UHE BELO MONTE
ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA
ARQUEOLOGIA
2008
SUMÁRIO
Item
Pág.
I - Caracterização Arqueológica da Área de Abrangência Regional - AAR
2
II – Diagnóstico Arqueológico da Área de Influência Indireta - AII
13
III – Diagnóstico Arqueológico da Área de Influência Direta – AID e da
Área Diretamente Afetada - ADA
35
IV – Avaliação de Impactos
56
V – Programas Recomendados
61
VI – Referências Bibliográficas
73
RESPONSABILIDADE TÉCNICA
Dra. Solange Bezerra Caldarelli
E-mail:
[email protected]
CADASTRO IBAMA: 248948
1
I - CARACTERIZAÇÃO ARQUEOLÓGICA DA ÁREA DE ABRANGÊNCIA
REGIONAL
1. Introdução
O entendimento que se faz de Área de Abrangência Regional, no que concerne à
arqueologia indígena, tratada nesta caracterização, é a de uma área mais ampla que a
AII, onde uma visão contextualizada de conjunto permita identificar as problemáticas
regionais que se refletem nas áreas de influência delimitadas para o empreendimento.
Nesse sentido, será feita, ao final da caracterização, uma apreciação crítica da
pertinência dos limites estabelecidos como AAR da UHE Belo Monte, ou seja, a Bacia
do Rio Xingu.
Para fazer esta caracterização, utilizaram-se apenas dados secundários, obtidos em
mapa etno-histórico (Nimuendaju, 1981), uma vez que a arqueologia do Novo Mundo,
à exceção de tempos muito recuados ou muito recentes (após a consolidação da
sociedade nacional), trata principalmente do passado das sociedades indígenas aqui
encontradas quando da conquista do território americano pelas sociedades européias,
e nas seguintes fontes:
a) Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional.
b) Informações inéditas sobre sítios arqueológicos descobertos em pesquisas feitas
pela Scientia, que ainda não foram incorporados ao CNSA/IPHAN, no município de
Ourilândia do Norte (SCIENTIA, 2005).
c) Artigos em livros e revistas especializadas, que versem ao menos parcialmente
sobre a AAR (Becquelin, 1993; Dole, 1961/62; González, 1996; Heckenberger,
2001; Heckenberger et al., 1999; Jorge, Neves, 1998, 1999a, 1999b, 2000; Prous e
Ribeiro, 2006; Oliveira e Viana, 2000; Pereira, 1995, 1999, 2003; Perota, 1992;
Roosevelt, 1992; Simões, 1976, 1983; Simões e Araújo-Costa, 1978; Wüst, 1999).
2. A arqueologia regional
Nos municípios da AAR foram identificados até o momento, de acordo com as fontes
consultadas, apenas 241 sítios arqueológicos, o que, para uma área tão extensa,
certamente não corresponde à rica e dinâmica pré-história regional. Este número de
sítios reflete tão somente as poucas pesquisas arqueológicas realizadas na bacia do
Rio Xingu.
Desses 241 sítios arqueológicos, 174 se encontram no Estado do Pará e 67 no Estado
do Mato Grosso. Sua distribuição pelos municípios onde foram registrados pode ser
vista na figura a seguir.
2
1
Placas
2
Anapu
2
Pacajá
2
Uruará
3
Brasil Novo
3
PA
Medicilândia
9
Ourilândia do Norte
9
Porto de Moz
12
Prainha
24
Senador José Porfírio
47
Vitória do Xingu
65
Altamira
33
Paranatinga
14
São Félix do Araguaia
7
Vera
3
MT
Guarantã do Norte
3
Sorriso
2
Canarana
2
Nova Brasilândia
2
Peixoto de Azevedo
1
Campinápolis
0
10
20
30
40
50
60
70
FIGURA 1 – Número de sítios arqueológicos registrados nos municípios da AAR
(os municípios não relacionados não foram objeto de pesquisas arqueológicas; portanto, não contam com
sítios registrados).
As categorias de sítios arqueológicos registrados até o momento encontram-se
sumarizadas no quadro abaixo.
QUADRO 1 – Categorias de sítios arqueológicos identificados até o momento na AAR
SIGLA
DESCRIÇÃO
L CA
L/G CA
L/C CA
C CA
C ILHA
C CN
CemC CA
P CN
G CA
G ILHA
G CN
G CN/CA
G/P CN
C/G CA
C/P CN
OP CA
OP/C CA
G/OP/C CA
I CA
Lítico a céu aberto
(exclusivo para sítio com objetos líticos apenas lascados)
Lítico e gravuras rupestres a céu aberto
Um nível com lítico lascado e, sobreposto a este, um nível com cerâmica, a céu aberto
Cerâmica a céu aberto
Cerâmica em ilha fluvial
Cerâmica em cavidade natural
Cemitério cerâmico a céu aberto
Pinturas rupestres em cavidade natural
Gravuras rupestres em matacões aflorados a céu aberto
Gravuras rupestres em ilha fluvial
Gravuras rupestres em cavidade natural
Gravuras rupestres em cavidade natural e em matacões aflorados a céu aberto
Gravuras e pinturas rupestres em cavidade natural
Cerâmica e gravuras rupestres a céu aberto
Cerâmica e pinturas rupestres em cavidade natural
Oficina de polimento a céu aberto
Oficina de polimento e cerâmica a céu aberto
Gravuras rupestres, oficina de polimento e cerâmica a céu aberto
Indígena (de grupo identificado) a céu aberto
3
As categorias apresentadas no quadro 1 distribuem-se pelos estados do Pará e do
Mato Grosso conforme figura 2, abaixo:
179
130
67
3
1
2
2
3
9
6
1
PA
MT
TOTAL
G/OP/C CA
OP/C CA
OP CA
C/P CN
C/G CA
G/P CN
1
ICA
9
G CN/CA
CemC CA
2
G CN
1
7
G ILHA
2
C CN
2
G CA
8
P CN
1
C ILHA
50
C CA
1
L/C CA
3
L/G CN
1
L CA
1
FIGURA 2 – Presença das categorias de sítios registrados na AAR nos municípios do
Pará meridional e do Mato Grosso setentrional.
Observa-se, pela figura acima, que várias das categorias de sítios arqueológicos
registrados na AAR aparecem apenas no Estado do Pará, conforme quadro abaixo:
QUADRO 2 – Distribuição das categorias de sítios arqueológicos pelos
municípios do Pará meridional e do Mato Grosso setentrional
MATO
GROSSO
PARÁ
TOTAL
L CA
1
L/G CN
L/C CA
C CA
3
4
1
1
1
1
130
C ILHA
1
C CN
8
50
180
1
CemC CA
2
10
1
1
P CN
2
2
G CA
7
G ILHA
2
2
G CN
3
3
G CN/CA
1
1
G/P CN
2
2
C/G CA
2
2
C/P CN
3
3
OP CA
6
6
OP/C CA
9
9
G/OP/C CA
1
1
1
I CA
TOTAL
179
4
8
9
9
67
246
A grande quantidade de sítios cerâmicos a céu aberto em ambos os estados reflete,
por um lado, a alta visibilidade desses sítios, em geral aflorantes em superfície, e, por
outro lado, a maior densidade demográfica das sociedades indígenas agricultoras, ás
quais eles se associam em sua esmagadora maioria.
As diferenças quantitativas observadas entre sítios registrados na porção meridional
do Estado do Pará e setentrional do Estado do Mato Grosso refletem a maior
incidência de levantamentos arqueológicos no primeiro, em detrimento do último. Não
têm nenhuma relação com uma maior densidade numérica de sítios arqueológicos no
Pará meridional, em detrimento do Mato Grosso Setentrional.
Quanto às diferenças qualitativas (relativas ao tipo de conhecimento produzido entre
ambas essas regiões), serão verificadas nos itens a seguir, específicos para cada
região.
3. A arqueologia do Mato Grosso setentrional
Os melhores conhecimentos produzidos pela arqueologia no Mato Grosso setentrional
ligam-se à área do alto Xingu, em decorrência de pesquisas levadas a cabo nessa
região, onde se buscava entender o processo de formação da cultura indígena altoxinguana. Além disso, esta região foi uma das áreas em que se procurou pesquisar e
resolver problemáticas de grande interesse para a compreensão da arqueologia précolonial brasileira, como a possibilidade de o ambiente amazônico proporcionar ou não
os recursos necessários ao sedentarismo e ao adensamento demográfico.
As pesquisas no alto Xingu levaram à descoberta de uma expressiva quantidade de
assentamentos indígenas, pré-coloniais e históricos, com ampla diversidade de
características de implantação topográfica, morfologia, densidade e variedade de
vestígios culturais, refletindo a diversidade das sociedades indígenas que a ocuparam
ao longo dos séculos. Neste processo, as inter-relações e influências culturais delas
decorrentes terminaram por culminar numa cultura regional com elementos próprios e
comuns aos seus agentes, coexistindo com particularidades de cada uma dessas
sociedades indígenas: a denominada “cultura alto-xinguana”.
Os assentamentos do alto Xingu, estruturados em grandes e permanentes aldeias,
ocupadas por cerca de 2.000 indivíduos, apresentam datas ao redor do século 11 da
Era Cristã, havendo possibilidade de estarem relacionadas a grupos Arawak, que
seriam os representantes mais antigos da cultura xinguana contemporânea.
Destacam-se, entre os sítios pesquisados, as aldeias pré-coloniais circundadas por
valetas defensivas e com estradas que as ligavam a outras aldeias ou aos locais de
captação de recursos de seus habitantes (florestas das terras altas e rios). Embora o
padrão concêntrico dessas aldeias fortificadas seja o mais comum, existem aldeias
onde as valetas apresentam contorno sinuoso e não delimitam totalmente os sítios, o
que problematiza seu caráter defensivo.
5
Na tecnologia cerâmica alto-xinguana, observa-se o emprego do cauixi e cariapé como
antiplásticos predominantes, com associações específicas de areia, conchas e cacos
de cerâmica. Como tratamento de superfície, destacam-se decorações pintadas e
plásticas, cujas formas relacionam-se com o processamento da mandioca. Alguns
sítios, no entanto, apresentam material não utilitário, correspondendo, provavelmente,
a locais rituais (é o caso da lagoa de Miararré, no município de Paranatinga), estando
relacionados provavelmente a depósitos rituais.
As tradições arqueológicas identificadas reportam-se à Tradição Uru, de índios
mandioqueiros, em grandes aldeias, típica do Brasil Central e à Tradição Borda Incisa,
tipicamente amazônica. Vários outros sítios, não inseridos nessas ou noutras tradições
arqueológicas, apresentam características singulares.
O quadro abaixo apresenta a distribuição das categorias de sítios registrados na
porção xinguana do Mato Grosso meridional, pelos municípios onde há sítios
registrados.
QUADRO 3 – Distribuição, por município, das categorias de sítios registrados até o
momento na porção xinguana do Mato Grosso setentrional
L CA
L/G CN
C CA
Campinápolis
C CN
CemC CA
G CA
I CA
TOTAL
1
1
1
2
Canarana
1
Guarantã do Norte
3
3
Nova Brasilândia
2
2
Paranatinga
1
27
Peixoto de Azevedo
2
São Félix do Araguaia
12
Sorriso
4
1
1
14
3
3
3
33
2
3
Vera
TOTAL
1
1
50
2
1
1
4
7
9
67
Observando-se o quadro 3, chama a atenção um único sítio de arte rupestre
cadastrado, correspondente a um sítio de gravuras rupestres a céu aberto, no
município de Paranatinga. Sabe-se, no entanto, da existência de sítios com sinalações
rupestres (não se sabe se gravuras ou pinturas) em cavidades naturais na região do
alto Xingu, mas, ainda não publicados nem registrados no IPHAN, não puderam, neste
momento, ser inseridos no contexto regional do Mato Grosso setentrional.
No que se refere aos nove sítios indígenas de grupos identificados, eles se referem a
antigas aldeias de índios Kuikuru/Carib (identificadas no município de Paranatinga), de
uma antiga aldeia e cemitério Karajá (identificada no município de São Félix do
Araguaia), de uma antiga aldeia Suyá (também identificada no município de São Félix
do Araguaia) e de três antigas aldeias Trumai e uma Kamaiurá (todas identificadas no
município de Vera).
6
Quanto às datações existentes, elas estão presentes apenas para alguns sítios dos
municípios de Paranatinga e São Félix do Araguaia, na região do alto Xingu, a saber:
QUADRO 4 – Datações radiocarbônicas obtidas para sítios arqueológicos
do alto Xingu.
Município
Datação
1550 d.C
Relativa:
1200 a 1300 d.C.
1.170 d.C.
950 d.C.
1990 +- 60 d.C.
Paranatinga
1770 +- 60 d.C.
1510 +- 70 d.C.
Absoluta:
1350 +- 80 d.C.
1270 +- 70 d.C.
1050 +- 60 d.C.
950 +- 70 d.C.
1760 +- 60 d.C.
São Félix do Araguaia
Absoluta:
1610 +- 50 d.C
1510 +- 50 d.C
1030 +- 90 d.C
Fonte: CNSA/IPHAN
Observa-se, portanto, que a arqueologia alto-xinguana demonstra um processo
duradouro de formação da cultura alto-xinguana contemporânea, com ao menos um
milênio de duração.
Embora não haja sítio antigo de caçadores-coletores registrado no Mato Grosso
setentrional, tem-se notícia de sítios líticos pré-cerâmicos na área do alto Xingu, mas,
ainda não publicados nem cadastrados no IPHAN, não puderam, neste momento, ser
inseridos no contexto regional apresentado. No entanto, a presença desses sítios
atesta que a diversidade arqueológica do Mato Grosso setentrional deve ser muito
maior e mais antiga do que o que se conhece até o presente momento.
4. A arqueologia do Pará meridional
Embora quantitativamente haja mais sítios arqueológicos registrados no Pará
meridional, em relação ao Mato Grosso setentrional, qualitativamente ainda não se
produziu, para esta região, nenhum conhecimento comparável ao conhecimento
produzido sobre a arqueologia alto-xinguana.
A distribuição, por município, dos sítios arqueológicos registrados na porção do Pará
meridional inserida na bacia xinguana pode ser vista no quadro 5, a seguir.
7
QUADRO 5 - Distribuição, por município, das categorias de sítios registrados até o
momento na porção xinguana do Pará meridional
L
CA
L/C
CA
C
CA
C
ILHA
C
CN
Altamira
51
1
6
Anapu
Brasil Novo
3
P
CN
G
CA
G
ILHA
1
1
1
2
1
2
3
1
Pacajá
Placas
Porto de Moz
Prainha
Uruará
1
1
1
1
Vitória do Xingu
1
9
4
2
18
30
130
1
2
1
1
1
8
2
3
2
1
7
1
2
3
1
1
2
2
2
3
6
6
1
7
9
O grande número de sítios arqueológicos registrado nos municípios de Altamira e de
Vitória do Xingu reflete as pesquisas arqueológicas realizadas durante os estudos de
viabilidade ambiental da antiga UHE Kararaô e, posteriomente, os levantamentos
arqueológicos realizados para o EIA/RIMA da UHE Belo Monte.
