momento de espancá-Ia;
porém essa é uma questão do futuro.
se bater nele com uma vara ele não morrerá,
A ciência ainda não chegou aos dados e
mas ficará mais sadio. Espanque-o, portanto,
às descobertas que lhe permitiriam encontrar
no corpo, e assim livrará sua alma da morte.
a chave para a psicologia do professor. Dispomos apenas de dados fragmentários, observaPara Guyau, um professor é um hipnotições descontínuas ainda não organizadas em
zador,
e os bons professores devem se parecer
um sistema, e algumas tentativas de natureza
com os hipnotizadores, ou seja, devem induzir
puramente prática relacionadas
à seleção
e submeter a vontade alheia. Para Pestalozzí?
psicotécnica dos professores. Cabe observar
e Froebel," o educador é o jardineiro das crianque, também no campo da psicotécnica, a elaças. Para Blonski, o educador é um engenheiboração de um psicograma do professor aprero que usa a antropotécnica [antropotejnika]
senta maiores dificuldades que para as demais
e a pedotécnica, isto é, um engenheiro cuja
profissões [cf Capo 16].
ciência do cultivo dos seres humanos funciona
Assim, temos de admitir que será difícil
como o cultivo das plantas e a criação do gado,
escrever agora, na área da psicologia pedagócomo uma ciência semelhante a estas.
gica, um capítulo científico sobre o trabalho
A NATUREZA
P S IC O L Ó G IC A
296ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Muitos compararam o trabalho do professor com o do artista, destacando como fundamentais os aspectos da criação individual.
Outros, pelo contrário, como Kornenski," por
exemplo, afirmaram que "cabe desejar que o
método do ensino humano seja mecânico,
isto é, deve prescrever tudo de forma tão definida que tudo o que se aprende e estuda
certamente será bem-sucedido". Esse mesmo
autor denominou o ensino "máquina [mashina] didática". Pestalozzi apoiou o mesmo
critério.
Conseqüentemente, vemos
que cada no,
ção sobre o processo pedagógico está ligada a
um critério particular sobre a natureza do trabalho do educador. Por isso, compreende-se
que o novo ponto de vista pedagógico que pretende criar um novo sistema de educação também suscite um novo sistema de psicologia
pedagógica, isto é, uma disciplina científica que
o justifique. Mas subentende-se que o novo sistema de psicologia pedagógica, ou seja, o novo
critério sobre a natureza do processo educativo, que tenta esclarecer absolutamente todos
os aspectos e elementos a partir de uma concepção unifica da, leve a uma nova concepção
do trabalho do professor.
Em um dos primeiros capítulos [o Capo4]
destacamos que, do ponto de vista de seu próprio trabalho, o professor representa uma pessoa envolvida em um fenômeno essencialmente
dual, como qualquer tipo de trabalho humano.
O professor atua, por um lado, no papel de simples fonte de conhecimentos, de livro de consulta ou dicionário, de manual ou expositor, em uma
palavra, de auxiliar e instrumento da educação.
Ao mesmo tempo, é fácil perceber que,justamente esse aspecto do trabalho docente - como já se
demonstrou - na escola czarista constituía nove
décimas partes do conteúdo de todo o trabalho
do professor. Agora, esse papel vai se anulando
cada vez mais e é substituído de todas as maneiras possíveis pela energia ativa do próprio aluno, que deve buscar os conhecimentos, buscálos sozinho, mesmo quando os recebe do professor, sem deglutir o alimento que este lhe oferece.
Já abandonamos o preconceito de que
supostamente o professor deve educar. Estamos
longe desse critério, assim como daquele que
pressupõe que o homem deve carregar fardos
pesados. Nesse sentido, Ellen Key está certa,
ao dizer que o verdadeiro segredo da educação reside em não educar. Como todos os outros processos da natureza, o de desenvolvimento está submetido às mesmas leis férreas
da necessidade. Portanto, os pais e educadores "têm tanto poder ou direito de prescrever
as leis a esse novo ser quanto de indicar às
estrelas seu caminho"."
O aluno se auto-educa. As aulas do professor podem ensinar muito, mas só inculcam
a habilidade e o desejo de aproveitar tudo o
que provém de mãos alheias, sem fazer nem
comprovar nada. Para a educação atual não é
tão importante ensinar certa quantidade de conhecimentos, mas educar a aptidão de adquirir esses conhecimentos e valer-se deles. E isso
só se consegue - assim como tudo na vida - no
próprio processo de trabalho e da conquista
do saber.
Como não se pode aprender a nadar permanecendo na margem e, pelo contrário, é preciso se jogar na água mesmo sem saber nadar, a
aprendizagem é exatamente igual, a aquisição
do conhecimento só é possível na ação, ou seja,
adquirindo esses conhecimentos.
Portanto, o professor tem um novo e importante papel. Ele tem de se transformar em
organizador do ambiente social, que é o único
fator educativo. Sempre que ele age como um
simples propulsor que lota os alunos de conhecimentos, pode ser substituído com êxito por
um manual, um dicionário, um mapa ou uma
excursão. Quando o professor dá uma aula ou
explica uma lição, ele assume só em parte o
papel de professor, precisamente na parte de
seu trabalho em que estabelece a relação da
criança com os elementos do ambiente que
agem sobre ela. Mas sempre que expõe apenas fragmentos de algo preparado, ele deixa
de ser professor.
O maior perigo ligado à psicologia do professor consiste precisamente no fato de que,
em sua personalidade, esse segundo aspecto
tende a predominar. Ele começa a se sentir no
papel de instrumento da educação, no papel
de um gramofone que não temZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE
v e z própria e
canta o que o disco lhe indica. Temos de dizer
francamente que, desse modo, toda profissão
docente imprime traços típicos
permanentes
,
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
297
em seu portador e cria lamentáveis figuras que
tos que respiram atividade e vida. Em qualassumem o papel de apóstolos da redundânquer tarefa docente antes da Revolução [de
cia. Não é por acaso que o professor, esse deOutubro], sentia-se um certo cheiro azedo de
pósito ambulante de dados, sempre pareceu
mofo, como a água estagnada que não flui. E
uma figura humorística, objeto de brincadeiisso não era superado pela teoria corrente soras e burlas, e sempre foi um personagem côbre a missão sagrada do professor, sobre sua
mico, começando pelas comédias antigas e tercompreensão dos objetivos ideais.
minando com os relatos contemporâneos. OZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Os psicólogos exigiram do professor uma
H o m e m n o e s t o j o de Tchekov, ou esse [outro]
inspiração educativa que, em seu parecer, depersonagem seu que dizia permanentemente
finia a personalidade docente. Tratava-se da
"o Volga desemboca no Mar Cáspio" e "o cavareceptividade interna do professor. Expriminlo come aveia e feno" são terríveis justamente
do com maior clareza esse ponto de vista,
porque representam uma imagem vívida de
Münsterberg [p. 316J afirma:
falta de personalidade, do sentimento e do pensamento definitivamente perdidos."
o professor que não sente a beleza e a sanO fato de que o [rio] Volga desemboca
tidade de sua vocação, que não entrou na
escola porque seu coração está repleto do
no Mar Cáspio é de extraordinária importândesejo de ensinar a juventude, mas só para
cia científica, de enorme significado educatiter trabalho e se sustentar, esse professor
vo; portanto, o ridículo não reside nisso. O riprejudica os alunos e prejudica ainda mais
dículo é que esse fato se transformou em uma
a si mesmo."
capa em torno do homem que a usa durante a
vida inteira e, por isso, deixa de existir. Em uma
Exigia-se inspiração do professor e, com
velha comédia sobre esse tipo de professor de
esse
entusiasmo,
ele devia alimentar o aluno.
estojo, diz-se que a verdade não é muito inte[Continua o mesmo autor, p. 317:J
ligente se, na maioria das vezes, seus pregadores são tontos.
Pode-se dizer do professor que está atrás de
O que se expõe aqui de forma caricatural
sua mesa o mesmo que do sacerdote que está
é, em essência, o traço que apresenta o profesno púlpito: sem fé no coração, está condenasor tratado como uma ferramenta da educado. [...] Em compensação, quando o entusiasÉ sumamente curioso que os mesmos tição.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
mo comove sua alma, tudo se toma vivo e
pos de professores pintados por Tchekov taminspirador. [...] Não é preciso distorcer a persbém existam entre os professores que dão aupectiva, não há necessidade de falar dos verlas de estética durante 30 anos sem compreenbos irregulares como se fossem o centro do
der nada do assunto e estão plenamente
mundo intelectual. Cada coisa deve permaconvencidos
de que o importante
não é
necer em seu lugar e deve ser explica da de tal
modo que a importância do saber, tomado em
Shakespeare, mas as notas acrescentadas à sua
seu conjunto, baseia-se em cada partícula. É
obra. A essência do assunto, portanto, não reclaro que o professor se interessa por um maside de forma alguma na escassa quantidade
terial particular porque é consciente de sua
de conhecimentos, na limitação dos horizonrelação multiforme com outros problemas
tes, nem na insignificância dos próprios fatos.
mais vastos. O verdadeiro interesse do proA essência do assunto não reside no fato de
fessor tem a ver com o que não pode mostrar
que o homem não é muito brilhante e sabe
ao aluno, porém em sua mente serve como
pouco, mas no fato de que a transformação do
fundo geral para os elementos que expõe. Por
homem em uma "máquina educativa" o ofusoutro lado, o interesse do aluno é estimulado,
ca de forma extraordinária, por sua natureza
porque o entusiasmo do professor se transfepsicológica.
re ao material que ele ensina e que, em caso
contrário, seria indiferente.
