A QUESTÃO DA INCOMENSURABILIDADE:
DO EMBARAÇO PITAGÓRICO ÀS OBRAS DE LEONARDO DA
VINCI ─ UMA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA PELA
HISTÓRIA E PELA ARTE.
Rodolfo Chaves1 ─ Ifes ─
[email protected]
Caio Lopes Rodrigues2 ─ Ifes ─
[email protected]
Resumo
Este texto apresenta a fundamentação teórica adotada para embasar o minicurso, de mesmo título,
dirigido a professores (formação: pré-serviço e em serviço) da Educação Básica. A proposta é tratar
de forma interativa e manipulativa ─ sem distanciar-se de conceitos matemáticos ─ da temática
sugerida, abordando historicamente os seguintes aspectos: (i) a questão da incomensurabilidade
entre o lado e a diagonal de um quadrado; (ii) tratamento prático do uso do Pi e do número de ouro
na construção de pirâmides egípcias; (iii) o cálculo do número de ouro a partir de princípios de
proporcionalidade e resolução de equação do 2º grau; (iv) A presença do Pi e do número de ouro na
natureza; (v) a existência de padrões matemáticos nas obras de Leonardo Da Vinci; (vi)
possibilidades de abordagens do caráter inter, trans e pluri ou multidisciplinar de Matemática e
Artes na sala de aula. O objetivo não se restringe tão-somente à busca da transversalidade entre
Matemática e Artes, mas apresentar a Matemática como ferramenta de leitura de processos,
fenômenos, modelos e textos, dos quais se destacam obras de arte. A ideia é municiar o professor
(sobretudo com análises e investigações a partir da própria prática) com instrumentos que
possibilitem romper com dispositivos táticos de controle do Ensino Tradicional de Matemática
(ETM): centralismo e expositivo professoral onde o conteúdo é apresentado de forma imutável,
descontextualizada, linear a partir do receituário: definição + propriedades + exemplos + exercícios
de fixação + teste. Este trabalho fundamenta-se a partir da pesquisa de natureza qualitativa,
bibliográfica e exploratória, porém, também do tipo participante, visto que todos os procedimentos
foram discutidos em sessões plenárias do Grupo de Pesquisa em Matemática Pura, Aplicada e
Educação Matemática – Gepemem. O mesmo é base constituinte ao Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) cujo título é: “É possível identificar padrões matemáticos em obras de Leonardo Da
Vinci? Que padrões são esses?”.
Palavras-chave: Ambiente Investigativo de Aprendizagem; História da Matemática; Grandezas
incomensuráveis; Número de Ouro.
Mestre e Doutor em Educação Matemática pela UNESP – Rio Claro. Docente do curso de
Licenciatura em Matemática, campus Vitória. Coordenador institucional do Programa de Apoio a
Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Educadores (LIFE – CAPES). Líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Matemática Pura, Matemática Aplicada e Educação Matemática (Gepemem – Ifes).
1
2
Licenciando em de Licenciatura em Matemática do campus Vitória. Membro do Gepemem – Ifes.
1. Problemática
1.1.
A relação primitiva de Matemática e Artes e a gênese da ruptura entre as mesmas
A Matemática, como área do conhecimento na História da humanidade é tomada
como ferramenta de leitura do mundo em diversas áreas ─ Física, Química, Biologia,
História, Filosofia, Geografia, Música, Artes, Astronomia, Linguagens etc.
Ao retratar paisagens e animais e, mais tarde, esculpir em ossos marcas que
representavam os animais capturados, o homem primitivo iniciou a busca da
organização do seu entorno por meio da Arte e da Matemática. (ZALESKI
FILHO, 2013, p. 13)
O uso de seus princípios, conceitos e métodos, ao longo dos tempos, tem sido
relevante à construção e à transformação de sociedades. Desde a pré-história, como descrito
na citação antecedente, há relatos de sua utilização. Foi estudada e empregada por
babilônios, chineses e gregos, por exemplo. Foi base de pensamentos de grandes vultos na
História das civilizações. Platão3 colocou na inscrição da porta de entrada de sua academia:
"Que ninguém ignorante em Geometria entre aqui.". Aristóteles4 e Pitágoras5, dentre outros
pensadores gregos da época, direta ou indiretamente, apoiaram o estudo da Matemática,
tanto na sua forma abstrata – e até esotérica – quanto no auxílio de resolução de problemas
práticos. O que leva a inferir que a Matemática foi de suma importância na base da
Platão (427 – 347 a.C.), aristocrata de nascimento, filósofo grego nascido em Atenas, considerado
um dos principais pensadores gregos, pois influenciou profundamente a filosofia ocidental. Suas ideias
baseiam-se na diferenciação do mundo entre as coisas sensíveis (mundo das ideias e a inteligência) e as coisas
visíveis (seres vivos e a matéria). Teve sua obra interpretada de maneiras diversas, “[...] tanto por Aristóteles
quanto por Plotino. Descartes, Kant e Hegel inspiraram-se nela. E ela nos ensina que existe um ponto de
convergência de todos esses caminhos, bem além das aparências ilusórias que só levam ao ceticismo e à
inadequação do espírito. Baseia-se em sua fé na autoridade da razão que, adquirida pelo homem, permite-lhe
transpor as fronteiras da necessidade, e ao mesmo tempo, merecer sua própria dignidade.” (HUISMAN, 2001,
p. 774).
4
Aristóteles (384 - 322 a.C.), filósofo grego, nasceu em Estágira, colônia de origem jônica no reino
da Macedônia. Por ser filho do médico do rei Amintas, gozou de privilégios para estudar. Aos 17 anos, foi
enviado para a Academia de Platão em Atenas, na qual permanecerá por 20 anos, inicialmente como
discípulo, depois como professor, até a morte de Platão. Possuía gosto pelos conhecimentos experimentais e
da natureza, ao mesmo tempo em que obteve sucesso como metafísico.
5
Pitágoras de Samos (580 a 500 a.C.), filósofo e matemático grego que teve como mestres ou
interlocutores, Tales de Mileto (624 a.C. a 546 a.C.), precursor do raciocínio dedutivo e da Geometria
Demonstrativa, um dos sete sábios da Antiguidade, Anaximandro Sonchi – sacerdote egípcio – e Zaratustra,
dentre outros. Viajou pelo Egito e Babilônia antes de se estabelecer em Crótona (região da Magna Grécia,
atualmente Itália), onde criou a Escola Pitagórica, com forte tendência esotérica.
3
2
formação das sociedades antigas e a relação entre Matemática e Arte não é fruto de
modismo contemporâneo ou pós-moderno.
Com a construção de armas e utensílios utilizando pedras, ossos e madeira, que
depois de prontos eram decorados, começou a existir também a convivência entre
formas, tamanhos ou dimensões com símbolos e padrões. No decorrer da história
humana, a Arte e a Matemática continuaram a contribuir para organizar e explicar
as aquisições culturais. (ZALESKI FILHO, 2013, p. 14)
O seu estudo não era tão-somente destinado para resolver problemas, mas a
Matemática foi motivo de admiração e fascínio de povos antigos, ou seja, a Matemática foi
tomada como Arte e Filosofia, técnica e ciência. Desde a antiguidade clássica, na Arte
grega observamos certa preocupação com a busca exacerbada pela simetria, pela beleza
clássica a partir da estética que tomava as relações áureas como padrão. Na Arte romana,
por exemplo, mosaicos eram construídos a partir de soluções daquilo que hoje designamos
por matrizes − para arcos, distribuição de cores, ocupação espacial. A precisão e marcação
juntavam-se a todos os anseios e desejos do artista, em chegar ao ápice de sua obra prima,
sendo a Matemática o desenrolar dos carretéis para o aperfeiçoamento das obras artísticas.
Contudo, os pitagóricos, a partir da instituição do regime de verdade de que “Tudo é
número”, abrem espaço à perpetuação da crença de que a Matemática, por si só, poderia
explicar o mundo, não necessitando, para tal, de nenhuma outra vertente do conhecimento,
incluindo aí também a Arte. Tal pensamento “em conjunto com o desprezo que Platão
sentia pelos artistas plásticos coloca a Matemática e a Arte em patamares distintos e pode
ter contribuído para o afastamento entre a Arte e a Matemática." (ZALESKI FILHO, 2013,
p. 25).
[...] em algum momento da história da humanidade, a Arte "afastou-se" da
Matemática e de outros campos das ciências. Qual o motivo, ou quais são os
motivos desse afastamento? Talvez uma das razões tenha sido uma herança da
Filosofia Grega: a ideia de um mundo dividido em superior e inferior [...]
(ZALESKI FILHO, 2013, p. 13)
3
1.2.
Uma possível gênese à descontextualização do ensino da Matemática
Chaves (2004, p. 160-161) destaca que um ambiente de aprendizagem pautado em
um currículo rígido, onde o aluno é colocado como um ser passivo às informações advindas
do professor por meio de exposições homiléticas não é exclusividade das sociedades
modernas e pós-modernas. Arquitas6, responsável pela continuidade da tradição pitagórica,
pôs a Aritmética acima da Geometria, contudo, sua relação com os números não era tão
esotérica como para Pitágoras ou mística e religiosa para Filolau7 de Crotona.
Arquitas parece ter dado considerável atenção ao papel da matemática no
aprendizado, e foi-lhe atribuída a designação dos quatro ramos no quadrivium
matemático – aritmética (ou números em repouso), geometria (ou grandezas em
repouso), música (ou números em movimento) e astronomia (ou grandeza em
movimento). Esses temas, juntos com o trivium consistindo de gramática, retórica
e dialética (eu Aristóteles atribuía a Zeno), constituíram mais tarde as sete artes
liberais, portanto o papel proeminente que a matemática desempenhou na
educação se deve em não pequena medida a Arquitas. (BOYER, 1978, p. 52)
Para negar o paradigma existente − que consagra a hegemonia do Ensino
Tradicional de Matemática (ETM), pautado em verdades cristalizadas, que põem a ordem
curricular acima do diálogo, da criatividade e da investigação como forma de aprendizagem
− Chaves (2004) aponta que, após Arquitas, que valorizava a música, o que vemos é um
apego às coisas estáticas onde a ideia de movimento foi gradativamente esquecida,
tornando-a assim estática, descontextualizada.
Plotino8, que espiritualizava a Arte, transcende Platão e defende que:
[…] a imitação dos objetos visíveis é um motivo para a atividade artística cuja
finalidade é intuir as essências ou ideias. Para ele, a Arte, além de uma atividade
6
Sábio grego (428 e 365 a.C.) a quem foi atribuído o desenvolvimento do processo e algoritmo para
extração de raiz quadrada (processo conhecido como algoritmo de Newton) mas, segundo Boyer (1978, p.21)
este processo já era conhecido pelos mesopotâmios.
7
Filósofo grego (± 470 a 385 a.C.) que escreveu um livro em que expunha a doutrina pitagórica (que
era reservada apenas aos discípulos). Foi o primeiro pensador a atribuir movimento à Terra propondo um
sistema no qual a Terra girava em torno de um fogo central, que não era o Sol.
8
Filósofo grego (205 a 270 d.C.), nascido no Egito, dividia o universo em três hipóstases: O Uno −
refere-se a Deus, dado que sua principal característica é a indivisibilidade − o Nous (ou mente) − termo
filosófico grego que significa atividade do intelecto ou da razão em oposição aos sentidos materiais, dos quais
muitas obras designam como sinônimo de "Inteligência" ou "Pensamento" − e a Alma.
4
produtiva, é um meio de conhecimento da Verdade. (ZALESKI FILHO, 2013, p.
25)
Marilena Chaui (in: LAFRAGUE, 1999, p. 11-12) e Chaves (2004, p. 164-165) nos
lembram de que “para os antigos, só era possível dedicar-se à atividade do conhecimento se
não estivesse escravizado pela obrigação de trabalhar”. A própria gênese da palavra escola
está comprometida com o ócio, logo com a formação do homem teórico, pois ócio, em
grego, se diz scholé que deu origem à palavra escola.
A ideia do trabalho como desonra e degradação não é exclusiva da tradição
judaico-cristã. Essa ideia aparece em quase todos os mitos que narram a origem
das sociedades humanas como efeito de um crime cuja punição será a
necessidade de trabalhar a viver. Ela também aparece nas sociedades escravistas
antigas, como a grega e a romana, cujos poetas e filósofos não se cansam de
proclamar o ócio como um valor indispensável para a vida livre e feliz.
(LAFRAGUE, 1999, p. 20)
Nessas sociedades, a atividade de produzir uma obra era tão desprezível que não
havia a palavra trabalho. Conta-nos Chauí que os vocábulos ergon (em grego) e opus (em
latim) referem-se exclusivamente às obras já produzidas, acabadas; isto é, tais sociedades
não valorizavam o processo, mas tão-somente a obra concluída (o produto), tanto que
artistas, artífices, pintores e escultores não pertenciam à nobreza. Para eles os admiradores e
críticos (praticantes do ócio) possuíam mais prestígio do que aqueles que desenvolviam a
dinâmica de construção da obra. Neste contexto a Arte exerce papel secundário, visto que,
com a implantação do trivium enquanto currículo, esta se destinava aos comuns e não a
uma formação específica, ou preparação para o trabalho, pelos motivos apresentados e que
fundamentam a justificação do opus e do ergon: “aliás, não é outra a origem da expressão
‘isto é trivial’." (ZALESKI FILHO, 2013, p. 34).
1.3.
Ensinar não implica aprender
Pelo modelo usual de se ensinar Matemática, adotado pelo ETM, o professor é o
emissor da enunciação e o aluno o receptor e por isso lembremo-nos que, quem produz
significado a respeito do que foi enunciado é o receptor e não o emissor da enunciação;
dessa forma ensinar não implica necessariamente aprender. Assim, entendemos que não
5
adianta pensarmos em passar uma grande quantidade de conteúdos e conceitos se estes não
forem bem assimilados, apreendidos. Logo, ao invés de quantidade, por que não nos
preocupar com qualidade de informação (qualidade referente à aplicabilidade, à
assimilação, à contextualização, à possibilidade de conexões com outras áreas do
conhecimento)?
1.4.
Ambiente de aprendizagem
Urge rompermos o ambiente hegemônico (aulas centradas no professor, alunos
passivos
a
ideias
prontas,
grades
curriculares
rígidas,
extensas,
lineares,
descontextualizadas etc.) onde se desenvolve o ETM e buscarmos, caminhar, navegar,
testar, transitar por outros ambientes de aprendizagem que propiciem ao aluno, antes de
qualquer coisa, o prazer de investigar para produzir novos saberes e, com isso, construir
conhecimento.
