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O constitucionalismo popular*
em uma leitura rawlsiana
THE POPULAR CONSTITUTIONALISM
IN A RAWLSIAN READING
* Este artigo foi elaborado no
âmbito do Laboratório de
Estudos Teóricos e Analíticos sobre o Comportamento
das
Instituições
(LETACI), vinculado à Faculdade Nacional de Direito
(FND) e ao Programa de
Pós-Graduação em Direito
(PPGD) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), com financiamento do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
pela concorrência do Edital
Universal nº 14/2013, e da
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ), pelas concorrências do APQ-1/2013 e do
Edital nº 41/2013, do Programa de Apoio a Grupos
Emergentes de Pesquisa no
Estado do Rio de Janeiro.
* * Doutorado em Teoria do
Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Brasil (2007). Professor Adjunto III da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Brasil. E-mail:
[email protected]
*** Graduando em Direito da
Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: b_zettel@hotmail.
com
**** Graduando em Direito da
Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Email: henriquerangelc@
gmail.com
** Carlos Bolonha
*** Bernardo Zettel
**** Henrique Rangel
Resumo: O desenvolvimento da atividade política do Judiciário
ao longo do século XX despertou posicionamentos críticos na
teoria constitucional, podendo se destacar o Constitucionalismo
Popular. Entre seus apontamentos, o Legislativo possuiria
legitimidade para atuar com base em uma Constituição
populardiariamente construída. Perante algumas imperfeições
deixadas por esta vertente, utiliza-se a obra de John Rawls para
indicar (I) que questões políticas são enfrentadas pelas
instituições democráticas que compõem a estrutura básica de
uma sociedade bem-ordenada; e (II) o papel desta Constituição
popular pode ser exercido por elementos da teoria rawlsiana,
quando os princípios de justiça identificam um parâmetro
legitimador das deliberações democráticas e a razão pública
permite que a atuação destas instituições seja acompanhada
continuamente pelos cidadãos em nome das gerações futuras.
Palavras-chave: Constitucionalismo Popular; Constituição
popular; Razão Pública; “Justiça como Equidade”;Judicial
Review.
Abstract: Thedevelopment of the political activity on the
Judiciary branch at the twentieth-century sparked critical
appointments in the constitutional theory as the Popular
Constitutionalism. Among their notes, theLegislative is
legitimated to actuate according to a Popular Constitution daily
observed. Under certain imperfections left by this side of
constitutional thought, we use conceptions brought by John
Rawls to indicate (I) political issues are faced by democratic
institutions which composes the basic structure of a well-ordered
society, and (II) the role of Popular Constitution may be exercised
by elements of rawlsian theory, when the principles of justice
identify a legitimate parameter on democratic deliberations and
the public reason allows the performance of these institutions
and is continuously monitored by the citizens in the name of
futures generations.
Keywords: Popular Constitutionalism; Popular Constitution;
Public Reason; Justice as Fairness; Judicial Review.
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INTRODUÇÃO
Ao longo do século XX, o Judiciário norte-americano desenvolveu uma
atividade cada vez mais ampla sobre o campo político. Com isto, surgiu o que
se chamou supremacia judicial, correspondendo a um modelo deliberativo em
que o Judiciário, sobretudo no âmbito da sua Suprema Corte, aplica valores
políticos essenciais à ordem democrática, porém, detendo consigo o poder de
interpretá-los em última instância. Esta capacidade de ditar a última palavra do
campo político do Judiciário apresentou-se, a partir do final do século XX, como
o objeto dos maiores posicionamentos críticos dentro do debate da teoria
constitucional norte-americana. Entre os diversos teóricos críticos a um modelo
jurisdicional de atividade potencializado, podem-se apontar autores insertos na
corrente de pensamento conhecida como Constitucionalismo Popular1.
O Constitucionalismo Popular é uma corrente que representa uma
revalorização do poder Legislativo. Há uma atual resistência ao modelo
democrático em que as deliberações políticas se polarizam no Judiciário,
alegando-se que o poder de interpretar os valores essenciais à ordem
constitucional encontra-se no povo. Por isto, são os representantes eleitos deste
povo que deverão atuar construtivamente na elaboração dos princípios e
orientações políticas da sociedade. Quando o Judiciário intervém neste
procedimento deliberativo, afirmam seus defensores, não se atende a um valor
normativo fundamental da ordem política: a Constituição popular.
A Constituição popular, por sua vez, não se apresenta como um conceito
bem delimitado pelos seus defensores, mas representa um importante papel na
vida democrática dos cidadãos. Enquanto, por um lado, a Constituição legal
corresponderia à atividade do Judiciário em efetivar princípios estabelecidos
em um texto escrito e formal, não há grande nitidez sobre o que se compreende
como Constituição popular. Esta, porém, tem como papel, em primeiro lugar, a
orientação da construção efetiva dos valores de destaque na ordem democrática,
ou seja, nas deliberações políticas da sociedade e, em segundo lugar, a
certificação exercida pelos cidadãos de que sua vontade política esteja presente
nas deliberações políticas institucionais.