Portanto, a exigência fundamental que as
novas condições impõem ao professor é a mais
Essas palavras foram ditas por Münsterberg,
completa rejeição a esse estojo e, em contraum dos fundadores da psicotécnica, e ele não
partida, o desenvolvimento de todos os aspec-RQPONMLKJIHGFEDCBA
298RQPONMLKJIHGFEDCBA
L 1 E V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
encontrou nada melhor que a fé entusiasta no
valor dos ideais humanos para nela basear o trabalho docente. Desse ponto de vista, o certo se
mistura ao incorreto. Ele está profundamente
correto quando, em linguagem psicológica,
exige do professor certo temperamento emocional inato. Aquele que não é ardente nem
frio; mas só temperado, nunca poderá ser um
bom professor. Münsterberg [p. 320] também
tem razão quando destaca o perigo de que o
trabalho docente passe cada vez mais às mãos
das mulheres:ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
,
.
Se a educação dos meninos pequenos durante os anos em que suas características viris se desenvolvem estiver a cargo de mulheres, isso não pode deixar de representar
um perigo para os melhores interesses da
comunidade.
Também é verdade que, devido à correlação econômica de forças, a profissão de professor se transformou no lugar para o qual confluem todos os desadaptados, os frustrados, os
que sofreram fracassos em todos os campos da
vida. A escola é o cais para o qual a vida leva
os barcos que precisam de conserto. Por isso,
para a profissão de professor cria-se uma seleção natural de um material humano fraco,
impróprio e mutilado. É simbólico o fato de
que, em certa época, os soldados que passavam para a reserva se transformavam em professores. Também agora os soldados que já se
retiraram da vida representam três quartas
partes dos professores. Um professor escreveu
o seguinte:
É terrível que, entre os professores, haja tantos solteirões de ambos os sexos e, em geral, todos os tipos imagináveis de fracassados. Como é possível confiar a vida das crianças a quem não conseguiu realizar sua própria vida?
É preciso dizer francamente
que só os
mais aptos podem se tornar professores. O
ponto de vista atual também coincide nesse
ponto. Por outro lado, também há um consenso de que o professor tem de saber muito. Deve
dominar por completo o tema que ensina. Diz
Münsterberg:
Um professor deve beber de uma copiosa fonte. Não é suficiente saber o que, de acordo
com suas exigências, os alunos devem saber,
nem que prepare à noite, apressadamente, as
respostas às perguntas que lhes fará na manhã seguinte. Só pode dar respostas interessantes aquele que pode dar cem vezes mais
do que lhe corresponde. Quando o professor
explica qualquer poema simples, há uma enorme diferença se ele conhecer ou não toda a
literatura; sua aula de ciências naturais pode
apresentar os mais simples elementos mas, de
qualquer forma, estes fazem imaginar as imensas perspectivas da ciência contemporânea.
Isso pode ser comparado com o processo
de caminhar; podemos nos sentir seguros quando andamos desde que o caminho seja visível
a uma distância de mil passos e esteja livre de
obstáculos. Esse exemplo esclarece bem o papel atribuído na atual pedagogia aos conhecimentos especializados. Se para dar um passo
real, para apoiar nosso pé, é necessário um
espaço sumamente estreito, para que, então,
precisamos de um caminho amplo e aberto? O
pé não precisa disso, mas a visão sim, para
orientar e regular o movimento do pé. O mesmo acontece com o professor que, embora tenha sido eximido de instruir, tem de saber
muito mais que antes. [... ] Para orientar os
próprios conhecimentos do aluno é preciso
saber muito mais que ele.
Até agora, o aluno sempre descansava no
esforço do professor. Olhava tudo com seus
olhos e julgava com sua mente. Está na hora
de ele usar seus próprios pés e compreender
que o professor pode ensinar muito poucos
conhecimentos ao aluno, assim como não é
possível uma criança aprender a caminhar por
meio de aulas, nem com a mais cuidadosa demonstração da marcha artística de um professor. Deve-se impulsionar a própria criança a
andar e cair, sofrer a dor dos machucados e
escolher a direção. E o que é verdade com relação a caminhar - que só se pode aprender
com as próprias pernas e com as próprias que-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
299
das - também pode ser aplicado a todos os
mular o sentido do aluno e inspirá-Ia. Mas
aspectos da educação.
mesmo quando a inspiração chegava à consEntretanto,
existe uma profunda diverciência dos alunos, sempre era mal orientada
gência entre a linha da pedagogia czarista e a
e se transformava
em adoração ao professor,
nova no que se refere à teoria da inspiração
assumindo formas profundamente
antipedaidealista do professor. Münsterberg
diz algo
gógicas.
sumamente correto quando se refere ao vínEm nenhuma parte a doença da pedagoculo de cada fato particular com o valor global
gia czarista perfilava-se com tamanha clareza
de todo um tema e quando diz que a vivência
quanto nos casos em que, em vez de uma guerdo valor deve ser comunicada ao aluno mesra franca entre aluno e professor, surgiam remo quando se estudam os verbos regulares. O
lações amistosas. Esse endeusamento
do "proerro reside apenas na determinação dos meios
fessor predileto", que assumia a forma de adocom cuja ajuda os psicólogos esperavam obter
ração, de fato constituía um sério problema
o sucesso desejado.
psicológico, similar àquilo que, na psicanálise,
Eles consideravam
que a garantia desse
é chamado de "transferência".
Os psicanalisêxito estava na inspiração que o professor contas entendem por isso a relação falsa que surtagia, na experiência que está na própria menge entre o neurótico e o médico que o trata,
te do professor, no interesse que surge no aluquando se encontra na personalidade
do méno inspirado por um professor. Mas esse consdico o mórbido interesse neurótico, quando se
titui o maior dos erros psicológicos. Em privinculam a ele os interesses que alimentam a
meiro lugar, a inspiração representa psicologineurose e quando essa personalidade
forma
camente um processo tão raro e difícil de reum tabique entre o meio circundante e o mungular que, sobre essa base, é impossível consdo interno do paciente.
truir qualquer tarefa vital. Ou se obtém uma
Portanto, a tarefa consiste em provocar
falsa inspiração - essa imagem de falsa paixão
no aluno sua própria inspiração e não em presquando o professor fala dos verbos irregulares
crever ao professor - como se fazia nas circucomo se realmente fossem o centro do univerlares do Ministério Prussiano de Educação so -, ou se consegue uma inspiração que não
que se entusiasmasse
ao descrever a história
contagia, como a de um ator que sofre sinceda pátria.
ramente e chora com lágrimas de verdade, mas
A inspiração é parente do charlatanismo;
provoca riso no espectador. Quantas vezes um
o entusiasmo, da fraude. Há uma idade para a
inspiração inclusive na poesia, esse eterno reprofessor entusiasta está em uma situação semelhante!
fúgio dessa força escura. Dificilmente um emQualquer um de nós também recorda o
presário norte-americano
confiaria a direção
outro nobre tipo de professor, isto é, o Dom
de sua fábrica à inspiração do diretor e o coQuixote idealista que se entusiasmava sem cesmando de um barco ao entusiasmo do capisar com os contornos da Líbia ou da ilha de
tão. Sempre preferirá um engenheiro especializado e um sábio marinheiro.
Está na hora
Madagascar, para o imenso regozijo de seus
de que também a pedagogia comece a trilhar
alunos.
esse caminho e busque pessoas que conheçam
Na verdade, não basta ser um professor
exatamente
as leis e a técnica dos caminhos
inspirado, porque nem sempre essa inspiração
pelos quais se cria na alma infantil a própria
chega ao aluno. Seria melhor fazer com que os
alunos se entusiasmassem
por si mesmos. Cosinspiração.
tumava ser ainda pior quando não havia insConseqüentemente,
oZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCB
c o n h e c im e n to
exapiração e - como em um frio ator - aparecia
to d a s l e i s d a e d u c a ç ã o é, s o b r e t u d o , o q u e s e
e x i g e d o p r o f e s s o r . Nesse sentido podemos aplino professor um fervor afetado, retórico, que
car a expressão de Münsterberg de que devem
encontrava uma magnífica expressão no estilo
de alguns dos manuais da época pré-revolucioexistir muitos tipos de professores e que, apesar disso, o autêntico professor sempre é igual.
nária, quando a história ou a geografia era
Esse é o professor que constrói seu trabalho
exposta em um tom altissonante, a fim de esti-RQPONMLKJIHGFEDCBA
300
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
educativo, não com base na inspiração, mas
no conhecimento científico. A ciência é o caminho mais seguro para a conquista da vida.
