Por uma teoria de fãs da icção
televisiva brasileira
Maria Immacolata Vassallo de Lopes (org.)
Ana Paula Goulart Ribeiro
João Carlos Massarolo
Maria Aparecida Baccega
Maria Carmem Jacob de Souza
Maria Cristina Brandão de Faria
Maria Cristina Palma Mungioli
Maria Immacolata Vassallo de Lopes
Nilda Jacks
Renato Luiz Pucci Jr.
Veneza Ronsini
Yvana Fechine
COLEÇÃO TELEDRAMATURGIA
VOLUME 4
© Globo Comunicação e Participações S.A., 2015
Capa: Letícia Lampert
Projeto gráico e editoração: Niura Fernanda Souza
Preparação de originais e revisão: Felícia Xavier Volkweis
Editores: Luis Antônio Paim Gomes e Juan Manuel Guadelis Crisafulli
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Responsável: Denise Mari de Andrade Souza – CRB 10/960
P832
Por uma teoria de fãs da icção televisiva brasileira / organizado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Porto Alegre:
Sulina, 2015.
455 p.; (Coleção Teledramaturgia)
ISNB: 978-85-205-0743-8
1. Televisão – Programas. 2. Meios de Informação. 3.
Mídia. 4. Produção Televisiva. 5. Comunicação de Massa. I.
Lopes, Maria Immacolata Vassallo de.
CDD: 070.415
CDU: 316.774
654.19
659.3
Direitos desta edição adquiridos por Globo Comunicação e Participações S.A.
Editora Meridional Ltda.
Av. Osvaldo Aranha, 440 cj. 101 – Bom Fim
Cep: 90035-190 – Porto Alegre/RS
Fone: (0xx51) 3311.4082
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Setembro/2015
Sumário
APRESENTAÇÃO
Por uma teoria de fãs da icção televisiva brasileira............................9
PRIMEIRA PARTE
Elementos para uma teoria de fãs no Brasil
A autoconstrução do fã: performances e
estratégias de fãs de telenovela na internet ........................................17
Maria Immacolata Vassallo de Lopes,
Maria Cristina Palma Mungioli, Claudia Freire,
Ligia Maria Prezia Lemos, Luiza Lusvarghi,
Sílvia Dantas, Rafaela Bernardazzi, Tomaz Penner
Fãs de telenovelas: construindo memórias –
das mídias tradicionais às digitais ......................................................65
Maria Aparecida Baccega, Marcia P. Tondato,
Maria Isabel Oroino, Mônica Rebecca F. Nunes,
Antonio Hélio Junqueira, Fernanda Elouise Budag,
Maria Amélia P. Abrão, Rosilene M. A. Marcelino.
Colaboradores: Bruna F. Bastos, Felipe C. C. de Mello,
Lívia Cretaz, Pietro G. N. Coelho, Rosana G. Barreto
Entre novelas e novelos: um estudo das
fanictions de telenovelas brasileiras (2010-2013) ..........................107
Maria Carmem Jacob de Souza, João Araújo,
Renata Cerqueira, Rodrigo Lessa, Maíra Bianchini,
Amanda Aouad, Marcelo Lima, Rodrigo de Souza Bulhões
SEGUNDA PARTE
Cultura de fãs e icção televisiva
Redes discursivas de fãs da série Sessão de Terapia.........................155
João Massarolo, Dario Mesquita, Naiá S. Câmara,
Analú B. Arab, Giovana Milanetto,
Ramon Q. Marlet, Gustavo Padovani,
Lucas P. Caetano, Gabriela Trombeta
Ativismo de fãs e disputas de sentidos de gênero nas
interações da audiência de Em Família nas redes sociais...............197
Veneza Ronsini, Liliane Brignol, Laura Storch,
Camila Marques, Laura Roratto Foletto, Luiza Betat Corrêa
O riso e a paródia na icção televisiva transmídia:
os vilões em memes da internet .........................................................239
Ana Paula Goulart Ribeiro, Igor Sacramento,
Tatiana Oliveira Siciliano, Patrícia Cardoso
D’Abreu, Douglas Ramos, Eduardo Frumento
Telenovelas em redes sociais: enfoque
longitudinal na recepção de três narrativas .....................................281
Nilda Jacks, Mônica Pieniz, Daniela Schmitz,
Dulce Mazer, Erika Oikawa, Fabiane Sgorla,
Lírian Sifuentes, Lourdes Ana Pereira Silva, Sara A. Feitosa,
Valquíria Michela John, Wesley Pereira Grijó
TERCEIRA PARTE
Cultura participativa e icção televisiva
Governo da participação: uma discussão sobre
processos interacionais em ações transmídias
a partir da teledramaturgia da Globo ...............................................321
Yvana Fechine, Diego Gouveia, Cristina Teixeira,
Cecília Almeida, Marcela Costa, Gêsa Cavalcanti
Televisão brasileira frente à problemática
da cultura participativa: os casos de A Teia e O Rebu.....................357
Renato Luiz Pucci Jr., Vicente Gosciola,
Maria Ignês Carlos Magno, Rogério Ferraraz
Ana Márcia Andrade.
Colaboradores: Grazielli Ferracciolli, Vitor Hugo Galves Correa
Cultura participativa na esfera iccional de O Rebu ........................399
Maria Cristina Brandão de Faria,
Gabriela Borges, Daiana Sigiliano,
Francisco Machado Filho, Guilherme Moreira Fernandes,
Marise Pimentel Mendes
SOBRE OS AUTORES E COLABORADORES ..............................439
Cultura participativa na esfera iccional de O Rebu
Maria Cristina Brandão de Faria (coord.)
Gabriela Borges (vice-coord.)
Daiana Sigiliano
Francisco Machado Filho
Guilherme Moreira Fernandes
Marise Pimentel Mendes
Introdução
Nosso texto visa estudar a circulação de comentários críticos relacionados com a narrativa iccional e as formas de participação do público,
com o olhar voltado para a compreensão das estratégias e práticas transmidiáticas utilizadas pela Globo como forma de engajamento do público
e, por outro lado, sua efetiva interação através do Twitter. Apresentamos
um estudo sobre a cultura participativa com base no remake da telenovela
O Rebu, de Bráulio Pedroso (1931-1990), exibida de 14 de julho a 12
de setembro de 2014, na Globo, com roteiro de George Moura e Sérgio
Goldenberg e direção geral de José Luiz Villamarim.
Lembramos que, em 1974, por ocasião da estreia do original de Bráulio Pedroso, a crítica atenta de Artur da Távola (jornal O Globo e revista
Amiga TV Tudo) e Helena Silveira (jornal Folha de S. Paulo) mencionava
a reação do público à trama, principalmente pelo seu caráter policialesco
em torno de um crime em que o telespectador teria que adivinhar “quem
morreu” e “quem matou”. Da mesma forma, hoje, procuramos saber como
o público envolveu-se nessas questões e participou da trama.
Um dos mais tradicionais dispositivos de memória da icção televisiva para Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Maria Cristina Palma
399
Mungioli (2013, p. 160) é a reprise. Desde 1980, a Globo passou a
apresentar o programa Vale a Pena Ver de Novo todas as tardes1, no qual
podemos rever vários títulos já exibidos e muitos até recentemente. Em
2010, o Grupo Globo lançou o Canal Viva, na TV paga (Globosat), em
que são reprisados, além das telenovelas e séries, programas de humor
e variedades que trazem boas recordações à audiência. Além das donas
de casa, o público-alvo do canal de reprises, segundo Lopes e Mungioli, tem sido também os adolescentes, que comentam e repercutem a
programação nas redes sociais. Contudo, são os remakes que fazem os
telespectadores produzirem “novas signiicações das histórias contadas
e também a resgatar uma memória midiática feita de sensações anteriormente experimentadas” (Lopes; Mungioli, 2013, p. 161).
Carmen Oliveira (2008) observa que “os remakes carregam em si a
possibilidade de evidenciar, pelo processo comparativo, tanto as nuances
que marcam as diferentes versões quanto o que permanece” (Oliveira,
2008, p. 4). Clarice Greco (2012) relaciona os remakes de telenovelas
brasileiras ao afeto de uma memória coletiva nacional, que incita um
retorno às produções originais e à emergência de um universo em torno
da obra. A autora já admite que essas novas obras recuperadas audiovisualmente sofram uma “readaptação” ao contexto atual, alimentando
o “valor de culto” da telenovela, um fenômeno que denomina TV Cult.
Os remakes, nesse sentido, exploram novas possibilidades narrativas, de encenação, dramaturgia e interpretação de atores que, no nosso
entender, podem reletir sobre as próprias transformações pelas quais
a televisão tem passado nos últimos anos. Essas transformações estão,
também, intrinsecamente ligadas ao surgimento da tecnologia digital e
às novas possibilidades que surgiram com a convergência das mídias,
principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento da narrativa e à
cultura participativa.
“A Globo, desde o início dos anos 1970, reprisou novelas no início da tarde. Mas só a partir de 1980 é que
a emissora nomeou a faixa de reprises com o título Vale a Pena Ver de Novo. Nos anos 1960, a TV Excelsior
tinha uma sessão de reprises vespertina com o mesmo nome, mas que apresentava programas da linha de shows.
A primeira novela a ser reapresentada dentro do Vale a Pena Ver de Novo da Globo foi Dona Xepa (1977),
entre maio e novembro de 1980, em meio às comemorações de 15 anos da emissora.” (Xavier, 2007, p. 285.)
