Carreiras e Cidades: Existiria um Melhor Lugar para
se Fazer Carreira?
Moisés Balassiano
Elvira Cruvinel Ferreira Ventura
Joaquim Rubens Fontes Filho
R ESUMO
O objetivo do presente estudo é apresentar e discutir as principais mudanças no conceito de
carreira. Duas diferentes abordagens são comparadas e contrastadas: a tradicional, com premissas
voltadas eminentemente para as garantias de benefícios e segurança; e a moderna, segundo a qual o
sucesso na carreira está associado à trajetória pessoal, expandindo-se o espaço de expressão para o
campo pessoal, familiar e profissional, conforme Chanlat (1995), Martins (2001) e Hall (1996). De
acordo com essa abordagem, surge o conceito de carreira proteana que, entre outros fatores, tem
como características o aprendizado, o sucesso psicológico e a expansão da identidade,
independentemente da profissão ou empresa escolhida. Assim, foi realizada uma pesquisa para
identificar e ordenar as cidades, onde as dimensões dessa perspectiva de carreira se apresentam com
maior intensidade. A referida pesquisa utilizou metodologia baseada em técnicas estatísticas, visando
a definir e testar um conjunto de indicadores capazes de refletir as potencialidades locais, em face da
teoria apresentada. Como resultado, foram ordenadas cem cidades, de acordo com critérios de
inclusão, definidos para a pesquisa.
Palavras-chave: recursos humanos; gestão de pessoas; carreiras; planejamento de carreiras.
A BSTRACT
The purpose of this study is to present and to discuss main changes in the conceptualization of
career. Two different approaches are compared and contrasted: the traditional concept, based on the
usual assumptions of tenure and security; and the modern view, according to which the assumption
that the success, in a given career, is related to the personal trajectory, expanding itself to a more
comprehensive meaning of a personal, family and professional satisfaction, as in Chanlat (1995),
Martins (2001) and Hall (1996). According to the later approach, comes along the concept of
protean career with learning, psychological success and the expansion of the self-identity features,
regardless of profession or company that may be chosen. A research was conducted to identify and
to order the cities where the dimensions of this career perspective appear with more strength. This
research was based on statistical techniques methodology to define and test a set of indicators to
express the local potentiality of the cities in Brazil, under the presented theory. As a result, one
hundred cities were ranked according to the criterion of inclusion defined for the study.
Key words: human resources; people managing; careers; career planning.
RAC, v. 8, n. 3, Jul./Set. 2004: 99-116
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Moisés Balassiano, Elvira Cruvinel Ferreira Ventura e Joaquim Rubens Fontes Filho
INTRODUÇÃO
Career: Old meaning: a course of professional
advancement; usage restricted to occupations with formal
hierarchical progression, such as managers and
professionals. New meaning: the unfolding sequence of any
person’s work experiences over time.
Arthur e Rousseau, 1996, p.28
As mudanças no ambiente organizacional têm sido apontadas como geradoras
de inúmeras transformações nas práticas administrativas. O mesmo ocorre com
a idéia de carreira. Numa perspectiva temporal, verifica-se um deslocamento da
concepção de carreira voltada para a empresa (por exemplo: funcionário dos
Correios, do Banco do Brasil, da Xerox etc.), para uma concepção mais moderna,
individualizada, em que as pessoas são preparadas a assumir as decisões sobre
seu próprio destino. No interregno entre esses dois momentos, registra-se a carreira
focada nas profissões (médico, engenheiro etc.).
Obviamente, tais mudanças não ocorreram repentinamente. Até hoje, são
encontrados ambientes organizacionais onde prevalece uma ou outra perspectiva.
Não obstante, algumas práticas prevalecem no momento da escolha − quando
possível −do melhor lugar para se fazer carreira. Este artigo apresenta uma
perspectiva histórica das principais mudanças no conceito de carreira e um estudo
para identificar, listar e ordenar cidades que apresentem condições para o
desenvolvimento das pessoas, de acordo com a visão moderna de carreira.