No futuro, todos os professores basearão
seu trabalho na psicologia, e a pedagogia científica se transformará em uma ciência exata
baseada na psicologia. Segundo Blonski, a pedagogia científica deve se fundarna psicologia pedagógica científica, isto é, biossocial.
Desse modo, em vez de ter um curandeiro teremos um cientista.
Assim, a primeira reivindicação que apresentamos ao professor é que ele seja um profissional cientificamente formado, que seja um
verdadeiro professor antes que um matemático, um lingüista, etc ... Só conhecimentos exatos, cálculo exato e pensamento lúcido podem
se transformar em verdadeiros instrumentos
docentes. Nesse sentido, o ideal primitivo do
professor-babá que exigia que, entre suas qualidades, estivessem a receptividade, a doçura
e o desvelo, não corresponde de forma alguma aos nossos gostos. Pelo contrário, para um
psicólogo, a escola czarista deve ser condenada pelo mero fato de ter transformado a profissão de professor em algo que requeria muito pouco talento. Reduzia o processo educativo a funções tão monótonas e insignificantes
que sistematicamente pervertia o professor da
forma mais profunda possível.
E não se trata de um paradoxo psicológico o fato de que as notas e a cela de castigo, os
exames e a vigilância pervertessem mais o professor que o aluno. O ginásio exercia maior
ação educativa sobre os professores que sobre
os alunos. E um psicólogo poderia escrever
mais de uma página interessante caso decidisse se ocupar da psicologia do professor da época czarista. Agora, à luz da psicanálise, podemos dizer com franqueza que o sistema pedagógico organizado antes da Revolução era um
lugar propício para a formação de todas as
anormalidades possíveis do professor e, no sentido cabal dessa palavra, criava a neurose docente. Nesse sentido,
o personagem
de
Sologub, Peredonov; não representa uma invenção absurda nem monstruosa."
Atualmente, com a crescente complexidade das tarefas exigidas ao professor, a quantidade de recursos que se exigem dele se tor-
nou tão infinitamente diversa e se complicou
tanto que, se um professor desejar ser um pedagogo cientificamente formado, vai ter de
aprender muito.
Antes se desejava apenas que conhecesse
sua matéria e o programa e que soubesse dar
alguns gritos na sala de aula ante um caso difícil. Hoje a pedagogia se transformou em uma
arte verdadeira e complexa, com uma base
científica. Portanto, exige-se do professor um
elevado conhecimento da matéria e da técnica
de seu trabalho.
Além disso, o próprio método de ensino
exige do professor a mesma atividade e o mesmo coletivismo [espírito de grupo] que deve
impregnar a alma da escola. O professor deve
viver na coletividade
escolar como parte
inseparável dela e, nesse sentido, as relações
entre professor e aluno podem alcançar tal vigor, limpeza e elevação que não encontrarão
nada igual em toda a gama social das relações
humanas.
Mas tudo isso representa apenas a metade do problema. A outra metade consiste em
que o professor também tem de responder a
uma exigência precisamente oposta. Deve ser
professor até o fim e, também, não deve ser
apenas professor ou, mais exatamente, deve
ser algo além de sua condição de professor. Por
mais estranho que possa parecer, o magistério
como profissão representa, do ponto de vista
psicológico, um fato falso e, sem dúvida, desaparecerá em um futuro próximo. Naturalmente, isso não significa desdizer o qp.e se expôs
anteriormente sobre a extraordinária complexidade dos conhecimentos especializados de
um professor. O professor do futuro não será
um instrutor, mas um engenheiro, um marinheiro, um militante político, um ator, um operário, um jornalista, um cientista, um juiz, um
médico, etc. Isso não implica, porém, que tenha de ser um diletante em pedagogia. Na própria natureza do processo educativo, em sua
essência psicológica, está implícita a exigência
de um contato e de uma interação com a vida
que sejam o mais estreito possível.
Em suma, só a vida educa e, quanto mais
amplamente a vida penetrar na escola, tanto
mais forte e dinâmico será o processo educativo. O maior pecado da escola foi se fechar e seZYXWVUTSRQ
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-'-._ ,
P S IC O L O G IA
isolar da vida mediante uma alta cerca. A educação é tão inconcebível à margem da vida como
a combustão sem oxigênio ou a respiração no
. vácuo. Por isso, o trabalho educativo do pedagago deve estar sempre vinculado a seu trabalho social, criativo e relacionado à vida.
Só quem assume um papel criativo na
vida pode aspirar à criação na pedagogia. Por
isso, futuramente o professor também será um
participante ativo na vida. Tanto no âmbito da
ciência teórica, do trabalho ou da atividade
prática social, sempre relacionará a escola com
a vida através do ensino. Dessa maneira, o trabalho pedagógico estará "inevitavelmente unido ao vasto trabalho social do cientista ou do
político, do economista ou do artista.
Na cidade do futuro certamente não haverá nenhum edifício com a placa de "escola", porque a escola, que significa - no sentido exato da palavra - "ócio"? e que destinava
pessoas especiais e um prédio especial para
as tarefas "ociosas", passará a pertencer por
completo ao âmbito do trabalho e da vida, e
estará na fábrica e na praça e no museu, e
estará no hospital e no cemitério. Como diz
Münsterberg [p. 317]:
Em cada sala de aula há uma janela; o autêntico professor observará, de sua mesa de trabalho, o vasto mundo, as inquietações das
pessoas, as alegrias e deveres da vida ... [...].
P E D A G Ó G IC A
301
trário: seu papel tem aumentado enormemente, exigindo dele umZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e x a m e s u p e r i o r de v i d a ,
para poder transformar a educação em uma
criação da vida.
~.
A V ID A C O M O C R IA Ç Ã O
A lamentável que exista até hoje a convicção de que o processo educativo, que se expressa na relação entre professor e aluno, se esgota
na imitação, como se isso fosse o mais importante. Inclusive nos novos sistemas de pedagogia marxista por vezes se diz que o reflexo de
imitação é o fundamento da educação:
o
professor deve fascinar, cativar o organismo que se educa com o conteúdo atraente de
seu próprio exemplo; do contrário, todas as
tentativas de colocar em movimento o aparelho refletor do educando serão infrutíferos. (A.
Zalkindj
'?
Tudo isso é essencialmente errôneo.ZYXWVUTSRQ
À
medida que, no mundo dos conhecimentos científicos, o próprio processo pedagógico está se
transformando, modifica-se também a noção
relativa ao fundamento e à natureza da educação. Acima de tudo, amplia-se o próprio conceito de educação. Não se trata apenas da educação, mas da "refundição do homem", conforme a expressão de Trotski." Mas essa refundição, como já reiteramos, precisa utilizar ao
máximo o material inato do comportamento.
Por isso, nenhuma das reações da criança deve
se perder em vão. James diz o seguinte:
E na escola do futuro essas janelas estarão abertas de par em par, e o professor não só
olhará, mas também participará ativamente
dos "deveres da vida". O cheiro de mofo e podridão em nossa escola devia-se ao fato de que,
Peço-lhes que respeitem as reações inatas, innela, as janelas para o amplo mundo estavam
clusive quando quiserem destruir seu vínculo
hermeticamente fechadas e, sobretudo, fechacom certos objetos, para substituí-los por oudas na alma do próprio professor.
tros que desejam transformar em regras. Do
Muitos consideram que, no novo sistema
ponto de vista da arte do professor, o mau
pedagógico, atribui-se um papel insignificante
comportamento é um ponto de partida tão
ao professor, que esta é uma pedagogia sem
válido como o bom comportamento; na verpedagogo e uma escola sem professor. Pensar
dade, com freqüência ele é melhor que o bom,
que, na escola futura, o professor não fará
por mais paradoxal que isso possa parecer. [W
nada, equivale à idéia de que o papel do ser
James, Talks to T e a c h e r s ... , op. cit. no Capo 1,
p.45-46.]
humano na produção mecânica se reduziu ou
anulou. Superficialmente, pode parecer que na
nova escola o professor se transformará em um
O caráter criativo do processo pedagógiboneco mecânico. Na verdade, ocorre o con-RQPONMLKJIHGFEDCBA
co emerge claramente. Assim é possível com-
302
L lE V S E M IO N O V IC H
V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
preender a natureza criativa do processo educativo orientado, não ao mero cultivo dos dons
naturais, mas à criação de uma vida humana
"supranatural" .,
Nesse sentido, a atual pedagogia diverge
radicalmente da teoria da educação natural, cujo
ideal está no passado. Para Tolstoi e Rousseau,
a criança representa um ideal de harmonia que
toda a educação posterior só arruína. Para a
psicologia científica, a criança surge como um
trágico problema na espantosa desproporcionalidade e desarmonia de seu desenvolvimento.