O objetivo deste trabalho é justamente analisar elementos do Liberalismo
Político de John Rawls na elaboração de uma resposta ao posicionamento
1
Entre significativos posicionamentos críticos sobre a atividade do judicial review, AdanShinar e
AlonHarel(2011) indicam haver uma atual tendência para um constreined judicial review, possuindo
três principais correntes. A primeira delas seria o próprio Constitucionalismo Popular; a segunda, o
Departamentalismo; e, por fim, os weekformsof judicial review.
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crítico do Constitucionalismo Popular. Quando analisada a teoria rawlsiana,
sobretudo no que tange àjustice as fairness e à razão pública, estes anseios do
Constitucionalismo Popular estão abrangidos e é possível suprir as imperfeições
teóricas do conceito de Constituição popular.
1 TENSÃO CONSTITUCIONAL ENTRE DIREITO E POLÍTICA
Uma análise coerente sobre os atuais modelos políticos de democracia
constitucional deve ter em conta um aspecto crucial para a estabilização da
ordem normativa e política do Estado: a tensão permanente entre o poder popular
e o Poder Judiciário na garantia de direitos constitucionais. Este embate é capaz
de promover a polarização entre, de um lado, teorias constitucionais com ênfase
na promoção da deliberação pública e da soberania popular e, de outro, teorias
que reconhecem a jurisdição constitucional como um freio aos desígnios da
vontade majoritária2. No centro desse embate está a Constituição como norma
suprema do ordenamento jurídico com a tarefa precípua da organização dos
poderes estatais e da instrumentalização de mecanismos democráticos para
formação da vontade política estatal. O poder integracionista trazido pela
Constituição consubstancia um fator de estabilização entre as forças políticas
majoritárias que atuam no âmbito parlamentar e as garantias de liberdade das
minorias políticas, protegendo um elenco de direitos fundamentais intocáveis
pela eventual atuação desmesurada do governo3.
A Constituição é um documento que além de estabelecer bases
fundamentais como pressupostos jurídicos normativos, determina parâmetros a
se seguir na deliberação política fundamental à ordem democrática. As Cortes
Constitucionais, por sua vez, enquanto instituições responsáveis por proteger a
ordem constitucional, não podem ser vistas apartadas de procedimentos
2
3
Tal tensão pode ser observadades de as considerações de Ely (1980, p. 4-5) acerca do judicial review
a partir de sua “função-problema” como “a body that is not elect or otherwise politically responsible
in any significant way is telling the people’s elected representatives that they cannot govern like
they’d like”.
A função de integração da Constituição decorre da pluralidade de concepções políticas que estão
presentes no interior dos Estados modernos. Justamente esse pluralismo pode descambar para uma
série de tensões ideológicas sobre o direcionamento das ações estatais na promoção do bem comum.
Konrad Hesse explica que a unidade política de ação, que é o Estado, não é algo que venha dado, isto
é, não pode ser concebido como um a priori: “Pelo contrário, tem de cultivar-se e assegurar-se no
processo político da moderna sociedade pluralista, na justaposição e na contenda de numerosos
grupos, nos quais a compensação entre as diferentes opiniões, interesses e aspirações, como a
resolução e a regulação de conflitos, converteram-se, por igual, em tarefa arquetípica e condição de
existência do Estado” (HESSE, 2009, p. 4).
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deliberativos também de matriz política. Dessa forma, analisar a atividade política
do Estado envolve consideravelmente discutir o papel do Judiciário em
contribuição à construção e desenvolvimento dos valores fundamentais à ordem
democrática, sobretudo quando nele se reproduz com maior clareza a tensão
entre vontade majoritária e direito básicos. Portanto, a tensão entre a soberania
popular e o Poder Judiciário se revela de forma mais contundente em um dos
principais aspectos da ordem normativa: a jurisdição constitucional. O que reforça
a tensão é a ideia de guarda da Constituição atribuída ao Judiciário no exercício
da jurisdição constitucional. Seus órgãos se inserem, automaticamente, no centro
das disputas políticas sobre o significado das normas constitucionais e, quando
defendem sua aptidão em determinar a última interpretação, sugerem a existência
de uma supremacia judicial. Diversas correntes constitucionalistas se debruçam
sobre o tema para fundamentar e limitar o poder jurisdicional de tutela da
Constituição.
