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OS AGOSTINIANOS NO BRASIL (1914-1962

Os Agostinianos tiveram uma primeira presença no Brasil com a Real Congregação de Agostinhos Reformados, em Salvador, na Bahia (1693-1824). Estabeleceram-se definitivamente no país a partir de 1899, com a vinda dos Agostinianos das Filipinas, uma província espanhola, que implantou missões em São Paulo, Goiás, Minas Gerais e Amazonas. O artigo aborda os inícios dessa presença, resenhando o posterior desenvolvimento com a chegada de outros grupos da Ordem de Santo Agostinho, entre 1914 e 1962.

OS AGOSTINIANOS NO BRASIL (1914-1962) LUIZ ANTÔNIO PINHEIRO, OSA Esta exposição pretende abordar a presença dos Agostinianos no Brasil no período compreendido entre 1914 e 1962. O corte cronológico retrocede um pouco em relação à data proposta por este congresso, pois tive a intenção de esclarecer e de contextualizar como se deu a chegada dos Agostinianos, a fim de compreender a sua atuação no período ora estudado. Devemos recordar que houve uma primeira presença na época colonial. De fato, ainda que pequena, pode-se atestar a presença agostiniana no Brasil por parte da Real Congregação de Agostinhos Reformados portugueses, de 1824 1. Além disso, devemos mencionar a atuação de bispos agostinianos no período colonial, três portugueses e um brasileiro 2, e a presença aventureira de religiosos agostinianos, aqui e acolá durante aquela época 3. O objeto principal deste estudo, no entanto, é a atuação dos Agostinianos no período mais recente, centro da atenção deste congresso. Trata-se, então, de apresentar um bosquejo histórico da pre- 1 Cfr. L.A. PINHEIRO, A Real Congregação de Agostinhos Reformados na Bahia, in Resenha Histórica da Grande Família Agostiniana no Brasil, Belo Horizonte 1992, pp. 15-18. ID., Presença agostiniana no Brasil colonial, in «Archivo Agustiniano», 79 (1995), pp. 77-91. 2 Cfr. R. LAZCANO, Episcopologio Agustiniano, Guadarrama (Madrid) 2014; 3 vol. Frei Antônio de São José ou Antônio Moura Marinho (1704-1779), português de Viana do Minho, foi bispo de São Luís do Maranhão (1756-1778) e preconizado arcebispo de São Salvador da Bahia (1778), mas não tomou posse (III, pp. 2261-2262). Sucedeu-o na sé soteropolitana, em 1779, Frei Antônio Correa (1721-1808), natural do Porto (III, pp. 2263-2264); Frei Vicente do Espírito Santo, natural de Belém, Portugal, foi bispo de São Tomé (1779-1782) e preconizado em 1782 bispo da Prelazia de Goiás, tampouco chegou a tomar posse (III, pp. 2313-2314). Frei Francisco da Assunção Brito (1726-1808), brasileiro de Vila Rica, nas Minas Gerais, foi eleito bispo de Olinda em 1773 e, no mesmo ano, preconizado arcebispo de Goa (1773-1783) (II, pp.1320, 1932-1933). 3 PINHEIRO, Real Congregaçao Agostinhos cit., p. 17. 820 Luiz Antônio Pinheiro, OSA sença dos Agostinianos da Província das Filipinas (1899-1926), da nova Província da Espanha (1926-1962), da Província Matritense (1929-1962), da Província de Castela (1931-1962) e da Província de Malta, cujos religiosos chegam ao país exatamente no final do período estipulado para este certame. Os Recoletos Agostinianos, que chegam ao Brasil alguns meses antes dos Eremitas Agostinianos, em fevereiro do ano de 1899, estenderam-se por muitos lugares do país 4. Durante o período estudado, chegaram ao Brasil outros grupos agostinianos: Cônegas de Santo Agostinho (1902), Religiosas da Assunção (1911), Agostinianas Missionárias (1921), Missionárias Agostinianas Recoletas (1935), Agostinianos da Assunção (1935), Cônegas Regulares do Santo Sepulcro (1948), Agostinianos Descalços (1948) 5, Irmãzinhas da Assunção (1949), Irmãs Oblatas da Assunção (1964), Irmãs Negras de Nossa Senhora (1966), Irmãs Agostinianas Servas de Jesus e Maria (1972). Creio ser necessário buscar uma chave hermenêutica para compreender essa trajetória histórica. Desde o Concílio Vaticano II, a evangelização é uma das categorias centrais de autocompreensão da missão da Igreja. Esta ganhou maior relevância com a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (1975) do Papa Paulo VI. Como nossos maiores entenderam sua missão evangelizadora? Apesar de não utilizarem a expressão “evangelização”, devemos buscar em sua consciência como a entendiam. Com relação ao período que nos toca abordar, basicamente entendê-la-ão de acordo com a mentalidade da época, que insistia numa dimensão jurídico-organizacional da Igreja, com a necessidade de recristianizar a sociedade liberal e laicista, no contexto do acelerado processo de secularização, em curso desde a Revolução Francesa. O mandato missionário irá adquirir particular colorido no contexto da reforma do catolicismo brasileiro em curso desde o final da primeira metade do século XIX até a primeira metade do século XX, na fase de afirmação da Igreja Católica no cenário de modernização da sociedade brasileira. No período que vai de 1930 até o início do Concílio Vaticano II, ocorre uma transição na 4 Cfr. MIRANDA (resp.), Agostinianos Recoletos no Brasil. Album do Centenário, s/l 1999; A. BELMONTE, 100 anos de presença agostiniano-recoleta no Brasil 1899-1999, Rio de Janeiro 2000; E. GONZÁLEZ, Santa Mônica, 50 anos, Rio de Janeiro 1995. 5 Cfr. D. CETERONI, Os Agostinianos Descalços no Brasil 1948-1998, Rio de Janeiro 1998. 821 Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) maneira da Igreja compreender sua presença e missão no mundo, principalmente a partir dos movimentos de renovação. No Brasil há alguns acentos especiais, nos quais a presença agostiniana deverá ser compreendida. Neste estudo não será possível desenvolver este aspecto. Indico-o aqui como interessante campo de pesquisa futura. Há uma série de condicionamentos históricos próprios que incidem na prática evangelizadora dos Agostinianos no Brasil. A primeira delas é a própria circunstância que os levou a iniciar sua presença no país: a Revolução tagala (1898), como já assinalaram com propriedade outros autores 6. Outro grande condicionamento foi a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), que obrigou os Agostinianos, já estabelecidos no país, com campos promissores de apostolado, a reverem sua presença, com uma série de corolários. A diminuição do número de religiosos na Espanha, levou ao fechamento de casas e abandono de atividades significativas a urgência, diante da urgência de suprir as casas e obras na Espanha. Foram períodos de austeridade tanto na Espanha como no Brasil, inclusive com a premência de enviar ajuda econômica às casas das províncias-mãe, principalmente entre as décadas de 1940 e 1960. Houve então a paralisação de várias obras, com o retardo da pretendida inversão na formação. Mesmo assim, cada uma das três comissarias ou vicarias mantinha, em média, nesse período, cerca de trinta religiosos no Brasil, perfazendo um total de cem religiosos no país. I. O CONTEXTO DA ATUAÇÃO DOS AGOSTINIANOS NO BRASIL 1.1. A conjuntura mundial Segundo Eric Hobsbawn, o “curto século XX” foi o século mais violento da história, tendo ceifado vidas numa proporção inigualável, em outras épocas históricas 7. No período que consideramos, estourou a Grande Guerra (1914-1918), cujas consequências mantiveram, por sua vez, o caldeirão em ebulição que finalmente 6 Cfr. María Isabel, VIFORCOS MARINAS, Hispanoamérica, un horizonte alternativo para los agustinos filipinos ante la crisis finisecular: informe y parecer del P. Lobo (1889-90), en «Archivo Agustiniano», 83 (1999), pp. 3-38. 7 Cfr. E. HOBSBAWM, A era dos extremos - O breve século XX, São Paulo 1995. 822 Luiz Antônio Pinheiro, OSA levou à eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Para alguns historiadores, trata-se, no fundo, de uma mesma “grande guerra”, cujos conflitos não foram totalmente resolvidos, perdurando e gerando novos conflitos durante a “Guerra Fria”, período em que os Estados Unidos e a União Soviética irão disputar a hegemonia econômica, política e militar no mundo. 1.1.1. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) Uma série de fatores levou à eclosão da Primeira Guerra Mundial 8, entre os quais os descontentamentos gerados pela “partilha da Ásia e da África”, nos finais do século XIX, entre os países da Europa, principalmente França e Inglaterra, os quais possuíam então diversas colônias, ricas em matéria-prima e grandes mercados consumidores. Alemanha e Itália haviam ficado de fora da “partilha neocolonial”. Somem-se a este, outros fatores como: a disputa por mercados consumidores; a política de alianças, como a Tríplice Aliança, formada em 1882 pela Itália, Império Áustro-Húngaro e Alemanha e a Tríplice Entente, constituída em 1907, pela França, Rússia e Reino Unido; o pangermanismo e o pan-eslavismo; a rivalidade entre França e Alemanha, principalmente após a Guerra FrancoPrussiana; a decadência do Império Otomano. A Europa vivia num contínuo estado de tensão, com um tênue equilíbrio de forças. No final do século XIX os Estados Unidos da América (EUA) começam a despontar como potência mundial, graças ao seu aumento populacional e desenvolvimento industrial e financeiro. Nesse contexto deve-se entender a Guerra Hispano-Americana que levou à perda dos domínios da Espanha para os Estados Unidos, como Cuba no Caribe e as Ilhas Filipinas no Pacífico. Esse acontecimento teve profundas consequências para a Ordem Agostiniana, particularmente nas Filipinas, com os desdobramentos conhecidos em relação à reconfiguração da presença agostiniana nos países ibero-americanos e, de modo especial, numa nova realidade, como o Brasil, objeto de nosso estudo. O colapso do Império Espanhol teve profundas consequências nas gerações seguintes, passando a Espanha por uma conturbada crise econômica e uma contínua instabilidade política que levou, por fim, à Guerra Civil Espanhola (1936-1939), outro aconteci- 8 Cfr. M. HASTINGS, Catástrofe. 1914: a Europa vai à Guerra, Rio de Janeiro 2014; M. MACMILLAN, A primeira guerra mundial, São Paulo 2014. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 823 mento que teve profundo impacto na atuação dos Agostinianos no Brasil, como assinalado acima. Com relação à Grande Guerra, o estopim do conflito se deu com o assassinato de Francisco Ferdinando, príncipe herdeiro do império austro-húngaro, durante sua visita a Saravejo (BósniaHerzegovina), que levou o Império austro-húngaro a declarar guerra à Sérvia em 28 de julho de 1914. A longa guerra de trincheiras e a utilização de novas tecnologias bélicas, como os tanques de guerra e aviões, marcaram esse conflito que adquiriu proporções internacionais com a entrada dos Estados Unidos na guerra, em 1917, ao lado da Tríplice Entente, na defesa dos interesses econômicos mantidos com a França e a Inglaterra. O Brasil também participou, numa escala menor, enviando para os campos de batalha enfermeiros e medicamentos para ajudar os países da Tríplice Entente 9. A entrada dos EUA no conflito ocasionou a vitória da Entente, forçando os países da Aliança a assinarem a rendição. O Tratado de Versalhes impôs fortes restrições e punições aos países derrotados. A Alemanha teve seu exército reduzido, sua indústria bélica controlada, perdeu a região do corredor polonês, teve que devolver à França a região da Alsácia Lorena, além de ter que pagar os prejuízos da guerra aos países vencedores. 1.1.2. O período entre guerras O período compreendido entre o término na Grande Guerra (1918) e o início da Segunda Guerra Mundial (1939) foi marcado por vários acontecimentos mundiais de extrema importância para a compreensão da história mundial, do cristianismo e da Igreja Católica da época contemporânea, particularmente na América Latina 10. Nesse período assistimos à ascensão de regimes totalitários na Europa, como o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, o salazarismo em Portugal e o franquismo na Espanha. Reflexos da situação mundial são os regimes de força também desenvolvi- 9 Cfr. F.L.T. VINHOSA, O Brasil e a Primeira Guerra Mundial, Rio de Janeiro 1990. 10 Cfr. E.D. DUSSEL, Historia de la Iglesia en América Latina, Bogotá 1978; R. KONETZKE, Historia Universal, Siglo veintiuno: América Latina, XXII, Madrid 1971; J.A. GÓMEZ, Historia de la Iglesia en Hispanoamérica, Buenos Aires 1998. 824 Luiz Antônio Pinheiro, OSA dos nos jovens países latino-americanos, como o getulismo no Brasil 11. Após o fracasso da social-democracia, vemos o despontar do fascismo na Itália, com a ascensão de Benito Mussolini. Em 1922 ocorre a Marcha sobre Roma e os fascistas assumem o poder na Itália. Em 1929 é assinado o Tratado de Latrão na Itália, colocando um ponto final na “Questão Romana”: o papa Pio XI reconhece a Itália como país e Mussolini concede ao Vaticano a soberania como Estado Independente 12. Nesse mesmo ano de 1929, ocorre a Quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e a crise econômica afeta a economia de vários países do mundo todo, inclusive a brasileira. Naquele ano houve a queima de um impressionante estoque de café no Porto de Santos, a fim de manter os preços altos. Nas eleições parlamentares alemãs de 1930, o Partido Nacional Socialista (nazista) torna-se o partido com maior representação no Parlamento Alemão. Em 1933, Adolf Hitler torna-se chanceler da Alemanha e começa a implantar o regime nazista na Alemanha e, futuramente nos países ocupados. Em 1933, entra em vigor o New Deal, plano econômico criado pelo governo Roosevelt para tirar a economia norte americana da recessão. Em 1936 tem início a Guerra Civil Espanhola. No ano seguinte, aviões alemães bombardeiam a cidade espanhola de Guernica. Era o apoio de Hitler aos franquistas contra os republicanos. O que ocorria na Espanha foi um ensaio da terrível catástrofe que estava por vir. Em 1938, a Alemanha anexa a Áustria. No ano seguinte, a Polônia é invadida pela Alemanha. França e Inglaterra declaram guerra à Alemanha. Começa a Segunda Guerra Mundial. 1.1.3. A Segunda Guerra Mundial Dentre os motivos que levaram à Segunda Guerra Mundial 13 destaca-se o surgimento, na década de 1930, na Europa de regimes 11 Cfr. G.L. CARNEIRO, O Último Caudilho, Rio de Janeiro 1977; L. VERGARA, Getúlio Vargas Passo a Passo, 1928-1945, Porto Alegre 2000. 12 Cfr. G. MARTINA, História da Igreja, de Lutero aos nossos dias: A era do liberalismo, III, São Paulo 1996, pp. 211-234. 13 Cfr. W. da S. GONÇALVES, A Segunda Guerra Mundial, in D. AARÂO FILHO-J. FERREIRA-C. ZENHA, (orgs), O século XX, Rio de Janeiro 20053, pp. 165193; M. HASTINGS, Inferno – o mundo em guerra, Rio de Janeiro 2014; N. FERGUSON, O Horror da Guerra. Uma provocativa análise da primeira guerra mundial, São Paulo 2014. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 825 totalitários com tendência expansionista, como foi o caso da Alemanha, com o nazismo, liderado por Hitler e o fascismo, na Itália, sob o domínio do “duce” Mussolini, com poderes sem limites. Uma das maneiras de tentar superar a grave crise econômica que assolava esses países, com milhões de desempregados, foi o caminho da industrialização, principalmente na criação de indústrias de armamentos e equipamentos bélicos (aviões de guerra, navios, tanques etc). A Alemanha, desrespeitando o Tratado de Versalhes, invadiu a Polônia (1939) e buscou reconquistar territórios perdidos na guerra anterior. Com a invasão da Polônia, França e Inglaterra declararam guerra à Alemanha. Conforme à política de alianças, logo se formaram dois grupos antagônicos: os Aliados (liderados por Inglaterra, URSS, França e Estados Unidos) e o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). O conflito que se iniciou na Europa, logo envolveu a África e a Ásia. O Japão, que tinha projetos expansionistas no Oriente, compôs assim acordos em comum com a Alemanha e Itália. O período de 1939 a 1941 foi marcado por vitórias do Eixo, enquanto o de 1941 a 1945 é marcado pelas derrotas do Eixo, com as vitórias dos Aliados. Com o ataque da base americana de Pearl Harbor, no Havaí, por parte do Japão, os EUA entram na guerra ao lado dos Aliados. O Brasil participa diretamente, enviando para a Itália (região de Monte Cassino) os pracinhas da FEB, Força Expedicionária Brasileira 14. Os cerca de 25 mil soldados brasileiros conquistam a região, somando uma importante vitória ao lado dos Aliados. O conflito teve fim em 1945, com a rendição da Alemanha e Itália. O Japão, último país a assinar o tratado de rendição, ainda sofreu um forte ataque dos Estados Unidos, que despejou bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki. Uma ação desnecessária que provocou a morte de milhares de cidadãos japoneses inocentes, deixando um rastro de destruição nestas cidades. Os prejuízos foram enormes, principalmente para os países derrotados. Foram milhões de mortos e feridos, cidades destruídas, indústrias e zonas rurais arrasadas e dívidas incalculáveis. O racismo esteve presente e deixou uma ferida grave, principalmente na Alemanha, onde os nazistas mandaram para campos de concen- 14 Cfr. L. PINHEIRO, A entrada do Brasil na segunda guerra mundial, in «Revista USP (Sâo Paolo)», n. 26 (1995), pp. 108-119; G. MOURA, Sucessos e ilusões: relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial, Rio de Janeiro 1991. 