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Nadir Afonso: o Pintor (que se formou) Arquitecto

2016, Nadir Afonso: Chaves para uma Obra (Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso, Portugal)

Nadir Afonso, um dos mais conhecidos (e reconhecidos) pintores portugueses, dedicou grande parte da sua vida ao exercício da profissão em que (afinal) se formou, a arquitectura, facto que ainda hoje é frequentemente ignorado pelo grande público. Este artigo retrata a sua passagem pelo mundo da arquitectura, revelando-nos (...) (PLEASE REQUEST THE FULL-TEXT TO THE AUTHOR)

NADIR AFONSO CHAVES PARA UMA OBRA CHAVES, KEYS TO A WORK OF ART CURADOR / CURATOR BERNARDO PINTO DE ALMEIDA Comissão de Honra Commitee of Honour Excelentíssimo Senhor Presidente da República Professor Marcelo Rebelo de Sousa Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia da República Doutor Eduardo Ferro Rodrigues Excelentíssimo Senhor Primeiro-Ministro Doutor António Costa Excelentíssimo Senhor Ministro da Cultura Doutor Luís Filipe de Castro Mendes Excelentíssimo Senhor Embaixador de França Doutor Jean-François Blarel Senhor Presidente da Câmara Municipal de Chaves Arquitecto António Cabeleira Senhor Presidente da Assembleia Municipal de Chaves Dr. Francisco António Viegas Senhor Reitor da Universidade do Porto Professor Sebastião Feyo de Azevedo Senhor Reitor da Universidade Lusíada Professor Afonso Filipe Pereira d’Oliveira Martins Senhor Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian Doutor Artur Santos Silva Senhora Presidente da Fundação de Serralves Doutora Ana Pinho Senhora Presidente da Fundação Nadir Afonso Dra. Laura Afonso ÍNDICE CONTENTS 8 TEXTO DE SUA EXCELÊNCIA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE PORTUGAL TEXT BY HIS EXCELLENCY THE PRESIDENT OF THE REPUBLIC OF PORTUGAL Marcelo Rebelo de Sousa 9 NADIR AFONSO NADIR AFONSO António Cabeleira 11 A MATEMÁTICA ESSÊNCIA DA ARTE MATHEMATICS, ESSENCE OF ART Nadir Afonso 17 MEMÓRIA DESCRITIVA DESCRIPTIVE REPORT Álvaro Siza 31 NADIR AFONSO: LIBERDADE E RIGOR NADIR AFONSO: FREEDOM AND PRECISION Laura Afonso 39 NADIR AFONSO: A REINVENÇÃO DA PINTURA E A CONSCIÊNCIA DO MODERNISMO NADIR AFONSO: REINVENTING PAINTING AND PERCEPTIONS OF MODERNISM Bernardo Pinto de Almeida 59 ENTRE FIDELIDADE E RIGOR – PERFIL DE NADIR AFONSO BETWEEN FIDELITY AND PRECISION: A PROFILE OF NADIR AFONSO Bernardo Pinto de Almeida 65 NADIR AFONSO, A TEORIA COMO LIÇÃO NADIR AFONSO: THEORY AS A LESSON António Quadros Ferreira 113 NADIR AFONSO: INTUIÇÃO E INTELECTO NADIR AFONSO: INTUITION AND INTELLECT João Pedro Fróis 127 NADIR AFONSO NADIR AFONSO Stefano Cecchetto 143 NADIR AFONSO: DE ARQUITECTO A PINTOR NADIR AFONSO: FROM ARCHITECT TO PAINTER Juan Gomez Segade 153 NADIR AFONSO: DA LIBERDADE SEM FUNÇÃO NADIR AFONSO: FREEDOM WITHOUT FUNCTION Manuel Graça Dias 161 NADIR AFONSO, O PERTURBANTE PONTO DE INTERROGAÇÃO NUM “POEMA EM LINHA RECTA” NADIR AFONSO: DISQUIETING ENIGMA IN A “POEM IN A STRAIGHT LINE” Adelaide Ginga 191 “NADIR AFONSO – O PINTOR (QUE SE FORMOU) ARQUITECTO “NADIR AFONSO – THE PAINTER (WHO TRAINED AS AN) ARCHITECT João Cepeda 207 1936–1976 | CHAVES PARA UMA OBRA 1936–1976 | CHAVES, KEYS TO A WORK OF ART 311 BIOGRAFIA BIOGRAPHY Laura Afonso Nadir Afonso (à direita) e Teodoro Ponce de Léon no atelier ATBAT de Le Corbusier, em Paris Nadir Afonso (on the right) and Teodoro Ponce de Léon working at the ATBAT studio of Le Corbusier, in Paris Nadir Afonso no atelier ATBAT em Paris, desenhando Le Corbusier à escala do Modulor, no dia de aniversário do arquitecto suíço Nadir Afonso at the ATBAT studio in Paris, drawing Le Corbusier at the Modulor’s scale, on the