O ambiente hegemônico a que nos referimos é aquele onde o professor não se
preocupa em associar os conceitos matemáticos a quaisquer outras áreas do conhecimento,
como por exemplo, à Física (usar a ideia das funções temporais de distância percorrida e
velocidade para falar respectivamente em função quadrática e função linear, por exemplo),
ou à Biologia, ou à Geografia, (associar dinâmica populacional – de bactérias, insetos,
pessoas – à progressão geométrica e esta a função exponencial). Nesta referência há uma
preocupação de se ensinar a Matemática para e pela Matemática, exclusivamente. As
consequências disso nos leva ao encontro do que Paulo Freire, em seu clássico, Pedagogia
do Oprimido classifica de uma educação bancária, oca, descontextualizada, não
comprometida com a vida, ou melhor, com quaisquer possíveis intervenções que se possam
desestabilizar a inercia educacional vigente no ETM, muito menos desestabilizar,
consequentemente o sistema político que se perpetua. No que se refere ao ensino da
Matemática, permanecer nesse ambiente é perpetuar o ergon ou o opus; isto é, apenas o
trabalho realizado, pronto e acabado desconsiderando o processo. Somente o resultado
interessa (aprovado ou não, apto ou não à sociedade de consumo).
6
Que professor de Matemática nunca se deparou com um exercício em que ficasse agarrado
por horas e após diversas tentativas chegasse, ou não, a uma solução? Com o furor
pedagógico inabalável tal professor vai à aula e apresenta tão-somente o produto final, fruto
de árduas horas de trabalho. Essa solução é a síntese do que fora produzido (o ergon ou o
opus). O processo que desencadeou tal produto foi para lixeira em forma de dezenas de
folhas de papel rabiscadas e amaçadas. A solução sintetizada do referido exercício, focando
o ergon, diante de seus alunos, o eleva ao pedestal da sabedoria e da erudição, ainda mais
quando o mesmo resolve bradar: “isso é trivial!”.
O processo que levou a tal conclusão é que é frutífero à aprendizagem. A arte está
no desenvolvimento, na batalha, nas tentativas e erros. Mas com o propósito de ser didático,
tal professor, restringiu-se ao opus. Tal como Arquitas, por mais que pensemos no
movimento (assim como na Astronomia e na Música) esse professor reduziu sua prática ao
estático, pois o processo foi excluído.
No modelo do ETM há uma ordem curricular mantida – rígida e imutável. Por
exemplo, na 1ª série do Ensino Médio usualmente se ensina primeiramente “a definição” de
conjunto, depois “a definição” de relação, depois “a definição” de função, depois “as
definições” pertinentes aos tipos de funções que os autores julgam compatíveis à Educação
Básica etc. Após cada “definição” são apresentadas as respectivas propriedades e depois
exercícios. Assim, todas as aulas são reduzidas a uma rígida estrutura de se ensinar
Matemática.
Definição
Propriedades
Exemplos
Exercícios
Quadro 1: A linearidade do ambiente vigente no ETM.
Essa estrutura (Cf. Quadro 1) juntamente com ambiente de aprendizagem que
privilegia o ergon ou o opus é denominada de paradigma do exercício e é apresentado em
Skovsmose (2000, p. 75) e Chaves (2004, p. 76-77). Tal ambiente é deveras peculiar, pois a
maioria das aulas de Matemática, ao longo dos tempos, se processa homileticamente
7
segundo tal paradigma. Aprendemos e ensinamos do mesmo jeito que aprendemos. A
repetição desse jeito de ensinar muito mais do que enrijecer e manter uma ordem curricular
impossibilita mudanças e alimenta alguns mitos nocivos às nossas expectativas como
educadores. É o efeito Dolly ou clonagem acadêmica que se perpetua e reproduz os iguais
(CHAVES, 2004, p. 186). Alimenta, por exemplo, mitos como: “Matemática é difícil”,
“Quem sabe Matemática é inteligente”, donde se conclui que “Quem não sabe não é
inteligente”, “Sou professor de Matemática e não de História por isso não vou dar ênfase a
essa parte do livro” etc.
Também a linearidade proposta no quadro 1 possibilita o entendimento de que o
processo de ensino leva a uma aprendizagem que se dá de forma linear e evolutiva.
Evolutiva pode ser, mas se for entendida como transformação, transvalorização, jamais
como suavemente ascendente. Transvalorizar-se implica em romper com verdades que se
possui. Como apresenta Chaves (2004) ao discutir o conhecimento em Nietzsche: “é
preciso romper com aquilo que se pensa que sabe para construir conhecimento”. É preciso
zombar, tripudiar, romper com verdades cristalizadas. E isso o aprendizado se dá a partir de
sucessivas rupturas que tornam a trajetória não retilínea, muito menos estritamente ascende.
O processo é oscilatório. Por isso aprende-se bem mais a partir dos erros do que dos
acertos.
A necessidade de manutenção da rigidez curricular justifica-se por ser tal rigidez um
dispositivo de controle. Além da ordem curricular podemos destacar como dispositivo de
controle as aulas expositivas, centradas no professor (agente responsável por manter o
sistema – o propagandista) reduzindo o aluno a um elemento passivo, mero espectador
(agente receptor das propagandas – o consumidor).
Dessa forma, o ambiente denominado paradigma do exercício se configura como
lugar-comum onde se desenvolve o ETM: apresentado através de aulas expositivas,
descontextualizadas, com referência exclusiva à Matemática, centrada somente no discurso
do professor, que replica o discurso do livro pronto a ser consumido, como uma
8
programação curricular que não permite a experimentação, com a investigação, com a
trans, com a multi ou pluri e a interdisciplinaridade9. Mantendo-se tal regime de verdade, o
do paradigma do exercício, o aluno assume uma postura de passividade, sujeitando-se a
vontades que não são suas. Este Ambiente privilegia a Matemática (com formalismo
exacerbado) e esta passa a ser imutável, incontestável, venerada, descompromissada com a
vida e com as formas de exaltá-la e representá-la, como as Artes, por exemplo.
2. Justificativa
2.1.
Um possível entendimento a respeito de nossa proposta
Ao longo desta oficina apresentaremos uma dinâmica e não um produto didático ou
um material didático pedagógico (MDP) e solicitamos que não entenda essa dinâmica tãosomente como um produto (ergon ou opus), mas um processo de capacitação para o ensino
de Matemática que toma como base um referencial teórico que se contrapõe ao dispositivo
tático do ETM, o paradigma do exercício e seus dispositivos de controle. Esse processo é
destinado àqueles que queiram romper com tal ambiente e buscam um ambiente
investigativo a partir da História da Matemática e da Arte, bem como de instrumentos
manipulativos que privilegiem a ação (a dinâmica) no lugar do produto (o ergon ou o opus).
Nossa expectativa é que essa prática seja entendida como uma ferramenta
pedagógica – de reflexão de nossas práticas docentes – que sirva como um elemento
norteador na elaboração de planos e roteiros de atividades que coloquem o aluno como ator
e coautor de um processo investigativo.
É relevante não perdemos de vista os motivos pelo qual tal dinâmica será
apresentada. Convidamos-lhes a entendê-la como um – e não o – referencial; um subsídio à
9
Entenderemos como pluri ou multidisciplinar a justaposição de várias disciplinas sem nenhuma
tentativa de síntese. Segundo Weril; D’Ambrosio: Crema (1993) esse é o modelo predominante nas
universidades francesas. Quando nos referimos à interdisciplinaridade levamos em conta a síntese de duas ou
mais disciplinas, com foco em uma nova ordem do ordem, caracterizada por novas enunciações descritivas e
novas relações estruturais. Por transdisciplinar tomaremos como o reconhecimento da interdependência de
todos os aspectos de uma dada situação a ser estudada, que vai além dos códigos e enunciações típicos de uma
disciplina, buscando assim uma visão holística a respeito do problema.
9
capacitação de professores de Matemática, de maneira que os mesmos possam trabalhar de
forma integrada, participativa e colaborativa com demais professores de outras áreas do
conhecimento no desenvolvimento de temas que sejam substanciais à formação do
indivíduo, como ser reflexivo, sobretudo sobre suas próprias atitudes.
Ao longo deste texto abordaremos padrões; sobretudo, numéricos e geométricos,
pois entendemos que é peculiar ao ser humano, bem como a outros animais – os corvos10,
por exemplo – avaliar, analisar e comparar padrões, mas um padrão não é um olhar
universal. Há padrões e depositar um olhar a respeito de uma obra de Arte, de um foco em
relação à natureza ou na leitura de um texto, é peculiar a cada indivíduo que tomará como
referência sua trajetória, seu entendimento de mundo, suas concepções e regime de
verdades da qual está comprometido ou tomado. Daí a relevância de realizarmos uma
arqueologia a respeito de padrões tomados pela História da humanidade.
Ao longo da história, número e números têm tido uma grande influência na nossa
cultura e na nossa linguagem. Há muitas palavras associadas aos números, por
exemplo, bicicleta tem duas rodas, um tripé tem três pés, um octogenário já viveu
8 décadas, etc. A história dos números começa antes da nossa própria história.
Certas aves são capazes de se aperceber se foi retirado algum ovo do seu ninho.
Provavelmente terão uma ideia primária sobre o número de ovos que lá deveria
estar. Dantzig descreve uma experiência em que os corvos reconhecem até quatro
homens (SILVA; PENA, 2014, p.4)
10
Dantizg (1970, apud: Brasil, 2014, p.7) afirma que alguns animais também possuem senso
numérico, mesmo que rudimentares e restritos, como o caso específico do corvo que consegue identificar se
são retirados dois ou mais ovos de seus ninhos.
10
2.2.
O porquê Leonardo Da Vinci11:
“A massificação procura baixar a qualidade artística
para a altura do gosto médio.
Em arte, o gosto médio é mais prejudicial do que o mau gosto...
Nunca vi um gênio com gosto médio”.
(ARIANO SUASSUNA)
Nossa (orientando e orientador) sede e curiosidade por conhecimento levam-nos a
refletir a respeito de diversos aspectos da vida e obras de Leonardo. Até onde estudar tal
cientista nos proporcionará ricos saberes para nossa formação acadêmica? Há padrões
matemáticos em obras de Da Vinci? Quais? Ele optou por utilizá-los ou é tão-somente uma
forma de modelarmos (ou efetuarmos leituras de) suas obras? Diante de tais perguntas
motivamo-nos a escrever este trabalho.
Se tivéssemos que resumir nosso fascínio pelo tema em apenas uma frase,
escolheríamos:
O homem é único não porque produz ciência, e ele não é único porque produz
arte, mas sim porque ciência e arte, igualmente, são expressões da maravilhosa
plasticidade de sua mente. (WHITE, 2002, p. 15)
Leonardo Da Vinci consegue realizar tal façanha, juntar ciência com Arte,
conseguiu manipular a beleza de suas criações utilizando artífices científicos e, em
contrapartida, tornou seus estudos científicos de beleza insofismável aos olhos doutrem,
utilizando a Arte. Juntou a curiosidade de aprender com o prazer de criar, resultando em
obras de significados extremamente importantes ao desenvolvimento de estudos de outros
cientistas de sua e de épocas futuras, produziu obras com significados claros e ao mesmo
tempo conseguiu elaborar objetos enigmáticos, que até aos dias contemporâneos iludem e
11
Leonardo da Vinci (15/04/1452 — 02/05/1519), artista renascentista italiano. Há dúvidas a
respeito de onde nascera. Para alguns historiadores foi em Anchiano, enquanto para outros, foi numa cidade,
situada às margens do rio Arno, perto dos montes Albanos, entre as cidades italianas de Florença e Pisa. Foi
um dos mais importantes pintores do Renascimento Cultural. Considerado um gênio, pois se mostrou um
excelente anatomista, engenheiro, matemático músico, naturalista, arquiteto, inventor e escultor. Seus
trabalhos e projetos científicos quase sempre ficaram escondidos em livros de anotações (muitos escritos em
códigos), e foi como artista que conseguiu o reconhecimento e o prestígio das pessoas de sua época.
11
deslumbram de uma maneira fantástica, mentes e mais mentes, pensadores e mais
pensadores.
Assim, nosso objetivo não é estudar toda a vida de Leonardo Da Vinci, mas sim
relatar alguns pontos da vida desta figura humana ímpar, bem como analisar, identificar e
apresentar a possível existência de padrões matemáticos em três de suas mais conhecidas
obras − a Mona Lisa, a Dama do Arminho e o Homem Vitruviano − por serem obras que
aparecem com frequência em livros didáticos.
Em alguns livros didáticos a sequência de Fibonacci é apresentada de uma maneira
bem simples, geralmente através do clássico problema da reprodução dos coelhos (assim
como o faremos posteriormente) quando estudam sequências numéricas e seus padrões.
Então é válido o comprometimento de estudar a presença ou não da sequência de Fibonacci
nas obras supracitadas de Da Vinci; bem como a razão áurea, o número de ouro e a espiral
logarítmica por estarem profundamente interligadas à sequência de Fibonacci (como
veremos adiante). Portanto, propomos não colocar em lados opostos de uma mesma
balança, mas misturar em uma mesma panela, Arte e Matemática em nosso objeto de
estudo de maneira concisa, tendo em vista que este estudo possa proporcionar contribuições
para aulas de Matemática estabelecendo, como já afirmamos, relações inter ou trans ou
pluri ou multidisciplinares.
3. Discutindo academicamente o processo no trânsito da Matemática à Arte
3.1.
Uma arqueologia da Geometria grega
Tomemos como ponto de partida algumas linhas para discutirmos um pouco a
respeito de uma possível gênese da Geometria, de Pitágoras e dos pitagóricos.
12
Caraça (1989), ao discutir as relações entre a operação de medição, propriedade
privada e Estado, exalta Heródoto12 ao escrever a respeito da História dos egípcios em seu
livro II (Euterpe), das suas Histórias, e refere-se à Geometria da seguinte maneira:
Disseram-me que este rei (Sesóstris) tinha repartido todo o Egito entre os
egípcios, e que tinha dado a cada um uma porção igual e rectangular de terra, com
a obrigação de pagar por um ano um certo tributo. Que se a porção de algum
fosse diminuída pelo rio (Nilo), ele fosse procurar o rei e lhe expusesse o que
tinha acontecido à sua terra. Que ao mesmo tempo o rei enviava medidores ao
local e fazia medir a terra, a fim de saber de quanto ela estava diminuída e de só
fazer pagar o tributo conforme o que tivesse ficado de terra. Eu creio que foi daí
que nasceu a Geometria e que depois ela passou aos gregos. (CARAÇA, 1989, p.
32) (ipsis verbis).
A mesma obra destaca ainda que a necessidade de expressão numérica para medição
advém das relações do indivíduo para com o Estado, com base na propriedade e na
cobrança de tributos, chamando atenção para o fato de que Sesóstris viveu há mais de 4.000
anos. Observemos que dessa forma a gênese do problema da Geometria está presente em
relações socioambientais, socioculturais e socioeconômicas. Para os egípcios e babilônios
não havia um culto à Matemática como para os gregos. Eles a tomavam como ferramenta
de resolução de problemas práticos. Tanto que:
Pode-se dizer, parece que sem qualquer sombra de dúvida, que o conhecimento
matemático tanto egípcio quanto o babilônico – este, sabemos hoje graças ao
trabalho de Otto Neugebauer, bem mais refinado do que aquele – tinha a
experiência como critério de verdade.