826 Luiz Antônio Pinheiro, OSA tração e mataram aproximadamente seis milhões de judeus 15. No total, um saldo devastador: mais de 30 milhões de feridos, mais de 50 milhões de mortos e outras perdas incalculáveis, com um custo material superior a 1 bilhão e 300 milhões de dólares. Com o final do conflito, em 1945, foi criada a ONU (Organização das Nações Unidas), cujo objetivo principal seria a manutenção da paz entre as nações. Inicia-se também um período conhecido como Guerra Fria, colocando agora, em lados opostos, Estados Unidos e União Soviética. Uma disputa geopolítica entre o capitalismo norte-americano e o socialismo soviético, onde ambos os países buscavam ampliar suas áreas de influência sem entrar em conflitos armados. 1.1.4. O período da “guerra fria” Enquanto a União Soviética, ou União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas (URSS) se baseava numa economia planificada, com um único partido (Partido Comunista), igualdade social e governo ditatorial, os Estados Unidos da América (EUA) defendiam a expansão do sistema capitalista, baseado na economia de mercado, sistema democrático e propriedade privada 16. Na segunda metade da década de 1940 até 1989, Estados Unidos e União Soviética buscaram implantar em outros países os seus sistemas políticos e econômicos. Do ponto de vista econômico, cada potência desenvolveu planos e estratégias para auxiliar suas respectivas áreas de influência. No final da década de 1940, os EUA colocaram em prática o Plano Marshall, oferecendo ajuda econômica, principalmente através de empréstimos, para reconstruir os países capitalistas afetados pela Segunda Guerra Mundial. Já o COMECON foi criado pela URSS em 1949 com o objetivo de garantir auxílio mútuo entre os países socialistas. Teoricamente, a “guerra fria” define-se como “um conflito que aconteceu apenas no campo ideológico”, sem um embate militar declarado e direto entre EUA e URSS. No entanto, a tensão e o conflito continuavam latentes, por meio de uma desenfreada “corrida armamentista”, em que ambas as potências espalhavam por todo o 15 Cfr. R. CYTRYNOWICZ, Memória da barbárie: a historia do genocídio dos judeus na Segunda Guerra Mundial, São Paulo 1990; M. GILBERT, O holocausto: uma história dos judeus da Europa durante a Segunda Guerra Mundial, São Paulo 20102. 16 Cfr. J.A. DIAS JUNIOR, Guerra Fria – A Era do Medo, São Paulo 1996. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 827 mundo exércitos e armamentos, com mísseis apontados respectivamente para suas zonas de influência. Pairava no ar a contínua ameaça de uma “guerra nuclear”. Os dois blocos militares, formados pela OTAN e pelo Pacto de Varsóvia, cujos objetivos eram, através de um equilíbrio de forças e zonas de influência, manter os interesses econômicos e militares dos países membros, administravam, uma frágil e perigosa “paz armada”. A OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, abril de 1949, liderada pelos EUA, tinha suas bases principalmente na Europa Ocidental, em países como o Canadá, Itália, Inglaterra, Alemanha Ocidental, França, Suécia, Espanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Áustria e Grécia. O Pacto de Varsóvia, comandado pela URSS, firmado em 1955, arregimentava os países do bloco socialista, entre os quais Cuba, China, Coreia do Norte, Romênia, Alemanha Oriental, Albânia, Tchecoslováquia e Polônia. No entanto, ambas as potências alimentaram conflitos bélicos em outros países, tais como a Coreia e o Vietnam. A guerra da Coreia (1951-1953), dividiu o país em dois, a Coréia do Norte, sob a influência soviética e a Coreia do Sul, sob a influência americana. Na guerra do Vietnã, em cujo conflito intervieram EUA e URSS, e que estendeu-se de 1959 a 1975, perderam a vida milhares de militares e civis, tornando-se por fim o país território soviético. Some-se a isso a disputa pelas conquistas espaciais, que visavam demonstrar ao mundo quem possuía os mais avançados recursos tecnológicos e assegurar assim a sua hegemonia. Em 1957, a URSS lança o foguete Sputnik com um cão dentro, o primeiro ser vivo a ir para o espaço. Doze anos depois, em 1969, o mundo todo pôde acompanhar pela televisão a chegada do homem a lua, com a missão espacial norte-americana. Do ponto de vista ideológico, os EUA lideravam em seu território e em sua área de influência, uma forte política de combate ao comunismo, divulgando através dos meios de comunicação o american way of life, enquanto a ideologia do macartismo (cfr. senador republicano Joseph McCarthy) identificava o socialismo com tudo o que houvesse de ruim no mundo. Segundo Winston Churchill, os países da “Cortina de Ferro”, dominados pela União Soviética, tinham perdido os mais altos valores ocidentais, tais como a democracia e a liberdade. Por sua vez, a URSS abominava tudo o que fosse a “degeneração ocidental”, promovendo uma perseguição a todos os que não seguiam as regras do Partido Comunista, estabelecido nos países de sua influência. Estabeleceu- 828 Luiz Antônio Pinheiro, OSA se uma guerra de investigação e espionagem, capitaneadas pela CIA, do lado americano, e pela KGB, do lado soviético. No final da década de 1980, avolumou-se a crise que levou ao colapso do regime soviético internacional. A “Queda do Muro de Berlim” (1989), levantado em 1961, para dividir a cidade na parte capitalista e socialista, assinala simbolicamente o fim da “guerra fria”, ocorrendo então a unificação das duas Alemanhas, que haviam sido divididas, após a Segunda Guerra, em duas áreas de ocupação entre os países vencedores. 1.2. A conjuntura nacional No compasso do crescimento do capitalismo internacional nos finais do século XIX e inícios do século XX, reforçam-se na América Latina os liames de dominação colonial, com a tácita aliança entre as oligarquias dominantes e o capitalismo monopolista. No Brasil, consolida-se, nesse período, uma economia agroexportadora, ligada à cultura do café, diretamente dependente da Inglaterra, cujos capitais controlam, até 1914, grande parte do comércio exportador, financiando igualmente grande parte da produção brasileira. Em 15 de novembro de 1889, após quase sete décadas, cai a monarquia, com o fim do Império do Brasil. A proclamação da República, acontecimento que o povo acolheu sem entusiasmo, de forma apática e indiferente, representava os interesses das oligarquias dominantes, principalmente, da grande lavoura de café e produção pecuarista dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, a cognominada “política do café com leite”. O governo republicano promulgou em 1891, a segunda Constituição do Brasil, inspirada no modelo norte-americano, consagrando o princípio de federação, com a concessão de ampla autonomia às unidades. Desenvolve-se no período da Primeira República (1899-1929) um complexo sistema de hierarquias e lealdades conhecido como “coronelismo”, com jogos de poder bem articulados e fechados no nível local e regional, estadual e federal. Tal sistema oligárquico-coronelístico, pautado numa política exclusivista beneficia a burguesia agrária, apoiada e protegida pelo Estado. A dependência do funcionamento do mercado internacional, com sua oscilação de preços, vinculado ao jogo de forças dos grandes centros consumidores, levava a uma “socialização das perdas”, que implicava num pesado ônus sobre o conjunto das popu- Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 829 lações, com uma sistemática marginalização dos demais Estados da Federação. A ideologia da classe liberal-burguesa, diretamente associada ao capitalismo agro-exportador, é o “positivismo”, com sua fé inquebrantável num progresso retilíneo, sustentada por uma concepção cientificista da realidade, que dispensa toda explicação e justificativas religiosas. Cristianismo e Igreja são considerados “forças retrógradas e obscurantistas”, cuja sobrevivência só se justifica pela utilidade moral que possa desempenhar entre o povo. Após a Primeira Grande Guerra, inicia-se o lento processo de industrialização e urbanização da sociedade brasileira, com a paulatina ascensão social e política das classes médias urbanas e dos setores assalariados que pleiteiam maior participação política, com o previsto fim das oligarquias agrárias. A década de 1920 caracterizou-se por um período de crise generalizada, marcada por grande instabilidade político-social, com estagnação da economia, inflação acelerada e enorme déficit orçamentário. Em 1922, forma-se o Partido Comunista Brasileiro e realiza-se a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, marco de novos tempos e aspirações, principalmente por parte das classes médias urbanas, e as contestações e protestos, por parte dos assalariados. As sucessivas crises e a grande depressão internacional, a partir da quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929, levam a uma nova articulação das forças políticas, que culminou na destituição do governo de Washington Luís (1926-1930), com a revolução de 1930. Getúlio Vargas (1930-1934), que sucedeu o governo deposto, aproveita a “crise de hegemonia” e consegue domesticar as forças de oposição, implantando pouco a pouco uma política de controle por parte do Estado. Abafada a Revolução Constitucionalista de 1932, Vargas consegue articular a promulgação da segunda Constituição Republicana (1934), de teor liberal-democrático. Eleito presidente constitucional para o mandato 1934-1938, Vargas consegue contornar as forças paralelas que ameaçam seu poder pessoal, através da dissolução da Aliança Nacional Libertadora (ANL), após a fracassada “Intentona Comunista”, em 1935, com a proscrição da Ação Integralista Nacional, em 1937. Visando desfazer um suposto “plano de ação revolucionária da esquerda”, Getúlio Vargas desfecha um golpe de Estado e promulga uma nova Constituição (10/11/1937), de molde fascista, implantando o Estado Novo, que, veladamente nutria simpatias pelos governos totalitários da Europa. 830 Luiz Antônio Pinheiro, OSA De fato, de 1937, após o golpe de Estado de Getúlio Vargas, até 1945, o Brasil viveu um período de ditadura, contraditoriamente chamado o “Estado Novo”. Durante a II Guerra, o Brasil colocou-se na linha dos Aliados, contra o Eixo. Paradoxalmente, o país enviou soldados para a “defesa dos ideais democráticos”, enquanto internamente estava sob um regime ditatorial 17. De 1945 a 1963, o país viveu um novo período democrático, realizando sua “revolução industrial”, em que se observam fenômenos como o crescimento das cidades, a partir do êxodo rural; a diversificação de atividades econômicas; o fortalecimento das burguesias urbanas; e a necessidade de uma política liberal, que alinhasse o Brasil ao compasso do mercado internacional. O mais famoso dos Presidentes da República deste período foi Juscelino Kubitscheck (1956-1961), cujo lema era “50 anos em 5”. Dentre as suas grandes obras, no projeto de “modernização” do Brasil encontra-se a construção de Brasília, para onde se transferiu a capital federal, inaugurada em 21 de abril de 1960. Sucedeu Juscelino o presidente Jânio Quadros, que governou o país de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto de 1961, ocasião em que renunciou, pressionado por “forças ocultas”. Com sua renúncia abriu-se uma crise, que levou ao estabelecimento de um breve período de parlamentarismo, revogado por um plebiscito em 6 de janeiro de 1963. Tanto Jânio Quadros como seu Vice haviam sido eleitos democraticamente, por seus respectivos partidos, Partido Trabalhista Nacional (PTN) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) com o apoio da União Democrática Nacional (UDN). Setores conservadores da sociedade, como os grandes proprietários rurais, a burguesia paulista, uma grande parte das classes médias urbanas (que na época girava em torno de 35% da população total do país) e o setor conservador e anticomunista da Igreja Católica (na época majoritário dentro da Igreja) apoiaram o golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 18. O golpe estabeleceu um regime autoritário e nacionalista, alinhado ao capitalismo internacio- 17 Cfr. T.E. SKIDMORE, Brasil: de Getúlio a Castelo, São Paulo 1976. Cfr. C. CASTELO BRANCO, Os militares no poder, Rio de Janeiro 1976; P. PARKER, O Papel dos Estados Unidos da América no Golpe de Estado de 31 de Março, Rio de Janeiro 1977; T.E. SKIDMORE, Brasil: de Castelo a Tancredo, São Paulo 1988; J. FERREIRA-L. DELGADO (orgs.), O Brasil Republicano: o tempo da ditadura - regime militar e movimentos sociais em fins do século XX, Rio de Janeiro 2003; M. NAPOLITANO, 1964: História do Regime Militar Brasileiro, São Paulo 2014. 18 Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 831 nal, iniciando um período de profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. O regime militar durou até 1985, quando Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o primeiro presidente civil desde 1964. 1.3. A situação da Igreja no mundo Ainda que a história da Igreja não se reduza à “história dos papas”, os pontificados ajudam a traçar um marco cronológico, que nos permite situar e interpretar os grandes acontecimentos da história do próprio cristianismo 19. Darei apenas algumas pinceladas acerca da vida da Igreja, tendo como corte cronológico o pontificado dos papas desse período. A Grande Guerra (1914-1918) coincide com os inícios do pontificado de Bento XV (1914-1922), o qual foi categórico em sua condenação da guerra, por ele chamada de “horrenda carnificina que desonra a Europa”. Bento XV, apesar das expectativas dos países beligerantes, nunca tomou partido por nenhum deles, mantendo uma nobre neutralidade, com insistentes apelos em favor da paz, fazendo tudo o que estava em seu alcance em favor das vítimas. Sua encíclica programática Ad beatissimi (1914), além de lançar um caloroso apelo à paz entre as nações, deixa entrever uma condenação implícita ao integrismo, com o objetivo de frear o clima persecutório da campanha anti-modernista que se desenvolvera no período anterior. Esse papa deu um grande impulso à atividade missionária, cujo programa inovador se depreende de sua encíclica Maximum illud (1919). Em seu pontificado foi promulgado o novo Código de Direito Canônico, coroamento do ingente trabalho começado sob Pio X. Pio XI (1922-1939), adversário declarado do espírito laicista, que queria excluir a Igreja da vida social, empenha-se pela “recristianização da sociedade”, como o explicita o seu lema Pax Christi in regno Christi, com o fito de restaurar a cristandade em moldes renovados. A sua encíclica Ubi arcano (1922) anunciava o seu programa de um “catolicismo combatente”. Pretendeu-se banir Cristo da sociedade, mas era necessário então reconhecer e proclamar sua 19 H.C.J. MATOS, A Igreja na época de Bento XV (1914) a Paulo VI (1978), in História do Cristianismo. Estudos e Documentos. Período Contemporâneo, IV, Belo Horizonte 1992, p. 273. 