Na teoria constitucional norte-americana, um dos primeiros autores a
levantar o debate acerca da legitimidade do judicial review foi Alexander Bickel
(1986), em The Least Dangerous Branch. Em linhas gerais, considerou que o
instituto representa uma anomalia no contexto político norte-americano, na
medida em que representaria um poder exercido contra a maioria democrática
popular. Bickel, no entanto, não afasta a necessidade do judicial review na
garantia da democracia norte-americana, em virtude do isolamento político do
Poder Judiciário e de suas características institucionais que o capacitam para
defender valores fundamentais da sociedade. Daí cunhar-se o termo dificuldade
contramajoritária. John Hart Ely (1980), em Democracy and Distrust, tem
como objetivo teórico a construção de uma estrutura político-constitucional em
que o poder das Cortes Constitucionais esteja restrito ao policiamento das
condições de deliberação democrática, sem, contudo, ditar valores fundamentais
que devem conduzir a sociedade. Ao mesmo tempo em que a Suprema Corte
estaria apta a proteger o fundamental law, seria vedado que ela participasse
concretamente em sua construção. Bruce Ackerman, a partir de uma
reconstrução histórica do judicial review na democracia norte-americana,
concebe o papel central que a Suprema Corte vem desempenhando na promoção
de mudanças constitucionais por meio de decisões transformativas, sob a
liderança política do Presidente da República (ACKERMAN, 2001).As críticas
de Mark Tushnet(1999) e Larry Kramer (2007), porém, destacam-se na
atualidade, enquanto grandes expoentes da vertente conhecida como
Constitucionalismo Popular. Trata-se de uma teoria que reforça o sentido de
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uma Constituição popular paralela a Constituição legal norte-americana, que
não está confinada a um determinado ato constituinte, mas que, pelo contrário,
se renova com as constantes interpretações que lhe são conferidas pelo Povo.
Com efeito, a atuação de Cortes Constitucionais, como a Suprema Corte
dos Estados Unidos e o Supremo Tribunal Federal, deve ser analisada a partir
de uma perspectiva teórica centrada não somente em aspectos jurídicos, mas
também políticos que possam ajudar na compreensão de suas principais decisões.
Isso não significa afirmar que as referidas Cortes atuam de maneira
eminentemente política, mas tão somente a necessidade de uma abordagem
teórica que leve em consideração as suas decisões a partir dos resultados que
podem gerar na órbita política. Isso significa compreender como essas decisões
podem dialogar com a realidade sociopolítica e como essa realidade pode
influenciar na defesa de direitos constitucionais (HABERMAS, 1996).
2 A CONCEPÇÃO POLÍTICA DE JUSTIÇA E A RAZÃO PÚBLICA
Nas divergências acerca do conteúdo dos direitos, o pano de fundo que
se apresenta é o conflito entre os diversos valores que constituem uma sociedade.
Uma decisão judicial sobre um caso difícil envolve, sobretudo, o confronto entre
dois ou mais pensamentos que interpretam o conteúdo de um direito de forma
distinta. Essas diferentes interpretações, quando levadas ao Poder Judiciário,
demandam um provimento jurisdicional com base em um parâmetro de
concretização de valores que, em particular, representam seus interesses.
Portanto, a jurisdição constitucional, ao avaliar um caso que envolva uma
pluralidade de visões de mundo, depara-se com um dilema que pode comprometer
sua legitimidade, ou seja, há uma dificuldade em se determinar qual dos
argumentos atende melhor a um conteúdo axiológico que corresponda a um
princípio de justiça.
Nesta perspectiva, o problema da legitimidade do judicial review é reflexo
de uma sociedade em que estão presentes diversas doutrinas abrangentes4 e
diversos sentidos são atribuídos aos valores presentes em uma sociedade. A
4
Para um entendimento com clareza do conceito de doutrinas abrangentes, é possível identificar sua
primeira – e, talvez, mais importante – característica: “Elas tem três traços essenciais. Um deles é
que uma doutrina razoável é um exercício de razão teórica: diz respeito aos principais aspectos
religiosos, filosóficos e morais da vida humana, de uma forma mais ou menos consistente e coerente.
Organiza e caracteriza valores reconhecidos de modo que sejam compatíveis entre si e expressem
uma visão de mundo inteligível. Toda doutrina fará isso de forma que a distingam das outras, dando,
por exemplo, a certos valores uma primazia e um peso especiais” (RAWLS, 2000, p.103).
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atividade das instituições não pode, no entanto, alcançar estas concepções para
concretizar princípios constitucionais, pois estes devem ser caracterizados como
de natureza política. Fala-se em tensão entre o pluralismo da sociedade e a
decisão proferida pelas instituições em um sentido único. Embora haja valores
que não devam fazer parte da concepção de justiça, há princípios que precisam
se apresentar em qualquer ordem de atuação estatal. Tão logo a estrutura de
sociedade caracterize-se como uma sociedade bem-ordenada, haverá uma
cobrança contínua sobre as estruturas básicas no sentido de garantir a efetivação
de tais princípios de justiça. No caso de uma divergência entre duas
inviolabilidades civis, é provável que uma prevaleça sobre a outra. É igualmente
provável que haja segmentos na sociedade defendendo um ou outro lado. A
questão é que, em que pesem o pluralismo e a defesa de diferentes valores em
diferentes medidas no campo social, as instituições devem atuar atendendo a
concepções unicamente políticas de justiça e esta concepção não estará
atendendo nem um segmento, nem outro. Não estará atendendo nenhuma
doutrina abrangente, mas a justiça como equidade.