1
400
Sendo assim, a novela O Rebu foi analisada a partir de duas perspectivas: por um lado, contempla-se a lógica da produção e as estratégias
de transmidiação propostas pela Globo para promover o engajamento
do público; e, por outro lado, a lógica do consumo, a partir da relexão
sobre o engajamento que pôde ser observado na interação por meio do
Twitter, que conigura o fenômeno recente da Social TV.
A metodologia usada para a análise do backchannel2 no Twitter foi
elaborada a partir de uma combinação de procedimentos de observação
e mineração dos dados. A coleta do luxo foi realizada entre os dias 14
de julho e 12 de setembro de 2014. Foram identiicados três padrões
de atuação dos telespectadores interagentes que permitem a análise da
interação presente em O Rebu, são eles: a complexidade narrativa, a
intertextualidade e a memória afetiva.
1. As formas de participação do público
Henry Jenkins (2008) acredita ser a cultura participativa um dos
principais aspectos da convergência, pois a circulação de conteúdos entre
vários sistemas de mídia depende da participação ativa dos consumidores,
uma vez que ela “não ocorre por meio de aparelhos, por mais soisticados
que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros” (Jenkins,
2008, p. 28). Nesse sentido, resgata o conceito de inteligência coletiva de
Pierre Lévy (2000) como um aspecto importante da cultura participativa.
Lévy (2000, p. 28) airma que a inteligência coletiva está “distribuída
por toda parte, deve ser incessantemente valorizada, coordenada em
tempo real e que resulta de uma mobilização efetiva das competências”.
Sendo assim, podemos airmar que a circulação de conteúdos num
espaço explorado por diversas mídias requer a participação dos indivíduos
e pressupõe a partilha de conhecimento, que são os atributos básicos da
cultura participativa. É bem verdade que essa cultura participativa, principalmente no caso da televisão, não é característica exclusiva do nosso
2
Comentários gerados nas redes sociais a partir de um evento televisivo (Proulx; Shepatin, 2012).
401
tempo e das ferramentas digitais. Ela é intrínseca à estrutura televisiva
desde seu início como veículo social e de massa. A seção nos jornais
dedicada à publicação de cartas por muitos anos foi o modo como a população podia exercer a participação coletiva nos programas televisivos.
O que difere aquela época da atual são o volume, a velocidade e o grau
de interação social em que esta participação se dá, além da visibilidade
e da rastreabilidade das interações no ambiente digital, visto que na web
todos têm a possibilidade de ser ativos e até mesmo ativistas.
À época da exibição do original de O Rebu, por exemplo, havia, além
da seção de cartas mantidas por jornais e revistas, o envio de correspondências para os principais colunistas. Não raras vezes, eles publicavam
e respondiam trechos delas. Em crônica publicada pelo jornal O Globo,
em 07 de dezembro de 1974, Artur da Távola comentou:
[...] Em toda a minha vida de cronista, nunca recebi tanta
opinião contraditória e diferente sobre uma obra. Ao mesmo
tempo que não tenho como enfrentar essa aluvião de impressões, raras vezes recebi tanto retorno inteligente sobre uma
novela. Particularmente as cartas e alguns papos pessoais,
a mostrar que Bráulio conseguiu atingir o ideal de tirar o
telespectador de sua passividade fruidora e digestiva e jogá-lo a participar criticamente de uma obra (Távola, 1974, p.
32, grifo nosso).
O crítico icou tão ávido com a repercussão da telenovela que propôs,
por meio da sua coluna, realizar um debate sobre O Rebu no auditório
do jornal O Globo. O encontro contou com a participação de Bráulio
Pedroso, Daniel Filho, Homero Sanchez e Jardel Mello. Este, contudo,
não foi o único evento para debater a obra. Uma reportagem de Pedro
Porfírio e Arnaldo Risemberg (1975), publicada na edição nº 257 da
revista Amiga, revela que Pedroso chegou a participar de outro encontro
com universitários da PUC-RJ:
No papo com os estudantes iquei um pouco surpreso pelo
nível das perguntas – eram semelhantes às do telespectador
402
comum. Eles perguntavam mais sobre rumos da novela e
característica de certos personagens do que sobre estética e
técnica de elaboração do texto. Vários insistiam em saber, por
exemplo, se Mahler era homossexual3 (Porfírio; Risemberg,
1975, p. 12).
A tecnologia digital traz a possibilidade dos espectadores produzirem conteúdos para circular nas redes e não necessitar de mecanismos
de mediação como à época da exibição original. As novas ferramentas
capacitam os indivíduos ao arquivo, à apropriação e recirculação do conteúdo das mídias, mudando as suas relações com os meios. Jenkins (2008)
destaca que, “se os antigos consumidores eram previsíveis e icavam
onde mandavam que icassem, os novos consumidores são migratórios,
demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunicação” (Jenkins, 2008, p. 47). Para o teórico, as mesmas tendências que
encorajam as empresas de mídias a proporem a circulação, apropriação
e produção de conteúdos também encorajam o luxo de imagens, ideias
e narrativas através de múltiplos canais, sendo que os indivíduos passam
a procurar modos ativos enquanto espectadores.
Para Maria Immacolata Vassallo de Lopes e Guillermo Orozco
Gómez (2011), em plena época da convergência e das diversas telas,
a audiência se modiica e se amplia espacialmente em decorrência da
mobilidade e da portabilidade, fenômeno que designam “estar como audiência”. Ao observar o modo como as audiências interagem no ambiente
virtual em países como Argentina, Brasil, Espanha, México, Venezuela,
Uruguai, os autores acreditam, em princípio,
[...] que as audiências migram seus assuntos de conversação
para outras telas mais por um vínculo emocional que crítico,
uma vez que o caráter polissêmico e dialógico da narrativa,
bem como sua estrutura multidimensional organizada em subplots, oferece-lhes a oportunidade de abrir espaço de constru3
Um debate sobre a homossexualidade de Mahler na telenovela O Rebu, considerado o primeiro personagem homossexual pertencente ao núcleo protagonista de uma novela, pode ser encontrado em Fernandes
(2012; 2013).
403
ção de sentido em diversas comunidades que se espalham em
múltiplas plataformas (Lopes; Orozco Gómez, 2011 p. 54).
As deinições e os conceitos sobre a cultura participativa, atualmente, abrangem uma variada gama de estruturas e objetos. Como airma
Yvana Fechine (2014):
Hoje, a expressão “cultura participativa” é utilizada para tratar
de um leque tão grande de manifestações que mais adequado
seria nos referirmos a “culturas participativas”, realçando com
o emprego do plural a ideia de que não estamos diante de um
fenômeno único nem tampouco de um conceito monolítico.
Estamos, ao contrário, diante de um mosaico de manifestações
sustentadas pelo desejo de uma intervenção mais direta nos
processos, quer sejam eles de caráter político, quer sejam
motivados pelo consumo cultural (Fechine, 2014, p. 4-5).
Desde 2010, a rede Obitel em seu âmbito ibero-americano vem
fazendo uma cartograia das interações transmidiáticas entre audiências
e produções televisivas apontadas como um fenômeno de recente incorporação das práticas comunicativas, tanto dos meios como das audiências.
As pesquisas realçaram, sobretudo, os usos sociais e as práticas culturais
do público com base nas especiicidades culturais de cada país. Para
Lopes e Orozco Gómez (2011), os pares românticos, os ensinamentos,
as histórias provocam uma “conidencialidade” por parte dos internautas.
Os comentários destinados aos atores produtores aguardam uma resposta:
Trata-se da criação de espaços de compartilhamento de experiências,
que se caracterizam pela criação e pelo acionamento de um repertório
comum, que envolve diversas instâncias de produção de sentido, que
passam por várias camadas de interpretação, que vão da manifestação
carregada de emoção que uma cena ou imagem suscitou (como no caso,
principalmente, do Twitter) até a reconstrução narrativa ou a crítica estética presente em fanfiction, blogs ou sites de usuários (Lopes; Orozco
Gómez, 2011, p. 54).
404
Em geral, observou-se um “certo engajamento positivo com as icções, mais especiicamente com cenas desenvolvidas em alguns capítulos.
Os usuários deixam luir seus comentários, ‘o capital emocional’ que
vão acumulando ao longo do tempo de exibição das produções” (Lopes;
Orozco Gómez, 2011, p. 53) através das diversas formas de participação
(elogios, críticas, discussões, memes etc.).
2. Estratégias transmídias e a Social TV
Fechine (2011) relete sobre as transformações da cultura contemporânea por meio do conceito de transmidiação, enquanto uma das
lógicas de produção e consumo de conteúdos no cenário de convergência,
propondo a seguinte deinição:
[...] transmidiação é toda produção de sentido fundada na
reiteração, propagação e distribuição em distintas plataformas
tecnológicas (TV, cinema, internet, celular etc.) de conteúdos
associados cuja articulação está ancorada na cultura participativa estimulada pelos meios digitais (Fechine, 2011, p. 27).
A experiência passa a ser a palavra-chave nas interações dos universos transmídias, uma vez que os produtores procuram diferentes formas
de propor o engajamento do público com os conteúdos produzidos em
relação à narrativa. Para analisar essa experiência, Fechine (2013, p.