Os gregos herdaram, assim nos diz a tradição, tal conhecimento. Mas, o que
satisfazia egípcios e babilônios não bastou para contentar a exigência grega. Com
os matemáticos da Grécia, a razão suplanta e empeiria como critério e verdade e a
matemática ganha características de uma ciência dedutiva. (BICUDO, 2009, p.
77).
Tais relações com a Matemática (mística para os gregos e prática para egípcios e
babilônios) podem ser observadas também no seguinte texto:
Os autores gregos não deixaram de manifestar seu respeito pela sabedoria
oriental, e essa sabedoria era acessível a todos que pudessem viajar ao Egito e à
12
Heródoto (485? a 420 a.C.), geógrafo e historiador grego, considerado pai da História, nascido
em Halicarnasso, foi autor da história da invasão persa da Grécia nos princípios do século V a.C., conhecida
simplesmente como As Histórias de Heródoto. Esta obra foi reconhecida como uma nova forma
de literatura pouco depois de ser publicada.
13
Babilônia. Há também evidências internas de uma conexão com o Oriente. O
misticismo grego primitivo em matemática deixa transparecer uma forte
influência oriental e escritos gregos mostram uma perpetuação helênica da
tradição mais aritmética do Oriente. Há também fortes elos ligando a astronomia
grega à Mesopotâmia. (EVES, 2004, p.96)
Chaves (2004), ao tratar de uma das técnicas de rejeição do discurso, atenta para o
fato de que, se por um lado Pitágoras atraiu muitos adeptos e fora merecedor de muitos
comentários pelos seus feitos como geômetra, por suas concepções filosóficas, pelo
conteúdo aritmético de sua doutrina, ou ainda por suas ambições políticas13, por outro lado,
o mesmo atraiu muitos desafetos, principalmente Policrates – o tirano de Samos – e Cílon14
(que acabou apropriando-se do seu livro secreto A palavra Sagrada – Hirós logos − e expôs
à multidão trechos da obra roubada, demostrando que o catecismo religioso dos pitagóricos
atentava contra a liberdade). Além disso, a credibilidade de Pitágoras também fora colocada
à prova quando da crise da incomensurabilidade, visto que o lado e a diagonal de um
quadrado são grandezas incomensuráveis e, para a doutrina pitagórica:
[...] tudo é número”, ou seja, tudo podia ser explicado através dos números
(inteiros) e suas razões (números racionais). Acreditava-se também que dados
dois segmentos quaisquer eles eram sempre comensuráveis, i.e., que existia um
terceiro segmento, menor que os dois primeiros, tal que cada um deles era
múltiplo inteiro do menor. Em termos modernos, se a e b são os comprimentos
dos dois segmentos, então existe um segmento de comprimento c e dois inteiros
m e n tais que a = mc e b = nc. Daí conclui-se que a/b = m/n. Muitas das
demonstrações à época eram baseadas neste fato. (MOREIRA & CABRAL,
2011, p. 35)
Consideremos, pois, o que Eves (2004, p. 103) denomina de unânime tradição, com
atribuição a Pitágoras da, “descoberta independente do teorema sobre triângulos retângulos
Segundo Schuré (1962 – apud Chaves, 2004, p. 38), Pitágoras queria “...à frente do Estado um
governo científico, menos misterioso, mas colocado tão alto como o sacerdócio egípcio [...] Para ele, saber é
poder.”. Paradoxalmente, talvez seja este um vestígio da gênese do mito positivista da cientificidade (que
sustenta que o saber gera poder), da ideologia da competência (de que quem sabe mais pode mandar e a quem
não tem conhecimento cabe obedecer), mas também a negação do mito da neutralidade dos homens do
conhecimento.
14
Para saberem mais a respeito do comportamento de Cílon e como o mesmo entrou para História,
levando a Escola pitagórica ou Itálica às ruínas também sugerimos CONTE, Carlos Brasílio. Pitágoras:
ciência e magia na Antiga Grécia. São Paulo, Masdras, 2008, p. 89-91.
13
14
hoje universalmente conhecido pelo seu nome – que o quadrado sobre a hipotenusa de um
triângulo retângulo é igual à soma dos quadrados sobre os catetos.” (ipsis verbis).
Eis que surge o problema! Qual o valor da diagonal de um quadrado de lado
medindo uma unidade de medida linear qualquer? Prontamente, se realizássemos tal
pergunta a um aluno do 9º ano do Ensino Fundamental, é bem provável que diria 2 ,
quiçá argumentaria que tal resultado é consequência imediata do teorema de Pitágoras 15. O
que dizer se
2 , bem como os demais irracionais, não era na época conhecido para os
gregos? Como veremos mais adiante, tal crise (a dos incomensuráveis) graças a Cílon e seu
forte poder argumentativo, surge a partir do que poderíamos considerar senão uma das
maiores construções da humanidade, pelo menos a mais popular.
Mas Pitágoras não era apenas geômetra. Além de místico também se dedicava a
estudar os números − que para muitos seus estudos deu origem à teoria dos números e para
outros limitou-se a praticar uma Aritmética mística. Vejamos alguns de seus feitos em
relação a tal área.
3.1.1. Ternos de números pitagóricos
O problema dos ternos pitagóricos consiste em determinar uma tríade de números
inteiros positivos que possam representar os catetos e a hipotenusa de um triângulo
retângulo. Se for uma verdade histórica ou não o que vamos tratar, não importa; afirmar
que os triângulos de lados proporcionais a 3, 4 e 5 constituem-se como uma verdade
aritmética ou até mesmo didático-pedagógica, visto que não há professor que deixe de
referenciar tais triângulos como pitagóricos ou retângulos egípcios. Daí surge aquela velha
15
O teorema de Pitágoras é apresentado na proposição 47, Livro I, de Os Elementos, de Euclides:
Nos triângulos retângulos, o quadrado sobre o lado que se estende sob o ângulo reto é igual aos quadrados
sobre os lados que contêm o ângulo reto. (BICUDO, 2009, p.132). Bem como o seu recíproco (proposição 48,
Livro I): Caso o quadrado o quadrado sobre um dos lados de um triângulo seja igual aos quadrados dos dois
lados restantes do triângulo, o ângulo contido pelos dois lados restantes do triângulo é reto. (BICUDO,
2009, p.134).
15
estória de que Pitágoras observara em suas viagens ao Egito que os construtores adotavam
cordas de 3, 4 e 5 nós equidistantes, bem como seus respectivos múltiplos para obterem um
ângulo reto. Assim, partindo dessa verdade, podemos estabelecer a seguinte tabela:
Tabela 1 – Ternos numéricos formadores de triângulos pitagóricos ou retângulos egípcios.
Cateto
Cateto
Hipotenusa
3
4
5
6
8
10
9
12
15
12
16
20
15
20
25
Fonte: https://sites.google.com/site/mat5semestre/numeros-pitagoricos
No entanto, pouco se fala, pelo menos nas salas de aula do Ensino Básico, a respeito
de outros números pitagóricos que não os múltiplos respectivos de 3, 4 e 5. Vejamos:
Tabela 2 – Outros ternos de numéricos pitagóricos.
Cateto
Cateto
Hipotenusa
5
12
13
10
24
26
20
48
52
25
60
65
30
72
78
Fonte: https://sites.google.com/site/mat5semestre/numeros-pitagoricos
É perceptível, ou não, que (3² + 4² = 5²) e (5² + 12² = 13²). O mesmo ocorre para
cada terno de números encontrados nas linhas das tabelas 1 e 2, levando em consideração
que o quadrado do maior valor é a soma do quadrado dos dois menores. Quando um terno
de números naturais possui como único fator inteiro positivo comum aos elementos do
terno pitagórico, a unidade, então o terno é denominado de pitagórico primitivo. Assim (3,
4 e 5) ou (5, 12 e 13) são ternos pitagóricos primitivos enquanto (6, 8 e 10) ou (10, 24 e 26)
etc. são ternos pitagóricos não primitivos.
16
Produzir tabelas numéricas não é invenção da era moderna. Tábuas matemáticas
babilônias escritas no período de 1900 a 1600 a.C., como a conhecida Plimpton 32216 já
cunhavam dados numéricos (Cf. figura 1).
Fonte: (EVES, 2004, p. 65)
Figura 1: Plimpton 322 (Universidade de
Colúmbia).
Fonte: (EVES, 2004, p. 64)
Figura 2: Reprodução da tábua Plimpton 322 em
nossa notação decimal.
Se bem observarmos a figura 1, a tábua contém três colunas (reproduzidas em
notação indo-arábica decimal na figura 2 para que possamos compará-las). Nas figuras 1 e
2, a coluna da extrema direita é tão-somente uma relação de ordem para as linhas. “Os
números correspondentes dessas colunas, com quatro infelizes exceções (anotadas na figura
2 entre parênteses – grifo nosso) constituem a hipotenusa e um cateto de triângulos
retângulos de lados inteiros.” (EVES, 2004, p.64). A obra citada sugere que não é fácil
explicar a exceção da segunda linha da tabela (Cf. figura 2) e para tal propõe que se vá a J.
Gillings, The Australian Journal of Science, 16, 1953, p. 34-36 ou a Otto Neugebauer, The
exact sciences in antiquity, 2ª ed. 1962. Assim, uma análise da tábua Plimpton 322 oferece
evidências razoavelmente convincentes de que os babilônios antigos sabiam como calcular
esses ternos. (GUERATO, 2014).
16
Segundo Eves (2004, p. 63), o nome refere-se a G.A. Plimpton da Universidade de Colúmbia, Os
primeiros a descreverem seu conteúdo foram O. Neugebauer e Sachs em 1945, mas Jöran Friberg, apresentou,
em Historia Mathematica, 8, n. 3, agosto de 1981, p. 277-318, um estudo mais detalhado, denominado
Methods and traditions of Babylonian mathematics.
17
Ao analisarmos as tabelas 1 e 2, antecedentes, bem como as figuras 1 e 2
observaremos que perpassa a História das civilizações o interesse de obter um terno de
números naturais que mantenham entre si a relação pitagórica: (3² + 4² = 5²) e (5² + 12² =
13²); (6² + 8² = 10²) e (10² + 24² = 26²); (9² + 12² = 15²) e (15² + 36² = 39²); ... Contudo, é
sabido que o teorema atribuído a Pitágoras já era conhecido pelos babilônios, como se
constata a seguir:
Na época em que se acreditava na ‘geração espontânea’ das culturas, a idéia do
‘milagre grego’ apaixonou várias gerações de investigadores, continuamente, até
há menos de cinqüenta anos, a partir do impulso entusiasta do Renascimento.
Mas depois das investigações de Thureau-Dangin17, Neugebauer18 e Bruins19
sabemos que mil anos antes de Pitágoras e Euclides 20, os babilônios já conheciam
o célebre teorema, haviam desenvolvido e resolvido os ‘problemas de
Diofanto21’, conheciam a fórmula de Gnomon22, atribuída a Pitágoras, bem como
a fórmula de Heron, para uma raiz irracional. Em outros termos, tal como o
diziam os gregos – e contra a opinião dos historiadores do século XIX – a
matemática grega foi simplesmente a continuação de uma matemática abstrata
amplamente desenvolvida que floresceu mais de mil anos antes do milagre grego.
(LOPEZ, 1978, p. 143). (ipsis verbis) (NRP 19 e 20 são grifos nossos)
Eves (2004) também trata da questão da unanimidade da atribuição a Pitágoras, mas
também não deixa de apresentar a ressalva de que os babilônios já tratavam do assunto:
17
THUREAU-DANGIN: Textes mathématiques bobilonienes. Leiden, 1938.
NEUGEBAUER, O.: The exact sciences in antiquity. Providence (RhI) 1957.
19
BRUINS, E.M.: Nouvelles Découvertes sur les Mathématiques babiloniennes. Paris, 1952.
20
Pouco sabemos a respeito de Euclides ( 330 a.C. − 260 a.C.) que, para alguns, nasceu na Síria
e estudou em Atenas. As principais referências a seu respeito foram escritas por Proclo (412 d.C. − 485 d.C.)
e Pappus de Alexandria (290 d.C. − 350 d.C.). Tido como um dos primeiros geômetras, reconhecido como um
dos matemáticos mais notórios da Grécia Clássica e de todos os tempos. É sabido, por exemplo, que lecionou
Matemática na escola criada por Ptolomeu Soter (306 a.C. − 283 a.C.), em Alexandria, mais conhecida por
"Museu", local onde galgou grande prestígio pela forma como lecionava Geometria e Álgebra, atraindo para
as suas lições um grande número de discípulos. Proclo apresenta Euclides apenas brevemente no
seu Comentário sobre os Elementos, escrito no século V, onde escreve que Euclides foi o autor de Os
Elementos, que foi mencionado por Arquimedes e que, quando Ptolomeu I perguntou a Euclides se não havia
caminho mais curto para a Geometria que Os Elementos, ele responderá que não há estrada real para a
Geometria.
21
Sugerimos cmup.fc.up.pt/cmup/mcsilva/HMTP8.pdf e
https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=343708272446841&id=100004230122582
22
Gnomon é a parte do relógio solar (agulha no formato de um triângulo retângulo) que possibilita a
projeção da sombra. Heródoto relata que os babilônios foram os inventores, mas que foi Anaximandro de
Mileto que ocidentalizou tal conhecimento. Uma distribuição em linhas ou segmentos com configuração em
forma de ângulo reto denomina-se gnomon. Consultar: http://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/ahistoria-do-relogio-de-sol-gnomon.html. e http://nrich.maths.org/776.
18
18
Já vimos que esse teorema era conhecido pelos babilônios dos tempos de
Hamurabi23, mais de um milênio antes, mas sua primeira demonstração geral
pode ter sido dada por Pitágoras. Muitas conjecturas têm sido feitas quanto à
demonstração que Pitágoras poderia ter dado, mas ao que parece foi uma
demonstração24 por decomposição [...] (EVES, 2004, p. 103). (NRP 19 – grifo
nosso)
Observemos as figuras a seguir:
Figura 3: Quadrado de lado a + b
Figura 4: Quadrado de lado a + b
Sejam a, b e c respectivamente os catetos e a hipotenusa de um triângulo retângulo
(Figura 4). O quadrado da figura 3 é decomposto em seis partes: um quadrado de área a²;
um quadrado de área b²; quatro triângulos retângulos de área ab/2. O quadrado de lado (a +
b) da figura 4 é decomposto em cinco partes: um quadrado de área c² e quatro triângulos
retângulos de área ab/2. Tomemos as duas figuras (figuras 3 e 4) e subtraiamos partes
iguais (congruentes – áreas equivalentes) de partes iguais (congruentes – áreas
equivalentes), nas figuras de áreas correspondentes. Vejamos que sobrarão os quadrados de
áreas a², b² e c². Donde se conclui que a área do quadrado maior é igual à soma das áreas
dos quadrados menores.
