AS SEIS LIÇÕES
Ludwig von Mises
AS SEIS LIÇÕES
Traduzido por Maria Luiza Borges
7ª Edição
Copyright © Margit von Mises, 1979
Título do original em inglês:
ECONOMIC POLICY: THOUGHTS FOR TODAY AND TOMORROW
Esta obra foi editada por:
Instituto Luwig von Mises Brasil
Rua Iguatemi, 448, conj. 405 – Itaim Bibi
São Paulo – SP
Tel: (11) 3704-3782
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
ISBN: 978-85-62816-01-7
7ª. Edição
Traduzido por Maria Luiza Borges para o Instituto Liberal
Revisão para nova ortografia:
Núbia Tavares
Imagens da capa:
Dim Dimich/Shutterstock
Capa:
Neuen Design / Toledo Propaganda
Projeto Gráfico:
André Martins
Ficha catalográfica elaborada pela
Biblioteca Ludwig von Mises do Instituto Liberal – RJ
Bibliotecário Responsável: Otávio Alexandre J. De Oliveira
G994q
Mises, Ludwig von 1881-1973
As seis lições/Ludwig von Mises: tradução de Maria Luiza
Borges – 7ª edição – São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009.
Tradução de: Economic policy: thoughts for today and tomorrow
1. Política econômica 2. Economia de Mercado 3. Intervenção
do estado 4. Sistemas econômicos I. Borges, Maria Luiza II. Instituto
Liberal III. Título
CDD – 330.157
Sumário
Prefácio
Por
Margit von Mises . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
caPítulo 1 – PriMeira lição
1. O capitalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
caPítulo 2 – segunda lição
1. O socialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
caPítulo 3 – terceira lição
1. O intervencionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
caPítulo 4 – Quarta lição
1. A inlação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
caPítulo 5 – Quinta lição
1. Investimento externo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
caPítulo 6 – sexta lição
1. Política e ideias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
índice reMissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Prefácio
“O presente livro reflete plenamente a posição fundamental
do autor, que lhe valeu – e ainda lhe vale – a admiração dos
discípulos e os insultos dos adversários. Ao mesmo tempo que
cada uma das seis lições pode figurar separadamente como
um ensaio independente, a harmonia da série proporciona um
prazer estético similar ao que se origina da contemplação da
arquitetura de um edifício bem concebido”.
– Fritz Machlup, Princeton, 1979
Em fins de 1958, meu marido foi convidado pelo Dr. Alberto
Benegas Lynch para pronunciar uma série de conferências na
Argentina, e eu o acompanhei. Este livro contém a transcrição
das palavras dirigidas por ele nessas conferências a centenas de
estudantes argentinos.
Chegamos a Argentina alguns meses depois. Perón fora forçado a deixar o país. Ele governara desastrosamente e destruíra por
completo as bases econômicas da Argentina. Seu sucessor, Eduardo
Leonardi, não foi muito melhor. A nação estava pronta para novas ideias, e meu marido, igualmente, pronto a fornecê-las. Suas
conferências foram proferidas em inglês, no enorme auditório da
Universidade de Buenos Aires. Em duas salas contíguas, estudantes ouviam com fones de ouvido suas palavras que eram traduzidas
simultaneamente para o espanhol. Ludwig von Mises falou sem
nenhuma restrição sobre capitalismo, socialismo, intervencionismo, comunismo, fascismo, política econômica e sobre os perigos da
ditadura. Aquela gente jovem que o ouvia não sabia muito acerca de
liberdade de mercado ou de liberdade individual.
Em meu livro My Years with Ludwig von Mises, escrevi, a propósito
dessa ocasião: “Se alguém naquela época tivesse ousado atacar o comunismo e o fascismo como fez meu marido, a polícia teria interferido, prendendo-o imediatamente e a reunião teria sido suspensa.”
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Ludwig von Mises
O auditório reagiu como se uma janela tivesse sido aberta e o ar
fresco tivesse podido circular pelas salas. Ele falou sem se valer de
quaisquer apontamentos. Como sempre, seus pensamentos foram
guiados por umas poucas palavras escritas num pedaço de papel.
Sabia exatamente o que queria dizer e, empregando termos relativamente simples, conseguiu comunicar suas ideias a uma audiência
pouco familiarizada com sua obra de um modo tal que todos pudessem compreender precisamente o que estava dizendo.
As conferências haviam sido gravadas, as fitas, posteriormente,
foram transcritas. Encontrei este manuscrito datilografado entre
os escritos póstumos de meu marido. Ao ler a transcrição, recordei
vividamente o singular entusiasmo com que aqueles argentinos tinham reagido às palavras de meu marido. E, embora não seja economista, achei que essas conferências, pronunciadas para um público
leigo na América do Sul, eram de muito mais fácil compreensão que
muitos dos escritos mais teóricos de Ludwig von Mises. Pareceu-me
que continham tanto material valioso, tantos pensamentos relevantes para a atualidade e para o futuro, que deviam ser publicados.
Meu marido não havia feito uma revisão destas transcrições no
intuito de publicá-las em livro. Coube a mim esta tarefa. Tive muito cuidado em manter intacto o significado de cada frase, em nada
alterar do conteúdo e em preservar todas as expressões que meu marido costumava usar, tão familiares a seus leitores. Minha única
contribuição foi reordenar as frases e retirar algumas das expressões
próprias da linguagem oral informal. Se minha tentativa de converter essas conferências num livro foi bem-sucedida, isto se deve
apenas ao fato de que, a cada frase, eu ouvia a voz de meu marido,
eu o ouvia falar. Ele estava vivo para mim, vivo na clareza com
que demonstrava o mal e o perigo do excesso de governo; no modo
compreensivo e lúcido como descrevia as diferenças entre ditadura
e intervencionismo; na extrema perspicácia com que falava sobre
personalidades históricas; na capacidade de fazer reviver tempos
passados com umas poucas observações.
Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer ao meu amigo George Koether pelo auxílio que me prestou nesta tarefa. Sua ex-
Prefácio
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periência editorial e compreensão das teorias de meu marido foram
de grande valia para este livro.
Espero que estas conferências sejam lidas não só por especialistas
na área, mas também pelos muitos admiradores de meu marido que
não são economistas. E espero sinceramente que este livro venha
a tornar-se acessível a um público mais jovem, especialmente aos
alunos dos cursos secundários e universitários de todo o mundo.
Margit von Mises
Nova York
Junho, 1979
caPítulo i
Primeira lição
1
o caPitaliSmo
Certas expressões usadas pelo povo são, muitas vezes, inteiramente equivocadas. Assim, atribuem-se a capitães de indústria e
a grandes empresários de nossos dias epítetos como “o rei do chocolate”, “o rei do algodão” ou “o rei do automóvel”. Ao usar essas
expressões, o povo demonstra não ver praticamente nenhuma diferença entre os industriais de hoje e os reis, duques ou lordes de
outrora. Mas, na realidade, a diferença é enorme, pois um rei do
chocolate absolutamente não rege, ele serve. Não reina sobre um
território conquistado, independente do mercado, independente de
seus compradores. O rei do chocolate – ou do aço, ou do automóvel, ou qualquer outro rei da indústria contemporânea – depende
da indústria que administra e dos clientes a quem presta serviços.
Esse “rei” precisa se conservar nas boas graças dos seus súditos, os
consumidores: perderá seu “reino” assim que já não tiver condições
de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo
que o oferecido por seus concorrentes.
Duzentos anos atrás, antes do advento do capitalismo, o status
social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de
sua existência: era herdado dos seus ancestrais e nunca mudava.
Se nascesse pobre, pobre seria para sempre; se rico – lorde ou duque –, manteria seu ducado, e a propriedade que o acompanhava,
pelo resto dos seus dias.
No tocante à manufatura, as primitivas indústrias de beneficiamento da época existiam quase exclusivamente em proveito dos
ricos. A grande maioria do povo (90% ou mais da população europeia) trabalhava na terra e não tinha contato com as indústrias
de beneficiamento, voltadas para a cidade. Esse rígido sistema da
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Ludwig von Mises
sociedade feudal imperou, por muitos séculos, nas mais desenvolvidas regiões da Europa.
Contudo, a população rural se expandiu e passou a haver um excesso de gente no campo. Os membros dessa população excedente,
sem terras herdadas ou bens, careciam de ocupação. Também não
lhes era possível trabalhar nas indústrias de beneficiamento, cujo
acesso lhes era vedado pelos reis das cidades. O número desses
“párias” crescia incessantemente, sem que todavia ninguém soubesse o que fazer com eles. Eram, no pleno sentido da palavra,
“proletários”, e ao governo só restava interná-los em asilos ou casas de correção. Em algumas regiões da Europa, sobretudo nos
Países Baixos e na Inglaterra, essa população tornou-se tão numerosa que, no século XVIII, constituía uma verdadeira ameaça à
preservação do sistema social vigente.
Hoje, ao discutir questões análogas em lugares como a Índia ou
outros países em desenvolvimento, não devemos esquecer que, na
Inglaterra do século XVIII, as condições eram muito piores. Naquele tempo, a Inglaterra tinha uma população de seis ou sete milhões de habitantes, dos quais mais de um milhão – provavelmente
dois – não passavam de indigentes a quem o sistema social em vigor
nada proporcionava. As medidas a tomar com relação a esses deserdados constituíam um dos maiores problemas da Inglaterra.
Outro sério problema era a falta de matérias-primas. Os ingleses eram obrigados a enfrentar a seguinte questão: que faremos,
no futuro, quando nossas florestas já não nos derem a madeira de
que necessitamos para nossas indústrias e para aquecer nossas casas? Para as classes governantes, era uma situação desesperadora.
Os estadistas não sabiam o que fazer e as autoridades em geral não
tinham qualquer ideia sobre como melhorar as condições.
Foi dessa grave situação social que emergiram os começos do
capitalismo moderno. Dentre aqueles párias, aqueles miseráveis,
surgiram pessoas que tentaram organizar grupos para estabelecer
pequenos negócios, capazes de produzir alguma coisa. Foi uma
inovação. Esses inovadores não produziam artigos caros, acessíveis apenas às classes mais altas: produziam bens mais baratos, que
Primeira Lição
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pudessem satisfazer as necessidades de todos. E foi essa a origem
do capitalismo tal como hoje funciona. Foi o começo da produção
em massa – princípio básico da indústria capitalista. Enquanto
as antigas indústrias de beneficiamento funcionavam a serviço da
gente abastada das cidades, existindo quase que exclusivamente
para corresponder às demandas dessas classes privilegiadas, as novas indústrias capitalistas começaram a produzir artigos acessíveis
a toda a população. Era a produção em massa, para satisfazer às
necessidades das massas.
Este é o princípio fundamental do capitalismo tal como existe
hoje em todos os países onde há um sistema de produção em massa
extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos
mais fanáticos ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas,
produzem quase exclusivamente para suprir a carência das massas.
As empresas dedicadas à fabricação de artigos de luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm condições de alcançar a magnitude
das grandes empresas. E, hoje, os empregados das grandes fábricas
são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas
se fabricam. Esta é a diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios feudalistas de épocas anteriores.
Quando se pressupõe ou se afirma a existência de uma diferença entre os produtores e os consumidores dos produtos da grande
empresa, incorre-se em grave erro. Nas grandes lojas dos Estados
Unidos, ouvimos o slogan: “O cliente tem sempre razão.” E esse
cliente é o mesmo homem que produz, na fábrica, os artigos à venda
naqueles estabelecimentos. Os que pensam que a grande empresa
detém um enorme poder também se equivocam, uma vez que a empresa de grande porte é inteiramente dependente da preferência dos
que lhes compram os produtos; a mais poderosa empresa perderia
seu poder e sua influência se perdesse seus clientes.
Há cinquenta ou sessenta anos, era voz corrente em quase todos
os países capitalistas que as companhias de estradas de ferro eram
por demais grandes e poderosas: sendo monopolistas, tornavam impossível a concorrência. Alegava-se que, na área dos transportes,
o capitalismo já havia atingido um estágio no qual se destruira a si
mesmo, pois que eliminara a concorrência. O que se descurava era
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o fato de que o poder das ferrovias dependia de sua capacidade de
oferecer à população um meio de transporte melhor que qualquer
outro. Evidentemente teria sido absurdo concorrer com uma dessas grandes estradas de ferro, através da implantação de uma nova
ferrovia paralela à anterior, porquanto a primeira era suficiente para
atender às necessidades do momento. Mas outros concorrentes não
tardaram a aparecer. A livre concorrência não significa que se possa
prosperar pela simples imitação ou cópia exata do que já foi feito por
alguém. A liberdade de imprensa não significa o direito de copiar
o que outra pessoa escreveu, e assim alcançar o sucesso a que o verdadeiro autor fez jus por suas obras. Significa o direito de escrever
outra coisa. A liberdade de concorrência no tocante às ferrovias,
por exemplo, significa liberdade para inventar alguma coisa, para
fazer alguma coisa que desafie as ferrovias já existentes e as coloque
em situação muito precária de competitividade.
Nos Estados Unidos, a concorrência que se estabeleceu através
dos ônibus, automóveis, caminhões e aviões impôs às estradas de
ferro grandes perdas e uma derrota quase absoluta no que diz respeito ao transporte de passageiros.
O desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de servir melhor e/ou mais barato o seu cliente. E, num tempo relativamente curto, esse método, esse princípio,
transformou a face do mundo, possibilitando um crescimento sem
precedentes da população mundial.
Na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento
a seis milhões de pessoas, num baixíssimo padrão de vida. Hoje,
mais de cinquenta milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão de
vida que chega a ser superior ao que desfrutavam os ricos no século
XVIII. E o padrão de vida na Inglaterra de hoje seria provavelmente mais alto ainda, não tivessem os ingleses dissipado boa parte de
sua energia no que, sob diversos pontos de vista, não foram mais
que “aventuras” políticas e militares evitáveis.
Estes são os fatos acerca do capitalismo. Assim, se um inglês –
ou, no tocante a esta questão, qualquer homem de qualquer país do
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mundo – afirmar hoje aos amigos ser contrário ao capitalismo, há
uma esplêndida contestação a lhe fazer: “Sabe que a população deste planeta é hoje dez vezes maior que nos períodos precedentes ao
capitalismo? Sabe que todos os homens usufruem hoje um padrão
de vida mais elevado que o de seus ancestrais antes do advento do
capitalismo? E como você pode ter certeza de que, se não fosse o
capitalismo, você estaria integrando a décima parte da população
sobrevivente? Sua mera existência é uma prova do êxito do capitalismo, seja qual for o valor que você atribua à própria vida.”
Não obstante todos os seus benefícios, o capitalismo foi furiosamente atacado e criticado. É preciso compreender a origem dessa
aversão. É fato que o ódio ao capitalismo nasceu não entre o povo,
não entre os próprios trabalhadores, mas em meio à aristocracia
fundiária – a pequena nobreza da Inglaterra e da Europa continental. Culpavam o capitalismo por algo que não lhes era muito agradável: no início do século XIX, os salários mais altos pagos pelas
indústrias aos seus trabalhadores forçaram a aristocracia agrária
a pagar salários igualmente altos aos seus trabalhadores agrícolas.
A aristocracia atacava a indústria criticando o padrão de vida das
massas trabalhadoras.
Obviamente, do nosso ponto de vista, o padrão de vida dos trabalhadores era extremamente baixo. Mas, se as condições de vida
nos primórdios do capitalismo eram absolutamente escandalosas,
não era porque as recém-criadas indústrias capitalistas estivessem
prejudicando os trabalhadores: as pessoas contratadas pelas fábricas
já subsistiam antes em condições praticamente subumanas.
A velha história, repetida centenas de vezes, de que as fábricas
empregavam mulheres e crianças que, antes de trabalharem nessas fábricas, viviam em condições satisfatórias, é um dos maiores
embustes da história. As mães que trabalhavam nas fábricas não
tinham o que cozinhar: não abandonavam seus lares e suas cozinhas para se dirigir às fábricas – corriam a elas porque não tinham
cozinhas e, ainda que as tivessem, não tinham comida para nelas
cozinharem. E as crianças não provinham de um ambiente confortável: estavam famintas, estavam morrendo. E todo o tão falado
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e indescritível horror do capitalismo primitivo pode ser refutado
por uma única estatística: precisamente nesses anos de expansão do
capitalismo na Inglaterra, no chamado período da Revolução Industrial inglesa, entre 1760 e 1830, a população do país dobrou, o
que significa que centenas de milhares de crianças – que em outros
tempos teriam morrido – sobreviveram e cresceram, tornando-se
homens e mulheres.
Não há dúvida de que as condições gerais de vida em épocas
anteriores eram muito insatisfatórias. Foi o comércio capitalista
que as melhorou. Foram justamente aquelas primeiras fábricas que
passaram a suprir, direta ou indiretamente, as necessidades de seus
trabalhadores, através da exportação de manufaturados e da importação de alimentos e matérias-primas de outros países. Mais uma
vez, os primeiros historiadores do capitalismo falsearam – é difícil
usar uma palavra mais branda – a história.
Há uma anedota – provavelmente inventada – que se costuma
contar a respeito de Benjamin Franklin: em visita a um cotonifício na Inglaterra, Ben Franklin ouviu do proprietário cheio de
orgulho: “Veja, temos aqui tecidos de algodão para a Hungria.”
Olhando à sua volta e constatando que os trabalhadores estavam
em andrajos, Franklin perguntou: “E por que não produz também
para os seus empregados?”
Mas as exportações de que falava o dono do cotonifício realmente significavam que ele de fato produzia para os próprios empregados, visto que a Inglaterra tinha de importar toda a sua matériaprima. Não possuía nenhum algodão, como também ocorria com a
Europa continental. A Inglaterra atravessava uma fase de escassez
de alimentos: era necessária sua importação da Polônia, da Rússia,
da Hungria. Assim, as exportações – como as de tecidos – se constituíam no pagamento de importações de alimentos necessários à
sobrevivência da população inglesa. Muitos exemplos da história
dessa época revelarão a atitude da pequena nobreza e da aristocracia
com relação aos trabalhadores. Quero citar apenas dois. Um é o
famoso sistema inglês do seed and land. Por tal sistema, o governo
inglês pagava a todos os trabalhadores que não chegavam a receber
Primeira Lição
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um salário mínimo (oficialmente fixado) a diferença entre o que recebiam e esse mínimo. Isso poupava à aristocracia fundiária o dissabor de pagar salários mais altos. A pequena nobreza continuaria
pagando o tradicionalmente baixo salário agrícola, suplementado
pelo governo. Evitava-se, assim, que os trabalhadores abandonassem as atividades rurais em busca de emprego nas fábricas urbanas.
Oitenta anos depois, após a expansão do capitalismo da Inglaterra para a Europa continental, mais uma vez verificou-se a reação da aristocracia rural contra o novo sistema de produção. Na
Alemanha, os aristocratas prussianos – tendo perdido muitos trabalhadores para as indústrias capitalistas, que ofereciam melhor
remuneração – cunharam uma expressão especial para designar o
problema: “fuga do campo” – Landflucht. Discutiu-se, então, no
parlamento alemão, que tipo de medida se poderia tomar contra
aquele mal – e tratava-se indiscutivelmente de um mal, do ponto de vista da aristocracia rural. O príncipe Bismarck, o famoso
chanceler do Reich alemão, disse um dia num discurso: “Encontrei em Berlim um homem que havia trabalhado em minhas terras. Perguntei-lhe: ‘Por que deixou minhas terras? Por que deixou
o campo? Por que vive agora em Berlim?’”
E, segundo Bismarck, o homem respondeu: “Na aldeia não se
tem, como aqui em Berlim, um Biergarten tão lindo, onde nos podemos sentar; tomar cerveja e ouvir música.” Esta é, sem dúvida, uma
estória contada do ponto de vista do príncipe Bismarck, o empregador. Não seria o ponto de vista de todos os seus empregados. Estes
acorriam à indústria porque ela lhes pagava salários mais altos e
elevava seu padrão de vida a níveis sem precedentes.
Hoje, nos países capitalistas, há relativamente pouca diferença
entre a vida básica das chamadas classes mais altas e a das mais baixas: ambas têm alimento, roupas e abrigo. Mas no século XVIII, e
nos que o precederam, o que distinguia o homem da classe média
do da classe baixa era o fato de o primeiro ter sapatos, e o segundo,
não. Hoje, nos Estados Unidos, a diferença entre um rico e um
pobre reduz-se muitas vezes à diferença entre um Cadillac e um
Chevrolet. O Chevrolet pode ser de segunda mão, mas presta a seu
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Ludwig von Mises
dono basicamente os mesmos serviços que o Cadillac poderia prestar, uma vez que também está apto a se deslocar de um local a outro.
Mais de 50% da população dos Estados Unidos vivem em casas e
apartamentos próprios.
As investidas contra o capitalismo – especialmente no que se refere aos padrões salariais mais altos – tiveram por origem a falsa
suposição de que os salários são, em última análise, pagos por pessoas diferentes daquelas que trabalham nas fábricas. Certamente,
nada impede que economistas e estudantes de teorias econômicas
tracem uma distinção entre trabalhador e consumidor. Mas o fato é
que todo consumidor tem de ganhar, de uma maneira ou de outra, o
dinheiro que gasta, e a imensa maioria dos consumidores é constituída precisamente por aquelas mesmas pessoas que trabalham como
empregados nas empresas produtoras dos bens que consomem.
No capitalismo, os padrões salariais não são estipulados por pessoas diferentes das que ganham os salários: são essas mesmas pessoas que os manipulam. Não é a companhia cinematográfica de
Hollywood que paga os salários de um astro das telas, quem os paga
é o público que compra ingresso nas bilheterias dos cinemas. E não
é o empresário de uma luta de boxe que cobre as enormes exigências
de lutadores laureados, mas sim a plateia, que compra entradas para
a luta. A partir da distinção entre empregado e empregador, traçase, no plano da teoria econômica, uma distinção que não existe na
vida real. Nesta, empregador e empregado são, em última análise,
uma só e a mesma pessoa.
Em muitos países há quem considere injusto que um homem
obrigado a sustentar uma família numerosa receba o mesmo salário que outro, responsável apenas pela própria manutenção. No
entanto, o problema é não questionar se é ao empresário ou não
que cabe assumir a responsabilidade pelo tamanho da família de
um trabalhador.
A pergunta que deve ser feita neste caso é: você, como indivíduo, se disporia a pagar mais por alguma coisa, digamos, um pão,
se for informado de que o homem que o fabricou tem seis filhos?
Primeira Lição
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Uma pessoa honesta por certo responderia negativamente, dizendo: “Em princípio, sim. Mas na prática tenderia a comprar o pão
feito por um homem sem filho nenhum.” O fato é que o empregador a quem os compradores não pagam o suficiente para que
ele possa pagar seus empregados se vê na impossibilidade de levar
adiante seus negócios.
O “capitalismo” foi assim batizado não por um simpatizante do
sistema, mas por alguém que o tinha na conta do pior de todos os
sistemas históricos, da mais grave calamidade que jamais se abatera
sobre a humanidade. Esse homem foi Karl Marx. Não há razão,
contudo, para rejeitar a designação proposta por Marx, uma vez que
ela indica claramente a origem dos grandes progressos sociais ocasionados pelo capitalismo. Esses progressos são fruto da acumulação do capital; baseiam-se no fato de que as pessoas, por via de
regra, não consomem tudo o que produzem e no fato de que elas
poupam – e investem – parte desse montante.