832 Luiz Antônio Pinheiro, OSA suprema soberania sobre o mundo, conclamando o orbe católico a prestar o devido culto a Cristo rei do Universo (cfr. encíclica Quas primas, do Ano Santo de 1925). Nessa direção deve-se compreender, entre outros aspectos, sua política de concordatas com os diversos Estados e a arregimentação dos leigos na Ação Católica. Entre os sinais de uma verdadeira renovação da vida eclesial, cuja dupla vertente encontra-se ad intra no retorno às fontes e ad extra na presença cristã no mundo, encontra-se a continuidade do impulso missionário, iniciado pelo seu antecessor, com a valorização das Igrejas particulares e a implantação de hierarquias próprias. Há uma passagem de uma atitude de simpatia inicial pelo nacional-socialismo e o fascismo, que defendiam princípios caros ao catolicismo, como a valorização da ordem-disciplina e o respeito à autoridade, para um progressivo distanciamento dos ideais totalitários, com a adoção de uma postura de resistência e mesmo condenação de sua ideologia. Pio XI pensava poder servir-se dos novos regimes de força para restaurar o “Estado cristão”, sobretudo na Itália. No entanto, pouco tempo depois dos Tratados de Latrão, começam a deteriorar-se as relações entre a Igreja e o fascismo, cujo ápice encontra-se na explícita condenação do Estado totalitário fascista na encíclica Non abbiamo bisogno (1931), onde se declara o inalienável direito da Igreja em relação à educação da juventude. A malfadada concordata com o Reich, levou a uma condenação do nacional-socialismo, com a encíclica Mit brennender Sorge (1937). Para Pio XI não há, por outro lado, possibilidade de conciliar “marxismo” com “cristianismo”. O papa não tergiversava em sua radical condenação ao comunismo. Sucedeu Pio XI o seu Secretário de Estado, Eugenio Pacelli, que adotou o nome de Pio XII (1939-1958). Pio XII, como grande líder moral de seu tempo, pretendia traçar para os católicos e para a humanidade em geral, as vias de reconstrução, a partir de sua fé incondicional na missão universal da Igreja Católica. No seu governo encontramos as notáveis evoluções no campo teológico, bíblico e litúrgico, como se percebe em três de suas grandes encíclicas: Mystici Corporis (1943), sobre o conceito de Igreja; Divino Afflante Spiritu (1943), sobre os estudos bíblicos e Mediator Dei (1947), sobre a liturgia. Papa Pacelli procurou fortalecer a unidade da Igreja, apresentando-a como uma força regeneradora, para o que era necessária uma centralização eclesiástica. Na sua opinião, no meio da confusão da sociedade moderna, a Igreja deveria ser um baluarte seguro, firmemente defendido pelo magistério romano. O Ano santo de 1950 assinala uma mudança dentro de seu pontificado, na direção de uma Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 833 atitude nitidamente conservadora, em que se multiplicam as advertências, censuras e punições, como se pode entrever na Humani generis (1950) que, entre outros aspectos, pretendia frear a nouvelle théologie; intervenções contínuas contra o comunismo; reprovação dos “cristãos progressistas”, declarações pouco favoráveis à co-gestão das empresas pelos operários; no campo pastoral exortava a uma maior prudência nas relações com os não-católicos; houve também a interrupção da experiência dos padres operários. No entanto, crescem e desenvolvem-se no seu pontificado os movimentos de renovação que encontrariam “cidadania eclesial” no Concílio Vaticano II: movimento litúrgico, nova consciência da Igreja, de caráter mais cristocêntrico e comunitário, em vez de jurídico-estrutural; revalorização do leigo, com o incremento da Ação Católica especializada e a propagação da consecratio mundi, com destaque para os futuros Institutos Seculares; na atividade missionária, coloca-se em evidência a necessidade de inculturação e desocidentalização. Frente o ecumenismo, Pio XII defende a unicidade do catolicismo, único depositário da verdade total. Dos quase 20 anos que durou o pontificado de Pio XII, seis foram ocupados pela Segunda Guerra Mundial, durante os quais o Papa não cessou de fazer frequentes e ardorosos apelos à paz. Muito se discutiu sobre os famosos “silêncios” de Pio XII durante a guerra, sobretudo a partir da problemática levantada pela peça de Hochhuth, O Vigário (1963). Como Bento XV, Pio XII optou resolutamente pela imparcialidade no conflito bélico, não tomando partido de nenhuma das potências beligerantes. Apesar das duras críticas, não se deve esquecer que “a paixão do Papa pela neutralidade estava a serviço de uma verdadeira obsessão pela paz”. Pio XII recorreu também à política de Concordatas. Durante o seu governo se concluíram três, todas com regimes totalitários: com Portugal de Salazar (1940), com a Espanha de Franco (1953) e com a República de Santo Domingo (1954). De particular significado histórico para a história dos Agostinianos na Espanha, foi o acordo entre a Igreja e a Espanha. Com a vitória do generalíssimo Franco, oferecia-se à Igreja uma oportunidade inédita para implantar na Espanha o “Estado Católico”, antiga aspiração da política eclesiástica conservadora, que defendia o tradicional axioma que “só a verdade tem direito à liberdade”. A religião católica é reconhecida como a única religião do Estado espanhol com todos os direitos e prerrogativas inerentes a esse seu status oficial. A Igreja é considerada uma “sociedade perfeita” com plena soberania, tendo como incumbência espe- 834 Luiz Antônio Pinheiro, OSA cífica ser a educadora da consciência nacional. Não resta dúvida que numa Europa pós-guerra em vias de redemocratização e com crescente secularização da sociedade, a figura de neocristandade hispânica constituía um anacronismo histórico que só conseguiu manter-se enquanto durava a ditadura franquista. João XXIII (1958-1963) sucede Pio XII, num conclave cujo resultado foi uma total surpresa, para a Igreja e para o mundo. Na imprensa falava-se de um “papa de transição”, um “simples homem de bem” que não “faria história”. A realidade mostrar-se-á radicalmente diferente. Desde o início João XXIII deixa bem claro qual será a inspiração básica de seu pontificado: o Papa quer ser um bom pastor, atento aos “sinais dos tempos”, com uma Igreja que se posiciona diante do mundo, inserida no mundo e não contra ele; não quer “condenar os erros” dos tempos modernos contrastandoos com as “verdades eternas”, mas nutre-se de um profundo otimismo, preconizando uma “espiritualidade da esperança”. João XXIII passou à história como “o Papa do Concílio” (1962-1965). João XXIII concebeu o Vaticano II não como um concílio de restauração, e sim como um concílio de aggiornamento; não como um concílio de anátemas, e sim como um concílio pastoral. Um dos últimos atos importantes do Papa Bom foi a promulgação da encíclica Pacem in terris (1963), sobre a paz universal, dirigida não apenas aos católicos, mas a “todos os homens de boa vontade”. Paulo VI (1963-1978) dará continuidade à obra de João XXIII, levando avante o Concílio Vaticano II, o maior evento eclesial do século XX e dos inícios do terceiro milênio. 1.4. A situação da Igreja no Brasil Logo após a proclamação da República (15/11/1889), o novo governo promulga o decreto 119/A de 07/01/1890, no qual oficializa a separação da Igreja e do Estado, com a extinção do Padroado; proclama ainda a liberdade de culto e concede a capacidade jurídica das religiões de formarem associações; laiciza o casamento civil e o registro de nascimentos, casamentos e óbitos, secularizando os cemitérios, colocados agora sob o controle municipal. O catolicismo deixa de ser a religião oficial do Estado 20. Os bispos do 20 Cfr. A.M.M. RODRIGUES, A Igreja na República. Seleção e introdução (Biblioteca do Pensamento Politico Republicano 4), Brasília 1981. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 835 Brasil não tardaram a expressar sua apreensão e indignação, apontando a “apostasia republicana” como o “pecado original” do novo regime. No entanto, a Igreja no Brasil libertava-se da asfixiante tutela do Padroado imperial, com a oportunidade ímpar de uma redefinição do seu papel no cenário nacional, podendo agora dedicar-se com maior empenho e liberdade à sua missão propriamente pastoral e espiritual 21. Passada a primeira década de incertezas, pouco a pouco o episcopado nacional buscará um novo modus vivendi com o novo regime, ensaiando novas estratégias para consolidar sua identidade e marcar presença na sociedade brasileira, em vias de profundas transformações. As primeiras reuniões dos bispos centram-se na busca de um caminho de articulação frente à nova realidade, tendo como referência fundamental a filial obediência ao Romano Pontífice, fortalecendo assim o movimento ultramontano que, no Brasil, começara a tomar vulto na segunda metade do século XIX. O processo de reforma ou romanização do catolicismo brasileiro, ocorrido entre a segunda metade do século XIX e adentrada a segunda década do século XX, representou para a Igreja do Brasil, de maneira geral, um enquadramento na mentalidade e disciplina tridentina 22. Os bispos, afinados com o movimento ultramontano, principalmente no final do Império e na época da proclamação da República, atuaram, programaticamente, na seguinte direção: moralização e formação do clero, neutralização das antigas Irmandades, controle da religiosidade popular e enquadramento das associações tradicionais, principais veiculadoras do espírito tridentino. A realização do Concílio Plenário Latinoamericano em Roma (1899) será a grande oportunidade em que os bispos da América Latina começam a despertar para uma consciência colegial, iniciando-se um longo processo de germinação, crescimento e amadurecimento, cuja expressão mais vigorosa revelar-se-á na Conferência Episcopal de Medellín (1968). A partir da década de 1930, a Igreja, afirmava-se cada vez mais no cenário nacional, demonstrando sua força de persuasão das massas e influência na área social e até mesmo política, como foi 21 Cfr. O.F. LUSTOSA, A Igreja Católica no Brasil República, São Paulo 1991. 22 Cfr. D.R. VIEIRA, O proceso de reforma e reorganização da Igreja no Brasil (1844-1926), Aparecida 2007. 836 Luiz Antônio Pinheiro, OSA o caso da elaboração dos esquemas da Constituição de 1934, cognominada a “Constituição Católica”. Na época da ditadura getulista, procurou o caminho da “conciliação” e na época de maior abertura, colaborou com o governo e a sociedade civil através de muitos projetos na área social, particularmente no Nordeste e Sul do país. Incentivou a formação de sindicatos católicos e a Liga Eleitoral Católica (LEC), que visava até mesmo formar um grande Partido Católico Nacional. Pastoralmente, sua grande preocupação concentrava-se em tirar o povo da indiferença e “ignorância” religiosa, principalmente na área rural. Nas cidades travava uma luta ferrenha contra o laicismo, a maçonaria, o protestantismo, o espiritismo e o comunismo. Daí a importância de estar presente, através dos leigos, nos sindicatos, nos partidos políticos, na “boa imprensa”, em muitas obras sociais e principalmente no campo do ensino e educação da juventude. Merece destaque a atuação da Ação Católica, em vários níveis, especialmente entre o operariado e a juventude. No Brasil, os apelos de Pio XI confirmam e incentivam a própria atuação do episcopado nacional, fortemente empenhado, há tempos já, em reafirmar a influência da Igreja no país. Destaca-se no cenário nacional a atuação do arcebispo do Rio de Janeiro, o Cardeal Dom Sebastião Leme, que insistia numa melhor coordenação das forças sociais católicas, a fim de que a Igreja pudesse influir eficazmente nas estruturas sócio-políticas eivadas do espírito laicista da Constituição de 1891. Em 1922 ele criara com esta finalidade a Confederação das Associações Católicas do Rio de Janeiro, iniciativa que se irradia em âmbito nacional. De fato, muito antes da oficialização da Ação Católica no Brasil (1935), já existia no país uma intensa movimentação de leigos que na década de 1920 ultrapassa largamente os limites das pias associações e começa a atuar em áreas de imprensa e ensino, além de influir entre a elite intelectual, como foi o caso do Centro Dom Vital e a revista A Ordem, no Rio de Janeiro e, posteriormente, O Diário, em Belo Horizonte. Um dinamismo contagiante invade todas essas iniciativas: reconquistar o Brasil para o Cristo; devolver ao país sua genuína identidade: O Brasil é uma nação eminentemente católica! Um espírito triunfalista acompanha o processo de recuperação do prestígio social da Igreja, chegando à euforia de “uma nova ordem cristã” com sensação de uma efetiva realização da soberania de Cristo-Rei. Os Congressos Eucarísticos nacionais, que congregavam 200 mil, 500 mil pessoas demonstravam a força de convocação da Igreja. Apoteótica foi a visita da ima- Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 837 gem de Nossa Senhora Aparecida, declarada padroeira do Brasil, à então capital federal, em 1931, que congregou mais de um milhão de pessoas. No mesmo ano era solenemente inaugurada no alto do morro do Corcovado a estátua do Cristo Redentor. Em 1952 é fundada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), fruto maduro dos persistentes esforços na linha do “afeto colegial”, em curso no país desde os inícios do século XX. A CNBB constitui um março decisivo na história da Igreja no país e assenta solidamente as bases teológicas, jurídicas e organizacionais da Pastoral de Conjunto em âmbito nacional. A fundação da CNBB nasceu do sonho e do empenho de dar ao episcopado maior unidade de pensamento e de ação, numa sociedade em rápido desenvolvimento, garantindo uma estrutura permanente, que facilitasse o exercício da comunhão e da corresponsabilidade na missão própria dos bispos. Participaram da reunião de fundação os cardeais, os arcebispos ou seus representantes e o Núncio Apostólico, Dom Carlo Chiarlo. Dom Hélder Câmara é considerado a “alma” da criação desta entidade. Em 1955 reúne-se no Rio de Janeiro a primeira Conferência do Episcopado da América Latina, cujo principal fruto foi a criação do Conselho Episcopal Latino-Americano, o CELAM. Nessa conferência, os bispos afirmam que o objetivo central de seu trabalho foi deter-se sobre “o problema fundamental que aflige nossas nações, a saber: a escassez de vocações”. Conectada com a Ação Católica, o tema das vocações deve envolver a todos: hierarquia, religiosos e laicato. Por fim, os prelados lançam um olhar sobre a “situação angustiosa” que vivem os muitos habitantes do Continente, principalmente os trabalhadores do campo e da cidade, situação material que “repercute forçosa e inevitavelmente na vida espiritual dessa numerosa população”. A catequese aparece como uma das preocupações mais candentes dos bispos e dos sacerdotes. Nesse sentido, no que tange ao “importantíssimo tema da instrução catequética”, urge a criação do Departamento Catequético Diocesano em cada diocese e a Confraria da Doutrina Cristã em cada paróquia, previstos pelo Código de Direito Canônico. Outro tema, associado a esse, de capital importância é o papel da escola católica na sociedade, como força moralizadora e cristianizadora, formadora de bons cristãos e católicos cidadãos. A luta pela escola católica no Brasil vinha acontecendo desde os inícios da República. Interessados e envolvidos nessa questão encontravam-se os institutos religiosos, que possuíam uma considerável presença no campo da educação. Os bispos 838 Luiz Antônio Pinheiro, OSA manifestam, por fim, uma particular preocupação com as paróquias rurais, onde concentra-se a maioria da população católica. 1.5. Contexto imediato da vinda dos Agostinianos para o Brasil Dois foram os fatores que confluíram para a vinda dos Agostinianos para o Brasil, tanto para os Agostinianos Recoletos como para os Agostinianos Eremitas, os quais chegaram ao Brasil no ano de 1899. Estes fatores confluentes foram a independência das Filipinas e a realização do Concílio Plenário Latino-americano em Roma. Uma vez que o tema da revolução tagala e a independência das Filipinas, com suas consequências para a Ordem Agostiniana já foi abordado com propriedade por outros peritos 23, limito-me aqui a apontar o significado do Concílio Plenário Latino-Americano para a Igreja do Brasil e para a Ordem Agostiniana. Leão XIII (1878-1903) expressa em sua carta convocatória Cum diuturnum (25/12/1898) o desejo de reunir e consultar o conjunto do episcopado latino-americano, com o objetivo de assegurar a “unidade da disciplina eclesiástica”, bem como a “santidade de costumes”, a fim de que a Igreja pudesse “gozar publicamente da prosperidade”. O Concílio realizou-se no Colégio Pio LatinoAmericano, entre 28 de maio e 9 de julho de 1899 24. Participaram treze arcebispos e quarenta bispos, sendo onze do Brasil. Os decretos do Concílio foram promulgados pelas Letras 23 Cfr. entre outros R. PANIAGUA MIGUEL, La diáspora de los Agustinos de Filipinas después de 1898, in La ripresa dell’Ordine: Gli Agostiniani tra 18501920. Congresso dell’Istituto Storico Agostiniano. Roma 15-19 ottobre 2012 (Studia Augustiniana Historica 18), Institutum Historicum Augustinianum, Roma 2012, pp. 278-314; P. GARCÍA GALENDE, The Philipino-Spanish War. The three generals who lost an empire 1896-1898, in Ib., pp. 725-784; I. RODRÍGUEZ RODRÍGUEZ, Los agustinos en la revolución hispano-filipina (1896-1899), in «Archivo Agustiniano», 79 (1995), pp. 137-173; T. APARICIO, Teófilo. La persecución religiosa y la Orden de San Agustín en la independencia de Filipinas, in «Estudio Agustiniano», 7 (1972), pp. 71-104, 589-628. 24 Cfr. O. KÖHLER, La Iglesia del mundo ibérico entre la Revolución y la reacción, in H. JEDIN, Manual de Historia de la Iglesia, VIII, Barcelona 1978, pp. 203-205; M. BARBOSA, Apéndice n.14. Da promulgação e execução dos decretos do Concílio Plenário da América Latina, in A Igreja no Brasil (notas para a sua história), Rio de Janeiro 1945, pp. 318-320; H. PIRES, O Concílio Americano, in Temas de História Eclesiástica do Brasil, São Paulo 1946, pp. 407-410. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 839 Apostólicas Jesus Christi Ecclesiam (01/01/1900), em cujo documento transparece de modo inequívoco o objetivo de “alinhar a Igreja da América Latina às diretrizes romanas” 25: insiste-se no aspecto jurídico-hierárquico da organização eclesiástica e incentiva os bispos a uma maior aproximação com a Santa Sé. No final do Concílio, os bispos brasileiros manifestam ao Papa a conveniência de se convocar uma assembleia semelhante para a realidade brasileira. O Papa sugeriu que os metropolitas reunissem seus bispos sufragâneos em conferências provinciais, com o objetivo de buscar soluções para as questões mais urgentes e preparar material para um concílio provincial. Essa prática efetivar-se-á durante as três primeiras décadas do século XX. Na época da proclamação da República (1899), a Igreja no Brasil organizava-se em apenas uma província eclesiástica (arquidiocese de São Salvador da Bahia) e onze dioceses, com uma população de aproximadamente treze milhões de habitantes. A liberdade religiosa concedida pela Constituição de 1891 permitiu a criação de novas circunscrições eclesiásticas. A instâncias do primaz do Brasil, em representação de seus bispos sufragâneos, Leão XIII, pela Bula Ad Universas Orbis Ecclesias (27/04/1892), começa a reorganização da Igreja no Brasil. Foi criada uma nova arquidiocese, a de São Sebastião do Rio de Janeiro. Até o final do século XIX, por volta de 1900, nas duas províncias eclesiásticas havia 17 circunscrições eclesiásticas. Dez anos mais tarde seu número já se eleva a 30 e, em 1930, o Brasil tem 88 circunscrições eclesiásticas 26. Com a criação de novas províncias eclesiásticas no Brasil, multiplicam-se as conferências episcopais, das quais normalmente saem as determinações e orientações pastorais, especificadas nas cartas pastorais 27. Dentre estas, destaca-se, por exemplo, a Pastoral 25 Cfr. H.C.J. MATOS, Nossa história: 500 anos de presença da Igreja Católica no Brasil: Período Republicano e atualidade (Igreja na Historia), III, São Paulo 2003, pp. 31-32. 26 Cfr. P.R. OLIVEIRA, Religião e dominação de classe: gêneses, estrutura e função do catolicismo romanizado, Petrópolis 1985, p. 293. Para uma exposição minuciosa da criação das várias circunscrições eclesiásticas até 1947, cfr. J.B. LEHMANN, O Brasil católico. 1947. Sinopse da hierarquia eclesiástica brasileira, inclusive Ordens e Congregações Religiosas, Juiz de Fora 19475, Confrontar, para informações mais precisas e atuais, o Anuário Católico, publicado em conjunto pela CNBB, CERIS e CRB. 27 Para esse aspecto, cfr. BARBOSA, A Igreja no Brasil cit., pp. 81-86, 145163; PIRES, Conferências Episcopais cit., pp. 410-412; J.C. de S. ARAÚJO, Igreja católica no Brasil. Um estudo de mentalidade ideológica, São Paulo 1986, pp. 22-41. 840 Luiz Antônio Pinheiro, OSA Coletiva de 1915 28, que norteará os rumos da Igreja no Brasil até o Concílio Plenário Brasileiro que reunir-se-á, finalmente, em 1939 29. Essa experiência de “afeto colegial” é que irá preparar pouco a pouco os caminhos, como assinalado acima, para a concretização de um evento de suma importância para a Igreja do Brasil: a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 1942. Conhecer as determinações das conferências episcopais de cada província eclesiástica ajuda a compreender o terreno eclesial no qual os Agostinianos atuarão na primeira etapa de sua presença no Brasil, antes do Concílio Vaticano II. Com a separação da Igreja e do Estado, foi possível restaurar as antigas Ordens Religiosas (Beneditinos, Carmelitas e Franciscanos, principalmente) e revitalizar a vida religiosa e a pastoral da Igreja no Brasil com a vinda de numerosos missionários e missionárias europeus. Entre 1890 e 1930 chegam 31 congregações masculinas, sendo fundada uma no Brasil, enquanto somam-se 71 congregações femininas estrangeiras e 22 fundações brasileiras 30. É nesse período que chegam os vários ramos agostinianos no Brasil. Um dos fatores que explicam esse fenômeno refere-se à política anticlerical de vários países europeus nos inícios do século XX, com as muitas expulsões havidas no período. A “catástrofe filipina” foi, como já dito, o grande condicionante da vinda dos Recoletos e Eremitas Agostinianos para O Brasil. O grande campo de atuação será a educação católica, tanto em colégios próprios como em outros das dioceses ou mesmo dos governos estaduais. Ao mesmo tempo em que procuravam formar a fé católica das classes urbanas, os religiosos garantiam sua sustentação e ascendência social e econômica na sociedade brasileira, podendo desenvolver-se institucionalmente. Para os bispos interessava suprir as muitas paróquias sem pastores e fazer frente ao laicismo dominante na República. As vocações eram suscitadas principalmente entre os filhos da burguesia urbana ou aristocracia rural, cujos filhos vinham estudar nos colégios religiosos. 28 Constituições eclesiásticas do Brasil: nova edição da pastoral coletiva de 1915, Canoas 1950, 538 pp. 29 Cfr. S. LEME, Concilium Plenarium Brasiliense: in urbe S. Sebastiani Fluminis Januarii ano domini mdccccxxxix celebratum, Petrópolis 1939, xvi426 pp. 30 Cfr. J.O. BEOZZO, Decadência e morte, restauração e multiplicação das Ordens e Congregações Religiosas no Brasil, 1870-1930, in R. AZZI (org.), A vida religiosa no Brasil; enfoques históricos, São Paulo 1983, p. 104. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 841 Nesse campo distinguir-se-ão inicialmente os Agostinianos da Província das Filipinas, que trabalharão em quatro grandes frentes missionárias: paróquias da diocese de Goiás, Minas Gerais, a imensa diocese do Amazonas e paróquias e pequenos colégios na diocese de São Paulo. II. OS AGOSTINIANOS DAS FILIPINAS NO BRASIL 2.1. O primeiro contrato Como vimos, por ocasião do Concílio Plenário Latino-americano celebrado em Roma, no ano de 1899, surgiu a oportunidade para dar uma solução à questão dos missionários expulsos das Filipinas. O Prior Geral, Frei Tomás Rodríguez, em comum acordo com o Provincial das Filipinas, Frei Manuel Gutiérrez, entrou em contato com vários bispos brasileiros, a fim de concertarem a vinda dos religiosos para o Brasil 31. O primeiro convênio foi estabelecido com o bispo de Goiás, Dom Eduardo Duarte da Silva, em 15 de maio de 1899, pelo qual o Prior Geral se comprometia a enviar religiosos para tomar conta de duas paróquias daquela vastíssima diocese. O superior religioso, fosse o Geral ou o vicário provincial no Brasil, apresentaria o nome dos religiosos a serem confirmados pelo bispo. Para todos os efeitos, a responsabilidade imediata sobre os vigários ficava por conta do superior religioso, ainda que as paróquias fossem entregues ad nutum episcopi, salvaguardados os direitos do bispo nas coisas próprias com relação ao governo e administração das paróquias. O que se acertava para as primeiras paróquias seria válido também para as futuras paróquias encomendadas à Ordem. O teor do contrato, em geral, era o mesmo estabelecido com os bispos de 31 Cfr. H. MARTÍNEZ, Província do Santíssimo Nome de Jesus, in Breve história dos padres agostinianos e freiras missionárias agostinianas do Brasil, São Paulo 1970, pp. 9-37; L.A. PINHEIRO, 100 anos de presença agostiniana no Brasil, in «Revista Eclesiástica Brasileira», 236 (1999), pp. 859-877. E. SÁNCHEZ PÉREZ, Del ocaso filipino a la restauración agustiniana en Brasil y Argentina, in La ripresa dell’Ordine. Gli Agostiniani tra 1850-1920. Congresso dell’Istituto Storico Agostiniano, Roma, 15-19 ottobre 2012 (Studia Augustiniana Historica, 18), Roma 2012, pp. 653-714. Considerar especialmente o Apéndice documental pp. 685-714. 842 Luiz Antônio Pinheiro, OSA outras dioceses, tanto no Brasil como em outros países do continente latino-americano. Para facilitar a entrada no Brasil e nos demais países, Frei Joaquin Fernández, nomeado superior das fundações no Brasil, Argentina e Uruguai, conseguiu uma recomendação do governo da Espanha, através de uma Real Ordem datada de 18 de maio de 1899, dirigida aos embaixadores espanhóis no Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires e Assunção. No documento se declarava a finalidade da missão dos religiosos: «instalar residências e colégios de ensino primário e secundário», pelo que os embaixadores eram instados a «proporcionar-lhes quantas facilidades estejam a seu alcance para que possam levar a bom termo os louváveis propósitos de que estão animados» 32. 2.1.1. Os pioneiros e as primeiras fundações Os primeiros religiosos enviados para a República do Brasil foram os padres Joaquín Fernández, Alfredo Carrocera, Cándido de San Miguel, Baltasar Gamarra e o irmão de obediência Maximiliano Andrés, os quais partiram do porto de Barcelona no dia 26 de maio de 1899 e chegaram ao Rio de Janeiro no dia 17 de junho do mesmo ano. Depois de passar pelo Rio de Janeiro, chegaram finalmente a Santos, o porto de destino e dirigiram-se a São Paulo, hospedando-se com os Salesianos italianos. Logo a seguir, partiram para Uberaba, no Estado de Minas Gerais, onde se encontrava a sede do bispado de Goiás. Dali, seguiram até a última cidade da linha férrea, Araguari e, por fim, numa viagem de dois dias a cavalo, dirigiram-se para a cidade de Catalão, no Estado de Goiás, onde chegaram a 3 de julho, para assumir a paróquia Nossa Senhora Mãe de Deus. Dentre as dificuldades iniciais, que começavam pela língua diferente, encontravam-se as precárias condições dos alojamentos, as enormes distâncias, as facções políticas em que estavam divididas as famílias locais. Para se ter uma idéia, a paróquia de Catalão tinha uma extensão de 800 léguas, com aproximadamente vinte mil habitantes, incluído o distrito de Santo Antônio do Rio Verde. Do ponto de vista religioso, predominava a indiferença religiosa, a metade dos casamentos era apenas registrada nos cartó- 32 Cfr. B. MARTÍNEZ, Apuntes históricos de la Provincia Agustiniana del Santísimo Nombre de Jesús de Filipinas. América, Madrid 1909, p. 16. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 843 rios civis e os mortos eram, com frequência, sepultados nas proximidades das casas sem as bênçãos rituais. O povo era “bom e generoso”, mas indiferente e ignorante em matéria religiosa e frequência aos sacramentos, segundo os relatórios enviados ao Provincial. Nem sempre os religiosos encontraram as coisas como o bispo havia assegurado e nem sempre foram também ressarcidos pelas despesas da viagem e outras aquisições necessárias. Além do mais, em vários lugares se depararam com a animosidade do clero local, que não recebia com agrado «esses frades estrangeiros, aventureiros fracassados no Oriente», que «vêm roubar o dinheiro do povo», como noticiava a imprensa anticlerical da época. A segunda paróquia foi a do Espírito Santo, em Entre Rios (futura Ipameri, elevada a diocese em 1966), no mesmo Estado de Goiás, assumida em 16 de agosto de 1899. Esta paróquia apresentava os mesmos desafios e condições da primeira paróquia, tendo uma extensão de 400 léguas e uma população de aproximadamente 14 mil habitantes. Essa paróquia foi deixada em 1910, retomada em 1921 e finalmente abandonada em 1940. O bispo de Goiás havia prometido confiar, tão logo chegassem outros frades, outras paróquias de sua imensa diocese, tais como: Caldas Novas, Santa Cruz, Formosa, Mestre d’Armas 33. Nem haviam decorrido três meses da chegada dos religiosos, logo recebiam convites de vários bispos, como os de São Paulo, Mariana, Curitiba e Petrópolis. O próprio Internúncio insistia para que abrissem casas no Rio de Janeiro e São Paulo para dirigir cursos de Filosofia e Religião. O grande impulsionador da missão agostiniana nessa primeira década foi, sem sombra de dúvida, o seu primeiro vicário provincial, Frei Joaquín Fernández Palicio, esse asturiano de fibra, que não mediu esforços para consolidar a presença agostiniana no Brasil, Argentina e Uruguai. Com determinação empreendia viagens por todo o Brasil e entre o Brasil e a Argentina, e estabelecia contatos com bispos e autoridades, buscando sempre novos campos de atuação 34. No Brasil, entrou em contato, além dos já citados bispos de São Paulo, Mariana, Curitiba e Petrópolis, com outros bispos como os do Pará e de Santa Catarina. E recebeu várias propostas para abrir casas, sempre na perspectiva de unir o trabalho paroquial 33 Cfr. Carta del Obispo de Goyaz al P. Superior de los Agustinos, 18/11/1899, in SÁNCHEZ PÉREZ, Del ocaso filipino cit., pp. 711-712. 34 Ibid., pp. 682-683. 844 Luiz Antônio Pinheiro, OSA com a atividade docente. Tencionava abrir inclusive casa no Rio Grande do Sul. Solicitou diversas vezes aos superiores para lhe enviar religiosos, pois campo de trabalho não faltava, podendo empenhar até mesmo 60 religiosos! 35 2.2. Diocese de São Paulo Frei Joaquín Fernández desde o início esteve atento à necessidade de abrir uma casa central em alguma cidade mais próxima à costa. Do convênio firmado a 18 de novembro de 1899 com o bispo Dom Antônio Cândido de Alvarenga, resultou a entrada dos Agostinianos na diocese de São Paulo. São Paulo naquela época era uma cidade provinciana, que não passava de 60 mil habitantes. No entanto, apresentava uma posição privilegiada, entre o porto de Santos e o interior do Estado, rota da importante lavoura cafeeira. Inicialmente, o bispo pretendia entregar dez paróquias vacantes aos primeiros frades que chegassem à diocese. Cedia o usufruto de um prédio diocesano existente na cidade de Sorocaba, com igreja, terrenos anexos e móveis para o estabelecimento de um colégio. O convênio estipulava que o programa de estudos consistiria no ensino primário e secundário, e outros estudos exigidos para as escolas superiores do país. Os alunos poderiam ser internos ou externos, a critério dos padres. Deviam dirigir com especial cuidado os alunos que demonstrassem vocação para o sacerdócio, acompanhando-os a fim de encaminhá-los para o seminário diocesano. A igreja do colégio seria isenta de jurisdição paroquial, gozando de todos os privilégios, como se fosse igreja da Ordem. O convênio prometia ainda a cessão do prédio do Asilo Nossa Senhora da Luz, tão logo fosse desocupado pelas meninas órfãs ali residentes, para o estabelecimento de um colégio na capital do Estado de São Paulo, a cidade de São Paulo. Na cidade de São Paulo, a primeira paróquia assumida foi o santuário da Boa Morte, situada num dos extremos da cidade (segundo alguns em 28/12/1899 e segundo outros, a 3/01/1900). Pouco tempo depois, no ano seguinte, com a chegada de novos religiosos, o bispo confiava no interior do Estado as paróquias de Nazareth, onde se encontrava o santuário Bom Jesus dos Perdões, Santo Amaro 35 Cfr. Carta de Frei Joaquín Fernández ao P. Provincial, Frei José Lobo, datada de 25/10/1899, in SÁNCHEZ PÉREZ, Del ocaso filipino cit., p. 711. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 845 e Iguape. Posteriormente, foi entregue a paróquia de Xiririca, no litoral. Essas paróquias foram dirigidas pelos frades até 1919. 2.3. As primeiras atividades docentes O primeiro Colégio Santo Agostinho foi instalado no antigo Asilo Nossa Senhora da Luz. Apesar do convênio firmado em novembro de 1899, os padres só tomaram posse do prédio em novembro de 1900, tendo de vencer intrigas e calúnias de pessoas contrárias às intenções do bispo Dom Alvarenga, veiculadas na própria imprensa. As aulas começaram em 1 de fevereiro de 1901. No entanto, esse colégio teve duração efêmera, pois o sucessor de Dom Antônio de Alvarenga se negou a ratificar o contrato e o prédio foi devolvido à cúria, em 1904. Em 24 de fevereiro de 1901, os religiosos assumiram uma paróquia em Sorocaba, no interior do Estado, onde também abriram, no prédio do antigo Colégio Diocesano, outra escola com o título agostiniano Colégio Nossa Senhora da Consolação. Situação idêntica ao colégio anterior, como o prédio teve de ser entregue à cúria, foi fechado em 1904. O novo bispo de São Paulo, Dom José de Camargo Barros, para compensar de alguma forma à Ordem Agostiniana os grandes prejuízos que se originaram da perda dos dois colégios e atendendo às justas reclamações do novo Vicário Provincial, Frei Clemente Hidalgo, eleito em 1904, combinou a entrega de novas paróquias, também no interior de São Paulo: Cruzeiro, São Luís de Paraitinga, Cunha e Brotas. Cruzeiro era um centro urbano de relativa importância, pois aí havia o entroncamento de várias linhas férreas. Além do trabalho paroquial, os padres abriram escolas noturnas, sobretudo para os filhos de operários pobres. Próxima a ela, na localidade de Pinheiros, encontrava-se outra paróquia, servida pelos padres desde Cruzeiro. Uma das paróquias mais significativas foi a de Brotas, na época com 12 mil habitantes. Os primeiros religiosos que lá trabalharam foram os Freis Lesmes Mingo e Mariano Lobato, a partir de 30 de maio de 1906. O projeto nutrido por Frei Domingos de Lemos, que dirigira o colégio de Sorocaba, era abrir um colégio para substituir os outros dois fechados em 1904. Efetivamente, as aulas começaram em 3 de julho de 1907. No entanto, com a diminuição do número de alunos teve de ser fechado em 1916. 