UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS E PODERES PRESIDENCIAIS NOS
PRESIDENCIALISMOS DA AMÉRICA LATINA (1945-2003)
Josué Lima Nobrega Junior
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciência Política, do Departamento de
Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
para obtenção do título de Mestre em Ciência
Política
Orientador: Prof. Dr. Fernando de Magalhães Papaterra Limongi
São Paulo
2008
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA
MUDANÇAS CONSTITUCIONAIS E PODERES PRESIDENCIAIS NOS
PRESIDENCIALISMOS DA AMÉRICA LATINA (1945-2003)
Josué Lima Nobrega Junior
São Paulo
2008
2
Dedicatória
À minha família
3
Agradecimentos
A pesquisa que originou parte substantiva dos dados da dissertação teve início
durante a iniciação científica que realizei no CEBRAP, do qual sou muito grato pela
oportunidade de convivência acadêmica e pelo treinamento como pesquisador nos anos
iniciais de minha graduação em Ciências Sociais na USP. Agradeço muito a ajuda e o
incentivo de Sandra Gomes, Simone Diniz e Maria Paula, além dos outros
pesquisadores e funcionários do Cebrap, que foram parte importante da convivência
acadêmica que originou o trabalho de pesquisa desta dissertação. Em especial gostaria
de agradecer a Gabriela de Castro Pereira pela amizade e pelo companheirismo ao
longo desses anos. Parte importante da coleta e sistematização dos dados do trabalho
dessa dissertação foi realizada em conjunto com a Gabi para nossa iniciação científica,
e seu apoio e sugestões foram fundamentais em muitos dos aspectos analisados pela
pesquisa. Este trabalho em equipe sob a orientação dos professores Fernando Limongi e
Argelina Figueiredo tornou-se não só para nós, mas para uma geração de novos
pesquisadores, parte fundamental de uma iniciação ao trabalho de pesquisa científica
muito enriquecedora para a continuidade de nossas carreiras acadêmicas.
Ao longo da pesquisa pude contar com diversos apoios acadêmicos importantes. A
secretaria do Departamento de Ciência Política da USP, o CEBRAP, funcionários da
biblioteca do Congresso Chileno, funcionários das embaixadas de Peru, Equador e
Venezuela no Brasil, o apoio on_line da biblioteca Miguel de Cervantes da Espanha e o
apoio on_line da biblioteca do Congresso Mexicano. Algumas informações da pesquisa
foram cedidas generosamente pelos professores José Cheibub e Robert Barros, a quem
agradeço. Leituras de versões preliminares acrescentaram muito para a continuidade do
trabalho, agradeço a Paolo Ricci pelas sugestões importantes, ao professor Matthew
Taylor pelas valiosas críticas que fez ao trabalho e pelo incentivo acadêmico e a
professora Argelina Figueiredo que acompanhou diversas fases da pesquisa e que se
tornou uma referência para mim por sua dedicação e compromisso intelectual.
4
Agradeço também aos amigos da Faculdade de Filosofia, em especial aos que me
acompanham mais de perto, Rafael Salatini, Gabriela Pereira, Luciana Dias, Rafael
Gomes, Joanito e Hélio Tadeu e aos colegas e professores do DCP-USP.
O apoio de meu orientador Fernando Limongi foi fundamental para a realização do
trabalho. Sua paciência, dedicação e compromisso intelectual orientaram meu
desenvolvimento acadêmico nesse tempo de convivência e me deixaram profunda
influência pessoal.
Agradeço o apoio inicial da CAPES e a bolsa de mestrado da FAPESP que
possibilitaram minha dedicação à pesquisa.
Agradeço minha família pelo apoio emocional e material, em especial a Luciene,
minha mãe, minha ajuda principal.
Os equívocos do trabalho, obviamente, são de minha responsabilidade
5
Resumo
O objetivo dessa dissertação de Mestrado é examinar os poderes
institucionais de controle da agenda legislativa dos Presidentes nas
Constituições latino-americanas e analisar a importância das mudanças
constitucionais determinantes para cada prerrogativa legislativa dos
presidentes. A pesquisa empírica buscou entender a influência dessas
mudanças para o relacionamento entre os poderes e para o processo
legislativo. Os dados dos poderes institucionais abrangem uma amostra de 17
países em seus períodos democráticos entre 1945 e 2003. O trabalho adota
uma perspectiva diacrônica de análise dos textos constitucionais. A análise é
informada pelas hipóteses da literatura institucional acerca dos problemas
enfrentados pelo presidencialismo, mais especificamente do conflito que seria
inerente à separação institucional dos poderes Executivo e Legislativo e a
supremacia dos presidentes com fortes poderes institucionais no processo
decisório. Tal perspectiva procura enfatizar a importância das mudanças
ocorridas no presidencialismo em diferentes períodos, isto é, o caráter
dinâmico da estrutura institucional do presidencialismo, verificável pela
análise das reformas constitucionais e a relação do contexto dessas mudanças
com os presidentes legislativamente dominantes no processo legislativo.
Palavras-Chave: Presidencialismo; América Latina; Poder de Agenda; Relações
Executivo-Legislativo; Constituições; Mudança Constitucional.
Abstract
The objective of the Master´s dissertation is to examine the institutional
details of agenda setting in Latin American Constitutions and analyse the
changes in constitutional provisions. Moreover, the study tries to understand
the influence of those changes for the executive-legislative relations and for
the legislative process. The changes in constitutional rules is the focus to
reassess the commom assumptions of Latin American presidential regimes. I
have studied the agenda setting institutions in 17 Latin American presidential
countries since 1945 in their democratic periods. The enphasis are the
constitutional provisions wich give power to Presidents. I argued that
constitutional powers in presidential regimes are changing along the period,
because of that the consequences for Executive-Legislative relations should
not be derived from a static analyse of constitutional provisions. Accounting
for the effects of political institutions and other factors, my findings suggest
that demands for constitutional amendments make the executive-legislative
relations a dynamic process of political changes.
Key words: Presidentialism; Latin America; Agenda Power; Executive-Legislative
relations; Constitutions; Constitutional Change
6
Índice
Introdução : ................................................................................................................p.7
Capítulo 1 – O presidencialismo como problema institucional: conflito entre poderes e
presidentes fortes.........................................................................................................p.15
Capítulo 2 – Mudanças Constitucionais e poder presidencial nos países da América
Latina.............................................................................................................................p.
2.1 Mudanças Constitucionais nos Países da América Latina pós-45: processos
endógenos e exógenos de mudança..............................................................................p.35
2.2 Presidencialismo e mudanças no Processo Orçamentário nas Constituições da
América Latina............................................................................................................p.41
2.3 Mudança Constitucional e Poderes de Decreto nas Constituições da América
Latina (1945-2003).....................................................................................................p.59
2.4 Mudança Constitucional e Poderes de Veto nas Constituições da América
Latina(1945-2003).....................................................................................................p.70
2.5
Considerações
Finais
em
relação
à
análise
das
Mudanças
Constitucionais.........................................................................................................p. 75
Capítulo 3 – Presidencialismo, Ditaduras e Presidentes Fortes nas Constituições da
América Latina............................................................................................................p.76
Considerações finais –...............................................................................................p.88
Anexos.......................................................................................................................p.89
Bibliografia................................................................................................................p.93
7
Introdução
Se formos examinar as Constituições dos diferentes Estados,
acharemos que,(...) não há contudo uma só em que os diferentes poderes
estejam inteiramente distintos e separados.
James Madison, Os Federalistas, n.47
Um ponto central da extensa discussão sobre formas de governo se resume à afirmação
de James Madison nos Federalistas, de que somente a separação entre os Poderes na
Constituição garantiria a liberdade política.1 A separação dos Poderes deveria ser
organizada de tal forma que mecanismos de controles mútuos impedissem o domínio total
das funções governamentais por uma única instância do governo. A referência normativa a
tais princípios, de acordo com Ackerman (2000), serviu como base para as Constituições
inspiradas pela fundação do sistema presidencial dos Estados Unidos e continuou, em
muitos casos, a servir como ponto de partida para as novas constituições surgidas após a
última onda de redemocratização, principalmente nos países da América Latina e do Leste
Europeu. No entanto, a referência aos princípios de separação clássica dos poderes, ainda
comum entre juristas e nos debates das Assembléias Constituintes, tem negligenciado os
avanços da moderna Ciência Política em relação ao funcionamento dos sistemas políticos
contemporâneos, principalmente quando avaliamos a relação entre as escolhas
constitucionais, as instituições adequadas para os governos democráticos e o
funcionamento efetivo dos sistemas políticos (Ackerman, 2000: p.638).
A análise das prerrogativas dos textos constitucionais como forma de entendimento do
funcionamento dos sistemas políticos não é uma novidade nos estudos dos sistemas de
governo e, da mesma maneira, na avaliação do funcionamento dos regimes constitucionais
1
Obviamente a avaliação de Madison está baseada na tradição mais ampla do pensamento liberal,
principalmente a partir de Locke e Montesquieu. Segundo Carl Schimitt (1996:38-40), o desenvolvimento das
teorias de separação e balança dos poderes teve seu início após experiência de concentração de poder no
longo Parlamento inglês de 1640. Desde então, a instituição do Parlamento como órgão do Estado
essencialmente legislativo esteve ancorada em teorias que concebiam a idéia de uma Constituição como
idêntica à noção de separação dos poderes (Idem: p. 40). Assim, para Schimitt, as teorias do Estado da
segunda metade do século XVIII concebiam ditadura essencialmente como supressão da separação dos
poderes, ou seja, essencialmente a supressão da distinção entre Executivo e Legislativo.
8
de separação dos poderes. A especificidade dos mecanismos horizontais de limitação do
poder político nas constituições remete, por exemplo, às observações de Madison
(Federalistas, n_47) que, ao analisar as constituições dos Estados americanos critica a
maneira como os textos constitucionais distribuem prerrogativas e organizam seus
procedimentos decisórios entre Executivo, Legislativo e Judiciário. O autor conclui que
mesmo o sistema inglês, base da teoria da separação dos poderes de Montesquieu, não
representa um modelo de separação das funções governamentais que permita um juízo
conclusivo das prerrogativas próprias a cada poder, pois nele muitas prerrogativas eram
compartilhadas (Madison et al, 1973; p. 131).
Com isso, para os fins dessa dissertação, é certo que os governos que têm como base
institucional o princípio da separação dos poderes possuem características institucionais
distintas. Mas também é verdade que as relações entre os poderes podem configurar
formatos diferentes de presidencialismo. Tais diferenças são particularmente relevantes se
considerarmos que, de uma perspectiva política, a promulgação de uma Constituição
estabelece os procedimentos tanto para a ação quanto para a mudança política.
No entanto, as conseqüências políticas da separação dos poderes nas constituições
continuam a ser um dos focos das críticas aos sistemas políticos da América Latina,
principalmente quando comparadas às vantagens dos regimes de fusão dos poderes de tipo
parlamentarista. Assim, tratamos nesse trabalho das diferenças e mudanças dos arcabouços
constitucionais dos países presidencialistas da América Latina ao longo do período 19452003. As mudanças consideradas são aquelas que afetam os poderes legislativos dos
presidentes, as relações Executivo e Legislativo que daí decorrem e a possibilidade de
obtenção de apoio político e parlamentar para a agenda do Executivo.
O trabalho avaliou as Constituições democráticas dos países da América Latina após
1945 e observou que, apesar da alusão constante ao princípio da independência e separação
entre Executivo, Legislativo e Judiciário, as atribuições dos poderes possuem diferenças
importantes tanto entre os diversos países presidencialistas da América Latina quanto ao
longo da história constitucional de cada país. Nesse sentido, os elementos da definição do
presidencialismo como regime de separação dos poderes encontra variações temporais nas
9
prerrogativas dos poderes que podem interferir no funcionamento do sistema democrático,
particularmente quando avaliamos a separação das funções de Executivo e Legislativo.
O ponto central da argumentação buscou estabelecer a relação entre o debate mais
amplo acerca das dificuldades dos sistemas presidencialistas em seus aspectos institucionais
relevantes e o fato das Constituições mudarem ao longo do tempo e transformarem as
instituições que regulam a relação entre Executivo e Legislativo. Como arcabouço
institucional importante para a disputa política, Constituições são emendadas, reformadas
totalmente ou em partes, derrubadas, assim como em alguns casos somente a promulgação
de uma nova Constituição aparece como a solução política adequada para a organização das
instituições de governo. Dessa forma, dado que as provisões constitucionais formam o
conjunto de regras da estrutura governamental que organiza a tomada de decisões dos
poderes, procuro enfatizar as mudanças das regras relevantes para o processo político dos
países que regulam a relação entre Executivo e Legislativo.
Dessa forma, o esforço de pesquisa procurou avaliar a importância das mudanças
constitucionais que ocorreram historicamente nos países da América Latina a partir de 1945
tendo como pano de fundo as críticas à separação entre Executivo e Legislativo no
presidencialismo. O foco nas mudanças da estrutura do processo político que regulam a
determinação da agenda legislativa pelos presidentes, assim como suas possíveis
conseqüências institucionais para o relacionamento entre os poderes Executivo e
Legislativo no presidencialismo, visa a avaliar se as mudanças observadas nas
Constituições têm relação com o aumento da interdependência entre Executivo e
Legislativo nos países presidencialistas analisados.
A análise das mudanças nos textos constitucionais enfatiza os poderes institucionais que
garantem vantagens para os presidentes no processo decisório, ou seja, as prerrogativas
constitucionais que garantem poderes aos presidentes no processo legislativo, sejam eles
relacionados à proposição legislativa, à iniciativas exclusivas em determinadas matérias, às
formas de veto ou ao controle sobre o processo orçamentário. Os poderes institucionais de
controle da agenda legislativa também incluem as prerrogativas que influenciam o processo
decisório dentro do Legislativo, como o tempo para a apreciação das matérias, o quórum
10
necessário para a aprovação das leis e as formas de urgência que mudam a ordem de
apreciação das matérias em plenário.
Nos estudos contemporâneos sobre os sistemas políticos da América Latina, o trabalho
de Juan Linz sobre as conseqüências institucionais da separação dos poderes no
presidencialismo marcou a primeira fase do debate acadêmico sobre o tema. A vigência da
separação dos poderes Executivo e Legislativo foi associada ao mau desempenho
democrático dos países latino-americanos. O ponto central da análise de Linz, que
apresentarei no primeiro capítulo, é a crítica às conseqüências institucionais da separação
dos poderes nos sistemas presidencialistas.
Estudos posteriores iniciaram uma ponderação relevante ao ressaltarem a diferenciação
institucional dos presidencialismos e apresentarem duas características institucionais
importantes dos sistemas para a avaliação do desempenho democrático: a variação das
prerrogativas institucionais do presidente e do legislativo e as características dos sistemas
partidários dos países (Shugart e Mainwaring, 1997).
A separação dos poderes Executivo e Legislativo possui, nesse caso, uma avaliação que
classifica e compara países com presidentes institucionalmente fracos ou fortes, ou seja,
presidentes com mais ou menos poderes institucionais para potencializar sua capacidade de
aprovar uma determinada agenda política (Shugart e Carey, 1992).
Assim, ao considerar importantes as diferenças entre as regras constitucionais que
regulam o processo legislativo e que conferem poderes de agenda aos presidentes nos
diversos países, nosso problema foi avaliar comparativamente ao longo do tempo a
diferenciação das regras institucionais selecionadas nos períodos democráticos. Dito de
outra forma, as reformas constitucionais dos sistemas presidencialistas importam para o
entendimento do sistema de separação de poderes? Elas possuem algum sentido,
principalmente quando avaliamos as prerrogativas que conferem poderes dentro do
processo legislativo? Será que, como apontam alguns especialistas, apenas as mudanças na
definição básica dos regimes - presidencialismo ou parlamentarismo- são importantes para
uma avaliação do efeito das instituições sobre os sistemas políticos, ou as mudanças dentro
do presidencialismo também possuem relevância para uma avaliação das conseqüências
11
desse regime para as democracias? A partir dessas questões mais gerais, este trabalho
pretendeu comparar e avaliar os mecanismos institucionais que regulam o relacionamento
entre os poderes Executivo e Legislativo nas Constituições e, principalmente, avançar em
uma avaliação da importância das mudanças constitucionais para funcionamento do sistema
presidencialista nos países da América Latina no período 1945-2003.
Nesta dissertação, trabalho com o pressuposto de que as conseqüências da separação
constitucional dos poderes, própria da definição de presidencialismo (Linz, 1991; Linz e
Valenzuela, 1994) é insuficiente para entender a dinâmica da relação entre Executivo e
Legislativo. A partir da análise dos mecanismos constitucionais que conferem poderes
institucionais de agenda aos poderes Executivo e Legislativo, classifico os diferentes
padrões de relacionamento entre os poderes nos países da América Latina ao longo do
período e sua relação com a discussão sobre os efeitos dos diferentes arranjos institucionais
para as democracias.
Uma das questões subjacentes é se a análise de suas transformações contribui para o
debate acerca do desempenho democrático nos países da América Latina. Tal análise,
contudo, não é abrangente o bastante para uma avaliação empírica dos efeitos desses
arcabouços institucionais para o desempenho democrático desses sistemas políticos nos
diferentes períodos, até pela ausência da avaliação da influência dos sistemas partidários de
cada país ao longo do período.
Contudo, dois aspectos institucionais centrais da discussão sobre o efeito das
instituições sobre o desempenho democrático relacionados ao desenho constitucional foram
avaliados comparativamente ao longo do período: o primeiro é que o presidencialismo não
possui um formato único e estático, portanto, os países apresentariam presidencialismos
diferentes em diferentes períodos históricos. A chave do argumento para a relevância
dessas diferenças são os estudos que demonstram como a definição do regime de governo
não é suficiente para produzir os incentivos para o conflito entre os poderes e,
consequentemente, para a derrocada democrática (Cheibub e Limongi, 2002); o segundo é
que apesar da constatação da variação entre presidencialismos (Shugart e Carey, 1992), as
análises atemporais consideram os sistemas com presidentes institucionalmente fortes como
um risco à estabilidade democrática. Este trabalho parte da constatação que tal afirmativa
12
precisa ser fundamentada em outras bases, dado que esta pesquisa demonstrou que os
presidencialismos latino-americanos apresentaram tendência de fortalecimento dos poderes
presidenciais ao longo do tempo e, em alguns países, os poderes do Executivo anteriores a
uma derrocada democrática são inferiores aos constatados após a última onda de
democratização na região.
Nesse sentido, em continuidade ao trabalho pioneiro de Shugart e Carey (1992), esta
pesquisa enfoca comparativamente a análise do presidencialismo pela avaliação das
prerrogativas constitucionais, com a preocupação de estabelecer uma relação entre a
avaliação institucional da separação dos poderes e suas possíveis conseqüências. O objetivo
da contribuição empírica em relação à literatura institucional comparada, que avalia os
poderes institucionais garantidos nas Constituições, é a constatação de que esta trata a
relação entre os poderes de maneira estática sem atentar para a relevância tanto das
mudanças constitucionais de diferentes períodos, como das emendas e reformas aprovadas.
Além disso, como ressalta Cheibub (2007), os índices de mensuração dos poderes
presidenciais possuem dose importante de arbitrariedade por compararem mecanismos
institucionais com peso distinto para a classificação entre presidentes fortes ou fracos
constitucionalmente. O trabalho comparativo no tempo a partir das mudanças tende a
diferenciar melhor as instituições do presidencialismo a partir dos contextos que as
formaram. O pressuposto de que parto é que os poderes, mesmo definidos
constitucionalmente, são resultado de uma barganha contínua pela influência no processo
decisório.
Dessa forma, assim como Figueiredo e Limongi (2000) ressaltam a importância de uma
diferenciação das Constituições brasileiras de 1946 e 1988 para o entendimento do sistema
político brasileiro, a pesquisa salientou que a análise das reformas constitucionais e a
seleção das Constituições de um período maior de tempo permitem uma avaliação
diferenciada dos efeitos dos mecanismos institucionais para a relação entre os poderes nos
outros países. Razão por que, ao contrário de uma interpretação estática sobre a
predominância de um poder sobre o outro, a análise permitiu identificar um processo
contínuo de mudanças institucionais que procuram aumentar a capacidade decisória do
13
Executivo sobre a agenda legislativa e a capacidade de controle do Legislativo sobre as
decisões deste.
A principal hipótese de trabalho é que as mudanças constitucionais em períodos
democráticos tendem a favorecer um padrão cooperativo entre os poderes, ou seja, os novos
arranjos institucionais surgidos a cada mudança constitucional procuram diminuir os efeitos
da separação dos poderes com vistas a um aumento da agilidade do processo decisório, sem
perda de poderes para ambas as partes. Tal foco na governabilidade, no entanto, procura
verificar a relação das reformas constitucionais aprovadas nos países que fortaleceram os
presidentes e a busca de controles constitucionais do Legislativo. Nestes termos, o tipo de
mudança constitucional – se democrática ou precedida por um período autoritário – serviu
como filtro para a análise da tendência de fortalecimento do Executivo no processo
legislativo.