Sem cair no paralelismo biogenético, podemos
dizer, porém, que a criança recém-nascida é uma
condensação da experiência anterior, uma biologia pura, e que durante vários anos de seu
desenvolvimento realmente deve percorrer todo
o caminho seguido pela humanidade, do macaco ao aeroplano.
.
Toda a diferença reside no fato de que
esse caminho é percorrido pela criança com
suas próprias pernas e não de forma paralela
aos caminhos da história. Se levarmos em conta
a enormidade desse caminho, é compreensível que a criança tenha de realizar uma luta
cruel contra o mundo e, nessa luta, o professor terá de pronunciar a palavra decisiva. Nesse momento vem à nossa mente a idéia do ensino como guerra. James afirma:
Quase três quartas partes das orientações de
reflexos sociais atuais, devido à estrutura caótica da humanidade capitalista, são um sistema de fobias sociais, ou seja, de um hábil
distanciamento das ações sociais valiosas; por
isso, a educação no organismo de uma sólida
resultante social é, em sua maior parte, uma
luta encamiçada, oculta ou evidente, entre o
educador e o educando. Por isso, a S o c i o g o [isto é] a P e d a g o g i a , a P s i c o t e r a p i a ) não
g ia
pode nem deve ser apolítica. O verdadeiro
sociógogo, isto é, o educador - e não o gramofone - sempre é político. A educação de reflexos sociais é a educação de uma linha de conduta social do organismo, ou seja, a educação
política. A pedagogia (a Sociogogia) nunca foi
apolítica, pois o trabalho sobre a psique (os
reflexos sociais) sempre inculcou, querendo
ou não, esta ou aquela linha social, isto é,
política, em correspondência com os interesses da classe social dominante que a guiavam.
12
,
Por isso, os marcos da educação nunca se
abriram tão amplamente quanto agora, quando a revolução empreende a reeducação de
toda a humanidade e cria na própria vida uma
orientação clara para a educação. Além disso,
deve-se levar em conta que
a Sociogogia do organismo provoca mudanças
conseqüentes e profundas em toda sua orientação social reflexa, isto é, em todos seus reflexos
sem exceção, pois todos estão impregnados de
elementos sociais. A educação dos critérios, dos
sentimentos, dos conhecimentos, das inclinações; tudo isso não passa de uma expressão parcial e incorreta de uma idéia geral sobre a educação do organismo em seu conjunto, em todas
as suas funções, particularmente em sua parte
social, pois a educação de determinados conhecimentos, sentimentos, etc. é simultaneamente
a educação de determinado t i p o s o c i a l de respiração, digestão, etc. As opiniões e os sentimentos não podem ser separados teórica nem praticamente dos "órgãos" e deve-se terminar o antes possível com essa ficção. [ZaIkind]
A ciência da psicologia e qualquer pedagogia
científica geral baseada nela são muito parecidas com uma ciência da guerra. Em ambas,
os princípios fundamentais são sumamente
simples e definidos, [...] de modo que quem
tiver assimilado os princípios científicos conquistará, tanto no campo de batalha quanto
na sala de aula, vitórias permanentes. Mas em
ambos os casos deve-se prestar atenção a outra magnitude, que não pode ser calculada,
isto é, a mente do adversário. A mente do inimigo, o aluno, tenta paralisar os esforços do
professor com o mesmo zelo com que a mente do comandante hostil tende a desbaratar
os planos do general cientista. [W James,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T a lk s
t o T e a c h e r s ... , op. cit., p. 16-17.]
Temos de acrescentar que também funções
Portanto, a pedagogia vai abrindo passagem pelo lado da luta. [Diz] A. Zalkind:
do organismo, como o crescimento e a formação dos ossos, dependem em boa parte da educação social. Portanto, a educação surge como
o mais vasto problema do mundo, isto é, o problema da vida como uma criação.
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
303
se aclimatar e sua sinceridade pedagógica, as
lições educativas derivadas disso, constituem
a mesma rede da criação artística que acabamos de descrever. Um pedagogo-educador não
pode deixar de ser um artista. Em um pedagoOs elementos fundamentais do processo da
go, a total objetividade é um absurdo. O educriação artística não se distinguem, salvo na
tensão quantitativa, de qualquer outro ato
cador racionalista não educa ninguém.
psíquico, nem mesmo do mais simples. Todo
É claro para todos que, quanto mais inimpulso no aparelho psíquico do homem, uma
tensa for essa sensação de incômodo que remudança insignificante na cadeia dos denopresenta o primeiro impulso para o movimenminados pensamentos, sentimentos, etc., é um
to da psique, mais intenso será esse movimenato de adaptação social da personalidade, uma
to; por isso, a educação e a criação sempre são
manifestação de sua luta social pela autocontrágicas, porque sempre partem do "desconservação. Só o estado, de desconforto social
forto" e do infortúnio, da falta de harmonia. A
provoca uma mudança no aparelho psíquico.
biologia não conhece a teleologia. O mundo
O bem-estar absoluto lhe provocaria um sono
não se desenvolve com um propósito racional
profundo. A fonte de todo movimento da psiparticular.
Precisamente, a infância é a etapa
que, de uma idéia insignificante a uma descoberta genial, é a mesma.
natural da educação porque se trata de uma
etapa de enorme matiz trágico, de falta de
harmonia e de correspondência entre o orgaQualquer idéia expressada, quadro pintanismo e o ambiente. A música da educação
do ou sonata composta nasce de um estado de
surge da pugna para resolver uma dissonância.ZYXWVUTS
desconforto de seus autores, que tentam, mediÀ medida que envelhecemos, passamos a nos
ante a reeducação, modificá-lo, no sentido de
sentir mais adaptados e cômodos na vida, ressua máxima comodidade. Quanto maior é a tenta em nós menos espírito criador e, com maior
são nesse sentimento de desconforto e, ao mesdificuldade, podemos receber a influência da
mo tempo, quanto mais complexo é o mecaniseducação.
mo psíquico do homem, mais naturais e
Não se encontra em nosso caminho toda
irresistíveis serão seus ímpetos pedagógicos e
essa
pedagogia
que açucarava o "dourado temcom maior energia vão abrir passagem para fora.
po da serena infância" e adoçava com água de
O criador sempre pertence à raça dos
rosas o processo pedagógico. Pelo contrário,
desconformes. Por isso, a educação nunca pode
sabemos que o mais poderoso motorda eduse limitar apenas à razão. Para tais obstáculos
cação é o aspecto trágico da infância, como a
e comoções deve haver uma afinidade interna
fome e a sede são inspiradoras da luta pela
entre o educador e o educando e uma proxiexistência. Por isso, a educação não deve oculmidade nos sentimentos e conceitos. A educatar nem velar os duros traços do autêntico "desção é um processo de permanente adaptação
conforto" da infância, mas fazer a criança
mútua de ambos os campos, em que o lado
enfrentá-lo da forma mais aguda e freqüente
mais ativo, o que toma a iniciativa, por vezes é
possível
e estimulá-Ia a vencê-Ia.
o dirigente ou o dirigido.
Ao mesmo tempo, a vida vai se revelanO processo pedagógico é a vida social atido como um sistema de criação, de permanenva, é a troca de vivências combativas, é uma
te
tensão e superação, de constante combinatensa luta em que o professor, no melhor dos
ção e criação de novas formas de comportacasos, personifica uma pequena parte da clasmento. Assim, cada idéia nossa, cada um de
se - com freqüência, ele está totalmente só.
nossos movimentos e vivências constituem a
Todos os seus elementos pessoais, toda a exaspiração a criar uma nova realidade, o ímpeperiência de sentimentos e pensamentos, além
to para a frente, rumo a algo novo.
da vontade, são utilizados sem cessar nessa
A vida só se transforma em reação quanatmosfera de tensa luta social denominada trado se libera definitivamente das formas sociais
balho pedagógico interno. Sua rede de insatisque a deformam e mutilam. Os problemas da
fações pessoais, de incômodos, de esforços paraRQPONMLKJIHGFEDCBA
Nesse sentido, A. Zalkind tem razão quando encontra afinidades entre o processo da criação artística e todos os outros atos psíquicos:
304RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
educação serão resolvidos quando se resolverem os problemas da vida.
Então, a vida do homem se transformará
em uma criação ininterrupta, em um ritual estético, que não surgirá da aspiração de satisfazer algumas pequenas necessidades, mas de
um ímpeto criador consciente e luminoso. A
alimentação e o sono, o amor e o jogo, o trabalho e a política, cada um dos sentimentos e
cada uma das idéias se transformarão em objeto da criatividade. O que hoje se realiza nos
limitados âmbitos da arte, posteriormente impregnará a vida inteira, e a vida 'Se tornará um
trabalho criador.
.