Desta maneira, a identificação da vontade política da comunidade
nas sociedades complexas apresenta-se como uma difícil tarefa quando
considerado fato do multiculturalismo. Em seu interior, estão presentes
diversas doutrinas abrangentes, de distintas naturezas – morais, políticas,
econômicas, entre outras –,calcadas em particulares dogmas e pontos-devista. Esse é um pressuposto que tem de ser relevado para que a estrutura
básica da sociedade possa atender aos princípios de justiça. Neste sentido,
é pressuposto que haja um consenso sobre valores básicos para que se
possa iniciar qualquer processo deliberativo, inclusive, aqueles exercidos
pelas Cortes Constitucionais. Com isto, atende-se à ideia de um consenso
sobreposto. A existência de um pluralismo, desde que razoável, não impede
que se delimitem rigorosamente quais os princípios de justiça serão
considerados como parâmetros políticos fundamentais da ordem
democrática.
Ao contrário do que buscam alguns teóricos, sobretudo quando se
utilizam da teoria do discurso (HABERMAS, 1996), John Rawls fundamenta
esse consenso a partir de uma situação de absoluta igualdade entre os
cidadãos. Entende-se que não é possível que se busque a igualdade para
alcançar o consenso. Pelo contrário, a igualdade é um valor que deve
anteceder ao consenso. Assim, Rawls estrutura uma organização
procedimental que possibilite identificar valores fundamentais à instituição
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de uma ordem democrática. É com a posição original, um momento
verdadeiramente pré-político, que os cidadãos poderiam estabelecer
racionalmente quais são os valores indispensáveis para que a justiça pudesse
se realizar de uma geração para a outra5. Na posição original os indivíduos
devem desconsiderar interesses particulares, pois, assim, prejudicariam um
procedimento deliberativo justo. Da mesma maneira, os cidadãos não devem
remontar suas condições sociais e econômicas reais quando colocados nesta
situação de deliberação.
Conseguindo-se um consenso sobre os valores essenciais à ordem
democrática, a estrutura básica poderá concorrer para a sua efetivação.
Tais seriam os princípios de justiças concebidos politicamente a se realizarem
pela atividade do Estado. A atividade deliberativa – transparente e pública
–, por sua vez, ficaria sob o controle da sociedade. O atendimento a estes
princípios perante a ordem constitucional representa uma atividade legítima
e, atenta a este fato, estaria a razão pública6, constantemente se certificando
de que as instituições estejam pondo em prática os valores definidos
consensualmente. A razão pública é aquela que tem como objeto a concepção
política de justiça de uma sociedade e que está voltada para o interesse
público. É a razão de cidadãos iguais que exercem o poder político final em
uma sociedade democrática.
As decisões políticas e as decisões judiciais são tomadas a partir da
atribuição de conteúdo axiológico para um determinado valor normativo. A
questão que se coloca sobre o judicial review é saber se este se caracteriza
como um procedimento adequado para determinar o conteúdo de um direito
que tem como destinatário final a própria sociedade. É nesse sentido que
surge o debate contramajoritário, entre quem defende a possibilidade da
atuação política mais construtiva do Judiciário e quem a atribui exclusivamente
5
6
Em relação à posição original de Rawls, é possível considerar o seguinte trecho: “Em primeiro
lugar, ninguém sabe qual é o seu lugar na sociedade, a sua posição de classe ou o seu status social; além
disso, ninguém conhece a sua sorte na distribuição de dotes naturais e habilidades, sua inteligência e
força, e assim por diante” (RAWLS, 1971, p. 147). Sobre esta ideia, completa Rawls indicando a
função metodológica deste conceito: “[...] vemos a posição original como um artifício de
representação: ela representa o que consideramos – aqui e agora – condições equitativas, segundo as
quais os representantes de cidadãos livres e iguais devem especificar os termos da cooperação social
no âmbito da estrutura básica da sociedade”(RAWLS, 2000, p. 68-69).
Sobre o conceito de razão, segundo Rawls: “Uma sociedade política, e, na verdade, todo agente
razoável e racional, quer seja um indivíduo, uma associação, uma família ou mesmo uma confederação
de sociedade políticas, tem uma forma de articular seus planos, de colocar seus fins numa ordem de
prioridade e de tomar suas decisões de acordo com esses procedimentos. A forma como uma
sociedade faz isso é sua razão; [...]”(RAWLS, 2000, p. 261).
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ao Legislativo. Nesse sentido, pode-se afirmar que a legitimidade da atuação
política do Judiciário se encontra na conformação à concepção política de
justiça7.
3 CONSTITUCIONALISMO POPULAR
O Constitucionalismo Popular (Popular Constitutionalism) representa
uma virada paradigmática com relação à prática constitucional interpretativa
centrada na atuação das Cortes Judiciais8. A partir de uma análise crítica do
papel que vem desempenhando a Suprema Corte dos EUA dentro da estrutura
democrático-constitucional, Larry Kramer e Mark Tushnet destacam a
necessidade de revalorização do poder popular na interpretação e
materialização dos valores constitucionais. A ideia central é que paralelamente
à Constituição legal, aplicada pela Suprema Corte, sempre houve uma
Constituição popular que contribui para moldar o pensamento constitucional
norte-americano e que se perfaz através de atos interpretativos levados a
cabo pelo próprio povo. Pode-se dizer que o Constitucionalismo Popular reforça
a função do Poder Legislativo na criação de direitos e reduz a atuação política
do judicial review.