846 Luiz Antônio Pinheiro, OSA Em Catalão, funcionou, a partir de 1915, um pequeno colégio, intitulado Colégio da Sagrada Família, que sobreviveu até 1924, ocasião em que teve de ser fechado, também pela falta de alunos. 2.4. Sementes promissoras No ano de 1908, o Provincial Frei José Laviana realizou a visita canônica. Uma de suas determinações, datada de 22 de junho daquele ano, eram os trâmites para a construção de uma igreja e colégio no terreno adquirido na localidade do Morro Vermelho, bairro Liberdade, na cidade de São Paulo. Em 1910 o Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva autorizava a ereção canônica da residência com colégio. Essa casa tornou-se a residência oficial do vicário provincial. Aí foi colocada a primeira pedra da igreja dedicada a Santo Agostinho, em 27 de agosto de 1911, elevada a paróquia em 1929. No ano de 1910, foram assumidas também as paróquias de Atibaia e Joanópolis, sempre no Estado de São Paulo. 2.5. Diocese de Mariana Graças aos contatos do vicário provincial Frei Joaquín Fernández com o bispo de Mariana, Dom Silvério Gomes Pimenta, em 1900, os Agostinianos entraram naquela importante diocese do Estado de Minas Gerais. Mariana foi um dos centros irradiadores da reforma católica no Brasil, a partir de meados do século XIX, por obra principalmente do bispo Dom Antônio Ferreira Viçoso, da Congregação dos Padres da Missão. Dom Silvério foi um dos continuadores de sua obra e um dos mais importantes prelados brasileiros do primeiro quartel do século XX. As paróquias assumidas pelos religiosos foram São José do Rio Preto (1900-1921), Vargem Grande (1900-1921), Vilanova de Lima (1900-1902), São José de Tiradentes (1902-1922) e Prados (19051922). Eram todas cidades pequenas, situadas numa região montanhosa, onde as estradas eram naquela época muito precárias, dificultando os deslocamentos. No entanto, a situação religiosa encontrada era mais encorajadora, fruto do ingente trabalho dos “bispos reformadores”. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 847 Entre 1921 e 1922, essas paróquias foram deixadas, pois os compromissos assumidos em São Paulo requeriam todas as forças. Na mesma ocasião foram deixadas as paróquias de Atibaia e Joanópolis, estas na diocese de São Paulo. 2.6. Outras dioceses no Estado de São Paulo A partir da proclamação da República, como vimos, com a separação da Igreja do Estado, a Igreja pode criar novas circunscrições eclesiásticas. Entre as quais as dioceses de São Carlos (1908), Taubaté (1908), Bragança Paulista (1925) e São José do Rio Preto (1929), onde se deu a atuação dos Agostinianos da Província das Filipinas e posteriormente da Província da Espanha, Matritense e Castela. No período que interessa à Província das Filipinas, foram assumidas na diocese de Taubaté, as paróquias de Cruzeiro e Bananal, de 1912 até 1922. Na diocese de São Carlos, além de Brotas (assumida quando ainda pertencia à diocese de São Paulo), no ano de 1919, foram entregues aos Agostinianos por contrato firmado com o bispo Dom José Marcondes Homem de Melo, as paróquias de Dois Córregos, Torrinha e Itajobi, com muitas capelas rurais. Em 1920, foi entregue a paróquia de Jaboticabal e em 1925, a de Taquaritinga. Estas duas cidades eram centros urbanos de maior importância, onde além do trabalho paroquial, os padres também assumiram a direção espiritual de religiosas e a capelania de vários colégios. Jaboticabal tornou-se diocese em 1929. 2.7. A Vice-Província do Norte do Brasil O Prior Geral, por ocasião do citado Concílio Plenário Latinoamericano, recebeu convite de vários prelados do Norte do Brasil, com o apoio do governo dos Estados inclusive, para que enviasse religiosos para trabalharem nessa imensa região do país. Destes convites foi atendido o do bispo da imensa diocese de Manaus, capital do Estado do Amazonas, que tinha em 1905, 1.897.027 Km2, com uma população de apenas 240.000 habitantes. O Amazonas era constituído de uma diocese e várias prelazias, com apenas 12 padres! 848 Luiz Antônio Pinheiro, OSA O contrato foi assinado pelo Prior Geral Frei Tomás Rodríguez e por Dom José Lourenço da Costa Aguiar em 8 de julho de 1899. Os primeiros religiosos partiram de Barcelona a 1 de janeiro de 1900. Eram três sacerdotes, sob a direção de Frei José Alonso e um irmão de obediência. Em Manaus o bispo encarregou-os da direção do Seminário Episcopal, onde, além do ensino e da direção espiritual, os religiosos dedicavam-se à pregação e à prática do confessionário. Atendiam como confessores das religiosas de várias congregações na cidade e das alunas de seus colégios. No interior do Estado, fizeram-se cargo das paróquias de Codajaz, Coari e Humaitá. Codajaz, situada às margens do rio Solimões, distante 155 milhas de Manaus, tinha uma extensão de 12.000 km2, com apenas sete mil habitantes, dos quais mil residiam na pequena cidade. Foi assumida em 1902. Coari, também às margens do rio Solimões, possuía sete mil habitantes. Humaitá, situada às margens do rio Madeira, situava-se a 551 milhas de Manaus, naquele tempo oito dias de barco. Possuía 8 mil habitantes, sendo assumida em 1903. A partir de 1903, essas poucas fundações constituíram a ViceProvíncia do Norte do Brasil, separada da Vice-Província do Sul e da Vice-Província de Iquitos. O primeiro superior foi Frei Blás Barrios. No entanto, a permanência dos religiosos se deu por apenas nove anos. As condições de subsistência eram muito precárias, as distâncias enormes, e havia muitos perigos, entre os quais as febres provocadas pelas doenças tropicais. Devido à escassez de pessoal e também em decorrência da morte do bispo Dom José Lourenço da Costa Aguiar, os superiores resolveram deixar essa missão. Durante esse tempo, além do trabalho propriamente espiritual, os religiosos reformaram o seminário de Manaus, reconstruíram as igrejas de Humaitá e de Codajaz e construíram a igreja de Coari. As pequeninas cidades, assumidas pelos Agostinianos no início do século XX, são hoje grandes centros urbanos da Amazônia brasileira, dentre as quais Coari tornou-se prelazia (1963) e Humaitá diocese (1979). Os Agostinianos da Província das Filipinas tiveram o mérito de, junto com os Agostinianos Recoletos, tornarem conhecido no Brasil o nome “Agostinianos” 36. 36 Para uma notícia de alguns religiosos que passaram pelo Brasil nos primeiros tempos, cfr. E. JORDE PÉREZ, Catálogo bio-bibliográfico de los religiosos agustinos de la Provincia del Santísimo Nombre de Jesús de las Islas Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 849 III. Os Agostinianos da Província da Espanha 3.1. A nova Província Em 1926, foi criada a Província do Santíssimo Nome de Jesus da Espanha, desmembrada da Província das Filipinas. As casas da província-mãe que estavam na Argentina e no Brasil passaram para a nova província, na qualidade de comissarias 37. As casas do Brasil naquela data eram as seguintes: as paróquias de Catalão e Entre Rios (Ipameri), na diocese de Goiás, no Estado de Goiás; Brotas, Dois Córregos, Itajobi, Jaboticabal e Taquaritinga, na diocese de São Carlos; e a paróquia de Santo Agostinho, na arquidiocese de São Paulo, estando essas duas dioceses no Estado de São Paulo. No que tange à vida das paróquias, em geral os religiosos seguirão as orientações dos respectivos bispos diocesanos, incentivando principalmente a formação das associações leigas, fundando também as associações religiosas tipicamente agostinianas 38. No período que nos interessa, a Província da Espanha irá assumir a Prelazia de Jataí, no Estado de Goiás e paróquias na diocese de São José do Rio Preto, no Estado de São Paulo, com a abertura de uma Escola Apostólica, a fundação do atual Colégio Santo Agostinho, em São Paulo, e o Colégio São José, em São José do Rio Preto. Esses colégios tornaram-se importantes centros de estudo, referência em educação, com o reconhecimento da sociedade brasileira. Numerosos são os religiosos que dedicaram suas vidas em terras brasileiras. Entre tantos, recordemos alguns Padres dos priFilipinas desde su fundación hasta nuestros dias, Manila 1901. A respeito do primeiro Vicário Provincial, Fr. Joaquín Fernández: G. de SANTIAGO VELA, Ensayo de uma biblioteca ibero-americana de la Orden de San Agustín, VII, El Escorial 1925, p. 414; R. LAZCANO, Bibliographia Missionalia Augustiniana, America Latina (1533-1991) (Guía Bibliográfica 3), Madrid 1993. 37 Cfr. P. LUNA GARCÍA, Provincia Agustiniana del Santísimo Nombre de Jesus de España – 75 años 1926-2001, León 2001, p. 15. 38 Cfr. MARTÍNEZ, Província Santíssimo Nome de Jesus cit., pp. 38-53. Outros estudos seguem normalmente o roteiro aí apresentado: L. GUTIÉRREZ, Agustinos en el Brasil: 75 años de apostolado, in «Religión y Cultura», 21 (1975), pp. 379-402; P. MORENO PALACIOS (Apres.), Vice-Província do Santíssimo Nome de Jesus do Brasil. Edição comemorativa dos cem anos de presença agostiniana no Brasil 1899-1999, São Paulo 1999; LUNA GARCÍA, Provincia Agostiniana España cit., pp. 119-145. 850 Luiz Antônio Pinheiro, OSA meiros tempos, os primeiros vice-provinciais: Frei Luis Rodríguez Fernández (1926-29), Frei Celso García (1929-33), Frei Jacinto Martínez Ayuela (1933-36), Frei Agustín Camarzana e Frei Gabino Cabrera, em Catalão; Juan Villujera, Leovigildo de la Mata e Teodoro Estalayo, em Entre Rios 39. Menção especial devemos fazer ao Beato Mariano de la Mata Aparicio (1905-1983) 40, que trabalhou em vários lugares e exerceu a função de vicário provincial no período 1945-1948, e conselheiro em vários mandatos. 3.1.1. A Prelazia de Jataí A Prelazia do Espírito Santo de Jataí foi criada pela bula Sollicitudo quae in omnes, de Pio XI, em 21 de junho de 1929, sendo desmembrada da Arquidiocese de Goiás. O cuidado dessa prelazia foi entregue à Província do Santíssimo Nome de Jesus da Espanha, que dela tomou posse em 28 de abril de 1931. Encontrava-se situada no sudoeste do Estado de Goiás, contando com uma superfície de 77.000 km2, e com uma população aproximada de 150 mil habitantes. O primeiro Administrador Apostólico foi Frei Germán Vega Campón (1878-1961), nomeado para esse cargo em 20 de outubro de 1929, quando então desempenhava o cargo de mestre de noviços em Pavia, na Itália. Tomou posse da prelazia em 19 de abril de 1930, sendo nomeado bispo titular de Oreo a 19 de abril de 194141. No início, a Prelazia de Jataí ficou dividida em quatro paróquias: Jataí, Rio Verde, Caiapônia e Mineiros. A sede era Jataí que, na época contava com 28.000 Km2 e 45 mil habitantes. Havia também os distritos de Cassú (antiga Água Fria) e Itarumã (antiga Pimenta). Além do ofício paroquial, os padres ministravam aulas de Religião em diversos grupos escolares e colégios do Estado. 39 Para acompanhar a constituição das comunidades religiosas, cfr. A. de MIER VÉLEZ, Tabula officiorum, Madrid 1985, pp. 241-304. 40 Cfr. entre outros os artigos da revista «Religión y Cultura», 52 (2006): F. ROJO MARTÍNEZ, Proceso de beatificación del P. Mariano de la Mata: fechas, requisitos y oportunidades, pp. 565-570; J.L. MARTÍNEZ, La cabaña del Padre Mariano (Individuación y vanidad), pp. 595-612; M. LUCAS, En recuerdo y agradecimiento del P. Mariano de La Mata, pp. 621-634; Mª P. MARTÍN DE LA MATA, El Padre Mariano en família, pp. 635-646. 41 Cfr. T. ASENSIO, Notas biográficas sobre el Excmo. y Revmo. P. Germán Vega Campón, OSA, Administrador Apostólico de Jataí, Brasil, in «Archivo Agustiniano», 76 (1992), pp. 197-222; LAZCANO, Episcopologio Agustiniano cit., II, pp. 1506-1508. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 851 Rio Verde, por sua vez, tinha uma extensão de 22 mil km2, com uma população de 60 mil habitantes, com os seguintes distritos: Quirinópolis, Cachoeira Alta, Montevideu e posteriormente Santa Helena. Além da direção de uma escola paroquial, os padres também ministravam aulas de Religião em grupos escolares e no ginásio do Estado. Esta paróquia, chamada antigamente Rio Bonito, possuía 17 mil km2 e uma população de 30 mil habitantes, com os distritos de Aragarças, Beliza, Piranhas e Bom Jardim. A paróquia de Mineiros tinha 9 mil km2 e uma população de 20 mil habitantes. As principais capelas eram a de Santa Rita do Araguaia e Córrego da Porteira. Os religiosos realizaram um intenso trabalho pastoral nessas paróquias, ocupando-se, além do ministério paroquial, do ensino de Religião em colégios do Estado. O meio normal de locomoção era o cavalo. Invariavelmente as crônicas e livros de tombo apontam os “inimigos” a serem combatidos: a ignorância e indiferença religiosa 42, a maçonaria 43 e o protestantismo 44. Os religiosos da Província da Espanha trabalharam nessa região até junho de 1951. Devido a desentendimentos entre o bispo 42 Em geral, as autoridades religiosas e os missionários estrangeiros classificavam como “ignorância religiosa e indiferença” as expressões da religiosidade popular, que constitui um dos aspectos típicos do tradicional “catolicismo brasileiro”, de cunho lusitano e medieval, formado durante o período colonial no contato com as religiões ameríndias e africanas. Para um estudo mais aprofundado do tema, cfr. P. A. R. de OLIVEIRA, Religião e dominação cit., p. 152, que na nota 63 oferece uma bibliografia de 326 títulos sobre a religiosidade popular no Brasil, publicada em «Religiâo e Sociedade », n. 1 (1987), pp. 181-194. Desde então muitas publicações têm abordado o tema sob diferentes perspectivas. Para uma abordagem ampla e introdutória cfr. R. AZZI, O catolicismo popular no Brasil. Aspectos históricos (Cadernos de Teologia e Pastoral 11), Petrópolis 1978; E. HOORNAERT, A formação do catolicismo brasileiro (1500-1800), Petrópolis 19913; ID., O cristianismo moreno no Brasil, Petrópolis 1991. Recentemente saiu Francisco van der POEL, OFM, Dicionário da Religiosidade Popular. Cultura e Religião no Brasil, Curitiba 2013. 43 Cfr. B. KLOPPENBURG, A Maçonaria no Brasil, Petrópolis 1961; D.G. VIEIRA, O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, Brasília 1980; J.A. FERRER BENIMELI-G. CAPRILE-V. ALBERTON, Maçonaria e Igreja Católica. Ontem, Hoje e Amanhã, São Paulo 1983. 44 Para uma visão conscienciosa do protestantismo no Brasil, cfr. A.G. MENDONÇA, O Celeste Porvir: A Inserção do Protestantismo no Brasil, São Paulo 1984; C.J. HAHN, História do Culto Protestante no Brasil, São Paulo 1989; B. RIBEIRO, Igreja Evangélica e República Brasileira (1889-1930), São Paulo 1991; D.A. REILY, História Documental do Protestantismo no Brasil, São Paulo 1993. 852 Luiz Antônio Pinheiro, OSA prelado e o superior religioso, a Santa Sé resolveu transferir o cuidado pastoral da prelazia aos religiosos agostinianos da Província de Castela, que a assumiu no período de 1951 a 1957. 3.2. Colégio Santo Agostinho, São Paulo O atual Colégio Santo Agostinho começou a ser construído no ano de 1930, no terreno adquirido ainda em 1910, onde fora construída a igreja dedicada a Santo Agostinho, que foi elevada a paróquia em 1929. As primeiras aulas começaram no início de 1931. Esse colégio tornou-se de alguma forma o coração da presença agostiniana no Brasil, uma espécie de referência para os Agostinianos, não só da nova Vice-Província, como também de outros vicariatos. Na Arquidiocese de São Paulo, foram assumidas ainda duas paróquias: Paróquia de São Pedro, no bairro Jardim Inconfidência (1956-1970) e Paróquia Santa Rita de Cássia, em Vila Mariana, erigida como paróquia em 1969. Ambas sob o governo pastoral do Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta. 3.3. Diocese de São José do Rio Preto Pelo contrato assinado em 19 de maio de 1934, entre Dom Lafayette Libânio, bispo de São José do Rio Preto e o vicário provincial, Frei Jacinto Martínez, foram assumidas as paróquias de São Benedito de Nova Granada, São João Batista de Palestina e São João Batista de Mangaratu. Próxima a Rio Preto, na pequena cidade de Engenheiro Schmidt, foi criada uma paróquia entregue aos religiosos também em 1934. Desde Rio Preto os religiosos assumiram também a paróquia de Cedral. Nesse lugar, Dom Lafayette Libânio deu a licença para a instalação de uma casa de formação e noviciado, em 10 de dezembro de 1934. E ainda naquele ano, por ocasião da visita canônica do Prior Geral, Frei Clemente Fuhl, o bispo diocesano abençoou a primeira pedra da futura Escola Apostólica. Um sem número de vicissitudes impediu a imediata realização dos alvissareiros projetos, algumas de ordem financeira, outras devido à conjuntura da Ordem na Espanha naquele momento. Em 1936, o Vice-Provincial Frei Jacinto Martínez foi assassinado durante a Guerra Civil Espanhola. Em 1938, o Provincial, Frei Bruno Ibeas mandou parar as obras. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 853 3.4. Reavaliando as estratégias Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) foram gravosas as consequências para a Província na Espanha e a Vice-Província no Brasil, pois «las comunicaciones con la metrópoli fueron difíciles, lentas y por veces imposible»45; foi necessário fechar várias paróquias, a fim de concentrar forças nas casas principais e no colégio Santo Agostinho, de São Paulo, que ensaiava seus primeiros passos. Dessa maneira, foram fechadas as paróquias de Catalão e Entre Rios, na diocese de Goiás, no Estado de Goiás (1940), Itajobi, Jaboticabal e Taquaritinga, na diocese de São Carlos, Estado de São Paulo (1940). Era necessário retomar urgentemente o tema da abertura de uma casa de formação, com um noviciado, tendo em vista a formação de futuros Agostinianos brasileiros, pois essa seria a única maneira de garantir a presença no país. A direção de colégios por estrangeiros não era permitida pela lei e só com certa condescendência eram permitidas exceções no caso dos religiosos. Em 20 de setembro de 1944 os religiosos da Vice-Província enviavam ao Prior Provincial uma longa carta, pela qual solicitavam a abertura da pretendida casa, fosse em Engenheiro Schmidt ou em outro lugar a critério dos mesmos superiores 46. Na visita regular do ano seguinte, o Vicário Provincial, Frei Manuel Álvarez concedia a licença para abrir, não a casa de Noviciado, mas uma Escola Apostólica, datada de 11 de março de 1945. Esse empreendimento foi levado com muito entusiasmo e determinação pelo novo Vice-Provincial, Frei Mariano de la Mata, eleito naquele mesmo ano. Em sua saudação ele manifestava ser aquela obra a prioridade de seu triênio, devendo a ela subordinarse todas as outras. Em janeiro de 1946 iniciavam-se as atividades em Engenheiro Schmidt, sendo Frei Miguel Lanero o seu primeiro formador. Ali funcionou então a Escola Apostólica Santo Agostinho até o ano de 1960, quando o internato foi transferido para o novo Colégio São José em São José do Rio Preto. No final do período que resenhamos, foi inaugurado em 19 de março de 1961 o Colégio Agostiniano São José, na cidade de São José do Rio Preto. 45 46 Cfr. LUNA GARCÍA, Provincia Agostiniana España cit., p. 27. Cfr. MARTÍNEZ, Província do Santíssimo Nome de Jesus cit., p. 45-48. 854 Luiz Antônio Pinheiro, OSA IV. OS AGOSTINIANOS DO ESCORIAL NO BRASIL 4.1. A chegada dos Agostinianos do Escorial O segundo grupo de Agostinianos a chegar ao Brasil foi o dos religiosos da Província Matritense do Sagrado Coração de Jesus, desmembrada da Província das Filipinas em 1895. Corria o ano de 1929. A Província Agostiniana Matritense, cheia de pujança e vida nova, buscava novos campos para sua expansão apostólica e docente. As Américas descortinavam um novo horizonte. Anos antes, houve algumas tentativas de entrada no México, mas os que ali foram não conseguiram deitar raízes. Os olhares voltaram-se então para o Brasil, onde já havia um grupo de religiosos da Província da Espanha 47. A oportunidade surgiu quando passou pelo Escorial um sacerdote galego que trabalhava no Brasil: o Pe. José Gómez. Este padre falou com tanto entusiasmo do Brasil que o Provincial da época, Frei Isidoro Martín resolveu enviar dois religiosos para o novo campo de trabalho, os Freis Antonio Fernández e Manuel Formigo. No mês de setembro de 1929, desembarcaram no porto do Rio de Janeiro, rumando imediatamente para a cidade de Valença, onde trabalharam sob a orientação do Pe. José Gómez. Pouco depois, o Bispo da Diocese de Valença, Dom André Arcoverde, lhes entregava a paróquia de Santa Terezinha na pequena cidade fluminense de Rio Preto. Houve, no entanto, um primeiro contratempo: o rigor do clima logo atingiu a saúde, um tanto delicada, do Frei Formigo, que se viu obrigado a voltar à Espanha poucos meses depois. Longe estava ele de imaginar o que iria lhe acontecer: em 1936 morria assassinado em Málaga, no meio do furor da fratricida Guerra Civil Espanhola, sendo beatificado em 28/11/2007 48. 47 Cfr. T. VIÑAS ROMÁN, Província Matritense, in Breve história dos padres agostinianos e freiras missionárias agostinianas do Brasil, São Paulo 1970, pp. 55-76; ID., Apuntes para una historia de los Agustinos del Escorial en el Brasil, in «La Ciudad de Dios», 190 (1977), pp. 115-142; ID., La Provincia en América. Brasil, in Provincia Agustiniana Matritense. Cien Años de Historia (1985-1995), San Lorenzo de El escorial 1996, pp. 500-523. 48 Cfr. D. PÉREZ DE ARRILUCEA, Honremos su memória, San Lorenzo de El Escorial 1943, p. 178; E.I. BARDÓN BARDÓN-M. GONZÁLEZ VELASCO, 104 mártires de Cristo. 98 biografías de Agustinos. Biografías de clérigos diocesanos, San Lorenzo de El Escorial/Madrid 2008, pp. 139-143. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 855 Frei Antonio Fernández continuou no Brasil, desdobrando-se na paróquia de Santa Terezinha, onde construiu um belíssimo santuário, que até hoje conserva em sua sacristia o retrato de seu primeiro Pároco. No dia 19 de novembro de 1929, chegava Frei Ricardo Rodríguez, para ajudá-lo a abrir novos campos. E logo surgiu a oportunidade, pois o Bispo de Valença lhes ofereceu a direção do Colégio Diocesano da cidade. Em dezembro do mesmo ano chegava Frei Wenceslau Martín, que foi seu primeiro diretor. Este colégio funcionou por dois anos em condições bem precárias, uma vez que o alunado era bastante reduzido. As perspectivas futuras eram também pouco promissoras, pelo que se decidiu fechá-lo. Estudaram-se então outras possibilidades em centros maiores, já que estava para chegar da Espanha um numeroso grupo de frades. O Rio de Janeiro, então Capital Federal, e Belo Horizonte, a novíssima o capital de Minas Gerais, atraíram particularmente a atenção dos religiosos. No Capítulo Provincial de 1930, constituíram-se as Comissarias do Brasil e da Argentina, sendo nomeados vicários provinciais Frei Andrés Pérez de Toledo e Frei Félix Sánchez, para o Brasil e a Argentina, respectivamente. Efetivamente, entre julho de 1931 a janeiro de 1934, chegaram ao Brasil cerca de 30 religiosos, alguns deles por terminar a formação, concluída no Brasil. Esse nutrido grupo pode ser considerado o “grupo dos pioneiros”. Para Buenos Aires e Uruguai foram destinados dez ou doze religiosos 49. 4.2. A expansão Dessa feita, com a chegada desse numeroso grupo de frades, abriram-se para os Agostinianos do Escorial novos campos de apostolado. Desejava-se abrir uma espécie de centro missionário na capital federal de então, o Rio de Janeiro. Em agosto de 1931 fundava-se a casa mãe, na Paróquia de São Paulo, no Bairro de Marechal Hermes, que havia pertencido aos Agostinianos Recoletos. Posteriormente, em 1945, com a anuência da comunidade paroquial e a autorização do cardeal, mudou-se o nome para 49 Cfr. D. PÉREZ DE ARRILUCEA, Tercera etapa, in La Provincia Agustiniana del Sagrado Corazón de Jesus. Reseña histórica desde 1895 hasta 1933, Madrid 1933, pp. 199-200. 856 Luiz Antônio Pinheiro, OSA Paróquia Nossa Senhora das Graças. Dali partiram os religiosos para outras fundações 50. Para entrar em sua vasta arquidiocese, o dinâmico arcebispo Dom Antônio dos Santos Cabral exigia que os religiosos assumissem paróquias no interior ou na periferia da capital 51. Ao aceitar essa condição, os frades adentraram as “Alterosas” das Minas Gerais. Em janeiro de 1932, tomavam posse da Paróquia de Bom Sucesso, aproximadamente a 200 km Belo Horizonte. Em 1933 dirigiram aí um pequeno colégio que, por causa de escassez de alunos, foi fechado no mesmo ano. Aí trabalharam os Freis Ricardo Rodríguez e Saturnino Casas. No capítulo Provincial celebrado na Espanha, no dia 08/07/ 1933 Frei Carlos Vicuña foi nomeado Vicário Provincial para o Brasil. Este foi o grande dinamizador das fundações agostinianas em seu início. De seus contatos com as autoridades eclesiásticas, ele assumiu uma paróquia em Buenos Aires, na Argentina. O grande sonho do Padre Vicuña era fundar um colégio onde pudesse juntar os religiosos dispersos em vários estados brasileiros (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais) e onde pudesse exercer a missão apostólico-docente, especialidade particular da Província Matritense. Esse sonho se concretizou em 1934 com a fundação do Colégio Santo Agostinho de Belo Horizonte. Também em Belo Horizonte os frades assumiram uma paróquia, naquela época na periferia da cidade, a Paróquia de São José do Calafate em janeiro de 1934, sendo Fr. Saturnino Casas o seu primeiro pároco. Em Minas Gerais, os frades dirigiram um pequeno colégio em Cataguazes, por dois anos, sendo o seu diretor Fr. Evaristo Arámburu, que veio expressamente da Argentina, onde se encontrava trabalhando. Também teve vida efêmera devido às dificuldades em sustentá-lo. Ainda foram atendidas em Minas Gerais uma capelania de religiosas em Andrelândia (1934) e a Paróquia de Pirapetinga (1932-34). Na antiga capital federal, o Rio de Janeiro, foi assumida outra paróquia, erigida com um título agostiniano, no dia 13/06/1933, a 50 Para acompanhar a constituição das comunidades religiosas deste Vicariato, cfr. B. MEDIAVILLA (coord.), Actas Capitulares Provincia Agustiniana Matritense (1897-1994), San Lorenzo de El Escorial 1996. 51 Cfr. L.A. PINHEIRO, Paróquias: espaços da evangelização, in C. BOSCHIL.A. PINHEIRO (dir.), A Arquidiocese de Belo Horizonte e a evangelização (Historia da Arquidocese de Belo Horizonte), II, Belo Horizonte 2014, pp. 150-155. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 857 Paróquia de Nossa Senhora da Consolação e Correia, no Engenho Novo; seu primeiro pároco foi Fr. Agostinho Fincias. A partir das duas paróquias, a de Marechal Hermes e a do Engenho Novo, os frades assumiram a direção de outras duas paróquias, que se encontravam entre elas, as paróquias de Santa Isabel e São Sebastião de Bento Ribeiro. Foram aceitas a título de colaboração, entre 1934-38. Ambas foram devolvidas ao bispo em 1938 quando a escassez de pessoal aconselhou a fechar algumas casas. Interinamente também foram atendidas as Paróquias de Santa Cruz (1931) e de Oswaldo Cruz (1932). Ainda no interior do Estado do Rio de Janeiro, na Diocese de Campos, Fr. Vicente Rabanal trabalhou na Paróquia de Cardoso Moreira. No Estado de São Paulo, os religiosos trabalharam algum tempo em três paróquias: Boa Esperança, Nova América e Dobrada, na diocese de São Carlos. Estas paróquias tiveram que ser fechadas em 1932, pois chegaram instruções de Roma no sentido de que as Comissarias ou Vicariatos brasileiros estivessem separados territorialmente. E como ali já se haviam estabelecido as Comissarias da Espanha e de Castela, não era conveniente que entrasse a do Escorial. A convite de alguns bispos, os Agostinianos dirigiram os seminários de Juiz de Fora, em Minas Gerais e Jaboticabal, em São Paulo, onde trabalharam primeiro os religiosos da Província das Filipinas (1920-1926) e depois os da Província da Espanha (19421926). Jaboticabal fora elevada a diocese em 1929. Em alguns lugares a presença agostiniana foi muito breve, pois buscavam-se aquelas casas que melhor satisfizessem as exigências da vida comunitária agostiniana. Cada casa devia oferecer um mínimo de condições materiais e econômicas para nela poderem viver ao menos três religiosos. Assim, foram-se abrindo e fechando várias casas conforme se verificava a falta de tais condições. Por outra parte, era necessário concentrar os religiosos dispersos, de acordo com o Direito Canônico e as Constituições da Ordem. Um novo condicionamento histórico, comum aos religiosos espanhóis de várias ordens e congregações iria incidir fortemente na sua atividade apostólica. 4.3. Os difíceis anos da Guerra Civil Espanhola No capítulo provincial de 1933, ao ser nomeado Vicário Provincial para o Brasil, Frei Carlos Vicuña recebeu instruções nada animadoras. Foi por isso que se fecharam as paróquias de 858 Luiz Antônio Pinheiro, OSA Nova América e Dobrada (1932), Cardoso Moreira (1933), Pirapetinga e Boa Esperança (1934), Estado de São Paulo e Rio Preto (1935), Estado do Rio de Janeiro. Deixou-se também a capelania de Andrelândia e a direção dos Seminários de Juiz de Fora e Jaboticabal. Como consequência, em 1936, as casas do Brasil ficaram reduzidas às paróquias de Marechal Hermes, Engenho Novo, Santa Isabel e São Sebastião, no Rio de Janeiro; Bom Sucesso, no interior de Minas e a paróquia de Calafate e o Colégio Santo Agostinho, na capital do Estado. Mas o fechamento das casas não irá parar por aí. Nesse mesmo ano iniciava-se na Espanha a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), que durante três anos faria de seu território um campo de batalha. Numa panela de pressão em que vinham-se cozinhando muitas tensões políticas, sociais e econômicas estourou a guerra civil em que morreram cerca de um milhão de pessoas, entre as quais mais de sete mil sacerdotes e religiosos e várias centenas de religiosas. Entre as quatro províncias agostinianas espanholas, a Matritense foi a que mais sofreu, precisamente por ter localizadas suas principais casas na Região de Madri e redondezas, o centro nevrálgico do conflito. Cento e sete religiosos foram brutalmente assassinados 52. Quando se deu por terminada a guerra fratricida, no dia 01/04/1939, a Província Matritense ficara reduzida a menos da metade de seu pessoal. As casas da Espanha estavam despovoadas e pediam, com urgência, religiosos para atender suas necessidades mais primárias. Frei Carlos Vicuña, que fora reeleito Vicário para o Brasil no capítulo provincial em julho de 1936, às vésperas da Revolução, não pôde sair da Espanha, passando por uma verdadeira odisséia durante os três anos do chamado “o terror comunista” e só por um milagre conseguiu escapar da morte. Em novembro de 1939 saía da Espanha rumo ao Brasil para assumir os últimos meses do seu mandato como Vicário Provincial. Mas vinha com uma missão penosa: fechar algumas casas e mandar para a Espanha alguns religiosos para preencher o vazio que haviam deixado os que tombaram na guerra. No entanto, Frei Carlos que havia acompanhado de perto e com tanto carinho os primeiros passos dos frades nas diversas fundações, soube ajeitar as coisas de tal maneira que pôde enviar um 52 Cfr. C. VICUÑA, Mártires Agustinos de El Escorial, San Lorenzo de El Escorial 1943; A. RODRÍGUEZ, Mártires Agustinos de El Escorial, San Lorenzo de El Escorial 1955; BARDÓN-GONZÁLEZ VELASCO, 104 mártires de Cristo, passim. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 859 grupo de religiosos à Espanha, sem fechar nenhuma das casas no Brasil. Foi deixada, no entanto, a paróquia de Buenos Aires, que também dependia desse Vicariato. Em dezembro de 1939 começaram a voltar para a Espanha os primeiros religiosos. Entre eles, Frei Antônio Fernández, o pioneiro do Escorial no Brasil. No dia 31 de dezembro havia 17 frades para atender um colégio e seis paróquias. No capítulo provincial de 1940, Frei Nicolau Urteaga foi nomeado Vicário Provincial que chegou em outubro do mesmo ano e também trazia instruções nada animadoras: fechar mais casas e mandar mais religiosos para a Espanha. Assim, medidas as possibilidades e conveniências, foram fechadas as paróquias de Santa Isabel e São Sebastião, no Rio de Janeiro, em janeiro de 1941. Estas paróquias, mesmo fechadas oficialmente em 1938, continuaram a ser atendidas por nossos frades desde o Engenho Novo e Marechal Hermes. No mesmo mês se fechava a paróquia de Bom Sucesso, Minas Gerais e, em fevereiro chegava a vez da paróquia do Calafate, na capital mineira. Como consequência, o Vicariato ficava reduzido a apenas três casas no Brasil: as duas paróquias do Rio de Janeiro e o Colégio Santo Agostinho, de Belo Horizonte. Os doze primeiros anos da presença dos Agostinianos do Escorial no Brasil não passaram despercebidos. Sua atividade pastoral, apostólica e docente lhes conferiu o carinho do povo e o respeito das autoridades. Já naqueles anos e nos períodos sucessivos os padres receberam vários convites para fundar em outras cidades, convites que nunca puderam ser aceitos pelo motivo que acabamos de ver: escassez de religiosos. Entre os vários convites destacamos a abertura de cursos eclesiásticos em Petrópolis e a oferta de um colégio já construído na cidade de Baependi, ambos no Estado do Rio de Janeiro. 