Os dados sobre as prerrogativas constitucionais abrangem 17 países presidencialistas
latino-americanos ao longo de seus períodos democráticos desde 1945.2 A base de dados
mapeou as diferentes prerrogativas de Executivo e Legislativo tendo como critério a
distribuição - e redistribuição por meio das reformas constitucionais - dos mecanismos
institucionais de agenda-setting até 2003. Mais especificamente, foram considerados os
poderes legislativos à disposição dos presidentes, poderes de propor e emendar, capacidade
de iniciativa exclusiva para legislar em determinadas áreas e a distribuição das
prerrogativas que regulam a aprovação do orçamento. Também foram consideradas
mudanças mais sutis dentro do processo decisório como as limitações de área para legislar,
as limitações temporais e mudanças na maneira de apreciação (principalmente quórum).
Um outro ponto importante é que não apenas os poderes dos presidentes foram mapeados
(procedimento comum da bibliografia), mas também os poderes ou controles do
Legislativo.
No primeiro capítulo revisamos alguns pontos do debate sobre o sistema presidencial
tendo em vista o contexto mais amplo da discussão sobre as democracias latino-americanas
2
A classificação dos regimes e sistemas de governo foi baseada nos critérios adotados por Adam Przeworski,
José Antonio Cheibub, Michael Alvarez e Fernando Limongi, no banco de dados denominado “ACLP data
set” (Przeworski et al., 2000), classificação que foi estendida por Cheibub e Gandhi (2004).
14
para, com isto, argumentar que o presidencialismo deve ser entendido como um sistema em
mudança. Com base nos critérios de mensuração de Shugart e Carey (1992) para os poderes
legislativos dos presidentes, demonstro como uma avaliação temporal dos países permite
verificar a diferença entre as Constituições do início do período com as do final do período
analisado, assim como demonstrar a tendência geral de aumento dos poderes legislativos
dos presidentes ao longo do tempo. Como conseqüência, conclusões retiradas de uma visão
estática dos efeitos do presidencialismo, principalmente baseadas no trabalho de Juan Linz
assim como análises atemporais dos poderes legislativos dos presidentes incorrem em erros.
Há variação entre regimes presidenciais em um ponto no tempo, como também no interior
de um mesmo país.
No segundo capítulo avaliamos o tipo de mudança constitucional determinante dada a
tendência verificada no capítulo 1 de fortalecimento dos poderes legislativos dos
presidentes. A análise insiste em confrontar para cada aspecto institucional selecionado os
países em pontos diferentes no tempo como forma de comprovar a importância de uma
análise diacrônica dos países. O que se pretende fazer é mostrar de forma definitiva que as
mudanças tiveram um sentido muito claro, ou seja, o fortalecimento dos poderes
legislativos dos presidentes. Buscamos nas evidências empíricas das mudanças constatadas
nos textos constitucionais uma maneira de analisar os poderes institucionais do Executivo
que caracterizam a presidência forte no processo legislativo. A base da classificação é a
mesma utilizada por Cheibub (2007) e se baseia no controle do processo orçamentário, no
poder efetivo de veto e na capacidade do Executivo legislar por decreto. O objetivo foi
avaliar o efeito do tipo de mudança constitucional para a distribuição dos poderes
institucionais entre os poderes Executivo e Legislativo. As mudanças estão divididas
basicamente entre aquelas que podem indicar formas de continuidades institucionais
herdadas das ditaduras, daquelas que seriam mais comuns em períodos democráticos. O
tipo de alteração, é lícito supor, estaria relacionado com a dinâmica de cada sistema político
e com o contexto histórico que envolveu cada país no período. Dito de forma mais direta:
se de fato a continuidade de regimes presidenciais é afetada por conflitos entre o presidente
e o legislativo, pode se esperar que estas relações venham ser objeto de alterações.
15
No terceiro capítulo procuro unificar as características do controle legislativo dos
presidentes em uma classificação da intensidade dos poderes presidenciais de cada par
país/constituição. O objetivo foi confrontar o tipo de mudança constitucional, a passagem
por períodos autoritários e os aspectos de dominância legislativa dos presidentes.
16
Capítulo 1
1- O debate sobre o problema institucional dos presidencialismos latinoamericanos: conflito entre os poderes e presidentes fortes.
Os Estados democráticos contemporâneos adotam duas formas alternativas básicas
de organização institucional do governo: presidencialismo e parlamentarismo. 3 O
relacionamento entre os poderes Executivo e Legislativo e suas possíveis variações
institucionais são fatores decisivos das diferenças e das aproximações entre tais sistemas de
governo.4 De modo que, a forma como as regras e prerrogativas institucionais que regulam
o processo de tomada de decisão política são organizadas constitucionalmente e
distribuídas entre os atores e instituições é a principal fonte de diferenciação da estrutura
dos governos nos Estados democráticos.5
Não tratamos diretamente dos sistemas parlamentaristas neste trabalho, mas ressalto
que as características básicas da organização institucional do presidencialismo, frisadas
pela literatura, não são suficientes para uma diferenciação conclusiva em relação ao
processo decisório dos dois sistemas, principalmente quando são analisados os poderes de
3
É importante ressaltar que tal diferenciação não negligencia a existência de formas híbridas entre esses dois
modelos básicos analisados por parte da literatura (Duverger, Apud Lijphart, 1998; Sartori, 1996), apenas
reforça uma dicotomia importante para o debate sobre os regimes políticos principalmente nos países da
América Latina, Sul da Europa e Leste Europeu. No caso da América Latina, tal debate teve uma repercussão
importante durante a fase de redemocratização e sua amplitude não se restringiu somente aos meios
acadêmicos, mas se ampliou para outras esferas da sociedade preocupadas com a questão das instituições
adequadas para a governabilidade democrática. Um bom panorama da discussão brasileira e da América
Latina está em Nohlen e Lamounier (1993).
4
Em relação aos requisitos institucionais mais comuns que definem as diferenças e as aproximações dos dois
regimes podemos caracterizá-los em um continuun que vai da “dependência mútua” entre Executivo e
Legislativo à “independência mútua” desses poderes (Stepan e Skatch, 1993).
5
A análise das formas de governo de Linz et al. (1994) chegou a uma conclusão próxima dessa definição
sobre as características do Estado Democrático: “The most important difference among democratic regimes
concerns the generation and accountability of executive authority. In presidential regimes based on the U.S.
doctrine of separation of powers, executive authorithy is generated by direct or indirect elections and is not
accountable politically to the legislature. In parliamentary regimes, which evolved gradually in Western
Europe, the executive is generated by the legislature and is accountable to the legislative majorities for its
political survival.” (Linz e Valenzuela, 1994: p.10). Um dos pontos que a análise das diferenças das
prerrogativas constitucionais em regimes de separação dos poderes avança em relação à perspectiva de Linz é
a retirada do foco na separação da autoridade executiva entre os poderes para um enfoque mais centrado no
compartilhamento da autoridade legislativa entre Executivo e Legislativo.
17
controle da agenda legislativa à disposição do Executivo (Figueiredo e Limongi, 2000)6. De
tal maneira que, quando analisada a diferenciação dos mecanismos de controle da agenda
legislativa, o funcionamento do processo decisório não só pode diferenciar o regime
presidencialista do parlamentarista, como também pode permitir o estabelecimento de
diferenças no interior dos sistemas presidencialistas (Shugart e Carey, 1992; Tsebelis e
Aleman, 2002b; 2005).
As diferenças no interior dos sistemas presidencialistas, um avanço para o debate
acadêmico ocorrido após o trabalho comparativo de Shugart e Carey (1992), são o ponto de
partida para tratar do problema das mudanças dos poderes de controle da agenda legislativa
dos presidentes destes sistemas na América Latina. Tal discussão parte do contínuo e amplo
debate sobre a importância dos diferentes arranjos institucionais para o desempenho das
democracias. Trata-se de uma discussão que tem acompanhado o desenvolvimento dos
sistemas políticos dos países latino-americanos em seus processos de escolha e desenho
institucional. A visão crítica sobre certas escolhas institucionais—em função das
conseqüências que trariam-- norteia parte importante do debate acadêmico que, na maioria
dos casos, influencia a pauta dos debates domésticos sobre as reformas políticas necessárias
para a melhoria da governabilidade democrática. 7
De fato, qualquer observação histórica dos sistemas políticos latino-americanos a
partir da segunda metade do século XX dificilmente ignora que a manutenção de regimes
democráticos foi problemática na região. O tema da estabilidade democrática é parte
recorrente do debate acadêmico sobre as instituições políticas da região e continua a fazer
parte das preocupações da Ciência Política mais recente (O’Donnel, 1973; Linz e Stepan,
1978; Shugart e Mainwaring, 1997; Cheibub, 2007). As diferenciações entre os processos
de democratização e os questionamentos acerca das causas dos colapsos democráticos são
as fontes principais das contribuições para os estudos de instituições políticas comparadas
na América Latina, que tiveram como uma de suas fases mais produtivas a vasta literatura
6
Figueiredo e Limongi (2000: p.86) apontam como a literatura internacional enfatiza os poderes de agenda
dos primeiros ministros para tratar da preponderância do Executivo na produção legislativa e para a obtenção
de apoio político-partidário (Cox, 1987; Laver e Shepsle, 1994; Huber, 1996)
7
O foco principal das críticas recai sobre as consequências desastrosas que governos divididos teriam nesses
países, principalmente pela dificuldade de se formarem as coalizões para governar. Ou seja, presidencialismo,
multipartidarismo e representação proporcional é a difícil combinação, nas palavras de Mainwaring, dos
sistemas políticos latino-americanos e continuam a pautar as discussões sobre reformas políticas de muitos
países. Uma discussão das reformas políticas da América Latina está em Hofmeister, W (2004).
18
que tratou dos processos de transição política, animada principalmente pelas derrocadas
democráticas dos países nas décadas de 60 e 70 e posteriormente pelas aberturas políticas a
partir da década de 80.
Durante a fase inicial das contribuições mais importantes, as explicações estavam
preocupadas com os processos de mudança no tempo de estruturas sociais mais amplas,
com uma avaliação de cunho fortemente sociológico, principalmente, nesse caso, com as
teorias da modernização como de Seymor Lipset, Barrington Moore e Samuel Hutington,
mas também por trabalhos de outras correntes teóricas que enfatizaram aspectos culturais
como Almond e Verba ou a escola pluralista de Robert Dahl. Os estudos sobre a
democratização tendiam a privilegiar os fatores estruturais como as variáveis independentes
capazes de dar conta das transformações políticas, o que, no entanto, resultava em prejuízo
evidente para uma análise aprofundada das instituições políticas dos países 8. Da mesma
forma, os estudos latino-americanos mais influentes estavam fortemente marcados por uma
interpretação marxista sobre o caráter das instituições políticas, enfocando processos
sociais relacionados às disputas e acordos entre classes sociais para tratar das
transformações políticas, como nas explicações de Florestan Fernandes, Fernando Henrique
Cardoso e Francisco Weffort (para ficar só nos brasileiros). 9 Assim, instituições
governamentais e políticas em geral, normas constitucionais, ou seja, as regras do jogo em
sentido amplo, foram vistas como irrelevantes ou mesmo como mero epifenômeno das
estruturas nos estudos que trataram das mudanças políticas.
Em confronto com as teorias da modernização política preocupadas em definir
características estruturais para o desenvolvimento dos sistemas políticos, os anos 90
ativaram um debate sobre a estabilidade das democracias com correntes explicativas
preocupadas com a sua viabilidade e consolidação, principalmente a partir dos aspectos
8
Uma avaliação crítica da literatura sobre transições e modernização está em Adam Przeworski,
“Democratization Revisited,” Items (SSRC )Vol. 51, Nº 1 (March 1997): 6-11 e em Adam Przeworski e
Fernando Limongi, “Modernization. Theory and Facts,” World Politics Vol. 49, Nº 2 (1997): 155-83.
9
Considero importante lembrar que em relação aos estudos sobre o efeito das instituições políticas para o
desempenho governamental nas democracias, o trabalho de Robert Dahl (1972), de maneira indireta, pode ser
considerado uma influência marcante para a abertura de uma nova perspectiva para os principais estudos
institucionais sobre América Latina. Como assinala Limongi (1997), Dahl além de invocar as variações
institucionais para explicar o sucesso da democracia, já apontava para os dois pontos principais de atenção
dos estudos contemporâneos sobre a América Latina, ou seja, a relação entre Executivo e Legislativo e o
sistema partidário.Veja-se o Limongi, F (1997) “Prefácio” in Poliarquia. Robert Dahl. São Paulo,
Edusp.(p.11-22)
19
político-institucionais,10 sendo o sistema presidencialista e o conflito oriundo da separação
dos poderes considerados por parte da literatura como causas fundamentais da instabilidade
latino-americana (Linz e Valenzuela, 1994).
A questão mais importante da primeira fase desse debate sobre o efeito do
presidencialismo nos sistemas políticos foi saber qual a relação entre as características
institucionais do regime e a fraqueza da governabilidade democrática observada na
América Latina. (Valenzuela, 1993; Mainwaring e Shugart, 1997; Nohlen, 1998; Diniz,
2004). A interpretação mais importante, o trabalho de Juan Linz, buscou nas características
do sistema de governo e em seus efeitos, as implicações determinantes para a estabilidade
democrática ou para seu colapso.11 O trabalho de Linz se destaca pela avaliação das
principais características institucionais presentes no presidencialismo da América Latina,
que dificultariam os processos de transição e consolidação da democracia na região e,
portanto, dando menos ênfase às explicações que focavam fatores econômicos, sociais e
culturais (Valenzuela, 1993).
Nas interpretações influenciadas pelo trabalho de Linz, as dificuldades políticas do
sistema presidencialista estão relacionadas com a definição da estrutura básica do sistema
presidencial de separação dos poderes Executivo e Legislativo. De acordo com esta
definição, a independência da origem e da sobrevivência da autoridade executiva originaria
uma estrutura institucional de legitimidade dual que traria consigo a alta propensão para a
geração de conflitos entre poderes que competem e dividem a legitimidade do eleitorado
(Valenzuela, 1994). Neste ponto, trata-se de uma volta ao debate clássico sobre as
dificuldades do sistema de separação de poderes para produzir mecanismos adequados de
controles mútuos aos poderes em competição. Debate presente nos artigos Federalistas e
também na interpretação crítica do sistema presidencialista norte-americano feita no século
XIX por Walter Bagehot. O ponto a ser ressaltado nesse paralelo com Bagehot, como
avaliamos mais adiante, é que no caso do trabalho deste autor em The English Constitution
(1867), apesar das qualidades do sistema parlamentar inglês não serem diferentes da defesa
10
Uma discussão desses pontos está em Limongi (2002) principalmente no capítulo V : “Formas de Governo,
leis partidárias e poder de agenda”.
11
A primeira versão do influente artigo de Juan Linz foi publicado em 1984 com o título: Presidential and
Parlamentary Government. Does it Make a Difference?(Apud Nohlen, 1998).
20
do parlamentarismo feita por Linz como saída para a democracia na região 12, foi a partir da
aprovação do Reform Act de 1832, como observa Cox (1987:p.5), que o Gabinete passou a
acumular além da função executiva, também o predomínio sobre a autoridade legislativa e,
dessa forma, as funções dos poderes Executivo e Legislativo, sendo tal marco considerado
por Bagehot como marco do nascimento ou surgimento do “segredo eficiente” do governo
inglês (Cox, 1987). Em outras palavras, o “segredo eficiente” é o resultado de uma
transformação institucional não prevista constitucionalmente. Emerge da prática, sem que
qualquer ator o tenha desenhado.
Para os trabalhos da coletânea de Linz e Valenzuela (1994), a rigidez institucional
do presidencialismo seria a causa decisiva para a crise de governabilidade democrática
dentro do sistema político, ou seja, um risco contínuo para a estabilidade democrática do
regime. Essas crises são, em boa parte, derivadas dos arranjos institucionais de uma
Constituição, por exemplo, que não disporia das ferramentas adequadas para a resolução
dos possíveis conflitos entre o Executivo e o Legislativo. O contraste a ser feito tem por
referência os mecanismos à disposição dos Primeiros-Ministros e dos Parlamentos para a
resolução dos impasses legislativos; a dissolução do parlamento seguida de novas eleições.
No caso da América Latina, tal conjunção seria complementada com um sistema eleitoral
personalista e com um sistema partidário fragmentado, portanto com alta possibilidade da
ocorrência de governos minoritários e divididos, e de coalizões frágeis e incoerentes. Com
isso, o cerne da explicação recaiu sobre os elementos responsáveis pela instabilidade
política do presidencialismo, principalmente quando relacionado a problemas de governos
divididos, à rigidez do sistema, conflito entre os poderes, paralisia decisória e governos
conduzidos por minorias. (Linz e Valenzuela, 1994).
12
Como ilustração do argumento crítico de Bagehot ao sistema norte-americano de separação de poderes em
The English Constitution (1867): “My great object was to contrast the office of President as an executive
officer and to compare it with that of a Prime Minister; and I devoted much space to showing that in one
principal respect the English system is by far the best. The English Premier being appointed by the selection,
and being removable at the pleasure, of the preponderant Legislative Assembly, is sure to be able to rely on
that Assembly. If he wants legislation to aid his policy he can obtain that legislation; he can carry out that
policy. But the American President has no similar security. He is elected in one way, at one time, and
Congress (no matter which House) is elected in another way, at another time. The two have nothing to bind
them together, and in matter of fact, they continually disagree.” A defesa das vantagens do parlamentarismo
de Juan Linz aparece em Linz, Juan J. 1990. “The virtues of Parliamentarism.” Journal of Democracy 1:8491.
21
Como parte da explicação, a crítica à fraqueza dos sistemas presidenciais é
complementada fortemente pelas características do sistema partidário, principalmente a
dificuldade em manter maiorias legislativas estáveis em sistemas multipartidários, ou em
sistemas bipartidários fragmentados (Valenzuela, 1993; Stepan and Skatch 1994).
Como já assinalado, as eleições independentes do Congresso e do Executivo
dividiriam a legitimidade do sistema político. De forma adicional, presidentes latinoamericanos estariam em busca de interesses políticos pessoais, alicerçados muitas vezes por
sua liderança carismática. Legislativos fragmentados e pouco cooperativos também
poderiam conviver com a possibilidade da eleição de um outsider para exercer o Poder
Executivo.
Dessa forma, a questão da instabilidade por impasse, originado por um governo
dividido e o controle de Executivo e Legislativo por grupos políticos em competição, seria
a fonte permanente de crises institucionais e de Estado e, conseqüentemente, causa decisiva
para a derrocada democrática.
Para as explicações baseadas no trabalho de Linz, e em outros autores críticos às
instituições do presidencialismo, o contraponto a tais dificuldades seria o regime de tipo
parlamentarista. Em tais avaliações, o parlamentarismo produz mais accountability e
eficiência ao governo, em razão da interdependência do gabinete em relação ao poder
Legislativo. O parlamentarismo facilitaria a formação de coalizões majoritárias e eliminaria
os riscos de paralisia do governo e de conflito entre Executivo e Legislativo (Valenzuela,
1993; Linz e Valenzuela, 1994).13
No entanto, trabalhos empíricos recentes que analisam as dificuldades de construção
de coalizões e as conseqüências das situações de impasse legislativo têm argumentado na
direção inversa (Amorim Neto, 1995; Figueiredo e Limongi, 2000; Cheibub, 2007).
Análises como as de Cheibub, Przeworski e Saiegh (2002) demonstram como o incentivo
para a formação de coalizões é quase o mesmo nos dois tipos de regime (presidencialismo e
parlamentarismo) e, mais importante, a formação das coalizões governamentais não está
relacionada com a estabilidade das democracias. Segundo Cheibub (2002), até nas
situações de impasse legislativo as democracias presidenciais não estão mais aptas a
13
Uma avaliação dos pontos da critica ao presidencialismo está também em Shugart e Carey (1992),
principalmente o capítulo 3 “Criticisms of presidentialism and responses”.
22
derrocadas.14 A estrutura de incentivos relacionada à definição mais ampla dos regimes
políticos não explica as diferenças de sobrevivência democrática entre os países
presidencialistas e parlamentaristas (Cheibub e Limongi, 2002). O problema do
presidencialismo, neste último caso, é que ele tende a existir em sociedades onde qualquer
tipo de democracia está mais propensa à instabilidade (Cheibub, 2007; p.5). Em trabalho
comparativo sobre a sobrevivência dos sistemas presidencialistas, Cheibub (2007)
demonstra como as situações de instabilidade possuem uma causa exógena ao regime de
governo, e argumenta pela forte conexão entre ditadura conduzida por militares e
presidencialismo.
Uma das dificuldades encontradas pelos estudiosos que comparam a sobrevivência
democrática no presidencialismo é o caso dos Estados Unidos. Neste caso, o regime de
separação de poderes possui como matriz um caso onde fica por explicar o sucesso deste e
o fracasso dos presidencialismos latino-americanos. Muitos trabalhos não têm dúvida em
apontar a experiência presidencialista norte-americana como uma das grandes influências
das Repúblicas recém independentes da América Latina em seu processo de escolha de
desenho institucional, principalmente a idéia de Repúblicas com separação de poderes
(Weingast, B, North, D, Summerhill, W; 2000; Tsebelis e Aleman, 1995). 15 Como
exemplo, o presidencialismo dos Estados Unidos é um caso comparativo interessante para
tratar das variáveis institucionais importantes nos regimes de separação dos poderes,
quando os temas são a estabilidade e os governos divididos.16 Mayhew (1991) demonstra
14
É interessante notar que a principal peça legislativa dos países, o orçamento anual, possui para as situações
de impasse entre os poderes uma saída institucional muito clara em quase todas as Constituições analisadas
por essa pesquisa.