A E VOLUÇÃO
DO
C ONCEITO
DE
C ARREIRA
Segundo Martins (2001), etimologicamente a palavra carreira se origina do
latim medieval via carraria, que significa estrada rústica para carros. Mas o
conceito de carreira, tal qual o conhecemos hoje, como trajetória da vida profissional,
é recente, tendo aparecido no século XIX. A palavra quer dizer “um ofício, uma
profissão que apresenta etapas, uma progressão” (Chanlat, 1995, p. 69).
O conceito de carreira pode ser dividido em duas fases distintas: um conceito
tradicional e um conceito moderno, com uma ruptura que se dá a partir dos anos
1970.
100
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Carreiras e Cidades: Existiria um Melhor Lugar para se Fazer Carreira?
Na abordagem tradicional, ainda encontrada em alguns países, regiões ou
empresas, a carreira é preponderantemente feita por um homem pertencente aos
grupos socialmente dominantes. É marcada por relativa estabilidade e, progressão
linear vertical; e existe certa estabilidade no emprego (Chanlat, 1995, p. 72).
Essa abordagem era consoante ao tipo de sociedade masculina e de certa
estabilidade, comum até os anos 1970.
Nessa perspectiva tradicional, há uma mentalidade de que os benefícios são
direitos assegurados e de que as organizações empregadoras devem assumir a
responsabilidade pelas carreiras de seus empregados. Em síntese, a carreira é da
empresa, pois é ela que permite os acessos e gerencia o desenvolvimento. E o
sucesso na carreira tradicional pode ser medido pelo quão alto se chegou na
hierarquia da organização.
Chanlat (1995, p.72) tipifica o modelo moderno de carreira em quatro grandes
tipos:
Quadro 1: Tipos de Carreiras
Fonte: Chanlat (1995, p.72).
A abordagem moderna de carreira surge em decorrência de mudanças sociais,
tais como a feminização do mercado de trabalho, a elevação dos graus de instrução,
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a cosmopolização do tecido social, a afirmação dos direitos dos indivíduos, a
globalização da economia e a flexibilização do trabalho, entre outros (Chanlat,
1995, p. 72). Assim, nessa abordagem não importa o sexo ou a origem social do
indivíduo, pois todos podem fazer carreira.
Apesar de mais democrático, o moderno modelo de carreira se caracteriza
pela instabilidade, descontinuidade e horizontalidade, em contraposição ao modelo
tradicional. Essa mudança necessariamente não significou progresso e bem-estar
para as pessoas, que se tornam as responsáveis por suas próprias carreiras. Tal
tipificação do modelo moderno de carreira dá conta dos diversos tipos coexistentes
de profissionais no mercado, o que vai depender das características da função e
da organização a que está vinculado. Assim, em organizações de grande porte
ainda persiste a carreira do tipo burocrático, muito embora haja tendência de que
essas organizações flexibilizem cada dia mais suas estruturas e a forma de
ascensão, passando a valorizar atributos próprios de outros tipos de carreira,
como o saber, a criatividade e o capital de relações, por exemplo. Assim, mesmo
em grandes e tradicionais empresas, incluindo as do setor público, pouco a pouco,
a mentalidade e as atitudes estão se reconfigurando ao novo conceito de carreira,
em que a capacidade de inovar e flexibilizar são fatores-chaves.
Importa salientar que ainda existem profissionais que sonham com a
possibilidade de fazer carreira nos moldes do conceito tradicional, em que as
responsabilidades por seu desenvolvimento são muito mais da própria empresa
que do indivíduo. Assim, o novo conceito de carreira envolve mudança no contrato
psicológico entre os participantes, principalmente no quesito lealdade empregadoempresa. A questão que se coloca é: como buscar a dedicação de um profissional,
se não se pode oferecer a garantia de emprego? Brown (1996) trabalha essa
questão em sua pesquisa, mostrando como os empregados de uma empresa
identificavam, de forma irônica, as características desse novo contrato, segundo
o ponto de vista dos empregadores:
Não podemos prometer quanto tempo vamos ficar nesse negócio.