No debate acerca da legitimidade do controle constitucional sobre atos
de vontade majoritária, Bickel (1986) defende a posição de que o judicial
review é uma força contramajoritária no contexto da democracia americana.
O argumento contramajoritário consiste em limitar a legitimidade ao poder
jurisdicional na supressão de uma norma do Legislativo. Nesse sentido, quando
um determinado órgão do Poder Judiciário declara a inconstitucionalidade de
7
8
A concepção política de justiça pode ser analisada como um a priori para a atribuição de conteúdo
aos direitos constitucionais. Significa dizer que ela deve funcionar como um ponto de partida para
a deliberação no interior das instituições e nos espaços públicos de deliberação. Na seguinte passagem,
fica explícita essa função da concepção política de justiça: “Os valores especificados por essa
concepção (concepção política de justiça) podem ser adequadamente equilibrados, combinados ou
unidos de alguma outra forma, conforme o caso, de modo que somente esses valores dêem uma
resposta pública razoável a todas ou quase todas as questões que envolvem elementos constitucionais
e as questões básicas de justiça” (RAWLS,2000, p. 274-275).
Kramer introduz a problemática desenvolvida pelo Constitucionalismo Popular no seguinte trecho:
“Wetake for grantedthat final interpretiveauthorityrestswiththe Justices. Yes, the other branches
and departments have a role. Yes, they must interpret the Constitution in deciding what they can
and cannot do (whichthey then indicate byacting or declining to act on constitutional grounds or
for constitutional reasons). But when disputes arise, we – and by “we” I mean not just members of
the legal profession, but political leaders and the American public as well – assume that the Supreme
Court is responsible for their final resolution. It is the Court that tells us what the Constitution
means. That, in a nutshell, is the principle of judicial supremacy” (KRAMER, 2007, p. 697).
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um ato normativo, coloca-se diante de um problema de matriz democrática: o
povo, através da representação política legislativa, observa seus anseios
restringidos por um Poder de Estado composto por membros não eleitos.
Questiona-se a legitimidade do Judiciário no exercício da competência de ditar
a existência de validade de uma lei em face da Constituição. O ponto central é
saber se, ao exercer esse controle, estaria o órgão jurisdicional adentrando na
esfera de competência estritamente legislativa e, com isso, excedendo seu papel
perante a ordem institucional democrática.
Em trabalho sobre o assunto, Jeremy Waldron (2010) defende que o
judicial review realizado sobre a legislação é um controle inapropriado por
parte do Judiciário, e que corrompe os valores democráticos de uma sociedade
livre e representada por um Parlamento ordenado democraticamente. O judicial
review, de acordo com o autor, é passível de críticas em duas frentes: (I) ele
não fornece uma maneira pela qual a sociedade possa claramente enfocar as
questões reais que estão em jogo quando surgem controvérsias acerca de um
direito; e (II) é um instituto politicamente ilegítimo, na medida em que permite
decisões sobre o conteúdo de direitos tomadas por um pequeno número de
juízes não eleitos e não responsabilizáveis.
Waldron, considerando o fenômeno do multiculturalismo, se propõe a
discutir como podemser conciliadas as diversas correntes acerca do conteúdo
de um direito quando este apresenta controvérsias significativas para a aplicação
em um determinado caso. Duas são as razões que, de acordo com o autor,
precisam ser levadas em conta ao projetar e avaliar o procedimento decisório
para dirimir discordância sobre direitos. São as razões relacionadas ao processo
e as razões relacionadas ao resultado. As razões relacionadas ao processo
“são as razões para insistir que determinada pessoa tome uma decisão ou
participe de sua tomada, independentemente de considerações sobre o resultado
apropriado”. Por outro lado, as razões relacionadas ao resultado “são as razões
para projetar o procedimento de decisão de uma determinada maneira que
assegurará o resultado apropriado (uma decisão boa, justa ou correta)”
(WALDRON, 2010, p. 120).
No campo das razões relacionadas ao processo, pretende-se demonstrar
como um determinado procedimento pode ser adotado para solucionar a
controvérsia. Busca-se conferir legitimidade para a decisão a partir das regras
adotadas para o procedimento decisório em si mesmo. Essas regras dizem
respeito à forma de escolha das pessoas que serão responsáveis por tomar a
decisão, bem como ao próprio procedimento de decisão especificado. Waldron
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coloca duas questões que poderiam ser feitas por um destinatário da decisão
sobre o direito. Em um primeiro momento, seria possível questionar: “Por que
eles, e não eu?”. Nesta crítica, deve-se considerar que “eles” seria a própria
Corte competente para exercer o judicial review, enquanto “eu”, a vontade
popular, legitimamente representada em um Parlamento. Em um segundo
momento, questiona-se: “No procedimento de tomada de decisão que foi utilizado,
por que não foi dado maior peso aos pontos de vista daqueles tomadores de
decisão que pensam como eu sobre a questão?”. A crítica se funda no fato de
se rejeitar o princípio majoritário por meio do judicial review, quando a própria
decisão da Corte se dá através de uma maioria entre os Justices. As razões
relacionadas ao processo devem se ocupar com essas duas questões a fim de
conferir legitimidade ao procedimento deliberativo.