15
A experiência constitucional brasileira após a independência obviamente difere do restante dos países
latino-americanos, principalmente em relação ao regime monárquico implantado. No entanto, é interessante
notar como o arcabouço institucional implantado na Constituição de 1824 concebia a relação entre os poderes
Legislativo, Executivo e também Judiciário como inerentemente conflituosa (Chevalier, 1999: p.614). A
resolução dos conflitos seria feita por um outro poder, um poder “neutro”, idéia inspirada na teoria liberalconstitucional de Benjamin Constant. O conflito inerente à separação dos poderes deu origem ao que seria o
poder moderador do imperador, este capaz de mediar a relação conflituosa dos poderes governamentais. A
prática, no entanto, é que segundo prerrogativas citadas por José Murilo de Carvalho (1999) em sua análise
desse período, os poderes do imperador excediam muito o papel de mero moderador de conflitos. As
atribuições constitucionais o transformaram em um autêntico veto player, com poderes de nomeação dentro
do governo e dissolução ou mesmo prorrogação da Assembléia Legislativa. (Carvalho, J M 1999; Apud
Chevalier: p. 614-618)
16
De acordo com Cameron (2000:1-2), para os membros de uma determinada geração de estudiosos do
sistema político norte-americano, a separação dos poderes não era a virtude principal do sistema americano;
era o problema do sistema. Nessa visão, a separação dos poderes conduziria a um “gridlock”, a políticas
incoerentes e à corrupção. Cameron cita um analista político do século XIX, Henry Jones Ford, que afirma
23
como, apesar da divisão partidária entre os poderes, o governo norte-americano manteve
durante diversas experiências governamentais uma continuidade na produção legislativa
sob governo dividido. Sartori (1996) afirma que, afinal, o sistema norte-americano de
separação de poderes deu certo e conseguiu manter a estabilidade democrática por um
longo período, mesmo ressalvando que as conclusões de Mayhew são imprecisas para
avaliar o verdadeiro caráter e relevância da produção legislativa nos governos divididos.
As críticas ao formato institucional do presidencialismo da América Latina não
eliminam totalmente o caso norte-americano e, como já mencionado, para muitos desses
autores, o parlamentarismo seria o caminho adequado para o fortalecimento da democracia
e das instituições na região. Mesmo para os autores cuja crítica ao presidencialismo recai
sobre o sistema multipartidário, como em Mainwaring (1993), fica por explicar como o
bipartidarismo de países como Costa Rica convivem com situações de governo dividido
(58-62; 66-70; 74-78) e destas não derivaram crises de governabilidade.17 (Urcuyo, 1994)
Historicamente, não por acaso, os trabalhos críticos ao presidencialismo latino-americano
ganharam força somente após a redemocratização dos anos 80 e, claramente, marcam uma
nova fase de explicações dos regimes afetados pela forte influência do período conturbado
de polarização da guerra-fria que afetou os sistemas políticos de muitos outros países.
A fase de redemocratização latino-americana foi o ponto de partida das análises que
buscaram no regime uma causa decisiva para a instabilidade política da região. Tratou-se de
uma fase de rearranjo institucional e, principalmente, promulgação de novas Constituições,
reformas políticas e, em muitos casos, aberturas democráticas ainda fortemente
influenciadas pelos legados autoritários nos diversos países da América Latina. A adoção
de um outro regime estava ora na agenda política ora na discussão pública e acadêmica dos
países recém democratizados, sendo o caso mais notório o plebiscito brasileiro no início
dos anos 90 e os debates sobre o Pacto de Olivos do “Consejo para la Consolidación de la
Democracia” durante o governo Raul Alfonsín na Argentina (Bereznstein, 2004).
que o auto-interesse foi o que fez com que os Fundadores discutissem a impossibilidade de um governo
fragmentado. No entanto, o resultado seria a incoerência e a corrupção. Ford propôs para o dilema dos
fundadores uma solução extraconstitucional: partidos fortes e disciplinados. Durante a década de 80, segundo
Cameron, houve uma redescoberta pelos cientistas políticos norte-americanos da separação dos poderes como
princípio dominante do sistema político dos EUA. O ímpeto da redescoberta tem a ver com a divisão entre o
controle partidário e o presidente, “o governo dividido”, e a constatação empírica de que tal fenômeno não era
uma anomalia, mas o contrário, era uma situação muito freqüente.
17
Desde 1994 a Costa Rica tem apresentado situações de governo dividido.
24
No entanto, as explicações sobre as dificuldades endógenas dos sistemas
presidencialistas tenderam a não levar em consideração as mudanças dentro da estrutura
interna dos sistemas presidencialistas e os possíveis incentivos para a cooperação entre os
poderes. Como parte de uma tradição ampla de crítica ao regime de separação de poderes,
que de alguma forma ignora o papel dos partidos políticos como elos importantes dos
sistemas presidenciais contemporâneos, tal perspectiva falha ao negligenciar a presença de
diferentes formatos presidenciais ao longo da história dos países e em desconsiderar
maneiras diferenciadas de relacionamento entre Executivo e Legislativo que possam tender
a um jogo de soma positiva e não ao jogo de soma-zero da abordagem de Linz.
A principal mudança no debate sobre o problema institucional do presidencialismo
ocorreu a partir das perspectivas que buscaram relativizar a crítica sobre as dificuldades do
sistema presidencial quando analisado somente a partir das conseqüências institucionais do
regime. Tais perspectivas buscaram nas variações institucionais dentro do presidencialismo
e em sua relação com o desempenho governamental, uma forma de rebater a crítica clássica
do trabalho de Juan Linz sobre a instabilidade institucional do presidencialismo (Shugart &
Carey, 1992). O fato é que há variações importantes entre presidencialismos, como notam
Shugart e Carey (1992) e, em trabalho posterior, Tsebelis e Aleman (2002).
Porém, apesar da continuidade dos estudos sobre instituições políticas comparadas
na América Latina mudar seu foco, dos processos mais específicos das transições políticas
e das possibilidades de estabilidade democrática para um aprofundamento maior do
funcionamento desses regimes políticos sob determinadas estruturas institucionais, eles
continuam a questionar a qualidade das instituições democráticas latino-americanas
(Mainwaring e Scully, 1993; Carey e Shugart, 1996; Shugart e Mainwaring, 1997).
Segundo tais perspectivas, os controles mútuos de um modelo parecido com o ideal
madisoniano estão deturpados pelos excessivos poderes presidenciais (Shugart e Carey,
1992, Siavelis 1997);
O trabalho de Shugart e Carey (1992) contribui com novos elementos para o debate
dentro da literatura sobre América Latina ao refinar a análise das regras institucionais para
avaliar a questão “clássica” sobre o sucesso e o fracasso das democracias de tais países e,
dessa forma, incluir novas variáveis para entender as diferenciações institucionais dos
25
países. Nesse sentido, os autores se valeram amplamente dos desenhos constitucionais para
avaliar as formatações das instituições e dos poderes presidenciais que afetam a maneira
como operam tais sistemas políticos. As Constituições dos países foram usadas para
avaliar as diferentes formas de relacionamento entre Executivo e Legislativo e, dessa
forma, entender a diversidade de incentivos gerados institucionalmente.
Nesse trabalho, os autores entendem que o problema do desempenho do regime
presidencialista seria basicamente a “presidência forte”, o que significa basicamente
presidentes com extensos poderes legislativos. Portanto, mesmo refutando as principais
conclusões de Linz quanto ao caráter único do formato institucional do presidencialismo,
Shugart e Carey continuam aceitando como dado o caráter conflitivo da relação entre os
poderes, principalmente quando afirmam que os poderes pró-ativos dos presidentes seriam
utilizados para impor seus interesses contra a maioria parlamentar. Os governos com
Legislativos fortes seriam, pelo contrário, propensos a regimes mais estáveis e eficientes,
pois, nesse contexto, presidentes teriam incentivos para procurar uma solução de
compromisso com o Legislativo (Shugart & Carey, 1992: 165)
Dessa forma, a qualidade democrática dos sistemas de governo é diretamente
proporcional aos controles mútuos exercidos entre Executivo e Legislativo. O padrão da
análise, portanto, é o mesmo de Madison, ou seja, poderes separados competem com
“ambições” próprias e, como conseqüência, precisam ter demarcadas áreas de atuação para
exercerem controles mútuos. O conflito de interesses é dado e mecanismos institucionais
presentes nas Constituições são relevantes para avaliar prerrogativas e incentivos dos
atores. No entanto, para além do questionamento quanto ao acerto da proposição, deve-se
observar que os padrões esperados são derivados a partir de comparações estáticas, isto é,
são fotografias de um determinado momento constitucional. Na maioria dos casos listam as
prerrogativas da última Constituição promulgada e não levam em conta a possibilidade
destas virem a ser alteradas.
Um ponto importante, portanto, é que mesmo as análises que identificam as
variações dentro dos regimes presidencialistas e suas diferentes conseqüências para o
desempenho governamental, além de considerar os conflitos advindos da separação dos
poderes como a principal fonte de instabilidade institucional dos governos (Shugart e
Carey, 1992; Mainwaring e Shugart, 1997), não consideram que os poderes
constitucionalmente garantidos mudam e são constantemente reavaliados pelos sistemas
26
políticos dos países. Dessa forma, é preciso considerar que as reformas constitucionais,
assim como a promulgação de novas Constituições, alteraram, ao longo do tempo, as
características do sistema presidencialista na América Latina, tornando mais difícil uma
conclusão geral sobre as conseqüências da adoção destes sistemas para a estabilidade da
democracia.
Ao reconstruir a distribuição dos poderes legislativos dos presidentes dos 17 países
da amostra, de acordo com os valores da classificação de Shugart e Carey (1992:155), os
dados demonstram o aumento médio dos poderes legislativos dos presidentes ao longo do
período, principalmente quando comparamos a primeira década com a última. Os valores
da classificação dos autores, apesar de certa arbitrariedade do ponto de vista comparativo 18,
aumentam cada vez que o presidente acumula vantagens em seus poderes institucionais de
decreto, veto parcial e total, controle sobre o orçamento, poderes de iniciativa exclusiva e
capacidade de convocação de referendo.
Tabela 1 – Poderes Legislativos dos Presidentes por décadas nas Constituições da
América Latina (1945-2003)
Número de países democráticos (N) por década
45-55
56-65
56-65
Décadas
66-75
86-95
96-03
Média
Mínimo
Máximo
Desvio
Padrão
12
4,67
0
7
2,49
12
4,67
0
7
2,18
10
4,90
0
9
2,42
10
5,80
4
11
1,93
16
6,69
4
11
2,12
17
6,88
4
10
1,90
18
As escala ordinal quantificada por Shugart e Carey confere os mesmos valores a prerrogativas de natureza
diversa, o que dificulta saber se o valor da mensuração final caracteriza um presidente poderoso em suas
prerrogativas legislativas. A convocação de um referendo sem restrição tem o mesmo valor que o controle do
orçamento pelo Executivo, por exemplo.
27
Fonte: Reelaborado a partir de Shugart e Carey (1992). Para cada década o valor de cada país é
contabilizado a partir da constituição de entrada do primeiro ano democrático. As mudanças só se
evidenciam na passagem para a década seguinte. Livro de códigos em anexo.(ANEXO A)
Tais transformações constitucionais do presidencialismo nos países da América
Latina no pós-guerra precisam ser incorporadas à análise das características institucionais
deste sistema de governo em regimes democráticos, pois tais mudanças possuem
conseqüências importantes para a versão de um sistema de pesos e contrapesos organizado
constitucionalmente, difundida a partir de Madison.
Nesse sentido, a análise das reformas constitucionais e das novas Constituições
possui relação estreita com a forma como são considerados nas Constituições os efeitos da
separação dos poderes, principalmente quando se avaliam de maneira mais rigorosa os
mecanismos institucionais que estruturam os poderes de agenda no processo decisório
(Figueiredo e Limongi, 2000). Assim, a reforma de 1994 na Constituição da Argentina, por
exemplo, alterou fortemente os poderes institucionais à disposição do Executivo e, mais
ainda, o tipo de presidencialismo deste país, que é bastante diferente tanto em relação à
Constituição de 1853 quanto em relação à reforma de Perón de 1949 (Negretto, 1998). As
diferenças dos mecanismos institucionais das Constituições brasileiras de 1946 e 1988,
principalmente pelo incremento de poderes pró-ativos do presidente, são elementos
obrigatórios para o entendimento da diferença da capacidade governativa nos dois períodos
democráticos brasileiros (Figueiredo e Limongi, 2000). A análise dos poderes institucionais
de diferentes períodos do presidencialismo reforça tanto a idéia de um sistema dinâmico, ou
seja, com mudanças significativas ao longo do tempo, como a importância das
prerrogativas constitucionais para o funcionamento do sistema político.
A observação de dois anos específicos somente nos países sob democracia, ainda
utilizando os valores da classificação de Shugart e Carey (1992), explicita a diferença já
notada pela literatura que tratou da diferenciação das Constituições dos países. Contudo,
duas questões precisam ser avaliadas a partir das observações abaixo. Em primeiro lugar,
há que se investigar se a atribuição de peso aos poderes presidenciais contidos nos scores
criados tanto por Shugart e Carey (1992) quanto por Tsebelis e Aleman (2003) mensuram
28
adequadamente os poderes institucionais. A segunda pergunta, relacionada a esta, diz
respeito ao tipo de mudança envolvida na variação dos valores dos scores entre esses dois
anos limite.
Tabela 2 : Comparação dos valores dos Poderes Legislativos dos
Presidentes - 1946 e 2003
País
Argentina
1946
5
2003
6
Brasil
7
8
Equador
7
10
Chile
6
10
Colômbia
7
9
Costa Rica
2
5
Guatemala
6
4
Panamá
6
6
Peru
0
5
Uruguai
6
8
Venezuela
1
8
Fonte: Reelaborado a partir dos valores dos poderes legislativos dos presidentes de Shugart e Carey
(1992)
29
As diferenças são relevantes para o entendimento das relações ExecutivoLegislativo no presidencialismo, se considerarmos que entre os poderes legislativos
relacionados está o controle sobre o processo orçamentário, a capacidade do presidente de
legislar exclusivamente em determinadas matérias, o poder de legislar mediante delegação
do Legislativo, formas de decreto-lei, assim como prerrogativas que interferem diretamente
nos procedimentos legislativos do interior do Congresso.
Tais mecanismos institucionais não se restringem somente a uma comparação entre
sistemas presidencialistas. Parte importante da diferenciação entre presidencialismo e
parlamentarismo está baseada nas diferenças em relação à participação dos poderes no
controle da agenda legislativa. No primeiro caso, se tomarmos como modelo o caso do
presidencialismo norte-americano, a agenda seria controlada pelos interesses dentro do
Legislativo; no segundo, se o Parlamentarismo de Westminster for o modelo, o Primeiroministro como chefe do Executivo é quem controla a agenda do Legislativo. As
conseqüências dessa dicotomia são importantes, por exemplo, se considerarmos que entre
os projetos aprovados está o Orçamento Anual.
Algumas análises já demonstram como mecanismos institucionais possuem efeitos
similares para os resultados políticos de diferentes sistemas de governo (Huber, 1996 Apud.
Figueiredo, 2004: 39; Tsebelis e Alemán, 2003). Nesse sentido, o trabalho de Figueiredo e
Limongi para o presidencialismo de coalizão brasileiro demonstra a eficácia dos poderes de
agenda do presidente como elemento de barganha com a maioria do Legislativo. Baseandose principalmente na contribuição de Huber sobre o package voto francês, os autores
argumentam que os poderes de agenda do presidente poderiam ser usados da mesma forma
como são usados pelos primeiros-ministros, ou seja, para organizar a coalizão de apoio e
implementar as políticas, de acordo com as preferências dessa coalizão. Dessa forma,
resultados de certas variações institucionais dentro do presidencialismo teriam efeitos
similares aos que têm em regimes parlamentaristas, principalmente quando relacionados
aos mecanismos institucionais de controle da agenda, pois estes podem permitir incentivos
importantes para a estruturação do apoio ao Executivo no interior do Legislativo.
Assim, as prerrogativas institucionais das Constituições e a avaliação do
relacionamento entre Executivo e Legislativo estão ligadas à maneira como se distribuem
os poderes institucionais de agenda, pois tais prerrogativas definem a influência dos atores
no processo de tomada de decisão (Tsebelis e Aleman, 2002). Além disso, tais mecanismos
30
de poder de agenda possuem impacto significativo na estruturação da capacidade dos
governos para implementar políticas (Limongi e Figueiredo, 2003; Cox, 2005). São ainda
determinantes para as estratégias de coordenação interna da coalizão de governo e,
portanto, para obtenção de apoio da base parlamentar (Figueiredo e Limongi, 2003).
Tal perspectiva está próxima da abordada nos estudos sobre o Congresso dos
Estados Unidos, por exemplo para determinar a ação das Comissões sob closed rule (sem
direito a emendar) e sobre o poder do Speaker dentro dos trabalhos das Comissões. Isto por
que, a avaliação dos processos de formação da agenda dos estudos institucionais dos
presidencialismos latino-americanos enfatiza a importância dos poderes de propor, emendar
e tipo de votação, que também foram utilizados pelos modelos formais desenvolvidos pela
literatura sobre o Congresso do EUA.19 Assim como no debate norte-americano, também a
forma como se organiza o processo decisório dentro dos trabalhos legislativos aparece
como uma variável importante tanto para avaliar a questão inicial levantada por Juan Linz
(Figueiredo e Limongi, 2000; Diniz, 2002), como para testar hipóteses comuns da literatura
neoinstitucionalista. A importância dos mecanismos de urgência no Brasil (Figueiredo and
Limongi 1999; Amorim Neto, Cox and McCubbins 2003) e no Chile (Siavelis 2002), por
exemplo, são fundamentais para avaliar a ordem, o tempo e o caráter dos projetos avaliados
nas assembléias.
No caso da América Latina, as Constituições são fontes centrais do modo como
diferentes prerrogativas moldam a relação entre os poderes e são constantemente utilizadas
como maneira de avaliar poderes institucionais (Shugart e Carey, 1992; Tsebelis e Aleman,
2003a, 2004). Um dos motivos centrais para a avaliação das prerrogativas nas Constituições
se deve ao fato de, ao contrário dos EUA, a barganha entre Presidentes e Congressos na
América Latina ser fortemente regulada pelos poderes constitucionais conferidos ao
Executivo. De fato, constitucionalmente, os presidentes latino-americanos possuem
inúmeras prerrogativas constitucionais, inclusive em alguns casos para legislar por
decretos, e se distanciam muito do poder de somente vetar do presidente norte-americano.20
19
Veja-se por exemplo o trabalho de Baron, D e Ferejonh, J, “Bargaining in Legislatures”. Americam
Political Science Review, vol.97 n°4.
20
A literatura sobre a presidência dos Estados Unidos já avalia que apesar dos fracos poderes institucionais do
presidente, este possui inúmeras formas de ação unilateral e poderes de agenda como as executive orders.
(Moe e Howell, 1999; Apud. Figueiredo, 2004; p. 31) Dessa forma, como no debate latino americano, a
discussão se alterna entre as perspectivas que realçam as ações unilaterais do presidente sobre o Congresso e
as perspectivas que mostram as formas de delegação de poder do Congresso para o presidente.
31
A tabela abaixo mostra a distribuição das prerrogativas legislativas dos presidentes
da América Latina inscritas nos textos constitucionais. Também aqui, como nas evidências
anteriores, os poderes legislativos dos presidentes aumentaram gradativamente.
Tabela 3. Poderes Legislativos dos Presidentes em 17 países da América Latina (19462003)
Poderes institucionais de agenda dos presidentes nos períodos de democracia –
Média dos casos por prerrogativas
Período
Veto
N
Dec
Del
Excl
Orç
Urg
Ref
tot
Parc
1945-55
12
1
3
3
8
2
1
12
8
1956-65
12
1
3
3
8
2
1
11
10
1966-75
10
1
3
4
7
4
2
9
8
1976-85
10
4
4
3
9
5
3
10
9
1986-95
16
5
7
6
11
7
7
16
14
1996-03
17
6
7
7
15
7
10
17
15
Fonte: Banco de Dados Constitucionais -Cebrap
Ao tomarmos essas provisões constitucionais do Executivo: decreto constitucional,
decreto delegado, iniciativa exclusiva, poder orçamentário, iniciativa de urgência, referendo
e a iniciativa de vetar totalmente ou parcialmente, notamos como a presença das
prerrogativas à disposição dos presidentes nas Constituições aumentou ao longo do
período.