33-34) a categoriza em dois tipos de estratégias transmídias: de propagação e de expansão. As estratégias de propagação estão relacionadas
com a ressonância e a retroalimentação dos conteúdos, subdividindo-se
em conteúdos reformatados (antecipação, recuperação e remixagem) e
informativos (contextuais e promocionais). As estratégias de expansão
estão relacionadas aos procedimentos que complementam ou desdobram
o universo narrativo a partir da televisão e são subdivididas em conteúdos
de extensão textual (narrativas e diegéticas) e lúdica (vivenciais e de marca). Essas estratégias servirão de base metodológica para o nosso estudo
e serão operacionalizadas conforme encontradas na análise de O Rebu.
405
É importante enfatizar que as empresas de mídias estão empenhadas
em desenvolver ações para a criação de conteúdos especíicos de acordo
com formatos determinados, que têm como objetivo principal promover
o engajamento do público. Na vivência dessa experiência, percebemos,
por outro lado, as ações que são desenvolvidas pelo próprio público,
que se sente motivado a interagir com os conteúdos midiáticos que lhe
interessam, seja por incentivo das empresas de mídia ou não.
É no contexto de convergência e transmidiação que surge a chamada
Social TV. O termo se refere à utilização das redes sociais, em especial o
Twitter, de maneira síncrona à grade de programação (Proulx; Shepantin,
2012; Acierno, 2012). Proulx e Shepatin (2012) airmam que a adoção
do Twitter como principal plataforma da Social TV se deve à arquitetura informacional do microblog. Além de dispor de uma temporalidade
always on4, a formação de laços na rede social “[...] não é baseada em
vínculos preexistentes, mas sim na penetração individual em luxo de
ideias, ou seja, luxos coletivos abertos de ideias compartilhadas em
tempo real, que estão em movimento contínuo” (Santaella; Lemos 2010,
p. 91). Dessa forma, a conversação em torno de um conteúdo televisivo
se torna mais dinâmica, pois o interagente tem a possibilidade de compartilhar suas impressões sobre a grade de programação com inúmeros
interlocutores. Em mercados midiáticos mais complexos, como o dos
Estados Unidos e da Inglaterra, a Social TV vem sendo utilizada como
forma de engajamento do público para com a programação da televisão
aberta e fechada. Durante a exibição dos programas, os canais realizam
ações envolvendo hashtags, postagem de conteúdo complementar, além
de live-chat com os atores, apresentadores e roteiristas.
Margherita Acierno (2012) airma que a Social TV modiica o nível
de participação dos telespectadores interagentes e propicia o surgimento
de novas camadas narrativas. O mercado americano, incentivado pela
2nd Screen Society5, convencionou chamar de Social TV a habilidade de
Característica das Redes Sociais 3.0 – Twitter, Facebook –, em que “a conexão é tão contínua a ponto
de se perder o interesse pelo que aconteceu dois minutos antes. Apenas o movimento do agora interessa”
(Santaella; Lemos, 2010, p. 62).
5
A 2nd Screen Society é uma entidade que incentiva a criação, produção e adoção de conteúdos, aplicações,
dispositivos e a distribuição de sistemas para o engajamento da audiência dentro do ecossistema da segunda
tela e da Social TV. A entidade tem como membros importantes players da indústria de conteúdo audiovisual
4
406
compartilhar e conversar com sua comunidade virtual qualquer assunto
relacionado ao conteúdo televisivo enquanto se assiste à televisão. Na
visão da entidade, o objetivo principal na aplicação da Social TV deve
ser o de promover o compartilhamento dos programas por meio das redes sociais como forma de alavancar os índices de audiência da TV em
rede, seja em programas ao vivo ou não. Para Kevin Roebuck (2012),
televisão social é o termo geral para a tecnologia que suporta comunicação e interação social no contexto de assistir
televisão ou relacionado a conteúdo de televisão. Também
inclui o estudo de comportamento relacionado à televisão,
dispositivos e redes (Roebuck, 2012, p. 1, tradução nossa)6.
É importante destacar que nos meios acadêmicos o conceito de
Social TV também vem sendo estudado em diferentes países do mundo.
Mike Proulx e Stacey Shepatin (2012, p. ix) airmam que esse termo
foi cunhado para deinir a convergência entre a televisão e as mídias
sociais, com ênfase na oferta de uma experiência mais personalizada
para a audiência, principalmente no que diz respeito às séries de icção
e aos eventos transmitidos ao vivo. Porém, os autores argumentam que
a televisão sempre foi social. Se Dominique Wolton (1996) propunha
o entendimento do laço social enquanto uma experiência coletiva que
aproximava os espectadores e promovia o fortalecimento das identidades nacionais, a Social TV continua a oferecer essa mesma experiência,
porém de modo diferenciado, porque inclui não apenas a recepção, mas
também a produção de conteúdos a partir daquilo que está sendo assistido
por espectadores espalhados pelo globo.
Nesse mesmo sentido, podemos recorrer a Lévy (2000), que resgata
o conceito de laço social, clamando pela sua pertinência e necessidade de
resgate numa sociedade desterritorializada e de subjetividades fragmentadas. A ênfase na relação entre os indivíduos, que podem compartilhar
dos EUA, emissoras de televisão, empresas de tecnologia, softwares, anunciantes e institutos de pesquisa.
6
Texto original: “Social television is a general term for technology that supports communication and social
interaction in either the context of watching television, or related to TV content. It also includes the study
of television-related social behavior, devices and networks”.
407
saberes e experiência, é, desse modo, potencializada pela disseminação
da tecnologia digital e pela convergência entre os meios. No entanto, o
mais importante nessa relação não é a tecnologia em si, mas a possibilidade de proximidade entre os indivíduos. Podemos retomar, assim, o
conceito de inteligência coletiva de Lévy (2000, p. 28-32), que foi referido
anteriormente, isto é, enquanto possibilidade de partilha de conhecimento
por meio das mídias sociais na criação de novos laços sociais, a im de
“suscitar coletivos inteligentes e valorizar ao máximo a diversidade das
qualidades humanas”.
No Brasil, o uso das redes sociais como Twitter e Facebook se dá
mais por iniciativa dos espectadores do que das emissoras, como acontece
nos EUA. Por um lado, a Social TV alavanca os índices de audiência
e fortalece o inanciamento da televisão e, por outro lado, permite que
os telespectadores atuem como interagentes7, uma vez que não apenas
assistem, mas também produzem conteúdos que são disseminados nas
redes sociais. A interação (mútua e reativa)8 acontece “ao vivo”, durante
a programação. Nesse sentido, a Social TV resgata e transforma diversos
elementos da televisão generalista, entre eles a experiência do “ao vivo”,
que já não era prioritária com o advento da televisão segmentada, e a
formação de novos e diferenciados laços sociais, um deslocamento do
que foi teorizado por Wolton (1996).
As interações estabelecidas pelos espectadores nas redes sociais,
principalmente Facebook e Twitter, durante a exibição de um programa
de televisão, têm sido denominadas television backchannel (Proulx;
Shepatin, 2012). Esse conceito refere-se ao momento da exibição, pois
a conversação on-line sobre um determinado programa pode acontecer
antes, durante e depois. Assim, essa experiência mostra-se única, pelo
fato de permitir o compartilhamento de emoções e opiniões em tempo
real com milhões de interagentes.
Segundo Primo (2003, p. 8), o termo interagente é aquele que “emana a ideia de interação, ou seja, a ação
(ou relação) que acontece entre participantes”.
8
Para Primo (2000, p. 11), a interação mútua “[...] vai além da ação e da reação de outro. Tal automatismo dá
lugar ao complexo de relações que ocorrem entre os interagentes (onde os comportamentos de um afetam os
do outro)”. Já a interação reativa trabalha no automatismo, assim, “por dependerem da programação em sua
gênese, a comunicação tem poucas chances de trilhar por processos como ressigniicação e contextualização”.
7
408
3. A Social TV no Brasil
A telenovela Avenida Brasil (2012) materializou a relação intrínseca
entre a televisão e o Twitter no Brasil. Bastava a trama ir ao ar para a
timeline da rede social ser completamente tomada pela hashtag #OiOiOi.9 Os comentários síncronos à exibição da história de João Emanuel
Carneiro englobavam desde as impressões dos telespectadores sobre os
arcos narrativos até releituras e memes10 das cenas. As frases da vilã Carminha (Adriana Esteves), os bordões “É tudo culpa da Rita” e “Me serve
vadia”, os avatares congelados, todo o universo iccional da telenovela
se transformava instantaneamente em matéria prima para as releituras do
público. Conforme aponta o jornalista Fabiano Moreira (2012), “nunca
uma novela apareceu tanto na internet. [...] A graça não é só ver, mas
também comentar os capítulos, em tempo real”. Segundo dados do Qual
Canal (apud Pinho, 2012), durante a exibição do último capítulo da trama foram postados 108.924 mil tweets, marca equiparável a atrações de
alcance mundial, como as séries estadunidenses Grey’s Anatomy (2005)
e The Big Bang Theory (2007). Porém, o sucesso de Avenida Brasil na
Social TV não foi um evento isolado; após o encerramento da trama, o
fenômeno se popularizou no Brasil.