Reina um grande equívoco em torno desse problema. Ao longo
destas seis palestras, terei oportunidade de abordar os principais
mal-entendidos em voga, relacionados com a acumulação do capital, com o uso do capital e com os benefícios universais auferidos a
partir desse uso. Tratarei do capitalismo particularmente em minhas palestras dedicadas ao investimento externo e a esse problema extremamente crítico da política atual que é a inflação. Todos
sabem, é claro, que a inflação não existe só neste país. Constitui
hoje um problema em todas as partes do mundo. O que muitas
vezes não se compreende a respeito do capitalismo é o seguinte:
poupança significa benefícios para todos os que desejam produzir
ou receber salários.
Quando alguém acumula certa quantidade de dinheiro – mil
dólares, digamos – e confia esses dólares, em vez de gastá-los, a
uma empresa de poupança ou a uma companhia de seguros, transfere esse dinheiro para um empresário, um homem de negócios, o
que vai permitir que esse empresário possa expandir suas atividades e investir num projeto, que na véspera ainda era inviável, por
falta do capital necessário. Que fará então o empresário com o
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Ludwig von Mises
capital recém-obtido? Certamente a primeira coisa que fará, o primeiro uso que dará a esse capital suplementar será a contratação
de trabalhadores e a compra de matérias-primas – o que promoverá, por sua vez, o surgimento de uma demanda adicional de trabalhadores e matérias-primas, bem como uma tendência à elevação
dos salários e dos preços dessas matérias-primas. Muito antes que
o poupador ou o empresário tenham obtido algum lucro em tudo
isso, o trabalhador desempregado, o produtor de matérias-primas,
o agricultor e o assalariado já estarão participando dos benefícios
das poupanças adicionais.
O que o empresário virá ou não a ganhar com o projeto depende
das condições futuras do mercado e de seu talento para prevê-las
corretamente. Mas os trabalhadores, assim como os produtores de
matéria-prima, auferem as vantagens de imediato. Muito se falou,
trinta ou quarenta anos atrás, sobre a “política salarial” – como a
denominavam – de Henry Ford. Uma das maiores façanhas do Sr.
Ford consistia em pagar salários mais altos que os oferecidos pelas
demais indústrias ou fábricas. Sua política salarial foi descrita
como uma “invenção”. Não se pode, no entanto, dizer que essa
nova política “inventada” seja simplesmente um fruto da liberalidade do Sr. Ford. Um novo ramo industrial – ou uma nova fábrica
num ramo já existente – precisa atrair trabalhadores de outros empregos, de outras regiões do país e até de outros países. E não há
outra maneira de fazê-lo senão através do pagamento de salários
mais altos aos trabalhadores. Foi o que ocorreu nos primórdios do
capitalismo, e é o que ocorre até hoje.
Na Grã-Bretanha, quando os fabricantes começaram a produzir artigos de algodão, eles passaram a pagar aos seus trabalhadores
mais do que estes ganhavam antes. É verdade que grande porcentagem desses novos trabalhadores jamais ganhara coisa alguma antes. Estavam, então, dispostos a aceitar qualquer quantia que lhes
fosse oferecida. Mas, pouco tempo depois, com a crescente acumulação do capital e a implantação de um número cada vez maior
de novas empresas, os salários se elevaram, e como consequência
houve aquele aumento sem precedentes da população inglesa, ao
qual já me referi. A reiterada caracterização depreciativa do capi-
Primeira Lição
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talismo como um sistema destinado a tornar os ricos mais ricos e
os pobres mais pobres é equivocada do começo ao fim. A tese de
Marx concernente ao advento do capitalismo baseou-se no pressuposto de que os trabalhadores estavam ficando mais pobres, de que
o povo estava ficando mais miserável, o que finalmente redundaria
na concentração de toda a riqueza de um país em umas poucas
mãos, ou mesmo nas de um homem só. Como consequência, as
massas trabalhadoras empobrecidas se rebelariam e expropriariam
os bens dos opulentos proprietários.
Segundo essa doutrina de Marx, é impossível, no sistema capitalista, qualquer oportunidade, qualquer possibilidade de melhoria das condições dos trabalhadores. Em 1865, falando perante a
Associação Internacional dos Trabalhadores, na Inglaterra, Marx
afirmou que a crença de que os sindicatos poderiam promover melhores condições para a população trabalhadora era “absolutamente
errônea”. Qualificou a política sindical voltada para a reivindicação de melhores salários e menor número de horas de trabalho de
conservadora – era este, evidentemente, o termo mais desabonador
a que Marx podia recorrer. Sugeriu que os sindicatos adotassem
uma nova meta revolucionária: a “completa abolição do sistema de
salários”, e a substituição do sistema de propriedade privada pelo
“socialismo” – a posse dos meios de produção pelo governo.
Se consideramos a história do mundo – e em especial a história
da Inglaterra a partir de 1865 – verificaremos que Marx estava errado sob todos os aspectos. Não há um só país capitalista em que as
condições do povo não tenham melhorado de maneira inédita. Todos esses progressos ocorridos nos últimos oitenta ou noventa anos
produziram-se a despeito dos prognósticos de Karl Marx: os socialistas de orientação marxista acreditavam que as condições dos trabalhadores jamais poderiam melhorar. Adotavam uma falsa teoria, a
famosa “lei de ferro dos salários”. Segundo esta lei, no capitalismo,
os salários de um trabalhador não excederiam a soma que lhe fosse
estritamente necessária para manter-se vivo a serviço da empresa.
Os marxistas enunciaram sua teoria da seguinte forma: se os
padrões salariais dos trabalhadores sobem, com a elevação dos salá-
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Ludwig von Mises
rios, a um nível superior ao necessário para a subsistência, eles terão
mais filhos. Esses filhos, ao ingressarem na força de trabalho, engrossarão o número de trabalhadores até o ponto em que os padrões
salariais cairão, rebaixando novamente os salários dos trabalhadores
a um nível mínimo necessário para a subsistência – àquele nível
mínimo de sustento, apenas suficiente para impedir a extinção da
população trabalhadora.
Mas essa ideia de Marx, e de muitos outros socialistas, envolve
um conceito de trabalhador idêntico ao adotado – justificadamente
– pelos biólogos que estudam a vida dos animais. Dos camundongos, por exemplo. Se colocarmos maior quantidade de alimento à
disposição de organismos animais, ou de micróbios, maior número deles sobreviverá. Se a restringirmos, restringiremos o número
dos sobreviventes. Mas com o homem é diferente. Mesmo o trabalhador – ainda que os marxistas não o admitam – tem carências
humanas outras que as de alimento e de reprodução de sua espécie.
Um aumento dos salários reais resulta não só num aumento da população; resulta também, e antes de tudo, numa melhoria do padrão
de vida média. É por isso que temos hoje, na Europa Ocidental e
nos Estados Unidos, um padrão de vida superior ao das nações em
desenvolvimento, às da África, por exemplo. Devemos compreender, contudo, que esse padrão de vida mais elevado fundamenta-se
na disponibilidade de capital. Isso explica a diferença entre as
condições reinantes nos Estados Unidos e as que encontramos na
Índia. Neste país foram introduzidos – ao menos em certa medida
– modernos métodos de combate a doenças contagiosas, cujo efeito foi um aumento inaudito da população. No entanto, como esse
crescimento populacional não foi acompanhado de um aumento
correspondente do montante de capital investido no país, o resultado foi um agravamento da miséria. Quanto mais se eleva o capital
investido por indivíduo, mais próspero se torna o país.
Mas é preciso lembrar que nas políticas econômicas não ocorrem milagres. Todos leram artigos de jornal e discursos sobre o
chamado milagre econômico alemão – a recuperação da Alemanha depois de sua derrota e destruição na Segunda Guerra Mundial. Mas não houve milagre. Houve tão somente a aplicação
Primeira Lição
25
dos princípios da economia do livre mercado, dos métodos do capitalismo, embora essa aplicação não tenha sido completa em todos
os pontos. Todo país pode experimentar o mesmo “milagre” de
recuperação econômica, embora eu deva insistir em que esta não
é fruto de milagre: é fruto da adoção de políticas econômicas sólidas, pois que é delas que resulta.
caPítulo ii
Segunda lição
1
o SocialiSmo
Estou em Buenos Aires a convite do Centro de Difusión de la
Economia Libre. Que vem a ser economia livre? Que significa esse
sistema de liberdade econômica? A resposta é simples: é a economia
de mercado, é o sistema em que a cooperação dos indivíduos na
divisão social do trabalho se realiza pelo mercado. E esse mercado
não é um lugar: é um processo, é a forma pela qual, ao vender e comprar, ao produzir e consumir, as pessoas estão contribuindo para o
funcionamento global da sociedade.
Quando falamos desse sistema de organização econômica – a
economia de mercado – empregamos a expressão “liberdade econômica”. Frequentemente as pessoas se equivocam quanto ao seu
significado, supondo que liberdade econômica seja algo inteiramente dissociado de outras liberdades, e que estas outras liberdades – que reputam mais importantes – possam ser preservadas
mesmo na ausência de liberdade econômica. Mas liberdade econômica significa, na verdade, que é dado às pessoas que a possuem
o poder de escolher o próprio modo de se integrar ao conjunto da
sociedade. A pessoa tem o direito de escolher sua carreira, tem
liberdade para fazer o que quer.
É óbvio que não compreendemos liberdade no sentido que hoje
tantos atribuem à palavra. O que queremos dizer é antes que, através da liberdade econômica, o homem é libertado das condições
naturais. Nada há, na natureza, que possa ser chamado de liberdade; há apenas a regularidade das leis naturais, a que o homem
é obrigado a obedecer para alcançar qualquer coisa. Quando se
trata de seres humanos, atribuímos à palavra liberdade o significado exclusivo de liberdade na sociedade. Não obstante, muitos
28
Ludwig von Mises
consideram que as liberdades sociais são independentes umas das
outras. Os que hoje se intitulam “liberais” têm reivindicado programas que são exatamente o oposto das políticas que os liberais
do século XIX defendiam em seus programas liberais. Os pretensos liberais de nossos dias sustentam a ideia muito difundida de
que as liberdades de expressão, de pensamento, de imprensa, de
culto, de encarceramento sem julgamento podem, todas elas, ser
preservadas mesmo na ausência do que se conhece como liberdade
econômica. Não se dão conta de que, num sistema desprovido de
mercado, em que o governo determina tudo, todas essas outras liberdades são ilusórias, ainda que postas em forma de lei e inscritas
na constituição.
Tomemos como exemplo a liberdade de imprensa. Se for dono
de todas as máquinas impressoras, o governo determinará o que
deve e o que não deve ser impresso. Nesse caso, a possibilidade de
se publicar qualquer tipo de crítica às ideias oficiais torna-se praticamente nula. A liberdade de imprensa desaparece. E o mesmo se
aplica a todas as demais liberdades.
Quando há economia de mercado, o indivíduo tem a liberdade de escolher qualquer carreira que deseje seguir, de escolher seu
próprio modo de inserção na sociedade. Num sistema socialista é
diferente: as carreiras são decididas por decreto do governo. Este
pode ordenar às pessoas que não lhe sejam gratas, àquelas cuja presença não lhe pareça conveniente em determinadas regiões, que se
mudem para outras regiões e outros lugares. E sempre há como justificar e explicar semelhante procedimento: declara-se que o plano
governamental exige a presença desse eminente cidadão a cinco mil
milhas de distância do local onde ele estava sendo ou poderia ser
incômodo aos detentores do poder.
É verdade que a liberdade possível numa economia de mercado
não é uma liberdade perfeita no sentido metafísico. Mas a liberdade
perfeita não existe. É só no âmbito da sociedade que a liberdade
tem algum significado. Os pensadores que desenvolveram, no século XVIII, a ideia da “lei natural” – sobretudo Jean-Jacques Rousseau
– acreditavam que um dia, num passado remoto, os homens haviam
Segunda Lição
29
desfrutado de algo chamado liberdade “natural”. Mas nesses tempos remotos os homens não eram livres – estavam à mercê de todos
os que fossem mais fortes que eles mesmos. As famosas palavras de
Rousseau: “O homem nasceu livre e se encontra acorrentado em
toda parte”, talvez soem bem, mas na verdade o homem não nasceu
livre. Nasceu como uma frágil criança de peito. Sem a proteção dos
pais, sem a proteção proporcionada a esses pais pela sociedade, não
teria podido sobreviver.
Liberdade na sociedade significa que um homem depende tanto
dos demais como estes dependem dele. A sociedade, quando regida
pela economia de mercado, pelas condições da economia livre, apresenta uma situação em que todos prestam serviços aos seus concidadãos e são, em contrapartida, por eles servidos. Acredita-se, que
existem na economia de mercado chefões que não dependem da boa
vontade e do apoio dos demais cidadãos. Os capitães de indústria,
os homens de negócios, os empresários seriam os verdadeiros chefões do sistema econômico. Mas isso é uma ilusão. Quem manda no
sistema econômico são os consumidores. Se estes deixam de prestigiar um ramo de atividades, os empresários deste ramo são compelidos ou a abandonar sua eminente posição no sistema econômico, ou
a ajustar suas ações aos desejos e às ordens dos consumidores.
Uma das mais notórias divulgadoras do comunismo foi Beatrice
Potter, nome de solteira de Lady Passfield (tambem muito conhecida por conta de seu marido Sidney Webb). Essa senhora, filha
de um rico empresário, trabalhou quando jovem como secretária
do pai. Em suas memórias, ela escreve: “Nos negócios de meu pai,
todos tinham de obedecer às ordens dadas por ele, o chefe. Só a ele
competia dar ordens, e a ele ninguém dava ordem alguma.” Esta é
uma visão muito acanhada. Seu pai recebia ordens: dos consumidores, dos compradores. Lamentavelmente, ela não foi capaz de
perceber essas ordens; não foi capaz de perceber o que ocorre numa
economia de mercado, exclusivamente voltada que estava para as
ordens expedidas dentro dos escritórios ou da fábrica do pai.
Diante de todos os problemas econômicos, devemos ter em
mente as palavras que o grande economista francês Frédéric Bas-
30
Ludwig von Mises
tiat usou como título de um de seus brilhantes ensaios: “Ce quon
voit et ce qu’on ne voit pas” (“O que se vê e o que não se vê”). Para
compreender como funciona um sistema econômico, temos de levar em conta não só o que pode ser visto, mas também o que não
pode ser diretamente percebido. Por exemplo, uma ordem dada
por um chefe a um contínuo pode ser ouvida por aqueles que estejam na mesma sala. O que não se pode ouvir são as ordens dadas
ao chefe por seus clientes.
O fato é que, no sistema capitalista, os chefes, em última instância, são os consumidores. Não é o estado, é o povo que é soberano. Prova disto é o fato de que lhe assiste o direito de ser tolo.
Este é o privilégio do soberano. Assiste-lhe o direito de cometer
erros: ninguém o pode impedir de cometê-los, embora, obviamente, deva pagar por eles. Quando afirmamos que o consumidor é
supremo ou soberano, não estamos afirmando que está livre de
erros, que sempre sabe o que melhor lhe conviria. Muitas vezes
os consumidores compram ou consomem artigos que não deviam
comprar ou consumir. Mas a ideia de que uma forma capitalista
de governo pode impedir, através de um controle sobre o que as
pessoas consomem, que elas se prejudiquem, é falsa. A visão do
governo como uma autoridade paternal, um guardião de todos, é
própria dos adeptos do socialismo.
Nos Estados Unidos, o governo empreendeu certa feita, há alguns anos, uma experiência que foi qualificada de “nobre”. Essa
“nobre experiência” consistiu numa lei que declarava ilegal o consumo de bebidas tóxicas. Não há dúvida de que muita gente se
prejudica ao beber conhaque e whisky em excesso. Algumas autoridades nos Estados Unidos são contrárias até mesmo ao fumo.
Certamente há muitas pessoas que fumam demais, não obstante o
fato de que não fumar seria melhor para elas. Isso suscita um problema que transcende em muito a discussão econômica: põe a nu
o verdadeiro significado da liberdade. Se admitirmos que é bom
impedir que as pessoas se prejudiquem bebendo ou fumando em
excesso, haverá quem pergunte: “Será que o corpo é tudo? Não seria a mente do homem muito mais importante? Não seria a mente
do homem o verdadeiro dom, o verdadeiro predicado humano?”
Se dermos ao governo o direito de determinar o que o corpo hu-
Segunda Lição
31
mano deve consumir, de determinar se alguém deve ou não fumar,
deve ou não beber, nada poderemos replicar a quem afirme: “Mais
importante ainda que o corpo é a mente, é a alma, e o homem
se prejudica muito mais ao ler maus livros, ouvir música ruim e
assistir a maus filmes. É, pois, dever do governo impedir que se
cometam esses erros.” E, como todos sabem, por centenas de anos
os governos e as autoridades acreditaram que esse era de fato o seu
dever. Nem isso aconteceu apenas em épocas remotas. Não faz
muito tempo, houve na Alemanha um governo que considerava
seu dever discriminar as boas e as más pinturas – boas e más, é
claro, do ponto de vista de um homem que, na juventude, fora
reprovado no exame de admissão à Academia de Arte, em Viena:
era o bom e o mau segundo a ótica de um pintor de cartão-postal.
E tornou-se ilegal expressar concepções sobre arte e pintura que
divergissem daquelas do Führer supremo.
A partir do momento em que começamos a admitir que é
dever do governo controlar o consumo de álcool do cidadão, que
podemos responder a quem afirme ser o controle dos livros e das
ideias muito mais importante? Liberdade significa realmente liberdade para errar. Isso precisa ser bem compreendido. Podemos
ser extremamente críticos com relação ao modo como nossos
concidadãos gastam seu dinheiro e vivem sua vida. Podemos
considerar o que fazem absolutamente insensato e mau. Numa
sociedade livre, todos têm, no entanto, as mais diversas maneiras de manifestar suas opiniões sobre como seus concidadãos
deveriam mudar seu modo de vida: eles podem escrever livros;
escrever artigos; fazer conferências. Podem até fazer pregações
nas esquinas, se quiserem – e faz-se isso, em muitos países. Mas
ninguém deve tentar policiar os outros no intuito de impedi-los
de fazer determinadas coisas simplesmente porque não se quer
que as pessoas tenham a liberdade de fazê-las.
É essa a diferença entre escravidão e liberdade. O escravo é
obrigado a fazer o que seu superior lhe ordena que faça, enquanto o
cidadão livre – e é isso que significa liberdade – tem a possibilidade
de escolher seu próprio modo de vida. Sem dúvida esse sistema capitalista pode ser – e é de fato – mal usado por alguns. É certamente
possível fazer coisas que não deveriam ser feitas. Mas se tais coisas
32
Ludwig von Mises
contam com a aprovação da maioria do povo, uma voz discordante
terá sempre algum meio de tentar mudar as ideias de seus concidadãos. Pode tentar persuadi-los, convencê-los, mas não pode tentar
constrangê-los pela força, pela força policial do governo.
Na economia de mercado, todos prestam serviços aos seus
concidadãos ao prestarem serviços a si mesmos. Era isso o que
tinham em mente os pensadores liberais do século XVIII, quando falavam da harmonia dos interesses – corretamente compreendidos – de todos os grupos e indivíduos que constituem a população. E foi a essa doutrina da harmonia de interesses que os
socialistas se opuseram. Falaram de um “conflito inconciliável
de interesses” entre vários grupos.
Que significa isso? Quando Karl Marx – no primeiro capítulo
do Manifesto Comunista, esse pequeno panfleto que inaugurou
seu movimento socialista – sustentou a existência de um conflito
inconciliável entre as classes, só pode evocar, como ilustração
à sua tese, exemplos tomados das condições da sociedade précapitalista. Nos estágios pré-capitalistas, a sociedade se dividia
em grupos hereditários de status, na Índia denominados “castas”.
Numa sociedade de status, um homem não nascia, por exemplo,
cidadão francês; nascia na condição de membro da aristocracia
francesa, ou da burguesia francesa, ou do campesinato francês.
Durante a maior parte da Idade Média, era simplesmente um
servo. E a servidão, na França, ainda não havia sido inteiramente extinta mesmo depois da Revolução Americana. Em outras
regiões da Europa, a sua extinção ocorreu ainda mais tarde. Mas
a pior forma de servidão – forma que continuou existindo mesmo depois da abolição da escravatura – era a que tinha lugar nas
colônias inglesas. O indivíduo herdava seu status dos país e o
conservava por toda a vida. Transferia-o aos filhos. Cada grupo
tinha privilégios e desvantagens. Os de status mais elevado tinham apenas privilégios, os de status inferior, só desvantagens. E
não restava ao homem nenhum outro meio de escapar às desvantagens legais impostas por seu status senão a luta política contra
as outras classes. Nessas condições, pode-se dizer que havia “um
conflito inconciliável de interesses entre senhores de escravos
e escravos”, porque o interesse dos escravos era livrar-se da es-
Segunda Lição
33
cravidão, da qualidade de escravos. E sua liberdade significava,
para os seus proprietários, uma perda. Assim sendo, não há dúvida de que tinha de existir forçosamente um conflito inconciliável de interesses entre os membros das várias classes.
Não devemos esquecer que nesses períodos – em que as sociedades de status predominaram na Europa, bem como nas colônias que
os europeus fundaram posteriormente na América – as pessoas não
se consideravam ligadas de nenhuma forma especial às demais classes de sua própria nação; sentiam-se muito mais solidárias com os
membros de suas classes nos outros países. Um aristocrata francês
não tinha os franceses das classes inferiores na conta de seus concidadãos: a seus olhos, eles não eram mais que a ralé, que não lhes
agradava. Seus iguais eram os aristocratas dos demais países – os da
Itália, Inglaterra e Alemanha, por exemplo.
O efeito mais visível desse estado de coisas era o fato de os aristocratas de toda a Europa falarem a mesma língua, o francês, idioma
não compreendido, fora da França, pelos demais grupos da população. As classes médias – a burguesia – tinham sua própria língua,
enquanto as classes baixas – o campesinato – usavam dialetos locais,
muitas vezes não compreendidos por outros grupos da população.
O mesmo se passava com relação aos trajes. Quem viajasse de um
país para outro em 1750 constataria que as classes mais elevadas,
os aristocratas, se vestiam em geral de maneira idêntica em toda a
Europa; e que as classes baixas usavam roupas diferentes. Vendo
alguém na rua, era possível perceber de imediato – pelo modo como
se vestia – a sua classe, o seu status.
É difícil avaliar o quanto essa situação era diversa da atual. Se
venho dos Estados Unidos para a Argentina e vejo um homem na
rua, não posso dizer qual é seu status. Concluo apenas que é um
cidadão argentino, não pertencente a nenhum grupo sujeito a restrições legais. Isto é algo que o capitalismo nos trouxe. Sem dúvida há
também diferenças entre as pessoas no capitalismo. Há diferenças
em relação à riqueza; diferenças estas que os marxistas, equivocadamente, consideram equivalentes àquelas antigas que separavam os
homens na sociedade de status.
34
Ludwig von Mises
Numa sociedade capitalista, as diferenças entre os cidadãos
não são como as que se verificam numa sociedade de status. Na
Idade Média – e mesmo bem depois, em muitos países – uma família podia ser aristocrata e possuidora de grande fortuna, podia
ser uma família de duques, ao longo de séculos e séculos, fossem
quais fossem suas qualidades, talentos, caráter ou moralidade. Já
nas modernas condições capitalistas, verifica-se o que foi tecnicamente denominado pelos sociólogos de “mobilidade social”.
O princípio segundo o qual a mobilidade social opera, nas palavras do sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto, é o da
“circulation des élites” (“circulação das elites”). Isso significa que
haverá sempre no topo da escada social pessoas ricas, politicamente importantes, mas essas pessoas – essas elites – estão em
contínua mudança.