Não podemos prometer que não vamos ser adquiridos.
Não podemos prometer que haverá espaço para promoções.
Não podemos prometer que seu emprego continuará existindo, quando
você atingir a idade de se aposentar.
Não podemos prometer que o dinheiro estará disponível para sua pensão.
Não podemos esperar por sua eterna lealdade, e não estamos certos que
queremos isso (Brown, 1996, p. 24)
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Nesse novo contrato, a responsabilidade da empresa pela carreira do empregado
é quase nula. Nos novos termos, quem assume grande parte dos riscos é o
empregado, liberando a empresa para seus processos de flexibilização.
Similarmente ao conceito moderno de carreira descrito por Chanlat, Hall (1996)
apresenta o conceito de carreira proteana, entendida como uma série de experiências
e de aprendizados pessoais, relacionados com trabalho ao longo da vida. Seria
também um contraponto à carreira tradicional, estruturada no tempo e no espaço.
Segundo Hall (1996), a carreira no século XXI será predominantemente proteana,
dirigida pelas pessoas, não pelas organizações, e reinventada de tempos em tempos.
A denominação proteana deriva do deus grego Proteus que, segundo a mitologia,
possuía a habilidade de mudar de forma ao comando de sua vontade. Para o autor,
o mito de Proteus revela elementos que podem ser metaforicamente observados no
profissional contemporâneo que tem a habilidade de gerenciar sua própria carreira.
Ao propor essa mudança na visão de carreira, Hall (1996, p. 8) argumenta que o
principal objetivo de uma carreira é o sucesso psicológico do indivíduo, um sentimento
de orgulho e realização pessoal, por alcançar seus objetivos de vida, felicidade
familiar, paz interior, dentre outros, em contraposição à perspectiva tradicional de
sucesso que buscava a escalada dos níveis hierárquicos em uma organização.
P ROTEANA : N OVO C ONCEITO
DE
C ARREIRA
O antigo contrato de emprego tinha como características que o sustentavam a
administração paternalista, lealdade associada ao desenvolvimento de uma carreira
de longo prazo na organização e a recompensa pelo desempenho, substantivada
na promoção (Burke, 1998). O novo contexto do ambiente operativo das empresas
torna a manutenção desse modelo de contrato insuficiente para lidar com as
novas nuanças do mercado e das aspirações de indivíduos e organizações.
A abordagem de carreira proteana apresenta nova proposta. Considera que
existem três espaços de expressão do indivíduo: o pessoal, o familiar e o profissional.
Para Hall (1996a), em cada um desses espaços o indivíduo apresenta várias
subidentidades que desempenham diferentes papéis. A identidade é o autoconceito
de um indivíduo, a percepção e a avaliação que tem de si mesmo. Para os autores,
a carreira proteana é formada por uma sucessão de miniestágios, ou pequenos
ciclos, de exploração-tentativa-domínio-saída, à medida que o trabalhador entre e
saia de áreas, organizações ou funções. Essa forma de carreira envolve, ainda, o
crescimento horizontal, para expansão das competências e estabelecimento de
novos relacionamentos com trabalhos e outras pessoas. Seu objetivo final é o
aprendizado, o sucesso psicológico e a expansão da identidade. Como contrapõem,
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“in the more traditional form, the goal was advancement, success and esteem
in the eyes of others, and power” (Hall, 1996, p.35).
De acordo com Hall (1996), o novo contrato de carreira para o século XXI
encontra-se apoiado nas características de sucesso psicológico, aprendizagem
contínua, novas fontes de desenvolvimento e novo perfil de sucesso.