23
Hamurabi, Hamurábi ou Hammurabi, nasceu em 1792 a.C. e faleceu em 1750 a. C., foi o sexto rei
da primeira dinastia babilônica. Durante seu reinado conquistou a Suméria e Acádia, tornando-se o primeiro
rei do Império Paleobabilônico (Iraque).
24
Ver, porém, Solved and Unsolved Problems in Number Theory, vol. 1, p. 124-125, de Daniel
Shanks.
19
Figura 5: Quadrado de lado congruentes de áreas (a + b)²
No esquema que apresentamos na figura 5, mostramos que os quadrados possuem
áreas equivalentes e ambos têm lados medindo (a + b). Se retirarmos as partes iguais
(congruentes), das figuras 3, 4 ou 5, ficaremos com:
Figura 6: Quadrado de áreas congruentes: a² + b² = c²
No entanto, para provarmos que a parte central da segunda decomposição (figura 6)
é efetivamente um quadrado de lado c, Eves (2004) nos lembra de que:
[...] precisamos usar o fato de que a soma dos ângulos de um triângulo retângulo
é igual a dois ângulos retos. Mas o Sumário Eudemiano25 atribuiu esse teorema
25
O Sumário Eudemiano de Proclo contém um breve resumo do desenvolvimento da Geometria
grega desde seus primeiros tempos até Euclides. Proclo Lício, também conhecido por Proclo Diádoco, foi um
filósofo neoplatônico do século V. Nascido em 8 de fevereiro de 412 d.C., Constantinopla, Turquia, morreu
20
sobre triângulos em geral aos pitagóricos. E como uma demonstração desse
teorema requer, por sua vez, o conhecimento de certas propriedades sobre retas
paralelas, credita-se também aos pitagóricos o desenvolvimento dessa teoria.
(EVES, 2004, p. 104).
Bongiovanni (2014) destaca que a demonstração supracitada (figuras 5 e 6) parte da
premissa de que a soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo equivale a dois
retos e, portanto, desse fato decorre que a soma das medidas dos ângulos internos de um
quadrilátero convexo é equivalente a quatro retos. Assim, se um quadrilátero possui três
ângulos retos então o quarto ângulo será também reto; donde se conclui também que
existem retângulos e quadrados. Portanto a prova convincente do teorema de Pitágoras
apresentada nas figuras 5 e 6 apresenta hipóteses “escondidas”, tendo como ponto
nevrálgico que a soma das medidas dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Esta
proposição apresentada em Os Elementos26, no livro I de Euclides (proposição 32)27
depende do famoso e discutido quinto postulado de Euclides. Aliás, a discussão do quinto
postulado28 de Euclides é contundente para observarmos que nem toda crise leva à
incredibilidade. Foi na tentativa milenar de provar que o quinto postulado estava errado,
em 17 de abril de 485 d.C., Atenas, Grécia. Estudou na Academia Platônica. Proclo teve o mérito de
desenvolver a corrente de pensamento baseada em Platão, iniciada por Plotino e depois expandida por Porfírio
e Jâmblico. Mesmo vivendo no século V d.C., teve acesso a muitos trabalhos históricos e críticos que se
perderam, salvo alguns fragmentos preservados por ele próprio e outros. Mais informações em Guerato
(2014).
26
A obra Os Elementos, atribuída a Euclides, é uma das mais influentes na História da Matemática.
Nela, os princípios − do que se denomina de Geometria Euclidiana − foram deduzidos a partir de um pequeno
conjunto de axiomas. É composta por treze volumes, sendo: cinco sobre Geometria Plana; três sobre números;
um sobre a teoria das proporções; um sobre incomensuráveis; três (os últimos) sobre Geometria no Espaço.
Escrita em grego, essa obra cobre toda a Aritmética, a Álgebra e a Geometria conhecidas até então no mundo
grego, reunindo o trabalho de seus predecessores, como Hipócrates e Eudóxio, Euclides sistematizou todo o
conhecimento geométrico dos antigos, intercalando os teoremas já então conhecidos com a demonstração de
muitos outros, que completavam lacunas e davam coerência e encadeamento lógico ao sistema por ele criado.
Após sua primeira edição foi copiado e recopiado inúmeras vezes, tendo sido traduzido para o árabe em (774).
A obra possui mais de mil edições desde o advento da imprensa, sendo a sua primeira versão impressa datada
de 1482 (Veneza, Itália). Essa edição foi uma tradução do árabe para o latim.
(http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/euclides/euclides.htm)
27
Tendo sido prolongado um dos lados de todo triângulo, o ângulo exterior é igual aos dois
interiores e opostos, e os três ângulos interiores do triângulo são iguais a dois retos. (BICUDO, 2009, p.122)
28
“E, caso uma reta, caindo sobre duas retas, faça os ângulos interiores e do mesmo lado menores
do que dois retos, sendo prolongadas as duas retas, ilimitadamente, encontram-se no lado do qual estão os
menores do que dois retos.” (BICUDO, 2009, p. 98).
21
que outras Geometrias foram desenvolvidas (como, por exemplo, a esférica e a
hiperbólica29).
Figura 7: Um dos mais antigos fragmentos sobreviventes de Os Elementos de Euclides,
encontrado entre os Papiros de Oxirrinco30 e datado de cerca de 100 d.C. O diagrama
acompanha o Livro II, Proposição 5.
Loomis (1968)31 coletou e classificou 370 demonstrações do teorema de Pitágoras e
Santos; Silva; Lins (2012) o cita e chama atenção para o fato de que a demonstração por
decomposição é uma prova experimental, do tipo geométrico, do teorema de Pitágoras e
29
Credita-se o surgimento da Geometria Não-Euclidiana aos matemáticos Bolyai e Lobachevsky’s.
Em 1829, Lobachevsky’s publicou um trabalho, desenvolvido na Rússia, a respeito de sua descoberta da
Geometria Não-Euclidiana. A contribuição de Bolyai e de Lobachevsky’s foi descobrir que era possível
alterar o axioma das paralelas (5º postulado de Euclides) sem que uma contradição fosse criada com os outros
axiomas. Tal fato vem a ser a gênese de uma Geometria Não-Euclidiana, denominada de Geometria
Hiperbólica. Nessa época, as diferenças entre essas Geometrias, a Euclidiana e a Hiperbólica, eram
meramente formais; isto é, os respectivos conjuntos de axiomas distinguiam-se. Ou seja, não havia um
modelo concreto para a Geometria Hiperbólica, uma representação gráfica para os objetos geométricos, como,
por exemplo, para uma reta hiperbólica, como afirma Doria (2014, p.4). O primeiro modelo para a Geometria
Hiperbólica foi criado por Eugenio Beltrami (1835-1900). A Geometria Esférica fora objeto de estudo devido
aos problemas de navegação e os objetivos neste caso eram meramente computacionais.
(http://www.bienasbm.ufba.br/M32.pdf)
30
Os Papiros de Oxirrinco (ou Oxyrhynchus Papyri) são um grupo de manuscritos, a maioria em papiro,
descoberto num antigo depósito de lixo perto de Oxirrinco. Os manuscritos datam dos séculos I ao VI d.C. e
incluem milhares de documentos em grego e em latim, cartas e obras literárias. Os papiros da coleção se
dispersaram e estão atualmente alojados pelo mundo todo. Uma quantidade substancial encontra-se no
Ashmolean Museum na Universidade de Oxford.
31
A primeira edição, publicado em 1927, apresenta 230 demonstrações do teorema em um único
livro. Em 1940 saiu uma segunda edição, renovada, já com 370 demonstrações. Esse material é um
interessante referencial teórico que possibilita ao professor acessar grande número e variedades de
demonstrações
do
Teorema
de
Pitágoras.
É
possível
acessá-lo
em
PDF:
(http://files.eric.ed.gov/fulltext/ED037335.pdf).
22
permite a participação do aluno na construção do material concreto (MDP feito de EVA,
por exemplo) como também na (des)montagem do quebra-cabeça. Segundo tal referencial,
“a interação do aluno com este tipo de demonstração permite despertar o seu interesse e
aguçar a sua criatividade, tornando-o um agente ativo na construção do seu
conhecimento.”. Acrescentamos também que essa interação contribui para rompermos com
a inércia que se põe a partir do ambiente de aprendizagem do paradigma do exercício.
Pensamos também que a interação sugerida faculta que se trabalhe com ambientes que
perpassam os cenários para investigação.
Visitar a História da Matemática para entender processos e como pensavam e se
portavam diante de certas circunstâncias nossos ancestrais, como dissemos anteriormente, é
salutar, mas também podemos partir daí para outras questões, como o que se pode verificar
na proposta contida na figura 8 a seguir que aborda a questão da soma dos volumes. O
recurso midiático em curso faculta leituras que não ficam no campo da demonstração ou da
verificação, mas da observação, possível experimentação e, sobretudo discussão, pois para
que o resultado obtido seja confiável e aceitável há de se manter a altura dos prismas
envolvidos. É o caráter dinâmico (portanto, contrapondo-se ao ergon ou ao opus) que
possibilita a constatação, a verificação visual, mas é a intervenção (no sentido de orientação
sistematizada do processo) que levará à formalização e à conclusão a respeito do teorema
de Pitágoras. Se conciliarmos então o recurso de uso de material manipulativo para provar
as relações métricas como consequência das respectivas semelhanças dos triângulos
advindos de um triângulo retângulo e os formados a partir da altura sobre a hipotenusa,
acrescenta-se o tato e a manipulação permite que todas as relações sejam construídas a
partir daí, como sugerida em Chaves (2001, p. 193-195).
23
Fonte: https://www.facebook.com/Fessora/media_set?set=vb.100000073940944&type=2 ou
https://www.facebook.com/photo.php?v=807012685977855&set=vb.100000073940944&type=2&theater
Figura 8: Verificação do Teorema de Pitágoras por volumes de prismas associados aos catetos e à
hipotenusa.
Propostas como a sugerida, em visita à História da Matemática, com o propósito de
criar um cenário investigativo à aprendizagem, possibilitam, por exemplo, que retomemos o
raciocínio dedutivo, usado pela primeira vez em Matemática por Tales32 de Mileto e, em
seguida, por Pitágoras. Mais ainda, possibilita que passássemos do “como fazer” para o
“por que” fazer? Isso porque os critérios de cientificidade também perpassavam, na época,
do “como” para o “por que”. Talvez nos falte isso nas salas de aula. Urge transitarmos − no
32
Tales (625 – 546 a.C.), nascido em Mileto, colônia grega da Ásia Menor, é o primeiro dos
pensadores jônicos, fisiologista e filósofo. Para Platão Tales é o primeiro dos grandes filósofos. Aristóteles
também tece grandes elogios a Tales. Seu conhecimento de Astronomia permitia-o prever para o ano seguinte
se haveria ou não abundância na colheita de azeitonas. Heródoto refere-se a Tales como aquele que põe fim
ao combate. “Tudo o que nos contam das especulações matemáticas de Tales não passa de uma aplicação
espetacular de seu saber a alguma dificuldade real: prediz o eclipse que, aterrorizando dois exércitos em luta,
põe fim ao combate (Heródoto, Hist., I, e 74); desvia o curso rio para evitar que o exército de Creso construa
uma ponte (id., e 75, p. 78); mede o alto de uma torre, a distância que separa navios no alto-mar assim como,
graças à sua sombra projetada compara àquela do corpo de um homem, mede a altura de uma pirâmide. É por
isso que se dá em geometria o nome de Tales ao teorema das proporcionais, cuja posse é implicada por todos
esses cálculos. Claro, também os egípcios, que Tales foi visitar, eram capazes de proezas desse gênero, mas
fazendo intervir apenas técnicas empíricas, receitas de agrimensores, de ‘atadores de corda’ como diziam os
gregos, sem se alçar ao plano propriamente teórico. Essa maneira de resolver problemas práticos mediante
recurso prévio ao abstrato parece, ao contrário, própria de Tales, porque propriamente grega. [...] Tales não
estudou no Egito apenas as matemáticas; o tratado pesudo-aristotélico Sobre as Cheias do Nilo atribuiu-lhe
uma explicação do fenômeno [...]” (HUISMAN, 2001, p. 899-900).
24
que tange tanto os conteúdos programáticos em questão bem como os recursos didáticos
adotados – do “como” para o “por que”,
Por exemplo, para os pré-helênicos, afirmar que ângulos opostos pelo vértice são
congruentes era uma verdade considerada tão óbvia que bastava sobrepor um ângulo ao
outro. Qual professor ainda não adotou a técnica de dobradura em papel para sobrepor ou
justapor ângulos, com o intuito de justificar por visualização a verdade posta? Só que tal
recurso didático33 – das dobraduras – já era adotado há muito tempo, em moldes de madeira
com dobradiças em linhas que seriam eixos de simetria.
Há de lembrarmos que quaisquer tentativas de dedução por recursos algébricos não
retomam a proposta de uma Geometria dedutiva de Tales ou Pitágoras. O processo dedutivo
da época deveria ser apresentado por régua e compasso. Não nos esqueçamos de que
falamos de uma época inclusive que antecede à Axiomática de Euclides, portanto,
demonstrar por decomposição que a soma dos ângulos internos de um triângulo era dois
ângulos retos (e não 180º como dizemos hoje) era (e continua sendo) um processo que, por
não incluir artifícios algébricos não implica em possuir menos rigor. Mas matematizar
implica necessariamente em manter rigor?
Se tomarmos as obras de Malba Tahan34 veremos que são instrutivas, incentivadoras
e informativas, mas não necessariamente rigorosas ou demonstrativas. Basta examinarmos
que TAHAN (1973, p. 73-81) ao tomar os ternos pitagóricos com a proposta de abordar o
tema “Os Ternos Pitagóricos e o Amor Sincero” o assunto é abordado de forma concisa, até
33
Adotado inclusive nos processos de formação de professores da Campanha de Aperfeiçoamento e
Difusão do Ensino Secundário (CADES), programa do Ministério de Educação e Cultura, nos anos de 1960,
por Júlio Cesar de Melo e Souza, no querido Malba Tahan, Jairo Bezerra, Júlio Bruno, dentre outros.