De acordo com o Ibope Media (2014), 15,7 milhões de brasileiros
acessam a internet enquanto assistem TV, representando um aumento
de 136% em relação à pesquisa realizada em 2012. O estudo aponta
que 5,9 milhões de brasileiros postam comentários síncronos à grade de
programação. Entre os formatos11 analisados pelo Ibope, a telenovela é
o que mais se destaca: cerca de 60% dos telespectadores interagentes
comentam os folhetins nas redes sociais. Assim, entende-se que a Social
TV está modiicando não só a postura do público diante da televisão, mas
A indexação é uma alusão ao refrão da música “Dança Com Tudo”, de Robson Moura e Lino Krizz, que
embalava a abertura de Avenida Brasil.
10
Segundo Gleick (2013, p. 17), o meme é “um replicador e um propagador – uma ideia, uma moda, uma
corrente de correspondência”. Durante a exibição da telenovela Avenida Brasil (2012), várias cenas, falas
e bordões dos personagens foram usados e replicados na internet. Um exemplo é a fala “É tudo culpa da
Rita”, da personagem Carminha (Adriana Esteves), que ganhou novos contextos e foi usada pelo público
para ilustrar situações que iam além do universo iccional da trama de João Emanuel Carneiro.
11
Jornais, ilmes, documentários, esportes e seriados.
9
409
os modelos de negócio e as estratégias de engajamento das emissoras
(Borges, 2013).
As ações desenvolvidas pelos canais brasileiros para estimular os
comentários nas redes sociais e o appointment television12 exploram
desde aplicativos de segunda tela13, que oferecem ao interagente conteúdo complementar, até parcerias com o Twitter Brasil na criação de
conteúdos. Carlos H. Moreira Junior, diretor de desenvolvimento de
mercados internacionais do microblog, airma que, apesar de algumas
emissoras ainda resistirem em explorar a Social TV, muitos programas
já contam com ações direcionadas para o backchannel (Bottoni, 2014),
como, por exemplo, as atrações O Aprendiz (Record), Música Boa ao Vivo
(Multishow), Saia Justa (GNT), Palpite (SporTV), Masterchef (Band) e
Cozinha Sob Pressão (SBT), que têm o apoio do Twitter na elaboração
das ações, divulgação do conteúdo e mineração de dados.14
A Globo é a emissora nacional que mais gera comentários na Social
TV, segundo Sérgio Valente, diretor de comunicação do canal. Tanto
os termos relacionados à programação quanto os programas atingem
mensalmente cerca de 500 trending topics (mundial e no Brasil) no
microblog (Bottoni, 2014). Criado em 2009, o setor de mídias sociais
da Globo tinha como objetivo inicial postar mensagens informativas
sobre a grade de programação, mas desde 2013 as postagens passaram
a estabelecer uma relação mais próxima com os interagentes (Parente,
2014). Atualmente, o canal realiza ações pontuais, que variam de acordo
com o formato e a necessidade da atração. As estratégias incluem divulgação de hashtags, criação de peris individuais para alguns programas,
postagem de conteúdos extras nas redes sociais, aplicativos de segunda
tela15 e a plataforma “No Ar”.
“Assistir em tempo real”, ou popularmente chamado “televisão com hora marcada”.
Segundo Proulx e Shepatin (2012, p. 84-85), a segunda tela refere-se à interação paralela e sincronizada
com a experiência televisiva feita através de laptops, smartphones e tablets.
14
A mineração de dados (data mining) se refere à técnica de explorar complexas associações e grandes
quantidades de dados em busca de padrões consistentes. Nesse contexto, o Twitter fornece aos canais
informações detalhadas sobre as postagens dos telespectadores na rede social.
15
Em março de 2015, a emissora contava com 15 aplicativos ligados ao âmbito da segunda tela. O aplicativo Globo, por exemplo, abrange toda a programação do canal. Através da plataforma, o interagente pode
compartilhar suas impressões em suas contas no Twitter e no Facebook, acompanhar o backchannel a partir
da indexação #Globo e participar de um bate-papo com os outros usuários do aplicativo. Disponível em:
12
13
410
A plataforma “No Ar” foi implantada na telenovela O Rebu (2014)
e permite que o interagente acompanhe os capítulos de forma interativa
e multitasking.16 Além de quizzes, distribuição de medalhas virtuais e
ranking de competidores, a plataforma estimula os comentários síncronos
à programação. Para interagir com outros usuários, com o elenco e com
os autores do programa, basta o internauta realizar um cadastro prévio no
site da Globo. Os comentários gerados no “No Ar” são publicados após
a aprovação de um moderador. Atualmente17 as atrações Império, Malhação, Domingão do Faustão (Dança dos Famosos), Dupla Identidade,
Fantástico, The Voice Brasil, Big Brother Brasil, Felizes para Sempre,
Bem Estar, Tá no Ar: a TV na TV, Babilônia e I Love Paraisópolis contam
com a plataforma de segunda tela.
4. A memória que ensejou a participação
O Rebu foi uma novela emblemática por sua ousadia em apresentar
ao público uma narrativa cheia de suspense, numa trama policial que se
desenvolvia em apenas 24 horas. Exibida originalmente de 03 de novembro de 1974 a 11 de abril de 1975, foi escrita por um dos expoentes
da teledramaturgia das décadas de 1960/70, Bráulio Pedroso. Visando
realçar a memória afetiva de muitos telespectadores que nos anos 1970
assistiram à novela e ainda provocar a curiosidade daqueles que a estavam
assistindo agora, o site da trama, apoiado no acervo do Memória Globo,
proporcionou aos internautas toda sorte de fragmentos valiosos de cenas,
como, por exemplo, um diálogo travado entre Cauê (Buza Ferraz) e Sílvia
(Bete Mendes) durante a festa e, em flashback, o primeiro confronto de
Conrad Mahler (Ziembinski) com seu protegido.18 Outra cena que nos
trouxe de volta o original de Pedroso esteve na web, na qual podiam
ser admirados a interpretação dos atores, cenários, igurinos e os movi<https://itunes.apple.com/us/artist/globo-com.-e-part.-s-a/id402288145> Acesso em: 8 mar. 2015.
16
O que se refere ao comportamento multitarefa. Para Johnson (2012, p. 18), o conceito “é a habilidade de
controlar uma corrente caótica de objetos não relacionados”.
17
O último monitoramento foi realizado em 14 de maio de 2015.
18
Cena disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/memoria-globo/v/o-rebu-silvia-e-caue-discutem/3519403/> Acesso em: 16 mar. 2015.
411
mentos de câmera, sob a direção de Walter Avancini e Jardel Mello. A
cena mostrava a cerimonialista Ana Lúcia (Isabel Tereza) apresentando
ao delegado Xavier (Edson França) o mapa das mesas, no jantar na casa
de Mahler. Ela descrevia os personagens sentados à mesa enquanto a
câmera mostrava cada um dos convidados.19
Rever esse material e seus recortes fotográicos proporcionou uma
fruição nostálgica na rede. Aquelas cenas, só possíveis de serem assistidas via web, estiveram, 40 anos depois, pairando como um espectro de
referências e curiosidades nas páginas virtuais de seu remake. E houve
uma resposta por parte do público a esse engajamento com o passado de
uma atração cultural, como aconteceu também na exibição do original.
Na biograia de Bráulio Pedroso, Renato Sérgio revela um comentário
do autor da trama:
O Rebu funcionou relativamente bem em matéria de audiência, apesar de ser exibida às 10 da noite. E em pesquisa
detalhada, os jovens apareceram em maior número, principalmente moças de 15 a 20 anos. Quer dizer, os mais
indagadores, menos conformados, é que estavam ligados em
mim. Isso me dava muito prazer, saber que estava atingindo
os inquietos. Pessoalmente, foi uma grande vitória, embora
a audiência fosse inferior à das outras novelas, de narrativa
mais cronológica. Uma inesquecível novela esquecida. Talvez
porque era uma história que escapava aos velhos truques,
fugindo dos caminhos mais fáceis que o telespectador comum
estava acostumado (Sérgio, 2010, p. 136).
O próprio autor já havia inovado a teledramaturgia com Beto Rockfeller (Tupi, 1968-1969), narrativa considerada, tanto na imprensa como
na literatura sobre telenovela, um marco no gênero, sendo apontada por
Ramos e Borelli (1989, p. 79) como “uma tentativa no sentido de criar
uma nova linguagem novelística, textual, imagética, inserindo o cotidiano
e temas urbanos no que Bráulio Pedroso chama de ‘proposta realista’”.
19
Cena disponível em: <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas/o-rebu.htm>
Acesso em: 16 mar. 2015.
412
Enquanto o remake esteve no ar, a FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty – 2014 montou uma sessão de audiovisual em que foram
exibidas entrevistas com Bráulio Pedroso, ao mesmo tempo em que o
público visitava uma exposição de fotograias aludindo à sua obra televisual. Na ocasião, foram postadas pelo jornalista Thell de Castro no peril
@TVHistória as seguintes curiosidades: #O Rebu – foto de José Lewgoy
e Bete Mendes na versão original de O Rebu, em 1974; um anúncio da
estreia da novela publicado nos jornais; “raridade – placa indicativa do
departamento de promoções da Globo de 1974 para chamada de estreia
de O Rebu”; um cartaz da estreia da novela em 01 de novembro daquele
ano; chamada com a imagem de Bete Mendes, a atriz que interpretava
a vítima do crime; a imagem do corpo boiando na piscina, na versão
original; uma reportagem assinada por Artur da Távola; fotograia de
Buza Ferraz e Bete Mendes, de biquíni, nas gravações de O Rebu; uma
chamada em preto e branco sobre a estreia da novela; foto do reconhecimento do cadáver na piscina; fotos de Bráulio Pedroso, Arlete Salles e
Ziembinski; matéria dizendo que “O Rebu era um termo usado nos anos
70 para designar festas. Ibraim Sued usava em sua coluna no O Globo”;
e uma foto do resumo do último capítulo, publicado no jornal O Globo.