Nesse sentido, apesar da relevância atribuída às prerrogativas presidenciais nas
constituições dos países da América Latina, a literatura não foca as mudanças ocorridas ao
longo do tempo. A ausência de uma comparação mais ampla, principalmente em períodos
democráticos distintos da história latino-americana, não permite uma avaliação mais
32
precisa da maneira como as prerrogativas institucionais têm se desenvolvido nos sistemas
presidencialistas. A distribuição dos poderes de agenda disponíveis para os presidentes e as
regras constitucionais que norteiam a barganha entre Executivo e Legislativo precisam de
uma avaliação que não se restrinja somente aos aspectos do predomínio de um poder sobre
o outro, cuja conseqüência no trabalho de Linz foi a defesa do parlamentarismo, ou sobre
conseqüências advindas do pressuposto do conflito entre os poderes, cujo desfecho será
sempre um risco à estabilidade democrática.
Do ponto de vista metodológico, portanto, torna-se insuficiente a avaliação do efeito
das instituições sobre o desempenho governamental baseada em uma visão estática em que
presidentes minoritários e sem apoio utilizariam seus poderes de agenda legalmente
garantidos para a resolução da contínua relação conflituosa com o Legislativo. Como
ressalta Figueiredo (2004), os poderes legislativos do presidente também são utilizados
como instrumento de “barganha horizontal”, ou seja, para resolver problemas entre o
governo e sua base parlamentar. Tsebelis e Aleman (2003a; 2005), por exemplo,
demonstram que para uma avaliação das formas de controle de agenda dentro do
presidencialismo, a análise da dimensão posicional dos atores de veto é importante para
avaliar o controle da agenda (2003a) e em trabalho recente apontam para o grau de unidade
partidária legislativa e para a influência da relação governo-oposição para o conflito
político. Nesse ponto, os autores procuram entender os conflitos políticos entre os poderes
lançando mão de outras variáveis. De acordo com estes autores, os poderes institucionais
não são suficientes para determinar uma relação conflituosa.
Com isso, para além da mera descrição das instituições formais nas Constituições e
da classificação dos poderes legislativos dos presidentes em fracos ou fortes, retirando daí
conseqüências para o desempenho democrático (Shugart e Carey, 1992), focarei o
processos de mudança que alteraram os poderes legislativos do Executivo. As análises
anteriores carecem de uma dimensão temporal e de uma avaliação do que mudou e do que
está em transformação. Dessa forma, penso ser possível inferir quais relações estão
envolvidas durante a concessão de tais poderes constitucionais ou mesmo nas limitações
introduzidas a esses poderes.
A escolha das instituições, e nesse caso, dos mecanismos constitucionais que
atribuem poderes de agenda revela a expectativa dos atores políticos em um determinado
momento do tempo em relação aos seus objetivos futuros (Elster, 1996). A atribuição de
33
prerrogativas constitucionais nas assembléias constituintes, ou em reformas constitucionais
mais ou menos amplas, pode informar sobre a evolução do relacionamento entre os
poderes. Ou seja, estas transformações não devem ser tomadas como independentes do
próprio padrão de interação entre os poderes.
34
Capítulo 2 - Mudanças Constitucionais e Poder Presidencial nos Países da
América Latina
O capítulo precedente constatou como ao longo do tempo o presidencialismo dos
países da América Latina mudou. As constituições presidencialistas de circa 1945 são
muito diferentes dos textos constitucionais vigentes em 2003. Cabe agora caracterizar
melhor as diferenças e entender o processo que levou a esta alteração. Quanto ao primeiro
ponto, o que se pretende fazer é mostrar que as mudanças tiveram um sentido muito claro,
ou seja, o fortalecimento dos poderes legislativos dos presidentes. Em seguida, buscamos
entender a importância dos diferentes processos de mudança constitucional para cada
aspecto do aumento dos poderes legislativos presidenciais.
Para contextualizar a análise das mudanças e relacioná-las a discussão sobre a
fragilidade intrínseca do presidencialismo, adoto a definição de presidentes “fortes”
proposta por Cheibub (2007: p. 140). A caracterização, baseada em análise empírica, toma
a dominância do Executivo sobre o processo legislativo como critério para a classificação.
A definição do autor combina a autoridade exclusiva do Executivo para legislar em áreas
políticas importantes e a capacidade efetiva para sustentar o veto.
A combinação desses poderes se integra na análise mais ampla de Cheibub das
características institucionais que propiciariam situações de paralisia legislativa e,
consequentemente, levariam à falência deste tipo de regime democrático. 21
Cheibub define o domínio presidencial sobre o processo legislativo a partir de duas
dimensões: o controle sobre o processo orçamentário e a capacidade do presidente
efetivamente vetar a legislação.
Ainda que minha análise se baseie fortemente na análise de Cheibub, dado meu
interesse específico na mudança longitudinal, considerarei também as mudanças em uma
21
O debate em que o trabalho de Cheibub (2007, p. 139-140) está inserido pode ser resumido da seguinte
forma. A visão dominante até então seria a de que presidentes fracos seriam bons para o presidencialismo,
pois o domínio do processo legislativo pelo Poder Legislativo forçaria os presidentes a cooperarem com a
maioria. Presidentes fortes, de outra parte, dado seu controle sobre o processo legislativo, teriam menor
incentivo para cooperar e, desta forma, teriam maior probabilidade de desencadear a paralisia legislativa. Em
particular, quando o status quo estivesse localizado entre a preferência do partido do presidente e o próximo
partido no espaço político, não seria possível formar um governo de coalizão e as políticas não seriam
alteradas. Se o presidente controla o processo legislativo, nesses casos, todos os demais partidos poderiam
formar uma coalizão para enfrentar o presidente, levando a um impasse entre o Congresso e o Presidente.
35
terceira dimensão de poderes legislativos dos presidentes, a saber, as diferentes formas de
poder de decreto usualmente citadas como a principal arma com que contam os presidentes
fortes para dobrar as resistências de uma possível oposição do Poder Legislativo (Shugart e
Carey, 1992; Shugart, 1995).
A primeira parte do capítulo distingue dois processos de mudança constitucional.
Procuro diferenciar processos de mudança constitucionais sob vigência democrática
daqueles onde há descontinuidade democrática. O objetivo é identificar se as principais
mudanças foram endógenas (se ocorreram sob a vigência de uma ordem democrática) ou se
foram exógenas (isto é, se ocorreram após interregnos autoritários). Obviamente, a
explicação para as alterações notadas no capítulo anterior – recordando: uma tendência a
reforço dos poderes presidenciais, ou nos termos de Cheibub, da transição de presidentes
fracos a fortes – será diferente caso uma ou outra das origens das mudanças prevaleça.
Em seguida, dedico uma seção específica para o tratamento das mudanças de cada
umas das três dimensões dos poderes identificadas acima. O período coberto pela análise se
estende de 1945 a 2003. Meu objetivo é identificar o tipo de mudança constitucional
dominante –endógeno ou exógeno-- para o fortalecimento dos poderes legislativos dos
presidentes latino-americanos. A análise separada de cada uma destas dimensões é
necessária uma vez que não é necessário que todas tenham a mesma origem.
Ressalto, no entanto, que procurei não me restringir somente aos aspectos
institucionais selecionados por Cheibub para cada uma das dimensões. Ampliei os dados
sobre os poderes selecionados para avaliar comparativamente alguns aspectos em mais
detalhe. Nesse sentido, além dos fatores que caracterizam o controle presidencial
organizado por Cheibub (2007: p.141), considerei outras variações institucionais
ressaltadas pela literatura. Entre elas, a capacidade dos presidentes emendarem o projeto
vetado, distinção cuja importância foi frisada por Tsebelis e Aléman (2003). Quanto aos
poderes de decreto, complementei a análise das variações dos tipos de decretos
relacionando-os a um entendimento mais detalhado dos poderes presidenciais sob Estado
de Emergência. Isto porque, empiricamente, tais poderes se mostraram importantes em
alguns países latino-americanos (Shugart e Carey, 1998).
Finalizo o capítulo retomando como a avaliação dos diferentes processos de
mudança associados ao aumento dos poderes legislativos dos presidentes nessas três
36
dimensões interage com a discussão sobre os problemas relacionados aos presidentes com
fortes poderes legislativos no presidencialismo.
2.1 Mudanças Constitucionais nos países da América Latina pós-45: processos
endógenos e exógenos de mudança
As mudanças constitucionais na América Latina precisam ser consideradas dentro
de um contexto histórico e político em que a vigência dos textos constitucionais foi
suspensa por interrupções e por descontinuidades na vigência das instituições democráticas.
O exercício e a transmissão do poder previstos constitucionalmente foram interrompidos
por golpes de Estado. Governos militares de diferentes países se instituíram como poderes
constituintes, seja para se colocar completamente à margem da legalidade constitucional
anterior, seja para introduzir reformas ou elaborar integralmente uma nova Constituição.
Auto-golpes civis derrubaram Constituições e em alguns casos buscaram legitimidade em
novos textos constitucionais aprovados em contextos autoritários. As mudanças que
acompanharam as transições democráticas incluíram em suas pautas processos que vão
desde reformas constitucionais que dessem início à abertura política gradual do regime até
a re-fundação baseada em uma nova Constituição.
Assim, para um bom número de países (10 casos da amostra) a comparação entre os
poderes presidenciais no início e no final do período, envolve a comparação de
constituições distintas. Nestes casos, o incremento dos poderes presidenciais pode ser
creditada a herança dos textos constitucionais e/ou da experiência autoritária.
Contudo, as Constituições vigentes nos regimes democráticos também são objeto de
mudanças. Constituições democráticas trazem consigo regras que estabelecem como estas
mesmas constituições podem ser alteradas. O método e grau de dificuldade para a
realização destas mudanças, está claro, varia de país para país. Mas o fato é que reformas
constitucionais de amplitude diversa ocorrem por via dos procedimentos previstos na
própria Constituição.
Tais alterações, é lícito supor, estão relacionadas com o desempenho do próprio
sistema político. Nestes termos, ainda que atreladas ao jogo político democrático, visam
alterar as instituições vigentes e, de um jeito ou de outro, devem guardar alguma relação
com os conflitos políticos experimentados pelos sistemas democráticos presidencialistas da
37
América Latina. Dito de forma mais direta: se de fato a continuidade de regimes
presidenciais é afetada por conflitos entre o presidente e o legislativo, pode se esperar que
estas relações venham ser objeto de alterações22.
A questão a ser ressaltada, portanto, é que as mudanças constitucionais podem ter
lugar por processos diferentes. A distinção básica se refere às mudanças que ocorreram no
interior dos regimes democráticos (endógenas) das que foram antecedidas pela
descontinuidade dos sistemas autoritários (exógenas). O objetivo será avaliar o efeito dos
tipos de mudança constitucional sobre a tendência de fortalecimento dos poderes
legislativos dos presidentes.
As mudanças endógenas são circunscritas e organizadas pelas “regras do jogo”
vigentes. Há, no entanto, diferenças no interior desta classe de alteração que pedem
esclarecimentos. Os procedimentos previstos pelas diferentes Constituições para sua
modificação fornecem os parâmetros institucionais para a compreensão das alterações
endógenas. Entre os procedimentos previstos nas Constituições estão: a convocação de uma
Assembléia ou Convenção Constituinte, a reforma ampla ou revisão constitucional e as
emendas constitucionais. 23 A abrangência das mudanças endógenas geralmente varia de
acordo com o procedimento legal previsto pela Constituição.
As Constituições de língua espanhola denominam pelo termo reforma dois
processos que, em língua portuguesa, são distintos. Tanto o processo de emendar um artigo
da constituição, um processo mais restrito e parcial de alteração, como o processo de
revisão constitucional - mais amplo e que em geral requer um tipo de convocação especial
do Legislativo—são denominados como reforma em espanhol. Como um exemplo de
modificação restrita, podemos citar a emenda 4 de 1961 à Constituição brasileira de 1946,
que limitou os poderes presidenciais e instituiu o parlamentarismo no país. Outros
exemplos de mudanças restritas são as inúmeras emendas à Constituição de 1886 da
Colômbia e à Constituição de 1949 na Costa Rica, que entre outras coisas permitiram que o
presidente colombiano pudesse declarar projetos de lei como urgentes a partir de uma
22
Entre 2000 e 2003, discussões sobre reformas políticas que incluíam mudanças no texto Constitucional
estavam em debate nos Legislativos do Chile, Equador, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Uruguai, Brasil,
Nicarágua, Guatemala, México e República Dominicana. Um panorama do debate contemporâneo sobre as
reformas políticas em andamento na América Latina está em Hofmeister (2004).
23
A interpretação judicial pode ser considerada também uma outra forma de mudança endógena do texto
constitucional, porém não se trata de um aspecto procedimental de alteração das regras formais.
38
emenda aprovada em 196824 ou a que limitou a reeleição presidencial na Costa Rica por
uma emenda aprovada em 1969.25 Em relação aos processos amplos de reforma, podemos
citar a revisão brasileira de 1994, que atendendo ao art.3° das disposições constitucionais
transitórias de 1988 modificou 6 artigos da Constituição, ou as reformas amplas aprovadas
na Argentina, a mais recente concluída em 1994 que aprovou a reeleição presidencial.
As alterações constitucionais exógenas têm lugar entre dois regimes democráticos,
supondo, portanto, uma descontinuidade; a interrupção da ordem democrática e sua
retomada posterior. Processos de transição política, geralmente, têm como seu ponto
culminante a promulgação de novas Constituições, como foi o caso da Constituição
Brasileira de 1988, a Constituição Equatoriana de 1979 e a Constituição de El Salvador de
1983.
O objetivo da diferenciação entre processos endógenos e exógenos de mudanças se
deve a necessidade de identificar melhor as raízes da mudança observada no capítulo
anterior. Sabemos que se as constituições circa 1945 são comparadas às atuais, elas
conferem menores poderes aos presidentes. No entanto, não sabemos se isto se deve a
processos de reformas ou a novos textos constitucionais. Se um ou outro caso prevalecer,
nosso entendimento sobre a evolução e transformações do regime presidencial será
diferente. No primeiro caso, teríamos que o presidencialismo se transformou
endogenamente, possível a partir de respostas políticas aos problemas identificados por
seus críticos. No segundo caso, como a resultante de experiências autoritárias.
Não considerei como alterações exógenas as Constituições de períodos autoritários
que se iniciaram antes de 1945. O objetivo foi, em primeiro lugar, evitar que a análise
tivesse que se deter e dar conta de transformações de sistemas políticos que se iniciaram em
contextos políticos muito diferentes daqueles que informam o debate sobre os sistemas
presidencialistas do pós-guerra. O foco da literatura sobre presidencialismo recai
principalmente sobre as chamadas democracias da “terceira onda” de democratização.
Assim, a análise das Constituições de 1925 do Chile (resultado da crise de 1924), a
Constituição de 46 do Brasil (dissolução da ditadura Vargas de 37), Bolívia 1967 (resultado
de modificações graduais da Constituição de 1938), Argentina 1853 (de origem militar e
que de início não incluía Buenos Aires), Colômbia 1886 (texto com inúmeras reformas e
24
25
Acto Legislativo n°1, 1968.(Art.91).
Lei 4349 (Art.132)
39
interrupções desde a promulgação) entre outros não são referidos a qualquer texto anterior,
até porque para a maioria deles não haveria experiência democrática anterior para tomar
como parâmetro.
Desta forma, os primeiros textos constitucionais válidos para os anos pós-45 em
todos os países são o marco para a análise de todas as modificações posteriores. Assim, por
exemplo, a Constituição de 1949 da Costa Rica é o ponto de partida para todas as mudanças
posteriores, não sendo ela mesma classificada como uma mudança em relação ao sistema
político da Constituição de 1871 e da crise institucional de 1919.
Portanto, o trabalho tem um marco temporal claramente delimitado. O que se quer
comparar são os regimes constitucionais circa 1945 aos atuais. Não se pretende explicar
porque os regimes presidencialistas do pós-guerra tomaram a feição que tomaram. O que se
quer entender é sua evolução posterior e, mais precisamente, se esta de fato correu, saber se
ela se deveu a mudanças endógenas ou exógenas.
Das novas constituições promulgadas no período, 8 Constituições foram
classificadas como tendo sido promulgadas após a vigência de regimes autoritários. São
constituições que marcam uma abertura democrática. De acordo com a distinção feita
anteriormente, as mudanças neste primeiro caso se referem à comparação entre a
constituição vigente antes da quebra democrática e a que marca sua restauração. E caso os
poderes presidenciais tenham aumentado no novo texto, este incremento foi tomado como
exógeno. No segundo caso, possíveis alterações são classificadas como endógenas.
Em relação às reformas constitucionais (seguindo o uso de termo em português, um
procedimento mais amplo de mudança do que uma emenda a um artigo específico), os
dados apontam 18 casos de mudança por esse procedimento, com 5 deles diretamente
relacionados a processos de (re)democratização nos países, ou seja, reformas exógenas (89
no Chile, 89 no Uruguai, 72 na Argentina,26 83 no Panamá e 2000 no Peru). A reforma de
26
Os governos militares argentinos, que se iniciaram em setembro de 1955, com a queda de Perón,
continuaram em uma seqüência de descontinuidades até dezembro de 1983. Os interregnos ocorreram entre
Maio de 1958 e março de 1962 (presidência de Arturo Frondizi); outubro de 1963 a junho de 1966
(presidência de Arturo Illia). Em 1966, um novo golpe militar ocorreu no país e uma reforma constitucional
em 1972 influenciada pelos militares marcou uma transição de regime (reforma que classifiquei como
exógena). Em seguida é eleito o peronista Héctor Cámpora que renuncia para que em seguida novas eleições
legitimassem a volta de Perón ao poder. A reforma de 1972 esteve vigente até 1981, inclusive durante os
governos de Perón e Isabel Perón. Apesar de ser mais uma das reformas aprovadas à Constituição de 1853,
preferi considerar a mudança de 1972 na Argentina como exógena principalmente por ela ter um caráter
muito diferente da reforma de 1956 que simplesmente desfez a reforma de 1949 para a volta do texto de 1853.
A reforma de 1972 foi uma mudança conduzida sob forte influência dos militares e marcou a volta de Perón
40
89 no Chile, por exemplo, marca o início do triunfo do chamado “Comando del No” após a
derrota do General Augusto Pinochet no referendo de 5 de Outubro de 1988. Apesar das
limitações provenientes da participação dos setores militares no governo, a negociação de
uma ampla reforma constitucional no Chile em 1989 alterou aspectos importantes no que se
refere ao direito de sufrágio, à liberdade de expressão e ao direito de sindicalização.
A tabela abaixo informa as mudanças constitucionais classificadas como exógenas
após 1945 (novas Constituições e reformas) em relação à presença de um texto
constitucional vigente em anos democráticos anteriores do período.
Tabela 2.1.1: Constituições e Mudanças Constitucionais Exógenas nos
Países da América Latina (1945-2003)
País
Ano da Constituição do Ano da Constituição ou
período que antecede a Reforma Exógena
mudança
Argentina
1853
Reforma de 1972
Brasil
1946
1988
Chile
1925
1980 reformada em 1989
Equador
1946
1979
Guatemala
1945
1957
Guatemala
1957
1965
Guatemala
1965
1985
Honduras
1957
1982
Panamá
1946
1972 reformada em 1983
Peru
1933
1979
Peru
1979
1993 reformada em 2000
Uruguai
1942
1967 reformada em 1989
Venezuela
1947
1961
ao poder. Em seguida, um golpe liderado pelo general Videla iniciou a fase mais repressiva das interrupções
da Argentina.
41
Das mudanças constitucionais exógenas, algumas delimitam com mais a clareza
uma divisão entre dois períodos democráticos distintos no pós-guerra. Neste caso estão, por
exemplo, as duas Constituições brasileiras (46 e 88), a reforma à Constituição chilena de
1980 (democracia pré-73 e a abertura após eleições de 89) e as Constituições equatorianas
(46 e 79). Outras mudanças exógenas marcam uma quantidade maior de descontinuidades
entre governos classificados como democráticos. Nesse sentido, as mudanças
constitucionais da Guatemala, por exemplo, marcam uma série de (re)inaugurações após as
sucessivas descontinuidades no regime democrático do país. Assim, após a Assembléia
Constituinte que aprovou a Constituição de 1945, e que esteve em vigor nas presidências de
Arévalo e Arbenz, até o golpe de 1954, o país passou por um período contínuo de
instabilidade política que contabilizou três mudanças constitucionais exógenas válidas por
períodos curtos até a transição democrática iniciada em 1983 e que culminou com a
Constituição de 1985.
Em relação à diferenciação observada acerca da extensão das mudanças previstas
constitucionalmente, a diferenciação entre mudanças pela via das reformas amplas e das
emendas constitucionais restritas é particularmente relevante para as mudanças em anos
democráticos. As mudanças endógenas somam 263 emendas constitucionais restritas
aprovadas por processos ordinários previstos nos textos constitucionais vigentes. Ainda que
pontual e visando artigos específicos do texto constitucional, tais emendas não
necessariamente têm impacto limitado e diminuto. O exemplo da emenda 4 à constituição
brasileira de 1946, citado anteriormente, basta para ilustrar o ponto.
Além das emendas aprovadas, processos amplos de reforma constitucional e até a
convocação de Assembléias Constituintes iniciam mudanças importantes nos países em
seus períodos democráticos.