Isto se aplica perfeitamente a uma sociedade capitalista. Não
se aplicaria a uma sociedade pré-capitalista de status. As famílias
consideradas as grandes famílias aristocráticas da Europa permanecem as mesmas até hoje, ou melhor, são formadas hoje pelos
descendentes de famílias que constituíam a nata na Europa, há
oito, dez ou mais séculos. Os Capetos de Bourbon – que por um
longo período dominaram a Argentina – já eram uma casa real
desde o século X. Reinavam sobre o território hoje chamado
Ile-de-France, ampliando seu reino a cada geração. Mas numa
sociedade capitalista há uma continua mobilidade – pobres que
enriquecem e descendentes de gente rica que perdem a fortuna e
se tornam pobres.
Vi hoje, numa livraria de uma rua do centro de Buenos Aires,
a biografia de um homem que viveu na Europa do século XIX, e
que foi tão eminente, tão importante, tão representativo dos altos
negócios europeus naquela época, que até hoje, aqui neste país tão
distante da Europa, encontram-se à venda exemplares da história
de sua vida. Tive a oportunidade de conhecer o neto desse homem.
Tem o mesmo nome do avô e conserva o direito de usar o título
nobiliário que este – que começou a vida como ferreiro – recebeu oitenta anos atrás. Hoje esse seu neto é um fotógrafo pobre na cidade
de Nova York. Outras pessoas, pobres à época em que o avô desse
fotógrafo se tornou um dos maiores industriais da Europa, são hoje
Segunda Lição
35
capitães de indústria. Todos são livres para mudar seu status, é isso
que distingue o sistema de status do sistema capitalista de liberdade
econômica, em que as pessoas só podem culpar a si mesmas se não
chegam a alcançar a posição que almejam.
O mais famoso industrial do século XX continua sendo Henry Ford. Ele começou com umas poucas centenas de dólares
emprestados por amigos e, em muito pouco tempo, implantou
um dos mais importantes empreendimentos de grande vulto do
mundo. E podemos encontrar centenas de casos semelhantes todos os dias. Diariamente o New York Times publica longas notas
sobre pessoas que faleceram. Lendo essas biografias, podemos
deparar, por exemplo, com o nome de um eminente empresário
que tenha iniciado a vida como vendedor de jornais nas esquinas
de Nova York. Ou com outro que tenha iniciado como contínuo
e, por ocasião de sua morte, era o presidente da mesma instituição bancária onde começara no mais baixo degrau da hierarquia.
Evidentemente, nem todos conseguem alcançar tais posições.
Nem todos querem alcançá-las. Há pessoas mais interessadas em
outras coisas: para elas, no entanto, há hoje certos caminhos que
não estavam abertos nos tempos da sociedade feudal, na época da
sociedade de status.
O sistema socialista, contudo, proíbe essa liberdade fundamental
que é a escolha da própria carreira. Nas condições socialistas há
uma única autoridade econômica, e esta detém o poder de determinar todas as questões atinentes à produção. Um dos traços característicos de nossos dias é o uso de muitos nomes para designar uma
mesma coisa. Um sinônimo de socialismo e comunismo é “planejamento”. Quando falam de “planejamento”, as pessoas se referem,
evidentemente, a um planejamento central, o que significa um plano
único, feito pelo governo – um plano que impede todo planejamento feito por outra pessoa.
Uma senhora inglesa – que é também membro da Câmara Alta
– escreveu um livro intitulado Plan or no Plan, obra muito bem
recebida no mundo inteiro. Que significa o título desse livro? Ao
falar de “plano” a autora se refere unicamente ao tipo de planeja-
36
Ludwig von Mises
mento concebido por Lenin, Stálin e seus sucessores, o tipo que
determina todas as atividades de todo o povo de uma nação. Por
conseguinte, essa senhora só leva em conta o planejamento central, que exclui todos os planos pessoais que os indivíduos possam
ter. Assim sendo, seu título, Plan or no Plan, revela-se um logro,
uma burla: a alternativa não está em plano central versus nenhum
plano. Na verdade, a escolha está entre o planejamento total feito
por uma autoridade governamental central e a liberdade de cada
indivíduo para traçar os próprios planos, fazer o próprio planejamento. O indivíduo planeja sua vida todos os dias, alterando seus
planos diários sempre que queira.
O homem livre planeja diariamente, segundo suas necessidades. Dizia, ontem, por exemplo: “Planejo trabalhar pelo resto dos
meus dias em Córdoba.” Agora, informado de que as condições
em Buenos Aires estão melhores, muda seus planos e diz: “Em vez
de trabalhar em Córdoba, quero ir para Buenos Aires.” É isso que
significa liberdade. Pode ser que ele esteja enganado, pode ser que
essa ida para Buenos Aires se revele um erro. Talvez as condições
lhe tivessem sido mais propicias em Córdoba, mas ele foi o autor
dos próprios planos.
Submetido ao planejamento governamental, o homem é como
um soldado num exército. Não cabe a um soldado o direito de escolher sua guarnição, a praça onde servirá. Cabe-lhe cumprir ordens.
E o sistema socialista – como o sabiam e admitiam Karl Marx, Lenin e todos os líderes socialistas – consiste na transposição do regime militar a todo o sistema de produção. Marx falou de “exércitos
industriais” e Lenin impôs “a organização de tudo – o correio, as
manufaturas e os demais ramos industriais – segundo o modelo do
exército”. Portanto, no sistema socialista, tudo depende da sabedoria, dos talentos e dos dons daqueles que constituem a autoridade
suprema. O que o ditador supremo – ou seu comitê – não sabe, não
é levado em conta. Mas o conhecimento acumulado pela humanidade em sua longa história não é algo que uma só pessoa possa deter.
Acumulamos, ao longo dos séculos, um volume tão incomensurável
de conhecimentos científicos e tecnológicos, que se torna humanamente impossível a um indivíduo o domínio de todo esse cabedal,
por extremamente bem-dotado que ele seja.
Segunda Lição
37
Acresce que os homens são diferentes, desiguais. E sempre o
serão. Alguns são mais dotados em determinado aspecto, menos
em outro. E há os que têm o dom de descobrir novos caminhos,
de mudar os rumos do conhecimento. Nas sociedades capitalistas, o progresso tecnológico e econômico é promovido por esses homens. Quando alguém tem uma ideia, procura encontrar
algumas outras pessoas argutas o suficiente para perceberem o
valor de seu achado. Alguns capitalistas que ousam perscrutar o
futuro, que se dão conta das possíveis consequências dessa ideia,
começarão a pô-la em prática. Outros, a princípio, poderão dizer: “são uns loucos”, mas deixarão de dizê-lo quando constatarem que o empreendimento que qualificavam de absurdo ou
loucura está florescendo, e que toda gente está feliz por comprar
seus produtos.
No sistema marxista, por outro lado, o corpo governamental
supremo deve primeiro ser convencido do valor de uma ideia
antes que ela possa ser levada adiante. Isso pode ser algo muito
difícil, uma vez que o grupo detentor do comando – ou o ditador
supremo em pessoa – tem o poder de decidir. E se essas pessoas
– por razões de indolência, senilidade, falta de inteligência ou
de instrução – forem incapazes de compreender o significado da
nova ideia, o novo projeto não será executado. Podemos evocar
exemplos da história militar. Napoleão era indubitavelmente
um gênio em questões militares; não obstante, viu-se certa feita
diante de um grave problema. Sua incapacidade para resolvê-lo
culminou na sua derrota e no subsequente exílio na solidão de
Santa Helena. O problema de Napoleão podia-se resumir a uma
pergunta: “Como conquistar a Inglaterra?”. Para fazê-lo, precisava de uma esquadra capaz de cruzar o canal da Mancha. Houve,
então, pessoas que lhe garantiram conhecer um meio seguro de
levar a cabo aquela travessia; estas pessoas, numa época de embarcações a vela, traziam a nova ideia de barcos movidos a vapor.
Mas Napoleão não compreendeu sua proposta.
Depois, houve o famoso Generalstab da Alemanha. Antes da
Primeira Guerra Mundial, o estado-maior alemão era universalmente considerado insuperável em ciência militar. Reputação análoga tinha o estado-maior do general Foch, na França. Mas nem os
38
Ludwig von Mises
alemães nem os franceses – que, sob o comando do general Foch,
derrotaram posteriormente os alemães – perceberam a importância
da aviação para fins militares. O estado-maior alemão declarava: “A
aviação é um mero divertimento; voar é bom para os desocupados.
Do ponto de vista militar, só zepelins têm importância”. E os franceses eram da mesma opinião.
Mais tarde, no intervalo entre as duas Guerras Mundiais, nos
Estados Unidos, um general se convenceu de que a aviação seria de
extrema importância na guerra que se aproximava. Mas todos os
peritos do país pensavam o contrário. Ele não conseguiu convencêlos. Sempre que tentamos convencer um grupo de pessoas que não
depende diretamente da solução de um problema, o fracasso é certo.
Isso se aplica também aos problemas não econômicos.
Muitos pintores, poetas, escritores e compositores já se queixaram de que o público não reconhecia sua obra, o que os obrigava a
permanecerem na pobreza. Não há dúvida de que o público pode
ter julgado mal; mas, quando promulgam que “o governo deve
subsidiar os grandes artistas, pintores e escritores”, esses artistas
estão completamente errados. A quem deveria o governo confiar
a tarefa de decidir se determinado estreante é ou não, de fato, um
grande pintor? Teria de se valer da apreciação dos críticos e dos
professores de história da arte, que, sempre voltados para o passado, até hoje deram raras mostras de talento no que tange à descoberta de novos gênios. Essa é a grande diferença entre um sistema
de “planejamento” e um sistema em que é dado a cada um planejar
e agir por conta própria.
É verdade, obviamente, que grandes pintores e grandes escritores suportaram, muitas vezes, situações de extrema penúria. Podem
ter tido êxito em sua arte, mas nem sempre em ganhar dinheiro.
Van Gogh foi por certo um grande pintor. Teve de sofrer agruras
insuportáveis e acabou por se suicidar, aos 37 anos de idade. Em
toda a sua existência, vendeu apenas uma tela, comprada por um
primo. Afora essa única venda, viveu do dinheiro do irmão, que,
apesar de não ser artista nem pintor, compreendia as necessidades
de um pintor. Hoje, não se compra um Van Gogh por menos de cem
ou duzentos mil dólares.
Segunda Lição
39
No sistema socialista, o destino de Van Gogh poderia ter sido
diverso. Algum funcionário do governo teria perguntado a alguns
pintores famosos (a quem Van Gogh seguramente nem sequer teria
considerado artistas) se aquele jovem, um tanto louco, ou completamente louco, era de fato um pintor que valesse a pena subsidiar.
E com toda certeza eles teriam respondido: “Não, não é um pintor;
não é um artista; não passa de uma criatura que desperdiça tinta”, e
o teriam enviado a trabalhar numa indústria de laticínios, ou para
um hospício. Todo esse entusiasmo pelo socialismo manifestado
pelas novas gerações de pintores, poetas, músicos, jornalistas, atores, baseia-se, portanto, numa ilusão.
Refiro-me a isso porque esses grupos estão entre os mais fanáticos defensores da concepção socialista. Quando se trata de escolher entre o socialismo e o capitalismo como sistema econômico, o problema é um tanto diferente. Os teóricos do socialismo
jamais suspeitaram que a indústria moderna – juntamente com
todos os processos do moderno mundo dos negócios – se basearia
no cálculo. Os engenheiros não são, de maneira alguma, os únicos a planejarem com base em cálculos; também os empresários
são obrigados a fazê-lo. E os cálculos do homem de negócios se
baseiam todos no fato de que, na economia de mercado, os preços em dinheiro dos bens não só informam o consumidor, como
fornecem ao negociante informações de importância vital sobre
os fatores de produção, porquanto o mercado tem por função primordial determinar não só o custo da última parte do processo de
produção, mas também o dos passos intermediários. O sistema
de mercado é indissociável do fato de que há uma divisão mentalmente calculada do trabalho entre os vários empresários que
disputam entre si os fatores de produção – as matérias-primas, as
máquinas, os instrumentos – e o fator humano de produção, ou
seja, os salários pagos à mão-de-obra. Esse tipo de cálculo que
o empresário realiza não pode ser feito se ele não tem os preços
fornecidos pelo mercado.
No instante mesmo em que se abolir o mercado – e é o que
os socialistas gostariam de fazer – ficariam inutilizados todos os
cômputos e cálculos feitos pelos engenheiros e tecnólogos. Os
tecnólogos podem continuar fornecendo grande número de pro-
40
Ludwig von Mises
jetos que, do ponto de vista das ciências naturais, podem ser todos
igualmente exequíveis, mas são os cálculos baseados no mercado
– realizados pelo homem de negócios – que são indispensáveis
para se determinar qual desses projetos é o mais vantajoso do
ponto de vista econômico.
O problema de que estou tratando é a questão fundamental do
cálculo econômico capitalista em contraposição ao que se passa no
socialismo. O fato é que o cálculo econômico – e por conseguinte todo planejamento tecnológico – só é possível quando existem
preços em dinheiro, não só para bens de consumo, como para os
fatores de produção. Isso significa que é preciso haver um mercado para todas as matérias-primas, todos os artigos semi-acabados,
todos os instrumentos e máquinas, e todos os tipos de trabalho e de
serviço humanos. Quando se descobriu esse fato, os socialistas não
souberam reagir adequadamente. Por 150 anos tinham afirmado:
“Todos os males do mundo advêm da existência de mercados e de
preços de mercado. Queremos abolir o mercado e, com ele, é claro,
a economia de mercado, substituindo-a por um sistema sem preços
e sem mercados”. Queriam abolir o que Marx chamou de “caráter
de mercadoria” das mercadorias e do trabalho.
Confrontados com esse novo problema, os teóricos do socialismo, sem resposta, acabaram por concluir: “não aboliremos o mercado por completo; faremos de conta que existe um mercado, como
as crianças, quando brincam de escolinha.” A questão é que, todos
sabem, as crianças quando brincam de escolinha não aprendem coisa
alguma. É só uma brincadeira, uma simulação, e se pode “simular” muitas coisas. Este é um problema muito difícil e complexo, e
para analisá-lo em toda a sua amplitude seria necessário um pouco
mais de tempo do que o que tenho aqui. Explanei-o em detalhes
em meus escritos. Em seis palestras, não posso empreender uma
análise de todos os seus aspectos. Assim sendo, quero sugerir-lhes,
caso estejam interessados no problema básico de impossibilidade
do cálculo e do planejamento no socialismo, a leitura de meu livro
Ação Humana, encontrável em espanhol em excelente tradução.
Mas leiam também outros livros, como o do economista norueguês Trygue Hoff, que escreveu sobre o cálculo econômico. E,
Segunda Lição
41
se não quiserem ser unilaterais, recomendo a leitura do livro socialista mais respeitado sobre o assunto, da autoria do eminente
economista polonês Oscar Lange, que foi por algum tempo professor numa universidade americana, tornou-se depois embaixador
da Polônia, voltando, posteriormente, para o seu país. Provavelmente me perguntarão: “E a Rússia? Como enfrentam os russos
esse problema?” Nesse caso, a questão muda de figura. Os russos gerem seu sistema socialista no âmbito de um mundo em que
existem preços para todos os fatores de produção, para todas as
matérias-primas, para tudo. Por conseguinte, podem utilizar, em
seu planejamento, os preços do mercado mundial. E, visto que
há certas diferenças entre as condições reinantes na Rússia e as
reinantes nos Estados Unidos, frequentemente o resultado é que,
para os russos, parece justificável e aconselhável – de seu ponto
de vista econômico – algo que, para os americanos, absolutamente
não se justificaria economicamente.
A “experiência soviética” – ou “experimento”, como foi chamada – não prova coisa alguma. Nada revela sobre o problema
fundamental do socialismo, o problema do cálculo. Mas teríamos
razões para caracterizá-la como “experiência”? Não creio que, no
campo da ação humana e da economia, possamos ter algo que se
assemelhe a um experimento científico. Não se pode fazer experimentos de laboratório no campo da ação humana, porque um experimento científico requer a réplica de um mesmo procedimento
sob diversas condições, ou a manutenção das mesmas condições
acompanhada da criação de talvez um único fator. Por exemplo, se
injetarmos num animal canceroso um medicamento experimental, o resultado pode ser o desaparecimento do câncer. Poderemos
testar isso com vários animais da mesma raça, portadores da mesma doença. Se tratarmos parte deles com o novo método e não
tratarmos outros, poderemos comparar os resultados. Ora, nada
disso é viável no campo da ação humana. Não há experimentos de
laboratório nesse plano.
A chamada “experiência” soviética mostra tão somente que o padrão de vida na Rússia Soviética é incomparavelmente inferior ao
padrão alcançado pelo país mundialmente reputado o paradigma do
capitalismo: os Estados Unidos.
42
Ludwig von Mises
Se dissermos isto a um socialista, ele certamente contestará: “As
coisas na Rússia estão correndo maravilhosamente bem.” E nós responderemos: “Podem estar maravilhosas, mas o padrão de vida é,
em média, muito baixo.” Então ele retrucará: “Sim, mas lembre o
quanto os russos sofreram com os czares, e a terrível guerra que
tivemos de enfrentar.”
Não quero discutir se esta é ou não uma explicação correta, mas
quando se nega que as condições tenham sido as mesmas, nega-se ao
mesmo tempo que tenha havido uma experiência. O que se deveria
afirmar – e seria muito mais correto – é: “O socialismo na Rússia
não ocasionou, em média, uma melhoria das condições do homem
comparável à melhoria de condições verificada, no mesmo período,
nos Estados Unidos.”
Nos Estados Unidos, quase toda semana tem-se notícia de
um novo invento, de um aperfeiçoamento. Muitos aperfeiçoamentos foram gerados no mundo empresarial, porque milhares e
milhares de industriais estão empenhados, noite e dia, em descobrir algum novo produto que satisfaça o consumidor, ou seja de
produção menos dispendiosa, ou seja melhor e menos oneroso
que os produtos já existentes. Não é o altruísmo que os move;
é seu desejo de ganhar dinheiro. E o efeito foi que o padrão de
vida se elevou, nos Estados Unidos, a níveis quase miraculosos
quando confrontados às condições reinantes há cinquenta ou
cem anos atrás. Mas na Rússia Soviética, onde esse sistema não
vigora, não se verifica um desenvolvimento comparável. Assim,
os que nos recomendam a adoção do sistema soviético estão inteiramente equivocados.
Há mais uma coisa a ser mencionada. O consumidor americano, o indivíduo, é tanto um comprador como um patrão. Ao
sair de uma loja nos Estados Unidos, é comum vermos um cartaz
com os seguintes dizeres: “Gratos pela preferência. Volte sempre”. Mas ao entrarmos numa loja de um país totalitário – seja a
Rússia de hoje, seja a Alemanha de Hitler –, o gerente nos dirá:
“Agradeça ao grande líder, que lhe está proporcionando isso.”
Nos países socialistas, ao invés de ser o vendedor, é o comprador
Segunda Lição
43
que deve ficar agradecido. Não é o cidadão quem manda; quem
manda é o Comitê Central, o Gabinete Central. Estes comitês, os
líderes, os ditadores, são supremos; ao povo cabe simplesmente
obedecer-lhes.
caPítulo iii
terceira lição
1
o intervencioniSmo
Diz uma frase famosa, muito citada: “O melhor governo é o que
menos governa”. Esta não me parece uma caracterização adequada
das funções de um bom governo. Compete a ele fazer todas as coisas para as quais ele é necessário e para as quais foi instituído. Tem
o dever de proteger as pessoas dentro do país contra as investidas
violentas e fraudulentas de bandidos, bem como de defender o país
contra inimigos externos. São estas as funções do governo num
sistema livre, no sistema da economia de mercado.
No socialismo, obviamente, o governo é totalitário, nada escapando à sua esfera e sua jurisdição. Mas na economia de mercado, a principal incumbência do governo é proteger o funcionamento harmônico
desta economia contra a fraude ou a violência originadas dentro ou
fora do país. Os que discordam desta definição das funções do governo poderão dizer: “Este homem abomina o governo”. Nada poderia
estar mais longe da verdade. Se digo que a gasolina é um líquido de
grande serventia, útil para muitos propósitos, mas que, não obstante,
eu não a beberia, por não me parecer esse o uso próprio para o produto,
não me converto por isso num inimigo da gasolina, nem se poderia
dizer que odeio a gasolina. Digo apenas que ela é muito útil para determinados fins, mas inadequada para outros. Se digo que é dever do
governo prender assassinos e demais criminosos, mas que não é seu
dever abrir estradas ou gastar dinheiro em inutilidades, não quer dizer que eu odeie o governo apenas por afirmar que ele está qualificado
para fazer determinadas coisas, mas não o está para outras.
Já se disse que, nas condições atuais, não temos mais uma economia de mercado livre. O que temos nas condições presentes é algo
46
Ludwig von Mises
a que se dá o nome de “economia mista”. E como provas da efetividade dessa nossa “economia mista”, apontam-se as muitas empresas de que o governo é proprietário e gestor. A economia é mista,
diz-se, porque, em muitos países, determinadas instituições – como
as companhias de telefone e telégrafo, as estradas de ferro – são de
posse do governo e administradas por ele. Não há dúvida de que
algumas dessas instituições e empresas são geridas pelo governo.
Mas esse fato não é suficiente para alterar o caráter do nosso sistema econômico. Nem sequer significa que se tenha instalado um
“pequeno socialismo” no âmago do que seria – não fosse a intrusão
dessas empresas de gestão governamental – a economia de mercado
livre e não socialista. Isto porque o governo, ao dirigir essas empresas, está subordinado à supremacia do mercado, o que significa que
está subordinado à supremacia dos consumidores.
Ao administrar, digamos, o correio ou as estradas de ferro, ele é
obrigado a contratar pessoal para trabalhar nessas empresas. Precisa também comprar as matérias-primas e os demais produtos
necessários à operação das mesmas. E, por outro lado, o governo
“vende” esses serviços e mercadorias para o público. Todavia, embora administre essas instituições utilizando os métodos do sistema
econômico livre, o resultado, via de regra, é um déficit. O governo,
contudo, tem condições de financiar esse déficit – pelo menos é esta
a firme convicção não só dos seus integrantes como também dos que
se ligam ao partido no poder.
A situação do indivíduo é bem diversa. Sua capacidade de gerir
um empreendimento deficitário é muito restrita. Se o déficit não
for logo eliminado, e se a empresa não se tomar lucrativa (ou pelo
menos dar mostras de que não está incorrendo em déficits ou prejuízos adicionais), o indivíduo vai à falência e a empresa acaba. Já
o governo goza de condições diferentes. Pode ir em frente com um
déficit, porque tem o poder de impor tributos à população. E se os
contribuintes se dispuserem a pagar impostos mais elevados para
permitir ao governo administrar uma empresa deficitária – isto é,
administrar com menos eficiência do que o faria uma instituição
privada –, ou seja, se o público tolerar esse prejuízo, então obviamente a empresa se manterá em atividade. Nos últimos anos,
Terceira Lição
47
na maioria dos países, procedeu-se à estatização de um número
crescente de instituições e empresas, a tal ponto que os déficits
cresceram muito além do montante possível de ser arrecadado dos
cidadãos através de impostos. O que acontece nesse caso não é o
tema da palestra de hoje. A consequência é a inflação, assunto que
devo abordar amanhã. Mencionei isso apenas porque a economia
mista não deve ser confundida com o problema do intervencionismo, sobre o qual quero falar esta noite.