34
Júlio César de Melo e Sousa (06/05/1895 — 18/06/1974), mais conhecido pelo heterônimo de Malba
Tahan, foi um escritor e educador matemático brasileiro. Através de seus romances foi um dos maiores
divulgadores da Matemática no Brasil. De reconhecimento internacional pelas suas obras, livros de recreação
matemática e fábulas e lendas passadas no Oriente, muitas delas publicadas sob o heterônimo/pseudônimo de
Malba Tahan. Seu livro mais conhecido, O Homem que Calculava, é uma coleção de problemas e
curiosidades matemáticas apresentada sob a forma de narrativa das aventuras de um calculista persa à maneira
dos contos de Mil e Uma Noites.
25
poética, séria, mas sem o rigor matemático esperado, pelo menos nos moldes atuais,
contudo, em momento algum a abordagem deixa de ser investigativa. Por exemplo,
TAHAN (1973, p. 75-77) argumenta que qualquer terno pitagórico será uma solução inteira
para a equação diofantina x2 = y2 + z2 na qual x é a hipotenusa e y e z são os catetos de um
triângulo retângulo. Sugere também que para obter os ternos pitagóricos basta tomar as
expressões (a2 + b2), 2ab e (a2 — b2) e atribuir aos elementos a e b, que nelas figuram,
valores inteiros, positivos e desiguais, sendo a maior do que b. “O primeiro elemento, feita
a substituição, dará o valor numérico da hipotenusa; as outras duas expressões darão
respectiva- mente os valores numéricos dos catetos.” (TAHAN, 1973, p. 76)
O problema dos ternos pitagóricos consiste então em encontrar números inteiros x, y
e z que possam representar os catetos e a hipotenusa de um triângulo retângulo. Daí, o que
está em voga e conhecer três números x, y e z que satisfaçam a relação
x y z
2
2
2
; isto é,
os números x, y e z que atendam tal relação denominados números pitagóricos. Pitágoras e
Platão, cada qual em seus respectivos tempos, trabalharam para desenvolver uma expressão
que possibilitasse sintetizar a relação entre quaisquer três números pitagóricos. Pressupõese que a partir dos ternos apresentados nas tabelas 1 e 2, Pitágoras, tomando como premissa
um número natural, m, necessariamente ímpar,
m2 1
m2 1
m
2
2
2
2
2
(1)
Já Platão, por volta de 380 a.C. para determinação desses ternos desenvolveu a
seguinte expressão:
(2m) 2 m 2 1 m 2 1
2
2
(2)
A questão é, que nenhuma dessas expressões ((1) e (2)) fornece todos os ternos
pitagóricos. A expressão desenvolvida por Platão ((2)) pode ser considerada mais geral,
pois m pode ser par ou ímpar, contudo, na expressão desenvolvida por Pitágoras ((1)) m
necessariamente deve ser ímpar.
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Como já vimos anteriormente, para os pitagóricos “Tudo é número”; no entanto, os
mesmos pitagóricos estabeleceram o que seria a gênese da relação entre a Aritmética e a
Geometria, ao relacionarem números com formas. Mais ainda, exaltaram e estudaram
propriedades dos números e da Aritmética juntamente com a Geometria, a Música e a
Astronomia, que constituíam as artes liberais básicas do programa educacional pitagórico,
o quadrivium. Assim desenvolveram os números figurados originados entre os membros
mais antigos da academia pitagórica, segundo Eves (2004, p. 100).
Esses números, que expressam o número de pontos em certas configurações
geométricas, representam a nomenclatura números triangulares, números
quadrados, números pentagonais e assim por diante. (EVES, 2004, p. 100).
Figura 9: Números figurados triangulares
Figura 10: Números figurados quadrados
A mística pitagórica relaciona a arte prática de calcular números e o estudo de
relações abstratas envolvendo os mesmos. Não nos esqueçamos de que a Escola Pitagórica
27
além de centro de estudos de Filosofia, Matemática e Ciências Naturais, foi também um
centro iniciático, onde uma irmandade pautava-se em ritos secretos e esta perdurou por pelo
menos dois séculos após a morte de Pitágoras. No entanto, tais princípios cobriam-na de
mistérios, mas não de incredibilidade.
Chamamos atenção para o fato de que, mesmo em se tratando de um assunto
consolidado por processos históricos, não é salutar entendê-lo como algo pronto e acabado
– como produto. É sempre possível que novas leituras (novos padrões) sejam efetuadas
(identificados) (Cf. NRP 32). Essas novas leituras propiciam novos aprendizados, novos
entendimentos e novas buscas, sobretudo, de padrões e, portanto, novas formas e maneiras
de depositar um novo olhar sobre algo já visto. Visitar a História da Matemática bem como
os problemas clássicos na qual nossos ancestrais se depararam bem mais do que mero
diletantismo é um convite, um desafio a rompermos com o ETM e seus dispositivos; um
convite a trabalharmos em ambientes que facultam ao aluno intuir, inferir, pesquisar,
investigar e trabalhar de forma colaborativa, investigativa e integrada.
Por exemplo, Guerato (2014), ao tratar de números figurados, abre espaço para
tecermos ao menos uma proposta: (a) de investigação histórica (ao discutir que estes se
originaram com os membros mais antigos da escola pitagórica); (b) de abordagem
conceitual, mas também histórica (pois expressam o número de pontos em certas
configurações geométricas, formando um elo entre a Geometria e a Aritmética); (c) de
ambiente de aprendizagem investigativo, pois é possível estabelecer muitos teoremas
interessantes relativos aos números figurados – veja o exemplo a seguir. “Todo número
quadrado é a soma de dois números triangulares sucessivos.”. O apelo geométrico, a partir
das representações de um número quadrado e de um número triangular, trataremos em
outro texto para não nos distanciarmos do nosso propósito.
28
3.1.2. Um embaraço pitagórico
O Livro V, de Os Elementos, é uma exposição da teoria de Eudoxo35 e apresenta a
teoria das proporções na sua forma puramente geométrica36. Foi por meio dessa teoria,
aplicável tanto a grandezas comensuráveis como a grandezas incomensuráveis, que se
resolveu o problema dos números irracionais, da qual os pitagóricos se depararam e foi
denominado de “a crise dos incomensuráveis”, tendo Cílon como pivô, conforme tratamos
no item 3.1. (Uma arqueologia da Geometria grega).
O que ficou conhecido na História da Matemática como “a crise dos
incomensuráveis”, para uns foi um retrocesso, mas para outros a grande oportunidade de
romper com algumas verdades que levaram à transvalorização de concepções pitagóricas
que eram mais místicas do que científicas: como, por exemplo, a tese de que no universo
“tudo é número”, ou seja:
Tudo pode ser explicado através dos números (inteiros) e suas razões (números
racionais). Acreditava-se também que dados dois segmentos quaisquer eles eram
comensuráveis, isto é, que existia entre eles um terceiro segmento, menor que os
dois primeiros, tal que cada um deles era múltiplo inteiro do menor. (MOREIRA;
CABRAL, 2011, p. 35).
Ávila (2011) afirma que: “foram os próprios pitagóricos que descobriram que o lado
e a diagonal do quadrado são incomensuráveis.” (ÁVILA, 2011, p. 48). No item 3.1.1.
(ternos de números pitagóricos) desse texto apresentamos o que Eves (2004, p. 103)
denomina de “demonstração por decomposição” ou “prova experimental” (Cf. figuras de 3
35
Eudoxo de Cnido (408 - 355 a. C.) é considerado por alguns como o maior dos matemáticos gregos
clássicos, em toda a antiguidade, perdendo apenas para Arquimedes. Ele rigorosamente desenvolveu o método
da exaustão de Antífona, um precursor do Cálculo Integral. Tornou-se conhecido devido à sua teoria das
proporções e ao método da exaustão, além de ter desenvolvido uma série de teoremas na Geometria, aplicou
o método de análise para estudar a secção que acredita-se ser o que hoje se denomina seção áurea.
36
Já o livro VI, de Os Elementos, aplica a teoria eudoxiana das proporções à Geometria Plana.
Encontramos nele os teoremas fundamentais da semelhança de triângulos; construções de terceira, quartas e
médias proporcionais; a resolução geométrica de equações quadráticas; a demonstração que a bissetriz de um
ângulo de um triângulo divide o lado oposto em segmentos proporcionais aos outros dois lados; uma
generalização do teorema de Pitágoras na qual, em vez de quadrados, traçam-se sobre os lados de um
triângulo retângulo três figuras semelhantes descritas de maneira análoga.
29
a 6). Vamos então tratar do argumento algébrico para dar conta de uma contraposição
aritmética a respeito da questão da incomensurabilidade.
Na Grécia antiga os gregos tratavam a questão da proporcionalidade utilizando a
sobreposição de segmentos de retas, fato que provavelmente levou-os à teoria de Eudoxo,
utilizando assim a noção intuitiva de tamanho de um número inteiro positivo através dessa
ideia. Ou seja, para tal comparação era tomado um segmento AB e um número natural m e
denotava-se por m AB os segmentos obtidos pela justaposição de cópias do segmento
AB sobre uma reta suporte; assim eram obtidas m cópias de um segmento de mesmo
tamanho. Logo, afirmar que AB = CD equivale dizer que os dois segmentos possuem o
mesmo tamanho. Daí, é possível apresentar a seguinte definição: Se AB e CD são
segmentos para os quais existem números naturais p e q tais que q AB p CD , dizemos
que esses segmentos são proporcionais.
Nesse caso adotaremos a nomenclatura apresentada em Baroni; Nascimento (2005,
p.11):
AB p
:
CD q
(3)
Consequentemente, dessa definição, uma vez que foi garantida a existência de p e
q , temos:
i.
p > q se, e somente se, AB é maior que CD ;
ii.
p < q se, e somente se, AB é menor que CD ;
iii.
p = q se, e somente se, AB possui o mesmo tamanho (ou fica sobreposto) que CD .
Observemos que se
AB k p
AB p
: , então é válido afirmar que
, para qualquer
:
CD q
CD k q
que seja o inteiro positivo k . Então, quais são todos os pares de inteiros positivos que
possuem a mesma significação que o par formado por p e q ?
30
Para dar conta a tal questão, Baroni; Nascimento (2005, p.11) apresenta a seguinte
proposição:
AB p
AB p
AB m
: e
: e mq n p
: se, e somente se,
CD q CD n
CD q
Com o propósito de demonstrar tal proposição, suponhamos que
(4)
AB p
AB m
: e
: .
CD q
CD n
Assim, de q AB p CD obtemos n q AB m p CD e também, n AB m CD , donde
tiramos m q CD n p CD e, portanto, m q n p . Reciprocamente, se
AB p
:
e
CD q
m q n p , então q AB p CD e m q n p , em que n q AB n p CD m q CD .
O que implicava, para os gregos, que q cópias do segmento de reta n AB possuem o
mesmo tamanho que q cópias do segmento de reta m CD . Logo, os segmentos n AB e
m CD têm o mesmo tamanho.
Tomemos ainda a seguinte definição apresentada em Baroni; Nascimento (2005,
p.15): Dizemos que segmentos AB e CD são comensuráveis (ou seja, podem ser medidos
com a mesma unidade de medida), se existe um segmento U e naturais p e q tais que:
AB p U e CD q U
(5)
Ou seja, o que os gregos propunham, é que os segmentos AB e CD são
proporcionais se, e somente se, são comensuráveis, e que qualquer segmento podia ser
escrito como a soma de cópias de quaisquer outros segmentos. Contudo, começou-se a
perceber que havia pares de segmentos que não eram proporcionais, segmentos que não
poderiam ser escritos como sobreposição de cópias de outro segmento qualquer, o que
começou a gerar certo espanto entre os matemáticos gregos.
Para demonstrarmos aritmeticamente a questão de segmentos não-comensuráveis,
consideremos a medição dos segmentos da figura a seguir:
31
Figura 11: Triângulo AOB , retângulo em Ô.
Seja AOB um triângulo retângulo isósceles, ou seja, AO BO , e tentemos
resolver o seguinte problema: determinar a medida da hipotenusa AB tomando como
medida de unidade o cateto AO . Se, intuitivamente, essa medida existir, então por
consequência do que afirmamos anteriormente, há um número racional r
m
em que m e
n
n são primos entre si, de forma que:
AB
m
AO
n
(6)
Segundo Caraça (1989, p. 49) tal igualdade é incompatível com outra igualdade
matemática. Dado o triângulo antecedente (Cf. figura 11), pelo teorema de Pitágoras
podemos afirmar que:
AB AO OB
2
2
2
Como AO BO , vem AB² AO² AO² , ou seja:
AB ² 2 AO ²
(7)
(8)
Substituindo a expressão (6) em (7) teremos:
m
AB ² AO ²
n
2
(9)
Mas de (8) podemos afirmar que:
32
AB ²
2
AO ²
(10)
Assim como de (9) podemos afirmar que:
AB ² m
AO ² n
2
(11)
Logo, de (10) e (11) chegamos à igualdade:
m
2
n
2
(12)
Consequentemente:
m² 2 n²
(13)
Portanto, de (13), podemos concluir que m² é um número par; contudo, se o
quadrado de um número é par, então esse número também é par. Da mesma forma que o
quadrado de todo número ímpar é ímpar. Teremos, portanto, m par. Consequentemente n
será ímpar, pois, por hipótese, a fração
m
é irredutível.
n
Consideremos, pois k a metade de m . Assim, podemos escrever que m 2 k , onde
k é um número inteiro. Substituindo este valor de m na igualdade (13) temos:
2 k ² 2 n²
4 k ² 2 n² n² 2 k ²
(14)
Donde se conclui que n ² é par e, portanto, pela mesma razão supracitada, que n
também é par. Portanto, n deve ser simultaneamente par e ímpar, visto que a fração
m
é
n
irredutível e isto é um absurdo, pois um número não pode ser simultaneamente par e ímpar.
Assim, por redução ao absurdo o lado e a diagonal do quadrado, ou a hipotenusa e o cateto
de um triângulo retângulo isósceles, são grandezas incomensuráveis.
33
3.1.3. Números pitagóricos em distribuições gnomônicas
Segundo Silva; Nunes (2014, p. 12) os gregos da Antiguidade consideravam
gnomon (etmologicamente, conhecedor) como uma peça que poderia juntar-se a uma figura
da mesma forma, mas de tamanho maior. Se tomarmos a figura 12b a seguir verificaremos
que cada gnomon, representado pelo corredor em forma de L (refletido) representa um
número ímpar da sequência (1, 3, 5, 7, 9, 11, ...). Observemos que cada novo quadrado
formado apresenta como resultado a soma dos gnomons que os constituem. Comparemos
então a figura 12b com a tabela 4 a seguir.
gnomons
Figura 12a: Representação da distribuição de
pontos em forma de quadrado
Figura 12b: Gnomons que representam a série
1 + 3 + 5 + 7 ...
Há pouco falamos dos ternos de números pitagóricos. O terno pitagórico primitivo
(3, 4, 5) gnomonicamente pode ser representado conforme na figura 13 a seguir, visto que:
3² + 4² = 5² 5² − 3² = 4²
(15)
Figura 13: Representação de um terno pitagórico na forma de gnomons.
