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Karen e a arte de comunicação telemática

2015, Anais do 8º CONECO e XII PósCom: Comunicação e suas interlocuções

O aplicativo Karen, desenvolvido pelo coletivo britânico Blast Theory se vale da comunicação telemática. Ao problematizar tanto a figura do artista na sua produção quanto a relação obra/público, o resultado é um curioso trabalho artístico onde a interatividade é protagonista. ISBN: 2176-610x

8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. Karen e a arte de comunicação telemática 1 Lucas Pereira Barros 2 Resumo O presente artigo tem por objetivo analisar o aplicativo Karen, desenvolvido pelo coletivo britânico Blast Theory. A obra, se valendo da comunicação telemática, problematiza a figura do artista na produção e a relação obra/público, onde a interatividade é posta em voga. Palavras-chave Arte; Comunicação; Telemática; Espectatorialidade; Interatividade. Introdução Karen é um aplicativo disponível para o sistema operacional iOS, desenvolvido pelo coletivo britânico Blast Theory e lançado em 2015. Faz parte da pauta dos artistas a criação de obras que explorem as tecnologias digitais, seja através da criação de novos dispositivos, seja através da exploração das possibilidades de tecnologias existentes (e o intercâmbio entre ambos). É neste contexto que se desenvolve Karen, trabalho que explora a interatividade dos espectadores com uma personagem através da plataforma iOS. O usuário com o aplicativo instalado é convidado a interagir com a personagem Karen, que propõe ser uma “life coach”. Após escolher um dos temas propostos (metas de vida, relacionamentos), uma série de perguntas pessoais passam a ser feitas, as quais, depois de respondidas, correspondem a interpelações específicas de Karen sobre o assunto. O presente trabalho procura investigar as múltiplas questões suscitadas pelo 1 Trabalho apresentado no GT 1 - ARTE, ESTÉTICAS E TECNOLOGIAS DA COMUNICAÇÃO do 8º Congresso de Estudantes de Pós-Graduação em Comunicação, na categoria Coneco Júnior. PUC Rio, Rio de Janeiro, outubro de 2015. 2 Graduando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF). 1 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. aplicativo. Num primeiro momento, planejo examinar o aplicativo no âmbito do estatuto da imagem: sua origem, organização e apresentação, ou seja, sua representabilidade (inserida no contexto da arte que se vale da comunicação telemática) e as implicações oriundas desta interação aplicativo/usuário. Objetivo nesta parte adentrar em questões que vão desde a imersão até a dicotomia realidade virtual/realidade factual, na qual o aplicativo/obra artística Karen está inscrito, construindo um paradigma de mundo que tensiona os atuais aparelhos midiáticos/tecnológicos tão comumente usados no estabelecimento das relações e vínculos sociais. Num segundo momento, pretendo focar na relação interatividade/narrativa, onde um estudo se faz urgente, uma vez que o aplicativo parte da premissa de uma participação extremamente ativa do usuário, cujas escolhas modificam o desenrolar da história. Comparações com experiências semelhantes na literatura e cinema serão feitas de forma a explicitar as múltiplas possibilidades da relação texto/leitor. De forma alguma se pretende sugerir uma "evolução" desta relação, sendo esta melhor ou pior do que aquela. Pelo contrário: pretendo suscitar como a especificidade de cada meio discursivo e/ou tecnológico, aliada ao seu momento histórico-social, é usada por diferentes artistas de forma a ampliar suas possibilidades e seu potencial intrínseco, fugindo de um uso comum ou padronizado. Arte de comunicação telemática A contemporaneidade assiste à predominância da imagem informacional, aqui entendida como a imagem que resulta de processamentos numéricos gerados pelas tecnologias digitais. A “imagem de síntese” (ZANINI, 2003) suscita novas questões, e anuncia novas formas de percepção e cognição, modificando radicalmente a troca de informações e comunicabilidade na sociedade. Estamos falando da sociedade da informação, dominada pelas tecnologias comunicacionais que configuram no ciberespaço novas interações humanas/sociais. 