Com relação às razões relacionadas ao resultado, o processo de decisão
deve ser organizado de forma a demonstrar a maior probabilidade possível de
alcançar um resultado considerado justo em uma perspectiva substancial.
Logo, é preciso que tenhamos critérios de justiça para averiguar a legitimidade
de um resultado. Esses critérios envolvem um conjunto de princípios e valores
que são compartilhados em uma sociedade democrática, e que não podem
ser violados com uma decisão sobre um direito sob pena de serem tomados
como injustos. Sob esta perspectiva de Waldron, é possível traçar uma
comparação com a teoria rawlsiana. No momento em que Waldron define a
necessidade de se seguir um procedimento deliberativo com a finalidade de
se alcançar um resultado justo, é possível uma aproximação com as exigências
de Rawls acerca do atendimento de princípios de uma justiça política.
Em sentido oposto, os argumentos dos defensores do judicial review
podem ser assim resumidos: (I) os juízes tomam decisões sobre direitos com
base em uma Lei Fundamental, isto é, uma Declaração de Direitos ou uma
Constituição que assume uma posição central no ordenamento jurídico; (II) os
juízes, ao interpretar os casos jurídicos concretos com base nessa Lei
Fundamental, nada mais fazem do que expressar um consentimento da sociedade
sobre o sentido dos diversos direitos, consentimento este impresso na própria
Lei Fundamental; (III) nesse sentido, caso os legisladores discordem sobre
uma determinada decisão judicial que aplicou o direito com um dado sentido,
podem emendar a Lei Fundamental e atribuir um novo sentido para o direito
que foi alvo de controvérsia; (IV) o judicial review também é um instituto de
participação política do cidadão em procedimento sobre questão constitucional
na forma de litigante.
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CONSTITUCIONALISMO POPULAR EM UMA LEITURA RAWLSIANA
A controvérsia sobre a legitimidade da jurisdição constitucional, contudo,
deve ser analisada sob outra perspectiva, voltada para a adequação entre
estruturas decisórias e instituições democráticas. Com efeito, as decisões
jurídicas devem atender a regras procedimentais e devem sempre buscar a
efetividade das normas constitucionais. Nos hard cases, essa tarefa se torna
mais árdua, na medida em que demandam do intérprete o manejo de princípios
jurídicos conflitantes e a sua respectiva correlação com valores constitucionais.
Surgem, dessa forma, controvérsias sobre o verdadeiro conteúdo dos direitos,
que são expostas aos tribunais para que decidam em última instância.
A dificuldade contramajoritária é, portanto, exposta nos seguintes termos:
possui um tribunal constitucional legitimidade democrática para invalidar e retirar
do ordenamento jurídico uma norma criada pelo Poder Legislativo? No entanto,
esse é um problema que deve ser superado com base na ideia de que o tribunal
é uma instituição pública inserida em uma sociedade democrática formada por
valores de justiça. Com isto, pode ser reconhecida uma nova problemática. É
preciso analisar a atuação do Judiciário, em tais questões, a partir da necessidade
de estabelecimento de parâmetros axiológicos que legitimem sua atividade.
O judicial review deverá ser capaz de obter legitimidade em seu
procedimento e em seus resultados. Um processo decisório legítimo é aquele
que atende aos valores e princípios de justiça conjugados no texto constitucional.
É a Constituição que deve ser o critério normativo específico para a construção
dos procedimentos decisórios e para a avaliação do resultado a que se chega
com esse procedimento. O problema de se tomar a Constituição como um
critério normativo para as decisões sobre o conteúdo dos direitos está nos diversos
conflitos que podem surgir entre os seus princípios jurídicos, que consagram
valores na ordem política, econômica, social, cultural e moral. Mesmo que haja
influências de um multiculturalismo e de uma pluralidade de preceitos normativos
que ditam trajetos divergentes, é necessário que se conceba um parâmetro
deliberativo que seja superior a ambos. Este parâmetro, por sua vez, possui
natureza apriorística e é composto por princípios de justiça que organizam toda
a estrutura básica de uma sociedade bem-ordenada.
4 A CONSTITUIÇÃO POPULAR
A metodologia concebida pelo Constitucionalismo Popular é
caracterizada pela oxigenação da teoria constitucional a partir de elementos
de ordem cultural, sociológica e histórica. Contudo, um ponto fraco desta
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corrente encontra-se na ausência de uma categorização mais rigorosa de
conceitos teóricos e de uma proposta clara acerca do exercício do poder pelo
Povo. Kramer (2007) e Tushnet (1999) apontam, a partir de uma perspectiva
histórica, os principais argumentos para a defesa de um Constitucionalismo
Popular, mas não esclarecem mais especificamente como o poder popular deverá
ser operacionalizado. Pretende-se construir uma estrutura normativa capaz de
organizar procedimentos deliberativos próprios que valorizem precipuamente a
noção de soberania popular.