34
Isto é, se do quadrado de 5 por 5 pontos retirarmos o gnomon constituído de 9 pontos,
portanto 3², ficaremos com um quadrado de 4 por 4 pontos.
Observando cada gnomon na figura 12b é possível construirmos a tabela 4 a seguir e
veremos que o 1º gnomon possui 1 elemento. O 2º gnomon possui 3 elementos e se
“juntarmos” com o primeiro formaremos um novo quadrado formado por 1 + 3 = 4
elementos. O 3º gnomon é formado por 5 elementos e se “juntarmos” com o primeiro e o
segundo gnomons formaremos um novo quadrado com 1 + 3 + 5 = 9 elementos.
Tabela 4 – Resultado das somas parciais por novos quadrados formados
Ordem
Adição dos elementos
Soma
1
1
1
2
1+3
4
3
1+3+5
9
4
1+3+5+7
16
5
1+3+5+7+9
25
6
1 + 3 + 5 + 7 + 9 + 11
36
Analisando algumas relações, entre linhas e colunas da tabela anterior, é possível,
por exemplo, destacarmos algumas relações. Verificando linha por linha, por recorrência,
na n-ésima linha teremos: (i) uma soma de n elementos, (ii) 2n – 1 elementos no gnomon;
(iii) a soma dos n primeiros números ímpares, começando por 1, comparando, linha por
linha, a primeira e a terceira colunas podemos verificar que o resultado é o quadrado
perfeito correspondente. Ou seja,
1 + 3 + 5 + 7 + 9 + ... + 2n − 1 = n²
(16)
Que também pode ser ilustrado conforme figura 14 a seguir:
35
Figura 14: representação gnomônica da soma de n primeiros números
inteiros positivos ímpares.
Assim, podemos generalizar que: a soma de um número qualquer de inteiros
ímpares consecutivos, começando com o 1, é um quadrado perfeito. Observemos que não
apenas o apelo de utilização das técnicas de cor, mas também a disposição gnomônica,
auxilia, senão na constatação, pelo menos na verificação, de que tal soma gera um quadrado
perfeito.
A distribuição gnomônica, bem como a organização de números segundo padrões
(como os figurados, por exemplo) constituem-se em argumentos irrefutáveis de que a
humanidade prima por tentar representar o universo, a vida, os objetos, a música, as
expressões da sua cultura segundo uma organização ou decodificação matemática. Daí a
concepção platônica de que “Deus é o grande geomêtra. Deus geometriza sem cessar.”.
Assim, efetuar leituras matemáticas do mundo não é artifício da modernidade, mas peculiar
aos seres humanos.
36
3.1.4. A sequência de Fibonacci37:
Foi em Liber Abacci (1202), seu livro mais famoso, que Fibonacci apresentou a
sequência que levou seu nome, embora tal sequência já tivesse sido descrita por
matemáticos indianos. O problema de Fibonacci consta de uma única pergunta: Quantos
pares de coelhos podem ser gerados de um par de coelhos em um ano?
Como hipóteses para solução ele considerou: (i) a cada mês ocorre o nascimento de
um par (casal); (ii) um par começa a reproduzir quando completa dois meses de vida.
Assim, observemos a figura (15) a seguir.
Fonte: (CHAVES, 2011 - 5º Seminário do Programa de Iniciação Científica do IFG)
Figura (15): Geração de pares de coelhos segundo as hipóteses do Problema de Fibonacci
37
Leonardo de Pisa nasceu em Pisa (Itália) por volta de 1175 e pensa-se que morreu em 1250,
também em Pisa. Fibonacci: diminutivo de fillius Bonacci; ou seja, filho de Bonacci. Viajou várias vezes ao
Oriente e ao Norte de África, onde o sistema de numeração hindu-arábico era já largamente usado. Teve
acesso à obra de al-Khwarismi e assimilou numerosas informações aritméticas e algébricas compilando-as em
seu livros que influenciaram a introdução do sistema de numeração hindu-arábico na Europa. Estudou as
operações elementares, assim como os números naturais, a decomposição de números em fatores primos, as
frações e as equações dentre outros.
37
Vejamos que, em colunas, temos:
1
1=1+0
2=1+1
3=1+2
5=2+3
8=3+5
13 = 5 + 8
21 = 8 + 13
...
...
....
Por recorrência podemos verificar que cada termo desta sequência (a partir do 3º) é
a soma de outros dois termos que o antecedem. Logo, em um ano a sequência gerada foi:
1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89, 144
(17)
Uma possível configuração de gnomons a considerar, relaciona a sequência de
Fibonacci com a sequência de retângulos áureos que formará uma espiral logarítmica (Cf.
figuras 16 e 17). Para tal, na figura 16, basta seguir o esquema de setas apresentadas, onde
o comprimento de cada segmento representa um termo da sequência e ao partir de um
segmento para outro rotacionamos em 90º no sentido anti-horário.
Dessa forma, na figura 16, temos: (a) um quadrado de lado 1; (b) um retângulo de
dimensões 1 e 2; (c) um retângulo de dimensões 2 e 3; (d) um retângulo de dimensões 3 e
5; (e) um retângulo de dimensões 5 e 8; (f) um retângulo de dimensões 8 e 13.
(a)
(b)
38
(c)
(d)
(e)
(f)
Figura 16: termos da sequência de Fibonacci a partir dos gnomons
Na figura 17, a seguir, temos: (i) dois quadrados de lado 1; (ii) um quadrado de lado
2; (iii) um retângulo de dimensões 2 de base e 3 de altura; (iv) um quadrado de lado 3; (v)
um retângulo de dimensões 5 de base e 3 de altura; (vi) um quadrado de lado 5; (vii) um
39
retângulo de dimensões 5 de base e 8 de altura; (viii) um quadrado de lado 8; (ix) um
retângulo de dimensões 13 de base e 8 de altura.
Figura 17: Espiral logarítmica
Como mencionamos no item 2.1. (Um possível entendimento) a busca de padrões é
intrínseca no ser humano, bem como em alguns animais. É da natureza humana procurar
identificar padrões para efetuar leituras do mundo e o trânsito entre a produção de
significados a partir de padrões geométricos é mais peculiar do que se imagina; tanto que,
ao modelarmos, buscamos sempre partir do modelo mais simples e, na busca de tal
simplificação, é peculiar a tentativa de transformar um conjunto de dados numéricos em um
gráfico ou padrão geométrico.
Ao tomarmos a sequência de Fibonacci, não relacionamos todos os possíveis
significados a serem produzidos para esse objeto, mas sim, o que em um contexto preciso
se diz efetivamente. Logo, parafraseando Cezar (2014, p. 34), as leituras que efetuamos nos
permitem refletir a respeito do que possivelmente venha a ser uma sequência de Fibonacci,
por meio de construções criadas por outras pessoas, que tomamos como verdade, porém
não necessariamente únicas. As verdades que produzimos e enunciaremos a partir do que
nos é enunciado estão relacionadas com o contexto que estas enunciações estão inseridas e
com os significados que produzimos a elas.
40
3.1.5. O número de Ouro
“A geometria possui dois grandes tesouros:
um é o teorema de Pitágoras;
o outro, a divisão de uma linha em extrema e média razão.”
(KEPLER)
O Livro VI, de Os Elementos de Euclides, na definição 3, diz: Uma reta é dita estar
cortada em extrema e média razão, quando como a toda esteja para o maior segmento,
assim o maior para o menor. (BICUDO, 2009, p. 231). Comumente os compêndios de
Desenho Geométrico, por exemplo, definem média e extrema razão (segmento áureo)
como:
Dividir um segmento em média e extrema razão consiste em dividi-lo em dois
outros segmentos tais que o maior seja a média proporcional entre o segmento
dado e o menor. O segmento maior denomina-se segmento áureo (significa
‘segmento de ouro’, considerado pelos antigos gregos como segmento da medida
perfeita). (PINTO, 1991, p. 93).
Isto é, dado o segmento AB de extremidades em A e B, o ponto X, denominado
ponto de ouro, é tal que:
AB AX
AX AB XB ,
AX
XB
onde AX é o segmento áureo.
Figura 18: Divisão de um segmento em média e extrema razão (segmento áureo)
Ainda, Pinto (1991, p. 94) destaca, na forma de receituário, o seguinte processo para
determinar um ponto X que divide um segmento de extremidades AB em média e extrema
razão: (i) traçamos uma semicircunferência (Cf. figura 19) de centro em A e extremidade
em B; (ii) prolongamos o segmento AB e determinamos o diâmetro CB ; (iii) traçamos
uma perpendicular a CB passando pelo ponto A e encontramos o raio AD ; (iv)
41
determinamos M, ponto médio do segmento CA ; (v) traçamos um arco de circunferência
com centro em M e extremidade em D até encontramos o segmento AB e determinamos o
ponto X que divide o segmento AB em média e extrema razão; (vi) o segmento AX é o
segmento áureo, visto que
AB AX
.
AX
XB
Figura 19: Técnica de determinação do ponto que divide um segmento em média e extrema razão.
Se bem observarmos AB AD r , raio do semicírculo e MA
r
. Vejamos que
2
MD R é o raio do arco DMX e, consequentemente MX MA AX ; isto é,
R
r
r
x xR
2
2
(18)
Se tomarmos o triângulo retângulo MAD e aplicarmos o teorema de Pitágoras
teremos que:
R
r 5
2
(19)
De (18) e (19) podemos concluir que:
x
r ( 5 1)
r 0,6180339887...
2
(20)
Agora, como MX MA AX de (18) e (20), temos que
42
MX R r 1,6180339887... r
(21)
Já Brandão (2014) conjectura que os pitagóricos utilizaram um processo geométrico
para determinar a média e extrema razão de um segmento; isto é, para determinar o ponto
áureo em um segmento dado.
A forma tradicional, encontrada no livro Os elementos de Euclides, de resolução
geométrica desta proporção é a seguinte: Dado o segmento AB, constroi-se o
quadrado ABA'B'; constroi-se M como o ponto médio de AA'. Prolonga-se o
segmento AA' e constroi-se a circunferência de centro M e raio MB', acha-se o
ponto C de interseção da circunferência com a semi-reta AA'; constroi-se o
quadrado de lado A'C. O prolongamento do lado DD' determina o ponto X em
AB que seciona o segmento na razão desejada.
X
FONTE: http://www.matematica.br/historia/saurea.html
Figura 20: Demonstração segundo (BRANDÃO, 2014, ipsis verbis)
Para determinarmos a medida do segmento áureo AX x , consideremos o
segmento AB a e MC y . Observemos que MC MB' y , por ser raio do arco de
circunferência MCB' . Como M é ponto médio do lado do quadrado, temos A' M
Aplicando o teorema de Pitágoras no triângulo retângulo A'MB' , temos:
a2
a 5
y a
y
4
2
2
2
a
.
2
(22)
43
Mas, como A'CDD' é um quadrado, temos que AX x y
considerarmos a 1 e de (22):
AX x
5 1 1
0,6180339887...
2
a
. Daí, se
2
(23)
Isso significa que o segmento áureo equivale a aproximadamente 61,8% do
comprimento total do segmento, mas,
1
0,6180339887...
1
1,6180339887...
0,6180339887...
(24)
denominado número de ouro.
Para construirmos um retângulo áureo, seguimos os seguintes passos: (i)
construímos o quadrado ABCD; (ii) determinamos o ponto médio M do lado AB ; (iii)
fixamos o compasso com centro em M e extremidade em C e traçamos até a reta suporte de
AB o arco de circunferência CMX, onde X é a extremidade da base do retângulo áureo
AXID.
Figura 21: Construção do retângulo áureo a partir de um quadrado.
Assim, em cada retângulo formado a relação entre base e altura está diretamente
associada à razão áurea, pois (no caso da figura 21) AX , AB e XB estão em média e
44
extrema razão. Vejamos que na figura a seguir (figura 22) temos sucessivos retângulos
áureos gerando quadrados de lados 1, 1, 2, 3, 5, 8, ... que são os termos da Sequência de
Fibonacci. Eis então uma relação entre tal sequência e razão áurea.
Fonte: (CHAVES, 2011 - 5º Seminário do Programa de Iniciação Científica do IFG
Figura 22: A Sequência de Fibonacci presente no retângulo áureo.
Ainda a respeito da Sequência de Fibonacci, observemos o que acontece quando
tomamos dois termos consecutivos e dividimos cada termo pelo seu antecedente.
MÊS
PARES
1
1
2
1
1/1
1
3
2
2/1
2
4
3
3/2
1,5
5
5
5/3
1,666667
6
8
8/5
1,6
7
13
13/8
1,625
8
21
21/13
1,615385
9
34
34/21
1,619048
10
55
55/34
1,617647
11
89
89/55
1,618182
12
144
144/89
1,617978
Tabela 5: Razão dos termos da
Sequência de Fibonacci
Figura 23: Convergência das sucessivas razões entre
termos consecutivos da Sequência de Fibonacci
45
Vejamos que há convergência (gráfico da figura 23) com uma boa aproximação
para o número phi ou número de ouro.
3.1.6. Matemática e natureza:
Sequência de Fibonacci, razão áurea, espiral logarítmica,
, a constante de Eüler
etc. causam certo fascínio às pessoas, principalmente por suas respectivas relações com a
natureza. A sequência de Fibonacci, por exemplo, se faz presente em configurações
biológicas, como na disposição dos galhos das árvores ou das folhas em uma haste. Charles
Bonnet38, em 1754, associou a sequência de Fibonacci ao crescimento espiralado dos
galhos e folhas nas plantas, em arranjos de folhas (Filotaxia)39.
Observemos
Consideremos
a
que
figura
haja
ao
um
lado.
padrão
helicoidal para as folhas em torno do caule.
Cada
conjunto
de
três
folhas
consecutivas (1, 2, 3) nascem formando um
mesmo ângulo (entre 1 e 2 e entre 2 e 3),
mantendo uma certa distância ao longo do
caule.
Figura 24: Distribuição helicoidal das folhas
Admitamos o mesmo padrão para todas as folhas. Na figura 24 temos, em 5 folhas,
2 voltas. Cada volta é entendida como uma rotação de 360º para que uma folha possa se
sobrepor à outra. Para tal, cada ângulo deverá ser igual a
2 360º
144º .
5
Charles Bonnet (Genebra, 13/03/1720 – 20/05/1793), biólogo e filósofo suíço, autor de
importantes “descobertas” biológicas como a partenogénese.
38
39
Filotaxia é o padrão de distribuição das folhas ao longo do caule das plantas.
46
Pautado nos princípios da Filotaxia, segundo Teixeira (2011)40, o adolescente Aidan
Dwyer, na época com apenas 13 anos, desenvolveu um modelo metálico de coleta solar
copiando a disposição das folhas em uma árvore. O padrão por ele utilizado foi a sequência
de Fibonacci para posicionar painéis solares como as folhas de uma árvore.