occasion of the Swiss architect’s birthday Da esquerda para a direita: Olek Kujawsky, Iánnis Xenákis e Nadir Afonso (com as suas esposas), no “chantier” da Unité d’habitation de Marseille, 1950 From left to right: Olek Kujawsky, Iánnis Xenákis and Nadir Afonso (with their wives), at the “chantier” of the Unité d’habitation de Marseille, 1950 JOÃO CEPEDA | 191 “NADIR AFONSO – O PINTOR (QUE SE FORMOU) ARQUITECTO Da paixão pela pintura ao ofício da arquitectura” “NADIR AFONSO – THE PAINTER (WHO TRAINED AS AN) ARCHITECT From a passion for painting to the business of architecture” Nadir Afonso, um dos mais conhecidos (e reconhecidos) pintores portugueses, dedicou grande parte da sua vida ao exercício da profissão em que (afinal) se formou, a arquitectura, facto que ainda hoje é frequentemente ignorado pelo grande público. Nadir Afonso, one of the best-known (and acknowledged) Portuguese painters, dedicated a large part of his life to the profession in which he (after all) qualified – architecture – a fact that is still largely unknown to the general public. 1938–1946: o período de formação A “escolha” da Arquitectura – Porto Apesar de, desde muito cedo, ter revelado uma predisposição natural para a pintura, Nadir Afonso acabou por inscrever-se no curso de Arquitectura na antiga Escola de Belas Artes do Porto (1938), por sugestão de um funcionário daquela instituição. Aí foi encontrar um clima bastante aberto que, marcado pela docência de Carlos Ramos, assinalou um momento decisivo na reformulação do ensino da arquitectura em Portugal. Ainda assim, o seu dilema entre ser pintor ou arquitecto nunca esmoreceu, persistindo, durante todo o curso, em desenhar arquitectura para ser vista como um quadro, isto é, em fazer arquitectura procurando encontrar a pintura. 1946–1960: o período internacional Nos ateliers de Le Corbusier e Oscar Niemeyer – Paris, Rio de Janeiro e São Paulo Após a conclusão dos seus estudos, da sua passagem pela arquitectura sobressai um riquíssimo e fascinante trajecto pelo estrangeiro, principalmente enquanto colaborador de dois dos mais influentes mestres do Movimento Moderno: em Paris, do arquitecto Le Corbusier, no ATBAT (1946–48 e 1950–51), de quem ficou grande amigo, e no Rio de Janeiro e em São Paulo do arquitecto Oscar Niemeyer (1951–54). Nestes ateliers teve a oportunidade de participar em projectos marcantes da história da arquitectura moderna do século XX, como a Unidade de Habitação de Marselha (1945–52), a Fábrica “Claude et Duval” de Saint-Dié (1946–51), ou o projecto para a Exposição Comemorativa do IV Centenário da cidade de São Paulo no Parque de Ibirapuera (1951–54), entre outros. Destaca-se ainda a sua participação na equipa de investigações finais do Modulor de Le Corbusier – um sistema que procurava a harmonia nas composições arquitectónicas – que, tendo-lhe propiciado uma enorme proximidade com uma das suas grandes paixões, a geometria, lhe terá desenvolvido uma perícia assinalável no manuseamento das proporções e relações das figuras geométricas. 1938–1946: the training period “Choosing” architecture – Porto Despite showing a predisposition towards painting from a very early age, Nadir Afonso would enrol on the architecture course at the old Porto School of Fine Arts (1938), at the suggestion of a member of staff there. He was to encounter an open atmosphere there that, embodied by the teaching of Carlos Ramos, signalled a decisive moment in the reformulation of architecture teaching in Portugal. Throughout the course, however, his dilemma over whether to be a painter or an architect never abated and he continued to design architecture as if it were to be seen as a painting, in other words seeking out painting through architecture. 