Portanto, essa supremacia numérica não corresponde a uma maior densidade de
sítios arqueológicos nesses municípios, mas a um maior número de levantamentos
arqueológicos em ambos.
O expressivo número de sítios de arte rupestre (gravuras e/ou pinturas) registrado
decorre das pesquisas temáticas desenvolvidas por Pereira, as quais resultaram em
sua tese de Doutoramento e numa série de publicações, referidas na Introdução a este
capítulo e informadas na bibliografia. As figuras abaixo reproduzem algumas das
gravuras estudadas pela pesquisadora nos municípios paraenses de Prainha e
Senador José Porfírio.
FIGURA 3 – Gravura rupestre em Prainha/PA
Fonte: Pereira, 1999: 14
T
65
1
3
9
Ourilândia Norte
Sen. José Porfírio
G
G/P C/G C/P OP OP/C G/OP/C
CN/CA CN CA CN CA CA
CA
2
Medicilândia
TOTAL
G
CN
FIGURA 4 – Gravura rupestre antropomorfa em
Prainha/PA Fonte: Pereira, 1999: 16
8
1
1
3
9
2
1
9
12
2
24
47
179
FIGURA 5 – Grafismos geométricos em
Senador José Porfírio/PA
FIGURA 6 – Gravuras rupestres com
representações zoomorfas e antropomorfas
em Senador José Porfírio/PA.
Fonte: Pereira, 1999: 20
Fonte: Pereira, 1999: 20
Uma outra categoria de sítio arqueológico característica do Pará meridional refere-se
às oficinas de polimento, constituídas por grandes matacões de rocha aflorada,
utilizados intensamente pelas sociedades pré-coloniais da área de estudo para
confecção de seus artefatos de pedra polida, em especial machadinhas de pedra,
usadas para abatimento de árvores. Ocorrem tanto polidores propriamente ditos, com
superfícies côncavas ovaladas, resultantes da fricção das superfícies das rochas a
serem transformadas em lâminas de machado, quanto afiadores, com sulcos em V,
resultantes do aguçamento dessas lâminas de machado para o corte.
Tais sítios ocorrem principalmente nas margens e no leito do rio, em matacões
aflorados ou ilhas. É comum sua associação, no mesmo espaço, com fragmentos
cerâmicos, comprovando que sua fabricação e uso ocorria por sociedades
agricultoras, produtoras de cerâmica, que usavam os artefatos líticos para o abate de
árvores para formação de seus roçados e para a construção de canoas, para
navegação no rio. A presença de sítios arqueológicos em ilhas fluviais comprova o uso
de canoas.
Sobre os sítios da porção xinguana do Pará meridional não existem, ainda,
informações sobre morfologia, dimensões, variabilidade e densidade cultural, que
permitam maiores inferências sobre a arqueologia baixo-xinguana, no presente
momento.
5. Tribos indígenas registradas historicamente na AAR
Tendo em vista o fato de que muitos sítios arqueológicos da AAR são relativamente
recentes, é importante ter-se em mente quais foram as tribos indígenas nela
registradas por ocasião de seu primeiro contato com a sociedade colonial ou nacional.
Para isso, reproduz-se, a seguir, o mapa de Nimuendaju, que procurou registrar
exatamente esse momento (figura 7).
9
FIGURA 7 – Recorte do Mapa Etnohistórico do Brasil e regiões adjacentes, mostrando as
tribos indígenas historicamente registradas na bacia do Xingu, por ocasião de seu
primeiro contato com a sociedade colonial ou nacional. Fonte: Nimuendaju, 1981.
10
A figura 7 mostra que, na porção xinguana do Mato Grosso setentrional, foram
registradas principalmente tribos indígenas de língua Otuké, Karib, Karayá e isoladas,
enquanto que, na porção xinguana do Pará meridional, as tribos indígenas registradas
falavam línguas Tupi, Jê e Karib.
A cultura material dessas tribos fornece importantes indícios para a interpretação de
sítios arqueológicos indígenas recentes de ambas as áreas de estudo.
6. Considerações sobre a arqueologia da AAR
O levantamento feito sobre a arqueologia da AAR mostra uma divisão natural e
cultural entre a porção xinguana do Mato Grosso setentrional e do Pará meridional.
Nesse sentido, o contexto arqueológico regional que efetivamente dá conta da área
onde se insere a UHE Belo Monte é o do Pará meridional, o qual precisa ser mais
detalhadamente analisado, para fornecer subsídios corretos à avaliação arqueológica
dos efeitos da construção da UHE sobre o patrimônio arqueológico nacional.
Mesmo quando se consideram as tribos indígenas historicamente registradas na AAR,
essas diferenças se fazem sentir com nitidez: com exceção das tribos de língua karib
(mesmo assim, com ocupação mais expressiva no Mato Grosso setentrional), a
etnohistória de ambas as regiões não têm relação entre si. Trata-se de territórios
diferentes, com baixo (ou nenhum) nível de articulação.
Mesmo na atualidade, essa articulação não ocorre. Ao delimitar as áreas culturais do
Brasil, Melatti (2005) adotou como critério a noção de “pólos de articulação”, ou seja,
agrupamento de cada sociedade indígena com aquelas com que partilha sua vida
social, a par de outros critérios, tais como limite temporal e classificação lingüística.
O autor acima citado retomou a noção de áreas culturais, nascida no seio da
antropologia norte-americana e voltada para a reconstituição do percurso dos traços
culturais entre diferentes sociedades, em âmbito regional, conceituando-as não mais
como áreas culturais, mas como áreas etnográficas.
Combinando, portanto, semelhanças culturais com articulação social, Melatti delimitou
as áreas etnográficas da América do Sul no último quartel do século XX, conforme
figura 8, a seguir.
As áreas que interessam ao presente estudo são as denominadas pelo autor de
“Tocantins-Xingu” e “Alto Xingu”. As articulações sociais ocorrem dentro dessas áreas
e não (ou raramente) entre elas, o que reforça a tendência histórica do Alto Xingu
como uma área etnográfica à parte do restante da bacia xinguana.
11
FIGURA 8 – Mapa das áreas etnográficas da América do Sul, com destaque para as áreas
“Tocantins-Xingu” (onde se insere a UHE Belo Monte) e a área “Alto Xingu”.
Fonte: Melatti, 2005.
12
II - DIAGNÓSTICO ARQUEOLÓGICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA INDIRETA
1. Introdução
Para a caracterização da problemática arqueológica da AII, recorreu-se não apenas a
fontes arqueológicas, mas também a fontes etnográficas informativas da cultura
material das etnias registradas na região historicamente, uma vez a arqueologia précolonial brasileira tem como objeto de estudo as sociedades indígenas que
precederam as aqui encontradas pelo colonizador europeu, independentemente de
sua antiguidade. No que concerne aos sítios arqueológicos mais recentes,
informações sobre a cultura material dos indígenas historicamente registrados na área
de estudo podem fornecer dados valiosos para a interpretação dos vestígios
arqueológicos existentes no solo.
Esse procedimento atende as exigências da Portaria IPHAN 230/2002, que
regulamenta os estudos arqueológicos necessários às diversas etapas do
licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente lesivos a bens
arqueológicos.
2. Arqueologia da AII
Nos municípios da AII foram identificados até o momento, de acordo com as fontes
consultadas, apenas 159 sítios arqueológicos, o que reflete a baixa intensidade de
pesquisas arqueológicas realizadas no trecho paraense da bacia do Rio Xingu.
A distribuição dos sítios arqueológicos registrados até o momento pelos municípios da
AII (figura 1) reflete, além disso, o desequilíbrio geográfico das pesquisas
arqueológicas pela área de estudo.
1
Placas
Uruará
2
Pacajá
2
2
Anapu
Medicilândia
3
Brasil Novo
3
9
Porto de Moz
25
Senador José Porfírio
47
Vitória do Xingu
65
Altamira
0
10
20
30
40
50
60
70
FIGURA 1 – Distribuição dos sítios arqueológicos registrados pelos municípios da AII
13
As categorias de sítios arqueológicos registrados até o momento encontram-se
sumarizadas no quadro abaixo.
QUADRO 1 – Categorias de sítios arqueológicos identificados até o momento na AII
SIGLA
DESCRIÇÃO
L CA
Lítico a céu aberto
L/C CA
Um nível com lítico lascado e, sobreposto a este, um nível com cerâmica, a céu aberto
C CA
Cerâmica a céu aberto
C ILHA
Cerâmica em ilha fluvial
C CN
Cerâmica em cavidade natural
G CA
Gravuras rupestres em matacões aflorados a céu aberto
G ILHA
Gravuras rupestres em ilha fluvial
G CN/CA
Gravuras rupestres em cavidade natural e em matacões aflorados a céu aberto
G/P CN
Gravuras e pinturas rupestres em cavidade natural
C/G CA
Cerâmica e gravuras rupestres a céu aberto
C/P CN
Cerâmica e pinturas rupestres em cavidade natural
OP CA
Oficina de polimento a céu aberto
OP/C CA
Oficina de polimento e cerâmica a céu aberto
G/OP/C CA
Gravuras rupestres, oficina de polimento e cerâmica a céu aberto
(exclusivo para sítio com objetos líticos apenas lascados)
A representação numérica de cada uma das categorias de sítios arqueológicos
apresentadas no quadro 1 pode ser vista na figura 2:
120
117
100
80
60
40
1
1
1
1
L CA
C ILHA
G CN/CA
1
G/OP/C CA
1
G/P CN
2
C/P CN
2
G ILHA
2
C/G CA
6
OP CA
7
G CA
8
C CN
OP/C CA
0
C CA
9
L/C CA
20
FIGURA 2 – Representação numérica de cada categoria de sítio arqueológico na AII.
14
Percentualmente, a figura 3 mostra a superioridade absoluta da categoria “sítios
cerâmicos a céu aberto” (CCA) em relação às demais categorias de sítios
arqueológicos registradas na AII:
4%
8%
4%
5%
6%
73%
CCA
OP/CCA
CCN
GCA
OPCA
Outros
FIGURA 3 – Representação percentual de cada categoria de sítio arqueológico registrada
na AII.
O grande percentual (72%) de sítios cerâmicos a céu aberto reflete, como já
mencionado na caracterização da AAR, a alta visibilidade desses sítios, em geral
aflorantes em superfície, e também a maior densidade demográfica das sociedades
indígenas agricultoras às quais eles se associam.
A distribuição, por município, dos sítios arqueológicos registrados na AII pode ser vista
no quadro 2, a seguir:
QUADRO 2 - Distribuição, por município, das categorias de sítios registrados até o
momento na porção xinguana do Pará meridional
L L/C
C
C
C
G
G
G
G/P C/G C/P OP OP/C G/OP/C
CA CA CA ILHA AB CA ILHA CN/CA CN CA CN CA CA
CA
Altamira
51
1
6
Anapu
1
1
1
2
1
T
65
1
2
2
Brasil Novo
3
3
Medicilândia
3
3
Pacajá
1
2
1
Porto de Moz
9
9
Uruará
2
2
Sen. José
Porfírio
1
1
Vitória do
Xingu
TOTAL
1
1
18
1
2
30
1
1
1
8
7
2
116
1
24
1
1
1
2
1
6
7
1
47
6
9
1
158
O grande número de sítios arqueológicos registrado nos municípios de Altamira e de
Vitória do Xingu reflete as pesquisas arqueológicas realizadas durante os estudos de
viabilidade ambiental da antiga UHE Kararaô e, posteriomente, os levantamentos
arqueológicos realizados para o EIA/RIMA da UHE Belo Monte.
15
Portanto, essa supremacia numérica não corresponde a uma maior densidade de
sítios arqueológicos nesses municípios, mas a um maior número de levantamentos
arqueológicos em ambos.
Os sítios com arte rupestre (gravuras ou pinturas, associadas ou não com outros
vestígios culturais) representam 9% dos sítios arqueológicos conhecidos na AII,
conforme figura abaixo:
9%
Sítios com arte rupestre
Outros sítios
91%
FIGURA 4 – Percentual de sítios com arte rupestre em relação à totalidade dos sítios
arqueológicos conhecidos na AII
As técnicas de confecção das sinalações rupestres nos sítios arqueológicos da AII
mostram uma superioridade da técnica da gravura em relação à pintura, conforme
figura a seguir:
13
Gravuras
1
1
Pinturas
Gravuras e pinturas
FIGURA 5 – Quantidade de sítios X técnicas de arte rupestre registradas na AII
A ênfase dada neste diagnóstico aos sítios de arte rupestre justifica-se pelo fato de
esses sítios serem os únicos intencionalmente confeccionados por seus autores para
comunicação com seus pares. Enquanto os demais sítios correspondem a “restos” de
atividades pretéritas, cotidianas ou excepcionais, os sítios de arte rupestre
correspondem à intencionalidade de seus autores, com signos reconhecíveis por seus
destinatários, mesmo que inacessíveis para os pesquisadores de hoje.
16
FIGURA 6 – Figura zoomorfa (réptil) gravada
em sítio arqueológico do município de
Senador José Porfírio
FIGURA 7 – Figuras antropomorfas e geométricas
gravadas em rocha granítica aflorada em ilha do
rio Bacajá, município de Anapu
Fonte: Pereira, 1999: 20
Fonte: Pereira, 2003: 174
FIGURA 8 – Figura antropomorfa gravada
em ilha de pedra no Rio Bacajá, município
de Anapu
FIGURA 9 – Figura antropomorfa gravada em
matacão aflorado às margens do Rio Xingu,
confluência com o Rio Iriri, no município de
Altamira
Fonte: Pereira, 2003: 177
Fonte: Pereira, 2003: 176
Uma outra categoria de sítio arqueológico característica da bacia paraense do Xingu
refere-se às oficinas de polimento, constituídas por grandes matacões de rocha
aflorada, utilizados intensamente pelas sociedades pré-coloniais da área de estudo
17
para confecção de seus artefatos de pedra polida, em especial machadinhas de pedra,
usadas para abatimento de árvores.
Nas oficinas de polimento, ocorrem tanto polidores propriamente ditos, com superfícies
côncavas ovaladas, resultantes da fricção das superfícies das rochas a serem
transformadas em lâminas de machado, quanto afiadores, com sulcos em V,
resultantes do aguçamento dessas lâminas de machado para o corte. Tais sítios foram
registrados, até o momento, em Altamira (um sítio), Senador José Porfírio (um sítio) e
Vitória do Xingu (14 sítios).