"Eu sabia que aqueles galhos e folhas coletavam a luz do sol para fotossíntese,
então meu próximo experimento iria investigar se a sequência de Fibonacci
ajudaria. Minha investigação começou quando eu tentei entender o padrão
espiral.” (DWYER, in TEIXEIRA, 2011, p. 37)
Mediu posições de galhos em várias árvores e teve a ideia de posicionar células
solares em uma armação metálica imitando a configuração natural das folhas. Em paralelo,
montou um número igual de sensores dispostos num painel, como nos coletores comerciais.
Com equipamentos simples traçou gráficos comparativos (figuras 26 e 27) da
captação solar e observou que sua árvore maluca conseguia coletar 20% mais de energia do
que o painel plano comum.
“No inverno, quando o sol é mais fraco, captei mais de 50% a mais de luz do que
no painel, ao longo do dia inteiro.” (A.Dwyer)
Figura 25: Aidan Dwyer e seu modelo metálico de coleta solar copiando a disposição das folhas em
uma árvore.
40
TEIXEIRA, Carlos Alberto. Quando a solução é apenas copiar a natureza. Sábado, 20 de agosto
de 2011; Economia. In: O Globo, p. 37
47
Figura 26: Gráfico de Setor utilizado por
Aidan Dwyer em seu experimento
3.2.
Figura 27: Gráfico de Barra utilizado por Aidan
Dwyer em seu experimento
Um pouco da vida de Leonardo Da Vinci:
No final do século XV e início do século XVI, nos deparamos com uma figura
interessante. Artista, filósofo, físico, engenheiro, inventor, arquiteto, escultor, cartógrafo,
geólogo, astrônomo, anatomista, compositor, poeta, cozinheiro, e matemático. Seu nome?
Leonardo Da Vinci, filho do notório advogado Piero de Antonio Da Vinci, e da camponesa
Catarina. Viveu em uma época propícia para desenvolver seus talentos: a Renascença. Em
poucas linhas o pensador Giorgio Vasari define Leonardo: "Cada uma de suas ações é tão
divina que, deixando atrás de si todos os outros homens, expressamente se faz conhecer
como uma coisa concedida por Deus" (BAGNI; D'AMORE, 2011, p. 1). Para Freud
Leonardo é “um homem que acordou muito cedo da escuridão enquanto outros homens
dormiam." (BAGNI; D'AMORE, 2011, p. 1).
No que tange à Matemática, Leonardo, amante da Geometria41 dedicou-se ao
trabalho com figuras geométricas. Sua realização mais notável neste campo é o poliédrico,
Como podemos constatar em Atalay (2008, p. 144): “Espalhadas entre os manuscritos de Leonardo
da Vinci, junto com desenhos, anotações, rabiscos e cálculos, há também diversas criações poliédricas, fruto
do que Leonardo denominava sua ‘recreação geométrica’. Com infinitas possibilidades de variação, esses
poliedros regulares e semirregulares parecem ter fascinado Leonardo”. (grifo nosso)
41
48
conjunto de ilustrações (Cf. figuras 28 a 30) nas obras “Summa de Arithmetica,
Geometrica, proportioni et proportionalita” (1494)42 e “De divina proportione” (1509)43 de
Luca Pacioli44.
Fonte: http://jonasportal.blogspot.com.br/2010/03/os-poliedros-de-leonardo-da-vinci.html
Figura 28: O termo Ycocedron Planus Abscisus na placa título significa icosaedro
truncado.
42
Publicado em Veneza, constituía-se como uma coletânea de conhecimentos de Aritmética,
Geometria, proporção e proporcionalidade.
43
Segunda obra mais importante de Pacioli, ilustrada por da Vinci, que tratava sobre proporções artísticas,
além é claro de utilizar e discutir a razão áurea. Segundo narrativa de Bagni; D’Amore (2011, p. 72), nas
primeiras páginas, Pacioli narra um debate, a qual denomina de “duelo científico” ocorrido na corte de
Ludovico, o Moro, em 9 de fevereiro de 1498, na presença de eclesiásticos, teólogos, médicos, engenheiros e
“ inventores de coisa novas”(entre esses inclui Da Vinci).
Luca Bartolomeo de Pacioli (1445 – 1517), monge franciscano e célebre matemático italiano. Em 1475,
tornou-se o primeiro professor de matemática da Universidade de Perugia. Pacioli tornou-se famoso devido a
um capítulo deste livro que tratava sobre contabilidade: Particulario de computies et scripturis. Nesta seção
do livro, Pacioli foi o primeiro a descrever a contabilidade de dupla entrada, conhecido como método
veneziano (el modo de Vinegia) ou ainda "método das partidas dobradas", por isso é considerado o pai da
contabilidade moderna. Esse sistema foi introduzido em 1494, em um tratado matemático o qual o mérito fora
atribuído a Leonardo de Pisa (Fibonacci), que por sua vez, introduzira tal metodologia 3 séculos antes, em sua
obra Summa. Graças à sua obra (Summa de Arithmetica, Geometrica, proportioni et proportionalita), Pacioli
foi convidado a lecionar Matemática na corte de Ludovico de Milão.
44
49
Fonte: http://jonasportal.blogspot.com.br/2010/03/os-poliedros-de-leonardo-da-vinci.html
Figura 29: Os Poliedros de Leonardo da Vinci – desenhos feitos manualmente com admirável perfeição.
Fonte: (ATALAY, 2008, p. 115)
Figura 30: Ilustrações de Da Vinci em De divina proportione.
50
Em De divina proportione além de texto explicativo, há 60 ilustrações, das quais
vários poliedros bem como o desenho de um novo tipo de letra impressa – caracteres
vitruvianos. É possível também verificar a presença de uma figura onde faz-se análise das
proporções de um rosto humano tomado de perfil; em tal gravura é traçado um triângulo
equilátero com um dos vértices localizado na base do crânio e base oposta tangenciando o
perfil (Cf. figura 30).
Da Vinci, que além de amigo também foi aluno de Pacioli, que nutria fascínio pela
Geometria45, desenvolveu uma “demonstração por experimentação” ou “demonstração por
decomposição”, apresentada em Loomis (1968, p.129), do teorema de Pitágoras.
Fonte: Loomis (1968, p. 129)
Figura 31: Demonstração de Leonardo Da Vinci do teorema de Pitágoras
Santos; Silva; Lins (2012) a partir de leituras de Lima (1998, p. 55) destaca que os
quadriláteros LCAH, HBKL, DEFG e DBAG são congruentes e, consequentemente os
hexágonos AGFEDBA e AHBKLC têm a mesma área; donde resulta que a área do quadrado
ABKC é a soma das áreas dos quadrados AGFH e EDBH.
Da Vinci se baseou no princípio da comparação de áreas. Ele fez uso de uma
forma mais complexa e de difícil visualização. Utilizou as áreas dos quadriláteros
formados a partir de uma figura desenhada anteriormente para comprovar suas
“O interesse pela geometria, já tão presente em Leonardo, cresce imensamente à medida que Luca
(Pacioli) a revela para ele.” (BAGNI; D’AMORE, 2011, p. 62 ─ grifo nosso).
45
51
equivalências e assim comprovar a relação existente entre os lados dos triângulos
retângulos. (LIMA, 2006, apud: SANTOS; SILVA; LINS, 2012).
Loomis (1968, p. 129), na demonstração 46, apresenta a mesma figura e alega não
ser necessário explanar a respeito da construção e, das 23 linhas destinadas à demonstração
de Da Vinci; apenas 8 destinam-se às comparações que levam à demonstração por
decomposição.
No entanto, propomos que debulhemos a figura 31 para outra demonstração, por
decomposição, a partir do que foi exposto.
{1} Tomemos como 1ª hipótese que o
triângulo ABH é retângulo em H (Cf.
figuras 32).
Como tese, ou seja, aquilo que
queremos mostrar, é que a soma das áreas
dos quadrados BDEH e AGFH é igual à área
Figura 32: 1ª hipótese – ABH é retângulo em
H.
do quadrado ABKC.
{2} Agora tracemos a partir dos lados do ABH os quadrados ABKC, AGFH e
EDBH. (Cf. figura 33).
{3} Ligando os vértices F e E formamos o HFE , retângulo em H e, portanto,
congruente ao ABH (Cf. figura 34).
{4} Logo a área dos triângulos HFE e ABH são iguais (Cf. figura 34).
52
Figura 33
Figura 34
{5} GH e HD são diagonais dos
quadrados
AGFH
e
EDBH,
respectivamente. Como H é um ângulo reto,
GD é um segmento de reta que passa por H
(Cf. figura35).
{6} Mas veja que os triângulos
retângulos GFH e GAH são congruentes
e, portanto têm áreas iguais, pois são
formados a partir da diagonal GH do
quadrado AGFH (Cf. figura 35).
Figura 35
{7} Analogamente os triângulos retângulos
HED e
DBH também são
congruentes e, consequentemente, têm áreas iguais, pois são formados a partir da diagonal
HD do quadrado EDBH (Cf. figura 35).
{8} Assim, de {5}, {6} e {7}, temos que os quadriláteros GFED e GABD são
congruentes.
53
{9} Se traçarmos uma paralela à HB
pasando por C e uma paralela à AH pasando por
K, formaremos o CLK , retângulo em L e
congruente46 ao EHF e ao BHA (Cf. figura 36).
{10} Observemos que no hexágono
AHBKLC temos AH // LK e HB // LC (Cf. figura
36).
Figura 36
{11} Ao traçarmos o segmento HL formamos o HAM congruente ao NLK ,
portanto com áreas iguais. Analogamente formamos o HMB congruente ao NLC ,
portanto com áreas iguais (Cf. figura 37).
{12} De {11}, devido às respectivas
relações de congruências temos que AM é
congruente a
NK , assim como MB é
congruente a NC , do que resulta que os
trapézios retângulos AMNC e MBKN são
congruentes, portanto com a mesma área.
{13} De {9}, {10}, {11} e {12}
temos que os quadriláteros AHLC e LKBH
são congruentes, portanto de áreas iguais
(Cf. figura 37).
{14} Observemos os quadriláteros
46
Figura 37
Pelo teorema de Tales, do feixe de paralelas cortadas por uma transversal.
54
HACL e GFED (Cf. figura 36). GF é congruente a AH , FE é congruente a AC e ED é
congruente a CL , pois, como vimos em {9}, CLK é congruente ao BHA .
Consequentemente o ângulo GFE é congruente ao HAC, da mesma forma que o ângulo
DEF é congruente ao ângulo LCA. Então, GD é congruente a HL o que resulta na
congruência dos quadriláteros HACL e GFED.
{15} Mas, de {8} vimos que os quadriláteros GFED e GABD são congruentes e de
{13} vimos que os quadriláteros AHLC e LKBH são congruentes. Logo, daqui e de {14} os
hexágonos AGFEDB e AHBKLC são congruentes e, portanto têm a mesma área.
{16} Vejamos que o hexágono AGFEDB é formado pelos triângulos
EHF e
BHA (de mesma área) e pelos quadrados AGFH e EDBH. Da mesma forma, o hexágono
AHBKLC é formado pelos triângulos CLK e BHA (de mesma área) e pelo quadrado
ABKC. Como estes dois hexágonos, AGFEDB e AHBKLC têm a mesma área (Cf. {15}),
por decomposição, podemos extrair os quatro triângulos congruentes – eliminando-os dois
a dois − de cada um desses hexágonos, restando assim o que queríamos demonstrar. Que “a
soma das áreas dos quadrados BDEH e AGFH é igual à área do quadrado ABKC.”.
Mas apesar de sua genialidade e desenvoltura com a Geometria, afirma Bagni;
D’Amore (2011, p. 64) que “Leonardo não parecia sentir-se à vontade com as frações.” O
que pode ser comprovado no verso da folha 191, do Código Atlântico47.
3.3. Padrões matemáticos nas obras de Da Vinci:
Os escritos mais importantes de Leonardo apontam sua relação com a Matemática.
Suas coleções mais importantes são 10 códigos48, dos quais envolvendo Matemática são:
47
Ao tratar da obra de Leonardo Da Vinci adota-se o nome de Código para cada uma de suas
coleções. Trata-se de cerca de 5.000 páginas de apontamentos que possuem a peculiar característica de terem
sido grafados da direita para esquerda, elemento característico desse notório canhoto.
48
Código Atlântico (1478-1518), Código Arundel (1478-1518), Código Windsor (1478-1518),
Código Trivulziano (1487-1490), Código Ashburnam. Códigos de Madri (1490-1505), Códigos do Instituto
de França, Códigos Foster (1493-1505), Código Leicester (1504-1506) e Código sobre o voo dos pássaros
(1505).
55
Código Atlântico; Código Arundel; Códigos de Madri; Códigos do Instituto de França;
Códigos Foster.
As considerações geométricas e as construções geométricas exatas que foram
encontradas até agora no famoso Código Atlântico e nos outros manuscritos
impressos não são suficientes, embora tudo que neles se leia seja original, para
considerar Leonardo entre aqueles que souberam acrescentar alguma página à
geometria herdada dos gregos (a única conhecida em seu tempo). Além disso, a
ideia, manifestada por ele, de obter a retificação da circunferência fazendo
escorregar uma roda sobre uma haste reta, confirma a opinião de que ele se
interessava por geometria apenas na medida em que essa ciência resultava ser útil
aos pintores e aos arquitetos. É uma conclusão que se confirma nas aplicações por
ele realizadas de algumas lúnudas de Hipócrates (...) à quadratura de figuras
complicadas, esteticamente admiráveis, mas carentes de valor científico.
(LORIA, 1929-1933, p. 263 apud. BAGNI; D’AMORE, 2011, p. 62).
Pelo que expusemos até então é possível ver que, mais do que verificar a existência
de padrões nas obras de Da Vinci, é incontestável o quanto Leonardo produz Matemática e
mesmo que os sépticos aleguem ser aquém da Matemática que hoje se conhece, lembramos
ser muito além da Matemática produzida na sua época.
Sua admiração pela razão áurea é apresentada por Bagni; D’Amore (2011):
A geometria do nosso protagonista torna-se mais culta, os problemas propostos
são quase sempre extraídos da obra de Pacioli, com frequência, por sua vez,
extraídos de Euclides. Leonardo apaixona-se pela razão áurea que lhe é
apresentada por Pacioli, à qual dá o nome de ‘divina proporção’. (BAGNI;
D’AMORE, 2011, p. 72).
Mas o próprio Leonardo declara essa admiração pela teoria das proporções
(incluindo a divina proporção) ao discorrer sobre a anatomia humana com o propósito de
tratar suas obras. Mesmo que não tenha sido o primeiro a descrever as proporções ideais do
rosto com obsessiva exatidão, escreveu mais de 800 páginas a respeito da
proporcionalidade do rosto e depois passado ao resto do corpo, como pode ser observado
no Código Atlântico e no Código Windsor.