O sucesso psicológico é representado pelo alcance de um conjunto de
expectativas mútuas implícitas entre empregadores e empregados, enfocado nas
contribuições de ambas as partes. Ao contrário do modelo relacional, baseado
em relacionamento de comprometimento e confiança duradouro, o novo contrato
é transacional, apoiado em trocas de curto prazo por benefícios e serviços
(Hall,1996a). O contrato psicológico, na visão proteana, deixa de ser aquele
realizado com a organização, mas o que o indivíduo realiza consigo mesmo, de
modo que o critério de sucesso se torna algo interno. Similarmente aos modelos
estudados pela teoria da agência, o novo contrato psicológico tem uma natureza
outcome-based, e não behaviour-based.
Pelo conceito da aprendizagem contínua, o novo modelo de carreira deixa de
ser mensurado pela idade cronológica e pelas etapas da vida, mas pelo contínuo
aprendizado e mudança de identidade. As fontes de desenvolvimento passam a
ser os desafios no trabalho e os relacionamentos. Treinamentos formais tornamse menos relevantes que o aprendizado alcançado na realização de trabalhos
estimulantes e desafiadores. Nesse contexto, o novo perfil de sucesso deixa de
ser o know-how e passa a ser o learn-how. As habilidades pessoais se fundem
dentro do ambiente de trabalho, resgatando a visão integral do indivíduo e
permitindo que mais energia criativa seja trazida ao trabalho.
O quadro seguinte apresenta as características da carreira proteana no século XXI:
Quadro 2: Características da Carreira Proteana
Fonte: Hall (1996, p. 9).
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A existência de duas vertentes para o conceito de carreira, a tradicional e outra
não baseada nas mesmas premissas, também pode ser associada ao estilo de
benefício esperado pelos profissionais a elas associados. Blau e Tatum (2002)
propõem a discussão sobre carreira em associação à satisfação com os benefícios
recebidos. Questionam se o trabalhador associado a uma carreira proteana valoriza
os mesmos benefícios oferecidos pela carreira tradicional, tais como segurança e
benefícios de seguridade, ou se irão privilegiar o potencial de desenvolvimento
(career enrichment). Os estudos que realizaram com um grupo de tecnologistas
médicos permitiram validar a hipótese de dois modelos de benefícios, o básico e
de enriquecimento de carreira, atuando paralelamente às carreiras tradicional e
proteana.
A carreira proteana assume e acomoda duas tendências sociais importantes,
que estão provocando reorganizações no ambiente de trabalho, conforme apontadas
por Evans (1996). A primeira delas é a mudança de “uma ética de trabalho baseada
em dever, para uma baseada em hedonismo, ou prazer” (Evans, 1996, p. 15). Se
antes o trabalho era percebido como dever para com a família e a empresa, seu
significado passa a incorporar mais fortemente elementos de divertimento e
eficiência.
A segunda tendência social marcante é a autonomia, a necessidade percebida
pelos indivíduos de independência. Significa a busca pelo controle da própria vida
e a negação ao poder impessoal da autoridade. Convergente à proposta da carreira
proteana, Evans (1996) afirma que as carreiras estão se tornando de natureza
espiral, ziguezagueando em vez de seguirem uma escada.
C RÍTICAS
AO
N OVO C ONCEITO
DE
C ARREIRA
Em que pese o entusiasmo de diversos autores em torno da visão de carreira
como inerente ao indivíduo, há também aqueles que divergem e apontam seus
possíveis prejuízos, principalmente para as organizações.
“… if employees are to be discouraged from staking any significant
portion of their careers with any one organization, who will care
enough to drive organizations forward, toward growth and
prosperity? With no special ties to, or identity with, the organization,
employees may not even have enough of an emotional stake in longterm organizational outcomes to feel alienated from their employers.
Indifference and opportunistic apathy could become widespread”
(Brousseau, 1996, p. 55).
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Também entre os empregados não é homogênea a adesão a essa nova visão de
carreira. A partir de pesquisa entre os graduados em uma escola de negócios
canadense, Burke (1998) identificou que tanto indivíduos quanto organizações se
encontravam em processo de transição. A partir das análises, propõe como hipótese
que a nova forma de relacionamento de trabalho irá combinar ambos os modelos de
carreira, novo e antigo, para alguns empregados ou em algumas organizações.