Os sítios de gravuras rupestres a céu aberto e as oficinas de polimento se revestem
de especial interesse por utilizarem como suportes matacões aflorados nas margens
dos rios, em seus leitos ou em ilhas, ou seja, em situação de extrema vulnerabilidade
em relação a qualquer tipo de intervenção nos cursos d’água da AII.
No que concerne à distância dos cursos d’água, os sítios registrados na AII até a
presente data se distribuem por seis faixas, conforme figura a seguir:
9
10%
5
5%
1
1%
21
22%
33
35%
3 a 25 m
30 a 80 m
25
27%
100 a 350 m
400 a 800 m
1.000 a 2.000 m
4.000 m
FIGURA 10 – Distância entre os sítios registrados na AII e as fontes de água mais
próximas.
Os dados acima precisam ser vistos com certa cautela pelo fato de que as pesquisas
arqueológicas na região privilegiaram os cursos d’água como meio de locomoção, o
que aumenta a probabilidade de serem encontrados sítios que se situam em suas
proximidades.
No que concerne à altitude s.n.m, os sítios para os quais tal informação foi registrada
se distribuem por sete faixas (com predominância de localização em altitudes entre 79
e 120m s.n.m.), a saber:
18
20
22
9
1
30 m
79 a 98 m
100 a 120 m
125 a 153 m
4
5
4
160 a 184 m
200 a 250 m
300 m
FIGURA 11 – Distribuição quantitativa dos sítios arqueológicos conhecidos na AII por
faixas de altitudes s.n.m.
A altitude dos sítios tem importância em estudos de impacto ambiental de usinas
hidrelétricas por fornecerem uma indicação das quotas com maior potencial de
ocasionarem a submersão de sítios arqueológicos.
Quanto à implantação topográfica dos sítios arqueológicos, as informações existentes
mostram a situação apresentada na figura a seguir:
10
6%
1
1%
38
23%
68
42%
22
13%
Topo
Média vertente
25
15%
Baixa vertente
Planície de inundação
Leito do rio
Ilha fluvial
FIGURA 12 – Implantação topográfica registrada dos sítios arqueológicos conhecidos na
AII.
A maior concentração de sítios arqueológicos em altos topográficos (38%) se explica
pela preferência, para assentamentos de longa duração, por áreas a salvo de
inundações. Sítios localizados em áreas inundações correspondem a acampamentos
sazonais ou de atividades específicas, de curta duração (ex: acampamentos de pesca;
oficinas de polimento aproveitando os matacões aflorados nas imediações ou no leito
dos rios).
No que concerne às dimensões dos sítios arqueológicos da AII, para os sítios onde
tais informações foram fornecidas, a situação é a representada na figura 13:
19
2 2
2% 2%
5
4%
3
3%
12
10%
38
32%
21
18%
34
29%
16 a 28 m²
200 a 600 m²
1.500 a 3.000 m²
4.000 a 6.000 m²
7.200 a 16.000 m²
20.000 a 65.000 m²
86.000 a 300.000 m²
450.000 a 800.000 m²
FIGURA 13 - Área registrada dos sítios arqueológicos a céu aberto da AII.
A figura acima (na qual não foram representadas as dimensões de sítios em cavidades
naturais pelo fato de que nesses as dimensões são definidas pelos limites da própria
cavidade) mostra a grande diversidade de áreas dos sítios arqueológicos, o que
mostra a existência, na AII, de sítios de dimensões entre mínimas a muito pequenas
(correspondentes a assentamentos de atividades limitadas) a grandes aldeias. A
maioria dos sítios (72%) apresenta área entre 7.200 e 65.000 m², ao menos com as
informações disponíveis até o momento.
É interessante observar que o maior sítio registrado até a presente data na AII (com
800.000 m² de área) situa-se no município de Vitória do Xingu, a uma distância de
1,5km do rio. Pode corresponder a uma grande aldeia ou a uma situação (cerimonial,
festiva, etc.) de união entre aldeias.
Muito embora inexistam até agora dados sobre a morfologia desses sítios, as
dimensões registradas em duas direções (N/S – E/W) mostram uma tendência a
formas circulares, semi-circulares, elípticas ou semi-elípticas. Há, no entanto, registro
de um sítio arqueológico de grandes dimensões (300.000 m²), no município de
Altamira, com morfologia linear, disposto em topo de colina, paralelamente ao rio, do
qual dista 50m.
3. Etno-história da AII
No mapa etnohistórico do Brasil, de 1944 (IBGE, 1987), Nimuendaju indica as
populações indígenas registradas na região que interessa ao presente diagnóstico no
momento de seu primeiro contato com a sociedade colonial ou naciona (Figura 14).
20
FIGURA 14 – Recorte do Mapa Etnohistórico do Brasil e regiões
adjacentes, mostrando as tribos indígenas historicamente registradas na
AII da UHE Belo Monte (limites em vermelho), por ocasião de seu primeiro
contato com a sociedade colonial ou nacional. Fonte: Nimuendaju, 1944
(IBGE, 1981).
21
A figura 3 mostra que, na AII da UHE Belo Monte, foram registradas, historicamente,
tribos indígenas de línguas Tupi (tribos diversas), Jê (tribos Kayapó) e Karib (tribos
Arara).
A cultura material dessas tribos, a seguir sumarizada, fornece importantes indícios
para a interpretação de sítios arqueológicos indígenas recentes da área de estudo.
3.1. Índios de língua Tupi
3.1.1. Grupo: Aracajú
Registro na área de estudo: 1680 a 1830
Assentamento: Aldeia formada por uma grande habitação
Instrumentos: arcos, flechas e escudos
Adornos: plumária
Fontes: Nimuendaju (1944; 1948); Spix & Martius, 1976
3.1.2. Grupo: Assurini
Registro na área de estudo: desde o final do século XIX
Assentamento: aldeias com dez a quinze habitações (abrigando de 8 a 20 pessoas).
Casas retangulares, abobadadas, simples ou com duas águas, cobertas
de palha, sem paredes. Na parte superior, jiraus para guardar
utensítios. Casa cerimonial, Durante o estio, não constroem habitações,
abrigando-se na vegetação, atando as redes em árvores ou estacas.
Subsistência: Caça – Pesca
Coleta: castanha, babaçu, bacaba, inajá
Horticultura: mandioca brava, batata doce, inhame, macaxeira, milho,
banana, urucum, algodão, tabaco.
Instrumentos: arco; flecha com ponta de taboca ou bambu, de madeira roliça e de
osso com barbelas; rede de envira, fibra de tucum ou fio de algodão;
pente de paxiuba; cestos; potes de cerâmica globulares com pescoço
constrito e borda extrovertida; flautas de madeira; pífaro de taboca;
buzina de taboca; banco de madeira; machado de pedra; borduna;
cerâmica (muitas vezes decorada através de pintura com motivos
geométricos).
FIGURA 15 - Banco decorado de madeira Asurini atual.
Fonte: http://www.novomilenio.inf.br/real/ed149k.htm
22
Além da cerâmica, são decorados com desenhos geométricos as cuias
(gravura), arco e enfeites (traçado). De um vasto repertório de motivos
e padrões de desenhos usados na decoração destes itens da cultura
material, são tirados também aqueles que ornamentam o corpo tatuado
e pintado de jenipapo.
Os desenhos geométricos utilizados na decoração do corpo, da
cerâmica, das cabaças e outros itens da cultura material asurini
compreendem um sistema de arte gráfica, com uma gramática própria e
cujo conteúdo se relaciona a diferentes sistemas de significação
(Muller, 2002).
FIGURA 16 - Mulher Asurini decorando um vasilhame cerâmico.
Foto: Fabíola Silva, 1998. In: www.socioambiental.org.
Adornos:
batoque de madeira; estojo peniano de fibra; colar de dentes de
macaco; adornos plumários; pintura corporal com urucum.
Tecnologia:
Pesca – com arco e flecha ou com timbó, após represamento de
igarapés ou rios.
Processamento de alimentos: bolos de mandioca espremidos com as
mãos, secados ao sol e conservados em cestas. Para o consumo, são
transformados em mingau ou farinha torrada, em panelas de barro,
Outrora, usavam tipitis e fornos de barro.
Cestaria; olaria.
Práticas funerárias: corpo enterrado na casa em que a pessoa morava e, em
conseqüência, abandono da aldeia (com exceção da morte de
crianças).
Fontes:
Andrade (1984); Arnaud (1961); CEDI (1985); Coudreau (1977); Muller
(1984/85); Nimuendaju (1944, 1948).
23
3.1.3. Grupo: Kuruáya
Registro na área de estudo: do século XVII à primeira metade do século XX
Assentamento: aldeia composta de cinco habitações agrupadas irregularmente em
torno de um pátio. Cabanas elípticas, com uma fileira de esteios
centrais e duas laterais, cobertas de palha. Clareiras para cultivo eram
abertas na floresta, longe da aldeia.
FIGURA 17 – Aldeia Cajueiro, com morfologia tradicional e habitações em estilo regional.
Foto: André Villas Boas, 2002. In: www.socioambiental.org
Subsistência: Caça / Pesca / Coleta: vegetais, mel, tartarugas e seus ovos
A caça e a coleta eram mais importantes que a pesca.
Horticultura: banana, mandioca, tubérculos.
Instrumentos: arco; flechas com pontas de camaiuva, bambu, osso, madeira e resina
de jutahy; redes de fibra de palmeira. Bancos de madeiras; fusos, potes
globulares de cerâmica; instrumentos de sopro; canoas de casca de
jutahy.
Adornos:
brincos de pena; tembetás de pedra.
OBS.:
- Alguns autores não separam os Kuruaya dos Xipaya
- Estavam em guerra constante com os Kayapó
- Faziam troféus de guerra com crânios de inimigos
Fontes:
Nimuendaju (1944, 1948); Snethlage (1910).
3.1.4. Grupo: Pacajá
Registro na área de estudo: final do século XIX
Instrumentos: Canoas; troféus de crânio do inimigo; instrumentos de pedra.
OBS.:
Canibalismo ritual (prisioneiro de guerra)
Fontes:
Nimuendaju (1944, 1948)
24
3.1.5. Grupo: Tucunyapé
Registro na área de estudo: do século XVII ao século XIX
Assentamento: grandes habitações comunais, em aldeias situadas originalmente na
floresta e, posteriormente, em ilhas fluviais.
Subsistência: a caça desempenhava um papel importante.
Tecnologia:
Processamento de alimentos – os alimentos eram enrolados em folhas
de palmeiras e assados sob cinza quente.
Adornos:
brincos de pena; tembetás de pedra.
OBS.:
Nunca foram estudados diretamente. Todas as informações são
indiretas.
Fontes:
Nimuendaju (1944, 1948).
3.1.6. Grupo: Xipaya
Registro na área de estudo: de 1880 a 1950
Assentamento: casas com planta irregular ou oval, grandes; até duas por aldeia; em
geral em ilhas rochosas, mais raramente em terra firme.
Subsistência: Pesca – importante meio de subsistência
Horticultura: mandioca, milho, batata, cará, banana, algodão, pimenta,
tabaco, cabaça, urucum, genipapo.
Instrumentos: borduna cilíndrica; arco, flecha de camaiuva, com ponta lanceolada de
bambu ou osso, ponta cilíndrica de madeira (para pesca) e com resina
de jutahy (para a guerra); fuso, banco de madeira; rede de algodão;
canoa; cabaça decorada; almofariz cilíndrico de madeira; fogão de 3
pedras; instrumentos de sopro; potes de cerâmica.
Adornos:
colares de miçangas, sementes e dentes de animais.
Tecnologia:
Processamento de alimentos – a farinha de mandioca era torrada em
fornos de barro
Fiação de algodão
Canoas – casca de leguminosa alta, queimada próximo às
extremidades e dobrada nas linhas queimadas. As extremidades eram
ligadas com cipós, seguros lateralmente por varas e no fundo por
travessas.
Práticas funerárias: os mortos eram enterrados dentro da habitação; passado algum
tempo, os ossos eram exumados, limpos e colocados numa cesta
pendurada na cabana.
OBS.:
- Alguns autores não separam os Xipaya dos Kuruaya
- Estavam em guerra constante com os Kayapó
- Faziam troféus de guerra com crânios de inimigos
Fontes:
Coudrau (1977); Nimuendaju (1944, 1948); Snethlage (1910).
25
3.1.7. Grupo: Wayãpy
Registro na área de estudo: de meados do século XVII à segunda metade do século
XVIII.
Assentamento: casas dispersas no espaço limitado por um igarapé ou rio e pelas
roças, deixando livre uma praça (okara) onde se realizam as atividades
sociais e rituais. Cada casa corresponde a uma família nuclear ou, em
raros casos, a uma família extensa. As roças condicionam a localização
das habitações permanentes e o ritmo dos deslocamentos sazonais. As
casas do tipo tradicional são palafíticas.
Além das casas de habitação, há também em todas as aldeias, na
proporção de uma para duas ou três casas, construções que servem de
cozinha, com jiraus, os pontos para o fogo e todos os instrumentos para
o processamento da mandioca. Estas construções servem para várias
famílias nucleares e nela se reúnem mães e filhas para a preparação
dos alimentos (Gallois, 1997).
Subsistência: Caça
Agricultura - principal atividade de subsistência
Instrumentos: machados de pedra (no passado); cestos
Adornos:
pintura corporal.
Fontes:
Gallois (1997).
3.1.8. Grupo: Yuruna (ou Juruna)
Registro na área de estudo: desde o século XVI
Assentamento: em ilhas, ou nas proximidades das margens do rio Xingu. Dois tipos de
habitação: a) retangular; telhado com abas; vigas verticais curvadas em
direção ao topo; b) retangular; paredes perpendiculares; telhado
chegando ao chão. Entradas laterais e fogueiras internas. As
dimensões das cabanas variavam de 2 x 4m a 24 x 24m.
Subsistência: Caça / Pesca
Coleta: castanha, raízes silvestres, ovos de tracajá
Horticultura: mandioca, milho, batata, cará, banana, algodão, pimenta,
tabaco, cabaça, urucum, genipapo
Instrumentos: rede; tear de bambu; almofariz cilíndrico de madeira (com base cônica);
mão de pilão; vasilhas de cerâmica; objetos de madeira; canoa (scção
em U); arco; flecha (ponta lanceolada de bambu ou osso); flauta de
osso humano (inimigo).
26
FIGURA 18 – Cerâmica Yuruna atual.
Fonte: http://www.losartesanos.com/indigena/ceramica.htm
FIGURA 19 – Cerâmica Yuruna atual
Fonte: http://www.losartesanos.com/indigena/ceramica.htm
Adornos:
adorno auricular de dente humano (inimigo); colar de contas; cinta de
algodão.