Fotos da esquerda para a direita: Sílvia, Cauê e Mahler durante a festa; Personagens de
O Rebu, 1974; Corpo de Sílvia na piscina; Homenagem a Bráulio Pedroso na Flip 2014.
413
5. Da coluna social ao selie de Ângela Mahler
O anúncio da produção de um remake sempre gera especulações.
Mesmo conhecendo o destino dos personagens e o desenrolar dos arcos narrativos, o público sabe que a nova versão irá alterar, de alguma
maneira, o rumo dos acontecimentos. Conforme apontam Anna Maria
Balogh e Maria Cristina Palma Mungioli (2009, p. 343), “o remake exige
um updating, não trata de apresentar o mesmo do mesmo, mas sim de
atualizar e tornar mais palatável o produto dentro do gosto da contemporaneidade”. Ou seja, a troca de gênero dos personagens, de ambientação
das cenas e a ampliação ou redução do número de capítulos já não geram
estranhamento no telespectador. As autoras ainda airmam que, “[...]
para agradar um público cada vez mais exigente e disputado por diversas
mídias – como internet, videogames –, é necessário efetuar modiicações
em relação à versão anterior [...]” (Balogh; Mungioli, 2009, p. 343).
As mudanças narrativas20 no remake de O Rebu não só atualizaram
a obra de Bráulio Pedroso, como também introduziram uma forma de
interação híbrida, que une a televisão e a segunda tela. Se os personagens de O Rebu exibida em 1974 citavam a coluna social assinada por
Zózimo Barroso do Amaral e Ibrahim Sued, a nova versão contou com a
instantaneidade das redes sociais. Ao contrário de tramas como Tempos
Modernos (2010) e Geração Brasil (2014), que tinham como pano de
fundo a tecnologia em si, no remake as novas formas de compartilhamento
20
As principais mudanças na narrativa do remake de O Rebu (2014) foram: a ambientação da trama, o
peril dos personagens e o desenrolar de alguns plots. Na primeira versão, a história se passava durante um
pequeno jantar para 24 convidados, já no remake temos uma festa com cerca de 300 convidados. A nova
versão da telenovela também alterou o peril dos personagens. Por exemplo: Conrad Mahler (Ziembinski)
deu lugar a Ângela Mahler (Patricia Pillar), Cauê (Buza Ferraz) foi substituído por Maria Eduarda Mahler
(Sophie Charlotte), e Sílvia (Bete Mendes), por Bruno (Daniel de Oliveira); a intenção dos autores foi a de
modiicar o protagonismo no âmbito do gênero. Se Álvaro (Mauro Mendonça) era o advogado e homem
de coniança de Mahler (e que também teve um envolvimento com Sílvia), Gilda (Cassia Kis Magro) era a
advogada de Ângela. Foram acrescentados novos personagens, tais como: Rosa Nolasco (Dira Paes), Pierre
(Jean Pierre Noher), Adão (Cesar Ferrario), Severino (Claudio Jaborandy), entre outros. O grande arco
narrativo se manteve praticamente o mesmo, as únicas modiicações foram a morte de Ângela e a prisão de
Maria Eduarda. O original de 1974 também chamou a atenção para a conotação homossexual entre Mahler
e Cauê e Glorinha (Isabel Ribeiro) e Roberta (Regina Viana). No remake não houve essa conotação entre
Ângela e Duda, além do mais, a personagem de Glorinha foi substituída por Gilda, que não se apresentou
como lésbica, e a de Roberta foi suprimida da trama. Também se pode airmar que a morte tanto de Sílvia
como de Bruno foi passional e ao mesmo tempo motivada pela traição aos negócios do protagonista.
414
de conteúdo e, principalmente, o uso das redes sociais estavam engendrados nos desdobramentos da trama. Segundo o autor George Moura,
as redes sociais dão um colorido e estão ligadas ao presente
momento. Em qualquer evento hoje em dia existe a festa
real, das pessoas que estão no local, e a festa virtual, em
que muitas pessoas acompanham em tempo real. Não tinha
como fugir, a realidade é essa, isso está integrado na história
(Redes..., 2014).
A divulgação do primeiro teaser de O Rebu (2014) já anunciava
o que estava por vir: a cena mostrava Ângela Mahler (Patrícia Pillar)
tirando um selfie com seus convidados.21 A partir daí, os smartphones,
os tablets, a internet e as redes sociais estariam presentes em cada grande acontecimento do remake. Tudo começou durante as gravações no
palácio Sans Souci, em Buenos Aires, na Argentina. A locação, onde se
passava a festa de Mahler (Patrícia Pillar), foi registrada pelos próprios
atores, gerando cerca de 3.500 mil fotos (Redes..., 2014). Ao longo dos
capítulos, as imagens produzidas pelo elenco foram postadas no “O
Rebu no Ar” através dos peris ictícios dos personagens Betina (Laura
Neiva), Bruno (Daniel de Oliveira), Duda (Sophie Charlotte), Camila
(Maria Flor), Kiko (Pablo Sanabio), Vic Garcez (Vera Holtz), Roberta
(Mariana Lima), Maria Angélica (Camila Morgado), Mirna (Bianca
Muller), Antônio Gonzalez (Michel Noher) e Alain (Jesuíta Barbosa). O
conteúdo incluía os preparativos da festa e também os desentendimentos
e affairs dos convidados. As atualizações da plataforma de segunda tela
do remake eram realizadas de maneira síncrona à ação dos personagens;
dessa forma, cada registro feito em cena era simultaneamente transposto
para “O Rebu no Ar”.
Porém, uma personagem em especial tinha a função de estabelecer
uma espécie de ponte entre a trama e o público. Descrita como amante
das redes sociais, Betina (Laura Neiva) trabalhava com a promoter
21
Disponível em: <http://gshow.globo.com/novelas/o-rebu/extras/noticia/2014/06/teaser-anitria-faz-selie-com-os-ilustres-convidados-da-festa-em-o-rebu.html> Acesso em: 17 abr. 2015.
415
Roberta (Mariana Lima) divulgando seus eventos na internet (O Rebu,
2014). Os registros feitos pela personagem contribuíram para a imersão
dos telespectadores interagentes. Ao navegar pelas fotos, o público tinha
acesso aos bastidores da festa de Ângela Mahler (Patrícia Pillar) e se
sentia, mesmo que ilusoriamente, como um de seus convidados. Como
explica Moa Batsow (apud Padiglione, 2014), produtor de arte de O Rebu
(2014), Betina “é um caleidoscópio deste mundo virtual, um segundo
olhar do que acontece na festa”.
Figura 1. Postagens de Betina (Laura Neiva) em “O Rebu no Ar”
O conteúdo gerado pelos convidados de Ângela Mahler (Patrícia
Pillar) também teve um papel importante nas investigações de Rosa
(Dira Paes) e Pedroso (Marcos Palmeira). As fotos postadas durante a
festa na mansão auxiliaram a polícia a solucionar o assassinato de Bruno
(Daniel de Oliveira).22 “Obviamente, a polícia quando chega ao local
do crime terá que lidar com os indícios e a construção dos personagens
se dá por isso. A rede social é um elemento para ajudar a polícia” (Em
remake..., 2014), pontua o autor George Moura. Logo quando chega à
cena do crime, Rosa (Dira Paes) reúne todos os registros compartilhados
pelos convidados nas redes sociais para compreender o que aconteceu na
mansão. À medida que vai analisando o conteúdo, a investigadora começa
a traçar sua lista de suspeitos. Por exemplo: os personagens que foram
fotografados ao lado de Bruno (Daniel de Oliveira) durante a festa, como
Braga (Tony Ramos), Kiko (Pablo Sanabio), Bernardo Rezende (José
Cabe mencionar que no original também havia um fotógrafo – Rudy (Jorge Gomes). As fotos que ele fez
na festa também ajudaram a investigação policial.
22
416
de Abreu) e Gilda (Cassia Kis Magro), foram imediatamente chamados
para prestar depoimento. A investigadora usava as postagens nas redes
sociais para confrontar e inocentar os suspeitos. Muitos álibis também
foram conirmados através das fotos postadas na hora do assassinato de
Bruno (Daniel de Oliveira).
Figura 2. Rosa (Dira Paes) usa as redes sociais para desvendar o crime
Não foi só o evento de Ângela Mahler (Patrícia Pillar) que mereceu
os registros dos personagens de O Rebu (2014). Todos os desdobramentos
narrativos repercutiam nas redes sociais ictícias da telenovela: a vida
amorosa de Duda (Sophie Charlotte), o vício de Roberta (Mariana Lima),
o temperamento explosivo de Pedroso (Marcos Palmeira), a coletiva de
Antônio Gonzalez (Michel Noher), a chegada da perícia na mansão, o
sequestro causado por Oswaldo (Júlio Andrade), a prisão de Alain (Jesuíta
Barbosa) e a invasão da polícia na favela. Os peris ictícios Lista Vip,
Fotógrafos de Plantão, Hacker 171 e o da jornalista Ana Paula (Luciana
Brittes) icaram responsáveis por mostrar ao telespectador interagente
os detalhes das investigações. Ao longo dos capítulos, eram postadas
críticas à atuação da polícia, especulações sobre o assassinato e fotos
comprometedoras dos convidados da festa.