2 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. O homem interage com a rede, que se configura enquanto extensão do seu corpo, um novo órgão indispensável. Conectividade é palavra de ordem nas relações sociais, onde o espaço virtual assume caráter tão importante quanto o espaço real para se efetuarem a comunicação e a troca de informações e afetos. O homem, então, passa a apreender o mundo na contemporaneidade pela imagem informacional, à disposição através dos dispositivos tecnológicos digitais. Essa passagem nada mais é do que uma consequência óbvia de um processo que se iniciou desde o surgimento da imagem técnica, mãe da imagem informacional. A imagem técnica vem modificar a relação do homem com a ressignificação do conceito ‘imagem’. Se a imagem inicialmente é uma mediação entre o homem e mundo, ou seja, ela representa este último, a imagem técnica inverte esta lógica: O homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função de imagens. Não mais decifra as cenas da imagem como significados do mundo, mas o próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas. [...] Podemos observar, hoje, de que forma se processa a magicização da vida: as imagens técnicas atualmente onipresentes ilustram a inversão da função imaginistística e remagicizam a vida. (FLUSSER, 2011, p. 23-24) Nesta fase, portanto, o homem passa a vivenciar o mundo pela imagem técnica (processo que se estende até a imagem informática), constituindo um homem-idólatra, onde, segundo Flusser, “a realidade reflete imagens” (FLUSSER, 2011, p. 23). A imagem, pois, perde seu caráter primário de compreensão do mundo para ser o mundo em si. Torna-se ‘janela’. A assimilação da imagem informática pela sociedade através das mídias comunicacionais cada vez mais popularizadas e consolidadas não deixariam de adentrar o pensamento artístico. O universo artístico encontra um novo nicho de desenvolvimento, onde artistas vão se valer das singularidades da comunicação telemática para criação de suas obras, com novas provocações e esteticidades. Na arte de comunicação telemática, a tríade artista/obra/público é objeto de investigação e transformação. O artista dialoga com (ou é ele mesmo) a figura do 3 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. técnico/programador: as criações deixam de ser isoladas e individualizadas e passam a ser coletivizadas. Assistimos ao “desfazimento do clássico estado individualizador da criação” (ZANINI, 2003, p. 13), que se estende, em última instância (e não menos importante) na espectatorialidade das obras produzidas. Criadas neste e para o espaço multidimensional (ciberespaço), as obras são imagens de síntese que ocultam a intenção e subjetividade do artista, resultando numa distribuição e fruição espectatorial de outro caráter, pois “na imagem de síntese, o envolvimento do espectador é [...] de um alcance de natureza diversa de sua antiga participação em trabalhos artesanais ou de natureza eletro-mecânica ou em situações comportamentais” (ZANINI, 2003, p. 11). Modificam-se, portanto, os conceitos de autoria e espectador e vemos emergir “outra formação criadora, inteiramente distinta da obra de arte tradicional” (ZANINI, 2013, p. 14) que resulta em experiências estéticas distintas. Artista e espectador adquirem novos papéis: o primeiro desaparece na obra em si e esta última assume natureza provisória e mutável, porque dependente da articulação de um segundo sujeito, os espectadores. Entender este contexto do estatuto da imagem informática e das mídias comunicacionais é de extrema importância para podermos ver Karen, objeto de estudo deste trabalho, enquanto obra artística. Aplicativo artístico Karen é um aplicativo disponível para iOS onde o usuário passa a interagir com a personagem Karen. Quando abre o aplicativo pela primeira vez, o usuário se depara com a imagem de uma mulher caminhando por uma rua. Ela nota sua presença, olha diretamente para o obturador da câmera que segura enquanto caminha, e diz ser um prazer conhecê-lo. Diz estar ansiosa para o primeiro encontro e pede alguns segundos. Entra em casa, deposita a câmera em alguma superfície e senta num plano médio frontal. Karen se apresenta: será a “life coach” do usuário. Pergunta seu nome, e um espaço para o usuário escrever seu nome toma conta da tela. Em seguida, 4 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. Karen explica que fará uma série de