O que se parece defender, pelo Constitucionalismo Popular, é um modelo
normativo de democracia em que a função deliberativa se desenvolve de maneira
dualística. Concebe-se, por um lado, uma Constituição legal e, por outro, uma
Constituição popular. Sustenta o pensamento autêntico do Constitucionalismo
Popular que devam existir procedimentos deliberativos distintos para realizar
os valores destas constituições. Cada procedimento, por sua vez, deve ser
observado por uma instituição própria, como democraticamente responsável
por zelar pelos princípios de sua constituição. Desta forma, seria possível
identificar dentro da vertente do Constitucionalismo Popular, o seguinte modelo
dualístico: (I) uma Constituição legal possui seus valores e princípios que devem
ser efetivados por um procedimento democrático realizado no interior de um
órgão judicial; (II) uma Constituição popular possui valores e princípios próprios
a se efetivar por um procedimento democrático realizado, preferencialmente,
no interior de um órgão legislativo.
Desta maneira, haveria uma divisão também sobre as questões que
suscitam a necessidade de uma deliberação democrática: há, de um lado, questões
de natureza jurídica, já com um pleno sentido estabelecido e determinado como
imutável e, de outro lado, questões de natureza política, sem um sentido
definitivamente estabelecido e necessitando de uma atuação concreta estatal
(NELSON, 2000). O papel das instituições judiciais, por um lado, seria deliberar
em questões meramente jurídicas, tratando de conjunturas abrangidas pela
Constituição legal. Por outro lado, estariam excedendo seus limites de atuação
ao intervirem no estabelecimento de questões políticas atribuídas à atividade
legislativa. Faltaria, desta maneira, legitimidade para o Judiciário se inserir nas
responsabilidades democráticas pertinentes à Constituição popular. Elaborando
um modelo normativo neste sentido, questiona-se a supremacia judicial. A
atuação de uma Corte Constitucional em questões de matéria política seria algo
ilegítimo, pois haveria questões que somente o Legislativo, atendendo a uma
Constituição popular, estaria apto a estabelecer de maneira democrática.
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O
CONSTITUCIONALISMO POPULAR EM UMA LEITURA RAWLSIANA
O problema que se apresenta é a falta de nitidez do conceito de
Constituição popular. A Constituição legal corresponde a um documento escrito
e formal, ratificado oficialmente por representantes do povo na elaboração
de uma nova ordem constitucional-democrática. Tem forma e um conteúdo
limitado pela própria forma. Além disso, estabelece de maneira rígida seus
valores. Para que a ordem política de atuação esteja devidamente estabelecida,
de modo que se possa utilizar uma Constituição popular como referência aos
valores essenciais de sua atividade, seu conteúdo precisa estar bem delimitado
e claro. Kramer e Tushnet, no entanto, não indicam, com maior rigor ou
precisão, o que poderia compor uma Constituição popular e, considerando-se
esta o parâmetro de deliberação na ordem política, agrava-se a situação.
É possível, entretanto, analisar um momento em que Kramer se esforça
na tentativa de definir o conteúdo desta Constituição popular. Procura-se
defender que o sentido das normas constitucionais é algo construído
continuamente pelo próprio povo. Por isto, atribuiu-se ao Legislativo este
encargo, pois nele se encontram os representantes eleitos para tal função.
power to interpret (and not just the power to make) constitutional law was
thought to reside with the people. And not theoretically or in the abstract,
but in an active, ongoing sense. It was the community at large – not the
judiciary, not any branch of the government – that controlled the meaning
of the Constitution and was responsible for ensuring its proper
implementation in the day-to-day process of governing. This is the notion
I labeled “popular constitutionalism” – to distinguish it from “legal
constitutionalism” or the idea that constitutional interpretation has been
turned over to the judiciary and, in particular, to the Supreme Court
(KRAMER, 2007, p. 699).
A concepção da ordem deliberativa pela teoria rawlsiana, no
sentido de que a estrutura básica da sociedade deve atender aos princípios da
“justiça como equidade”, não afasta esta legitima atividade dos cidadãos das
questões políticas. O Constitucionalismo Popular idealiza um modelo
deliberativo dualístico em que há duas ordens distintas, uma jurídica e uma
política, cada qual sob a responsabilidade de instituições próprias. Não
consegue, ainda, definir com rigor o que seria o conceito da Constituição
popular quando não demonstra o conteúdo pleno desta categoria. Ao contrário
desta visão, a teoria rawlsiana permite que se desenvolva uma ordem
democrática sem divisões, estabelecida sobre uma sociedade bem-ordenada,
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que admite a participação da população na atividade política do Estado. Ao
invés de se destacar a importância sobre quem deve resolver questões políticas,
admite-se que estas sejam deliberadas, dentro da estrutura básica, sendo, de
fato, importante o porquê daquele resultado: o atendimento aos princípios de
justiça.
A estrutura básica da sociedade representaria as instituições fundamentais
à efetivação dos valores essenciais definidos como princípios de justiça. Quando
estas instituições, de modo cooperativo, aplicam esta concepção política de
justiça às demandas sociais, a população deve exercer um controle sobre esta
atuação por meio da razão pública.
A terceira característica de uma concepção política de justiça é que seu
conteúdo é expresso por meio de certas ideias fundamentais, vistas como
implícitas na cultura política pública de uma sociedade democrática. Essa
cultura pública compreende as instituições políticas de um regime
constitucional e as tradições públicas de sua tradição (inclusive as do
judiciário), bem como os textos e documentos históricos que são de
conhecimento geral (RAWLS, 2000, p. 56).
