Carlos alberto batista santos
JaCiara raquel barbosa de lima
A ZOOTERAPIA DO POVO INDÍGENA
PANKARARU
NO SEMIÁRIDO PERNAMBUCANO
s
1ª edição
Juazeiro – ba
2017
A ZOOTERAPIA DO POVO INDÍGENA
PANKARARU
NO SEMIÁRIDO PERNAMBUCANO
sss
FICHA TÉCNICA
Revisão: roberto remígio Florêncio
Diagramação: rubervânio lima
Capa: rodrigo bezerra remígio de queiroz
Imagem da capa: iandé arte com História
www.iande.art.br
Editoração:
www.editoraoxente.com
Realização:
Catalogação na publicação (CiP)
Ficha Catalográica
s237a
santos, Carlos alberto batista dos, e lima, Jaciara raquel
barbosa de.
A Zooterapia do povo indígena Pankararú no
Semiárido Pernambucano / Carlos alberto b. dos
santos, Jaciara raquel barbosa de lima.
Juazeiro: sabeH, 2017.
94 p. ; il.
ISBN: 978-85-9563-025-3
1. medicina Popular 2. Zoologia
3. saberes tradicionais. i. título
Cdd: 615.321
E-BOOK
sociedade brasileira de ecologia
Humana – sabeH
http://www.sabeh.com.br
ConselHo editorial:
dr. Juracy marques dos santos (PPGeCoH/uneb)
dr. alfredo Wagner berno de almeida (uFam/PPGas)
dr. João Pacheco de oliveira (uFrJ/museu nacional)
dr. martín boada Jucá – espanha (uab)
dra. iva miranda Pires (FCsH-Portugal)
dra. maria Cleonice de s. Vergne (CaaPa/PPGecoH/uneb)
dra. eliane maria de s. nogueira (neCtas/PPGecoH/uneb)
dr. Jairton Fraga de araújo (Caerdes/PPGCoH/uneb)
dr. José Geraldo W. marques (uniCamP/ueFs/PPGecoH)
dr. Paulo magalhães - Portugal (querCus)
dr. Júlio Cesar de sá rocha (PPGecoH/uneb)
dr. sérgio malta de azevedo (PPGecoH/uFC)
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dr. ronaldo alvim (Fits)
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dra. adriana Cunha – (uneb/PPGeCoH)
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dr. adibula isau badiu nigéria (Fits)
dra. alpina begossi (uniCamP)
ComissÃo CientÍFiCa:
Dr. Arnaldo José C. Magalhães Júnior
universidade Federal do Vale do são Francisco (uniVasF)
Drª. Daniele Cristina de oliveira Lima da Silva
Faculdade regional da bahia (unirb)
Drª. Eliane Maria de Souza Nogueira
universidade do estado da bahia (uneb)
Dra. Horasa Maria Lima da Silva Andrade
universidade Federal de Pernambuco (uFrPe)
Dr. José Severino Bento da Silva
instituto Federal de Pernambuco (iFPe)
Dr. Juracy Marques dos santos
universidade do estado da bahia (uneb)
Dr. Luciano Pires Andrade
universidade Federal rural de Pernambuco (uFrPe)
Dr. Rogério de Souza Bispo
universidade do estado da bahia (uneb)
Dra. Vanessa de Carvalho Nilo Bitu
Faculdade leão sampaio (leÃo samPaio)
Dr. Thiago Pereira Chaves
universidade Federal do Piauí (uFPi)
Dra. Vinina Ferreira da Silva
universidade Federal do Vale do são Francisco (uniVasF)
Drª Wbaneide Martins de Andrade
universidade do estado da bahia (uneb)
OS AUTORES
Dr. Carlos Alberto Batista dos Santos
Possui Graduação em licenciatura Plena em Ciências com
Habilitação em biologia pela universidade de Pernambuco,
mestrado em Zoologia pela universidade estadual de
santa Cruz e doutorado em etnobiologia e Conservação da
natureza pela universidade Federal rural de Pernambuco.
atualmente é professor efetivo na universidade do estado
da bahia, onde coordena o Programa de Pós-Graduação
em ecologia Humana e Gestão socioambiental., Campus
iii. leciona e orienta alunos no Curso de graduação em
agronomia e no mestrado em ecologia Humana e Gestão
socioambiental, ambos da uneb.
Me. Jaciara Raquel Barbosa de Lima
Possui graduação em Ciências biológicas pela universidade
do estado da bahia- uneb. especialista em Gestão
ambiental e recursos Hídricos pela Faculdade são luís de
França. especialista no ensino de química e biologia pela
universidade Federal do Vale do são Francisco (uniVasF).
mestre em ecologia Humana e Gestão socioambiental pela
universidade do estado da bahia, uneb.
SUMÁRIO
Os Autores
11
Prefácio
17
Apresentação
19
Capítulo 1 – Conceitos iniciais
1.1 etnobiologia
1.2 etnozoologia e a utilização medicinal dos animais
1.3 os povos tradicionais e o etnoconhecimento
25
27
28
33
Capítulo 2 – a pesquisa
2.1 o Povo Pankararu
39
41
Capítulo 3 – metodologia
3.1 Área de estudo
3.2 Coleta e análise de dados
47
49
52
Capítulo 4 – registros da Zooterapia Pankararú
55
Epílogo
73
Referências Bibliográicas
77
PREfÁCIO
a pós-modernidade descortinou uma constelação de
discussões acaloradas sobre a utilização dos recursos
naturais, emergindo com bastante vigor a questão da
sustentabilidade, devido a aceleração ao consumismo,
dentro de interesses pautados numa lógica da reprodução
do capital, que vem se mostrando extremamente predatória
ao meio ambiente, causando graves problemas ambientais,
ou como prefere o importante pesquisador mexicano
Enrique Lef, “uma crise civilizatória”.
o ser humano é espécie que, de modo consciente, mais
transforma, adapta e se adapta às condições ambientais.
nesse diapasão, estudos sobre o uso dos recursos naturais
pelos povos tradicionais ganham relevância, devido às suas
relações mais harmônicas e sustentáveis com os elementos
da natureza, como airmou Elionor Ostrom, Prêmio Nobel
de economia.
o trabalho que ora temos o prazer de prefaciar, vem
justamente valorizar as percepções do povo Pankararu dos
elementos naturais que os cercam, numa perspectiva êmica,
oferecendo aos pesquisadores das mais distintas áreas do
conhecimento importante subsídio para compreensão do
saber/fazer desse povo.
os conhecimentos sobre os usos de animais com
ins terapêuticos detidos pelo povo Pankararu, foram/
18 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
são transmitidos oralmente, de geração a geração, e
vêm ganhando a atenção dos centros acadêmicos,
principalmente no âmbito das etnociências.
Compactuando-se com uma nova mentalidade de
ressigniicações de “conhecimentos válidos”, o presente
trabalho aborda as experiências do povo Pankararu, no
tocante aos usos da fauna com ins terapêuticos, abrindo
espaço para a valorização dos conhecimentos tradicionais.
as pesquisas empreendidas nessa empreitada vêm
contribuir, de modo signiicativo, para acrescentar subsídios
para uma melhor compreensão dessas práticas tradicionais.