4.4. A Consolidação da presença dos Agostinianos do Escorial no Brasil (1940-1962) As décadas de 1940 a 1960 foram anos muito difíceis, tanto para a Província na Espanha como para a Vicaria no Brasil. Anos de muita austeridade, trabalho, até mesmo penúria em certas situações, mas também de muita dedicação, entrega e generosidade por parte dos frades. Dentro desse quadro, foi que nossos frades desenvolveram suas atividades no período de 1940 a 1962, con- 860 Luiz Antônio Pinheiro, OSA solidando, mesmo com poucas obras, a presença agostiniana matritense em terras brasileiras. Mesmo não podendo aceitar novos convite, pouco a pouco os Agostinianos iam construindo sólidos laços de amizade, pontes para novos contatos e desafios, comprovados através do carinho com que são recordados nos lugares onde trabalharam. Fruto do prestígio na área da educação foi a doação de um terreno na nova capital federal, Brasília, para a construção de um colégio, o que não chegou a concretizar-se. Passada a crise, a Província voltaria a enviar outros religiosos para o Brasil, possibilitando na década de 1970, a expansão para outros lugares. A Paróquia Nossa Senhora das Graças, no Rio de Janeiro, chamava-se originalmente Paróquia São Paulo, e foi dirigida pelos Agostinianos Recoletos de 1920 a 1931. Por ocasião das Bodas de Prata, em 1945, Frei Marceliano García intercedeu junto ao Cardeal D. Jaime de Barros Câmara, com um grande número de abaixo-assinados, e então a Paróquia mudou seu nome sob a invocação de Nossa Senhora das Graças. A igreja era pequena e fez-se necessário a construção de um templo maior. A pedra fundamental foi lançada em 1935 e em 1946 deu-se a consagração da nova matriz. Surgiram muitas associações religiosas de leigos, várias delas com inspiração agostiniana, animadas e orientadas pelos padres: Confraria de Nossa Senhora da Consolação e Correia, Oficinas de Caridade de Santa Rita, Cruzadinha Eucarística, Congregação Mariana, Doutrina Cristã. Como visto anteriormente, a Paróquia de Nossa Senhora da Consolação e Correia, no bairro Engenho Novo, foi fundada em julho de 1933. No começo, a paróquia teve como sede a capela de São João, situada no morro do mesmo nome. Quatro anos depois foi transferida para a Rua Condessa Belmonte. Já então funcionavam várias associações religiosas. Em 1947 iniciava-se a construção de um grande templo dedicado a Maria, sendo inaugurado definitivamente em 1961. O espaço do antigo templo, ao lado do novo, foi transformado numa escola primária, que iniciou suas atividades em março de 1964, o Liceu Santa Rita de Cássia. O Colégio Santo Agostinho, de Belo Horizonte, que deu nome ao Bairro onde hoje se situa, funcionou originalmente num prédio alugado na antiga Av. são Francisco, hoje Av. Olegário Maciel. O colégio transferiu-se definitivamente para a atual unidade em 1936. Sucessivamente, com o passar dos anos, recebeu várias ampliações e aperfeiçoamentos. O Colégio cresceu com a cidade, que virou grande metrópole; acompanhou o ritmo frenético da cidade, adqui- Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 861 rindo confiança e respeitabilidade, vindo a transformar-se numa das mais conceituadas instituições educacionais da capital mineira53. Entre 1948 a 1952, chegaram novos frades, para reforçar principalmente o trabalho no colégio. Em 1947, iniciou-se a construção da capela do Colégio que, em 1964, veio a transformar-se na sede da Paróquia Nossa Senhora da Consolação e Correia. Na década de 1960, os frades continuaram a desempenhar suas atividades com muito zelo e dedicação, na forma tradicional como vinham fazendo. Aplicavam e incrementavam nas paróquias as orientações e iniciativas emanadas das respectivas arquidioceses do Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Com relação ao momento político do país, não se envolveram com os grandes acontecimentos e movimentações, procurando manter-se numa atitude neutra. Sua preocupação era salvaguardar as obras, principalmente o colégio, com o temor da expulsão do país, uma vez que eram estrangeiros. Nessa ocasião ocorreu a primeira naturalização brasileira de um dos frades espanhóis, Frei Marcelino Barrio. Em 1964, chegaram da Espanha novos religiosos recém-ordenados, abertos ao espírito do concílio Vaticano em curso, que procuraram acompanhar as experiências de renovação que aconteciam na Igreja do Brasil, com a iniciativa de implementá-las nas paróquias de então. V. OS AGOSTINIANOS DE CASTELA NO BRASIL 5.1. O Grupo dos Fundadores e as primeiras fundações Em 1933 chegava ao Brasil o terceiro grupo de Agostinianos, procedentes da Província de Castela54. O motivo principal de sua 53 Cfr. J. BRUÑA ALONSO, Santo Agostinho: uma escola de vida. Edição comemorativa do 60º. Aniversário do Colégio Santo Agostinho- Belo Horizonte – outubro de 1994, Belo Horizonte 1994. 54 Cfr. V. FERNÁNDEZ, Província de Castela, in Breve história dos padres agostinianos e freiras missionárias agostinianas do Brasil, São Paulo 1970, pp. 77-109. Esse capítulo baseia-se nos apontamentos históricos do primeiro vicário provincial, Frei Juan García. Via de regra, os demais autores seguem o roteiro por ele apresentado: E. GUTIÉRREZ, Resenha histórica Vicariato da Província de Castela no Brasil (1933-1992), s/l 1992; Ordem de Santo Agostinho. 75 anos Vicariato Regional do Brasil – Província de Castela, São Paulo 2009. 862 Luiz Antônio Pinheiro, OSA vinda foi a busca de uma estratégia para proteger as jovens vocações diante das medidas anticlericais da Segunda República espanhola. Temerosos das consequências que se desenhavam num cenário sombrio, os superiores resolveram buscar um novo campo de apostolado, onde os religiosos de votos simples pudessem também terminar os seus estudos. O Provincial de Castela, Frei Angel Monjas empreendeu viagem por vários países das Américas, Colômbia, Venezuela, Cuba e Porto Rico. Deixou como Vicário Frei Juan García com a ordem de estabelecer fundações tão logo fosse possível em algum desses países. Diante das várias ofertas, a decisão orientou-se para um campo totalmente novo para a Província e a fundação ocorreu no Brasil. Ao regressar à Espanha, o Provincial encontrou-se com o Provincial dos Agostinianos Recoletos, que lhe ofereceu duas paróquias por eles dirigidas na diocese de São José do Rio Preto, no Estado de São Paulo. Dessa feita, com a aprovação do Definitório, saíram para o Brasil, em companhia do padre Monjas, os freis Manuel Campelo, Antimo del Pozo e Matias Boñar. Pelo contrato firmado com o bispo de Rio Preto, Dom Lafayette Libânio, foram entregues aos religiosos as paróquias de Santa Adélia, Pindorama, Ariranha e as anexas de Fernando Prestes e Cândido Rodrigues. Logo em seguida chegava Frei Juan García, procedente de Porto Rico. Com a chegada dos padres Aurelio Álvarez, Celestino Cabrero e Francisco Abril, foi possível aceitar as paróquias de Mirassol e Tabapuã. Em sua carta abierta, na qual dava as primeiras orientações, a esse grupo de religiosos missionários, o Provincial os chamava os “fundadores”, título que eles, por sua vez, atribuíram ao próprio provincial e seu definitório 55. Essas paróquias situavam-se na zona cafeeira, servida pela estrada de ferro araraquarense, sendo considerada uma das mais promissoras zonas econômicas do Estado de São Paulo 56. Além do trabalho propriamente pastoral e espiritual, os frades tiveram que reformar, construir ou ampliar casas paroquiais, igrejas e capelas, dedicando-se também a fundar muitas associações religiosas, entre as quais as próprias da Ordem, como a Confraria de Nossa Senhora da Consolação e Correia. 55 56 GUTIÉRREZ, Resenha Vicariato Castela cit., p. 16-17. Ibid., pp. 20ss. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 863 Se o clima espiritual das paróquias não era o melhor, aos poucos foi se modificando, principalmente com relação à frequência à missa e aos sacramentos, legitimação de matrimônios, instrução catequética, graças ao trabalho abnegado dos frades e à promoção das “santas missões”, pregadas pelos Padres Redentoristas 57. 5.2. Expansão da presença dos Agostinianos de Castela Em poucos anos, a Vicaria de Castela já marcava presença nas dioceses de São José do Rio Preto e Bragança Paulista. Em 1933, Frei Juan García firmava contrato com o bispo de Bragança Paulista, no Estado de São Paulo, pelo qual a Vicaria se encarregava da Paróquia de Perdões (1933-1966), junto com o Santuário de Bom Jesus dos Perdões e a paróquia de Nazaré Paulista (19331940). Em Perdões realizou-se uma experiência, mesmo efêmera, de uma escola agrícola. No ano seguinte, aceitava-se a paróquia de Atibaia (1934-1958). Essas três paróquias haviam sido atendidas anteriormente, pelos padres da Província das Filipinas (19101922). Até 1935, o número de nove paróquias era superior ao número de religiosos necessários para a constituição regular das comunidades. As determinações da visita geral de Frei Clemente Fuhl em 1935 e as baixas ocasionadas pela Guerra Civil na Espanha obrigaram a fechar algumas paróquias. Quando se comprovou a impossibilidade de conseguir a de Catanduva, destinada a ser a sede da Vicaria, intensificou-se o movimento para rescindir o contrato com a diocese de Rio Preto. Com grande pesar, foram entregues aquelas paróquias, que tinham sido assumidas com tanto empenho. Permaneceram as paróquias assumidas na diocese de Bragança Paulista, em cuja sede os padres se encarregaram do Colégio Diocesano São Luís (1938-1968), que veio a tornar-se a casa principal da Vicaria durante o período estudado, tendo um papel preponderante em todos os sentidos 58. 57 Ibid., pp. 27-29. Para acompanhar a formação das comunidades do Vicariato, com os religiosos que as constituíram, cfr. R. LAZCANO, Provincia de Castilla. Orden de San Agustín. Actas Capitulares (1895-1999). Estatutos Provinciales (1890-1997). Líneas Programáticas (1981-2001) (Documentos 1), prol. M.Á. Orcasitas, Madrid 2000. 58 864 Luiz Antônio Pinheiro, OSA 5.3. Um campo promissor com as jovens vocações Devido às dificuldades impostas pelo governo comunista da Espanha, com a obrigação do serviço militar aos candidatos ao sacerdócio, comprometendo a continuidade dos estudos, os superiores resolveram enviar para o Brasil oito estudantes, acompanhados de três padres e um irmão de obediência. No mesmo ano de 1933, chegaram ao Brasil dirigindo-se à cidade de Perdões, onde concluíram seus estudos. Aí funcionou assim o “primeiro seminário do Vicariato no Brasil”, até o ano de 1937 59. O zelo dos padres, com a nutrida presença dos estudantes, restaurou a igreja e incrementou a devoção ao Senhor Bom Jesus, criando novas associações e dinamizando a vida espiritual, onde destacou-se o trabalho de Frei Juan Pastrana. Cabe aqui destacar o significativo trabalho realizado pelos frades, ao valorizarem uma das devoções mais arraigadas na espiritualidade popular: o Senhor Bom Jesus. O santuário recuperou seu vigor atraindo muitos peregrinos 60. O mesmo foi deixado em 1956, mas foi atendido desde Bragança Paulista, por Frei Juan Pastrana até 1963. Fracassada a tentativa de fundar na cidade de Piracicaba, sempre no interior de São Paulo, tornou-se possível entrar na diocese de Campinas, em 1939, onde foi entregue a paróquia Santo Antônio, cujo contrato foi firmado definitivamente em 1952. Em 1952, por ordem do Prior Geral, Frei José Hickey, iniciouse a construção do primeiro seminário agostiniano do Brasil. O projeto inicial tinha um caráter intervicarial. Devido às dificuldades em se chegar a um acordo, não se pôde concretizar o projeto comum. A Vicaria de Castela decidiu então responsabilizar-se pela obra. Em 1959, o Provincial Frei Honorio Gutiérrez inaugurava o primeiro pavilhão, iniciando-se o curso com dezesseis aspirantes. Em 1969, fez-se uma nova tentativa de um projeto comum de formação, destinando-se o Seminário Santo Agostinho de Bragança Paulista para a formação dos seminaristas das diversas circunscrições do Brasil. Ali foram realizados os dois primeiros noviciados (1968-1970). Esse tema merece um estudo pormenorizado, a ser feito num próximo ensaio. 59 60 Cfr. GUTIÉRREZ, Resenha Vicariato Castela cit., pp. 42-43. Ibid., pp. 44-46. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 865 5.4. Novas vicissitudes e fundações Com a intenção de fundar uma casa central da Vicaria na capital paulista, deu-se a entrada em São Paulo em 1939, no bairro do Belém. Inicialmente os padres atenderam várias capelanias. O novo Arcebispo, Dom José Gaspar d’Afonseca e Silva, tomou a decisão de não aceitar religiosos de províncias de uma mesma Ordem em sua jurisdição. Como já estivessem presentes os frades da Província da Espanha, os religiosos de Castela concentraram-se em Campinas. Graças ao apoio e receptividade do Arcebispo de Campinas, Dom Francisco de Campos Barreto, os religiosos assumiram a recém-criada paróquia de Santo Antônio, assumida em 14/09/ 1939, cuja primeira comunidade foi constituída pelos Freis Juan Antonio Fernández, Manuel Prieto e Juan García. Aí a Vicaria de Castela veio a desenvolver uma das mais significativas obras de sua história. Em 1947, os religiosos puderam retornar a São Paulo, sendolhes entregue a paróquia São Carlos Borromeo (1948). E em 1960 puderam finalmente concretizar um sonho que vinha sendo acariciado há tempos: a atividade docente num centro educacional próprio, o Colégio Agostiniano São José. 5.5. A Prelazia de Jataí Como visto anteriormente, os religiosos da Província da Espanha deixaram a Prelazia de Jataí, no Estado de Goiás. Em 1951, as paróquias antes assumidas pelos religiosos da Espanha foram entregues à Província de Castela 61. O Provincial, Frei Pedro Moratiel, destinou inicialmente para essa missão Frei Juan García e Frei Manuel Prieto, para trabalharem nas paróquias de Rio Verde (1951-1969) e Caiapônia (1951-1959). Logo a seguir, outros onze religiosos jovens foram destinados para assumir as paróquias de Jataí e Mineiros. Foi nomeado como Vicário Provincial nesse período Frei Matias Boñar. A Prelazia passava por uma série de dificuldades. Além da escassez de padres e as enormes distâncias, havia problemas de administração, tendo ocorrido invasão de terras da Prelazia, o que 61 Ibid., pp. 173-210. 866 Luiz Antônio Pinheiro, OSA levou à desapropriação, em favor dos ocupantes, pela lei de “usucapião”. Nessa época, o acento pastoral se colocava na luta contra a ignorância e indiferença religiosa, a maçonaria, o espiritismo e o protestantismo, uma tônica comum nas orientações do episcopado brasileiro 62. De junho a novembro, aproveitando o período da seca, os padres realizavam as visitas de “desobriga”, pelas capelas rurais e fazendas, ocasião em que faziam os batizados e regularizavam as uniões através do sacramento do matrimônio, ultimando o cumprimento do “preceito pascal”, multiplicando as confissões e as comunhões. Em 1957, Dom Germán Vega Campón foi exonerado de suas funções, assumindo em seu lugar o novo Bispo Prelado Dom Abel Ribeiro. Nessa ocasião, a prelazia foi elevada à condição de diocese. Pouco a pouco os religiosos de Castela foram deixando os trabalhos na região, até que se deu a retirada do último religioso, em 1965. 5.6. A fundação em Goiânia Em 1953, os religiosos de Castela recebiam o convite do Arcebispo de Goiás, para se estabelecerem na nova capital do Estado, Goiânia. Os frades entraram efetivamente em 1954, dedicando-se ao atendimento de várias capelanias, até que em 1955 lhes foi entregue a paróquia Nossa Senhora de Fátima. Frei Alipio Martínez foi o responsável pela construção da catedral de Goiânia, sendo seu pároco até 1957. Em 1957 iniciou-se a construção do centro social e Colégio Agostiniano, que iniciou suas atividades com um curso de alfabetização de adultos (1957-1959). Finalmente em 1964, vencidas várias dificuldades, foi inaugurado um novo prédio em 1964, que passou depois por sucessivas ampliações e remodelações. A história da paróquia Nossa Senhora de Fátima está intimamente ligada à história do Colégio Agostiniano Nossa Senhora de Fátima, onde os religiosos da Vicaria de Castela consolidaram sua presença em terras brasileiras, ganhando a confiança dos bispos, o carinho do povo e o respeito da sociedade. 