Inseguras com a novidade e pressionadas por seus empregados, as organizações
podem ser levadas a adotar novos modelos de carreira e de relacionamento com
seus empregados (ou ex-empregados). Como alertam Brousseau (1996), essas
mudanças podem levar as organizações e seus líderes a se perceberem liberados
de responsabilidades pela carreira de seus empregados, embora estes possam
continuar a necessitar tanto de mudança quanto de estabilidade. Precisam estar
preparados para se governarem, sem contar com mais ninguém ou nada, exceto
suas próprias capacidades (Brousseau, 1996, p. 54).
Para os indivíduos, essas mudanças podem também ser bastante traumáticas.
Nicholson (1996) discute o impacto psicológico sobre os empregados e apresenta
análises, um tanto céticas, quanto à capacidade de os novos modelos de carreira
organizacionais abolirem estruturas hierárquicas ou virtuais de trabalho. Apoiandose na psicologia evolucionária afirma que “we not only require opportunities to
interact and display to each other, but we also seem genetically addicted to
hierarchy” (Nicholson, 1996, p. 50). O psicanalista Jurandir Freire Costa estabelece
um paralelo entre o novo regime de trabalho e a diluição do vínculo vitalício com
um emprego e uma crise afetiva que se intensifica na sociedade, provocada pela
fragmentação dos projetos individuais (Cezimbra, 2003, p. 1).
CARREIRAS E CIDADES: EXISTIRIA
CARREIRA ?
UM
MELHOR LUGAR
PARA SE
FAZER
A discussão anterior aponta a tendência da diferenciação do conceito de carreira
como associado unicamente a uma organização, o que provoca a reflexão sobre
a existência de parâmetros que permitam delinear condições de contorno que
estimulariam seu desenvolvimento.
Uma vez que a carreira passa a ser vista como contrato psicológico mais
abrangente, definido por um conjunto mais amplo de aspirações individuais, tais
como condições para o desenvolvimento, busca de novos desafios, aprendizagem
e relacionamentos, o locus da carreira se transfere da organização para o meio.
Não adianta apenas trabalhar em empresa com boa política de pessoal, segundo
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Carreiras e Cidades: Existiria um Melhor Lugar para se Fazer Carreira?
as premissas do modelo tradicional de carreira, se não há espaço para o
fortalecimento de uma visão integral do indivíduo.
A visão de carreira proteana exige que o ambiente empresarial e social ofereça
condições para seu florescimento, de modo a permitir tanto o desenvolvimento
profissional quanto o pessoal. Para Martins (2001), ao lado do auto-conhecimento,
o conhecimento do ambiente de carreiras é mais um aspecto fundamental para a
gestão da carreira proteana com foco no sucesso psicológico. Dessa forma,
podemos identificar o lugar de trabalho – a cidade – como elemento fundamental
na escolha de uma carreira. Esse conhecimento não é estático, mas processual.
O profissional deve buscar constantemente atualizar-se sobre esses elementos,
para melhor gerir sua carreira.
Nesse sentido, foi conduzida uma investigação que visa identificar e testar um
conjunto de indicadores que permitam avaliar o potencial de determinadas cidades
para gerar as condições do desenvolvimento pessoal e profissional de seus indivíduos,
no sentido proteano, isto é, contemplando a dimensão pessoal, familiar e profissional.
A inexistência de experiência similar fez desta investigação um trabalho pioneiro no
campo da administração. O desenho metodológico é explicitado mais adiante, a fim
de permitir, com sua disseminação, um aprofundamento das discussões acerca das
bases teóricas subjacentes ao campo.
A SPECTOS M ETODOLÓGICOS
Definidas as bases conceptuais, detalhadas na sessão anterior, passou-se à
definição dos critérios de inclusão das unidades observacionais, ou seja, as cidades,
bem como as variáveis que poderiam servir de indicadores do objeto de investigação.