A instantaneidade de propagação de informação nas redes sociais
também foi usada como recurso visual. As transições de uma cena para
a outra eram marcadas pela interface23 do Facebook, que mostrava a
23
Segundo Johnson (2001, p. 24), o termo “[...] se refere a softwares que dão forma à interação entre usuário
417
repercussão dos acontecimentos da trama. Apesar de serem ictícios, muitas vezes os comentários coincidiam com as impressões postadas pelos
telespectadores interagentes no Twitter durante a exibição do remake.
Figura 3. Peris ictícios repercutem os
acontecimentos nas redes sociais
Os smartphones e tablets eram elementos constantes nas cenas: todos
os personagens do remake apareceram interagindo com os dispositivos
móveis. Um dos arcos narrativos de maior importância da trama foi
desenvolvido depois que Rosa (Dira Paes) e Pedroso (Marcos Palmeira)
descobriam que Bruno (Daniel de Oliveira) enviou uma mensagem24 no
celular antes de morrer. O pedido de socorro mostrava que Duda estava
envolvida no crime e mudou o rumo das investigações da polícia.
Figura 4. Personagens usam smartphones e tablets
durante O Rebu (2014)
e computador. A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando entre as duas partes, tornando uma
sensível para a outra”.
24
“Socorro! A Duda me trancou no freezer, ela quer me matar. Socorro! Me tira daqui!”
418
Além de trazer a obra de Bráulio Pedroso para a contemporaneidade,
os elementos imersivos usados pela Globo contribuíram para os desdobramentos da narrativa e facilitaram a criação de camadas transmidiáticas, já que as redes sociais estavam engendradas nos arcos narrativos
da telenovela. Ao oferecer conteúdo complementar na segunda tela, o
remake se atualizou diante dos hábitos de consumo do telespectador
multitasking e criou novas possibilidades narrativas.
6. As estratégias de transmidiação de “O Rebu no Ar”
As estratégias de transmidiação foram propostas a partir do site “O
Rebu no Ar”, espaço que adicionou uma camada interativa do universo
iccional da novela. Além de permitir o acesso aos conteúdos informativos e reformatados e às extensões diegéticas e lúdicas, o site procurou
funcionar como uma via de acesso aos conteúdos disponibilizados nas
redes sociais, tais como Facebook e Twitter.
No que diz respeito às estratégias de expansão, as extensões diegéticas ofereceram conteúdos adicionais ao mundo iccional, permitindo
que o interagente entrasse na trama e se envolvesse com os elementos
narrativos; porém, esses conteúdos não interferiam no encadeamento
narrativo. No caso de O Rebu, correspondem às cenas extras, que são
compostas pelas fotos dos bastidores e os vídeos, a Central de Investigações, o mapa Mansão de Portas Abertas e os peris dos personagens
desenvolvidos para o Facebook e o Twitter.
As cenas extras eram compostas por gravações de menos de um
minuto, em que atores e atrizes não apenas forneciam conteúdos desdobrados, indicando, por exemplo, que sabiam quem era o assassino,
mas também ilmavam entrevistas, comentando cenas sigilosas que
foram gravadas no inal da trama. Todas as informações eram dadas de
tal forma a aumentar o suspense da novela. As cenas extras forneciam
conteúdos que estendiam a narrativa, tais como os clipes exclusivos em
que Duda e Bruno se divertiam em alto-mar ou dançavam na pista, por
exemplo, ou então cenas dos ilhos de Ângela quando eram crianças na
piscina da mansão. Além disso, apresentou também um vídeo inédito
419
que colocava o interagente dentro da festa de O Rebu, com o intuito de
proporcionar uma experiência imersiva através de uma gravação feita
por uma câmera na mão, subjetiva, e com imagens bastante desfocadas
em alguns momentos, entremeadas por uma montagem de fotos reveladoras. As cenas prévias foram trabalhadas para aumentar a expectativa
pela descoberta do assassino e veicularam informações breves sobre
os personagens, como, por exemplo, a cena em que Bruno (Daniel de
Oliveira) se debate dentro do freezer, ou em que Braga (Tony Ramos)
passa mal e tem uma convulsão, entre outras.
Foram ainda disponibilizadas no site 13 cenas curtas de cada um dos
capítulos e todos os capítulos completos para assinantes. Num formato
que atende às demandas do mundo digital, os vídeos curtos apresentaram
conteúdos que ajudavam no entendimento da narrativa, ao mesmo tempo
em que aumentaram a tensão do público para descobrir o assassino.
As galerias de fotos forneciam informações adicionais sobre o processo de criação, as gravações e os bastidores da trama, além de ressaltar
elementos estéticos da narrativa, tais como os igurinos e os cenários,
e promover os atores e atrizes da novela. O mapa interativo Mansão de
Portas Abertas foi criado para permitir uma experiência imersiva ao interagente. Foi possível clicar em cada um dos cômodos da mansão e reviver
por meio de fotos os momentos vividos pelos personagens em cada um
deles. As legendas das fotos apresentavam detalhes sobre a arquitetura
francesa e a decoração da mansão, bem como informações sobre alguns
momentos vividos durante a trama. Esse mapa também situava o interagente e recontava a história, mas desta vez sob a perspectiva espacial.
Os conteúdos de extensão lúdica convidam o interagente a brincar
com o universo diegético, participando de um jogo iccional. O interagente entra no universo de faz de conta e vivencia as experiências propostas
pela brincadeira. Essas estratégias correspondem aos jogos, quizzes, enquetes e passatempos propostos no site “O Rebu no Ar”. Antes e durante
a trama, várias perguntas foram feitas ao interagente para convidá-lo a
dar sua opinião por meio do seu voto. Como exemplo, podemos citar as
seguintes enquetes: “Qual atriz você está mais ansioso para ver em O
Rebu? Vote”; ou a chamada feita pelo Twitter: “Eu apostei em Ângela
420
em quem tentará impedir Duda de ver o corpo na piscina. Qual é o seu
palpite? Entrar e Tweetar”; “Preparados para mais um O Rebu? Olho
na telinha para não perder nenhum detalhe, responder o quiz e garantir
muitos pontos!”
Pudemos ver também chamadas para participar do jogo “O Rebu
no Ar”, como, por exemplo: “Participe dos games e pontue enquanto
assiste à novela”; “Responda a perguntas, faça apostas, ganhe medalhas,
desaie seus amigos e famosos neste divertido jogo”. Para participar, era
necessário se inscrever acessando o site <gshow.globo.com/orebu> de
qualquer dispositivo, seja computador, celular ou tablet. Além disso, em
todos os sites da Globo.com era possível ver a notiicação ao vivo dos
resultados dos jogos. O jogador controlava a sua participação através de
um peril em que via o seu lugar no ranking, o dos seus amigos e o geral,
além das suas medalhas. No inal da novela, foi publicado o ranking dos
jogadores que mais pontuaram e o mural de medalhas.
Considerando que esta foi uma trama policial, cujo objetivo inal
era desvendar um crime, a Central de Investigações desenvolvida para o
site merece destaque. A Central de Investigações foi concebida para que
o interagente pudesse acompanhar as pistas que iam sendo reveladas,
compartilhar nas redes sociais e montar a sua própria versão do crime.
Era possível votar, apenas uma vez, em um dos 17 personagens que poderia ter cometido o crime. Os autores da novela, George Moura e Sérgio
Goldenberg, listaram com exclusividade a história dos personagens,
apontando alguns possíveis indícios da motivação do crime. Sendo assim,
o interagente podia construir a sua história a partir de fotos e vídeos que
foram disponibilizados e votar no seguinte bolão: “Quem matou Bruno?”.
As estratégias de propagação são compostas por conteúdos reformatados e informativos. Podemos citar, na subcategoria antecipação dos
conteúdos reformatados, toda a preparação para a festa na mansão Mahler,
da novela O Rebu, com a criação do evento “Vai começar O Rebu” no
Facebook. O evento foi criado um mês antes do início da novela, em 13
de junho, e no dia 20 de junho tinha 2.637 curtidas e 146 comentários.
Também foi criado um aplicativo em que o interagente podia fazer uma
lista de compras, os convites ou dar dicas para a festa. No inal da no-
421
vela, foi criado o evento “O Rebu. Fim do Mistério”. Porém, apesar da
tentativa de gerar a interação através das redes sociais, percebeu-se que
até a última semana a página no Facebook teve apenas 6.109 curtidas.
A subcategoria Recuperação é composta por capítulos, personagens e vídeos, oferecendo informações adicionais sobre a trama e os
personagens e mantendo o interagente sempre a par do que está acontecendo na novela. Exemplos podem ser os capítulos disponibilizados
na íntegra para os assinantes e também os conteúdos relativos à novela
exibida em 1974. “Viagem no tempo”25, publicada na seção extra do site
da telenovela, propunha aos internautas uma comparação entre as duas
telenovelas por meio de fotograias, mostrando personagens, cenários
e aspectos da moda.