1946–1960: the international period In the studios of Le Corbusier and Oscar Niemeyer – Paris, Rio de Janeiro, and São Paulo After completing his studies, his foray into architecture led him on a rich and fascinating journey overseas, chiefly as an employee of two of the most influential masters of the Modern Movement: in Paris, at ATBAT under the architect Le Corbusier (1946–48 and 1950–51), who became a close friend, and in Rio de Janeiro and São Paulo under the architect Oscar Niemeyer (1951–54). These studios provided him with the opportunity to participate in notable projects in the history of 20th century modern architecture, such as the Unité d’Habitation in Marseille (1945–52), the “Claude et Duval” factory in Saint-Dié (1946–51), and the project for the exhibition to commemorate the 400th anniversary of the city of São Paulo, in Ibirapuera Park (1951–54), among others. He also, notably, worked on the final research team for Le Corbusier’s Modulor – a system that sought harmony in architectural compositions – which allowed him to focus heavily on one of his great passions, geometry, and which must have led to him developing considerable expertise in proportion and the relationships between geometrical figures. Later, back in Paris, he also worked in the studio of his old ATBAT colleagues and friends, the architects Georges Candilis, Alexis Josic, and Shadrach Woods Perspectiva da Unité d’habitation de Marseille, desenhada por Nadir Afonso, e publicada na revista “L’Homme et l’Architecture”, 1947 Perspective of the Unité d’habitation de Marseille, drawed by Nadir Afonso, and published in the magazine “L’Homme et l’Architecture”, 1947 JOÃO CEPEDA | 193 Mais tarde, novamente em Paris, salienta-se ainda a colaboração no atelier dos seus antigos colegas e amigos do ATBAT, os arquitectos Georges Candilis, Alexis Josic e Shadrach Woods (1954–60), trabalhando nessa altura, fundamentalmente, em vários projectos urbanísticos: planos de urbanização de Bagnols-sur-Cèze (1956–61), de Balata (1959) e de Agadir (1963). Será de realçar, ainda, ao longo desta fase, o seu contacto com as mais variadas personalidades internacionais, muitas da esfera da arquitectura – como Roberto Burle Marx, Hélio Uchoa e Lúcio Costa –, mas principalmente da arte – entre os quais Victor Vasarely, Richard Mortensen, Auguste Herbin, André Bloc, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Dewasne, Edgard Pillet e Fernand Léger –, com algumas das quais chegou mesmo a trabalhar, o que lhe granjeou, certamente, uma riqueza complementar para a sua futura evolução artística. Embora Nadir Afonso invoque a pintura como a principal motivação para este seu percurso pelo mundo, a verdade é que não terá sido por acaso que escolheu colaborar, primeiro, com Le Corbusier, e depois, com Oscar Niemeyer. De facto, Corbusier era o mais importante arquitecto do Movimento Moderno, sendo muitíssimo influente em Portugal e, obviamente, no Porto. Também Niemeyer e a moderna e expressionista arquitectura brasileira eram já largamente admirados no nosso país. Por isso, não se estranha que, experimentando o que muitos apenas ambicionariam, Nadir Afonso tenha trabalhado para os arquitectos que estavam culturalmente mais próximos da formação de uma consciência moderna por parte dos arquitectos portugueses, o que, aliás, foi já realçado por Michel Toussaint1. Como tal, este período fora de portas ter-se-á tratado de um trajecto enquanto arquitecto que, de alguma forma, foi intencional e interessado. Assim, apesar de sempre ter vivido numa ambivalência vocacional e profissional traduzida na