Que é o intervencionismo? O intervencionismo significa a nãorestrição, por parte do governo, de sua atividade, em relação à preservação da ordem, ou – como se costumava dizer cem anos atrás
– em relação à “produção da segurança”. O intervencionismo revela
um governo desejoso de fazer mais. Desejoso de interferir nos fenômenos de mercado. Alguém que discorde, afirmando que o governo não deveria intervir nos negócios, poderá ouvir, com muita
frequência, a seguinte resposta: “Mas o governo sempre interfere,
necessariamente. Se há policiais nas ruas, o governo está interferindo. Interfere quando um assaltante rouba uma loja ou quando
evita que alguém furte um automóvel”. Mas quando falamos de
intervencionismo, e definimos o significado do termo, referimo-nos
à interferência governamental no mercado. (Que o governo e a polícia se encarreguem de proteger os cidadãos, e entre eles os homens
de negócio e, evidentemente, seus empregados, contra ataques de
bandidos nacionais ou do exterior, é efetivamente uma expectativa
normal e necessária, algo a se esperar de qualquer governo. Essa
proteção não constitui uma intervenção, pois a única função legítima do governo é, precisamente, produzir segurança.) Quando falamos de intervencionismo, referimo-nos ao desejo que experimenta
o governo de fazer mais que impedir assaltos e fraudes. O intervencionismo significa que o governo não somente fracassa em proteger o funcionamento harmonioso da economia de mercado, como
também interfere em vários fenômenos de mercado: interfere nos
preços, nos padrões salariais, nas taxas de juro e de lucro.
O governo quer interferir com a finalidade de obrigar os homens de negócio a conduzir suas atividades de maneira diversa
da que escolheriam caso tivessem de obedecer apenas aos consu-
48
Ludwig von Mises
midores. Assim, todas as medidas de intervencionismo governamental têm por objetivo restringir a supremacia do consumidor.
O governo quer arrogar a si mesmo o poder – ou pelo menos
parte do poder – que, na economia de mercado livre, pertence aos
consumidores. Consideremos um exemplo de intervencionismo
bastante conhecido em muitos países e experimentado, vezes
sem conta, por inúmeros governos, especialmente em tempos de
inflação. Refiro-me ao controle de preços. Em geral, os governos
recorrem ao controle de preços depois de terem inflacionado a
oferta de moeda e de a população ter começado a se queixar do
decorrente aumento dos preços. Há muitos e famosos exemplos
históricos do fracasso de métodos de controle dos preços, mas
mencionarei apenas dois, porque em ambos os governos foram,
de fato, extremamente enérgicos ao impor, ou tentar impor, seus
controles de preço.
O primeiro exemplo famoso é o caso do imperador romano
Diocleciano, notório como o último imperador romano a perseguir os cristãos. Na segunda metade do século III, os imperadores romanos dispunham de um único método financeiro: desvalorizar a moeda corrente por meio de sua adulteração. Nessa
época primitiva, anterior à invenção da máquina impressora, até
a inflação era, por assim dizer, primitiva. Envolvia o enfraquecimento do teor da liga metálica com que se cunhavam as moedas,
especialmente as de prata. O governo misturava à prata quantidades cada vez maiores de cobre, até que a cor das moedas se
alterou e o peso se reduziu consideravelmente. A consequência
dessa adulteração das moedas e do aumento associado da quantidade de dinheiro em circulação foi uma alta dos preços, seguida
de um decreto destinado a controlá-los. E os imperadores romanos não primavam pela moderação no fazer cumprir suas leis: a
morte não lhes parecia uma punição demasiado severa para quem
ousasse cobrar preços mais elevados que os estipulados. Conseguiram impor o controle de preços, mas foram incapazes de
preservar a sociedade. A consequência foi a desintegração do
Império Romano e do sistema da divisão do trabalho.
Quinze séculos mais tarde, a mesma adulteração do dinheiro teve lugar durante a Revolução Francesa. Mas desta vez uti-
Terceira Lição
49
lizou-se um método diferente. A tecnologia para a produção de
dinheiro fora consideravelmente aperfeiçoada. Os franceses já
não precisavam recorrer à adulteração da liga metálica empregada
na cunhagem das moedas: tinham a máquina impressora. E esta
era extremamente eficiente. Mais uma vez, o resultado foi uma
elevação dos preços sem precedentes. Mas na Revolução Francesa os preços máximos não foram garantidos através do mesmo
método de aplicação da pena capital de que lançara mão o imperador Diocleciano. Produzira-se um aperfeiçoamento também na
técnica de matar cidadãos. Todos se lembram do famoso doutor
J. I. Guillotin (1738-1814), o inventor da guilhotina. No entanto,
apesar da guilhotina, os franceses também fracassaram com suas
leis de preço máximo. Quando chegou a vez de Robespierre ser
conduzido numa carroça rumo à guilhotina, o povo gritava: “Lá
vai o bandido-mor!”. Se menciono este fato é porque é comum
ouvir: “O que é preciso para dar eficácia e eficiência ao controle
de preços é apenas maior implacabilidade e maior energia”. Ora,
Diocleciano foi indubitavelmente implacável, como também o foi
a Revolução Francesa. Não obstante, as medidas de controle de
preço fracassaram por completo em ambos os casos.
Analisemos agora as razões desse fracasso. O governo ouve as
queixas do povo de que o preço do leite subiu. E o leite é, sem
dúvida, muito importante, sobretudo para a geração em crescimento, para as crianças. Por conseguinte, estabelece um preço máximo
para esse produto, preço máximo que é inferior ao que seria o preço
potencial de mercado. Então o governo diz: “Estamos certos de que
fizemos tudo o que era preciso para permitir aos pobres a compra de
todo o leite de que necessitam para alimentar os filhos”.
Mas que acontece? Por um lado, o menor preço do leite provoca
o aumento da demanda do produto; pessoas que não tinham meios
de comprá-lo a um preço mais alto, podem agora fazê-lo ao preço
reduzido por decreto oficial. Por outro lado, parte dos produtores
de leite, aqueles que estão produzindo a custos mais elevados – isto
é, os produtores marginais – começam a sofrer prejuízos, visto que o
preço decretado pelo governo é inferior aos custos do produto. Este
é o ponto crucial na economia de mercado. O empresário privado, o
produtor privado, não pode sofrer prejuízo no cômputo final de suas
50
Ludwig von Mises
atividades. E como não pode ter prejuízos com o leite, restringe a
venda deste produto para o mercado. Pode vender algumas de suas
vacas para o matadouro; pode também, em vez de leite, fabricar e
vender derivados do produto, como coalhada, manteiga ou queijo.
A interferência do governo no preço do leite redunda, pois,
em menor quantidade do produto do que a que havia antes, redução que é concomitante a uma ampliação da demanda. Algumas
pessoas dispostas a pagar o preço decretado pelo governo não
conseguirão comprar leite. Outro efeito é a precipitação de pessoas ansiosas por chegarem em primeiro lugar às lojas. São obrigadas a esperar do lado de fora. As longas filas diante das lojas
parecem sempre um fenômeno corriqueiro numa cidade em que
o governo tenha decretado preços máximos para as mercadorias
que lhe pareciam importantes.
Foi o que se passou em todos os lugares onde o preço do leite
foi controlado. Por outro lado, isso foi sempre prognosticado pelos economistas – obviamente apenas pelos economistas sensatos,
que, aliás, não são muito numerosos. Mas qual é a consequência do
controle governamental de preços? O governo se frustra. Pretendia
aumentar a satisfação dos consumidores de leite, mas na verdade,
descontentou-os. Antes de sua interferência, o leite era caro, mas
era possível comprá-lo. Agora a quantidade disponível é insuficiente. Com isso, o consumo total se reduz. As crianças passam a tomar
menos leite, e chegam a não mais tomá-lo. A medida a que o governo recorre em seguida é o racionamento. Mas racionamento significa tão somente que algumas pessoas são privilegiadas e conseguem
obter leite, enquanto outras ficam sem nenhum. Quem obtém e
quem não obtém é obviamente algo sempre determinado de forma
muito arbitrária. Pode ser estipulado, por exemplo, que crianças
com menos de quatro anos de idade devem tomar leite, e aquelas
com mais de quatro, ou entre quatro e seis, devem receber apenas a
metade da ração a que as menores fazem jus.
Faça o governo o que fizer, permanece o fato de que só há
disponível uma menor quantidade de leite. Consequentemente,
a população está ainda mais insatisfeita que antes. O governo
Terceira Lição
51
pergunta, então, aos produtores de leite (porque não tem imaginação suficiente para descobrir por si mesmo): “Por que não
produzem a mesma quantidade que antes?”. Obtém a resposta:
“É impossível, uma vez que os custos de produção são superiores ao preço máximo fixado pelo governo”. As autoridades se
põem em seguida a estudar os custos dos vários fatores de produção, vindo a descobrir que um deles é a ração. “Pois bem”,
diz o governo, “o mesmo controle que impusemos ao leite, vamos aplicar agora à ração. Determinaremos um preço máximo
para ela e os produtores de leite poderão alimentar seu gado
a preços mais baixos, com menor dispêndio. Com isto, tudo
se resolverá: os produtores de leite terão condições de produzir em maior quantidade e venderão mais.” Que acontece nesse
caso? Repete-se, com a ração, a mesma história acontecida com
o leite, e, como é fácil depreender, pelas mesmíssimas razões. A
produção de ração diminui e as autoridades se veem novamente
diante de um dilema.
Nessas circunstâncias, providenciam novos interlocutores, no
intuito de descobrir o que há de errado com a produção de ração.
E recebem dos produtores de ração uma explicação idêntica à
que lhes fora fornecida pelos produtores de leite. De sorte que
o governo é compelido a dar um outro passo, já que não quer
abrir mão do princípio do controle de preços. Determina preços
máximos para os bens de produção necessários à produção de
ração. E a mesma história, mais uma vez, se desenrola. Assim,
o governo começa a controlar não mais apenas o leite, mas também os ovos, a carne e outros artigos essenciais. E todas as vezes
alcança o mesmo resultado, por toda parte a consequência é a
mesma. A partir do momento em que fixa preços máximos para
bens de consumo, vê-se obrigado a recuar no sentido dos bens de
produção, e a limitar os preços dos bens de produção necessários
à elaboração daqueles bens de consumo com preços tabelados. E
assim o governo, que começara com o controle de alguns poucos
fatores, recua cada vez mais em direção à base do processo produtivo, fixando preços máximos para todas as modalidades de bens
de produção, incluindo-se ai, evidentemente, o preço da mão-deobra, pois, sem controle salarial, o “controle de custos” efetuado
pelo governo seria um contra-senso.
52
Ludwig von Mises
Ademais, o governo não tem como limitar sua interferência no
mercado apenas ao que se lhe afigura como bem de primeira necessidade: leite, manteiga, ovos e carne. Precisa necessariamente
incluir os bens de luxo, porquanto, se não limitasse seus preços, o
capital e a mão-de-obra abandonariam a produção dos artigos de
primeira necessidade e acorreriam à produção dessas mercadorias
que o governo reputa supérfluas. Portanto, a interferência isolada
no preço de um ou outro bem de consumo sempre gera efeitos – e
é fundamental compreendê-lo – ainda menos satisfatórios que as
condições que prevaleciam anteriormente: antes da interferência, o
leite e os ovos são caros; depois, começam a sumir do mercado.
O governo considerava esses artigos tão importantes que interferiu; queria torná-los mais abundantes, ampliar sua oferta. O resultado foi o contrário: a interferência isolada deu origem a uma situação
que – do ponto de vista do governo – é ainda mais indesejável que
a anterior, que se pretendia alterar. E o governo acabará por chegar
a um ponto em que todos os preços, padrões salariais, taxas de juro,
em suma, tudo o que compõe o conjunto do sistema econômico, é
determinado por ele. E isso, obviamente, é socialismo.
O que lhes apresentei aqui, nesta explanação esquemática e teórica, foi precisamente o que ocorreu nos países que tentaram impor
preços máximos, países cujos governos foram teimosos o bastante
para avançarem passo a passo até a própria derrocada. Foi o que
aconteceu, na Primeira Guerra Mundial, com a Alemanha e a Inglaterra. Analisemos a situação que existia nos dois países. Ambos experimentavam a inflação. Como os preços subiam, os dois
governos impuseram controles sobre eles. Tendo começado com
apenas alguns preços, nada mais que leite e ovos, foram forçados a
avançar cada vez mais. Mais a guerra se prolongava, maior se tornava a inflação. E após três anos de guerra, os alemães – de maneira
sistemática, como é de seu estilo – elaboraram um grande plano.
Chamaram-no Plano Hindenburg (naquela época, tudo na Alemanha que parecia bom ao governo era batizado de Hindenburg).
O Plano Hindenburg estabelecia o controle governamental sobre todo o sistema econômico do país: preços, salários, lucros..., tudo.
Terceira Lição
53
E a burocracia tratou imediatamente de pôr em prática este plano.
Mas, antes de concluí-lo, veio a derrocada: o Império Alemão desintegrou-se, o aparelho burocrático esfacelou-se, a revolução produziu
seus efeitos terríveis – tudo chegou ao fim. Os fatos, na Inglaterra,
inicialmente ocorreram dessa mesma maneira, mas, depois de algum
tempo, na primavera de 1917, os Estados Unidos entraram na guerra e abasteceram os ingleses com quantidades suficientes de tudo.
Dessa forma, o caminho do socialismo, o caminho da servidão, foi
obstado. Antes da ascensão de Hitler ao poder, o controle de preços
foi mais uma vez introduzido na Alemanha pelo chanceler Brüning,
pelas razões de costume. O próprio Hitler aplicou-o antes mesmo do
início da guerra: na Alemanha de Hitler não havia empresa privada
ou iniciativa privada. Na Alemanha de Hitler havia um sistema de
socialismo que só diferia do sistema russo na medida em que ainda
eram mantidos a terminologia e os rótulos do sistema de livre economia.
Ainda existiam “empresas privadas”, como eram denominadas. Mas
o proprietário já não era um empresário; chamavam-no “gerente” ou
“chefe” de negócios (Betriebsführer).
Todo o país foi organizado numa hierarquia de führers; havia o
Führer supremo, obviamente Hitler, e em seguida uma longa sucessão
de führers, em ordem decrescente, até os führers do último escalão. E,
assim, o dirigente de uma empresa era o Betriebsführer. O conjunto de
seus empregados, os trabalhadores da empresa, era chamado por uma
palavra que, na Idade Média, designara o séquito de um senhor feudal: o Gefolgschaft. E toda essa gente tinha de obedecer às ordens expedidas por uma instituição que ostentava o nome assustadoramente
longo de Reichsführerwirtschaftsministerium (Ministério da Economia
do Império), a cuja frente estava o conhecido gorducho Goering, enfeitado de joias e medalhas. E era desse corpo de ministros de nome
tão comprido que emanavam todas as ordens para todas as empresas:
o que produzir, em que quantidade, onde comprar matérias-primas
e quanto pagar por elas, a quem vender os produtos e a que preço.
Os trabalhadores eram designados para determinadas fábricas e recebiam salários decretados pelo governo. Todo o sistema econômico era
agora regulado, em seus mínimos detalhes, pelo governo.
O Betriebsführer não tinha o direito de se apossar dos lucros; recebia o equivalente a um salário e, se quisesse receber uma soma
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Ludwig von Mises
maior, diria, por exemplo: “Estou muito doente, preciso me submeter a uma operação imediatamente, e isso custará quinhentos
marcos”. Nesse caso, era obrigado a consultar o führers do distrito
(o Gauführer ou Gauleiter), que o autorizaria – ou não – a fazer uma
retirada superior ao salário que lhe era destinado. Os preços já não
eram preços, os salários já não eram salários – não passavam de expressões quantitativas num sistema de socialismo.
Permitam-me agora contar-lhes como esse sistema entrou em
colapso. Um dia, após anos de combate, os exércitos estrangeiros
chegaram à Alemanha. Procuraram conservar esse sistema econômico de direção governamental; mas para isso teria sido necessária
a brutalidade de Hitler. Sem ela, o sistema não funcionou. Enquanto isso acontecia na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial,
a Grã-Bretanha fazia exatamente a mesma coisa: a partir do controle do preço de algumas mercadorias, o governo britânico começou,
passo a passo (assim como Hitler procedera em tempo de paz, antes
mesmo de deflagrada a guerra), a controlar cada vez mais a economia, até que, por ocasião do término da guerra, tinham chegado a
algo muito próximo do puro socialismo.
A Grã-Bretanha não foi conduzida ao socialismo pelo governo
do Partido Trabalhista, estabelecido em 1945. Ela se tornou socialista durante a guerra, ao longo do governo que tinha à frente, como
primeiro-ministro, Sir Winston Churchill. O governo trabalhista
simplesmente manteve o sistema de socialismo já introduzido pelo
governo de Sir Winston Churchill. E isso a despeito da grande resistência do povo. As estatizações efetuadas na Grã-Bretanha não tiveram grande significado. A estatização do Banco da Inglaterra foi
inócua visto que essa instituição financeira já estava sob completo
controle governamental. E o mesmo se deu com a estatização das estradas de ferro e da indústria do aço. O “socialismo de guerra”, como
era chamado – denotando o sistema de intervencionismo implantando passo a passo – já estatizara praticamente todo o sistema.
A diferença entre o sistema alemão e o britânico não foi significativa, porquanto seus gestores tinham sido designados pelo
governo e, em ambos os casos, eram obrigados a cumprir as or-
Terceira Lição
55
dens do governo em todos os detalhes. Como eu disse antes, o
sistema dos nazistas alemães conservou os rótulos e termos da
economia capitalista de livre mercado. Mas essas expressões adquiriram um significado muito diverso: já não passavam agora
de decretos governamentais.
Isto também se aplica ao sistema britânico. Quando o Partido
Conservador foi reconduzido ao poder, alguns desses controles foram
suprimidos. Temos hoje na Grã-Bretanha tentativas, por um lado, de
conservar os controles e, por outro, de aboli-los (mas não se deve esquecer que as condições existentes na Inglaterra são muito diferentes
das que prevalecem na Rússia). O mesmo se passou em outros países que, por dependerem da importação de alimentos e de matériasprimas, foram obrigados a exportar bens manufaturados. Em países
profundamente dependente do comércio de exportações, um sistema
de controle governamental simplesmente não funciona.
Asim, a subsistência de alguma liberdade econômica (e ainda
existe uma substancial liberdade em países como a Noruega, a
Inglaterra, a Suécia) é fruto da necessidade de preservar o comércio
de exportação. Aliás, se escolhi anteriormente o exemplo do leite, não foi por ter alguma predileção especial pelo produto, mas
porque praticamente todos os governos – ou sua grande maioria
– regulamentaram, nas últimas décadas, os preços do leite, dos
ovos ou da manteiga.
Quero lembrar, em poucas palavras, um outro exemplo, o do controle do aluguel. Uma das consequências do controle dos aluguéis
por parte do governo é que pessoas que teriam – por causa de alterações na situação familiar – de mudar de apartamentos maiores
para outros menores, já não o fazem. Considere-se, por exemplo,
um casal cujos filhos saíram de casa em outras cidades. Casais como
este tendiam a se mudar, passando a habitar apartamentos menores
e mais baratos. Com a imposição do controle sobre os aluguéis, essa
necessidade desaparece.
Em Viena, no começo da década de 20, o controle do aluguel
estava firmemente estabelecido. Assim, a quantia que um locador
56
Ludwig von Mises
recebia por um apartamento de dimensões médias, submetido a
controle de aluguel, não excedia o dobro do preço de uma passagem de bonde – sistema de transporte pertencente à municipalidade. Pode-se imaginar que não se tinha incentivo algum para mudar de apartamento. E, por outro lado, não se construíam novas
casas. Condições semelhantes prevaleceram nos Estados Unidos
após a Segunda Guerra Mundial e perduram até hoje em muitas
cidades americanas. Uma das principais razões por que muitas
cidades nos Estados Unidos se encontram em enorme dificuldade
financeira reside na adoção do controle sobre os aluguéis, com a
decorrente escassez de moradias. Ela se produziu pelas mesmas
razões que acarretaram a escassez do leite quando seu preço foi
controlado. Isto significa: sempre que se interfere no mercado, o governo é progressivamente impelido ao socialismo.
E esta é a resposta aos que dizem: “Não somos socialistas, não
queremos que o governo controle tudo. Mas por que não poderia
ele interferir um pouco no mercado? Por que não poderia abolir
determinadas coisas que nos desagradam?” Essas pessoas falam de
uma política de “meio-termo”. O que não se percebe é que a interferência isolada, isto é, a interferência num único pequeno detalhe do
sistema econômico, produz uma situação que ao próprio governo – e
àqueles que estão reivindicando a sua interferência – parecerá pior
que aquelas condições que se pretendia abolir: os que propunham o
controle dos aluguéis ficam irritados ao se darem conta da escassez
de apartamentos e moradias em geral.
Mas essa escassez de moradias foi gerada precisamente pela interferência do governo, pela fixação dos aluguéis num padrão inferior
ao que se iria pagar num sistema de livre mercado. A ideia de que
existe, entre o socialismo e o capitalismo, um terceiro sistema – como o
chamam seus defensores –, o qual, sendo equidistante do socialismo e
do capitalismo, conservaria as vantagens e evitaria as desvantagens de
um e de outro, é puro contra-senso. Os que acreditam na existência
possível desse sistema mítico podem chegar a ser realmente líricos
quando tecem loas ao intervencionismo. Só o que se pode dizer é que
estão equivocados. A interferência governamental que exaltam dá
lugar a situações que desagradariam a eles mesmos.
Terceira Lição
57
Uma das questões que abordarei mais tarde é a do protecionismo:
o governo procura isolar o mercado interno do mercado mundial.
Introduz tarifas que elevam o preço interno da mercadoria acima
do preço em que é cotada no mercado mundial, o que possibilita
aos produtores nacionais a formação de cartéis. Logo em seguida, o
mesmo governo investe contra os cartéis, declarando: “Nestas condições, impõe-se uma legislação anticartel.”
Foi precisamente esse o procedimento da maioria dos governos
europeus. Nos Estados Unidos, somam-se a isso razões adicionais
para a legislação antitruste e para a campanha governamental contra o fantasma do monopólio. É absurdo ver o governo – que gera,
por meio do próprio intervencionismo, as condições que possibilitam a emergência de cartéis nacionais – voltar-se contra o meio
empresarial, dizendo: “Há cartéis, portanto é necessária a interferência do governo nos negócios”. Seria muito mais simples evitar
a formação de cartéis sustando a interferência governamental no
mercado – interferência esta que vem a gerar as possibilidades de
formação desses cartéis. A ideia da interferência governamental
como “solução” para problemas econômicos dá margem, em todos
os países, a circunstâncias no mínimo extremamente insatisfatórias e, com frequência, caóticas. Se não for detida a tempo, o governo acabará por implantar o socialismo.
Não obstante, a interferência do governo nos negócios continua a gozar de grande aceitação. Mal acontece no mundo algo que
desagrada às pessoas é comum ouvir-se o comentário: “O governo
precisa fazer alguma coisa a respeito. Para que temos governo? O
governo deveria fazer isso”. Temos aqui um vestígio característico
do modo de pensar de épocas passadas, de eras anteriores à liberdade moderna, ao governo constitucional moderno, anteriores ao
governo representativo ou ao republicanismo moderno.
Ao longo de séculos, manteve-se a doutrina – afirmada e acatada por todos – de que um rei, um rei ungido, era o mensageiro de
Deus; era mais sábio que os seus súditos e possuía poderes sobrenaturais. Até princípios do século XIX, pessoas que sofriam certas
doenças esperavam ser curadas pelo simples toque da mão do rei.