Figura 5. Cenas de O Rebu 1974 e 2014
Na subcategoria remixagem, estão os memes, que proliferaram nas
redes sociais durante a exibição da novela. Essa é uma forma de produção
que tem ganhado bastante repercussão nas redes sociais, caracterizando-se pela intertextualidade, o apelo aos aspectos cômicos e envolve sempre
a apropriação de um repertório conhecido por um grupo ou comunidade.
É uma ideia que se espalha de forma viral. Os memes sobre O Rebu foram criados tanto pela Globo quanto pelos internautas nas redes sociais.
Disponível em: <http://natelinha.ne10.uol.com.br/colunas/2014/07/15/o-rebu-surpreende-pela-fotograia-e-complexidade-cronologica-77227.php> Acesso em: 28 abr. 2015.
25
422
Figura 6. Memes postados pela novela no site “O Rebu no Ar”
Em relação aos conteúdos informativos, que seria a última subcategoria no esquema de análise proposto por Fechine (2013, p. 41-43), estes
se coniguram em contextuais e promocionais. Os conteúdos contextuais
oferecem elementos que contribuem para a apreciação e interpretação do
mundo diegético, apresentando o contexto e as circunstâncias das ações,
tais como informações sobre moda, decoração, beleza etc., a partir dos
cenários, dos igurinos ou dos modos de comportamento presentes na
novela. Os conteúdos promocionais oferecem informações extradiegéticas, que podem aumentar o interesse pela novela, como notícias sobre
making off, entrevistas com elenco e autores, que podem ser encontrados
nas seções do site “O Rebu no Ar”, em “Tudo sobre” e nas cenas extras.
7. O backchannel de O Rebu
As telenovelas sempre permearam o imaginário coletivo, e Wolton
(1996) airma que o formato é o mais inluente da televisão brasileira. Os
desdobramentos das tramas são comentados tanto pelos telespectadores
ávidos quanto por aqueles que raramente assistem a atração. Conforme
aponta Maria Immacolata Vassallo de Lopes (2003, p. 31), “a força e a
repercussão da novela mobilizam cotidianamente uma verdadeira rede
de comunicação, através da qual se dá a circulação dos seus sentidos e
provocam a discussão e a polêmica nacional”. Pautadas por uma constante
sinergia entre a icção e a realidade, as telenovelas também estabelecem
uma relação única entre os telespectadores e os autores, de forma que o
423
feedback do público aponta caminhos que podem, ou não, ser trilhados
pelos roteiristas ao longo da trama. Esse processo de participação, colaboração e interação do público tão presente no formato das telenovelas
vem ganhando novas possibilidades no ecossistema de convergência.
Assim, “a dimensão de jogo, de participação, ao mesmo tempo que de
distanciamento, de ironia compartilhada, fazem desses programas um
verdadeiro ritual de ‘estar juntos’” (Wolton, 1996, p. 165). Além disso,
“a interação que se estabelece aí entre os roteiristas e os públicos reforça
a outra originalidade dos folhetins, que visa misturar mundo fantástico
e realidade social” (Wolton, 1996, p. 164).
O processo de participação, colaboração e interação do público, que
deine a telenovela como fenômeno social e estruturador da identidade
brasileira, vem ganhando novas possibilidades no ecossistema de convergência. Entretanto, André Lemos (2013) airma que as mídias digitais
também resgatam hábitos e formas de consumo já estabelecidos pelos
meios de massa.
[...] As práticas atuais mostram que estamos assistindo a um
retorno a experiências muito similares às anteriores, com
o aproveitamento das inovações sociais e tecnológicas do
digital, principalmente no que se refere às possibilidades de
produção de conteúdo, de compartilhamento de informação
e de criação de redes sociais (Lemos, 2013, p. 146).
Esse cenário descrito por Lemos (2013) pode ser observado na
Social TV, que, apesar de ser um fenômeno emergente, potencializa a
experiência coletiva da televisão. Os comentários que antes esvaneciam
no sofá da sala, hoje integram o backchannel. Na Social TV, os telespectadores interagentes compartilham suas impressões sobre os programas
com inúmeros interlocutores nas redes sociais. Segundo os dados do
Ibope Media (2014), 54% dos internautas brasileiros assistem televisão
enquanto navegam na internet; deste total, 38% comentam os programas
no Twitter. A adoção do microblog pelos telespectadores interagentes não
424
é por acaso: sua arquitetura informacional26 permite que o backchannel
funcione não apenas como um termômetro em tempo real sobre as opiniões dos telespectadores, mas como um ambiente favorável à disseminação
e produção de conteúdos relacionados à grade de programação (Acierno,
2012; Colletti; Materia, 2012). Dessa forma, os conteúdos postados no
Twitter aumentam a visibilidade dos programas e trazem novos sentidos
na relação entre o público e as telenovelas.
Para compreender as atividades desempenhadas pelos telespectadores interagentes na Social TV e como esses conteúdos estabelecem novas
formas de colaboração e interação com o universo iccional de O Rebu
(2014), foi realizado um monitoramento do backchannel da telenovela.
A metodologia usada consiste em uma combinação de procedimentos de
observação e mineração dos dados gerados no Twitter (Zuell; Preradović,
2013). A coleta do luxo foi realizada entre 14 de julho e 12 de setembro
de 2014; posteriormente, foram analisadas as características comuns dos
tweets postados simultaneamente à exibição da telenovela e os tópicos
que geraram níveis elevados de buzz. Nesse período coletamos os tweets
postados durante a exibição da telenovela a partir de duas ferramentas: o
Topsy e o sistema de busca na Interface de Programação de Aplicações
(API) do Twitter. No Topsy monitoramos as postagens de 53 peris que
inluenciavam o backchannel e/ou tinham correlação com a telenovela
analisada. Esses peris foram divididos em cinco grupos: peris falsos de
personagens, críticos de telenovela; experts27; peris oiciais da Globo; e
peris dos atores que integravam o elenco da trama. Já o sistema de busca
do Twitter foi usado para iltrar as postagens com a hashtag oicial do remake (#orebu). Posteriormente, a partir dessa mineração, identiicamos as
atividades recorrentes desempenhadas pelos telespectadores interagentes.
Durante a exibição, O Rebu (2014) ocupou 35 vezes os trending
topics28 Brasil, atingindo um pico de 28.764 tweets na sua estreia (14/07).
Ver Santaella e Lemos (2010).
Segundo Santaella e Lemos (2010), esses peris ganham o status de experts, pois icam conhecidos por
sua área de atuação e passam a inluenciar a rede. Como pontuam Santaella e Lemos (2010, p. 69), “[...]
basta a eles deinir quais serão as suas linhas de comunicação externa e quais serão as conexões que eles
estabelecerão em contrapartida”.
28
Adotado pelo Twitter em 2008, trending topics é uma lista em tempo real de palavras, assuntos, hashtags
e/ou temas mais publicados na rede social (Dijck, 2013, p. 71).
26
27
425
Entre os assuntos mais comentados29 estavam as atrizes Patrícia Pillar,
Sophie Charlotte, Dira Paes, Camila Morgado e Vera Holtz, além da trilha
sonora da trama. A partir do monitoramento do backchannel de O Rebu
(2014), foram identiicados três padrões de atuação dos telespectadores
interagentes: (1) a complexidade narrativa; (2) a intertextualidade; e (3)
a memória afetiva. Essas temáticas foram constantes nos tweets postados ao longo da telenovela e reletem pontos importantes na relação do
público com a trama.
A complexidade narrativa de O Rebu (2014) foi um dos tópicos
mais comentados pelos telespectadores no microblog. Considerado um
elemento inovador no âmbito da TV generalista brasileira, a cronologia
não linear do folhetim gerou buzz e mobilizou a audiência na segunda
tela. Na mineração dos tweets, pôde-se observar que os telespectadores
compararam a estrutura narrativa da telenovela com as produções da
Post-Network Television30 estadunidense. Segundo José Luiz Villamarim, diretor do remake, esta familiaridade do público com obras que
se distanciam de uma linearidade temporal óbvia foi importante para
a compreensão da telenovela. “Com certeza, hoje, o telespectador está
mais preparado para assistir a ‘O Rebu’ por estar mais familiarizado
com este tipo de narrativa que modiica a lógica do tempo real”, airmou
Villamarin (apud Stycer, 2014).
Figura 7. Os telespectadores interagentes comparam a estrutura
narrativa de O Rebu com as séries estadunidenses
29
30
Disponível em: <http://goo.gl/Gt7aID > Acesso em: 29 mar. 2015.
Ver Lotz (2007).
426
Porém, a fragmentação narrativa de O Rebu (2014) também
gerou debate no backchannel, conforme destaca o jornalista Nilson Xavier: “Perdi o fio da meada de #ORebu. Cada vez mais
leio essa frase nas redes sociais” (UOL, 2014). Logo nos primeiros capítulos da trama, o público já repercutia os desdobramentos complexos da história e a sua diiculdade de assimilação.
Figura 8. Os telespectadores interagentes comentam sobre
a cronologia complexa de O Rebu
Não foi somente essa versão de O Rebu que gerou esse tipo de comentário. A “confusão” expressa pelo público (e até mesmo por críticos)
também foi sentida em 1974. O colunista Sérgio Bittencourt, da revista
Amiga, foi um dos primeiros a reclamar da complexidade da trama:
Acho meio difícil de se entender – ou, melhor: acompanhar
– essa novela O Rebu. A jogada de lashback não é fácil de
ser acompanhada. Minha empregada já fez mil perguntas.