Assim, por exemplo, apesar dos intensos debates sobre mudanças institucionais do
“Consejo para la consolidación de la Democracia” na Argentina nos anos 80, que entre
outras coisas previa uma ampla reforma constitucional para marcar uma transição de
regime, nenhuma reforma ampla do texto constitucional foi aprovada para marcar a volta da
democracia ao país (Negretto, 2000). Apenas em 1994, em um contexto diferente daquele
que motivara as propostas da década anterior, foi aprovada uma reforma ampla do texto de
1853. Em um acordo entre o governo Menem e a oposição, a reforma ampla do texto foi
aprovada em negociações que incluíam tanto mudanças institucionais para alterar a
42
organização do presidencialismo argentino (a reivindicação da oposição), até a aprovação
da possibilidade de reeleição presidencial a tempo para a candidatura Menem nas eleições
de 199527. Em três casos de mudanças analisadas, a amplitude da mudança endógena
resultou
em um texto
constitucional
completamente
reformulado.
Assembléias
Constituintes em anos democráticos alteraram a estrutura constitucional anterior na
Colômbia em 1991, no Equador em 1998 e na Venezuela em 1999.
A tabela abaixo informa para cada par país/constituição o número de mudanças
constitucionais aprovadas em anos democráticos de acordo com cada processo
constitucional específico.
27
De fato, Menem conseguiu se reeleger em 1995.
43
Tabela 2.1.2: País/Constituição e Mudanças Constitucionais Endógenas
nos Países da América Latina (1945-2003)
País/Constituição
Emendas
Reformas
Constituinte
Argentina/1853
-
3
-
Bolívia/1967
-
1
-
Brasil/1946
6
-
-
Brasil/1988
53
1
-
Chile/1925
-
1
-
Chile/1980
-
4
-
Colômbia/1886
28
-
1
Colômbia/1991
63
-
-
Costa Rica/1949
52
-
-
Equador/1979
8
-
1
El Salvador/1983
18
-
-
Guatemala/1985
-
1
-
Honduras/1957
5
-
-
Honduras/1982
12
1
-
México/1917
4
-
-
Nicarágua/1987
5
2
-
Panamá/1972
1
2
-
Peru/1979
1
Peru/1993
2
-
-
Rep. Dominicana/1966
-
2
-
Venezuela/1961
-
1
1
Como ressaltado anteriormente, as seções seguintes são dedicadas ao tratamento das
mudanças nas dimensões do poder presidencial consideradas mais relevantes. Tratarei,
respectivamente, das mudanças no processo orçamentário, dos poderes de decreto e,
finalmente, dos poderes de veto presidenciais.
44
2.2 Presidencialismo e Mudanças no Processo Orçamentário nas Constituições
da América Latina.
Não há dúvidas de que a aprovação da lei orçamentária é uma questão chave quando
se trata de ação governamental, principalmente por estabelecer os fundos necessários para a
execução das políticas públicas.
De maneira geral, o nexo entre a forma de governo e as diferenças em relação aos
poderes conferidos a Executivo e Legislativo na aprovação do Orçamento seriam
fortemente relacionadas à forma como se organiza o sistema de governo (Lienert, 2005). A
definição dos sistemas Presidenciais e Parlamentares seria, para muitos, suficiente para
determinar a variação da influência dos poderes no processo orçamentário. Assim, sistemas
Parlamentaristas, em uma definição bastante geral e difundida, seriam caracterizados pela
fusão entre Executivo e Legislativo e por um governo apoiado pela maioria do Parlamento.
O resultado seria um processo orçamentário fortemente centralizado no chefe do Executivo
que é também o líder da maioria no Parlamento e possui poderes de dissolução do
Legislativo. Um Parlamento contrário à proposta enviada pelo Executivo estaria na verdade
acionando praticamente um voto de não confiança no Primeiro-Ministro. O poder para o
primeiro-ministro manter sua proposta orçamentária nessas condições ideais seria alto. Por
outro lado, nos sistemas de separação de poderes, o Legislativo teria mais incentivos para
alterar o projeto enviado pelo Executivo para atender suas demandas, basicamente porque o
mandato dos legisladores não estaria ameaçado pela possibilidade do Presidente convocar
eleições para garantir uma maioria favorável a seu projeto. Os congressistas preocupados
com seus mandatos disputariam os recursos do Orçamento para atender suas bases de apoio
e o presidente teria poucos recursos institucionais para garantir a aprovação de seu projeto.
Tais diferenças estão fortemente relacionadas a dois casos típicos de funcionamento
dos dois sistemas de governo, do presidencialismo dos Estados Unidos e do
Parlamentarismo de Westminster (Lienert, 1995; p.3 ).
Nos Estados Unidos, o Legislativo seria o ator principal por ser o detentor dos
poderes de agenda e decisórios. O Legislativo tem plena capacidade para emendar e até
45
impor o seu projeto ao Executivo.28 O Reino Unido estaria situado na outra ponta do
espectro. Dentro do governo, os poderes do Primeiro-Ministro e de seu gabinete são muito
fortes. Apesar do Parlamento votar o orçamento, a maioria controlada pelo PrimeiroMinistro tem poder para determinar a forma e o tamanho do Orçamento.29
A diferenciação entre os processos orçamentários nestes dois modelos servirá para
orientar a observação das mudanças institucionais dos países da região. No caso dos países
presidencialistas da América Latina, a generalização do nexo Sistema de Governo-Processo
Orçamentário apresentou mudanças quando tomamos as constituições democráticas
vigentes nos democráticos iniciais em relação ao ano de 2003.
As duas primeiras tabelas a seguir confirmam a tendência geral observada de
fortalecimento dos poderes do Executivo notada no capítulo anterior. Aqui, de forma mais
específica, a diferença é notada primeiro a partir dos dados sobre a limitação do alcance das
mudanças do Legislativo ao projeto do Orçamento e, em seguida, pelo projeto que entra em
vigor no caso de não aprovação do Orçamento (posição de default). Os dados sobre a
iniciativa não estão incluídos, pois com exceção da Constituição de 1853 na Argentina para
os anos anteriores à reforma conduzida por Perón em 1949, todas as Constituições
analisadas garantem ao presidente a iniciativa exclusiva de propor o projeto
Orçamentário.30
28
Na prática de controle do Orçamento americano não foi efetivamente este, além de ter mudado ao longo do
tempo. De acordo com os ciclos analisados por Schick (2002) e reproduzidos aqui a partir de Lienert (2005:
p. 12), o processo orçamentário pré-1921 foi controlado pelo Legislativo, em seguida entre 1921 e 1973 o
Executivo controlou o processo Orçamentário. Em 1974, em reação à não execução dos gastos pelo presidente
Nixon, o Legislativo adotou o Orçamento do Congresso e aprovou em seguida o Impoundment Control Act
que aumentaram os poderes do Legislativo no processo orçamentário. Para os detalhes ver: Schick, Allen
(1992) Can National Legislatures Regain an Effective Voice in Budget Policy?, OECD Journal on Budgeting
Vol.1, No. 3.
29
Para a comparação entre os casos presidencialistas e parlamentaristas ou semi-presidencialistas europeus
Ver Lienert (2005).
30
A Constituição da Argentina de 1853 é bastante vaga em relação ao processo Orçamentário e não especifica
a atribuição do Executivo no processo.
46
Tabela 2.2.1
Evolução dos Poderes de Emenda do Legislativo ao Projeto Orçamentário
nas Constituições dos Países da América Latina.
1° Ano
Democrático
2003
A Constituição não especifica
7
1
O Legislativo pode emendar sem restrições a composição do
projeto e o balanço de gastos do Orçamento
3
1
A emenda pode alterar a composição e pode aumentar os
gastos se indicar novas fontes de financiamento
6
3
A emenda do Legislativo pode alterar a composição do
projeto, mas não aumentar os gastos.
-
1
A capacidade do Legislativo alterar a composição do projeto
é limitada e a alteração não pode incluir novos gastos.
1
Nem o balanço de gastos nem a composição do projeto
podem ser alterados, o Legislativo somente aprova ou rejeita
o projeto por inteiro.
-
Característica da Emenda Legislativa ao Orçamento
10
1
* Cada unidade corresponde à unidade país/constituição válida para o primeiro ano democrático pós-45 de
cada país no período (coluna primeiro ano). A segunda coluna (2003) corresponde ao último ano democrático
da classificação dos 17 países.
Fonte: Banco de dados Constitucionais -Cebrap. Reelaborado pelo autor.
As diferenças entre os dois pontos no tempo são significativas. A tabela trata
basicamente das mudanças que aumentaram as restrições na capacidade do Legislativo
alterar o projeto orçamentário enviado pelo Executivo.
Em seus primeiros anos classificados como democráticos depois de 1945, a
Constituição colombiana de 1886 (com emendas até 1945) era a única que limitava tanto o
aumento de gastos como as áreas que o Legislativo poderia alterar a composição do projeto.
Em nove casos da classificação do ano inicial dos países, a prerrogativa para emendar o
Orçamento não possui limitações para alterações na composição do projeto, sendo o
47
aumento de gastos permitido com indicação de novas receitas em Constituições como a
chilena de 1925. Em muitos casos (7), como na Argentina (1853) e Guatemala (1945), os
textos constitucionais não especificavam claramente o trâmite do processo orçamentário e,
de forma mais específica, as atribuições do Poder Legislativo. Situação que permaneceu em
2003 somente para o caso da Constituição mexicana de 1917.
Apesar da etapa de aprovação do Orçamento pelo Legislativo ser especificada pelo
texto constitucional, ainda para as constituições do primeiro ano, 3 delas não estabelecem
nenhuma limitação constitucional à capacidade do Legislativo alterar o projeto
orçamentário enviado pelo Executivo. Neste caso estão a Constituição brasileira de 1946 e
os textos de Honduras (1957) e da Costa Rica (1949). Para o último ano (2003), somente a
Costa Rica continuou a não prever limitações formais ao alcance das modificações do
Legislativo.
Outra diferença importante em relação à observação das mudanças constitucionais
no processo de emendamento do orçamento é a combinação no mesmo texto de restrições
nas áreas em que o Legislativo pode alterar o projeto original com a restrição ao aumento
de gastos. Em 2003, as emendas com limitações para modificar as áreas do projeto e com a
limitação para novos gastos combinadas no mesmo texto são encontradas em 10 dos 17
países.
Em apenas um caso a classificação da limitação à capacidade de emenda do
Legislativo foi extrema, ou seja, o Legislativo somente aprova ou rejeita o projeto enviado
pelo Executivo, sem o direito a emendar. A Constituição da República Dominicana de
1966, reformada pela primeira vez em 1994, restringiu de forma ampla a possibilidade do
Legislativo alterar o projeto orçamentário do Executivo. Assim como em outros casos de
países que limitam as emendas do Legislativo, ou seja, o texto dominicano também limita a
possibilidade da inclusão de novos gastos. No entanto, a constituição proíbe a alteração da
composição do projeto (parágrafos I e II do Artigo 115 da Constituição). Qualquer
alteração por iniciativa do Legislativo é somente permitida pela passagem de uma lei
específica. A principal diferença em relação aos outros casos que limitam a capacidade
para alterar o projeto de gastos, é que a Constituição de 1994 estabelece para aprovação
dessa lei de alteração orçamentária quorum qualificado para qualquer modificação do
projeto do Executivo, ou seja, uma regra praticamente “fechada” de votação do orçamento.
48
As leis que modifiquem o orçamento e que tenham origem no Legislativo devem ser
aprovadas por uma maioria de 2/3 do total dos representantes em cada casa legislativa
(Art.115), procedimento que na maioria dos países analisados seria suficiente para emendar
as próprias regras constitucionais.
A seguir, procuro verificar as diferenças entre os dois pontos no tempo para o
processo de reversão orçamentária, ou seja, o projeto que entra em vigor em caso de não
aprovação do projeto pelo Legislativo. A mesma tendência de fortalecimento do Executivo
se verifica.
Assim, os casos estão tratados pela tabela abaixo em relação aos efeitos da não
aprovação do orçamento anual.
Tabela 2.2.2
Evolução do Processo de Reversão do Processo Orçamentário
1° Ano
Democrático
2003
Não especificado
8
5
Orçamento do Legislativo
-
-
Orçamento do Ano Anterior
7
4
Orçamento do Executivo
2
8
Orçamento que entra em vigor no caso de não aprovação
dentro do prazo constitucional
* Cada unidade corresponde ao país/constituição válido para os dois anos limite.
Para o caso da reversão, é importante verificar como em aproximadamente metade
dos países latino-americanos da análise em 2003, o projeto do Executivo passou a vigorar
em caso de não aprovação do Orçamento. Apenas a Constituição chilena de 1925 e a
Constituição da Bolívia (1967) previam a aprovação do projeto do Executivo em seus
primeiros anos classificados como democráticos depois de 1945. A Constituição do
Equador de 1979 foi a única a prever a aprovação do projeto do Legislativo. O caso foi
49
contabilizado pela tabela, pois entre os dois anos limite do Equador, temos a Constituição
de 1946 para o primeiro ano democrático do país (1948) que não especificava o projeto que
entraria em vigor, e a mudança ocorrida após a Constituição de 1998 que passou a aprovar
o projeto do Executivo (2003).
Tais mudanças não são irrelevantes. Na literatura sobre o tema, os papéis de
Executivo e Legislativo no processo orçamentário são tratados como maneira de avaliar os
constrangimentos institucionais que contribuem para o controle dos déficits orçamentários e
das dívidas (Von Hagen, 1994; Apud Alesina et al 1999). Uma forte conclusão dessa
literatura é que a centralização do poder orçamentário em torno do Executivo – e os fortes
constrangimentos aos poderes de emendar do legislativo – são necessários para disciplinar
gastos, mantendo situações fiscais sustentáveis.
Legislaturas, porque órgãos coletivos, são vistas como naturalmente inclinadas á
irresponsabilidade fiscal. As diferenças entre regras “fechadas” e “abertas” na votação do
orçamento resultam em diferentes resultados, em termos do montante e da distribuição dos
recursos para projetos destinados a clientelas ou setores específicos do eleitorado (pork
barrel projects), de acordo com Baron (1989; 1991) e Baron e Ferejohn (1989). No
primeiro caso, o Legislativo se posiciona contra ou a favor a proposta orçamentária que
vem do Executivo, sem o direito de emendá-la. No segundo, é aberta a possibilidade de
emenda, o que diminui o poder de agenda do Executivo. Regras fechadas reduziriam ou, no
limite, excluiriam a possibilidade de se emendar a proposta orçamentária, definindo
processos mais hierárquicos de votação. Assim, se atribuiria muito maior poder de agenda
ao membro do Executivo encarregado de propor o Orçamento, tanto em relação ao
Legislativo, quanto frente aos demais ministros do governo. Por seu turno, regras abertas,
por definirem uma estrutura decisória de caráter colegiado, vão na direção oposta, abrindo
espaço, inclusive, para as demandas da(s) minoria(s) legislativa(s) não incluídas na coalizão
de governo.
Alesina et al. (1999) incorporam considerações relativas tanto à existência de regras
de orçamento equilibrado quanto aos procedimentos que balizam a formulação, aprovação e
implementação orçamentária, tendo também como amostra países latino-americanos. A
evidência a destacar é a de que melhores resultados primários (déficit nominal – juros
nominais) resultam de procedimentos que por serem mais hierárquicos inibem déficits. Isto
50
porque este formato restringe a capacidade das legislaturas de expandir os orçamentos e
confere as autoridades da área fiscal um papel preponderante nas decisões orçamentárias.
Figueiredo e Limongi (2002; p. 315), tratando do caso brasileiro, ressaltam como os
procedimentos decisórios do Legislativo em relação ao processo de aprovação do
Orçamento foram alterados pelo texto de 1988. A nova estrutura institucional limita a
participação dos Congressistas na definição do projeto orçamentário e confere poderes
tanto na proposição como na execução do Orçamento, com base principalmente nas
limitações ao direito de emendar do Legislativo.
Como forma de entender o efeito dessas mudanças em cada um dos países da
amostra, utilizarei um índice criado por Cheibub (2007; p.177 ) que classifica os critérios
de dominância do Executivo no processo orçamentário com base em três aspectos dos
textos constitucionais: o poder de iniciar a lei orçamentária, o poder de emendar a proposta,
e a posição do default, ou seja, a posição que prevalece quando a lei não é aprovada.
Quanto a este ponto, importa saber em quais casos a reversão favorece o presidente. Para
Cheibub (2007) quando a reversão estabelece a aprovação do projeto do Executivo, o
favorecimento do presidente é claro e não pede maiores discussões. O Autor considera
ainda que a aprovação do Orçamento do ano anterior, quando a capacidade do Legislativo
emendar é restrita, deve ser classificada da mesma maneira.
O quadro abaixo, retirado de Cheibub (2007), resume as combinações possíveis
entre as três variáveis consideradas e seus resultados quanto aos poderes presidenciais na
área orçamentária.
51
QUADRO 2.2.4: Controle Presidencial sobre o Processo Orçamentário
Presidente tem
O Congresso é
O resultado da não
O Presidente controla
iniciativa
limitado em
aprovação (default)
o processo
Exclusiva para
sua capacidade de
favorece o presidente
Orçamentário
iniciar o
emendar o
Orçamento
Orçamento
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
Sim
Não
Não
Não
Não
Não
Fonte: Cheibub (2007. P.177)
Com base nesta classificação, a tabela a seguir organiza as informações sobre o
efeito das mudanças verificadas em cada país na área orçamentária. Não há nenhum caso
em que o Executivo perdeu controle sobre o processo orçamentário. Ou seja, todas as
mudanças que ocorreram contribuíram para aumentar o controle do processo de aprovação
do Orçamento por parte do presidente. As mudanças foram verificadas em países como
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, Honduras e Uruguai.
52
Quadro 2.2.4–Controle Presidencial sobre o Processo Orçamentário nos
países presidencialistas da América Latina em dois anos democráticos
limite após 1945
Países
Ano inicial
Ano final
Argentina
Não
Sim
Bolívia
Não
Não
Brasil
Não
Sim
Chile
Não
Sim
Colômbia
Não
Sim
Costa Rica
Não
Não
Rep. Dominicana
Sim
Sim
Equador
Sim
Sim
El Salvador
Sim
Sim
Guatemala
Não
Sim
Honduras
Não
Sim
México
Não
Não
Nicarágua
Sim
Sim
Panamá
Sim
Sim
Peru
Sim
Sim
Uruguai
Não
Sim
Venezuela
Sim
Sim
Está claro, portanto, que os regimes presidenciais reforçaram os poder dos
presidentes na arena orçamentária. Dos 17 países considerados, a sua última constituição
democrática assegurava controle sobre o processo orçamentário a nada menos que quinze.
No início do período, apenas oito presidentes contavam com esta prerrogativa.
Os casos em que não houve mudança no sentido de controle do processo
orçamentário para o Executivo (Bolívia, México e Costa Rica) são casos de Constituições
que não especificam todas as etapas do trâmite do processo orçamentário. Para a
53
Constituição da Bolívia, a reforma aprovada em 1994 não alterou o estado inicial da
Constituição de 1967. A Constituição boliviana não trata das limitações à capacidade de
emenda do Legislativo. A despeito disso, é uma Constituição onde o prazo para a
aprovação do Orçamento é de apenas 30 dias e que em caso de não aprovação o projeto do
Executivo é aprovado.
Para a constituição mexicana de 1917 foram consideradas as 4 emendas aprovadas
depois de 1999. Estas não alteraram o fato da Constituição não especificar qualquer
limitação à capacidade de emenda do Legislativo e nem o projeto que entra em vigor em
caso de não aprovação. As emendas na Costa Rica também não alteraram nenhuma
prerrogativa das etapas legislativas do Orçamento ordinário.
Há sete casos restantes em que o presidente não controlava o processo orçamentário
e que sofreram mudanças no processo legislativo com vistas a reforçar o poder presidencial.
A inclusão de restrições constitucionais à capacidade de emendar o projeto orçamentário
pelo Legislativo e a mudança ou a especificação de uma posição favorável no default do
Executivo determinaram a classificação da preponderância do executivo no processo
Orçamentário. Em outros quatro casos o aumento da força presidencial ocorreu mesmo nos
países onde o presidente já controlava o processo orçamentário no início do período. Os
poderes foram reforçados no Equador em 1998, no Panamá em 1994, no Peru em 1979 e na
Venezuela em 1999.
Em relação aos tipos de processos constitucionais envolvidos nas mudanças, a
tabela abaixo ilustra o número de mudanças relacionadas a cada processo. Cabe observar
que um país pode registrar mais do que uma mudança neste quesito.