Inicialmente, foram estabelecidos dois critérios para a inclusão das cidades no escopo
do trabalho: a) população residente superior a 170.000 habitantes; e b) depósitos
bancários a vista superiores a R$210 milhões, ambos com data-base em 2000.
Esses valores representam o 95o percentil das respectivas distribuições, e foram
observados simultaneamente. Desse modo, as cidades participantes representam
as 5% mais populosas e com maiores depósitos bancários a vista. De acordo com
esse critério, 103 cidades foram inicialmente incluídas no estudo.
Posteriormente, foram incorporadas outras seis cidades, em função das suas
potencialidades não enquadradas nos critérios previamente estabelecidos. Estas
cidades são: Macaé (RJ), Cubatão (SP), Rio Claro (SP), São Caetano do Sul
(SP), Itajaí (SC) e Bento Gonçalves (RS).
Na definição dos indicadores de potencialidades de carreiras, partiu-se de um
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elenco inicial de 36 variáveis socioeconômico-demográficas que retratavam as
dimensões proteanas anteriormente descritas. Os critérios de escolha dessas
variáveis foram pautados na hipótese de que os espaços pessoais, familiares e
profissionais estão relacionados com a vitalidade e infra-estrutura oferecidas pelos
municípios a seus habitantes. Sendo assim, a vitalidade deveria ser avaliada de
acordo com a capacidade do município gerar recursos, através de impostos, bem
como dos fatores relacionados com o capital e trabalho, enquanto a infra-estrutura
contemplaria a oferta de educação, serviços de saúde, moradia e demais serviços.
Esses indicadores foram submetidos a uma análise fatorial exploratória, visando
determinar a dimensionalidade subjacente a esse conjunto, a partir das associações
entre eles, bem como identificar os indicadores mais relevantes na constituição
das dimensões. Foram, então identificadas cinco dimensões e 20 indicadores
significativos e com significação teórica. Na determinação da dimensionalidade
do espaço, a análise fatorial forneceu o gráfico do scree plot, apresentado na
Figura 1. De acordo com Johnson e Wichern (2002), o número de dimensões a
serem extraídas deve ser o indicado pelo “cotovelo” da curva. O procedimento
estatístico foi realizado por meio do programa SPSS, na versão 11.5.
Por meio da Figura 1, nota-se que o número de componentes, pelo método heurístico
do “cotovelo”, recai entre quatro e cinco, indicando o melhor número de fatores
para explicar as associações entre as variáveis. Uma análise do grupamento dos
indicadores em quatro componentes revelou certas inconsistências quanto à
classificação de alguns desses indicadores, enquanto a de cinco componentes separou
o elenco de indicadores em grupamentos com maior sentido lógico.
Figura 1: Dimensionalidade dos Dados
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Com essa dimensionalidade, obedeceu-se à alocação dos indicadores pelos cinco
fatores definidos pelo procedimento. Baseada nesta alocação foi determinada a
melhor taxionomia para expressar cada fator em função do que os indicadores
representavam em comum.
O Quadro 3 apresenta o percentual da variação total, explicada por cada
um dos fatores extraídos. Nota-se que a retenção de quatro fatores levaria
a uma explicação total das variações dos indicadores à ordem de 78%,
enquanto a retenção de cinco fatores levou a 87% de explicação, ou seja,
verificou-se um incremento de 9% na explicação da variação total dos 20
indicadores.
Quadro 3: Variância Total Explicada por Cada
Componente e Acumulada
O Quadro 4 apresenta a distribuição dos indicadores por fator, bem como a
taxionomia deles e as cargas fatoriais. Considerando que as cargas fatoriais
devem variar, em valor absoluto, entre 0,0 e 1,0, e que quanto maior seu valor
maior a validade do indicador na conceptualização do fator, nota-se elevado
grau de ajustamento de cada indicador na determinação de todos os fatores.