sua laboração de arquitecto e pintor, toda esta longa etapa internacional foi determinante no seu percurso arquitectónico, pelo contacto directo com figuras principais do Movimento Moderno, pela “aprendizagem” e influências que delas recebeu, e pela projecção que, como arquitecto, pôde, dessa forma, alcançar. (1954–60), mainly on urban development projects, such as Bagnols-sur-Cèze (1956–61), Balata (1959), and Agadir (1963). Also of note during this period was his contact with a host of international figures, many from the world of architecture – such as Roberto Burle Marx, Hélio Uchoa, and Lúcio Costa –, but most from the realm of art – including Victor Vasarely, Richard Mortensen, Auguste Herbin, André Bloc, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Dewasne, Edgard Pillet, and Fernand Léger. He would even end up working with some of them, which undoubtedly made a favourable contribution to his future artistic development. Although Nadir Afonso cites painting as the primary motivation behind his global travels, in truth it cannot have been a coincidence that he chose to work first with Le Corbusier and then with Oscar Niemeyer. In fact, Corbusier was the most prominent architect of the Modern Movement, having a huge influence in Portugal and, obviously, in Porto. Niemeyer and modern expressionist Brazilian architecture were also greatly admired in Nadir Afonso’s home country. Thus, it is unsurprising that, experiencing what most could only dream of, Nadir Afonso worked for the architects who were culturally closest to the development of a modern consciousness among Portuguese architects, a fact that has indeed already been highlighted by Michel Toussaint¹. As such, this period abroad must have been an intentional and willing journey along the architectural path. Despite a constant vocational and professional ambivalence about his work as an architect and painter, this long international phase was significant for his architectural career due to his contact with leading figures in the Modern Movement and the “lessons” and influences he garnered from them, as well as the heights he was able to reach as an architect as a result. 1960–1970: o exercício autónomo da arquitectura No seu atelier – Chaves e Coimbra In Portugal, he worked sporadically in architecture, in Lisbon (1945, with Fernando Silva), Porto (1950, with Fernando Távora, Fernando Lanhas, and Fernando Moura), and Coimbra (1960–1962, with Carlos de Almeida), finally establishing his own studio in Chaves, his home town. This is where, from 1960 onwards, his career as an independent architect began, in a small environment that only provided him with modest commissions and clients. This was certainly different to the large cities and studios to which he had previously been accustomed and where, had he remained, he could have added to the experience Em Portugal, trabalhou em arquitectura por curtos períodos, em Lisboa (1945, com Fernando Silva), no Porto (1950, com Fernando Távora, Fernando Lanhas e Fernando Moura) e em Coimbra (1960–1962, com Carlos de Almeida) e, finalmente, acabou por estabelecer o seu atelier próprio em Chaves, a sua terra natal. Aqui iniciou, a partir de 1960, 1. Michel Toussaint, “Nadir Afonso e a Arquitectura”, Nadir Afonso Sem Limites [catálogo da exposição], Lisboa, MNAC – Museu Nacional de Arte Contemporânea Museu do Chiado, 2010, páginas 29–38. 1960–1970: independent architectural work At his studio – Chaves and Coimbra 1. Michel Toussaint, “Nadir Afonso e a Arquitectura”, Nadir Afonso Sem Limites [exhibition catalogues], Lisbon, MNAC – Museu Nacional de Arte Contemporânea Museu do Chiado, 2010, pages 29–38.