Tecnologia:
tecelagem; tochas feitas de pequenas varas de madeira enroladas em
algodão e encharcadas com óleo; canoas cavadas com fogo.
Processamento de alimentos – a farinha de mandioca era torrada em
forno de barro.
Práticas funerárias: o morto, envolto em rede e coberto por esteiras, era enterrado
dentro da habitação. Enterro secundário: os ossos eram removidos,
colocados em um cesto e pendurados, nas vigas da cabana.
OBS.:
- Praticavam exocanibalismo
- Crânios humanos eram transformados em troféus de guerra
Fontes:
Nimuendaju (1944; 1948); Príncipe Adalberto da Prússia (1977).
27
3.2. Índios de língua Karib
Grupo: Arara
Registro inicial na área de estudo: 2ª. metade do século XIX
Ambiente: floresta
Subsistência: apanha de tartarugas.
Os ciclos econômicos e rituais convergem para a estação seca. Toda a
agricultura, cuidada durante o período úmido do ano, serve não apenas aos
propósitos da alimentação cotidiana quando as grandes caçadas inexistem.
Ainda que a preferência explícita recaia sobre a macaxeira, quase tudo o que
plantam além dela - batata, cará, milho, e frutas como abacaxi, banana etc. servirá para a fabricação de uma bebida fermentada, concebida como a
contra-dádiva necessária para as caçadas que acontecerão tão logo as
chuvas cessem e a floresta esteja outra vez seca o suficiente para os
caçadores seguirem trilhas e pistas dos animais. As trocas da carne de caça
pelas bebidas fermentadas pedem sempre uma grande elaboração ritual, na
qual os grupos residenciais expressam seu caráter coletivo: um grupo caça,
outro fabrica bebida para retribuir as carnes que receberão. Durante toda a
estação seca é isto o que se vê: um grupo partindo para uma longa caçada,
outro ocupando-se de colher das roças tudo o que pode ser transformado em
bebida (Teixeira-Pinto, 1998).
Instrumentos: flechas de tabocas; longas trombetas.
Arcos de secção elípticas (2m de comprimento x 4 de largura); flechas de camaiuva;
lança composta de bambu; machado de pedra (polido apenas no gume) encabado em
madeira, fixado com resina com fios; cinzel de dente de cutia encabado; vasilhas de
casco de tartaruga; potes de cerâmica; cestos; redes de fibras de palmeiras; fuso; tear;
pau de cavar; ralador de mandioca (de raiz de paxiuba); maracá; pente; cuias.
Adornos: brincos de penas; pintura corporal; adorno perfurante nasal (de madeira).
FIGURA 20: Índio Arara do Pará, adornado
com colares, pintura corporal e batoque
nasal.
Foto: Bita Carneiro, 1981
28
Tecnologia: trançado; cestaria.
Práticas Funerárias: enterramentos secundários em urnas (no passado).
De hábito, os Arara não enterram seus mortos, mas lhes reservam uma
plataforma na floresta, no interior de uma pequena casa funerária levantada
especialmente para cada ocasião. Afastado da terra, o morto deve ir secando
gradativamente, perdendo o que ainda lhe restava de substâncias vitais para
o conjunto de seres metafísicos que passam a rondar os cadáveres,
alimentando-se daquilo que antes dava vitalidade ao defunto. A funerária
Arara é, assim, uma espécie de devolução das substâncias vitais que os
humanos extraem do mundo; uma troca ou reciprocidade escatológica para
com os demais seres do mundo (Teixeira-Pinto, 1998).
OBS:
- Deslocavam-se constantemente, devido aos ataques dos Kayapó
- A tartaruga era importante objeto de troca
- Troféus de guerra (no passado): escalpos, pele da face, crânio humano
enfeitado com penas.
- Antes do contato, dividiam-se em pequenos subgrupos, independentes e
autônomos, mas integrados numa rede de prestação intercomunitária,
sobretudo para as temporadas de caça e festas. Promoviam grandes
reuniões na estação seca, que serviam também ao propósito de reunir os
vários grupos dispersos espacialmente.
Fontes: Coudreau (1849); Nimuendaju (1944, 1948); Teixeira-Pinto (1998).
3.3. Índios de língua Jê
Grupo: Kayapó
Registro na área de estudo: desde o início do século XIX
Assentamento:
As aldeias kayapó tradicionais são compostas por um círculo de casas
construídas em torno de uma grande praça descampada. No meio da aldeia,
há a casa dos homens. A periferia da aldeia é constituída por casas dispostas
em círculo, repartidas de modo regular, nas quais habitam famílias extensas.
Teoricamente, uma casa abriga várias famílias conjugais: uma avó e seu
marido, suas filhas com seus esposos e crianças. Quando o número de
residências torna-se grande demais (40 pessoas ou mais), o grupo residencial
sofre uma cisão e constrói uma ou mais casas novas contíguas à primeira. O
centro da aldeia é constituído de duas partes: a praça, onde se desenrola a
maior parte das atividades públicas, e a casa dos homens.
29
FIGURA 21 – Aldeia
Kayapó.
Foto: Verswijver, 1991.
In:
www.socioambiental.org
Krause, em 1908, registrou que, no período da estiagem, os Kayapó faziam
ranchos pouco sólidos para se abrigarem, contrariamente ao período das
chuvas, em que as casas eram mais sólidas. Nessas aldeias de verão, cada
cabana representava um segmento de círculo, conforme figura a seguir:
FIGURA 22 – Projeção horizontal e vertical dos ranchos de verão dos
Kayapó.
Fonte: Krause, 1908
Subsistência: economia baseada na caça e na prática da coivara. As roças, cultivadas
em um raio médio de quatro a seis quilômetros da aldeia, são geridas pelas
mulheres. Cada família possui suas próprias roças, onde se cultiva
sobretudo batata-doce, milho, cana-de-açúcar, bananas e mandioca,
extremamente ricas em calorias. Algumas frutas tropicais, o algodão e o
tabaco também integram o cultivo.
Instrumentos: Cabaças; machados de pedra (no passado)
Adornos: pintura corporal, plumária, tembetás labiais de cristal.
30
FIGURA 23 –
Mulher
paramentada
com penas de
arara.
Foto:
Verswijver,
1991.
FIGURA 24 –
Pintura corporal
com jenipapo.
Foto: Verswijver,
1991.
Processamento de alimentos: grande forno de pedra ao ar livre, para preparo de
alimentos comunitários rituais.
FIGURA 25 - Mulheres Kayapó-Xikrin preparando o alimento ritual no forno de pedra.
Foto: Giannini, 1996. In: www.socioambiental.org.
Práticas funerárias:
Os Kayapó enterram os seus mortos em um espaço bem preciso, fora do
círculo da aldeia. A sepultura é composta de um poço de forma circular, no
qual o corpo é colocado na posição sentada, o rosto sempre dirigido ao leste.
O fosso é coberto depois de diversos objetos pessoais do falecido serem
colocados embaixo, como cabaças, armas e alguns ornamentos. O espírito
levará estes objetos para a sua nova morada. Nas primeiras semanas que
seguem o falecimento, os parentes deixam cotidianamente um pouco de
comida e bebida ao lado da sepultura, pois o espírito nem sempre encontra
imediatamente o caminho que conduz à aldeia dos mortos (Verswijver, 2002).
31
FIGURA 26 - Sepultura Kayapó, sob a qual são depositados os objetos pessoais do
defunto. Foto: In: www.socioambiental.org.
OBS:
A maior parte das atividades dos homens se faz do lado de fora da casa: a
caça, a pesca, as caminhadas, a fabricação de objetos e ferramentas, ou
simplesmente a conversa na casa dos homens. Em geral, os homens
caçam sós. Um homem não retorna jamais de mãos vazias. Mesmo quando
ele não traz consigo caça, ele deve colher ou amontoar algumas plantas
medicinais, fibras ou frutas silvestres para fabricar objetos utilitários ou
decorativos.
Os Kayapó são exigentes na escolha de terras potencialmente férteis: o
oásis ideal é uma porção de floresta com uma vegetação não muito densa,
não longe de um rio e situada no pé de colinas. Os Kayapó fazem uma
distinção entre diferentes tipos de terrenos e de florestas. A escolha de um
lugar conveniente para o estabelecimento de uma nova aldeia ou de uma
nova roça não se faz de modo precipitado.
No curso dos dois últimos séculos a antiga ocupação em um ambiente
misto de cerrado e floresta, onde as aldeias eram construídas ao longo de
rios menores, cedeu progressivamente lugar à ocupação em um habitat
exclusivamente coberto pela floresta, com aldeias situadas na proximidade
de grandes vias navegáveis (Verswijver, 2002).
Fontes:
Lowie (1946); Nimuendaju (1944); Banner (1961); Dreyfus (1963); Arnaud
(1987); Verswijver (2002).
32
3.5. Considerações sobre a cultura material das tribos indígenas historicamente
registradas na AII
Todos os aspectos acima mencionados, em maior ou menor grau, permitem
inferências arqueológicas importantes para a interpretação dos processos sócioculturais pretéritos testemunhados pelos vestígios materiais registrados pelos
arqueólogos, além de fornecer pistas para levantamentos arqueológicos na área e
identificação de grupos étnicos relacionados aos sítios registrados.
Os dados levantados e acima sumarizados mostram que os bens móveis tradicionais
constituintes do acervo cultural das diversas tribos indígenas registradas
historicamente na área de estudo sofreram severa alteração com o contato com os
brancos, em especial no que se refere àqueles de maior durabilidade (e, portanto, de
maior visibilidade arqueológica). Os primeiros artefatos a desaparecer são exatamente
aqueles substituídos por objetos da cultura do conquistador com função similar:
vasilhas de barro são substituídas por vasilhas de metal; instrumentos cortantes de
pedra são substituídos por facas e machados de metal.
Essa perda na cultura material de maior visibilidade arqueológica é extremamente
agravada pelo radical decréscimo populacional causado pelo contato. Com
populações reduzidas, a cultura material tende a ficar mais rarefeita, o que também
implica em perda de visibilidade arqueológica. Além disso, no processo de fuga da
frente conquistadora, as sociedades indígenas permanecem muito menos tempo nos
seus assentamentos, o que diminui sensivelmente o refugo das atividades cotidianas,
fonte privilegiada de informação arqueológica.
Para a mobilização constante, os grupos indígenas abdicam da produção de artefatos
de difícil transporte (exatamente os de maior durabilidade física), em prol de objetos de
transporte fácil ou de confecção rápida, à medida das necessidades (caso dos objetos
de fibras vegetais, altamente perecíveis).
Grande parte da cultura material das tribos indígenas historicamente registradas na AII
é constituída por objetos de palha, fibra vegetal e penas, que apenas em condições
muito excepcionais deixa vestígios arqueologicamente recuperáveis (condições essas
que não atuam no ambiente xinguano).
Nota-se, também, ao analisar os dados etno-históricos, que as tribos de língua Karib
(Arara) e Jê (Kayapó) registradas historicamente na AII ali chegaram recentemente (no
século XIX), empurradas pela migração em cadeia causada pela entrada do
conquistador em território americano. Portanto, seus vestígios na área não devem ter
muita profundidade temporal. Estariam, assim, mais na superfície do solo atual;
portanto, extremamente expostoS aos fatores de degradação, tanto antrópicos quanto
naturais.
33
Alguns aspectos da cultura material dessas tribos, no entanto, possuem boa
visibilidade arqueológica, tais como:
A circularidade das aldeias das tribos de Kayapó, por exemplo, além de deixar
marcas identificáveis no solo, é um traço cultural de grande resistência, conforme
se pode ver na figura 18, onde, apesar de as residências atuais serem de
alvenaria, a morfologia tradicional da aldeia permanece.
O forno tradicional para preparo das comidas rituais, entre os Kayapó, tem alta
visibilidade arqueológica, conforme se pode notar pela figura 22, onde as pedras e
as cinzas deixam marcas identificáveis no solo.
Apenas alterações paisagísticas drásticas (terraplenagem, por exemplo) conseguem
comprometer irremediavelmente tais vestígios.
Por fim, cumpre mencionar um elemento cultural de recuperação arqueológica
praticamente impossível, que remete a outros elementos culturais em que a
arqueologia é pródiga. Trata-se da pintura corporal, que não possui nenhuma
visibilidade arqueológica. No entanto, o simbolismo das sinalações impressas no corpo
se repete em outras esferas da cultura material, como a cerâmica, conforme
mencionado no sumário da cultura material dos índios Asurini.
34
DIAGNÓSTICO ARQUEOLÓGICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DIRETA / AID
E DA ÁREA DIRETAMENTE AFETADA / ADA
1. Introdução
Considerou-se desnecessário, para fins de diagnóstico, novos levantamentos de
campo, uma vez que a área de estudo já foi objeto de prospecções arqueológicas em
duas ocasiões: pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, sob coordenação de Araújo-Costa
e Caldarelli, em 1986 e 1987, por ocasião dos estudos de viabilidade ambiental e do
EIA da UHE Kararaô (Araújo Costa e Caldarelli, 1988), e, também pelo Museu
Paraense Emílio Goeldi, já para o EIA da UHE Belo Monte, em 1999 e 2000 (Engevix,
2001).
O objetivo dos estudos arqueológicos de áreas tão extensas, na fase do EIA/RIMA, é
avaliar o potencial arqueológico da AID e da ADA dos empreendimentos em análise, já
que é praticamente impossível realizar prospecções arqueológicas conclusivas nessa
extensão, o que ultrapassaria em muito o tempo definido para esse instrumento de
licenciamento ambiental. Uma vez que o potencial arqueológico seja constatado (o
que foi suficientemente provado para a UHE Belo Monte), será obrigatório o programa
de prospecções arqueológicas intensivas (Portaria IPHAN 230/2002).
Para o presente EIA, portanto, realizou-se uma releitura dos dados das pesquisas
anteriores na AID, sistematizando-os para elaboração do diagnóstico, de modo a
fornecer subsídios sólidos para a avaliação dos impactos do empreendimento sobre
bens constituintes do patrimônio arqueológico nacional.
2. Dados arqueológicos relativos à AID
Na AID do empreendimento, foram registrados, até o presente, 106 sítios
arqueológicos, assim distribuídos pelos municípios que a compõem:
50
50
31
40
23
30
20
2
10
0
Anapu
Senador José
Porfírio
Altamira
Vitória do Xingu
FIGURA 1. Sítios arqueológicos conhecidos na AID, por município.
35
As diferenças quantitativas observadas entre os sítios registrados nos diversos
municípios refletem dois fatores:
a) a maior incidência de levantamentos arqueológicos em alguns desses
municípios (Vitória do Xingu e Altamira), em detrimento dos demais (Anapu e
Senador José Porfírio);
b) a maior extensão territorial, dentro da AID, dos municípios onde foi identificada
a maioria dos sítios arqueológicos (Vitória do Xingu e Altamira).