Abrem-se para o educador infinitas possibilidades para a criação da vida em sua infinita
diversidade. Para além dos estreitos limites da
tarefa pessoal e da vida pessoal, ele se transformará em um verdadeiro criador do futuro. Então a pedagogia, como criação da vida, ocupará
o primeiro lugar. Escreve Trotski: 13
Ao lado da tecnologia, a pedagogia, no sentido amplo da formação psíquica e física das
novas gerações, passará a ser a rainha do pensamento social. Os sistemas pedagógicos unirão "partidos" poderosos ao seu redor. As experiências socialmente educativas e a emulação entre os diversos métodos adquirirão dimensões sociais que nem sequer em sonhos
podemos imaginar. [...]
ral da produção e da ideologia, substituindo a
bárbara rotina pela tecnologia e a religião pela
ciência. Depois expulsou o inconsciente da
política, derrubando a monarquia e as castas
com a democracia, com o parlamentarismo
racionalista e depois com a transparência total da ditadura dos s o v i e t e s .14 O elemento obscuro tinha se entrincheirado mais solidamente nas relações econômicas; mas também daí
o homem o está arrancando com a organização socialista da economia. [...]
Por último, no canto mais profundo e escuro
do inconsciente, do incontrolado, do subterrâneo, escondia-se a natureza do próprio homem. Não está claro que para aí estão orientados os maiores esforços do pensamento pesquisador e da iniciativa criadora? A espécie
humana não deixou de se arrastar em quatro
patas diante de Deus, dos Czares e do Capital, para se entregar submissamente às escuras leis da herança e à cega seleção sexual! O
homem liberado quer alcançar um maior equilíbrio no funcionamento de seus órgãos, um
desenvolvimento e desgaste mais uniformes
de seus tecidos, para desterrar o medo da
morte dentro dos limites de uma adequada
reação racional do organismo ante o perigo;
porque não resta dúvida de que a extraordinária falta de harmonia anatômica e fisiológica do homem e a extraordinária falta de uniformidade no desenvolvimento e no desgaste
dos órgãos e tecidos é a causa que concede ao
instinto vital a forma mórbida e histérica do
medo à morte, que nubla a razão e alimenta
as estúpidas e degradantes fantasias de outra
vida além do túmulo.
O homem finalmente começará a harmonizar
seriamente seu próprio ser. Ele se proporá a
meta de ministrar a mais elevada precisão,
racionalidade, economia e, assim, beleza aos
O homem se esforçará por dominar seus prómovimentos de seu próprio corpo no trabaprios sentimentos, por elevar seus instintos
lho, em seu caminhar e no jogo. Pretenderá
ao cume do consciente, por torná-los claros,
dominar os processos semiconscientes e inpor
canalizar sua força de vontade para suas
conscientes de seu organismo: a respiração, a
profundidades inconscientes; e, desse modo,
circulação do sangue, a digestão, a reproduele mesmo se elevará a um nível mais alto;"
ção e tentará, dentro dos limites necessários,
a um tipo sociobiológico superior, ou mesmo
subordiná-los ao controle da razão e da vona um super-homem. [León Trotsky, L i t e r a t u tade. [...] O hoje estagnadoZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
R o m a s a p i e n s se
r a y R e v o lu c ió n ,
Buenos Aires: EI Yunque,
transformará radicalmente e será, por suas
1974, p. 159-161.]
próprias mãos, objeto dos métodos mais complexos de seleção artificial e adestramento
psíquico e físico.
NOTAS
Essas perspectivas são conseqüência de todo
o desenvolvimento do homem. Primeiro, o
homem desterrou o obscuro elemento natu-
1. O D o m o s t r ó i é um tratado de moral, regras de
comportamento e economia doméstica elabo-
P S IC O L O G IA
P E D A G Ó G IC A
305
rado na Rússia no século XVI. Vigotski, que
dagogo humanista clássico. Estudou dois anos
tanto gostava de citar a Bíblia, aqui não se reem Heidelberg. Quando tinha de retomar à
Moravia, gastou todo o seu dinheiro, destinafere a ela; em "Provérbios", 13:24, pode-se ler
o seguinte: "Quem não usa a vara, odeia seu
do ao pagamento do transporte e da comida,
em um 'exemplar do livro De r e v o l u t i o n i b u s
filho; quem o ama, o castiga."
2. Johann Heinrich Pestalozzi (Neuhof, 1746o r b i u m c o e l e s t i u m , de Copérnico. Por isso, teve
1827) foi um pedagogo suíço, representante
de percorrer centenas de quilômetros a pé em
da Ilustração, que dedicou a vida inteiraZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à educondições miseráveis, e esse episódio demonscação. Sofreu as influências de Rousseau e
tra que tipo de pessoa ele era. Comenio Viveu
durante a Guerra dos Trinta Anos, perdeu sua
Basedow, o pedagogo alemão que criou o movimento pedagógico chamado "filantropismo".
casa, sua biblioteca, manuscritos
inéditos e
sofreu vários exílios. Revolucionou a pedagoPestalozzi fundou orfanatos
e escolas para
crianças pobres em sua propriedade de Neuhof.
gia em geral e o ensino do latim em particular;
"Vivia o ano inteiro em companhia de mais de
em sua época, foi traduzido para 16 idiomas.
50 crianças, filhas de mendigos; na pobreza
Escreveu cerca de 200 obras.
compartilhava
meu pão com eles e eu mesmo
5. Ellen Key (1849-1926) foi uma educadora suevivia como um mendigo, para ensinar mendica, partidária da educação livre. Aqui Vigotski
gos a viver como homens", escreveu em seu
se refere a seu livro T h e C e n t u r y o f t h e C h i l d ,
C ó m o G e r tr u d is e n s e iia a s u s h ijo s
cuja primeira edição foi em 1909, em inglês.
melhor livro:ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
(edição em espanhol,
Leipzig: Brockhaus,
6. Aqui, Vigotski menciona dois personagens de
1890. p. 2). Fracassou financeiramente
nessa
dois contos diferentes de Tchekov, que apresene em outras futuras experiências similares. Era
tam características psicológicas semelhantes. O
conhecido em toda a Europa. Froebel, Herbart
personagem de H o m e m n o e s t o j o é um professor de grego chamado Belikov, que costumava
e outros aprenderam com ele. Sua concepção
repetir o vocábulo ''Anthropos'' (cf. A. P.Tchekov,
ideal do ensino é a educação em coletividade;
desenvolveu idéias sobre seqüências de aprenC o n t o s ... op. cit., p. 1194-1210).
Não pudemos
dizagens e ampliou a educação fundamental.
encontrar o conto cujo personagem repete "o
3. Friedrich W A . Froebel (1782-1852)
foi um
Volga desemboca no Mar Cáspio".
pedagogo alemão que concebeu a educação
7. Essa citação, como o resto das citações de
como o desenvolvimento
de aptidões que conHugo Münsterberg
no presente capítulo, são
siderava preexistentes ao homem. Foi um sede seu livro P s y c h o l o g y a n d t h e T e a c h e r , op.
cito no Capo 1. Traduzimos do inglês as citaguidor de Pestalozzi. Criou um sistema original de educação pré-escolar: em 1837 fundou
ções de Münsterberg e fizemos o mesmo com
as de T a l k s to T e a c h e r s ... , de James, op. cito
o primeiro K i n d e r g a r t e n [jardim
de
infância]
I
8. Cf. a nota n!! 6 do capo 13.
do mundo na cidade de Blankerburg, Turingia.
9. A palavra russa s h k o l a tem sua origem no vocáVigotski diria anos mais tarde que o 'jardim
bulo grego c rX 0 /"'l1 ' [ s j o l e l , que significava "ócio".
de infância" implicava uma "concepção botâ10. O texto de Zalkind ao qual se refere Vigotski
nica do homem". Froebel foi um dos pioneiros
neste capítulo é: A . B. Zalkind, O c h i e r k i k u l t u r i
a destacar o papel do jogo como elemento educativo. Sua principal obra é D i e M e n s c h n e r r e v o lu ts io n o g o
v r ie m ie n i
[ E n s a io s s o b r e a c u lt u r a de t e m p o s r e v o l u c i o n á r i o s ] , Moscou, 1924.
z i h u n g [ A e d u c a ç ã o do h o m e m ] , de 1826.
11. Essa expressão de Trotski aparece em vários
4. O original russo diz "Kamenski". T r a t a - s e de
textos de Vigotski, entre eles P s i c o l o g i a da a r t e ,
u m a e r r a t a q u e c o r r i g i m o s - o original russo
mas neste último, como em todas as edições
do presente livro tem várias. Não há nenhuma
posteriores à queda em desgraça de Trotski,
dúvida de que se trata de Ia. Komenski [em
f o r a m r e t i r a d a s a s a s p a s , para evitar a menção
russo], ou Jan Amos Komensk [em tcheco], ou
a seu autor. Das citações de Trotski neste capíComenius [em latim], ou Juan Amós Comenio
tulo podemos dizer basicamente o que comen[em espanhol]. Aqui Vigotski cita o Prólogo de
tamos na nota n!! 19 sobre Bukarin no Capo 13,
sua obra mais importante,
D id a c tic a
m agna
embora, no tocante a Trotski, as conseqüên(1632), que escreveu em tcheco e que traducias tenham sido mais graves. Liev Davidovitch
ziu mais tarde para o latim, e da qual existe
Bronstein Trotski nasceu em 1879 dentro do
uma versão espanhola de S. López Peces (cf.