perguntas, e baseado nas respostas, dará conselhos e organizará as discussões a serem feitas nas sessões seguintes. Webpsicóloga, o usuário terá encontros diários com ela, às vezes mais de uma vez ao dia. O usuário, ao final de cada sessão, é informado da data e horário do próximo encontro. Assim o jogo se desenrola. Perguntas são feitas e opções são dadas. Ao toque do dedo, o usuário escolhe a resposta que mais lhe convir, repercutindo em reações específicas da personagem, que simula um contato real e imediato (quando digo que fugi de casa, por exemplo, ela retruca também já ter fugido e como isso lhe afetou). Ao longo de cada episódio, os papeis vão se invertendo: o usuário é o “life coach” de Karen, cujas escolhas feitas irão dizer mais sobre ela do que o contrário: o objetivo não é aconselhá-lo, é descobrir quem é Karen, seus gostos, interesses, suas histórias e romances. Progressivamente, um arco narrativo desponta, construindo o universo da personagem de forma dinâmica e interativa. Mesmo quem escolhe respostas opostas (sim/não) será direcionado para o mesmo fim. O universo é dado, está completo, o destino é um só, mas o caminho é múltiplo. Por ser desenvolvido como um aplicativo disponível para o sistema iOS, Karen facilmente pode ser visto somente desta forma – um aplicativo como outro qualquer –, disponível para todos aqueles munidos de um Iphone ou Ipad. Entretanto, as colocações anteriores já não deixam dúvidas: a arte telemática constitui novas formas de distribuição, e a de Karen é, justamente, um aplicativo. Ainda, outras formas estéticas despontam, justificando sua aproximação com o aspecto de jogo. Karen é uma provocação: imagem baseada na realidade factual, simulacro que imita as relações humanas contemporâneas, tão baseadas em trocas disponíveis nos mais diversos dispositivos comunicacionais que se tornaram “tecnologias do afeto”. Relações afetivas que são, afinal, trocas de dados: uma foto minha sorrindo, quando recebida no dispositivo do outro, são dados decodificados, lidos e convertidos em pixels, que formam minha imagem sorridente. Não sou eu, é um segundo, uma representação. 5 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. Como vimos, a sociedade moderna entende o simulacro enquanto a própria realidade, configurando “um mundo em que as fronteiras se misturam e em que o corpo se apaga, em que o outro existe na interface da comunicação, mas sem corpo, sem rosto, sem outro toque além do toque do computador, sem outro olhar, além do olhar da tela” (LE BRETON, 1999, p.142). Karen é, pois, esta representatividade do eu-real virtualizado. Porém, ficcionalizada, porque codificada, onde nossas escolhas funcionam como comandos que desencadeiam as possibilidades do universo criado pelo artista, estas já prontas e organizadas no plano virtual. As escolhas do espectador desencadeiam as potencialidades do programa e à medida que mais escolhas são feitas, o universo do programa vai se realizando. As reações de Karen não são, dessa forma, imediatas e/ou originais. Pelo contrário, simulam um plano material fatídico e uma falsa-espontaneidade, pois a personagem é dotada de uma consciência histórica generalizada, todos os futuros possíveis categorizados, só à espera do toque do dedo no vidro temperado que irá escolher quais dados numéricos serão ativados. Em última instância, e não menos importante, o aplicativo questiona através da sua construção narrativa via coleta de dados (respostas) dos usuários a realidade do universo das mídias comunicacionais, onde encontramos companhias como Facebook coletando e usando dados de seus usuários sem consentimento. Karen, além das provocações da relação real/virtual, pessoa/inteligência artificial, se consolida enquanto projeto político que problematiza este novo mundo onde tecnologias – das quais somos cada vez mais dependentes – são tão intrusivas. Estrutura narrativa Karen pode ser visto como um filme, cuja estrutura transcende a narrativa tradicional ou questões de gênero. É uma obra-dispositivo, onde o espectador, aqui um usuário de aplicativo, é onipotente, instigado a fazer as escolhas que ditam o rumo da narrativa (mas não seu fim). O ato criador residindo no toque de um dedo, smartphones enquanto "tecnologias doméstico-industriais [que] transformam cada um de nós em