Corrobora para a conirmação de uma grande biodiversidade
da caatinga (51 espécies animais foram detectadas na área
estudada), e os usos sustentáveis desses recursos, além
de, talvez mais importante, as simbologias intrínsecas nos
elementos naturais utilizadas nas práticas curativas, como
relacionar partes dos organismos utilizados às doenças
especíicas.
os resultados dessa pesquisa são, sem dúvidas,
importantes contribuições para pesquisas posteriores, tanto
para as etnociências, como outras áreas de estudos.
Petrolina, 02/01/2016
roberto de oliveira
me. ecologia Humana e Gestão socioambiental
s
A P R E S E N TA ç ã O
a história da evolução da terra nos mostra que do big
bang até os nossos dias inúmeras mudanças ocorreram,
reações químicas diversas proporcionaram o surgimento
da vida que seguiu organizando-se em sistemas cada vez
mais complexos, até constituir a biodiversidade que hoje
a habita em inúmeras e distintas paisagens.
em um momento singular surge o homem, inicialmente
o sistema natural vê esse novo integrante apenas como
mais uma espécie, se não fosse a sua capacidade de
assimilação, aprendizagem, manipulação do ambiente e
transferência das habilidades e do conhecimento adquirido
de uma geração para outra, característica que lhe conferiu
grande capacidade adaptativa.
Vivendo em grupos, coloniza regiões, explora recursos,
migra, cria instrumentos e ferramentas, domina o fogo,
compete por recursos com outras espécies e as subjuga,
contribuindo assim para a extinção de diversas espécies
animais, a exemplo da extinção da megafauna (30.000 a
13.000 anos atrás).
num segundo momento, domestica espécies da fauna e
da lora, tornando-se assim um agente modiicador das
20 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
paisagens naturais. A partir de então, além de modiicar
o ambiente, o homem, através de seus saberes e
experiências acumuladas, aprimora suas técnicas de caça,
plantio e ferramentas, aumentando seu potencial biótico e
promovendo uma grande explosão populacional da espécie
que agora se espalha por toda a superfície do planeta.
Compreender historicamente as relações entre os grupos
humanos e a natureza não é tarefa fácil e tem demandado
uma maior colaboração entre cientistas sociais e naturais,
em particular de historiadores, biólogos e ecólogos,
entendimento este que parte de uma exigência social
crescente, motivada pelo uso dos recursos naturais de
forma insustentável (martineZ, 2006).
a compreensão de como um impacto antrópico local
provoca prejuízos à humanidade é facilitado com estudos
temporais, que irão explicar as mudanças culturais,
econômicas e sociais que levaram a uma maior ou menor
utilização de determinado recurso. É preciso atentar para os
fenômenos de longa duração histórica, pois a persistência e
a lenta transformação das estruturas e das relações sociais
não se podem perceber em tempo curto, assim, o uso dos
recursos naturais pelas sociedades humanas tem uma
longa trajetória histórica, na qual permanece a utilização
de alguns desses recursos, mesmo que sob novas formas,
enquanto outros são substituídos a exemplo das fontes de
energia e matérias-primas utilizadas (martineZ, 2006).
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
21
se as transformações promovidas foram/são necessárias
ou não, se são excessivas e quais os impactos gerados,
não é o foco da nossa discussão neste momento, queremos
aqui ressaltar que é possível que grupos humanos, mantenham com o meio ambiente uma relação de harmonia,
dando enfoque ao uso dos recursos naturais pelos povos
indígenas.
o homem sempre buscou na natureza os recursos básicos
a sua sobrevivência, desde alimentação e vestuários a medicamentos para cura de enfermidades, desenvolvendo um
acurado saber acerca das propriedades terapêuticas e medicinais dos animais e plantas que têm sido utilizados para
esse im desde tempos antigos, perpetuando-se até a atualidade e desempenhando papel essencial na assistência à
saúde humana (alVes & rosa, 2007), principalmente em
locais que não oferecem fácil acesso a médicos e drogas
farmacológicas. esta prática representa uma alternativa
aos medicamentos que a indústria farmacêutica coloca
à disposição da população, a preços que não condizem
com a sua realidade socioeconômica ou cultural (alVes
et al., 2008; alVes & rosa, 2006). assim é que desde
tempos antigos, animais suas partes e seus produtos têm
constituído parte do inventário de substâncias utilizadas na
medicina popular por várias culturas (leV, 2003), e seus
usos são impulsionados pela grande diversidade biológica
e cultural do nosso país (alVes et al., 2008).
22 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
este conhecimento é adquirido a partir das relações com
o meio ambiente e é o resultado de gerações de experiências acumuladas, experimentações e troca de informações
(ellen, 1997), transmitidos de geração á geração, especialmente por meio da tradição oral, e estão bem integrados
com outros aspectos das culturas das quais fazem parte
(FleminG-moran, 1993). estudos desenvolvidos sobre
as relações homem e natureza, constatam que muitos
grupos sociais possuem sistemas próprios de manejo dos
recursos naturais, como resultado das experiências acumuladas durante séculos, o que lhes permite suprir suas
necessidades com um prejuízo ambiental mínimo (dieGues, 1994; albuquerque, 1999; beGossi, 1998;
adams, 2000; moreira, 2000).
neste contexto, os recursos animais ou produtos derivados
destes, veem sendo usados regularmente pelas sociedades
humanas, para tratar doenças, prática conhecida como
zooterapia (Costa-neto, 2000b). esta pratica faz parte
dos grupos das substâncias medicinais usadas em várias
culturas (leV, 2003; alVes et al., 2007), o que culminou
na elaboração da hipótese da universalidade zooterápica,
por marques (1994), segundo a qual toda cultura humana
que apresenta um sistema médico desenvolvido utiliza
animais como fonte de remédios.
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
23
no brasil, a prática de utilização dos recursos naturais para
ins terapêuticos remonta ao período colonial (SILVA et al.,
2004) e vem se perpetuando ao longo dos tempos através
da medicina popular, sendo desenvolvida até os dias atuais por diversas culturas (alVes et al., 2008), incluindo-se
elementos indígenas, africanos e europeu (roCHa, 1960),
tendo se desenvolvido através da observação e caracterização empírica do combate às moléstias, por meio da
avaliação dos sintomas experimentados após o consumo
(moura & marques, 2008).
assim, o conhecimento que as populações tradicionais
detêm ganharam atenção em todo o mundo, uma vez que
os saberes e técnicas tradicionais servem de complemento
ao conhecimento cientíico em diversas áreas de estudo,
principalmente aquelas relativas ao uso e manejo de recursos naturais à avaliação de impactos ambientais e ao
desenvolvimento sustentável (PoseY, 1984).