Portanto, os dados numéricos não podem ser interpretados como indicação de que
alguns dos municípios da AID tenham maior densidade numérica de sítios
arqueológicos do que outros.
A maioria absoluta dos sítios arqueológicos registrados na AID encontra-se a céu
aberto, conforme figura 2.
8%
Céu aberto (98)
Abrigo (8)
92%
FIGURA 2. Exposição percentual dos sítios arqueológicos conhecidos na AID.
Essa distribuição, ao mesmo tempo que reflete a maior disponibilidade de território a
céu aberto para assentamento das populações pré-coloniais que ocuparam a área de
estudo, mostra que os poucos abrigos e cavidades naturais nela existentes foram
objeto de ocupação humana.
Os dados sobre a cultura material dos sítios em abrigos e cavidades naturais, no
entanto, demonstram que a ocupação pré-colonial desses sítios foi sempre por curto
espaço de tempo, e com baixa densidade demográfica, provavelmente para propósitos
específicos.
Além disso, o uso desses sítios como acampamentos de curta duração foi sempre
feito por populações ceramistas, conforme se pode observar na figura 3.
Utilizando-se as mesmas categorias de sítios já apresentadas no contexto macroregional e na AII, sua distribuição, na AID, é a que se vê na figura 3.
36
Cerâmica/gravura rupestre em abrigo (1)
Cerâmica/gravura rupestre a céu aberto (1)
1%
1%
2%
Cerâmico/Oficina Polimento/Gravuras Rupestres (2)
2%
Lítico a céu aberto (2)
7%
Gravuras rupestres a céu aberto (7)
7%
Cerâmico em abrigo (7)
8%
Oficina de polimento a céu aberto (8)
18 %
Cerâmico/Oficina Polimento a céu aberto (20)
54%
Cerâmico a céu aberto (58)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
FIGURA 3 – Categorias de sítios registrados na AID, em números absolutos e
percentuais.
A grande quantidade de sítios cerâmicos a céu aberto reflete, conforme já comentado
na caracterização da Área de Abrangência Regional, por um lado, a alta visibilidade
desses sítios, em geral aflorantes em superfície, e, por outro lado, a maior densidade
demográfica das sociedades indígenas agricultoras, ás quais eles se associam em sua
esmagadora maioria.
No que concerne à implantação na paisagem das categorias de sítios arqueológicos
registradas na AID, a situação é a que se observa na figura 4 (onde os sítios foram
separados em categorias simples, o que significa que se um sítio, por exemplo, tem ao
mesmo tempo cerâmica e gravuras rupestres, na figura 4 ele aparece duas vezes).
45
41
40
35
30
30
25
20
16
14
13
15
8
10
5
2
3
3
3
1
1
1 1
1
1
0
Ilha
Leito/margem
do rio
Planície de
inundação
Baixa/média Topo/alta vert.
vertente
A céu aberto
Oficinas de polimento
Gravuras rupestres
Não inf.
Em abrigo
Lítico
Cerâmico
FIGURA 4 – Distribuição, na paisagem, das categorias de sítios arqueológicos
conhecidas na AID.
37
60%
A intenção, ao quantificar os dados dos sítios pelas categorias simples, e não multicomponenciais, é facilitar a interpretação sobre as razões de sua implantação, como
se verá adiante. A figura 4 permite, por exemplo, verificar que as oficinas de polimento,
usadas para a produção e reavivamento do gume de artefatos polidos (como
machados de pedra) situam-se em sua grande maioria em leito ou margem dos rios,
que é onde se encontram os grandes pedrais da área de estudo.
Para apenas 17 sítios existe informação sobre sua altitude sobre o nível do mar. As
existentes se encontram no quadro abaixo:
QUADRO 1 – Sítios com informação sobre a altitude s.n.m.
Altitude até 100m s.n.m.
Nº de sítios
Altitude acima de 100m s.n.m.
Nº de sítios
0m
7
118m
1
50m
1
120m
2
80m
1
130m
1
95m
1
180m
1
100m
1
184m
1
Fonte: SGPA/IPHAN, in: www.iphan.gov.br
Quando se consideram apenas os sítios cerâmicos a céu aberto, que constituem,
como dito anteriormente, a maioria absoluta dos sítios da área de estudo, vemos que
48% deles se encontra implantada em topo e/ou alta vertente, o que demonstra a
preocupação com locais protegidos de inundações, conforme figura 5.
Ilha fluvial (5)
6%
10%
Leito/margem do rio (9)
16%
Planície de inundação
(14)
20%
Média/baixa vertente
(17)
48%
Topo/alta vertente (41)
0%
10%
20%
30%
40%
50%
FIGURA 5 – Implantação, na paisagem, dos sítios cerâmicos a céu aberto registrados na
AID.
Atividades específicas, como a fabricação ou reavivamento de gumes de objetos pela
técnica de polimento, certamente ocorriam nos períodos secos, uma vez que
dependiam do uso dos pedrais, comuns no leito ou nas margens dos rios, para uso
38
como polidores fixos ou dormentes. O mesmo no que se refere à confecção das
gravuras rupestres (que dependem da existência de paredões rochosos ou de
matacões aflorados) ou à obtenção de recursos alimentícios, através da pesca, à qual
devem estar associados alguns dos sítios cerâmicos de baixa densidade material da
área de estudo, situados em áreas alagáveis.
Portanto, pode-se concluir que a exploração dos recursos alimentícios e de matériasprimas, na região, possuía um caráter sazonal.
As dimensões dos sítios arqueológicos também podem fornecer indícios de suas
funções e da densidade demográfica dos antigos assentamentos. Uma vez que os
sítios e cavidades naturais têm suas áreas restritas aos limites naturais, buscaram-se
informações sobre a área ocupada pelos sítios arqueológicos a céu aberto. Esta
informação, disponível apenas para 43 dos 98 sítios a céu aberto da AID, ou seja, para
44% deles, pode ser vista na figura 6, onde se usaram faixas de áreas, em m², para
melhor comparabilidade entre os dados.
1
2%
6
14%
3
7%
7
16%
8
19%
10
23%
8
19%
16 a 230m²
1.300 a 4.550 m²
6.000 a 10.000 m²
22.000 a 40.800 m²
50.400 a 86.000 m²
800.000 m²
12.500 a 20.000 m²
FIGURA 6 – Distribuição, em números absolutos e percentuais, dos sítios arqueológicos
a céu aberto da AID por faixas de áreas ocupadas.
A figura permite observar uma predominância de sítios arqueológicos com área entre
6.000 e 10.000 m² (23%); seguidos por sítios com áreas entre 12.500 a 20.000m² e de
22.000 a 40.800m² (19%, respectivamente). Usando-se uma fórmula simples de
avaliação demográfica (já que não estão disponíveis outros dados que permitam o
emprego de fórmulas mais sofisticadas), poder-se-ia fazer uma relação hipotética
entre área dos sítios e densidade demográfica, conforme quadro 2.
39
QUADRO 2 – Relação entre área dos sítios e número estimado de indivíduos
(com base na fórmula de Naroll, 1962, de um indivíduo para cada 10m² de área)
Área (m²)
População (nº
aproximado de
indivíduos)
Nº de sítios
% de sítios
16 a 230
2 a 23
3
7%
1.300 a 4.550
130 a 455
7
14%
6.000 a 10.000
600 a 1.000
10
23%
12.500 a 20.000
1.250 a 2.000
8
19%
22.000 a 40.800
2.200 a 4.080
8
19%
50.400 a 86.000
5.040 a 8.600
6
14%
800.000
80.000
1
2%
Evidentemente, os cálculos acima são apenas estimativas hipotéticas, que podem
ajudar a traçar a problemática científica da área de estudo para a fase posterior dos
estudos, pois sofrem de uma severa limitação, a saber: as áreas foram baseadas em
dados de levantamento arqueológico, sem avaliação da influência de fatores pósdeposicionais, que afetaram a distribuição espacial dos vestígios. Apenas escavações
arqueológicas controladas podem refinar o dimensionamento espacial dos sítios.
Assumindo-se o quadro acima como hipótese de trabalho a ser testada
posteriormente, predominariam na área de estudo os assentamentos com populações
aproximadas entre 600 e 1.000 pessoas (23%), seguidos por assentamentos com
populações entre 1250 e 2000 pessoas e entre 2.200 e 4.000 pessoas (19% em cada
uma das últimas faixas). Assentamentos menores comportariam aproximadamente
entre 130 e 450 pessoas (16%) e assentamentos maiores, entre 5.000 e 8.600
pessoas (14%). Assentamentos pequenos, sazonais ou para atividades específicas,
poderiam comportar entre 2 e 23 pessoas (7%). Chama a atenção, no entanto, a
identificação de um grande assentamento, que poderia comportar até 80.000 pessoas.
Para o último caso acima, algumas explicações podem ser pensadas: seja um
assentamento de reunião de vários grupos aparentados, para ocasiões especiais, seja
um assentamento hierarquicamente mais importante, que centralizaria uma série de
outros assentamentos menores. Tais hipóteses só podem ser testadas com
escavações controladas, que permitam um controle estratigráfico das ocupações e a
obtenção de amostras datáveis, que permitam verificar quais sítios arqueológicos são
contemporâneos entre si.
A profundidade e espessura dos depósitos arqueológicos só foi registrada para 33 dos
106 sítios da AID, ou seja, 31% dos sítios identificados, conforme figura 7.
40
8
7
7
6
3
2
0 a 0,15m
0,20 a 0,30m
0,40 a 0,50m
0,60 a 0,70m
0,80 a 0,90m
1,0 a 1,30m
FIGURA 7 – Profundidade e espessura dos depósitos arqueológicos dos sítios da AID.
Portanto, dos poucos sítios para os quais esse dado está disponível, 42,5% (14 sítios)
possuem profundidade e espessura de 0 a 0,30m; 42,5% de 0,40 a 0,70m e 15% (5
sítios) de 0,80 a 1,30m.
Para um número ainda menor de sítios (22, ou seja, apenas 20% do total de 106)
estão disponíveis ambas as informações: área e espessura do refugo arqueológico.
Uma tentativa de verificar se a combinação desses dados permitiria algum tipo de
interpretação resultou pouco elucidativa conforme quadro 3.
QUADRO 3 – Relação entre espessura do depósito
arqueológico e a área estimada dos sítios
Espessura
Área
0 a 0,15m
16 a 1.310m²
4
0,20 a 0,30m
2.750 a 16.200m²
4
0,40 a 0,50m
4.550 a 52.650m²
4
0,60 a 0,70m
9.800 a 30.100m²
6
0,80 a 0,90m
6.000 a 23.960m²
2
1 a 1,30m
60.000 a 65.000m²
2
TOTAL
N de sítios
22
O quadro acima fornece uma tênue indicação de que os refugos arqueológicos mais
espessos (indicativos de ocupação mais prolongada) estariam associados aos sítios
de maiores dimensões.
41
3. Considerações sobre a arqueologia da AID
As características dos sítios que podem ser esboçadas neste momento serão
abordadas por categorias simples.
3.1. Sítios líticos a céu aberto
Apenas dois sítios líticos a céu aberto foram identificados durante as prospecções
feitas para os estudos de viabilidade da então UHE Kararaô: sítios PA-AL-70:
Nogueira (encontrado no município de Vitória do Xingu) e PA-AL-71: Nonato
(encontrado no município de Senador José Porfírio).
Apesar do número pouco expressivo (correspondente a apenas 2% dos sítios
arqueológicos identificados na AID), esses sítios se revestem de especial significância,
pois são os únicos testemunhos até agora encontrados de uma ocupação préceramista na área de estudo. Muito provavelmente, são testemunhos materiais da
ocupação da região, em tempos mais recuados, por sociedades caçadoras-coletoras,
que deixaram como vestígios apenas artefatos de pedra produzidos pela técnica do
lascamento (Araújo Costa e Caldarelli, 1988).
As duas ocupações líticas foram identificadas abaixo de ocupações ceramistas mais
recentes, que se superpuseram aos assentamentos de caçadores-coletores mais
antigos. Os objetos líticos encontrados nesses sítios são sumarizados no quadro 4.
QUADRO 4 – Categorias de objetos líticos coletados nos sítios líticos
Peça
Sítio
Nogueira
Nonato
Total
1
Percutor
1
Núcleo
1
2
3
Esboços de peças bifaciais
7
1
8
Artefatos
10
8
18
Produtos de debitagem
150
153
303
Total
169
164
333
A quantidade de produtos de debitagem (figura 8) demonstra que a atividade de
lascamento era realizada localmente, em ambos os sítios, o que também é
corroborado pelos esboços de artefatos bifaciais recuperados.
42
93%
89%
100%
80%
60%
40%
11%
20%
7%
0%
Nogueira
Nonato
Artefatos
Produtos de debitagem
FIGURA 8 – Quantitativo dos produtos de debitagem e dos artefatos identificados nos
sítios Nogueira e Nonato
No que concerne à matéria-prima empregada, ela corresponde, em sua esmagadora
maioria, ao quartzo, facilmente obtenível nas proximidades dos rios (figura 9).
100%
80%
60%
40%
20%
0%
Nogueira
Quartzo
Nonato
Siltito
Total
Canga ferruginosa
FIGURA 9 – Matérias-primas exploradas para confecção de artefatos nos sítios líticos.
Quanto aos poucos artefatos registrados nos sítio, correspondem a artefatos
expeditos, provavelmente confeccionados para uso imediato. Os artefatos
recuperados em campo são apresentados no quadro 5 e ilustrados na figura 10.
QUADRO 5 – Artefatos coletados nos sítios líticos
Artefatos
Sítio
Nogueira
Nonato
Total
Lascas retocadas (para corte)
6
1
7
Raspadores diversos
4
7
11
Total
10
8
18
Os artefatos mais elaborados (testemunhados pelos esboços de artefatos bifaciais, já
mencionados) devem ter sido carregados com os artesãos para os locais onde seriam
utilizados. Ficaram no sítio apenas os que se fragmentaram durante o lascamento.
43
FIGURA 10 – Artefatos líticos do Sítio
Nogueira:
FIGURA 11 – Artefatos líticos do Sítio Nonato:
a) raspador discoidal; b) raspador retilíneo; c) peça
com reentrância côncava.
a) raspador côncavo/convexo; b) raspador
denticulado; c) esboço de peça bifacial.
3.2. Sítios cerâmicos a céu aberto
Os sítios cerâmicos a céu aberto, conforme atrás mencionado, apresentam grande
diversidade de dimensões, espessura da camada arqueológica e densidade de cultura
material. Esses dados poderiam apontar para sítios funcionalmente diversificados,
mas associados ao mesmo sistema de assentamento pré-colonial, não fosse o fato de
que apresentam também distinções culturais, que podem mostrar sociedades distintas
num mesmo espaço, talvez em períodos diacrônicos, o que só datações absolutas
podem elucidar.