unidades móveis de produção de imagens e informação que alimentam o 6 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. sistema de comunicação e o circuito de arte" (BENTES, 2005, p. 127). O projeto não é novo. Experiências semelhantes atravessam a história das artes como um todo, desde a literatura até o audiovisual. Exemplos como Jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar (1963) e Time Code, de Mike Figgis (2000) demonstram diferentes caminhos encontrados por seus criadores de forma a expandir as possibilidades narrativas de quem lê/assiste. Em O Jogo da Amarelinha, o leitor é convidado por Cortázar a escolher uma das seguintes possibilidades: ler o livro em sua forma corrente, linear, o qual termina no capítulo 56 (prescindindo do que virá depois) ou ler na ordem proposta pelo autor, começando pelo capítulo 73, encontrando-se ao final do mesmo o número do capítulo seguinte (no caso, o capítulo 01), processo que se repetirá até o fim. Time Code é um filme em quatro telas, cada qual acompanhando um núcleo narrativo que caminha para um mesmo fim. O foco narrativo é dado pelo som: o autor determina o intervalo de tempo em que o som de cada tela estará ligado. A interferência estabelece uma necessidade do autor em evitar uma cacofonia de sons sobrepostos, de forma a criar unidade num filme que se pretende múltiplo. De fato ele é, e a atividade do espectador é de caráter ocularcêntrico, sendo sua visão livre (apesar do som-guia-de-telas) para passear e focar nas outras telas, mesmo que mudas. Se O Jogo da Amarelinha joga com a literatura, Time Code com o cinema, Karen joga com a experiência da telepresença da imagem informática, onde imagens captadas em diferentes lugares são experimentadas num espaço virtual a partir do qual interagem (BENTES, 2005, p. 122). O aplicativo brinca com o estatuto do código videográfico, ficcionalizando a experiência da teleconferência, transformada em recurso para a construção da personagem Karen. O uso da telepresença lembra o formato da (web) série de comédia Web Therapy (2008 – ), onde a protagonista, Fiona Wallice (Lisa Kudrow), desenvolve um novo método de consulta, feita via webcam e com somente três minutos de duração. Todas as sequências sugerem serem vídeos feitos pela webcam de computadores, sempre imagens onde os personagens estão em planos médios, frontais, olhando para 7 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. o obturador. O espectador assiste, assim, à alternância entre webcams diegéticas; ora a de Fiona toma conta da tela, ora a de um de seus pacientes. Toda a produção imagética é feita dessa forma, que encontra na potência dos códigos e estética dos dispositivos de co-presença a inovação na construção narrativa do produto audiovisual. Os dispositivos de criação de co-presença e co-realidades, estou aqui e lá, propiciados pelas web-cams e dispositivos de telepresença, abrem um campo vastíssimo para estéticas e dramaturgias on-line, ou melhor cenas e situações virtuais, ambientes de co-presença que provocam distúrbios perceptivos. (BENTES, 2005, p. 125) Cito Web Therapy como exemplo, única e simplesmente para destacar seu formato e a aproximação do mesmo da narrativa construída em Karen. A teleconferência é um elemento comum, além da figura central de uma suposta "psicóloga" (Fiona) ou "life coach" (Karen). Também há a quebra da expectativa, onde as personagens centrais delimitam seus papeis no início (terapia/life couch para o outro), porém, nunca se desdobram: em Web Therapy, temos tudo, menos terapia, pois Fiona é uma farsa (recurso para as gags da série); no caso de Karen, esta propõe dar sugestões de vida, mas acaba se voltando para a sua própria, expondo toda sua subjetividade e problemas no processo. Entretanto, o aplicativo dá um passo adiante, onde o paciente é o usuário. Diferentemente de Web Therapy, onde vemos o transcorrer de cenas, em Karen a fala é dirigida diretamente para nós. Não são cenas audiovisuais, mas acontecimentos "fatídicos", onde há pausas para interações com o usuário. De forma alguma quero sugerir a perspectiva de um evolucionismo da interatividade e imersão dos espectadores dentre os exemplos citados (“um passo adiante” dá um caráter pejorativo). Cada exemplo funciona dentro de sua proposta. Web Therapy, por exemplo, é um produto audiovisual, com suas questões e demandas específicas, assim como Time Code apresenta outras especificidades, de origem cinematográfica; cada qual está inserido num espaço e tempo diversos, veiculando suas respectivas visões de mundo. Como bem lembra André Parente, 8 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. Cada dispositivo tecnológico veicula uma visão do mundo relativa à forma específica de modelagem do espaço e do tempo [...]