sendo o brasil detentor de uma rica diversidade social e
cultural, representada por mais de 200 povos indígenas
(alVes, 2008), o inventário sobre os animais usados na
medicina popular vem contribuir densamente para o conhecimento da diversidade faunística existente no país,
fator importante para a conservação dos animais, já que
algumas espécies usadas na medicina tradicional brasileira
encontram-se ameaçadas de extinção ou em perigo devido
a sobre-exploração (alVes & rosa, 2007; Ferreira et
24 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
al., 2009a). desta forma o conhecimento tradicional associado ao saber cientíico pode ser uma importante estratégia de desenvolvimento sustentável (albuquerque
& andrade, 2002), entretanto para isso é preciso que a
ciência ocidental reconheça a existência, entre as sociedades tradicionais, de outras formas, igualmente racionais
de se perceber a biodiversidade, além das oferecidas pela
ciência moderna (dieGues, 2000).
outra questão importante em relação à zooterapia é o
fornecimento de dados que podem assumir importância
para a indústria farmacêutica no descobrimento de novos
medicamentos, assim, diversas espécies têm sido testadas
metodicamente pelas companhias farmacêuticas como
fontes de drogas para a ciência médica moderna (Costa-neto, 2005). dos 255 químicos essenciais que foram
selecionados pela organização mundial da saúde, 11,1%
têm origem nas plantas, enquanto que 8,7% têm origem
nos animais (marques, 1997).
diante disto este tratado da zooterapia indígena, contribui
com informações sobre a utilização de animais na medicina
popular dos índios Pankararu, residentes no nordeste do
estado de Pernambuco, buscando fomentar discussões
sobre a importância da conservação das riquezas biológicas
e culturais no semiárido brasileiro.
s
CAPÍTUlO 1
CONCEITOS INICIAIS
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
27
1.1 Etnobiologia
a ciência denominada etnobiologia, relativamente recente,
surgiu com uma linha de pesquisa das etnociências, e
ganhou impulso a partir da década de 1950 com alguns
autores norte-americanos que começaram a desenvolver
pesquisas na área (HAVERROTH, 1997). Na deinição
de begossi (1993) a etnobiologia é uma ciência que
busca entender como o mundo é percebido, conhecido e
classiicado por diversas culturas humanas.
Como um campo relativamente novo da ciência, a
etnobiologia busca contribuições em outras áreas do
conhecimento, tais como sociolingüística, antropologia
estrutural e antropologia cognitiva, para auxiliar na
construção dos seus métodos e teorias, partindo do
pressuposto que cada povo possui um sistema único de
perceber e organizar os objetos, eventos e comportamentos
(dieGues & arruda, 1999).
O preixo grego éthno tem sido utilizado por sintetizar
o modo como às sociedades compreendem o mundo
(martin, 1995), sendo assim, vários campos podem
ser definidos dentro da etnobiologia, como, por
exemplo, etnobotânica, etnozoologia, etnoentomologia,
etnomicologia, entre outras (mÉndeZ & ramÍreZ,
1999). quando utilizado antes de uma área acadêmica
28 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
que denota um determinado objeto de estudo, como, por
exemplo, a etnozoologia, implica que os pesquisadores
desta área estão investigando a percepção de uma
população culturalmente diferenciada sobre aquele objeto,
no caso, os animais. este conceito torna-se uma questão
central para os etnobiólogos e antropólogos, uma vez
que os pesquisadores possuem suas próprias formas de
conhecimento e classiicação, precisando dessa forma
separar as explicações apresentadas pelas populações
tradicionais investigadas sobre o mundo e os fenômenos
naturais das interpretações culturais elaboradas pelos
próprios pesquisadores, buscando assim não alterar o
resultado da pesquisa (PoseY, 1992).
no brasil, a pesquisa etnobiológica começou a ser mais
frequente a partir da década de 1980, embora muitos
trabalhos anteriores tenham sido realizados com o
enfoque dado pela etnobiologia (raZera et al., 2006).
um marco importante para os estudos da etnociência
no brasil foi a publicação do trabalho intitulado Suma
etnológia brasileira, coordenado por darcy ribeiro e berta
ribeiro (dieGues & arruda, 1999).
1.2 Etnozoologia e a utilização medicinal de animais
durante toda a história da humanidade é sabido da
interação estabelecida entre o homem e os recursos
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
29
naturais, esta relação baseia-se principalmente na
necessidade do homem buscar na natureza os recursos
para sua sobrevivência, assim a etnozoologia, surge
entre as áreas que investigam as relações homem/
animal, sendo definida como um estudo transdisciplinar
da relação entre populações humanas e animais que
estão inseridos no ambiente que o cercam, sendo
essa relação estabelecida ou por pensamentos, ou
por percepções, sentimentos e atitudes (marques,
2002). trata-se de um estudo que investiga a forma
que o homem percebe, classifica e utiliza os animais,
levando em consideração as perspectivas culturais de
cada grupo humano.
o termo etnozoologia foi empregado primeiramente nos
Estados Unidos no inal do século XIX com o trabalho
de Mason em 1899, sendo deinido pelo autor como “a
zoologia da região tal como narrada pelo selvagem”.
neste trabalho mason investigou as técnicas de caça de
alguns povos indígenas norte-americanos. no entanto
na literatura, o termo só apareceu em 1914 no artigo
intitulado Ethnozoology of the Tewa Indians, de Henderson
e Harrington (santos-Fita & Costa-neto, 2007).
no campo da etnozoologia tem se desenvolvido estudos
voltados para percepção cultural e a elaboração de sistemas
tradicionais de classiicação dos animais (MOURÃO &
30 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
nordi, 2002; alVes & nisHida, 2002), investigações dos
signiicados culturais dos animais (COSTA-NETO, 1998),
estudos voltados para a zooterapia na medicina tradicional
(Costa-neto, 2000b; 2009; moura & marques,
2008), e sobre os conhecimentos tradicionais à respeito
da biologia e ecologia dos animais (moura & marques,
2007), entre outros aspectos.
a utilização medicinal dos animais na medicina tradicional,
a qual se trata este trabalho, apresenta-se como
conhecimento empírico que é repassado de pais para ilhos,
na qual animais são utilizados como prática de cura de
diversas doenças. esta prática é popularmente conhecida
principalmente em locais que não oferece fácil acesso a
médicos e drogas farmacológicas, muitas vezes sendo
a única alternativa encontrada. segundo ellen (1997),
o conhecimento biológico tradicional é o resultado de
gerações de experiências acumulativas, experimentação
e troca de informação.
no méxico, a zooterapia tradicional segue ocupando lugar
importante no tratamento das enfermidades da maior parte
das pessoas que vivem no país (andrade & Costaneto, 2006). no brasil o interesse, a valorização e a
sistematização dessa prática remontam ao período colonial,
mais especiicamente durante o domínio holandês, quando
Guilherme Piso e Jorge marcgrave, médico e naturalista,
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
31
respectivamente, do governo de maurício de nassau,
descreveram o uso de recursos animais e vegetais no
tratamento de várias enfermidades no nordeste (silVa et
al., 2004).
[...] o uso de animais na medicina popular
representa uma prática importante, sobretudo
considerando as condições financeiras que
impossibilitam a aquisição de remédios de
farmácia e a escassez de atendimento médico
(alVes et al., 2008).