58
Ludwig von Mises
Os médicos costumavam ser mais eficazes: mesmo assim, permitiam aos seus pacientes experimentar o rei. Essa doutrina da superioridade de um governo paternal e dos poderes sobre-humanos dos
reis hereditários extinguiu-se gradativamente – ou, pelo menos, assim imaginávamos. Mas ela ressurgiu. O professor alemão Werner
Sombart (a quem conheci muito bem), homem de renome mundial,
foi doutor honoris causa de várias universidades e membro honorário da American Economic Association. Esse professor escreveu
um livro que tem tradução para o inglês – publicada pela Princeton
University Press –, para o francês e provavelmente também para
o espanhol. Ou melhor, espero que tenha, para que todos possam
conferir o que vou dizer. Nesse livro, publicado não nas “trevas” da
Idade Média, mas no nosso século, esse professor de economia diz
simplesmente o seguinte: “O Führer, nosso Führer” – refere-se, é
claro, a Hitler – “recebe instruções diretamente de Deus, o Führer
do universo”.
Já me referi antes a essa hierarquia de führers e nela situei Hitler
como o “Führer Supremo”. Mas, ao que nos informa Werner Sombart, há um Führer em posição ainda mais elevada. Deus, o Führer
do universo. E Deus, escreve ele, transmite suas instruções diretamente a Hitler. Naturalmente, o professor Sombart não deixou
de acrescentar, com muita modéstia: “não sabemos como Deus se
comunica com o Führer. Mas o fato não pode ser negado.”
Ora, se ficamos sabendo que semelhante livro pôde ser publicado
em alemão – a língua de um país outrora exaltado como “a nação dos
filósofos e dos poetas” –, e o vemos traduzido em inglês e francês, já
não nos espantará que mesmo um pequeno burocrata venha, um dia, a
se considerar mais sábio e melhor que os demais cidadãos, e deseje interferir em tudo, ainda que ele não passe de um reles burocratazinho,
em nada comparável ao famoso professor Werner Sombart, membro
honorário de tudo quanto é entidade. Haveria um remédio contra
tudo isso? Eu diria que sim. Há um remédio. E esse remédio é a força
dos cidadãos: cabe-lhes impedir a implantação de um regime tão autoritário que se arrogue uma sabedoria superior à do cidadão comum.
Esta é a diferença fundamental entre a liberdade e a servidão. As nações socialistas atribuíram a si mesmas a designação de democracia.
Terceira Lição
59
Os russos chamam seu sistema de democracia popular; provavelmente sustentam que o povo está representado na pessoa do ditador.
Penso que aqui, na Argentina, um ditador recebeu a resposta que
merecia. Esperamos que outros ditadores, em outras nações, recebam resposta semelhante.
caPílulo iv
Quarta lição
1
a inflação
Se a oferta de caviar fosse tão abundante quanto a de batatas, o
preço do caviar – isto é, a relação de troca entre caviar e dinheiro, ou
entre caviar e outras mercadorias – se alteraria consideravelmente.
Nesse caso, seria possível adquiri-lo a um preço muito menor que
o exigido hoje. Da mesma maneira, se a quantidade de dinheiro
aumenta, o poder de compra da unidade monetária diminui, e a
quantidade de bens que pode ser adquirida com uma unidade desse
dinheiro também se reduz.
Quando, no século XVI, as reservas de ouro e prata da América
foram descobertas e exploradas, enormes quantidades desses metais preciosos foram transportadas para a Europa. A consequência
desse aumento da quantidade de moeda foi uma tendência geral à
elevação dos preços. Do mesmo modo, quando, em nossos dias, um
governo aumenta a quantidade de papel-moeda, a consequência é
a queda progressiva do poder de compra da unidade monetária e a
correspondente elevação dos preços. A isso se chama de inflação.
Infelizmente, nos Estados Unidos, bem como em outros países, alguns preferem ver a causa da inflação não no aumento da quantidade de dinheiro, mas na elevação dos preços.
Entretanto, nunca se apresentou qualquer contestação séria à
interpretação econômica da relação entre os preços e a quantidade
de dinheiro, ou da relação de troca entre a moeda e outros bens,
mercadorias e serviços. Nas condições tecnológicas atuais, nada é
mais fácil que fabricar pedaços de papel e imprimir sobre eles determinados valores monetários. Nos Estados Unidos, onde todas
as notas têm o mesmo tamanho, imprimir uma nota de mil dólares
62
Ludwig von Mises
não custa mais ao governo que imprimir uma de um dólar. Tratase exclusivamente de um processo de impressão, a exigir, nos dois
casos, idênticas quantidades de papel e de tinta.
No século XVIII, quando se fizeram as primeiras tentativas
de emitir cédulas bancárias e atribuir-lhes a qualidade de moeda corrente – isto é, o direito de serem honradas em transações
de troca do mesmo modo que as moedas de ouro e prata –, os
governos e as nações acreditavam que os banqueiros detinham
algum conhecimento secreto que lhes permitia produzir riqueza
a partir do nada. Quando os governos do século XVIII se viam
em dificuldades financeiras, julgavam ser suficiente, para delas
se livrarem, entregar a um banqueiro engenhoso a condução de
sua administração financeira. Alguns anos antes da Revolução
Francesa, quando a realeza da França atravessava problemas financeiros, o rei da França procurou um desses banqueiros engenhosos e nomeou-o para uma função importante. Esse homem
era, sob todos os aspectos, o oposto das pessoas que vinham regendo a nação até aquele momento. Para começar, não era francês, era um estrangeiro – um genovês. Em segundo lugar, não
pertencia à aristocracia, era um simples plebeu. E, o que contava
mais ainda na França do século XVIII, não era católico, e sim
protestante. E assim Monsieur Necker, pai da famosa Madame
de Staël, tornou-se o ministro das finanças, e todos esperavam
que resolvesse os problemas financeiros do país. Mas, a despeito
do elevado grau de confiança desfrutado por Monsieur Necker,
os cofres reais permaneceram vazios. O grande erro de Decker
consistiu na tentativa de prestar auxílio financeiro aos colonos
da América em sua guerra de independência contra a Inglaterra
sem elevar os impostos. Aquela era certamente uma maneira errada
de procurar resolver os problemas financeiros da França.
Não há nenhuma maneira secreta para a solução dos problemas financeiros de um governo: Se deseja fazer algo benéfico –
construir um hospital, por exemplo –, o meio de que o governo
dispõe para arrecadar o dinheiro necessário é cobrar tributos dos
cidadãos e construir o hospital com a receita assim constituída. Nesse caso, não ocorrerá nenhuma “revolução dos preços”,
porque, quando o governo arrecada dinheiro para a construção
Quarta Lição
63
do hospital, os cidadãos – onerados por esse tributo adicional –
são obrigados a reduzir seus gastos. O contribuinte individual
é forçado a reduzir ou o seu consumo, ou os seus investimentos,
ou a sua poupança. Quando se apresenta no mercado como um
comprador, o governo substitui o cidadão: este passa a comprar
menos. Mas isto se dá porque o governo está comprando mais.
Evidentemente, o governo não compra exatamente os mesmos
bens que os cidadãos comprariam; em média, no entanto, não se
verifica nenhuma elevação de preços em decorrência da construção do hospital pelo governo.
Escolho o exemplo de um hospital precisamente porque é comum ouvir dizer: “Faz diferença se o governo usa seu dinheiro
para bons ou maus propósitos”. Proponho fazermos de conta que
o governo sempre usa o dinheiro que emitiu para os melhores fins
– fins com que todos concordamos. Acontece que não é o modo
como o dinheiro é gasto, é antes o modo como é obtido pelo governo que dá lugar a essa consequência que chamamos de inflação,
e que hoje quase ninguém, no mundo todo, considera benéfica.
Por exemplo, o governo poderia, sem fomentar a inflação, usar o
dinheiro arrecadado através de impostos para contratar novos funcionários, ou para elevar os salários dos que já estão a seu serviço. Esses funcionários, tendo tido um aumento em seus salários,
passam, então, a poder comprar mais. Quando o governo cobra
impostos dos cidadãos e aplica essa soma no aumento do salário
de seu pessoal, os contribuintes passam a ter menos o que gastar,
mas os funcionários públicos passam a ter mais: os preços em geral
não subirão. Mas, se o governo não busca, para esse fim, receita
proveniente de impostos, se, ao contrário, recorre a dinheiro recém-impresso, consequentemente, algumas pessoas começam a ter
mais dinheiro, enquanto todas as demais continuam a ter o mesmo
que antes. Assim, as que receberam o dinheiro recém-impresso
vão competir com aquelas que eram compradoras anteriormente.
E uma vez que não há maior número de mercadorias que antes,
mas há mais dinheiro no mercado – e uma vez que há pessoas que
podem agora comprar mais do que ontem – haverá uma demanda
adicional para uma quantidade inalterada de bens. Consequentemente, os preços tenderão a subir. Isso não pode ser evitado, seja
qual for o uso que se faça do dinheiro recém emitido. Mas há algo
64
Ludwig von Mises
ainda mais importante. Essa tendência de elevação dos preços se
estabelecerá passo a passo, uma vez que não se trata de um movimento ascendente geral desse tão falado “nível dos preços”. Esta
expressão metafórica nunca deveria ser usada.
Quando se fala de “nível dos preços”, a imagem que as pessoas
formam mentalmente é a de um líquido que sobe ou desce, segundo o aumento ou a redução de sua quantidade, mas que, como um
líquido num reservatório, eleva-se sempre por igual. Mas, no caso
dos preços, nada há que se assemelhe a “nível”. Os preços não se alteram na mesma medida e ao mesmo tempo. Há sempre preços que
mudam mais rapidamente, caem ou sobem mais depressa que outros. E há uma razão para isso. Considerem o caso do funcionário
público que recebeu parte do novo dinheiro acrescentado à oferta
de dinheiro. As pessoas não compram num mesmo dia precisamente as mesmas mercadorias e nas mesmas quantidades. O dinheiro
suplementar que o governo imprimiu e introduziu no mercado não
é usado na compra de todas as mercadorias e serviços. É usado na
aquisição de certas mercadorias, cujos preços subirão, ao passo que
outras continuarão ainda com os preços de antes da introdução do
novo dinheiro no mercado. De sorte que, quando a inflação começa, diferentes grupos da população são por ela afetados de diferentes
maneiras. Os grupos que recebem o novo dinheiro em primeiro
lugar ganham uma vantagem temporal.
O governo, quando emite dinheiro para custear uma guerra, tem
de comprar munições. Os primeiros a receber o dinheiro adicional
são, então, as indústrias de munição e os que nelas trabalham. Esses
grupos passam a ocupar uma posição privilegiada. Auferem maiores lucros e ganham maiores salários: seus negócios prosperam. Por
quê? Porque foram os primeiros a receber o dinheiro adicional. E,
tendo agora mais dinheiro à sua disposição, estão comprando mais.
E compram de outras pessoas, que fabricam e vendem as mercadorias que lhes interessam. Estas outras pessoas constituem um
segundo grupo. E este segundo grupo considera a inflação muito
benéfica para seus negócios. Por que não? Não é esplêndido vender
mais? E o proprietário de um restaurante situado nas vizinhanças
de uma fábrica de munições, por exemplo, diz: “é realmente maravilhoso! Os trabalhadores do setor de munições estão com mais
Quarta Lição
65
dinheiro; estão frequentando meu estabelecimento como nunca; estão todos prestigiando meu restaurante; isto me deixa muito feliz”.
Não vê razão alguma para se sentir de outro modo.
A situação é a seguinte: aqueles para quem o dinheiro chega em
primeiro lugar têm sua renda aumentada e podem continuar comprando muitas mercadorias e serviços a preços que correspondem
ao estado anterior do mercado, à situação vigente às vésperas da inflação. Encontram-se, portanto, em situação privilegiada. E assim
a inflação se expande, passo a passo, de um grupo para outro da população. E todos os que têm acesso ao dinheiro adicional na primeira hora da inflação são beneficiados, uma vez que estão comprando
alguns artigos a preços ainda correspondentes ao estágio prévio da
relação de troca entre dinheiro e mercadorias.
Mas há outros grupos da população para quem esse dinheiro
chega muitíssimo mais tarde. Essas pessoas se veem numa situação desfavorável. Antes de terem acesso ao dinheiro adicional, são
obrigadas a pagar preços mais altos que os anteriores por algumas
mercadorias que desejam adquirir (ou praticamente todas), ao passo que sua renda permanece a mesma, ou não aumenta na mesma
proporção dos preços. Considere-se, por exemplo, um país como os
Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial: por um lado,
a inflação desse período favoreceu os trabalhadores das fábricas de
munição, as fábricas de munição e os fabricantes de armamentos;
por outro lado, prejudicou certos grupos da população. E os maiores prejudicados foram os professores e os religiosos.
Como todos sabem, um sacerdote é pessoa de muita humildade,
que está a serviço de Deus e não deve falar demais em dinheiro.
Analogamente, os professores são pessoas dedicadas, de quem se
espera maior preocupação com a educação dos jovens que com os
próprios salários. Por conseguinte, os professores e os religiosos
estiveram entre os grupos mais penalizados pela inflação, visto que
as várias escolas e igrejas foram as últimas instituições a se darem
conta da necessidade de elevar os salários. Quando os dignitários
eclesiásticos e as associações escolares finalmente chegaram à conclusão de que era preciso aumentar também os salários dessa gente
66
Ludwig von Mises
dedicada, as perdas que tinham sofrido até então já não podiam ser
reparadas. Por muito tempo, eles tinham sido obrigados a comprar
menos que antes, a reduzir seu consumo de alimentos melhores e
mais caros, a restringir sua compra de roupas – já que os preços
tinham sido reajustados, enquanto sua renda, seus salários, ainda
não tinham sido aumentados (esta situação foi consideravelmente
alterada, ao menos no que diz respeito aos professores).
A cada momento, portanto, são diferentes os grupos da população que estão sendo diretamente afetados pela inflação. Para
alguns deles, a inflação não é tão má assim, e eles chegam até a defender seu prolongamento, visto serem os primeiros a dela se beneficiarem. Veremos na próxima palestra como essa disparidade
de consequências afeta vitalmente a política que conduz à inflação.
Subjacente a todas as modificações produzidas pela inflação, está
o fato de que, além de haver grupos que são por ela favorecidos,
há outros que a exploram diretamente. A palavra “explorar” não
pretende refletir uma censura a essas pessoas, pois só o governo e
ninguém mais pode ser considerado culpado e responsável pelo
estabelecimento da inflação.
Sempre há, sem dúvida, pessoas que percebem o que está ocorrendo mais cedo que as demais e, então, promovem a inflação. Seus
lucros excepcionais decorrem do fato de que haverá sempre desigualdade no processo inflacionário. O governo pode considerar
que, como método de arrecadar fundos, a inflação é melhor que a
tributação: esta é sempre impopular e de difícil execução. Em muitas nações grandes e ricas, os legisladores muitas vezes discutiram,
por meses a fio, várias modalidades de novos impostos, tornados
necessários em decorrência de um aumento de gastos decidido pelo
parlamento. Após discutir inúmeros métodos de angariar dinheiro
por meio da tributação, finalmente chegaram à conclusão de que
talvez o melhor fosse obtê-lo através da inflação.
É evidente que a palavra “inflação” não era pronunciada. Um
político no poder, ao recorrer à inflação, não declara: “Vou adotar a
inflação como método.” Os procedimentos técnicos empregados na
produção da inflação são tão complexos, que o cidadão comum não
Quarta Lição
67
percebe onde ela teve início. Uma das maiores inflações da história,
a que teve lugar no Reich alemão após a Primeira Guerra Mundial,
não teve seu pico durante a guerra. Foram os níveis a que chegou no
pós-guerra que ocasionaram a catástrofe. O governo não anunciou:
“Vamos lançar mão da inflação”. Simplesmente tomou dinheiro
emprestado, indiretamente, do banco central. Não lhe competia
perguntar como o banco central reuniria e liberaria aquela soma. E
o banco central simplesmente imprimiu-a.
Hoje, as técnicas de produção da inflação têm como complicadores a existência da moeda fiduciária. Isso envolve uma outra
técnica, mas o efeito é o mesmo. Com uma penada, o governo cria
papel-moeda sem lastro, aumentando assim o volume de moeda
e de crédito. Basta-lhe emitir a ordem, e lá está o dinheiro sem
lastro. O governo não se aflige diante do fato de que algumas pessoas sofrerão perdas; a iminente elevação dos preços não o perturba. Os legisladores proclamam: “Esse sistema é magnífico!”. Mas
esse magnífico sistema tem um defeito básico: dura pouco. Se a
inflação pudesse perdurar indefinidamente, não haveria por que
criticar os governos por promoverem-na, mas o único fato bem estabelecido acerca desse fenômeno é que, mais cedo ou mais tarde,
ele chega inevitavelmente ao fim.
Em última instância, a inflação se encerra com o colapso do
meio circulante – dando lugar a uma catástrofe, a uma situação
como a ocorrida na Alemanha em 1923. Em 1° de agosto de 1914, o
dólar correspondia a quatro marcos e vinte pfennigs. Nove anos e
três meses depois, em novembro de 1923, a mesma moeda estava cotada em 4,2 trilhões de marcos. Em outras palavras, o marco já não
valia coisa alguma. Já não tinha nenhum valor. Alguns anos atrás,
um famoso autor escreveu: “No final das contas, estaremos todos
mortos”. Lamento confirmar que é a pura verdade. Mas a questão é: quanto durará o momento presente? No século XVIII, houve
uma famosa senhora, Madame de Pompadour, a quem se atribuí o
seguinte dito: “Après nous, le déluge” (“Depois de nós, o dilúvio”).
Madame de Pompadour teve a felicidade de morrer pouco tempo
depois. Mas sua “sucessora”, Madame du Barry, sobreviveu um
pouco mais, para, no final das contas, ser decapitada. Para muitos
68
Ludwig von Mises
o “final das contas” logo se converte no presente – e quanto mais a
inflação avança, mais se antecipa o “final das contas”.
Quanto pode durar o pouco mais? Por quanto tempo pode um
banco central levar à frente um processo inflacionário? Provavelmente poderá fazê-lo enquanto o povo estiver convencido de que o
governo, mais cedo ou mais tarde – mas certamente não demasiado
tarde – sustará a impressão de dinheiro, detendo, assim, o decréscimo do valor de cada unidade monetária. O povo, quando deixa
de acreditar que o governo será capaz de deter a inflação, ou mesmo
que ele tenha qualquer intenção de detê-la, começa a se dar conta de
que os preços amanhã serão mais altos que hoje. As pessoas põemse, então, a comprar a quaisquer preços, provocando uma alta em
níveis tais que o sistema monetário entra em colapso.
Tomemos o caso da Alemanha, que o mundo inteiro testemunhou. Muitos livros descreveram os acontecimentos daquele período. (Embora sendo austríaco, e não alemão, vi tudo de dentro: a
situação da Áustria não diferia muito da alemã, e tampouco eram
diferentes as condições de muitos outros países europeus.) Durante
muitos anos, o povo alemão acreditou que sua inflação não passava
de uma situação provisória, que logo chegaria ao fim. Acreditou nisso por nove anos, até o verão de 1923. Então, finalmente, as pessoas
começaram a duvidar. Como a inflação continuava, a população
julgou mais sensato comprar tudo que estivesse à venda, em vez de
guardar o dinheiro no bolso. Ademais, as pessoas raciocinavam que
não era conveniente emprestar dinheiro, ser credor. Em contrapartida, era excelente negócio tomar dinheiro emprestado, ser devedor.
Assim, a inflação continuou a se alimentar de si mesma.
A inflação prosseguiu na Alemanha até, precisamente, o dia 28
de agosto de 1923. O povo acreditara que o dinheiro inflacionário
era dinheiro verdadeiro, mas descobriu, então, que as condições tinham mudado. No outono de 1923, as fábricas do país pagavam
aos seus trabalhadores, cada manhã, uma diária antecipada. E o
trabalhador, que se fazia acompanhar pela mulher até a fábrica, passava-lhe imediatamente seu ganho, todos os milhões que acabara de
receber. A mulher, então, dirigia-se prontamente a uma loja, para
Quarta Lição
69
comprar fosse o que fosse. Ela constatava o que, na época, a maioria
da população sabia: o marco perdia, da noite para o dia, 50% de seu
poder de compra. O dinheiro derretia-se nos bolsos do povo, como
uma barra de chocolate sobre um forno quente. Essa fase final da
inflação alemã não durou muito; depois de alguns dias, todo o pesadelo se encerrara: o marco perdera todo valor e foi preciso estabelecer uma nova moeda.
Lord Keynes, o mesmo homem que disse que no final das contas estaremos todos mortos, foi um representante do extenso rol de
autores inflacionistas do século XX. Todos combateram o padrãoouro. Ao atacá-lo, Keynes chamou-o de “relíquia bárbara”. Mesmo
hoje, a grande maioria das pessoas considera ridículo falar de um
retorno ao padrão-ouro. Nos Estados Unidos, por exemplo, poderemos ser considerados como visionários se dissermos: “Mais cedo ou
mais tarde, os Estados Unidos terão de retornar ao padrão-ouro.”
No entanto, o padrão-ouro tem uma extraordinária virtude: na
sua vigência, a quantidade de dinheiro disponível é independente das políticas governamentais e dos partidos políticos. Essa é a
sua vantagem. Constitui uma forma de proteção contra governos
esbanjadores. Sob o padrão-ouro, se um governo resolve fazer gastos em um novo empreendimento, o ministro das finanças pode
perguntar: “E onde vou conseguir o dinheiro? Diga-me, primeiro,
onde encontrarei dinheiro para esse gasto adicional”. Num sistema
inflacionário, nada é mais simples para os políticos que ordenar ao
órgão governamental encarregado da impressão do papel-moeda a
emissão de quanto dinheiro lhes seja necessário para seus projetos.
O padrão-ouro é muito mais propício a um governo financeiramente seguro: seus titulares podem dizer ao povo e aos políticos: “não
podemos fazer tal coisa, salvo se aumentarmos os impostos”.
Sob condições inflacionárias, o povo se habitua a considerar o
governo uma instituição que tem recursos ilimitados à sua disposição: o estado, o governo podem tudo. Se, por exemplo, a nação deseja um novo sistema de rodovias, espera-se do governo sua implantação. Mas onde poderá o governo obter o dinheiro? Pode-se dizer
que hoje, nos Estados Unidos – e mesmo no passado, no governo
70
Ludwig von Mises
McKinley –, o Partido Republicano é relativamente favorável ao dinheiro lastreado e ao padrão-ouro, enquanto o Partido Democrático
é favorável à inflação. Obviamente, a uma inflação não de papel, e
sim de prata. Contudo, foi um presidente democrata dos Estados
Unidos, o presidente Cleveland que, em fins da década de 1880, vetou uma decisão do Congresso de conceder uma pequena soma de
auxílio – cerca de dez mil dólares – a uma comunidade que sofrera
uma catástrofe. Esse presidente justificou seu veto escrevendo as
seguintes palavras: “É dever do cidadão manter o governo, mas não
é dever do governo manter os cidadãos”. Estas são palavras que
todo estadista deveria escrever numa parede de seu gabinete, para
mostrar aos que viessem pedir dinheiro.
Sinto-me bastante embaraçado diante da necessidade de simplificar esses problemas. São tantos e tão complexos os problemas envolvidos no sistema monetário! E eu certamente não teria escrito
volumes inteiros a respeito deles se eles fossem tão simples quanto
parecem sê-lo aqui. Mas os fundamentos são precisamente estes:
aumentando-se a quantidade de dinheiro, provoca-se o rebaixamento do poder de compra da unidade monetária. É isso que desagrada
àqueles cujos negócios privados são desfavoravelmente afetados por
essa situação. São os que não se beneficiam da inflação que dela se
queixam. Se a inflação é má, e se todos sabem disso, por que se teria
convertido numa espécie de estilo de vida em quase todos os países?