Além disso, de modo geral, os resultados alcançados representam uma situação
lógica e esperada previamente. Apenas dois fatores − impulsionador e
dinamismo − tiveram que ser classificados em função de seus conteúdos, ao
passo que os demais retrataram basicamente o que os indicadores já
manifestavam a priori, isto é, educação, saúde e impostos. Embora um indicador
deva medir apenas um construto, de modo a evitar ambigüidades, nada impede,
na teoria (McDonald, R. – comunicação pessoal), que essa regra seja violada.
O indicador que representa o número de pessoas com carteira de trabalho
ocupadas per capta, PTOTPCT, mostrou-se fidedigno na mensuração dos fatores
Impulsionador e Dinamismo.
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Quadro 4: Cargas Fatoriais dos Indicadores por Fator
(após Rotação dos Fatores)
Método de extração: componentes principais -método de rotação: varimax.
O primeiro componente foi classificado como “fator educação”, formado pelos
seguintes indicadores:
. número de cursos de graduação, CURSGRAD;
. número de matrículas nos cursos de graduação, MATRICUL;
. número de concluintes nos cursos de graduação, CONCLUIN;
. número de cursos de mestrado, CURMESTR;
. número de cursos de doutorado, CURDOUTR.
O segundo componente foi classificado como “fator impulsionador”, ou “ativador
de carreiras”, em função do conteúdo de seus indicadores:
. volume de depósito por agência per capta, DEPOPCTA;
. volume de aplicações financeiras por agência per capta, APLIPCTA;
. trabalhadores com carteira assinada, PCARTPCT;
. pessoal total ocupado, PTOTPCT.
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Classificou-se o terceiro componente como “fator dinamismo”, apresentado
pelas cidades em face dos indicadores nele incorporados. Esse fator expressa os
diferentes elementos estruturais associados às cidades pesquisadas. Os indicadores
desse fator foram:
. número de agências bancárias, AGENCPCT;
. número de domicílios, DOMICPCT;
. número de empresas com CNPJ atuantes, EMPCGCPC;
. pessoal total ocupado, PTOTPCT.
O quarto fator expressa a oferta de serviços de saúde das cidades. Os
indicadores associados ao “fator saúde” foram: o número de leitos por mil
habitantes, MLEITPCT, e o número de unidades hospitalares por mil habitantes,
MHOSPCT. A escolha desses indicadores se justifica pela importância que tais
serviços desempenham nas cidades que agregam maior capacidade econômica.
Finalmente, o quinto fator foi definido pelos diferentes impostos e taxas cobradas
nos três níveis de governo. A premissa básica do “fator impostos” é a de que
cidades com maior capacidade de gerarem impostos são aquelas em que a
atividade econômica é mais intensa. Os indicadores considerados foram:
. Imposto de Renda Retido na Fonte, LNIRRFPC;
. Imposto de Circulação de Mercadorias, LNICMSPC;
. Imposto Predial e Territorial Urbano, LNIPTUPC;
. Imposto sobre Serviços, LNISSPCT;
. Imposto de Transmissão de Bens Imobiliários, LNITBIPC;
. Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, LNIPVAPC.
Os dados sobre Educação foram obtidos do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, INEP, relativos ao ano de 2000, e
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES,
de 2000. Os dados relativos às variáveis dos fatores Impulsionador,
Dinamismo e Saúde foram fornecidos pelo Censo de 2000 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Os dados sobre arrecadação foram
fornecidos pela Secretaria do Tesouro Nacional, STN, relativos a 2000.
Com base nos indicadores, foi obtida a pontuação para cada fator. Essa
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pontuação foi reescalonada para ter média 100 e desvio padrão 20; assim,
todos os fatores estariam na mesma escala, permitindo possíveis comparações.
Mais adiante, foi obtida a pontuação final das cidades, média ponderada das
pontuações dimensionais, onde cada fator recebeu peso relativo ad hoc, de
acordo com sua importância relativa no contexto geral, conforme se explicita
a seguir.