R a y o n . Um mês mais tarde nasceu na Goérgia
Madrid:
Réus, 1922, 321 p.). Comenio
Iósif [José] Dyugashvili Stalin, cuja primeira
(Moravia, 1592-1670, Amsterdã) foi um pe-RQPONMLKJIHGFEDCBA
306RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
língua foi o georgiano. O russo foi a segunda
língua de Stalin, que falava com marcante sotaque estrangeiro e nunca pôde redigir corretamente; entre seus escribas, o mais importante
foi Piotr Nikolaievitch Pospielov. Trotski era filho de um camponês e uma mistura de
ucraniano e russo foi sua primeira língua; na
escola nunca aprendeu iídiche nem hebraico,
mas o russo falado e escrito, que dominou como
poucos. Foi um excelente orador e um agudo
teórico marxista. Quando Lênin estava inválido, nos últimos anos de sua vida, rompeu suas
relações pessoais com Stalin, e Trotski passou
a ser seu mais próximo colaborador. Após a
morte de Lênin, nas lutas internas do Partido
bolchevique, Stalin se aproximou e se distanciou de Bukarin. Em compensação, Trotski sempre foi seu mais odiado inimigo político e pessoal. Trotski, um hábil militar, mas um torpe e
ingênuo tático em assuntos políticos - pouco
hábil para as intrigas -, foi derrotado por Stalin,
que possuía uma excepcional habilidade tática. Trotski, que tinha liderado com Lênin a
Revolução de Outubro e que comandara e triunfara na Guerra Civil, foi expulso da URSS
em 1929. Perambulou anos pelo mundo como
pária, até que o México lhe ofereceu asilo. Viveu em uma fortaleza nos subúrbios da cidade
de México. Embora estivesse permanentemente
protegido por um grupo de militantes armados, isso não impediu que Ramón Mercador,
um catalão membro dos serviços secretos de
Stalin, o assassinasse em 1940, enfiando um
machado em seu crânio. Em sua figura, Stalin
encarnou todos os demônios inimigos da URSS.
P s i c o l o g i a p e d a g ó g i c a de Vigotski não
O livroZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
pôde ser reeditado, sobretudo pela presença
dessas citações de Trotski, mesmo em plena
p e r e s t r o i k a de Gorbachov (G. Vigodskaia, C.p.,
1988). Poder-se-ia argumentar que o livro poderia ter sido podado, como se fizera com P s i c o l o g i a da a r t e na década de 60 e com as O b r a s
E s c o g i d a s na década de 80, mas isso não era
mais viável na atmosfera oficial da g l a s n o s t
[transparência] .
12. O grifo dessa citação é nosso. "Sociogogia"
[ s o t s i a g o g u i k a ] é um neologismo inventado por
Zalkind e está traduzido literalmente.
13. A seguir, Vigotski conclui o presente livro com
uma extensa citação: longos parágrafos de "Arte
revolucionária e arte socialista", o último capítulo do livro de Liev Trotski, L i t e r a t u r a
i
R e v o lu ts ia
[ L ite r a tu r a
e R e v o l u ç ã o ] , Moscou,
1923. Como avisamos no prefácio, restaura-
mos as elipses não-indicadas por Vigotski. Na
edição norte-americana do presente livro, as
aspas de fechamento foram colocadas no final
do 1 parágrafo, de modo que o resto do longo
texto de Trotski foi mal-interpretado, como se
fosse de autoria de Vigotski.
1 4 . S o v i e t e é um vocábulo russo que significa "conselho". Nos primeiros anos da revolução russa, os s o v i e t e s eram integrados fundamentalmente por operários e soldados, a maioria de
origem camponesa. A democracia socialista se
baseava no poder dos s o v i e t e s ; um famoso
slogan de Lênin foi "Todo o poder para os
s o v i e t e s " . Durante o stalinismo, seu poder foi
transferido para a cúpula do Partido Bo1chevique e se transformaram em meros "conselhos deliberantes" com escassa autonomia, que
desempenharam o papel de correias de transmissão das decisões tomadas pelo Estado.
Vigotski foi deputado do Soviete do distrito
Frunze de Moscou, cerca de 1931, onde participou da elaboração de políticas para a educação pública. A foto de sua carteira de deputado, que encontramos nos arquivos privados de
sua filha, na década de 80, em Moscou, está
reproduzida em L. S. Vigotski, E l D e s a r r o l l o
C u l t u r a l d e l N i n o y o t r o s t e x t o s i n é d i t o s , edição
de G. Blanck, Buenos Aires: Almagesto, 1998,
p. 30. Na edição de 1970, por exemplo, do
D i c c i o n a r i o de l a L e n g u a Espaiiola da Real Academia, não aparece o vocábulo "soviete". Em
compensação, as edições publicadas depois do
desaparecimento da URSS contêm o termo.
15 Justamente aqui se encontram, no original russo, as aspas de fechamento da citação de
Trotski. Se Vigotski tivesse feito isso'de forma
deliberada para ficar com a última palavra, teria
feito uma paráfrase do que segue. No entanto,
esse suposto arremate final coincide totalmente
com o que diz o texto de Trotski. Trata-se de
um descuido de Vigotski ou de uma e r r a t a da
gráfica e por isso a c o r r i g i m o s . Por outro lado,
é característico do estilo de Vigotski finalizar
um texto com uma citação. Seja qual for o caso,
consideramos necessário esclarecer que o conceito de "super-homem" de Trotski e de Vigotski
é e s s e n c i a l m e n t e diferente do de Nietzsche. Cf.
o artigo "La Modificación
Socialista del
Hombre" (p. 120-121), incluído na antología:
L. S. Vigotski, L a G e n i a l i d a d y o t r o s t e x t o s i n é edição de G. Black, Buenos Aires:
d ito s ,
Almagesto, 1998, p. 109-125. Trotski faz tácitas referências críticas a Nietzsche no capítulo
aqui citado.
Q
~._
------ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
.
. ..
, RQPONMLKJIHGFEDCBA
In d ic e O n o m á s tic o
Aall, A., 149, 159
Abuljánova, K., 141
Academia de Ciências da Rússia, 57
Academia de Educação Comunista "Krupskaia",
19
Academia Ucraniana de Psiconeurología,
21
Achmanova, O. S., 159
Addison,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
J ., 142
África, 62
Aijenvald, lu., 237, 246
Alemanha, 30,110,158-159,
179-180
Allegro, J . M ., 73
Álvarez, A., 44
América (EE.UU.), 224
American Psychological
Association,
159
Andréiev, L. N., 215, 224
Argentina, 28, 246, 247-248, 265-266
Aristóteles, 203, 206-207, 235, 247
Artiomov, V . A., 294
Asia L. Vigódskaia,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c f Vigódskaia,
A. L.
Astrada, C., 222
Auden, w. H., 281
Auschwitz, 179
Avenarius, R., 72
Bleuler, E., 281
Blok, A. A., 211, 222, 245
193, 195,202,207,227,
Blonski, P . P., 18,37,39-44,
295,300
Bolshaia Serpujovskais,
calle, 20
Bonaparte, cfNapoleão L
Borges, J. L., 19,26
Boring,E.G.,
142, 158
Boyovich, L. L , 20
Braille, L., 259, 261, 265
Bravo, J. M ., 44
Bronshtéin, L., cfTrotski, L. D .
Buenos Aires, 206-207, 222, 246-247, 248, 265-266,
304,306
Bühler, Ch., 140, 177
Bühler, K., 22, 180,264-266
Bukarin, N. L , 232, 246, 305-306
Buldin,243
Bulganov, M . A., 282
Bunin, L , 244
Buridan, 1 ., 169, 178
Burt, C. L., 285-286
Byron. Lord G. G., 223
Bacon, F ., 82
Bain, A., 250, 256
Bajtín, M. M., 110, 265
Baldwin, J. M., 72
Baquero, R., 24
Basedow, J. B., 305
Bassin, F . v ., 110
Beer, Th., 177
Beethoven, L. van, 158,234,244,247-248
Bejterev, V. M., 19,56,85,107-108
Belikov, 305
Bell, A. Graharn, 266
Ber, 164
Berlirn, 20, 179
Bersnshtein, N. A., 72
Bielo-rússia,
17, 30
Bijovski, A. la., 246-247
Bijovski, E. P., 246-247
Binet, A., 132, 147,291-292,293-294
Blanck,G., 17,21,24,29,30,45,83,108,110,124,158,
159,177,179,196,206,207,246-247,248,265,306.