. Cada tecnologia suscita questões relacionadas à sua consistência enunciativa específica que, em última instância, se articula com a produção cultural de uma sociedade em um determinado momento. (PARENTE, 1999, p. 64) Talvez a provocação que podemos aqui colocar seria de que a interatividade nos exemplos anteriores é um processo posterior do meio específico em que foi desenvolvido. Literatura, cinema, séries televisivas, cada qual criou seus signos e formas que foram estandardizadas. A interatividade parece vir como um segundo recurso que acrescenta a experiência, não sendo necessariamente intrínseco ao meio discursivo. Karen, porém, representa um segundo universo, puramente comunicacional, aquele da arte de comunicação telemática, e que brinca com a própria realidade transformada em jogo no ciberespaço, onde a interatividade tem papel crucial e inerente. Mais do que recurso dispensável, a interatividade em Karen é objeto de pesquisa. Conclusão A imagem de síntese, resultado de processamentos numéricos, dita novas formas de percepção/cognição na sociedade. Dominado pelas tecnologias comunicacionais, o homem torna-as parte integrante da sua vivência, assumindo papel crucial na troca de informações e afetos e, consequentemente, na forma de apreensão do mundo e da realidade. Tais questões funcionam de alimento para o universo artístico, que extraem do campo da comunicação novas possibilidades estéticas no uso das mídias comunicacionais. A arte telemática configura um campo emergente, onde se problematiza questões de autoria – o artista se diluindo na obra a partir da sua tecnicização – e de público – onde o espectador colabora na criação. A partir destes questionamentos entendemos Karen enquanto obra artística, pois características como ‘aplicativo’ e ‘jogabilidade’ têm suas significações expandidas, assumindo novas esteticidades na arte de comunicação telemática. 9 8º Congresso de Estudantes de Pós-graduação em Comunicação do Rio de Janeiro XII Seminário de Alunos de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, 21 a 23 de outubro de 2015. Karen provoca o espectador/usuário por ser simulacro da realidade, ao imitar a experiência da teleconferência. Critica a virtualização cada vez maior do homem em detrimento de seu corpo e de experiências reais. As relações humanas e sociais se dão no espaço/tempo telemático (tecnologias de afeto) e não mais precisam ser pautadas na realidade factual. O termo (realidade) já se expande e abrange o ciberespaço, que elimina distâncias geográficas. A criação de uma personagem que reage segundo as respostas do usuário e que armazena todas as escolhas para criação de um perfil do mesmo faz a obra artística assumir um caráter político, problematizando o uso intrusivo dos dados de usuários pelas mídias comunicacionais. O aplicativo brinca com a experiência de uma teleconferência, através de uma produção imagética que simula dispositivos de co-presença. A obra artística foge às estruturas narrativas tradicionais, pois o usuário assume papel decisivo na organização narrativa; afinal, a interatividade é elemento indispensável nas obras de arte telemática. Referências bibliográficas BENTES, Ivana. Mídia arte: estéticas da comunicação e seus modelos teóricos. In: Corpos Virtuais. Rio de Janeiro: Centro Cultural Telemar, 2005. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São Paulo: Annablume, 2011. LE BRETON, David. Adeus ao corpo. Campinas: Papirus, 1999. MELLO, Christine. Ação colaborativa do vídeo nas novas mídias. In: Extremidades do vídeo. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008, p. 195-198. PARENTE, André. Cibercidade, In: O Virtual e o Hipertextual. Rio de Janeiro: Pazulin, 1999, p. 46-64. ZANINI, Walter. A arte de comunicação telemática: a interatividade no ciberespaço. São Paulo: Ars, vol. 1, no. 1, 2003, p. 11- 34. 10