54
Tabela 2.2.3 – Tipo de Mudança Constitucional e Características do
Processo Orçamentário nas Constituições Presidencialistas da América
Latina (1945-2003)
Características do
Processo Orçamentário
Mudanças Exógenas
Mudanças endógenas
Nova
Reforma
Reforma
Nova
Constituição
Constitucional
ou emenda
Constituição
Limitação de área para a
emenda do Legislativo
1
1
0
1
Limitação para aumento de
gastos para a emenda do
Legislativo
3
3
0
1
Emenda sem restrições ou a
Constituição passou a não
especificar
0
0
0
0
O Orçamento do Executivo
entra em vigor quando o
projeto orçamentário não for
aprovado
2
2
1
2
1
0
0
0
0
1
1
0
O orçamento do ano anterior
entra em vigor
O orçamento do Legislativo
entra em vigor
Total
2
7
7
2
*Cada unidade corresponde a uma mudança constitucional ocorrida dentro do país a partir da primeira
constituição válida para o primeiro ano democrático do pós-guerra. O foco são as mudanças válidas nos anos
democráticos somente para o período 1945-2003.
55
Em dez casos de mudanças que limitaram a capacidade de emenda do Legislativo,
oito casos foram de mudanças exógenas (Argentina 72, Brasil 88, Chile 89, Guatemala 85,
Honduras 82, Uruguai 52 e 67 e Venezuela em 1961) contra dois casos de mudanças
endógenas por novas Constituições e não por reformas (Colômbia 1991 e Venezuela 1999 –
no último caso, além dos gastos, a emenda possui limitação em algumas áreas). Em relação
ao default, as mudanças para o Orçamento do Executivo representaram três casos de
mudança exógena (Chile 89, Peru 79, Nicarágua 87) sendo que o caso chileno representa
uma continuidade do texto anterior. Foram registrados três casos de mudanças endógenas
(Equador 98, Panamá pela reforma de 94 e por uma emenda de 68).
O que se observa, portanto, é que quando nos atemos as alterações de maior
impacto, as mudanças exógenas prevaleceram sobre as endógenas. Neste aspecto, quando
ocorreram mudanças, estas se deram porque novos textos constitucionais adotadas após
transições não mantiveram as mesmas características do processo Orçamentário dos
períodos democrático anteriores. Isto ocorreu na Argentina, Brasil, Chile, Guatemala,
Honduras e Uruguai.
Mudanças endógenas, com menos intensidade, também aumentaram as formas de
controle do processo orçamentário do Executivo. A reforma panamenha de 1994 limitou a
criação de gastos pelo Legislativo assim como a emenda de 1968 à constituição da
Colômbia. Duas alterações endógenas do processo Orçamentário dando mais poderes para
o Executivo ocorreram no Equador em 1998 e na Venezuela em 1999. Cabe notar que
nestes casos, as combinações institucionais já favoreciam o controle do Executivo sobre o
Orçamento. Houve apenas o reforço de um controle existente.
Para facilitar a interpretação dos dados e sua direção, organizei as informações
comparando scores ordinais do período inicial ao final observado, identificando o processo
de alteração verificado.
56
Quadro 2.2.5 - Distribuição dos valores dos poderes do Executivo no
processo orçamentário em 17 países da América Latina (1945-2003)
País
Valor
inicial
Argentina
0
Reforma constitucional –
1
Golpe militar
0
Golpe Militar
5
Nova Constituição –
4
Golpe militar
1949
2
Reforma Constitucional
2
-1994
Bolívia
4
Reforma constitucional –
4
1994
Brasil
2
Golpe Militar
3
Chile
4
Reforma constitucional –
4
1970
Colômbia
4
Nova Constituição –
5
1991
Costa Rica
2
Emendas constitucionais
2
Rep.
3
Reforma constitucional
3
2
Golpe militar
2
Dominicana
Equador
1998
El Salvador
2
Emendas constitucionais
2
Guatemala
1
Golpe Militar
2
Golpe Militar
2
Reforma
constitucional – 1993
3
Honduras
2
Golpe Militar
3
57
México
2
Nicarágua
4
Reforma
4
Constitucional - 1995
4
Panamá
Golpe Militar
3
Reforma
4
Constitucional – 1994
Peru
2
Golpe Militar
4
Auto-Golpe
4
Uruguai
2
Nova Constituição
3
Golpe Militar
3
Venezuela
2
Golpe militar
2
Nova constituição –
2
Nova constituição –
1961
1999
3
*A construção dos scores é apresentada no anexo B
Em relação ao fortalecimento dos poderes do Executivo no processo Orçamentário,
as mudanças exógenas foram as que tiveram mais efeito nos países onde o Executivo
passou a controlar o Orçamento com base nos critérios de Cheibub (2007). A comparação
dos scores permite observar melhor o comportamento das mudanças endógenas. A
Colômbia apresentou o maior valor ao longo de todo o período e, ainda assim, passou por
uma modificação que visou restringir o aumento de gastos. Somente Constituição da
ditadura de Pinochet concentra tantas vantagens para o Executivo.
A reforma de 1949 na Argentina também alterou e aumentou os poderes
presidenciais da Constituição de 1853, pois garantiu ao presidente a capacidade de
prorrogar por até três anos o projeto do Orçamento, desde que não ultrapasse o período do
mandato.
Mas foi a reforma de 1972, ainda sob influência militar, que limitou
constitucionalmente a área de atuação do Legislativo e a capacidade de aumento de gastos.
Foi esta reforma que introduziu em um texto de 1853 definitivamente o artigo que garante
ao presidente a iniciativa exclusiva para iniciar o projeto do Orçamento. Mesmo
após
a
58
derrubada da reforma de 1972 com a queda do regime militar, a reforma de 1994 confirmou
todas as mudanças no processo orçamentário argentino introduzidas em 1972.
O que se observa das mudanças ocorridas no processo orçamentário em primeiro
lugar é a maior limitação constitucional da capacidade de emenda do Legislativo durante a
fase de aprovação do Orçamento, principalmente nas constituições que tiveram origem em
mudanças exógenas. Mudanças endógenas também tiveram efeito, em menor grau e na
mesma direção, ou seja, no sentido de aumento do controle presidencial sobre o processo
orçamentário.
Em dois dos casos onde as mudanças não alteraram os aspectos de dominância do
Executivo no processo orçamentário nos aspectos selecionados, duas mudanças são dignas
de uma nota final. Uma emenda aprovada na Costa Rica em 1961 31 garantiu ao Executivo o
controle dos gastos não incluídos no Orçamento Ordinário aprovado pelo Legislativo. O
Executivo passou a ter a prerrogativa de incluir gastos extraordinários não previstos no
projeto original desde que indicasse os motivos. No México, o Orçamento aprovado pelo
Legislativo para o ano de 2005, em uma decisão inédita, foi vetado pelo presidente Vicente
Fox. O presidente não aceitou as modificações do Legislativo, que incluíam aumento de
gastos para alguns setores. A polêmica foi resolvida judicialmente por uma decisão da
Corte Suprema Mexicana que garantiu a possibilidade do presidente vetar o Orçamento
aprovado pelo Legislativo e manter seu projeto orçamentário original.
32
31
Reforma Constitucional 2738 de 12 de Maio de 1961.
Um resumo da controvérsia sobre a decisão de garantir o poder de Veto ao presidente está em
http://www.iis.unam.mx/obsdem/ap050513.htm. A decisão judicial é a de n°109/2004 de 12 de Maio de 2005.
32
59
2.3 Mudança Constitucional e Poderes de Decreto nas Constituições da
América Latina (1945-2003)
Nesta seção examino os processos de mudança constitucional das diferentes formas
de poder de decreto presidencial.
A literatura aponta dois procedimentos de aprovação unilateral de leis pelo
Executivo (Shugart e Carey, 1992; 1998): primeiro, os decretos constitucionais, isto é, a
prerrogativa constitucional para alterar o status quo legal sem a apreciação imediata do
Legislativo, como são os casos das Medidas Provisórias brasileiras do texto de 88 e dos
decretos de necessidade e urgência da reforma argentina de 94. 33 Segundo, o poder de
legislar mediante delegação de poderes legislativos pelo Congresso, os decretos delegados,
tal como a Ley Habilitante da Constituição venezuelana de 1999.
A
denominação
decreto
utilizada
para
tais
procedimentos
legislativos,
principalmente nas Constituições hispânicas, também inclui entre suas variações a
regulação executiva exercida para implementar a legislação (rule making decree) e os
poderes constitucionais durante a vigência dos estados de emergência (Shugart e Carey,
1998).34
Tratarei das mudanças relacionadas aos poderes de decreto constitucional, decreto
delegado e poderes legislativos sob estado de exceção (emergency powers).
Para o último caso, é preciso fazer um esclarecimento inicial por se tratar de uma
prerrogativa legislativa bastante específica. A prerrogativa emergencial de algumas
Constituições – Estado de sítio, Estado de emergência interna, etc – costuma garantir
poderes especiais aos presidentes para a solução de situações de crise em diferentes
contextos previstos pelas Constituições latino-americanas. As prerrogativas garantidas ao
Executivo de algumas Constituições da região, no entanto, excedem os aspectos mais
comuns das medidas a serem adotadas sob os estados de exceção clássicos, ou seja, as
situações emergenciais que requerem medidas extraordinárias para a manutenção da ordem
interna ou da soberania estatal (suspensão temporária das garantias constitucionais, prisão,
censura, etc).
33
No caso dos decretos argentinos, a entrada em vigor é imediata e uma lei irá regular o trâmite e o
alcance da intervenção do Congresso (sancionada pela maioria absoluta da totalidade dos membros). As
medidas provisórias brasileiras também entram em vigor imediatamente.
34
Em algumas Constituições, a denominação decreto aparece inclusive para designar leis ordinárias.
60
Tais variações nos estados de exceção garantem, na verdade, capacidade legislativa
ao Executivo. O caso mais notório são as prerrogativas legislativas garantidas ao presidente
colombiano classificadas pela literatura como decretos constitucionais (Shugart e Carey,
1992), mas que somente são válidas sob a vigência de um estado exceção declarado pelo
presidente.35 Em Constituições como a da Bolívia (1967) e do Equador (1979), os
presidentes podem contrair empréstimos, antecipar impostos e outras contribuições. O
Equador, em particular, possibilita ao presidente a utilização de fundos fiscais – exceto
aqueles pertencentes à Seguridade Pública e Sanidade – para restabelecer a ordem pública.
Outro exemplo é a Constituição de 1987 da Nicarágua que permite que o Executivo aprove
o Orçamento e que este seja enviado à Assembléia apenas para seu conhecimento. De
forma que, tais prerrogativas se aproximam muito das outras variações dos poderes de
decretos legislativos emitidos pelos presidentes.
De qualquer modo, em relação às normas constitucionais que regulam a
prerrogativa de legislar mediante decretos, todas as variações dessa capacidade legislativa decretos constitucionais, decretos delegados e poderes de decreto emergenciais - são
justificadas constitucionalmente como uma forma do Poder Executivo solucionar
rapidamente situações de exceção. Ou seja, usando um termo do vocabulário jurídico, as
situações de exceção seriam o fundamento que justificaria as decisões unilaterais do poder
Executivo em sua capacidade legislativa. Dessa forma, seria possível que em determinadas
circunstâncias excepcionais o Executivo tomasse decisões sem a passagem pelo trâmite
legislativo ordinário.
Incorporar este tipo de poder na análise se justifica em função do fato de, na prática,
estes poderes excepcionais terem se tornado mais um mecanismo de poder decisório à
disposição do Executivo em sua capacidade de controle legislativo ordinário. Assim, o
35
Colômbia: Constituição de 1991 - Art. 215. Cuando sobrevengan hechos distintos a los previstos en los
artículos 212 y 213 que perturben o amenacen perturbar en forma grave e inminente el orden económico,
social y ecológico del país, o que constituyan grave calamidad pública, podrá el Presidente, con la firma de
todos los ministros, declarar el Estado de Emergencia por períodos hasta de treinta días en cada caso, que
sumados no podrán exceder de noventa días en año calendario. Mediante tal declaración, que deberá ser
motivada, podrá el Presidente, con la firma de todos los ministros, dictar decretos con fuerza de ley,
destinados exclusivamente a conjurar la crisis y a impedir la extensión de sus efectos.
61
caráter e os usos dos decretos constitucionais no Brasil (Figueiredo e Limongi, 2000) e
Argentina (Goretti e Rubio, 1998), e dos decretos delegados no Peru (Schimidt, 1998) e
Venezuela (Crisp, 1998; Carrasquero, 2004), por exemplo, extrapolaram muito seu caráter
de medida extraordinária. Nesse contexto, as interpretações acerca do uso de tais medidas
se dividem. De um lado estão os que a consideram como uma forma de abdicação ou
delegação do Legislativo e, de outro, os que a consideram como uma forma de usurpação
do Executivo. Legislar por decreto seria, segundo tal perspectiva, uma forma autoritária de
ação do Executivo.
A análise das mudanças será orientada pela observação desses aspectos críticos dos
poderes de decreto. Que tipo de mudança foi determinante para o surgimento de cada tipo
de decreto? As mudanças exógenas, que poderiam indicar um tipo de legado do regime
autoritário anterior, ou as mudanças endógenas, que indicariam de forma mais direta um
tipo de delegação ou abdicação do Legislativo em sua capacidade de controle do processo
legislativo36.
Seja como for, os poderes de decreto não são uma característica institucional
presente em Constituições democráticas em todos os períodos do intervalo 1945-2003. Em
relação ao poder de decreto constitucional, este não foi até meados da década de 70 uma
característica difundida entre as Constituições democráticas dos países da América Latina.
Entre doze Constituições classificadas como democráticas para a década 1945-1955, apenas
a Constituição equatoriana de 1946 garantia ao presidente a possibilidade de legislar
mediante a emissão de decretos constitucionais, ainda assim restritos a matérias de urgência
econômica (Art. 80). Em relação aos países observados para o ano de 2003, cinco novos
países garantem a possibilidade dos presidentes legislarem pela emissão de decretos-lei em
suas constituições democráticas, em alguns casos, como no Brasil e na Argentina, sem as
limitações tão específicas como na Constituição equatoriana de 1946. Em relação ao
Equador, mesmo após duas novas cartas constitucionais promulgadas no período, o país
manteve a prerrogativa de decreto constitucional nos textos posteriores.
36
Um tipo de avaliação mais pormenorizada dessas escolhas institucionais exigiria um tipo de análise de cada
caso que não é o objetivo desta análise, que se restringe a uma avaliação comparada do efeito dos diferentes
tipos de mudança constitucional em relação às mudanças institucionais ocorridas nos poderes legislativos dos
presidentes. A hipótese de Shugart (1998) é que a concessão desses poderes está relacionada a partidos fracos,
situação que não se confirma para todos os casos de sua amostra (p.26) e cuja seleção dos países não possui
um critério muito claro.
62
Os decretos delegados apresentaram um número maior de casos para a década 4555. Venezuela, Colômbia e Panamá previam em suas constituições desse período a
possibilidade dos presidentes legislarem por leis delegadas. Assim como no caso
equatoriano, a prerrogativa se manteve para o restante do período nestes países. Em 2003,
mais quatro Constituições possuíam a prerrogativa.
Além do surgimento das prerrogativas de decreto constitucional e delegado ao longo
do período em um número maior de países, um aspecto importante para entender o efeito
dos diferentes processos de mudança é avaliar a forma como as mudanças incidiram nos
países que já possuíam a prerrogativa de legislar por decretos ou mesmo sobre aqueles que
passaram a adotá-la posteriormente. O objetivo é saber se existiram mudanças no sentido da
limitação ou mesmo supressão da capacidade do Executivo legislar pela via dos decretos.
Como já ressaltado, legislar por decreto tornou-se um tema controvertido das análises da
relação Executivo-Legislativo, sendo por esse motivo considerado como uma forma abuso
de poder do Executivo. A avaliação do tipo de mudança constitucional nesse sentido incluiu
as mudanças que iniciaram limitações e restrições das áreas para se legislar por decreto, a
limitação temporal e também as características de sua entrada em vigor (se imediata ou
não). A mesma avaliação foi adotada para os decretos delegados pelo legislativo ao
presidente.
A tabela a seguir detalha os processos envolvidos em cada caso de mudança dos
poderes de decreto. Considerei como uma entrada cada nova limitação introduzida nos
decreto delegados e constitucionais.
63
Tabela: 2.3.1 - Mudanças Constitucionais e Poderes de Decreto nas
Constituições Presidencialistas da América Latina (1945-2003)
Poderes de
Decreto do
Executivo e
Limitações
Mudanças Exógenas
Mudanças Endógenas
Constituinte
pós-ditadura
Reforma pósditadura
Reforma ou
Emenda
Constitucional
Nova
Constituição
Decreto
Constitucional
3
0
1
0
Decreto
Delegado
4
1
1
0
Poderes
emergenciais
0
1
0
0
Limitação ao
poder de decreto
constitucional
0
0
4
0
Limitação ao
poder de decreto
delegado
1
1
5
1
Total
8
3
11
1
Uma primeira observação dos dados revela como o efeito das mudanças exógenas
foi maior para o surgimento das prerrogativas de decreto. A maioria dos casos com
mudanças que conferiram poderes de decreto constitucional, delegado e emergencial surge
a partir de modificações exógenas. Para os três tipos de poder de decreto em conjunto, oito
casos registram mudanças relacionadas a Constituições ou reformas pós-autoritárias. O
único caso de concessão por mudanças constitucional endógena de decretos é a reforma de
1994 na Argentina. De forma complementar, as limitações a tais poderes em sua maioria se
originaram de mudanças endógenas, ou seja, dez casos de limitações aos decretos tiveram
origem em mudanças (reformas ou emendas aprovadas) sob a vigência democrática.
64
Para facilitar e detalhar cada um dos casos de mudança, os tópicos abaixo
descrevem o percurso das prerrogativas de decreto dos países que as possuem e identificam
o tipo de mudança.
Dessa forma, começo pelos Decretos Constitucionais:
1) Na Constituição equatoriana de 1946, a aprovação do decreto era imediata nos
assuntos econômicos. Após o retorno à democracia e a adoção de uma nova
constituição em 1979 (mudança exógena) as características do decreto se
modificaram. O presidente quando qualifica um projeto de lei como urgente em
matéria econômica confere ao Legislativo um prazo de 15 dias para sua
apreciação. Quando da expiração do prazo, o presidente pode aprovar a lei
automaticamente como decreto (Art.65). Uma emenda aprovada em 1996 sob
vigência da ordem democrática (mudança endógena) limitou o número de
emissões e não permite que o presidente envie mais de um pedido de urgência
por vez (Art.88).
2) No Brasil, sob a Constituição adotada em 1988, (mudança exógena), o
presidente pode emitir medidas provisórias com força de lei que requeriam a
apreciação do Legislativo em 30 dias (Art.62). Uma emenda aprovada em 2001
(mudança endógena) limitou a prática da reedição e mudou o prazo para
apreciação para 60 dias com trancamento da pauta do Legislativo.
3) Em Honduras, a partir da Carta de 1982, o presidente passou a ser dotado do
poder de emitir decretos em casos extraordinários de urgência econômica e
financeira (mudança exógena).
4) A constituição sandinista de 1987 permite decretos constitucionais para assuntos
fiscais e administrativos (Art 150.4). A reforma (endógena) de 1995 passou a
não permitir decretos constitucionais na área fiscal.
5) Peru, Constituição de 1979, Art.211.20, prevê Decretos Constitucionais em
matéria econômica e financeira (mudança exógena).
6) Na Argentina, em 1994, a Constituição foi alterada, regulamentando a emissão de
decretos que já estavam sendo utilizados na prática (mudança endógena).
65
Para os Decretos Delegados as principais mudanças são:
1) Peru (1979): (mudança exógena) Art. 188 Uma Lei autorizativa aprovada pelo
Congresso garante ao presidente poderes para legislar por decretos legislativos.
A Constituição de 1993 reformada em 2000 (mudança exógena) mantém a
prerrogativa.
2) Brasil (1988): (mudança exógena) Art. 68.
3) Venezuela (1961): (mudança exógena) Decretos delegados limitados a questões
econômicas e financeiras. Nova constituição de 1999 (mudança endógena) retira a
especificidade da limitação a essas matérias e os limites dos decretos passam a ser
determinados por uma lei habilitante aprovada pelo Legislativo.
4) Argentina (1994): (mudança endógena) Art.76. Que também introduz limites para
as matérias aprovadas.
5) Chile (1989): (mudança exógena) Art.61 O Formato do Decreto Delegado chileno
segue o padrão da lei autorizativa peruana e da lei habilitante da Venezuela e
garante poderes amplos para legislar nos assuntos acordados. Uma reforma ao
texto aprovada em 1997 (mudança endógena) passou a limitar o tempo e as
matérias dos decretos lei delegados pelo Legislativo.
6) Nicarágua (1987): A prerrogativa foi introduzida pela Constituição de 1987. A
reforma de 1995 (mudança endógena) é o único caso de limitação que retira
totalmente a prerrogativa presidencial de legislar mediante a delegação legislativa.
7) Panamá (1972): (mudança exógena) Art. 153.16 Os decretos passaram a ser
limitados por lei pela reforma de 1994. (endógena)
8) Colômbia (1886): Uma emenda constitucional aprovada em 1979 passou a limitar
o tempo da delegação (mudança endógena).
Para os poderes emergenciais:
1) O único caso de mudança é a reforma do Chile de 1989 (exógena)
66
As diferentes formas de legislação por decretos que ocorreram após interregnos
autoritários possuem variações que aumentaram os poderes do Executivo no Brasil, Peru,
Equador, Honduras, Venezuela, Chile e Panamá e são diferentes em relação aos poderes
dos presidentes de períodos democráticos anteriores.