Blankerburg,
kindergarten,
305
Calcuta, 159
Canaã,247
Canárias, ilhas, 179
Carpenter, w. B., 158
Carretero, M ., 124
Cáspio, mar, 297, 305
Catal unha, 266
Charpentier, 141
Chatski, 228, 245
Chernobil, 17
Chomsky, N., 196
Chopin, F ., 234, 247
Christiansen, B., 229, 235, 246
Chukovski. K . L , 244-245
Cid,17
Cole, M ., 19,71,265
Cole, Sh., 19
Coleridge, S. T., 158
Collêge de France, 73
Comenio, cfKomenski.
Comissariado do Povo para a Educação Pública,
Congreso Panruso de Psiconeurología
Il, 1 6
20
308RQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Cooper, J. F., 215, 224
Copérnico, 305
Cuba, 110
Cuvier, G., 206
Dalton, cfPlan Dalton.
Darwin, Ch. R., 51-52, 56, 57, 71, 89, 108,206
Darwin, F., 108
Davi, rei, 250
v., 24, 25
Davidov, V.ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
De Yries, H., 57
DeI Río, P., 44
Dennett, D., 206
Descartes, R., 178
Dilthey, w ., 158
Distrito Frunze, de Moscou, 21, 306
Dobkin, S. F., 15, 18,29,45,
110;246,266
Dobrinin, N. F., 294
Dobzhansky, Th., 57
Dódik, cfYigodski,
Dódik.
Dom Quixote, 299
Dostoievski, F. M., 164, 177,210,217
Dubrovsky, S., 29
Dumas, A ., 20
Ebbinghaus, H., 147, 158
Eco, U., 27
Édipo, rei, 235, 247
Editora St. Lucie Press, 25, 72
Eibl-Eibelsfeldt,
1., 108
Einstein, A ., 18, 196
Eldredge, N ., 57
Elkonin. D. B., 22
Ernílio, 214, 223
Engels, F., 18, 45, 201, 206, ~22
Eremina, S. D., 23
Erie, lago, 92
Eros, 96, 110
Escócia, 256
Esparta, 209, 222
Espinosa, B. de, cfSpinoza,
B.
Estados Unidos, 180, 196,224
Europa, 18, 165,305
Falstaff, J ., 268, 281
Fechner, G., 71,141
Feigenberg, L M., 246
Feuerbach, L., 45, 196
Filanova, 1., 265
Finlândia, 224
Flichrnan, E. H., 57
Fodor, J., 178, 196
Ford, H., 196
França, 20
Franco, F., 266
Frank, S. L., 82-83, 279, 282
Franklin, B., 72
Freud, S~, 22, 45,109-110,172,179,198-199,206,263
Froebel, F., 110,295,305
Galpierin, P. la., 29
Gaos, J., 142
Gaupp, R., 157, 159,222,224,249
Geórgia, 110
Godunov, B ., 110
Goethe, J. W . von, 236-237, 247
Gogol, N . ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
v ., 110,235
GomeI, 15, 17-18, 19-20,30,33,110
Gorbachov, M., 306
Gould, S. J., 57, 206
Grande Ópera de Paris, 248
Grécia,223
Gregory, R., 24
Griboiedov, A. S., 210, 222, 245
Groos, K ., 111, 130, 141,243
Guershenzon,
M.O., 237, 247
Guessen, S. 1.,41,43,45
Gulag,23
Guyau, J. M., 264, 266, 295
Hâckel, E., 89, 108
Hall, G. S., 156, 159
Hamlct, 18,30, 159,223,244,246
Heamshaw, L. S., 286
Hegel, G. W . F., 18, 141,206
Herbart, L. F., 213-220, 223, 305
Hering, E., 251, 256
Hemández, J., 158
Hessen, S., cfGuessen.
Highgate, cementerio, 45
Hitler, A ., 159, 180,222
Hobsbawm, E., 23
. Hôffding, H., 44
Hoffman, D., 158
Holanda,20
Humboldt, A. von, 247
Hume, D., 38, 44
Huxley, Th. H., 57
Iásnaia Poliana, 223
Iásnaia Poliana, escuela, 247
Imbert, v., 244 .
Ingenieros, J ., 247
Inglaterra, 32, 158,223,224
Instituto de Defectologia
(Moscou), 31, 286
Instituto de Educação "Herzen" (Leningrado),
22, 32
Instituto de Medicina Experimental
(Moscou), 23
Instituto de Psicología Experimental
(Moscú), 17, 19,
20,21
Irving, W., 256
J. S.
Isaak, c f Y i g o d s k i ,
Istambul, 159
Ivanov-Razúrnnik,
R. v .. 227, 245
James, w ., 19,41,44-45,109,113-114,115,122,123,
147,154,156,
158, 188,212-213,214,220,221,
223, 231, 240, 248-249, 250, 251, 254, 256, 265266,280,282,301,302.
Jarkov, 21, 22, 23,31,247
,~
'. -
..,~
~----~_..
.•.....•...
P S IC O L O G IA
Jaspers,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
K , 141
Jefferson, J., 250, 256
Johnson,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
v ., 281
Joravsky, D., 286
Jrustov, H. F., 72
Julieta, 95, 109
Juventude Comunista, 106
Kamenev, L. B., 246
Karnenski, c f Komenski.
Kant, L, 38, 44, 138, 142, 158,222,223
Kashchéi, 153, 159
Keller, H., 261, 266
Kerschensteiner, G . , 1 8 2
Key, E., 296, 305
Kiev, 245-247
Kirquizistão, 21-22
Kbhler, W, 179
Kolbanovski, V. N., 141
Koltushi, 180
Komenski, Ia., 296, 305
Kõnigsberg, 223
Kornilov, K N., 17, 19,21,90,109,157,166,178-179,
271-272,273,276
Korolenko, V. G., 260, 265
Koshtoiants, J. S., 35
Kraepelin, E., 249, 255, 281
Kraevich, 194
Kravtosv, L. S., 32
Kravtsova, E., 32
Kretschmer, E., 268-269, 278, 281
Kreutzer, 244, 248
Krilov, I. A., 226-227, 245
Krupskaia, N. K , 19
Kulikovski, D. N. O., 227., 245
Külpe, 0.,110,177
Laboratorio de Primates, cfCanarias.
Laín Entralgo, J., 179
Lakatos, 1., 23
Lange, c .o ., 113, 119,123
Lange,F. A., 38,44
Langer, M., 111
Lapshin, L 1., 123, 178
laroshvski, M. G . , 2 4 4
Lay, A. W, 41, 45, 75
Lazarev, P. P., 49, 57, 177
Lazurski, A. F., 293
Leipzig, 140
Lênin, V. L, 18, 20, 72, 306
Leningrado, 22, 179, 294
Leontiev, A. A., 31-32
Leontiev, A. N., 17, 19-20,23-24,29-30,31-32,45,265
Leontiev, D. A., 32
Lermontov, M. lu., 179, 245
Lésgaft, P. F., 268, 281
Levitin, K , 45, 266
Lewin, K , 20
Líbia, 299RQPONMLKJIHGFEDCBA
P E D A G Ó G IC A
309
Lievina, M. A., 22, 32
Lievina, R. 1., 20
Lifanova, T. M., 29, 32
Linneo, C. von, 206
Lipps, Th., 178
Lisenko, T. D., 56
Llanos, A., 73
Locke, J., 27, 38,44
Lomonosov, M. v ., 144-145, 157
Londres, 20
López Peces, S., 305
Lorenz, K , 108
Los Angeles, 180
Lukács, G . , 2 2 2
Lunacharski, A., 21
Luria, A. R., 21-24,31-32, 158, 179,207,294
Luria, L. A., 31-32
Macy, A, Sullivan, cfSullivan, A.