Mesmo alguns dos países mais ricos sofrem da doença. Os Estados
Unidos são hoje seguramente a mais rica nação do mundo, com o
mais alto padrão de vida. Mas, quando se viaja pelo país, constatase uma incessante referência à inflação e à necessidade de detê-la.
Mas apenas se fala; não se age.
Cabe, aqui, a apresentação de alguns fatos: após a Primeira
Guerra Mundial, a Grã-Bretanha restabeleceu a equivalência entre o ouro e a libra, numa correspondência que vigorava antes da
guerra. Isto é, elevou o valor da libra. Com isso, elevou-se o poder
de compra dos salários de todos os trabalhadores. Num mercado
desobstruído, tal alteração teria acarretado uma queda do salário
nominal em dinheiro. Esta queda, por sua vez, teria compensado
a alteração. Como resultado final, o salário real dos trabalhadores teria permanecido inalterado. Não temos tempo para discutir
Quarta Lição
71
agora as razões disso. O fato é que os sindicatos da Grã-Bretanha
não admitiram um ajustamento dos padrões salariais ao poder de
compra mais elevado da unidade monetária; assim sendo, os salários reais foram consideravelmente acrescidos em decorrência
daquela medida monetária. Isso representou uma verdadeira catástrofe para a Inglaterra, uma vez que a Grã-Bretanha é um país
predominantemente industrial, obrigado, por um lado, a importar
matérias-primas, produtos semiacabados e alimentos para sobreviver, e, por outro, a exportar bens manufaturados para pagar essas
importações. Com a elevação do valor internacional da libra, os
preços dos produtos ingleses subiram nos mercados externos, causando um declínio das vendas e exportações. Na verdade, para todos os efeitos, o que a Grã-Bretanha fez foi fixar os próprios preços
à revelia do mercado mundial.
Foi impossível derrotar os sindicatos. É sabido o poder que,
hoje, tem um sindicato. Assiste-lhe direito – praticamente o privilégio – do recurso à violência. E a determinação de um sindicato
tem portanto, ousemos dizê-lo, força equivalente à de um decreto
governamental. O decreto governamental é uma ordem para cuja
aplicação o aparelho governamental – a polícia – está pronta. É preciso obedecer-lhe, ou se terá problemas com a polícia.
Lamentavelmente temos hoje, em quase todos os países do mundo, um segundo poder, depois do governo, com condições para exercer a força: são os sindicatos trabalhistas. Essas entidades determinam os salários, bem como as greves que os devem impor, da mesma
maneira que o governo poderia decretar um salário mínimo. Não
discutirei o sindicato agora; tratarei dele mais tarde. Quero apenas
deixar claro que a política sindical consiste em elevar os padrões
salariais acima do nível que estes alcançariam num mercado desobstruído. Em consequência disso, uma parte considerável da população potencialmente ativa só pode ser empregada por pessoas físicas
ou por indústrias que tenham condições de suportar prejuízos. E
uma vez que os negócios não têm como se manter sob a sangria
de prejuízos, eles fecham as portas e seus trabalhadores perdem o
emprego. A fixação de padrões salariais superiores aos que se estabeleceriam num mercado desimpedido redunda inevitavelmente no
desemprego de parcela ponderável da população ativa.
72
Ludwig von Mises
Na Grã-Bretanha, a imposição de altos padrões salariais pelos
sindicatos trabalhistas teve como consequência um desemprego
prolongado, que durou anos a fio. Milhões de trabalhadores ficaram desempregados, os índices de produção caíram. Até os experts
ficaram perplexos. Diante deste quadro, o governo inglês deu um
passo que se lhe afigurou como uma medida de emergência indispensável: desvalorizou a moeda corrente do país. O poder de compra
dos salários em dinheiro – em cuja manutenção os sindicatos tanto
haviam insistido – deixou de ser o mesmo. Os salários reais, os
salários em mercadorias, foram reduzidos. Agora, o trabalhador já
não podia comprar o mesmo que antes, embora os padrões nominais
dos salários tivessem permanecido os mesmos. Procurou-se, através
da adoção dessa medida, promover o retorno dos padrões salariais
reais aos níveis do mercado livre para que, consequentemente, tivesse lugar o desaparecimento do desemprego. Essa medida – a desvalorização – foi adotada por muitos outros países, como a França, os
Países Baixos e a Bélgica. A Tchecoslováquia chegou a recorrer a ela
duas vezes no período de um ano e meio. A desvalorização tornouse um método sub-reptício, digamos assim, de frustrar o poder dos
sindicatos. No entanto, como veremos, este método também não
pode ser considerado verdadeiramente eficiente.
Alguns anos depois, os trabalhadores – e também os sindicatos
– começaram a compreender o que se passava. O povo começou a
se dar conta de que a desvalorização do dinheiro reduzia seu salário real. Os sindicatos tinham força suficiente para se opor a isso.
Em muitos países, inseriu-se nos contratos salariais uma cláusula
que estipulava que os salários em dinheiro deveriam ser automaticamente majorados quando os preços também o fossem. A isto se
chama indexar. Os sindicatos haviam tomado consciência da existência de índices. Assim, aquele método de reduzir o desemprego
inaugurado pela Grã-Bretanha em 1931 – e adotado posteriormente
por quase todos os governos importantes –, já não mais funciona
nos nossos dias como método de “resolver o desemprego”.
Em 1936, em sua obra General Theory of Employment, Interest and
Money, Lord Keynes deploravelmente elevou esse método – aquelas
medidas de emergência do período 1929-1933 – à categoria de prin-
Quarta Lição
73
cípio, ao status de sistema fundamental de política. Justificava sua
teoria dizendo mais ou menos o seguinte: “O desemprego é um mal.
Se quiser que desapareça, inflacione o meio circulante”. Keynes
percebeu muito bem que certos padrões salariais podem ser demasiado altos para o mercado, ou seja, podem ser altos demais para ser
lucrativo a um empregador ampliar a quantidade de empregados
que contrata e, portanto, serão, também altos demais do ponto de
vista do conjunto da população economicamente ativa, uma vez que
estes padrões salariais impostos pelos sindicatos, em níveis superiores aos do mercado, resultam em que apenas uma parcela dos que
anseiam por salários conseguem emprego.
Keynes, então, afirmou aproximadamente o seguinte: “Sem
dúvida, o desemprego em massa, prolongando-se ano após ano,
é uma situação muito insatisfatória”. Mas, ao invés de sugerir
que os níveis salariais podiam e deviam ser ajustados às condições
de mercado, afirmou: “Se os trabalhadores não forem suficientemente espertos para perceber a desvalorização da moeda, eles não
oferecerão resistência a uma queda dos níveis salariais reais, visto que os níveis nominais permanecerão os mesmos”. Em outras
palavras, Lord Keynes estava dizendo que, se receberem a mesma
quantidade de libras esterlinas que ganhavam antes da desvalorização da moeda, as pessoas não se darão conta de que passaram, de
fato, a ganhar menos.
Num linguajar antiquado, Keynes propôs que se ludibriassem
os trabalhadores. Em vez de declarar abertamente que os padrões
salariais devem ser ajustados às condições do mercado – porque,
se não for assim, parte da população economicamente ativa ficará
inevitavelmente desempregada –, afirmou, na verdade: “O pleno
emprego só pode ser alcançado se houver inflação. Ludibriem os
trabalhadores”. O fato mais interessante, contudo, é que, quando
sua General Theory foi publicada, a burla já não era possível, uma vez
que as pessoas passaram a ter consciência da inflação. Mas a meta
do pleno emprego permaneceu.
Que vem a ser “pleno emprego”? Esta expressão relaciona-se
com o mercado desobstruído, não manipulado pelos sindicatos ou
74
Ludwig von Mises
pelo governo. Nesse mercado, os padrões salariais para cada tipo
de trabalho tendem a atingir um nível tal que é possível, a todos os
que desejam emprego, obtê-lo. Por outro lado, todo empregador
terá, então, condições de contratar tantos trabalhadores quantos
lhe forem necessários. Se ocorrer um aumento da demanda de
mão-de-obra, o padrão salarial tenderá a ser maior, se houver necessidade de menor número de trabalhadores, esse padrão tenderá
a cair. O único método que permite a instauração de uma situação
de “pleno emprego” é a preservação de um mercado de trabalho
livre de empecilhos. Isto se aplica a todo gênero de trabalho e a
todo gênero de mercadoria.
Que faz um negociante, se deseja vender determinada mercadoria por cinco dólares a unidade? A expressão técnica que é aplicada
no mundo dos negócios dos Estados Unidos para o fato de não se
conseguir vender uma mercadoria pelo preço estipulado é “o estoque mantém-se inalterado”. Mas é preciso que se altere. O negociante não pode conservar aqueles artigos, porque tem necessidade
de adquirir novas mercadorias; as modas mudam. Assim, ele os
vende por um preço mais baixo. Se não conseguir vender a mercadoria por cinco dólares, certamente a venderá por quatro. Se for impossível vendê-la por quatro, será obrigado a vendê-la por três. Não
há outra alternativa, desde que esteja empenhado em manter seu
negócio. Pode sofrer prejuízos, mas estes decorrem do fato de que
fez uma previsão errada do mercado existente para seu produto.
O mesmo acontece com os milhares e milhares de jovens que,
dia após dia, estão vindo dos distritos agrícolas para a cidade, na
expectativa de ganhar dinheiro. É o fenômeno de migração interna,
que tem lugar em todas as nações industrializadas. Nos Estados
Unidos, eles vêm para a cidade com a certeza de que poderão ganhar,
digamos, cem dólares por semana. Suas expectativas podem se frustrar. Então, aquele que não conseguiu um emprego que pagasse cem
dólares por semana, ver-se-á obrigado a tentar conseguir algum que
pague noventa, oitenta dólares, talvez até menos. Por outro lado, se
essa pessoa declarasse, como fazem os sindicatos: “cem dólares por
semana, ou nada”, talvez só lhe restasse permanecer desempregada.
Diga-se de passagem, muita gente não se incomoda com a situação
de desemprego, uma vez que o governo paga auxílios-desemprego
Quarta Lição
75
– com fundos arrecadados através de taxas especiais impostas aos
empregadores – que por vezes são quase tão altos quanto os salários
que receberiam caso estivessem trabalhando.
Nos Estados Unidos, só se aceita a inflação porque determinado
grupo de pessoas acredita que é só através dela que o pleno emprego
pode ser alcançado. No entanto, ainda a este respeito, uma questão
tem sido amplamente debatida: O que é preferível, um dinheiro lastreado com desemprego ou a inflação com pleno emprego? Trata-se,
na verdade, de um círculo vicioso. Tentemos analisar o problema.
Logo de início, deve-se colocar a seguinte questão: como podemos
melhorar a situação dos trabalhadores e de todos os demais grupos
da população? A resposta é: mantendo o mercado de trabalho livre
de empecilhos e assim alcançando o pleno emprego. Nosso dilema é:
os padrões salariais devem ser determinados pelo mercado, ou devem
ser definidos por pressão e compulsão sindical? Portanto, o cerne da
questão não reside na alternativa “inflação ou desemprego”.
Aliás essa análise distorcida do problema vem sendo proposta na
Inglaterra, nos países industrializados da Europa e até nos Estados
Unidos. Há mesmo quem diga: “Vejam só: até os Estados Unidos
estão recorrendo à inflação. Por que não deveríamos fazer o mesmo?”. A estes deveríamos responder em primeiro lugar: “Um dos
privilégios do homem rico é poder se dar ao luxo de ser insensato
por muito mais tempo que o pobre”. E é esta a situação dos Estados
Unidos. A política financeira desse país é muito ruim, e está piorando. Mas certamente trata-se de um país capaz de arcar com os
custos de sua insensatez por um prazo um pouco mais longo que o
que seria tolerado por alguns outros países.
O mais importante a lembrar é que a inflação não é um ato de
Deus, que a inflação não é uma catástrofe da natureza ou uma doença que se alastra como a peste. A inflação é uma política, – uma
política premeditada, adotada por pessoas que a ela recorrem por
considerá-la um mal menor que o desemprego. Mas o fato é que, a
não ser em curtíssimo prazo, a inflação não cura o desemprego. A
inflação é uma política. E uma política pode ser alterada. Assim
sendo, não há razão para nos deixarmos vencer por ela. Se a temos
na conta de um mal, então é preciso estancá-la. É preciso equilibrar
76
Ludwig von Mises
o orçamento do governo. Evidentemente, o apoio da opinião pública é necessário para isso. E cabe aos intelectuais ajudar o povo a
compreender. Uma vez assegurado o apoio da opinião pública, os
representantes eleitos do povo certamente terão condições de abandonar a política da inflação.
Devemos lembrar que, no final das contas, poderemos estar todos mortos. Aliás, não restam dúvidas de que estaremos mesmo
mortos. Mas deveríamos cuidar de nossos assuntos terrenos – neste
breve intervalo em que nos é dado viver – da melhor maneira possível. E uma das medidas necessárias para esse propósito é abandonar
as políticas inflacionárias.
caPítulo v
Quinta lição
1
inveStimento externo
Há quem atribua aos programas de liberdade econômica um
caráter negativo. Dizem: “Que querem de fato os liberais? São
contra o socialismo, a intervenção governamental, a inflação, a
violência sindical, as tarifas protecionistas... Dizem ‘não’ a tudo”.
Esta me parece uma apresentação unilateral e superficial do problema. É, sem dúvida, possível formular um programa liberal de
forma positiva. Quando alguém afirma: “Sou contra a censura”,
não se torna negativo por isso. Na verdade, esta pessoa é a favor de
os escritores terem o direito de determinar o que desejam publicar,
sem a interferência do governo. Isso não é negativismo, é precisamente liberdade (é óbvio que, ao empregar o termo “liberal”
com relação às condições do sistema econômico, tenho em mente
o velho sentido clássico da palavra).
Hoje, grande parte das pessoas julga inadequadas as consideráveis diferenças de padrão de vida existentes entre muitos países.
Dois séculos atrás, as condições da Grã-Bretanha eram muito piores que as condições atuais da Índia. Mas em 1750 os britânicos
não se atribuíam os rótulos de “subdesenvolvidos” ou de “atrasados”, pois não tinham como comparar a situação de seu país com
a de outros, que se encontrassem em condições econômicas mais
satisfatórias. Hoje, todos os povos que não atingiram o padrão de
vida médio dos Estados Unidos acreditam haver algo errado na
sua situação econômica. Muitos deles se intitulam “países em desenvolvimento” e, nessa qualidade, reivindicam ajuda dos chamados países desenvolvidos ou super desenvolvidos. Permitam-me
explicar a realidade dessa situação. O padrão de vida é mais baixo
nos chamados países em desenvolvimento porque os ganhos médios para os mesmos gêneros de trabalhos são mais baixos nesses
78
Ludwig von Mises
países que em alguns outros da Europa Ocidental, que no Canadá,
no Japão, e especialmente nos Estados Unidos. Se investigarmos
as razões dessa diferença, seremos obrigados a reconhecer que ela
não decorre de uma inferioridade dos trabalhadores ou de outros
empregados. Reina entre certos grupos de trabalhadores norteamericanos a tendência a se julgarem melhores que os outros povos – e que é graças aos próprios méritos que ganham salários mais
altos que os trabalhadores dos demais países.
Bastaria a um trabalhador norte-americano visitar um outro país
– digamos a Itália, de onde tantos deles são originários – para constatar que não são suas qualidades pessoais, mas as condições do país,
que lhe possibilitam receber salários menos ou mais elevados. Se
um siciliano migrar para os Estados Unidos, em pouco tempo poderá alcançar os padrões salariais correntes neste país. E, se retornar à Sicília, o mesmo homem verificará que sua permanência nos
Estados Unidos não lhe conferiu qualidades que lhe permitissem
auferir, na Sicilia, salários superiores aos de seus conterrâneos.
Essa situação econômica tampouco pode ser explicada a partir
do pressuposto de que os empresários americanos sejam superiores
aos empresários dos demais países. É fato que – exceção feita ao
Canadá, à Europa Ocidental e a certas regiões da Ásia – o equipamento das fábricas e os processos tecnológicos são, de modo geral,
inferiores aos utilizados nos Estados Unidos. Mas isso não é fruto
da ignorância dos empresários desses países “subdesenvolvidos”.
Eles têm perfeita consciência de que as fábricas dos Estados Unidos e do Canadá são muito mais bem equipadas. Muitos recebem
informações apropriadas sobre tudo isso, uma vez que são obrigados a se manterem em dia com a tecnologia. As vezes, ao faltarem
as informações, esses empresários buscam outros meios disponíveis
para suprir suas deficiências: recorrem, então, a manuais e revistas
técnicas que divulgam esse conhecimento.
A diferença, repetimos, não reside na inferioridade pessoal nem
na ignorância. A diferença está na disponibilidade de capital, na
quantidade acessível de bens de capital. Em outras palavras, o montante de capital investido per capita é maior nas chamadas nações
avançadas que nas nações em desenvolvimento.
Quinta Lição
79
Um empresário não pode pagar a um trabalhador mais que a
soma adicionada pelo trabalho desse empregado ao valor do produto. Não lhe pode pagar mais que aquilo que os clientes se dispõem a pagar pelo trabalho adicional desse trabalhador individual.
Se lhe pagar mais, a paga de seus clientes não lhe permitirá recuperar seus gastos. Sofrerá prejuízos, e além disso, como já ressaltei
várias vezes, e é do conhecimento geral, um negociante submetido
a prejuízos é obrigado a mudar seus métodos de negociar. Caso
contrário, vai à bancarrota.
Os economistas dizem que “os salários são determinados pela
produtividade marginal da mão-de-obra”. Esta afirmativa não é
mais que outra formulação do que acabamos de expor. Não se pode
negar o fato de que a escala salarial é determinada pelo montante em que o trabalho de um indivíduo aumenta o valor do produto. Dispondo de instrumentos de alta qualidade e eficiência, uma
pessoa poderá realizar, em uma hora de trabalho, muito mais que
outra que, também durante uma hora, trabalhe com instrumentos
menos aperfeiçoados e menos eficientes. É óbvio que cem homens
que trabalhem numa fábrica de calçados nos Estados Unidos produzam muito mais, no mesmo prazo, que cem sapateiros na Índia,
obrigados a utilizar ferramentas antiquadas, num processo menos
sofisticado. Os empregadores de todas essas nações em desenvolvimento estão perfeitamente cônscios de que melhores instrumentos
tornariam suas empresas mais lucrativas. Certamente gostariam de
poder não só aumentar o número de suas fábricas como também
adquirir instrumentos mais modernos e sofisticados. O único empecilho é a escassez de capital.
A diferença entre as nações mais desenvolvidas e as menos desenvolvidas se estabelece em função do tempo. Os ingleses começaram a poupar antes de todas as outras nações. Consequentemente,
também começaram antes a acumular capital e a investi-lo em negócios. Este foi o fator primordial para que se alcançasse, na GrãBretanha, um padrão de vida bastante elevado numa época em que,
em todos os outros países europeus, prevalecia ainda um padrão
consideravelmente baixo. Gradualmente, todas as demais nações
começaram a analisar o que ocorria na Grã-Bretanha e não lhes foi
difícil descobrir a razão da riqueza desse país. Assim, puseram-se
80
Ludwig von Mises
a imitar os métodos dos negociantes ingleses. De qualquer modo,
o fato de outras nações só terem começado mais tarde seus investimentos e de os britânicos não terem parado de investir capital fez
permanecer uma grande diferença entre as condições econômicas
da Inglaterra e as desses outros países. Mas ocorreu algo que veio
anular a superioridade da Grã-Bretanha.
Aconteceu, então, o fato mais importante da história do século
XIX – e não me refiro apenas à história de um só país. Trata-se da
expansão, no século XIX, do investimento externo. Em 1817, o grande
economista inglês Ricardo ainda considerava ponto pacífico que só
se poderia investir capital nos limites de um país. Não considerava
a hipótese de os capitalistas virem a investir no estrangeiro. Mas,
algumas décadas mais tarde, o investimento de capital no estrangeiro começou a desempenhar um papel de importância primordial no
mundo dos negócios. Sem esse investimento de capital, as nações
menos desenvolvidas que a Grã-Bretanha teriam sido obrigadas a
iniciar seu desenvolvimento utilizando-se dos mesmos métodos e
tecnologia usados pelo britânicos em princípio e meados do século
XVIII. Seria preciso procurar imitá-los lentamente, passo a passo.
E sempre se estaria muito aquém do nível tecnológico da economia
britânica, de tudo o que os britânicos já tinham realizado.
Teriam sido necessárias muitas e muitas décadas para que esses países atingissem o padrão de desenvolvimento tecnológico
alcançado, mais de um século antes, pela Grã-Bretanha. Assim,
o investimento externo constituiu-se num fator preponderante de
auxílio para que esses países iniciassem seu desenvolvimento. O
investimento externo significava que capitalistas investiam capital britânico em outras partes do mundo. Primeiro, investiram-no
naqueles países europeus que, do ponto de vista da Grã-Bretanha,
se apresentavam como os mais carentes de capital e os mais atrasados em seu desenvolvimento. É do conhecimento de todos que
as estradas de ferro da maioria dos países da Europa – e também
as dos Estados Unidos – foram construídas com a ajuda do capital britânico. Aliás, o mesmo se passou aqui na Argentina. As
companhias de gás, em todas as cidades da Europa, eram também
britânicas. Em meados da década de 1870, um escritor e poeta
Quinta Lição
81
inglês criticou seus compatriotas dizendo: “Os britânicos perderam o antigo vigor e já não têm uma só ideia nova. Deixaram
de ser uma nação importante ou de vanguarda”. A isto, Herbert
Spencer, o eminente sociólogo, respondeu: “Olhe para a Europa
continental. Todas as capitais europeias têm iluminação porque
uma companhia britânica lhes fornece gás”. Isso se passou, é claro, numa época que hoje se nos afigura como a época “remota” da
iluminação a gás. Spencer disse ainda mais a esse crítico: “Você
afirma que os alemães estão muito à frente da Grã-Bretanha. Olhe
para a Alemanha: até mesmo Berlim, a capital do Reich alemão, a
capital do Qeist, ficaria às escuras se uma companhia britânica de
gás não tivesse entrado no país e iluminado as ruas”.
Foi também o capital britânico que, nos Estados Unidos, implantou as estradas de ferro e deu início a diversos ramos industriais. É evidente que, ao importar capital, o país passa a ter uma
balança comercial que os economistas qualificam de “desfavorável”. Isso significa que suas importações excedem as exportações.
A “balança comercial favorável” da Grã-Bretanha devia-se ao fato
de que suas fábricas enviavam muitos tipos de equipamento para
os Estados Unidos e tinham como pagamento simplesmente ações
de companhias norte-americanas. Esse período da história dos Estados Unidos durou, aproximadamente, até a década de 1890. Mas
quando este país, com a ajuda do capital britânico – e mais tarde
com a ajuda das próprias políticas pró-capitalistas –, expandiu seu
sistema econômico de uma maneira inédita, os norte-americanos
começaram a comprar de volta o capital acionário que haviam vendido a estrangeiros. Os Estados Unidos passaram a ter, então, um
excesso de exportações em relação às importações. A diferença a seu
favor era paga pela importação – a repatriação, como a chamavam –
das ações ordinárias norte-americanas.
Essa fase durou até a Primeira Guerra Mundial. O que aconteceu depois é uma outra história. É a história dos auxílios
norte-americanos aos países beligerantes durante a Primeira e a
Segunda Guerras Mundiais, bem como nas entre guerras e após
elas: os empréstimos, os investimentos feitos na Europa, além
do lend-lease, da ajuda externa, do Plano Marshall, dos alimentos
82
Ludwig von Mises
enviados para outros países e de todos os demais subsídios. Friso
isto porque não são poucos os que acreditam ser vergonhoso ou
degradante ter capital estrangeiro operando em seu país. Devemos nos dar conta de que em todos os países, exceto a Inglaterra, o investimento de capital de origem estrangeira sempre
desempenhou um papel da mais considerável importância para a
implantação de indústrias modernas.