A DIVINA PROPORÇÃO E A ANATOMIA HUMANA − A distância entre a
fenda da boca e base do nariz é um sétimo do rosto [...]. A distância entre a boca
e abaixo do queixo será um quarto do rosto, assemelhando-se à largura da boca
[...]. A distância entre o queixo e a base do nariz será metade do rosto. Se
dividirmos em quatro partes iguais o comprimento total do nariz (ou seja, desde a
56
ponta até a junção com as sobrancelhas), veremos que a parte inferior
corresponde à distância entre acima das narinas e abaixo da ponta do nariz; a
parte superior, à distância entre o duto lacrimal e o início das sobrancelhas; e as
duas partes intermediárias, à distância entre os dois cantos de cada olho.
Leonardo da Vinci (ATALAY, 2008, p. 131)
Veremos em figuras adiante que Da Vinci lançou mão de recursos que envolvem a
retângulos áureos. Já vimos anteriormente a relação entre retângulos áureos e a sequência
de Fibonacci, mas é Atalay (2008) que relaciona Fibonacci a Da Vinci:
[...] há entre a matemática, a estética e a ciência uma ligação mais ampla que nos
leva a pôr os dois Leonardos (o Da Vinci e o Fibonacci) sob a mesma égide
intelectual. Mas, no fim das contas, temos também a poderosa imagem de
afluentes intelectuais cujas nascentes eram muito anteriores (no antigo Egito, na
Índia, na Babilônia e na Grécia clássica), mas cuja confluência só se daria muito
depois. (p. 116).
Vitrúvio49 formulou uma teoria arquitetônica inspirada nas proporções do corpo
humano.
Lembremos que Leonardo da Vinci estuda as proporções da figura humana
segundo os ditames de De architectura, de Vitrúvio, que se baseia justamente nas
relações do número áureo. Segundo Leonardo, as proporções humanas são
perfeitas quando o umbigo divide o homem de maneira áurea. (BUSSAGLI,
1999). É necessário lembrar que Dürer realizou estudos análogos como prova a
imagem ... e que é espontâneo compará-la com a do homem Vitruviano de
Leonardo. (BAGNI; D’AMORE, 2011, p.80)
49
Marcos Vitrúvio Polião, arquiteto e engenheiro romano que viveu no século I a.C. deixou como
legado a sua obra em 10 volumes, aos quais deu o nome de De Architectura (± 40 a.C.) que constitui o único
tratado europeu do período greco-romano que chegou aos nossos dias e serviu de fonte de inspiração a
diversos textos sobre construções, hidráulicas, hidrológicas e arquitetônicas desde a época do Renascimento.
Os seus padrões de proporções e os seus princípios arquiteturais: utilitas, venustas e firmitas (utilidade, beleza
e solidez), inauguraram a base da Arquitetura clássica.
(http://www.unifra.br/professores/13970/aula/Aula%201%20RESUMO.pdf)
57
Fonte: (BAGNI; D’AMORE, 2011, p. 80)
Figura 38: As proporções do corpo humano, segundo Albrecht Dürer.
Da Vinci, não apenas sorvera tal teoria, mas reverenciou o criador desta nos
brindando com o Homem Vitruviano (Cf. figura. 39).
Fonte: (ANTOCCIA et al, 2004, p. 81)
Figura 39: O Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci.
58
No Homem Vitruviano a distância entre as extremidades das mãos (com os braços
na perpendicular) é igual à altura do indivíduo. Quando este eleva os braços e abre as
pernas, inscreve-se num círculo, cujo centro se localiza no umbigo. Aqui, mais uma vez, a
razão entre a altura do indivíduo e a do umbigo é a áurea: 1,618...
Tomando figuras sentadas ou eretas, com o propósito de estudar as funções
assimétricas dos hemisférios cerebrais se manifestassem diferentemente em obras de
artistas renomados Christopher Tyler, neurocientista em San Francisco, propôs uma análise
estatística levando em conta 4 hipóteses: (i) a do eixo principal; (ii) a da razão áurea; (iii) a
do centro na cabeça; (iv) a do centro em um dos olhos. Atalay (2008, p. 189) destaca que à
primeira vista, “a maioria dos observadores concordaria que, nos retratos, os olhos em geral
se localizam perto do centro da tela.”. Contudo, as análises de Tyler revelaram algo mais
preciso: “um dos olhos, quer o composicionalmente denominante quer o outro, alinhava-se
numa distribuição gaussiana (curva normal) com a reta central ou nas proximidades dela,
havendo um estreito desvio-padrão de ± 5% da largura do quadro.” (ATALAY, 2008, p.
190).
Tomando os quadros verticalmente, Tyler constatou que a altura dos olhos se
achava no maior número de vezes não nas proximidades da reta horizontal central, mas nas
proximidades do número de ouro depositado sobre a reta central vertical; isto é, a ± 61,8%
da altura do quadro, como podemos constatar nas figuras 40 e 41 a seguir.
59
Figura 40: Mona Lisa
Figura 41: Dama de arminho – Cecilia
Gallerani
4. Conclusões:
O músico e arranjador Ian Guest, em sua obra Arranjo: método prático50, diz que
“A deficiência em música, felizmente, não faz vítimas como na medicina ou no volante.
Deitar a mão no instrumento impunemente é o começo de tudo [...] e a linha de chegada.”.
Parafraseando Guest pensamos que uma deficiência em relação ao ensino de Matemática
(que pode levar ou não a um aprendizado), felizmente, não faz vítimas como na medicina
ou no volante, porém, quando tomamos o ETM como modelo, quando nos limitamos a
trabalhar no ambiente vigente que o caracteriza, quando passamos a defender a Matemática
(com seu formalismo exacerbado), bem como certa maneira de ensinar, como algo
imutável, o número de vítimas passa a ser maior do que as vítimas de trânsito ou da falta de
assistência médica adequada. Por isso defendemos usar a Matemática impunimente, tal
como o instrumento musical de Guest, ou como os códigos de Da Vinci, como uma
ferramenta a serviço de ações educativas que sejam transformadoras e comprometidas com
50
GUEST, I. Arranjo: método prático. V. 1. 4. Ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996, 150 p.
60
projetos que primam por adotar ambientes investigativos de aprendizagem. Observemos
que tal rigidez, bem como a linearidade apresentada no quadro 1, contrapõem-se a um dos
princípios norteadores para área de Matemática no Ensino Básico, apresentado nos PCN:
A aprendizagem em Matemática está ligada à compreensão, isto é, à atribuição e
apreensão de significado; apreender o significado de um objeto ou acontecimento
pressupõe identificar suas relações com outros objetos e acontecimentos. Assim,
o tratamento dos conteúdos em compartimentos estanques e numa rígida sucessão
linear deve dar lugar a uma abordagem em que as conexões sejam favorecidas e
destacadas. O significado da Matemática para o aluno resulta das conexões que
ele estabelece entre ela e as demais áreas, entre ela e os Temas Transversais, entre
ela e o cotidiano e das conexões que ele estabelece entre os diferentes temas
matemáticos. (BRASIL, 1998c, p. 56-57)
Guest nos lembra de que aprender a falar – o maior desafio da infância – é combinar
brincadeiras e desejo de se comunicar, assim como aprender a desenhar, pintar, esculpir em
massinhas, quando na infância. A música, bem como as demais formas de Arte, também
nasce pela mesma motivação. Não se prenda nos limites da leitura. Ela é o produto final e
ameaça aposentar o ouvido, bem como a criatividade. Da mesma forma lembramos que é
difícil usar a Matemática como linguagem, por isso brincar com suas ideias e princípios,
sobretudo tomando referenciais da História (da humanidade, da Arte, da Matemática, das
civilizações etc.) deva ser um grande desafio levado ao aluno. Ir aos procedimentos
adotados pelos antigos, tentar identificar significados produzidos por civilizações que
tomaram a Matemática como ferramenta, assim como Tales e Leonardo, para resolver suas
práticas cotidianas, de ordem social, artística, cultural, religiosa, econômica etc., possibilita
que se estabeleçam relações e se produzam − além da capacidade de argumentação,
comparação e validação de processo − o desenvolvimento da Matemática como linguagem,
tal como é enunciado nos princípios a seguir dos PCN:
▪ No ensino de Matemática, destacam-se dois aspectos básicos: um consiste em
relacionar observações do mundo real com representações (esquemas, tabelas,
figuras, escritas numéricas); outro consiste em relacionar estas representações
com princípios e conceitos matemáticos. Nesse processo, a comunicação tem
grande importância e deve ser estimulada, levando-se o aluno a ‘falar’ e a
‘escrever’ sobre a Matemática, a trabalhar com representações gráficas, desenhos,
construções, a aprender como organizar e tratar dados.
▪ O ensino da Matemática deve garantir o desenvolvimento de capacidades como:
observação, estabelecimento de relações, comunicação (diferentes linguagens),
argumentação e validação de processos e o estímulo às formas de raciocínio
61
como intuição, indução, dedução, analogia, estimativa. (BRASIL, 1998c, p. 5657)
A motivação para aprender Matemática deve estar presente na sua utilização, na
resolução de problemas locais, pontuais, úteis à vida e que permitam o exercício da
experimentação, intuição, da investigação. Não nos prendamos aos limites do formalismo,
pois o formalismo matemático é produto (ergon ou opus), não processo, e ameaça a todos
aqueles que pensam em usar a Matemática como uma ferramenta de leitura do mundo e de
criatividade às suas vidas. Lembremo-nos que as obras de Da Vinci (produto) são frutos de
observações, estudos, testagens, esboços, ensaios (processo).
Com essa proposta a construção do conhecimento matemático se dá pelo desejo de
usar a Matemática impunimente, como um instrumento, uma obra de arte e de forma
prática. A comunicação (aprendizado) se estabelece quando o aluno experimenta a
Matemática (brincando com erros e acertos) na intervenção de um problema local, na
investigação de algo que lhe é proposto quando envolve um número maior de sentidos,
como o tato, associado à visão, à audição e até ao olfato, pois as obras de arte têm cheiro,
sobretudo telas e livros. Isso faz sentido e gera aprendizado. Lembremo-nos que ensinar é
algo distinto de aprender. O professor pode ensinar bem e isso não implica que o aluno
compartilhará do mesmo espaço comunicativo que o professor. É possível que esteja aí um
dos grandes problemas do ETM: acreditar que basta ensinar para aprender.
Usar a Matemática, seus princípios e procedimentos como ferramentas a serviço de
temas geradores, processos investigativos, retomada à História (da humanidade, da Arte, da
Matemática, das civilizações etc.), processo de leitura e interpretação de obras de arte etc.,
é um convite a desapegarmo-nos do ETM – sobretudo um convite à liberdade. Trabalhar a
Matemática em sala de aula dessa forma é cultivar a liberdade de se expressar e não deixala morrer. Para tal, precisamos estimular a criatividade e diante disso, o professor de
Matemática assume o compromisso de, além de tratar das estruturas matemáticas, passa a
trabalhar com seus princípios para permitir que seja construído o acesso à liberdade de
criar, intuir, experimentar, investigar. Os papéis das fórmulas, regras, definições, corolários,
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teoremas etc. deixam de serem os principais entes do processo de ensinar e são reduzidos
quando comparados a propostas que possibilitem a construção do conhecimento, da
criatividade.
Tal como a música e a pintura, entendemos a Matemática como uma linguagem
desenvolvida e lapidada, sendo de fundamental importância que alunos e professores
brinquem com ela, antes de se preocuparem com sua densa teoria e notação. Brincar para
compreender seus princípios básicos. Primeiramente é preciso construir o conhecimento a
respeito do que significa em termos de ideia, adicionar, subtrair, grandezas direta ou
inversamente proporcionais, ou grandezas (in)comensuráveis, para depois aprender a
expressar algebricamente a leitura de um problema ou trabalhar com dado algoritmo. Dar
nome a potência, raiz de equação, parábola etc. é consequência de se produzir significados
pertinentes aos princípios fundamentais dessas coisas e onde elas podem ser usadas.
A atividade matemática escolar não é ‘olhar para coisas prontas e definitivas’,
mas a construção e a participação de conhecimentos pelo aluno, que se servirá
dela para compreender e transformar sua realidade. (BRASIL, 1998c, p. 56-57)
Uma conclusão que chegamos foi: é preciso desestabilizar o ETM, como também,
qualquer estrutura rígida de controle que tenta tomar o professor como agente multiplicador
de ideias, valores e costumes, para que possamos transvalorizarmo-nos e com isso
minimizarmos os impactos socioambientais e culturais produzidos pelo regime de verdade
que privilegia o consumo, as injustiças e a destruição dos recursos naturais em prol do lucro
e da imposição incisiva de suas verdades.
Defendemos
como
verdade
que
promover
ambientes
investigativos
de
aprendizagem − pautado em princípios de liberdade − valorizando os potenciais artísticos e
culturais dos alunos, constituem-se como instrumentos de desestabilização da atual ordem
social vigente, mas que também é necessário desenvolver tais ambientes livremente para
que não sejam capturados pelas instituições de sequestro passando a sofrer restrições que
inviabilizem seu caráter despojado, comprometido, sobretudo com a experimentação e com
o livre pensar, com o respeito ao indivíduo e à natureza.
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Optamos por desestabilizar o ETM a partir de questões artísticas e históricas para
que possamos subverter a concepção positivista e homilética de propagação de discursos
segundo o foco da necessidade de utilizar a Matemática como base às relações de comércio,
em prol de utilizá-la para minimizar impactos que prejudicam o ambiente e alijam as
pessoas. Para tal, deixamos como recomendação:
Evite aceitar as coisas sem questioná-las – teste-as antes. Nunca desista de aspirar
ao aprimoramento pessoal, não importando em que fase da vida esteja: leia
sempre, leia com espírito crítico, procure o significado das palavras que não
conhece, para assim ampliar o vocabulário. Tenha consigo um bloquinho e faça
desenhos (mesmo se já se convenceu de que não sabe desenhar); isso o tornará
mais observador. Observe à maneira do cientista, usufrua à maneira do artista.
Registre suas observações. Experimente, sabendo muitíssimo bem que alguns
experimentos hão de fracassar. Entretanto, é assim que se alcança um
conhecimento mais profundo. É importante ser curioso, é importante explorar
diferentes mundos intelectuais – e é essencial buscar as correlações entre eles. O
modelo que funcionou maravilhosamente bem para ele não fará jamais que nos
tornemos outro Leonardo, um homem que tantos estudiosos consideram “o maior
gênio que já existiu”. Todavia, esse modelo não deixará de fazer que cada um de
nós se torne muito mais criativo e seja mais ativo e efetivo no mundo intelectual
que habitamos. (ATALAY, 2008, p.328-329).
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