Três tradições culturais distintas foram identificadas na área de estudo: Policroma,
Incisa Ponteada e uma que denominaremos “Proto-tupi” (emprestando a terminologia
da lingüística, conforme o exemplo de Prous, 2005), representada pela cultura
Itacaiúnas.
As características da cerâmica dessas três tradições são abaixo sumarizadas, as duas
primeiras com base em Neves (2006):
Tradição Polícroma: caracteriza-se pela decoração pintada em vermelho, vinho,
laranja ou preto sobre uma base branca. Também apresenta decorações
plásticas: modelados, incisões, excisões, etc. Apresenta grandes diferenças
regionais, não só nos motivos decorativos, mas também nas formas das
vasilhas. Existem datações que se estendem do século IV ao XIII d.C., mas as
informações etnohistóricas estendem-nas até o século XVII. Alguns dos sítios
dessa tradição chegam a ter áreas de dezenas de hectares.
44
Tradição Incisa Ponteada: apresenta formas e técnicas de produção bastante
sofisticadas (as mais conhecidas são as decorações modeladas com motivos
zoomorfos, mais raramente antropomorfos, encontradas na região tapajônica).
As datações existentes indicam uma extensão temporal entre o século XI e o
XVII d.C. Os sítios dessa tradição também podem apresentar grandes
dimensões, com vários hectares de área, com associação a terras pretas
antropogênicas.
“Tradição” Proto-tupi: identificada inicialmente na região do rio Itacaiúnas,
afluente do Tocantins, está-se denominando de “Proto-tupi” uma cerâmica que,
embora com particularidades próprias, apresenta características da Tradição
Tupiguarani (destacando-se a ocorrência de decoração geométrica pintada sobre
base branca e, ocasionalmente, de decoração corrugada; ocorrência de
antiplástico de quartzo anguloso e, eventualmente, de caco moído; formas
carenadas). Estudos mais aprofundados sobre essa cerâmica amazônica estão
ainda em seus estágios iniciais.
No estado atual dos conhecimentos sobre a área de estudo, não dá para lançar
hipóteses sobre as relações eventualmente existentes entre elas, nem mesmo se tais
inter-relações existiram. Um pequeno ensaio foi feito sobre a localização espacial dos
sítios onde as tradições acima foram identificadas (ver figura 12).
FIGURA 12 – Distribuição espacial das tradições culturais reconhecidas na AID.
45
Analisando-se a figura acima, nota-se que, pelos dados atualmente disponíveis, na
porção centro-oeste da AID, todas as tradições estão representadas. Apenas datações
relativas e absolutas poderão ajudar a complexidade arqueológica desta área. Já na
porção leste, até o presente momento, tem-se registro apenas de cultura Proto-tupi e
Incisa Ponteada. No entanto, como os dados são ainda muito incipientes, apenas um
aprofundamento das pesquisas poderá trazer hipóteses mais robustas sobre os dados.
As formas de vasilhas cerâmicas reconstituídas são diversificadas, conforme se pode
ver na figura 13, remetendo às diversas funções para as quais devem ter sido
destinadas.
FIGURA 13 – Exemplos da diversidade morfológica das vasilhas cerâmicas da AID.
Adaptado de Araújo Costa e Caldarelli, 1988.
Artefatos líticos, lascados e polidos, são comuns nos sítios cerâmicos. Dentre os
artefatos lascados, são recorrentes os com gumes apropriados ao corte e à raspagem.
Quanto aos artefatos polidos, os mais numerosos correspondem a machados (figuras
14, 15 e 16). Outros artefatos registrados foram enxós, martelos, batedores, mãos-depilão, mãos-de-mó, peças com depressão circular (“quebra-coquinhos”) e tortuais de
fusos (figuras 17, 18 e 19), todos importantes testemunhos das atividades cotidianas
das populações pré-coloniais da área de estudo.
46
É interessante ressaltar que os tortuais de fusos apareceram em apenas dois sítios
(PA-AL-101: Terra Preta do Paratizão e PA-AL-124: Chagas), ambos no município de
Vitória do Xingu, e ambos atribuídos à Tradição Polícroma.
FIGURA 14 – tipos de lâminas de machado polidas (e suas respectivas variações)
identificados na área de estudo. Fonte: Araújo Costa e Caldarelli, 1988.
FIGURA 15 – lâmina de machado polida, com
saliências bilaterais para encabamento. Sítio
PA-AL-72: Parati I.
FIGURA 16 - lâmina de machado polida, com
reentrâncias bilaterais para encabamento.
Sítio PA-AL-82: Boa Esperança
Fonte: Araújo-Costa e Caldarelli, 1988.
47
FIGURA 17 – Martelo polido/peça com
FIGURA 18 – Peças com depressões
depressão circular.
circulares (“quebra-coquinhos”).
Sítio PA-AL-78: Terra Preta.
Fonte: Araújo-Costa e Caldarelli, 1988.
FIGURA 19 – Tortual de fuso polido. Sítio PA-AL-110: Terra Preta do Paratizão.
Fonte: Engevix, 2001.
3.3. Sítios cerâmicos em abrigos e cavidades naturais
Conforme mencionado anteriormente, oito dos sítios cerâmicos da AID se encontram
em abrigos ou cavidades naturais. A quantidade de cerâmica registrada nesses sítios
abrigados é bastante pequena, indicando terem eles servido apenas como
assentamentos de muito curta duração, por um pequeno grupo de indivíduos, com
algum propósito específico, sobre o qual ainda não existem elementos para lançar
hipóteses. As figuras 20 e 21 documentam a topografia de dois dos sítios em
cavidades naturais: Caverna Kararaô e Gruta Cama de Vara.
48
FIGURA 20 – Topografia do sítio arqueológico cerâmico situado na Caverna do Kararaô
(PA-AL-62). Fonte: Araújo-Costa e Caldarelli, 1988.
FIGURA 21 – Topografia do sítio arqueológico cerâmico situado na Gruta Cama de Vara
(PA-AL-63). Fonte: Araújo-Costa e Caldarelli, 1988.
49
3.4. Oficinas de polimento
As oficinas de polimento são muito comuns na área de estudo (trinta sítios registrados
até o momento), encontrando-se isoladas (8), associadas a sítios cerâmicos (20) e a
sítios com gravuras rupestres (2). Para essas oficinas, foram aproveitados os extensos
pedrais associados aos cursos d’água, onde eram confeccionados os artefatos polidos
e afiadas as lâminas de machado. As marcas deixadas pela ação de polir apresentam
perfis côncavos, e morfologia circular ou oval. As marcas deixadas pela ação de afiar
apresentam perfil em V e morfologia retilinear.
A grande quantidade de polidores (cerca de 500) e de afiadores dormentes (cerca de
60) registrados até o momento demonstra a importância da confecção de artefatos
polidos como atividade na área de estudo no período pré-colonial.
Não se pode descartar a hipótese de produção para fins comerciais, já que não é em
toda a Amazônia que existe matéria-prima rochosa para a confecção de lâminas de
machado, existindo inclusive registro etnohistórico da comercialização de machados
entre os indígenas da Amazônia (Porro, 1995).
3.5. Sítios com gravuras rupestres
Com exceção de um sítio (PA-AL-20: Paredão Valha-me-Deus), em abrigo sob rocha,
todos os outros sítios com gravuras rupestre da AID se encontram a céu aberto,
usando como suporte os matacões aflorados nos pedrais associados aos rios.
Os motivos identificados nas gravuras rupestres representam figuras antropomorfas,
zoomorfas e geométricas. Segundo Pereira (1990, apud Engevix, 2001), os dois
primeiros são representados de forma bastante esquemática e se caracterizam pela
ausência de movimentos e de traços que indiquem a composição de cenas. As figuras
geométricas, por sua vez, incluem tanto figuras simples quanto complexas e
apresentam uma variedade de formas, tais como espirais e círculos (figura 22).
A grande relevância dos sítios de arte rupestre reside no fato de que, se os demais
constituem remanescentes involuntários das atividades pretéritas dos antigos
ocupantes da área de estudo, as gravuras rupestres representam um esforço
consciente de deixar sinalizações reconhecíveis e interpretáveis por seus pares.
50
PA-AL-89: Pedra Gravada
PA-AL-88: Ilha de Pedra
Fonte: Pereira, 2005: 175.
Fonte: Pereira, 2005: 174.
PA-AL-147: Poção do Juvenal.
Fonte: Engevix, 2001.
PA-AL-90: Pedra do Índio.
Fonte: Pereira, 2005: 176.
PA-AL-148: Mascarado
PA-AL-152: Pedra do Curica
Fonte: Engevix, 2001.
Fonte: Engevix, 2001.
FIGURA 22 – Motivos da arte rupestre registrada na AID.
51
4. Dados arqueológicos relativos à ADA
Dos 106 sítios arqueológicos registrados até o momento na AID, 66 (62%) se
encontram na ADA, conforme figura 23.
100%
38%
62%
ADA (66)
SÓ AID (40)
AID TOTAL (106)
FIGURA 23 – Percentual dos sítios arqueológicos da AID que se encontram também
inseridos na ADA.
O alto percentual de sítios arqueológicos na ADA, em relação à totalidade dos sítios
conhecidos, possui duas explicações:
a) o fato de a pesquisa arqueológica ter privilegiado a ADA;
b) a importância dos rios como fonte de recursos (matérias-primas e alimentos)
para as populações da área de estudo, sendo numerosos os sítios
arqueológicos identificados em suas proximidades, ou mesmo em suas
margens, leito e ilhas, ou seja, na maior área a ser objeto de inundação pelo
empreendimento.
A maioria absoluta dos sítios arqueológicos registrados na ADA (64 em 66, ou seja,
97%) encontra-se a céu aberto, havendo apenas dois sítios em abrigos sob rocha (PAAL-20, Paredão Valha-me Deus, e PA-AL-153, Abrigo Pedra do Navio, ambos em
Altamira).
Utilizando-se as mesmas categorias de sítios já apresentadas para a AID, na ADA elas
se apresentam distribuídas conforme figura 24.
52
Cerâmica/gravura rupestre em abrigo (1)
2%
2%
Cerâmica/gravura rupestre a céu aberto (1)
Cerâmico/Oficina Polimento/Gravuras Rupestres (1)
2%
3%
Cerâmico em abrigo (2)
9%
Gravuras rupestres a céu aberto (6)
12%
Oficina de polimento a céu aberto (8)
24%
Cerâmico/Oficina Polimento a céu aberto (16)
46%
Cerâmico a céu aberto (32)
0%
5%
10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50%
FIGURA 24 – Categorias de sítios registrados na ADA, em números absolutos e
percentuais.
Quando se comparam as categorias de sítios registradas na AID com aquelas que
aparecem na ADA, a situação é a que se vê no quadro 6.
QUADRO 6 – Comparação dos números absolutos e percentuais das categorias de sítios
arqueológicos entre AID e ADA
Nº de sítios
Nº de sítios
na AID
na ADA
na AID
na ADA
Cerâmica/gravura rupestre em abrigo
1
1
1%
2%
Cerâmica/gravura rupestre a céu aberto
1
1
1%
2%
Cerâmico/Oficina Polimento/Gravuras Rupestres
2
1
2%
2%
Lítico a céu aberto
2
0
2%
0%
Gravuras rupestres a céu aberto
7
6
7%
9%
Cerâmico em abrigo
7
2
7%
3%
Oficina de polimento a céu aberto
8
8
8%
12%
Cerâmico/Oficina Polimento a céu aberto
20
16
18%
24%
Cerâmico a céu aberto
58
32
54%
46%
TOTAIS
106
66
100%
100%
Categoria
Percentual Percentual
Uma rápida análise do quadro acima permite constatar que, na ADA, algumas
categorias de sítios arqueológicos assumem percentuais mais significativos que na
AID, por estarem mais associados aos rios, como as oficinas de polimento e os sítios
de gravuras (que dependem dos pedrais, que ocorrem nas margens e leitos dos rios).
53
Os sítios cerâmicos a céu aberto, por sua vez, embora ainda representem a maioria
das categorias de sítios presentes na ADA, têm sua representatividade diminuída
(46% na ADA, contra 54% na AID). Este último exemplo pode ser explicado pelo fato
de que os assentamentos de ocupação mais prolongada se encontravam mais
distantes das áreas alagáveis; portanto, em áreas menos afetadas pelo
empreendimento.
No que concerne à implantação na paisagem das categorias de sítios arqueológicos
registradas na ADA, a situação é a que se observa na figura 25 (onde, como se fez na
AID, os sítios foram separados em categorias simples, o que significa que se um sítio,
por exemplo, tem ao mesmo tempo cerâmica e gravuras rupestres, nesta figura ele
aparece duas vezes).
34
35
30
30
25
20
15
11
7
10
5
3
2
4
3
1
1
1
1
2
1
0
Ilha
Leito/margem
do rio
Planície de
inundação
Baixa/média
vertente
Topo/alta
vert.
Não inf.
A céu aberto
Oficinas de polimento
Em abrigo
Gravuras rupestres
Cerâmico
FIGURA 25 – Distribuição, na paisagem, das categorias de sítios arqueológicos
conhecidas na ADA.
Aqui também a comparação entre AID e ADA revela aspectos interessantes, como
pode ser visto no quadro 7.
QUADRO 7 – Comparação dos números absolutos e percentuais das categorias
simples de sítios arqueológicos entre AID e ADA, de acordo com sua implantação.
N de sítios na
AID
N de sítios
na ADA
Percentual na
AID
Percentual na
ADA
Topo/alta vertente
43
35
35%
38%
Média/baixa vertente
14
4
12%
4%
Planície de inundação
15
12
12%
13%
Leito/margem do rio
33
33
27%
35%
Ilha fluvial
8
6
7%
7%
Abrigo sob rocha
9
3
7%
3%
122
93
100%
100%
Implantação
TOTAIS
54
O que mais chama a atenção, quando se comparam os números do quadro 7, é o
expressivo aumento percentual dos sítios situados no leito e na margem do rio (35%
dos sítios da ADA, contra 27% dos sítios da AID) e a redução percentual dos sítios em
abrigos sob rocha (3% dos sítios da ADA, contra 7% dos sítios da AID). Este fato
demonstra que todos os sítios da AID que se situam em leito e margem de rio também
estão na ADA. Portanto, todos os sítios situados neste compartimento ambiental
tendem a desaparecer com o empreendimento.