A razão pública, trazida no trecho acima a partir de aspecto cultural, é
exercida pelos cidadãos perante a atividade política das instituições
democráticas9. A atividade da estrutura básica se desenvolve normalmente e
a razão pública verifica se esta atuação atende aos princípios da justiça política.
A cada nova deliberação ocorrida no plano institucional, os cidadãos
reconhecem ou não a existência de legitimidade naquela ação por meio da
razão pública, ou seja, por esta verificação sobre o atendimento dos valores
essenciais definidos na ordem democrática. Desta forma, não é necessário
que se diga que o povo detém, com exclusividade, o poder de interpretar o
que seria uma Constituição popular. Os valores essenciais à justiça seriam
aplicados pelas deliberações da estrutura básica e teriam natureza política
quando correspondessem aos princípios de justiça. Seu atendimento passaria
pelo controle exercido pelos cidadãos por meio da própria cultura cívica da
sociedade bem-ordenada, fazendo da deliberação politicamente legítima,
mesmo que não estabelecida pelo Legislativo.
9
O conceito de razão pública em Rawls é interpretado como uma categoria de matriz cultural,
podendo ser compreendido através de uma noção de tradição do pensamento constitucional que se
desenvolve de uma geração para a outra. Ao contrário, em Habermas, a ideia de razão pública é de
matriz comunicativa, definida a partir de uma atividade discursiva entre os cidadãos.
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O
CONSTITUCIONALISMO POPULAR EM UMA LEITURA RAWLSIANA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Constitucionalismo Popular apresenta-se como uma corrente de
pensamento, dentro do debate da teoria constitucional norte-americana, resistente
à condição de um Judiciário ativo, de uma supremacia judicial, atribuindo-se
tamanho papel deliberativo sob a ordem política. Durante este momento, a
Suprema Corte representou verdadeiro foco de atuação política por meio do
judicial review, que se transformou em instrumento significativo no
estabelecimento de valores políticos da ordem democrática – daí se afirmar a
existência de um strong judicial review.
Em um primeiro aspecto, criticava-se esta atuação do Judiciário através,
sobretudo, do argumento de que este não poderia atender aos princípios de uma
Constituição popular. Esta, por sua vez, somente poderia se efetivar pela atuação
do Legislativo, uma vez que fora conferido ao povo o poder de interpretar as
normas essenciais à ordem democrática.
Sobre este primeiro apontamento trazido, deve-se considerar que há uma
segregação. Retira-se do campo de atuação do Judiciário a possibilidade de
deliberar em matérias de natureza política, sendo insuficiente que se aplique,
para solucionar a questão, as normas da Constituição. Rawls, no entanto, defende
que há questões políticas quando há envolvimento dos princípios de justiça,
estabelecidos pelos cidadãos como valores tão essenciais que, em uma sociedade
bem-ordenada, sobre eles recai um consenso razoável. Desta maneira, o que
se adverte contra o Constitucionalismo Popular é o fato de o Judiciário poder,
assim como qualquer instituição que compõe a estrutura básica da sociedade,
deparar-se com questões políticas.
Em um segundo aspecto, o Constitucionalismo Popular apresenta o
conceito de Constituição popular a partir de um papel, primeiramente, de
orientação da ordem democrática no estabelecimento de valores políticos centrais
à ordem democrática na interpretação do sentido da Constituição e, em seguida,
no controle exercido pelos cidadãos sobre a atividade das instituições em atender
suas vontades políticas.
O critério que sugerimos ser mais adequado na legitimação da atividade
das instituições democráticas não seria uma Constituição popular nem, em um
primeiro lugar a Constituição legal. Se a sociedade determinou valores tão
essenciais que capazes de sobreviver ao pluralismo como verdadeiros consensos,
estes, enquanto princípios de justiça devem ser tomados como critérios
legitimatórios apriorísticos à própria ordem constitucional. Completando o que
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seria uma segunda dimensão deste papel da Constituição popular, defendemos
a aptidão da razão pública para tal exercício. Por meio da razão pública, os
cidadãos podem controlar a atuação das instituições democráticas no sentido
de verificar se os princípios da justiça estão sendo devidamente atendidos no
antro das deliberações continuamente efetivadas na ordem Estatal. Mais do
que inspecionar se suas vontades políticas estão sendo atendidas, o que pode se
corromper em um majoritarismo, os cidadãos podem ajuizar se as instituições
estão se comprometendo em construir uma ordem democrática que promova
os princípios de justiça definidos em um momento pré-político da estrutura de
sociedade.
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Submetido em: 17/10/2013
Aprovado em: 07/10/2014
Como citar: BOLONHA, Carlos; ZETTEL, Bernardo; RANGEL, Henrique.
O constitucionalismo popular em uma leitura rawlsiana. Scientia Iuris,
Londrina, v.18, n.2, p.171-187, dez.2014.DOI:10.5433/2178-8189.
2014v18n2p171.
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