Por muito tempo a medicina popular era descrita apenas
como o uso de plantas para ins medicinais, contudo cada
vez mais têm sido descritos a utilização de animais na
medicina tradicional em diversas culturas, estando presente
tanto no meio rural como no urbano. este reconhecimento
da zooterapia deve-se aos trabalhos desenvolvidos que
investigam a utilização de animais para ins medicinais,
comprovando desta forma a existência de animais na
medicina popular. segundo marques (1994) esta prática
é supostamente presente em todas as cultuas humanas.
Como pesquisador pioneiro na documentação dos estudos
sobre a fauna medicinal no brasil pode-se destacar José
Geraldo W. marques, que desde a década de 1980 vem
registrando o uso de animais como remédios (Costaneto, 1999a).
32 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
estudos realizados na américa do sul cita o uso de pelo
menos 322 espécies de animais utilizados na medicina
tradicional (alVes et al., 2009), no brasil esse número
já atinge cerca de 300 espécies de animais utilizados na
medicina popular (Costa-neto, 1999a), sendo que no
nordeste do brasil esse registro é de pelo menos 250
espécies de animais (alVes, 2009). de acordo com alves &
rosa (2007) este número relevante de registros de animais
utilizados na medicina popular do brasil deve-se a sua
diversidade social e cultural associada à disponibilidade
dos recursos faunísticos, e a sua eicácia percebida.
a crença no potencial terapêutico dessa prática pode se
dever a uma grande variedade de fatores que vão do plano
físico, como a avaliação dos sintomas experimentados após
o seu consumo, e ao simbólico, como associação da forma
da fração animal utilizada à parte do corpo humano que
requer cuidados (moura & marques, 2008).
Para a preparação dos medicamentos são utilizados
partes e produtos dos animais como: casco, pêlo,
vísceras, espinhos, chifres, couros, dentes, ninhos, fezes,
gorduras, leite e mel. alguns animais, entretanto, são
usados integralmente, podendo ser torrados, moídos,
transformados em pó e adicionados a chás ou misturados
a alimentos (moura & marques, 2008).
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
33
além de seu papel na cura, produtos naturais, muitas vezes
têm um signiicado mágico-religioso, reletindo os diferentes
pontos de vista da saúde e da doença que existem dentro
de diferentes culturas (alVes et al., 2009). desta forma
o uso de substâncias animais deve ser compreendido
segundo uma perspectiva cultural, uma vez que sistemas
médicos são organizados enquanto sistemas culturais
(Costa-neto, 2000a).
1.3 Os povos tradicionais e o etnoconhecimento
segundo o artigo 3º, do decreto nº 6040, de 7/02/2007,
entende-se por povos e comunidades tradicionais como
sendo grupos culturalmente diferenciados e que se
reconhecem como tais, que possuem formas próprias
de organização social, que ocupam e usam territórios e
recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição.
os povos tradicionais possuem um vasto conhecimento
sobre a natureza e uma rica cultura adquirida ao longo
de várias gerações. supostamente esse conhecimento
desenvolveu-se através da observação e experimentação
dos processos naturais (desCola, 1990; PoseY &
anderson, 1990).
34 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
tais conhecimentos vêm ganhando atenção em todo o
mundo, uma vez que os saberes e técnicas tradicionais
complementam o conhecimento cientíico em áreas como
pesquisa e avaliação de impactos ambientais; manejo de
recurso e desenvolvimento sustentável (Costa-neto,
2000), assumindo desta forma um papel de extrema
importância para diversos campos da ciência tais como a
sociologia, antropologia, biologia e entre outros (souZa
& sanCHeZ, 2007).
O Artigo 3° do decreto 118/2002, deine como conhecimento
tradicional:
“todos os elementos intangíveis associados à
utilização comercial ou industrial das variedades
locais e restante material autóctone desenvolvido
pelas populações locais, em coletividade ou
individualmente, de maneira não sistemática e
que se insiram nas tradições culturais e espirituais
dessas populações, compreendendo, mas não se
limitando a conhecimentos relativos a métodos,
processos, produtos e denominações com
aplicação na agricultura, alimentação e atividades
industriais em geral, incluindo o artesanato, o
comércio e os serviços, informalmente associados
à utilização e preservação das variedades
locais e restante material autóctone espontâneo
abrangidos pelo disposto no presente diploma”.
os estudos que se referem a estes saberes preocupamse, de um modo geral, com a maneira como os povos
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
35
tradicionais usam e apropriam dos recursos naturais
(mourÃo & nordi, 2006). o conhecimento tradicional
tem sido estudado com diversas abordagens, revelando
novas espécies e subespécies de abelha a partir de
especialistas nativos; compostos ativos de interesse
foram isolados em laboratórios como resultado de
pesquisas etnofarmacológicas desenvolvidas em
conjunto com pajés; dietas animais foram analisadas
com o auxílio de hábeis caçadores; estudos etológicos
pioneiros de espécies pouco conhecidas foram
desenvolvidos com a ajuda de especialistas indígenas;
e complexas relações solo-planta-animal foram descritas
a partir de agricultores experientes (PoseY, 1992).
a maior parte das áreas ainda preservadas do território
brasileiro são habitadas com maior ou menor densidade
por populações indígenas ou por comunidades rurais
“tradicionais” - caiçaras, ribeirinhos, seringueiros,
quilombolas, caipiras (arruda, 1999).
esta relação harmoniosa muitas vezes estabelecida entre
as comunidades e povos tradicionais é fundamentada
pela dependência desses grupos na natureza para
sua real sobrevivência, desta forma tais populações
além de utilizar os recursos naturais de forma diversa,
desenvolvem técnicas diferenciadas de manuseio e
manejo, tornando-se verdadeiros ecólogos. no entanto,
é preciso ter em mente que as comunidades tradicionais,
36 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
tanto quanto as demais, estão sujeitas às dinâmicas
sociais e a mudança cultural (arruda, 1999).
em relação aos povos indígenas, Hermel (1988) relata
que a cultura destes povos é construída através da
utilização de símbolos, de objetos, de utensílios do
seu dia-a-dia. É por meio do objeto que os mesmos
remetem à fala do grupo em seu relacionamento e onde
tudo tem um significado. tal fala passa de geração a
geração, dando um significado ao saber construído no
cotidiano, onde o conhecimento informal é transmitido
oralmente pelos mais velhos, baseado em experiências
acumuladas de um passado de memórias que está muito
mais longe de todos os passados.
Para as sociedades indígenas há uma interligação
orgânica entre o mundo natural, o sobrenatural e a
organização social. Para tais comunidades, não há uma
classificação dualista, uma linha divisória rígida entre o
“natural” e o “social”, mas sim um contínuo entre ambos
(dieGues & arruda, 1999).
ainda segundo o mesmo autor pode-se falar em uma
etnobiodiversidade, isto é, a riqueza da natureza da
qual também participa o homem, nesse sentido a
biodiversidade é formada tanto do domínio natural como
do cultural, onde é a cultura que permite às populações
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
37
tradicionais se relacionarem tão bem com a natureza,
frequentemente enriquecendo-a.