62 Cfr. Bibliografia citada nas notas 47, 48 e 49. Para o tema da religiosidade popular, ver também R. AZZI, O episcopado do Brasil frente ao catolicismo popular (Cadernos de Teologia e Pastoral 7), Petrópolis 1977. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) VI. OS AGOSTINIANOS DE MALTA NO 867 BRASIL A vinda dos Agostinianos da Província de Malta deu-se da seguinte maneira. No verão de 1960, Frei Fulgencio Galea encontrou-se com o salesiano Pe. João Tomás na praça de São Pedro, o qual lhe falou das enormes demandas pastorais na diocese de Campo Grande, no Estado do Mato Grosso, particularmente em Três Lagoas, onde se encontrava trabalhando. Em suas férias em Malta, Frei Fulgencio conversou a respeito com o Provincial, Frei Mariano Sammut, que interpretou a notícia como uma notícia providencial. A missão na África fora reduzida praticamente à sacristia e era necessário buscar novos campos de apostolado. Começaram então os contatos com o bispo da diocese de Campo Grande, Dom Antônio Barbosa, o qual ainda em 1960 lhe fez uma proposta positiva. No entanto, foi necessário esperar mais um pouco, até que fosse eleito em julho de 1961 o novo Provincial. Frei Ugolino Gatt continuou com entusiasmo a correspondência entre a Província e a Diocese. Em 15 de dezembro de 1962, Frei Ugolino Gatt, juntamente com Frei Paolo Maria Spiteri desembarcavam no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Depois de se haverem hospedado com os padres da Província da Espanha, voaram para Três Lagoas, assumindo, dois dias depois, a paróquia de Vila Piloto. Essa Vila albergava os trabalhadores da central hidrelétrica de Urubupungá com suas respectivas famílias de forma provisória até que fosse concluída a primeira etapa. Quando a população se transladou para Ilha Solteira, no Estado de São Paulo, para a segunda etapa da obra, os padres tiveram de deixar esse primeiro campo de apostolado, em 1968. Nessa região trabalharam os padres em seus primeiros trinta anos de Brasil. Como esse trabalho será abordado num próximo período da história da Ordem, assinalamos apenas os lugares iniciais onde eles se estabeleceram: Santana de Paranaíba, distante 200 km de Vila Piloto; a paróquia de Cassilândia e a paróquia de Bom Jesus, no município de Inocência, ambas cerca de 95 quilômetros da residência religiosa. VII. UMA BREVE APRECIAÇÃO Como busquei explicitar ao longo desta exposição, a colaboração dos Agostinianos com a Igreja do Brasil se fez no contexto da consolidação da identidade católica no país, num forte engaja- 868 Luiz Antônio Pinheiro, OSA mento apologético, contra a maçonaria, o protestantismo, o espiritismo, a ignorância e a indiferença religiosa. O trabalho pastoral, sem maiores novidades, se desenvolve através da reforma e construção de igrejas, capelas, escolas e centros sociais, de maneira intensa no período de 1930 a 1960. A vida cristã está centrada na prática sacramental, incrementada pelas numerosas associações sob a autoridade vigilante do vigário. A concepção dominante de evangelização é a transmissão da reta doutrina, a “doutrinação”, a fim de educar o povo na fé, zelando pelos bons costumes, a sã moral, com vistas à salvação das almas. Foi nesse trabalho de caráter paroquial e missionário que os religiosos mais se aproximaram do povo simples e pobre, ora descobrindo e valorizando sua religiosidade e tradições, ora condenando e recriminando-as como ignorância, crendices e superstições. Assim o demonstram as primeiras missões do Amazonas, Goiás, São Paulo e Minas Gerais. Um capítulo que merece um estudo pormenorizado é o da presença dos leigos junto ao trabalho evangelizador realizado pelos religiosos Agostinianos. Interessam nesse período, as irmandades e as numerosas associações leigas. Em geral, os religiosos de todos os institutos religiosos tiveram problemas com as antigas irmandades ou confrarias, que vinham desde a Colônia, principalmente nas cidades mais antigas, como era o caso da diocese de Mariana, em relação aos Agostinianos das Filipinas. No entanto, sob o influxo do movimento romanizador, os religiosos europeus tiveram uma influência muito grande sobre as numerosas associações criadas na Europa a partir da segunda metade do século XIX e, que, no Brasil, tiveram ampla difusão. Entre as associações leigas, criadas, dinamizadas ou reestruturadas, encontramos as seguintes 63: Apostolado da Oração, Sociedade São Vicente de Paulo, Congregação dos Moços Marianos, Filhas de Maria, Congregação dos Santos Anjos, Cruzada Eucarística Infantil, Legião de Maria, Congregação da Doutrina Cristã, Obra das Vocações Sacerdotais, Liga Católica, Irmandade do Santíssimo Sacramento, Obra dos Tabernáculos. As antigas devoções vindas da Colônia, cultivadas nas ermidas, capelinhas e igrejas dos centros urbanos tinham variados títulos marianos (Nossa Senhora da 63 Para uma apresentação do trabalho realizado pelos Padres do Vicariato de Castela nessa direção, cfr. Cfr. GUTIÉRREZ, Resenha Vicariato Castela cit., pp. 24, 27, 29, 47, 92, 129. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 869 Conceição, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Carmo) e como oragos Santo Antônio, São José, São Sebastião. As devoções romanizadas mais difundidas são as do Sagrado Coração de Jesus, Sagrado Coração de Maria, Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora de Fátima, com as muitas novenas, horas eucarísticas e outras práticas devocionais organizadas pelo clero. Os Agostinianos trouxeram devoções típicas da Ordem, que bem refletiam essa prática sacramental e de moldes clericais, que depois serão amplamente adotadas pelo povo: a devoção a Nossa Senhora da Consolação e Correia, com as numerosas confrarias e arquiconfrarias, que se estendem rapidamente em todos os lugares onde os religiosos trabalharam 64. As Oficinas de Caridade de Santa Rita de Cássia 65 e, em alguns lugares Conferências de São Nicolau de Tolentino e São João de Sahagún. Outras devoções difundidas são Santa Mônica e Nossa Senhora do Bom Conselho, ainda que com menor projeção em relação às anteriores. Num primeiro momento, os religiosos desempenham o papel de fundadores e diretores espirituais. Num segundo momento, os próprios devotos assumem a devoção, encarregando-se de difundi-la. Durante o período estudado, a população do Brasil vive majoritariamente na área rural. A maior parte das paróquias assumidas pelos Agostinianos nesse período localizavam-se no interior dos Estados de Goiás, São Paulo e Minas Gerais. Havia muitas capelas rurais ligadas aos pequenos centros urbanos, que não passavam entre 1910-1940, dos doze, oito, quando muito, quinze mil habitantes. Quando encontramos municípios com mais de 20 ou 30 mil, a maioria ainda se concentra no campo. Uma das práticas pastorais mais comuns era o “giro paroquial”, durante o qual se faziam as “desobrigas”, ou o cumprimento do preceito pascal anual. Nessas ocasiões se realizavam numerosas batizados, com a crisma e legitimações dos casamentos, primeiras comunhões, com instrução catequética e pregações66. Outra forma de instruir o povo eram as missões, pregadas normalmente pelos Padres Redentoristas. As festas patronais, com suas quermesses, leilões, rifas, barraquinhas, fogos, danças típicas, eram 64 Cfr. Manual da Arquiconfraria da Sagrada Correia, São Paulo 1947; S. CASAS, Amor e Consolação. Devocionário Completo de Nossa Senhora da Consolação e Correia, Belo Horizonte 1947. 65 Cfr. MARTÍNEZ, Província do Santíssimo Nome de Jesus cit., p. 53. 66 Cfr. GUTIÉRREZ, Resenha Vicariato Castela cit., pp. 178-179, traz uma interessante descrição do “giro paroquial”, feita pelo Frei Maximino Álvarez. 870 Luiz Antônio Pinheiro, OSA ocasião privilegiada de socialização e expressão da fé simples. A seu modo, o povo sempre valorizou a presença e atuação dos padres, recordando-se sempre com carinho dos Agostinianos. Nesse período, nas décadas de 1940 e 1950, principalmente nos grandes centros em processo de crescimento acelerado, a Igreja do Brasil contava com o grande dinamismo da Ação Católica, de forma particular da Ação Católica especializada, nos meios operários e estudantis. Pelo que nos consta, era reduzido o trabalho desempenhado pelos Agostinianos nesse tipo de atuação pastoral, preocupados mais em consolidar sua presença e fortalecer suas obras próprias, como os colégios, onde se destacaram. No campo educacional é que os frades conquistarão o respeito e a o apreço que os distinguirão, principalmente nos centros urbanos como São Paulo, Belo Horizonte e Goiânia. Invariavelmente, desde os primeiros tempos, ao assumirem uma paróquia, procuravam associá-la a um colégio, seja da diocese ou do Estado; ou pelo menos fundar uma escola paroquial, onde pudessem marcar uma presença mais consistente juto às famílias, primando pela educação religiosa e cristã das crianças e jovens. Essa era, além do mais, a orientação do episcopado nacional, como se depreende dos sínodos provinciais. VIII. PERSPECTIVAS FUTURAS Como assinado anteriormente, nos inícios da década de 1960, o Brasil vivia uma espécie de “panela de pressão” social, na qual se cozinhavam muitas tensões e conflitos ideológicos, políticos e econômicos, e que explodiu no golpe militar de 01/04/1964, o qual instaurou a ditadura no Brasil, que perdurará até 1985, ano em que foi eleito por voto indireto o primeiro presidente civil, Tancredo Neves, que não chegou a tomar posse, pois veio a falecer, vítima de uma doença fatal. Foram anos terríveis, de censura da imprensa, violação dos direitos humanos, perseguições, repressão, torturas, exílios, desaparecimento de pessoas, assassinatos, que se prolongaram até o início de 1980. Nesse período conturbado, diversos serão os posicionamentos por parte da hierarquia, desde aqueles afinados com o 67 Cfr. J. GARCÍA SÁNCHEZ, Medio siglo de vida latinoamericana: la OALA y Conocoto, in Los Agustinos en América Latina. Pasado y Presente, Trujillo 1995 2, pp. 375-397. Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 871 regime militar, passando pela grande maioria oscilante, que pouco a pouco toma consciência dos descalabros que acometiam o país, até um setor mais crítico que, já nos primeiros anos, assumem uma posição de denúncia e resistência frente o regime, contra as perseguições, assassinatos e tortura, terrorismo, tanto de direita como de esquerda. O regime ditatorial perseguiu também a Igreja, principalmente a ala mais crítica e liberal. Houve difamação, prisão, tortura, exílio e assassinatos de leigos, religiosos, padres e bispos. Várias congregações religiosas sofreram duros reveses, como os Frades Dominicanos e os Agostinianos Assuncionistas, em São Paulo e Belo Horizonte, por exemplo, envolvidos com os grupos populares, sindicatos e a juventude universitária. Vários deles foram presos, torturados e exilados. Estamos durante o período da realização do Concílio Vaticano II. Os bispos brasileiros, em 1962 haviam lançado o “Plano de Emergência”, o qual, após esse período de experimentação, transformar-se-á, logo após o término do Concílio, no Plano de Pastoral de Conjunto, como primeiro esforço de aplicação do Concílio no país. A partir de Medellín (1968) ganharam força as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), já presentes nos inícios da década de 1960 em vários países da América Latina, respaldas pela reflexão da Teologia da Libertação, despontando as pastorais de cunho mais popular; com a multiplicação dos cursos e institutos de formação de lideranças populares; pesquisas, catequese e outros. Com Puebla (1979), a “opção preferencial pelos pobres” despertará as congregações religiosas para novos desafios no serviço do Evangelho. Já na década de 1970, várias congregações religiosas haviam se lançado à experiência de inserção nas periferias das grandes cidades. Nesse contexto, surgirá em 1969 a Organización de los Agustinos de Latino América (OALA), como uma entidade para promover um maior intercâmbio, conhecimento e mútua colaboração das várias circunscrições agostinianas no continente67. Quais atividades desenvolveram os Agostinianos nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil? Basicamente o acento continuava nas atividades paroquiais e nos colégios, destacando-se a experiência de formação intervicarial, urgida pelo Prior Geral, após o Capítulo Constitucional de Vilanova (1968). Não pouparam esforços em modernizar, tanto as paróquias como os colégios, além de se lançarem com entusiasmo no trabalho de apoio e assessoramento dos novos movimentos, como Cursilhos de Cristandade, Treinamento 872 Luiz Antônio Pinheiro, OSA de Líderes Cristãos, Encontros de Casais com Cristo, Encontros de Jovens com Cristo, Movimento Familiar Cristão, Equipes de Nossa Senhora, Grupos de Oração, Renovação Carismática Católica e outras tantas campanhas e iniciativas promovidas pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ou dioceses. Em geral, manter-se-ão afastados de atividades que tivessem um cunho ou conotação política mais explícita. A opção pelos pobres foi compreendida de diferentes maneiras, desde o tradicional assistencialismo, passando pela promoção humana, até a formação de lideranças e apoio a pastorais e movimentos populares. A partir da década de 1970, intensificaram aqui e ali sua participação em atividades e organismos da Conferência dos religiosos do Brasil (CRB). O capítulo acerca da formação dos Agostinianos no Brasil, com o objetivo de consolidar a presença da Ordem na Terra de Santa Cruz é uma página ao mesmo tempo interessante e intrincada, cheia de percalços. Em geral, os Agostinianos não se preocuparam nos primeiros tempos em promover as vocações agostinianos brasileiras. Tinham um grande contingente de frades para enviar às Américas e, apesar da generosidade de seu trabalho apostólico, nutriam certo preconceito com relação às vocações nativas. De fato, a experiência tida com a direção do Seminário Episcopal de Manaus não resultou muito proveitosa e frutífera. Apreciação mais positiva terão as experiências posteriores na direção de alguns seminários diocesanos. A preocupação com a formação de Agostinianos brasileiros surgiu em 1927, por determinação do Vicário Geral, Frei Eustasio Esteban, em sua visita canônica ao Brasil. A primeira iniciativa de peso deu-se com a fundação da “Escola Apostólica Santo Agostinho”, em Engenheiro Schmidt, no Estado de São Paulo em 1934, por parte da Vice-Província do Santíssimo Nome de Jesus do Brasil, transformada oficialmente em Seminário regular em 1960. Desde então, há que se reconhecer, não se pouparam esforços nessa direção, numa história acidentada e cheia de percalços. Tanto a Província Matritense como a Província de Castela enviaram frades jovens para concluírem seus estudos no Brasil, para preservá-los da catástrofe da Guerra Civil Espanhola (19361939). Significativa foi a experiência formativa desenvolvida, de forma sistemática, pelos Agostinianos de Castela no convento de Bom Jesus dos Perdões (1933-1937). Em 1946, a Vicaria de Castela adquiria em Bragança Paulista a Fazenda “Bom Retiro”, com a finalidade de dotar o Colégio Os Agostinianos no Brasil (1914-1962) 873 Diocesano São Luís de uma área esportiva, entrevendo já a possibilidade de ali instalar um seminário. Em 1950, o Assistente Geral Frei Carlos Vicuña, em sua visita canônica ao Brasil, entre outras determinações, deixou a incumbência de abrir um seminário comum entre as três circunscrições radicadas no Brasil e que servisse ao mesmo tempo de Escola Apostólica e Noviciado. O local indicado foi a propriedade de Bragança Paulista, pertencente à Vicaria de Castela. No entanto, o projeto não se concretizou, apesar dos encaminhamentos dados pelos três comissários naquela época. A Vicaria de Castela, no entanto, levou adiante a obra iniciada, instalando ali o Seminário Santo Agostinho, pelo qual passaram, desde seu início e fechamento, em 1983, mais de 500 seminaristas. A Vicaria Matritense realizou uma experiência efêmera de formação em Belo Horizonte (1965), no Colégio Santo Agostinho, o “Seminário Santa Rita”, sem grandes resultados. Dali as poucas vocações que permaneceram foram transferidas para Bragança Paulista. Houve o caso de um brasileiro que fez sua formação no Escorial, mas que depois não continuou na vida religiosa. Uma segunda etapa inicia-se tendo como marco referencial o Capítulo Constitucional de Villanova, a partir do qual o então Prior Geral, Frei Agostino Trapè urgiu a unificação dos esforços dos quatro grupos de Agostinianos da Ordem em torno de um projeto comum, cujo grande objetivo era a constituição de uma Província Agostiniana Brasileira. Mas, como anunciado, esta é outra etapa da nossa história, da qual pretendo me ocupar num próximo ensaio.