Madagascar, 299
Madrid, 207, 223, 244, 265, 305
Maiakovski, V. v .. 144, 157
Makarenko, A. S., 224
Malamud, B., 30
Marburgo, universidade de, 44
Marshall, A., 90, 108
Marte, 62
Martínez, c, 256
Mãrx, K H., 18,43,45,63,72-73,
167-168, 184, 193,
196,201,206
Massachussetts, EE.UU., 179
Masters, W ., 281
Mercador, R., 306
Meumann, E., 41, 43, 45, 138, 147-148,152,158-159,
203,206,213
México, 196, 206, 222, 306
Ministério de Instrução Pública da França, 293
Ministério Prussiano de Educação, 299
Mira e López, E., 141
Mishkin, príncipe, 164
MIT, Mass., 26
Montessori, M., 45
Morgan, Th., 57
Morozova, N. G., 20, 29
Morto, mar, 73
Moscou, 19-20,21-24,26,29,31-32,
179,201,223,
, 244,246,247,294,305
Mozart, W A., 110, 146, 158
Müller, 141
Münsterberg, H., 33-34, 39, 41-44,45, 118, 185,252253,254,256,297-299,301,305
Napoleão I (Bonaparte), 54, 122, 124
Natorp, P. G . , 178,219,224
Nekrasov, N. A., 174, 179
Nemecsek, 149, 159
Neuhof,305
Newton, 1., 196
Niágara, río, 92
3 1 0 ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
L lE V S E M IO N O V IC H V IG O T S K I zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Nicolau lI, czar, 206
Nietzsche, F ., 222, 306
Norte americano, 184, 224
Novodievichi,
cementerio,
124
Ochaíta, E ., 265
Ogle, A. w ., 206
Oneguin, E ., 1l0, 228, 245
Onna, A., 57
Oriente, 73
Otelo, 109
Ovsiánniko-Kulikovski,
D. N., 227, 245
Ovsov, 150
Paris, 196, 247
Parker, Ch., 158
Parkhurst, H ., 179
Pavlov, L P., 19,53,54,56-57,60,64,65,66,76,
179, 199, 255
Pechorin, 245
Pedra o Grande, czar, 122, 124, 210
Pena, v., 223
Peredonov,227,
245, 300
Pestalozzi, J. H ., 224, 295, 305
Peters, w ., 149, 159
Petrogrado, 16
Piaget, 1., 12, 158
Pioneiros, 16, 110
Plano Dalton, 174, 179
Platão, 96, 109,223
Poligraf Poligrafovitch,
282
Pospielov, P. N., 306
Potebniá, A. A., 265
Pozdnishev, 248
Pushkin, A. S., 100, 1l0, 179,227-228,237,245
Puziriei, A., 29
Radzijovski, L. A., 177
Ramanujan, S., 158
Ramírez, J. D., 265
Rayon,18,30,305
Razmislov, P. L , 21
Reid, M., 215, 224
Reyes, A., 25
Ribes Ifiesta, E., 142
Riviêre, A., 265
Romeu, 95, 109
Rosa, A., 265
Ross, W. D., 207
Rossolimo, G. L , 291, 294
Rousseau, J. J., 214, 223, 295, 302, 305
Rubinstein, M. M., 141,204-205,207,209
Rubinstein, S. L., 24, 141
Rússia, 15, 17-18,23,185,191,194-195,206,224,238,
245,286,305
Saara, deserto,
62, 152, 154
Sacristán, M., 206
Sadosky, M., 44
Sadovnik, 194
107,
Sajarov, L S., 20
Salieri, A., 110
Salomão, rei, 178
Sánchez Vázquez, A., 196
Santiniketan, escuela, 159
Santo Agostinho, 178
São João, 247
São Mateus, 246
São Petersburgo,
123, 246
Scaron, P., 63
Schmidt,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
v ., 179
Schopenhauer,
A., 96, 110
Schumann, 141
Scribner, S., 71
Sechenov, L M ., 61,71-72,156,165
Sêve, L., 196
Shakespeare, w ., 15, 17, 109, 151, 159, 185,223,231,
244, 247, 297
Shalamov, v., 224
Shaliapin, F . 1 ., 243
Shcherbina, P. M., 260, 265
Sherrington, Ch. S., 64, 65, 68,72,251,256
Shestov, L ., 210, 222
Shif, Y. I., 22
Shpet, G., 44
Sibéria, 177,224
Silverman, R., 25-26, 44, 72, 141, 159, 179,206,294
Silvestri, A., 265
Simon, Th., 290-291
Simpson, G. Gaylord, 57
Sísifo, 190, 196
Skinner, B. F., 124
Skliar, L., 24-25, 26, 29, 265
Slavina, L. S., 20
Smiejova, R. N., cfVigódskaia,
R. N.
Sócrates, 110,212,223
Sófocles, 247
Sologub, F. K., 227, 245, 300
Soloviov, J. M., 21
Solyenitsin, A., 124, 224
Sorbonne, 293
Spencer, H., 230, 246
Spiioza, B., 15, 18,23, 123, 159, 178,214,223
Staats, A., 124
Stalin, I. v ., 22, 246, 305
Steinach, E., 70, 73
Stern, w ., 147, 158
Stetsenko, A., 25
Stevens, J. A., 224
Stowe, H. E. B., 226, 245
Stravinsky, J., 110
Stuart Mill, J., 256
Sullivan, A., 266
Tagore, R., 157, 159
Talankin, A. A., 21
Tashkent, 21
Tchaikovski, P. I., 110,245
Tchekov, A. P., 122, 124, 150, 159,224,226,233-234,
236,245,247,250,285,297,305
.. .., ..
P S IC O L O G IA
Teatro Bolshoi, 248
Teatro Colón, 248
Temístocles, 150, 159, 192
Terman, L. M., 286
Thénon, J., 123
Theresienstadt, campo, 179
Thomdike, E. L., 92,100,102, 109,163,176,215,279
Timiriazev, K. A., 18
Titchener, E. B., 139, 142
Tolstoi, L. N., 177,212,222,232,236-237,244,246247, 248, 285, 295, 302
Trotski, L. D., 245-246, 301, 304
Trotsky, León, ifTrotski.
Ufá,31
Ujtomski, A. A., 66
União Soviética, cjURSS.
Universidade Autônoma de Madri, 265
Universidade da Ucrânia, 21
Universidade de Comell, 142
Universidade de Harvard, 26, 44
Universidade de Moscou, 17
Universidade de Oxford, 245
Universidade de Paris, cjSorbonne.
Universidade Popular "Shaniavski", 17,44,246
Urbantschitsch,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
v .. 141
URSS, 17,20-22,31,35,44,179,
196,286,306
Uzbesquistão, 21-22
Uznadze, D. N., 110
Vagner, V. A., 51, 57,86,88, 108
Van der Veer, R., 26
Van Winckle, R., 250, 256
Varshava, B. E., 72
Vatsuro, E. G., 179
Veneza, 95, 109
Verdi, G., 281
Vemadski, v .. 18
Veme,J., 228, 245
Verona, 109
Vidarte, N., 265
Viena, 266
Viesielovski, A., 230, 246RQPONMLKJIHGFEDCBA
P E D A G Ó G IC A
311
Viesilovskaia, K. P., 292
Vigodskaia, A. L. (filha), 20, 31
Vigodskaia, G. L. (filha), 20, 23, 24, 28, 29, 31, 32, 306
Vigodskaia, M. S. (irmã),-28
Vigodskaia, R. N. (esposa)", 31, 32,123
Vigodskaia, Z. S. (irmã), 159
Vigodski, David (primo), 18
Vigodski, Dódik (irmão), 30-31, 159
Vigodski, familia, 23, 31
Vigodski, Isaak S. (irmão), 30-31,159
Vigodski, L. S., 17-19
Vigotski, L. S., v-vi, 29-30,15-16,57-58,72-73,82-83,
109-111,123-124,140-142,158-159,177-180,196,
206-207,222-224,244-248,265-266,281-282,285286, 294, 305-306
Volga, rio, 297, 305
Voloshinov, V. N., 110,206
Voronoff, S., 69, 73
Vvedienski, A. 1., 44
Vvedienski. N. E., 72
WalJace, A., 57
Watson, J. B., 19,56,58, 124
Weil, A., 71, 73
Wertsch, J. v ., 265
Witheft, 213
Wundt,ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
w ., 45,72, 118, 123, 126, 140, 142, 158, 166,
256
Wurzburgo, escola, 161, 177
Xenofonte, 223
Yaroshevsky, M., cf laroshevski.
Zalkind, A. B., 198-199,200,206,262,263,266,301302, 303, 305-306
Zankov, L. v ., 20
Zaporoyets, A. v., 20
Zavadovski, B. M., 69, 73, 270, 282
Zeigamik, B. v , 23, 29
Zeus, 196
Zinoviev, G., 246
. PSICOLOGIA
PEDAGÓGICA
Edição Comentada
Liev
Semionovich
Vigotski
Nas últimas décadas, a obra de Vigotski tem sido intensamente
recuperada,
pois sua influência sem dúvida é crescente no
panorama atual, tanto no tocante à psicologia cognitiva quanto
à educação em geral.
Este é um texto claro e abrangente de Psicologia Pedagógica,
destinado sobretudo à formação docente, cujo destaque é a grande
amplitude de temas abordados (atenção, memória, aprendizagem,
pensamento, emoção, sociabilidade, etc.) e à pertinência com que
se estuda sua relação com o trabalho educacional, concebido por
Vigotski como um compromisso inevitável com toda a sociedade
em prol da construção de um cidadão mais comprometido com
seu tempo, mais solidário e plenamente humano.
Esta edição, organizada, prefaciada e comentada por Guillermo
Blanck, reconhecido especialista internacional na vida e obra do
genial psicólogo
russo, consta de numerosas
notas que
contextualizam a edição original, oferecendo ao leitor uma fonte
rica, completa e educativa das idéias e propostas de Vigotski.
•
ISBN 85-363-0047-7
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