Portanto é preciso reconhecer a existência, entre as
sociedades tradicionais, de outras formas, igualmente
racionais de se perceber a biodiversidade, além das
oferecidas pela ciência moderna (dieGues, 2000).
alves & rosa (2006) enfatizam ainda a necessidade do
registro desse conhecimento, sobretudo considerando
que as populações detentoras desse saberes, em
grande parte, encontram-se em acelerado processo de
descaracterização e aculturação.
s
CAPÍTUlO 2
A PESQUISA
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
41
2.1 O Povo Pankararu
o povo indígena atualmente conhecido como Pankararu
vive originalmente no sertão pernambucano, na região do
submédio rio são Francisco, ou Vale do são Francisco.
sua terra indígena está localizada entre os municípios de
tacaratu, nova Petrolândia e Jatobá, dividida internamente
em dois territórios: Área territorial Pankararu, demarcada
em 1996, e Área territorial entre serras Pankararu,
homologada em 2007 por intermédio de um decreto do
Governo Federal.
Cunha (1999) apresenta uma imprecisão no número
de aldeias nesses territórios indígenas. Airma que são
quinze, mas relata que alguns autores se referem a
números entre trinta e quarenta. Para matta (2005), por
exemplo, são dezesseis. de acordo com a associação
s.o.s Comunidade indígena Pankararu (s.o.s – CiP),
os territórios somados estão divididos em vinte e cinco
aldeias, em uma superfície de 16.127,2 hectares e
perímetro de 89.616,41 metros (Funai, 1990; 2000).
as terras indígenas foram doadas pela Coroa Portuguesa
com a medida de uma “légua em quadro” – equivalente a
14.294 hectares – iniciando-se do cemitério localizado na
região conhecida como brejo dos Padres, atualmente a
principal aldeia Pankararu. a doação das terras objetivava
42 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
o controle da ocupação sertaneja e a viabilidade das
missões religiosas na região (matta, 2005).
segundo arruti (1996), um alvará régio de 1700 é o
instrumento oicial desta doação, que determina a cada
missão ou aldeamento uma porção de terra. embora
as informações sobre os primeiros contatos com não
indígenas sejam imprecisas, segundo a universidade
Federal de Pernambuco (nePe, 2009), datam do
século XVII, com missionários italianos da ordem dos
Capuchinhos.
os Pancarús oriundos de Canabrava, atual município de
tacaratu, das ilhas do rio são Francisco, denominadas
surubabel, acará e Várzea ou de Curraldos-bois hoje santo
antônio da Glória, foram aldeados pelos missionários no
brejo dos Padres, em 1802 (matta, 2005), onde tiveram
de se reunir à força com povos provenientes de serra
negra, de Águas belas, do Colégio e do sertão de rodelas
(Peti, 1993).
a união de povos nativos deu origem a um povoado de
nome extenso, os Pancarú Geritacó Cacalancó Umã
Canabrava Tatuxi de Fulo (arruti, 2004) que, primeiro
por um ato missionário e, posteriormente, por um ato
administrativo estatal, passaram a ser conhecidos pela
autodenominação Pankararu. este grupo traz consigo a
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
43
marca das diferenças em sua composição étnica (matta,
2005) formada por indígenas, brancos, negros, cafuzos
e caboclos.
o reconhecimento oficial pelo estado ocorre em um
momento em que a política indigenista se desloca de um
foco que visa o extermínio étnico, para outro, que tem
como norte incluir os indígenas como mão de obra para
a expansão nacional (lima, 1995).
os índios Pankararu formam atualmente uma população
de cerca de 5.505 indivíduos (ibGe, 2010) que habitam
uma área segundo a associação s.o.s Comunidade
indígena Pankararu6 (s.o.s – CiP), os territórios somados
estão divididos em vinte aldeias, em uma superfície de
14.294 hectares (santos et al., 2010) e perímetro de
89.616,41 metros (Funai, 2000).
esses povos não tiveram os seus direitos fundiários
respeitados no reconhecimento oicial das suas terras,
sofrendo uma redução do território Pankararu de
14.294hectares para 8.100 hectares oficialmente
reconhecidos. As terras oicialmente não reconhecidas
são habitadas por posseiros que vivem em conlitos com
o grupo indígena pela pose da terra (arruti, 2005;
matta, 2005).
44 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
os Pankararu retiram seu sustento basicamente da
agricultura familiar, com o cultivo de roças de feijão,
milho e mandioca. a colheita de pinha também é um
importante sustento, já que os índios são um dos maiores
produtores da região. Frutas como goiaba, manga, caju,
murici e banana também são comercializados nas feiras
dos municípios próximos, principalmente em tacaratu e
Petrolândia. mas é no umbu que está a grande referência
para os índios: no início da safra eles celebram seu mais
importante ritual, a Corrida do umbu (maGalHÃes &
moura, 2008). outra atividade econômica importante é
o artesanato, baseado na produção de cestos, abanos e
bolsas de cipó, vassouras, mantas e potes de barro.
devido ao trabalho realizado pelos missionários, os índios
cultuam a religião católica, observam o calendário de
festas populares religiosas, mas mantêm também rituais,
danças e folguedos próprios da sua cultura. suas festas
típicas mais importantes são a Corrida e a do menino do
rancho (GasPar, 2003).
a reserva indígena tem a sua localização entre serras
(Figura 1) e contam com duas fontes de águas, que são
responsáveis pelo abastecimento de toda reserva, nas
épocas de chuva surgem riachos temporários. encontra-se
na região a vegetação típica da caatinga, marcada pelo
seu clima semi-árido, com chuvas irregulares e estações
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
45
do ano pouco deinidas, apresentando ainda alguns brejos
de altitudes.
Figura 1: Vista da serra que circunda o território Pankararu, a partir
do município de Jatobá-Pe, aldeia brejo dos Padres.
(Foto: Carlos alberto b. santos)
o nome do tronco Pankararu é Jeripancó tatuchina de
Fulô, e quer dizer o povo que mora à margem do são
Francisco. o nome Pankararu da aldeia, vamos supor
as serra, as mata, as nascente, que seria essa palavra
concluiria (santos et al, 2010).
nas terras Pankararu encontramos os espaços sagrados
46 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
como a cachoeira encantada onde se pratica a caça,
pesca, os seus rituais. no local da cachoeira construíram a
usina Hidreletrica luís Gonzaga, criaram o acampamento
itaparica, para os trabalhadores da Companhia Hidrelétrica
do são Francisco – CHesF e a cidade de Jatobá, sendo o
povo indígena, relocado para o interior da caatinga, entre
as serras da região (santos et al, 2010).
s
CAPÍTUlO 3
METODOlOGIA
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
49
3.1 Área de estudo
o estudo foi realizado nas aldeias indígenas Pankararu
localizado próximo ao vale do rio são Francisco, entre os
municípios de tacaratu, Petrolândia e Jatobá no estado de
Pernambuco, nordeste do brasil (Figura 2).
Figura 2: mapa com indicação da terra indígena Pankararú.
Fonte: acervo dos autores (2015)
as aldeias Pankararu, estão situadas em área de
caatinga, caracterizada pelo clima semiárido, marcado
por uma sazonalidade anual com longo período de seca,
apresentando solo raso e pedregoso, embora relativamente
fértil (mma, 2006).