No que concerne os sítios em abrigos rochosos, por sua vez, apenas 1/3 dos
registrados na AID se encontram também na ADA. O maior problema, neste caso, é o
fato de que o único sítio com gravuras rupestres confeccionadas em paredão de
abrigo rochoso registrado na área de estudo está na ADA (sítio PA-AL-20, Paredão
Valha-me-Deus, município de Altamira). Além disso, este sítio também tem a
particularidade de ser o único da área de estudo onde pintura vermelha e amarela foi
sobreposta a sulcos gravados (Perota, 1992). Sua singularidade, portanto, é
inconteste.
Os dados relativos às dimensões dos sítios arqueológicos e à espessura dos
depósitos arqueológicos, pouco consistentes por incidirem sobre um número pouco
expressivo de sítios, não trazem, para a ADA, reflexões distintas das feitas para a AID.
Em todo caso, as figuras 26 e 27 sistematizam os dados disponíveis sobre esses
aspectos, no que concerne aos sítios arqueológicos da ADA.
1
2
5
6
5
3
16 a 230m²
1.300 a 4.550 m²
6.000 a 10.000 m²
12.500 a 20.000 m²
22.000 a 40.800 m²
50.400 a 86.000 m²
FIGURA 26 – Distribuição dos sítios arqueológicos a céu aberto da ADA, por faixas de áreas
ocupadas.
3
2
3
2
1
0 a 0,15m
0,20 a 0,30m
0,40 a 0,50m
0,60 a 0,70m
1,0m
FIGURA 27 – Profundidade e espessura dos depósitos arqueológicos dos sítios da ADA.
55
AVALIAÇÃO DE IMPACTOS
Impacto:
Comprometimento
de
bens
constituintes
do
patrimônio
arqueológico nacional
1.
Conceitos e pressupostos
Na avaliação dos impactos da UHE Belo Monte sobre o patrimônio arqueológico, três
pressupostos foram considerados:
o fato de que os bens arqueológicos constituem recursos culturais finitos e não
renováveis;
o fato de que o patrimônio arqueológico não se restringe a vestígios culturais,
como artefatos, estruturas, áreas de atividades, etc., mas também a partes do
ambiente que foram usadas ou modificadas pelo homem no passado, ou que
podem ajudar a compreender as relações entre o homem e o ambiente no
passado. Consideram-se bens arqueológicos também as ligações espaciais
entre os materiais num sítio, entre sítios e entre os sítios e o meio-ambiente.
Para melhor compreensão dos impactos do empreendimento ao patrimônio
arqueológico regional, é interessante explicitar os conceitos implícitos aos termos
técnicos empregados:
Ao conjunto de vestígios culturais concentrados e estruturados num espaço
delimitado, dá-se o nome de sítio arqueológico. Os sítios arqueológicos, no
caso em estudo, podem encontrar-se aflorados na superfície terrestre;
enterrados no solo, total ou parcialmente, em profundidades variáveis, ou
aflorados no leito do rio.
Aos elementos materiais que compõem o sítio arqueológico, denomina-se
vestígios arqueológicos e ao espaço em que se encontrado implantado o sítio
arqueológico denomina-se entorno do sítio. Tanto os sítios, como os vestígios
que os compõem e seus entornos constituem bens arqueológicos.
O(s) território(s) de captação de recursos dos antigos ocupantes do(s) sítio(s)
arqueológicos, juntamente com o conjunto dos bens arqueológicos da região
constituem o contexto arqueológico regional.
Por impactos do empreendimento sobre os recursos arqueológicos regionais,
entende-se qualquer alteração que uma obra projetada possa vir a causar
sobre os bens arqueológicos e seu contexto ambiental, impedindo que o
56
legado das gerações passadas seja usufruído pelas gerações presentes e
futuras.
Portanto, a única medida mitigadora dos impactos do empreendimento sobre
os recursos arqueológicos regionais é fornecer as condições necessárias à
produção de conhecimento científico sobre os processos culturais ocorridos na
área em tempos passados e, assim, sua incorporação à memória nacional
(Caldarelli, 1991). No entanto, a medida não reverte o impacto mais importante,
que é a destruição dos bens arqueológicos.
Com base nos pressupostos e conceitos acima identificados e inter-relacionando os
resultados do diagnóstico arqueológico elaborado com os fatores geradores de
impactos, foram identificados os seguintes impactos sobre o patrimônio arqueológico
regional:
a.1) Nome do Impacto: Destruição, total ou parcial, de sítios arqueológicos.
b.1) Etapas, Fases e Processos Associados
Os processos que podem gerar esse impacto são todos ligados à implantação do
empreendimento, a saber:
Construção de estradas, vilas residenciais, pátios, canteiros, acampamentos,
alojamentos, postos de combustíveis, linha de transmissão, dragagem e
implantação do porto para atendimento às obras e outras instalações
Exploração de áreas de empréstimo, pedreiras e jazidas de areia
Construção da barragem e estruturas no sítio Pimental (ensecadeiras, desvios do
rio, barragem, vertedouro, casa de força)
Escavação dos canais de derivação nos igarapés Galhoso e Di Maria, construção
dos diques, vertedouro do sítio Bela Vista e conformação do reservatório dos
canais
Construção das barragens e estruturas no sítio Belo Monte e montagem
eletromecânica de turbinas e geradores
Limpeza das áreas dos reservatórios do Xingu e dos Canais
Inundação das áreas para formação dos reservatórios
c.1) Descrição do Impacto:
Por destruição total ou parcial de sítios arqueológicos, entende-se a ocorrência de
ações que levem à depredação ou à profunda desestruturação espacial e estratigráfica
de antigos assentamentos indígenas, de curta duração (acampamentos), de longa
57
duração (aldeias), ou de atividades específicas (oficinas de produção de artefatos
líticos, sítios cerimoniais, etc.), bem como de sítios de grafismos rupestres, subtraindoos à memória nacional.
Os processos que podem gerar esse impacto são todos ligados à implantação do
empreendimento, a saber:
Construção de estradas, vilas residenciais, pátios, canteiros, acampamentos,
alojamentos, postos de combustíveis, linha de transmissão, dragagem e
implantação do porto para atendimento às obras e outras instalações
Exploração de áreas de empréstimo, pedreiras e jazidas de areia
Construção da barragem e estruturas no sítio Pimental (ensecadeiras, desvios
do rio, barragem, vertedouro, casa de força)
Escavação dos canais de derivação nos igarapés Galhoso e Di Maria,
construção dos diques, vertedouro do sítio Bela Vista e conformação do
reservatório dos canais
Construção das barragens e estruturas no sítio Belo Monte e montagem
eletromecânica de turbinas e geradores
Limpeza das áreas dos reservatórios do Xingu e dos Canais
Trata-se de um impacto irreversível, de alta relevância, alta magnitude, permanente,
contínuo, direto, imediato, negativo, para o qual as ações previstas são de natureza
mitigadora e compensatória.
a.2) Nome do impacto: Soterramento de sítios arqueológicos.
b.2) Etapas, Fases e Processos Associados
O processo que pode gerar este impacto é a disposição de material excedente em
botas-foras, na fase de implantação das obras principais.
c.2) Descrição do Impacto
Por soterramento de sítios arqueológicos, entende-se a deposição de material
estranho sobre a matriz de sustentação de testemunhos materiais de atividades
humanas pretéritas (o solo).
Trata-se de um impacto reversível, de média relevância, baixa magnitude,
permanente, contínuo, direto, imediato, negativo, para o qual as ações previstas são
de natureza mitigadora e compensatória.
58
a.3) Nome do impacto:Submersão de sítios arqueológicos.
b.3) Etapas, Fases e Processos Associados
O processo que pode gerar este impacto é a inundação das áreas para formação dos
reservatórios, na fase de implantação do empreendimento.
c.3) Descrição do Impacto
Por submersão de sítios arqueológicos, entende-se o afogamento dos sítios pelo
reservatório, com consequências de difícil avaliação, podendo ocorrer:
a) no caso dos assentamos (aldeias e acampamentos temporários): dispersão e
redeposição dos testemunhos arqueológicos, pela ação das correntes de fundo, ao
erodir o novo leito.
b) no caso dos sítios com grafismos rupestres: erosão das gravuras, pela ação das
águas e de fungos.
Trata-se de um impacto irreversível, de alta relevância, alta magnitude, permanente,
contínuo, direto, imediato, negativo, para o qual as ações previstas são de natureza
mitigadora e compensatória.
d) Impacto Indireto Relacionado: descaracterização do entorno dos sítios
arqueológicos
Por descaracterização do entorno de sítios arqueológicos, entende-se a ocorrência de
ações que alterem fisicamente a área de implantação dos sítios. Esta alteração
dificulta e às vezes até mesmo inviabiliza inferências científicas que expliquem os
motivos pelos quais determinados ambientes foram escolhidos por seus habitantes
para seus assentamentos, em detrimento de outros, bem como a definição e
caracterização do território de captação de recursos das populações pré-coloniais que
ocuparam a área. Um registro arqueológico da paisagem, com registro de todos os
fatores ambientais importantes para a compreensão do contexto ambiental
arqueológico, precisará ser realizado, anteriormente à sua descaracterização.
e) Ações Ambientais Propostas:
Os impactos podem ser prevenidos com eficiência média através dos seguintes
programas:
Programa de Prospecções Arqueológicas Intensivas, que resulte em registro
quantitativo e qualitativo acurado dos sítios arqueológicos em risco, usando
métodos amostrais, no caso dos assentamentos, e de cobertura total, no caso
dos sítios com grafismos rupestres.
59
Programa de Salvamento Arqueológico, com intensidade diferenciada de
acordo com a significância científica dos diversos tipos de assentamentos
arqueológicos identificados durante as prospecções, e exaustivo no caso dos
sítios com grafismos rupestres..
A compensação pela perda dos sítios arqueológicos (o resgate recupera dados e
peças, mas não impede a destruição dos sítios) deverá ser feita através de um
Programa de Educação Patrimonial, a ser implantado simultaneamente aos dois
programas acima, assegurando:
a conscientização dos profissionais ligados à implantação do empreendimentos
sobre os cuidados a serem tomados no que tange ao patrimônio arqueológico
local;
a extroversão do conhecimento produzido às comunidades locais e aos
especialistas, bem como contribuindo com a conscientização das comunidades
locais sobre a existência e significado das ocorrências arqueológicas regionais.
60
PROGRAMAS RECOMENDADOS
A - PROGRAMA DE PROSPECÇÃO ARQUEOLÓGICA
1. Classificação: mitigatório
2. Objetivos
2.1. Geral: levantar, com razoável grau de certeza, a quantidade e diversidade de
sítios arqueológicos existentes nas áreas de intervenção do empreendimento
(aflorados em superfície e no leito do rio e enterrados no subsolo).
2.2. Específicos:
Estimar, com razoável grau de confiabilidade, os seguintes aspectos relativos
aos sítios arqueológicos identificados: limites espaciais de cada sítio;
densidade e diversidade da cultura material presente em cada sítio;
profundidade e espessura da camada arqueológica de cada sítio; estado de
conservação de cada sítio; implantação dos sítios na paisagem;
Fazer as primeiras inferências sobre as relações cronológicas, ambientais,
culturais e funcionais entre os diversos sítios registrados nas áreas levantadas;
Relacionar os sítios arqueológicos identificados ao contexto arqueológico précolonial regional conhecido;
Avaliar a significância científica dos sítios arqueológicos levantados;
Verificar a possibilidade de preservação dos sítios arqueológicos identificados;
Elencar as principais problemáticas científicas da área de estudo.
Obter parâmetros seguros para o desenho do futuro projeto de salvamento
arqueológico a ser implantado, com escavações sistemáticas nos sítios
arqueológicos que não puderem ser preservados.
3. Justificativas:
3.1. Os levantamentos arqueológicos realizados na área da UHE Belo Monte, não
abrangeram de modo sistemático toda a AID/ADA do empreendimento, o que
permitiu avaliar o potencial arqueológico da área (inclusive em termos de
variabilidade de sítios), mas não foi suficiente para determinar a quantidade
de sítios arqueológicos em risco.
3.2. A Portaria IPHAN 230/2002, que estabelece os procedimentos necessários
para o licenciamento de empreendimentos potencialmente capazes de afetar
o patrimônio arqueológico, estabelece que, para a fase de solicitação de LI,
61
seja implantado um Programa de Prospecções Arqueológicas Intensivas, o
qual deve estar proposto no EIA/RIMA.
4. Área de Abrangência: AID/ADA
5. Procedimentos metodológicos
5.1. Para os assentamentos de longa duração (aldeias) e de curta duração
(acampamentos)
Levantamento de campo sistemático e intensivo, com sondagens no
subsolo, usando métodos de cobertura total para o canteiro de obras e
estruturas associadas (acessos, áreas de empréstimo, áreas de deposição
de materiais excedentes, etc) e de amostragem estratificada para a área de
inundação, de modo a que todos os tipos de sítios correlacionados com os
diversos estratos paisagísticos tenham igual probabilidade de serem
percebidos e registrados pela equipe de arqueologia;
Delimitação espacial e registro
arqueológicos identificados;
estratigráfico
de
todos
os
sítios
Coleta sumária de material arqueológico nos sítios, devidamente controlada
e registrada, de caráter comprobatório e com a finalidade de permitir
inferências preliminares sobre a diversidade cultural e a funcionalidade dos
sítios arqueológicos que ocorrem na região.
Coleta de algumas amostras para datação por termoluminescência ou C14
e envio das amostras coletadas aos laboratórios especializados, de modo a
obter dados preliminares sobre a cronologia de ocupação da área de
estudo.
Curadoria e análise, em laboratório, do material arqueológico coletado em
campo.
Integração dos dados de campo e laboratório.
5.2. Para os sítios com grafismos rupestres e com polidores fixos
Levantamento sistemático dos matacões aflorados nas margens e no leito
do Rio Xingu, para identificação dos que possuem grafismos rupestres e
dos que possuem marcas de uso como polidores fixos;
Registro fotográfico e quantitativo dos conjuntos de polidores e de suas
variações;
Registro fotográfico e quantitativo dos conjuntos de grafismos rupestres e
dos motivos reproduzidos;
62
Inferências preliminares sobre as características tecnológicas, morfológicas
e funcionais dos polidores fixos;
Inferências preliminares sobre as técnicas e motivos dos sítios com
grafismos rupestres;
Integração dos dados de campo e laboratório.