É que, durante o dia, o chamado cotidiano absorve tudo. E
de noite, para se retomar o io da meada, custa um pouco
(Bittencourt, 1974, p. 27).
Podemos perceber que tanto Pedroso, em 1974, como os autores
do remake tinham como objetivo claro tirar o telespectador, acostumado com tramas lineares, da sua zona de conforto. Mesmo que ambas
as tramas não possam ser consideradas grandes sucessos em termos de
audiência, certamente chamaram a atenção por outros motivos. O crítico
427
BCC (1974, p. 2), do Jornal do Brasil, em novembro de 1974, disse que
“O Rebu marcará o início do im das novelas”. Já a colunista Patrícia
Villalba (2014), da Revista Veja, aponta, a respeito do remake, que “O
Rebu é ótima! Mas não é novela”.
Outro contexto recorrente no backchannel de O Rebu (2014) foi a
intertextualidade. Wolton (1996) aponta que os telespectadores brasileiros
têm uma relação simbiótica com as telenovelas. Os assuntos abordados
nos folhetins são incorporados pelo público independentemente do seu
grau de envolvimento com o programa. Ou seja, o laço social das telenovelas vai além do appointment television; assistindo ou não, todos
comentam, de alguma forma, as tramas que estão no ar. No backchannel
de O Rebu (2014), essa característica se materializou nas associações
que os telespectadores faziam ao comentarem na rede social. A partir
das cenas do remake, os interagentes estabeleciam conexões imediatas
com trabalhos anteriores dos atores e atrizes que integravam o elenco da
atração. Os personagens Mãe Lucinda (Avenida Brasil), Nilo (Avenida
Brasil), Luana Berdinazzi (O Rei do Gado), Lucimar Ribeiro (Salve
Jorge), Amora Campana (Sangue Bom), Adma Guerrero (Porto dos
Milagres) e Flora Pereira da Silva (A Favorita) eram constantemente
mencionados no microblog. Esse uso frequente de referências de personagens antigos mostra a proximidade que os telespectadores têm com
as telenovelas e como essas produções permeiam o imaginário coletivo.
Figura 9. Telespectadores interagentes citam os trabalhos anteriores
das atrizes de O Rebu
428
A intertextualidade presente no backchannel de O Rebu (2014)
relete um ponto importante da Social TV. O fenômeno tem como força
motriz a televisão, e é a partir da grade de programação que os conteúdos
são gerados na segunda tela. A televisão é o ponto de partida do ambiente
híbrido da Social TV, que mistura o luxo televisivo e os arquivos do ciberespaço, mas é na arquitetura informacional do Twitter que se constitui
a colaboração dos interagentes. Ao comentar os acontecimentos de O
Rebu (2014) na rede social, o público estabelece novos signiicados ao
conteúdo televisivo. À medida que as cenas do folhetim eram exibidas,
os telespectadores interagentes produziam distintos sentidos a partir
das imagens e, consequentemente, expandiam o universo iccional. Por
exemplo: a sequência em que o corpo de Bruno (Daniel Oliveira) é jogado
na piscina da mansão de Angela Mahler (Patricia Pillar) foi usada para
ilustrar outras temáticas que iam além da proposta pela trama.
Figura 10. Os telespectadores interagentes fazem
montagens a partir da cena de O Rebu
Essa apropriação dos interagentes faz com que os limites entre
produtores e consumidores se esvaneçam. Jenkins, Ford e Green (2013)
airmam que o público contribui para a perpetuação do universo iccional
das tramas ao se apropriarem dos conteúdos midiáticos. A história de O
Rebu (2014) desencadeou uma série de conteúdos que tinham como ponto
de partida o remake, mas que estabeleciam novas conexões e atingiam
diferentes públicos ao ganharem o ciberespaço.
A contribuição dos interagentes para a expansão do universo
iccional de O Rebu (2014) também pode ser observada na criação de
429
peris falsos de personagens no Twitter. Durante a exibição do remake
(2014), foram criados 22 peris; entre os mais populares estavam: Vic
Garcez (@VicGarccez), Duda Mahler (@MariaMahIer), Pedroso (@
DelegadoPedroso) e Ângela (@AngeIaMahler). Além de repercutirem os acontecimentos do folhetim em tempo real, os peris também
interagiam entre si, contribuindo para a imersão dos telespectadores
na segunda tela.
Figura 11. Peris no Twitter criados pelos
telespectadores interagentes
Segundo Jenkins, Ford e Green (2013), o ecossistema de convergência, as potencialidades de compartilhamento da Web 2.0 e o engajamento do participante ocasionam a expansão da estrutura tradicional
de circulação de conteúdo. Dessa forma, os luxos informacionais se
misturam, criando assim um ambiente híbrido e colaborativo. Ao ser
apropriado pelos telespectadores interagentes, o universo iccional de
O Rebu (2014) ganha novos signiicados e se perpetua na rede. Durante
a exibição das cenas, o público produzia e postava releituras (memes,
frases e montagens) no Twitter. Os contextos eram distintos e exploraram desde a Copa do Mundo até as eleições presidenciais, como, por
exemplo, na imagem criada pelo peril TV+ Twitter (@comententv),
que une o principal arco narrativo de O Rebu (2014) e a participação do
político Eduardo Jorge no debate presidencial no canal SBT – temáticas
que aparentemente não tinham ligação alguma, mas que ganham novos
sentidos ao serem apropriadas pelos interagentes.
430
Figura 12. Os telespectadores interagentes criam memes
e montagens a partir da trama de O Rebu
Por im, os tweets tinham como assunto recorrente a primeira versão
de O Rebu (1974). Durante a exibição do folhetim, os interatores repercutiam as semelhanças e as diferenças entre as versões. Mesmo tendo
ido ao ar em 1974, muitos telespectadores jovens comentavam sobre a
mudança dos personagens e as conexões entre as tramas.
Figura 13. Os telespectadores interagentes comentam
sobre as versões de O Rebu
Considerações inais
Acreditamos que os remakes, de um modo geral, e especiicamente
nosso objeto de análise – O Rebu – entram no ar com o irme propósito
de remexer em obras que tiveram um vínculo afetivo com o telespectador
no passado e hoje provocam a curiosidade daqueles que apenas “ouviram falar” de tais produções. A telenovela volta com uma complexa e
renovada produção para atender ao gosto das novas gerações e de uma
431
televisão que aperfeiçoou a sua linguagem ao longo de mais de 60 anos
de teledramaturgia. Essa televisão conta agora com uma parceira, a internet. Desta feita, a obra chega às telas transcriada, transmutada e com
a participação incisiva dos interatores via web. Sua roupagem contemporânea abre novas possibilidades narrativas, de encenação, dramaturgia
e interpretação de atores, e explicita as transformações pelas quais a
própria televisão vem passando.
Hoje, intrinsecamente ligada ao surgimento da tecnologia digital
e às novas possibilidades que tem o telespectador/interagente com a
convergência das mídias, a televisão volta-se para uma produção pensada na “coautoria”, através da função participativa de seus seguidores
e fãs.
Centramos nosso artigo nesse diálogo estético-cultural e de memória afetiva que compôs a retomada da complexa obra de Bráulio
Pedroso. Alicerçamos nossa pesquisa em dois eixos: a narrativa e a
cultura participativa. O resultado foi uma multiplicidade de fenômenos
transmidiáticos, que ora diziam sobre o enredo, ora realçavam a interpretação dos atores; outras vezes, cotejavam a produção passado/presente;
e inalmente exibiram produções alternativas baseadas nos conteúdos
apresentados via TV. Nesse processo, que durou enquanto a telenovela
esteve no ar, monitoramos a participação do público que se envolveu
com a intrincada trama, bem como tentamos desvelar as engrenagens
motivadoras e persuasivas que foram inseridas pela emissora via web.
Numa cartograia das estratégias de transmidiação propostas pela Globo
na plataforma “O Rebu no Ar” para promover o engajamento do público,
reletimos, por um lado, sobre as formas de produção e, por outro, sobre
a efetiva interação por meio do Facebook e do Twitter, que conigura o
fenômeno recente da Social TV.
Wolton (1996) airma que o grande desaio da televisão continua
sendo a experiência coletiva. Segundo o autor, a segmentação dos canais, as novas formas de distribuição de conteúdo e a fragmentação da
audiência fazem com que o laço social, ou seja, essa sensação de pertencimento, de “estar juntos” se torne cada vez mais distante. Porém, ao
compartilharem suas impressões sobre a grade de programação nas redes
432
sociais de maneira síncrona à exibição das atrações, os telespectadores
interagentes resgatam o viés social do meio. O fenômeno potencializa
o jogo da televisão, trazendo de volta o appointment television. Conforme aponta Jost (2011, p. 102), “as redes sociais permitem a criação de
comunidades imaginárias às quais a televisão nos tinha habituado”. Se
antes os telespectadores comentavam sobre os programas apenas com
seus familiares, amigos e colegas de trabalho, na Social TV o conceito
de watercooler31 ganha novas possibilidades e, consequentemente, faz
com que a televisão se atualize diante do ecossistema de convergência. O
backchannel constitui um laço social em torno de inúmeros interlocutores
e possibilita que os telespectadores interagentes colaborem, participem e
interajam com as tramas. Sendo assim, ao comentar os acontecimentos
de O Rebu (2014) na rede social, o público produz novos signiicados e,
consequentemente, expande o universo iccional da telenovela.
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31
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