50 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
de modo geral, a biota da caatinga tem sido descrita
na literatura como pobre, abrigando poucas espécies
endêmicas, no entanto esta região possui um considerável
número de espécies endêmicas (Casteleti et al.,
2000), demonstrando relevante importância deste bioma,
dado a sua biodiversidade, e sua respectiva conservação
(leal et al., 2003).
a vegetação da caatinga é formada principalmente por
árvores e arbustos baixos, muitos dos quais apresentam
espinhos e microfilia, características xerofíticas que lhe
permite tolerar condições de aridez (Prado, 2003).
levantamento sobre a fauna da caatinga mostra uma
diversidade biológica consideravelmente alta para esta
região, revelam a existência de 187 espécies de abelhas
(Zanella & martins, 2003), 167 espécies de répteis
e anfíbios (rodriGues, 2003), 240 espécies de peixes
(rosa et al., 2003), 62 famílias e 510 espécies de
aves (silVa et al., 2003) e 148 espécies de mamíferos
(oliVeira et al., 2003). segundo leal et al. (2003) o
número real de espécies na Caatinga é provavelmente,
ainda maior, uma vez que 41% da região não foi
investigada e 80% permanece sub amostrada.
além dos aspectos ambientais, a Caatinga distingue-se
pela sua importância social. são diversas populações
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
51
que nela vivem, incluindo comunidades tradicionais e
quilombolas, povos indígenas e agricultores familiares,
que fazem parte do patrimônio histórico e cultural
brasileiro, e detêm um conhecimento tradicional e
milenar sobre sua biodiversidade (mma, 2006).
aproximadamente 18,5 milhões de pessoas vivem na
área do bioma Caatinga. destes 46% vivem em áreas
rurais e extrai da terra grande parte de sua subsistência.
em parte, como resultado de um meio ambiente extremo,
as condições de vida na região são duras e o índice de
desenvolvimento humano (idH) fica abaixo da média
brasileira a vulnerabilidade social e econômica leva a altas
taxas de emigração para as cidades e para outras partes
do país, na busca de empregos (mma, 2006).
neste contexto encontramos os índios Pankararu, retirando
seu sustento basicamente da agricultura familiar, com o
cultivo de roças de feijão, milho, mandioca e da colheita
de frutas como pinha, goiaba, manga, caju, murici, banana
e umbu (maGalHÃes & moura, 2008).
a escolha dessa etnia para a realização do trabalho foi
influenciada pela localização da mesma, assim como
também pela ausência de dados relevantes tanto sobre a
diversidade biológica nesta localização quanto a respeito de
como as comunidades locais utilizam os recursos naturais
presente.
52 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
3.2 Coleta e análise de dados
a pesquisa foi desenvolvida por meio de entrevistas abertas
e semiestruturadas, conduzidas com 20 informantes de
ambos os sexos, cujas idades variaram de 41 a 78 anos,
residentes nas comunidades brejo dos Padres (Figura 3),
Fonte Grande, Carrapateira, Caldeirão e Gitor. Participaram
das entrevistas pessoas a quem a comunidade recorre para
aconselhamentos, como o cacique, pajés, benzedeiros e
especialistas nativos. estes informantes foram escolhidos
segundo a indicação dos próprios moradores.
Figura 3: estrada de acesso à aldeia Pankararu brejo dos Padres –
Jatobá Pe.
(Foto: Carlos alberto b. santos, 2010)
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
53
os questionários abordaram questões sobre a
utilização de animais na medicina popular, tais como
animais utilizados, partes usadas, doenças tratadas,
modos de preparação e administração. no início de
cada entrevista era explicado aos participantes do que
se tratava a pesquisa e quais os seus objetivos, os
mesmos tomaram conhecimento e assinaram o termo
de Consentimento livre e esclarecido concordando
em participar da pesquisa.
os dados obtidos foram devidamente anotados em
caderno de campo, de acordo com a terminologia
utilizada pelos informantes, e quando permitido
as entrevistas foram registradas com o auxílio de
um gravador portátil para formato mP3, além de
fotografadas.
os animais citados foram identificados a partir de pistas
taxonômicas fornecidas pela população local e consulta
à bibliografia especializada. na análise de dados
foi utilizada a metodologia qualitativa que permitiu
esclarecer como o povo Pankararu compreende e
utiliza os recursos faunísticos, e a quantitativa que
permitiu estabelecer médias e porcentagens para
realizar análises e comparações dos dados.
54 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
os dados obtidos foram processados seguindo a
abordagem emicista/eticista, na qual os conhecimentos
são comparados com aqueles correspondentes ou
correlacionados na literatura científica, conforme
utilizado por marques (1995).
s
CAPÍTUlO 4
REGISTRO DA ZOOTERAPIA PANKARARÚ
a partir do estudo registrou-se 51 espécies de animais
utilizados na medicina popular dos índios Pankararu,
dos quais são extraídos 56 recursos zooterápicos
para o tratamento de 25 enfermidades diagnosticadas
localmente, tais como gripe, bronquite, coqueluche,
diabetes, feridas na boca de criança, vista, gastrite,
glaucoma, asma, derrames, retenção de urina,
hemorragia, caxumba, epilepsia, dor de dente, dor de
ouvido, alcoolismo, fraqueza, sarampo, reumatismo,
inchaço, cicatrização, estrepada, dor de cabeça e
vermelhidão na pele (Tabela 1).
Tabela 01: animais utilizados na medicina tradicional dos
índios Pankararús, Pernambuco.
Nome
Local
Pista
Taxonômica
Parte ou
Produto
Utilizado
Indicação
N° de
Citações
INSETOS
abeia
branca
abelha
abelha
arapuá
abelha de
uruçu
Frieseomellita
sp.
mel
Gripe
1
apidae
(família)
mel
bronquite/
coqueluche
4
Trigona
spinipes
Fabricius,
1793
mel
diabete
2
mel
bronquite/
diabetes/
ferida na
boca de
menino/
vista
7
Melipona
scutellaris
latreille, 1811
58 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
abelha
italiana
Apis mellifera
linnaeus,1758
mel
Gripe
5
abelha
mosquito
Plebeia sp.
mel
torce/ ferida
na boca de
menino
5
abelha
ouropa
Apis mellifera
scutellata
linnaeus,1758
mel
Cortar gripe
3
abelha
papa-terra
apidae
(família)
mel
Gastrite/
glaucoma
5
lepidoptera
Casulo
Cólica de
criança
1
Periplaneta
americana
linnaeus,
1758
integral
asma
3
Eurycotis
manni
rehn, 1916
integral
Cólica de
criança /
asma
7
Nasutitermes
macrocephalus
silvestri, 1903
Casa/
integral
asma/
derrames
5
Formiga
vermelha
Formicidae
(família)
integral
dor de urina
2
Formiga
Formicidae
(família)
integral
Vista/ asma
5
Casa
derrames
1
integral
urina presa
3
baía (pupa)
barata
Carocha
Cupim preto
enxu
chapéu
Grilo
?
Gryllus sp.
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
largata do
angico
?