Se afirmo que o investimento externo foi o maior acontecimento
histórico do século XIX, faço-o no desejo de lembrar tudo aquilo
que nem sequer existiria se não tivesse havido qualquer investimento externo. Todas as estradas de ferro, inúmeros portos, fábricas e
minas da Ásia, o canal de Suez e muitas outras coisas no hemisfério ocidental não teriam sido construídos, não fosse o investimento externo. O investimento externo é feito na expectativa de que
não será expropriado. Ninguém investiria coisa alguma se soubesse
de antemão que seus investimentos seriam objeto de expropriação.
No século XIX e no início do século XX, não se cogitava disso ao
se aplicar no estrangeiro. Desde o princípio havia, por parte de
alguns países, certa hostilidade em relação ao capital estrangeiro.
No entanto, apesar da hostilidade, estes países, em sua maior parte,
compreendiam muito bem que os investimentos externos lhes propiciavam imensas vantagens. Em alguns casos, os investimentos
externos não eram destinados diretamente a capitalistas de outros
países: realizavam-se indiretamente, através de empréstimos concedidos ao governo do país estrangeiro. Neste caso, era o governo que
aplicava o dinheiro em investimentos. Foi este, por exemplo, o caso
da Rússia. Por razões puramente políticas, os franceses investiram
nesse país – nas duas décadas que precederam a Primeira Guerra
Mundial – cerca de vinte bilhões de francos de ouro, sobretudo
na forma de empréstimos ao governo. Todos os grandes empreendimentos desse governo – como, por exemplo, a ferrovia que liga
a Rússia, indo dos montes do Ural, através do gelo e da neve da
Sibéria, até o Pacífico – foram realizados basicamente com capital
estrangeiro emprestado ao governo russo. Como é fácil presumir,
os franceses nem sequer imaginavam que, de um momento para outro, se implantaria um governo russo comunista que simplesmente
declararia não pretender pagar os débitos contraídos por seus predecessores do governo czarista.
Quinta Lição
83
A partir da Primeira Guerra Mundial, teve inicio um período
de guerra declarada aos investimentos estrangeiros. Uma vez que
não há qualquer medida capaz de impedir um governo de expropriar capital investido, praticamente inexiste proteção legal para
os investimentos externos no mundo de hoje. Os capitalistas dos
países exportadores de capital não previram isso: se o tivessem
feito, teriam sustado todos os investimentos externos há quarenta
ou cinquenta anos atrás. Na verdade, os capitalistas não acreditavam que algum país pudesse ser antiético o bastante para descumprir uma dívida, para expropriar e confiscar capital estrangeiro.
Com este tipo de ação, inaugurou-se um novo capítulo na história
econômica do mundo. Encerrado o glorioso período do século
XIX, em que o capital estrangeiro fomentou, em todas as partes
do mundo, a implantação de modernos métodos de transporte, de
fabricação, de mineração e de tecnologia agrícola, inaugurou-se
uma nova era em que governos e partidos políticos passaram a ter
o investidor estrangeiro na conta de um explorador a ser escorraçado do país. Os russos não foram os únicos a incorrer nessa atitude
anticapitalista. Basta lembrar, por exemplo, a expropriação dos
campos de petróleo norte-americanos no México, bem como tudo
o que se passou aqui, neste país (Argentina).
A situação no mundo de hoje, gerada pelo sistema de expropriação do capital estrangeiro, consiste ou na expropriação direta ou
naquela realizada indiretamente, por meio do controle do câmbio
exterior ou da discriminação de taxas. Este é sobretudo um problema de nações em desenvolvimento. Tomemos, por exemplo, a
maior dessas nações: a Índia. Sob o sistema britânico, investiu-se,
neste país, predominantemente capital britânico, embora também
tenha havido investimentos de capital originário de outros países
da Europa. Além disso, os britânicos exportaram para a Índia algo
extremamente importante, que precisa ser mencionado neste contexto: exportaram métodos modernos de combate a doenças contagiosas. O resultado foi um extraordinário aumento da população
do país que, por sua vez, gerou um terrível agravamento dos seus
problemas. Ante essa situação cada vez mais grave, a Índia optou
pela expropriação como meio de enfrentar suas dificuldades. Mas
esta expropriação não foi sempre efetuada de maneira direta: a hostilização do governo aos capitalistas estrangeiros se mostrava nos
84
Ludwig von Mises
empecilhos criados para seus investimentos. Como consequência,
só restava aos capitalistas liquidarem seus negócios.
A Índia podia, é óbvio, obter capital por um outro método: o
da acumulação interna. Mas trata-se de um país tão hostil à acumulação interna de capital quanto aos capitalistas estrangeiros.
O governo indiano declara pretender industrializar o país, mas o
que de fato tem em mente é instituir empresas socialistas. Alguns
anos atrás, o famoso estadista Jawaharlal Nehru publicou uma
coletânea de discursos. O livro foi lançado no intuito de tornar
os investimentos estrangeiros na Índia mais atraentes. O governo indiano não é contrário ao capital estrangeiro antes que este
seja investido. A hostilidade só começa quando já está investido.
Nesse livro – cito literalmente – o Sr Nehru diz: “Desejamos, é
claro, socializar. Mas não somos contrários a iniciativa privada.
Desejamos encorajar de todas as maneiras a iniciativa privada.
Queremos afiançar aos empresários que investem no país que
não os expropriaremos ou os socializaremos num prazo de dez
anos, talvez até por mais tempo.” E ele supunha estar fazendo um
convite estimulante.
No entanto, o problema real – como sabem todos aqui presentes – está na acumulação interna de capital. Em todos os países, são extremamente altos os impostos que, hoje, pesam sobre as
companhias. Na verdade, elas sofrem uma dupla tributação. Além
de haver uma severa taxação sobre seus lucros, há, ainda, outra taxação sobre os dividendos que pagam aos acionistas. E esta tributação é feita de maneira progressiva. A tributação progressiva da
renda e dos lucros tem como resultado o fato de que precisamente
aquelas parcelas da renda que se tenderia a poupar e a investir são
consumidas no pagamento de tributos. Tomemos o exemplo dos
Estados Unidos. Há alguns anos, havia um imposto sobre “excesso de lucros”: de cada dólar ganho, a companhia retinha apenas
dezoito centavos de dólar. Quando esses 18 centavos eram pagos
aos acionistas, aqueles que possuíam um grande número de ações
tinham de pagar, sobre essa cota, como imposto, um percentual de
16, 18 ou até mais. Assim, de um dólar de lucro, os acionistas retinham cerca de sete centavos de dólar, ficando o governo com os
93 restantes. A maior parte desses 93% que, nas mãos do acionista,
Quinta Lição
85
teria sido economizada e investida, é utilizada pelo governo nas
despesas comuns. É esta a política dos Estados Unidos.
Espero ter deixado claro que a política dos Estados Unidos não é
um exemplo a ser imitado por outros países. Quero apenas ressalvar
que um país rico tem mais condições de suportar más políticas que
um país pobre. Nos Estados Unidos, a despeito desses métodos de
tributação, ainda se verifica, todos os anos, alguma acumulação adicional de capital que reverte em investimentos. Permanece ainda,
consequentemente, uma tendência à elevação do padrão de vida.
Mas em muitos outros países o problema é extremamente mais
critico. Além de não haver – ou de não haver em volume suficiente
– poupança interna, o investimento de capital oriundo do estrangeiro é severamente reduzido em decorrência da franca hostilidade
existente em relação ao investimento externo. Como podem estes
países falar de industrialização, da necessidade de criar novas fábricas, de atingir melhores condições econômicas, de elevação do
padrão de vida, de obtenção de padrões salariais mais elevados, de
implantar melhores meios de transporte, se adotam uma prática que
terá exatamente o efeito oposto? O que suas políticas fazem efetivamente, quando criam obstáculos ao ingresso do capital estrangeiro,
é impedir ou retardar a acumulação interna de capital.
O resultado final é, certamente, extremamente negativo. Como
não podia deixar de ser, decorre de tudo isto uma acentuada perda
de confiança: existe hoje, no mundo todo, um crescente descrédito
na viabilidade de se investir no exterior. Ainda que os países interessados em conseguir novos capitais se empenhassem em mudar
imediatamente suas políticas e fizessem toda a sorte de promessas,
é muito duvidoso que pudessem, mais uma vez, estimular os capitalistas estrangeiros a neles investirem.
É evidente que existem métodos para evitar que as coisas cheguem a este ponto. Uma medida possível seria o estabelecimento
de alguns estatutos internacionais – e não somente de acordos – que
retirassem os investimentos externos da jurisdição nacional. Isto
poderia ser feito por intermédio das Nações Unidas. Mas a ONU
86
Ludwig von Mises
não passa de um lugar de encontro para discussões inócuas. Tendo
em vista a enorme importância do investimento externo, percebendo com clareza que só ele pode trazer melhorias para as condições
políticas e econômicas do mundo, precisamos tentar fazer algo em
termos de legislação internacional.
Esta é uma questão legal, de cunho técnico, que estou levantando apenas para mostrar que a situação não é desesperadora.
Se o mundo quiser efetivamente tornar possível que os países em
desenvolvimento elevem seu padrão de vida, chegando ao “estilo
de vida americano”, isso poderá ser feito. É necessário apenas
compreender como.
Uma única coisa falta para tornar os países em desenvolvimento tão prósperos quanto os Estados Unidos: capital. No entanto, é
imprescindível que haja liberdade para empregá-lo sob a disciplina
do mercado, não sob a do governo. É preciso que estas nações acumulem capital interno e viabilizem o ingresso do capital estrangeiro. No entanto, faz-se necessário frisar, mais uma vez, que o desenvolvimento da poupança interna só tem lugar quando as camadas
populares se sentem respaldadas por um sistema econômico que
propicie a existência de uma unidade monetária estável. Em outras
palavras, não se pode admitir nenhuma modalidade de inflação.
Grande parte do capital empregado nas empresas norte-americanas é de propriedade dos próprios trabalhadores e de outras pessoas
de recursos modestos. Bilhões e bilhões de depósitos de poupança, títulos e apólices de seguro operam nessas empresas. Hoje, no
mercado monetário dos Estados Unidos, os maiores emprestadores
de dinheiro já não são os bancos, mas as companhias seguradoras.
E, do ponto de vista econômico – e não do legal –, o dinheiro das
seguradoras é propriedade do segurado. E praticamente todos os
cidadãos norte-americanos são, de uma forma ou de outra, segurados. O requisito fundamental para que haja, no mundo, uma maior
igualdade econômica é a industrialização. E esta só se torna possível quando há maior acumulação e investimento de capital. Talvez
eu os tenha surpreendido por não mencionar uma medida reputada
primordial na industrialização de um país: o protecionismo. Mas
Quinta Lição
87
as tarifas e controles do câmbio exterior são exatamente meios de
impedir a importação de capital e a industrialização do país. A única
maneira de fomentar a industrialização é dispor de mais capital. O
protecionismo não faz mais que desviar investimentos de um ramo
de negócios para outro.
Por si mesmo, o protecionismo não acrescenta coisa alguma ao
capital de um país. Para implantar uma nova fábrica, precisa-se
de capital. Para modernizar uma já existente, precisa-se de capital,
não de tarifas. Não se trata, aqui, de discutir toda a questão do
livre-câmbio ou do protecionismo. Espero que a maior parte dos
manuais de economia que se encontram no mercado, ao alcance de
todos, já a apresentem adequadamente. A proteção não introduz
alterações positivas na situação econômica de um país.
Também o sindicalismo certamente não vem a promover qualquer melhoria nessa situação. Se as condições de vida são insatisfatórias e os salários são baixos, o assalariado que tenha sua atenção
voltada para os Estados Unidos e que leia sobre o que ali se passa,
ao ver em filmes, como a casa de um americano médio é equipada
de todos os confortos modernos, pode sentir uma ponta de inveja.
E tem toda razão ao dizer: “Deveríamos ter a mesma coisa”. Mas
só se pode obter esta melhoria através do aumento do capital. Os
sindicatos recorrem à violência contra os empresários e contra os
que chamam de “fura-greves”. Mas, a despeito de sua força e de sua
violência, não conseguem elevar de maneira contínua os salários de
todos os assalariados.
Igualmente ineficazes são os decretos governamentais que estipulam pisos salariais. O que os sindicatos conseguem de fato produzir
(quando são bem sucedidos na luta pela elevação dos salários) é um
desemprego duradouro, permanente. Os sindicatos não têm como
industrializar o país, não têm como elevar o padrão de vida dos trabalhadores. E este é o ponto crítico. É preciso compreender que
todas as políticas de um país desejoso de elevar seu padrão de vida
devem estar voltadas para o aumento do capital investido per capita.
Aliás, este investimento de capital per capita continua a crescer nos
Estados Unidos, apesar de todas as más políticas ai adotadas. E o
88
Ludwig von Mises
mesmo ocorre no Canadá e em alguns países da Europa Ocidental.
Mas, lamentavelmente, vem-se reduzindo em países como a Índia.
Lemos todos os dias nos jornais que a população mundial apresenta um crescimento de cerca de 45 milhões de pessoas – ou até
mais – por ano. Aonde isso nos vai levar? Quais serão os resultados
e as consequências? Lembrem do que falei sobre a Grã-Bretanha.
Em 1750, os britânicos supunham que seis milhões de pessoas constituíam uma população excessiva para as Ilhas Britânicas: todos estariam fadados à fome e à peste. No entanto, nas vésperas da última
Guerra Mundial, em 1939, cinquenta milhões de pessoas viviam nas
Ilhas Britânicas com um padrão de vida incomparavelmente superior ao padrão com que se vivia em 1750. Isto era um efeito da
chamada industrialização – termo, por sinal, bastante inadequado.
O progresso da Grã-Bretanha foi gerado pelo aumento do investimento de capital per capita. Como eu já disse antes, as nações só
têm uma maneira de alcançar a prosperidade: através do aumento
do capital, com o decorrente aumento da produtividade marginal e
o crescimento dos salários reais. Num mundo sem barreiras migratórias, haveria uma tendência à equiparação dos padrões salariais de
todos os países. Atualmente, se não existissem barreiras à migração,
é provável que vinte milhões de pessoas procurassem ingressar nos
Estados Unidos a cada ano, atraídas pelos melhores salários ai oferecidos. Tal afluência provocaria a redução dos salários nesse país e
uma correspondente elevação em outros.
Embora não haja tempo suficiente nesta exposição para tratarmos das barreiras migratórias, é importante deixar claro que há outro caminho capaz de levar à equiparação salarial no mundo inteiro.
E este outro caminho, que passa a valer quando não existe a liberdade para migrar, é a migração de capital. Os capitalistas tendem a
se deslocar para aqueles países onde a mão-de-obra é abundante e
barata. E, pelo próprio fato de introduzirem capital nesses países,
provocam uma tendência à elevação dos padrões salariais. Isso funcionou no passado e funcionará no futuro do mesmo modo.
Quando houve, pela primeira vez, investimento de capital britânico na Áustria ou na Bolívia, por exemplo, os padrões salariais
Quinta Lição
89
ali estabelecidos eram muito inferiores aos que prevaleciam na
Grã-Bretanha. Este investimento adicional originou, então, uma
tendência à alta dos padrões salariais nesses países, tendência está
que se refletiu no mundo inteiro. É um fato bastante conhecido
que, imediatamente após a introdução, por exemplo, da United
Fruit Company na Guatemala, o resultado foi uma tendência geral
a maiores padrões salariais. A partir dos salários pagos pela United
Fruit Company criou-se, para os demais empregadores, a necessidade de pagar, também, salários mais elevados. Portanto, não há absolutamente razão para qualquer pessimismo em relação ao futuro dos
países “subdesenvolvidos”.
Concordo plenamente com os comunistas e com os sindicalistas
quando proclamam que o necessário é elevar o padrão de vida. Pouco
tempo atrás, num livro publicado nos Estados Unidos, dizia um professor: “Temos agora o bastante de todas as coisas; por que deveria a
população do mundo continuar trabalhando tanto? Já temos tudo.”
Não tenho a menor dúvida de que esse professor tenha tudo. Mas há
outros povos, em outros países – e também muitas pessoas nos Estados Unidos – que desejam e deveriam ter um melhor padrão de vida.
Fora dos Estados Unidos – na América Latina e, mais ainda, na
Ásia e na África – todos desejam a melhoria das condições do seu
país. Um padrão de vida mais alto acarreta, também, padrões superiores de cultura e de civilização. Assim, concordo plenamente
com a meta final de elevar o padrão de vida em toda parte. Mas
discordo no tocante às medidas a serem adotadas para a consecução deste objetivo. Que medidas levarão a atingir esta meta?
Certamente não é a proteção, nem a interferência governamental,
nem o socialismo, ou a violência dos sindicatos (eufemisticamente
chamada de barganha coletiva, mas que se constitui, de fato, numa
barganha sob a mira do revólver).
Alcançar esta meta final de elevação do padrão de vida em toda
parte é um processo bastante lento. Para alguns, talvez demasiadamente lento. Mas não há atalhos para o paraíso terrestre. Leva
tempo, é necessário trabalhar. No entanto, não será preciso tanto
tempo quanto muitos imaginam. A equiparação virá finalmente.
90
Ludwig von Mises
Por volta de 1840, na região ocidental da Alemanha – na Suábia e em Wurtemberg, que eram na época áreas das mais industrializadas do mundo –, dizia-se: “Jamais conseguiremos atingir
o nível dos britânicos. Os ingleses têm uma cabeça de vantagem
e estarão sempre à nossa frente”. Trinta anos mais tarde, diziam
por sua vez os britânicos: “Essa concorrência alemã é intolerável,
temos de dar um jeito nisso”. Por essa época, é claro, o padrão
alemão experimentava uma rápida elevação, muito embora apenas
se aproximasse do padrão britânico. Hoje, a renda per capita alemã
nada fica a dever à britânica.
No centro da Europa, existe um pequeno país, a Suíça, muito
pouco aquinhoado pela natureza. Não tem minas de carvão, não
tem minérios, não tem recursos naturais. Mas, ao longo de séculos,
seu povo praticou uma política capitalista e erigiu o mais elevado
padrão de vida da Europa continental. Esse país situa-se, agora,
entre os mais destacados centros de civilização do mundo. Não
vejo por que um país como a Argentina – muito maior que a Suíça,
tanto em população quanto em extensão territorial – não poderia
alcançar o mesmo elevado padrão de vida ao cabo de alguns anos
de boas políticas. Mas – como já o frisei – é imprescindível que as
políticas sejam boas.
caPítulo vi
Sexta lição
1
Política e ideiaS
No Século das Luzes, nos anos em que os norte-americanos instituíram sua independência, e alguns anos mais tarde, quando as
colônias espanholas e portuguesas se transformaram em nações independentes, predominava na civilização ocidental um espírito de
otimismo. Nessa época, todos os filósofos e estadistas estavam plenamente convencidos de que vivíamos o alvorecer de uma nova era de
prosperidade, progresso e liberdade. Alimentava-se naqueles dias a
esperança de que as novas instituições políticas – os governos representativos constitucionais estabelecidos nas nações livres da Europa
e da América – atuariam de forma muito benéfica, e que a liberdade
econômica promoveria a permanente melhoria das condições materiais dá humanidade. Sabemos perfeitamente que algumas dessas
expectativas eram demasiado otimistas. Não há dúvida de que experimentamos, nos séculos XIX e XX, um progresso sem precedentes
das condições econômicas, progresso este que tornou possível a uma
população muito maior viver num padrão de vida muito superior ao
de épocas anteriores. Mas sabemos, também, que muitas das esperanças dos filósofos do século XVIII foram atrozmente estilhaçadas
– esperanças de que não haveria mais guerras e de que as revoluções
se tornariam desnecessárias. Essas esperanças não se concretizaram.
Durante o século XIX, houve um período em que as guerras diminuíram, tanto em número quanto em gravidade. Mas o século
XX trouxe um ressurgimento do espírito belicoso, e temos boas razões para dizer que talvez ainda não tenhamos chegado ao fim das
provações que a humanidade deverá atravessar.
O sistema constitucional introduzido em fins do século XVIII e
início do XIX frustrou a humanidade. A maioria das pessoas – e dos
92
Ludwig von Mises
autores – que tratou desse problema parece pensar que não houve relação entre os aspectos político e econômico do problema. Tende-se,
por conseguinte, a considerar o fenômeno da deterioração do parlamentarismo – governo exercido pelos representantes do povo – como
se fosse um fenômeno desvinculado da situação econômica e das concepções econômicas que determinam as atividades das pessoas.
Essa independência, no entanto, não existe. O homem não é um
ser que tenha, por um lado, uma dimensão econômica e, por outro, uma dimensão política, dissociadas uma da outra. Na verdade,
aquilo a que comumente se dá o nome de deterioração da liberdade,
do governo constitucional e das instituições representativas, nada
mais é que a consequência da mudança radical das ideias políticas e
econômicas. Os eventos políticos são a consequência inevitável da
mudança das políticas econômicas.
As ideias que nortearam os estadistas, filósofos e juristas que, no
século XVIII e princípio do século XIX, elaboraram os fundamentos
do novo sistema político, partiam do pressuposto de que, numa nação,
todos os cidadãos honestos têm uma mesma meta final. Essa meta
final na qual todos os homens decentes se deveriam empenhar é o
bem-estar de toda a nação, assim como o das demais nações. Aqueles
líderes morais e políticos estavam, portanto, firmemente convencidos
de que uma nação livre não está interessada em conquista. Julgavam
a luta partidária algo simplesmente natural, uma vez que lhes parecia
totalmente normal a existência de diferenças de opinião no tocante à
melhor maneira de se conduzirem os negócios do estado.
As pessoas que tinham ideias semelhantes acerca de um problema cooperavam, e a essa cooperação dava-se o nome de partido.
Por outro lado, a estrutura partidária não era permanente: não se
baseava na posição ocupada pelos indivíduos no conjunto da estrutura social e podia sofrer alterações, caso as pessoas se dessem
conta de que sua posição original fundamentara-se em pressupostos errôneos, ou em ideias equivocadas. Desse ponto de vista,
muitos consideravam as discussões desenroladas nas campanhas
eleitorais e, posteriormente, nas assembleias legislativas, um importante fator político. Não concebiam os discursos dos membros
Sexta Lição
93
de um congresso como meros pronunciamentos que anunciavam
ao mundo as aspirações de um partido político. Viam-nos como
tentativas de convencer os grupos adversários de que as ideias
apresentadas pelo orador eram mais corretas, mais propícias ao
bem comum que outras ideias antes apresentadas.
Discursos políticos, editoriais em jornais, folhetos e livros eram
escritos no intuito de persuadir. Não havia por que acreditar ser impossível para alguém convencer a maioria da absoluta correção das
próprias ideias, desde que estas fossem bem fundamentadas. Foi
nessa perspectiva que as normas constitucionais foram formuladas
nos órgãos legislativos do princípio do século XIX.
No entanto, partia-se do pressuposto de que o governo não iria
interferir nas condições econômicas do mercado. Era preciso, também, que todos os cidadãos tivessem um único objetivo político:
o bem-estar de todo o país e de toda a nação. E foi precisamente
essa a filosofia social e econômica que o intervencionismo veio a
suplantar, gerando uma filosofia totalmente diversa. Segundo as
concepções intervencionistas, é dever do governo apoiar, subsidiar, conceder privilégios a grupos especiais. O estadista do século
XVIII pensava que os legisladores tinham ideias específicas sobre
o bem comum. Hoje, entretanto, constatamos, na realidade da vida
política – praticamente na de todos os países do mundo onde não
vigora simplesmente uma ditadura comunista – uma situação em
que já não existem partidos políticos autênticos, no velho sentido
clássico, mas tão somente grupos de pressão.