Com exceção da reforma da Constituição da Argentina em 1994 (endógena), as
mudanças que conferiram diferentes formas de legislação por decretos ao Executivo em
diferentes períodos estão relacionadas a alterações pela via dos processos exógenos de
mudança, ou seja, as mudanças relacionadas aos processos de transição dos períodos
autoritários.
Em alguns casos, a presença dos poderes de decreto marca a continuidade da
vigência da prerrogativa ao longo do período em um mesmo país, mesmo após a
promulgação de novas Constituições ou da passagem por interregnos autoritários. É o caso
do poder de decreto constitucional no Equador e do decreto delegado na Colômbia.
Ressalto tal característica para observar que nenhuma mudança exógena limitou os poderes
de decreto constitucional.
Em relação ao primeiro caso de continuidade da prerrogativa, a Constituição de
1946 do Equador já possibilitava ao presidente a faculdade de legislar por decretos
constitucionais. Cumpre notar a especificidade histórica da Constituição equatoriana de
1946. O texto foi válido para os anos democráticos que vão de 1948 até o golpe militar de
1962, mas foi resultado de um autogolpe que derrubou a Constituição aprovada em 1945
(que não permitia a emissão de decretos). Tal característica tende a ser ressaltada para
atribuir um caráter autoritário ao texto de 46 (Pachano, 2004). O fato é que, no entanto, a
prerrogativa
presidencial
permaneceu
vigente
mesmo
após
dois
novos
textos
constitucionais neste país. Em uma mudança exógena posterior (1979) a prerrogativa de
decreto constitucional alterou a sua característica de estar mais relacionada com situações
de exceção e passou a se integrar ao processo legislativo ordinário. O poder de aprovar a lei
como decreto funciona como um mecanismo de decurso de prazo, ou seja, se o Legislativo
não apreciar em 30 dias um projeto qualificado como urgente o presidente pode aprovar
automaticamente por decreto. A limitação a essa prerrogativa aconteceu em 96 (endógena)
ao impedir que o presidente envie mais de um projeto qualificado como urgente antes da
apreciação do Legislativo.
67
As prerrogativas legislativas sob a vigência dos estados de Emergência também
possuem essa característica de permanência nos países. De formas diferentes, Colômbia,
Equador e Bolívia mantiveram as características desta prerrogativa após mudanças
constitucionais amplas. Assim, a capacidade do presidente do Equador adotar medidas
legislativas sob a vigência dos Estados de emergência aparece em todas as Constituições do
país. Em 1946 as prerrogativas eram de arrecadação antecipada de impostos, contração de
empréstimos e inversão de fundos fiscais. A partir de 1979, os empréstimos não eram mais
autorizados. Em relação à Colômbia, durante todo o tempo de vigência da Constituição de
1886 para os anos pós-45, o Executivo colombiano possui a prerrogativa para emitir
decretos com força de lei durante a vigência do Estado de emergência. A partir de 1991, o
Executivo passou também a poder estabelecer novos tributos ou modificá-los durante um
ano. Na Bolívia (1967), a vigência de um estado de emergência garante ao presidente a
capacidade para antecipar contribuições e rendas estatais e exigir empréstimos de
contribuintes.
A mudança nas prerrogativas dos poderes emergenciais no Chile, como uma série
de outras mudanças que fortaleceram o Executivo deste país, ocorreu como legado da
Constituição autoritária de 1980 que foi reformada em 1989 (mudança exógena).
Diferentemente do arcabouço da Constituição de 1925, as prerrogativas sob a vigência do
Estado de Emergência da Constituição de 1980 são de iniciativa exclusiva do Executivo e
permitem que o presidente adote medidas que interfiram diretamente na administração
pública. De forma complementar, esta é uma Constituição que também garante ao
Executivo a iniciativa exclusiva para o Executivo legislar em matérias administrativas,
assim como em matérias tributárias, empréstimos, serviços públicos, salários, negociações
coletivas e seguridade social.
Portanto, o efeito das mudanças exógenas para os poderes de decreto do Executivo
foi sempre no sentido de fortalecimento ou manutenção dos poderes presidenciais que eram
vigentes em períodos constitucionais anteriores.
As mudanças endógenas, de maneira geral, tiveram outro sentido. Reformas e
emendas constitucionais aprovadas em anos democráticos impuseram limites aos poderes
de decreto do Executivo. São os casos do Brasil (2001), Chile (1997), Equador (1996),
Nicarágua (1995), Argentina (1994), Colômbia (1979) e Panamá (1994). Em apenas um
caso uma mudança endógena, a limitação foi ao limite de eliminar a prerrogativa delegada
68
de decreto presidencial, a reforma da Nicarágua de 1995. No entanto, a Constituição da
Nicarágua manteve com novas restrições os decretos constitucionais e de emergência do
país. Em todos os outros casos, nenhuma mudança endógena eliminou os poderes de
decreto presidenciais, apenas os tornaram sujeitos a mecanismos de controle do Legislativo
e a restrições constitucionais de tempo e matérias.
A Argentina é o único caso onde os poderes de decreto foram incorporados por uma
mudança constitucional endógena. A reforma de 1994, no entanto, regulamentou e impôs
limites aos decretos constitucionais que já vinham sendo emitidos na Argentina em anos
anteriores à reforma de 94. Goretti e Rubio (1998) ao analisar o uso sistemático desses
poderes durante a passagem do governo Raul Alfonsín para Menem, argumentam como o
uso freqüente dessa prerrogativa já era uma prática comum em anos anteriores à reforma de
1994. A emissão dos decretos de necessidad y urgência, em um período conhecido como
decretazo teve como motivação a necessidade de resolução da situação de crise econômica
enfrentada pelo país entre o final dos anos 80 e início dos anos 90.37 Durante o governo
Menem, a emissão dos decretos se expandiu para outras matérias do processo legislativo
ordinário e deixou de lado o caráter emergencial que justificou judicialmente as medidas
unilaterais decretadas pelo presidente para implantar sua agenda de reformas (Goretti e
Rubio, 1998).
Para comparar os casos em dois anos limites com relação aos decretos, atribuí
scores com soma de 1 ponto para cada variação: decreto constitucional, decreto delegado e
prerrogativas emergenciais. A ausência de limitação de área, de validade e o fato do decreto
passar a valer imediatamente também somam 1 ponto. O livro de códigos encontra-se no
anexo II. De acordo com a tabela que discrimina o aparecimento constitucional dos
diferentes tipos de decreto, suas limitações e a presença de poderes emergenciais
específicos, procuro apontar como as variações dessas prerrogativas possuem uma variação
por país.
37
No período entre 1853 e julho de 1989, os governo constitucionais emitiram menos de 30 Decretos. De
julho de 1989 a agosto de 1994, Menem emitiu 336 Decretos. (Goretti e Rubio, 1998; p.43)
69
Quadro 2.3.2 - Distribuição dos valores dos poderes de Decreto Executivo
em 17 países da América Latina (1945-2003)
País
Valor
inicial
Argentina
0
Reforma constitucional –
0
Golpe militar
0
Golpe militar
1949
0
Reforma Constitucional -
5
1994
Bolívia
1
Reforma constitucional –
1
1994
Brasil
0
Golpe Militar
4
Emenda
3
Chile
0
Reforma constitucional –
0
Golpe Militar
1
Nova Constituição –
2
1970
Colômbia
3
Nova Constituição –
2
1991
Costa Rica
0
Emendas constitucionais
0
Rep.
0
Reforma constitucional
0
3
Golpe militar
2
Dominicana
Equador
1998
El Salvador
0
Emendas constitucionais
0
Guatemala
0
Golpe Militar
0
Golpe Militar
0
Reforma
constitucional - 1993
0
Honduras
0
Golpe Militar
3
70
México
0
Nicarágua
7
Reforma
1
Constitucional - 1995
2
Panamá
Golpe Militar
2
Reforma
1
Constitucional – 1994
Peru
0
Golpe Militar
6
Auto-Golpe
5
Uruguai
0
Nova Constituição
0
Golpe Militar
0
Venezuela
2
Golpe militar
3
Nova Constituição -
3
1999
*A construção dos scores está no Anexo C.
2.4 - Mudança Constitucional e Poderes de Veto nas Constituições da América
Latina (1945-2003)
O último aspecto dos poderes analisados são os poderes de veto do Executivo.
Segundo Cheibub (2007; p. 149), a efetividade do veto depende tanto de aspectos
institucionais, ou seja, do dispositivo constitucional capaz de garantir ao presidente o poder
para vetar a legislação, como de aspectos políticos, ou seja, do tamanho da bancada do
partido do presidente.
Nesta seção foco as mudanças nos aspectos institucionais do poder de veto
presidencial.
Como parte dos poderes legislativos dos presidentes em sistemas de separação de
poderes, um maior controle sobre os poderes de veto pode garantir tanto o impedimento da
aprovação de projetos que contrariem a vontade do governo (a política do poder negativo),
quanto a possibilidade de influir no processo de barganha legislativa e adequar as leis
71
aprovadas ao que o governo pretenda aprovar no último estágio do processo legislativo
(Cameron, 2001).
O maior controle presidencial sobre o processo legislativo ordinário e a maior
capacidade de negociar com os legisladores depende, dessa forma, dos poderes de que
dispõem para influenciar a última fase do processo de aprovação das leis. Nesse sentido, as
Constituições da América Latina possuem muitas possibilidades de jogos de veto que não
se restringem somente à idéia de um poder reativo. Descrevo abaixo as classificações dos
tipos de poder de veto dos presidentes de acordo com a classificação de Tsebelis e Aleman
(2004; p. 6) para as constituições da América Latina:
1) Poder de Veto Total, ou seja, rejeição total da lei aprovada pelo Legislativo e
manutenção completa do status quo;
2) Poder de Veto Parcial, ou seja, rejeição de alguma parte do projeto enviado;
3) E, por último, o poder de Vetar o projeto com emendas (amendatory
observations), ou seja, o Executivo envia uma nova proposta como um
substitutivo ou faz adições ao projeto original para a reconsideração do
Legislativo;
Além da prerrogativa de vetar totalmente um projeto de lei, os diferentes tipos de
veto possuem implicações importantes para o poder dos presidentes no processo legislativo.
Tsebelis e Aleman (2004) observam que para o tratamento dos poderes presidenciais, o
veto parcial e o veto com emendas possuem efeitos diferentes da prerrogativa do veto total.
Tais prerrogativas aumentam a capacidade do presidente negociar suas preferências em
relação a partes específicas do projeto. A capacidade de vetar parcialmente trechos da
legislação diminui os custos dos acordos entre os legisladores e aumenta o poder do
presidente influenciar a agenda do legislativo. As emendas ao projeto vetado possibilitam
que o presidente use seu veto como um poder positivo para influenciar a última etapa do
processo legislativo, principalmente por alterar as escolhas possíveis dos congressistas
(2004; p.4).
O outro aspecto institucional importante é a maioria necessária para a derrubada dos
vetos pelo Legislativo. O tamanho da maioria pode conferir vantagens significativas para o
72
Executivo, principalmente pela dificuldade que o Legislativo possa vir a ter para derrubar
um projeto vetado pelo presidente.
A tabela a seguir descreve os diferentes tipos de poder de veto nas Constituições em
dois anos limite:
Tabela 2.4.1
Evolução dos Poderes de Veto Presidencial nas Constituições dos Países
da América Latina.
1° Ano
Democrático
2003
Veto Total
17
17
Veto Parcial
15
15
Veto com Emendas
9
11
Tipo de Veto Presidencial
* Cada unidade corresponde à unidade país/constituição válida para o primeiro ano democrático pós-45 de
cada país no período (coluna primeiro ano). A segunda coluna (2003) corresponde ao último ano democrático
da classificação dos 17 países.
Fonte: Banco de dados Constitucionais- Cebrap.
Todos os presidentes latino-americanos têm poder para vetar totalmente um projeto
de lei. Para todos os países e anos nunca houve nenhuma restrição a essa capacidade de
rejeição total dos projetos de lei.
A capacidade para vetar parcialmente um projeto também não possui uma variação
grande. Trata-se de uma prerrogativa bastante difundida nas Constituições latinoamericanas. Em 2003, República Dominicana e Guatemala são os países as que não
permitem vetos parciais.
73
Tabela 2.4.2
Evolução do Quorum para derrubada do Veto Presidencial
1° Ano
Democrático
2003
Maioria Extraordinária
12
12
Maioria Absoluta dos Membros
3
4
Maioria Simples
2
1
Maioria Necessária para Derrubada do Veto
Presidencial
* Cada unidade corresponde à unidade país/constituição válida para o primeiro ano democrático pós-45 de
cada país no período (coluna primeiro ano). A segunda coluna (2003) corresponde ao último ano democrático
da classificação dos 17 países.
Fonte: Banco de dados Constitucionais -Cebrap.
O que se observa dos dados sobre os poderes de Veto na América Latina é o número
bastante reduzido de mudanças internas a cada país. As características institucionais dos
poderes de Veto tem a marca da continuidade institucional nos países.
As principais mudanças são avaliadas pela tabela abaixo:
74
Tabela 2.4.3 - Mudanças Constitucionais dos Poderes de Veto nos Países
Presidencialistas da América Latina (1945-2003)
Poderes de
Decreto do
Executivo e
Limitações
Constituinte
pós-ditadura
Veto Total
Veto Parcial
Veto com
Emendas
Derrubada por
Maioria
qualificada
Derrubada por
maioria absoluta
dos Membros
Derrubada por
Maioria simples
Total
Mudanças Exógenas
Reforma ou
Emenda
Constitucional
Nova
Constituição
-
-
-
1
-
-
1
1
-
2
-
-
1
-
2
-
-
Reforma pósditadura
Mudanças Endógenas
-
3
-
1
2
Em relação às prerrogativas de veto total e parcial, as Constituições apresentaram
poucas mudanças. O fato é que as Constituições dos países da América Latina deste
período garantem poderes de veto total e parcial em quase todos os países. Uma única
mudança ocorreu em Honduras por uma Constituição de tipo exógena. O texto de 1957 não
permitia a possibilidade do projeto de lei ser vetado parcialmente. O veto parcial foi
incorporado com a Constituição de 1982 (Art.220).
O veto com emendas apresentou mudança em dois países. Cumpre
observar,
no
entanto, que a prerrogativa de vetar com emendas é uma característica institucional que
permaneceu vigente ao longo dos períodos democráticos de 9 países. São eles: Chile,
República Dominicana, Equador, Peru, Bolívia, Costa Rica, Uruguai, El Salvador e
Venezuela. Em dois casos ocorreram mudanças. A Nicarágua pela reforma de 1995
75
(endógena) incorporou essa variação dos poderes de veto. A Guatemala pela nova
Constituição de 1985 também incorporou essa variação. O importante é observar que essa
característica institucional, como apontam Tsebelis e Aleman (1994), é bastante difundida
nos países da América Latina.
A maioria necessária para a derrubada dos vetos também apresentou variações ao
longo do tempo.
Duas mudanças constitucionais exógenas passaram a exigir maioria qualificada para
a derrubada dos vetos do Executivo. A Constituição de 1979 no Equador (exógena) e a
Constituição de 1953 (exógena) na Venezuela.
Por outro lado, três mudanças diminuíram a exigência para a derrubada do veto
presidencial. A Constituição de 1991 da Colômbia (endógena) e a Constituição de 1999 na
Venezuela (endógena). A terceira mudança (exógena) foi a Constituição de 88 no Brasil
que passou a exigir maioria absoluta .
O que as mudanças nos poderes de veto apontam é que comparativamente aos
outros dois aspectos analisados dos poderes presidenciais das seções anteriores, as
características institucionais dos poderes de Veto são relativamente estáveis nos países.
2.5 – Considerações Finais em relação à análise das Mudanças Constitucionais
O capítulo analisou três aspectos institucionais dos presidentes considerados fortes
em sua capacidade de controle do processo legislativo. O que se observou é que para uma
das características o tipo de mudança constitucional teve efeitos diferentes, dada a
tendência observada no capítulo 1 de fortalecimento legislativo ao longo do tempo.
No que se refere ao orçamento, quantitativamente, as mudanças exógenas suplantam
as endógenas. No entanto, quando comparadas com as alterações relativas ao poder de
decreto, nota-se que a participação relativa das mudanças endógenas é maior, indicando que
estas alterações dependem menos do tipo de processo que levou a sua adoção. Ou seja, o
maior controle do executivo sobre o orçamento pode ser atingido por qualquer das duas
rotas. Mais do que isto, este é o campo em que ocorre maior convergência. Todos os países
presidencialistas latino-americanos concentraram nas mãos do presidente prerrogativas que
lhes permite controlar o orçamento.
76
Os poderes de decreto concentram o maior número de mudanças por processos
exógenos. O retorno à democracia pela via de uma nova constituição ou, pelo menos, por
uma reforma radical, implicou uma mudança importante em relação às experiências
democráticas anteriores. Ainda em relação aos poderes de decreto, as mudanças endógenas
em grande parte foram formas de limitar e regulamentar o alcance dessas prerrogativas.
Muitas dessas mudanças procuraram diminuir alguns vícios ou abusos antidemocráticos em
seu uso. O papel que esses mecanismos desempenharam em regimes ditatoriais certamente
influenciou tais modificações.
Os poderes de veto são, comparativamente, o mais estático dos poderes
presidenciais. As mudanças endógenas por emendas e reformas só alteraram o alcance do
Veto em um país. Uma mudança exógena incluiu a prerrogativa dos vetos parciais que já é
amplamente difundida entre os países da região.
O próximo capítulo avaliará como tais mudanças efetivamente contribuem para a
classificação dos presidentes como dominantes dentro do processo legislativo. Procuro
entender se as mudanças que fortaleceram os presidentes em cada um dos aspectos resultou
em mais presidentes fortes ou não. De outro lado, procurarei relacionar os presidentes
dominantes dentro do processo legislativo com a passagem pelas ditaduras.
77
CAPÍTULO 3 - Presidencialismo, ditaduras e presidentes fortes nas
Constituições da América Latina.
“Parece verdade que todos os regimes
competitivos do século XIX que conseguiram
sobreviver
como
poliarquias
no
século
XX
desenvolveram Executivos fortes, armados com
amplas capacidades de ação”
Robert Dahl, Poliarquia (p.124)
O capítulo anterior tratou de identificar os processos pelas quais as diferentes
características institucionais foram alteradas. Neste capítulo tratarei dos poderes
presidenciais sobre o processo legislativo de forma integrada, buscando uma classificação
da intensidade dos poderes presidenciais. A partir dos aspectos centrais do domínio
presidencial sobre o processo legislativo, ou seja, poder orçamentário, poderes de veto e
poderes de decreto (Cheibub, 2007; Tsebelis e Aleman, 2004, Shugart e Carey, 1992)
classifico as formas de domínio presidencial em poderes presidenciais “fortes”, “médios” e
“fracos”. O objetivo do capítulo é identificar e precisar o processo por meio do qual
presidentes se tornaram institucionalmente “fortes”.
Para a literatura sobre presidencialismo, principalmente a que foca sobre a versão
latino-americana destes sistemas políticos, presidentes fortes seriam aqueles potencialmente
perigosos para a manutenção da estabilidade democrática (Shugart e Carey, 1992;
Mainwaring e Shugart, 1997). Como observado pela discussão iniciada no capítulo 1, um
dos aspectos do debate sobre situações de impasse, paralisia legislativa e derrocadas
democráticas associa a presença de presidentes legislativamente fortes aos problemas
enfrentados pelos sistemas de separação institucional entre Executivo e Legislativo.
Em trabalho que procurou tratar do problema dos presidentes fortes entre outros
problemas ressaltados pelos críticos do presidencialismo, Cheibub (2007) avalia o efeito de
duas primeiras dimensões dos poderes presidenciais tratadas pelo capítulo anterior, ou seja,
controle sobre o processo orçamentário e poder efetivo de veto, para a sobrevivência
78
democrática. A análise de dados realizada pelo Autor mostra as chances de sobrevivência
dos regimes presidencialistas não são afetadas pela extensão do controle do presidente
sobre o orçamento ou pela capacidade de exercer seus poderes de veto. O trabalho
demonstra que, pelo contrário, as chances das democracias sobreviverem aumentam com
alguns aspectos da força dos presidentes (Cheibub, 2007:p. 154).
De acordo com os dados analisados por Cheibub (p.156), o controle do processo
orçamentário pelos presidentes diminui em 3% a chance de colapso democrático no
presidencialismo. Em relação ao controle dos poderes de veto, os dados do autor indicam
que não há impacto significativo dos controles dos poderes de veto para a sobrevivência
democrática dos sistemas presidencialistas (Idem, p.156).
A análise dessas duas dimensões dos poderes legislativos do trabalho de Cheibub
(2007) reitera de forma adjacente duas constatações retiradas da análise das mudanças
constitucionais realizada no capítulo anterior.