Pó
produzido
pela
largata
taiar o
sangue
59
1
maria de
barro
eumeninae
(Família)
Casa
Caxumba
tanajura
Atta spp.
linnaeus,
1758
integral
Vista
3
anu Preto
Crotophaga
ani linnaeus,
1758
Pena
asma /
bronquite
4
Carcará
Caracara
plancus
miller, 1777
Pena
Pelepsia
1
ema
Rhea
americana
linnaeus,
1758
banha
limpar a
vista
1
Galinha
Gallus gallus
domesticus
linnaeus,
1758
banha
nariz
entupido/
dor de dente
3
Galinha de
capoeira
Gallus gallus
domesticus
linnaeus,
1758
banha
Pena
Catarro
derrames
3
Galinha
Pelelé
Gallus gallus
domesticus
linnaeus,
1758
banha
nariz
entupido
1
3
AVES
60 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
Gavião
Buteo
albicaudatus
Vieillot, 1816
Pena
Pelepsia
1
Papagaio
Amazona
aestiva
linnaeus,
1758
Fezes
dor de
ouvido
1
Cerdocyon
thous
linnaeus,
1766
urina
reumatismo
2
Capra hircus
linnaeus,
1758.
barba
(Pêlo)
derrames
1
Canis
familiaris
linnaeus, 1
758
Fezes
sarampo
5
Ovis áries
linnaeus 1758
banha
reumatismo
12
Capra hircus
linnaeus, 1
758
leite
Fortiicar
crianças
1
Bos taurus
linnaeus, 1
758
Chifres
derrames
2
Conepatus
semistriatus
lichtenstein,
1836
ossos
Carne
reumatismo
4
MAMÍFEROS
raposa
bode Preto
Cachorro
Carneiro
Cabra
boi
Cangambá
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
61
Dasyprocta
aguti
linnaeus, 1
776
banha
inchaço
1
Jumenta
preta
Equus asinus
linnaeus, 1
758
leite
ossos
Coqueluche
asma
6
Purané
Rodentia
Pelo
Cicatrização
2
saruê
Didelphis sp.
tatu Peba
Euphractus
sexcinctus
linnaeus,
1758
banha
Casco
estrepada
derrames
3
Veado
Mazama
gouazoupira
Fischer, 1814
Carne
Fortiicar
2
banha
inchaço/ dor
de cabeça/
Ferida/ dor
de dente
7
banha
Inlamação/
reumatismo
11
banha
estrepada/
inlamação
3
Cutia
1
RÉPTEIS
Cágado
Camaleão
Cascavel
Chelonoides
denticulatus
linnaeus,
1766
Iguana i.
Iguana
linnaeus,
1758
Crotalus
durissus
dryinas
linnaeus,
1758
62 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
Catenga
Tropidurus
hispidus
spix, 1825
integral
sarampo
1
Jacaré
Crocodilidae
(família)
Couro
derrames/
asma
15
Jararaca
Bothrops
erythromelas
amaral, 1923
Couro
derrames
1
Jibóia
Boa constrictor
constrictor
linnaeus,
1758
banha
estrepada/
dores nas
articulações
12
lagartixa
Tropidurus
torquatus
Wied, 1820
integral
sarampo/
vermelhão
na pele
17
teiú
Salvator
merianae
duméril &
bibron, 1839
banha
Vermelhão
na pele /
inlamação
15
banha
reumatismo/
dor de
dente/
estrepe/
cicatrização
6
ANFÍBIO
sapoCururu
Chaunus jimi
stevaux, 2002
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
63
os animais listados distribuem-se em cinco categorias
taxonômicas: insetos, aves, mamíferos, répteis e anfíbios
(Figura 4). dentre estas os insetos têm um maior destaque,
devido em grande parte a utilização de méis para ins
medicinais, sendo citados pelo menos uma vez por cada
entrevistado. de acordo com Costa-neto & Pacheco (2004)
o percentual signiicativo de insetos na medicina popular
deve-se a substâncias biologicamente ativas presentes
em seus corpos, constituindo-se em uma fonte principal de
terapêuticos com diversos potenciais, incluindo moléculas
que matam células cancerígenas, proteínas que previnem
o sangue de coagular, enzimas que degradam pesticidas,
peptídeos e toxinas antimicrobianos.
Figura 4: distribuição das espécies por categorias taxonômicas
64 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
a segunda categoria mais citada é representada pelos
mamíferos, onde se pôde notar a presença de diversos
animais domésticos como boi, cabra, bode, carneiro e
cachorro. resultados similares foram obtidos por Costaneto (1999b) no nordeste da bahia, apresentando
também como grupo mais representativos insetos e
mamíferos.
levando-se em consideração o número de vezes que
cada etnoespécie foi citada como recurso zooterapêutico
para o tratamento de males específicos, os mais
citados foram: a lagartixa, Tropidurus torquatus Wied
1820, citada 17 vezes para o tratamento de sarampo
e vermelhidão na pele, o teiú, Salvator merianae
duméril & bibron 1839, cuja banha foi indicada por 15
informantes para tratar inflamação e vermelhão na pele,
o jacaré Crocodilidae sp, cujo couro foi citado por 15
informantes para tratar derrames e asma, a jibóia, Boa
constrictor constrictor linnaeus 1758, indicada por 12
informantes para o tratamento de dores nas articulações
e estrepada, o carneiro, Ovis áries linnaeus 1758, cuja
banha foi indicada por 12 informantes para o tratamento
de reumatismo e o camaleão, Iguana i. Iguana linnaeus
1758, indicado por 11 informantes para o tratamento de
reumatismo e inflamação.
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
65
apesar da escassez de estudos que comprovem as
potencialidades terapêuticas dos animais citados
acima, estre eles podemos citar os estudos de sobre as
propriedades farmacológicas do teiú (Ferreira et al.,
2009b; 2010), a jiboia (Ferreira et al., 2011; 2014),
e o camaleão (Ferreira et al., 2014), estas espécie
também apresentam uso relatado em outras regiões,
como para o estado da bahia nas cidades de Glória
(Costa-neto, 1999a), Chapada diamantina (moura
& marques, 2008), Paulo afonso (santos & lima,
2009) e Feira de santana (andrade & Costa-neto,
2006), e para os estados de Pernambuco (silVa et al.,
2003) e Paraíba (alVes et al., 2008).
na elaboração dos medicamentos na zooterapia popular
são utilizados animais inteiros, partes deles ou seus
produtos. as partes citadas pelos informantes foram:
banha, carne, casco, pêlo, ossos, chifres, fígado, pena
e couro.
a banha foi a forma de elaboração mais citada, tendência
encontrada também nos estudos de Costa-neto
(1999a, 1999b); silva et al. (2003) e moura & marques
(2008), indicadas na medicina popular dos Pankararu
para o tratamento de 10 doenças: “reumatismo, nariz
entupido, estrepada, dores de cabeça, inflamação,
66 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
inchaço, problema de vista, cicatrização, dor de dente
e vermelhidão na pele”.
em relação aos produtos animais citou-se: mel, leite,
fezes, urinas, ninhos e pó. a porcentagem da utilização
de méis é bastante significativa (47%), utilizados
para o tratamento de diferentes doenças como “gripe,
bronquite, coqueluche, diabetes, feridas de boca em
crianças, problemas de vista e gastrite”. o mel é um
produto com aplicações clinicas na medicina moderna no
tratamento de feridas, úlceras e queimaduras (naZrulislam et al. 1993).