Um grupo de pressão é um grupo de pessoas desejoso de obter
um privilégio à custa do restante da nação. Esse privilégio pode
consistir numa tarifa sobre importações competitivas, pode consistir em leis que impeçam a concorrência de outros. Seja como for,
confere aos membros de um grupo uma posição especial. Dá-lhes
algo que é negado, ou deve ser negado – segundo os desígnios do
grupo de pressão – a outros grupos.
Nos Estados Unidos, o sistema bipartidário dos velhos tempos
aparentemente ainda se conserva. Mas isso é apenas uma camu-
94
Ludwig von Mises
flagem da situação real. Na verdade, a vida política desse país –
bem como a de todos os demais – é determinada pela luta e pelas
aspirações de grupos de pressão. Nos Estados Unidos, continuam a existir um Partido Republicano e um Partido Democrata,
mas cada um deles abriga representantes dos mesmos grupos de
pressão. Estes representantes estão mais interessados em cooperar com outros representantes do mesmo grupo, mesmo que sejam
filiados ao partido adversário, que com os esforços dos próprios
companheiros de partido.
Assim, por exemplo, se conversarmos nos Estados Unidos com
pessoas que efetivamente conheçam as atividades do Congresso,
elas nos dirão: “Tal político, tal membro do Congresso representa
os interesses dos grupos ligados à prata”. Ou dirão que tal outro
político representa os plantadores de trigo. Como é óbvio, cada um
desses grupos de pressão constitui, necessariamente, uma minoria.
Num sistema baseado na divisão do trabalho, todo grupo especial
que almeja privilégios não pode deixar de ser uma minoria. E as minorias não têm qualquer possibilidade de êxito, senão pela colaboração com outras minorias congêneres, ou seja, com outros grupos
de pressão semelhantes. Nas assembleias legislativas, procura-se
compor uma coalizão entre vários grupos de pressão, de tal modo
que possam vir a se converter em maioria. Mas, passado algum tempo, essa coalizão pode se desintegrar, uma vez que há questões que
tornam impossível o acordo entre vários grupos. Novas coalizões,
então, se formam.
Foi o que ocorreu na França em 1871, numa situação que se configurou, aos olhos dos historiadores, como “a queda da Terceira República”. Não se tratou, porém, de um declínio da Terceira República; houve simplesmente uma mostra de que o sistema de grupos
de pressão não é algo que se possa aplicar com sucesso ao governo
de uma grande nação.
Temos, nos órgãos legislativos, representantes do trigo, da carne,
da prata, do petróleo, mas, antes de tudo, de diversos sindicatos. Só
uma coisa não está representada no legislativo: a nação como um
todo. Apenas vozes isoladas se põem ao lado do conjunto da nação.
Sexta Lição
95
E todos os problemas, mesmo os de política exterior, são encarados
do ponto de vista dos interesses especiais dos grupos de pressão.
Nos Estados Unidos, alguns dos estados de menor população estão interessados no preço da prata. Mas nem todos os habitantes
desses estados têm esse interesse. Todavia, o país despendeu, por
muitas décadas, considerável soma de dinheiro, à custa dos contribuintes, para comprar prata a um preço superior ao do mercado.
Para mencionar mais um exemplo, só uma pequena parcela da população norte-americana dedica-se à agricultura; o restante é constituído por consumidores – não produtores – de produtos agrícolas.
Não obstante, esse país tem uma política que envolve o gasto de
bilhões e bilhões de dólares com a finalidade de manter os preços
dos produtos agrícolas acima do preço potencial de mercado.
Não se pode dizer que esta é uma política de favorecimento de
uma pequena minoria, visto que esses interesses agrícolas não são
uniformes. Os que se dedicam à produção de leite não estão interessados num alto preço para os cereais; ao contrário, prefeririam
que esse produto fosse mais barato. Um criador de galinhas desejaria um preço mais baixo para a ração que compra. Há muitos
interesses específicos incompatíveis no interior desse grupo, por
pequeno que seja. E apesar de tudo, uma hábil diplomacia cria
condições que permitem a pequenos grupos obterem privilégios
a expensas da maioria. Uma situação especialmente interessante nos Estados Unidos relaciona-se ao açúcar. Talvez apenas um
dentre quinhentos norte-americanos esteja interessado num preço
mais alto para o açúcar. Provavelmente os outros 499 querem um
preço mais baixo. Contudo, a política do país empenha-se, mediante tarifas e outras medidas especiais, numa elevação do preço
do açúcar. Essa política não prejudica somente os interesses dos
499 que são consumidores de açúcar: gera também um gravíssimo
problema de política exterior. O objetivo da política exterior norte-americana é a cooperação com todas as demais repúblicas. Ora,
algumas delas têm interesse em vender açúcar aos Estados Unidos e desejariam vendê-lo em maiores quantidades. Este exemplo
ilustra como os interesses dos grupos de pressão são capazes de
determinar até mesmo a política exterior de uma nação.
96
Ludwig von Mises
Ao longo de anos, em todas as partes do mundo, se tem escrito sobre democracia – sobre o governo popular representativo.
Esses textos trazem queixas das deficiências do regime, mas a democracia que criticam é apenas aquela em que o intervencionismo
é a política que rege o país.
Hoje, poderíamos ouvir as seguintes palavras: “No princípio do
século XIX, nos parlamentos da França, Inglaterra, Estados Unidos
e outras nações, faziam se pronunciamentos sobre os grandes problemas da humanidade. Lutava-se contra a tirania, pela liberdade,
pela cooperação com todas as outras nações livres. Mas hoje somos
mais práticos no parlamento!”. Não há dúvida de que somos mais
práticos; hoje não se fala sobre liberdade; fala-se sobre a majoração
do preço do amendoim. Se isso é ser prático, então é óbvio que os
parlamentos mudaram consideravelmente, mas não para melhor.
Essas mudanças políticas, fruto do intervencionismo, reduziram
consideravelmente o poder que tem as nações e os representantes
para resistir às aspirações de ditadores e às ações de tiranos. Há representantes em órgãos legislativos exclusivamente interessados em
satisfazer eleitores que desejam, por exemplo, um preço alto para o
açúcar, para o leite e para a manteiga, e um preço baixo para o trigo
(subsidiado pelo governo). Estes parlamentares nunca poderão representar verdadeiramente o povo: jamais lhes será possível representar a totalidade de seu eleitorado.
Os eleitores favoráveis a esses privilégios não levam em conta
que há também outros eleitores, com posições totalmente divergentes, que, tendo pretensões diametralmente opostas, não permitem
que seus representantes tenham um êxito absoluto.
Acresce que este sistema, além de, por um lado, trazer um constante aumento dos gastos públicos, dificulta, por outro, o estabelecimento de impostos. Esses representantes dos grupos de pressão
almejam muitos privilégios especiais para seus respectivos grupos,
mas não desejam onerar suas bases de sustentação política com uma
carga tributária demasiado pesada. Não era ideia dos fundadores do
moderno governo constitucional, no século XVIII, que um legis-
Sexta Lição
97
lador devesse representar não o conjunto da nação, mas apenas os
interesses específicos do distrito em que fora eleito. Essa foi, aliás,
uma das consequências do intervencionismo. Segundo a concepção
original, cada membro do parlamento deveria representar toda a nação. Era eleito em determinado distrito somente porque ali era bem
conhecido, sendo escolhido por pessoas que nele confiavam.
Mas não se pretendia que esse representante ingressasse no
governo com o objetivo de proporcionar algo especial para seu
eleitorado, para reivindicar uma nova escola, um novo hospital
ou um novo manicômio – causando assim considerável elevação
dos gastos governamentais no seu distrito. Os grupos políticos de
pressão permitem entender por que é quase impossível, a quase
todos os governos, deter a inflação. Quando as autoridades eleitas procuram restringir despesas, limitar gastos, os que defendem
interesses especiais – uma vez que serão beneficiários diretos de
determinados itens do orçamento – apresentam-se para declarar
que tal projeto específico não pode ser posto em prática, ou que tal
outro deve ser implementado.
A ditadura, claro, não é solução para os problemas econômicos,
como não é resposta para os problemas da liberdade. Um ditador
pode começar fazendo toda a sorte de promessas, mas, ditador que
é, não as cumprirá. Em vez disso, suprimirá imediatamente a liberdade de expressão, de tal modo que os jornais e os oradores no
parlamento já não possam assinalar – nos dias, meses ou anos subsequentes – que no primeiro dia de sua ditadura, ele dissera algo
diverso do que passou a praticar dali por diante.
A terrível ditadura que um país tão importante como a Alemanha foi obrigada a sofrer no passado recente vem-nos à mente
quando consideramos o declínio da liberdade em tantos países, nos
nossos dias. A triste consequência é a deterioração da liberdade e
a decadência da nossa civilização, de que tanto se fala hoje em dia.
Diz-se que toda civilização acabará, finalmente, por entrar em
processo de deterioração e de desintegração. Tal ideia tem eminentes defensores. Um deles foi um professor alemão, Spengler,
98
Ludwig von Mises
e outro, muito mais conhecido, foi o historiador inglês Toynbee.
Eles nos asseveram que nossa civilização já está velha. Spengler
comparou a civilização a plantas que crescem, crescem, mas cujas
vidas finalmente se encerram. O mesmo, diz ele, se aplica às civilizações. A aproximação metafórica entre uma civilização e uma
planta é completamente arbitrária.
Antes de mais nada, é muito difícil distinguir no próprio âmbito
da história da humanidade, civilizações diferentes, independentes.
As civilizações não são independentes; são interdependentes, exercendo umas sobre as outras constante influência. Não se pode, portanto, falar de declínio de uma civilização do mesmo modo como se fala
da morte de determinada planta.
Mas, mesmo refutando-se as doutrinas de Spengler e Toynbee,
resta ainda uma comparação muito usual: a comparação entre civilizações em deterioração. Não há dúvida de que, no século II
DC, o Império Romano gerou uma florescente civilização, a qual se
constituiu na mais elevada das que se desenvolveram nas regiões da
Europa, Ásia e África. Houve concomitantemente elevadíssima civilização econômica, baseada num certo grau de divisão do trabalho.
Embora esta civilização econômica possa parecer extremamente
primitiva quando comparada às condições atuais, ela teve características certamente notáveis. Alcançou o mais alto grau de divisão
do trabalho jamais atingido até o advento do capitalismo moderno.
Não é menos verdade que essa civilização se deteriorou, sobretudo
no século III. E foi esta desintegração no seio de seu império que
tornou impossível aos romanos resistirem à agressão externa. Embora esta agressão não fosse pior que outras muitas vezes repelidas
nos séculos precedentes, os romanos já não tiveram condições de
lhe opor resistência, desgastados que estavam pelo que se passara no
interior do seu império.
Que acontecera? Qual teria sido o problema? Qual poderia ter
sido a causa de desintegração de um império que, sob todos os aspectos, construíra uma civilização sem outra que se lhe igualasse
até o século XVIII? A verdade é que essa civilização foi destruída por algo semelhante, quase idêntico, aos perigos que rondam
Sexta Lição
99
hoje a nossa civilização: por um lado houve intervencionismo; por
outro, inflação. O intervencionismo no Império Romano consistia no fato de que, seguindo o modelo político dos seus predecessores gregos, os romanos impunham o controle dos preços. Era
um controle brando, praticamente sem consequências, porque,
durante séculos, não se procurou reduzir os preços a um nível
abaixo de seu nível de mercado.
Quando a inflação teve início, no século III, os romanos ainda
não dispunham dos nossos recursos técnicos para promovê-la – não
tinham como imprimir dinheiro. Lançavam mão do método que
consistia em enfraquecer o teor da liga metálica com que se cunhavam as moedas, sem dúvida um sistema de inflacionar muito menos
eficaz que o atual, que pode, através de modernas máquinas impressoras, destruir com tanta facilidade o valor do dinheiro. Mas seu
antigo método era eficiente o bastante para surtir o mesmo efeito,
ou seja, para exercer o controle de preços. Deste modo, os preços
que as autoridades toleravam passaram a estar abaixo do preço potencial a que a inflação elevara as várias mercadorias.
O resultado, obviamente, foi que a oferta de produtos alimentícios nas cidades reduziu-se. As populações urbanas foram obrigadas
a retornar ao campo e às atividades agrícolas. Os romanos nunca se
deram conta do que estava ocorrendo. Não compreenderam. Não
tinham desenvolvido instrumentos mentais que lhes permitissem
interpretar os problemas da divisão do trabalho e as consequências
da inflação no mercado de preços. Tinham, no entanto, clareza suficiente para reconhecer o quanto era nefasta aquela inflação e deterioração da moeda corrente.
Os imperadores, então, baixaram leis que proibiam o deslocamento dos habitantes da cidade para o campo, mas tais leis não tiveram efeito. Aliás, não havia lei capaz de impedir que as pessoas
que passavam fome, pois nada tinham para comer, abandonassem
a cidade e retornassem à agricultura. O habitante da cidade já não
podia trabalhar nas indústrias urbanas de processamento como artesão. Os prejuízos dos mercados nas cidades eram tais que já se
tornara impossível comprar qualquer mercadoria.
100
Ludwig von Mises
Assim, do século III em diante, as cidades do Império Romano
entraram em decadência, e a divisão do trabalho tornou-se muito
mais precária que a de antes. Finalmente, o sistema medieval da
casa de família auto-suficiente, a villa, como foi chamada em leis
posteriores, emergiu. Portanto, se compararmos nossas condições
com as do Império Romano, teremos razões para dizer: “Iremos pelo
mesmo caminho”. Há muitos fatos semelhantes. Mas há também
enormes diferenças, que não estão relacionadas com a estrutura; política dominante na segunda metade do século III. Nesse período,
havia o assassinato de um imperador a cada três anos em média. O
assassino ou o responsável pela morte tornava-se seu sucessor. Cerca de três anos depois, a história se repetia. Diocleciano, quando
tornou-se imperador, no ano 284 DC, tentou por algum tempo, sem
sucesso, resistir à deterioração do Império.
As diferenças entre as condições atuais e as de Roma do século
III são enormes, porque as medidas que causaram a desintegração
do Império Romano não foram premeditadas. Não eram, eu diria,
medidas assumidas em consequência de doutrinas condenáveis mas
bem formalizadas. As ideias intervencionistas, as ideias socialistas,
as ideias inflacionistas de nossos dias foram engendradas e formalizadas por escritores e professores. E são ensinadas nas universidades. Poder-se-ia então observar: “A situação atual é muito pior’’.
Eu respondo: “Não, não é pior”. É melhor, na minha opinião, porque ideias podem ser derrotadas por outras ideias. Ninguém duvidava, na época dos imperadores romanos, de que a determinação de
preços máximos era uma boa política, e de que assistia ao governo o
direito de adotá-la. Ninguém discutia isso.
Mas agora, quando temos escolas, professores e livros prescrevendo tais e tais caminhos, sabemos muito bem que se trata de um
problema a discutir. Todas essas ideias nefastas que hoje nos afligem, que tornaram nossas políticas tão nocivas, foram elaboradas
por técnicos do meio acadêmico. Um famoso autor espanhol falou
a respeito da “revolta das massas”. Devemos ser muito cuidadosos
no uso desse termo, porque essa revolta não foi feita pelas massas:
foi feita pelos intelectuais, que, não sendo homens do povo, elaboraram doutrinas. Segundo a doutrina marxista, só os proletários têm
boas ideias, e a mente proletária, sozinha, engendrou o socialismo.
Sexta Lição
101
Todos esses autores socialistas, sem exceção, eram “burgueses”, no
sentido em que eles próprios, socialistas, usam o termo.
Karl Marx não teve origem proletária. Era filho de um advogado. Não precisou trabalhar para chegar à universidade. Fez seus
estudos superiores do mesmo modo como o fazem hoje os filhos das
famílias abastadas. Mais tarde, e pelo resto de sua vida, foi sustentado pelo amigo Friedrich Engels, que – sendo um industrial –, era
do pior tipo “burguês”, segundo as ideias socialistas. Na linguagem
do marxismo, era um explorador.
Tudo o que ocorre na sociedade de nossos dias é fruto de ideias,
sejam elas boas, sejam elas más. Faz-se necessário combater as más
ideias. Devemos lutar contra tudo o que não é bom na vida pública. Devemos substituir as ideias errôneas por outras melhores,
devemos refutar as doutrinas que promovem a violência sindical.
É nosso dever lutar contra o confisco da propriedade, o controle
de preços, a inflação e contra tantos outros males que nos assolam.
Ideias, e somente ideias, podem iluminar a escuridão. As boas ideias
devem ser levadas às pessoas de tal modo que elas se convençam de
que essas ideias são as corretas, e saibam quais são as errôneas. No
glorioso período do século XIX, as notáveis realizações do capitalismo foram fruto das ideias dos economistas clássicos, de Adam
Smith e David Ricardo, de Bastiat e outros. Precisamos, apenas,
substituir más ideias por ideias melhores. A geração vindoura conseguirá fazer isso. Não apenas espero que assim seja: tenho mesmo
muita confiança neste futuro. Nossa civilização, não está condenada, malgrado o que dizem Spengler e Toynbee. Nossa civilização
sobreviverá, e deve sobreviver. E sobreviverá respaldada em ideias
melhores que aquelas que hoje governam a maior parte do mundo,
ideias que serão engendradas pela nova geração.
Já considero um ótimo sinal o simples fato de eu hoje estar aqui,
nesta grande cidade que é Buenos Aires, a convite deste centro, falando sobre a livre economia. Há cinquenta anos atrás, ninguém no
mundo ousava dizer uma palavra sequer em favor de uma economia
livre. Hoje, em alguns dos países mais avançados do mundo, já temos instituições que são centros para a propagação destas ideias
102
Ludwig von Mises
Infelizmente, não me foi possível dizer muito sobre essas questões tão importantes. Seis palestras podem ser excessivas para um
auditório, mas não são bastantes quando se quer expor toda a filosofia que embasa o sistema de livre economia. Por outro lado,
certamente não são bastantes para que se possa refutar tudo o que
de insensato vem sendo escrito, nos últimos cinquenta anos, acerca
dos problemas econômicos de que estamos tratando.
Estou muito agradecido a este centro pela oportunidade de me
dirigir a tão distinta plateia e espero que, dentro de alguns anos,
o número dos defensores das ideias em prol da liberdade tenha
crescido consideravelmente, neste e em outros países. Quanto a
mim, tenho plena confiança no futuro da liberdade, tanto política
quanto econômica.
índice remiSSivo
acumulação 21
escolha 35-36
Alemanha 19, 24, 31, 33, 37, 42, 52-54, 67-
escravidão 31-32
68, 81, 90, 97
aristocracia 17-19, 32, 62
estado 30, 33, 37-38, 65, 69, 92
Estados Unidos 15-16, 19, 20, 24, 30, 33, 38
41-42, 53, 56-57, 61-62, 65, 69, 70, 74-75, 7781, 84-89, 93-96
banco central 67-68
estatização 47, 54
Bastiat, Frédéric 29, 101
Europa 14, 17-19, 24, 32-34, 61, 75, 78, 80-81,
Bismarck, Otto von 19
burguesia 32-33
83, 88, 90-91, 98
exportação 18, 55
expropriação 82-83
fábricas 15, 17-20, 22, 53, 65, 68, 78-79, 8182, 85
cálculo econômico 40
França 32-33, 37, 62, 72, 94, 96
capital 21-22, 24, 49, 52, 78-88
Führer 31, 53, 58
capitalismo 13-23, 25, 33, 39, 41, 56, 98, 101
governo 14, 18-19, 23, 28, 30-32, 35, 38-39, 45-
cidadão 28, 31-33, 43, 58, 63, 67, 70
concorrência 15, 16, 90, 93
consumidor 20, 30, 39, 42, 48
contribuinte 63
58, 61-64, 66-72, 74-77, 82-86, 92-94, 96-97,
100
Grã-Bretanha 22, 54-55, 70-72, 77, 79-81,
88-89
conservador 55
controle de preços 48, 49, 51, 53, 99, 101
Hitler, Adolf 42, 53-54, 58
Churchill, Winston 54
Idade Média 32, 34, 53, 58
democracia 59, 96
ideias 28, 31-32, 91-93, 100-102
desemprego 72-73, 75, 87
importação 18, 55, 81, 87
ditador 36-37, 59, 97
impostos 46-47, 62-63, 66, 69, 73, 84, 96
indivíduos 27, 32, 36, 92
indústria 13, 15, 17, 19, 29, 35, 39, 54
economia 25, 27-29, 32, 39, 40-41, 45-49, 5355, 58, 80, 87, 101-102
empregador 19-21, 73-74
empresário 20-22, 29, 35, 39, 49, 53, 79
escassez 18, 56, 79
industrialização 85-88
inflação 21, 47-48, 52, 61, 63-70, 73, 75-77,
86, 97, 99, 101
Inglaterra 14, 16-19, 23, 33, 37, 52-55, 62, 71
75, 80, 82, 96
106
Ludwig von Mises
intervencionismo 45, 47-48, 54, 56-57, 93,
96-97, 99
Primeira Guerra Mundial 37, 52, 67, 70,
81-83
investimento 21, 77, 80, 82, 85-89
privilégio 30, 71, 93
investimento externo 21, 77, 80, 82, 85-86
produção 15, 19, 23, 35-36, 39-42, 47, 49, 5152, 67, 72, 95
propriedade 13, 23, 86, 101
Keynes, John Maynard 69, 73
protecionismo 57, 86-87
proletários 14, 100
lei 23, 28, 30, 99
liberdade 16, 27-31, 33, 35-36, 55, 57-58, 77,
86, 88, 91-92, 96-97, 102
rei 13, 57-58, 62
Revolução Francesa 48-49, 62
livre mercado 25, 55-56
riqueza 23, 33, 62, 79
Marx, Karl 21, 23, 32, 36, 101
salário 18-20, 53-54, 63, 70-72
mercado 13, 22, 25, 27-29, 32, 39, 40-41, 45-
Segunda Guerra Mundial 24, 54, 56, 65
50, 52, 55-57, 63-65, 70-75, 86-87, 93, 95, 99
moeda 48, 61-62, 67, 69, 72-73, 99
servidão 32, 53, 58
sindicatos 23, 71-74, 87, 89, 94
socialismo 23, 27, 30, 35, 39, 40-42, 45-46,
52-54, 56-57, 77, 89, 100
nação 33, 36, 58, 62, 69, 70, 81, 92-95, 97
solução 38, 57, 62, 97
Nehru, Jawaharlal 84
nobreza 17-19
taxas 47, 52, 75, 83
ouro 61-62, 69, 70, 82
trabalhadores 17-19, 22-24, 53, 65, 68, 70-75
78, 86-87
tributos 46, 62, 84
papel-moeda 61, 67, 69
planejamento central 35-36
pleno emprego 73-75
poder 15-16, 27-28, 35, 37, 46, 48, 53, 55, 61,
63, 67, 69, 70-72, 75, 79, 96, 100
política 21-23, 32, 56, 66, 71, 73, 75-76,
85, 90-96, 100, 102
poupança 21, 63, 85-86
povo 13, 17, 23, 30, 32, 36, 43, 49, 54, 59, 6869, 72, 76, 90, 92, 96, 100
preço 48-54, 56-57, 61, 74, 95-96, 99
unidade monetária 61, 68, 70-71, 86