Quadro 5: Ponderação dos Fatores
A pontuação final permitiu a ordenação decrescente das cidades, de acordo
com a tabela constante do Anexo 1. Nota-se que, com exceção de Niterói, todas
as cidades nas 10 primeiras posições, eram capitais estaduais, sem qualquer
resultado não esperado entre eles.
Dentre as cidades mais bem colocadas, Santos (SP) foi a única surpresa, na
14a. posição. Não obstante, uma verificação nos indicadores considerados confirma
efetivamente o que foi objeto de avaliação, ou seja, a potencialidade da cidade
em propiciar as condições favoráveis ao desenvolvimento de carreiras, no sentido
proteano.
Do ponto de vista metodológico, deve-se destacar o alto grau de consistência
interna dos indicadores, expresso pelas correlações entre os indicadores dentro
de cada componente, bem como pelo coeficiente alpha padronizado (Cronbach,
1947), calculado para cada fator conforme abaixo.
Quadro 6: Coeficiente Alpha Padronizado
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Carreiras e Cidades: Existiria um Melhor Lugar para se Fazer Carreira?
C OMENTÁRIOS F INAIS
Este artigo buscou direcionar um novo problema que surge para os indivíduos
em suas trajetórias profissionais, qual seja, como construir sua carreira.
Anteriormente, tal problema se solucionava pela inserção em grande empresa,
que lhe proporcionaria desenvolvimento, remuneração, segurança e, não menos
importante, a sensação de pertencer a uma comunidade. A nova dinâmica
empresarial, com elevada rotatividade do pessoal, terceirização e redução dos
níveis hierárquicos, tornou difícil a manutenção daquele modelo. A carreira deixou
de ser responsabilidade da empresa e tornou-se problema de cada indivíduo.
Nesse sentido, a proposta de carreira proteana apresenta-se como forma de
compreender essa nova trajetória profissional, ao propor um conceito de carreira
vinculado às expectativas individuais, formado pelo espaço pessoal, profissional e
familiar. A questão “onde fazer carreira”, não mais pode ser respondida por uma
lista de empresas, mas pelo contexto geográfico que permita otimizar as
expectativas mais amplas, tanto de desenvolvimento profissional, formação e
remuneração, quanto de qualidade de vida. A resposta à questão desloca-se,
portanto, das empresas para as cidades.
Neste trabalho as dimensões propostas pela carreira proteana foram associadas
a variáveis relacionadas às características das cidades que possam servir de
atração de indivíduos. A partir do agrupamento dessas variáveis ambientais em
fatores, foram atribuídos pesos a esses fatores, o que permitiu desenvolver a
classificação das cidades segundo uma escala que refletisse as melhores condições
para o desenvolvimento de carreiras na perspectiva proteana. Os melhores lugares
para se fazer carreira são, portanto, associados às cidades que apresentam melhor
estrutura para o dinamismo econômico, condições para desenvolvimento em
educação superior, atividade econômica, condições da rede saúde, e capacidades
associadas ao impulso das carreiras, em especial aquelas do trabalho formal.
Como todo o novo conceito administrativo, as idéias recentes sobre carreira tendem
a estar associadas a uma imagem de modernidade, na qual o empreendedorismo e
o desenvolvimento integral do ser humano emergem como dimensões basilares. A
busca pelo permanente desenvolvimento, pela independência profissional e financeira,
e a união da vida profissional e pessoal é certamente um “canto de sereia”, com
poder de aglutinar interessados em torno da idéia.
Ainda assim, o crescimento de novo modelo de carreira, impulsionado pelas
mudanças no contexto empresarial, de amplitude competitiva global, representa a
desvalorização do modelo tradicional, em torno do qual a grande maioria dos
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indivíduos construía sua vida profissional e pessoal. É provável que esse e outros
novos modelos venham a coexistir com modelos tradicionais, aumentando o espaço
para comparações, e eventuais decepções e medo de mudanças.
Artigo recebido em 10.11.2003. Aprovado em 05.02.2004.
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