o modo de preparo dos zooterápicos na medicina popular
dos Pankararu pode envolver associações com ervas, e/
ou conter misturas de partes de diferentes animais. na
elaboração de defumadores, usualmente utilizados pela
etnia para “curar mal que passa” (derrames), exemplifica
bem o exposto à cima. sua preparação requer a seguinte
mistura: couro de jacaré, cupim preto, pena de anu, pena
de galinha, chifre de boi, matruz com raiz e catingueira.
no tocante ao modo de uso, as partes secas dos animais
como couros, penas e pêlos são comumente queimados
e inalados pelos enfermos, ao passo que banhas e
secreções são utilizadas para massagear áreas afetadas
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
67
principalmente por dores nas articulações, ou ingeridas
oralmente. registrou-se também a produção de pós a
partir de baratas, carochas ou partes duras como ossos
de animais, os quais deverão ser misturados a comidas
ou bebidas.
outro ponto relevante que envolve a preparação dos
medicamentos à base dos animais é sua associação
com simpatias, na qual os enfermos não devem
saber a respeito da origem do medicamento, esta
crença determinaria a eficácia do mesmo. tendência,
bastante frequente na medicina popular que também foi
evidenciada em outros estudos (silVa, 2008, Costaneto 2000b, lima, 2000; alVes & souZa, 2000).
de acordo com os entrevistados, os animais listados são
obtidos através da caça ou comprados em feiras livres,
quando não são encontrados nas matas da aldeia, a
exemplo do são couro de jacaré e alguns tipos de méis.
a maioria dos animais citados foram prescritos para
o tratamento de mais de uma doença, podendo ser
utilizados também diferentes partes do corpo de um
mesmo animal, tais como galinha de capoeira (Gallus
gallus domesticus linnaeus, 1758) da qual é extraído
banha e pena, do urubu (Coragyps atratus bonaparte,
1850) é utilizado a pena e o fígado para duas diferentes
68 |
Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
enfermidades, do cangambá (Conepatus semistriatus
lichtenstein, 1836) é aproveitado tanto o osso como
a carne, da jumenta preta (Equus asinus linnaeus,
1758) extraísse leite e ossos, o tatu peba (Euphractus
sexcinctus linnaeus, 1758) fornece a banha e o casco,
e do cupim (Nasutitermes acrocephalus silvestri, 1930)
utilizam tanto o animal inteiro como a sua casa. É
importante salientar também que uma mesma doença
pode ser tratada por diferentes espécies, como o
derrame, tratado por Galinha de capoeira, bode, jacaré
e jararaca.
no presente estudo foram registrados alguns animais
percebidos pela própria comunidade como “ofensivos”,
“asquerosos” e “nojentos” como a barata, a carocha,
o sapo e o urubu, utilizados frequentemente para o
tratamento de “asma; cólica de bebê; reumatismo; dor
de dente e alcoolismo respectivamente. segundo Costaneto & Pacheco (2004) historicamente a utilização de
baratas é bastante antiga, sendo recomendadas por
médicos homeopatas, que as consideram um excelente
medicamento, e até mesmo específico, contra a asma
(Costa-neto & PaCHeCo, 2004).
os chineses administravam a pele e as secreções
das glândulas parótidas de sapos para regular as
funções corporais internas e a fertilidade ou como uma
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
69
panacéia contra mordida de cachorro (Costa-neto &
resende, 2004). nos mercados de recife vendem-se
penas e fígado de urubu para tratar asma e alcoolismo
(silVa et al., 2003).
o número de animais indicadas como utilizadas na
medicina popular dos índios Pankararú são bastante
significantes, entretanto esta prática é geralmente
conhecida e desenvolvida por pessoas mais idosas como
curandeiros e benzedeiros, a mesma tem sido reduzida
em função da maior facilidade na aquisição de remédios
alopáticos e ao desinteresse demonstrado pela parcela
mais jovem da etnia em adquirir esses conhecimentos.
de acordo com os entrevistados o número de animais
existente na aldeia tem diminuído em função das
atividades de caça e do desmatamento das matas para
construção de novas casas. esta afirmação foi expressa
em 100 % das entrevistas e pode ser evidenciados
através dos depoimentos abaixo.
(sr. m. J.) “Antigamente o preá e a cobra passava assim
em frente de casa, por que antes era tudo matagal,
ai tinha mais bicho, hoje é um monte de casa, ai os
bichinhos diminuiu”;
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Carlos Alberto Batista dos Santos & Jaciara Raquel Barbosa de Lima
(sr. e.) “Não, os animais diminuiu devido a devastação,
as queimadas nas roças, então eles estão ficando sem
espaço e também por que eles estão sendo perseguidos
pelos caçadores”;
(sr J. G.) “Animais ta difícil, você anda e não encontra
mais, por que a natureza ta ficando destruída, aqui se
falava que tinha até bicho feroz, antes cinquenta anos
atrás a caça batia nas portas da gente”.
diversos estudos têm apresentado preocupação
com a super exploração dos animais utilizados na
medicina popular (alVes & rosa, 2007; almeida &
albuquerque 2002; alVes & dias 2010), uma vez
que estes, geralmente já são empregadas como fonte
de alimentos, tal pressão aliada a fatores ambientais
estariam favorecendo a extinção de diversas espécies
da fauna silvestre da caatinga, contudo esta prática
representa uma alternativa terapêutica importante para
a população local, podendo também assumir relevância
para toda população humana, através da descoberta de
novas drogas.
diante desta problemática os estudos etnozoológicos
assumem papel importante para a conservação das
espécies faunísticas, pois a partir do entendimento
de como os povos estão utilizando a fauna local,
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
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pode-se diagnosticar os animais sobre explorados, e
traçar estratégias de melhor aproveitamento desses
recursos faunísticos, visando à utilização sustentável
dos mesmos.
s
EPÍlOGO
A Zooterapia do Povo Indígena Pankararu no Semiárido Pernambucano |
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o número de animais indicados como utilizados na medicina popular dos índios Pankararu são bastante signiicantes, o que supões a relevância das espécies animais
para a medicina popular local e para a cultura desse povo,
entretanto este conhecimento é detido apenas pelas pessoas mais idosas da etnia, que desempenham a atividade
de curandeiros e/ou benzedeiros. a prática da zooterapia
na medicina popular dos Pankararu tem sido reduzida em
função da maior facilidade na aquisição de remédios alopáticos e ao desinteresse demonstrado pela parcela mais
jovem da etnia em adquirir esses conhecimentos.
os depoimentos dos entrevistados apontam para a diminuição dos animais silvestres nas matas da aldeia, esta
diminuição pode se dever a pressão de caça sobre estes
animais, uma vez que os mesmos além de fazerem parte
da medicina popular são utilizados também na alimentação. assim recomenda-se desenvolver junto aos povos
Pankararu um trabalho de educação ambiental, visando à
utilização sustentável da fauna silvestre da caatinga.
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