6. Atividades previstas:
6.1. Elaboração de projeto de prospecção para o IPHAN, a partir das
problemáticas científicas já levantadas no EIA;
6.2. Montagem e preparação das equipes de campo;
6.3. Levantamentos de campo;
6.4. Sistematização dos dados de campo;
6.5. Curadoria e análise, em laboratório, dos materiais coletados em campo;
6.6. Envio das amostras de material datável por C14 para os laboratórios
especializados;
6.7. Estabelecimento de uma tipologia dos sítios arqueológicos, por critérios
estabelecidos a partir das características observadas;
6.8. Avaliação da significância científica dos sítios arqueológicos registrados, por
critérios pré-estabelecidos;
6.8. Elaboração de relatórios técnicos;
6.8. Detalhamento do projeto de resgate.
7. Resultados esperados:
7.1. Estimativa do número de sítios, por tipo, a serem afetados pelo
empreendimento;
7.2. Avaliação do grau de significância dos conjuntos de sítios de um mesmo tipo
e, dentro deles, de cada sítio dentro do conjunto;
7.3. Interpretação preliminar dos dados arqueológicos,
problemáticas esboçadas no projeto de pesquisa;
em
função
das
7.4. Seleção dos sítios arqueológicos a serem escavados na etapa do salvamento
arqueológico
7.4. Identificação de novas problemáticas científicas, a serem resolvidas na etapa
do salvamento arqueológico.
63
8. Interface com outros Planos, Programas e Projetos
Plano de Gestão Integrada da Implantação das Ações Ambientais, Programa de
Comunicação e Integração Social e Programa de Educação Ambiental.
9. Cronograma de Execução
ATIVIDADE
Elaboração de Projeto
para o IPHAN
Preparação
das
equipes de campo
Levantamentos
de
campo
Sistematização
dos
dados de campo
Trabalhos
de
laboratório
Elaboração
de
relatório
técnico
parcial
ATIVIDADE
MÊS
1
MÊS
2
MÊS
3
MÊS
4
MÊS
5
MÊS
6
MÊS
7
MÊS
8
MÊS
9
MÊS
10
MÊS
11
MÊS
12
MÊS
13
MÊS
14
MÊS
15
MÊS
16
MÊS
17
MÊS
18
Levantamentos
de
campo
Sistematização
dos
dados de campo
Trabalhos
de
laboratório
Classificação
tipológica dos sítios
arqueológicos
Avaliação
da
significância dos sítios
registrados
Elaboração
de
relatório técnico final
10. Responsabilidade pela implantação
O financiamento, implantação e desenvolvimento do programa será de
responsabilidade do empreendedor, sob coordenação de um arqueólogo senior
por ele contratado e deverá contar com a aprovação do IPHAN e a participação de
uma instituição responsável pela guarda do material arqueológico coletado em
campo.
64
B - PROGRAMA DE SALVAMENTO ARQUEOLÓGICO
1. Classificação: mitigatório
2. Objetivos
2.1. Geral: Produzir conhecimento sobre a história da ocupação humana na região,
desde seus primórdios até a entrada do colonizador europeu, com a
conseqüente desestruturação sócio-econômica-política e cultural das sociedades
indígenas que ali se encontravam, evitando que o empreendimento destrua bens
constituintes do patrimônio arqueológico nacional numa região estratégica para o
conhecimento da história pré-colonial da Amazônia.
2.2. Específicos:
Estudar a variabilidade funcional e estilística da cultura material recuperada
nos sítios arqueológicos;
Inferir a densidade demográfica dos sítios pesquisados, usando métodos
testados pela arqueologia;
Traçar a cronologia da ocupação indígena da área de estudo;
Divulgar o conhecimento produzido às comunidades locais e regionais e à
comunidade científica nacional e internacional.
3. Justificativas:
A área a ser alterada pelo empreendimento possui alto potencial arqueológico,
praticamente desconhecido, conforme demonstrado no EIA;
Os bens arqueológicos constituem o legado das gerações passadas às
gerações futuras, não tendo as gerações presentes o direito de interromper sua
trajetória natural, subtraindo a herança aos seus legítimos herdeiros. Para
impedir que isto se faça, são os bens arqueológicos considerados bens da
União, cfe. Art. 20 da Constituição Federal do Brasil. Além disso, são
protegidos por lei específica (Lei 3.924/61), que obriga seu estudo antes de
qualquer obra que possa vir a danificá-los.
4. Área de Abrangência: AID/ADA
5. Procedimentos metodológicos
Seleção de sítios arqueológicos a serem objeto de escavações sistemáticas,
utilizando critérios de significância científica, ou seja, o potencial de cada sítio
para esclarecer os processos sócio-culturais pretéritos dos quais eles restaram
como testemunhos materiais;
65
Topografia e escavação sistemática dos sítios selecionados, em intensidade
compatível com o tipo e grau de informação que se pretende obter de cada
sítio;
Topografia e registro fotogramétrico de detalhe da totalidade dos grafismos
rupestres identificados durante as prospecções de campo;
Topografia e registro fotogramétrico dos conjuntos de polidores fixos
identificados durante as prospecções de campo;
Levantamento e registro, em campo, das características tecnológicas,
morfológicas e funcionais dos polidores fixos;
Curadoria e análise, em laboratório, do material coletado em campo e da
documentação produzida;
Sistematização, análise e interpretação dos dados de campo e laboratório.
6. Atividades previstas:
6.1. Elaboração de projeto de salvamento arqueológico para o IPHAN, a partir
das problemáticas científicas levantadas durante as prospecções
arqueológicas;
6.2. Montagem e preparação das equipes de campo;
6.3. Topografia e escavação sistemática dos sitios arqueológicos selecionados,
com coleta de material para análise sedimentológica e para datação
radiocarbônica;
6.4. Registro topográfico e fotogramétrico dos sítios com grafismos rupestres;
6.5. Sistematização dos dados de campo e criação de um banco de dados sobre
os sítios escavados e sobre as oficinas de polimento registradas, com todas
as características observadas;
6.6. Criação de um banco de dados sobre os grafismos rupestres, com
informações sobre motivos, técnica de confecção, dimensões e motivos
(isolados e combinados);
6.7. Curadoria e análise, em laboratório, dos materiais coletados em campo;
6.8. Seleção das amostras de material datável por C14 e seleção de amostras
para datação por termoluminescência dos sítios para os quais a datação C14
não for possível e envio para os laboratórios especializados;
6.9. Integração e interpretação dos dados de campo e laboratório;
66
6.10.
Elaboração de relatórios técnicos;
6.11.
Divulgação dos resultados obtidos às comunidades regional, nacional e
internacional.
7. Resultados esperados:
Reconstituição e interpretação da dinâmica da ocupação indígena da área de
estudo, desde os primórdios até a até a entrada do colonizador europeu;
Extroversão dos conhecimentos produzidos às comunidades regional, nacional
e internacional.
8. Interface com outros Planos, Programas e Projetos
Plano de Gestão Integrada da Implantação das Ações Ambientais, Programa de
Educação Patrimonial e Programa de Estudo, Preservação e Revitalização do
Patrimônio Histórico e Cultural.
9. Cronograma de Execução
ATIVIDADE
MÊS
1
MÊS
2
MÊS
3
MÊS
4
MÊS
5
MÊS
6
MÊS
7
MÊS
8
MÊS
9
MÊS
10
MÊS
11
MÊS
12
MÊS
13
MÊS
14
MÊS
15
MÊS
16
MÊS
17
MÊS
18
Elaboração de Projeto
para o IPHAN
Preparação
das
equipes de campo
Trabalhos de campo
Sistematização
dados de campo
Trabalhos
laboratório
Elaboração
relatório
parcial
dos
de
de
técnico
ATIVIDADE
Trabalhos de campo
Sistematização
dados de campo
Trabalhos
laboratório
Elaboração
relatório
parcial
dos
de
de
técnico
67
ATIVIDADE
MÊS
19
MÊS
20
MÊS
21
MÊS
22
MÊS
23
MÊS
24
MÊS
25
MÊS
26
MÊS
27
MÊS
28
MÊS
29
MÊS
30
MÊS
31
MÊS
32
MÊS
33
MÊS
34
MÊS
35
MÊS
36
Trabalhos de campo
Sistematização
dados de campo
Trabalhos
laboratório
Divulgação
resultados
comunidades
regionais
Elaboração
relatório
parcial
dos
de
dos
às
de
técnico
ATIVIDADE
Trabalhos
laboratório
de
Análise integrada dos
dados
Divulgação
dos
resultados
às
comunidades
regionais
Elaboração
de
relatório técnico final
Divulgação
dos
resulta-dos
às
comunidades
científicas, nacional e
internacional
10. Responsabilidade pela implantação
O financiamento, implantação e desenvolvimento do programa será de
responsabilidade do empreendedor, sob coordenação de um arqueólogo senior por
ele contratado e deverá contar com a aprovação do IPHAN e a participação de
uma instituição responsável pela guarda do material arqueológico coletado em
campo.
C - PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
1. Classificação: compensatório
2. Objetivos
68
2.1. Geral: Sensibilizar as comunidades situadas no entorno do empreendimento e
os profissionais ligados à sua implantação sobre a importância de preservar os
bens culturais regionais e estimular atitudes de proteção ao patrimônio
arqueológico e cultural.
2.2. Específicos:
Esclarecer as comunidades de entorno do empreendimento e os profissionais
ligados à sua implantação o significado dos bens culturais regionais, materiais e
imateriais;
Evitar que, por desconhecimento, profissionais ligados à implantação do
empreendimento venham a interferir em sítios arqueológicos;
Estabelecer estratégias de divulgação dos bens culturais regionais e fomentar as
iniciativas locais e regionais de promoção e defesa dos bens culturais regionais;
Incentivar a formação de agentes locais de preservação do patrimônio cultural
regional, material e imaterial.
Capacitar os professores da rede escolar regional a explorar e valorizar os bens
culturais regionais, inserindo-os em seu planejamento como atividades
paradidáticas complementares ao ensino básico e secundário;
Divulgar os resultados das pesquisas arqueológicas, históricas e culturais
realizadas na região;
Estender o alcance dos produtos mencionados na metodologia (folhetos, vídeos
e exposição itinerante) à capital do Estado do Pará, usando como suporte a
mídia local.
3. Justificativas:
Atividades de Educação Patrimonial são recomendadas em cartas internacionais dos
quais o Brasil é signatário desde 1931, sendo exigidas, no Brasil, pelas Portarias
IPHAN 07/1988 e 230/2002.
A preocupação com a Educação Patrimonial se apoia nos seguintes pressupostos:
de que os bens culturais são os elementos definidores das identidades sociais.
Portanto, sua descaracterização constitui um grande impacto sócio-cultural e a
única maneira de preveni-la, revertê-la ou compensá-la consiste em fomentar
sua valorização.
de que a valorização e, em conseqüência, a adoção de atitudes de
preservação, dependem do conhecimento e compreensão que se tem do
patrimônio cultural latu senso, sendo as ações educativas o mais eficiente meio
de promoção de tais atitudes.
4. Área de Abrangência
Comunidades do entorno do empreendimento (nível formal e informal)
5. Procedimentos metodológicos/atividades previstas (por público-alvo)
69
5.1. Para os profissionais ligados à implantação do empreendimento (profissionais
das áreas de engenharia, educação ambiental, comunicação social e gestão
ambiental, tanto vinculados ao empreendedor, quanto às empreiteiras):
Seminários, com o auxílio de data-show.
Elaboração de folhetos, em linguagem acessível, que reforcem os
conceitos e idéias apresentados, para distribuição nos seminários.
5.2. Para as comunidades da AID
Levantamento das escolas e espaços públicos que possam sediar as
atividades educativas
Oficinas educativas junto aos professores das escolas, para transmitir
noções de pré-história, de patrimônio arqueológico e de pesquisa
arqueológica, visando o efeito multiplicador professor/aluno;
Elaboração de material para-didático com linguagem voltada ao
público infanto-juvenil, a ser distribuído para uso dos professores e
alunos das escolas que participaram das oficinas educativas;
Visitas guiadas de alunos e professores durante as escavações em
sítios arqueológicos na área do reservatório, para tornar mais
concretas as noções transmitidas pelos outros meios empregados;
Palestras em associações , explicando o que estão fazendo os
arqueólogos na região; fornecendo noções de patrimônio cultural e
estimulando os participantes a arrolarem bens e manifestações
culturais de seu conhecimento;
Elaboração de folhetos de divulgação ilustrados, em linguagem
acessível, que tratem de patrimônio arqueológico e histórico-cultural,
com exemplos de casos locais e regionais, para distribuição nas
palestras e aos visitantes das casas de memória a serem criadas;
Produção de dois vídeos, um sobre arqueologia e pré-história regional
e um sobre os bens históricos e culturais, locais e regionais, a serem
distribuídos em escolas e entregues às Secretarias de Educação e
de Cultura do estado do Pará, à Universidade Federal do Pará e à 2ª
Superintendência Regional do IPHAN/PA;
Elaboração de duas exposições itinerantes, uma sobre arqueologia e
pré-história regional, e uma sobre patrimônio histórico e cultural local e
regional, que percorrerão, juntas ou separadamente, as escolas
existentes na AID do empreendimento, ficando, depois, sediadas nas
casas de memória a serem criadas.
6. Resultados esperados:
6.1. Que os profissionais ligados à implantação do empreendimento se tornem
conscientes dos cuidados a serem tomados em relação ao patrimônio
arqueológico;
70
6.2. Que o patrimônio arqueológico local e regional seja reconhecido e apropriado
pelas comunidades locais;
6.3. Que as comunidades locais se sintam estimuladas a proteger o patrimônio
arqueológico local.
7. Interface com outros Planos, Programas e Projetos
Plano de Gestão Integrada da Implantação das Ações Ambientais, Programa de
Comunicação e Integração Social, Programa de Salvamento Arqueológico e
Programa de Estudo, Preservação e Revitalização do Patrimônio Histórico e
Cultural.
8. Cronograma de Execução
ATIVIDADE
Preparação dos materiais para os
seminários com os profissionais
ligados
à
implantação
do
Realização dos seminários com os
profissionais ligados à implantação do
empreendimento
ATIVIDADE
MÊS
1
MÊS
2
MÊS
3
MÊS
4
MÊS
5
MÊS
6
MÊS
7
MÊS
8
MÊS
9
MÊS
10
MÊS
11
MÊS
12
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13
MÊS
14
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MÊS
16
MÊS
17
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18
MÊS
19
MÊS
20
MÊS
21
MÊS
22
MÊS
23
MÊS
24
Levantamento das escolas e espaços
públicos que possam sediar as
atividades educativas
Preparação dos materiais para as
oficinas-educativas
Agendamento das oficinas educativas
com as escolas
Elaboração de relatório técnico parcial
ATIVIDADE
Realização das oficinas educativas
Elaboração de relatório técnico parcial
ATIVIDADE
Realização das oficinas educativas
Elaboração de relatório técnico final
71
9.
Responsabilidade pela implantação
O financiamento, implantação e desenvolvimento do programa serão de
responsabilidade do empreendedor, sob coordenação de um profissional senior
capacitado a planejar as atividades e a montar equipe multidisciplinar para
desenvolvê-las e executá-las. As atividades deverão contar com o apoio das
Prefeituras Municipais e respectivas Secretarias Municipais de Educação e
Cultura.
72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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