De fato, a maioria das mudanças que fortaleceram o processo orçamentário teve
origem exógena e são mudanças posteriores aos colapsos democráticos do pós-guerra nos
países latino-americanos. Mesmo nos países menos afetados por descontinuidades, como a
Colômbia, o processo de fortalecimento dos poderes orçamentários ocorreu através de
mudanças endógenas. Em relação aos poderes institucionais de veto, não há diferenças
significativas entre os diferentes períodos democráticos. Portanto, independentemente da
passagem por ditaduras, as características gerais dos poderes de veto se alteraram muito
pouco, o que explica a ausência de significância estatística observada por Cheibub quando
ele relaciona o controle efetivo dos poderes de veto e a possibilidade de derrocada
democrática (p.181).
Para complementar a citação do trabalho de Cheibub, os dados os dados do autor
sustentam que não há conexão entre a ausência de efetividade legislativa e presidentes
institucionalmente fortes. Antes, revelam o contrário. Em 58% dos casos, os projetos de lei
iniciados pelos presidentes classificados como fortes por Cheibub são aprovados, contra
54% dos projetos dos presidentes que não controlam o processo legislativo (p.156). A
diferença não é, do ponto de vista substantiva, alentada, mas tem o sinal esperado.
Outro aspecto ressaltado pelo Autor com conseqüências diretas sobre as mudanças
observadas nos capítulos anteriores diz respeito ao fato do incentivo para a formação de
coalizões ser quase o mesmo nos dois tipos de regime (presidencialismo e
79
parlamentarismo) e, mais importante, que a formação das coalizões governamentais não
está relacionada com a estabilidade das democracias.
A conclusão de Cheibub em relação aos presidentes “fortes” é a seguinte:
“Finally, presidential systems that provide for institutionally strong presidents, that
is, presidents who control the legislative process, either because they have the monopoly to
set the budget or are able to effectively veto legislation they dislike, are nor plagued by
conflict, inaction, and eventual death into an authoritarian system.” (p.158)
A partir dessa conclusão de Cheibub e da análise das mudanças constitucionais que
fortaleceram os presidentes ao longo do tempo, resta saber que tipo de mudança
constitucional foi mais importante para dar origem a situações institucionais em que
presidentes contam com fortes poderes legislativos. A pergunta que ficou da análise do
capítulo anterior é a seguinte: mas, afinal, que tipo de mudança foi determinante em cada
país para a emergência dos presidentes institucionalmente fortes? Ou seja, presidentes
“fortes” teriam sido o resultado de um fortalecimento endógeno, isto é, que teriam ocorrido
ao longo da vigência de sistemas democráticos ou teriam tido sua capacidade aumentada
pelas instituições legadas pelos regimes autoritários?
A análise precedente demonstrou que essas mudanças foram diferentes para cada
um dos aspectos dos poderes legislativos, tendo afetado cada requisito de maneira diversa.
De acordo com a primeira rota (a endógena), os presidentes fortes no processo
legislativo teriam tido sua capacidade expandida por reformas, emendas ou novas
constituições promulgadas em períodos democráticos.
A literatura trata desses presidentes fortes originados por processos endógenos de
mudança como causas para a instabilidade em alguns países. A capacidade de controle
presidencial sobre o processo legislativo pela via dos aumentos de poder advindos das
mudanças endógenas teria sido importante para as derrocadas democráticas em alguns
países, como Allende no Chile após a reforma de 70 ou Perón pela reforma de 1949
(Shugart e Carey, 1992; Valenzuela, 1993; Siavelis, 1997).38
38
Neste trabalho não avançarei para uma análise da causa das derrocadas democráticas. Limito-me a analisar
as mudanças que originaram os diferentes tipos de presidentes do ponto de vista legislativo.
80
A segunda rota nos diz que presidentes fortes seriam produto de uma armação
institucional adotada após um interregno autoritário, legados de constituições não
democráticas, portanto exógenas à própria luta política democrática.
Assim, os presidentes legislativamente fortes teriam tido seus poderes legislativos
aumentados como resultado de mudanças advindas de causas exógenas, ou seja, novas
constituições ou reformas constitucionais que herdaram aspectos institucionais do regime
autoritário anterior.
Dessa forma, a mudança dos poderes presidenciais teria sido o resultado da
coexistência das instituições do velho regime com aquelas de um novo regime, cujo
resultado teria sido um Executivo predominante legislativamente.
O objetivo do capítulo será diferenciar os períodos democráticos nos países e
confrontar a passagem por ditaduras aos presidentes legislativamente dominantes. Assim,
penso ser possível entender que tipo de mudança se relaciona diretamente com os
presidentes institucionalmente fortes.
Definirei uma gradação dos poderes presidenciais de acordo com uma combinação
dos três critérios analisados pelo capítulo anterior, dessa forma defino:
1)
Presidentes com Poderes Fortes: possuem em conjunto o poder de
controle do processo orçamentário, o poder para legislar unilateralmente
mediante alguma das formas de decreto e o poder para vetar parcialmente
ou vetar com emendas um projeto de lei;
2)
Presidentes com Poderes Médios: possuem em conjunto o poder de
controle sobre o orçamento e o poder para vetar parcialmente ou com
emendas;
3)
Finalmente, os presidentes fracos: não controlam o Orçamento e não
possuem a capacidade de legislar por decretos.
A definição de presidentes fortes está mais de acordo com Shugart (1998) do que
com Cheibub (2007). Para Shugart (1998: p.5), um presidente forte deve ter a capacidade
de estabelecer um novo status quo independente das preferências do legislativo.
81
A definição dos presidentes médios segue a definição de Cheibub (2007) de
controle sobre o processo legislativo, ou seja, controle sobre o processo orçamentário e
poder institucional de veto.
A definição de presidentes fortes assume que o Executivo deve ter a prerrogativa de
legislar por decreto. Em conjunto, os presidentes fortes possuem o controle sobre o
processo orçamentário, característica central da análise do controle legislativo em Cheibub
(2007), e podem emendar parcialmente ou com emendas, ou seja, vou considerar como
atributo da força legislativa dos presidentes os poderes de veto de tipo construtivo tal qual
avaliados por Tsebelis e Aleman (2004), ou seja, a capacidade de submeter uma nova
proposta reduzida em algum aspecto por um veto parcial ou um projeto modificado de
acordo com a preferência presidencial para uma última votação.
A primeira tabela apresentada abaixo organizou temporalmente essa classificação
dos poderes presidenciais no processo legislativo.
O que se observa para a primeira década dos anos pós-45 é que a presença dos
presidentes fracos nos anos classificados como democráticos é bem superior aos
presidentes fortes. Para os anos 45-55 os países classificados no primeiro quadrante são
Chile, Argentina, Brasil, Costa Rica, Venezuela e a Guatemala. Os presidentes classificados
como fortes na primeira década são os do Equador (46) e do Panamá (46).
82
Tabela 3.1 : Distribuição por década da gradação dos poderes presidenciais nas
constituições da América Latina (1945-2003)
Fraco
Médio
Forte
N
Década
45-55
12
7
3
2
56-65
12
7
3
2
66-75
10
4
4
2
76-85
10
3
4
3
86-95
16
3
4
9
96-03
17
3
4
10
A tendência dos países com presidentes fortes e fracos se inverteu com o passar das
décadas. A situação se inverteu principalmente quando com o aumento dos presidentes
fortes para a década 86-95, que ultrapassou a quantidade de presidentes fracos. Para o
último período, em 10 países da América Latina os presidentes possuem prerrogativas
constitucionais que os classificam como fortes no processo legislativo. Ao final do período
os presidentes fortes são os da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Honduras,
Nicarágua, Panamá, Peru e Venezuela.
Se adotarmos o critério de Cheibub que somente leva em consideração o controle
sobre o Orçamento e os poderes de veto, 14 países em 2003 possuem presidentes
dominantes no processo legislativo. Os 10 citados anteriormente mais os presidentes da
República Dominicana, de El Salvador, da Guatemala e do Uruguai.
A tabela a seguir organiza por país as informações sobre o controle presidencial do
processo legislativo. O objetivo é diferenciar o que ocorreu em cada um dos países para em
seguida determinar o tipo de mudança que cada um sofreu.
83
Tabela 3.2 – Classificação dos Países da América Latina em dois anos
limite de acordo com a classificação do poder de controle do Executivo
sobre o processo legislativo
Países
Ano inicial
Ano final
Resultado
Passagem
por
ditadura
entre o ano
inicial e
final
Argentina
Fraco
Forte
+
Sim
Bolívia
Fraco
Fraco
=
Não
Brasil
Fraco
Forte
+
Sim
Chile
Fraco
Forte
+
Sim
Colômbia
Médio
Forte
+
Não
Costa Rica
Fraco
Fraco
=
Não
Rep. Dominicana
Médio
Médio
=
Não
Equador
Forte
Forte
=
Sim
El Salvador
Médio
Médio
=
Não
Guatemala
Fraco
Médio
+
Sim
Honduras
Fraco
Forte
+
Sim
México
Fraco
Fraco
=
Não
Nicarágua
Forte
Forte
=
Não
Panamá
Forte
Forte
=
Sim
Peru
Médio
Forte
+
Sim
Uruguai
Médio
Médio
=
Sim
Venezuela
Fraco
Forte
+
Sim
* (+) para ilustrar as mudanças com crescimento e (=) para ilustrar as situações de continuidade.
A comparação com a variação dos scores do capítulo 1 confirma a tendência de
fortalecimento dos presidentes nos países, desta vez baseado em um critério mais objetivo
de classificação dos presidentes dominantes no processo legislativo.
Ao analisarmos os casos de mudança em cada país, podemos observar que em 9
casos de mudanças 7 resultaram em presidentes fortes e 1 em presidente médio. Destes 7
84
casos apenas a Colômbia não teve um interregno autoritário entre dois períodos
democráticos distintos.
Nenhuma presidência classificada como fraca foi antecedida por um golpe de
Estado dentro do período que marcasse uma descontinuidade com um período democrático
anterior.
Não houve nenhum caso de diminuição de poder presidencial segundo esses
critérios. Bolívia, Costa Rica e México não alteraram sua classificação tendo permanecido
do ponto de vista das Constituições como presidências institucionalmente fracas.
A tabela a seguir, organizada de acordo com os critérios utilizados no capítulo 2,
distingue os processos endógenos e exógenos de mudança. Os casos de cada quadrante
representam uma mudança na capacidade do Executivo dominar institucionalmente o
processo legislativo.
85
Tabela 3.3 - Distribuição das Mudanças nos Poderes Legislativos do
Executivo nas Constituições Presidencialistas da América Latina (19452003)
Poderes de
Decreto do
Executivo e
Limitações
Mudanças Exógenas
Mudanças Endógenas
Constituinte
pós-ditadura
Reforma pósditadura
Reforma ou
Emenda
Constitucional
Nova
Constituição
1
4
1
1
1
1
-
-
Presidentes
Fracos
-
-
-
-
TOTAL
2
4
1
1
Presidentes
Fortes
Presidentes
Médios
Dos 7 casos de mudança que resultaram em presidentes fortes 5 foram resultado de
fortalecimento exógeno. Ou seja, Brasil (88), Chile (89), Honduras (82), Peru (79), Equador
(79) e Venezuela (61). E dois casos são resultado de mudanças endógenas, Argentina (94) e
Colômbia (91). Duas mudanças exógenas mudaram os poderes de fraco para médio:
Guatemala (85) e Argentina (72).
Sendo assim, como observado pelos dados da tabela 3.1, o aumento substantivo dos
casos de presidências fortes a partir da década de 80 esteve associado aos processos de
transição política em 5 países. Em outros dois, os processos exógenos garantiram o
aumento para o poder médio, sendo que na Argentina o poder se fortaleceu mais pela
mudança endógena de 94 que incluiu os poderes de decreto na Constituição.
A primeira evidência a destacar nestes casos de presidências fortes é a importância
dos contextos envolvidos em cada um destes países para o aumento desses poderes
institucionais. Em cinco casos, o aumento mais substancial dos poderes esteve relacionado
às passagens por ditaduras. O incremento dos poderes de decreto constitucional e delegado
foi determinante para a classificação como fortes nestes casos. Em todos os 5 casos,
86
emendas endógenas posteriores limitaram os atributos de decreto presidencial sem, no
entanto, extingui-los.
As duas mudanças endógenas observadas foram resultado de contextos políticos
específicos, ou seja, de contextos onde a justificativa de uso de poderes para a resolução de
situações de exceção relacionadas a crises econômicas e políticas garantiu mudanças na
constituição para definitivamente autorizar o uso presidencial das prerrogativas.
As duas passagens para médio também são exógenas. Trata-se de limites à
capacidade dos legislativos atuarem no processo orçamentário.
Para avaliar as mudanças tendo como parâmetro comparativo dois períodos
distintos, organizei as mudanças por scores numéricos de diferentes períodos. Organizei os
períodos iniciais e finais separados pelo tipo de mudança. Procuro avaliar, desta forma, a
diferença entre dois períodos democráticos distintos em relação aos poderes legislativos dos
presidentes.
A tabela está organizada da seguinte maneira: em t1 está o valor do primeiro ano
democrático pós-45. Em t2 está o último valor que o país atingiu antes da mudança
endógena (Reforma ampla) ou exógena (golpe de Estado). Em t3 está o valor obtido após a
reinauguração de um novo período democrático ou após o tipo de mudança constitucional
endógena. Em t4 estão os valores finais da classificação para o ano de 2003, incluindo as
variações endógenas das emendas constitucionais dos países que as tiveram.
87
Tabela 3.4. Tabela das mudanças por valores e países (1946-2003)
Score em t1
Score em t2
Tipo de Mudança
Nova
constituição
Score em t3
Score em t4
2
5
5
7
8
2
4
2
5
5
7
8
2
4
Golpe de Estado
Reforma
Golpe de Estado
Golpe de Estado
Reforma
Reforma
Reforma
Não
Não
Sim
Sim
Sim
Não
Sim
4
6
11
10
10
5
4
8
6
10
10
11
5
4
6
3
4
3
3
12
6
4
8
3
6
3
4
3
3
12
6
4
8
3
Golpe de Estado
Reforma
Golpe de Estado
Golpe de Estado
Reforma
Reforma
Golpe de Estado
Golpe de Estado
Golpe de Estado
Golpe de Estado
Sim
Não
Sim
Sim
Não
Não
Sim
Sim
Sim
Sim
8
3
6
7
3
9
9
12
9
6
11
3
6
7
3
9
4
13
5
9
País
Argentina
Bolívia
Brasil
Chile
Colômbia
Costa Rica
Rep.
Dominicana
Equador
El Salvador
Guatemala
Honduras
México
Nicarágua
Panamá
Peru
Uruguai
Venezuela
*Os valores dos scores correspondem à soma dos valores das atribuições dos poderes orçamentários
e de decreto cujos valores estão nos anexos 1 e 2.
A primeira observação é que em todos os casos de passagem exógena houve
aumento dos scores. As mudanças entre t1 e t2, quando ocorreram, não alteraram os scores
dos poderes de decreto e orçamentário.
Alguns casos entre t3 e t4 tiveram mudanças endógenas. Alguns deles alteraram os
scores para baixo, entre eles, Brasil, Panamá e Uruguai. Em outros mudanças endógenas
aumentaram os valores observados, como na Colômbia (cujo aumento foi contínuo),
Venezuela (99), Equador, Argentina (94) e Peru. Todos estes últimos países reformaram ou
promulgaram uma nova constituição entre t3 e t4.
88
Considerações finais
Esse trabalho preliminar ainda não tem a pretensão de avançar pelas veredas das
teorias sobre escolha institucional, mas pretende ser um primeiro passo para entender
importância das mudanças institucionais dos sistemas de governos da América Latina. O
fato é que os poderes presidenciais são diferentes daqueles observados em um primeiro
período democrático dos países, e que as ditaduras produziram efeitos importantes no
formato do presidencialismo Latino Americano contemporâneo. A análise comparada das
Constituições de um período maior de tempo permitiu observar tanto aspectos já
consagrados das análises de política comparada, ou seja, os diferentes formatos da
organização dos governos democráticos desses países, mas também apresentar uma
tendência observada empiricamente em relação às mudanças institucionais na América
Latina. A dissertação buscou demonstrar empiricamente a importância das mudanças
constitucionais do sistema presidencialista dos países latino-americanos e focar as
diferentes formas de variação interna e principalmente temporal que ainda são pouco
exploradas na literatura especializada. Ou seja, há variações importantes entre
presidencialismos. O que a literatura não abarca, no entanto, e a pesquisa revelou é que o
sistema presidencialista de cada país passou e passa por transformações institucionais
importantes. Mais que isso, o que os dados coletados indicam é que estas mudanças têm um
determinado sentido, qual seja, o do crescimento dos poderes legislativos dos presidentes.
A análise dos dados procurou relacionar tal aumento à passagem por períodos autoritários e
encontrou uma correlação entre presidentes legislativamente fortes constitucionalmente e a
passagem dos países por regimes autoritários.
Tais considerações reforçam o aspecto endógeno das mudanças desses aspectos
institucionais. Endógeno aqui, vale esclarecer, toma um sentido diverso ao utilizado na
análise anterior. Isto é, para além de produzirem efeitos, instituições são endógenas aos
contextos em que são criadas. Segundo Przeworski (2004), o fato das instituições serem
endógenas neste sentido não significa que, uma vez instaladas, irão persistir. Instituições
são resultados contingentes dos conflitos ocorridos em determinado contexto histórico e são
mais ou menos, pior ou melhor adaptadas a persistir em outras condições. O ponto a ser
89
ressaltado é que os conflitos e os resultados potenciais dos conflitos dependem das
condições e das instituições sob as quais estão influenciadas, dessa forma os resultados não
são predeterminados ex ante.
A análise das instituições como variáveis independentes não é afetada pela
consideração da endogeneidade das mudanças institucionais. O fato é que efeitos advindos
principalmente dos legados institucionais anteriores (path dependence) são importantes
para entender a forma como o presidencialismo e a relação entre os poderes se
desenvolveram na região. O trabalho buscou tratar dos arcabouços institucionais em uma
comparação combinada de tipo sincrônica e diacrônica. Dessa forma, a análise comparada
dos processos de reforma buscou considerar a influência da interação das mudanças
institucionais com o contexto histórico dos países.
90
ANEXOS
91
ANEXO A
Apêndice Quadro 3 - Valores da classificação dos Poderes dos presidentes
eleitos (Shugart e Carey, 1992; p. 150)
Poderes Legislativos:
Veto Total/Derrubada
4 – Veto sem derrubada
3 - Veto com derrubada com maioria maior que 2/3 (quorum)
2 – Veto com derrubada de 2/3
1 – Veto com derrubada de maioria absoluta da assembléia ou maioria extraordinária menor
que 2/3
0 – Sem veto; ou veto com maioria simples para derrubada
Veto Parcial/ Derrubada
4 Sem derrubada
3 Derrubada por maioria extraordinária
2 Derrubada pela maioria absoluta dos membros
1 Derrubada com maioria simples
0 Sem veto parcial
Decreto
4 Poderes reservados, sem rescisão
2 Presidentes com autoridade de decreto temporário com poucas restrições
1 Autoridade de emissão de decretos limitada
0 Sem poder de decreto; apenas delegado pela Assembléia
Poderes Orçamentários
4 – Presidente prepara o orçamento; emendas não permitidas
3 – Assembléia pode reduzir mas não aumentar a quantidade de itens do orçamento
2 – Presidente estabelece o limite total de gastos dentro do qual a Assembléia pode
emendar
1 – Assembléia pode aumentar gastos apenas se designar as novas fontes
0 – Autoridade irrestrita para Assembléia preparar e emendar o orçamento
Iniciativa exclusiva para Legislar em determinadas áreas políticas
4 Sem emendas pela Assembléia
2 Assembléia com emendas restritas
92
1 Assembléia sem restrição para emendar
0 Sem poderes exclusivos
Proposta de referendo
4 Irrestrita
2 Restrita
0 O presidente não pode propor referendo
ANEXO B
ORÇAMENTO
B) Valores atribuídos aos scores dos Poderes Orçamentários do Executivo
1) O Executivo inicia o projeto orçamentário?
0=Não
1=Sim
2) O Orçamento pode ser emendado pelo Legislativo?
0=Sim
1=Não
3) Existe alguma restrição de Área na emenda orçamentária do Legislativo?
0=Não
1=Sim
4) A emenda pode criar despesas?
0=Não
1=Sim
5) Qual o resultado da não aprovação do orçamento?
0= Orçamento do Congresso
1=Orçamento do Ano anterior
2=Orçamento do Executivo
93
ANEXO C
PODER DE DECRETO E EMERGENCIAL
1) Decretos delegados ao Executivo.
0=Não
1=Sim
2) Decretos constitucionais.
0=Não
1=Sim
3) Limitações de Área para decretos delegados.
0=Sim
1=Não
4) Limitações de Área para decretos constitucionais.
0=Sim
1=Não
5) Entrada em vigor do decreto delegado.
0=Após um período
1=Imediatamente
6)Entrada em vigor do Decreto Constitucional
0=Após um período
1=Imediatamente
7) Limitação temporal da validade do decreto delegado
0=Sim
1= Não
8) Limitação temporal da validade do decreto constitucional
0=Sim
1= Não
9) O executivo possui poder legislativo sob a vigência do Estado de Emergência?
0=não
1=sim
94
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